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Julia de Assis Barbosa Soares DA ABSTRAÇÃO À FORMA: UMA ABORDAGEM REFLEXIVA E PRÁTICA SOBRE O ENSINO- APRENDIZADO EM MODELAGEM CRIATIVA Dissertação apresentada ao Programa de Pós- graduação em Design, da Universidade do Estado de Minas Gerais - UEMG, como requisito para obtenção do título de Mestre em Design, na linha de pesquisa: Cultura, Gestão e Processos em Design. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Rosemary Bom Conselho Sales Belo Horizonte 2019 S676d Soares, Julia de Assis Barbosa Da abstração à forma : uma abordagem reflexiva e prática sobre o ensino-aprendizado em modelagem criativa [manuscrito] / Julia de Assis Barbosa Soares . - 2019. 159 f. , enc. : il., color. fotogr. ; 31 cm. Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Design, 2019. Orientadora: Profa. Dra. Rosemary Bom Conselho Sales. Bibliografia: f. 140-144 1. Modelagem – Estudo e ensino. 2. Desenho de moda. 3. Roupas – confecção - moldes. I. Sales, Rosemary Bom Conselho. II. Universidade do Estado de Minas Gerais. Programa de Pós-graduação em Design. III. Título CDU: 37:746.4 Bibliotecária responsável: Gilza Helena Teixeira CRB6/1725 À Enok de Moura S. Filho, meu pai e pessoa mais inventiva que já conheci (in memorian). AGRADECIMENTOS A realização deste trabalho só foi possível com o apoio e a colaboração da minha família, dos amigos e colegas, e que aqui dedico meus sinceros agradecimentos a: Dulce e Tatiana, mãe e irmã, mulheres da minha vida que sempre apoiaram meus projetos, dando força para persegui-los. Profa. Dra. Rosemary, orientadora, por ter me guiado com seus conhecimentos do mundo da pesquisa científica e sua parceria, sempre com calma e acreditando em minha capacidade de ir até o fim. Prof. Dr. Edson, por me fazer acreditar em um caminho ético e prazeroso possível na vida acadêmica. Tailze, Angélica e Cássia, membros das bancas de qualificação e defesa, pelo tempo dedicado ao trabalho e preciosas contribuições. Mauro, grande amigo, que incentivou meu ingresso ao programa dando suporte mesmo em momentos difíceis, e registrando com beleza e companheirismo mais um trabalho de minha trajetória. Michelle, chefe e amiga, pela compreensão nas mudanças de horários de trabalho e todas as adaptações necessárias para conciliar tantas demandas. Maria Vitória (Tóia), que me introduziu aos conhecimentos da modelagem de forma tão graciosa e inesquecível. Julia Valle, Daise e Mariana, colegas de docência que tanto me acolheram e compartilham da mesma curiosidade e criatividade com relação ao universo da costura e modelagem. Maria Goreti, Juliana e Ana Paola, por toda a abertura e receptividade como professora substituta e ao projeto desenvolvido na UFMG. Thais, Clara, Luciana, Fran, Sabrina, Sandra e Bárbara, companheiras de mestrado que dividiram momentos de descoberta, ânimos e desânimos da rotina acadêmica. Murilo, Luisa Luz, Rafo, Bruno, Marcela Melo, Kárin, Raissa, Gabi e Nani, amigos queridos que estão sempre presentes, mesmo que as vezes distantes fisicamente, e que transformam meus dias em momentos mais felizes. Os professores de modelagem que gentilmente participaram e contribuíram para a pesquisa. Os alunos da UFMG, pela confiança, dedicação e aprendizado em sala de aula. “A criatividade faz parte da natureza humana. Só pode ser desaprendida.” Ai Weiwei RESUMO A complexidade está presente em nossa sociedade e muitas vezes se manifesta por meio dos problemas que surgem em todos os contextos socioculturais. O designer é um ator social importante para o entendimento destes problemas, pois atua na proposição de soluções por meio da inserção de serviços e produtos na sociedade. Desta forma, percebe-se a necessidade do alinhamento entre as demandas dos cenários atuais com os processos de formação destes profissionais. A modelagem é uma etapa importante na criação e construção do vestuário, porém, o ensino desta disciplina nos cursos de Design de Moda geralmente acontece por meio de métodos tradicionais e pouco convidativos. A Modelagem Criativa, apesar de ser pouco explorada no âmbito da academia, vem ganhando espaço de pesquisa e pode auxiliar na aplicação desses métodos didáticos. Sua forma intuitiva e experimental permite que a criação e a construção de roupas passem a ser observadas como complementares, abrindo possibilidade de um encontro entre prática e teoria na área da moda. Nesse sentido, a presente pesquisa investigou como a Modelagem Criativa está sendo abordada nos cursos de graduação em Design de Moda no estado de Minas Gerais. Para tanto, realizou-se um levantamento dos atuais métodos utilizados e das disciplinas que adotam essa proposta. A pesquisa contou ainda com uma prática experimental, a fim de analisar como os conhecimentos sobre Modelagem Criativa podem ser aplicados no processo formativo de alunos de graduação. Buscou-se avaliar sua contribuição no desenvolvimento do aprendizado e no potencial criativo dos alunos, assim como seu grau de importância e incorporação no cenário acadêmico. Palavras-chave: Design de moda. Ensino. Modelagem criativa. Processo criativo. ABSTRACT Complexity is present in our society and often manifests itself through the problems that arise in all sociocultural contexts. The designer is an important actor for the understanding of these problems because he acts in the proposition of solutions through the insertion of services and products in the society. The need to align the demands of the current scenarios with the educational processes of these professionals is perceived. Pattern cutting is one of the most important steps in the creation and construction of clothing, however, the teaching of this discipline usually happens through traditional and uninviting methods. Creative pattern cutting, although still little explored, has been gaining space for research within the academy and may be complementary to these didactic methods. Instead of its mathematical thinking, this discipline can be presented in a more intuitive and experimental way. These new approaches allow the creation and construction of clothing to be observed as complementary, allowing the encounter between practice and theory in the field of fashion. Therefore, the present research aimed to understand how creative pattern cutting is being approached in undergraduate courses of Fashion Design in Minas Gerais, Brazil. Therefore, a survey of the current methods used and the disciplines that adopt this proposal was carried out. The research also had an experimental practice in order to analyze how creative pattern cutting can be applied to undergraduate students. The aim was to evaluate the contribution to develop students' learning and creative potential, as well as the level of importance and incorporation into the academic setting concerning this topic. Keywords: Fashion design. Teaching. Creative Pattern Cutting. Creative process. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Modelagem de um gibão para mulheres (1580) ...................................................... 21 Figura 2 - Instruções para tirar medidas. Scott´s Mirror of Fashion (Scott, 1849). .................. 24 Figura 3 - Ilustração e modelagem de um modelo de Vestido Princesa vendidocom molde pela Harper´s Bazar (1892). ...................................................................................................... 30 Figura 4 - Embalagem de molde para jaqueta masculina adulto e infantil (1926). ................. 35 Figura 5 - Cristóbal Balenciaga trabalhando seu ateliê, Paris (1968). ...................................... 37 Figura 6 - Imagem usada na mala-direta da marca Comme des Garçons para a coleção Outono-Inverno 1997/98. ........................................................................................................ 65 Figura 7 - Registro fotográfico do espetáculo de dança Scenario 1997, de Merce Cunningham. ............................................................................................................................. 66 Figura 8 - Proposta de Yohji Yamamoto para releitura do terno nas Coleções Primavera- Verão (2006/2019). .................................................................................................................. 68 Figura 9 - Issey Miyake: Vestido Flying Saucer, Primavera-Verão (1994) ................................ 70 Figura 10 - Imagens de workshop ministrado por Julian Roberts ............................................ 78 Figura 11 - Kinetic Garment Construction: Mapeamento do caimento do tecido para criação de novas linhas guias para modelagem.................................................................................... 79 Figura 12 - Imagens do processo de modelagem do projeto Dress(v.): fotografias cotidianas, vetores, esboços e peça final. .................................................................................................. 80 Figura 13 - Etapas da metodologia de trabalho e seus objetivos específicos .......................... 83 Figura 14 - Técnicas e atividades realizadas de acordo com os princípios de Esquivel (2013) 88 Figura 15 - Exemplos de corte da forma plana triangular e reordenação das partes .............. 91 Figura 16 - Fluxograma de mapeamento das instituições de ensino superior em moda no estado de Minas Gerais ............................................................................................................ 95 Figura 17 - QR code com direcionamento para todas as imagens registradas da disciplina . 102 Figura 18 - Técnica 1 - INCUBAÇÃO - Esboço da peça a ser criada no caderno de processo . 104 Figura 19 - Técnica 1 - ILUMINAÇÃO - Casco em papel calandrado ....................................... 105 Figura 20 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 1 ................................................................. 107 Figura 21 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 2 ................................................................. 108 Figura 22 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 3 ................................................................. 109 Figura 23 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 4 ................................................................. 110 Figura 24 - Técnica 2 - INCUBAÇÃO- Esboço do corpo a ser criado no caderno de processos ................................................................................................................................................ 112 Figura 25 - Técnica 2 - ILUMINAÇÃO – Modificação do corpo do manequim por bourrage + moulage .................................................................................................................................. 113 Figura 26 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 5 com bourrage ......................................... 115 Figura 27 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 5 sem bourrage ......................................... 115 Figura 28 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 6 com bourrage ......................................... 116 Figura 29 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 6 sem bourrage .......................................... 116 Figura 30 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 7 com bourrage ......................................... 117 Figura 31 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 7 sem bourrage .......................................... 117 Figura 32 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 8 com bourrage ......................................... 118 Figura 33 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 8 sem bourrage .......................................... 118 Figura 34 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 9 ......................................................................................................... 120 Figura 35 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 10 ....................................................................................................... 121 Figura 36 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 11 ....................................................................................................... 122 Figura 37 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 12 ....................................................................................................... 123 Figura 38 - Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 9 ............................................................................................................................... 124 Figura 39 - Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 10 ............................................................................................................................. 124 Figura 40 - Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 11 ............................................................................................................................. 125 Figura 41 - Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 12 ............................................................................................................................. 125 Figura 42 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 9 ................................................................. 126 Figura 43 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 10 ............................................................... 127 Figura 44 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 11 ............................................................... 128 Figura 45 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 12 ............................................................... 129 Figura 46 - Gráfico de experiência prévia dos alunos em modelagem .................................. 131 Figura 47 - Gráfico da facilidade/dificuldade em modelagem ............................................... 131 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Mapeamento de construção dos trajes de acordo com Civilização/Cultura .......... 17 Tabela 2 - Questionário de perguntas aos professores entrevistados .................................... 85 Tabela 3 - Questões direcionadas para os alunos participantes da prática experimental. ..... 93 Tabela 4 - Listagem de disciplinas relacionadas à modelagem ofertadas pelos cursos em análise ....................................................................................................................................... 96 Tabela 5 - Respostas dos docentes à Questão 1 ...................................................................... 97 Tabela 6 – Respostas aos métodos utilizados pelos entrevistados: Questão 2 ....................... 98 Tabela 7 - Respostas dos docentes quanto à modelagem criativa (Questão 5 e 6) ................ 99 Tabela 8 - Inseguranças e seguranças dos alunos na prática de modelagem ........................ 132 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO 12 1.2 Objetivo 14 1.2.1 Objetivos específicos 14 2. REVISÃO DA LITERATURA 15 2.1 Modelagem, breve histórico15 2.1.1 A modelagem antes da moda 15 2.1.2 Primeiros ateliês e métodos registrados 19 2.1.3 A modelagem e a industrialização 25 2.1.4 O século XX e democratização da moda 33 2.2 Design para a complexidade 41 2.2.1 Cenários atuais e perspectivas para o design 41 2.2.2 Criatividade, design e design de moda 47 2.2.3 Método e processo na prática educativa e no design de moda 55 2.3 A experimentação como potencial criativo de modelagem 62 2.3.1 A modelagem como processo formal e conceitual 64 2.3.2 Pesquisa científica e a Modelagem Criativa 73 3. METODOLOGIA 83 3.1 Primeira etapa – Mapeamento das instituições de ensino de moda no estado de Minas Gerais 83 3.2 Segunda etapa – Entrevista com os professores 84 3.3 Terceira etapa – Estudo de caso: prática experimental “Moulage Criativa” 86 3.4 Quarta etapa – Entrevistas com os alunos e mesa redonda 93 4. ANÁLISES DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO 94 4.1 Mapeamento das instituições de ensino em moda 94 4.2 Entrevistas com professores de modelagem 96 4.3 Estudo de caso: prática experimental - Moulage Criativa 102 4.3.1 Técnica 1: Modelagem tridimensional com papel calandrado 103 4.3.2 Técnica 2: Bourrage + moulage 110 4.3.3 Técnica 3: Manipulação das formas planas + moulage 119 4.4 Entrevista com os alunos 130 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 136 REFERÊNCIAS 140 ANEXOS 145 APÊNDICES 153 12 1 INTRODUÇÃO A globalização intensificou a cultura do consumo e a indústria da moda sofreu grandes alterações a partir da década de 1980. Os modos de produção, distribuição e consumo de bens e de serviços se voltaram para uma estratégia mundial e desterritorializada, promovendo uma homogeneização de diferentes culturas por intermédio dos meios de comunicação. Atualmente é possível encontrar em diferentes partes do mundo, pessoas consumindo os mesmos tipos de produtos, assistindo os mesmos filmes ou usando as mesmas marcas de roupas. Tal padronização permite que grandes grupos financeiros ditem as tendências e desejos de consumo em troca de um rápido retorno de capital investido (CARDOSO, 2012; AVELAR, 2011; MORAES, 2014). Na contramão da padronização dos estilos, surgem marcas que propõem a revitalização de suas culturas de origem como também de técnicas artesanais, mesclando tradição e inovação (LIPOVETSKY, 2009). Alguns exemplos são: o legado dos estilistas japoneses da década de 1980 que está presente nos atuais livros de modelagem 3D, como a coleção Pattern Magic1, ou a ousadia dos belgas da mesma década, que a partir da formação do grupo AntwepSix2, deu visibilidade a uma das escolas de moda europeia mais experimental nos dias de hoje (AVELAR, 2011). Não existe mais apenas um caminho a seguir. As possibilidades de atuação, como também os problemas propostos aos designers do século XXI, são de natureza complexa e demandam novas abordagens metodológicas que sejam compatíveis (MORAES, 2014). O papel das instituições de ensino é permitir que estas novas abordagens sejam desenvolvidas e testadas no âmbito teórico-prático, para auxiliarem na formação de profissionais conscientes e coerentes com a contemporaneidade. A criatividade, tão presente nos processos dos designers, ainda mantém a sombra do pensamento popular de ser um momento de iluminação repentina na mente do criador (ESQUIVEL, 2013). Desde o surgimento dos primeiros estilistas, estabeleceu-se uma espécie de glamour em torno da figura criadora das coleções de moda, que perpetua o pensamento da divina 1 Pattern Magic. A magia da modelagem é uma coleção de livros de modelagem, resultante de pesquisas que Tomoko Nakamichi desenvolveu para contribuir para a formação de seus alunos do Bunka Fashion College de Tóquio. 2 Refere-se a um grupo de designers de moda que se formou na Royal Academy of Fine Arts, da Antuérpia entre 1980-81. 13 inspiração. Porém, estudos acadêmicos em torno da criatividade e dos processos criativos em diversas áreas do conhecimento como, por exemplo, nas artes, no design e até na engenharia, contribuem para uma visão mais racional que aborda a criatividade a partir da interação entre a realidade e a inteligência. Sob esta perspectiva, para que seja possível criar, é necessário saber equilibrar o conhecimento técnico com a intuição, lançando mão das experiências passadas com as realidades do presente, formulando novas combinações e possibilidades (MANZINI, 1993; OSTROWER, 2007; NIKU, 2009). A modelagem é uma etapa importante na criação e construção do vestuário. O ensino desta disciplina nos cursos de Design de Moda no Brasil, acontece muitas vezes por meio de métodos tradicionais e pouco convidativos. O enfoque na precisão técnica deste conhecimento acaba por gerar frustração e bloqueios nos alunos que não conseguem assimilar os métodos apresentados. O que é percebido, infelizmente, é que poucos alunos perseguem a profissão de modelistas ou até mesmo de designers com uma boa base em modelagem (LIMA; ITALIANO, 2016; BEDUSCHI, 2013; ALMOND, 2010). Novas abordagens didáticas com características mais criativas e experimentais têm se tornado objetos de pesquisas dentro da área, apesar de ainda pouco compartilhadas e discutidas (VALLE-NORONHA, 2016). Ao contrário dos métodos matemáticos, a modelagem é apresentada de maneira a estimular a experimentação e a quebra de regras e tal prática vem recebendo titulações como ‘modelagem criativa’, ‘modelagem experimental’, ‘corte criativo’. Por meio da experimentação e do exercício de pensar por meio do fazer, estas novas abordagens permitem que a criação e a construção de roupas passem a ser observadas como complementares, permitindo o encontro entre a prática e a teoria (ALMOND, 2016; VALLE- NORONHA; CHUN, 2018). Devido à dificuldade percebida dos alunos em compreender a modelagem como um recurso rico para a criação e construção de roupas, esta pesquisa se justifica pela análise dos métodos de modelagem criativa que vem sendo utilizados nos cursos de graduação em Minas Gerais. Considerados como mais convidativos e de fácil assimilação, tais métodos podem contribuir para o melhor entendimento sobre modelagem por parte dos alunos, para que eles possam utilizá-la como ferramenta em seus processos de criação. Este trabalho teve como premissa investigar como a modelagem criativa é abordada nos cursos de graduação em Design de Moda e como se relaciona com o aprendizado e a 14 percepção sobre modelagem por parte dos estudantes, servindo como instrumento capaz de desenvolver o potencial criativo. Para tanto, realizou-se uma análise do contexto atual e estado da arte relacionado ao fazer criativo, às práticas dos designers de moda, como também sua relação com as técnicas de modelagem de roupas por meio de uma revisão crítica da literatura. Com relação a metodologia, a parte prática desta pesquisa baseou-se na investigação dos métodos utilizados em instituições mineiras de graduação em Design de Moda, optando assim, pela abordagem exploratória e descritiva. Por meio da aplicação prática de uma abordagem de ensino em modelagem criativa para alunos de graduação em moda, esta pesquisa propôs também um estudo de caso. Pretendeu-se explorar qual o relacionamento por parte dos alunos, com o aprendizado e a percepção da modelagem criativa. Também se atentou em demonstrar que, por meio dos estudos sobre criatividade e complexidade no design, é possível se repensar as formas de ensino-aprendizagem no Design de Moda, e especificamente em modelagem. 1.2 Objetivo Investigar como a “Modelagem Criativa” abordada nos cursos de graduação em design de moda no estado de Minas Gerais, pode servir como instrumento capaz de desenvolver o potencial criativo e prático dos alunos na criação de peças do vestuário. 1.2.1 Objetivos específicos • Mapear instituições de ensino superior em moda no estado de Minas Gerais e avaliarse a modelagem criativa é abordada em suas práticas de ensino; • Avaliar, por meio de entrevistas semiestruturadas direcionada aos professores, se a metodologia de modelagem criativa está sendo incorporada em algumas das disciplinas das instituições e em qual grau de profundidade; • Realizar estudo de caso, a partir da aplicação de uma prática experimental em disciplina optativa para estudantes de graduação do Curso de Design de Moda; • Realizar entrevista e mesa redonda com os estudantes, para avaliar a sua percepção com relação a prática experimental adotada e seu potencial de aplicação. 15 2 REVISÃO DA LITERATURA 2.1 Modelagem, breve histórico A definição de modelagem segundo Rosa (2009, p. 20) é a “técnica responsável pela construção de peças do vestuário, através de leitura e interpretação de modelo específico. Tal procedimento implica na tradução das formas da vestimenta, estudo da silhueta, tecidos entre outros elementos da peça a ser produzida”. Sob o ponto de vista pedagógico, a modelagem pode ser dividida em dois tipos: (i) modelagem plana: consiste na construção dos moldes utilizando os princípios da geometria e do estudo anatômico do corpo humano para o traçado de diagramas que resultarão em formas que irão envolver o corpo; (ii) modelagem tridimensional: executada pela manipulação de tecido sobre um manequim, de forma a facilitar a visualização do corpo em três dimensões (altura, largura e profundidade) (ROSA, 2009; MARIANO, 2011). Neste sentido, a modelagem demanda um conjunto de conhecimentos complementares que abordam desde estudos sobre o corpo humano e seus movimentos, passando pela composição e caimento de tecidos, como também pelas técnicas de corte e costura. Por ser o meio de materialização dos desejos e ideais estéticos vigentes, também está intimamente ligada às demandas sociais e culturais de cada período histórico. Com o objetivo de demonstrar a correlação entre as técnicas e métodos criados com as ferramentas e tecnologias disponíveis em cada momento, torna-se necessária a contextualização histórica do desenvolvimento da modelagem. Nesta pesquisa, a contextualização histórica foi baseada nas publicações de historiadores da moda, como Laver (1989), Fogg (2013), Taylor (2002), Lipovetsky (2009) e Avelar (2011), Maleronka (2007). Publicações direcionadas para o ensino teórico e técnico de modelagem também serviram de base para comparar fatos e levantar técnicas utilizadas em cada período. Entre eles estão os autores Duburg (2012), Emery (2014), Sabra (2009) e Rosa (2009). 2.1.1 A modelagem antes da moda A modelagem de roupas antecede a própria Moda e seu surgimento caminha junto ao desenvolvimento das técnicas de tratamento do couro e da tecelagem de fibras naturais. Segundo Laver (1989), é possível identificar até nas últimas culturas paleolíticas, o início do 16 uso de couro para a confecção de vestimentas. A partir da necessidade de se proteger do frio intenso, o homem primitivo percebe que as peles dos animais podem ser úteis porém com algumas limitações: era necessário descobrir formas de impedir que o couro ficasse duro e inflexível após a secagem, além de moldá-lo ao corpo para que poucas partes ficassem expostas. O primeiro problema foi resolvido inicialmente por meio do experimento de aplicação de óleos, gorduras de animais marinhos ou da mastigação do material, porém, não ofereciam um tratamento duradouro. O processo de curtimento do couro foi o mais eficaz e, a partir da imersão em substâncias extraídas de cascas de árvores que contém ácido tânico, “as peles tornam-se permanentemente maleáveis e a prova d’água. Esse processo permitiu que as peles fossem cortadas e moldadas,” (LAVER, 1989, p. 10) resolvendo o segundo problema, o da modelagem. A agulha de mão feita de marfim surge para ajudar nesta moldagem e união dos pedaços de peles em torno do corpo. O processo de feltragem surgiu a partir da técnica do penteamento3 de lãs e pelos de animais, que em seguida eram compactados gerando um não-tecido4 maleável e durável. As fibras animais assim como as cascas de árvores e fibras vegetais também foram base para o desenvolvimento da tecelagem, uma técnica primitiva utilizava estas fibras e cascas conforme descrito por LAVER (1989, p. 11): [...] as cascas eram arrancadas e mergulhadas em água. Três camadas eram então colocadas sobre uma pedra chata, sendo as fibras da camada do meio dispostas de modo a formar ângulos retos com as das outras duas. As camadas eram então sovadas com um malho até que se juntassem e passava-se óleo ou tinta no tecido para aumentar a durabilidade. Apesar de serem difíceis de cortar e moldar, os tecidos de cascas podem ser considerados uma etapa introdutória aos métodos de tecelagem que apareceriam mais tarde. No entanto, para que fosse possível o desenvolvimento dos teares era necessário o cultivo de fibras como o algodão e linho. Tal procedimento demandou uma estabilização das moradias dos cultivadores nas regiões de cultivo (LAVER, 1989; FOGG, 2013). A partir das primeiras comunidades fixas foram surgindo as técnicas de fiação e estabelecida a manufatura de 3 A Penteação é um processo têxtil de preparação das fibras para confecção de tecidos com o objetivo de melhorar a qualidade e resistência dos fios. 4 Conforme a norma NBR-13370, não-tecido é uma estrutura plana, flexível e porosa, constituída de véu ou manta de fibras ou filamentos, orientados direcionalmente ou ao acaso, consolidados por processo mecânico (fricção) e/ou químico (adesão) e/ou térmico (coesão) e combinações destes. Portanto, é um tecido produzido a partir de fibras desorientadas que são aglomeradas e fixadas, não passando pelos processos têxteis mais comuns que são fiação, tecelagem e malharia. 17 tecidos em pequenas escalas. Os resultados obtidos nos primeiros teares delimitaram as possibilidades de uso: eram confeccionados em forma retangular e considerados caros e preciosos. Os desperdícios de materiais eram evitados empregando-se poucos cortes e costuras. Pode-se considerar que a roupa que conhecemos hoje “emergiu destas duas técnicas: cortes a partir de peles de animais e trajes dependentes da forma retangular do tecido” (FOGG, 2013, p. 8). Com o desenvolvimento das civilizações, as roupas tomaram forma e significados diferentes de acordo com cada cultura. O clima, as crenças, a evolução têxtil e as técnicas de construção do vestuário de cada região foram fatores importantes para o surgimento das modelagens. Aparentemente, não existiam moldes para produção das roupas como os conhecidos hoje em dia e segundo Sabra (2009) os tecidos eram trabalhados diretamente sobre o corpo do usuário. Apesar de serem poucos os registros encontrados sobre a construção das vestimentas de algumas culturas (dos cretenses, por exemplo) em relação à outras com mais registros (grega e romana), segundo Boucher apud Sabra (2009), foi possível mapear as formas de construção dos trajes antigos em cinco grupos conforme apresentado na Tabela 1. Tabela 1 - Mapeamento de construção dos trajes de acordo com Civilização/Cultura Traje Construção da peça Civilização Nome da peça Drapeado Construída de pele ou tecido ao redor do corpo Egípcios Gregos Taitianos Shenti Himation Pareô Tipo capa Peça de pele ou tecido cobrindo o corpo a partir da cabeça, formando um capuz, ou a partir dos ombros. Romanos Medievais Sul-americanos Paenula Huqu Ponchos Túnica fechada Composta por várias partes de tecido, incluindo mangas que adornam o corpo. Gregos Orientais e chemises quiton e túnica jônica gandourah, blusas, camisas Túnica aberta Composta por várias partes de tecido com diferentes alturas, utilizado sobre outras peças de vestuário e transpassado na frente do corpo Trajes asiáticos Japoneses Russos Europeus ocidentais Caftans, quimono,tulup sobretudo Tipo bainha Traje que envolve de forma ajustada o corpo, em especial os membros inferiores, completados por cáftans. Nômades e esquimós Calções Fonte: Adaptado de SABRA (2009). 18 As mudanças nas vestimentas aconteciam lentamente, ao longo dos tempos novas peças foram incorporadas ao vestuário muito em função de conquistas territoriais, quedas e ascensões de impérios e movimentos migratórios. Os trajes de algumas civilizações como a egípcia, grega e a romana baseavam-se predominantemente em tecidos retangulares de tamanhos variados, enrolados e dobrados de várias maneiras sobre o corpo, presos com broches, cordões, faixas ou cintos (DUBURG, 2012; SOARES, 2009). Os romanos, mais conhecidos pelos trajes drapeados “adotaram meias ou calções quase no fim de sua República” (SABRA, 2009, p. 63). Constantinopla, por volta de 476 a.C. transformou-se na rota do comércio com o interior da Ásia e foi importante para as mudanças nos costumes ao apresentar franjas, joias, cores alegres e pingentes para as vestimentas ocidentais (LAVER, 1989). A modelagem se desenvolveu juntamente com a evolução da indústria têxtil e os tecidos foram peça central da economia medieval assim como os diferentes tipos de trajes (FOGG, 2013). Com o avanço na mecanização dos teares e o aumento da venda de produtos manufaturados pelos costureiros, sapateiros, fabricantes de meias, chapeleiros e alfaiates que começavam a se estabelecer nos ateliês especializados, a burguesia foi essencial para o surgimento de uma modelagem direcionada para diferentes corpos e estilos. Fogg (2013, p. 43) aponta: Com a invenção do tear horizontal, no século XI, tornou-se possível tecer peças com até 30 metros de comprimento e 2 metros de largura. Esses comprimentos permitiam que as peças fossem cortadas para se adaptar ao corpo e, sob a influência da corte francesa, as roupas começaram a ser moldadas aos contornos corporais, o que gerou uma diferenciação maior entre os gêneros. Segundo Soares (2009), uma das primeiras mudanças nos trajes para as mulheres foi o abotoamento lateral, que permitiu um ajuste melhor da região do busto com abertura de decote quadrado. “Só a partir do final da Idade Média é possível reconhecer a ordem própria da moda, a moda como sistema, com suas metamorfoses incessantes, seus movimentos bruscos, suas extravagâncias” (LIPOVETSKY, 2009, p. 24). A partir deste momento as mudanças de corte, comprimento, cores e estilos começaram a se tornar uma demanda recorrente das classes mais elevadas e pode-se dizer que o sistema que conhecemos hoje como “moda” surge na segunda metade do século XIV, influenciando também os modos de produção e modelagem das roupas (LAVER, 1989; FOGG, 2013). 19 As vestimentas passaram a ter um papel importante na instauração de novos graus de divisão do trabalho e da especialização intensiva dos ofícios. As corporações de ofícios, que se tornaram responsáveis pela regulamentação coletiva das produções de artefatos como também da formação de novos profissionais, serão abordadas com mais profundidade no subcapítulo a seguir. Antes de aprofundar no desenvolvimento dos ofícios é necessário salientar a importância do desenvolvimento têxtil no Brasil. Segundo descrito nos relatos de Pero Vaz de Caminha5 apud Prado e Braga (2011), os nativos já detinham conhecimentos e técnicas de entrelaçamento manual de fibras vegetais e a fibra do algodão era utilizada para a criação de redes, faixas e revestimentos de utensílios. Por volta de 1550, os jesuítas – primeiros tecelões do país – começaram a orientar sobre o uso dos teares trazidos pelos colonos e o algodão se tornou a matéria prima principal devido à sua fartura no território brasileiro (PRADO; BRAGA, 2011). Com o início do tráfico de negros, o trabalho de fiação e tecelagem foi destinado aos que se mostravam mais hábeis e às mulheres. Tais tecidos não tinham tingimento e eram grosseiros, sendo muitas vezes destinados a cobrir a nudez dos índios, negros e pessoas mais simples. Neste contexto, a posse de roupas significava civilidade e, aos poucos, os que se dispunham de mais recurso voltaram suas atenções ao vestuário, levando à intensificação e difusão do ofício da costura no país (MALERONKA, 2007; PRADO; BRAGA, 2011). 2.1.2 Primeiros ateliês e métodos registrados A confecção das roupas medievais era de responsabilidade de grupos e organizações de artesãos (masculinos) que se especializaram em determinadas etapas ou técnicas de produção. As guildas ou corporações6 de alfaiates eram compostas por homens que detinham todo o conhecimento tecnológico do desenho ao corte e montagem das roupas, enquanto as mulheres eram contratadas somente para enfeitar e bordar as roupas, tanto de homens como de mulheres (SABRA, 2009). De acordo com Maleronka (2007), as gradações hierárquicas aconteciam da seguinte maneira: O ‘mestre’ era aquele com maior experiência profissional, 5 Escriba oficial da frota de Pedro Álvares Cabral. 6 “Corporações de ofício ou guildas eram associações que surgiram na Idade Média, que impunham uma organização minuciosa encarregada de controlar a qualidade e a formação profissional dos artesãos” (MALERONKA, 2007, p.28). 