Prévia do material em texto
MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE INSTITUTO CHICO MENDES DE CONSERVAÇÃO DA BIODIVERSIDADE CENTRO NACIONAL DE PESQUISA E CONSERVAÇÃO DE MAMÍFEROS CARNÍVOROS -CENAP Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade- PIBIC/ICMBio Relatório de Acompanhamento (2017-2018) MOVIMENTAÇÃO DE ONÇAS PINTADAS NA CAATINGA: SERIAM OS POÇOS ARTIFICIAIS DETERMINANTES NAS ÁREAS DE REVISITAS? Giovanna Moschetti Rivolta Cidro Orientador(a): Ronaldo Gonçalves Morato Co-orientador: Prof. Dr. Milton Cezar Ribeiro Colaboradora: Claudia Zukeran Kanda Rio Claro - SP Agosto/2018 Resumo Sabe-se que a Caatinga é um bioma que sofre com a carência de água, o que acaba por influenciar em como os animais que ali residem usam do espaço. Mamíferos, como a onça- pintada (Panthera onca), lá habitam e são dotados de memória espacial, afim de retornarem à locais com recursos. Esse estudo analisa a ligação da presença de poços artificiais com o movimento recursivo de duas onças-pintadas - adultas, nascidas e residentes do Parque Nacional Serra da Capivara, PI-, monitoradas com colares GPS em períodos abrangendo a época seca e chuvosa. Investigou-se a quantidade e o período de áreas revisitadas e como esses ambientes eram caracterizados em relação às localizações dos poços. A análise de movimento recursivo considerou a trajetória individual e as revisitas contadas dentro do raio de 50m em torno de cada ponto de localização, com o auxílio do pacote recurse no programa R. Um indivíduo fez revisitas treze vezes e o outro, sete vezes sendo esses retornos dentro de alguns dias e, uma delas, retornou ao mesmo local após um ano. Apesar das revisitas serem próximas aos poços artificiais – que estão quase em sua totalidade em baixa altitude -, as onças não aparentam estar ali se direcionando. Isso porque as mesmas andam na área de alta altitude, sendo separados por uma formação rochosa. Entendemos que apesar da severidade da Caatinga, outros fatores - que não os poços artificiais - estão determinando a decisão de movimento e revisita de, pelo menos, essas duas onças no PNSC. Palavras-chave: ecologia de movimento, memória espacial, movimento recursivo. Abstract It is known that the Caatinga is a biome that suffers from the lack of water, which ends up influencing how the animals who live there use the space. Mammals, such as the jaguar (Panthera onca), live there and are endowed with spatial memory, in order to return to places with resources. This study analyzes the connection of the presence of artificial wells with the recursive movement of two jaguars – adults, born and resident in Parque Nacional Serra da Capivara, PI -, monitored with GPS collars during periods covering the dry and rainy season. The amount and period of revisited areas was investigated and how these environments were characterized in relation to well locations. The recursive motion analysis considered the individual trajectory and revisits counted within the radius of 50m around each location point, with the aid of the recurse package in program R. One individual made thirteen revisits and the other, seven revisits being these returns within a few days and, one of them, returned to the same place after one year. Although the revisits are close to the artificial wells - which are almost entirely at low altitudes - the jaguars do not appear to be heading there. This is because they walk in the high-altitude area, being separated by a rock formation. We understand that despite the severity of the Caatinga, other factors - other than artificial wells - are determining the movement decision and revisiting at least these two ounces in the PNSC. Key words: motion ecology, spatial memory, recursive motion. Lista de figuras e tabelas Figura 1 – Localização do Parque Nacional Serra da Capivara (PNSC).......................................4 Figura 2 – Duração do monitoramento dos dois indivíduos (Lampião e Courisco)……………5 Figura 3 – Exemplificação da área de revisita considerada……………………………………..5 Figura 4 - Mapa com pontos de localização dos animais e dos poços artificiais..............