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JERRY BRIDGE3
M
D E L I S
MESMO QUANDO A VIDA NOS
GOLPEIA, AFLIGE E FERE
ia
Je rrç Bridges (1 9 2 9 -2 0 1 6 ) fez parte da e p ip e m inisterial da organização
p ara -eclesiológ ica The Navigators. Foi o d i renom ado e scrito r e um
palestrante munriialm eote conhecido.
Título original em Inglês: Trusting G od - Even W hen L ife Hurts
Copyright © 1988, 2008 by Jerry Brigdes
This edition issued by contractual arrangement with NavPress, a division
o f The Navigators, U.S. A. Originally published by NavPress in English as
TRUSTING GOD, Copyright 1988 by Jerry Bridges. Ali rights reserved.
NavPress - P.O. Box 35001, Colorado Springs, CO 80935, USA.
Todos os direitos em Língua Portuguesa reservados. Nenhuma porção deste livro
poderá ser reproduzida, armazenada em sistema de recuperação ou transmitida
de qualquer forma - eletrônica, mecânica, fotocópia, gravação ou outras - sem
permissão prévia de NUTRA Publicações Ltda., Rua Alfeu Tavares, 219, São
Bernardo do Campo, SP, 09641-000, exceção feita a breves citações para fins de
resenha ou comentário.
Coordenação Editorial: Jayro Malmegrin Cáceres
Tradução: Enrico Pasquini
Revisão: Eros Pasquini Jr. e Rejane L. Martins da Quinta
Capa: Anderson Alvarenga de Alcântara
Projeto de miolo e composição: Jonatas Belan
Coordenação de produção: Jayro Malmegrin Cáceres
Impressão e acabamento: Imprensa da Fé
1* Edição - 2013 (Tiragem: 3000 exemplares)
Reimpressão - setembro de 2014 (Tiragem: 3000 exemplares)
Textos Bíblicos: Almeida Revista e Atualizada
As citações bíblicas contidas nesta obra são provenientes da versão João Ferreira de
Almeida, ©1993 da Sociedade Bíblica do Brasil. Qualquer citação de outra versão
será indicada.
D ad os In tern acio n ais de C ata lo g ação na P u b licação (C IP )
(Câm ara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Brigdes, Jerry
C onfiando em Deus m esm o quando a vida nos golpeia, aflige e fere / Jerry Brigdes;
[tradução Eros Pasquini Jr. e Enrico Pasquini]. - 1. ed. - São Paulo: NUTRA
Publicações, 2013.
Tilu lo original: Trusting god: even when life hurts.
ISBN 978-85-61867-16-4
1. Confiança em Deus 2. Providência divina - C ristianism o I. Titulo.
13-00979 C D D -231.4
Índ ices p ara catálogo sistem ático :
1. A tributos de Deus: D outrina cristã 231.4
2. Deus: Atributos: D outrina cristã 231.4v______________:_________________________________ J
São Paulo
Ia Edição, 2013
Aos meus filhos, Kathy e Dan,
que me trouxeram
muita alegria como pai.
SUMÁRIO
Prefácio à Edição Brasileira 9
Prefácio 13
1. Posso Confiar em Deus? 17
2. Será que Deus Está no Controle? 27
3. A Soberania de Deus 41
4. A Soberania de Deus Sobre as Pessoas 65
5. O Governo de Deus Sobre as Nações 89
6. O Poder de Deus Sobre a Natureza 111
7. A Soberania de Deus e a Nossa Responsabilidade 125
8. A Sabedoria de Deus 139
9. Conhecendo 0 Amor de Deus 161
10. Experimentando o Amor de Deus 177
11. Confiando em Deus Quanto a Quem Sou 191
12. Crescendo Através da Adversidade 209
13. Optando por Confiar em Deus 235
14. Sempre Dando Graças 251
PREFÁCIO À EDIÇÃO BRASILEIRA
Harmonizar a soberania e a providência de Deus com o so
frimento humano tem sido uma tarefa desafiadora para os
teólogos ao longo dos séculos. A dificuldade dessa harmonia
para alguns está no fato de aceitar que Deus é Soberano. Um
Deus Soberano tem o poder de evitar o sofrimento humano,
afirmam. Uma maneira de resolver esse dilema é assumir que
Deus, de fato, não é Soberano, considerando que os sofrimen
tos acompanham a existência humana. Há um Deus que não
é Soberano e que, ao se deparar com o sofrimento humano,
nada pode fazer senão “juntar os cacos” do estrago que o so
frimento produz no homem para, de alguma maneira, compor
a Sua história e conduzir Seus planos.
A dificuldade, também, pode estar no fato de alguns acei
tarem que Deus é sim Soberano, mas não é Bondoso. O que
esses sustentam é que Deus tem o poder de fazer todas as coi
sas como bem entende, mas que Seu caráter não é Bondoso o
bastante para não permitir o mal. Como não harmonizam a
Soberania e a Providência de Deus com o sofrimento humano,
tais indivíduos atribuem a Deus uma falha em Seus atributos.
A verdade bíblica, entretanto, é que Deus é tanto Soberano
quanto Bondoso. Davi fez a seguinte afirmação no SI 62:
Uma vez falou Deus, duas vezes ouvi isto: Que o poder per
tence a Deus e a ti, Senhor, pertence a graça: pois a cada um
retribuis segundo as suas obras (Sl 62.11,12).
Ao discorrer sobre a Soberania de Deus o mesmo Davi re
gistra de maneira humilde seus limites: “Tal conhecimento é
maravilhoso demais para mim: é sobremodo elevado, não o
posso atingir” (Sl 139.6).
Confiando em Deus - Mesmo quando a Vida nos Golpeia,
Aflige e Fere é um trabalho humilde e equilibrado de Jerry
Bridges acerca da Soberania e Providência de Deus. O autor
não se propõe a explicar o que o próprio Deus não disponibi
lizou ao homem nem faz malabarismos teológicos para har
monizar a Soberania e Bondade de Deus com o sofrimento
humano. A mensagem do livro, do primeiro ao último capí
tulo, será: “Confie em Deus”. O autor insistirá em que nós não
precisamos entender os motivos pelos quais Deus permite o
sofrimento, mas sim, confiar nEle.
É um livro estimulante e que nos encoraja a uma devoção
ainda mais aperfeiçoada a um Deus que nunca perdeu o con
trole da História como um todo nem da nossa história pessoal.
Deus é o Soberano, o Deus que “faz todas as cousas conform e
o conselho da sua vontade” (Ef 1.11), e que ao mesmo tempo
nos ama e cuida amorosamente de nós (1 Pe 5.7). O profeta
Jeremias ao escrever seu lamento sobre a destruição de Jeru
salém exaltou o amor leal de Deus quando afirmou:
Graças ao grande amor do Senhor é que não somos consumi
dos, pois as suas misericórdias são inesgotáveis. Renovam-se
cada manhã; grande é a sua fidelidade! (Lm 3.22,23 NVI).
Nosso desejo é que este livro fortaleça ainda mais a sua con
fiança no Deus que é ao mesmo tempo Soberano e Bondoso.
Nosso desejo também é que, em sua caminhada, mesmo quan
do os dias maus chegarem, confiar em Deus seja não somente
uma exigência ensinada, mas uma realidade em sua vida, uma
escolha pessoal deliberada.
J a y r o M . C á c e r e s
Pastor da Igreja Batista Pedras Vivas
Coordenador do NUTRA - Núcleo de Treinamento,
Recursos e Aconselhamento Bíblico
PREFÁCIO
[1 uando eu tinha catorze anos de idade, minha mãe faleceu
subitamente, sem qualquer aviso. Eu estava no quarto ao
lado e corri a tempo de ver seu último suspiro. Fiquei deso
rientado e me senti arrasado. Meu irmão mais velho estava
estudando fora e meu pai também estava muito abatido para
poder me ajudar. O pior de tudo, eu não sabia como me voltar
para Deus nos momentos de crise. Eu me encontrava sozinho
em minha adversidade.
Essa não foi a primeira vez que a adversidade havia atin
gido minha vida e certamente não seria a última. Conforme
diz a Bíblia: “Mas o homem nasce para o enfado, como as
faíscas das brasas voam para cima” (Jó 5.7). Todos nós expe
rimentamos a adversidade em momentos e graus diferentes
ao longo da vida.
Aprender a confiar em Deus no momento da adversidade
tem sido um processo longo e difícil para mim. Trata-se de um
processo ainda em andamento. Há alguns anos, contudo, num
esforço para fortalecer minha própria confiança em Deus, co
mecei um extenso estudo bíblico sobre o assunto da soberania
de Deus no tocante a Seu povo. Esse estudo me ajudou imen
samente e o fruto dele é o que agora compartilho com você.
I)urante meu tempo de estudo, que cobriu um período de
aproximadamente quatro anos, encontrei diversos cristãos
que lutavam com as mesmas questões que eu: Será que Deus
controla as circunstâncias da nossa vida, ou será que coisas
“ruins” acontecem simplesmente porque vivemos num mundo
amaldiçoado pelo pecado? Se Deus realmente controla as cir
cunstâncias da nossa vida, por que Ele permitiu que meu ami
go tivesse câncer? Seráque posso realmente confiar em Deus
quando as coisas pioram em diferentes áreas de minha vida?
Sendo assim, este livro nasceu do resultado de tratar das
necessidades existentes em minha própria vida e de perceber
que muitos outros cristãos possuem perguntas e dúvidas se
melhantes. Ele foi escrito a partir da perspectiva de um irmão
e companheiro para todo aquele que já se sentiu tentado a
perguntar: “Posso realmente confiar em Deus?”
Confiando em Deus foi um livro difícil de escrever. Por
um lado, tornei-me bem mais ciente da ampla ocorrência de
adversidades ao meu redor. Eu não havia percebido de modo
tão preciso quanto faço hoje a ampla natureza do sofrimen
to e da dor, especialmente entre os cristãos. Como resultado
dessa percepção mais ampliada do sofrimento ao meu redor,
eu me surpreendi perguntando com frequência: “Será que eu
realmente acredito naquilo que estou escrevendo?”.
Outra dificuldade para mim foi a percepção de que muitos
dos meus amigos experimentaram adversidades bem maiores
que as minhas. Quem sou eu para procurar escrever ensina
mentos de instrução e encorajamento a outros que passaram
por situações muito mais difíceis do que as que eu passei? Mi
nha resposta a essa pergunta é a percepção de que a verdade
da Palavra de Deus e o encorajamento que ela é capaz de dar
não dependem da minha experiência. Não escrevi este livro
sobre as minhas experiências, que não são nada incomuns.
Escrevi este livro como um estudo bíblico sobre Deus e Sua
soberania, sabedoria e amor, e como esses três elementos afe
tam toda adversidade que enfrentamos.
Confiando em Deus foi escrito para o cristão comum que
não experimentou, necessariamente, alguma grande catástrofe,
mas que passa frequentemente por adversidades e tristezas co
muns da vida: um aborto espontâneo, a perda de um emprego,
um acidente automobilístico, um filho ou uma filha rebelde ou
um professor injusto na faculdade. Tais eventos não se tornam
“a primeira página” da nossa vida; aliás, eles se encontram nor
malmente enterrados dentro de um coração ferido e confuso.
Por serem mais comuns, normalmente redundam em pouco
apoio de oração de nossos amigos cristãos.
Espero de coração que nenhuma das afirmações que faço
nos capítulos a seguir possam parecer respostas superficiais e
fáceis para os difíceis problemas da adversidade e do sofrimen
to. Não existe resposta fácil. A adversidade é difícil até mesmo
quando sabemos que Deus está no controle das circunstâncias
da nossa vida. Na realidade, por vezes essa consciência acaba
até agravando a dor. Perguntamos: “Se Deus está no controle,
por que Ele permitiu que isso acontecesse?”
O propósito deste livro, portanto, é duplo: Em primeiro
lugar, desejo glorificar a Deus reconhecendo Sua soberania e
Sua bondade. Em segundo lugar, desejo encorajar o povo de
Deus ao demonstrar, a partir das Escrituras, que Deus está
no controle da nossa vida, que Ele realmente nos ama e que
Ele opera em toda circunstância da nossa vida para o nosso
supremo bem.
O leitor perceberá uma variedade de citações de outros
escritores. Este livro, a despeito1 disso, não é meramente a
síntese do ponto de vista de terceiros. As convicções básicas
declaradas nestes capítulos são o resultado do meu estudo bí
blico pessoal, feito ao longo de anos. Entretanto, devo creditar
aos escritores citados a minha dívida de gratidão pela palavra
de ânimo e, em alguns casos, pelo esclarecimento da minha
compreensão acerca de algumas dessas verdades.
Desejo expressar minha apreciação a uma série de pes
soas que contribuíram para a composição desta obra. A Don
Simpson, meu amigo e editor, que me encorajou, me ajudou, e
por vezes questionou minhas conclusões à medida que traba
lhávamos juntos nestes capítulos. Ao D r.}. I. Packer que con
cordou graciosamente em revisar alguns dos capítulos-chave
para verificar a precisão teológica; embora ele não deva ser
responsabilizado pelo resultado final. A Jessie Halsell, que fi
cou responsável pela importante e necessária tarefa de trans
formar meus manuscritos em texto digitado. Quero agradecer
em especial a Grace Peterson, uma “santa senhora”, por sua
colaboração em oração. Embora uma série de amigos tenha
orado por mim durante os onze meses de composição, Grace
esteve sempre disponível quando sentia a necessidade de uma
força extra em oração por causa de um obstáculo difícil. Por
fim, gostaria de prestar uma homenagem à minha primeira
esposa, Eleanor, que se encontra agora com o Senhor, que ex
perimentou uma imensa adversidade, enquanto eu escrevia
este livro, por seu amor e pelos sacrifícios que ela fez para me
permitir tempo para estudar e para escrever.
C A P Í T U L O UM
POSSO CONFIAR EM DEUS?
lnvoca-mt no dia da angústia;
eu te livrarei, e tu meglorijicarás.
Sl 50.15
A carta não trouxe notícias boas. Uma parente próxima, muito
querida para mim, havia acabado de descobrir que estava
com câncer nos ossos. Células malignas de uma luta com um
câncer anterior haviam ficado inativas durante oito anos antes
de invadirem a parte óssea de seu corpo. Um quadril já estava
praticamente destruído; o médico estava impressionado com
o fato de ela ainda conseguir andar. Incidentes assim são mui
to comuns nos dias de hoje. Na realidade, enquanto escrevia
este capítulo, tive sete amigos, todos com câncer, adicionados
à minha lista de “oração urgente”.
Porém o câncer e outras enfermidades físicas não são, ob
viamente, nossa única fonte de ansiedade. Durante um almoço,
algumas semanas atrás, um amigo empresário confidenciou
que sua empresa está à beira da falência; outro amigo tem
sofrido por causa de um adolescente espiritualmente rebelde.
A verdade é que todos nós experimentamos a adversidade em
suas mais variadas formas e em momentos diferentes. Um livro
que se tornou best-seller, escrito por um psiquiatra secular, co
meça de forma muito apropriada: “A vida é difícil”.
A adversidade e a dor emocional que lhe acompanha apa
recem de inúmeras maneiras. Pode ser a angústia de um casa
mento infeliz, o desapontamento de um aborto espontâneo ou
a tristeza gerada por um filho espiritualmente indiferente ou
rebelde. Há a ansiedade do provedor do lar que acaba de per
der seu emprego e o desespero de uma jovem mãe que acaba
de descobrir que está com uma doença terminal.
Outros experimentam a dor de esperanças frustradas ou de
sonhos que não se realizaram: um negócio que deu errado ou
uma carreira que jamais decolou. Outros ainda experimentam
o ferroada da injustiça, o prolongado e inexplicável sofrer da
solidão, a dor aguda de uma dificuldade inesperada. Existe a hu
milhação da rejeição por parte dos outros, de um rebaixamento
de posto no trabalho e, a pior de todas, a do fracasso por culpa
própria. Por fim, há o desespero de perceber que algumas cir
cunstâncias difíceis, como a doença física de alguém próximo ou
até a incapacitação física severa de um filho, jamais mudarão.
Todas essas circunstâncias e outras tantas acentuam ainda
mais a ansiedade e a dor emocional que enfrentamos em várias
situações e em diferentes níveis. Algumas dores são repentinas,
traumáticas e devastadoras. Outras são crônicas, persistentes
e aparentemente projetadas para exaurir nosso espírito com
o passar do tempo.
Além de nossas próprias dores emocionais, somos normal
mente chamados para ajudar a carregar a dor dos outros, quer
sejam amigos ou parentes. Nenhuma das ilustrações que usei
nos parágrafos anteriores é imaginária. Eu poderia acrescen
tar os nomes ao lado de cada uma delas. A maioria está na
minha lista de oração pessoal. Quando amigos e pessoas que
amamos sofrem, nós sofremos.
Numa proporção maior, lemos diariamente nos jornais ou
assistimos nos telejornais exemplos de dor e de sofrimento em
grande escala. Guerra, terrorismo, terremotos, fome, injusti
ça racial, assassinato e exploração acontecem diariamente no
mundo inteiro. A ameaça de um holocausto nuclear que paira
sobre nossas cabeçastem feito este momento da história ser
conhecido como a era da ansiedade. Em dias assim, em que
grandes crises aparecem diariamente na tela de nossa televisão,
até mesmo o cristão é tentado a perguntar: “Onde está Deus?
Será que Ele não Se preocupa com os milhares de famintos na
África ou com os civis inocentes que estão sendo brutalmen
te assassinados nos vários conflitos de países destroçados por
guerras ao redor do mundo?”.
Numa proporção muito menor, aqueles cujas vidas estão
livres das dores mais intensas ainda participam dos eventos
frequentemente frustrantes ou geradores de ansiedade de nos
so cotidiano, eventos que momentaneamente prendem nos
sa atenção e roubam nossa paz de espírito. Uma tão sonha
da viagem de férias é cancelada por causa de uma doença, a
máquina de lavar roupa quebra bem no dia que você recebe
hóspedes, suas anotações da faculdade somem um dia antes
da prova final, você rasga seu vestido favorito a caminho da
igreja e assim por diante. Os exemplos dessa magnitude são
muitos. A vida está repleta deles.
É verdade que tais eventos corriqueiros são apenas tempo
rários e perdem sua cor e revelam sua insignificância quando
contrastados aos eventos verdadeiramente trágicos da vida.
Ainda assim, para a maioria, a vida é cheia de eventos desse
tipo, pequenas frustrações, pequenas ansiedades, pequenos
desapontamentos que nos tentam a expressar o nosso descon
tentamento, ira e preocupação. No livro devocional chamado
Se Deus Me Ama, Por Que Não Consigo Abrir Meu Armário?',
1. N.T.: refere-se ao armário de cada aluno na escola, onde os alunos norte-americanos
guardam seus pertences.
certo autor captou precisamente a forma como essas peque
nas frustrações são capazes de nos fazer duvidar de Deus. Po
demos até sorrir ao pensarmos na cena que o título nos faz
imaginar, mas o fato é que esse é o nível de adversidade no
qual muitos de nós vivemos diariamente. É na provação desse
nível menor de adversidade que somos tentados a perguntar:
“Posso confiar em Deus?”.
Mesmo quando a vida parece estar caminhando na direção
certa e nosso rumo parece agradável e tranqüilo, não sabemos
o que o futuro nos reserva. Conforme disse Salomão: “não
sabes o que trará à luz [o dia de amanhã]” (Pv 27.1). Certa
pessoa descreveu a vida como se tivesse uma cortina espessa
em seu caminho, cortina que recua à medida que avançamos,
mas apenas um passo de cada vez. Nenhum de nós é capaz de
dizer o que existe atrás da cortina; nenhum de nós é capaz de
dizer que eventos um único dia ou hora pode trazer à nossa
vida. Por vezes, essa cortina revela eventos que já esperávamos;
na maioria das vezes, apresenta-nos eventos inesperados e in-
desejados. Esses eventos se desenrolam contrariando nossos
desejos e expectativas, quase sempre enchem nosso coração
de ansiedade, frustração, tristeza e dor.
O povo de Deus não está imune a esse tipo de dor. Aliás,
parece que a dor do cristão muitas vezes é mais severa, mais
freqüente, mais inexplicável £ mais profundamente sentida
que a do incrédulo. O problema da dor é tão antigo e univer
sal quanto a história humana. Paulo nos diz que até mesmo
a criação está sujeita à frustração e geme com dores de parto
(Rm 8.20-22).
Por isso, a pergunta surge naturalmente: “Onde está Deus
em tudo isso?” Podemos realmente confiar em Deus quan
do a adversidade nos atinge e preenche nossa vida com dor?
Será que Ele realmente vem resgatar aquele que O busca? Será
que Ele, conforme o Salmo no início do capítulo afirma, livra
aquele que O invoca no dia da angústia? Será que o amor in
falível do Senhor cerca a pessoa que nEle confia (Sl 32.10)?
Posso confiar em Deus? Antes de tentar responder, repare
que a pergunta possui dois possíveis significados. Primeiro, eu
posso confiar em Deus? Em outras palavras, Ele é confiável
no momento da adversidade? Porém o segundo significado
também é crucial: Eu posso confiar em Deus? Será que eu
possuo um relacionamento tal com Deus e tal confiança nEle
a ponto de crer que Ele está comigo em minha adversidade,
embora eu não enxergue qualquer evidência da Sua presença
e de Seu poder?
Não é fácil confiar em Deus nos momentos de adversidade.
Ninguém gosta de dor, e quando ela surge, queremos nos ver
livres dela o quanto antes. Até mesmo o apóstolo Paulo supli
cou a Deus três vezes para que removesse o espinho em sua
carne antes de finalmente descobrir que a graça de Deus lhe
era suficiente. José implorou ao copeiro do Faraó “me faças
sair desta casa” (Gn 40.14). O escritor de Hebreus afirma com
toda transparência: “Toda disciplina, com efeito, no momento
não parece ser motivo de alegria, mas de tristeza” (Hb 12.11).
Enquanto escrevia este capítulo experimentei um momento
de adversidade em que tive dificuldade de confiar em Deus.
No meu caso foi uma doença física que agravou uma enfermi
dade crônica. Surgiu num momento bastante inconveniente
e durante várias semanas não respondeu adequadamente ao
tratamento médico que tentamos.
Ao longo daquelas semanas, enquanto orava continuamente
a Deus pedindo alívio, fui lembrado das palavras de Salomão:
Atenta para as obras de Deus,
pois quem poderá endireitar
o que ele torceu?
(Ec 7.13)
Deus trouxe um evento “torcido” à minha vida, e fiquei
completamente consciente de que só Ele seria capaz de endi
reitá-lo. Poderia eu confiar em Deus quer Ele endireitasse ou
não aquilo que estava “torcido” e aliviasse meu sofrimento?
Eu realmente cria num Deus que me amava, sabia o que era
melhor para mim e que estava no controle da minha situação?
Será que eu poderia confiar nEle mesmo sem entender?
Além do mais, eu poderia encorajar os outros a confiar
nEle quando estivessem nas dores de parto de seu sofrimen
to emocional? Será que toda a ideia de confiar em Deus em
meio à adversidade é meramente um jargão cristão que não
consegue resistir aos eventos difíceis da vida? Posso realmente
confiar em Deus?
Eu me identifico com aqueles que têm dificuldade de con
fiar em Deus em meio à adversidade. Já passei por isso o su
ficiente para conhecer um pouco da dor, do desespero e das
trevas que enchem nossa alma quando nos perguntamos se
Deus realmente Se importa com o nosso problema. Inves
ti boa parte da minha vida adulta encorajando as pessoas a
buscarem a santidade e a obedecerem a Deus. Ainda assim,
reconheço que normalmente parece ser mais difícil confiar em
Deus do que obedecer a Ele. A vontade moral de Deus apre
sentada na Bíblia é racional e razoável. As circunstâncias nas
quais precisamos confiar em Deus normalmente aparentam
ser irracionais e inexplicáveis. Reconhecemos prontamente
que a lei de Deus é algo bom ]5ara nós, mesmo quando não
desejamos obedecê-la. As circunstâncias de nossa vida, com
frequência, parecem ser assustadoras e duras, ou até mesmo
calamitosas e trágicas. A obediência a Deus acontece den
tro de limites muito bem definidos da vontade revelada de
Deus. A confiança em Deus transcorre numa arena que não
conhece limites. Desconhecemos o tamanho, a duração ou a
frequência das circunstâncias dolorosas e adversas nas quais
precisamos repetidamente confiar em Deus. Estamos sempre
lidando com o desconhecido.
Todavia, é tão importante confiar em Deus quanto obedecer
a Ele. Quando desobedecemos a Deus, desafiamos Sua auto
ridade e desprezamos Sua santidade. Porém quando não con
fiamos em Deus, duvidamos de Sua soberania e questionamos
Sua bondade. Em ambos os casos, lançamos dúvidas sobre a
majestade e o caráter de Deus. Deus enxerga nossa descon
fiança com a mesma seriedade com que olha para a nossa de
sobediência. Quando o povo de Israel estava faminto “Falaram
contra Deus, dizendo: Pode, acaso, Deus preparar-nos mesa
no deserto?... Pode ele dar-nos pão também? Ou fornecer car
ne para o seu povo?” Os dois versículos seguintes nos dizem:
“Ouvindo isto, o S e n h o r ficou indignado... porque não creram
em Deus, nem confiaram na sua salvação” (Sl 78.19-22).
Para confiarmos em Deus, precisamossempre enxergar
nossas circunstâncias adversas por meio da lente da fé, e não
do que sentimos. Assim como a fé para a salvação vem atra
vés do ouvir a mensagem do evangelho (Rm 10.17), a fé para
confiar em Deus na adversidade vem somente através da Pa
lavra de Deus. É apenas nas Escrituras que encontramos uma
visão adequada do relacionamento de Deus com e o Seu en
volvimento em nossas circunstâncias dolorosas. É apenas a
partir da Bíblia, aplicada ao nosso coração pelo Espírito San
to, que recebemos a graça para confiar em Deus durante a
adversidade.
Na arena da adversidade, as Escrituras nos ensinam três
verdades essenciais sobre Deus; verdades que precisamos crer
se desejamos confiar nEle em meio à adversidade. São elas:
• Deus é completamente soberano.
• Deus é infinito em sabedoria.
• Deus é perfeito em amor.
Certa pessoa expressou essas três verdades e como elas se
relacionam conosco da seguinte maneira: “Deus, em Seu amor,
sempre deseja o que é melhor para nós. Em Sua sabedoria,
Ele sempre sabe o que é melhor, e em Sua soberania Ele tem
o poder de fazer isso acontecer”.
A soberania de Deus é declarada, explícita ou implicitamen
te, em praticamente todas as páginas da Bíblia. Enquanto fazia
meu estudo bíblico me preparando para escrever este livro,
jamais senti ter concluído plenamente a compilação dos versí
culos que tratam da soberania de Deus. Novas referências a ela
continuavam aparecendo praticamente toda vez que eu abria
a minha Bíblia. Examinaremos muitas dessas passagens nos
próximos capítulos, mas por agora, considere apenas esta:
Quem é aquele que diz, e assim acontece,
quando o Senhor o não mande?
Acaso, não procede do Altíssimo
tanto o mal como o bem ?
(Lm 3.37,38)
Essa passagem bíblica choca muita gente. Elas acham difícil
aceitar que tanto o mal quanto o bem vêm de Deus. É comum
as pessoas perguntarem: “Se Deus é um Deus de amor, como
Ele pode permitir uma calamidade?” Porém o próprio Senhor
Jesus afirmou a soberania de Deus na calamidade quando Pi-
latos perguntou a Ele: “Não sabes que tenho autoridade para
te soltar e autoridade para te cri*cificar?” Respondeu Jesus:
“Nenhuma autoridade terias sobre mim, se de cima não te fosse
dada” (Jo 19.10,11). Jesus reconheceu o controle soberano de
Deus sobre Sua vida.
Pelo fato do sacrifício do Filho de Deus por nossos pecados
ser um ato de amor tão surpreendente para conosco, temos
a tendência de ignorar que o sacrifício foi, para Jesus, uma
experiência excruciante bem além do que somos capazes de
imaginar. Para Cristo, em Sua humanidade, foi uma calami
dade tão grande que Ele orou: “Meu Pai, se possível, passe de
mim este cálice” (Mt 26.39), mas Ele não hesitou em Sua afir
mação acerca do controle soberano de Deus.
Em vez de ficar chocado com a afirmação bíblica da sobera
nia de Deus ser tanto para o bem quanto para a calamidade, o
cristão deveria ser consolado por ela. Qualquer que seja nossa
calamidade ou adversidade particular, podemos ter a certeza
de que nosso Pai possui um propósito amoroso nela. Como
disse o rei Ezequias: “Eis que foi para minha paz que tive eu
grande amargura” (Is 38.17). Deus não exercita Sua soberania
de maneira caprichosa, mas apenas de uma maneira que Seu
amor infinito julga ser melhor para nós. Jeremias escreveu:
Pois, ainda que entristeça a alguém, usará de compaixão
segundo a grandeza das suas misericórdias;
porque não aflige, nem entristece de bom grado
os filhos dos homens.