20 considerado como artista e habilitado para orientar aprendizes. O ‘oficial’ ou ‘mister’ era o artesão com perfeita preparação técnica, ou seja, o operário qualificado. O aprendiz, após um longo processo de preparação poderia ser considerado como ‘meio-oficial’. Até o final do século XVII, os alfaiates eram responsáveis pela confecção das roupas para ambos os sexos e apenas em 1675 foi permitido a organização de ateliês compostos apenas por mulheres (LIPOVETSKY, 2009). A partir deste momento elas assumiram a produção das roupas femininas, que se apresentavam mais diferenciadas das masculinas, surgindo então, as guildas das modistas. Não havia um sistema único de modelagem nesse período e as costureiras e alfaiates acabavam por experimentar e criar seus próprios métodos de modelagem, que eram passados adiante em seus ateliês. “A educação de aprendizes em muitos países não se revestia somente de finalidade econômica e utilitária, mas se assentava sobre uma profunda tradição que caracterizava o mundo do trabalho na costura” (MALERONKA, 2007, p. 28). Apesar da variação dos métodos e da simplicidade dos instrumentos de trabalho, que se resumiam a tesouras, réguas e compassos, os alfaiates tinham de possuir conhecimentos de geometria, aritmética e das proporções do corpo humano (SOARES, 2009). A falta de uma certa padronização dos métodos não significa que qualquer um poderia se tornar alfaiate. Morais-Alexandre (2006) analisa passagens do Livro dos Regimentos dos Officiais mecanicos da mui nobre e sepre leal cidade de Lixboa (1572) e revela que aprendizes de alfaiates em Portugal precisavam passar por um exame para conseguirem a chancela de costureiros, como também para abertura de negócios de costura. Os exames serviam para impedir a profissionalização de alfaiates despreparados e constituía-se de uma banca examinadora composta por dois juízes eleitos entre os melhores mestres do mercado. No Brasil, a preponderância do trabalho escravo modificou a organização dos ofícios, como por exemplo, contribuindo para a escassez de artífices livres e na defasagem de aprendizes meninos e adolescentes que pudessem formar novas gerações de artesãos (MALERONKA, 2007). O primeiro livro publicado sobre técnicas de alfaiataria foi o Libro de Geometria practica y traça7 do espanhol Juan de Alcega em 1580. A publicação apresenta métodos de 7 O conteúdo do livro pode ser acessado virtualmente através do site da Biblioteca Digital Mundial em https://www.wdl.org/es/item/7333/. http://www.wdl.org/es/item/7333/ http://www.wdl.org/es/item/7333/ 21 encaixe dos moldes para melhor aproveitamento do tecidona hora do corte, gerando poucas sobras de tecidos. São abordados trajes para homens e mulheres, com todas as partes dos moldes desenhadas mais ou menos em escala, com algumas direções escritas para o desenho do molde e algumas medidas (FIG. 1). Figura 1 - Modelagem de um gibão para mulheres (1580) Fonte: Livro de Juan de Alcega (1580). A partir da análise dos moldes de Juan de Alcega, é possível perceber que a construção das roupas sofreu um avanço técnico significativo, se comparado a forma como eram confeccionadas nos séculos anteriores, facilitando o processo para que outras publicações do gênero fossem registradas (EMERY, 2014). Tal ponto de vista deve ser complementar aos estudos sobre moda e comportamento como sugerido por Lipovetsky (2009, p. 59): Ainda que os alfaiates e as profissões do vestuário não tenham tido nenhum reconhecimento social e tenham permanecido à sombra de seus clientes prestigiosos, contribuíram de maneira determinante, por sua habilidade e por suas múltiplas inovações anônimas, para os movimentos ininterruptos da moda; conseguiram graças ao processo da especialização, concretizar o ideal de fineza e de graça das classes aristocráticas. Emery (2014) apresenta em seu livro A history of the paper pattern industry, informações importantes para o entendimento do nascimento dos métodos de modelagem e como cada tecnologia influenciou diretamente nas práticas do mercado da moda. A autora cita outros três autores espanhóis com publicações de métodos de modelagem: Geometria y tracia para el oficio de los sastres (1588) de Diego de Freyle; Geometria y traca perteneciente al oficio de sastres (1618) de Francisco de la Rocha Burguen; e Geometria y trazas pertenecientes al oficio de sastres (1640) de Martin de Anduxar. As publicações de outros 22 países vieram posteriormente como: Le Tailleur Sincere (1671) de Benoit Boullay sendo considerada a publicação mais antiga de modelagem na língua francesa e The Tailor’s Complete Guide (1769) na língua Inglesa. Vale ressaltar que, até então, não existia a fita métrica (instrumento de medida, baseada em centímetros), os alfaiates e costureiras “criavam os trajes sob medida, tomando como base as medidas tiradas do cliente com uma espécie de fita ou cordão” (SABRA, 2009, p. 66). A fita métrica só foi inventada muitos anos depois destas publicações, por volta de 1820. A maioria dos moldes eram desenhados à mão livre diretamente sobre o tecido usando as medidas do cliente e um giz, no qual o alfaiate calculava mentalmente as proporções de acordo com seu método. Este método era instintivo e não apresentava muitas referências de medidas específicas, era baseado no olhar do criador. Segundo Emery (2014), o método seria o “rock of eye”, que podemos traduzir livremente para o português como “golpe de vista” ou “olhometro”. A autora cita uma observação feita pelo alfaiate e escritor Edward B. Giles em seu livro The History of the Art of Cutting in England (1887), em que critica a precisão de tal método usado até o início do século XIX: “Não havia tal sistema de corte naqueles dias; a forma era produzida pelo que era chamado de sistema do olhometro. O olho sendo um membro globular e muito escorregadio, não havia certeza de onde iria parar8” (GILES, 1887 apud EMERY, 2014, p. 6, tradução do autor). No final do século XVIII e início do século XIX novas publicações na área da modelagem começaram a surgir apresentando diferentes teorias, métodos e filosofias. A partir de então, o desenvolvimento de boas bases de modelagem que acelerassem o processo de confecção, e ao mesmo tempo, garantissem um bom corte e caimento das roupas, passou a ser considerado de extrema importância para os alfaiates e costureiras, independentemente do método. Estas bases se tornaram tão valiosas que eram passadas de mestre para aprendiz (conhecimento tácito) em condições de sigilo ou herdadas de uma geração para outra nas famílias (EMERY, 2014). Com o passar dos anos, a procura por mais conhecimento e especialização na área da modelagem se tornou constante e, além dos livros publicados, alguns alfaiates começaram a 8 There was no such thing as system of cutting in those days; the shape was produced by what was termed the rock of eye system. The eye being a globular and very slippery member, there was no certainty where it would rest. 23 ensinar seus métodos para além dos aprendizes de seus ateliês. A partir do fim do século XVIII, percebe-se que alguns começaram a vender cópias dos moldes usados em sua produção para costureiros e alfaiates de outras regiões, juntamente com aulas e demonstrações de seus métodos (EMERY, 2014). Apesar da primeira escola de moda ter sido lançada na França em 1780 (SOARES, 2009), foi a Inglaterra quem se destacou no desenvolvimento tecnológico da alfaiataria tornando-se referência para toda a Europa. “Em meados do século XIX, Savile Row e as ruas ao redor, [...] eram conhecidas pela concentração de costureiras e alfaiates. Estima-se que Londres teve entre 9 mil e 13 mil alfaiates diaristas organizados em sindicatos em 1834” (FOGG, 2013, p. 155). Com base na compreensão geométrica da anatomia humana e no uso da fita métrica, foi possível desenvolver os estudos permitindo que fossem criados moldes mais precisos com técnicas de melhor compreensão. Surgiram então, publicações que possibilitaram e incentivaram o aprendiz a desenvolver seus próprios moldes baseados em medidas e proporções específicas, como as diversas publicações do alfaiate Hearn, considerado um dos primeiros a implementar medidas precisas à técnica da alfaiataria (Hearn’s Table of Quantities & Positions for Dress Coats (1819); The Tailor’s Ready Assistant (1819); Hearn’s Systematic Method of Cutting Coats, &c, of All Sizes (1822), dentre outros). Segundo Emery (2014) dois métodos eram os mais difundidos por essas publicações: o Método da escala proporcional e o Método de sistema de medição direta. O Método de Escala Proporcional é um sistema que depende do conceito de formas e relacionamentos padrões do corpo. Por exemplo, se a medida do tórax for X, então a cintura é proporcionalmente Y e o comprimento do tronco é XX. O Método de Sistema de Medição Direta baseia-se no conjunto de medidas específicas e detalhadas do cliente para que se obtenha uma peça de vestuário precisa e personalizada. Mesmo que sejam métodos diferentes, Emery (2014) afirma que os alfaiates utilizavam um pouco dos dois em suas práticas, como também o “olhometro” sendo considerado um saber adquirido ao longo de anos de prática e complementar aos outros métodos. Neste sentido, a alfaiataria tradicional combina a modelagem desenhada diretamente no tecido com ajustes realizados no corpo do usuário, sendo considerada a mais antiga técnica de modelagem e construção do vestuário como também o ponto de partida para outras técnicas que apareceram depois (SABRA, 2009). 24 A Figura 2 foi publicada em 1849 pelo alfaiate inglês Mr. Hearn, como parte de um manual de instruções para medição do corpo dos clientes. Ele alegava ser o primeiro alfaiate a utilizar um método de medição direta do corpo, utilizando uma fita impressa com marcações em polegadas (EMERY, 2014). Figura 2 - Instruções para tirar medidas. Scott´s Mirror of Fashion (Scott, 1849). Fonte: Commercial Pattern Archive (EMERY, 2014, p. 103). A partir do século XIX, a alfaiataria aliou-se à ciência antropométrica originando as primeiras tabelas de medidas inseridas nos métodos de modelagem (SOARES, 2009). O alfaiate francês H. Gugliemo Compaign, um dos pioneiros da antropometria moderna, desenvolveu “um quadro comparativo das idades e do crescimento, onde foram demonstradas as transformações graduais do corpo humano, desde o nascimento até a velhice e como as partes do corpo crescem proporcionalmente entre si” (ROSA, 2009, p. 27). Com o princípiode redução e ampliação apresentado pela antropometria, foi possível o planejamento da graduação de um mesmo molde para servir à várias idades e tamanhos. A facilidade do entendimento das proporções do corpo humano e da padronização de certas 25 medidas foi providencial para a aceleração da indústria do vestuário (ROSA, 2009; SABRA, 2009). Novas tecnologias abriram o mercado para outras oportunidades: as impressões gráficas em cilindro e máquinas de produção de papel movidas a vapor tornaram possível a expansão da indústria dos moldes de papel (EMERY, 2014). As publicações ganharam popularidade e se transformaram em periódicos, magazines e folhetins que abordavam desde a criação de moldes por meio dos sistemas de medidas, até exemplares em tamanho real. “A moda ficou ainda mais democrática com a invenção da máquina de costura, patenteada pela primeira vez em 1846. As máquinas podiam ser alugadas semanalmente e junto com a introdução dos moldes de papel [...] a consumidora podia se manter atualizada” (FOGG, 2013, p. 148). Mesmo que fossem inicialmente direcionadas para uso de profissionais, os moldes prontos de fácil acesso possibilitaram àqueles que não tinham recurso financeiro para encomendar roupas novas, a capacidade de fazê-las em casa (AAKKO, 2016). Aos poucos as publicações também começaram a compartilhar técnicas de costura e acabamentos relacionados aos moldes da edição. Os impactos ocasionados pela popularização dos moldes e das técnicas de modelagem serão o ponto de partida para o próximo subtítulo. 2.1.3 A modelagem e a industrialização Ao final da década de 1860, a modelagem feminina apresentava mudanças significativas em favor da adaptação às curvas do corpo: os moldes superiores do corpinho antes desenhados com retângulos simples ganharam curvas e pences9 mais complexas, assim como as saias que sofreram alterações com o aumento de peças de tecidos em sua estrutura e aplicação de detalhes. A máquina de costura se tornou essencial para uma boa construção das roupas com tantas curvas e peças de moldes (EMERY, 2014). No decorrer do século XIX, a mecanização dos processos de produção das roupas foi essencial para o desenvolvimento da indústria do vestuário, visto que até então todas as peças eram cortadas e costuradas à mão (AAKKO, 2016). As roupas se tornaram mais acessíveis, sendo possível comprar peças prontas em lojas de departamento e até encomendar moldes 9 Dobras no tecido, em formato de pregas triangulares que ajudam a modelar a forma da roupa de acordo com os volumes do corpo. 26 pelos correios. Tal processo desencadeou novas formas de abastecimento de mercado, como por exemplo, a importação de produtos de outros países. O Brasil foi grande fornecedor de tecidos, de pigmentos vermelhos extraídos do pau-brasil e até de plumas de aves tropicais (PRADO; BRAGA, 2011). A modelagem plana se estabelece como principal método de modelagem industrial devido à sua facilidade de adaptação à produção em série (ROSA, 2009). Outro ponto importante para sua disseminação é a possibilidade de se criar moldes apenas com as medidas do cliente sem necessitar sua presença física. Segundo Emery (2014), a loja americana Demorest foi a primeira a produzir moldes de papel em larga escala nos Estados Unidos, distribuindo as vendas entre lojas físicas e encomendas postais. Além dos moldes tabelados em medidas padrões, outra opção oferecida pela empresa por meio do serviço postal eram os moldes exclusivos criados a partir das medidas específicas do cliente. O uso do corpo como ponto de partida para a modelagem também foi amplamente explorado utilizando-se as novas tecnologias. Ao analisar publicações que começaram a se popularizar pelos manuais de costura e modelagem, Emery cita de exemplo o folhetim The Ladies’ Self Instructor (1853), que faz menção às garotas muito jovens que estavam começando a aprender como montar roupas utilizando bonecas para criação de moldes. Na mesma publicação é ressaltado pela autora outro trecho que direciona para a criação de moldes utilizando um papel fino posicionado sobre o corpo: [...] proceda para tomar as medidas adequadas para a frente e para trás do corpo, ajustando um papel de modelagem à forma da pessoa para quem o vestido se destina. O papel deve ser fino, e você começa dobrando o canto da frente e alfinetando-o no centro do tórax. Em seguida, espalhe o papel tão suavemente quanto possível ao longo do peito para o ombro, e dobre-o em uma prega, de modo a preencher exatamente a forma do busto, e traga o papel debaixo do braço, fazendo com que ele mantenha sua posição com um alfinete; a partir deste ponto você corta o tecido sob o braço, e ao longo da cintura; O papel é então arredondado para o buraco do braço e o ombro, e você deve se lembrar de deixá-lo grande o suficiente para admitir as viradas10 (Ladies’ Self Instructor, 1853 apud EMERY, 2014, p. 27, tradução do autor). 10 [...] proceed to take the proper measures for the front and back of the body, by fitting a paper pattern to the shape of the person for whom the dress is intended. The paper should be thin, and you commence by folding down the corner the length of the front and pinning it to the middle of the stay-bone. Then spread the paper as smoothly as possible along the bosom to the shoulder, and fold it in a plait, so as to fit the Shape exactly, and bring the paper under the arm, making it retain its position by a pin ; from this point you cut it Off downward under the arm, and along the waist ; the paper is then to be rounded for the arm-hole and the shoulder, and you must recollect to leave it large enough to admit of the turnings. 27 Ao contrário das publicações que buscavam apresentar métodos que baseados em medidas muito específicas e na modelagem plana, este passo a passo sugere uma abordagem mais instintiva usando o corpo como suporte para a criação das formas. De certa maneira ele faz um retorno à modelagem praticada pelas civilizações antigas – na qual percebemos que o tecido era modelado diretamente sobre o corpo - como também aos métodos dos alfaiates que faziam uso de pregas, pences e separação em blocos dos moldes aliado a modelagem no corpo do cliente. Mesmo que a modelagem plana não necessite de um corpo presente para ser criada, é necessária a verificação de seu caimento após a montagem das peças. Independente do ponto de partida para a criação do molde - do plano ou do tridimensional - o corpo será sempre a validação da modelagem (SABRA, 2009). A fim de agilizarem a produção sem a necessidade de um modelo vivo constante, costureiros e confecções começam a utilizar manequins11 que permitiram o uso de um corpo estático disponível a qualquer momento (DEMETRESCO, 2015). Os manequins foram construídos em vime e apareceram no final do século XVIII feitos sob encomenda, sendo substituídos pelos de arame em meados do século XIX (BOLTON, 2016; DEMETRESCO, 2015). O primeiro modelo patenteado pertencia ao francês Alexis Lavigne, que fundou uma empresa especializada na construção das peças no início da década de 1850. Lavigne também foi responsável pela fundação de uma das primeiras academias de ensino de corte e costura em 1841 chamada de Guerre-Lavigne, que mais tarde iria se transformar na ESMOD12 (MORAIS-ALEXANDRE, 2006). Bolton (2016, p. 21, tradução do autor) aponta sobre as peças produzidas por Lavigne: “[...] suas figuras - compostas de papel machê, levemente acolchoadas com lâminas de algodão, e cobertas de tecido cortado e costurado - contribuíram significativamente para a precisão com a qual uma peça de vestuário poderia ser montada13”. Os manequins passaram a ser usados nas confecções como referências de medidas e de proporções corporais para confecção das roupas, contribuindo para a padronização industrial até certa medida, visto que ainda existiam algumas diferenças entre osmodelos de 11 Boneco com forma humana direcionado para moda. Surge junto às outras tecnologias incorporadas com a revolução industrial, entre meados do século XVIII e fins do século XIX (DEMETRESCO, 2015). 12 École Supérieure des Arts et Techniques de la Mode. 13 His figures - composed of papier-machê, lightly padded with cotton batting or wadding, and covered in pieced and seamed canvas - contributed significantly to the precision with which a garment could be fitted. 28 manequins fabricados. Segundo Taylor (2002, p. 31, tradução do autor), “entre 1869 e 1900, a empresa francesa Stockman14 desenvolveu mais de vinte modelos diferentes de formatos de manequim seguindo formas corporais ditadas pelas grandes casas de alta costura15”. Apesar do sistema da moda ter se estabelecido de maneira diferente em cada país dependendo dos valores culturais e econômicos locais, o sistema desenvolvido na França a partir do século XIX é um dos mais significativos para o ocidente. Segundo Aakko (2016, p. 23, tradução do autor) “Paris destacou-se em uma posição superior na produção de modas desejáveis e luxuosas, e os alfaiates mais proeminentes começaram a ganhar reputação como ‘fornecedores altamente requisitados da elegância tipicamente parisiense’16”. No Brasil, com a abertura dos portos e a chegada da corte de D. João VI, os trajes e produtos de luxo da Europa começaram a ser importados, se concentrando no domínio de estrangeiros e da elite carioca (FEIJÃO, 2011). Será preciso lembrar ainda que, quando as corporações foram extintas, em 1824, os poucos padrões de associação corporativa que haviam sido transpostos para o Brasil praticamente desapareceram, produzindo sérias consequências ao processo de aprendizagem dos novos artífices. Os alicerces do trabalho artesanal se enfraqueciam, e a escassez dos artífices livres era bastante acentuada (MALERONKA, 2007, p. 31). Apenas com a introdução de indústrias parisienses no país em meados do século XIX, que a população carioca começa a despertar interesse pela cultura francesa (FEIJÃO, 2011). Ao mesmo tempo, imigrantes europeus que se recusavam a trabalhar em fábricas, ofereciam seus conhecimentos e experiências em certos ofícios, garantindo acesso às oficinas e alfaiatarias que demandavam mão de obra qualificada (MALERONKA, 2007). De acordo com Rodrigues (2010), muitas das modistas que se estabeleceram no Rio de Janeiro vieram em busca de condições melhores de vida devido a crises econômicas Europeias. Elas substituíram as mucamas e escravas que anteriormente exerciam os trabalhos manuais, oferecendo como diferencial o conhecimento necessário para copiarem os modelos importados. Aquelas que se 14 Frédérick Stockman foi aprendiz de Lavigne, abrindo sua própria loja em 1867. A empresa hoje conhecida como Siegel & Stockman se tornou uma das maiores fornecedoras de manequins para casas de alta costura até os dias de hoje. 15 between 1869 and 1900 the French firm of Stockman developed more than twenty different series of dressmaker-type forms following body shapes dictated by the great couture houses. 16 Paris developed into a superior position in the production of the most desirable and luxurious fashions, and the most prominent tailors started gaining reputation as 'highly sought-after purveyors of typically Parisian elegance'. 29 tornavam mais famosas se aglomeravam na Rua do Ouvidor ganhando o título de “mademoiselles” (RODRIGUES, 2010). O reconhecimento dos costureiros como criadores independentes aconteceu a partir do final do século XIX com o costureiro inglês Charles F. Worth e as primeiras casas de alta costura. Ao elevar as modestas técnicas de costura para outro patamar, aliado às boas estratégias de negócios e autopromoção, Worth conseguiu se estabelecer na França transformando um aprendizado entendido como doméstico em uma potência industrial internacional (FOGG, 2013). Com a alta costura, o costureiro assumiu a criação das roupas e os clientes passaram a escolher entre os modelos preestabelecidos pelo criador, ao contrário de ditar ao costureiro os seus desejos como era costume até então. Para aqueles que não tinham acesso às roupas de luxo, os magazines começaram a comprar dos estilistas alguns moldes e reproduzi-los para venda postal, tornando a disseminação de estilos cada vez mais rápida (FOGG, 2013; EMERY, 2014). A indústria da moda moderna se divide então em dois segmentos com objetivos e métodos diferentes, mas ao mesmo tempo complementares. Com a alta costura de um lado e a confecção industrial de outro, Lipovetsky (2009) comenta sobre a segmentação da moda que iria se perpetuar durante o século XX: […] tais são as duas chaves da moda de cem anos, sistema bipolar fundado sobre a criação do luxo e sob medida, opondo-se a uma produção de massa, em série barata, imitando de perto ou de longe os modelos prestigiosos e griffés da Alta Costura. Criação de modelos originais, reprodução industrial: a moda ganha corpo se apresenta sob o signo de uma diferenciação marcada em matéria de técnicas, de preços, de renomes, de objetivos, de acordo com uma sociedade ela própria dividida em classes, com modos de vida e aspirações nitidamente contrastados (LIPOVETSKY, 2009, p. 80). A alta costura foi responsável por muitas mudanças e avanços na modelagem feminina, devido à liberdade de criação e experimentação proporcionada aos estilistas. Quando estas inovações eram bem aceitas e copiadas para a reprodução industrial, acabavam também por influenciar mudanças na tecnologia da produção em grande escala. Um bom exemplo desta retroalimentação é a proposta da modelagem utilizada por Worth em uma de suas coleções do início dos anos 1870, batizada de “linha princesa” supostamente em homenagem à Princesa de Metternich17. Baseado em estudos em torno dos moldes bidimensionais, o estilista propõe o “rompimento em relação à técnica dominante - na qual 17 Esposa do embaixador austríaco Richard von Metternich em Paris. 30 a parte de cima do vestido era presa à saia pelo cós" (FOGG, 2013, p. 179) apresentando modelos com nesgas inteiras desde o ombro até a barra. As pences foram incorporadas aos recortes verticais, achatando a parte de baixo da cintura criando uma silhueta mais alongada e esbelta, ao contrário das saias volumosas partindo da divisão na cintura utilizadas até então. A linha princesa permitiu que a parte superior do corpo fosse modelada ajustada tornando obsoletos os suportes para saias posicionados na cintura, alterando a configuração das camadas internas e dos enchimentos. Os “vestidos princesas” se tornaram moda sendo copiados em versões acessíveis e distribuídos em publicações de moldes para vendas postais. Figura 3 – Ilustração e modelagem de um modelo de Vestido Princesa vendido com molde pela Harper´s Bazar (1892). Fonte: Imagem cedida pela biblioteca de moldes digital Commercial Pattern Archive da Universidade de Rhode Island (2018). Outra abordagem inovadora de Worth baseava-se na possibilidade de a cliente ter a opção de escolher seus próprios tecidos à medida em que as roupas eram desfiladas por modelos vivas em seu ateliê (FOGG, 2013). As peças à venda eram primeiro confeccionadas em tecido liso padronizado, com caimento próximo aos tecidos finais, para facilitar a visualização sobre as formas da roupa. Após a compra, a modelagem era adaptada às medidas da cliente e confeccionada por meio de processos mecânicos e manuais. 31 Este protótipo tridimensional da roupa confeccionado em tecido liso e mais econômico ficou conhecido como toile e é usado até hoje como parte do processo de criação de muitos estilistas e designers. Bolton (2016) descreve um dos processos de modelagem tridimensional do toile muito usado pela alta costura: a construção da roupa inicia-se no posicionamento do tecido devidamente marcado com linhas de direcionamentodo fio sobre o manequim, alfinetando o tecido de acordo com o volume e forma pretendidos. Em seguida o tecido é removido do manequim e desmontado para que todas as peças se tornem planas novamente, permitindo que sejam retirados os excessos de tecidos e demarcadas as linhas do molde de forma definitiva. “Uma vez finalizado, o toile fornece a base para o molde de papel usado para construir a peça de roupa acabada18” (BOLTON, 2016, p. 21, tradução do autor). Esta técnica de modelagem tridimensional executada por meio da manipulação do tecido diretamente sobre o manequim ficou conhecida como Moulage e passou a ser uma das técnicas de modelagem mais utilizadas na produção de peças da alta costura. Além das mudanças provocadas pelas escolhas de design dos estilistas, os movimentos culturais e acontecimentos históricos também contribuíram bastante para a variação e alteração dos moldes e suas técnicas. O desejo de emancipação política e social das mulheres fomentado pelo movimento sufragista19 foi fator importante para a história da modelagem por questionar os padrões impostos pela indústria às mulheres. Um dos primeiros movimentos artísticos e estéticos a apoiar a mudança da indumentária feminina em prol de roupas mais confortáveis foi o movimento do Traje Racional. As vestimentas seguiam as linhas gerais da moda, mas eram mais soltas, acompanhadas por sapatos sem saltos e eram influenciadas tanto pelos pré-rafaelistas quanto pelas culturas orientais, adotando grafismos e modelagem parecida aos quimonos. Segundo Laver (1989, p. 202), os membros do movimento iniciado em 1880, “preocupavam-se com o aspecto não-saudável da moda, protestando em particular contra camadas desnecessárias de roupas, acolchoados e barbatanas”. No contexto brasileiro, tais ideias foram rapidamente assimiladas por estarem em sintonia com os princípios de higienização propostos para a modernização da cidade do Rio de Janeiro (FEIJÃO, 2011). 18 Once finalized, the toile provides the basis for the paper pattern used to construct the finished garment. 19 O movimento pelo sufrágio feminino é um movimento social, político e econômico de reforma, com o objetivo de estender o sufrágio (o direito de votar) às mulheres. As origens modernas do movimento encontram-se na França do século XVIII. 32 Fogg (2013) afirma que esta nova moda mais informal foi motivo de zombaria para a imprensa popular sendo satirizada em peças de teatro, mas muitas de suas características e modelagens foram incorporadas ao vestuário convencional após um tempo. Também provocaram agitação as primeiras saias bifurcadas que facilitaram às mulheres o uso da bicicleta, meio de transporte amplamente popular na última década do século XIX. O arquétipo americano difundido pela Garota Gibson20 e o entusiasmo por todos os tipos de esporte ao ar livre tornaram possível a incorporação dos cortes masculinos das peças da alfaiataria para o vestuário feminino (FOGG, 2013; LAVER, 1989). As mudanças inicialmente sutis proporcionadas pelas roupas esportivas - como as calças bufantes apertadas sob os joelhos por volta de 1890 - ganharam velocidade após a Primeira Guerra Mundial com a introdução dos cardigãs, dos maiôs que expunham os braços e pernas, as saias plissadas acima dos joelhos (LAVER, 1989). O hábito de frequentar as praias para banhos de mar, seja por orientação médica ou para lazer começou a ser valorizado inicialmente na Europa, influenciando também certas mudanças na cultura brasileira. Segundo Feijão (2011, p. 166): [...] no Rio a preocupação em moldar o corpo de acordo com os ditames da moda acabou tomando dimensões muito peculiares. Ao mesmo tempo metrópole e balneário, a cidade acabaria por configurar um estilo de vida próprio que, mesmo sem abandonar de todo os padrões europeus, fundaria comportamentos e modas tipicamente cariocas. A rígida estrutura social do século XIX começa a se desfazer ao final do século, frente aos novos comportamentos dos jovens em prol de uma sociedade pautada pelo ideal da igualdade democrática. Com o impulso da confecção industrial e das comunicações em massa, “a dinâmica dos estilos de vida e dos valores modernos acarretaram, com efeito, não apenas o desaparecimento de múltiplos trajes regionais folclóricos, mas também a atenuação das diferenciações heterogêneas no vestuário das classes” (LIPOVETSKY, 2009, p. 85). É preciso ressaltar a importância do século XIX para consolidação da moda entendida como uma indústria em crescimento, mas também como uma nova dinâmica social. Avelar 20 Personagem criada pelo artista, desenhista e comentarista social Charles Dana Gibson em uma série de desenhos produzidos entre 1890 e 1910, a Garota Gibson personificou a beleza e a independência da mulher jovem americana que entrava para a faculdade e explorava seus interesses e talentos pessoais de igual para igual com os homens. “Determinada em sua busca pela forma física e empenhada em diversas atividades ao ar livre, tais como ciclismo, hipismo, tênis, croqué e banhos de mar, a Garota Gibson também representava o crescente número de mulheres americanas que recebiam o mesmo nível de educação que os homens e que estavam entrando no mercado de trabalho” (FOGG, 2013, p. 190). 33 (2011) caracteriza o “espírito da moda” do século XIX ao sinalizar a mudança nos referenciais de imitação provocada neste período, em que antes eram os núcleos familiares os responsáveis pela disseminação das roupas e os estilos. Com a formação dos grandes centros urbanos e suas novas dinâmicas sociais, passa-se a imitar os desconhecidos que transitam pelas ruas. A partir do momento em que a família e tudo que o nome e seu passado representam começam a perder força, a sociedade de classes passa a se estabelecer inaugurando um tempo em que os valores se tornam flutuantes, efêmeros (LIPOVETSKY, 2009; AVELAR, 2011). Este novo cenário em que a moda do século XX e a contemporânea se consolidam, consequentemente ramificando a modelagem para vários caminhos, seja por meio dos estilistas e suas casas de alta costura, como também a partir das tecnologias industriais aprimoradas, é o recorte proposto para o próximo subcapítulo. 2.1.4 O século XX e democratização da moda O início do século XX é marcado pelas transformações das economias da Europa e dos Estados Unidos movidas pela “manufatura e venda no varejo dos produtos surgidos graças ao progresso e à inventividade industriais" (FOGG, 2013, p. 204). Ir às compras se tornou uma experiência prazerosa e as lojas se valiam de atrações musicais, desfiles de moda e restaurantes com o intuito de aumentar o tempo que as pessoas destinavam às compras. Segundo Avelar (2011, p. 40) “a rua torna-se o lugar principal da competição e da exibição, forçando as elites a criarem elementos de diferenciação” e é na primeira metade do século que se instituíram os padrões estéticos vigentes por meio da bipolaridade da moda fomentada pelo surgimento da Alta Costura e da indústria de massa. Lipovetsky (2009) aponta a importância da Alta Costura para a economia francesa que, graças ao prestígio a elas atribuído, a exportação de roupas ocupou segundo lugar do comércio exterior do país em 1920. As apresentações sazonais das coleções apenas irão se estabelecer após a guerra de 1914 quando cada casa começou a apresentar em Paris, duas coleções anuais inicialmente, para verão e inverno, e mais tarde coleções de meia-estação sob pressão dos compradores. Lipovetsky (2009) esclarece como as compras e as cópias dos modelos aconteciam: As coleções, apresentadas em primeiro lugar aos representantes estrangeiros (sobretudo americanos e europeus), são em seguida apresentadas aos clientes particulares, duas ou três semanas mais tarde. Os profissionais estrangeiros compram os modelos de sua escolha com o direito de reproduzi-los no mais das 34 vezes em grande série emseus países. Munidos dos modelos e das fichas de referência dando as indicações necessárias para a reprodução do vestido, os fabricantes, à exceção contudo dos fabricantes franceses que não tinham acesso imediatamente às novidades de estação por razões evidentes de exclusividade, podiam reproduzir as criações parisienses simplificando-as: assim, muito rapidamente, em algumas semanas, a clientela estrangeira podia vestir-se na última moda da Alta Costura a preços acessíveis, ou até muito baixos, segundo a categoria de confecção (LIPOVETSKY, 2009, p. 83-84). Para o autor, a Alta Costura tem um papel importante na regularização da moda, por meio da institucionalização da renovação, com datas fixas para acontecer (desfiles sazonais) e regida por um grupo especializado (as casas de criação). A ela também é creditado o desprendimento das influências nacionais e trajes típicos, para a disseminação de modelos e cópias idênticas em diversos países tornando a moda “como a primeira manifestação de consumo de massa, homogêneo, estandardizado, indiferente às fronteiras" (LIPOVETSKY, 2009, p. 85). De acordo com a descrição de Lipovetsky sobre os processos de compra e confecção dos modelos apresentados nos desfiles, tomamos conhecimento sobre as fichas de referência com indicações necessárias para a reprodução do modelo adquirido. Não são encontrados modelos destas fichas nas publicações da área da moda, porém podemos considerar que estes documentos sejam talvez, os primeiros modelos de fichas técnicas21 adotados na indústria. A dificuldade em encontrar tais documentos também se deve ao sigilo e controle de informações distribuídas pelas casas de alta costura. Por sua vez, tal dificuldade não é encontrada na indústria de massa, que apresentou avanço considerável com o estabelecimento das empresas de moldes de papel. Segundo Emery (2014), até o final do século XIX as costureiras profissionais de pequenos negócios e as donas de casa tinham a sua disposição uma vasta gama de publicações para aprender a modelar e costurar roupas. Os processos e métodos de modelagem já se encontravam bem formalizados e “embora os modelistas raramente fossem atribuídos, todas as empresas dos EUA reivindicavam alguma afiliação com os mais recentes designs de Paris; alguns, como Le Bon 21 “A ficha técnica de produto para confecção de roupas é um recurso de comunicação primordial para a informação fluir entre as distintas etapas do ciclo produtivo da peça de vestuário. Nesse documento, são colocados diversos pontos para garantir que as informações necessárias ao desenvolvimento do modelo cheguem aos responsáveis de cada etapa e aumentem a agilidade e a entrega de resultados com qualidade. Esse instrumento ainda auxilia na identificação do pré-custo da peça de vestuário e, assim, contribui para a empresa decidir ou não se vai fabricar o modelo em larga escala.” Definição da empresa Audaces acessado em 06/05/2018 através do link <https://www.audaces.com/baixe-modelos-de-ficha-tecnica-de-produto-para-confe ccao-de- roupas/>. http://www.audaces.com/baixe-modelos-de-ficha-tecnica-de-produto-para-confe http://www.audaces.com/baixe-modelos-de-ficha-tecnica-de-produto-para-confe 35 Ton e Toilettes, atribuíam moldes à costureiros específicos de Paris22”(EMERY, 2014, p. 71, tradução do autor). No século XX, as empresas de moldes começaram a perder mercado devido à facilidade de se comprar roupas prontas e à diminuição de pessoas interessadas em fazer a própria roupa. A melhora nas instruções de uso dos moldes com ênfase na formação em boas práticas de costura foi uma das soluções encontradas por estas empresas, como também a possibilidade de customização dos modelos. As ilustrações das embalagens se tornaram mais atraentes, às vezes acompanhadas de desenhos técnicos e tabelas de medidas detalhadas, como também de moldes quase autoexplicativos. É possível perceber também alguma semelhança entre as embalagens e instruções dos moldes com as características das fichas técnicas de produção industrial. Figura 4 - Embalagem de molde para jaqueta masculina adulto e infantil (1926). Fonte: Commercial Pattern Archive, JSE (EMERY, 2014, p. 103). Com o estabelecimento da Alta Costura, as novas formas e silhuetas das roupas de cada estação eram lançadas a partir das criações dos estilistas em cada coleção. As mudanças eram mais significativas no vestuário feminino, como por exemplo, as golas dos vestidos que antes chegavam até as orelhas e que desapareceram dando lugar ao decote em ‘V’ em 1917 (LAVER, 1989). Este tipo de alteração, assim como pequenos encurtamentos das saias, já era 22 Although the designers for the patterns were rarely attributed, all U.S. companies claimed some affiliation with the latest designs from Paris; some, such as Le Bon Ton and Toilettes, attributed some of their pattern designs to specific Paris couturiers. 