……….7 Figura 5 – Mapa com pontos de localização dos animais, poços artificiais e altitude do PNS…8 Figura 6 - Área de movimentação e revisita da onça-pintada denominada Lampião no PNSC…8 Figura 7 - Área de movimentação e revisita da onça-pintada denominada Courisco no PNSC…9 Sumário Introdução……………………………………………………………………………………...1 Objetivos……………………………………………………………………………………….3 Material e Métodos……………………………………………………………………………..4 Área de estudo....................................................................................................................4 Informações dos indivíduos de onça-pintada......................................................................4 Análise dos dados...............................................................................................................5 Resultados……………………………………………………………………………………...7 Discussão e Conclusões……………………………………………………………………….10 Recomendações para o manejo………………………………………………………………..11 Agradecimentos………………………………………………………………………………12 Citações e Referências………………………………………………………………………...13 1 Introdução O Brasil possui 6 biomas e, dentre eles, a Caatinga é o único que se restringe totalmente ao país. A aridez no Brasil costuma estar associada à distância do litoral marinho, altitude, nível de dissecação do relevo, geomorfologia, declividade, posição referente aos ventos e à profundidade do solo (Andrade-Lima, 1981; Sampaio et al., 1981; Araújo, 1998; Rodal & Sampaio, 2002). Em cerca de 50% desse bioma, chove menos de 750 mm anuais, com a precipitação irregular no mês de novembro a junho (Andrade-Lima, 1981). Um dos mamíferos que chama grande atenção na Caatinga, é a onça-pintada (Panthera onca), sendo o maior felídeo das Américas e o terceiro do mundo (IUCN, 2003). A onça- pintada, já extinta em grande parte do território que ocupava inicialmente (Sanderson et al., 2002), tem seu comportamento estudado para poder ajudar na preservação da espécie. É sabido que mamíferos possuem memória espacial (OLIVEIRA-SANTOS et al., 2016), e que utilizam- se do ambiente com o objetivo de otimizar o uso dos recursos para seu fitness (MITCHELL, MICHAEL S.; POWELL, 2012). Desse modo, sua movimentação terá como incentivo à distribuição e renovação dos recursos presentes e/ou ausentes (MITCHELL, M.S.; POWELL, 2004; MITCHELL, MICHAEL S.; POWELL, 2007). Nathan et al. (2008) propôs um paradigma de ecologia do movimento onde diz que quatro principais componentes (estado interno, capacidade de movimento, capacidade de navegação e a influência de fatores externos) ditam o movimento de um organismo. Sendo assim, a área de vida de um indivíduo não é delimitada de maneira aleatória (POWELL, 2000) Variações no uso do espaço e padrões de movimento foram observados por Morato et al. (2016), sendo que, na Caatinga, as onças pintadas monitoradas se comportavam de maneira nômade. Isso porque a escassez de água nesse tipo de bioma pode determinar diferentes padrões de movimentações (SCHALLER, 1978). Com esse tipo de movimento, há maior movimentação e exposição a riscos caso o animal necessite através barreiras antrópicas (FAHRIG, 2007). Compreendendo os fatores envolvidos na decisão de movimento dos indivíduos entende-se suas decisões de rotas, contribuindo para estratégias de conservação e manejo, além da identificação de áreas prioritárias e corredores ecológicos (Morato et al.,2014). Com a onça-pintada presente neste severo bioma, seria de esperar que a água fosse uma motivação para a locomoção, retorno e/ou fixação da mesma. Não só para a função de matar a sede, mas também para a caça, já que suas presas também iriam ali para hidratar-se (como o (ASTETE et al., 2016) aborda). O Parque Nacional Serra da Capivara, localizado no Piauí, 2 possui uma densidade estimada de 0,5 indivíduos/100km². A fim de minimizar a rigorosidade do ambiente nesse bioma, o mesmo conta com uma estratégia de manejo, visando a conservação de espécies nesta área protegida. O manejo inclui o abastecimento de poços artificiais espalhados ao longo do seu território e um patrulhamento sistemático a fim de reduzir atividades de caça. 3 Objetivos Objetivamos aqui avaliar padrões de movimento, afim de entender fatores que influenciam o movimento recursivo de onças pintadas na Caatinga. 