(Lm 3.32,33)
A soberania de Deus também é exercida em infinita sabe
doria, muito além da nossa capacidade de compreensão. Após
Paulo avaliar o lidar soberano, mas inescrutável de Deus com
o Seu próprio povo, os judeus, o apóstolo se prostra diante do
mistério das ações de Deus com as seguintes palavras:
Ó profundidade da riqueza,
tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
(Rm 11.33)
Paulo reconheceu o que nós precisamos reconhecer se
quisermos confiar em Deus. O plano de Deus e Sua manei
ra de executar Seu plano estão normalmente além da nossa
capacidade de compreensão e entendimento. Precisamos
aprender a confiar quando não entendemos.
Nos capítulos seguintes, exploraremos mais a fundo estas
três verdades: a soberania, o amor e a sabedoria de Deus. Po
rém o propósito primeiro deste livro não é explorar essas ver
dades maravilhosas. O propósito principal é nos tornarmos
tão convictos dessas verdades que nos apropriaremos delas
em nossas situações diárias, de forma que aprenderemos a
confiar em Deus em meio ao nosso sofrimento, seja ele qual
for. Não faz diferença se nossa dor é corriqueira ou traumá
tica, temporária ou interminável. Independente da natureza
de nossas circunstâncias, precisamos aprender a confiar em
Deus se desejamos glorificá-Lo através delas.
Eis um pensamento final antes de começarmos nossos
estudos a respeito da soberania, do amor e da sabedoria de
Deus. Para que confiemos em Deus, precisamos conhecê-Lo
de maneira íntim í e pessoal. Davi disse no Sl 9.10: “Em ti, pois,
confiam os que conhecem o teu nome, porque tu, S e n h o r ,
não desamparas os que te buscam”. Conhecer o nome de Deus
é conhecê-Lo de maneira íntima e pessoal. É mais do que sim
plesmente conhecer fatos a respeito de Deus. É envolver-se
em um relacionamento pessoal mais profundo com Ele, como
resultado de buscá-Lo em meio ao sofrimento pessoal e desco
brir que Ele é digno de confiança. Somente quando conhecer
mos a Deus dessa maneira pessoal é que seremos capazes de
confiar nEle. Enquanto você lê, estuda os capítulos seguintes
e relaciona aquilo que aprende sobre Deus às suas próprias
situações, ore pedindo ao Espírito Santo que capacite você a
ir além dos fatos sobre Deus, para assim conhecê-Lo melhor,
e então ser capaz de confiar nEle de maneira mais completa.
C A P Í T U L O 0015
SERÁ QUE DEUS ESTÁ NO CONTROLE?
[Deus]... bendito e único Soberano, o Rei dos reis
e Senhor dos senhores.
1 Tm 6.15
E m 1981, um best-seller amplamente aclamado empolgou
a nação norte-americana. Nas críticas literárias o livro do
Rabino Harold Kushner, Quando Coisas Ruins Acontecem às
Pessoas Boas, foi descrito como tocante, reconfortante, sábio
e compassivo, um livro que a humanidade inteira precisa ler.
No livro, que se constituiu uma tentativa de obter sentido para
uma tragédia em sua própria família, o Rabino Kushner con
clui que o autor do livro de Jó é “forçado a escolher entre um
Deus bom que não é de todo onipotente ou um Deus podero
so que não é totalmente bom, o autor do livro de Jó opta por
acreditar na bondade de Deus”1. Na visão do Rabino Kushner
do ensinamento de Jó, “Deus deseja que os justos vivam vidas
tranqüilas e felizes, porém às vezes nem Ele mesmo consegue
que isto se realize. Ê muito difícil até para Deus evitar que a
crueldade e o caos recaiam sobre vítimas inocentes”2.
1. Kushner, Harold S., Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas. Edilora
Nobel. São Paulo, SP, 1988, p. 47,48.
2. Kushner, Harold S., ibid., p. 48.
É claro que o Rabino Kushner não está sozinho em sua ne
gação do controle soberano de Deus sobre os eventos de nossa
vida. O cristão, assim como o não cristão, fala do infortúnio,
dos acidentes, das circunstâncias que estão além do nosso con
trole (e supostamente do controle de Deus), das coisas simples
mente acontecendo por acaso. Ao longo dos séculos, doença,
sofrimento e dor sempre levantaram questionamentos sobre o
controle de Deus e o Seu cuidado com a Sua criação.
A hipótese implícita na mente de muitos é: Se Deus é tanto
poderoso quanto bom, por que existe tanto sofrimento, tanta
dor e tanto pesar no mundo? Ou Deus é bom, mas não é to
talmente poderoso, ou Ele é poderoso, mas não é totalmente
bom. É impossível ter as duas coisas juntas.
A PROVIDÊNCIA DE DEUS
A Bíblia nos ensina que as duas coisas caminham juntas, sim.
Deus é soberano (todo-poderoso), e Ele é bom. O ensinamen
to bíblicosobre o assunto está na categoria que os teólogos
chamam de providência de Deus. A providência de Deus é
um termo que normalmente usamos no debate cristão para
reconhecer a aparente intervenção divina em nossos assuntos.
Por exemplo, ao dar meu testemunho pessoal, normalmente
digo algo assim: “Quando entendi que não poderia viver a
vida cristã na Marinha sozinho, Deus, em Sua providência,
me colocou em contato com Os Navegadores3”. Ao fazer tal
afirmação, eu quis dizer que Deus tanto controlou quanto ar
quitetou certas circunstâncias da minha vida que um resulta
do específico estava fadado a acontecer, neste caso, entrar em
contato com Os Navegadores.
3. N.R.: Os Navegadores é um ministério internacional e interdenominacional, que tra
balha com discipulado. Foi fundado nos Estados Unidos em 1933.
Entretanto, há duas coisas erradas com essa forma de se
referir à providência de Deus. Por um lado, sempre usamos a
expressão “providência de Deus” conectada a eventos aparen
temente “bons”. Entrar em contato com Os Navegadores foi
um evento bom para mim, de forma que tenho muita alegria
em atribuir esse evento à providência de Deus. Porém difi
cilmente ouviremos alguém dizendo: “Pela providência de
Deus, sofri um acidente e fiquei paraplégico”. Assim como o
Rabino Kushner, relutamos em atribuir coisas “ruins” à mão
interventora de Deus.
O segundo problema com o uso popular da expressão
“providência de Deus” é que, ou de maneira inconsciente ou
deliberada, concluímos que Deus intervém em momentos
específicos de nossas vidas, mas que na maior parte do tem
po permanece quase como um mero espectador interessado.
Quando pensamos assim, mesmo que de maneira inconscien
te, reduzimos o controle de Deus sobre nossas vidas a uma
proposta de soberania que se restringe a uma intervenção oca
sional e fugaz. Nossa atitude inconsciente é que, no restante
do tempo, somos “mestres de nosso destino”, ou ao contrário
somos vítimas de circunstâncias infelizes, ou de pessoas más
que cruzam o nosso caminho.
Historicamente, entretanto, a igreja sempre entendeu a pro
vidência de Deus como referência ao Seu cuidado e domínio
sobre toda a Sua criação o tempo todo. O conhecido teólogo
J. I. Packer define providência da seguinte forma: “Atividade
incessante do Criador por meio da qual, através de extre
ma generosidade e boa vontade, Ele sustenta Suas criaturas
numa existência ordenada, guia e governa todos os eventos,
circunstâncias e atos livres dos anjos e dos homens, e dire
ciona tudo para seu alvo designado, para Sua própria glória”4.
4. Packer,). I., “Providence”, The New Bible Dictionarv. Londres, InterVarsity, 1962, pp.
1050-1051.
Observe os termos absolutos usados por Packer: “atividade
incessante”, “todos os eventos... [todos] os atos”, “direciona
tudo”. Claramente aqui não existe o conceito de um domínio
parcial ou ocasional por parte de Deus nessa definição.
A definição de Packer sobre a providência de Deus é muito
completa e, creio eu, bastante precisa de acordo com a Bíblia.
Para o meu próprio bem desenvolvi uma definição levemente
mais curta, que sou capaz de memorizar: Providência de Deus
é o Seu cuidado constante e Seu domínio absoluto sobre toda
a Sua criação, para a Sua própria glória e o bem do Seu povo.
Novamente, observe os termos absolutos: cuidado constante,
domínio absoluto, toda a criação. Nada, nem mesmo o menor
dos vírus, foge ao cuidado e ao controle de Deus.
Entretanto, observe também o objetivo duplo da providên
cia de Deus: Sua própria glória e o bem do Seu povo. Esses
dois objetivos jamais são contrários; eles estão sempre em har
monia entre si. Deus jamais busca a Sua glória à custa do bem
do Seu povo, nem busca o nosso bem à custa de Sua glória.
Ele projetou Seu propósito eterno de forma que a Sua glória
e o nosso bem estejam inseparavelmente unidos. Que grande
consolo e encorajamento isso deve trazer a nós. Se nós vamos
aprender a confiar em Deus na adversidade, precisamos crer
que assim como a vontade de Deus jamais permitirá que algo
subverta Sua glória, Ele também jamais permitirá que algo ar
ruine o bem que Ele está realizando em nós e para nós.
No primeiro capítulo fiz a seguinte pergunta: “Posso con
fiar em Deus?” e observei que o primeiro significado da per
gunta é: “Será que Deus é digno de confiança?” Deus sempre
é capaz de cuidar de nós (Ele é soberano), e sempre cuida de
nós (Ele é bom)? A doutrina da providência de Deus afirma
claramente que podemos confiar em Deus. Ele sempre cuida
de nós e controla continuamente, não apenas de forma oca
sional, todas as questões da nossa vida.
Para compreendermos melhor e nos beneficiarmos do en
sinamento bíblico sobre a providência de Deus, precisamos
considerar também outro aspecto da providência: a ação sus-
tentadora de Deus ao manter e preservar a Sua criação.
DEUS SUSTENTA
A Bíblia ensina que Deus não somente criou o universo, mas
que Ele o sustenta e preserva diariamente, a cada momento.
A Bíblia diz: “Sustentando todas as coisas pela palavra do seu
poder” (Hb 1.3), e “nEle, tudo subsiste” (Cl 1.17). Conforme
disse o teólogo A. H. Strong:
Cristo é o originador e sustentador do universo... nEle
tudo mantém a existência, permanece coeso, o tempo todo.
A vontade constante de Cristo constitui a lei do universo
e faz dele um cosmos em lugar de um caos, tal qual a Sua
vontade trouxe tudo à existência no princípio5.
Todas as coisas devem sua existência à ação sustentado-
ra contínua de Deus, exercida por meio de Seu Filho. Nada
existe por causa de seu próprio e inerente poder de ser. Nada,
em toda a criação, permanece ou age independentemente da
vontade do Senhor. As chamadas leis da natureza nada mais
são que a expressão física da vontade constante de Cristo. A lei
da gravidade funciona com certeza incessante porque Cristo
assim deseja que ela funcione. A cadeira na qual estou senta
do enquanto escrevo estas palavras se mantém firme porque
os átomos e moléculas na madeira se mantêm juntos pela
vontade ativa dEle.
5. Strong, A . H„ c ita d o p o r Dallas Willard, In Search ofGuidance. Regai B o o k s , Ventura,
C A , 1 9 8 4 , p. 91.
As estrelas continuam em sua trajetória porque Ele as man
tém ali. A Bíblia diz que Deus:
Aquele que fa z sair o seu exército
de estrelas,... as quais ele chama pelo nome;
por ser ele grande em força e forte em poder,
nem uma só vem a faltar.
(Is 40.26)
A ação sustentadora de Deus por meio de Cristo vai além
da criação inanimada. A Bíblia diz que Ele dá vida a todas as
coisas (Ne 9.6):
prepara a chuva para a terra,
fa z brotar nos montes a erva
e d á o alimento aos animais
e aos filhos dos corvos, quando clamam.
(Sl 147.8,9)
Deus não cria simplesmente e então vai embora. Ele sus
tenta constantemente essa criação que criou.
Mais adiante, a Bíblia ensina que Deus sustenta a você e a
mim: “... pois ele mesmo* é quem a todos dá vida, respiração
e tudo mais... pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos”
(At 17.25,28). Ele fornece nosso alimento diário (2 Co 9.10).
Os nossos dias estão em Suas mãos (Sl 31.15). Todo ar que
respiramos é um dom de Deus, cada porção de comida que
comemos nos é dada por Sua mão, todo dia que vivemos é
determinado por Ele. Ele não nos deixou à mercê de nossos
próprios recursos ou entregues aos caprichos da natureza ou
aos atos malévolos dos outros. Não! Ele sustenta, provê e cuida
de nós constantemente, em cada momento do nosso dia. Seu
carro quebrou quando você menos poderia pagar o conserto?
Você perdeu uma reunião importante porque o avião no qual
você deveria voar estava com problemas mecânicos? O Deus
que controla as estrelas em suas trajetórias também contro
la os detalhes práticos e tudo relacionado ao seu carro ou ao
avião no qual você deveria voar.
Tive um caso complicado de sarampo quando criança. O
vírus aparentemente permaneceu em meus olhos e em meu
ouvido direito, deixando-me com a visão monocular e surdo
de um ouvido. Deus estavano controle daquele vírus, ou eu
simplesmente fui vítima de uma doença infantil ocasional? O
constante sustentar de Seu universo e tudo que nele contém
não me deixa outra opção senão aceitar que o vírus estava,
de fato, sob Sua mão controladora. Deus não estava olhan
do para o outro lado quando o vírus entrou nas terminações
nervosas do meu ouvido e nos músculos dos meus olhos. Se
nós vamos confiar em Deus, precisamos aprender a enxergar
que Ele está trabalhando continuamente em todo aspecto e
em cada momento de nossa vida.
DEUS GOVERNA
A Bíblia também ensina que Deus governa o universo, não
apenas a criação inanimada, mas também as ações de todas as
criaturas, tanto do homem quanto dos animais. Ele é chamado
de Aquele que “domina sobre tudo” (1 Cr 29.12), o “bendito
e único Soberano” (1 Tm 6.15), Aquele cuja vontade impe
de que o pardal caia no chão (Mt 10.29). Jeremias pergunta:
“Quem é aquele que diz, e assim acontece, quando o Senhor o
não mande?” (Lm 3.37). O livro de Daniel diz: “o Altíssimo
tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem quer”
(Dn 4.17) e:
...segundo a sua vontade,
ele opera com o exército do céu e os moradores da terra;
não há quem lhe possa deter a mão,
nem lhe dizer: Que fazes?
(Dn 4.35)
Ninguém é capaz de agir fora da vontade soberana de Deus
ou contra ela. Séculos atrás, Agostinho disse: “Portanto, nada
acontece a menos que o desejo do Onipotente permita: ou Ele
permite que aconteça, ou Ele mesmo faz acontecer”6. Philip
Hughes disse: “Entretanto, sob Deus todas as coisas estão, sem
exceção, completamente controladas; mesmo que pareça o
contrário”7. Nada é grande ou pequeno demais para fugir à
mão governante de Deus. A aranha construindo sua teia no
canto da parede e Napoleão marchando com seu exército pela
Europa estão ambos sob o controle de Deus.
Assim como o governo de Deus é invencível, ele também
é incompreensível. Seus caminhos são mais altos que os nos
sos (Is 55.9). Seus juízos são insondáveis, e Seus caminhos são
inescrutáveis (Rm 11.33). A soberania de Deus é normalmente
questionada porque o homem não entende o que Deus está
fazendo. Uma vez que Deus não age como achamos que Ele
deveria agir, concluímos que Ele é incapaz de agir como acha
mos que Ele deveria agir. «
DEUS OU 0 ACASO?
Portanto, essa é a providência divina: Deus sustentando e go
vernando Seu universo, conduzindo todos os eventos para um
6. Agostinho citado em John Blanchard, Gathered Gnld. Evangelical Press, Welwyn,
Inglaterra, 1984, p. 332.
7. Hughes, Philip E., Hope for a Despairing World■ Baker, Grand Rapids, MI, 1977, pp. 40-41.
fim designado. Essa doutrina, entretanto, raramente é aceita
pelas pessoas de hoje. O não cristão, em sua maioria, excluiu
tanto o ato criador de Deus quanto a Sua providência. Para
ele, todos os eventos se encontram nas mãos do destino ou
do acaso.
Essa visão surge com naturalidade, mesmo que casualmen
te, num livro sobre como lidar com crises. O autor diz: “Você
deveria considerar e planejar para a inevitabilidade de uma
crise... motivado pela força que vem do fato de saber que está
preparado para encarar a vida e para jogar com as cartas que
o destino lhe entregar... O destino me presenteou com cartas
interessantes no começo de 1979”8.
No livro do Rabino Kushner, Quando Coisas Ruins Acon
tecem às Pessoas Boas, o autor pergunta: “Será que somos
capazes de aceitar a ideia de que há fatos que surgem sem
qualquer razão, de que no universo existem circunstâncias
fortuitas?” Falando sobre a direção que uma queimada toma
numa floresta, ele pergunta: “Mas qual a explicação racional
para a combinação entre o vento e o tempo, em determinado
dia, no sentido de dirigir o fogo da mata contra certas casas
em vez de outras, encurralando uns e poupando outros mo
radores? Ou é apenas uma questão de pura sorte?”9
Em outro ponto, o Rabino Kushner nos lembra de que as
companhias de seguro classificam terremotos, furacões, tor
nados e outros desastres naturais como “atos de Deus”. Então
ele diz: “Eu acho que este é um dos casos em que se usa o
nome de Deus em vão. Não acredito que um terremoto que,
sem razão, faz milhares de vítimas inocentes seja um ato de
Deus. É um ato da natureza. A natureza é moralmente cega,
sem valores. Ela vai em frente, seguindo suas próprias leis,
8. Fink, Steven, Crisis Management: Platinitt? for the Inevitable, American
Management Association, New York, 1986, pp. 1-2.
9. Kushner, Harold S., opus cit., p. 52.
pouco se importando com quem ou com o quê encontra no
seu caminho”10.
Aleatoriedade, sorte, acaso, destino. Eis a resposta do ho
mem moderno para a pergunta antiga: “Por quê?” É claro
que se o conceito de Deus é descartado, como muitos fazem,
então não existe qualquer alternativa. Muitos, enquanto não
eliminam o conceito de Deus, fabricaram um “Deus” a partir
de sua própria especulação. O deísmo do século 17 construiu
um Deus que criou o universo e o deixou funcionando de
acordo com suas leis naturais e artifícios humanos. Muitas
pessoas hoje são deístas na prática.
Até mesmo os cristãos de hoje pensam como deístas. Mui
tos aceitam o conceito de que Deus é soberano, mas acredi
tam que Ele escolheu não exercer Sua soberania nas questões
diárias de nossa vida. Conforme escreveu certa autora: “Sa
bemos que Deus é soberano, mas também sabemos que, em
Sua soberania, Deus nos colocou num mundo de pecado e
sofrimento do qual não temos qualquer imunidade”, e no
vamente, “O amor de Deus... por nós, não nos coloca numa
posição protegida”11. Apesar de concordar com a tese básica
do artigo dela, de que não deveríamos perguntar por quê, fico
incomodado com o que compreendo ela parece estar dizendo
sobre o exercício que Deus faz de Sua soberania e acerca de
Seu cuidado para com o Seu povo.
Em sua afirmação bastante conhecida sobre os pardais,
Jesus disse: “Não se vendem dois pardais por um asse? E ne
nhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai...
Não temais, pois! Bem mais vaieis vós do que muitos pardais”
(Mt 10.29,31). De acordo com Jesus, Deus exerce Sua sobera
nia a todo o momento, até mesmo sobre a vida e a morte de
10. Kushner, Harold S., ibid., p. 64.
11. Mickelson, Alvera, "Whv Did God Let It H appení”. Christianity Today, Março, 1984,
pp. 22-24.
um pardal quase sem valor. O que Jesus queria comunicar era:
Se Deus exerce Sua soberania com relação aos pardais, Ele
certamente a exercerá com relação aos Seus filhos. Embora
seja certo que o amor de Deus não nos protege da dor e do
sofrimento, também é verdade que todas as ocasiões de dor
e sofrimento estão debaixo do controle absoluto de Deus. Se
Deus controla as circunstâncias do pardal, quanto mais Ele
controla as situações que nos afetam? Deus não sai de cena
nos deixando à mercê de eventos aleatórios descontrolados
ou do acaso.
Um marido cristão voou num avião particular para outra
cidade a fim de dar seu testemunho em um encontro evan-
gelístico, levando seu filho com ele. Na volta para casa, eles
atravessaram uma tempestade elétrica que fez com que o
avião caísse. Pai e filho morreram. Um amigo cristão, na ten
tativa de confortar a esposa e mãe enlutada disse: “De uma
coisa você pode ter certeza: Deus não teve nada a ver com o
acidente”. De acordo com esse amigo, Deus aparentemente
estava olhando em outra direção quando o piloto entrou em
apuros. Um pardal é incapaz de cair no chão sem o consen
timento do Pai, mas, aparentemente, um avião com cristãos
dentro é capaz.
Li uma afirmação blasfema de certa pessoa que disse: “Aca
so é o pseudônimo que Deus usa quando Ele prefere não assi
nar Seu nome”. Muitos cristãos estão agindo assim com Deus
hoje. Normalmente não dispostos a aceitar o fato de que Deus
está operando por não entenderem como Ele está operando,
optam por substituir a doutrina da providência divina pela
doutrina do acaso.
BOM , M AS NÃO SOBERANO
Juntamente com a doutrina do acaso, muitos cristãos estão
crendo também na filosofiaexposta pelo Rabino Kushner de
que Deus é bom, mas não é soberano. Por exemplo, uma es
critora cristã fala de sua dor como sendo algo completamente
frustrante para Deus e agradece a Ele por ser o seu Pai celestial
devoto, cuidadoso e frustrado. Diante do dilema de como um
Pai soberano e amoroso poderia permitir que ela experimen
tasse uma dor agonizante como aquela, ela encontrou alívio
ao crer que Deus realmente Se frustrava com a dor dela, der
ramando lágrimas com ela, assim como uma mãe chora pelo
sofrimento de um filho.
Procurando ser justo com tal escritora, ela sofreu dores ex-
cruciantes durante meses. Como alguém que sofreu dores me
nos severas, durante apenas algumas vezes, percebo que não
passei pelo que ela passou, não precisei lutar no nível que ela
lutou com o amor de Deus em meio à dor insuportável. Porém,
conforme tem sido reiteradamente observado, precisamos fir
mar nossas crenças na Bíblia, e não em nossas experiências. A
Bíblia nos deixa sem qualquer dúvida: Deus jamais é frustra
do. “Não há quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: ‘Que
fazes?’” (Dn 4.35). É verdade que Deus está envolvido numa
batalha invisível com Satanás e que as vidas dos filhos de Deus
normalmente são os campos de batalha, conforme a vida de
Jó exemplifica bem. Porém até mesmo Satanás precisa de per
missão para tocar no povo de Deus (Jó 1.12; 2.6; Lc 22.31,32).
Mesmo nessa batalha invisível, Deus continua soberano.
A autora Margaret Clarkson, alguém que sofreu durante
toda a sua vida, disse: “Que Deus é, de fato, tanto bom quanto
poderoso é um dos princípios básicos da crença cristã”12. Nor
12. Clarkson, Margaret, Destined for Glorv. Eerdmans, Grand Rapids, MI, 1983, p. 6.
malmente admitimos ser incapazes de conciliar a soberania
e a bondade de Deus diante de uma tragédia comum ou de
uma adversidade pessoal, mas cremos que, embora geralmen
te não entendamos os caminhos de Deus, Ele está operando
soberanamente em todas as circunstâncias.
Não é fácil crer na doutrina da providência de Deus, es
pecialmente naqueles dias quando parece que a doutrina se
depara com momentos difíceis. Conforme disse o professor
G. C. Berkouwer em seu livro The Providence o f God (A Pro
vidência de Deus):
A dura realidade ataca esta confissão confortadora e otimis
ta. Será que os terrores catastróficos do nosso século, junta
mente com os sofrimentos desproporcionais que infligem
aos indivíduos, famílias e pessoas, poderiam ser um reflexo
da orientação de Deus? Será que a honestidade pura não
nos força a parar de buscar fugas num mundo escondido,
harmonioso e hipersensível? Será que a honestidade nos
diz para nos limitarmos realisticamente ao que está dian
te de nossos olhos e, sem qualquer ilusão, encararmos os
problemas daquele dia?13
Todas as pessoas, tanto crentes como descrentes, passam por
ansiedade, frustração, tristeza e desapontamento. Alguns so
frem dores físicas intensas e tragédias catastróficas. Porém aqui
lo que deve distinguir o sofrimento dos crentes do sofrimento
dos descrentes é a confiança de que nosso sofrimento está sob
o controle de um Deus todo-poderoso e totalmente amoroso;
nosso sofrimento tem significado e propósito no plano eter
no de Deus, e Ele traz ou permite que aconteça em nossa vida
apenas aquilo que é para a Sua glória e para o nosso bem.
13. Berkouwer, G. C., The Providence o f God, Eerdmans, Grand Rapids, MI, 1983, p. 23.
C A P Í T U L O T R Ê S
A SOBERANIA DE DEUS
O S e n h o r frustra os desígnios das nações
e anula os íntentos dos povos.
O conselho do S e n h o r dura para sempre;
os desígnios do seu coração, por todas as gerações.
Sl 33.10,11
na
00:
N o ano de 1902, um garoto inglês chegou para o café da ma
nhã e encontrou seu pai lendo o jornal, que trazia as notícias
sobre os preparativos para a primeira coroação na Inglaterra
em sessenta e quatro anos. No meio do café o marido se virou
para a esposa e disse: “Que pena que isso tenha sido escrito
desta maneira”. Ela respondeu: “O que foi?” e ele respondeu:
“é pena porque eis aqui uma proclamação que, numa data es
pecífica, o Príncipe Edward será coroado rei em Westminster
e não há um Deo volente, um se Deus permitir”. As palavras
atingiram em cheio a mente do garoto, pois a verdadeira razão
para marcar aquela data era que o futuro Edward VII estava
doente, com apendicite, e a coroação teve de ser adiada1.
Nessa época, ao final do reinado da Rainha Vitória, os
poderes político, econômico e militar do Império Britânico
1. Murray, I. H .77ie Life ofArthur W. Pink. Banner of Truth, Edinburgh, 1981, p. 4.
estavam em seu apogeu. Ainda assim, apesar de todo seu po
derio, a Grã-Bretanha não pôde realizar a coroação planejada
na data designada.
Será que a omissão do “se Deus permitir” da proclamação
e o adiamento subsequente da coroação foram meramente
uma coincidência, ou os dois eventos não tiveram qualquer
relação entre si? Ou será que Deus fez com que o Príncipe
Edward tivesse apendicite para demonstrar que Ele estava “no
controle”? Não sabemos por que a situação ocorreu daquela
maneira. Entretanto, sabemos de uma coisa: quer reconhe
çamos com um Deo volente ou não, nós somos incapazes de
executar qualquer plano senão pela vontade de Deus. A Bíblia
não deixa qualquer dúvida sobre essa questão. Tiago diz isso
claramente na passagem a seguir:
Atendei, agora, vós que dizeis: Hoje ou amanhã, iremos para
a cidade tal, e lá passaremos um ano, e negociaremos, e te
remos lucros. Vós não sabeis o que sucederá amanhã. Que
é a vossa vida? Sois, apenas, como neblina que aparece por
instante e logo se dissipa. Em vez disso, devíeis dizer: Se o
Senhor quiser, não só viveremos, como também farem os isto
ou aquilo (Tg 4.13-15, ênfase acrescentada).
0 CONTROLE ABSOLUTO DE DEUS
%
Deus está no controle; Ele é soberano. Ele faz o que quiser e
determina se podemos fazer conforme planejamos. Essa é a
essência da soberania de Deus: Sua completa independên
cia para fazer o que quiser e Seu controle absoluto sobre as
ações de todas as Suas criaturas. Nenhuma criatura, pessoa
ou império é capaz de atrapalhar Sua vontade ou agir fora
dos limites dela.
No capítulo 1 afirmei que, para que confiemos em Deus
em meio à adversidade, precisamos crer na soberania, no
amor e na sabedoria dEle. Dessas três verdades, a soberania
de Deus parece ser a que é questionada com maior frequência
e de maneira mais dura. Parece que permitiremos que Deus
esteja em qualquer lugar exceto em Seu trono, governando
Seu universo, conforme Lhe agrada e de acordo com a Sua
vontade soberana.