36 motivo de agitação por parte dos conservadores. Mesmo com resistências, o vestuário feminino sofre uma simplificação a partir dos anos 1920, diminuindo as distâncias entre as roupas femininas e masculinas, e consequentemente tornando-o mais acessível e copiável. “A partir do momento em que a exibição do luxo tornou-se signo de mau gosto, que a verdadeira elegância exigiu discrição e ausência de aparato, a moda feminina entrou na era da aparência democrática” (LIPOVETSKY, 2009, p. 85). Coco Chanel é considerada símbolo desta estética despojada e fácil de usar. Um de seus trajes mais significativos foi o terno de três peças em meia23, composto por cardigã com bolsos chapados, saia e pulôver ou suéter. “Esses ternos eram confeccionados por teares circulares em um jérsei desenvolvido pela empresa têxtil francesa Rodier" (FOGG, 2013, p. 222). A malha foi inserida no mercado por volta de 1920 inicialmente para vestimentas esportivas. Porém, com o avanço da tecnologia de produção e introdução de novos fios (lastex), foi apropriada para o vestuário casual proporcionando roupas rentes ao corpo, mas que permitiam movimento e pouca manutenção. Os estilistas perceberam a necessidade de se aprimorarem no uso do novo material e em parceria com os fabricantes das malhas foram modificando a modelagem, o corte e a costura para que as peças tivessem bom resultado. “Os fabricantes começaram a desenvolver peças em estilo ‘corte e costura’, sem modelar os pedaços individualmente" (FOGG, 2013, p. 259) enquanto os modelistas aplicavam técnicas de modelagem parecidas às dos tecidos planos. Foram introduzidas as pences, as golas pendentes e drapeados na modelagem para malhas dando formas às peças. Graças ao surgimento da indústria da malha e do lastex, os trajes de banho se modificaram bastante e não mais perdiam a forma quando encharcados de água. Em paralelo aos trajes simples e sóbrios para o dia, a alta costura continuou a alimentar a produção e consumo de vestidos de noite luxuosos e sofisticados. “A democratização da moda não significa uniformização ou igualação do parecer; novos signos mais sutis e mais nuançados, especialmente de griffes, de cortes, de tecidos, continuaram a assegurar as funções de distinção e de excelência social” (LIPOVETSKY, 2009, p. 87). A modelagem tridimensional se aprimorou bastante a partir da década de 1920 justamente para a criação 23 “O termo genérico ‘meias’ inicialmente se referia a qualquer peça confeccionada em malha, de camisetas e anáguas a roupas de banho. Nos anos de 1920 e 1930, porém, os fabricantes ampliaram sua produção de lingerie de malha para peças de uso externo, e o termo ‘meias’ foi substituído por ‘malha’” (FOGG, 2013, p.258). 37 de peças mais elaboradas. Madelaine Vionnet, uma das estilistas mais influentes entre os anos de 1920 e 1930, utilizava um manequim em meia escala para realizar testes dos modelos por meio da moulage, alfinetando e cortando o tecido inteiro à volta do boneco (DUBURG, 2012).Com muito conhecimento em matemática e destreza nas técnicas artesanais, Vionnet elevou a moulage a um nível sem precedentes, combinando as técnicas clássicas de construção das roupas “com técnicas não ocidentais, incluindo a adaptação de mangas de quimono a vestidos ocidentais para proporcionar cavas mais profundas e facilitar movimentos" (FOGG, 2013, p. 247). Também é a ela atribuído o corte do tecido no sentido do viés24, proporcionando uma silhueta bem delineada e ajustada. A moulage e o corte em viés foram adotados por muitos estilistas da alta costura, tais como: Madame Grès, Jacques Hem, Nina Ricci, Jacques Griffe e Jacques Fath. Cristóbal Balenciaga utilizou da moulage para criar roupas que ficavam afastadas do corpo, criando um espaço entre pele e tecido. “Balenciaga contava com a ajuda de assistentes, que modelavam os esboços de design para que depois ele próprio aperfeiçoasse os toiles. Essas sessões de modelagem podiam durar horas, enquanto Balenciaga trabalhava concentradamente e em silêncio sobre a forma final” (DUBURG, 2012, p. 15). Na fotografia da Figura 5 é possível observar o estilista em uma dessas sessões de moulage utilizando um modelo vivo para criação da roupa. Figura 5 - Cristóbal Balenciaga trabalhando seu ateliê, Paris (1968). Fonte: Foto de Henri Cartier-Bresson25 (2018). 24 No ‘corte enviesado’ o tecido é cortado no sentido diagonal à trama, e não do sentido paralelo à ourela. 25 Disponível em <http://www.musemagazine.it/balenciaga-shaping-fashion> Acesso em 26 mar. 2018. 38 Lipovetsky (2009, p. 92) faz algumas considerações interessantes sobre a relação estabelecida entre os estilistas da alta costura e o aprendizado de modelagem: “de artesão ‘rotineiro’ e tradicional, o costureiro, agora modelista, tornou-se ‘gênio’ artístico moderno”, sendo imprescindível o conhecimento profundo de técnicas de modelagem. Como apresentado anteriormente, o alfaiate ou as costureiras dependiam muito dos moldes e das bases que compravam para construir roupas seguindo tendências mais tradicionais e ditadas pelos clientes. Com a Alta Costura, segundo o autor, existe um chamado supremo pela incessante criação de modelos originais, de novidades não apenas superficiais baseadas em adornos e incrementos de moldes básicos, mas de ideias originais que surgissem ao nível de construção e de molde da roupa. Neste sentido é possível compreender melhor o aparecimento de tantas variações e possibilidades técnicas na área da modelagem no século XX. A Alta Costura teve seu momento áureo até a década de 1950, sendo considerada o laboratório das novidades, o referencial de estilo e de imitação da indústria da confecção e das produções caseiras (LIPOVETSKY, 2009; FOGG, 2013; EMERY, 2014). A Crise de 1929 e a Segunda Guerra Mundial deixaram marcas em toda a indústria de produção assim como na alta costura, com o alistamento de estilistas que não conseguiram se reerguer após o retorno para casa ocasionando o fechamento de algumas marcas. Aqueles que sobreviveram viram a necessidade de se adaptar à nova lógica da produção industrial estabelecida: o chamado prêt- a-porter (LIPOVETSKY, 2009). O termo foi utilizado pela primeira vez pelo estilista francês J.C. Weil em 1949, inspirado no movimento americano ready to wear, que pode ser traduzido para o português como “pronto para usar”. No início dos anos 1930, “os fabricantes da indústria nova-iorquina da moda, situados em volta da Sétima Avenida, refinaram suas capacidades técnicas e financeiras para melhorar o desenho de peças com preços moderados” (FOGG, 2013, p. 276) moldando um novo estilo de negócio baseado na oferta de peças prontas com preços acessíveis, modelagem e acabamentos melhorados, inspiradas nas últimas tendências. Inicialmente muito arraigado ao espelhamento da alta costura, o prêt-a-porter irá se tornar mais independente a partir da década de 1960, quando uma nova geração de criadores não pertencentes à alta costura se volta para a audácia e para o frescor da juventude. São alguns exemplos: Mary Quant que cria a minissaia; Christiane Bailly ao apresentar mantôs amplos em estilo de capa; Michèle Rosier, Emmanuelle Kahn e Élie Jacobson que 39 revolucionaram os trajes de esporte (LIPOVETSKY, 2009). É justamente ao difundir a novidade, os estilos e as novas estéticas na rua de forma acessível, aliado às novas tecnologias têxteis das fibras sintéticas, que o prêt-a-porter irá ganhar espaço no mercado e se diferenciar da indústria de massa. Avelar (2011) esclarece a diferença entre estes dois polos: Ainda hoje, existe uma grande confusão no estabelecimento da diferença entre prêt- a-porter e a indústria de massa, mas é importante notar que esta última já se encontrava em plena atividade desde o século XIX. Prêt-a-porter, por sua vez, além de significar “pronto para vestir”, refere-se a algo muito mais amplo, uma determinada organização nesse período. É a roupa pronta para ser levada, mas ela só existe graças a uma pesquisa de tendência envolvendo toda a cadeia têxtil (AVELAR, 2011, p. 61). Com uma dinâmica de produção mais acelerada, os fabricantes da indústria de massa perceberam a dificuldade em renovar os estoques com rapidez e tiveram de adotar novas estratégias a fim de acompanhar o ritmo e a demanda das constantes novidades alimentadas pelo prêt-a-porter. “Os signos efêmeros e estéticos da moda deixaram de aparecer, nas classes populares, como um fenômeno inacessível reservado aos outros; tornaram-se uma exigência de massa" (LIPOVETSKY, 2009, p. 133) e é neste momento que aparecem os primeiros estilistas freelancers, contratados sob demanda e por temporada, para auxiliar na criação das coleções das lojas de departamentos. Também houve o aumento da produção de peças separadas e coordenadas, que Avelar (2011, p. 65) classifica como ‘linhas de preços’, “variando proporcionalmente o valor das peças de acordo com o grau de trabalho e com os materiais envolvidos em sua fabricação”. O prêt-a-porter irá estabelecer-se na França como um modelo de negócio entre o fim da década de 1960 e início da década de 1970, popularizando no país o lançamento de roupas prontas. “Além disso, durante os distúrbios políticos e da rebelião jovem dos anos 1960, a alta-costura foi considerada irrelevante para os consumidores modernos, cuja vida cada vez mais dinâmica deixava pouco tempo para provas de roupas demoradas e dispensava os trajes formais” (FOGG, 2013, p. 382). Assim, os estilistas da alta costura francesa começaram a lançar linhas paralelas às que já produziam, como estratégia para entrar neste novo mercado. Um exemplo é o estilista Yves Saint-Laurent que aliado ao empresário Pierre Bergé, abre em 1966 a segunda linha da marca com a chancela de prêt-a- porter, denominada Yves Saint-Laurent Rive Gauche (AVELAR, 2011). André Courrèges, também vindo da alta costura, torna-se amplamente conhecido por meio de suas linhas prêt- a-porter entituladas “Couture future” e 40 “Hyperbole”, em que se apropria da minissaia originalmente inglesa impulsionando-a para o mercado internacional. Com o aparecimento do prêt-a-porter e com a efervescência dos movimentos que surgem nas ruas, a Alta Costura deixa de ditar as regras do jogo da moda apesar de ainda refletir ou até validar novas tendências. Lipovetsky (2009, p. 129) aponta: Quando a Alta Costura introduz a calça feminina em suas coleções, as mulheres já a tinham adotado maciçamente: em 1965, criavam-se industrialmente mais calças para mulheres do que saias. E quando Saint-Laurent, em 1966, integra os jeans em suas coleções, essa roupa já fora escolhida pelos jovens há muito tempo. “É preciso descer pra rua!”: de pioneira, a Alta Costura em sentido estrito tornou-se, antes de tudo, uma instituição de prestígio, consagrando o que é inovado em outras partes muito mais do que impulsionando a ponta da moda. A indústriada moda passa cada vez mais à agregar as referências vindas da rua e “esse processo torna-se tão rápido que muitas vezes não é possível observar diretamente o surgimento de tribos urbanas - a indústria da moda as detecta e, imediatamente, imprime seus elementos característicos nas novas coleções” (AVELAR, 2011, p. 68). A oposição entre o sob medida e a indústria de massa que estruturou o início do século é dissolvida a partir do momento em que o prêt-a-porter propõe a pluralidade de estilos. Esta antropofagia das ruas irá influenciar as cores e os tratamentos têxteis das roupas das passarelas, como também as estruturas e as formas que começam a ser abordadas sob uma perspectiva mais conceitual. Os processos de criação também se multiplicam devido às formações e históricos culturais dos estilistas e designers, que passam a trabalhar de maneiras significativamente diferentes entre si (AAKKO, 2016). Neste capítulo é possível perceber que a indústria da moda se legitima pela constante busca pela novidade e inovação com movimentos oscilantes entre a distinção e a imitação compostas pela Alta Costura, pelo prêt-a-porter e pela indústria de massa. Segundo Avelar (2011, p. 77) o “novo” desempenha papel fundamental na sociedade de consumo, em especial para a moda que “se vale desse desejo - ela mesma é a legitimação do futuro, a partir de suas coleções sazonais -, cabendo-lhe ainda a determinação de padrões estéticos, mesmo quando a diversificação de estilos individuais se faz presente”. Outro ponto de extrema importância e que reverberou por todo o século XX foi a autonomia do criador em relação aos gostos dos clientes, que possibilitou o desenvolvimento da indústria do vestuário em todos os aspectos. Esta abertura para a criatividade expandiu o desenvolvimento técnico da moda inclusive na área da modelagem. Aliada aos rearranjos 41 propostos pela globalização, a liberdade criativa tomará maiores proporções quebrando todas as regras estéticas e permitindo a criação em todas as direções. “Nada mais é proibido, todos os estilos têm direito de cidadania e se expandem em ordem dispersa. Já não há uma moda, há modas” (LIPOVETSKY, 2009, p. 144). É justamente na multiplicação dos processos criativos que esta pesquisa se interessa, sendo o recorte proposto para os próximos capítulos. 2.2 Design para a complexidade 2.2.1 Cenários atuais e perspectivas para o design Vivemos rodeados de objetos em nosso dia a dia, quase todos artificiais e tocados pelas mãos do homem, alterados e formatados, em diferentes graus de intervenção (TAI, 2017). Um simples clipe de papel foi pensado e produzido por algum profissional, como também a cadeira em que nos assentamos todos os dias, as roupas que vestimos, os veículos que usamos para nos deslocar. Relacionamo-nos diariamente com muitos objetos e é por meio deles que nos contextualizamos e interagimos com o mundo. Ono (2006) afirma que os artefatos26 compõem um papel importante em nosso cotidiano, pois são eles que moldam nossa sociedade, por serem reflexos de nossa história econômica, política e cultural. Manzini (1993) complementa esta ligação do artefato com os contextos históricos ao afirmar que os objetos são o resultado da interação entre o pensamento e as suas possibilidades de concretização. Segundo o autor, todo produto criado “situa-se na intersecção de linhas de desenvolvimento do pensamento (modelos, estruturas culturais, formas de conhecimento) com linhas de desenvolvimento tecnológico (disponibilidade de materiais, técnicas transformadoras, sistemas de previsão e de controlo)” (MANZINI, 1993, p.17). Cada momento histórico é composto por um conjunto de tecnologias que tornam possíveis ou não a criação dos objetos. Além das tecnologias, existem demandas culturais que irão afetar diretamente a demanda e a criação de produtos. Moraes (2010) baseado em outros autores (FINIZIO, 2002; MANZINI; JÉGOU, 2004) apresenta o conceito de cenário como “panorama e paisagem em que se vive (cenário existente) ou se viverá (cenário futuro), é ele que determina as diretrizes para as novas 26 Conforme definição do dicionário Houaiss artefato é um objeto, dispositivo, artigo industrializado, aparelho, engenho construído para um fim determinado. 42 realidades vindouras e alternativas da nossa cena cotidiana” (MORAES, 2010, p.3). O cenário também é responsável por definir os papéis das pessoas dentro deste universo. A globalização foi responsável por rearranjos significativos nos cenários a partir de 1990, por alterar as lógicas até então estabelecidas pelos processos de industrialização a partir do século XIX e da sociedade de consumo. Ela também promoveu o nivelamento e a desterritorialização dos modos de produção, distribuição e consumo de produtos e serviços por meio da disseminação da tecnologia (CARDOSO, 2012; AVELAR, 2011; MORAES, 2014). Antes, os mercados tinham abrangências mais regionais com demandas maiores que as ofertas de produtos e consumidores com desejos de fácil decodificação. Era uma lógica de progresso linear e estática que refletia “os ideais do projeto moderno com suas fórmulas preestabelecidas que determinavam um melhor ordenamento da organização social e que, em decorrência, almejavam o alcance da felicidade para todas as pessoas” (MORAES, 2010, p.3). A tríade criada pela estabilidade no emprego, pela solidez no núcleo familiar e pelo modelo capitalista industrial, norteou os estilos de vida em prol da felicidade para todos até meados do século XX. Estas estratégias se mostraram frágeis no decorrer do tempo, apresentando inconsistências: muitos empregos foram substituídos por atividades automatizadas decorrentes do avanço tecnológico, novas famílias se formalizaram fugindo aos dogmas religiosos, os mercados se expandiram e encontraram concorrência global, a comunicação e o tempo de metabolização das ideias foram radicalmente reduzidos. Novos problemas não previstos também surgiram como consequência, são exemplos: a degradação intensa do meio ambiente, a diminuição de recursos do planeta e o aumento da distância entre ricos e pobres (MAURI, 1996 apud MORAES, 2010). Os tempos atuais têm como forte característica um dinamismo sem precedentes que dificulta o entendimento dos cenários devido às suas características fluidas. Estamos vivendo a “era da informação” na qual os meios digitais provocaram mudanças profundas na nossa economia, na cultura e consequentemente nos sistemas de fabricação desde os últimos trinta anos. Os meios digitais permitiram um fluxo intenso de trocas entre culturas e localidades muito distantes, em uma velocidade nunca antes possível, permitindo novas conexões entre pessoas, mercadorias e informações. Quando se torna fácil e viável obter dados e matéria- prima para se produzir qualquer coisa, em qualquer lugar, os modos de produção são pulverizados no mundo todo, acabando com os grandes pólos centralizadores (CARDOSO, 43 2012; MORAES, 2014; AVELAR, 2011). Não existe apenas um caminho a seguir, mas vários caminhos com poucas garantias e muita fragilidade. Moraes (2010) faz menção a esta fragilidade ao afirmar que neste novo mundo é necessário que os profissionais se reinventem cotidianamente a fim de se tornarem flexíveis às constantes mudanças. O aumento de profissionais atuando como freelancers27 pode ser considerado reflexo dessa individualização e renovação dos modelos de atuação profissional. Outro exemplo é a produção just-in-time28, que se torna viável em uma lógica de mercado desterritorializada e pulverizada (AVELAR, 2011). Baseada nas pesquisas de Bauman (2001), Avelar aponta que “tratamos hoje de uma economia informacional que altera a natureza do trabalho, não apenas criando uma interdependência cada vez maior que estabelece novas áreas profissionais [...] mas também gerando um conceito de capital fluido” (AVELAR, 2011, p.83). O mercado e o capital não dependem mais de forças de trabalho locais, eles agora transitam de maneira instantânea por todo o globo, fragmentando-se e intensificando a prestação de serviços globais. Neste sentido é preciso considerar também a tendência homogeneizante em direção a um “ponto comum global, impulsionado pela tecnologia, que proletarizou os meios de comunicação e transporte nos vários locais do mundo, levando as pessoas a verem, ouvirem, experimentarem e desejarem as mesmas coisas” (ONO, 2006, p. 81). Esta tendência à homogeneização irá se expandir para várias camadas da sociedade, influenciando desde as etapas de produção e consumo, até ser assimilada e interiorizada por diferentes culturas. Atualmente é possível que alguns moradores do Brasil, dos Estados Unidos e da África do Sul compartilhem estilos de vida muito parecidos, disseminados pelas vias digitais, distanciando- se das características culturais específicas de cada nação. Também é possível encontrarmos, por exemplo, estabelecimentos comerciais ou sistemas de transportes parecidos em cada um desses lugares (ONO, 2006; MORAES, 2014). Tal padronização permitiu que grandes grupos financeiros como o LVMH29 ̶ que 27 Termo inglês para denominar o profissional autônomo que trabalha para diferentes empresas sem vínculos empregatícios (Dicionário Houaiss, 2004). 28 Just In Time é um sistema de administração da produção que determina que tudo deve ser produzido, transportado ou comprado na hora exata. Pode ser aplicado em qualquer organização, para reduzir estoques e os custos decorrentes. (AVELAR, 2011). 29 Moët Hennessy Louis Vuitton SE ou simplesmente LVMH, é uma holding francesa especializada em artigos de luxo. 44 controla mais de 70 marcas internacionais ̶ ditem tendências e desejos de consumo mundialmente em troca de um rápido retorno de capital investido. Neste cenário, a moda se volta para um mercado mais comercial, de produção e consumo em larga escala adotando uma linguagem mais conhecida e de fácil compreensão e assimilação (AVELAR, 2011). Os processos de criação e fabricação de produtos também foram influenciados, fragmentando e distanciando os setores das empresas fazendo com que um produto circule em países diferentes até que chegue ao consumidor final. Neste novo sistema complexo e tecnológico, muitas vezes a criação não é responsabilidade apenas de um estilista, mas de uma equipe de criação constituída de profissionais de diversas áreas (MCQUILAN; RISSANEN; ROBERTS, 2013). A consequência desta produção massificada é o aparecimento de bens de consumo frágeis e híbridos, que se entrelaçam com as culturas locais. Essa cultura mundial que vemos se estabelecer é criada justamente por meio desse entrelaçamento entre local e internacional, baseada principalmente por meio das vias digitais de forma instável (AVELAR, 2011; ONO, 2006; MORAES, 2014). Se até meados do século XX os cenários eram sólidos e de fácil decodificação, hoje é necessário saber filtrar uma quantidade enorme de informações para produzir sentido nestes novos cenários fluidos e complexos. Cardoso (2012, p. 22) pontua que “o primeiro resultado de tanta informação é a ansiedade”, sendo fácil surgir o sentimento de impotência e pequenez diante da complexidade dos problemas que o designer contemporâneo passa a lidar. Sobre a globalização e mundialização da cultura, Avelar (2011, p. 86) afirma que “devem ser entendidos como um processo, e não como o estabelecimento de um sistema, mesmo que todos possam algumas vezes compartilhar das mesmas experiências de forma similar”. Embora exista a tendência à homogeneização, esse processo tem seus limites e é possível utilizá-lo para outros propósitos além da padronização. A expansão do mercado para proporções mundiais pode também ser uma oportunidade para o aparecimento de diferentes segmentações baseadas na alimentação de inovação e diferenciação local dos produtos de design (ONO, 2006; MORAES, 2010). As diferenças são importantes no processo de globalização, pois é a partir delas que se estabelecem as hierarquias de mercados. Ono (2006, p. 86) exemplifica que “há produtos como os rádios, por exemplo, que têm uma aceitação ‘global’, e outros, como os produtos de iluminação, que se caracterizam como produtos culturais” por se diferenciarem de acordo 45 com o tipo de iluminação desejada por moradores de países no hemisfério sul ou no hemisfério norte. A diversidade cultural e as características locais devem ser levadas em consideração mesmo para estratégias globais. Muitas vezes, as diferenças que foram em determinado momento marginalizadas, podem ganhar foco ao serem incorporadas como proposta de produto, passando a serem tratadas como necessárias. Avelar (2011) cita como exemplo no âmbito da moda, os movimentos de contracultura e antimoda dos anos 1960, que a princípio eram relegados às ruas, mas que rapidamente passaram a integrar as passarelas da alta-costura e consequentemente o mercado de moda global. Os movimentos de homogeneização e heterogeneização causados pela globalização e pelos cenários fluidos e complexos, se fazem presentes na base da configuração da indústria da moda. Enquanto a alta costura passou a estabelecer as novidades, a indústria de massa reproduziu de maneira uniforme roupas mais acessíveis (LIPOVETSKY, 2009). Estas diferenças de mercado podem emergir por meio dos aspectos formais e práticos dos produtos, mas hoje estão principalmente baseadas nos valores subjetivos, afetivos e emocionais de cada sociedade, estendendo-se até aos indivíduos. Segundo Moraes (2010, p. 8-9): Com a realidade do “cenário dinâmico”, tantas realidades distintas passam a conviver de forma simultânea e onde cada indivíduo dentro da sua potencialidade e competência (aqui no sentido que lhe compete) como comprador, usuário, e consumidor traz intrínseco ao seu mundo pessoal, suas experiências de afeto, de concessão, de motivação que ao mesmo tempo, e por consequência, tende a conectar-se com a multiplicidade dos valores e dos significados da cultura à qual pertence, isto é, do seu meio social. O design se sustenta nas interpretações destes valores, oriundos de uma quantidade enorme de informações fluidas que recebe cotidianamente. Rafael Cardoso (2012, p. 40) traz para a discussão que “o impacto dessas informações múltiplas e rápidas sobre um campo como o design, tradicionalmente pautado pela fabricação de artefatos materiais” se dá na relação entre materialidade e imaterialidade, ou ‘coisa’ e ‘não-coisa’ como tratado por Flusser (2007). Segundo Flusser, as ‘não-coisas’ são as informações imateriais que estão substituindo as ‘coisas’ ao nosso redor, impalpáveis, passíveis apenas de decodificação. “Estamos cada vez menos interessados em possuir coisas e cada vez mais querendo consumir informações. Não queremos apenas um móvel a mais ou uma roupa, mas gostaríamos também de mais uma 46 viagem de férias, uma escola ainda melhor para os filhos” (FLUSSER, 2007, p. 54). Estes novos atributos intangíveis demandam do design a interação com disciplinas que abordam o comportamento humano, os fatores psicológicos, para começar a considerar o valor de estima e os atributos secundários na criação dos artefatos industriais. Portanto, o desenvolvimento de produtos não pode mais se basear apenas em soluções para as necessidades objetivas dos usuários, pois demandam novos significados subjetivos que estão sempre em mudança de acordo com os cenários fluidos (MORAES, 2010; CHRISTO, 2008). Niku (2009) analisa o design como um esforço subjetivo, pois nunca a solução de design escolhida para um objeto irá agradar a todos, alguns irão julgar como assertivo enquanto outros não. Não existe um lugar seguro na criação em design, como também não existe apenas uma solução para determinado problema. Para o autor é exatamente esta incertezae as incontáveis possibilidades de soluções para um mesmo dilema que tornam o design uma aventura excitante. Para que seja possível decodificar as informações dos cenários e dos atores atuais, é importante reconhecer os enredamentos dos sistemas em uma análise consciente dos problemas, antes de propor soluções. “Uma das grandes vantagens de se reconhecer a complexidade do mundo é compreender que todas as partes são interligadas. Sendo assim, as ações de cada um juntam-se às ações de outros para formar movimentos que estão além da capacidade individual” (CARDOSO, 2012, p. 42). É importante que os novos designers aprendam a trabalhar em redes colaborativas, multidisciplinares e transdisciplinares, para atender à crescente demanda por soluções coletivas. Também será necessária a capacidade de atualização constante, estando sempre preparados para interpretar mudanças nos cenários. Para Moraes (2010) é indispensável ao design valer-se de novas ferramentas e metodologias para a compreensão e gestão da complexidade contemporânea. As abordagens de projeto do designer do século XXI não podem seguir as propostas e objetivos do século passado, pois estas não condizem mais com a realidade presente. No que diz respeito ao design de moda, atualmente ele se caracteriza pelo seu modo de produção como também pelos modos de criação, tendo a experimentação como “dado fundamental para a criação da moda inovadora” (AVELAR, 2011, p. 111), sendo este o ponto de discussão central desta pesquisa. Neste sentido, torna-se necessário entender como se estabelecem os processos criativos da atuação do designer, para mapear como estes processos podem ser abordados na 47 formação de novos profissionais. 2.2.2 Criatividade, design e design de moda Na sabedoria popular acredita-se que o ato criativo é aquele momento de iluminação repentina em que todas as respostas para determinada questão aparecem de maneira divina na mente do artista ou criador. Segundo Esquivel (2013) este pensamento provém de tradições místicas e espirituais e nos leva a ideia de que criar é ‘produzir algo do nada’. Na contramão, existe uma visão mais racional que aborda a criatividade a partir da interação entre a realidade e a inteligência para a criação de algo novo. Para a autora, a criatividade então resulta de uma mistura de fantasia e invenção, “mas necessariamente baseada no conhecimento, em experiências que permitam relacionar de maneiras distintas informações passadas para assim estabelecer novas realidades30" (ESQUIVEL, 2013, p. 103, tradução do autor). É por este segundo caminho que muitos teóricos se baseiam, como por exemplo, Manzini que acredita ser possível entender as atividades do design, como exposto abaixo: Há pouco mais de 30.000 anos, teve lugar uma última mutação genética importante na espécie humana. O homem actual resultou desta mutação, que liberou a área pré-frontal do cérebro, na qual se dão as associações, aumentando desmesuradamente a capacidade de se projetar na mente coisas que não existem. [...] O homem, no entanto, possuía já mãos, com as quais manipulava a matéria há milhões de anos, transformando pedras e paus em armas e utensílios. A presença de mãos acostumadas a transformar o existente, através de uma técnica e de um cérebro capaz de realizar associações, esteve na origem da história do homem tal como o conhecemos. [...] Nasce assim uma categoria particular do imaginável - o imaginável exequível, o pensável baseado no conhecimento dos meios técnicos disponíveis, a partir dos quais se pode tornar possível o pensável. Pensar o possível constitui a base de cada uma das atividades do design (MANZINI, 1993, p. 52). O pensável-possível como diz Manzini, está sempre relacionado às possibilidades técnicas de cada momento, mas não precisa ser limitado pelo existente, podendo afastar-se ou até negar certas realidades como estímulo para atingir novos objetivos por vias até então não percorridas. Ostrower (2007, p. 9) complementa ao homem ‘fazedor’ exposto por Manzini, a camada de um ser informador, “capaz de estabelecer relacionamentos entre os múltiplos eventos que ocorrem ao redor e dentro dele. Relacionando os eventos, ele se configura em 30 pero necesariamente basada en el conocimiento, en experiencias que permiten relacionar de maneras distintas informaciones precedentes y establecer así realidades nuevas. 48 sua experiência de viver e lhes dá um significado”. Vilchis apud Esquivel estabelece que “a criatividade é factível porque o homem, para além da sua racionalidade, possui também essa afetividade que o permite captar aquilo que escapa à sua razão31” (VILCHIS, 1999, p. 57 apud ESQUIVEL, 2013, p. 103, tradução do autor). Desta maneira, Esquivel aponta outros autores (Gardner, Weisberg, Csikszentmihalyi, Gruber e Boden) que abordam a ideia da criatividade como uma rede conceitual que abarca aspectos desde a inteligência até as emoções. No âmbito do design e das artes, é justamente na tentativa de equilíbrio entre os processos racionais e emotivos que perpassa a criatividade, promovendo a transformação das ideias em sistemas de símbolos. Nos objetos resultantes de um projeto criativo “concretiza-se também o exato momento de um equilíbrio alcançado” (OSTROWER, 2007, p. 99), uma camada subjetiva que carrega todo o processo de formulação de significados. Segundo Tai (2017), o design deve ser entendido em dois contextos: o conceitual e o projetual. “O conceitual refere-se à finalidade de expor ou manifestar ideias teóricas ou conceituais, e o projetual, ao processo técnico-prático” (TAI, 2017, p. 18). Esta separação entre conceito e prática se assemelha a análise de Manzini (1993) apresentada no início deste capítulo, em que o autor sugere que os objetos se encontram entre duas linhas de intersecção: a do desenvolvimento do pensamento e a do desenvolvimento tecnológico. Se nos voltarmos para a criação de vestimentas também será possível reconhecer o encontro entre o pensamento intuitivo e prática/técnica em seus modos de projetar. Fiorini (2008) aponta que o design de moda “apresenta inumeráveis traços intuitivos que são criados nas suas produções, mas, sem dúvida, nos projetos de desenho de produto de moda são questionadas instâncias-chave que envolvem um pensamento sistemático e fases metodológicas próprias de um saber projetual” (FIORINI, 2008, p. 98). A interação destas duas linhas no processo de design não é simples - tão pouco linear - e necessita sempre de mediação. “Não existe um pensável abrangente que tenha apenas de ser encaixado na fronteira do possível, porque a própria consciência destes limites restringe o que pode ser pensado. Por outro lado, o pensamento não é só a aceitação dos limites conhecidos” (MANZINI, 1993, p. 17). É 31 la creatividad es factible porque el hombre, además de su racionalidad, posee también esa afectividad que le permite captar aquello que escapa a surazón. 