4 Material e métodos • Área de estudo A coleta de dados de localizações por meio de colares com sensores GPS em onças-pintadas foi realizada no Parque Nacional da Serra da Capivara, São Raimundo Nonato, no Piauí (08° 26' 50” e 08° 54' 23” S e 42°19' 47” e 42° 45' 51” W (IBAMA, 1991) (Figura 1). Figura 1 - delimitação da área do PNSC (Parque Nacional Serra da Capivara). Fonte: Ribeiro (2017). • Informações dos indivíduos de onça-pintada Os colares com sensores GPS foram instalados nos dois indivíduos de onça-pintada (Lampião e Courisco), programados para coletar os dados de sua localização a cada uma hora. O primeiro indivíduo foi monitorado entre 10 de novembro de 2014 e 10 de janeiro de 2015, fornecendo 1361 pontos; já o segundo indivíduo foi monitorado entre 16 de setembro de 2015 e 02 de junho de 2016, fornecendo 5590 pontos. As informações do monitoramento podem ser pré-visualizadas, no Lotek Wireless GPS WEB Service (https://webservice.lotek.com/). Adicionalmente, os dados coletados encontram-se disponíveis no repositório Movebank (https://movebank.org). (Figura 2) https://webservice.lotek.com/ https://movebank.org/ 5 Figura 2 – Duração do monitoramento dos dois indivíduos (Lampião e Courisco) • Análise dos dados O padrão de movimento de revisitações foi analisado com o auxílio do programa R, utilizando o pacote “recurse” (BRACIS, 2018). Para tal análise, geramos a trajetória regular de movimento para cada indivíduo e, geramos um círculo com 50m de raio em cada ponto de localização. O número de revisitas (NR) foi calculado com base na quantidade de segmentos da trajetória passando dentro desse círculo (Figura 3). Para o tempo entre as revisitas (TR), foi considerado o intervalo de tempo entre a saída estimada desse círculo e o tempo estimado de entrada também nesse círculo. O TR foi estimado apenas nas áreas próximas as fontes de águas artificiais e com as maiores quantidades de revisitas. Figura 3 – Exemplificação de como foi calculada a área de revisita dos indivíduos de onça- pintada. 6 Tentou-se incluir outras fontes de água natural, pelo Water, afim de encontrar alternativas para onde as onças pudessem estar se direcionando. Utilizando da resolução de 30m um foco de água foi encontrado e o mesmo era muito pequeno, não sendo significante ao que procurava-se. 7 Resultados Primeiramente avaliamos os possíveis fatores que interfeririam na escolha de movimento da onça pintada – tanto na Caatinga quanto em outros biomas – a partir de bibliografias. A partir das referências estudadas, com o auxílio do software ArcMap, foram gerados no mapa da região do PNSC os pontos coletados dos colares GPS dos animais junto aos pontos de poços artificiais (Figura 4). A avaliação de informações geomorfológicas locais foram realizadas pela obtenção de dados de altitudes do TOPODATA (identificação 08S435SN) (disponível em: http://www.dsr.inpe.br/topodata/) e sobreposta aos pontos de localização dos indivíduos e dos poços artificiais (Figura 5). Figura 4 - Pontos de localizações obtidas pelos colares GPS dos indivíduos de onça-pintada, juntamente com os pontos de poços artificiais no limite do Parque Nacional da Serra da Capivara. http://www.dsr.inpe.br/topodata/) 8 Figura 5 – Sobreposição do posicionamento dos dois indivíduos de onça-pintada (sendo em amarelo o Lampião e em azul o Courisco) no território do Parque Nacional Serra da Capivara e dos poços artificias (em vermelho) com o mapa de altitude da região. Ao analisarmos no Programa R as áreas de revisitas, obtivemos duas imagens – uma para cada indivíduo (Figura 6 e 7). Um indivíduo fez revisitas treze vezes e o outro, sete vezes sendo esses retornos dentro de alguns dias e, uma delas, retornou ao mesmo local após um ano. 9 Figura 6 – Área de revisita de uma onça-pintada (denominada Courisco) no território do Parque Nacional Serra da Capivara. Figura 7 – Área de revisita de uma onça-pintada (denominada Lampião) no território do Parque Nacional Serra da Capivara. 10 Discussão e Conclusões Após levantamento bibliográfico, esperava-se encontrar grande ligação na movimentação dos indivíduos de onça pintada, com o posicionamento dos poços de água artificial no PNSC. Morato et al. (2014) cita em seu trabalho que fatores como poços artificiais, altitude e a cobertura do solo acabam por interferir na seleção de localização desses indivíduos. O autor ainda aponta que elevadas altitudes favorecem a escolha dos indivíduos por conta da alta vegetação, que acaba por aumentar a precipitação local, além de diminuir a temperatura daquela área. Acabou-se concluindo que, por mais que a região da Caatinga seja seca, não há evidências da ligação dos