Até mesmo escritores cristãos piedosos cujos livros são
úteis para muitas pessoas são capazes, em seus escritos, de
remover Deus do Seu trono. Uma das afirmações mais co
muns é que Deus Se limitou voluntariamente às ações do ho
mem para dar a ele liberdade. Por exemplo, Andrew Murray
escreveu: “Ao criar o homem com um livre arbítrio e torná-lo
companheiro no governo da terra, Deus Se limitou. Ele Se
fez dependente do que o homem faria. O homem, através da
sua oração, direcionaria o que Deus poderia fazer para lhe
abençoar”2 (ênfase acrescentada).
Outros escritores cristãos fracassam em reconhecer a mão
controladora de Deus em todos os eventos da nossa vida, seja
conduzindo ou permitindo. Por exemplo: um escritor fala
do sofrimento que sobrevêm por causa de um azar ou de um
acidente, das coisas “simplesmente acontecendo” e a dor vin
do em nossa direção, “por causa de circunstâncias que estão
além do nosso controle”.
Nossa resposta para afirmações como essas são mais que
um simples debate teológico. A confiança na soberania de
Deus em tudo que nos afeta é crucial para confiarmos nEle.
Se existe um único evento em todo o universo que é capaz de
acontecer fora do controle soberano de Deus, então não podemos
confiar nEle. Seu amor pode até ser infinito, mas se Seu poder
2. Murray, Andrew, F.verv-Dav with Andrew Murray. citado em Christianity Today,
06/03/1987,p. 41.
é limitado e Seu propósito pode ser frustrado, não podemos
confiar nEle. Você pode confiar a mim seus bens mais pre
ciosos. Posso amar você e meu alvo de honrar sua confiança
pode ser sincero, mas se eu não tiver o poder ou habilidade de
proteger seus pertences, você não pode confiá-los a mim.
Entretanto, Paulo disse que podemos confiar nossos mais
valiosos bens ao Senhor. Em 2 Tm 1.12, ele declarou: “E, por
isso, estou sofrendo estas coisas; todavia, não me envergonho,
porque sei em quem tenho crido e estou certo de que ele é po
deroso para guardar o meu depósito até aquele Dia” (ênfase
acrescentada). Alguém diz: “Mas Paulo está se referindo à vida
eterna. Sem dúvida, podemos confiar nosso destino eterno a
Deus, mas e quanto aos nossos problemas nesta vida? Eles me
fazem considerar sobre a soberania de Deus”.
Porém, para nós deveria estar evidente que a soberania de
Deus não começa no momento da morte. Conforme veremos
num capítulo adiante, Seu direcionamento soberano em nos
sa vida acontece até mesmo antes do nosso nascimento. Deus
com certeza governa tanto na terra quanto no céu. Ele permi
te, por razões conhecidas apenas por Ele, que as pessoas ajam
contra e desafiando a Sua vontade revelada. Contudo Ele ja
mais permite que elas ajam contra a Sua vontade soberana.
Reforçando o que acabo de dizer, que Deus jamais permite
que as pessoas ajam contra a Sua vontade soberana, considere
as seguintes passagens das Escrituras:
O coração do homem traça o seu caminho;
mas o Senhor lhe dirige os passos.
(Pv 16.9)
Muitos propósitos há no coração do homem;
mas o desígnio do Senhor permanecerá.
(Pv 19.21)
Não há sabedoria, nem inteligência,
nem mesmo conselho contra o Sen h o r .
(Pv 21.30)
Atenta para as obras de Deus,
pois quem poderá endireitar o que ele torceu?
(Ec 7.13)
Quem é aquele que diz, e assim acontece,
quando o Senhor o não m ande?
(Lm 3.37)
Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser,
não só viveremos,
como também farem os isto ou aquilo.
(Tg 4.15)
Ao anjo da igreja em Filadélfia escreve:
Estas coisas diz o santo, o verdadeiro,
aquele que tem a chave de Davi,
que abre, e ninguém fechará,
e que fecha, e ninguém abrirá.
(Ap 3.7)
Nós fazemos planos, mas esses planos só poderão acontecer
quando forem compatíveis com o propósito de Deus. Nenhum
plano é capaz de prevalecer contra Ele. Ninguém é capaz de
endireitar aquilo que Ele fez torto ou entortar aquilo que Ele
fez reto. Nenhum imperador, rei, supervisor, professor ou téc
nico é capaz de falar e fazer acontecer se o Senhor não tiver
primeiro decretado, fazendo isso acontecer ou permitido que
aconteça. Ninguém pode dizer: “Farei isto ou aquilo”, e ser bem
sucedido nisso se não for da vontade soberana de Deus.
Que tremendo encorajamento, que grande incentivo para
confiarmos em Deus esse aspecto da soberania de Deus deve
ser para nós. Existe alguém “querendo pegar você”? Tal pessoa
é totalmente incapaz de executar seu plano malévolo a me
nos que Deus o tenha decretado. Conversei com um capelão
militar que teve um confronto com um capelão mais velho
a respeito de um ato ilegal que este se propôs a fazer. Como
resultado, o capelão mais velho escreveu uma carta bastante
ácida ao supervisor de capelania que comprometeu seriamente
a carreira do meu amigo. O meu amigo foi meramente vítima
de um ataque cruel de vingança? Não de acordo com o que a
Bíblia diz. O capelão ímpio pode escrever centenas de cartas,
mas ele é completamente incapaz de por fim à carreira militar
do meu amigo a menos que Deus permita. Se Deus permitir,
é porque a ação ímpia faz parte do plano de Deus para ele.
Ninguém é capaz de falar ou fazer acontecer se o Senhor não
o tiver decretado (Lm 3.37).
A experiência do meu amigo não é rara. Milhares de cris
tãos experimentaram injustiças semelhantes nas mãos de pro
fessores, técnicos esportivos, colegas de trabalho e supervi
sores. Talvez você também seja uma dessas pessoas. Quando
esses eventos acontecem, sempre machucam. Não podemos
dispensá-los com uma expressão superficial: “Deus está no
controle”. Deus está no controle, mas em Seu controle Ele
nos permite experimentar a dor. A dor é bem real. Nós fica
mos machucados, sofremos. Porém, em meio ao nosso sofri
mento, precisamos crer que Deus está no controle e que Ele
é soberano.
Novamente conforme disse a autora Margaret Clarkson de
maneira tão bela:
A soberania de Deus é a rocha inabalável na qual o cora
ção humano sofrido precisa se agarrar. As circunstâncias
que nos rodeiam não são acidentes: elas podem ser obras
malignas, mas elas estão firmemente dentro da poderosa
mão do nosso Deus soberano... Todo mal está sujeito a Ele,
e o mal é incapaz de tocar os Seus filhos a menos que Ele
permita. Deus é o Senhor da história humana e da história
pessoal de cada membro de Sua família redimida3.
Da mesma maneira que os atos perversos deliberados de
outros estão sob o controle soberano de Deus, assim estão
também os erros e falhas de outras pessoas. Um motorista
passou no sinal vermelho, acertou o seu carro e fez você ir
parar no hospital com fraturas múltiplas? Um médico falhou
em detectar seu câncer nos estágios iniciais, quando ele ainda
seria tratável? Você acabou pegando um professor incompe
tente numa matéria extremamente importante na faculdade,
ou um supervisor incapaz que atrapalhou sua carreira profis
sional? Todas essas circunstâncias estão sob a mão controla
dora do nosso Deus soberano, que está operando-as em nossa
vida para o nosso bem.
Nem as ações perversas intencionais nem os erros não
intencionais das pessoas conseguem atrapalhar o propósito
de Deus para nós. “Não há sabedoria, nem inteligência, nem
mesmo conselho contra o S e n h o r ” (P v 21.30). O governador
romano Félix deixou Paulo na prisão por mais de dois anos.
Félix cometeu um ato completamente injusto, porque deseja
va favorecer os judeus (At 24.27). José foi deixado na prisão
durante dois anos, pois o copeiro do Faraó se esqueceu dele
(Gn 40.14, 23; 41.1). Esses dois homens piedosos foram deixa
dos na prisão definhando, um por uma injustiça deliberada
e o outro por um esquecimento indesculpável, mas ambas as
3. Clarkson, Margaret, Grace Grows Best iti Wititer, Eerdmans, Grand Rapids, MI,
1984, pp. 40,41.
situações de aflição estavam sob o controle soberano de um
Deus infinitamente sábio e amoroso.
Nada é pequeno ou trivial demais para escapar da atenção
do controle soberano de Deus; nada é grande demais para es
tar além de Seu poder divino de controlá-lo. O pardal insig
nificante é incapaz de cair no chão sem que Deus o permita;
o poderoso império romano seria incapaz de crucificar a Je
sus Cristo a menos que fosse dado por Deus poder para isso
(Mt 10.29; Jo 19.10,11). Aquilo que é verdade em relação ao par
dal e a Jesus, é verdade em relação a você e a mim. Nenhum
detalhe da sua vida é insignificante demais para a atenção do
Pai celestial; nenhuma circunstância é grande demais a ponto
dEle não ser capaz de controlá-la.
Num espaço de dois dias recebi notícias de situações trági
cas na vida de dois amigos meus. A esposa de um deles morreu
instantaneamente quando seu carro aparentemente apagou so
bre os trilhos do trem numa passagem de nível quando o trem
estava vindo em sua direção. Meu outro amigo é motorista de
caminhão autônomo, lutando para sobreviver em seu negócio.
Numa viagem recente, seu caminhão quebrou e precisou de
consertos caros. O custo do reparo eliminou completamente
o lucro que ganharia com aquela entrega.
Obviamente, as conseqüências desses dois eventos não po
dem ser comparadas. O batalhador motorista de caminhão
concordaria que nenhuma quantia de dinheiro perdida se
compararia à perda de uma esposa preciosa. Contudo o que
dizer a esses homens, cada qual lutando com seu conjunto
singular de circunstâncias, sobre a soberania de Deus? Pode
mos simplesmente dizer para um deles que foi um “trágico
acidente” e para o outro que foi “faltade sorte”?
Será que somos realmente deixados à mercê de carros que
apagam, de caminhões que quebram, de pessoas que estão em
posição para nos ferir e que tem a intenção de fazê-lo? Não!
Mil vezes não! Nós estamos nas mãos de um Deus soberano
que controla cada circunstância da nossa vida e que Se alegra
em nos fazer o bem (Jr 32.41).
A SOBERANIA DE DEUS NEM SEMPRE É EVIDENTE
Um dos nossos problemas com a soberania de Deus é que
frequentemente não parece que Deus está no controle das
circunstâncias de nossas vidas. Vemos pessoas injustas, não
amorosas ou até claramente perversas fazendo coisas que nos
atingem diretamente. Experimentamos as conseqüências dos
erros e falhas dos outros. Nós mesmos fazemos coisas tolas e
pecaminosas e sofremos com frequência as amargas conse
qüências de nossas ações. É difícil enxergar Deus trabalhando
por meio de causas secundárias e seres humanos frágeis e pe
caminosos. Porém, é exatamente a capacidade divina de orga
nizar as inúmeras ações humanas para cumprir Seu propósito
que torna a soberania de Deus maravilhosa e misteriosa. Ne
nhum cristão que acredita na Bíblia tem qualquer dificuldade
em crer que Deus pode fazer e fez milagres, exemplos de Sua
intervenção soberana, mas direta nas questões referentes aos
Seus filhos. Seja qual for a nossa posição teológica em relação
aos milagres que ocorrem hoje, todos nós aceitamos sem ques
tionar a validade dos milagres registrados na Bíblia. Todavia,
crer na soberania de Deus quando não enxergamos Sua inter
venção direta, quando Deus está, por assim dizer, trabalhando
completamente nos bastidores através de circunstâncias co
muns e de ações normais das pessoas, é ainda mais importante
porque essa é forma mais comum de Deus operar.
Alexander Carson, um escritor do século xix, em seu li
vro Confidence in God in Times o f Danger, declara: “A sabe
doria do homem é incapaz de enxergar como a providência
de Deus é capaz de ordenar as ações humanas de maneira a
cumprir Seu propósito sem qualquer milagre”4. Por exemplo:
certa escritora, comentando sobre um acidente no qual seu
carro foi atingido por outro que havia passado o sinal ver
melho supôs que para Deus protegê-la, Ele deveria ter feito
com que o carro que passou o sinal subitamente criasse asas
para assim voar por cima do carro dela sem atingi-la. O que
está implícito nessa afirmação é que Deus é repentinamente
confrontado com uma crise na vida de um de Seus filhos e
não possui qualquer recurso a não ser realizar um milagre ou
deixar que aquela crise aconteça.
Deus permitiu que aquela crise acontecesse na vida dela,
mas não porque era incapaz de evitá-la. Em Sua soberania, Ele
poderia ter alterado o momento da chegada do outro moto
rista naquele cruzamento, ou mesmo desviado um deles por
outro caminho se Ele assim quisesse. Nenhum de nós percebe
tais eventos em nossas próprias vidas (quem sabe centenas de
les) nos quais fomos, sem nem ao menos saber, poupados da
adversidade ou da tragédia através da invisível mão soberana
de Deus. Conforme disse o salmista:
Ele não permitirá que os teus pés vacilem;
não dormitará aquele que te guarda.
É certo que não dormita,
nem dorme o guarda de Israel.
{Sl 121.3-4)
Sem sombra de dúvida, um dos motivos pelos quais o li
vro de Ester é incluído no cânon bíblico é para nos ajudar a
enxergar a mão soberana de Deus operando nos bastidores,
cuidando do Seu povo. Uma das coisas mais espantosas sobre
4. Carson, Alexander, Cnnfidence in Gnd in Times ofDan^er Reiner, Swengel, PA, 1975,
p. 25.
o livro é que o nome de Deus sequer é mencionado. Todavia,
o leitor observador enxerga a mão de Deus em cada circuns
tância, trazendo livramento para Seu povo, da mesma maneira
que Ele, séculos antes, livrou o Seu povo do Egito, por meio de
poderosos milagres. Deus estava agindo soberanamente atra
vés de circunstâncias comuns na época de Ester, assim como
Ele operou por meio de milagres na época de Moisés.
O clímax do livro de Ester é o capítulo 6. Antes dos even
tos daquela noite registrados nesse capítulo, a vida de todos
os judeus, em todo o Império Persa do rei Assuero, corria
perigo devido a um plano diabólico de um homem perverso,
Hamã, que havia sido recentemente elevado a uma posição
de destaque entre os nobres no reino. Porém, no capítulo 6,
os eventos começam a mudar, chegando, por fim, à queda
e morte do perverso Hamã, à salvação física dos judeus e à
promoção de Mordecai (o herói da história) para a segunda
posição mais elevada no reino.
Uma vez que a série de eventos registrados em Ester capí
tulo 6 revela a maneira notável como Deus usa soberanamen
te as circunstâncias mais comuns para realizar Seu propósito,
olharemos para tais circunstâncias mais detalhadamente.
Naquela noite fatídica, o rei Assuero não conseguia dor
mir, então ele ordenou que o livro das crônicas do seu reinado
fosse trazido e lido para ele. Durante a leitura, ele descobriu
que Mordecai, que corria o risco de ser enforcado na manhã
seguinte, havia numa ocasião anterior delatado uma conspi
ração para assassinar o rei. O rei perguntou que recompensa
havia sido dada a Mordecai e descobriu que nada havia sido
feito. Então, naquele mesmo instante, o rei resolveu honrar
Mordecai e, acabou que o próprio homem que estava determi
nado a enforcá-lo, acabou executando a ordem real de honrar
publicamente a Mordecai.
Considere o que precisou acontecer para salvar Mordecai
da forca. Por que o rei não conseguiu dormir naquela noite
fatídica? Por que, então, ele escolheu a leitura tediosa dos fa
tos, em lugar de uma música suave que lhe ajudasse a dormir?
Quando o livro das crônicas de seu reino foi lido, por que o
leitor leu exatamente o trecho específico onde estavam re
gistradas as ações de Mordecai? Qual era a probabilidade do
leitor ter escolhido outra porção dos anais do império Persa
para ler?
O rei ouviu sobre os serviços prestados por Mordecai e
perguntou como ele havia sido recompensado. Por que o rei
não recompensou Mordecai no momento em que ele salvou
a vida do rei? Por que resolveu fazer algo a respeito repenti
namente? Por que o perverso Hamã apareceu naquele mo
mento para pedir permissão ao rei para enforcar Mordecai?
Por qual motivo Assuero perguntou a Hamã o que deveria
ser feito para honrar o homem de forma a ocultar o objeto
de seu favor, fazendo Hamã pensar que ele era a pessoa que
seria honrada?5
A resposta para todas essas perguntas é que Deus estava
orquestrando soberanamente os eventos daquela noite para
salvar o Seu povo. Entretanto, a pergunta natural surge: “Será
que Deus sempre orquestra os eventos da minha vida para o
meu bem?” Se considerarmos que o desdobramento inco-
mum dos eventos em Ester se deve à mão soberana de Deus,
podemos logicamente concluir que Deus sempre orquestra os
eventos da nossa vida para cumprir Seu propósito? De acordo
com Rm 8.28, a resposta é um “sim” convicto. O versículo diz:
“Sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles
que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu
propósito” (ênfase acrescentada). Esta é a segurança de que
Deus trabalha em todos os eventos da nossa vida que fornece
5. Reconheço minha dívida a Alexander Carson e seu livro Confidence in God in Time
ofD anper por algumas ideias nesta análise do capítulo 6 de Ester.
sentido à exortação de Paulo: “Em tudo, dai graças” (1 Ts 5.18,
ênfase acrescentada). Como poderíamos dar graças a Deus
por todas as circunstâncias de nossas vidas se Ele não estivesse
operando nelas para o nosso bem?
DEUS AGE CONFORM E LHE AGRADA
Sendo assim, ninguém é capaz de agir e nenhuma circunstân
cia pode acontecer fora dos limites da vontade soberana de
Deus. Porém, esse é apenas um lado da Sua soberania. O outro
lado, que é tão importante quanto o nosso confiar nEle, é que
nenhum plano de Deus pode ser frustrado. Deus age conforme
Lhe agrada, somente coforme Lhe agrada e ninguém é capaz
de frustrar Seus planos ou atrapalhar Seuspropósitos.
Novamente, visto que esse conceito é difícil de aceitar e
normalmente é questionado, será útil considerar uma série
de passagens da Bíblia sobre o assunto.
Bem sei que tudo podes,
e nenhum dos teus planos pode ser frustrado.
(Jó 42.2)
No céu está o nosso Deus
e tudo fa z como lhe agrada.
(Sl 115.3)
Porque o Senhor dos Exércitos o determinou;
quem, pois, o invalidará?
A sua mão está estendida;
quem, pois, a fa rá voltar atrás?
(Is 14.27)
Ainda antes que houvesse dia, eu era;
e nenhum há que possa livrar alguém das minhas mãos;
agindo eu, quem o impedirá?
(Is 43.13)
[Eu sou Deus] que desde o princípio anuncio
o que há de acontecer
e desde a antiguidade, as coisas que ainda não sucederam;
que digo: “o meu conselho permanecerá de pé,
farei toda a minha vontade".
(Is 46.10)
Todos os moradores da terra
são por ele reputados em nada;
e, segundo a sua vontade,
ele opera com o exército do céu
e os moradores da terra;
não há quem lhe possa deter a mão,
nem lhe dizer: “Que fazes?"
(Dn 4.35)
nEle, digo, no qual fom os também feitos herança,
predestinados segundo o propósito daquele que fa z todas
as coisas conforme o conselho da sua vontade.
(E fl.l l)
Nenhum plano de Deus pode ser frustrado; quando Ele
age, ninguém é capaz de impedir; ninguém é capaz de segu
rar a Sua mão e fazer com que Ele preste conta por Suas ações.
Deus age conforme Lhe agrada, somente conforme Lhe agra
da, e opera em todos os eventos para realizar a Sua vontade.
Uma afirmação tão desprovida de explicações e tão limitada
como essa da soberania de Deus certamente nos assustaria
se fosse somente isso que soubéssemos a Seu respeito. No
entanto, Deus não é apenas soberano, Ele é perfeito em amor
e infinito em sabedoria.
Conforme vimos no capítulo anterior, o Rabino Kushner
relacionou um tipo de soberania limitada à natureza. Ele disse:
“A natureza é moralmente cega, sem valores. Ela vai em frente,
seguindo suas próprias leis, pouco se importando com quem
ou com o quê encontra no seu caminho”. Entretanto, Deus Se
importa. Deus exerce Sua soberania para a Sua glória e para
o bem do Seu povo.
Contudo, como esse aspecto da soberania de Deus (especi
ficamente, Deus age conforme Lhe agrada) está relacionado à
nossa confiança nEle? Por que essa afirmação é mais que algo
meramente abstrato sobre Deus a ser discutido pelos teólo
gos, mais que uma afirmação que tem pouca relevância para
a nossa vida cotidiana?
A resposta é que Deus tem um propósito e um plano para
você, e Deus tem o poder para executar esse plano. Uma coisa
é saber que nenhuma pessoa ou circunstância foge do con
trole soberano de Deus; outra coisa é perceber que nenhuma
pessoa ou circunstância é capaz de frustrar o plano de Deus
para a nossa vida.
Deus possui um plano abrangente para todo crente: nos
conformar à imagem de Seu Filho, Jesus Cristo (Rm 8.29). Ele
também possui um propósito específico para cada um de nós
que é o Seu plano específico, feito sob medida para a nossa
vida pessoal (Ef 2.10). Deus cumprirá esse propósito. Como
diz o Sl 138.8: “O que a mim me concerne o S e n h o r levará a
bom termo”. Por sabermos que Deus direciona nossa vida para
um fim específico e porque sabemos que Ele é soberanamente
capaz de orquestrar os eventos de nossa vida de acordo com
esse fim, podemos confiar nEle. Podemos entregar a Ele não
apenas o resultado final de nossa vida, mas também todos
os eventos e circunstâncias intermediários que nos levarão
àquele resultado.
Mais uma vez afirmo que é difícil apreciarmos a realida
de de Deus agindo soberanamente conforme Lhe agrada na
nossa vida, pois não enxergamos Deus fazendo coisa alguma.
Pelo contrário, vemos a nós mesmos e outros agindo e os
eventos acontecendo, e avaliamos nossas ações e eventos de
acordo com nossas preferências e nossos planos. Nós nos ve
mos influenciando ou quem sabe até controlando, ou sendo
controlados pelas ações dos outros, mas não enxergamos Deus
agindo. Acima de todas as ações e eventos de nossa vida, Deus
está no controle agindo conforme Lhe agrada - não distante
dos eventos, ou apesar deles, mas através deles. Os irmãos de
José o venderam como escravo, um ato perverso em si, mas
no tempo devido, José reconheceu que Deus estava agindo
através das ações de seus irmãos. Ele pôde dizer aos irmãos:
“Assim, não fostes vós que me enviastes para cá, e sim Deus”
(Gn 45.8). José reconheceu a mão de Deus em sua vida diri
gindo soberanamente todos os eventos para promover o plano
de Deus em sua vida.
Pode ser que jamais tenhamos o privilégio em vida de ver
o desfecho óbvio do plano de Deus para nós, como José teve.
Apesar disso, o plano de Deus para a nossa vida não é menos
firme e o desfecho não é menos preciso que o plano de Deus
para José foi. Deus não nos forneceu a história de José simples
mente para nos informar, mas sim para nos encorajar. “Pois
tudo quanto, outrora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito,
a fim de que, pela paciência e pela consolação das Escrituras,
tenhamos esperança” (Rm 15.4, ênfase acrescentada). O que
Deus fez com José, fará conosco. Para conseguirmos extrair
consolo e novas forças dessa verdade fornecida por Deus, pre
cisamos aprender a confiar nEle. Precisamos aprender a viver,
como disse Paulo: “por fé, e não pelo que vemos” (2 Co 5.7).
A passagem bíblica de Jr 29.11 tem sido ao longo dos anos
uma das mais significativas para mim: “Eu é que sei que pen
samentos tenho a vosso respeito, diz o S e n h o r ; pensamentos
de paz e não de mal, para vos dar o fim que desejais”’. Embo
ra essas palavras tenham sido direcionadas à nação de Judá
em seu cativeiro, elas expressam um princípio sobre Deus,
princípio reiterado ao longo de toda a Bíblia: Deus possui
um plano para você. Pelo fato de Ele ter um plano para você,
e porque ninguém é capaz de frustrar esse plano dEle, você
também pode ter esperança e coragem. Você, também, pode
confiar em Deus.
A partir do nosso ponto de vista limitado, nossa vida é
marcada por uma série interminável de contingências. Nor
malmente nos pegamos, em vez de agir conforme planejamos,
reagindo a uma mudança inesperada de eventos. Fazemos
planos, mas normalmente somos forçados a alterá-los. No
entanto, para Deus não há contingências. Nossa mudança
de planos inesperada e forçada é parte do plano de Deus. Ele
jamais é surpreendido; jamais é pego desprevenido; jamais é
frustrado por desdobramentos inesperados. Deus age confor
me Lhe agrada, e aquilo que Lhe agrada sempre existe para a
Sua glória e para o nosso bem.
Nossa vida também está misturada com uma série de “se
ao menos”. “Se ao menos eu tivesse feito isso”, ou “se ao menos
aquilo não tivesse acontecido”. Mais uma vez, para Deus não
há “se ao menos”. Deus jamais erra; Deus não Se arrepende.
“O caminho de Deus é perfeito” (SI 18.30). Nós podem os con
fiar em Deus. Ele é digno de confiança.
Assim como o livro de Ester nos mostrou o cuidado sobe
rano de Deus para com o Seu povo, o breve livro de Rute nos
mostra Deus operando para cumprir Seu plano na vida de um
de Seus filhos. Em certo sentido, o livro de Rute é mais instru
tivo do que o de Ester porque ele nos fornece uma percepção
da soberania de Deus em ação em circunstâncias mais comuns
do que aquelas descritas no livro de Ester.
Você se recorda de que Rute era a nora enlutada de Noe
mi, que proferiu as palavras conhecidas: “porque, aonde quer
que fores, irei eu e, onde quer que pousares, ali pousarei eu;
o teu povo é o meu povo, o teu Deus é o meu Deus” (Rt 1.16).
Para entendermos melhor Deus trabalhando na vida de Rute,
precisamos ler Rt 2.1-10:
Tinha Noemi um parente de seu marido, senhor de muitos
bens, da fam ília de Elimeleque, o qual se chamava Boaz.
Rute, a moabita, disse a Noemi: Deixa-me ir ao
campo, e apanharei espigas atrás daquele que mo
favorecer. Ela lhe disse: Vai, minha filha!
Ela se foi, chegou ao campo e apanhava após os
segadores; por casualidade entrou na parte que pertenciaa Boaz, o qual era da fam ília de Elimeleque.
Eis que Boaz veio de Belém e disse aos segadores:
O Senhor seja convosco!...
Depois, perguntou Boaz ao servo encarregado dos
segadores: De quem é esta moça?
Respondeu-lhe o servo: Esta é a moça moabita que veio
com Noemi da terra de Moabe.
Disse-me ela: Deixa-me rebuscar espigas e ajuntá-las
entre as gavelas após os segadores. Assim, ela veio; desde
pela manhã até agora está aqui, menos um pouco que
esteve na choça.
Então, disse Boaz a Rute: Ouve, filha minha, não vás
colher em outro campo, nem tampouco passes daqui;
porém, aqui fc a rá s com as minhas servas.
Estarás atenta ao campo que segarem e irás após elas.
Não dei ordem aos servos, que te não toquem? Quando
tiveres sede, vai às vasilhas e bebe do que os servos tiraram.
Então, ela, inclinando-se, rosto em terra, lhe disse:
Como é que me favoreces e fazes caso de mim, sendo eu
estrangeira?
Concluindo rapidamente a história, Rute se casa com Boaz
e se torna a bisavó do rei Davi e uma das quatro mulheres
relacionadas no registro genealógico de Mateus a respeito de
Jesus (Mt 1.1-16).
Observe na passagem citada, quatro eventos-chave que
aconteceram para que Rute começasse o processo de se tornar
esposa de Boaz. Quando Rute foi ao campo para colher, ela
poderia ter ido para outro campo. O versículo 3 diz: “por ca
sualidade entrou na parte que pertencia a Boaz”. Deus a guiou
para o campo correto. Porém, ela ainda precisava se encontrar
com Boaz, então o versículo 4 diz: “Eis que Boaz veio de Be
lém”. Deus que controlava o caminho de Rute de forma que
ela fosse ao campo de Boaz, controlou a agenda de Boaz de
forma que ele foi verificar sua colheita no mesmo momento
em que Rute ali estava.
No entanto Rute ainda precisava obter a atenção de Boaz.
Sem sombra de dúvida, muitos pobres se ajuntavam no
campo de Boaz uma vez que deixar as espigas que caíam para
trás fazia parte da lei Mosaica (Lv 19.9,10), portanto um even
to comum na vida de Israel. Supomos que um dono de terras
como Boaz geralmente não notaria uma pobre mulher co
lhendo os restos da colheita. Porém, Boaz repara em Rute;
versículo 5: “Depois, perguntou Boaz ao servo encarregado
dos segadores: De quem é esta moça?” Nos versículos 8-10,
finalmente vemos Boaz respondendo favoravelmente a Rute.