49 justamente na alimentação da criatividade que os limites dos sistemas são expandidos, gerando novas possibilidades que não foram pensadas até então. A intuição e os impulsos do inconsciente são essenciais para os processos criativos, assim como o pensamento racional também o é, sendo elemento fundamental para a elaboração das ideias. Ostrower (2007) defende que os processos da criatividade devem ser abordados de forma global, sem negligenciar suas várias atribuições ou considerar em maior peso o consciente ou o inconsciente. Como podemos perceber na citação a seguir, os dois aspectos são complementares: Assim como o próprio viver, o criar é um processo existencial. Não abrange apenas pensamentos nem apenas emoções. Nossa experiência e nossa capacidade de configurar formas e discernir símbolos e significados se originam nas regiões mais fundas de nosso mundo interior, do sensório e da afetividade, onde a emoção permeia os pensamentosao mesmo tempo que o intelecto estrutura as emoções. São níveis contínuos e integrantes em que fluem as divisas entre consciente e inconsciente e onde desde cedo em nossa vida se formulam os modos da própria percepção. São os níveis intuitivos do nosso ser (OSTROWER, 2007, p.56). Dentre tantas camadas subjetivas pode parecer um pouco difícil definir o que seria exatamente a criatividade e se seria possível dominá-la a tal ponto de existir fórmulas claras para reproduzi-la ou ensiná-la. Niku (2009) observa que mesmo com um estudo muito aprofundado que abordasse a filosofia e fisiologia da criatividade, ainda seria difícil de estabelecer uma resposta definitiva ou consistente sobre este fenômeno, porém é possível perceber que algumas pessoas apresentam certas habilidades que podem ser caracterizadas como mais criativas que outras e, que talvez esta atitude em prol do novo possa ser cultivada e estimulada em outras pessoas. Segundo Esquivel (2013, p. 104, tradução do autor) “a impossibilidade de estabelecer um método para a criatividade não impede, no entanto, o reconhecimento de um conjunto de habilidades que a tornam possível32”. Dentre as habilidades que a autora aponta, citamos aqui algumas: sensibilidade diante dos problemas; flexibilidade para abordar um mesmo problema de maneiras diferentes; fluidez ou facilidade de expressar conhecimento em situações inesperadas; capacidade de realização para que as ideias possam ser desenvolvidas e testadas; disciplina e persistência; originalidade ou um estilo pessoal de pensar e fazer. Cada ser humano tem suas experiências de vida particulares e distintas, baseadas em 32 la imposibilidad de estabelecer un método para la criatividad no impide sin embargo reconocer un conjunto de habilidades que la hacen possíble 50 seu repertório cultural. A cada instante observamos e interagimos com um universo de objetos que despertam reflexos, cheiros, memórias, em que vamos tecendo associações dando forma e configurando o mundo a nossa volta. Além das características culturais, Niku (2009) apresenta estudos científicos que atestam que a criatividade - como capacidade de interação e formulação com o mundo - é uma função do cérebro como qualquer outra e deve ser considerada como um fenômeno natural. Estes estudos apontam que o cérebro pode ser dividido em dois hemisférios que atuam de formas diferentes: um é dominante, com capacidades lógicas, lineares, analíticas que trabalha de forma sequencial baseado em conhecimentos, métodos e conclusões anteriores. É governado por regras, atento aos detalhes, destinando a atenção para um processo de cada vez de maneira mais lenta. O outro hemisfério é “intuitivo, imaginativo, não-verbal (ou verbalmente fraco), espacial e não- linear. Pode saltar de uma questão ou de um fato para outro em direções laterais, conectando as questões de novas maneiras que podem parecer inicialmente não relacionadas33” (NIKU, 2009, p. 34, tradução do autor). É deste lado que acontecem as descobertas e os aprendizados intuitivos, por meio do reconhecimento de padrões e similaridades, como um processador multitarefa e instantâneo. A intuição segundo Ostrower (2007, p. 56) é um dos modos cognitivos mais importantes do homem, pois “permite-lhe lidar com situações novas e inesperadas. Permite que, instantaneamente, visualize e internalize a ocorrência de fenômenos, julgue e compreenda a seu respeito. Permite-lhe agir espontaneamente”. Apesar da categorização entre hemisférios, utilizamos nosso cérebro de forma integral, na qual todas as suas características e potenciais são ativadas ao mesmo tempo interligando-se e complementando-se assim como abordado anteriormente sobre o consciente e inconsciente. O que geralmente acontece segundo Niku (2009) é que tendemos a estimular e nutrir mais o lado lógico e racional como, por exemplo, no caso de processos educacionais comuns usados em escolas, nos quais o comportamento apropriado (lógico) é recompensado e o comportamento inadequado (criativo e diferente) é punido. Isso é ainda mais comum no ensino de engenharia, onde a lógica, os fatos, os números e os métodos são fortemente enfatizados. Como resultado, a maioria dos engenheiros e estudantes de engenharia tendem a se esquivar das artes, desenhos, 33 intuitive, imaginative, nonverbal (or verbally weak), spatial and nonlinear. It can jump from one issue or fact to another in lateral directions, connecting the issues in new ways that may initially seem unrelated. 51 cores e outras questões que não são enfatizadas em sua educação34 (NIKU, 2009, p. 34, tradução do autor). Segundo Ostrower (2007) a criatividade não é limitada aos artistas ou a alguns privilegiados, é inerente a todos os seres humanos mesmo que alguns estejam mais sensíveis que outros. Como exposto anteriormente, o design é uma área de conhecimento ampla e transversal que abarca tanto questões matemáticas, lógicas e racionais da produção industrial, como também os signos, símbolos e significados culturais e emocionais dos objetos. Portanto, torna-se importante aos designers a experimentação de processos criativos que estimulem ambos os aspectos lógicos e intuitivos, para que sejam abordados os atributos intangíveis e subjetivos dos produtos. Ao reconhecer que é necessário um ponto de equilíbrio, é possível afirmar que o processo criativo supõe a eleição de opções para agir (MANZINI, 1993; ESQUIVEL, 2013), ou seja, de um lado racional que irá direcionar estes processos. Sob a perspectiva do design industrial, segundo Tai (2017, p. 239) o designer é considerado um “solucionador de problemas e a sua qualificação se mede pela sua capacidade criativa”. Niku (2009) defende que uma solução de design considerada como criativa é aquela que resolve o problema mostrando melhores resultados quando comparada às outras possibilidades dentro de um mesmo cenário. Neste sentido, pode-se considerar que a criatividade depende de um ponto de vista, pois quando criamos algo, aquilo pode ser considerado inovador para um, mas redundante para outro. “Ao buscar uma solução para um problema, além de acessar as informações que sirvam como indicadores, parâmetros e critérios, o designer precisa gerar ideias que se comparem e confrontam entre si para chegar a uma proposta verdadeiramente satisfatória” (TAI, 2017, p. 239). Esta afirmação comunga com os conceitos abordados anteriormente, nos quais se estabelece necessária a existência de um repertório anterior para que seja possível relacionar as informações recebidas com novas possibilidades. Também valida a necessidade de se escolher um ponto de vista, um caminho a seguir, que garanta a possibilidade de ser criativo da maneira mais apropriada ao contexto em que está inserido (MANZINI, 1993). 34 This is even more prevalent in engineering education, where logic, facts, numbers, and methods are heavily emphasized. As a result, most engineers and engineering students tend to shy away from arts, drawing, colors, and other issues that are not emphasized in their education. 52 Ostrower (2007, p. 69) considera que a criatividade se “elabora em nossa capacidade de selecionar, relacionar e integrar os dados do mundo externo e interno, de transformá-los com o propósito de encaminhá-los para um sentido mais completo”. Cada um dentro de seus conhecimentos e possibilidades procura externalizar os pensamentos da maneira mais expressiva possível e para atingir este objetivo, transformam-se as matérias, experimenta-se a materialidade e configura-se o mundo (OSTROWER, 2007). Para Alencar e Melo (2014), o processo criativo possui três instâncias – pensamento, técnica e linguagem – que se inter- relacionam e retroalimentam. Segundo as autoras, o pensamento é o processo de formulação mental do que deve ser expresso pela linguagem, sendo as técnicas o mediador que irá possibilitar que a linguagemganhe forma. Desta maneira, o ato de fazer é inerente ao ato de criar. Em um ateliê de costura por exemplo, não basta que o designer apenas imagine um vestido para que ele seja entendido por sua cliente ou para que ele seja produzido pela costureira. É sempre preciso dar forma a uma ideia. Segundo Saltzman (2008, p. 305) “o processo do design começa na proposição de um objeto imaginário e culmina na realização de um objeto material: nasce de uma ideia e se concretiza numa forma”. O processo de transformar a ideia em algo compartilhável com o outro, demanda que o designer traduza seus pensamentos seja em desenho, em uma fotografia como referência ou até mesmo em uma primeira simulação tridimensional. “São experiências existenciais - processos de criação - que nos envolvem na globalidade, em nosso ser sensível, no ser pensante, no ser atuante. Formar é mesmo fazer” (OSTROWER, 2007, p. 69). Na introdução do livro de Flusser (2007), Rafael Cardoso aponta que “todo artefato é produzido por meio da ação de dar forma à matéria seguindo uma intenção” (CARDOSO apud FLUSSER, 2007, p. 12). Para entender melhor a relação da forma com a intenção e para que seja possível avaliar os fatores criativos, usaremos aqui a definição do uso do termo forma por Ostrower: A forma é algo em si delimitado - mas não no sentido de uma área demarcada por fronteiras. Nem, aliás, nas artes plásticas a forma se resume a configurações de superfície, a uma espécie de silhuetas. A forma é o modo porque se relacionam os fenômenos, é o modo como se configuram certas relações dentro de um contexto. Para dar um exemplo visual: ao se observar duas manchas vermelhas lado a lado, vê- se uma forma. Ela abrange as manchas e os relacionamentos existentes entre as manchas. Portanto, a forma não seria uma mancha isolada, seria a mancha relacionada a alguma coisa (OSTROWER, 2007, p. 79). 53 É possível fazer uma analogia desse conceito para a área do design de moda com relação às formas das roupas: quem nunca sentiu a diferença do caimento de uma blusa em seu corpo e no corpo do manequim exposto na vitrine da loja? A blusa pode ser a mesma, mas os corpos são diferentes e irão configurar a forma da roupa de maneiras diversas. Também é possível perceber que a mesma blusa se usada com uma calça de cintura alta ou com outra de cintura baixa, pode alterar as noções de proporção do corpo. A blusa pode também ser mal interpretada quando vista no cabide da loja, pois sua forma se torna bidimensional não sendo fácil identificar como seria seu caimento no tridimensional. É possível ainda expandir a forma das roupas ao agregar os aspectos simbólicos e emocionais que as acompanham. Uma blusa usada por três gerações de irmãos terá memórias, manchas e remendos que influenciarão na sua forma de maneiras físicas e subjetivas para aquela família. “As formas dos artefatos não possuem um significado fixo, mas antes são expressivas de um processo de significação - ou seja, a troca entre aquilo que está embutido em sua materialidade e aquilo que pode ser depreendido delas por nossa experiência” (CARDOSO, 2012, p. 36). Este processo de significação acontece não apenas no uso, como também nos processos de criação. A forma se torna a “estrutura de relações, como o modo por que as relações se ordenam e se configuram” (OSTROWER, 2007, p. 79). A partir do exemplo da percepção da forma das roupas, entende-se que no caso do design de moda a forma projetada é a da roupa, sendo ela um elemento de intervenção sobre o corpo e responsável por tecer novas relações entre o usuário e seus contextos. Neste sentido o “design é a forma que surge entre o corpo e o contexto, já que a roupa é um elemento relativo, cuja proposta surge a partir de uma relação: porque veste, cobre, descobre e modifica o corpo em função de um contexto específico” (SALTZMAN, 2008, p. 305). Sendo assim, ao abordarmos a moda pelo viés da roupa, é fundamental falar do corpo como suporte criativo (AVELAR, 2011). Conforme Fiorini (2008) são justamente estas relações entre corpo e roupa nos processos de criação e de significação do produto que distinguem o campo do design de moda no sistema dos objetos. Estas particularidades serão aprofundadas no capítulo 2.3 A experimentação como potencial criativo em modelagem. A impossibilidade de se resumir a criatividade em um método preciso não a torna necessariamente um produto da pura imaginação desordenada. Se o ato de formar demanda a estruturação das ideias, logo é preciso tomar consciência dos possíveis estágios dos 54 processos criativos, para que seja possível estudá-los e entendê-los. Esquivel (2013, p. 105, tradução do autor) afirma que “todo ato criativo requer de conhecimentos suficientes para compreender suas consequências. Por isso o designer deve satisfazer as exigências do fazer científico35”. São necessárias portanto, atitudes relacionadas ao pensamento objetivo como a busca por precisão, imparcialidade, curiosidade e observação. Este posicionamento investigativo no processo criativo é que possibilita prever as variantes de um problema abrindo caminho para a interação de novas ideias. “Um indivíduo criativo é capaz de alternar em seu pensamento processos primários de livre associação com processos secundários de abstração, pensamento lógico e ação consciente36" (ESQUIVEL, 2013, p. 105, tradução do autor). Nos processos de criação esta estruturação dos pensamentos irá acontecer à medida que as ideias tomam forma. Ao criar os problemas técnicos vão surgindo, as características e demandas específicas são levadas em consideração, os desejos e expectativas dos clientes são contestados, o material irá mostrar suas capacidades e resistências. Como abordado anteriormente, hoje as empresas e os designers navegam em cenários complexos que geram um número elevado de variantes que podem conduzir a uma infinidade de soluções. Segundo Fernandois (2018), pode-se dizer que este fluxo de informações influencia diretamente nos processos criativos. Neste contexto, fica claro que nos processos criativos existirão momentos de incertezas sobre as decisões tomadas, devido ao caráter também complexo dos resultados. Para o autor, a incerteza é uma das características mais presentes nos processos criativos e é preciso aprender a conviver com sua existência. É por meio deste convívio que se torna possível “explorar zonas difusas, romper pontos de vista estabelecidos, ir durante um tempo às cegas, tentar a sorte… Devemos portanto concordar, que esses processos estão ausentes dentro do espaço da formação universitária habitual do design37” (FERNANDOIS, 2018, p. 209, tradução do autor). A maneira como a criatividade é abordada nas escolas e nos cursos de 35 Todo acto creativo requiere de conocimientos suficientes para comprender sus consecuencias. Por eso el diseñador debe satisfacer las exigencias del que hacer científico. 36 Un individuo creativo es capaz de alternar en su pensamiento procesos primarios de asociación libre com procesos secundarios de abstracción, pensamiento lógico y acción consciente. 37 … explorar en zonas difusas, romper puntos de vista establecidos, ir durante un tiempo a ciegas, probar suerte… coincidiremos sin embargo, que estos procesos están ausentes dentro del espacio de formación universitaria habitual del diseño. 55 design será o recorte proposto para o próximo subcapítulo. 2.2.3 Método e processo na prática educativa e no design de moda Nas duas primeiras partes deste capítulo, vimos que a complexidade está presente em nossa sociedade tornando-se cada vez mais impossível negá-la, visto que se manifesta de forma crítica por meio dos problemas complexos que surgem em todos os contextos socioculturais. Sendo o designer um ator social importante para o entendimento destes problemas atuando justamente na proposição de soluções por meio da inserção de serviçose produtos na sociedade, percebe-se a necessidade do alinhamento entre as demandas dos cenários atuais com os processos de criação e produção destes profissionais. Também foi proposto uma análise da criatividade, suas características e potenciais quando valorizada e reconhecida nos processos inovadores dos designers. A partir destes apontamentos, fica evidente a necessidade de integração de processos mais criativos não somente nos âmbitos mercadológicos, como também em nível de ensino, pesquisa e extensão, visto que estas três chaves correspondem atualmente ao processo formativo dos designers nas instituições de graduação (MERINO; GONTIJO; MERINO, 2011). A universidade como a primeira mediadora entre os estudantes e o mercado, assume um papel crucial na formação dos indivíduos como profissionais. É importante ressaltar que, “a formação de uma pessoa não se reduz unicamente a um resultado (...) se assume como um modo consciente e prático de tomar partido num processo permanente e integral, onde se torna possível dinamizar os potenciais que nós, como seres pessoais, possuímos38” (RIAÑO; MONTOYA; VALENCIA, 2016, p. 87, tradução do autor). Diante disso, as propostas pedagógicas das instituições influenciam diretamente na capacidade de desenvolvimento de pensamento dos alunos, como também na maneira de assimilação do saber científico no âmbito de suas circunstâncias culturais. Desta maneira, apresenta-se o problema enfrentado pelas instituições de ensino: como tornar um conhecimento ensinável por meio de propostas didáticas e métodos científicos (RIAÑO; MONTOYA; VALENCIA, 2016). No caso desta pesquisa torna-se ainda mais importante acrescentar a este questionamento: como abordar e ensinar 38 la formación de la persona no se reduce únicamente a un resultado (...) se asume como un modo consciente y actitudinal de tomar partido en un proceso permanente e integral en donde se hace posible dinamizar las potencialidades que como seres personales poseemos. 56 a criatividade aplicada ao design de moda por meio da modelagem? Conforme verificado por Lana (2011), a ciência tradicional adota como método a decomposição dos problemas em pequenas partes, para que a partir da simplificação seja possível estabilizar os parâmetros de análise de acordo com determinados objetivos de estudo. Trata-se inegavelmente da separação do objeto de estudo de seus contextos, em uma lógica de pensamento linear e compartimentalizada. Dadas as características complexas do mundo atual, seria um erro não reconhecer que tal simplificação acaba por ignorar as transversalidades dos fenômenos atuais e suas diversas abordagens e relações. Ao assimilar o método científico para as didáticas de ensino, a educação também adquire uma lógica reducionista e formatadora que tende a compartimentalizar-se e desligar-se de um contexto maior. Feyerabend (1989) argumenta sobre as consequências de tal abordagem de ensino com relação ao impacto nos alunos: Um treinamento completo, nesse tipo de ‘lógica’, leva ao condicionamento dos que trabalham no campo delimitado; isso torna mais uniformes as ações de tais pessoas, ao mesmo tempo em que congela grandes porções do processo histórico. ‘Fatos’ estáveis surgem e se mantêm, a despeito das vicissitudes da História. Parte essencial do treinamento, que faz com que os fatos dessa espécie apareçam, consiste na tentativa de inibir intuições que possam implicar confusão de fronteiras. A religião da pessoa, por exemplo, ou sua metafísica ou seu senso de humor [...] devem manter-se inteiramente à parte de sua atividade científica. Sua imaginação vê-se restringida e até sua linguagem deixa de ser própria. E isso penetra a natureza dos ‘fatos’ científicos, que passam a ser vistos como independentes de opinião, de crença ou de formação cultural (FEYERABEND, 1989, p. 21). Segundo Feyerabend, fica claro que no pensamento tradicional o saber tende a tornar- se genérico, passível de regras estritas que serão transmitidas por meio da memorização e da repetição de padrões mecânicos. O problema, entretanto, é que tal fundamentação não condiz com os princípios da criatividade e com o pensável-possível, que se mostrou tão importante para o desenvolvimento do conhecimento ao longo da história como vimos. Dois autores citados anteriormente, Niku (2009) e Fernandois (2018) assim como Araújo (2009), argumentam que ainda hoje são utilizadas didáticas de ensino pautadas nos métodos científicos tradicionais que valorizam e incentivam lógicas racionais rígidas. De fato, em algumas áreas do conhecimento pode ainda ser importante manter tais pressupostos, porém para as áreas humanas e correlatas viu-se necessário ir mais além. O que ocorre na verdade, segundo Lana (2011), é que nos sistemas complexos é necessário reconhecer duas características essenciais: a instabilidade e a intersubjetividade. 57 A primeira pressupõe que o mundo está em constante mudança e formação, sendo impossível a previsibilidade ou o controle dos fenômenos. A segunda reconhece a inegável influência do ponto de vista do observador, que torna o conhecimento científico um processo de construção social, compartilhado por diversos sujeitos. Segundo Fernandois (2018, p. 209, tradução do autor) pode parecer “lógico pensar que em cada situação deve utilizar-se o método mais adequado, mas até agora, cada situação é de certa maneira um pouco diferente e é precisamente essa diversidade de métodos que atesta que o importante na geração de idéias, não é dado pelo método em si39”. É justamente na falta de um método que seja aplicável para todos os casos, que o design deve valer-se da experimentação e da criatividade em seus processos. É interessante, aliás, como assegurado por Riaño; Montoya; Valencia (2016, p. 88, tradução do autor) não apenas o desenvolvimento de didáticas que assimilem a complexidade, mas que os professores também internalizem tais características, para que munidos de “uma visão crítica sobre as relações entre ciência, técnica e sociedade, busquem a maneira apropriada de selecionar com relevância os conteúdos de acordo com as necessidades e interesses dos alunos40”. Optar por uma educação por meio da criatividade significa praticar constantemente a liberdade de escolha, em nível individual e coletivo. Com isso, educar não se trata somente de treinar competências e soluções de problemas, mas de explorar as singularidades para ampliar o conhecimento (ARAUJO, 2009). Em contraponto ao uso de métodos, Fernandois (2018) sugere a adoção de estratégias, pois elas pressupõem o conhecimento de diversos métodos que podem ou não ser usados dependendo da situação apresentada. A partir do planejamento estratégico de uma disciplina - como também de um projeto de design - torna-se possível lidar com os imprevistos, ajustar às diferentes demandas na medida em que elas vão surgindo. Sobre este posicionamento o autor defende que: Visto dessa perspectiva, um ser inteligente e consciente da realidade, elabora estratégias para responder às incertezas. Seria necessário ensinar princípios de estratégia que permitam enfrentar os riscos, o inesperado, o incerto e modificar seu desenvolvimento em virtude da informação adquirida ao longo do caminho. Pensar 39 Parece lógico pensar que en cada situación debe utilizarse el método más adecuado, pero hasta el momento, cada situación es en cierta medida diferente y es precisamente esta diversidad de métodos la que demuestra que lo importante en la generación de ideas, no está dado por el método en sí. 40 una visión crítica sobre las relaciones entre ciencia, técnica y sociedad, asisten la adecuada manera de seleccionar con pertinencia los contenidos según las necesidades e intereses de los estudiantes. 58 criativamente, então, é apostar na construção de um 'design de ideias', e não ter uma ideia fixa41 (FERNANDOIS, 2018, p. 210, tradução do autor).A partir disso, é possível entender que a estratégia para Fernandois pode ser uma espécie de mediadora entre os processos intuitivos e lógicos. Merino, Gontijo e Merino (2011) também alertam para o mito da credulidade dos métodos, que deposita todo o resultado de um bom projeto apenas na aplicação de métodos. Segundo os autores, a metodologia deve ser entendida como um instrumento de trabalho, um suporte lógico, de maneira que o bom resultado do projeto deve ser atribuído às capacidades técnicas e criativas dos atores envolvidos. Sendo assim, as práticas em sala de aula que se baseiam na repetição e aplicação de métodos já preestabelecidos, ignora a possibilidade de versatilidade e autonomia dos professores e dos alunos. Para Riaño; Montoya; Valencia (2016) em uma perspectiva que valoriza o ensino como um estímulo para a investigação e a proatividade individual e coletiva, não cabe mais a relação unilateral existente na dicotomia mestre/discípulos. Para que seja possível estimular a construção de uma escola que fomenta o pensamento e a criatividade, cabe aos professores assumir o papel de guia e propositor das atividades das disciplinas, mostrando o início do caminho sem já ditar os processos ou os resultados finais esperados. Por parte dos estudantes, por meio da interação com seus colegas e com o professor, deverá ser dada a possibilidade de compartilhar seus conhecimentos particulares com os outros, assumindo talvez, também o papel de guia em determinados momentos como parte do aprendizado colaborativo (RIAÑO; MONTOYA; VALENCIA, 2016). Como exemplo de programas que já começaram a desenvolver abordagens de ensino pautadas no desenvolvimento do pensamento criativo, Araújo (2009) cita as escolas de ensino fundamental das linhas montessoriana, piagetiana e construtivista. O que é percebido pela autora, infelizmente, é que ao chegarem ao nível de ensino médio, a criatividade fomentada nos alunos por essas escolas acaba morrendo mediante as fortes cobranças e formatações para o vestibular. Em nível de formação superior, Gomes (2011) ressalta que apesar de haver pesquisas e publicações importantes para o tema, como por exemplo a obra Educação, Arte e 41 Visto desde esta perspectiva, un ser inteligente y consiente de la realidad, ensaya estrategias para responder a las incertidumbres. Se tendrían que enseñar principios de estrategia que permitan afrontar los riesgos, loinesperado, lo incierto y modificar su desarrollo en virtud de las informaciones adquiridas en el camino. Pensar creativamente entonces, es apostar a construir un 'diseño de lasideas', y no tener una idea fija. 59 Criatividade, de Alda Marin, elas ainda são pouco exploradas e utilizadas como base na criação de novas propostas educativas. Contudo, mesmo que as estruturas da maioria dos cursos ainda se encontrem formatadas de maneira tradicional, percebe-se um número crescente de professores que experimentam e propõem em suas disciplinas, métodos com caráter mais criativo. O curso de curta duração oferecido pela designer, pesquisadora e professora Julia Valle-Noronha42 em agosto e setembro de 2017 na Escola de Design da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) teve uma abordagem interessante que pode ilustrar melhor as possibilidades de assimilação da criatividade na prática educativa. Intitulado Modelagem Criativa - Métodos experimentais em modelagem de roupas, o curso teve carga horária total de 22 horas, sendo 12 horas de encontros coletivos e 10 horas de dedicação individual dos participantes. A autora deste projeto acompanhou as atividades do workshop e foi convidada pela pesquisadora Julia Valle-Noronha para contribuir na escrita de um artigo, tendo como estudo de caso o curso ministrado. O artigo teve submissão aprovada no 14º Colóquio de Moda - 11º edição Internacional43 que aconteceu na cidade de Curitiba em setembro de 2018 com publicação nos anais do evento. A primeira atividade proposta por Valle-Noronha aos nove participantes do curso foi que cada um compartilhasse seu entendimento sobre modelagem e em seguida exemplificassem como seria o molde de uma camisa de botões baseado em seus conhecimentos prévios. Levando em consideração que o curso era aberto ao público e recebeu inscrições de participantes para além do âmbito acadêmico em design, as experiências e vivências em modelagem variaram muito. Em um segundo momento, foram apresentados trabalhos de alguns designers e artistas, incluindo da própria Julia Valle- Noronha, com o intuito de analisar como cada um aborda a modelagem em seus processos e 42 Julia Valle-Noronha é Professora Associada em Moda na Academia de Artes da Estônia (Estônia) no Departamento de Design e doutoranda em Design na Universidade de Aalto (Finlândia). Possui mestrado em Belas Artes (UFRJ / Brasil) e bacharelado em Comunicação Social (UFMG / Brasil). Seus interesses de pesquisa são a moda experimental e a materialidade das roupas. Trabalhou como estilista no Brasil, com experiência variando entre moda experimental, alta costura e até streetwear. 43 O 14º Colóquio de Moda em sua 11ª edição Internacional é um congresso científico que congrega o 13º Fórum das Escolas de Moda Dorotéia Baduy Pires e tem como evento paralelo o 5º Congresso Brasileiro de Iniciação Científica em Design e Moda. O evento tem como principal objetivo promover a troca de conhecimentos a respeito do estado da arte, da ciência e da tecnologia desenvolvidas por meio da produção científica nacional e internacional no campo da Moda e em suas inter-relações. 60 como em alguns casos o conceito está tão fortemente atrelado ao processo criativo, que acaba por ganhar mais destaque do que o próprio produto final (VALLE-NORONHA; SOARES, 2018). No segundo encontro, baseados nas análises dos processos criativos apresentados, os alunos foram convidados a criar ‘instruções’ que pudessem auxiliar na criação de moldes para a produção de peças de vestuário. Eles poderiam se inspirar em qualquer atividade do seu cotidiano, em alguma experiência vivida ou qualquer que fosse seu interesse, contanto que conseguissem traduzir este universo em forma de instruções. Em seguida os alunos reuniram- se em duplas para que cada um aplicasse as instruções do outro a fim de testá-las, avaliando suas características de entendimento e factibilidade. Por fim, cada participante compartilhou as instruções de seu parceiro com o grupo assim como sua experiência, para que cada processo fosse discutido abertamente e sujeito a críticas e observações. A última tarefa proposta no segundo dia de curso foi que cada aluno produzisse em casa uma peça baseada nas instruções e no processo criativo recém-criado. “O último encontro visou a apresentação de todos os processos e seus resultados, juntamente com uma discussão sobre as possibilidades que esses métodos podem trazer ao designer” (VALLE-NORONHA; SOARES, 2018, p. 8) além de refletir sobre os sentimentos despertos durante o curso. Alguns dos resultados obtidos pelos alunos como também um maior aprofundamento das questões levantadas a partir do curso podem ser acessados no artigo completo, porém, diante desses dados apresentados, já é possível tecer algumas relações com as discussões sobre ensino abordadas neste projeto. A primeira é a proposta didática e o posicionamento da professora Julia Valle-Noronha: o curso tinha como um de seus objetivos a criação de uma peça de vestuário, porém em momento algum foi definido qual peça deveria ser produzida, muito menos por qual método ou técnica. A professora compartilhou seus próprios processos criativos, assim como de outros designers e artistas a fim de contextualizar o grupo em relação às atuais discussões relacionadas ao tema modelagem criativa. Do início ao fim, agiu como guia dos alunos por meio de orientações que respeitaram as particularidades dos processos de cada um, sem impor seu própriométodo de construção de roupas. Também alertou sobre a natureza incerta dos processos criativos experimentais, que nem sempre apresentam resultados satisfatórios ou de fácil assimilação. Outro aspecto relevante para esta discussão foi a abertura permitida aos alunos para traçarem seus processos de investigação e conhecimento. Ao assimilarem seus próprios 61 questionamentos para a criação das instruções na fabricação de uma peça de roupa, estavam de certa maneira integrando o saber científico dentro de suas circunstâncias culturais e vice- versa. Segundo Valle-Noronha e Soares (2018, p.8): Os métodos criados pelos participantes do workshop representam uma abordagem plural à modelagem, variando de experimentos próximos à modelagem tradicional (por exemplo, roupas sem gênero usando linhas retas) até tentativas experimentais profundas na criação de novas formas (por exemplo, uso da trepidação do ônibus para desenhar formas acidentais). Alguns dos projetos também se concentraram mais em um lado performativo da prática (por exemplo, uso de bandeiras nacionais para dar forma aos moldes e discutir a noção de nacionalidade por meio de uma performance). Em suma, foi claro e unânime que todos refletiam interesses pessoais de cada participante. Os participantes também assumiram em determinado momento o papel de guia ao submeter uns aos outros às instruções criadas. Esta troca de experiências e a avaliação coletiva das práticas se mostraram alinhadas com o aprendizado coletivo proposto por Riaño; Montoya; Valencia (2016). Contudo, a falta da definição de um método de modelagem para a criação das roupas levou a algumas reflexões que também são interessantes de serem abordadas neste contexto. O título do artigo - Sobre expectativas fracassadas e disrupções cumpridas: o caso de um workshop em modelagem experimental - já apresenta de certa maneira a possibilidade do fracasso eminente nos processos criativos e experimentais. Dois conceitos foram apresentados no artigo como resultados das experiências e dos dados obtidos durante o curso: frustração e ruptura. “Embora a frustração agisse como um impulso negativo por trás do processo criativo, a ruptura desempenhava, às vezes, o papel de um input negativo, bem como uma contribuição positiva para o fluxo criativo e a abertura para novos aprendizados” (VALLE-NORONHA; SOARES, 2018, p. 12). Alguns participantes relataram que ao mesmo tempo em que encontraram dificuldades durante o processo, talvez pela falta de normas para a produção das peças ou de referências dos métodos de modelagem tradicional, sentiram que foi possível sair da zona de conforto para criar e pensar formas diferentes das que se habituaram a fazer. Esses relatos reafirmam a necessidade de se aprender a lidar com a incerteza e os riscos que envolvem a criatividade a fim de buscar a inovação (FERNANDOIS, 2018). Acredita- se que a proposta do curso ministrado por Julia Valle-Noronha assim como os estudos aqui apresentados sobre os possíveis caminhos do ensino, tem muito a contribuir para as práticas 62 do design de moda como também de outras áreas criativas. Essa, porém, é uma tarefa que irá exigir abertura por parte das instituições de ensino e dos pesquisadores que, em sua maioria, ainda não abraçaram as potencialidades do pensamento criativo. O design é considerado um processo interativo pela sua metodologia que deve levar em consideração a avaliação, a correção, a modificação, as respostas do usuário e as implementações necessárias ao se criar produtos (NIKU, 2009). Podemos encontrar todas estas etapas nos processos de uma confecção de roupas por exemplo, quando um modelo para ser lançado no mercado passa por pesquisas, prototipagem, provas, testes de material, caimento, ajustes etc. Como foi apresentado neste capítulo, também diz respeito ao design o ato de interpretar informações sociais e culturais, planejar e projetar a forma conforme os cenários em que os produtos serão inseridos, pensando em sua melhor adequação. Todas estas questões podem ser encontradas no percurso do design de moda segundo Moura (2008), pois os aspectos visuais se sobrepõem um pouco mais que os verbais, demandando mais atenção às relações táteis de textura e contato do tecido com o corpo. “Também as relações com o corpo e do corpo, a antropometria e a atenção com os volumes ocorrem de forma mais intensa do que em outros segmentos do design” (MOURA, 2008, p. 69-70). Desta maneira é possível perceber os pontos de contato entre o design e a moda, como também as particularidades pertencentes a cada um, sendo preciso abordar a indumentária como projeto, mas também como objeto vinculado essencialmente ao contexto corporal, com características efêmeras, porém profundas (FIORINI, 2008). Diante disto, este estudo se concentrará no próximo subcapítulo na atuação do designer de moda e sua relação com a modelagem, o corpo e a criatividade. 