poços artificiais com o movimento recursivo desses dois indivíduos de onça-pintada estudados. Os indivíduos aparentam ter preferência em locais de alta altitude, enquanto que os poços estão localizados quase que em sua maioria, na área de baixa altitude. Os mesmos se aproximam de uma quantia baixa de poços e, por mais que aparentam estar perto de muitos outros, há uma grande formação rochosa que os separa, não sendo possível que as onças os alcancem no intervalo de captura entre um ponto e outro. É sabido que os mesmos são dotados de memória espacial (OLIVEIRA-SANTOS et al., 2016) e que se movem pelo incentivo de recursos que otimizem seu fitness (MITCHELL, MICHAEL S.; POWELL, 2012), porém esse recurso não seria os poços artificiais do PNSC. 11 Recomendações para o manejo Uma das possíveis problemáticas dos indivíduos de onça-pintada não se direcionarem aos poços de água artificial do PNSC, seria pela sua localização. Quase que em sua totalidade estão na parte de baixa altitude do Parque, enquanto as onças tendem a andar na área de maior altitude. Se uma quantia significativa de poços fosse fixada nessas áreas mais altas, o acesso das onças aos mesmos seria facilitado, não as colocando em risco ao se exporem a perigos – como aconteceria se fossem para as partes mais baixas. 12 Agradecimentos Primeiramente gostaria de agradecer aos participantes do Laboratório de Ecologia Espacial e Conservação - LEEC, que me receberam muito bem durante minha estadia lá. Gostaria de agradecer imensamente à Claudia Zukeran Kanda que, sem ela, não teria conseguido chegar onde cheguei com esse projeto e à Júlia Oshima que me deu grandes dicas. Ao ICMBio, ao CENAP e ao Dr. Ronaldo Gonçalves Morato pela oportunidade e orientação.13 Citações e Referências ANDRADE-LIMA, D., 1981. The caatingas Dominium. Revista brasileira de botânica 4: 149- 153. ARAÚJO, F.S. 1998. Estudos fitogeográficos do carrasco no nordeste do Brasil, Tese (Doutorado em Biologia Vegetal) – Programa de Pós Graduação em Botânica, Universidade Estadual de Campinas, SP, Brasil. ASTETE, Samuel et al. Living in extreme environments: modeling habitat suitability for jaguars, pumas, and their prey in a semiarid habitat. Journal of Mammalogy, v. 98, n. April, p. gyw184, 2016. Disponível em: <https://academic.oup.com/jmammal/article- lookup/doi/10.1093/jmammal/gyw184>. FAHRIG L. Non-optimal animal movement in human-altered landscapes. Funct Ecol. 2007;21: 1003–1015. doi:10.1111/j.1365-2435.2007.01326.x MITCHELL, M.S.; POWELL, R.A. A mechanistic home range model for optimal use of spatially distributed resources. Ecological Modelling. [S.l: s.n.]. , 2004 MITCHELL, Michael S.; POWELL, Roger a. Foraging optimally for home ranges. Journal of Mammalogy, v. 93, n. 4, p. 917–928, 2012. MITCHELL, Michael S.; POWELL, Roger A. Optimal use of resources structures home ranges and spatial distribution of black bears. Animal Behaviour, v. 74, n. 2, p. 219–230, 2007. MORATO, G. R; FERRAZ, B.M.P.M.K; PAULA, C.R. Identification of Priority Conservation Areas and Potential Corridors for Jaguars in the Caatinga Biome, Brazil. Plos one, v. 9, n.4, 2014. NATHAN, R. et al. 2008. A movement ecology paradigma for unifying organismal movement research. Proceedings of the National Academy of Sciences, 105(49):19052-19059. OLIVEIRA-SANTOS, Luiz Gustavo R. et al. Incorporating animal spatial memory in step selection functions. Journal of Animal Ecology, v. 85, n. 2, p. 516–524, 2016. POWELL, R. A. Animal home ranges and territories and home range estimators. Research techniques in animal ecology: controversies and consequences (L. Boitani and T. K. Fuller, eds.). Columbia University Press, New York, 2000. p.65–110 POWELL,R.A; MICHEL, M.S. What is a home range?. Journal of Mammology, vl. 93, p. 948-958, 2012. 14 RODAL, M. J. N. & SAMPAIOS, V. S. B., 2002. A vegetação do bioma caatinga. In Sampaio, E.V.S.B., Giulietti, A.M., Virginio, J., Gamarra Roja, C.F.L. (Eds.), Vegetação & Flora da Caatinga. Associação Plantas do Nordeste/Centro Nordestino de Informação sobre Plantas, Recife, Brasil. SCHALLER G.B. The Serengeti lion: A study of predator-prey relations [Internet]. University of Chicago, Chicago, Illinois, USA. University of Chicago Press; 1976. doi:10.2307/1296618 SCHALLER, G. B. & CRAWSHAW Jr, P. G. 1980. Movement patterns of jaguar. Biotropica 161-168.