O local correto, o momento exato, ser notada e obter o favor
de Boaz eram todos elementos-chave na cadeia de eventos que
resultaram no casamento de Rute com Boaz. Nenhum desses
eventos era extraordinário e todos pareciam ter “simplesmente
acontecido”, nada mais do que uma simples coincidência numa
história romântica. No entanto, o leitor atento das Escrituras
não pode deixar de ver a mão soberana de Deus ordenando
tais circunstâncias comuns para realizar o Seu propósito. A
própria Noemi, embora não ciente naquele momento do pla
no futuro de Deus para Rute e Boaz, atribui os eventos à mão
de Deus (Rt 2.20).
As histórias de Ester e Mordecai e de Rute e Boaz termi
nam bem. Somos capazes de enxergar a mão de Deus atuan
do naqueles eventos. Entretanto, o que dizer das histórias que
não terminam bem? Deus também é soberano em momen
tos assim? Essa pergunta é crucial. É fácil confiar em Deus
quando uma série de eventos termina conforme desejado,
mesmo que nossa fé falhe durante o processo até conhecer
mos o desfecho.
Considere, por exemplo, as histórias de dois apóstolos, Tia
go e Pedro, conforme registrado em At 12. O relacionamento
próximo deles antecedia seu apostolado, pois eram sócios no
empreendimento de pesca (Lc 5.10). Eles foram chamados por
Jesus para deixar seus negócios e segui-Lo ao mesmo tempo
(Mt 4.18-22). Ambos faziam parte do círculo mais íntimo de
Jesus; Pedro, Tiago e João. Porém, em At 12, eventos radical
mente diferentes acontecem com eles. Tiago é morto e Pedro
é miraculosamente salvo do mesmo fim.
Coloque-se no lugar das esposas de Tiago e de Pedro. Uma
delas está lamentando o assassinato do marido; a outra se
regozija por causa do livramento miraculoso do marido. A
esposa de Pedro se regozija na soberania de Deus, mas e a es
posa de Tiago? Será que Deus foi um pouco menos soberano
na morte de Tiago do que no livramento de Pedro? Será que
Deus é soberano apenas nas circunstâncias “boas” da nossa
vida? Ele também não é soberano nos momentos difíceis, nos
momentos quando nosso coração sofre com a dor?
A Bíblia nos ensina que Deus é soberano tanto no “bom”
quanto no “ruim”. Considere as seguintes passagens bíblicas:
No dia da prosperidade, goza do bem;
mas, no dia da adversidade,
considera em que Deus fe z tanto este como aquele,
para que o homem nada descubra
do que há de vir depois dele.
(.Ec 7.14)
Eu form o a luz e crio as trevas;
faço a paz e crio o mal;
eu, o Senhor , faço todas estas coisas.
(Is 45.7)
Acaso, não procede do Altíssimo tanto o mal como o bem ?
(Lm 3.38)
Essas três passagens afirmam claramente o que é ensinado
como princípio em toda a Bíblia. Deus controla tanto o bem
quanto o mal. Deus não está olhando em outra direção ou é
pego de surpresa quando a adversidade nos atinge. Ele está
no controle daquela adversidade, dirigindo-a para a Sua gló
ria e para o nosso bem.
Voltemos, então, para a esposa de Tiago. Ela, também, pre
cisa confiar em Deus e em Seu controle soberano quanto à
vida e a morte de seu marido. Confiar em Deus não significa
que ela não sofra tristeza, que seu coração não doa. Significa
que, em meio à dor e ao sofrimento, ela seja capaz de dizer
algo como: “Senhor, sei que o Senhor estava no controle deste
evento terrível. Não compreendo porque o Senhor permitiu
que isso acontecesse, mas confio no Senhor”.
Admito mais uma vez que é difícil crer que Deus está no
controle quando estamos no meio da ansiedade, da tristeza
ou da dor. Eu mesmo já lutei com isso muitas vezes. Por causa
dos meus horários, a maior parte do tempo que tenho para
escrever se dá de modo intermitente, “um pouco aqui, um
pouco ali”. Por causa disso, este capítulo em particular foi es
crito e reescrito ao longo de seis semanas ou mais. Durante
esse tempo eu mesmo precisei refletir sobre a soberania de
Deus em duas ocasiões específicas. Em cada uma delas percebi
que conhecia a verdade sobre a soberania de Deus. O que eu
tinha de fazer era decidir se iria confiar nEle, mesmo quando
o meu coração agonizava.
Percebi por uma nova perspectiva que, assim como deve
mos aprender a obedecer a Deus a cada escolha que fazemos,
devemos também aprender a confiar em Deus em cada cir
cunstância. Confiar em Deus não é uma questão dos meus
sentimentos, mas da minha vontade. Nunca senti vontade de
confiar em Deus quando a adversidade me atacava, mas posso
escolher fazer isso mesmo quando não sinto vontade. Esse ato
da vontade, entretanto, precisa se basear no crer e esse crer se
baseia na verdade.
A verdade em que precisamos crer é que Deus é sobera
no. Ele executa Seus próprios bons propósitos sem jamais ser
frustrado, Ele direciona e controla todos os eventos e todas
as ações de Suas criaturas de forma que nunca agem fora da
Sua vontade soberana. Precisamos crer nisso e nos agarrar
mos a isso diante da adversidade e da tragédia, se quisermos
glorificar a Deus, confiando nEle.
Farei a próxima afirmação da maneira mais gentil e com
passiva que posso. Nossa primeira prioridade nos momentos
de adversidade é honrar e glorificar a Deus, confiando nEle.
Temos a tendência de tornar nossa primeira prioridade o obter
alívio dos nossos sentimentos de dor, de desapontamento ou
de frustração. Esse é um desejo natural, Deus prometeu nos
conferir graça suficiente para nossas provações e para a nos
sa ansiedade (2 Co 12.9; Fp 4.6-7). Entretanto, assim como a
vontade de Deus deve ter precedência sobre a nossa vontade
(em Mt 26.39, Jesus mesmo disse: “Todavia, não seja como
eu quero, e sim como tu queres”), da mesma forma a honra
de Deus deve ter precedência sobre nossos sentimentos. Nós
honramos a Deus escolhendo confiar nElequando não com
preendemos o que Ele está fazendo ou porque Ele permitiu
que alguma circunstância adversa acontecesse. À medida que
buscamos a glória de Deus, podemos estar certos de que Ele
tem em mente o nosso bem e que não será frustrado no cum
primento desse propósito.
UMA PALAVRA DE CAUTELA
O conteúdo deste capítulo é “difícil”. Ele deve ser lido, estuda
do e deveríamos orar a respeito deste assunto mesmo quando
a vida segue a sua rotina. Ele deve ser guardado e protegido
em nosso coração (SI 119.11) para o momento de adversidade,
quando precisarmos recorrer à essa verdade.
Acima de tudo, precisamos ser muito sensíveis ao instruir
alguém sobre a soberania de Deus e encorajar tal pessoa a
confiar em Deus quando estiver no meio da adversidade ou da
dor. É muito mais fácil confiar na soberania de Deus quando a
outra pessoa é quem está sofrendo. Precisamos ser como Jesus,
de Quem foi dito: “Não esmagará a cana quebrada” (Mt 12.20).
Não sejamos culpados de esmagar a cana quebrada (um cora
ção pesado) por meio de um tratamento insensível da densa
doutrina da soberania de Deus.
C A P Í T U L O Q U A T R O
A SOBERANIA DE DEUS
SOBRE AS PESSOAS
Como ribeiros de águas, assim é o coração do rei
na mão do Se n h o r ; este, segundo o seu querer, o inclina.
P v ll.l
T ente se imaginar na seguinte situação: você trabalhou para
uma mesma pessoa durante toda a sua vida; esse chefe tem
sido extremamente cruel com você, os salários pagos mal da
vam para sobreviver, e você se sente muito humilhado e opri
mido. Em suma, na realidade você não passa de um escravo.
De repente, você é liberto dessa situação quase insuportável.
Você está livre para ir embora e começar uma vida nova. Exis
te apenas um problema, você não possui recursos financeiros,
nenhuma condição de viajar, nenhuma reserva para começar
algo novo em outro lugar, nenhuma maneira de se beneficiar
dessa oportunidade incrível.
Então, você volta ao seu patrão, pede a ele recursos para a
viagem e para começar algo assim que você chegar num outro
local. E, por mais incrível e improvável que pareça, seu pa
trão lhe dá o dinheiro. Ele não dá só um pouco. Ele dá muito!
É tanto dinheiro que ele acaba ficando pobre.
Parece algo inacreditável, não é? Parece uma história infantil
com um final “e viveram felizes para sempre”, do tipo que jamais
acontece na vida real. Só que essa aconteceu; não com os detalhes
exatos que usei, mas em princípio sim. Essa história realmente
aconteceu e foi registrada para nós na Bíblia, no livro de Êxodo.
Você conhece a história: os israelitas eram um povo cruelmente
oprimido, forçado a “fazer tijolos sem palha” De repente, Deus
intervém na vida deles e o Faraó diz: “saiam!” Porém os israelitas
não tinham recursos para a viagem, para começar do zero; eles
eram muito pobres. Entretanto, Deus havia antevisto o problema
e fez planos para superá-los. Ele havia dito a Moisés:
Eu darei mercê a este povo aos olhos dos egípcios; e, quan
do sairdes, não será de mãos vazias. Cada mulher pedirá à
sua vizinha e à sua hóspeda jó ias de prata, e jó ias de ouro, e
vestimentas; as quais poreis sobre vossos filhos e sobre vossas
filhas; e despojareis os egípcios (Êx 3.21,22).
E o que Deus prometeu veio mesmo a acontecer. Êxodo
12.35,36 diz:
Fizeram, pois, os filhos de Israel conforme a palavra de Moi
sés e pediram aos egípcios objetos de prata, e objetos de ouro,
e roupas. E o Senhor fez que seu povo encontrasse favor da
parte dos egípcios, de maneira que estes lhes davam o que
pediam. E despojaram os egípcios.
DEUS IMPELE AS PESSOAS
Os egípcios fizeram algo completamente contrário ao compor
tamento humano normal. Eles deram, de forma voluntária e li
vre, aos escravos oprimidos aquilo que haviam pedido, a ponto
de o registro bíblico dizer que eles “despojaram” os egípcios. O
significado comum de despojar é roubar, confiscar ou tomar à
força; todavia, os egípcios se autodespojaram. Eles assim pro
cederam porque Deus os fez favoráveis aos israelitas.
Como Deus fez isso? Não sabemos. Sabemos apenas o que
o texto nos diz. É claro que os egípcios agiram de maneira livre
e voluntária, por vontade própria. Todavia, eles agiram assim
porque, conforme nos diz o texto: “O Senhor fez que seu povo
[os israelitas] encontrasse favor da parte dos egípcios”. Deus,
de maneira misteriosa, moveu o coração dos egípcios de for
ma que, por livre escolha, eles fizeram exatamente aquilo que
Deus havia planejado que fizessem. Deus interveio sobrena
turalmente no coração dos egípcios, no desejo e na vontade,
para cumprir Seu propósito para os israelitas.
Por vezes, todos nós temos a sensação de que o nosso fu
turo está nas mãos de outra pessoa. A decisão e ação dessa
pessoa determinarão se obterei uma nota boa ou ruim, se serei
promovido ou despedido, se minha carreira irá crescer ou su
cumbir. Não estou ignorando nossa própria responsabilidade
nessas situações, mas sabemos que mesmo quando demos o
melhor de nós mesmos, por assim dizer, ainda dependemos
da aprovação ou da desaprovação do professor, do patrão ou
superior. Do ponto de vista humano, estamos à mercê do pró
ximo e de suas ações e decisões.
Em algumas situações, tais ações ou decisões são bene
volentes e boas; por vezes, são perversas ou indiferentes. Em
ambos os casos, elas exercem influência sobre nós, e, via de
regra, de forma significativa. Como devemos reagir quando
aparentemente nos encontramos nas mãos de outra pessoa,
quando precisamos urgentemente de uma decisão ou ação
favorável dela? Podemos confiar que Deus é capaz e efeti
vamente trabalhará no coração da pessoa de forma que Seu
plano para a nossa vida seja realizado?
Ou considere o caso de quando alguém quer nos ferir, ar
ruinar nossa reputação, ou colocar em risco a nossa carrei
ra. Podemos confiar que Deus intervirá no coração daquela
pessoa de forma que ela não coloque em prática seu plano
perverso? De acordo com a Bíblia, para as duas perguntas a
resposta é afirmativa. Podemos confiar em Deus. Ele inter
vém soberanamente no coração das pessoas de forma que elas
tomem decisões e ajam de maneira a cumprir Seu propósito
para a nossa vida. Deus, todavia, faz isso de maneira que tais
pessoas tomem decisões e executem seus planos por escolha
livre e voluntária.
Reconheço que uma afirmação assim ousada acerca da so
berania de Deus me coloca na mente das pessoas numa areia
movediça teológica. Muitos estão prontos para conceber a
soberania de Deus sobre a natureza e sobre circunstâncias im
pessoais, tais como uma falha mecânica de um avião. Afinal
de contas, a natureza não possui vontade própria. Deus está
livre para agir através de Suas leis físicas, conforme Lhe agra
da. Porém, hesitamos em aceitar a soberania de Deus sobre
as decisões e ações das pessoas. Para muitos, esse conceito da
soberania de Deus parece destruir o livre arbítrio do homem,
transformando-o apenas numa marionete no palco de Deus.
Cristãos debatem e discutem esse assunto ao longo da his
tória. Não me iludo pensando poder acrescentar algo novo ou
uma percepção nova à questão, mas não podemos ignorá-la.
O assunto da influência controladora dos outros sobre nossa
vida é tão universal que não pode ser ignorado num livro sobre
confiança em Deus. Se Deus não é soberano sobre as decisões
e ações dos outros na medida em que exercem influência so
bre nós, então existe uma tremenda porção de nossa vida em
que não podemos confiar em Deus; onde ficamos, por assim
dizer, entregues à nossa própria sorte.
Sendo assim, deixemos o problema teológico de lado por
um instante e examinemos a Bíblia. As Escrituras nos garan
tem que podemos crer que Deus intervém soberanamente
na mente das pessoas de maneira que elas decidam e ajam
de forma a cumprir o plano dEle para a nossa vida? Será que
Deus faz com que as pessoas tomem decisões que nos favo
reçam, e será que Ele impede que as pessoas tomem decisões
que nos prejudiquem?
A afirmação mais clara de queDeus influencia sobera
namente as decisões das pessoas provavelmente se encon
tra em Pv 21.1: “Como ribeiros de águas assim é o cora
ção do rei na mão do S e n h o r ; este, segundo o seu querer, o
inclina”. Charles Bridges, em sua exposição de Provérbios, afir
ma: “A verdade geral [da soberania de Deus sobre o coração
de todas as pessoas] é ensinada por meio da ilustração mais
forte possível - seu domínio irresistível sobre a mais absoluta
de todas as vontades - o coração do rei”1.
Em nossos dias de monarquias limitadas, nas quais reis e
rainhas são apenas pessoas representativas, talvez seja difícil
percebermos completamente a força do que Charles Bridges
está dizendo quando afirma que a vontade do rei é a mais ab
soluta de todas as vontades. Entretanto, na época de Salomão,
o rei era um monarca absoluto. Não havia um corpo legisla
tivo separado para compor leis que ele não gostasse ou uma
Suprema Corte para restringir sua vontade. A palavra do rei
era a lei. Sua autoridade sobre seu reinado era incondicional
e irrestrita.
Ainda assim, Deus controla o coração do rei. A vontade tei
mosa do mais poderoso dos monarcas sobre a terra é tão facil
mente direcionada por Deus quanto um fazendeiro direciona
o curso da água por meio de seus canais de irrigação. Então,
o argumento é do maior para o menor - se Deus controla o
1. Bridges, Charles, An Exposition o f lhe B ook ofProverbs. The Sovereign Grace Book
Club, Evansville, IN, 1959, p. 364.
coração do rei, Ele certamente controla o coração de qualquer
outra pessoa. Tudo caminha, necessariamente, conforme Sua
influência soberana.
Já vimos isso por meio das ações dos egípcios para com
os israelitas. Também vemos a mesma situação no relato de
Ciro, rei da Pérsia, quando fez redigir uma proclamação per
mitindo que os judeus voltassem a Jerusalém para reconstruir
o Templo. Esdras 1.1 diz:
No primeiro ano do reinado de Ciro, rei da Pérsia, a fim de
que se cumprisse a palavra do Senhor fa lada por Jeremias,
o S e n h o r despertou o coração d e Ciro, rei da Pérsia, para
redigir uma proclamação e divulgá-la em todo o seu reino,
nestes termos: (NVI - ênfase acrescentada).
O texto diz claramente que o rei Ciro emitiu a proclamação
porque Deus moveu o seu coração. Humanamente falando, o
destino do povo de Deus estava nas mãos do monarca mais po
deroso da época. Entretanto, na realidade o destino deles estava
completamente nas mãos de Deus, pois Ele tinha a capacidade
de controlar soberanamente as decisões daquele monarca.
Falando por meio do profeta Isaías, Deus nos fornece outra
perspectiva sobre Sua obra no coração de Ciro:
Por am or do meu servo Jacó e de Israel, meu escolhido,
eu te chamei pelo teu nome e te pus o sobrenome,
ainda que não m e conheces
eu te cingirei, ainda que não m e conheces
(Is 45.4,5 - ênfase acrescentada)
Não é necessário que a pessoa reconheça o controle sobe
rano de Deus sobre seu coração ou a existência de Deus. Nem
os egípcios nem Ciro planejavam obedecer qualquer vonta
de revelada de Deus. Eles simplesmente agiram conforme o
coração deles pedia, mas fato é que seus corações foram im
pelidos por Deus.
Enquanto olhamos para Ciro, encontramos outro exem
plo de Deus impelindo o coração das pessoas em resposta à
proclamação de Ciro em favor dos judeus. Esdras 1.5 declara:
“Então, se levantaram os cabeças de famílias de Judá e de Ben
jamim, e os sacerdotes, e os levitas, com todos aqueles cujo
espírito Deus despertou, para subirem a edificar a casa do
S e n h o r , a qual está em Jerusalém”. Ciro poderia redigir uma
proclamação, mas uma resposta dos judeus ainda se fazia ne
cessária. Alguns deles precisariam optar por abandonar o con
forto de suas vidas bem estabelecidas - eles estavam ali havia
setenta anos, cerca de duas gerações - passariam pela jornada
árdua e perigosa de volta a Jerusalém e começariam a difícil
tarefa de reconstrução do Templo. Como Deus garantiria que
isso viesse a acontecer? Ele despertou o coração de algumas
pessoas. Anos mais tarde, encontramos essas pessoas se rego
zijando, pois Deus havia mudado “o coração do rei da Assíria
a favor deles, para lhes fortalecer as mãos na obra da casa de
Deus” (Ed 6.22). Este era um rei posterior, o rei Dario. Sendo
assim, Deus despertou o coração de dois reis, um para começar
o projeto e outro para continuá-lo e Ele despertou o coração
de alguns judeus para executá-lo. Deus impele o coração das
pessoas para realizar o Seu propósito.
Ainda outra ilustração da influência divina no coração de
um oficial pagão encontra-se na história de Daniel. Quando
Daniel resolveu não se contaminar com a comida da mesa
do rei - comida espiritualmente contaminada que havia sido
primeiramente oferecida a ídolos, e quem sabe até prepara
da a partir de animais que os judeus não comiam - ele pe
diu ao oficial permissão para não se contaminar com aquele
alimento. A Bíblia, a respeito disso, comenta: “Ora, Deus con
cedeu a Daniel misericórdia e compreensão da parte do chefe
dos eunucos” (Dn 1.9).
O pedido de Daniel ao chefe dos eunucos era algo difícil,
tão difícil a ponto de o chefe dos eunucos temer primeiramen
te por sua própria vida, caso fosse favorável a Daniel (Dn 1.10).
Ainda assim, ele concedeu o pedido de Daniel. Ele assim o fez
porque Deus impeliu seu coração para que mostrasse favor e
simpatia a Daniel. Ele concedeu o desejo de Daniel porque seu
coração estava realmente nas mãos de Deus, que direcionou
a situação conforme O agradava.
Um exemplo final da Bíblia será suficiente para mostrar que
Deus age soberanam ente na vida tanto do cristão quanto do
incrédulo. Paulo disse acerca de seu colaborador Tito: “Mas
graças a Deus, que pôs no coração de Tito a mesma solicitude
por amor de vós; porque atendeu ao nosso apelo e, mostran
do-se mais cuidadoso, partiu voluntariamente para vós outros”
(2 Co 8.16,17). Paulo atribuiu as duas as ações de Tito a Deus,
tanto que colocou um interesse pelos coríntios no coração de
Tito, quanto ao próprio Tito, que agiu com entusiasmo e por
vontade própria. Tito agiu livremente, todavia, sob o impulso
soberano e misterioso de Deus.
DEUS REFREIA AS PESSOAS
Já vimos que Deus é capaz e que impele o coração das pessoas
para mostrar favor a nós quando esse favor contribuir para
o cumprimento do Seu propósito. Entretanto existe outra di
mensão importante para soberania de Deus no coração das
pessoas; sempre que necessário Deus refreia as ações e deci
sões das pessoas que nos ferem. Uma ocorrência na vida de
Abraão ilustra isso.
Temendo por sua própria vida, Abraão mentiu sobre sua
esposa, Sara, dizendo que ela era sua irmã. Como resultado,
Abimeleque tomou as providências para tomar Sara por es
posa. Deus, entretanto, impediu que Abimeleque executasse
seu plano. Ele disse a Abimeleque:"... daí o ter impedido eu de
pecares contra mim e não te permiti que a tocasses” (Gn 20.6).
Deus não refreou Abimeleque física ou circunstancialmente.
Ele o refreou através de sua mente. Por algum motivo, que
provavelmente nem o próprio Abimeleque entendeu, ele sim
plesmente não prosseguiu no intento de consumar a relação
física com Sara. Deus interveio soberanamente e protegeu a
pureza moral de Sara, que viria a ser a mãe do filho prometido
de Abraão. Deus poderia ter intervindo circunstancialmente
para preservar a pureza de Sara, mas Ele escolheu fazê-lo atu
ando de alguma forma na mente de Abimeleque. Ele refreou
Abimeleque atuando em sua vontade.
Será que Abimeleque estava consciente de que Deus o es
tava refreando? Não, a Bíblia simplesmente declara que ele
não se aproximou dela (Gn 20.4). Abimeleque escolheu por
sua própria e livre vontade não estar com Sara, mas a esco
lha dele estava debaixo do controle soberano de Deus. Esse
incidente é ainda mais surpreendente ao considerarmos que
Abraão colocou Sara nessa situação difícil por causa de sua
própria incredulidade e pecado. Deus não desculpou o peca
do de Abraão, mas Elenão permitiu que isso O impedisse de
intervir na mente de Abimeleque, evitando assim as sérias
conseqüências do pecado.
Em outra situação, o neto de Abraão, Jacó, partiu com sua
família de Siquém para Betei. Dois dos filhos de Jacó haviam
acabado de agir de forma cruel contra o povo daquela terra,
e era esperado que aquele povo procurasse se vingar. Porém,
Gn 35.5 diz: “E, tendo eles partido, o terror de Deus invadiu
as cidades que lhes eram circunvizinhas, e não perseguiram
aos filhos de Jacó”.
Terror ou medo é um estado de espírito normalmente in
duzido por circunstâncias externas. Nesse caso não parece ter
havido qualquer circunstância externa que gerasse tal terror.
Na realidade, aconteceu exatamente o contrário. Alguns ver
sículos antes de Gn 35.5, o próprio Jacó havia dito: “sendo nós
pouca gente, reunir-se-ão contra mim, e serei destruído, eu
e minha casa” (Gn 34.30). Não havia razão para os cananeus
não destruírem Jacó e sua família a fim de vingar o crime co
metido pelos filhos de Jacó, exceto pelo fato de que Deus os
refreou por meio de um temor que não havia como ser expli
cado racionalmente.
Voltando aos reconstrutores para quem olhamos no livro
de Esdras, encontramos outro exemplo da mão refreadora de
Deus. Antes de o rei Dario promulgar seu decreto de que a re
construção do templo não deveria ser interrompida, mas que
deveria inclusive ser assistida pelo tesouro real (Ed 6.6-10), o
governador territorial e outros oficiais questionaram a auto
ridade dos judeus para reconstruir o templo. Eles poderiam
ter impedido a continuidade da reconstrução até receberem
a ordem do rei, mas não o fizeram. Por quê? A Bíblia diz:
“Porém os olhos de Deus estavam sobre os anciãos dos ju
deus, de maneira que não foram obrigados a parar, até que
o assunto chegasse a Dario, e viesse resposta por carta sobre
isso” (Ed 5.5).
Uma das ilustrações mais fortes de Deus refrear pessoas
nos é fornecida num comentário passageiro em Êx 34.23-24.
Diz o texto:
Três vezes no ano, todo hom em entre ti aparecerá peran
te o Senhor Deus, Deus de Israel. Porque lançarei fo ra as
nações de diante de ti e alargarei o teu território; ninguém
cobiçará a tua terra quando subires para comparecer na
presença do Senho r , teu Deus, três vezes no ano (ênfase
acrescentada).
Deus ordenou que todos os homens parassem suas ativi
dades normais três vezes ao ano para comparecer diante dEle.
Para entendermos corretamente a importância dessa ordem, o
equivalente hoje seria como o país inteiro fechar o comércio,
as atividades educacionais, mas acima de tudo, conceder uma
licença a todos os militares simultaneamente, reunindo todos
aqueles homens numa gigantesca assembleia três vezes ao ano.
É fácil percebermos quão vulnerável e indefeso nosso país es
taria diante dos poderes hostis nessas três ocasiões do ano.
Todavia, foi o que Deus ordenou que Israel fizesse. Porém,
juntamente com a ordem Ele prometeu que ninguém cobiça
ria a terra deles durante aqueles instantes enquanto estavam
indefesos. Não apenas nenhuma nação os atacaria, elas nem
sequer desejariam fazê-lo. A cobiça, o desejo maligno de pos
suir algo que pertence à outra pessoa, é uma das emoções mais
profundamente enraizadas no coração humano. O apóstolo
Paulo, que como fariseu poderia falar de sua observância ex
terna perfeita da Lei de Deus (Fp 3.6), acabou exposto como
pecador pelo mandamento-. “Não cobiçarás” (Rm 7.7,8). Ele
poderia se abster do roubo, mas era incapaz de abster-se da
cobiça.
Apesar disso Deus disse que nenhuma nação cobiçaria a
terra dos israelitas, mesmo durante seus momentos indefesos
e vulneráveis. Deus é capaz de refrear não apenas as ações das
pessoas, mas até mesmo seus desejos mais profundamente en
raizados. Nenhuma parte do coração humano é impenetrável
ao controle soberano, porém, misterioso de Deus.
Usei várias ilustrações bíblicas para documentar que Deus
age no coração das pessoas; quer positivamente para que façam
a Sua vontade, quer negativamente refreando-as de fazer o que
é contrário à Sua vontade. Entretanto, com frequência temos
a tendência de ler esses relatos meramente como histórias
bíblicas, sem relacioná-los à nossa vida e às nossas situações.
Porém, conforme vimos, Paulo disse: “Pois tudo quanto, ou-
trora, foi escrito para o nosso ensino foi escrito, a fim de que,
pela paciência e pela consolação das Escrituras, tenhamos es
perança” (Rm 15.4). As histórias de Deus induzindo os egíp
cios para que fornecessem recursos aos israelitas e refreando
as nações vizinhas de invadirem Israel visam nos ensinar e nos
encorajar. Tais histórias têm o propósito de nos ensinar que
Deus é soberano sobre as pessoas e nos encorajar a reconhecer
que Deus exerce Sua soberania para o nosso bem.
DEUS PERMITE 0 MAL?
Obviamente, Deus nem sempre refreia as ações perversas e
nocivas dos outros contra Seus filhos. Vemos isso até mesmo
no relato da reconstrução do templo. Houve um período de
aproximadamente dez anos em que o projeto ficou parado
devido à oposição dos inimigos dos judeus (Ed 4.6-24). Não
sabemos por que Deus permitiu que os inimigos do Seu povo
prevalecessem num momento e os refreou em outro. Já é su
ficiente saber que Deus é capaz e refreia os atos nocivos dos
outros contra nós quando essa é a Sua vontade soberana. Além
disso, Deus, em Sua infinita bondade e amor, em última aná
lise, planeja o bem a partir daqueles atos nocivos.