2.3 A experimentação como potencial criativo de modelagem O corpo, de acordo com Svendsen (2010), é essencial para a configuração e compreensão da identidade pessoal e sua percepção é influenciada muito pelas roupas e pelas modas vigentes de cada época. Diante disso, torna-se possível perceber que a roupa é como uma extensão do nosso corpo e se torna significativa no processo de construção identitária (FLÜGEL, 2008; LIPOVETSKY, 2009). Se pensarmos na ação de vestir apenas como o ato corriqueiro de colocar objetos sobre o corpo reduziremos suas complexidades, uma vez que representa uma atitude 63 individual que envolve fatores diversos como crenças, afetividade, entre outros (LIPOVETSKY, 2009). Justamente por fazerem parte desse processo subjetivo que é o vestir, as roupas assumem para cada pessoa significados e valores diferentes. Para Avelar (2011), a maneira pela qual incorporamos significados da nossa cultura por meio do uso de objetos e roupas nos determina como seres únicos, nos diferenciando em um mundo homogeneizado. Os movimentos anticonformistas jovens que surgiram a partir dos anos 1970 - hippie, punk, new-wave, rasta, ska, skinhead, grunge - desestabilizaram a moda multiplicando os códigos culturais, e encontraram como suporte para suas manifestações a construção de uma nova aparência, como também de seus valores, gostos e comportamentos (LIPOVETSKY, 2009). A moda, como exposto por Camargo e Pinheiro (2013, p. 85) “é um campo de estudo no qual a estética da beleza caminha preponderantemente, em especial na nossa sociedade consumista e que apregoa o belo como indutor do bem-estar e da felicidade”. Vale lembrar que esta propaganda ilusória de felicidade é difundida em conjunto com os meios de comunicação em massa, que ao replicarem sempre o mesmo discurso com imagens esteticamente padronizadas, promovem a passividade e a prostração do consumidor. Assim, reveste-se de particular importância os movimentos que começaram a questionar os padrões estéticos vigentes na moda até então. Neste subcapítulo, serão analisados os trabalhos de estilistas que, na tentativa de subverter os pressupostos de estar “dentro” e “fora” de moda, apresentaram novas abordagens simbólicas para as roupas, e consequentemente exploraram novos caminhos na modelagem (AVELAR, 2011). O foco de análise portanto, serão seus processos criativos e de construção das roupas neste contexto. A relação entre a moda e o ‘novo’ também tem sido revista a partir da perspectiva dos cenários complexos. Já foi possível perceber a aceleração no ritmo da moda do século XX em relação aos anteriores na medida em que a percepção de tempo e espaço experimentados de certa forma diminuíram (SVENDSEN, 2010). Se, por exemplo, antes uma novidade levava aproximadamente 10 anos para ser substituída por outra, hoje, ela já é sobreposta por outra antes que dure tempo suficiente para ser considerada como novidade. A lógica da substituição deu lugarà suplementação, fazendo com que as novidades e as tendências sejam recicladas e sobrepostas, permitindo que o velho e o novo coexistam. Segundo Svendsen (2010, p. 34) “as modas dos anos 1980 citaram e reciclaram muito explicitamente o passado, [...] quando chegamos aos anos 1990, é difícil ver outra coisa senão uma interminável série de reciclagens 64 - embora em variantes espetaculares”. Assim, é possível reconhecer que o novo pode se concretizar em um objeto que apresente uma linguagem já conhecida, mas que por meio de sua sobreposição apresente também elementos menos conhecidos. É importante também esclarecer de antemão as diferenças ao utilizar-se os termos ‘conceitual’ e ‘comercial’ ao referir-se a um trabalho na indústria da moda. Segundo Fiorini (2008), esta falsa dicotomia entre o caráter experimental e a realidade comercial do produto apenas fortalecem o pensamento de que a factibilidade das ideias é incompatível com a inovação. Conforme verificado por Avelar (2011), a maior diferença entre as duas categorias reside no quão notável se manifesta o conceito por detrás das roupas. É possível uma coleção comercial ter sido elaborada a partir de pesquisas mais subjetivas e apresentar uma ideia original, porém, em uma coleção ‘conceitual’ essas ideias são tão presentes que podem sobrepor-se à roupa em si. A experimentação pode ser desenvolvida tanto para a criação livre quanto para a produção industrial e comercial, sendo ela grande responsável por abrir caminhos para a inovação, como exposto nos capítulos anteriores. “Ninguém chega a uma plena realização da ‘criação’ sem o recurso da experimentação, pois esta é como um exercício de percepção e de conhecimento sobre aquilo que será realizado, seja em forma comercial, seja de forma estritamente conceitual” (AVELAR, 2011, p. 110). 2.3.1 A modelagem como processo formal e conceitual A partir dos anos de 1980 estilistas japoneses, belgas e holandeses propuseram novas formas de pensar o corpo, revolucionando os códigos de vestimenta ao estabelecer por meio da roupa uma nova relação entre o belo e o feio, o antigo e o futuro, a memória e a modernidade (AVELAR, 2011). Marcas como Kenzo, Comme des Garçons, Yohji Yamamoto, Issey Miyake, Martin Margiela, Ann Demeulemeester e Hussein Chalayan, por meio da retomada de suas culturas de origem mesclaram tradição e inovação, contestando cada um à sua maneira, os padrões homogeneizantes da moda da época. Por meio da modelagem e das configurações das roupas, eles tornaram possível vislumbrar uma relação mais lúdica e experimental com o ato de vestir. Estas rupturas antes rejeitadas e classificadas como excêntricas - voltadas para as criações experimentais - deixam aos poucos de serem vistas como ameaças aos padrões tradicionais para serem consideradas como verdadeiras inspirações na moda atual (AVELAR, 2011). Tais propostas são consideradas muitas vezes de 65 conceituais e geralmente tem o intuito de causar algum impacto, desconforto ou emoção, a partir da experimentação não apenas de materiais, mas também de sensações. As marcas Comme des Garçons, Yohji Yamamoto e Issey Miyake, são consideradas as formadoras de uma nova escola de moda - a vanguarda japonesa - pois apresentaram ao sistema ocidental uma “interpretação pós-moderna da moda, eliminando a fronteira entre Ocidente e Oriente, moda e antimoda, e moderno e antimoderno”(FOGG, 2012, p. 403). Comandada pela estilista Rei Kawakubo a marca Comme des Garçons estreou em Paris junto com Yohji Yamamoto em 1981 e desde seu início já apresentava forte posicionamento relacionado ao uso de textura e da escolha dos materiais. A modelagem era e ainda é utilizada pela estilista para criar formas que não necessariamente seguem as curvas do corpo, mas que podem também disfarçá-lo, deformá-lo. “Sua elegância esculpida tinha a fascinação do abstrato em contraponto com a fisicalidade do corpo” (FOGG, 2012, p. 405). A Figura 6 mostra uma das imagens utilizadas na divulgação da marca para a coleção de Outono-Inverno 1997/98. Nela é possível perceber uma das propostas de reconfiguração das formas corporais. Figura 6 - Imagem usada na mala-direta da marca Comme des Garçons para a coleção Outono-Inverno 1997/98. Fonte: Foto de Kishin Shinoyama (GRAND, 2000, s. p.) 66 O uso de enchimentos localizados nos quadris, costas e barriga, distorciam o corpo das modelos na passarela e gerou tanta repercussão que marcou a trajetória da marca. Além de usar este recurso na coleção, Kawakubo criou roupas similares para os figurinos do espetáculo de dança Scenario (1997) em parceria com Merce Cunningham, mestre de uma companhia de dança americana. Segundo Rodrigues e Mesquita (2011), as formas criadas pelo figurino da estilista eram modificadas a partir dos movimentos dos dançarinos, explorando os limites corporais e a percepção sobre o corpo e seu contato com outros. A Figura 7 mostra um dos registros fotográficos do espetáculo. Figura 7 - Registro fotográfico do espetáculo de dança Scenario 1997, de Merce Cunningham. Fonte: Disponível em https://www.opera-lyon.com/en/20192020/dance/merce-cunningham Com relação ao processo de criação das coleções, Kawakubo trabalha juntamente com uma equipe de modelistas e consultores técnicos a partir de uma ideia geralmente mais abstrata. Este conceito inicial é repassado para a equipe por meio de desenhos ou formas pouco detalhadas - como por exemplo um papel amassado - demandando uma interpretação e uma construção coletiva sobre o conceito proposto (RISSANEN, 2007). A estilista desenvolveu sua própria técnica de criação, considerando a escolha de um bom material como preocupação primordial. Grand (2000, p. 11) aponta sobre as características dos moldes das roupas criadas e sua necessidade de interpretação: Veja esses moldes abertos como os élitros de um besouro: o olho procura, como nos recortes de meninas, o lugar em que a frente vai se encaixar com as costas e onde a gola se ajustará. Mas do mesmo modo que o olho se acomoda progressivamente na escuridão, ele precisa aqui acomodar-se com o volume e imaginar a roupa em 67 movimento, vestida e habitada [...]. Segundo Svendsen (2010) as roupas criadas por Kawakubo podem parecer estranhas a um olhar ocidental, porque não são regidas pelas convenções em que estamos acostumados, deixando ainda mais claro o tanto que somos condicionados por tais convenções. Saltzman (2008, p. 306) afirma que “as roupas modificam a superfície do corpo como se fosse uma nova pele, interferindo na nossa aparência através das modelagens, dos tecidos, das texturas e das cores”. Além da superficialidade do corpo, as roupas também interferem nos movimentos, sendo fundamental para a modelagem explorar as possibilidades do campo tridimensional. Segundo Fiorini (2008, p. 101) “A bidimensionalidade é, às vezes, uma limitação enganosa quando falamos da vestimenta: o modo de aproximar o têxtil do corpo, de conformar a estrutura, de definir as uniões e as maneiras nas quais dão uso mantendo um nível de linguagem que deve ser experimentada”. É justamente no conflito entre o bidimensional do tecido e o tridimensional do corpo que a modelagem atua servindo de ponte para as duas condições. Assim como Kawakubo, Yohji Yamamoto também revolucionou a aparência dos homens e mulheres ocidentais ao final do século XX, nunca se rotulando como um designer que trabalha a partir de influências japonesas, apesar de, conforme Baudot (2000), reconhecer que seu país de origem pode também ser bastante tradicional e permeado por sistemas rígidos. Em 1984 Yamamoto apresentou a sua versão de umas das peças mais conservadoras dos guarda-roupas masculino - o terno. Ao mesmo tempo em que apresentava uma nova estrutura com lapelas pequenas, ombros mais estreitos, calças apertadas no joelho entre outros desvios do tradicional, a silhueta propostaera tão atemporal e flexível que alguns anos depois os ternos foram usados como figurino em um filme que remetia à meados do século XX, sem causar nenhum estranhamento (BAUDOT, 2000). Podemos entender um pouco mais sobre o processo criativo do estilista neste trecho que Baudot o cita: Fazer uma roupa significa pensar nas pessoas. Tenho sempre vontade de encontrar as pessoas e falar com elas. Isso me interessa mais do que tudo. O que fazem? O que pensam? Como vivem a vida? Em seguida, posso começar a trabalhar. Começo pelo tecido, pelo material, por tocá-lo. Depois, passo a forma. Para mim é o toque que conta primeiro. Em seguida, quando começo a trabalhar o material, eu me transporto em pensamento para a forma que ele deve assumir (YAMAMOTO apud BAUDOT, 2000, p. 13). Percebe-se a partir do depoimento de Yamamoto, uma relação muito forte entre o sentimento e o fazer da roupa. Este sentimento deve ser compatível com a escolha do material 68 e com a maneira de manipular e de formar o tecido ao corpo. Segundo Mariano (2011), o estilista se vale do domínio das técnicas de modelagem e costura para mesclar suas próprias referências criando um repertório singular. Mas muito além de apenas dominar as técnicas de modelagem, Yamamoto considera a moda como um fenômeno que ultrapassa as roupas e que também diz respeito às nossas relações com os objetos e modos de vida, nos permitindo sempre nos reinventar (ADVERSE, 2012). Na Figura 8, podemos observar duas versões de suas releituras do terno para duas Coleções Primavera-Verão, uma feita em 2006 e outra em 2019. A proposição de diferentes ternos segue como uma constante nas coleções da marca durante os anos. Figura 8 – Proposta de Yohji Yamamoto para releitura do terno nas Coleções Primavera-Verão (2006/2019). Coleção Primavera-Verão 2006 Coleção Primavera-Verão 2019 Fonte: (BLACK, 2006, p. 117) e Vogue.com44. Para Mariano (2011, p. 22) “modelar uma peça de roupa é um ato bastante complexo, em seu objetivo de relacionar dois elementos de naturezas diferentes – a matéria têxtil, de caráter bidimensional e a forma corporal, tridimensional, móvel e sensível.” O trabalho do 44 Disponível em https://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2019-ready-to-wear/yohji-yamamoto com acesso em 20/06/2019. 69 designer japonês Issey Miyake aborda a modelagem de maneira profunda, tanto pelo aspecto técnico quanto pelas subjetividades que o ato de vestir o corpo carrega. English (2011, p. 10, tradução do autor) ao falar sobre o designer afirma que suas peças “sugerem que o significado, seja simbólico ou inferido, pode permitir que a imaginação se expanda bem além das necessidades literais de vestuário. No entanto, Miyake também vê a roupa como algo a ser usado e, mais recentemente, algo para se renovar ou reutilizar45”. Ao mesclar o uso de técnicas artesanais como também de tecnologias industriais em seus processos criativos, o designer conseguiu flutuar entre o imprevisível e o previsível. Um de seus trabalhos mais conhecidos é a linha Pleats, Please em que peças com modelagens simples e bidimensionais em tecido plissado ganham força ao serem vestidas, se transformando em esculturas tridimensionais a partir do corpo e seus movimentos (ENGLISH, 2011). Esta coleção se ramificou em diversos projetos, inclusive sendo protagonista na exposição Issey Miyake: Making Things (1998), que aconteceu na Fundação Cartier para a Arte Contemporânea de Paris em comemoração aos 10 anos da marca. Pleats, Please é baseada em um método inovador pelo qual as pregas são aplicadas depois que o tecido é cortado e costurado - é um desvio revolucionário do processo tradicional no qual o plissado é feito no tecido antes da construção da roupa. A Figura 9 apresenta uma peça plissada com tal técnica apresentada na coleção Primavera-Verão 1994. O projeto se transformou em uma linha de produtos que continuou sendo lançada todos os anos a partir de 1988. Black (2006) atribui à longevidade da linha Pleats, Pleats no mercado à sua praticidade de manutenção devido às características dos materiais, como também ao fato de ser facilmente usado por diversos tipos de corpos, principalmente aqueles que se diferem dos padrões das passarelas. 45 suggests that meaning, either symbolic or inferred, can allow the imagination to expand well beyond the literal needs of clothing. Yet Miyake also sees clothing as something to use, and more recently something to renew or reuse. 70 Figura 9 - Issey Miyake: Vestido Flying Saucer, Primavera-Verão (1994) Fonte: (BLACK, 2006, p. 113). Outra coleção de autoria de Miyake que também teve muito destaque e merece ser levantada neste contexto é a A-POC (acrônimo para A Piece Of Cloth46), criada em 1997 em parceria com o criador de tecidos Dai Fujiwara. Fogg (2013, p. 502) fala com detalhes sobre o projeto: O A-POC é um sistema de produção de roupas a partir de uma única peça de tecido, sem desperdício e com uma quantidade mínima de cortes, bem semelhante ao quimono. Nas versões mais avançadas do sistema, a peça do tecido era construída a partir de um tubo de malha raschel: um tubo parecido com o de uma meia fina feito de malha dupla cujos fios se entrelaçam em uma fina trama de pontos corrente. Quando o tecido é cortado, as fibras mais elásticas da primeira camada encolhem, apertando assim a malha do ponto corrente e impedindo que o tecido desfie. Este é impresso com peças de molde que não requerem costura quando cortadas e podem ser ajustadas pelo usuário. A partir da interação entre a tecnologia têxtil e a modelagem, Miyake propõe que o usuário também faça parte do processo de construção da roupa ao permitir que ele mesmo faça os cortes finais no tecido, determinando os formatos das peças de acordo com suas preferências e tamanhos. As propostas expositivas da linha A-POC nas vitrines das lojas e em exposições também ilustra com muita criatividade a transformação do 2D para o 3D dos 46 Tradução livre para o português: Um pedaço de pano. 71 tecidos em contato com o corpo. Para Fiorini (2008, p. 102) graças à experimentação com o material que Miyake e outros estilistas desenvolveram, foi possível o surgimento de peças que sofrem metamorfose ao serem “dobradas ou esticadas gerando um efeito ‘escultural’, expandindo suas formas no campo tridimensional”. Assim como a vanguarda japonesa, as chamadas “antimodas47” não necessariamente destruíram os princípios da moda, tornaram-no mais complexo e diversificado. “O novo lance é o acúmulo de critérios absolutamente incompatíveis, a coexistência de parâmetros profissionais e de critérios ‘selvagens’, o desaparecimento de uma norma legítima impondo- se a todo o conjunto social” (LIPOVETSKY, 2009, p. 147). Como uma tendência contrária ao glamour, ao luxo e ao consumo exagerado que permearam bons anos da indústria da moda, as antimodas se estabelecem por meio da desconstrução dos signos socialmente estabelecidos. Ao colocar em questão os padrões uniformizantes e pasteurizados, esta nova corrente trabalha “em geral, apresentando-os de forma irônica, satirizando-os ou atribuindo novos volumes ao corpo, como também intensificando elementos tais como a dor e o desconforto - seja este físico ou estético” (AVELAR, 2011, p. 164). A moda desconstrutivista48 por exemplo, chamou a atenção para a desconstrução da peça, enfatizando o inacabado e o avesso com bom humor em contraponto à moda tradicional que valoriza a roupa totalmente acabada. Sobre a decomposição e a desintegração, Fogg (2013, p. 499) assegura: Igualmente oriundos de uma interpretação literal da filosofia de Derrida, estes temas remetem às maneiras como os estilistas usam o look ou a aparência das roupas sob um viés desmontado ou em decomposição. Derrida afirmou que a desconstrução não é um método que possa ser controlado e aplicado; pelo contrário: é algo quesimplesmente ocorre com ideias, argumentos e identidades. Em moda, isso se traduz em um look que evidencia um processo - como o envelhecimento ou a decomposição - pelo qual a roupa se desmontou ou se desintegrou. Neste sentido, o processo pelo qual as roupas foram submetidas ao serem criadas e confeccionadas começa a tomar mais importância. Um grupo de estilistas que utilizou deste 47 Lipovestky apresenta este termo como uma expressão que representa o contestamento dos movimentos jovens que buscam uma individualização geral dos comportamentos de moda na contramão da uniformização das aparências. 48 “O desconstrutivismo em si se refere a uma filosofia crítica muito complexa e sofisticada, associada ao pensador franco-argelino do século XX Jacques Derrida. Na moda, a ideia do desconstrutivismo adveio de uma série de simplificações e mal-entendidos da filosofia original. Muitos artigos, técnicas e práticas do mundo da moda - entre os quais os estilos conhecidos como ‘moda desconstrutivista’, ‘grunge’ e ‘moda destroy’ - foram identificados por serem de certa forma devedores ao desconstrutivismo” (FOGG, 2012, p. 498). 72 recurso foi o Antwerp Six, composto pelos estilistas Walter Van Beirendonck, Ann Demeulemeester, Dries van Noten, Dirk Van Saene, Dirk Bikkembergs e Marina Yee. Após concluírem a graduação na Royal Academy of Fine Arts na Antuérpia, o grupo alugou um caminhão para levar suas coleções à semana de moda de Londres em 1986. Segundo Avelar (2011) além de abordagens inusitadas para a confecção das peças, os desfiles tinham características de performances artísticas, carregados de subjetividade e propostas de ressignificação do corpo. A coleção de 1990 da marca Ann Demeulemeester é um bom exemplo desta nova estética. Suas camisetas sem mangas “foram torcidas até ficarem quase completamente deformadas e terem a superfície desgastada. As roupas resultantes pareciam ter sido danificadas e consertadas de forma errada ou descuidada, o que realçava o fato de terem sido construídas em primeiro lugar” (FOGG, 2013, p. 499). A desmontagem de roupas prontas e a sua remontagem em uma nova configuração também foi um dos processos criativos adotados por estilistas que aderiram à desconstrução. Através das práticas de reciclagem e bricolagem, o estilista belga Martin Margiela transformava meias em mangas, ousava utilizar luvas de couro desmontadas para a construção de uma jaqueta inteira, sobrepunha as peças de três casacos para a construção de uma única peça. Hussein Chalayan enterrou alguns vestidos criados para sua graduação, com o objetivo de exibir o processo de decomposição dos materiais como proposta visual para o desfile da coleção. Estes grupos utilizaram do “estranho” como proposta estética inovadora para a moda. No contexto da globalização “estranho é aquilo que ainda não foi reconhecido nem como belo nem como feio, tal como o ‘estranho’ nas guerras deste novo século - não sabemos se o indivíduo ao nosso lado é amigo ou inimigo” (AVELAR, 2011, p. 158). Devido ao grande número de informações e imagens que somos bombardeados em nosso cotidiano, torna-se impossível assimilar tanta produção abrindo brecha para que o indefinido se prolifere. Os trabalhos citados acima são apenas uma amostra dos estilistas e designers que contribuíram para a construção de uma estética conceitual, provocando mudanças importantes no sistema da moda. Seja por meio da superação dos limites naturais do corpo por meio de volumes ou da subversão da moda ao expor e desconstruir o que deveria ser perfeito e polido, na virada do século XX para o século XXI, o estranho e o experimental acabaram se tornando de certa maneira normais. No Brasil, os estilistas Jum Nakao e 73 Alexandre Herchcovitch são exemplos de criadores que conseguiram trabalhar o experimental, mesmo com posicionamento voltado para o comércio (AVELAR, 2011). A onda de experimentação na moda que permeou as décadas de 1980 e 1990 foi e ainda é influência para muitos estilistas e contribuiu para a introdução de novas discussões no âmbito criativo e produtivo de peças do vestuário. Estas discussões são direcionadas para os meios acadêmicos a partir do crescimento dos cursos de design e moda em nível internacional, que aos poucos começam intensificar e especializar as pesquisas dentro da área. As maneiras como a modelagem e seus processos criativos começam a ser percebidos e analisados pela academia é o foco do estudo a seguir. 2.3.2 Pesquisa científica e a Modelagem Criativa É possível perceber a intensificação nos últimos trinta anos das pesquisas acadêmicas na área da moda, principalmente quando associada aos campos de conhecimento da história, sociologia e psicologia (VALLE-NORONHA, 2016). Contudo, no Brasil, a formação específica em moda ainda é considerada recente em relação às outras áreas do conhecimento, sendo necessário aos profissionais interessados (até meados da década de 1980), recorrer aos cursos superiores do exterior. O primeiro curso especializado em moda inserido em uma universidade brasileira foi o curso de extensão intitulado Estilismo e Modelagem do Vestuário implantado em 1984 pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG, seguido do primeiro curso de graduação em moda implantado em 1987 pela Faculdade Santa Marcelina em São Paulo (AGUIAR, 2015; NOVAES, 2011). A partir daí, outros estados começaram a se organizar implementando novos cursos na área e expandindo o ensino do Design de Moda pelo país. Segundo pesquisas realizadas no site do Ministério da Educação (MEC), em 2011 totalizaram- se 174 cursos superiores no Brasil, distribuídos entre: “75 cadastrados como bacharelados, 92 como tecnológicos, 5 como sequenciais e 2 como licenciaturas, sendo 18% deles ofertados por instituições públicas e 88% por instituições privadas” (AGUIAR, 2015, p. 9). Apesar de relativamente recentes, os cursos de graduação em Design de Moda, assim como os programas de formação em design no Brasil, surgiram ainda com formatação direcionada para as características estáticas do passado. Conforme nos assegura Moraes (2014), existe uma falta de sintonia entre as características dinâmicas e fluidas dos cenários atuais com as escolas de design, que ainda correspondem suas práticas com os cenários 74 estáticos e lineares do passado. As ênfases de ensino ainda recaem, em sua maioria, nos âmbitos técnicos e objetivos do design em detrimento de conteúdos mais subjetivos, sociais e humanistas que se apresentam cada vez mais importantes na contemporaneidade. Lima e Italiano (2016, p. 479) reforçam o caráter desumano e ultrapassado da educação atual “que se assemelha a uma verdadeira linha de montagem fabril, em que cada saber é compartimentalizado e cada aprendizado termina quando o outro começa”. É válido ressaltar que, mesmo com aumento dos cursos superiores, os eventos científicos direcionados para a moda somente começaram a surgir no Brasil a partir de 2005, com a realização do 1º Colóquio Nacional de Moda sediado pelo Centro Universitário Moura Lacerda, na cidade de Ribeirão Preto no estado de São Paulo. Nesse sentido, percebe-se o quão recente é o debate sobre moda em nível superior e de pós-graduação em nosso país, visto que tais eventos são agentes propulsores para o amadurecimento das pesquisas científicas na área. Contudo, os eventos científicos começaram a ganhar mais representatividade a partir de 2007 e atualmente é possível citar pelo menos outros quatro que seguem com edições anuais: Encontro Nacional de Pesquisa e Moda (ENPModa), Congresso Científico Têxtil e de Moda (CONTEXMOD), Congresso Internacional de Moda e Design (CIMODE), Moda Documenta – Congresso Internacional de Memória, Design e Moda (AGUIAR, 2015). Atualmente também já existem pós-graduações lato sensu em Modelagem do vestuário como por exemplo, os cursos oferecidos pelo SENAC49, SENAI50, UniversidadeFEEVALE51 e UNESC52. Antes de aprofundarmos nos estudos dos métodos e técnicas de modelagem abordados nos cursos de graduação, é interessante esclarecer o uso dos termos ‘processo’, ‘método’ e ‘técnica’ no contexto do design e da modelagem. De acordo com Lago (2017), o processo é a organização lógica e estrutural de determinado projeto de design e pressupõe a noção de evolução de etapas sucessivas, com o objetivo de resolver algum problema ou necessidade preestabelecida. Cada processo irá demandar métodos e técnicas específicas para que cada etapa possa ser desenvolvida. Já o método, é um caminho para o 49 http://www.sp.senac.br/ 50 http://www.portaldaindustria.com.br/senai/canais/senai-cetiqt/cursos/cursos-de-pos-graduacao- presencial/pos-graduacao-presencial-modelagem-do-vestuario-360h/ 51 https://www.feevale.br/pos-graduacao/especializacao/modelagem-do-vestuario--3-edicao 52 http://www.unesc.net/portal/capa/index/476/10333 http://www.portaldaindustria.com.br/senai/canais/senai-cetiqt/cursos/cursos-de-pos-graduacao- http://www.feevale.br/pos-graduacao/especializacao/modelagem-do-vestuario--3-edicao http://www.feevale.br/pos-graduacao/especializacao/modelagem-do-vestuario--3-edicao http://www.unesc.net/portal/capa/index/476/10333 75 desenvolvimento de alguma etapa, com princípios e organizações bem definidas para que se atinja o objetivo (MERINO; GONTIJO; MERINO, 2011). Pode ser considerado como um controle pelos quais cada etapa progride durante o processo (MARIANO, 2011). Lago (2017) aponta que os métodos podem ser ensinados e aprendidos, por serem um conjunto de procedimentos racionais, explícitos e sistemáticos, sendo assim, passíveis de reprodução. Segundo a autora, o treinamento de métodos de design por parte de estudantes é importante para que ele possa aplicá-los ou não de acordo com as características de cada projeto. Por último, a técnica é a habilidade para a execução prática de determinada tarefa e conduz à um resultado já esperado e experimentado diversas vezes (EMÍDIO, 2018; MARIANO, 2011). Como apresentado no início desta revisão de literatura (item 2.1), a modelagem é geralmente definida como uma técnica53. É uma das disciplinas mais presentes nos cursos de formação em moda, variando seu grau de aprofundamento de acordo com o direcionamento de cada curso. Para o produto do vestuário, assim como para qualquer outro produto de design, é fundamental o conhecimento técnico acerca da construção das peças (LIMA; ITALIANO, 2016). Sob o ponto de vista industrial, é mais que justificado o preparo dos estudantes de moda neste contexto, para que estejam aptos para atuarem junto às fábricas ao integrarem o mercado de trabalho. O que é percebido, infelizmente, é que poucos alunos perseguem a profissão de modelistas ou até mesmo de designers com uma boa base em modelagem, porque em muitos cursos ainda prevalece a falsa imagem do estilista como apenas criador, destinando a prática da modelagem para profissionais especializados (MCQUILLAN; RISSANEN; ROBERTS, 2013). Esta separação de saberes, muito fundamentada também na divisão industrial em que cada setor é responsável por uma etapa de produção, não condiz com as características multidisciplinares e transversais da complexidade dos cenários atuais. A modelagem pode ser entendida como um conhecimento estrutural para a criação de roupas e não apenas como uma técnica, sendo muitas vezes essencial para o desenvolvimento da criatividade (ALMOND, 2010). Para Mariano (2011), quando consideramos todo o contexto de desenvolvimento de um produto de moda, é possível perceber a modelagem como um processo, que engloba 53 A definição de modelagem segundo Rosa (2009, p. 20) é a “técnica responsável pela construção de peças do vestuário, através de leitura e interpretação de modelo específico. Tal procedimento implica na tradução das formas da vestimenta, estudo da silhueta, tecidos entre outros elementos da peça a ser produzida”. 76 métodos e técnicas, atuando também na concepção do projeto e não apenas em sua execução. Logo, seu ensino e aprendizado devem ser revistos, afinal, segundo Beduschi (2013, p. 118) “há tempos, este foi dividido e individualizado, formando subgrupos que distanciam, muitas vezes, a teoria da prática e a criação da viabilização, ou seja do processo de modelagem”. Os estudos sobre as atuações de estilistas inovadores apresentados anteriormente (item 2.3.1), também corroboram para o entendimento da modelagem como um processo, já podendo ser discutida e abordada didaticamente para além de seus aspectos técnicos. Segundo Almond (2010), a partir dos anos 2000 foi possível perceber uma mudança neste contexto, devido a significantes tentativas da academia e da indústria internacional em promover a modelagem como carreira. A partir de 2005 a escola de moda japonesa Bunka, começou a publicar livros de modelagem que apresentam métodos abordados por professores em seus cursos, como a coleção Pattern Magic hoje traduzida para diversas línguas. Estes livros contribuíram para a disseminação de técnicas que facilitam a criação de volumes e formas menos tradicionais por meio de métodos híbridos de modelagem plana e tridimensional (MARIANO, 2011). Contudo é necessário um conhecimento básico prévio do leitor para que seja possível acompanhar as diretrizes propostas (BEDUSCHI, 2013). Nos países do Reino Unido, Bélgica e Suécia, a modelagem tem sido reconhecida como área de formação superior independente a partir de cursos de graduação e pós-graduação específicos na área. Um dos recursos utilizados nestas propostas europeias, consiste na abordagem criativa desde a primeira prática para tornar a modelagem mais atrativa e dinâmica. Ao contrário dos métodos matemáticos, a modelagem é apresentada de maneira lúdica de forma que depois de reconhecidas as regras básicas, estimula-se que estas sejam quebradas (ALMOND, 2010). A abordagem da modelagem é adotada como processo e não apenas como técnica, Mariano (2011, p. 81-82) afirma: Assim, a modelagem apreendida como processo reveste-se de um novo status; torna-se um agente organizador dos recursos técnicos e criativos capazes de conduzir a criação do vestuário para um patamar superior, onde a inovação ocorre no nível da construção e organização das formas, e não só nos elementos superficiais de ornamentação. Estas novas abordagens, permitem que a criação e a construção de roupas passem a ser observadas como complementares, permitindo o encontro entre a prática e a teoria (VALLE-NORONHA; CHUN, 2018), e a elas são atribuídos os termos de Modelagem Criativa, 77 Modelagem Experimental e Corte Criativo. Nesse sentido, diferentes eventos foram organizados para fomentar a discussão sobre a modelagem criativa. Em 2013 a Universidade de Huddersfield no Reino Unido, apresentou o primeiro International Conference for Creative Pattern Cutting que levantou discussões intensas sobre a modelagem criativa e sua representatividade no meio acadêmico. O evento teve sua segunda edição em 2016 recebendo maior número de submissões de artigos científicos ampliando as discussões sobre o tema tanto pelo rigor teórico, como também pelas propostas inovadoras. A conferência foi composta por quatro áreas de pesquisa: novas tecnologias, intervenções pedagógicas, desenvolvimento em moda e iniciativas sustentáveis (ALMOND; POWER, 2016). Duas revistas acadêmicas também foram importantes para a visibilidade das pesquisas nessa área: The Fashion Practice Journal54 e International Journal of Fashion Design, Technology and Education55 que destinou em 2013 uma edição especial à prática da modelagem criativa (VALLE-NORONHA, 2016; ALMOND, 2013). É interessante ressaltar que, a partir desses eventos e publicações, foi possível conhecer as pesquisas e trabalhos mais relevantes e que contribuíram para o avanço das investigações na área da moda eda modelagem. O trabalho desenvolvido pelo professor pesquisador Julian Roberts em 2002, consiste em uma técnica de remoção de partes do tecido, pela manipulação livre dos moldes e da experimentação das formas e suas possíveis dobraduras - Subtraction cutting (Figura 10). O autor apresenta os resultados obtidos que são muitas vezes inusitados e todo o processo envolve a aceitação dos riscos e dos erros eminentes (ROBERTS, 2013). 