A ilustração clássica e muito conhecida é a da história de
José. Quando os irmãos de José decidiram vendê-lo como
escravo, Deus não os refreou. Da mesma maneira, Ele não
refreou a esposa de Potifar quando ela o acusou de maneira
maliciosa e injusta. Porém, no tempo dEle, Deus transformou
completamente tais circunstâncias. Deus estava orquestrando
os atos perversos das pessoas exatamente conforme planejou
para cumprir o Seu propósito através de José. Ao final, José
pôde olhar para todos aqueles eventos difíceis e dizer aos ir
mãos: “Vós, na verdade, intentastes o mal contra mim; porém
Deus o tornou em bem, para fazer, como vedes agora, que se
conserve muita gente em vida” (Gn 50.20).
Comentando sobre a história de José, o professor Berkou-
wer disse:
Os irmãos de José planejaram e executaram seus planos;
incitados pela inveja eles se comprometeram de maneira
gradual e irrevogável de acordo com o curso escolhido...
O plano perverso deles obteve realização histórica, mas os
eventos históricos são produto da atividade divina. As boas
intenções de Deus seguem o caminho maligno dos irmãos
ou, pelo contrário, os irmãos seguem inadvertidamente o
caminho traçado por Deus. Eles trabalharam a serviço de
Deus. O propósito de Deus ilumina o horizonte da ativi
dade perversa, invejosa e maliciosa2.
Comentando sobre os mesmos eventos, Alexander Car-
son disse:
A partir da história de José é possível vermos que a mesma
coisa pode vir do homem, por um ponto de vista, e de Deus,
por outro ponto de vista; aquilo que o homem pode fazer
pecaminosamente para ferir o povo de Deus, o próprio
Deus pode usar para o bem do Seu povo. O agir do homem,
todavia, de outro ponto de vista, é o agir de Deus3.
2. Berkouwer, G. C., opus cit., pp. 90,91.
3. Carson, Alexander, The Historv ofPrnvidence. Baker, Grand Rapids, MI, s.d., pp. 96,97.
De acordo com a Bíblia, em certas situações Deus até mes
mo opera no coração de algumas pessoas para que ajam em
obstinação. “Mas Seom, rei de Hesbom, não nos quis deixar
passar por sua terra, porquanto o S e n h o r , teu Deus, endu
recera o seu espírito e fizera obstinado o seu coração, para
to dar nas mãos, como hoje se vê” (Dt 2.30). E, novamente,
“Porquanto do S e n h o r vinha o endurecimento do seu cora
ção para saírem à guerra contra Israel, a fim de que fossem
totalmente destruídos e não lograssem piedade alguma; antes,
fossem de todo destruídos, como o S e n h o r tinha ordenado
a Moisés” (Js 11.20).
Certamente existem coisas de difícil compreensão em am
basas passagens. Meu propósito não é tentar explicar, mas sim
mostrar novamente o ensino bíblico coerente de que Deus é
capaz e age sobre o coração e a mente das pessoas para cum
prir Seus propósitos. Todavia, parece igualmente claro a par
tir dessas passagens que Deus faz isso sem violar ou coagir a
vontade das pessoas. Ele opera de forma misteriosa através
da vontade das pessoas para atingir Seus propósitos. Não há
dúvida de que Seom e os reis cananeus queriam fazer exata
mente o que a Bíblia diz que Deus os fez fazer.
Deus nunca está em desvantagem por não encontrar al
guém que coopere com Ele para a execução do Seu plano. Ele,
então, age no coração das pessoas - cristãos ou incrédulos, não
faz qualquer diferença - para que deliberadamente, de sua
própria vontade executem o Seu plano. Você precisa contar
com o favor de um professor para obter uma recomendação
para um emprego? Se aquele emprego é o plano de Deus para
você, Deus é capaz e agirá no coração daquele professor para
lhe conceder tal recomendação.
Você depende de seu patrão (ou seu superior) para crescer
profissionalmente? Deus moverá o coração de seu patrão ou
superior, de uma forma ou de outra, de acordo com o plano
dEle para a sua vida.
Porque não é do Oriente, não é do Ocidente,
nem do deserto que vem o auxílio.
Deus é o juiz;
a um abate, a outro exalta.
{Sl 75.6,7)
Sua promoção, ou a não promoção, encontra-se nas mãos
de Deus. Seus superiores são simples agentes dEle que exe
cutarão a Sua vontade. Eles não sabem que estão fazendo a
vontade de Deus e jamais pretenderam fazê-la (a menos, ob
viamente, que sejam cristãos que desejam fervorosamente
fazer a vontade de Deus), mas isso não altera o resultado em
sua vida. Você pode confiar em Deus em relação a todas as
áreas de sua vida em que dependa do favor ou da indiferença
de outra pessoa. Deus agirá no coração daquela pessoa para
que ela execute a vontade dEle em seu favor.
0 PROBLEMA DA SOBERANIA DE DEUS
No início do capítulo pedi que você colocasse de lado, por um
instante, o problema levantado pela afirmação da soberania
de Deus sobre as pessoas. Queremos agora olhar para essa
questão brevemente. À medida que formos fazendo, seria
útil ter em mente que os escritores bíblicos jamais pareciam
estar cientes do problema, exceto pela afirmação de Paulo
em Rm 9.19-21. A afirmação de Paulo parece levantar mais
problemas do que resolvê-los. Sendo assim, enquanto a Bí
blia afirma tanto a soberania de Deus quanto a liberdade e
a responsabilidade humana, as Escrituras jamais procuram
explicar a relação entre elas. À medida que examinamos essa
questão, precisamos considerar três verdades.
A primeira é que Deus é tão infinito em Seus caminhos
quanto o é em Seu ser. Uma mente finita não consegue com
preender um Ser infinito, além daquilo que Ele mesmo reve
lou para nós. Por essa razão, certas coisas a respeito de Deus
serão para sempre mistérios para nós. A relação entre a von
tade soberana de Deus e a liberdade e responsabilidade moral
do homem é um desses mistérios.
Basil Manly, um dos fundadores da Southern Baptist Con-
vention (Convenção Batista do Sul), ao comentar sobre esse
assunto difícil em um de seus sermões, disse: “A Bíblia não
promete explicar mistérios. Ela os deixa sem explicação. Há
uma diferença entre dificuldades e mistérios: as dificuldades
podem ser removidas; os mistérios não, sem uma nova reve
lação, ou a concessão de uma inteligência superior”4.
Creio que um dos problemas ao lidarmos com esse assunto
é que temos a tendência de enxergar a interação entre Deus
e o homem no mesmo nível da interação do homem com o
homem. No Sl 50.21, Deus diz: “pensavas que eu era teu igual”.
Embora o contexto dessas palavras seja completamente dife
rente do nosso assunto, a afirmação nos é pertinente. Nossa
tendência é pensarmos em Deus como sendo semelhante a
nós. Nossa tendência é acharmos que Deus pode agir sobre
a mente humana apenas da mesma maneira que nós conse
guimos. Podemos argumentar, persuadir e até mesmo coagir,
mas somos incapazes de induzir a vontade de alguém. Ainda
assim, a Bíblia nos ensina que Deus age na vontade da pessoa,
de tal modo que ela atue de maneira livre e voluntária. Além
4. Manly, Basil Sr., Southern Baptist Sermons on Sovereifntv and Respansibilitv.
Sprinkle Publications, Harrisonburg, VA, 1984, pp. 15,16. Manly foi tanto pas
tor quanto educador. Ele foi presidente da Alabama University (Universidade do
Alabama) de 1838 a 1855, e foi também um dos fundadores da Southern Baptist
Convention (Convenção Batista do Sul).
disso, a soberania no plano humano sugere força e coerção;
pessoas fazendo coisas contra a sua vontade e em sujeição aos
seus senhores como se escravos fossem, mas a Bíblia jamais
retrata a soberania de Deus dessa maneira.
A segunda verdade que precisamos ter em mente é que
Deus jamais é o autor do pecado. Embora as intenções e ações
pecaminosas das pessoas sirvam ao propósito soberano de
Deus, jamais devemos concluir que Deus induziu quem quer
que seja a pecar. “Ninguém, ao ser tentado, diga: Sou tentado
por Deus; porque Deus não pode ser tentado pelo mal e ele
mesmo a ninguém tenta. Ao contrário, cada um é tentado pela
sua própria cobiça, quando esta o atrai e seduz” (Tg 1.13-14).
Com frequência a Bíblia afirma que Deus usa as ações pecami
nosas do homem para cumprir Seus propósitos (e.g. Gn 50.20;
At 4.27,28; Ap 17.17). No entanto, o fato de as intenções e os
atos pecaminosos das pessoas servirem ao propósito de Deus,
não O torna o autor dos pecados dessas pessoas, nem as torna
menos culpadas por suas ações. Deus julga as pessoas pelos
mesmos pecados que Ele usa para executar Seus propósitos.
Essa verdade é ensinada em textos como Is 10.5-16 (nós ana
lisaremos essa passagem em outro capítulo).
A terceira verdade que precisamos ter em mente é que a Bí
blia constantemente descreve o homem fazendo escolhas reais
por sua própria vontade. Não há qualquer indicação nas Es
crituras do homem ser uma marionete, desprovida de opinião,
manipulada por cordas divinas. Além disso, as escolhas que a
pessoa faz são escolhas morais; isto é, a pessoa é responsável
diante de Deus pelas escolhas que faz. As ações de Judas, Hero-
des e Pilatos foram ímpias embora praticadas sob a designação
soberana de Deus. A venda de José como escravo, praticada
por seus irmãos, foi um ato maligno e ímpio, embora tal ato
tenha cumprido o propósito soberano de Deus.
A Bíblia ensina a soberania de Deus e a livre escolha moral
do homem com igual ênfase. Richard Fuller, o terceiro presi
dente da Southern Baptist Convention, disse: “É impossível re
jeitarmos qualquer uma dessas duas grandes verdades bíblicas,
e é igualmente impossível nossa mente conciliá-las”5.
Porém, assim como não devemos interpretar mal a sobera
nia de Deus como se ela nos tornasse meras marionetes, não
podemos exaltar a liberdade do homem ao ponto de limitar
a soberania de Deus. O professor Berkouwer nos ajuda no
vamente quando diz:
Aquele que comete injustiça com esta liberdade [da cria
tura], comete injustiça com a Palavra de Deus, que já no
paraíso coloca o homem numa encruzilhada e lhe dá a li
berdade de escolher que caminho deseja seguir. Porém, à
luz das Escrituras, é decisivo que esta liberdade da criatura
não imponha qualquer ameaça ou limitação à iniciativa Di
vina soberana e onipotente... Somos forçados a nos dirigir
à revelação Divina que nos revela a atividade onipotente
de Deus e, ao mesmo tempo, ensina a responsabilidade hu
mana... Qualquer um que não levar a sério tanto o governo
Divino quanto a responsabilidade humana jamais poderá
compreender corretamente a história6.
NOSSA RESPOSTA
Como devemos reagir ao fato de que Deus é capaz e, de fato,
opera na mente e no coração das pessoas para cumprir Sua
vontade? Nossa primeira resposta deveria ser confiar. Nossa
carreira e nosso destino estão nas mãos dEle e não nas mãos
5. Fuller, Richard, Southern BaptistSermons on Snvereipntv and Responsibilitv. p.
112.
6. Berkouwer, G.C., opus cit., pp. 140,141.
de patrões, superiores, professores, técnicos esportivos e to
das as outras pessoas que, humanamente falando, estão em
uma posição de influenciar nosso futuro. Ninguérm é capaz
de feri-lo ou colocar em risco o seu futuro fora da vontade
soberana de Deus. Além disso, Deus é capaz e concederá favor
aos olhos das pessoas que estão em uma posição de lhe fazer
o bem. Você pode confiar seu futuro a Deus.
Devemos então, em atitude de oração, confiar em Deus
em relação a todas aquelas situações nas quais aspectos do
nosso futuro repousam nas mãos de outras pessoas. Confor
me disse Alexander Carson: “Se você precisa de proteção do
homem, peçamos isso primeiramente a Deus. Se triunfarmos
com Ele, o poder do mais poderoso e do mais perverso devem
ministrar para nosso alívio”7. Quando a rainha Ester buscou
a presença do rei Assuero sem ter sido convidada - ato que
normalmente teria resultado em sua morte - ela pediu que
Mordecai reunisse todos os judeus para jejuar (e tudo indica
orar) para que o rei fosse favorável a ela. Ester não pressupôs
conhecer a vontade de Deus, pois ela disse: “Se perecer, pere
ci” (Et 4.16), mas ela certamente sabia que Deus controlava o
coração do rei. É claro que nem sempre sabemos como Deus
responderá à nossa oração, ou se Ele agirá no coração de ou
tra pessoa, mas é suficiente sabermos que nosso destino se
encontra nas mãos dEle, e não das pessoas.
A confiança na soberania de Deus na vida das pessoas tam
bém deveria nos impedir de ficarmos revoltados ou amargos
quando outros nos tratam de maneira injusta ou perversa. A
amargura normalmente não deriva tanto das ações do próxi
mo como do efeito de tais ações em nossa vida. Considere o
seguinte cenário em sua vida.
Você acaba de ser demitido injustamente de seu emprego
7. Carson, Alexander, Cnnfide.nce in God in Times nfDanyer Reiner, Swengel, PA, 1975,
p. 55.
por algum motivo completamente não relacionado ao seu
desempenho profissional. Depois de dois meses procurando
emprego sem sucesso, você se encontra uma fila de desem
pregados. À medida que você ali está, começa a remoer a in
justiça praticada pelo seu antigo chefe. Você fica revoltado e
amargurado.
Suponhamos agora que certo dia você seja demitido injus
tamente e no momento em que está saindo da empresa, você
encontra um homem que está procurando por alguém com
a sua experiência e lhe oferece um emprego melhor com um
salário duas vezes maior que o seu. Eis uma qualificação adi
cional: Você precisa ter a experiência de ter sido injustamen
te demitido. Você aceita alegremente o emprego e desfruta
completamente de sua nova posição. Você ficou amargurado
em algum momento? Não. Você certamente pensa em algo
assim: “Que bom que meu ex-chefe me demitiu. Se isso não
tivesse acontecido eu jamais teria conseguido este emprego”.
Perceba, são os efeitos de ter sido demitido, não o ato em si
que determina se você é tentado a ficar amargurado.
Por vezes, entretanto, Deus permite que as pessoas nos tra
tem de forma injusta. Às vezes Ele até permite que as ações dos
outros influenciem seriamente nossa carreira ou nosso futuro
do ponto de vista humano. Porém, Deus jamais permitirá que
as pessoas tomem decisões a nosso respeito que atrapalhem
o plano dEle para nós. Deus é por nós, somos Seus filhos, Ele
se deleita em nós (Sf 3.17). É como a Bíblia declara: “Se Deus
é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31). Podemos ter a
certeza absoluta da seguinte verdade: Deus jamais permitirá
qualquer ação contra nós que não esteja de acordo com a Sua
vontade para nós. A vontade dEle está sempre direcionada
para o nosso bem.
Por que, então, sofremos tamanho desapontamento quando
o favor esperado que precisamos do próximo não se concretiza?
Por que lutamos com o ressentimento e a amargura quando
a decisão ou ação de outra pessoa nos atinge negativamente?
Não seria porque nossos planos foram frustrados, ou porque
o nosso orgulho foi ferido?
Certa vez eu participei de um seminário sobre o cristão e
o estresse. Um dos pontos principais do palestrante foi que
se desejamos viver uma vida menos estressante, precisamos
aprender a viver com uma única pauta: A pauta de Deus. Ele
chamou atenção para o fato de termos a tendência de viver
com duas pautas, a nossa e a de Deus, e que a tensão entre
elas é o que gera o estresse.
Creio que a expressão usada por ele - uma única pauta - se
aplica corretamente à nossa discussão sobre a confiança em
Deus no campo das decisões dos outros a respeito da nossa
vida. Deus é soberano sobre as pessoas. Ele trabalhará o co
ração delas para que façam a Sua vontade, ou Ele as refreará
de fazer qualquer coisa contrária à Sua vontade. Porém, é a
vontade dEle, a pauta dEle para a nossa vida que Ele guardará,
protegerá e executará. Precisamos aprender a viver pela pauta
de Deus, se quisermos confiar nEle.
PALAVRAS DE CAUTELA
Antes de encerrar esse assunto, há algumas palavras de cautela
que precisamos considerar a fim de que não façamos uso er
rôneo da doutrina da soberania de Deus sobre as pessoas.
Em primeiro lugar, jamais deveríamos usar a doutrina
como desculpa para nossos próprios defeitos. Se você não
conseguiu a promoção que desejava, ou pior ainda, se você
foi demitido ou foi reprovado numa prova de grande impor
tância, você precisa primeiro examinar a si mesmo para ava
liar se, por acaso, o motivo não é o seu próprio desempenho.
Embora Deus tenha resgatado Abraão e Sara da tolice do pe
cado de Abraão, Ele não estava obrigado a fazê-lo. Deus não
prometeu operar no coração de outra pessoa para compensar
nossas falhas.
Em segundo lugar, não devemos permitir que a doutrina
da soberania de Deus nos leve a responder passivamente às
ações dos outros que nos atingem. Devemos dar todos os pas
sos cabíveis dentro da vontade de Deus para proteger e resol
ver nossa situação. Digo dentro da vontade de Deus porque
pode haver outros motivos, por causa do reino de Deus, pelos
quais você não deveria dar os passos. Porém, a doutrina da
soberania de Deus, considerada isoladamente, não deveria ser
usada para promover passividade.
Em terceiro lugar, jamais devemos usar a doutrina da sobe
rania de Deus para desculpar nossas próprias ações ou deci
sões pecaminosas que machucam o próximo. Jamais devemos
dizer: “Bem, eu errei, mas tudo bem porque Deus é soberano”.
Deus é, de fato, soberano sobre a vida da outra pessoa, e Ele
pode escolher usar nossas ações pecaminosas para realizar a
Sua vontade. Contudo, Ele ainda nos tem por responsáveis
por nossas decisões nocivas e ações pecaminosas.
Uma passagem bíblica que pode nos ajudar a manter a dou
trina da soberania de Deus na perspectiva correta é Dt 29.29:
“As coisas encobertas pertencem ao S e n h o r , nosso Deus, po
rém as reveladas nos pertencem, a nós e a nossos filhos, para
sempre, para que cumpramos todas as palavras desta lei”. Não
sabemos qual é a vontade soberana de Deus. Não sabemos
como Ele operará no coração da outra pessoa, quer favorá
vel, quer desfavoravelmente, do nosso ponto de vista. Isso
se encontra na esfera das “coisas encobertas” que não foram
reveladas a nós. Sabemos que Ele operará para realizar o Seu
propósito que, em última análise, é para o nosso bem.
Nossa obrigação, então, é obedecer as “coisas reveladas”,
isto é, a vontade de Deus conforme revelada na Bíblia em cada
área da nossa vida. As Escrituras nos ensinam a sermos pru
dentes, cuidadosos e responsáveis, e a darmos o nosso melhor
no emprego ou nos estudos. Se descobrirmos que, a despei
to do nosso esforço, um superior ou um professor nos julga
de forma desfavorável, precisamos confiar em Deus para os
possíveis resultados daquele relacionamento. Por vezes, Deus
irá mudar a atitude daquela pessoa para conosco. Em outras
situações, Ele pode até permitir que as situações piorem. Seja
qual for o caso, o coração da pessoa está nasmãos de Deus.
Ele o moverá de acordo com o Seu propósito soberano, para
a Sua glória e para o nosso bem.
C A P Í T U L O C I N C O
O GOVERNO DE DEUS SOBRE AS NAQÕES
Ah! Se n h o r , Deus de nossos país, porventura,
não és tu Deus nos céus? Não és tu que dominas sobre todos os reinos
dos povos? Na tua mão, está aforça e o poder,
e não há quem te possa resistir.
2 Cr 20.6
C . H. Spurgeon em um sermão intitulado Gods Providence
disse:
Napoleão ouviu uma vez que o homem planeja e Deus de
fine. Napoleão disse: “Ah, mas eu também planejo e defino”.
Como você acha que ele planejou e definiu? Ele planejou
tomar a Rússia; ele planejou tomar toda a Europa. Ele pla
nejou destruir aquele poderio e o que foi mesmo que acon
teceu? Como ele definiu? Ele voltou isolado e sozinho, seu
poderoso exército foi eliminado, simplesmente extermina
do, seus homens praticamente devoraram uns aos outros
por causa da fome. O homem planeja e Deus define1.
1. Spurgeon, C. H„ God’s Providence. Gospel Mission, Choteau, MT, s.d., p. 18.
À medida que estudamos a soberania de Deus ao longo da
Bíblia, uma das referências mais freqüentes a esse assunto diz
respeito à Sua soberania sobre as nações e governos. Alistei
quase quarenta referências do governo de Deus sobre as na
ções sem tentar compilar uma lista exaustiva. Deus é Senhor
sobre toda a história humana, e Ele trabalha todos os detalhes
dessa história, conforme disse Paulo em Ef 1.11, “conforme o
conselho da sua vontade”. Isto é, Deus a todos os eventos da
história; todas as decisões dos governantes, reis e parlamen
tares; e todas as ações dos seus governos, exércitos e frotas de
guerra servem à Sua vontade.
UMA QUESTÃO RELEVANTE
Em termos da nossa confiança em Deus, a soberania de Deus
sobre as nações pode, à primeira vista, parecer teórica e dis
tante de nossa vida cotidiana. No ocidente, em especial, nem
sempre sentimos de maneira consciente as ações do governo
influenciando nossa vida diária. As leis do país, em sua maio
ria, nos são razoáveis e favoráveis, e no dia a dia vivemos in
conscientes da imensidão de leis e decisões governamentais
que nos afetam.
Para a maior parte do mundo, entretanto, a soberania de
Deus sobre os governos é uma questão crucial. Afirma-se que
mais cristãos foram martirizados por sua fé durante o século
xx que durante todo o restante da história da igreja. Hoje em
dia os cristãos são vistos de modo desfavorável em grande
parte do mundo e em vários países sofrem perseguição dire
ta de governos hostis. A liberdade de viver o cristianismo bí
blico de forma pública, não valorizada nos países ocidentais,
não é uma opção para mais da metade da população mundial.
Para o cristão que vive nesses países, a certeza de que Deus
governa sobre os governantes que sobre eles exercem autori
dade, deveria lhes dar coragem e confiança nos momentos de
perturbação ou perseguição.
Aqueles que vivem em países onde a liberdade religiosa é
praticada deveriam agradecer regularmente a Deus por tê-la.
Ela não é um acidente da história, nem se deve meramente à
visão dos fundadores de nossas nações, mas sim à mão sobera
na de Deus trabalhando em nossos governantes e através deles.
Não podemos menosprezar tal liberdade. Alexander Carson
expressou isso bem, ao afirmar: “Assim como Deus é capaz
de proteger Seu povo sob a maior tirania, da mesma forma a
mais intensa liberdade civil não se constitui segurança para
eles sem a proteção imediata do braço todo-poderoso de Deus.
Temo que os cristãos deste país [Estados Unidos da América]
coloquem confiança demasiada nas instituições políticas... [ao
invés] de colocarem-na no governo de Deus”2.
Não estamos meramente preocupados com a liberdade re
ligiosa. Nossa vida é diariamente afetada pelas decisões dos
poderes legislativos e pelos governantes. Em todos os níveis
os poderes legislativos estão progressivamente nos dizendo o
que devemos ou não fazer. Por vezes, tais decisões são percep
tíveis; outras vezes não temos ciência delas. Por vezes, são boas
decisões, pelo menos do nosso ponto de vista; por vezes são
decisões prejudiciais. Em todos os momentos, tais decisões,
perceptíveis ou não, boas ou prejudiciais, estão sob o controle
do nosso Deus soberano. Deveríamos colocar nossa confiança
em Deus, e não no poder de tomada de decisões dos políticos,
governantes e até mesmo das Supremas Cortes.
Certo cristão iraniano escreveu de um determinado mo
mento, anos atrás, quando o governo iraniano emitiu um de
creto fechando todas as escolas primárias estrangeiras, uma
2. Carson, Alexander, Confidence in God in Times ofDan^er, Reiner, Swengel, PA, 1975,
p. 41.
decisão que afetou a escola cristã na qual ele estava matricu
lado. O diretor da escola dirigiu-se ao governo e obteve per
missão para que a escola permanecesse parcialmente aberta
para que alunos da quinta e sexta séries pudessem concluir o
ensino fundamental naquela escola. Para nós isso não é um
evento particularmente impressionante, mas um país muçul
mano permitir que uma escola cristã permaneça funcionando
enquanto outras escolas foram fechadas é, sem dúvida, algo
incomum. Por que tal permissão foi concedida?
Esse homem escreveu: “Creio que foi plano de Deus para
a minha vida que tal permissão fosse dada, de forma que eu
pudesse concluir minha instrução fundamental numa escola
cristã. Não é essa a maneira correta de um cristão enxergar a
história, percebendo a mão de Deus em todos os eventos, te
cendo o caminho das nações e das pessoas?”3.
Nosso irmão iraniano tinha uma percepção correta da so
berania de Deus nos decretos e decisões do governo. Ele en
xergou a mão de Deus dominando as questões governamen
tais e por meio de tais governos as questões de cada pessoa.
Conforme vimos no Capítulo 4, Deus é soberano no coração
da pessoa, cujas decisões e ações nos afetam, e Deus também
é soberano nas decisões e ações do governo, na medida em
que nos afetam. Conforme escreveu Margaret Clarkson: “Deus
é o Senhor da história humana e da história pessoal de cada
membro da Sua família de redimidos”4. Não podemos separar
a história de uma nação da história do povo daquela nação.
3. DehqaniTafti, H. B., Desiftt o f Mv World. Seabury Press, New York, 1982, p. 30.
4. Clarkson, Margaret, Grace Grows Best in Winter. Ecrdmans, Grand Rapids, MI,
1984, p. 41.
SOBERANIA NEM SEMPRE APARENTE
O fato de Deus ser soberano sobre nossos governantes nem
sempre é evidente para nós, uma vez que enxergamos as de
cisões e ações deles a partir de uma perspectiva humana. Em
geral, os governantes e os poderes legislativos realizam seu
trabalho um tanto quanto distantes de qualquer intenção de
fazer a vontade de Deus. Vemos isso claramente demonstrado
na vida e na morte do Senhor Jesus Cristo.
César Augusto emitiu um decreto para que um censo fos
se feito. Foi necessário que José e Maria fossem a Belém para
se alistarem na mesma época do nascimento do Messias em
Belém, em cumprimento à profecia de Miquéias (Mq 5.2). Cé
sar certamente não pretendia ser instrumento para cumprir
qualquer profecia judaica, mas mesmo assim foi exatamente
o que ele fez.
Mateus registra várias ocasiões no começo da vida de Jesus
em que a ação governamental afetou diretamente a Jesus, e em
cada ocasião faz a observação de que por intermédio de tais
ações algumas profecias foram cumpridas (Mt 2.14-15,17-18,
21-23). Em cada um dos casos, as pessoas envolvidas agiram
livremente, fazendo o que pretendiam fazer. Todavia, em cada
ocasião elas fizeram exatamente o que Deus havia planejado
que fizessem.
Na oração dos apóstolos, em At 4, eles disseram o seguinte
a respeito da morte de Jesus:
Porque verdadeiramente se ajuntaram nesta cidade contra o
teu santo Servo Jesus, ao qual ungiste, Herodes e Pôncio Pila-
tos, com gentios e gente de Israel, p a ra fazerem tudo o que
a tua m ão e o teu propósito predeterm inaram ; (At 4.27,28,
ênfase acrescentada).
Obviamente, Herodes, Pilatos e os líderesjudeus fizeram
exatamente o que desejavam fazer, entretanto eles agiram exa
tamente como Deus havia planejado. O que Salomão disse sobre
as pessoas em Pv 16.9: “O coração do homem traça o seu ca
minho, mas o S e n h o r lhe dirige os passos”, se aplica não apenas
quando o homem age por sua própria capacidade, mas também
quando age como oficial ou governante de uma nação.
John Newton (1725-1807), um traficante de escravos con
vertido, ministro anglicano e autor do conhecido hino “Ama-
zing Grace \ escreveu:
Os reis da terra estão constantemente inquietando o mun
do com suas maquinações ambiciosas. Eles esperam exe
cutar seus planos e raramente têm algo maior em mente,
exceto a satisfação de suas próprias paixões. Porém, em
tudo que fazem não passam de servos do grande Rei e
Senhor, e cumprem Seus propósitos, como instrumentos
que Ele usa para impor a punição prescrita aos que contra
Ele transgridem, ou para abrir uma porta para espalhar do
Seu evangelho... Eles tinham uma coisa em mente, Deus
tinha outra5.
Embora nem sempre consigamos perceber a mão de Deus
nos negócios das nações conforme as vemos hoje, Seu gover
no não é menos soberano hoje do que foi na época dos profe
tas e dos apóstolos. Mais uma vez, a observação do professor
Berkouwer é de grande ajuda:
Isso não significa que a obra de Deus é sempre evidente na
intrincada união da atividade divina e humana... Ainda as
sim, é impressionante observar quantas vezes o propósito
5. Newton, John, The Works n f John Newton. Banner of Truth, Edinburgh, 1985, 4:429.
de Deus é alcançado sem qualquer intervenção radical.
Na superfície talvez não haja nada para ver, exceto a ati
vidade humana criando e definindo a história num nível
horizontal6.
É apenas na revelação bíblica que enxergamos a mão de
Deus governando e norteando as atividades das nações e os
efeitos de tais atividades sobre o Seu povo. Os eventos registra
dos por Mateus, como cumprimento das profecias do Antigo
Testamento, aconteceram como resultado de decisões huma
nas e foram executados no curso das circunstâncias humanas
comuns. Não fosse pelo comentário inspirado de Mateus, não
teríamos razão para enxergar a mão soberana de Deus nelas
mais do que na maioria das ocorrências comuns relatadas em
nosso jornal diário.
Isso posto, da mesma forma, deveríamos enxergar nos as
suntos registrados em nosso jornal diário a mão soberana de
Deus, tal como a enxergamos na Bíblia. É óbvio que não temos
para os eventos de hoje a vantagem da explicação divinamente
revelada, como a temos nos eventos registrados na Bíblia, mas
isso não torna o governo soberano de Deus hoje algo menos
certo. Deus registrou em Sua Palavra exemplos específicos
de Seu governo soberano sobre a história para que pudésse
mos confiar nEle quanto às questões da história que hoje são
reveladas diante de nossos olhos. Deveríamos lembrar que,
para aqueles que experimentaram os eventos registrados nas
narrativas bíblicas, a mão de Deus não estava mais aparente
para eles naqueles eventos do que Sua mão está aparente para
nós nos eventos de hoje.
6. Berkouwer, G. C, opus cit., pp. 91-92.
DEUS ESTABELECE GOVERNANTES
À medida que olhamos para as Escrituras visando determinar
seu ensino sobre a soberania de Deus sobre as nações, há inú
meras verdades específicas que se destacam. Primeira, Deus
em Sua soberania estabeleceu o governo para o bem de todas as
pessoas; do cristão bem como do não cristão. Paulo disse: “Não
há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que
existem foram por ele instituídas... visto que a autoridade é mi
nistro de Deus para teu bem” (Rm 13.1,4). Reconhecidamente
a afirmação: “a autoridade é ministro de Deus para teu bem”,
parece ser difícil de aceitar quando vemos alguns de nossos
irmãos em Cristo sendo perseguidos, e até mortos, por causa
de seu compromisso com Cristo. Mais uma vez precisamos
lembrar que Deus, em Sua sabedoria e soberania infinitas, e
por motivos conhecidos apenas por Ele, permite que gover
nantes ajam de forma contrária à Sua vontade revelada. Porém,
as ações perversas de tais governantes jamais ultrapassam os
limites da vontade soberana de Deus. É preciso lembrar que
Deus opera na história a partir de uma perspectiva eterna, ao
passo que nossa tendência é enxergar o desdobrar da história
por uma perspectiva temporal.
Uma vez que Deus estabelece governantes para o nosso
bem, e porque Ele governa soberanamente sobre as suas ações,
deveríamos orar pedindo que eles governem para o nosso
bem. Paulo exorta os cristãos a que orem “em favor dos reis e
de todos os que se acham investidos de autoridade, para que
vivamos vida tranqüila e mansa, com toda piedade e respeito”
(1 Tm 2.2). A oração é a expressão mais palpável da nossa con
fiança em Deus. Se nosso desejo é confiar em Deus em relação
à perseguição de nossos irmãos em outros países, precisamos
ser zelosos em orar pelas autoridades que os governam. Se qui
sermos confiar em Deus quando as decisões do governo em
nosso próprio país vão contra nosso interesse, precisamos orar
para que Deus trabalhe no coração dos governantes e legisla
dores que tomam as decisões. A realidade de que o coração
do rei está na mão do Senhor destina-se a ser um estímulo à
oração, e não um estímulo para uma atitude fatalista.
Logo a seguir, além de estabelecer governos, vemos que
Deus determina quem governa em tais governos. “O Altíssi
mo tem domínio sobre o reino dos homens; e o dá a quem
quer e até ao mais humilde dos homens constitui sobre eles”
(Dn 4.17, veja também o versículo 32). Quando consideramos
os tiranos e ditadores perversos que reinaram, bem como os
homens fracos e tolos que receberam posições elevadas, até
mesmo no presente século, ficamos surpresos ao aprender que
eles governaram dentro da vontade soberana de Deus. Isso,
porém, é o que a Bíblia diz.
Mais uma vez, precisamos ter essa verdade em mente a
partir da perspectiva eterna de Deus. No SI 76.10, a tradução
Almeida Corrigida Fiel diz: “Certamente a cólera do homem
redundará em teu louvor; o restante da cólera tu o restringirás”.
Enquanto traduções mais recentes variam em relação a essa
versão, trata-se de uma verdade corroborada pelo teor de toda
a Escritura. Deus permitirá que as pessoas, quer sejam tiranos
obstinados ou políticos sem caráter, façam apenas aquilo que
resultará em última análise na Sua glória. Como o pecado e o
mal contribuem para a glória de Deus no final é para nós um
mistério, mas é uma verdade confirmada por toda a Bíblia.
Assim como Deus determina quem governa nas nações,
Ele também determina a duração desse governo. Isaías 40.23,24
diz:
É ele quem reduz a nada os príncipes
e torna em nulidade os juizes da terra.
Mal foram plantados e semeados,
mal se arraigou na terra o seu tronco,
já se secam, quando um sopro passa por eles,
e uma tempestade os leva como palha.
Vemos isso ilustrado de maneira clara na vida do podero
so monarca da Babilônia, Nabucodonosor. No apogeu de seu
poder, a sanidade mental de Nabucodonosor lhe foi tirada e
ele foi afastado de seu povo, indo se alimentar de grama como
gado. Passados sete anos, a razão lhe foi restituída, seus conse
lheiros e nobres lhe procuraram e ele foi restabelecido ao trono,
tendo se tornado ainda maior do que era antes (Dn 4.33-36).
Do maior monarca de sua época a um louco que vivia como
um animal, voltando a ser um monarca ainda mais podero
so, tudo num curto espaço de sete anos - isso é uma série de
mudanças extremas que só poderia ser orquestrada por um
Deus soberano. E o Deus que governou absolutamente na
vida e no destino do monarca mais poderoso daquela época
é o mesmo que governa a vida e o destino dos governantes de
hoje. Nenhum governante ou ditador é poderoso a ponto de
estar além da influência do governo soberano de Deus sobre
todas as nações da terra.
DEUS CONTROLA AS DECISÕES
Deus não apenas determina quem governa, Ele também gover
na sobre as decisões tomadas.Provérbios 16.33 diz: “A sorte se
lança no regaço, mas do S e n h o r procede toda decisão”. A prá
tica de lançar sortes era comum para decidir questões impor
tantes de estado. Por meio dessa prática os governantes eram
escolhidos, as tarefas eram determinadas, as datas escolhidas e
as disputas resolvidas (1 Cr 24.5; Et 3.7; Pv 18.18; Lc 1.9). O rei
da Babilônia estabeleceu a estratégia militar lançando sortes
(Ez 21.18-22). Salomão nos diz que toda decisão que proce
de do lançar de sortes vem de Deus, isto é, Deus controlou
as decisões que reis e autoridades governamentais tomaram
através desse método.
Nem todas as decisões dos tempos bíblicos foram tomadas
por meio do lançar sortes. Algumas eram feitas, como ainda
acontece hoje, após se procurar o conselho de outras pessoas.
Nesses casos, Deus é soberano sobre o conselho dado e sobre
quanto tal conselho é ouvido e seguido, de forma que Sua von
tade soberana sempre se cumpre. Dois exemplos registrados
no Antigo Testamento demonstram isso.
Absalão, filho de Davi, iniciou uma rebelião contra seu pai
que resultou na fuga de Davi e de alguns fiéis seguidores de
Jerusalém. Um dos conselheiros de confiança de Davi, Aitofel,
havia conspirado junto com Absalão. Procurando consolidar
seu sucesso inicial, Absalão procurou primeiro o conselho de
Aitofel e depois de outro conselheiro, Husai, que secretamente
ainda se mantinha leal a Davi.
Após ouvirem os conselhos contraditórios de Aitofel e Hu
sai, Absalão e seus homens escolheram o conselho de Husai,
que secretamente favorecia Davi. O relato bíblico desse inci
dente nos conta que “o conselho que Aitofel dava, naqueles
dias, era como resposta de Deus a uma consulta” (2 Sm 16.23).
Ainda assim, Absalão escolheu seguir o conselho de Husai em
vez do conselho de Aitofel. Por quê? A Bíblia diz: “Pois orde
nara o S e n h o r que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel,
para que o mal sobreviesse contra Absalão” (2 Sm 17.14). Ve
mos, portanto, que o conselho que Aitofel deu naquela oca
sião era bom, todavia Absalão escolheu desconsiderá-lo, pois
Deus fez com que ele assim agisse.
Um evento parecido aconteceu na vida do neto de Davi,
Roboão. Ao subir ao trono, os homens de Israel pediram que
ele aliviasse a carga de trabalho e o jugo pesado que Salomão,
seu pai, havia colocado sobre eles. Roboão consultou primeiro
os anciãos que haviam servido a seu pai. Eles o aconselharam a
ser favorável ao povo. Roboão, porém, rejeitou o conselho dos
anciãos e consultou jovens que haviam crescido com ele. Eles
o aconselharam a ser ainda mais severo com o povo. Como
resultado, dez tribos de Israel se rebelaram contra Roboão,
dividindo o reino.
Por que Roboão tomou uma decisão tão tola? A Bíblia
diz: “O rei, pois, não deu ouvidos ao povo; porque este acon
tecimento vinha do S e n h o r , para confirmar a palavra que
o S e n h o r tinha dito” (1 Rs 12.15). Duas decisões tolas foram
tomadas, em duas ocasiões bons conselhos foram rejeitados e
conselhos nocivos ou tolos foram seguidos. Os dois casos são
atribuídos ao operar soberano de Deus, norteando a mente
dos reis para realizarem a Sua vontade.
Que observações podemos fazer a partir desses eventos re
gistrados nas Escrituras? Primeiro Deus é capaz e de fato opera
no coração e na mente de governantes e autoridades gover
namentais para executar Seu propósito soberano. O coração
e a mente deles estão sob o controle de Deus tanto quanto as
leis impessoais da natureza. Ainda assim, cada decisão deles
é tomada de maneira livre, quase sempre sem imaginarem ou
mesmo considerarem a vontade de Deus.
A segunda observação que podemos fazer é que algumas
vezes Deus move líderes ou autoridades governamentais a to
marem decisões insensatas para trazer juízo sobre uma nação.
Alexander Carson disse:
Por que a estupidez quase sempre prevalece sobre a sabedo
ria nos conselhos de príncipes e nas câmaras de legislado
res? Deus designou a rejeição do conselho sábio para trazer
sobre as nações a vingança que seus crimes cobram do céu.
Deus governa o mundo por meio da Providência, e não por
meio de milagres. Pense naquele distinto senador. Ele se le
vanta e emana sabedoria. Contudo se Deus está determina
do a punir a nação, algum especulador tagarela conseguirá
impor seus sofismas à assembleia mais sagaz7.
Enquanto escrevo estas palavras, o governo norte-ame-
ricano acaba de tomar uma série de decisões incrivelmente
insensatas e ingênuas no âmbito das relações exteriores. Sob
a influência da decadência moral exponencial da sociedade
norte-americana, é impossível não se perguntar se isso não é
evidência da mão julgadora de Deus sobre esse país. Se assim
for, cristãos assim como não cristãos sofrerão as conseqüên
cias de tais decisões. Historicamente, Deus não poupou o justo
quando julgou uma nação (embora Ele seja capaz de fazê-lo
se assim quiser; Êx 9.5-7).
Se tais decisões aparentemente tolas seguirem seu curso
natural e os crentes forem pegos nas conseqüências desastro
sas dessas decisões, devemos continuar confiando em Deus
até mesmo nos momentos mais difíceis. Precisamos crer tan
to que Deus é soberano sobre tais eventos quanto que o cui
dado e o bem estar de Seus filhos não foram esquecidos nos
mesmos eventos.
Em terceiro lugar, conforme já observado neste capítulo,
devemos levar mais a sério nossa responsabilidade de orar
pelos líderes governamentais para que tomem decisões sábias.
Embora suspeitemos que algumas das decisões mais desas
trosas sejam evidências do juízo divino, não temos segurança
disso. Sabemos que Deus nos instruiu a interceder por nossos
líderes. Por isso, nosso dever é orar por decisões sábias, mas
confiar quando decisões insensatas ou nocivas são tomadas.
7. Carson, Alexander, The Historv ofProvidence. Baker, Grand Rapids, Ml, s.d., p. 154.
DEUS DETERM INA VITÓRIAS MILITARES
Além de governar as decisões dos governantes, Deus também
governa nas vitórias e derrotas entre nações no campo de ba
talha. A verdade afirmada em Pv 21.31, “O cavalo prepara-se
para o dia da batalha, mas a vitória vem do S e n h o r ” é uma das
verdades mais frequentemente declaradas acerca da soberania
de Deus em todo o Antigo Testamento. Considere os seguintes
textos dentre os muitos que poderiam ter sido selecionados
(ênfase acrescentada em cada uma das citações):
Disse o Senhor a Gideão: É demais o povo que está conti
go, para eu entregar os midianitas nas suas mãos; Israel
poderia se gloriar contra mim, dizendo: A minha própria
mão me livrou. Apregoa, pois, aos ouvidos do povo, dizen
do: Quem fo r tímido e medroso, volte e retire-se da região
montanhosa de Gileade...
Ao soar das trezentas trombetas, o S e n h o r tornou a
espada de um contra o outro, e isto em todo o arraial,
que fugiu rumo de Zererá, até Bete-Sita, até ao limite de
Abel-Meolá, acima de Tabate (Jz 7.2,3,22).
Disse, pois, Jônatas ao seu escudeiro: Vem, passemos à guar
nição destes incircuncisos; porventura, o Senhor nos aju
dará nisto, porq u e para o S e n h o r nenhum im pedim ento
há de livrar com muitos ou com poucos.
Houve grande espanto no arraial, no campo e em todo
o povo; também a mesma guarnição e os saqueadores tre
meram, e até a terra se estremeceu; e tudo passou a ser um
terror de Deus.
Então, Saul e todo o povo que estava com ele se ajunta-
ram e vieram à peleja; e a espada de um era contra o outro,
e houve mui grande tumulto (1 Sm 14.6,15,20).
Chegou um homem de Deus, e fa lou ao rei de Israel, e disse:
Assim diz o Senhor : Porquanto os siros disseram: “O Senhor
é deus dos montes e não dos vales, toda esta grande multi
dão entregarei nas tuas mãos, e assim sabereis que eu sou
o Se n h o r ”.
Sete dias estiveram acampados uns defronte dos outros. Ao
sétimo dia, travou-se a batalha, e os filhos de Israel, num só
dia, feriram dos siros cem mil homens de pé (1 Rs 20.28,29).
Naamã, comandante do exército do rei da Síria, era grande
homem diante do seu senhore de muito conceito, porque por
ele o S e n h o r dera vitória à Síria; era ele herói da guerra,
porém leproso (2 Rs 5.1).
Olhou Judá e viu que a peleja estava por diante e por detrás;
então, clamaram ao Sen h o r , e os sacerdotes tocaram as
trombetas. Os homens de Judá gritaram; quando gritavam,
feriu Deus a Jeroboão e a todo o Israel diante de Abias e
de Judá. Os filhos de Israel fugiram de diante de Judá, pois
Deus os entregará nas suas mãos (2 Cr 13.14,16).
Por causa dessas claras afirmações da soberania de Deus na
guerra, nós como cristãos deveríamos colocar nossa confiança
em Deus, e não no poder bélico de nossa nação. Conforme
diz o SI 20.7: “Uns confiam em carros, outros, em cavalos; nós,
porém, nos gloriaremos em o nome do S e n h o r , nosso Deus”.
Ou, conforme outro salmista diz:
Não há rei que se salve com o poder dos seus exércitos;
nem por sua muita força se livra o valente.
O cavalo não garante vitória;
a despeito de sua grande força, a ninguém pode livrar.
(,Sl 33.16,17)
Para reafirmar as verdades expressas nos Salmos numa
linguagem moderna poderíamos dizer: “Alguns confiam em
ogivas nucleares e em grandes exércitos, mas nós confiamos
em Deus, pois nenhum país é salvo pelo tamanho de suas for
ças militares ou pelo poderio do seu armamento militar. Ao
contrário, a vitória vem de Deus”.
O debate político norte-americano acerca do tamanho de
seu arsenal nuclear, o número de porta-aviões e submarinos
necessários à marinha é, em certo sentido, um debate vão.
Ambos os lados estão confiando, em última análise, na “mus
culatura nuclear”; a única coisa que difere é a quantidade de ar
mamento necessário. Entretanto, o cristão precisa confiar em
Deus, e não no poderio militar, seja qual for o seu tamanho.
Isso não significa que os norte-americanos devam liberar
todo o contingente militar e aposentar todos os porta-aviões
e tanques de guerra. Significa que, nem os norte-americanos
e nem nós, devemos colocar nossa confiança neles. O salmista
disse: “Não confio no meu arco, e não é a minha espada que
me salva” (SI 44.6). Ele não confiava em seu arco ou em sua
espada, mas nem por isso os descartou. Ele reconheceu que
um exército precisa lutar, mas que Deus concede a vitória na
batalha a quem Ele quiser.
Em Is 5, ao final de uma série de “ais” pronunciados con
tra a perversa Judá, o profeta prediz uma invasão iminente
do exército assírio, em resposta ao “assobio” de convocação
de Deus (versículo 26). Isaías descreve a condição de preparo
desse exército com as seguintes palavras:
E vêm apressadamente.
Não há entre elas cansado, nem quem tropece;
ninguém tosqueneja, nem dorme.
{versículos 26,27)
Ele então acrescenta a afirmação surpreendente: “nem se
lhe rompe das sandálias a correia” (versículo 27). Na lingua
gem moderna isso seria o equivalente a dizer: “Nem mesmo
o laço do cadarço [de qualquer soldado] se desfará”.
Vemos nessa declaração não apenas uma afirmação da so
berania absoluta de Deus, mas também a perfeição com a qual
Sua soberania penetra até os mínimos detalhes. Nada fica à
mercê do acaso, nem mesmo a correia de uma sandália ou o
cadarço de um coturno. Todos já ouvimos a velha afirmação:
“Pela falta de um prego, perdeu-se a ferradura; pela falta da
ferradura, perdeu-se o cavalo; pela falta do cavalo, perdeu-se
o cavaleiro; pela falta do cavaleiro, perdeu-se a batalha”8. Os
detalhes são importantes, e Deus é tão soberano sobre os de
talhes quanto é sobre o que chamamos de “panorama geral”.
Em Is 5, o profeta nos garante que, na soberania de Deus so
bre o campo de batalha, aquele prego que falta e que conduz
à derrota jamais será perdido. A vitória pertence ao Senhor e
à nação que Ele escolhe.
Por causa da soberania de Deus na batalha, podemos tam
bém ficar firmes diante da ameaça de um holocausto nuclear.
Um desastre desse porte não pode acontecer fora da vontade
soberana de Deus. Obviamente, nenhum de nós sabe qual é a
vontade soberana de Deus quanto a esse assunto, de forma que
não podemos descartar a possibilidade de uma ampla destrui
ção nuclear. O que podemos, sim, é eliminar a possibilidade de
isso acontecer puramente por meio da mão descontrolada de al
gum louco ou de algum oficial militar descuidado. Deus contro
la tanto a mão do tirano louco quanto do oficial descuidado.
Como cristãos, não devemos nos tornar vítimas da ansie
dade nuclear de nossos dias. Em vez disso, devemos confiar
8. “Pela Falta de um Prego” é uma canção de ninar antiga originada na Inglaterra que,
com o passar do tempo, foi adaptada para o formato de provérbio rimado e mostra
que o desprezo de pequenos detalhes pode trazer enormes conseqüências.
no controle soberano de Deus e orar a Ele pedindo proteção
de um possível holocausto.
Toda essa questão a respeito da soberania de Deus no cam
po de batalha é delicada, pois temos uma tendência inata de
achar que nosso país está sempre certo. Pressupomos que Deus
abençoará o nosso lado com a vitória. A Bíblia não fornece
qualquer apoio a essa visão. Na realidade, de acordo com a
história bíblica, às vezes Deus usa uma nação ímpia para pu
nir outra; depois Ele se volta contra a primeira nação e a pune
por seu pecado.
Deus usou o exército assírio para punir Judá, chamando a
Assíria de “cetro da minha ira! A vara em sua mão é o instru
mento do meu furor”, e dizendo: “Envio-a contra uma nação
ímpia e contra o povo da minha indignação lhe dou ordens”
(Is 10.5,6). Deus afirma claramente que Ele está enviando a As
síria contra Judá; uma nação ímpia contra outra. Além disso,
a Bíblia é muito clara quanto ao fato de que o rei da Assíria
não se considerava um agente divino de punição:
Ela [a mente do rei], porém, assim [de acordo com
a vontade de Deus] não pensa,
o seu coração não entende assim; antes,
intenta consigo mesma destruir e
desarraigar não poucas nações.
(versículo 7)
Portanto, disse Deus: “Por isso, acontecerá que, havendo o
Senhor acabado toda a sua obra no monte Sião e em Jerusa
lém, então, castigará a arrogância do coração do rei da Assíria
e a desmedida altivez dos seus olhos; porquanto o rei disse:
Com o poder da minha mão, fiz isto, e com a minha sabedo
ria, porque sou inteligente” (versículos 12,13).
As chamadas nações soberanas do mundo não são
verdadeiramente soberanas. Elas não são nada além de ins
trumentos nas mãos de Deus para realizar a Sua vontade: por
vezes para proteger Seu povo, por vezes para abrir as portas
para o avanço do evangelho e por vezes para ser Seu instru
mento de juízo contra o ímpio. À medida que Deus olha para
as nações que realizam Seu propósito, mesmo quando se re
belam contra Ele, Deus as vê como nada além de Seus instru
mentos. Ele diz:
Porventura, gloriar-se-á o machado contra
o que corta com ele?
Ou presumirá a serra contra o que a maneja?
Seria isso como se a vara brandisse os que a levantam
ou o bastão levantasse a quem não é pau!
(Is 10.15)
Essas nações poderosas, até mesmo as do nosso tempo,
nada mais são do que um machado ou uma serra na mão de
Deus. Elas podem até se gabar de sua força e de seu poder, mas
tal poder é eficaz apenas à medida que Deus assim determina
soberanamente.
Vemos que Deus está firmemente no controle da história,
das nações e governantes que, de nossa perspectiva humana,
determinam a história. Deus estabelece governos, determina
quem irá governar e por quanto tempo, é soberano sobre os
conselhos de estado, move governantes para que tomem tan
to decisões sábias quanto tolas, concede vitória ou derrota na
guerra e usa nações ímpias para executar a Sua vontade.
Conforme sugerido pelo nosso irmão iraniano, a história
é como uma tapeçaria gigantesca com desenhos muito intri
cados e complexos. Durante nosso limitado tempo de vida
enxergamos apenas uma pequena fração do desenho. Além
disso, conforme observado por outros, enxergamos a tapeçaria
pelo avesso. O avesso de uma tapeçaria normalmente não faz
sentido. Até mesmo o lado visível da tapeçaria não fazmuito
sentido se observamos apenas um pedacinho dela. Apenas
Deus enxerga o lado visível, e apenas Ele enxerga a tapeça
ria com seu desenho completo. Portanto, precisamos confiar
nEle para que trabalhe todos os detalhes da história para a
Sua glória, sabendo que a glória dEle e o nosso bem estão di
vinamente atrelados.
AM PLIANDO NOSSO HORIZONTE
A maioria dos cristãos tem a tendência de pensar na soberania
de Deus apenas em termos de seu efeito imediato sobre nós,
nossa família e nossos amigos. Não estamos muito interessa
dos na soberania de Deus sobre as nações e sobre a história
a menos que estejamos sendo, consciente ou inconsciente
mente, afetados por tal história. Estamos vagamente interes
sados nos problemas políticos e guerras de países distantes a
menos, por exemplo, que um amigo missionário nosso esteja
sendo incapaz de conseguir seu visto de entrada em seu país
de ministério.
É preciso lembrar, porém, que Deus prometeu a Abraão e à
sua descendência que todas as nações seriam abençoadas por
meio de Cristo (Gn 12.3; 22.18; G1 3.8). Algum dia tal promes
sa será cumprida, pois, conforme está registrado em Ap 7.9,
João viu “grande multidão que ninguém podia enumerar, de
todas as nações, tribos, povos e línguas, em pé diante do tro
no e diante do Cordeiro”. Deus possui um plano para redimir
pessoas de todas as nações e abençoar todas as nações por
meio de Cristo.
Entretanto, à medida que olhamos para o mundo ao nos
so redor o que vemos? Vemos metade da população mundial
vivendo em países cujos governantes são hostis ao evangelho,
onde missionários não podem entrar e onde cristãos do pró
prio país são severamente prejudicados em termos de pro
clamar a Cristo. Como é que confiamos em Deus quanto ao
cumprimento de Suas promessas quando os eventos e as con
dições atuais parecem tão diretamente contrários ao cumpri
mento delas?
Podemos extrair uma lição do exemplo de Daniel. Ele com
preendeu a partir das Escrituras, na profecia de Jeremias, que
a desolação de Jerusalém duraria setenta anos, e ao perceber
que os setenta anos estavam quase completos, Daniel se pôs a
orar (Dn 9). Daniel reconheceu que seu povo estava no exílio
por causa de seus pecados e reconheceu que um Deus sobera
no, e apenas um Deus soberano, seria capaz de retirá-los do
exílio. Ele confiou na soberania e na fidelidade de Deus, por
isso ele orou. Poderíamos dizer que ele clamou a Deus por Sua
promessa feita a Jeremias. Nem a soberania de Deus, nem Sua
promessa de restaurar os exilados, fez com que Daniel esmo
recesse numa atitude fatalista e passiva.
Daniel percebeu que a soberania de Deus e a promessa
dEle tencionavam estimulá-lo à oração. Porque que Deus é
soberano, Ele é capaz de responder. Porque Deus é fiel às Suas
promessas, Ele responderá. Daniel orou e Deus respondeu.
Conforme vimos no Capítulo 4, Deus moveu o coração do
rei persa para que permitisse e até mesmo encorajasse, todos
os exilados que quisessem, para voltar a Jerusalém para re
construir o templo.
Ao contemplarmos a condição do mundo hoje, tão comple
tamente hostil ao evangelho, precisamos também contemplar
a soberania de Deus e Suas promessas. Ele prometeu redi
mir pessoas de todas as nações e Ele ordenou que fizéssemos
discípulos de todas as nações. Portanto, precisamos confiar
em Deus através da oração. Alguns irão a outras nações à
medida que Deus abre as portas, mas todos nós precisamos
orar. Precisamos aprender a confiar em Deus, não apenas nas
circunstancias desfavoráveis individuais de nossas vidas, mas
também nas circunstancias desfavoráveis da igreja como um
todo. Precisamos aprender a confiar em Deus quanto ao es
palhar do evangelho, até mesmo em regiões onde ele é seve
ramente restrito.
Deus é soberano sobre as nações. Ele é soberano sobre os
líderes do nosso próprio governo, em todas as suas ações que
nos afetam, direta ou indiretamente. Ele é soberano sobre as
autoridades governamentais nos países onde nossos irmãos
em Cristo sofrem por sua fé nEle. Ele é soberano sobre as na
ções onde todas as tentativas são feitas para eliminar o cris
tianismo. Em todas essas áreas, podemos e devemos confiar
em Deus.
C A P Í T U L O SE I S
O PODER DE DEUS SOBRE A NATUREZA
Acaso, haverá entre os ídolos dos gentios
algum que faça chover?
Ou podem os céus de si mesmos dar chuvas?
Não és tu somente, ó Se n h o r , nosso Deus, o quefazes isto?
Portanto, em ti esperamos,
pois tu fazes todas estas coisas.
J r 14.22
E m setembro de 1985, um terremoto sacudiu a Cidade do Mé
xico, matando cerca de 6.000 pessoas e deixando mais de
100.000 desabrigados. Um amigo meu quis usar esse evento
para ensinar seus filhinhos uma simples lição científica, en
tão lhes perguntou:
“Vocês sabem o que causa o terremoto?” Ele planejava res
ponder a pergunta com uma explicação simples das falhas
geológicas e das rochas em movimento na crosta terrestre.