54 https://www.tandfonline.com/toc/rffp20/current 55 https://www.tandfonline.com/toc/tfdt20/current http://www.tandfonline.com/toc/rffp20/current http://www.tandfonline.com/toc/rffp20/current http://www.tandfonline.com/toc/tfdt20/current http://www.tandfonline.com/toc/tfdt20/current 78 Figura 10 - Imagens de workshop ministrado por Julian Roberts Fonte: (ROBERTS, 2013, p. 74). Segundo Rissanen (2015), a tentativa de minimizar para zero o número das sobras dos cortes de tecido na produção industrial também tem recebido atenção de pesquisadores na área da modelagem, sendo objeto de estudo de Hishinuma (1986), McQuillan (2011), Rissanen (2013), dentre outros. Um exemplo de integração de métodos e pesquisas em modelagem foi o projeto The Cutting Circle, no qual McQuillan, Rissanen e Roberts (2013) propunham a experimentação das práticas uns dos outros utilizando-se de processos colaborativos, da troca de ateliês e do compartilhamento de ideias para a pesquisa e criação em design. A junção das técnicas de corte por subtração e do corte planejado para não gerar sobras, aconteceu por meio de práticas que envolveram tanto os três pesquisadores como seus alunos, sempre de maneira transparente e sem níveis de hierarquia quanto aos papéis de cada um. Os autores também afirmam que ao direcionarem seus processos criativos para o ato de construção das roupas, as pesquisas tradicionais baseadas em referências visuais de peças já existentes foram deixadas de lado. Abriu-se então, espaço para exercitar o pensamento crítico pela prática das técnicas de costura e modelagem (MCQUILLAN; RISSANEN; ROBERTS, 2013). Simões (2012) propõe em sua tese de doutorado um novo método a partir da assimilação do corpo em movimento para a criação de moldes. Ao desenvolver um manequim alternativo a pesquisadora estudou os pontos de deformação e pressão criados entre corpo e roupa a partir de determinados movimentos, gerando modelagens que oferecem maior 79 conforto ao usuário. Lindqvist (2015) também apresentou uma pesquisa de doutorado propondo outras linhas de mapeamento do corpo para a modelagem. Baseado no trabalho da designer e artista plástica Geneviève Sevin-Doering, o pesquisador estruturou novos pontos de referência a partir da maneira em que o tecido repousa sobre o corpo (FIG. 11), demandando dobras e cortes na medida em que é moldado. Esses pontos de apoio e os caminhos traçados a partir dos cortes resultaram em uma nova forma de mapeamento dos volumes do corpo e, consequentemente na criação de moldes básicos com formas inovadoras. Figura 11 - Kinetic Garment Construction: Mapeamento do caimento do tecido para criação de novas linhas guias para modelagem Fonte: (LINDQVIST, 2015. p. 174). No Brasil, alguns estilistas adotaram práticas criativas em seus processos, porém são poucos aqueles que foram associados às pesquisas em nível acadêmico. O estilista Jum Nakao oferece desde 2004 workshops de modelagem no qual compartilha os métodos criativos que utiliza em seus projetos. A estilista belga Line De Munnynck ofereceu no ano de 2009 workshops que contemplavam exercícios experimentais de modelagem em universidades de Belo Horizonte, Minas Gerais. Uma das técnicas utilizadas na parte prática desta pesquisa é inclusive baseada nesta experiência. Também é possível aprender as técnicas japonesas do 80 designer e professor de modelagem Shingo Sato na plataforma do Youtube em formato de videoaulas ou em workshops presenciais que geralmente organiza, inclusive no Brasil. Os eventos científicos nacionais estão aos poucos abrindo mais espaço para os grupos de estudos que se destinam ao tema e algumas pesquisas de mestrado e doutorado podem ser identificadas pelos artigos publicados nos anais. Várias dessas pesquisas e publicações serviram de referência para a presente pesquisa como: Beduschi (2013), Mariano (2011) e Novaes (2011), a tese de Emídio (2018), como também os artigos de Valle-Noronha (2016), Valle-Noronha; Chun (2018), Lima; Italiano (2016) e Soares (2009), dentre outros. A pesquisadora Valle-Noronha tem histórico interessante com relação a abordagem da modelagem em seu processo criativo. No projeto Dress(v.), ela se baseou nos movimentos cotidianos do vestir e do despir das roupas para, a partir da geração de formas abstratas, desenvolver um método de criação visual das modelagens. A referência para a criação dos moldes não foram as medidas ou formas corporais, mas sim informações visuais retiradas de fotografias cotidianas, permitindo um diálogo entre o corpo que veste e o corpo que produz (VALLE-NORONHA, 2016). A Figura 12 mostra como foi o processo de desenvolvimento de modelagem de uma das peças do projeto. Segundo a autora, as imagens da figura mostram o movimento registrado com mais frequência durante o período de captação das fotografias. A partir das imagens, foram desenhados vetores correspondentes aos movimentos executados para, em seguida, utilizá-los como esquemas de manipulação e desenho dos moldes. Figura 12 - Imagens do processo de modelagem do projeto Dress(v.): fotografias cotidianas, vetores, esboços e peça final. Fonte: (VALLE-NORONHA, 2016, p.8) 81 Com base nos exemplos citados, é possível perceber que cada pesquisa aborda a criação de moldes de maneira diferente, sem estarem restritos à uma técnica ou método específico de modelagem. Cada um incorpora informações provenientes de outras origens para além das medidas do corpo estático (fotografias, movimentos corporais específicos, formas e recortes geométricos simples não atrelados a modelagem plana) com o objetivo de experimentar outros pontos de partida para o processo de criação de roupas. Contudo, em determinado momento precisam confrontar tais experimentações com as técnicas de construção do vestuário para que a peça se concretize. Desta forma, ao encontrarem um caminho para a integração de ambos, propõem investigações interessantes que ampliam a discussão em torno da modelagem entendida como processo, que pode abarcar diferentes técnicas e métodos dependendo de seu objetivo. Emídio (2018) propõe a classificação da prática da modelagem em duas dimensões específicas: técnico-criativa (direcionada para fins de concepção do produto) e técnico- produtiva (direcionada para fins de produção). Segundo a autora, a primeira consiste na integração da modelagem tridimensional e da modelagem plana, com o objetivo de ampliar o repertório do designer como suporte para a viabilização de suas ideias no momento de criação. A segunda trata da abordagem mais rígida, fundamentada nos conhecimentos tradicionais de métodos já conhecidos e seguem etapas características do processo industrial garantindo a reprodução dos moldes com margem mínima de erros e em diferentes escalas produtivas. Apesar de utilizar a palavra ‘técnica’ no início de cada termo, a autora classifica ambos como dimensões da modelagem e justifica sua escolha: Entende-se que é na articulação entre ambas dimensões que é possível estruturar concepções teórico-metodológicas para a orientação do aluno e/ou profissional designer de moda no que se refere à atividade de modelagem. De acordo com Santos (2002), o termo “dimensão” remete as propriedades de alguma coisa, no sentido de seus pressupostos, de suas direções, de seus princípios fundamentais. Assim, acredita-se que a escolha dos instrumentos e técnicas de modelagem deveestar relacionada aos objetivos, ás direções, ao âmbito e finalidade para que serão destinadas, e também aos conhecimentos de suas reais possibilidades, fato que impede de se “cair” na supervalorização de um único instrumento, técnica ou método, em detrimento de outras possibilidades (EMÍDIO, 2018, p.62). Neste sentido, o uso de determinada abordagem de modelagem irá depender dos objetivos que cada projeto se propõe como também dos conhecimentos que o designer tem sobre os métodos e técnicas que pretende utilizar (MARIANO, 2011). Este princípio deve nortear a prática de ensino, como exposto por Emídio (2018) para que os alunos possam 82 praticar a modelagem com mais segurança e clareza de suas decisões. De acordo com Mariano (2011) é percebido a partir das práticas em sala de aula, que os alunos têm dificuldade em compreender a maneira em que o tecido envolve o corpo a partir da modelagem plana. A autora sugere que o ensino integre princípios da modelagem plana e da moulage, para que um complemente o outro em momentos de dificuldade de compreensão por parte dos alunos. Beduschi (2013) também reforça tal necessidade de um ensino que englobe pensamentos unificados da área, propondo em sua dissertação diretrizes metodológicas com tais características para o ensino de modelagem em cursos de graduação em moda. Tendo em vista os fatos mencionados, percebe-se que a modelagem como área de estudo tem se tornado mais complexa e profunda a partir das pesquisas acadêmicas que propõe a exploração do tema para além de seus contextos técnicos e industriais. A modelagem passa a ser vista como um processo, que engloba métodos e técnicas diferentes, dependendo do objetivo de cada projeto. A modelagem Criativa surge como uma variante desses processos, apresentando abordagens interessantes para a prática dos designers e para atividades em sala de aula, agindo como propulsora de processos experimentais. Novos termos têm surgido (modelagem criativa, experimental, dimensão técnico-criativa ou técnico- produtiva, corte criativo) e ainda precisam ser assimilados e discutidos por docentes e pesquisadores da área, assim como seus conceitos. É com base neste cenário que a presente pesquisa se situa, e apresenta sua metodologia e resultados obtidos a seguir. 83 3 METODOLOGIA A pesquisa pode ser caracterizada como empírica, do tipo explicativa de abordagem qualitativa de estudo de caso. Como estratégia de coleta de dados foi feita uma associação de dois procedimentos típicos da pesquisa social: entrevista e questionário. O trabalho experimental foi desenvolvido na Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e na Universidade Federal de minas Gerais (UFMG). Todas as etapas foram submetidas ao Comitê de Ética de ambas as universidades. Os pareceres de aprovação estão incluídos nos Anexo A e B desse trabalho. A metodologia foi estruturada e descrita em quatro momentos distintos, e foram detalhados a seguir (Figura 13). Figura 13 - Etapas da metodologia de trabalho e seus objetivos específicos 3.1 Primeira etapa – Mapeamento das instituições de ensino de moda no estado de Minas Gerais A primeira etapa teve como objetivo o mapeamento das instituições de ensino de moda no estado de Minas Gerais para analisar se havia alguma disciplina de “modelagem criativa” abordada nos cursos. A busca pelas instituições foi feita no Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Educação Superior do Ministério da Educação (MEC). Foram listados •Mapear instituições de ensino superior em moda no estado de Minas Gerais e avaliar se a modelagem criativa é abordada em suas práticas de ensino Primeira Etapa •Avaliar por meio de entrevistas semiestruturadas se a metodologia de modelagem criativa está sendo incorporada em outras disciplinas das instituições e qual seu grau de profundidade Segunda Etapa •Realizar estudo de caso, a partir da aplicação de uma prática experimental, em disciplina optativa para estudantes de graduação do Curso de Design de Moda Terceira Etapa •Realizar entrevistas e mesa redonda, para avaliar a percepção dos alunos com relação a prática experimental e seu potencial de aplicação Quarta Etapa 84 todos os cursos de graduação presencial em Design de moda registrados no estado de Minas Gerais. Em função do tempo não foi possível analisar todas as instituições nacionais de ensino de moda cadastradas em diferentes estados. Por mais que algumas delas possam contemplar o tema proposto definiu-se por manter a pesquisa focando apenas em uma região e com titulação padronizada para todas as instituições escolhidas, a fim de condicioná-las a um mesmo referencial de estrutura curricular. Nesse levantamento foram desconsideradas: as instituições de ensino técnico e a distância como também as que apresentavam situação cadastral irregular, extintas, ou que foram integradas com outras instituições. Para tanto, foi feito um levantamento da matriz curricular no site de cada instituição para validar sua real oferta de funcionamento. Antes de analisar as práticas de modelagem de cada curso, foi necessário compreender se tal estratégia estava sendo abordada. Foram levantadas as disciplinas que se relacionavam com a área da modelagem a fim de avaliar se existia, ou não, alguma disciplina intitulada “modelagem criativa”. Como forma de complementar e validar as informações levantadas no site das instituições foi feito um contato direto com a coordenação de cada curso e identificados os professores responsáveis pelas disciplinas de modelagem, para que na etapa seguinte fossem realizadas entrevistas a fim de compreender melhor as propostas das disciplinas de modelagem ofertadas. 3.2 Segunda etapa – Entrevista com os professores A segunda etapa teve como objetivo compreender como as teorias da modelagem criativa são abordadas nas instituições, como são incorporadas pelas disciplinas e qual seu grau de aprofundamento dentro do curso. Para tanto, foi necessário compreender como os professores de cada instituição percebem a “modelagem criativa” se a utilizam e em qual contexto. Desta forma, foram realizadas entrevistas semiestruturadas com os professores que ministram disciplinas de modelagem e que foram levantados na primeira etapa. Foram entrevistados cinco professores das seguintes instituições: Centro Universitário Una/BH, Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Dessas instituições, apenas uma contava com mais de um professor para as disciplinas de modelagem, sendo o restante 85 composto por apenas um docente da área. Com relação às duas unidades da Una, apenas a de Belo Horizonte foi contemplada. Por motivos de força maior, o professor de modelagem do curso de moda da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) de Passos, não pode responder a fase de entrevistas. O contato esclarecendo os objetivos e a forma de participação de cada docente na pesquisa foi feita por e-mail. As entrevistas semiestruturadas, aconteceram presencialmente e online, dependendo da disponibilidade de cada participante. Antes das entrevistas, foram registrados os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido de cada participante, por meio de assinatura, ou no caso das participações online, assinatura digital (Apêndice A). Para maior flexibilidade e aprofundamento das informações durante as entrevistas, foi elaborado um roteiro com oito questões que foram abordadas durante as entrevistas, conforme discriminado na Tabela 2. As questões de número 1, 2, 3 e 4 tiveram como objetivo mapear as disciplinas de modelagem ministradas pelos docentes, seus métodos, referenciais teóricos utilizados e a forma como as disciplinas interagem com o restante do curso. Nesse momento levantaram-se questões referentes ao ensino da modelagem plana, moulage,alfaiataria, dentre outros. O intuito foi verificar se existiam pontos de trocas entre os conteúdos e se eles são percebidos como complementares ou não. As questões de número 5, 6, 7 e 8 buscaram compreender como a modelagem criativa é percebida pelo docente, sua visão de criatividade, formas de abordagem, referenciais teóricos conhecidos e a prática para o ensino da modelagem criativa. Tabela 2 - Questionário de perguntas aos professores entrevistados Questão 1 Quais disciplinas de modelagem você ministra? Questão 2 Você se baseia em algum método específico de modelagem? Qual ou quais? Questão 3 Quais os principais autores e referências bibliográficas utilizadas por você para embasar a reflexão teórica sobre modelagem? Questão 4 Na instituição onde você trabalha acontecem interações de projetos entre as disciplinas de modelagem com outras disciplinas? Se sim, como e entre quais disciplinas elas acontecem? Questão 5 Você já ouviu falar sobre ‘modelagem criativa’? Como você percebe este tema? Questão 6 Você acredita que toda modelagem seja criativa? Por quê? Questão 7 Você aborda este tema em alguma de suas aulas? Quais e como? Questão 8 Se você fosse abordar o tema ‘modelagem criativa’, você utilizaria algum referencial teórico? Como faria sua abordagem prática? 86 3.3 Terceira etapa – Estudo de caso: prática experimental “Moulage Criativa” A terceira etapa teve como objetivo desenvolver uma prática experimental de forma a se avaliar a percepção de um grupo de alunos sobre o processo da modelagem criativa. Neste sentido, foi desenvolvida uma disciplina optativa que recebeu o nome de Moulage Criativa, ministrada junto aos alunos matriculados no primeiro semestre de 2019 do curso de Design de Moda da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). A escolha pela instituição se deu em função da disponibilidade da instituição em cooperar com a pesquisa e o estreito contato da pesquisadora com a coordenação do curso de moda. Foi também uma oportunidade de ofertar uma disciplina que contemplasse especificamente o método da modelagem criativa e suas aplicações práticas. O desenvolvimento da disciplina, portanto, se desenvolveu na forma de estudo de caso. Como a disciplina foi disponibilizada aos diferentes períodos do curso, optou-se por conduzir as atividades entre dois alunos (dupla), de forma a se conseguir uma melhor distribuição de conhecimentos prévios sobre costura e modelagem entre os participantes. Como a elaboração da metodologia da disciplina exigia uma estratégia voltada para a criatividade e interação dos alunos, tomou-se como base os estudos de Esquivel (2013) nos quais a autora aponta quatro estágios mentais que acontecem durante os processos criativos: (1) preparação; (2) incubação; (3) iluminação ou inspiração; e (4) elaboração. Segundo a autora, a preparação sugere o entendimento mental dos elementos considerados mais relevantes em relação a um problema. A incubação é o período em que se inicia o desenvolvimento das novas ideias sem alcançar a sua manifestação mais objetiva. É neste momento que estamos mais propensos a mesclar aspectos da inteligência com as emoções. Pode ser relacionado a alguns processos já utilizados por designers, tais como: chuva de ideias, desenho do pensamento, momento de hipóteses, fluxo de imagens, dentre outros. A iluminação ou inspiração é o momento em que a solução se apresenta, sem temporalidades e espacialidades definidas. Por fim, a elaboração é o momento em que a solução é sujeita ao raciocínio lógico e têm sua forma final estabelecida (ESQUIVEL, 2013). Acredita-se que o papel das instituições de ensino seja apresentar novas abordagens que possam ser desenvolvidas e testadas no âmbito teórico-prático, e que auxiliem na formação e no preparo de profissionais conscientes e coerentes com a contemporaneidade. 87 Com uma nova forma de perceber a modelagem, nesse contexto, os estágios mentais serviram para estruturar a metodologia da disciplina da seguinte forma: a) Preparação: os alunos recebem as informações quanto às técnicas a serem trabalhadas, os materiais a serem utilizados e os direcionamentos iniciais das atividades; b) Incubação: os alunos elaboram um esboço das possíveis ideias para a peça do vestuário a ser criada, registrando este momento em um caderno processual; c) Iluminação ou inspiração: estágio em que os alunos dão forma ao pensamento abstrato que originou os esboços por meio das técnicas de modelagem apresentadas. A transposição da ideia, que aconteceu durante o estágio de incubação (desenhos 2D), para a tridimensionalidade (modelagem 3D) é realizada utilizando um manequim como suporte. d) Elaboração: neste estágio os alunos desenvolvem um molde propriamente dito a partir da experimentação criada no manequim. Em seguida cortam no tecido, montam e costuram as partes, concretizando a ideia em uma peça do vestuário. Neste processo é possível testar a modelagem, seu funcionamento e seu relacionamento com o corpo em movimento e com o tecido final escolhido. Nesta etapa também acontece a reflexão sobre os ajustes necessários para a execução da peça e sobre as alterações realizadas em relação ao esboço inicial. Para o desenvolvimento das atividades foi necessário escolher a técnicas de modelagem criativa, que se deu a partir de estudos prévios da pesquisadora para a criação de minicursos relacionados ao tema. Foram utilizados diferentes tipos de materiais para as técnicas propostas, tais como: papelão, espumas, mantas acrílicas, fitas adesivas, tecidos etc. As técnicas utilizadas foram classificadas como: técnica de modelagem tridimensional com papel calandrado, técnica de bourrage56 + moulage, e técnica de manipulação das formas planas + moulage, que serão descritas a seguir. Ao final de cada técnica gerou-se uma peça vestível confeccionada em tecido como resultado das experimentações em modelagem. É importante 56 Palavra de origem francesa, que se refere ao enchimento ou acolchoamento de algo. Cambridge Dictionary disponível em: https://dictionary.cambridge.org/pt/dicionario/frances-ingles/bourrage 88 ressaltar que na metodologia de pesquisa adotada contemplaram-se os estágios propostos por Esquivel (2013), em cada uma das técnicas utilizadas. Desta forma, além de propor novas abordagens de modelagem, a criatividade também estava sendo estimulada a partir destes conceitos. A Figura 14 ilustra de forma resumida como cada técnica foi programada levando-se em consideração os estágios de criatividade. Figura 14 – Técnicas e atividades realizadas de acordo com os princípios de Esquivel (2013) 89 1. Técnica de modelagem tridimensional com papel calandrado: nessa técnica, o papel calandrado57 é modelado diretamente sobre o corpo do manequim, em que são criadas formas geométricas unidas entre si. Os volumes se afastam do corpo do manequim em alguns pontos e se aproximam em outros, dando origem a uma forma rígida tridimensional (as peças são unidas utilizando fita adesiva). Nesse estudo, esta forma tridimensional recebeu o nome de ‘casco’, que é a primeira experimentação da transposição da ideia bidimensional para o corpo tridimensional. O casco é uma estrutura construída em papel rígido e mapeada por numeração de suas partes e encaixes. Utiliza-se de referência o eixo vertical do corpo do manequim para indicar, por meio de setas, as direções em que cada seção deverá ser posicionada no tecido no momento do corte, originando as direções dos fios58. Um molde separado é gerado a partir de cada peça mapeada, planificando os volumes sem se desmontar o casco. Na sequência, o molde plano é cortado sobre o tecido seguindo o mapeamento dos fios e as peças resultantes são costuradas. Caso haja alguma dúvida com relação à montagem da peça, é possível recorrer ao casco montado. Como estratégia de execução desta técnica, limitou-sea utilização de apenas um dos lados do corpo do manequim, não se estendendo muito abaixo da cintura. Após a criação do molde plano é possível explorar sua simetria por meio do espelhamento ao cortá-lo sobre o tecido dobrado, gerando peças para ambos os lados. Esta escolha se deu pelo fato de limitar a quantidade de peças diferentes do molde, e consequentemente diminuir o tempo de execução necessário para sua montagem. 2. Técnica bourrage + moulage: a bourrage é uma técnica de modificação do corpo do manequim a partir do “estofamento e preenchimento do busto, moldando o seu formato e colocando-o nas medidas do corpo vivo do qual será o representante” (YAMASHITA, 2008, p.5). Por meio dessa técnica são adaptadas as medidas do manequim para as medidas do usuário. É geralmente utilizada em 57 Papel calandrado ou papel laminado. Utilizado para molde e maquete como também para capa dura de livros, cadernos, agendas. 58 A marcação do fio da peça é relativa à direção em que deve ser posicionada no tecido na hora do corte, seguindo a direção do urdume ou não. 90 conjunto com a moulage quando, por exemplo, atendem-se clientes com diferentes medidas, porém dispõe-se apenas de um manequim com medidas padrões. Também é possível encontrar o uso de recurso semelhante para a criação de figurinos na construção de personagens para o teatro ou cinema. Segundo Barbieri (2017), o figurino deve ser entendido como um objeto integrante de um ritual pelo qual seu usuário se torna outra pessoa, diferente daquela em que se vive no dia a dia. Volpi (2012) afirma que os trajes do figurino, ou parte deles, podem servir para identificar ou simbolizar diferentes gêneros, idades e fases de desenvolvimento físico, hierarquia social e relações de poder ou profissionais. Tais características nem sempre são condizentes com a realidade do ator, demandando em alguns casos o uso de enchimentos ou próteses para auxiliar na caracterização (ARRUDA; BALTAR, 2007). Um exemplo são as barrigas de grávidas usadas por atrizes que precisam evidenciar este processo de evolução da personagem. No contexto desta pesquisa, durante a atividade os alunos tiveram liberdade para alterarem a forma do corpo do manequim de diferentes maneiras, sem obrigatoriedade em manter a forma do corpo tradicional. Os volumes poderiam variar entre próteses mais fiéis ao corpo, como também resultar em volumes orgânicos mais próximos às experimentações da marca japonesa Comme des Garçons, por exemplo. Os alunos também poderiam escolher qual material utilizar para gerar as formas (espumas e mantas acrílicas de diferentes gramaturas) que foram afixadas ao corpo do manequim por meio de pontos do tipo alinhavo, tendo como base uma camiseta de malha. A base da camiseta permite que esse novo corpo seja retirado do manequim e vestido por qualquer pessoa. Após definido o novo corpo no manequim, uma peça de roupa foi modelada sobre as novas formas criadas utilizando-se a técnica de moulage com o tecido americano cru. Por fim, a modelagem gerada foi reaplicada em um tecido final. Nesta prática não houve restrição quanto ao uso do tecido ou do corpo do manequim e eles poderiam produzir peças mais variadas, como blusas ou vestidos. 3. Técnica de Manipulação das formas planas + moulage: uma das estratégias de manipulação da modelagem plana acontece por meio do corte e da movimentação 91 das peças dos moldes. A manipulação e deslocamento têm como objetivo final sempre a transformação de uma modelagem plana para uma peça tridimensional. Geralmente seguem normas e fórmulas já conhecidas e formatadas para criar determinado efeito quando costuradas. Para se conseguir modelar a parte superior do corpo feminino, por exemplo, são traçadas duas ‘pences’ no tecido plano ao redor do busto e, que ao serem fechadas com uma costura, modelam o bojo tridimensionalmente (SENAC, 2007). Desta maneira, o tecido plano adequa-se as formas do corpo sem sobras de tecidos sobressalentes. Estas duas pences principais são constantes nas bases de modelagem feminina, porém elas podem ser manipuladas de maneira que novas costuras e modelos possam surgir, sendo considerada esta prática uma das estratégias mais flexíveis da modelagem (FISHER, 2010). No contexto desta pesquisa, os conceitos de manipulação das partes da modelagem foram aproximados aos exemplos de manipulação dos planos de Fontoura (1982) descritos no livro A de-composição da Forma. A partir de formas muitos simples, como o triangulo, o círculo ou o quadrado, é possível gerar outras composições sendo este um processo dinâmico de proposição de novas combinações (FONTOURA, 1982). Ao recortar o triângulo em diversas secções é possível estabelecer novos arranjos com estas formas, como por exemplo, a união, separação, deslocamento ou rotação das partes. O princípio da teoria do autor pode ser visto na Figura 15 na qual ele demostra como o corte pode influenciar na forma plana triangular ao serem reordenadas as suas partes. Figura 15 - Exemplos de corte da forma plana triangular e reordenação das partes Fonte: FONTOURA, 1982, p. 77. 92 Para a aplicação da técnica durante as atividades e com base nos exemplos visuais de Fontoura, (1982), os alunos foram estimulados a realizarem experimentações de outros cortes nos moldes, a fim de verificar seus possíveis resultados quando unidos, mesmo que não sejam habituais na modelagem tradicional. A proposta da decomposição das peças foi realizada em uma camiseta básica, que por meio do corte e separação das partes — antes unidas pela costura — retornou a sua forma planificada. A partir das partes desmembradas os alunos esboçaram, por meio de desenhos, as possibilidades de recortes e manipulação dos moldes. Escolhidos os esboços a serem replicados, cada peça da roupa original foi cortada e posicionada de acordo com os desenhos predefinidos sobre o tecido final. Os cortes poderiam ou não incorporar tecidos extras gerados pelos novos arranjos das peças. Na sequência, os alunos manipularam as novas peças sobre o corpo do manequim por meio da moulage, para a criação da roupa. Para registro de cada atividade foi solicitado aos alunos que anotassem os processos empregados em cada técnica em um caderno de anotações processuais. Segundo Mendes de Souza (2015) os cadernos processuais, podem ser considerados como ferramentas essenciais para a criação já que comportam os pensamentos, ideias, experimentações e ensaios do artista, permitindo uma análise do trabalho para além do seu resultado final. Um editorial fotográfico também foi organizado para registro das peças criadas e finalizadas em tecido. Este registro foi importante para a percepção da interação de cada peça com o corpo e seus movimentos. A produção das fotos aconteceu em conjunto com os alunos, que optaram por utilizar modelos femininos e masculinos, levando em consideração a não definição de gênero, das peças, e pelo seu caráter experimental. A sessão aconteceu na UFMG e foi registrada pelo fotógrafo profissional Mauro Figa. Tanto o fotógrafo quanto os modelos assinaram o Termo de Autorização de Uso de Imagem e Depoimento, arquivados como APÊNDICE B. O plano de curso montado para a disciplina encontra-se como APÊNDICE C. 93 3.4 Quarta etapa – Entrevistas com os alunos e mesa redonda Depois de concluída a aplicação da prática experimental desta pesquisa, ou seja, do processo da “modelagem criativa”, foi aplicado um questionário aberto direcionado aos alunos que participaram da disciplina, a fim de se avaliar as experiências percebidas durante o desenvolvimento do trabalho. Além do questionário, também foi realizada uma roda de conversa, na qual foi possível uma interação da pesquisadora com os alunos, como forma de se levantar dados que porventura não tenham sido percebidos durante a aplicação da disciplina. Todaconversa (com a permissão dos participantes), foi gravada originando um arquivo de áudio de vinte horas e treze minutos. As questões abordadas no questionário e durante a roda de conversa convergiu em uma reflexão em torno dos seguintes aspectos: dificuldades encontradas, alternativas pessoais para a solução dos problemas, facilidades/dificuldades de entendimento das técnicas utilizadas, interface com outras disciplinas do curso, influência do método com a modelagem tradicional. Buscou-se avaliar qual a percepção dos estudantes quanto às experiências adquiridas durante as práticas, quando comparada aos métodos tradicionalmente adotados. Os argumentos elaborados para o questionário estão listados na Tabela 3. Tabela 3 - Questões direcionadas para os alunos participantes da prática experimental. Questão 1 Qual sua experiência e conhecimentos anteriores em modelagem antes da disciplina Moulage Criativa? Questão 2 Você tem facilidade/dificuldade em compreender os conteúdos relacionados à área da modelagem? Por que você acha que isso acontece? Questão 3 Qual é a sua maior segurança/insegurança no momento de confeccionar um molde? Questão 4 Após participar da disciplina e da aplicação das técnicas experimentais como você definiria o termo “modelagem criativa”? Questão 5 Considerando as atividades desenvolvidas durante as práticas experimentais, você teve dificuldades em algum momento? Quais? Questão 6 Você consegue perceber alguma mudança no seu entendimento sobre construção e encaixe dos moldes de uma peça, após as práticas? Questão 7 As práticas experimentais conseguiram de alguma maneira auxiliar na sua segurança ao criar moldes? Como? Questão 8 Você acredita que algumas das técnicas desenvolvidas neste estudo podem lhe ajudar na criação e confecção de outras roupas no futuro? Por quê? Questão 9 Caso estas práticas fossem aplicadas a outros alunos, você teria alguma sugestão? Você sugeriria mudanças em alguma parte do processo? 94 4 ANÁLISES DOS RESULTADOS E DISCUSSÃO Os resultados serão apresentados seguindo a metodologia proposta neste estudo, ou seja: mapeamento das instituições de ensino em moda; entrevista com os professores; estudo de caso prática experimental – Moulage Criativa; entrevistas com os alunos. 4.1 Mapeamento das instituições de ensino em moda No mapeamento de instituições de ensino no estado de Minas Gerais foram consideradas apenas aquelas de graduação presencial. Das instituições cadastradas distinguiram-se dois grupos: graduação tecnológica e bacharelado. Para este estudo optou-se pelos cursos de “Bacharelado em Moda” para condicionar as instituições a um mesmo referencial de estrutura curricular. Foram identificadas quinze instituições com a categoria Design de Moda; quatro na categoria Moda e uma na categoria Moda e Design. Após o levantamento final, doze instituições se enquadraram neste primeiro perfil: graduação, presencial, nas categorias: design de moda / moda / moda e design. Esta listagem pode ser encontrada no APÊNDICE D. Das instituições cadastradas como bacharelado cinco foram selecionadas para esta pesquisa: Centro Universitário Una/BH, Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG/Passos). O fluxo de inclusão e exclusão desta etapa está ilustrado na Figura 16. 95 Figura 16 - Fluxograma de mapeamento feito pela autora das instituições de ensino superior em moda no estado de Minas Gerais. Em seguida, foi feito um levantamento das disciplinas de cada curso que se relacionavam com a área da modelagem (TABELA 4). A pesquisa se deu por meio de consulta online às grades curriculares disponíveis por cada instituição. As duas unidades do Centro Universitário Una possuem a mesma grade curricular, assim, foram dispostas como apenas uma instituição. 96 Tabela 4 - Listagem de disciplinas relacionadas à modelagem ofertadas pelos cursos em análise Instituição Localização Período Disciplina Universidade Federal De Minas Gerais UFMG Belo Horizonte 3º Modelagem básica 4º Modelagem feminina 5º Modelagem masculina 6º Moulage Fundação Mineira de Educação e Cultura FUMEC Belo Horizonte 3º Modelagem I 4º Modelagem II 6º Moulage Modelagem Masculina Centro Universitário UNA BH/ Divinópolis Módulo 2A Modelagem Módulo 2C Moulage Módulo 3B Modelagem avançada Universidade Federal de Juiz de Fora UFJF Juiz de Fora 1º ciclo Ateliê de criação e construção da forma 2º ciclo Modelagem I Modelagem II Modelagem III Universidade do Estado de Minas Gerais UEMG Passos 1º Oficina Experimental 4º Modelagem I 5º Modelagem II 6º Modelagem III Fonte: Adaptado das grades curriculares disponíveis nos sites de cada instituição. Acesso em: 03/03/2019. A partir desses dados é possível perceber que nenhuma instituição apresentou o título de ‘Modelagem Criativa’ dentre as disciplinas apresentadas na matriz curricular dos cursos. Percebe-se, portanto, a necessidade de se compreender qual o papel da modelagem criativa e seu entendimento por parte dos professores das disciplinas de modelagem. Nesse sentido, foi necessário compreender (na segunda etapa da pesquisa), se mesmo não estando listado como disciplina, o tema estaria sendo abordado em sala de aula com denominação diferente, e em caso afirmativo, como seria essa abordagem. 