Entretanto, sua aula de sismologia rapidamente se transfor
mou numa discussão teológica, quando sua filha de oito anos
respondeu: “Eu sei por quê. Deus estava exercendo juízo sobre
aquelas pessoas”. Embora a filha do meu amigo tenha chegado
a uma conclusão não comprovada sobre o juízo de Deus, ela
estava, em certo sentido, teologicamente correta. Deus estava
no controle daquele terremoto. Por qual razâo Ele permitiu o
ocorrido é uma pergunta que não somos capazes de respon
der (e nem deveríamos tentar), mas podemos dizer, de acordo
com o testemunho bíblico, que Deus de fato permitiu aquele
terremoto ou fez com que ele acontecesse.
DEUS CONTROLA 0 TEM PO1
Todos nós somos afetados pelo tempo e pelas forças da natu
reza em vários momentos de uma forma ou outra. Geralmente
somos apenas incomodados pelo tempo - um voo atrasado,
um passeio cancelado ou algo do gênero. Frequentemente
algumas pessoas em algum lugar são drasticamente afetadas
pelo tempo ou por forças mais violentas da natureza. Uma
seca prolongada faz murchar a colheita de um fazendeiro ou
uma tempestade de granizo acaba com ela em questão de ho
ras. Um tornado no estado do Texas deixa centenas de pessoas
desabrigadas, e um ciclone em Bangladesh destrói milhares
de alqueires de plantações.
Sempre que somos afetados pelo tempo, seja isso uma mera
inconveniência ou um desastre gigantesco, temos a tendência
de considerá-lo como nada além de uma expressão impessoal
de algumas leis meteorológicas ou geológicas fixas. Um siste
ma de baixa pressão para sobre a minha cidade natal, trazendo
uma imensa tempestade de neve, e fecha o aeroporto no dia
em que estou de viagem para um compromisso do ministério.
As forças dentro da terra pressionam a crosta até que um dia
ela se rompe, causando um grande terremoto. Quer seja algo
trivial ou traumático, tendemos a pensar sobre as expressões
da natureza como algo que “simplesmente acontece” e nos
1. N.R.: Quando o autor fizer menção da palavra “tempo" a usará com o significado de
clima.
consideramos vítimas “sem sorte” daquilo que a natureza pro
porcionar. Na prática, até mesmo o cristão tem a tendência
de pensar como o deísta que mencionei num capítulo ante
rior, que considera Deus como Aquele que criou o universo
e então o deixou funcionando de acordo com suas próprias
leis naturais.
Entretanto, Deus não abandonou o controle diário de Sua
criação. Ele certamente estabeleceu leis físicas pelas quais Ele
governa as forças da natureza, mas tais leis funcionam conti
nuamente de acordo com a Sua vontade soberana. Um mete
orologista de t v cristão concluiu que existem mais de 1.400
referências relativas à terminologia do tempo na Bíblia2. Mui
tas dessas referências atribuem o funcionamento do tempo
diretamente à mão de Deus. A maioria dessas passagens fala
do controle de Deus sobre todo o tempo, e não apenas de Sua
intervenção divina em ocasiões específicas.
Considere as seguintes passagens bíblicas:
Ele o solta por debaixo de todos os céus,
e o seu relâmpago, até aos confins da terra.
Porque elediz à neve: Cai sobre a terra;
e à chuva e ao aguaceiro: Sede fortes.
Pelo sopro de Deus se dá a geada,
e as largas águas se congelam.
Também de umidade carrega as densas nuvens,
nuvens que espargem os relâmpagos.
Então, elas, segundo o rumo que ele dá,
se espalham para uma e outra direção,
para fazerem tudo o que lhes ordena
2 . Nichols, Mike, “How’s the W eatherí”. Christian Herald, Julho/Agosto, 1984, p. 33.
sobre a redondeza da terra.
E tudo isso fa z ele vir para disciplina,
se convém à terra,
ou para exercer a sua misericórdia.
(Jó 37.3,6,10-13)
[Ele] que cobre de nuvens os céus,
prepara a chuva para a terra,
fa z brotar nos montes a erva.
[Ele] dá a neve como lã
e espalha a geada como cinza.
Ele arroja o seu gelo em migalhas;
quem resiste ao seu frio?
Manda a sua palavra e o derrete;
fa z soprar o vento, e as águas correm.
(Sl 147.8,16-18)
Fazendo ele ribombar o trovão,
logo há tumulto de águas no céu,
e sobem os vapores das extremidades da terra;
ele cria os relâmpagos para a chuva
e dos seus depósitos fa z sair o vento.
(Jr 10.13)
Além disso, retive de vós a chuva,
três meses ainda antes da ceifa;
e f z chover sobre uma cidade
e sobre a outra, não;
um campo teve chuva,
mas o outro, que ficou sem chuva, se secou.
(Am 4.7)
Observe como todos esses textos atribuem todas as expres
sões relativas ao tempo - boas ou ruins - diretamente à mão
controladora de Deus. As companhias de seguro fazem refe
rência aos desastres naturais como “atos de Deus”3. A verdade
é que todas as expressões da natureza, todos os acontecimen
tos relativos ao tempo, quer seja um tornado devastador ou
uma garoa num dia da primavera, são atos de Deus. A Bíblia
ensina que Deus controla todas as forças da natureza, tanto as
destrutivas quanto as produtivas, de maneira contínua.
Quer o tempo esteja bom ou ruim, jamais somos vítimas
ou mesmo os beneficiários das forças impessoais da natureza.
Deus, que é o Pai celestial amoroso de todo cristão verdadeiro,
é soberano sobre o tempo e exerce tal soberania a todo ins
tante. Conforme afirmou G. B. Berkouwer: “O cristão jamais
é vítima dos poderes da natureza ou do destino. O acaso é
eliminado”4.
RECLAMAR OU AGRADECER
Reclamar sobre o tempo parece ser um passatempo favorito
dos norte-americanos. Infelizmente, nós os cristãos nos fla
gramos praticando esse ato ímpio da nossa sociedade. Porém,
quando reclamamos do tempo, estamos na verdade reclaman
do de Deus que nos enviou tal condição de tempo. Estamos,
na realidade, pecando contra Deus (Nm 11.1).
Não pecamos apenas contra Deus quando reclamamos do
tempo, mas também nos privamos da paz que vem do reco-
nhecimendo de que nosso Pai celeste está no controle dele.
Alexander Carson disse: "A Bíblia nos mostra que todas as leis
3. N.R.: No Brasil os desastres naturais não são classificados da mesma forma que nos
Estados Unidos, inclusive há possibilidade de cobertura para esse tipo de sinistro.
4. Berkouwer, G. C., opus cit., p. 85.
físicas têm seu efeito a partir da ação imediata do Todo-Pode-
roso... os próprios cristãos, embora reconheçam a doutrina [da
providência de Deus], são propensos a ignorá-la na prática, e
consequentemente são privados, em grande medida, da vanta
gem que uma impressão constante e profunda dessa verdade
pode fornecer”5. Quer o tempo simplesmente atrapalhe meu
dia ou destrua a minha casa, preciso aprender a enxergar a
soberania de Deus e a Sua mão amorosa controlando-o.
Fato é que, para a maioria de nós, o tempo e os efeitos da
natureza são normalmente favoráveis. O tornado, a seca, até
mesmo as tempestades de neve que atrasam voos são a ex
ceção e não a regra. Temos a tendência de lembrar o tempo
“ruim” e ignorar o tempo bom. Entretanto, Jesus falou sobre
o tempo, e falou sobre a bondade de Deus: “Ele faz nascer o
seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos”
(Mt 5.45).
Embora Deus às vezes use o tempo e outras expressões da
natureza como instrumentos de juízo (Am 4.7-9), Ele nor
malmente usa o tempo como uma expressão da Sua provisão
graciosa para a Sua criação. Tanto o santo como o pecador se
beneficiam igualmente da provisão graciosa de Deus do tempo.
De acordo com Jesus, tal provisão não é meramente resultante
da certas leis físicas fixas e inexoráveis. Deus controla tais leis.
Ele/az o sol nascer, Ele envia a chuva.
Deus certamente estabeleceu algumas leis físicas para a
operação do Seu universo; todavia, tais leis sempre funcionam
de acordo com a Sua vontade direta. Novamente, Alexander
Carson explicou isso muito bem quando disse: “O sol e a chu
va ministram a nutrição e o conforto igualmente para o justo
e para o ímpio, não a partir da precisão das leis gerais, mas a
5. Carson, Alexander, The Historv o f Providettce, Baker, Grand Rapids, MI, s.d.
partir da providência imediata dAquele que, no governo do
mundo, quer tal resultado”6.
Como cristãos, precisamos parar de reclamar do tempo
e aprender a agradecer por ele. Deus, nosso Pai celeste, en
via-nos diariamente aquilo que Ele julga ser melhor para a
Sua criação.
DESASTRES NATURAIS
E o que dizer dos desastres naturais que acontecem com frequên
cia em várias partes do mundo? Muitos cristãos suscetíveis têm
sérias dificuldades relativas à vasta gama de desastres naturais
em grande escala que acontecem ao redor do mundo - um ter
remoto num lugar, a fome em outro, tufões e enchentes em outro
lugar. Milhares de pessoas morrem imediatamente, outras mor
rem lentamente de fome. Regiões inteiras são devastadas, plan
tações são arruinadas, lares são destruídos. Podemos perguntar:
“Por que Deus permite tais coisas?” ou “Por que Deus permite
que todas aquelas crianças inocentes morram de fome?”.
Não é errado lutar com tais questões, contanto que faça
mos isso com uma atitude reverente e submissa a Deus. Na
verdade, deixar de lutar com a questão da tragédia em gran
de escala pode até mesmo indicar uma falta de compaixão
da nossa parte para com os outros. Entretanto, precisamos
cuidar para, em nossa mente, não tirar Deus de Seu trono da
soberania absoluta ou colocá-lo no banco dos réus e levá-lo
para o nosso tribunal a fim de julgá-Lo.
Enquanto escrevia este capítulo, assisti ao noticiário da
t v certa noite. Uma das matérias principais foi de uma série
de grandes tornados que varreu a parte central do estado de
6. Carson, Alexander, Conüdence in God in Times ofD anfer. Reincr, Swengel, PA, 1975,
pp. 4,5.
Mississippi, matando 7 pessoas, ferindo pelo menos outras
145 e deixando aproximadamente 500 famílias desabrigadas.
Enquanto eu assistia às imagens das pessoas mexendo nos es
combros daquilo que fora seus lares, meu coração se compa
deceu delas. Pensei comigo mesmo: “Algumas dessas pessoas
certamente são cristãs. O que eu diria a elas a respeito da so
berania de Deus sobre a natureza? Será que eu mesmo creio
nisso em momentos assim? Não seria mais fácil simplesmente
aceitar a afirmação do Rabino Kushner de que isso é apenas
um ato da natureza - uma natureza moralmente cega que se
agita de acordo com suas próprias leis? Por que trazer Deus
para dentro de tal caos e sofrimento?”.
Mas o próprio Deus é quem faz tais eventos acontecerem.
Ele disse em Is 45.7:
Eu form o a luz e crio as trevas;
faço a paz e crio o mal;
eu, o Senhor , faço todas estas coisas.
O próprio Deus aceita a responsabilidade dos desastres, por
assim dizer. Na realidade, Ele vai além de aceitar a responsa
bilidade; Ele de fato reivindica a responsabilidade. No fundo,
Deus diz: “Eu, e Eu apenas, tenho o poder e a autoridade de
trazer à existência tanto a prosperidade quanto o desastre, tan
to a felicidade quanto o pesar, tanto o bem quanto o mal”.
E uma verdade difícil de aceitar quando você assiste pes
soas olhando cuidadosamente no meio do escombro de seus
lares ou - mais forte ainda - se você está remexendo no meio
dos escombros da sua casa. Porém, conforme comentou o Dr.
Edward J. Young sobre Is 45.7: “Nós nada ganhamosprocu
rando minimizar a força do presente versículo”7. Precisamos
7. Young, Edward J., The Book o fh a ia h , Eerdmand, Grand Rapids, MI, 1984, 3:201.
deixar que a Bíblia diga o que diz, e não o que achamos que
ela deveria dizer.
Obviamente não compreendemos por que Deus cria de
sastres, ou por que Ele os provoca em uma cidade específica
e não em outra. Reconhecemos, também, que assim como
Deus envia o Seu sol e a Sua chuva tanto para o justo quan
to para o injusto, Ele também envia o tornado, o furacão ou
o terremoto sobre ambos. Tenho amigos, colegas da missão
Os Navegadores, que estavam no meio do terremoto de 1985,
na Cidade do México. A soberania de Deus sobre a natureza
não significa que cristãos jamais enfrentarão as tragédias de
desastres naturais. A experiência e a observação claramente
ensinam o contrário.
A soberania de Deus sobre a natureza significa de fato que,
qualquer coisa que experimentemos seja por causa do tempo
ou de outras forças da natureza (assim como pragas ou invasão
de insetos em nossa plantação), todas as situações estão debai
xo do olhar atento e do controle soberano do nosso Deus.
AFLIÇÕES FÍSICAS
A doença e a atribulação física constituem outra área na qual
lutamos para confiar em Deus. Bebês vêm ao mundo com de
formidades sérias de nascença. O câncer atinge pessoas que,
aparentemente, fizeram todo o possível para evitá-lo. Outras
experimentam dores contínuas anos a fio sem qualquer alívio
da medicina. Até mesmo aqueles que gozam de boa saúde e
são habitualmente fortes experimentam doenças nos momen
tos mais inoportunos. Deus é soberano sobre esse aspecto da
natureza? Ele está no controle das doenças e enfermidades
físicas que nos atingem?
Quando Deus chamou Moisés para liderar os israelitas para
fora do Egito, Moisés declarou sua incapacidade, incluindo
o fato de ser pesado de língua. A resposta de Deus a Moisés
é muito instrutiva na área de aflição física, pois Deus disse:
“Respondeu-lhe o S e n h o r : Quem fez a boca do homem? Ou
quem faz o mudo, ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou
eu, o S e n h o r ? ” ( Ê x 4.11). Aqui Deus atribui especificamente
à Sua própria obra as aflições físicas da surdez, da mudez e
da cegueira. Tais aflições físicas não são meramente produto
de genes defeituosos ou de acidentes no nascimento. Essas
coisas podem de fato ser a causa imediata, mas por trás delas
encontra-se o propósito soberano de Deus. O doutor Donald
Grey Bernhouse, um dos grandes professores de Bíblia dos
meados do século 20, disse certa vez: “Nenhuma pessoa no
mundo ficou cega sem que Deus houvesse planejado a sua ce
gueira; nenhuma pessoa ficou surda sem que Deus houvesse
planejado sua surdez... Se você não acredita nisso, você pos
sui um Deus estranho que possui um universo que saiu do
compasso e que é incapaz de controlá-lo”8.
Quando Jesus encontrou um homem cego de nascimento,
Seus discípulos perguntaram a Ele: “Mestre, quem pecou, este
ou seus pais, para que nascesse cego?” (Jo 9.2). Jesus respon
deu: “Nem ele pecou, nem seus pais; mas foi para que se mani
festem nele as obras de Deus” (versículo 3). Jesus não respon
deu dizendo que não foi meramente um defeito de nascença
que provocou a cegueira do homem. Em vez disso, a cegueira
aconteceu no plano de Deus para que Deus pudesse ser glori-
ficado. Deus estava no controle da cegueira daquele homem.
Esse Deus que é o Deus da surdez, da mudez e da cegueira,
também é o Deus do câncer, da artrite, da síndrome de Down,
e de todas as aflições que nos atingem e àqueles a quem ama
mos. Nenhuma dessas aflições “simplesmente acontece”. Elas
8. Citado a partir de uma cópia impressa de um sermão, “The Sovereigntv o f God”. pre
gado pelo Dr. Donald G. Barnhouse, s.d., p. 2.
se encontram dentro da vontade soberana de Deus. Tal afir
mação nos remete imediatamente ao problema da dor e do
sofrimento. Por que um Deus soberano que nos ama permite
tanta dor e sofrimento?
A resposta para essa pergunta encontra-se além do escopo
deste livro. Resumidamente, sabemos que toda criação foi su
jeita à frustração por causa do pecado de Adão (conf. Rm 8.20).
Sendo assim, podemos dizer que a causa fundamental de toda
dor e sofrimento pode ser rastreada até a Queda. O bem ou
mal de Deus não é arbitrário ou caprichoso, mas Sua resposta
detèrminada ao pecado do homem. O Deus soberano que su
jeitou a criação à frustração ainda a governa, com dor e tudo
mais. As leis da genética e as doenças estão tão sob o contro
le dEle tanto quanto as leis da meteorologia. Meu propósito
não é lidar teologicamente com o problema da dor, mas nos
ajudar a lidar com ele no nível da fé, da confiança em Deus.
A primeira coisa que devemos fazer para que confiemos em
Deus é determinar se Ele está no controle, se Ele é soberano
sobre a área física da nossa vida. Se Ele não for; se as doenças
e aflições “simplesmente acontecem”, obviamente então não
há qualquer fundamento para se confiar em Deus. Porém,
se Deus é soberano nessa área, então podemos confiar nEle
sem compreender todas as questões teológicas envolvidas no
problema da dor.
AUSÊNCIA DE FILHOS
Outro campo de batalha na confiança em Deus é a questão
da ausência de filhos. Vários casais oram durante anos sem
quaisquer resultados quanto ao nascimento de seus filhos. En
tretanto, aqui também a Bíblia afirma de maneira consisten
te que Deus está no controle. A respeito de Ana, a Bíblia diz
que “ainda mesmo que o S e n h o r a houvesse deixado estéril”
(1 Sm 1.5), enquanto Ele abriu a madre de Lia (conf. Gn 29.31).
Sara, esposa de Abraão, disse: “Eis que o S e n h o r me tem im
pedido de dar à luz filhos” (Gn 16.2). O anjo do Senhor disse
à mãe de Sansão antes do nascimento dele: “Eis que és estéril
e nunca tiveste filho; porém conceberás e darás à luz um filho”
(Jz 13.3) O anjo do Senhor disse a Zacarias: “a tua oração foi
ouvida; e Isabel, tua mulher, te dará à luz um filho” (Lc 1.13).
Todas essas passagens bíblicas nos ensinam que Deus con
trola a concepção de filhos. Na realidade o Salmo 139.13 vai
um passo além e declara: “Pois tu formaste o meu interior, tu
me teceste no seio de minha mãe”. Deus não apenas controla
a concepção, Ele até mesmo supervisiona a formação daquele
pequeno bebê no ventre de sua mãe. Deus certamente exerce
um controle soberano e amoroso sobre todas as obras da Sua
criação, incluindo aquilo que acontece ao nosso corpo físico.
Então, como podemos confiar nEle no meio da aflição ou
da doença, na tristeza da ausência de filhos ou de uma criança
que nasce com um defeito grave de nascença? Se Deus está no
controle, por que Ele permite que tais coisas aconteçam? No
capítulo 1, eu disse que para confiarmos em Deus em meio à
adversidade, precisamos crer que Deus é completamente so
berano, perfeito em amor e infinito em sabedoria. Ainda não
estudamos o amor e a sabedoria de Deus, mas por enquanto
considere apenas uma passagem da Bíblia:
O Senhor não rejeitará para sempre;
pois, ainda que entristeça a alguém,
usará de compaixão
segundo a grandeza das suas misericórdias;
porque não aflige, nem entristece de bom grado
os filhos dos homens.
(Lm 3.31-33)
Deus não traz de bom grado aflições ou tristeza a nós. Ele
não se agrada em nos fazer passar por dor e sofrimento. Ele
sempre possui um propósito para a dor que traz ou que per
mite a nós aconteça. Na maioria das vezes desconhecemos tal
propósito, mas basta saber que Sua sabedoria infinita e seu
amor perfeito determinaram que aquela dor é o melhor para
nós. Deus jamais desperdiça dor. Ele sempre a usa para reali
zar Seu propósito. E o seu propósito visa a Sua glória e o nos
so bem. Portanto, podemos confiar em Deus quando o nosso
coração está ansioso e o nosso corpo é fustigado pela dor.
Confiar em Deus em meio à dor e a tristeza significa aceitar
que isso vem dEle. Há uma grande diferença entre aceitação
e qualquer resignação ou submissão. Podemos nos resignar a
uma situação difícil, simplesmenteporque não vemos alter
nativa. Muitos fazem isso boa parte do tempo. Ou podemos
nos submeter à soberania de Deus em nossas circunstâncias
com certa quantidade de relutância. Porém, aceitar verdadei
ramente a nossa dor e tristeza tem uma conotação de volunta-
riedade. Uma atitude de aceitação diz que confiamos em Deus,
que Ele nos ama e sabe o que é melhor para nós.
A aceitação não significa que não oramos pedindo cura fí
sica, ou pela concepção de um filho em nosso casamento. De
vemos de fato orar por tais coisas, mas devemos orar de forma
confiante. Devemos perceber que, embora Deus possa fazer
todas as coisas, por razões infinitamente sábias e amorosas,
Ele pode não fazer aquilo que pedimos em oração. Como sa
bemos por quanto tempo devemos orar? Enquanto pudermos
orar de maneira confiante, com uma atitude de aceitação da
Sua vontade, devemos orar enquanto o desejo existir.
Enquanto escrevia este capítulo, percebi muito bem que
eu jamais experimentei as tragédias sobre as quais estou es
crevendo. Jamais estive na pele de um fazendeiro assistindo
a uma tempestade de granizo destruir minha plantação, nem
precisei remexer nos escombros de minha casa destruída por
um tornado. Jamais experimentei uma dor física prolongada,
nem passei pela dor de ter uma criança que nasceu com um
defeito de nascença incurável. As enfermidades físicas que
tenho, como minha audição parcial e meu problema de visão,
são pequenos se comparados às enfermidades dos outros. En
tão, eu admito que estou escrevendo sobre algo que está além
da minha experiência.
Entretanto, eu sei que Deus não precisa da minha experiên
cia para validar a veracidade da Sua Palavra. Fato é que Seu
controle soberano sobre a natureza foi atestado em Sua Palavra
muito antes de eu entrar em cena e ainda permanecerá firme
depois de eu partir deste mundo. Nossa confiança em Deus
não deve se basear na experiência de alguém, mas naquilo que
Deus nos falou a respeito de Si mesmo em Sua Palavra.
Muitas centenas de anos atrás, o profeta Habacuque lutou
com a questão “Onde está Deus?” em todo o mal que ele via
a sua volta. Ele finalmente chegou à conclusão de que, em
bora ele não compreendesse o que Deus estava fazendo, ele
confiaria em Deus. Sua afirmação de confiança, formulada
na linguagem de um mundo caótico ao seu redor, seria um
exemplo adequado para seguirmos à medida que lutamos com
a soberania de Deus sobre a natureza. Habacuque disse:
Ainda que a figueira não floresça,
nem haja fruto na vide;
o produto da oliveira minta,
e 05 campos não produzam mantimento;
as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco,
e nos currais não haja gado,
todavia, eu me alegro no Senhor ,
exulto no Deus da minha salvação.
(Hc 3.17-18)
C A P Í T U L O S E T E
A SOBERANIA DE DEUS E A
NOSSA RESPONSABILIDADE
Porém nós oramos ao nosso Deus e, como proteção,
pusemos guarda contra eles, de dia e de noite.
Ne 4.9
\
A medida que examinamos as Escrituras para ver o que nos
ensinam acerca da soberania de Deus, eu ocasionalmente
introduzi uma palavra de cautela sobre os perigos do mau uso
ou do abuso do ensino da soberania de Deus. Neste capítulo,
queremos abordar esse problema de maneira mais detalha
da para que não comecemos a achar inconscientemente que
a soberania de Deus anula qualquer responsabilidade nossa
quanto a viver uma vida responsável e prudente.
Conta-se a história de um homem que levava a doutrina da
soberania de Deus a tal extremo que ele acabou caindo numa
espécie de fatalismo divino. Certo dia, ao descer um lance de
escadas, descuidou-se, tropeçou e caiu de cabeça no chão. Ao
se levantar, ele avaliou cuidadosamente seus machucados e
disse para si mesmo: “Ufa! Sou grato por ter terminado. Ain
da bem que esta terminou”.
Se nós não formos cuidadosos, poderemos adotar, tal qual
o homem insensato da história, uma atitude fatalista em rela
ção à soberania de Deus. Um aluno que vai mal numa prova
importante tenta se justificar dizendo: “Bom, Deus é soberano,
e Ele determinou que eu fosse mal nesta prova”. Um moto
rista pode causar um acidente e, interiormente, fugir de sua
falta de cuidado, atribuindo o acidente à soberania de Deus.
É claro que tais atitudes não se coadunam com o que ensina
a Bíblia, portanto, são tolas; entretanto, não é difícil agirmos
dessa maneira.
SOBERANIA E ORACÃO
No capítulo anterior, tratamos do controle soberano de Deus
sobre o tempo1 e outras forças da natureza. Como viajo de
avião com frequência, fui prejudicado várias vezes pelas con
dições inadequadas do tempo para voar. Certa tarde, dirigindo
rumo à minha casa em meio a uma tempestade de neve, refle
tia sobre o fato de o aeroporto estar fechado devido à tempes
tade e que eu tinha voo marcado para a manhã seguinte para
pregar numa conferência. No entanto disse a mim mesmo e
a Deus: “Deus, sei que o Senhor controla essa tempestade, e
também está no controle da conferência em que irei pregar.
Se o Senhor desejar que eu esteja nessa conferência amanhã
à noite, o Senhor desviará a tempestade para que o aeroporto
possa reabrir amanhã cedo. Não vou ficar ansioso”.
Nessas circunstancias, preciso admitir que essa atitude de
me recusar a ficar ansioso foi um progresso para mim ao me
deparar com um clima desfavorável para voar. Depois de che
gar em casa, contei à minha esposa minha decisão de não ficar
ansioso sobre poder ou não sair no horário na manhã seguinte.
1. N.R.: Da mesma forma que no capítulo anterior, a palavra “tempo” ao clima.
Ela me olhou com um sorriso e disse: “Não fique ansioso, mas
ore a respeito”.
Pensei comigo mesmo, como fu i tolo. Eu havia focado tão
fortemente na soberania de Deus acerca do clima que acabei
negligenciando completamente Sua ordem expressa para orar
mos. Ele de fato diz para nós: “Não andeis ansiosos de coisa
alguma”, mas logo o texto continua com “em tudo, porém, se
jam conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração
e pela súplica, com ações de graças” (Fp 4.6).
Deus certamente estava no controle soberano daquela tem
pestade de neve que havia fechado nosso aeroporto. Porém, o
conhecimento de que Deus é soberano tem o propósito de ser
um encorajamento para orarmos, e não uma desculpa para
cairmos num fatalismo piedoso.
O quarto capítulo de Atos nos fala sobre Pedro e João sendo
ameaçados pelo Sinédrio judaico e recebendo a ordem de não
falar ou ensinar qualquer coisa em nome de Jesus. Quando
Pedro e João relataram isso aos outros cristãos, eles levanta
ram suas vozes em uníssono ao Senhor em oração:
Tu, Soberano Senhor, que fizeste o céu, a terra, o m ar e tudo
o que neles há;... para fazerem [Herodes, Pôncio Pilatos, os
gentios, os judeus] tudo o que a tua mão e o teu propósito
predeterminaram; agora, Senhor, olha para as suas ameaças
e concede aos teus servos que anunciem com toda a intrepi
dez a tua palavra (At 4.24,28,29).
Os discípulos criam na soberania de Deus. Todavia, a so
berania de Deus era para eles um motivo e um encorajamen
to para orar. Eles criam que, pelo fato de Deus ser soberano,
Ele era capaz de responder à oração deles. Eles reconhece
ram o propósito soberano de Deus nos eventos passados (por
exemplo: na crucificação), mas jamais presumiram conhecer
o decreto divino para os eventos futuros. Sabiam apenas que
Cristo havia ordenado que fossem Suas testemunhas em Je
rusalém, em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.
Assim eles oraram, confiantes que o Deus soberano, o qual ha
via ordenado que fossem testerpunhas, era capaz de eliminar
os obstáculos à obediência deles.
A oração pressupõe a soberania de Deus. Se Deus não é
soberano, não temos segurança de que Ele é capaz de respon
der à nossa oração. Ela não passaria de meros desejos. Porém,
enquanto a soberania de Deus, juntamente com Sua sabedo
ria e amor, se constituem no fundamento da nossa confiança
nEle, a oração é a expressão dessa confiança.
O pregador puritano Thomas Lye, num sermão intitulado
“How are We to Liveby Faith on Divine Providence?”, disse:
“Assim como a oração sem fé é um esforço inútil, a confiança
sem a oração [é] apenas uma vangloria presunçosa. Aquele
que promete dar, e nos ordena a confiar em Suas promessas,
também ordena que oremos, e espera que obedeçamos à Sua
ordem. Ele nos dará, mas não sem que peçamos”2.