4.2 Entrevistas com professores de modelagem Apresenta-se aqui uma análise das entrevistas semiestruturadas realizadas com cada um dos professores seguindo os oito questionamentos apresentados na metodologia. Por ser um método de entrevista bastante espontâneo, as perguntas serviram para direcionar a 97 conversa de tal forma que os entrevistados se sentissem descontraídos para responder os questionamentos. Questão 1 - Quais disciplinas de modelagem você ministra? A Tabela 5 apresenta as respostas dos participantes com relação às disciplinas que ministram nas instituições. É possível perceber uma diferença entre suas respostas e a listagem de disciplinas consultadas nos sites das instituições descritas pela Tabela 4. Conforme relato dos docentes, algumas disciplinas constam com denominações diferentes, enquanto outras nem são citadas por eles. Segundo alguns dos entrevistados, este desencontro de informações se deve a dois motivos principais: a falta de atualização dos sites das instituições com relação as modificações da matriz curricular ou também pelo fato de algumas disciplinas serem ofertadas como optativas e não constarem no quadro permanente de disciplinas. Por fim, foi possível perceber que duas disciplinas citadas – Ateliê de Criação e Construção da Forma, e Processos Criativos em Modelagem – sugerem uma abordagem um pouco diferente das outras de modelagem básica ou tradicionais. Tabela 5 - Respostas dos docentes à Questão 1 DISCIPLINAS MINISTRADAS Entrevistado 1 Modelagem Modelagem avançada Moulage Alfaiataria Entrevistado 2 Modelagem básica Modelagem feminina Entrevistado 3 Modelagem masculina Corsetmaker Alfaiataria Entrevistado 4 Ateliê de criação e construção da forma Modelagem básica Modelagem feminina Moulage Modelagem para tecidos elásticos Processos Criativos em modelagem Entrevistado 5 Modelagem I Modelagem II Moulage Interpretação de modelos Questão 2 - Você se baseia em algum método específico de modelagem? Qual ou quais? 98 Quando questionados sobre qual método de modelagem se baseiam para as aulas, todos alegaram preferência por um ou mais métodos específicos, porém afirmaram que realizam adaptações ou misturas de conteúdos baseadas em suas experiências para a montagem das disciplinas e práticas com os alunos. Também foi interessante perceber que, dois doscinco entrevistados citaram como métodos utilizados, referências que podem ser consideradas como material relacionado à modelagem criativa, antes mesmo da abordagem sobre o tema. Foram eles: a coleção Pattern Magic, e os métodos de trabalho dos modelistas Shingo Sato e Jum Nakao. A Tabela 6 lista todos os métodos citados pelos entrevistados e o número de entrevistados que o citou. Tabela 6 – Respostas aos métodos utilizados pelos entrevistados: Questão 2 Método Número de entrevistados que citaram utilizar SENAI 1 Centesimal 1 FIT (Fashion Institute of Technology) 1 ESMOD (Ecole Supérieure de Créateurs de Mode) 2 Pattern Magic 2 Shingo Sato 1 Jum Nakao 1 Questão 3 - Quais os principais autores e referências bibliográficas utilizadas por você para embasar a reflexão teórica sobre modelagem? Com relação ao embasamento teórico sobre modelagem, apenas dois entrevistados citaram buscar outras fontes para além das publicações técnicas, como livros e publicações científicas de artigos, teses e dissertações. O restante dos entrevistados citou as mesmas fontes da pergunta anterior, ou seja, livros de métodos de modelagem. Com base nestas informações é possível perceber que as discussões teóricas sobre modelagem por parte de alguns docentes da área ainda são, de certa maneira, pautadas pelo material didático que cada método fornece. É possível ainda compreender que, tal material se mostra insuficiente em alguns momentos, pois como alegado nas respostas à pergunta anterior, todos realizam certas mudanças e adaptações para melhor atender as propostas das atividades. 99 Questão 4 - Na instituição onde você trabalha acontecem interações de projetos entre as disciplinas de modelagem com outras disciplinas? Se sim, como e entre quais disciplinas elas acontecem? Sobre a interação das disciplinas de modelagem com as outras do curso, todos afirmaram que indiretamente, diferentes disciplinas cobram conhecimentos de modelagem para o desenvolvimento de produtos. Contudo, três professores afirmaram que não existe uma integração planejada das disciplinas. Os outros dois afirmaram que esta interação já é mais intencional como, por exemplo, por meio de projetos interdisciplinares. Questão 5 - Você já ouviu falar sobre ‘modelagem criativa’? Como você percebe este tema? Questão 6 - Você acredita que toda modelagem seja criativa? Por quê? Nas respostas das perguntas 5 e 6 buscou-se levantar o grau de entendimento do professor sobre o tema da modelagem criativa, se a utilizam, e em qual contexto. Os resultados estão dispostos na Tabela 7. Tabela 7 - Respostas dos docentes quanto à modelagem criativa (Questão 5 e 6) Questão 5 Questão6 Entrevistado 1 Sim. Métodos menos tradicionais e mais experimentais como Zero Waste, Substraction Cut – Plug /Displacement, Origami, etc. Sim. Todo ato de interpretação de modelagem é um ato de criação. Entrevistado 2 Sim, entendo como "ir além do básico". Acredito que pode ser, quando extrapola o básico. Entrevistado 3 Sim. Entendo se tratar de um tipo de modelagem que não está presa a padrões, a convenções dos traçados básicos das modelagens e regras do vestir. É uma modelagem em que o aluno é instigado a experimentar, buscando outras maneiras de representar o vestuário na prática, de forma tridimensional, facilitando a sua percepção do corpo e dos volumes. Sim, porque ela te obriga a pensar em soluções para situações que não foram pré-determinadas, principalmente em se tratando das modelagens sob medida. Há que se ter criatividade para ajustar de forma harmônica corpos que não são proporcionais, que não estão dentro da tabela de medidas. E mesmo na indústria, em se tratando do corpo ideal, a criatividade é o tempo todo convocada para se "decifrar" desenhos e realizar os projetos desenvolvidos para cada coleção. Entrevistado 4 Sim. No nosso curso temos duas disciplinas que trabalham com este método. Ateliê de criação e construção da forma e Processos criativos em modelagem. Nestas disciplinas a modelagem surge menos como técnica e mais como ferramenta auxiliar no processo de criação em moda. Com certeza. Um designer que entende de modelagem não consegue de forma dissociada da modelagem. Assim, o processo de construção de uma modelagem (enquanto técnica), também pode inferir positivamente no processo criativo da peça (design). Entrevistado 5 Eu acho que na minha vida de costureira o que eu faço é modelagem criativa. Partir da básica e criar variações. Você pegar um desenho ou uma imagem e em cima do básico você cria. Sim. Eu acho que um bom conhecimento de modelagem te dá fundamento para você fazer uma modelagem criativa. Eu diferencio a modelagem criativa da experimental. A criativa é isso, você criar uma coisa diferente através da modelagem técnica. A experimental, é quando com a modelagem técnica você não consegue 100 chegar no objetivo pretendido, então você terá de fazer experiências para conseguir a forma pretendida. É interessante notar que todos os entrevistados alegaram ver a ‘modelagem criativa’ como uma prática que vai além do básico da modelagem tradicional, porém, as definições foram variadas. O entrevistado 1 citou trabalhos em modelagem que também serviram de referência nesta pesquisa. Os entrevistados 3 e 4 já descreveram o seu entendimento sobre o tema e como ele pode ser inserido nas disciplinas de modelagem. Diante disso, é possível perceber que as respostas dos três professores estão sintonizadas e com o entendimento parecido sobre modelagem criativa apresentado nesta pesquisa. O entrevistado 2 não aprofundou nas respostas às perguntas 5 e 6 e apresentou praticamente o mesmo entendimento para os dois questionamentos. O entrevistado 5 considerou toda modelagem como criativa, tendo em vista sua trajetória profissional, porém, o que nesta pesquisa é considerado como ‘modelagem criativa’, ele atribui o título de ‘modelagem experimental’. Contudo, vale ressaltar que ao serem questionados se acreditam que toda modelagem seja criativa, todos responderam que sim. De maneira geral, todos concordam que o ato de modelar uma roupa demanda um nível de criação e interpretação para que seja possível traduzir uma ideia para um objeto tridimensional. Questão 7 - Você aborda este tema em alguma de suas aulas? Quais e como? Questão 8 - Se você fosse abordar o tema sobre ‘modelagem criativa’, você utilizaria algum referencial teórico? Como faria sua abordagem prática? As duas últimas perguntas 7 e 8, serviram para mapear como cada entrevistado utiliza a modelagem criativa em suas disciplinas, ou se ainda não a utilizam, como seria o planejamento para tal. O entrevistado 1 especificou que utiliza três técnicas de modelagem criativa em suas aulas: zero waste (RISSANEN, 2015); criação de produtos a partir de uma única forma geométrica; e moulage por crepagem (Jum Nakao). O entrevistado 2 afirmou que utiliza quando possível, mas não forneceu mais detalhes sobre a maneira de abordagem nem referenciais teóricos ou técnicos. O entrevistado 3 citou o trabalho desenvolvido por Nakamichi (2012) na Bunka. Os livros da coleção Pattern Magic seriam seu referencial teórico, provocando os alunos para que fizessem algo na mesma direção, trabalhando a modelagem de forma bi e tridimensional além de executar a peça posteriormente. O entrevistado 4 101 afirmou que já aborda o tema em algumas disciplinas, considerando a modelagem um suporte ideal para a construção de novas criações, além de ser uma técnica de materialização de ideias. Foram referenciadas as técnicas dos modelistas Jum Nakao e Shingo Sato. O mesmo entrevistado alegou que na extensão os projetos de pesquisa são excelentes espaços na universidade para esta experimentação. Ele considera uma boa metodologia para este contexto a troca com outras áreas, como a arte, o teatro, o cinema,a literatura e outras interfaces possíveis, deixando de pensar a modelagem como técnica, mas também como recurso de construção de tridimensionalidades, vestíveis ou não. A partir desse diálogo, é possível fazer as adaptações necessárias para o desenvolvimento de um pensamento mais técnico e suas aplicações para a indústria do vestuário. O entrevistado 5 respondeu que não utiliza a abordagem da modelagem criativa/experimental e não se considera apto para ministrar uma disciplina sobre o tema. As duas primeiras etapas desta pesquisa tiveram como objetivo responder se a modelagem criativa é abordada nos cursos de graduação analisados e, em caso afirmativo, como seria sua inserção nas disciplinas. Diante dos dados apresentados, foi possível perceber que não existe clareza se o tema faz parte dos cursos, apenas pela análise das grades curriculares. A entrevista direcionada realizada com os professores foi importante para uma melhor compreensão da incorporação da modelagem criativa e seu grau de aprofundamento e discussão. Ficou evidente que o termo ‘modelagem criativa’ não consta como titulação para disciplina ministrada em nenhum dos cursos analisados. O mesmo não acontece para as disciplinas mais tradicionais, como ‘modelagem feminina’ e ‘moulage’, que se repetem nas grades dos cursos. Contudo, em um deles, foi possível constatar que existem disciplinas com titulações diferentes (Ateliê de criação e construção da forma e Processos Criativos em Modelagem), mas que contém direcionamento coerente com as abordagens da temática da modelagem criativa. Em dois dos cursos analisados, foi possível perceber que os professores utilizam a modelagem criativa como conteúdo complementar às disciplinas tradicionais de modelagem, porém, não houve um consenso sobre as abordagens metodológicas, nem o grau de importância destinado à discussão. Apenas um dos professores afirmou não aplicar abordagens de modelagem criativa em suas aulas, apesar de alegar utilizá-la em seus processos criativos pessoais. 102 Diante disso, acredita-se que a modelagem criativa está sendo abordada nos cursos, porém, vale considerar que a divergência na compreensão sobre o tema evidencia-se pela falta de um consenso sobre o que seria a modelagem criativa e suas abordagens metodológicas. Seu grau de aprofundamento varia de acordo com o interesse de pesquisa do professor responsável pelas disciplinas de modelagem, como também do empenho da instituição em promover projetos multidisciplinares e sensíveis à discussão. 4.3 Estudo de caso: prática experimental - Moulage Criativa O resultado da terceira etapa mostra a percepção de um grupo de alunos sobre o processo da modelagem criativa desenvolvido como prática experimental na disciplina optativa que recebeu o nome de Moulage Criativa. Todos as imagens registradas da disciplina podem ser acessadas via QR code (Figura 17) criado especialmente para a pesquisa. Ao posicionar a câmera do celular sobre o código, o dispositivo será direcionado para uma pasta compartilhada com todo o acervo de imagens da disciplina59. Figura 17 - QR code com direcionamento para todas as imagens registradas da disciplina Para as análises, inicialmente foi feita uma apreciação dos dados coletados (fotografias, registros nos cadernos processuais dos alunos, registros e observações da pesquisadora durante as práticas) no qual foi possível perceber uma diferenciação entre cada trabalho desenvolvido. Definiu-se, por apresentar quatro trabalhos de cada técnica que apresentaram resultados mais significativos e diversos entre si, possibilitando uma discussão mais rica quanto a aplicação do método proposto. Para estruturar a análise dos trabalhos, definiu-se por seguir o esquema dos quatro estágios mentais propostos por Esquivel (2013). Desta forma, em todas as três técnicas tomou-se como roteiro as fases de preparação, incubação, iluminação e elaboração. Como a 59 Para que o direcionamento aconteça, é necessário que o dispositivo móvel tenha instalado um leitor de QRcode. 103 fase de preparação consistia na explicação sobre cada técnica e os direcionamentos em que os alunos deveriam trabalhar, não foram gerados muitos resultados para este estágio. Desta forma, todas as três análises das técnicas começam já mais direcionadas para o segundo estágio, a incubação. 4.3.1 Técnica 1: Modelagem tridimensional com papel calandrado As informações iniciais sobre a primeira técnica foram dadas conjuntamente para todos os alunos no estágio de preparação. Estabeleceu-se as seguintes diretrizes para a prática dos alunos: limitação para o uso de um mesmo material para a criação das formas (papel calandrado); o planejamento deveria ser feito no corpo do manequim para modelagem, a peça deveria ser intencionalmente simétrica; não utilizar material adicional para estruturação como barbatanas, entretelas e arames. Apesar disso, a forma como as anotações e os registros foram realizados no caderno de processos diferiram nas fases do traçado dos esboços e na descrição dos processos durante a incubação. Os esboços serviram para ilustrar uma ideia que deveria ser experimentada no manequim, ou seja, no tridimensional. A Figura 18 apresenta os quatro trabalhos dos alunos aplicando a fase de esboço da peça a ser criada no caderno de processo. Os resultados mostram que alguns alunos tiveram mais dificuldade no desenvolvimento da tarefa. Acredita-se que isso tenha ocorrido mais pela falta de familiaridade com a técnica de modelagem apresentada, e suas possíveis articulações, do que a dificuldade com os desenhos. No entanto, alguns alunos apresentaram maior facilidade tanto com o desenho quanto com o raciocínio espacial dos volumes e das formas criadas. Nos cadernos processuais, os croquis foram desenhados com o intuito de esboçar uma forma de dobradura e recorte do papel calandrado que permitisse expressar a forma desejada. Percebe- se que existe uma diferença entre a maneira dos alunos expressarem suas ideias, no entanto todos trabalharam a simetria, conforme foi orientado na fase de preparação. Nos croquis pode-se perceber que foram esboçadas não somente a ideia, mas também a tentativa da montagem do casco com volumes diferenciados. 104 Figura 18 – Técnica 1 - INCUBAÇÃO - Esboço da peça a ser criada no caderno de processo 105 Apesar dos estágios de incubação (esboços) e de iluminação (criação do casco) serem categorizados como separados, observa-se que no processo criativo um complementou o outro em um movimento de retroalimentação. Desta forma, as análises serão apresentadas comparativamente. Na Figura 19 os quatro cascos criados são apresentados em fotografias de diversos ângulos, para facilitar o seu entendimento e mostra suas características de maneira mais completa. Figura 19 - Técnica 1 - ILUMINAÇÃO - Casco em papel calandrado 106 No Trabalho 1, para criação do casco, os alunos não registraram o processo de criação pela escrita, mas foi percebido durante as aulas que o esboço inicial escolhido foi o terceiro registrado no caderno de processos (FIGURA 18). Após modelado em papel calandrado o arco superior do terceiro desenho no caderno de processos, os alunos foram aos poucos, mudando a forma e redefinindo o resultado. Os dois últimos esboços foram feitos a partir das mudanças criadas diretamente sobre o manequim no processo de montagem do casco e se assemelham ao casco criado (FIGURA 19). No Trabalho 2, a ideia original para a forma do calandrado era uma espécie de cara de urso, como mostra o desenho na terceira página do caderno de processos (FIGURA 18). A partir da dificuldade em moldarem uma forma que lembrasse o animal, a dupla decidiu experimentar livremente com os pedaços de papel já cortados, sem estarem atrelados a forma predefinida. Apesar de um pouco abstrato, é possível percebercerta similaridade entre o casco final (FIGURA 19) e a primeira tentativa de esboço da criação do urso (FIGURA 18). No Trabalho 3 com relação a criação do casco, baseado nos esboços iniciais, a dupla acabou por mesclar um pouco de cada desenho. Ou seja, os croquis serviram mais de inspiração para o início da prática, do que como referência para a montagem do casco. No trabalho 4 a predominância da forma triangular prevaleceu na montagem do casco em papel calandrado. Foram desenhados vários esboços e as composições escolhidas para se basearem na criação no manequim foram destacadas em vermelho. É possível observar na Figura 18 que foram escolhidos vários trechos de cada desenho, sendo o casco (FIGURA 19) a junção final destes esboços. De forma resumida, observou-se que no estágio de iluminação, os alunos ao iniciarem a montagem do casco recorreram aos esboços, porém, ao longo da criação das formas foram também alterando aos poucos os desenhos (FIGURA 18). Este foi o caso, por exemplo, do Trabalho 1 em que é possível verificar pelas mudanças, nos últimos desenhos registrados, tal interferência dos estágios. Contudo, verifica-se que, em nenhum outro trabalho e possível encontrar um desenho fiel da forma final criada no manequim. Desta maneira, apesar dos dois estágios se conectarem em determinado momento do processo criativo, o caderno processual e os desenhos nele registrados, ilustram o estágio de desenvolvimento das ideias iniciais (incubação) sem sua manifestação muito clara e objetiva. Já os cascos em papel rígido (FIGURA 107 19) são a manifestação do momento de iluminação, no qual a solução para a ideia se apresenta de maneira tridimensional, concreta e materializada a partir dos volumes montados. Após estabelecidas as formas no papel rígido (papel calandrado), os alunos prosseguiram para a criação do molde plano, corte e costura da peça em tecido. Todos estes processos configuraram o estágio de elaboração, momento em que a forma do manequim foi sujeita ao raciocínio lógico para resolver possíveis problemas de encaixes, suporte da roupa no corpo, acabamentos, dentre outros. A Figura 20 apresenta as imagens do resultado do Trabalho 1. Inicialmente os alunos haviam esboçado uma espécie de amarração nas costas, como pode ser observado no quarto desenho do caderno de processos (FIGURA 18). Durante o processo da costura, percebeu-se que a forma definida para se unir os dois lados da peça não apresentava a estabilidade necessária para se manter estruturada no corpo. Nesse caso optaram por utilizar uma modelagem básica para estruturar e unir nas costas o lado direito com o esquerdo. O tecido escolhido foi uma napa levemente acolchoada e mais estruturada, garantindo um caimento e formato muito próximo do gerado pelo casco em papel. Figura 20 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 1 108 A Figura 21 apresenta as imagens do resultado do Trabalho 2, no qual ao aplicarem o molde do papel rígido no tecido, os alunos perceberam que a peça em algumas partes demandou leves ajustes para um melhor encaixe. Utilizaram, por exemplo, alças como recurso para sustentação da peça quando vestida. O tecido escolhido foi o americano cru que apesar de ter características diferentes do papel calandrado, o caimento e a estruturação da veste ficaram bem parecidos com o casco. É importante ressaltar que a peça de tecido não contém nenhum tipo de estruturação extra, como barbatanas ou arames, apenas costuras simples à máquina. Figura 21 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 2 A Figura 22 apresenta as imagens do resultado do Trabalho 3. Apesar das formas da roupa apresentarem estruturação parecida ao casco em papel, a peça ao ser vestida ficou instável no corpo. Os alunos apontaram que esta instabilidade talvez se dê pela quantidade de áreas vazias, como as profundidades do decote e das cavas. O tecido escolhido foi um brim branco para a aplicação da modelagem. Este trabalho também foi o que apresentou menores volumes quando comparado aos outros da turma, com suas formas mais próximas ao corpo. 109 Figura 22 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 3 A Figura 23 apresenta as imagens do resultado do Trabalho 4. É possível perceber que mesmo com formas bem definidas e similares ao casco, a roupa se apoia de maneira diferente no corpo se comparado com o casco. A altura da ponta das ‘ombreiras’ no papel rígido se encontra posicionada mais acima da linha do ombro, enquanto a ponta do modelo em tecido se desloca para baixo. O tecido para a montagem foi um americano cru com gramatura média, porém não havia nenhuma estruturação além das próprias costuras das partes o que provocou o deslocamento da forma pretendida. Este deslocamento também foi encontrado em outros projetos que criaram volumes maiores acima dos ombros. No caso do Trabalho 1, mesmo com tecido mais encorpado, também ocorreu um leve deslocamento da roupa com relação à altura dos ombros. Nestes casos, para que a roupa tivesse posicionamento parecido ao do casco, seria necessária uma estruturação maior da peça, com o uso de barbatanas e pontos de suporte internos. Para que os alunos pudessem perceber melhor as diferenças entre o papel rígido e o tecido, foi orientado que não utilizassem tais recursos. Contudo, os alunos registraram no caderno que consideraram relativamente fácil a montagem da peça em tecido e que ficaram satisfeitos com a escolha do tecido, que por si só forneceu certa rigidez a peça. 110 Figura 23 - Técnica 1 - ELABORAÇÃO - Trabalho 4 A técnica do papel calandrado estabeleceu diretrizes mais restritas para a prática dos alunos, tais como: limitação para o uso de um mesmo material para a criação das formas (papel calandrado); o planejamento deveria ser feito no corpo do manequim para modelagem, a peça deveria ser intencionalmente simétrica; não utilizar material adicional para estruturação (barbatanas, entretelas e arames). Os resultados mostram que estas limitações não impediram que os alunos exercitassem sua criatividade, cada um à sua maneira. Todos os trabalhos resultaram em volumes e silhuetas diversas e demandaram a solução de problemas distintos e específicos para cada processo. 4.3.2 Técnica 2: Bourrage + moulage Os resultados da segunda técnica são apresentados de forma similar à primeira com as análises baseadas nos quatro estágios mentais que acontecem durante os processos criativos propostos por Esquivel (2013). Iniciou-se pelo estágio de preparação, apresentando a técnica de forma conjunta para todos os alunos. Em seguida realizou-se uma mesa-redonda entre a pesquisadora e os alunos na qual foram discutidas as orientações e argumentações sobre o comportamento do corpo, suas formas e significados, suas relações culturais, como ele é abordado em situações de performance artística e construção de personagens, dentre 111 outras. Diferente da primeira técnica, esta etapa permitiu aos alunos maior liberdade na escolha dos materiais de trabalho, dos tecidos finais, dos recursos de costura, enchimentos e acabamentos. No estágio seguinte, o de incubação, iniciou-se os esboços relacionados a técnica no caderno de processos. Os esboços, como na primeira técnica, serviriam para ilustrar a ideia que deveria ser experimentada tridimensionalmente no corpo do manequim. Contudo, alguns alunos tiveram dificuldades em realizá-los, optando por apresentar fotos e recortes de referências visuais para as propostas de trabalho. Embora os desenhos ou recortes, de certa forma, indiquem as regiões em que os alunos planejavam interferir, a ideia de modificação do corpo não ficou muito clara neste estágio, conforme mostrado na Figura 24. No estágio de iluminação, materializou-se as modificações no corpo do manequim tendo como base uma camiseta de malha, na qual foram aplicados estofamentos simulando a modificaçãodo corpo pelo processo de bourrage (modelagem de novas formas corporais). Nesta técnica também foi possível perceber uma sobreposição dos processos de incubação e iluminação, como observado na Técnica 1. Diante da dificuldade no esboço das ideias de um novo corpo e, visto que muitos apenas conseguiram definir seus projetos passando direto para a fase de iluminação, é possível afirmar que nesta técnica os processos de incubação e iluminação aconteceram praticamente ao mesmo tempo, na medida em que os alunos experimentavam com o material direto no corpo do manequim. O desenvolvimento inicial das ideias aconteceu juntamente com a manipulação das espumas e das mantas, permitindo uma melhor visualização de seu efeito sobre o corpo. A cada tomada de decisões, a forma da bourrage foi se desenvolvendo até se concretizar na solução encontrada para a criação do novo corpo (FIGURA 25). 112 Figura 24 - Técnica 2 - INCUBAÇÃO- Esboço do corpo a ser criado no caderno de processos Após definidos os novos volumes, os alunos modelaram uma roupa para este novo corpo usando a técnica da moulage. Cada um utilizou os recursos disponíveis para criar sua modelagem por cima da bourrage. A maioria optou por desenvolver a moulage no tecido americano cru, exceto no caso do Trabalho 8 que preferiu por experimentar a prática utilizando uma malha fina. O estágio de iluminação contemplou então, a criação do novo corpo sobre o manequim, como também a proposição de uma modelagem de roupa para este corpo. 113 Figura 25 - Técnica 2 - ILUMINAÇÃO – Modificação do corpo do manequim por bourrage + moulage No Trabalho 5 a bourrage criada foi uma mistura dos dois esboços registrados no caderno de processos (FIGURA 24). Como solução para a moulage da peça de roupa por cima do enchimento, utilizou-se pregas nas áreas volumosas (FIGURA 25). As pregas permitiram que o tecido de americano cru fosse modelado com facilidade em superfícies curvas, pois conseguem acompanhar os relevos sem causar repuxados no tecido. No Trabalho 6, segundo os alunos, a moulage por cima da bourrage foi criada sem muito planejamento prévio. Eles posicionaram o americano cru por cima do manequim e foram analisando as regiões em que o tecido demandava ajustes ou dobras (FIGURA 25). Poucas peças de molde foram geradas neste processo para a criação de um vestido completo. Apesar dos alunos alegarem que para a modelagem da roupa não houve muito planejamento, 114 o registro do molde gerado pela moulage, como também as anotações sobre todo o processo no caderno foram minuciosas (FIGURA 24). No trabalho 7, a bourrage foi executada assimetricamente, com formas que rodeavam o corpo em uma espécie de espiral (FIGURA 25). Durante o processo de criação dos volumes, as alunas relataram dificuldade e certo bloqueio para esboçar como seria este novo corpo. Este bloqueio é percebido pelos poucos registros no caderno de processos e pela diferença entre os esboços (FIGURA 24) e a bourrage criada (FIGURA 25). A partir da dificuldade em planejar por meio do desenho, elas partiram para a criação mais intuitiva direto no manequim, experimentando com a espuma algumas possibilidades. Uma delas relatou que parte da dificuldade que sentia estava relacionada ao fato de estar acostumada a pensar sempre na roupa, e não no corpo. Segundo ela, “o corpo já é sempre dado, por mais que haja uma diferença entre um e outro, ele já vem pronto e basta interpretá-lo”. Porém, ao ser convidada a fazer o exercício de planejar outra superfície corporal a aluna se sentiu sem referência. A moulage por cima do novo corpo foi feita em americano cru e utilizou-se tanto de pregas quanto do tecido na posição enviesada para a criação das partes. No Trabalho 8, além do enchimento acrílico, foi utilizada uma espuma para a criação da bourrage (FIGURA 25). Não foram registrados esboços no caderno de processo, contudo os alunos se basearam em imagens de referência para experimentar as possíveis formas da espuma no manequim (FIGURA 24). Para a etapa da moulage foi escolhido uma malha fina, diferente dos outros trabalhos que utilizaram o americano cru. Os alunos alegaram que optaram pela malha para avaliar o comportamento de um tecido mais elástico sobre a espuma de enchimento. Nos volumes maiores a malha foi levemente esticada e alfinetada na bourrage, como também foram modeladas pregas finas nas costas. No estágio de elaboração, os alunos aplicaram a moulage de americano cru ou malha em um tecido a sua escolha para a montagem da peça final. Os tecidos utilizados foram o brim de gramatura mais leve (Trabalho 5), o crepe com gramatura média (Trabalho 6), a gabardine sintética (Trabalho 7) e tafetá (Trabalho 8). Para realizar uma melhor análise dos resultados, as peças criadas foram fotografadas com uma modelo vestindo a roupa com e sem os enchimentos por debaixo, com exceção do Trabalho 7 que infelizmente teve seu enchimento desmontado antes da seção de fotos. 115 No Trabalho 5, após a peça final ser costurada e vestida pela modelo, a dupla percebeu que a roupa ficou ajustada demais, prejudicando um pouco o caimento. Durante a sessão fotográfica também foi possível perceber que a camiseta de malha que serviu de base para a bourrage, após aberta com um recorte frontal não retornou com facilidade para seu posicionamento inicial (FIGURA 26), ou seja, se o corpo da bourrage se deslocou após ser retirado do manequim e vestido pela modelo, a roupa consequentemente também sofreu deslocamento, pois foi criada tendo como base os posicionamentos iniciais. Contudo, as pregas permaneceram bem demarcadas devido ao uso do brim, que reagiu bem ao ferro e manteve certa dobradura no tecido (FIGURA 27). Figura 26 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 5 com bourrage Figura 27 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 5 sem bourrage 116 No Trabalho 6 é possível observar pelas Figuras 28 e 29 que o caimento do vestido se altera de maneira significante ao ser usado com ou sem o enchimento por baixo. Os volumes criados pelo enchimento se tornam drapeados fluidos sem o uso da bourrage, devido às características de caimento do crepe. A região do busto se altera de maneira mais significante pois, sem o enchimento na região do pescoço, o tecido cai e repousa sobre corpo valorizando as pregas na cintura. Contudo, o volume criado pelo enchimento na região da cintura gerou pouco impacto na silhueta quando retirado. Figura 28 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 6 com bourrage Figura 29 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 6 sem bourrage 117 No Trabalho 7 o uso das pregas na moulage ficou parecido com as criadas pelos alunos do Trabalho 5 (FIGURA 26), porém o caimento da peça final ficou bem diferente. No colete do Trabalho 5, as pregas permaneceram bem demarcadas devido ao uso do brim, que reage bem ao ferro e mantém certa dobradura no tecido. Neste caso, com o uso da gabardine as pregas criadas para moldar o volume assimétrico não permaneceram bem demarcadas, a não ser nos encontros das costuras das peças. Elas se movimentam e caem de maneira mais orgânica por cima do corpo sem o enchimento (FIGURA 31) e se diluem um pouco no corpo com enchimento (FIGURA 30). Os volumes criados ao redor do pescoço e da cintura proporcionaram drapeados interessantes à peça quando vestida sem o enchimento. Figura 30 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 7 com bourrage Figura 31 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 7 sem bourrage No Trabalho 8, apesar de terem desenvolvido a moulage em uma malha fria, na hora da escolha do tecido final os alunos optaram por um tecido plano (tafetá), com características 118 bem diferentes da malha. Para que a roupa se ajustasse ao corpo nos pontos em que a malha foi alfinetada, decidiram por costurar alguns trechos com linha de lastex60. O uso do fio elásticofez com que o tecido plano franzisse, englobando os volumes de maneira similar a planejada na moulage com a malha (FIGURA 32). Segundo os alunos, apesar da dificuldade encontrada na montagem da peça com caimento diferente da moulage inicial, eles se sentiram surpreendidos com o resultado alcançado e consideraram interessante também o caimento da peça usada sem o enchimento (FIGURA 33). Figura 32 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 8 com bourrage Figura 33 - Técnica 2 - ELABORAÇÃO - Trabalho 8 sem bourrage 60 Lastex é um tipo de fio elástico usado principalmente em biquínis, sutiãs, cintas e corselettes. 119 Os resultados mostram que realmente os enchimentos deram às silhuetas as características desejadas de alteração do corpo, e que o tipo de tecido utilizado influenciou no caimento das roupas, seja pelo recurso de modelagem utilizado ou pelo próprio volume dos enchimentos. Também foi possível observar que as roupas apresentaram resultados interessantes quando vestidas sem o corpo da bourrage. Neste sentido, a utilização da bourrage pode ser considerada não apenas com o objetivo de criar um novo corpo ou criar personagens fictícios, mas também como recurso criativo para a construção de roupas com modelagens diferenciadas para vestir o corpo real, não apenas aquele modificado. Após a Técnica 2 pode-se concluir que o estágio de preparação foi fundamental para fomentar a ideia de questionamento do corpo padrão e direcionar os alunos a se organizarem de forma que cada etapa do trabalho pudesse ser concretizada. Trata-se de mudar o conceito de pensar a produção de uma peça de roupa a partir do corpo padrão, para a experimentação da técnica com volumes alternativos. No estágio de iluminação as ideias foram concretizadas não apenas por meio de desenho, mas também na medida em que os alunos foram experimentando com o material, permeando um pouco o estágio de elaboração. Sob essa ótica, a experimentação com o material ganha particular importância para o processo criativo na modelagem, já que em casos de bloqueios no desenho de esboços, ela pode ser um bom ponto de partida para a expressão das ideias. A partir das escolhas dos tipos de tecidos, acabamentos e materiais a serem utilizados, foi possível perceber que, por exemplo, um mesmo recurso de modelagem (pregas) pode gerar resultados de caimento diferentes dependendo do tecido utilizado. Também foi interessante notar que os alunos se mostraram mais abertos para propor soluções às dificuldades encontradas, como por exemplo, o uso do fio elástico proporcionando franzimento ao tecido plano para que a roupa moldasse o corpo de maneira similar ao uso da malha. 4.3.3 Técnica 3: Manipulação das formas planas + moulage Os resultados da terceira técnica são apresentados de forma similar à duas primeiras com base nos processos criativos propostos por Esquivel (2013). A fase de preparação aconteceu ressaltando-se os conceitos de composição visual, propostos por Fontoura (1982), no qual a partir do recorte e manipulação de formas geométricas simples, é possível elaborar 120 composições e combinações diversas. Com base nessas informações os alunos iniciaram o estágio de incubação, que consistiu na desmontagem de uma peça de roupas (trazida pelo aluno), corte e separação de suas partes (antes unidas pelas costuras). Nesta técnica, foi imprescindível o estudo e registro no caderno de processos, visto que o ponto de partida para a prática era justamente a forma plana. A partir das partes desmembradas os alunos esboçaram os croquis das possibilidades de manipulação dos planos (FIGURAS 34 a 37). Nesta terceira técnica o propósito dos esboços foi de mapear como seriam feitos os recortes e as manipulações nas peças planas da roupa, assim como seu posicionamento no tecido, diferente das duas técnicas anteriores, no qual os esboços serviram para ilustrar uma ideia que deveria ser experimentada no manequim, ou seja, no tridimensional. Dessa forma, o uso do caderno de processos para esta técnica foi muito mais expressivo para todos os alunos. Também foi possível observar que os estágios de incubação e iluminação aconteceram cada um em seu momento, diferente do que foi percebido nas técnicas 1 e 2. A Figura 34 mostra os desenhos de esboços no caderno de processos do Trabalho 9. A peça a ser criada pelos alunos tomou como base uma camiseta de malha. O Trabalho desenvolveu-se a partir das formas planas da manga e da frente da camiseta. Os alunos replicaram a forma original nos desenhos (topo da página do caderno de processos), e abaixo de cada uma desenharam suas possibilidades de recorte e manipulação. Figura 34 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 9 121 O trabalho 10 foi o que mais gerou maior número de alternativas no momento dos esboços (FIGURA 35). Foram feitos vários desenhos das peças da manga, frente e costas da camiseta. Para as peças da frente e das costas, os alunos desenharam a forma original com as linhas internas que sugeriram os cortes. A partir deste esboço, experimentaram diversas possibilidades de recombinação e união das peças criadas, como também o recurso da repetição para compor as novas formas. Figura 35 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 10 Diferente dos trabalhos 9 e 10, os alunos que realizaram os trabalhos 11 e 12 optaram por reproduzir as peças em miniatura e recortá-las em papel craft, para só depois fazer o estudo e manipulação das formas planas. Antes de colarem as miniaturas no caderno de processos, eles puderam experimentar a manipulação das peças de diversas maneiras a partir de um único esquema de recortes. A miniatura que mais os agradou foi a que colaram no caderno de processos como o registro da manipulação. Em ambos os trabalhos foi utilizada como base uma camisa de botões para realizar a técnica. 122 No Trabalho 11 podemos identificar pela Figura 36 que foram criadas duas miniaturas para a peça das costas da camisa (miniatura superior e inferior direita), uma para frente e uma para o colarinho (miniatura inferior esquerda e central respectivamente). Esta caminha não era composta por mangas. Figura 36 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 11 123 No Trabalho 12, os alunos registraram as formas planas por meio do desenho, depois recortaram em miniaturas e colaram cada miniatura ao lado de sua manipulação (FIGURA 37). Foram feitos esboços de manipulação das peças da frente, costas e manga da camisa. Após os estudos, foram escolhidos os esboços a serem replicados no estágio de iluminação. Figura 37 - Técnica 3 - INCUBAÇÃO - Desenho de esboço da peça a ser criada no caderno de processos do Trabalho 12 A fase da iluminação consistiu em executar o que foi mapeado no caderno de processos diretamente sobre as peças de roupas originais, para então posicioná-las e cortá- las em outro tecido gerando novos moldes para manipulação na moulage (fase seguinte). As peças originais das roupas desmembradas foram cortadas de acordo com os esquemas em miniaturas e então posicionadas sobre o tecido escolhido para a definição dos moldes. Os alunos deveriam decidir neste momento se iriam incorporar ou não as áreas extras de tecido geradas pelo espaçamento entre as partes. No Trabalho 9 os alunos utilizaram a manipulação das formas planas da frente e da manga da camiseta, sobre o tecido de brim amarelo ouro para então recortá-las (FIGURA 38). 124 É possível perceber pelo traçado à lápis que as áreas extras de tecido entre as partes foram incorporadas no corte da nova peça. Figura 38 – Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 9No trabalho 10 os alunos exploraram bastante as formas da camiseta e optaram por não adicionar áreas extras aos moldes (FIGURA 39), recortando o tecido de gabardine bege exatamente como foi mapeado no caderno de processos e aplicado sobre a peça original (camiseta). Figura 39 – Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 10 125 No trabalho 11 os alunos exploraram tanto a parte frontal quanto a posterior da peça. Utilizou-se um tecido de Oxford branco em gramatura leve e percebe-se que entre cada recorte manipulado foi incorporado tecido extra para compor o novo molde (FIGURA 40). Figura 40 – Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 11 No trabalho 12 os alunos optaram por manipular as peças da frente e das costas da camisa e desconsideraram as mangas, os punhos e a gola. Também foram incorporados os espaços extras de tecido entre as partes manipuladas. Na Figura 41 podemos observar o primeiro corte de manipulação do molde frontal em um tecido de americano cru (imagem da esquerda). Ao desenvolver do processo, os alunos decidiram por aplicar a manipulação em um tecido de malha, recortando a peça já criada em americano cru e a segunda manipulação diretamente sobre a malha (imagem da direita). Figura 41 – Técnica 3 - ILUMINAÇÃO - Manipulação dos planos sobre o tecido e corte do Trabalho 12 126 Na sequência, iniciou-se o estágio da elaboração, no qual as peças, após serem cortadas no tecido, foram manipuladas sobre o manequim por meio da moulage. Os alunos podiam escolher a melhor maneira de posicionar os tecidos sobre o corpo do manequim sem necessidade de reconstituir a peça as suas formas originais, como por exemplo, uma manga não precisava necessariamente voltar a ser usada como manga. Neste momento, foi importante a experimentação com o tecido no corpo do manequim para dar nova forma à roupa. Foram utilizados diferentes recursos para montagem da roupa como o uso de pregas, drapeados, nervuras, dentre outros, para conseguir um melhor efeito visual ou um bom caimento da peça final. A Figura 42 mostra os resultados da montagem da moulage do Trabalho 9. Os alunos definiram por utilizar apenas as peças maiores, descartando a peça gerada pela manga. A mesma peça foi utilizada para a modelagem da frente e das costas da roupa. Os volumes gerados pelo tecido incorporado ao novo molde no momento do corte foram ajustados ao manequim por meio do uso de pregas. O resultado da montagem da peça foi um decote um pouco justo demais que ofereceu resistência ao ser vestido pela cabeça. A roupa de maneira geral ficou bem ajustada no corpo o que ofereceu pouca flexibilidade para os movimentos. Acredita-se que a rigidez do tecido escolhido (brim) não contribuiu para um bom caimento da modelagem. Os alunos alegaram que a maior dificuldade encontrada foi durante a realização dos acabamentos da costura e que, talvez em um tecido de caimento mais fluido, fosse possível atingir um resultado melhor. Figura 42 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 9 127 A Figura 43 mostra o resultado da montagem da moulage do Trabalho 10. Como os alunos optaram por não incorporar tecidos extras nos cortes do tecido, as peças tinham contornos bem geométricos e tal característica ficou visível nas várias costuras necessárias para montagem da peça final. O resultado foi uma blusa de um ombro só, com recortes e costuras bem angulares e volumes bem definidos na parte da frente e das costas da peça. Contudo, o tecido de gabardine mais leve e fluido contribuiu para o caimento dos volumes, principalmente nas costas, proporcionando um movimento interessante à roupa. Segundo os alunos, o processo de moulage foi bem intuitivo e ao tentarem resolver os encaixes de cada peça no manequim, foram aos poucos dando forma à roupa. Figura 43 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 10 A Figura 44 mostra os resultados da montagem do Trabalho 11. Os alunos optaram por não trabalharem com a moulage, e sim, por uma nova remontagem da camisa em uma estrutura próxima a original. Para remontar a gola da camisa foi necessário criar pregas para que ela se encaixasse no decote da roupa, por exemplo. O molde recebeu tecido extra entre os recortes da peça original durante do corte no tecido. No processo da montagem as laterais da camisa foram aumentadas, devido ao tecido incorporado, criando costuras mais alongadas resultando em uma peça com vários drapeados na parte das costas. Ao ser vestida a peça apresentou um caimento interessante, acredita-se que o tecido escolhido (crepe) tenha contribuído para a valorização da peça final. É valido ressaltar que, neste trabalho não houve a interação da manipulação plana com a tridimensional (moulage) e que o resultado final seria, de certa maneira, alcançado por meio 128 apenas da modelagem plana. Contudo, durante o processo de esboço dos recortes, a dupla não tinha em mente um modelo de roupa pré-definido como objetivo final. Apenas conseguiram compreender totalmente a configuração da roupa, após as várias tomadas de decisões durante o processo criativo, como também de sua montagem na costura. Figura 44 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 11 A Figura 45 mostra os resultados da moulage do Trabalho 12. Os alunos inicialmente optaram por utilizar o tecido de americano cru, sobre o qual o molde foi recortado. No entanto, o tecido não favoreceu o efeito drapeado obtido pela manipulação da camisa de botões. A partir disto, os alunos optaram por desconsiderar a primeira tentativa e utilizar um novo tecido, desta vez uma malha fria. As duas partes do molde foram reposicionadas sobre o corpo do manequim mantendo os drapeados originais. A frente da peça recebeu uma prega na altura do decote, que resultou no drapeado do busto. Nas costas o efeito do drapeado foi obtido pelas costuras laterais, que ao unir as peças da frente e das costas, incorporou os tecidos extras do molde, obtendo-se assim, o efeito desejado. 129 Figura 45 - Técnica 3 - ELABORAÇÃO - Trabalho 12 Nesta técnica, o caderno de processos foi bem explorado e acredita-se que, o exercício de se trabalhar com figuras bidimensionais pode ter sido mais familiar devido ao fato de os alunos já terem certa experiência com disciplinas de composição visual e principalmente com a modelagem plana. Apesar dos Trabalhos 9 e 10 utilizarem como base camisetas de malha com modelagens parecidas e os Trabalhos 11 e 12 utilizarem camisas de botões, os resultados dos esboços e principalmente das roupas criadas ficaram bem diferentes. Neste sentido, é possível afirmar que, por mais que os direcionamentos sejam os mesmos para todos os alunos, a técnica permite que processos diferentes aconteçam de acordo com a demanda e a criatividade de cada um. O mesmo pôde ser percebido nas duas outras técnicas. De uma maneira geral, os alunos também se mostraram mais atentos às escolhas de tecidos, como também mais seguros em desenvolverem em seus trabalhos. A partir das análises apresentadas, foi possível perceber como os estágios de preparação, incubação, iluminação e elaboração acontecem no contexto de desenvolvimento de projetos em modelagem. Em alguns momentos os estágios podem se misturar, principalmente no início do processo criativo na medida em que a ideia ainda abstrata (incubação) demanda auxílio e experimentação com o material para atingir um possível caminho (iluminação). Este foi o caso das duas primeiras técnicas abordadas, em que os alunos apresentaram maior dificuldade em esboçar as ideias e recorreram à manipulação do material sobre o manequim antes mesmo de definirem a forma desejada no caderno de processos. Com relação as técnicas escolhidas, acredita-se que, ao organizá-las e analisá-las de acordo com os quatro estágios da criatividade, foipossível estruturar melhor cada uma desenvolvendo de certa maneira, uma metodologia de trabalho para a modelagem criativa. 130 Mesmo que cada técnica abordasse materiais e processos diferentes, todas elas foram desenvolvidas sob a ótica dos quatro estágios. Contudo, tal padronização de análise não comprometeu a singularidade de cada processo, tão pouco a liberdade de tomadas de decisões por parte dos alunos. As técnicas ainda se mantiveram flexíveis às adaptações e demandas de cada projeto. É preciso ressaltar que, tal flexibilidade depende também do posicionamento do professor como orientador das atividades, respeitando e dando abertura para que os alunos se apropriassem do processo criativo com maior autonomia. De fato, foi percebido que, ao longo das três técnicas, os alunos foram se sentindo mais à vontade para tomarem suas próprias decisões nos cenários apresentados. Ao final da disciplina eles se mostraram mais familiarizados com a abordagem da modelagem criativa e mais livres para explorarem as possibilidades de cada processo da modelagem de roupas. 4.4 Entrevista com os alunos Os resultados aqui apresentados são baseados nas entrevistas realizadas com os 19 alunos participantes da disciplina optativa – Moulage Criativa a fim de se avaliar as experiências vividas pelos dos alunos durante o desenvolvimento do trabalho. Também pretendeu-se comparar tal experiência com os métodos tradicionalmente adotados para modelagem e criação de roupas. É importante ressaltar que esta turma foi composta, em sua maioria, por alunos que estavam em períodos mais avançados no curso. Cada aluno respondeu individualmente às nove perguntas descritas no item 3.4, e apresentou suas reflexões levantadas durante a roda de conversa. Questão 1 - Qual sua experiência e conhecimentos anteriores em modelagem antes da disciplina Moulage Criativa? A Figura 44 mostra o resultado do primeiro questionamento, em que apenas 13% dos alunos ainda não tinham cursado nenhuma disciplina de modelagem, sendo a primeira experiência por meio da disciplina Modelagem Básica, em curso no mesmo momento em que participavam da Moulage Criativa. A maioria dos alunos (70%) afirmam já terem cursado a disciplina de modelagem durante a graduação. Os outros 17% tiveram experiência em cursos como Senai e Modatec. 131 Figura 46 - Gráfico de experiência prévia dos alunos em modelagem Questão 2 - Você tem facilidade/dificuldade em compreender os conteúdos relacionados à área da modelagem? Por que você acha que isso acontece? A Figura 45 mostra o grau de da facilidade/dificuldade dos alunos em modelagem de maneira geral. Apesar de 53% dos alunos considerarem ter facilidade em compreender os conteúdos relacionados à área da modelagem, 31% responderam ainda encontrar dificuldades em compreender conceitos e métodos da área. Do total de alunos, 13% não souberam afirmar se sentem dificuldade ou facilidade, pois acreditam estar relacionado ao tipo de técnica analisada. Foi interessante perceber que, mesmo aqueles que afirmaram ter experiência prévia em modelagem, alegaram algum tipo de dificuldade. Neste caso, acreditam ter certa facilidade em uma técnica e ao mesmo tempo dificuldade em outra. Foram citados como possíveis causas: a falta de constante prática; a dificuldade em visualizar a roupa final no desenho da modelagem plana; a didática de alguns métodos. Figura 47 - Gráfico da facilidade/dificuldade em modelagem 13% 4% 9% 4% 70% Nenhuma Outros cursos não especificados Técnico do vestuário SENAI Curso de aprendizagem em moda MODATEC Disciplinas de modelagem da graduação 53% 31% 16% Facilidade Dificuldade Não soube definir 132 Questão 3 - Qual é a sua maior segurança/insegurança no momento de confeccionar um molde? A Tabela 8 mostra os pontos destacados pelos alunos quanto às suas inseguranças/seguranças ao traçar moldes. De modo geral todos os alunos apontaram mais as inseguranças. As dificuldades são semelhantes e em grande parte estão relacionadas à insegurança do aluno em saber se o molde estaria de acordo com as medidas do corpo, se iriam se encaixar durante a confecção e, se vestiria bem a pessoa. Percebe-se que, um material didático adequado poderia contribuir para um melhor entendimento e desenvolvimento mais confiante do trabalho de modelagem por parte dos alunos. Tabela 8 - Inseguranças e seguranças dos alunos na prática de modelagem Inseguranças Seguranças Sobre as formas e os encaixes dos moldes Seguir um material de apoio (apostila ou passo a passo) Se vai vestir bem no corpo (medidas e caimento) Fazer os cálculos corretamente Na hora de modificar um molde ou um tamanho Traçar moldes de peças que já tem mais experiência Dificuldade em visualizar o produto final Não ter apostilas Não ter uma garantia que vai dar certo Não conseguir o resultado desejado Necessidade aparente de precisão e exatidão Questão 4 - Após participar da disciplina e da aplicação das técnicas experimentais como você definiria o termo “modelagem criativa”? É possível perceber um consenso por parte dos alunos, em considerar a Modelagem Criativa como um processo mais ‘livre’, ‘experimental’, ‘intuitivo’. No entanto, apesar de na pergunta anterior os alunos considerarem importante um material didático para apoio, eles acreditam que parte dessas ‘liberdades’ talvez aconteça devido a não dependência em se seguir fielmente um livro ou regras rígidas para a criação dos moldes. Foram associados aos aspectos experimentais e intuitivos, outros possíveis pontos de partida para a criação da roupa além do próprio corpo. Alguns entrevistados sugerem que neste processo de modelagem seja possível abarcar não apenas números e medidas, mas também referenciais mais subjetivos e abstratos provenientes talvez de imagens, sons, cheiros. Alguns ainda pontuaram que a modelagem criativa pode ser complementar as outras técnicas tradicionais, auxiliando no seu entendimento. As respostas foram diversas e podem ser acessadas na tabela do Apêndice F. 133 Questão 5 - Considerando as atividades desenvolvidas durante as técnicas, você teve dificuldades em algum momento? Quais? Alguns alunos alegaram ficarem um pouco perdidos em alguns momentos, sem saber exatamente o que poderiam fazer após a explicação para os direcionamentos de cada prática. Um dos pontos ressaltados pelos os alunos foi o caráter menos restritivo para o desenvolvimento das atividades no decorrer da disciplina. A falta de familiaridade na utilização de alguns materiais, a liberdade de decisão, a geração de alternativas, o não existir certo e/ou errado, a objetividade na decisão do objeto final, de certa forma inibiram inicialmente os alunos e podem ter contribuído para este estranhamento inicial. Ao longo das aulas, foi registrado pela pesquisadora que frequentemente alguns alunos perguntavam se poderiam ou não tomar certo direcionamento, mesmo que não estivesse estipulado dentro da prática. As perguntas eram sempre baseadas no raciocínio e no processo de cada um e em nenhum momento foram vetadas. Na discussão final em grupo os alunos mencionaram que, ao mesmo tempo em que a liberdade para a tomada de decisões era recebida com certa desconfiança, ela se tornou libertadora no decorrer na disciplina. Alegaram ainda que, talvez a insegurança em acreditarem em seus processos, aconteça devido à maioria das disciplinas reforçarem o julgamento do certo ou errado. Desta forma, por mais que sentissem estranhamento na permissão para a tomada de decisões, acreditaram que este processo foi importante para o descondicionamento do hábito do julgamento. Questão 6 - Você consegue perceber alguma mudança no seu entendimento sobre construção e encaixe dos moldes de uma peça, após as práticas? Todos os alunos responderam que houve uma mudança na forma de compreenderema modelagem. Uma observação relevante foi feita em relação ao entendimento completo do processo de criação de uma roupa. Segundo uma aluna, foi essencial ter espaço e tempo ao criar os moldes, mas também ter a oportunidade de aplicá-los no tecido e costurá-los. Muitas dúvidas em relação à modelagem foram respondidas durante a montagem e acabamento das roupas. Segundo os alunos, geralmente isto não acontece nas disciplinas de modelagem, que são mais focadas na criação dos moldes e não na montagem completa da roupa. 134 Questão 7 - As práticas experimentais conseguiram de alguma maneira auxiliar na sua segurança ao criar moldes? Como? Houve concordância geral de que as técnicas experimentais conseguiram de alguma forma auxiliar na segurança ao criar moldes. Os alunos alegaram que as técnicas contribuíram para ressignificar a prática da modelagem e questionar a necessidade de exatidão dos moldes. Também consideraram rica a experiência de combinações de técnicas, que aproximaram da modelagem de roupas outros materiais que geralmente não são utilizados para tal fim. Questão 8 – Você acredita que algumas das técnicas desenvolvidas neste estudo podem lhe ajudar na criação e confecção de outras roupas no futuro? Por quê? Os alunos acreditam que as técnicas utilizadas neste estudo irão contribuir para uma melhor prática futura na criação e confecção de roupas, tomando como base as experiências passadas de outras disciplinas que demandaram a criação de roupas ou em projetos externos à faculdade de outras disciplinas. Os alunos afirmam que após as práticas, conseguem pensar soluções e novas alternativas para projetos que tiveram dificuldades em desenvolver anteriormente. Questão 9 - Caso estas práticas fossem aplicadas a outros alunos, você teria alguma sugestão? Você sugeriria mudanças em alguma parte do processo? Nesse momento, abriu-se espaço para que os alunos fizessem observações e sugestões sobre a proposta da disciplina. Surgiram outros tópicos além dos que já tinham sido abordados nas perguntas anteriores como: a utilização do caderno de processos; a dinâmica em dupla; e a inserção da disciplina na matriz curricular do curso. Sobre o caderno de processos: alguns alunos realmente o utilizaram como ferramenta auxiliar para anotar todas as etapas de cada técnica. Uma das duplas, por exemplo, desenvolveu durante a Técnica 1 uma tabela de organização de encaixes dos moldes. Enquanto outros alunos declararam não terem utilizado o caderno de processos durante as atividades, mas ao final de cada técnica, utilizaram como um espaço de registro do que aconteceu. Com relação à proposta da disciplina em promover todas as atividades em duplas, com o objetivo de somar os conhecimentos dos participantes, não necessariamente facilitou as tarefas. Alguns alunos sentiram dificuldade em entrar em consenso na escolha dos esboços e 135 na criação das modelagens. Contudo, quando as principais decisões já tinham sido definidas, a dinâmica se tornava mais fluida e um auxiliava o outro na costura e acabamentos. A última discussão em torno da inserção da disciplina na matriz curricular: os alunos que estavam em estágios mais avançados no curso, alegaram que a Modelagem Criativa deveria ser ofertada no início do curso. Baseados nas experiências de disciplinas anteriores em que tiveram de desenvolver roupas, afirmaram que as práticas seriam construtivas e auxiliares nestes projetos. Já os alunos que estavam no início do curso, compartilharam que ainda se consideravam inexperientes e que, com um pouco mais de prática em costura, por exemplo, conseguiriam explorar melhor as dinâmicas propostas. 136 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Esta pesquisa teve como objeto de estudo um tema muito próximo das práticas de trabalho da pesquisadora, e por este motivo foi fundamental a adoção de uma metodologia científica a fim de organizar os questionamentos em torno da modelagem, já iniciados empiricamente desde a época da graduação. Ao finalizar este percurso percebe-se que, ao mesmo tempo em que se reforçam ideias que já se supunham, também são revistos alguns posicionamentos, fazendo surgir novas inquietações. Com base nos resultados obtidos neste trabalho pode-se afirmar que a modelagem criativa se mostrou como um recurso interessante no sentido de auxiliar no aprendizado e entendimento geral dos alunos sobre modelagem do vestuário. Adicionalmente, observações pontuais vieram à luz em cada uma das etapas desenvolvidas nessa pesquisa, e estão descritas a seguir. Foram identificadas vinte instituições de ensino superior presencial de Bacharelado em Moda no estado de Minas Gerais e, em nenhuma delas apresentou-se a disciplina ‘Modelagem Criativa’ na matriz curricular dos cursos. Apesar da temática despontar em nível acadêmico ainda tem pouco espaço de discussão e aplicação nas práticas de ensino entre os profissionais da educação. Apesar de haver divergências quanto ao entendimento dos princípios da modelagem criativa entre os profissionais da educação, acredita-se que tais processos são abordados nos cursos, porém, sua profundidade reside no interesse do professor e na aplicabilidade em disciplinas relacionadas. A carência de publicações científicas relevantes ou de trabalhos de •Mapear instituições de ensino superior em moda no estado de Minas Gerais e avaliar se a modelagem criativa é abordada em suas práticas de ensino Primeira Etapa •Avaliar por meio de entrevistas semiestruturadas se a metodologia de modelagem criativa está sendo incorporada em outras disciplinas das instituições e qual seu grau de profundidade Segunda Etapa 137 pesquisa na área, dificulta a compreensão, por parte dos professores, sobre a temática da modelagem criativa. Foi interessante constatar que, todos os entrevistados consideram a prática da modelagem um processo criativo, independentemente de ser titulada como criativa ou não. Também, foi verificado que cada educador utiliza métodos de modelagem diversos nas salas de aula e que às vezes, alguns incluem referências da modelagem criativa. De fato, todos afirmaram fazer adaptações próprias aos métodos tradicionais ao preparar suas aulas e atividades práticas. A partir disso, considera-se importante que tais modificações sejam compartilhadas por meio de publicações científicas, a fim de ampliar e aprofundar a discussão em torno da modelagem apresentando-se para a academia os estudos práticos e principalmente os teóricos. Sendo, portanto, necessário a construção de uma rede de pesquisadores acadêmicos que possam oferecer novos materiais didáticos para a modelagem para além dos livros técnicos. No estudo de caso, a aplicação da teoria dos quatro estágios mentais da criatividade (preparação, incubação, iluminação/inspiração e elaboração) na prática experimental, mostrou-se efetiva para o planejamento da disciplina optativa de modelagem criativa. Ao organizar e analisar as técnicas escolhidas (técnica de modelagem tridimensional com papel calandrado), (técnica de bourrage + moulage) e (técnica de manipulação das formas planas + moulage) de acordo com os quatro estágios mentais, foi possível estruturar melhor cada uma delas. Dessa forma, desenvolveu-se uma metodologia de trabalho para a modelagem criativa na qual, em alguns momentos, os estágios da criatividade se complementaram em um movimento de retroalimentação. Apesar das restrições impostas para as práticas experimentais, elas não impediram que os alunos exercitassem sua criatividade, principalmente no início do processo no qual a ideia ainda é abstrata e demanda experimentações para se atingir um possível caminho na etapa da iluminação. •Realizar estudo de caso, a partir da aplicação de uma prática experimental, em disciplina optativa para estudantes de graduação do Curso de Design de Moda Terceira Etapa138 Nas duas primeiras técnicas abordadas (papel calandrado, técnica de bourrage + moulage), os alunos apresentaram maior dificuldade em esboçar as ideias e recorreram à manipulação do material sobre o manequim antes mesmo de definirem a forma desejada no caderno de processos. Na segunda técnica a moulage se mostrou eficiente tanto para criar um novo corpo como também para a construção das roupas com modelagens diferenciadas. O tecido utilizado para criação das peças influenciou fortemente o efeito final, porém os alunos tiveram mais abertura para propor soluções alternativas para as dificuldades encontradas. Na terceira técnica (manipulação das formas planas + moulage) o caderno de processos foi bem explorado e rendeu ótimos resultados, tanto para os esboços, que ficaram bem diferenciados, quanto para as roupas criadas. Os alunos se mostraram mais atentos às escolhas dos tecidos e mais seguros nas tomadas de decisão. A técnica permitiu que processos diferentes acontecessem de acordo com a demanda e a criatividade de cada aluno. Por fim, percebeu-se que os estudantes se tornaram mais independentes na forma de conduzir suas atividades ao longo de todo o processo, envolvendo as três técnicas utilizadas. De modo geral os alunos, mesmo aqueles que afirmaram ter experiência prévia em modelagem, alegaram algum tipo de dificuldade ou insegurança. Grande parte delas estão relacionadas com o produto final do próprio trabalho. Percebeu-se que a didática mais focada no processo de aprendizado ao invés da valorização apenas do resultado final, contribuiu para um melhor entendimento da modelagem por parte dos alunos. A liberdade de experimentação e o uso da intuição para criação dos moldes, foi importante para os estudantes que consideraram a modelagem criativa uma complementação das outras técnicas tradicionais. Os alunos também alegaram que as técnicas apresentadas contribuíram para ressignificar a prática da modelagem tradicional e para encontrar soluções e alternativas para projetos que tiveram dificuldades anteriormente. •Realizar entrevistas e mesa redonda, para avaliar a percepção dos alunos com relação a prática experimental e seu potencial de aplicação Quarta Etapa 139 A combinação de materiais que geralmente não são utilizados para a modelagem também foi um dos pontos fortes levantados sobre a disciplina. Apesar de alguns estudantes sentiram dificuldade em compartilhar as experiências em dupla, seja no desenho dos esboços ou na criação das modelagens, após as principais decisões, a dinâmica se tornava mais fluida e eles podiam se auxiliar nas tarefas executivas do trabalho. Neste sentido, surge a seguinte questão: pode o processo criativo ser compartilhado ou é algo que acontece individualmente? Se consideramos que os estágios de Esquivel (2013) são categorizados como processos mentais, ele seria apenas individual. Um aluno não necessariamente processa cada etapa da mesma maneira que o outro. Contudo, quando aplicados os estágios mentais à didática da disciplina ele se tornou compartilhado e experienciado por todos, sendo esta questão um possível caminho de continuidade dessa pesquisa. Assim, para trabalhos futuros, recomenda-se a aplicação dessa prática experimental em modelagem criativa também em outras instituições, de modo a validar sua aplicabilidade em outros contextos. Sugere-se que sejam feitas adaptações de forma a possibilitar a interação com outras disciplinas da grade curricular de outros cursos. Recomenda-se ainda, avaliar o desenvolvimento dos alunos e os impactos da prática experimental a médio prazo no decorrer do curso de graduação em moda. 140 REFERÊNCIAS AAKKO, M. Fashion In-between: artisanal design and production of fashion. 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Entrevistado 1: Penso que eu explicaria a partir de uma ideia, explicaria já realizando processo. É assim que eu sinto na modelagem criativa, como se qualquer som, imagem, cheiro se transformasse em uma parte do processo ou em uma forma de entender o corpo ou o tecido. Entrevistado 2: Surpreendente fiquei muito feliz com a aplicação da prática, não imaginei que chegaria um resultado tão legal. Entrevistado 3: Uma forma mais livre, orgânica de modelar e criar novas formas. Técnicas livres, mas sempre pesquisando e utilizando de técnicas antigas de moulage ou modelagem. Entrevistado 4: A modelagem criativa é um conhecimento maior das formas do corpo, através de experimentar ações práticas. Entrevistado 5: uma prática sem limitações criativas. Entrevistado 6: Como uma modelagem que não se apega as formas tradicionais de modelar o corpo em cria livremente. Entrevistado 7: Criar formas para peças de maneira mais livre, conseguir construir sem apostila (regras pré-estabelecidas). Entrevistado 8: Como uma forma mais experimental e intuitiva de se fazer modelagem. Entrevistado 9: Produzir moldes sem depender de formatos pré criados ou modelos conhecidos, deixando as formas surgirem de maneira mais fluida. Entrevistado 10: Definiria como uma ferramenta que utiliza formas não planas, orgânicas ou o próprio corpo para gerar um molde, ou seja, não parte de um molde base para efetuar a criação. Entrevistado 11: Para mim modelagem criativa se refere à prática de uma modelagem não convencional. Na modelagem convencional devemos criar primeiro o corpinho base, na criativa esse corpo já está pronto, é o manequim. Na modelagem convencional devemos fazer as interpretações desse corpo, na modelagem criativa podemos criar livremente volumes e formas sobre o manequim. A modelagem criativa permite mais criação na hora de modelar as peças, os moldes já saem da base do manequim alterado por papel, espuma etc, está pronto para ser executado. Depois de costurar as peças a piloto está pronta para ser usada com e sem a base. Entrevistado 12: Definiria como um processo de desconstrução do saber tradicional de modelagem que por muitas vezes está presa a uma técnica específica ou a um material de modelagem. Diria que ela não tem objetivo à prática da técnica, mas sim a experimentação da forma e das proporções do corpo. Entrevistado 13: Não quis responder. Entrevistado 14: Pra mim modelagem criativa é uma técnica de modelagem livre, em que a ideia inicial não precisa ser a final, é uma técnica que não limita as outras, porém não as descarta. É um ‘processo’ de modelagem. 160 Entrevistado 15: A modelagem criativa é aquela que não tem uma única forma de ser feita, não tem certo e errado, e não parte necessariamente do corpo, pode ser pensada a partir de outras formas e até mesmo da abstração. Entrevistado 16: Modelagem criativa pra mim é fazer algo fora do modo convencional de modelagem, sair do óbvio. É olhar com outra perspectiva o molde, o manequim, o tecido. Entrevistado 17: Uma modelagem que desconstrói os princípios da modelagem tradicional Entrevistado 18: Experimentação, teste. Utilizar as falhas como pontos necessários a criação. Retirar do corpo concebido como normal o seu status de normalidade. Entrevistado 19: Seria uma modelagem na qual você tem mais liberdade para criar algo inusitado.