Enquanto preso em Roma, o apóstolo Paulo escreveu ao
seu amigo Filemom: “Além disso, prepare-me um aposento,
porque, graças às suas orações, espero poder ser restituído
a vocês” (Fm 22 - NVI). Paulo não supôs conhecer a vonta
de secreta de Deus. Ele esperava ser restituído. Ele não disse
simplesmente: “Serei restituído”. Mas ele sabia que Deus em
Sua soberania era completamente capaz de soltá-lo, então ele
pediu que Filemom orasse por isso. A oração era a expressão
da confiança de Paulo na soberania de Deus.
John Flavel foi outro pregador puritano e um escritor
2. Lye, Thomas, "How Are We to Live bv Faith on Divine Providence?” Puritan
Sermons 1659-1689. Richard Owen Roberts, Publisher, Wheaton, IL: 1981,1:374. Esta
é uma coleção de sermões de setenta e cinco pregadores puritanos, originalmente pu
blicada com intervalos irregulares entre 1660 e 1691, em Londres.
prolífico (seis volumes de obras selecionadas). Ele escreveu
um tratado clássico intitulado The Mystery o f Providence, pu
blicado pela primeira vez em 16783. É instrutivo observar que
Flavel começa seu tratado sobre a providência soberana de
Deus com uma homilia no SI 57.2: “Clamarei ao Deus Altís
simo, ao Deus que por mim tudo executa”. Resumindo, Fla
vel nos diz que pelo fato de Deus ser soberano, deveríamos
orar. A soberania de Deus não anula nossa responsabilidade
de orar; mas ao contrário torna possível a oração feita com
confiança.
SOBERANIA E PRUDÊNCIA
Assim como a soberania de Deus não coloca de lado nossa
responsabilidade de orar, ela também não anula nossa respon
sabilidade de agir com prudência. Nesse contexto, agir com
prudência significa fazer uso de todos os meios legítimos e
bíblicos à nossa disposição para evitar prejudicar a nós mes
mos e aos outros, para realizar aquilo que entendemos ser o
curso correto dos eventos.
Encontramos uma ilustração do uso dos meios adequa
dos para evitar os problemas na vida de Davi, enquanto ele
fugia do Rei Saul, na época em que o Rei estava determinado
a matá-lo. Davi já havia sido ungido como sucessor de Saul
no trono (1 Sm 16.13). Conforme acabamos de ver no SI 57.2,
Davi confiava que Deus cumpriria Seu propósito para ele.
Todavia, Davi tomou todas as precauções possíveis para evi
tar ser morto por Saul. Ele não abusou da soberania de Deus,
mas ao contrário agiu de maneira prudente na dependência
da bênção divina sobre seu empenho.
3. Flavel, John, The Works o flohn Flavel. Banner of Truth, Edinburgo, 1982, 4:336-497.
Vemos na vida de Paulo uma ilustração de um agir com
prudência que resulta no curso correto dos eventos. A história
envolve a viagem de Paulo a Roma e o naufrágio que ocorreu
na ilha de Malta, registrado em At 27. Depois de vários dias
sendo golpeados por uma tempestade violenta, quando to
dos haviam perdido toda a esperança de serem salvos, Paulo
colocou-se diante deles e disse:
Mas, já agora, vos aconselho bom ânimo, porque nenhuma
vida se perderá de entre vós, mas somente o navio. Porque,
esta mesma noite, um anjo de Deus, de quem eu sou e a quem
sirvo, esteve comigo, dizendo: Paulo, não temas! É preciso
que compareças perante César, e eis que Deus, por sua graça,
te deu todos quantos navegam contigo. Portanto, senhores,
tende bom ânimo! Pois eu confio em Deus que sucederá do
modo por que m efoi dito. Porém é necessário que vamos dar
a uma ilha (At 27.22-26).
Paulo não apenas confiou na soberania de Deus, ele teve
uma revelação expressa do céu de que nenhuma vida seria per
dida naquele naufrágio. Todavia, algum tempo depois, quando
ele viu os marinheiros tentando escapar do navio em botes
salva-vidas, ele disse ao centurião romano: “Se estes não per
manecerem a bordo, vós não podereis salvar-vos” (At 27.31).
Paulo aparentemente percebeu que a presença de marinheiros
habilidosos era necessária para a segurança dos passageiros,
até naquele momento. Portanto, ele agiu de maneira pruden
te para que acontecesse aquilo que Deus, por meio de uma
revelação divina, já havia prometido. Ele não confundiu so
berania de Deus com a responsabilidade que tinha de agir de
forma prudente.
Paulo não considerou o propósito soberano de Deus como
motivo para negligenciar o seu dever ainda que, naquela
situação, o propósito de Deus tenha sido a ele revelado por
um anjo do céu. Em nossas circunstâncias hoje, não sabemos
qual é o propósito soberano de Deus numa situação específica.
Deveríamos estar ainda mais conscientes para não usarmos a
soberania de Deus como desculpa para fugir dos deveres que
Ele ordenou na Bíblia. Deus normalmente trabalha através
dos recursos, e Ele propõe que usemos os recursos que Ele
colocou à nossa disposição.
Quando Neemias estava reconstruindo o muro ao redor de
Jerusalém, ele e seu povo enfrentaram a ameaça de um ataque
armado de seus inimigos (Ne 4.7,8). A resposta de Neemias
foi orar e colocar guarda - oração e prudência (versículo 9).
Além disso, o texto diz: “Daquele dia em diante, metade dos
meus moços trabalhava na obra, e a outra metade empunha
va lanças, escudos, arcos e couraças”. E não apenas isso: “Os
carregadores, que por si mesmos tomavam as cargas, cada
um com uma das mãos fazia a obra e com a outra segurava a
arma. Os edificadores, cada um trazia a sua espada à cinta, e
assim edificavam” (versículos 16-18).
Neemias confiou na soberania de Deus. Ele disse: “nos
so Deus pelejará por nós” (versículo 20). Contudo, ele também
fez uso dos meios à sua disposição, crendo que Deus em Sua
soberania abençoaria aqueles recursos.
Um dos recursos mais básicos de prudência que Deus nos
deu é a oração. Não devemos apenas orar pela intervenção da
providência de Deus Sua providência dominante em nossa
vida como fez Davi (Sl 57.2), mas precisamos orar também
por sabedoria para que compreendamos corretamente nossas
circunstâncias e usemos os recursos que Ele nos dá. Quan
do os Gibeonitas procuraram enganar Josué e os homens de
Israel, eles vieram com roupas gastas e com pães secos e bo
lorentos, fingindo ter vindo de longe. A Bíblia diz: “Então,
os israelitas tomaram da provisão e não pediram conselho
ao S e n h o r ” ( J s 9.14). Como resultado, eles foram engana
dos pelos Gibeonitas e fizeram um acordo com eles, quan
do deveriam destruí-los. Eles não foram prudentes, pois não
oraram pedindo ao Senhor sabedoria e discernimento para
compreender a situação.
Outro recurso de prudência que Deus nos deu é a oportu
nidade de buscar o conselho sábio e piedoso. Provérbios 15.22
diz: “Onde não há conselho fracassam os projetos, mas com
os muitos conselheiros há bom êxito”. Entretanto, Pv 16.9 nos
diz que os planos de uma pessoa têm êxito apenas dentro da
vontade soberana de Deus. Todo o conselho sábio no mundo
é incapaz de fazer com que os planos sejam bem sucedidos
contra a vontade soberana de Deus. No entanto, Deus usa o
conselho sábio dos outros para alinhar nossos planos com
Sua vontade soberana. Novamente, não podemos confundir
nossos deveres; neste caso, buscar o conselho sábio, com a
vontade soberana de Deus.
ORACÀO E PRUDÊNCIA
Anteiormente fiz uma breve menção do uso que Neemias fez
da oração e da prudência: “Porém nós oramos ao nosso Deus
e, como proteção, pusemos guarda contra eles, de dia e de
noite” (Ne 4.9). A oração é o reconhecimento da soberania
de Deus e de nossa dependência dEle agir em nosso favor. A
prudência é o reconhecimento da nossa responsabilidade de
usar todos os recursos legítimos. Não devemos separar essas
duas coisas. Vemos isso muito bem ilustrado na seguinte pas
sagem bíblica:
Dos filhos de Rúben, dos gaditas e da meia tribo de Manassés,
homens valentes, que traziam escudo e espada,entesavam
o arco e eram destros na guerra, houve quarenta e quatro
mil setecentos e sessenta, capazes de sair a combate. Fize
ram guerra aos hagarenos, como a Jetur, a Nafis e a Nodabe.
Foram ajudados contra eles, e os hagarenos e todos quantos
estavam com eles foram entregues nas suas mãos; porque, na
peleja, clamaram a Deus, que lhes deu ouvidos, porquanto
confiaram nele (1 Cr 5.18-20).
Os guerreiros descritos nessa passagem eram fisicamente
capacitados e bem treinados. Eles foram prudentes; haviam to
mado todas as precauções para serem capazes de lutar quando
fosse necessário. Porém, eles não confiaram em suas habilidades
e treinamento. Eles clamaram a Deus, e Ele respondeu a oração,
pois haviam confiado nEle. Deus interveio soberanamente. En
tregou todos os inimigos nas mãos deles, pois eles oraram.
Todos os nossos planos, todos os nossos esforços, toda a
nossa prudência serão em vão a menos que Deus faça com
que os recursos prosperem. O SI 127.1 diz:
Se o Senhor não edificar a casa,
em vão trabalham os que a edificam;
se o Senhor não guardar a cidade,
em vão vigia a sentinela.
Nessa passagem encontra-se o conceito tanto do empenho
ofensivo quanto do empenho defensivo; tanto da construção
para o progresso, quanto do vigiar contra a destruição. Em
certo sentido, o versículo resume bem toda a nossa responsa
bilidade na vida. Quer seja na área física, mental ou espiritual,
devemos sempre construir e vigiar. O SI 127.1 fala que nenhum
desses esforços prosperararão se Deus não intervier neles.
Observe quão fortemente o salmista descreve a necessidade
da intervenção de Deus em nossos esforços. O texto não diz:
“Se o Senhor não abençoar ou ajudar o construtor e o vigia,
seus esforços serão em vão”. Pelo contrário, ele fala em ter
mos do próprio Deus construindo a casa e vigiando a cidade.
Ao mesmo tempo, não há qualquer sugestão no texto de que
Deus substitui os construtores e os vigias. O significado óbvio
é que em todas as áreas, somos dependentes de Deus para nos
capacitar e fazer prosperar todo nosso empenho.
Precisamos depender de Deus para fazer por nós naquilo
que somos incapazes de fazer por nós mesmos. Precisamos,
na mesma intensidade, depender dEle para que nos capacite
a fazer o que devemos fazer por nós mesmos. O fazendeiro
precisa fazer uso de toda sua habilidade, experiência e recur
sos para cultivar uma colheita. Todavia, ele é completamente
dependente de forças externas a ele. Tais forças da natureza
(umidade, insetos, sol) estão, conforme vimos, sob o controle
soberano direto de Deus. O fazendeiro depende do controle
de Deus sobre natureza para que sua plantação cresça. Porém,
ele é igualmente dependente de Deus para conseguir arar,
plantar, fertilizar e cultivar a plantação da maneira apropriada.
De onde ele obteve sua destreza, a capacidade de aprender a
partir de sua experiência, os recursos financeiros para com
prar o equipamento e os fretilizantes que usa? De onde vem
até mesmo sua força física para executar suas tarefas? Todas
essas coisas não vêm da mão de Deus que “a todos dá vida,
respiração e tudo mais” (At 17.25)? Em cada um dos aspectos,
somos completamente dependentes de Deus.
Há momentos em que não podemos fazer nada e há mo
mentos em que precisamos agir. Em ambos os casos, somos
igualmente dependentes de Deus. Quando os israelitas esta-
vam no deserto, eles tinham consciência de dependerem de
Deus tanto para o alimento quanto para a água. Moisés disse a
eles: “Ele te humilhou, e te deixou ter fome, e te sustentou com
o maná... para te dar a entender que não só de pão viverá o
homem, mas de tudo o que procede da boca do S e n h o r viverá
o homem” (Dt 8.3). Os israelitas precisavam aprender que não
podiam simplesmente mergulhar no suprimento de alimen
to que tinham sempre que quisessem. Deus os colocou numa
posição de dependência consciente de Sua provisão diária.
Entretanto, chegaria o momento quando estariam numa
“terra em que comerás o pão sem escassez, e nada te faltará nela”
(Dt 8.9). Então, Moisés os alertou para que não confiassem em
sua própria capacidade como agricultores, dizendo a si mes
mos: “A minha força e o poder do meu braço me adquiriram
estas riquezas”. Ao contrário disso, ele disse: “Te lembrarás do
S e n h o r , teu Deus, porque é ele o que te dá força para adqui
rires riquezas” (Dt 8.17,18).
Por vezes, Deus nos reduz a uma dependência consciente e
completa dEle. Alguém que amamos está muito doente, além
da capacidade médica de tratamento. O desemprego chegou
ao ponto de deixar pratos vazios e não há qualquer perspectiva
de um emprego. Em alguns momentos estamos prontos para
reconhecer nossa dependência e clamar a Deus por Sua inter
venção. No entanto somos tão dependentes nesses momen
tos quanto somos quando o médico diagnostica uma doença
comum e prescreve o medicamento apropriado. O mesmo
vale para o dia de pagamento, quando nossas necessidades
materiais são satisfeitas.
Ao mesmo tempo nós somos responsáveis. A Bíblia jamais
nos permite usar nossa completa dependência em Deus como
desculpa para a indolência. Eclesiastes 10.18 diz: “Pela mui
ta preguiça desaba o teto, e pela frouxidão das mãos goteja a
casa”. E novamente: “O preguiçoso não lavra por causa do in
verno, pelo que, na sega, procura e nada encontra” (Pv 20.4).
Nós somos absolutamente dependentes de Deus, mas, ao mes
mo tempo, somos responsáveis por usar diligentemente quais
quer meios apropriados para a ocasião.
O homem da história relatada no início do Capítulo deve
ria ter sido mais cuidadoso ao descer as escadas. Ele poderia
ter prestado atenção ao aviso que dizia: “Favor usar o corri
mão”. Ele não pode atribuir sua queda ao fatalismo divino.
Nem o aluno que não passa em sua prova, nem o trabalhador
que perde seu emprego por falta de diligência, nem a pessoa
que adoece por causa de maus hábitos de vida. Nosso dever
encontra-se na vontade revelada de Deus na Bíblia. Nossa con
fiança precisa repousar sobre a vontade soberana de Deus, à
medida que Ele trabalha nas circunstâncias comuns do nosso
dia-a-dia, para o nosso bem e para a Sua glória.
Não existe conflito entre confiar em Deus e aceitar nossa
responsabilidade. Thomas Lye, o pastor puritano já anterior
mente citado neste capítulo, disse: “A confiança... [usa] os
meios prescritos por Deus para realizar o fim por Ele desig
nado... os meios providos por Deus devem ser usados, assim
como a bênção vinda de Deus deve ser esperada”4.
Alexander Carson faz uma observação parecida quando
diz: “Aprendamos... que assim como Deus prometeu nos pro
teger e prover para nós, é através dos meios da Sua designa
ção, vigilância, prudência e aplicação, que devemos aguardar
as bênçãos”s.
NOSSO FRACASSO E A SOBERANIA DE DEUS
Já vimos que a soberania de Deus não suprime nosso dever de
agir com responsabilidade e prudência em toda ocasião. E o
outro lado da questão? Será que a falha da nossa parte em agir
prudentemente frustra o plano soberano de Deus? A Bíblia
jamais indica que Deus é frustrado na intensidade que for pela
4. Lye, Thomas, opus cit., 1:374.
5. Carson, Alexander, Conãdence in God in Times ofD anfer Reiner, Swengel, PA, 1975, p. s/n.
nossa falha em agir conforme deveríamos. Em Sua sabedoria
infinita, o plano soberano de Deus inclui nossas falhas e até
mesmo nossos pecados.
Quando Mordecai pediu à rainha Ester para que interce
desse junto ao rei Assuero em prol dos judeus, ela replicou
com a explicação de que se entrasse na presença do rei sem ser
convidada, correria o risco de ser morta (Et 4.10,11). Entretan
to, Mordecai respondeu a ela: “Porque, se de todo te calares
agora, de outra parte se levantará para os judeus socorro e li
vramento, mas tu e a casa de teu pai perecereis; e quem sabe
se pára conjuntura como esta é que foste elevada a rainha?”
(Et 4.14). A frase-chave na resposta de Mordecai é “de outra
parte se levantará para os judeus socorro e livramento”.
Deus, em Sua sabedoriae recursos infinitos, não estava
limitado à resposta de Ester. As opções que Deus tinha para
fornecer livramento aos judeus eram tão infinitas quanto Sua
sabedoria e Seu poder. Ele literalmente não precisava da co
operação de Ester. No entanto, nesta situação, Ele escolheu
usá-la. O argumento final de Mordecai para Ester, “e quem
sabe se para conjuntura como esta é que foste elevada a rai
nha?” supõe que Deus usa pessoas e meios para realizar Seu
propósito soberano.
Conforme os eventos comprovaram, Deus de fato levantou
Ester para efetuar o Seu propósito. Porém, Ele poderia facil
mente levantar outra pessoa ou usar de outros meios para isso.
Deus geralmente opera por meio de eventos comuns (em con
traste com milagres) e da ação voluntária das pessoas, mas Ele
sempre fornece os meios necessários e as orienta através de
Sua mão invisível. Deus é soberano e não pode ser frustrado
pelo nosso fracasso em agir ou por nossas ações, que em si
mesmas são pecaminosas. Entretanto, precisamos nos lembrar
sempre que Deus ainda nos responsabiliza por nossos próprios
pecados, os quais Ele usa para cumprir o Seu propósito.
Enquanto concluímos estes estudos sobre a soberania de
Deus e voltamos nossa atenção para a Sua sabedoria e o Seu
amor, precisamos perceber novamente que não existe conflito
na Bíblia entre a soberania de Deus e a nossa responsabilidade.
Os dois conceitos são ensinados com a mesma ênfase e sem
qualquer tentativa de “conciliá-los”. Consideremos os dois
com a mesma importância, cumprindo nosso dever conforme
revelado a nós nas Escrituras e confiando que Deus executará
soberanamente Seu propósito em nós e através de nós.
C A P Í T U L O 0110
A SABEDORIA DE DEUS
Ó profundidade da riqueza,
tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
Rmll .33
\
A s 9hl5, pouco tempo após as crianças se prepararem para
a primeira aula na manhã do dia 21 de outubro de 1966,
o pico de um monte de uma mina de carvão do Sul de Gales
deslizou sobre parte da tranqüila comunidade de mineiros
de Aberfan. Dentre todas as tragédias incontáveis daquele
dia, nenhuma foi pior do que o destino da escola de ensino
fundamental. O lodo preto deslizou da montanha criada pelo
homem e escorreu até as salas de aula, soterrando cinco pro
fessores e 109 alunos que não tiveram tempo de fugir.
Um clérigo que foi entrevistado por um repórter da BBC
no momento da [tragédia], disse [em resposta]... ao questio
namento inevitável sobre Deus: ‘Bem...creio que temos de
admitir que estamos diante de uma ocasião na qual o Todo-
- Poderoso cometeu um erro”’1.
1. Edwards, Brian H., Nat bv Chance. Evangelical Press, Welwyn, England, 1982, p. 14.
O cristão verdadeiro ficaria horrorizado com a afirmação
leviana e blasfema do clérigo acerca de Deus. Mas será que,
por vezes, não nos perguntamos, naquele momento em que
algum tipo de calamidade nos atinge, se Deus não cometeu um
erro em nossa vida? Penso a respeito de outra afirmação - não
leviana, mas franca - feita por um cristão sincero que obser
vava a luta de uma criança contra o câncer: “Espero que Deus
saiba o que está fazendo nesta situação”. Qualquer pessoa que
já lidou profundamente com a adversidade possivelmente se
identifica com a dúvida que esta pessoa manifestou.
Quando paramos para pensar no assunto, sabemos no mais
íntimo do nosso ser que Deus não comete um único erro em
nossa vida, nem em um vilarejo do Sul de Gales ou em qual
quer outro lugar. Deus sabe o que está fazendo. A sabedoria
de Deus é infinita. Ele sabe sempre o que é melhor para nós e
qual a melhor maneira de obter o resultado desejado.
Sabedoria é comumente definida como sendo um discer
nimento adequado ou a capacidade de desenvolver o melhor
curso de ação ou a melhor resposta a uma situação específica.
Podemos afirmar com convicção que a sabedoria humana é,
na melhor das hipóteses, falha. O ser humano mais sábio não
possui todos os fatos de uma situação específica, nem é capaz
de prever com certeza os resultados de um dado curso de ação.
Todos nós de vez em quando sofremos com algumas decisões
importantes, tentando determinar o melhor curso de ação.
No entanto, Deus jamais se angustia para tomar uma de
cisão. Ele não precisa nem mesmo refletir com vagar ou con
sultar outros além de Si mesmo. Sua sabedoria é própria de
Deus, infinita e infalível: “O Seu entendimento não se pode
medir” (Sl 147.5).
O teólogo do século xix J. L. Dagg descreveu a sabedoria
como “a escolha do melhor fim de ação, e a adoção dos me
lhores meios para se alcançar esse fim”. Depois ele acrescentou:
“Deus é infinitamente sábio, porque Ele escolhe a melhor linha
de ação... [e] porque adota os melhores meios possíveis para
a realização do objetivo que tem em mente”2.
O melhor fim possível de todas as ações de Deus é a Sua
glória. Isto é, tudo que Deus faz ou permite em toda a Sua
criação servirá para a Sua glória. Conforme diz John Piper em
seu livro Desiring God: “O propósito final do Homem é glori
ficar a Deus e deleitar-se nEle eternamente”3. Basta folhear o
Novo Testamento procurando a palavra glória para concordar
com John Piper que o propósito final de Deus é a Sua própria
glória (Para começar, confira Jo 15.8; Rm 1.21; 11.36; 1 Co 10.31;
Ef 1.12,14; Ap 4.11; 5.13; 15.4).
Tudo que abrange o conceito de glória de Deus é um mis
tério que somos incapazes de compreender completamente,
mas sabemos que isso envolve a manifestação de toda Sua
grandeza e Suas maravilhosas perfeições, incluindo a perfei
ção de Sua sabedoria.
BELEZA qUE BROTA DAS CINZAS
Enquanto assistimos ao desdobramento de eventos trágicos,
ou de modo mais pessoal, quando nós mesmos experimen
tamos a adversidade, temos a tendência de perguntar a Deus
“por quê?”. O motivo de fazermos tal pergunta vem de não
enxergarmos que qualquer bem possível para nós ou para a
glória de Deus pode se originar de circunstâncias adversas
específicas as quais tenham surpreendido a nós ou àqueles
que amamos. Contudo, não é a sabedoria de Deus - conse
quentemente a glória de Deus - mais claramente evidenciada
2. Dagg, J. L., Manual o f Thenlnpv. Southern Baptist Publication Society, 1857; reim-
presso por Gano Books, Harrisonburg, VA, 1982, pp 86-87.
3. Piper, John, Desirinp God. Multnomah, Portland, OR, 1986, p. 23.
quando produz o bem a partir da calamidade do que de situ
ações favoráveis?
A sabedoria de um jogador de xadrez é mais visível quan
do ele derrota um oponente de peso, e não quando ele ga
nha de um novato inexperiente. A sabedoria de um general é
mais demonstrada quando ele derrota um exército superior
do que quando subjuga um inferior. Muito mais que isso, a
sabedoria de Deus é mais evidente quando Ele, do meio da
calamidade e do tumulto, promove o nosso bem e glorifica
Seu próprio nome.
Não há dúvidas de que o povo de Deus vive num mundo
hostil. Temos um inimigo, o Diabo, [que] “anda em derre-
dor, como leão que ruge procurando alguém para devorar”
(1 Pe 5.8). Ele deseja nos peneirar como trigo como fez com
Pedro (Lc 22.31), ou nos faz amaldiçoar a Deus como tentou
fazer com Jó. Deus não nos poupa das seqüelas causadas por
doenças, dores e desapontamentos deste mundo amaldiçoa
do pelo pecado. Deus, porém, é capaz de tomar todos esses
elementos, tanto o mal como o bom, e fazer uso completo de
cada um deles.
Conforme disse alguém há alguns anos: “Uma sabedoria
inferior à divina se sentiria impelida a proibir, a evitar ou a
resistir às obras desses planos diabólicos. É fato que os filhos
de Deus normalmente tentam fazer isso, ou clamam sem ces
sar para que o Senhor o faça. É por esse motivo que com fre
quência parece que as orações permanecem sem resposta. Isso
acontece porque estamos sendo direcionados por uma sabe
doria que é perfeita, uma sabedoria capaz de conseguir aquilo
que deseja controlando as coisas e as pessoas que tencionam
o mal fazendo-as cooperarempara o bem”4.
A sabedoria infinita de Deus é então evidenciada ao pro
4. Citado a partir de um artigo muito antigo, sem data e sem autoria no arquivo do au
tor de uma editora britânica, A Witness and a Testimonv.
duzir o bem a partir do mal, beleza que brota das cinzas. Ela
se revela ao transformar todas as forças do mal que lutam
contra Seus filhos em bem a favor deles. No entanto, o bem
que Deus produz é, normalmente, diferente do bem que nós
idealizamos.
SANTIDADE QUE BROTA DA ADVERSIDADE
Um versículo frequentemente citado é Rm 8.28: “Sabemos que
todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a
Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”.
Porém, falhamos geralmente em observar que o versículo se
guinte nos ajuda a compreender o “bem” do versículo 28. O
versículo 29 começa com o termo porquanto, indicando ser
a continuação e uma ampliação do pensamento do versículo
anterior. Ele diz: “Porquanto aos que de antemão conheceu,
também os predestinou para serem conformes à imagem de
seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos
irmãos”.
O bem que Deus trabalha em nosso favor é a conformidade
à semelhança de Seu Filho. Isso não implica, necessariamen
te, em conforto ou alegria, mas conformidade a Cristo numa
medida sempre crescente nesta vida e plena na eternidade.
Vemos o mesmo pensamento em Hb 12.10: “Pois eles nos
corrigiam por pouco tempo, segundo melhor lhes parecia;
Deus, porém, nos disciplina para aproveitamento, a fim de
sermos participantes da sua santidade”. Participar da santidade
de Deus é uma expressão equivalente a sermos conformados
à imagem de Cristo. Deus sabe exatamente o que deseja que
nos tornemos e quais circunstâncias, tanto boas quanto ruins,
são necessárias para produzir esse resultado em nossa vida.
Observe o contraste que o autor de Hebreus traça entre a
sabedoria finita e falha dos pais humanos e a sabedoria infinita
e infalível de Deus. Ele diz: “Pois eles nos corrigiam por pouco
tempo, segundo melhor lhes parecia”. Como pai, consigo me
identificar imediatamente com a frase: “segundo melhor lhes
parecia”. Por vezes, no processo de criação de nossos filhos
ficamos agoniados a respeito da disciplina apropriada, quer
seja o tipo quer seja a quantidade. Mesmo quando achamos ter
feito o melhor, houve muitos momentos em que erramos.
Deus, porém, nos disciplina para o nosso bem, diz o escri
tor sem qualquer qualificação. Deus não fica agoniado, Deus
não espera ter tomado a melhor decisão, Deus não fica imagi
nando o que é realmente melhor para nós. Deus não comete
erros. Ele sabe infalivelmente, por meio de sua sabedoria infi
nita, qual a melhor combinação de circunstâncias boas e ruins
que trará à nossa vida, para que cada vez mais partilhemos de
Sua santidade. Na receita de nossa vida Ele jamais exagera no
tempero das adversidades. A mistura de adversidade e bênção
é sempre exatamente o que precisamos.
O autor de Hebreus admite prontamente que a disciplina é
dolorosa (versículo 11), mas ele também nos assegura de que
ela é proveitosa. Ela produz “fruto pacífico” e “fruto de justiça”.
O propósito da disciplina de Deus não é nos punir, mas nos
transformar. Ele já satisfez a punição pelo nosso pecado na
pessoa de Jesus, na Cruz: “o castigo que nos traz a paz estava
sobre ele” (Is 53.5). No entanto, precisamos ser cada vez mais
transformados à semelhança de Cristo. Esse é o propósito da
disciplina.
O salmista disse: “Foi-me bom ter eu passado pela aflição,
para que aprendesse os teus decretos” (SI 119.71). Ele está fa
lando do aprendizado pela experiência. Podemos aprender a
vontade de Deus para a nossa integridade intelectualmente,
por meio da leitura e do estudo da Bíblia - e devemos fazer isso.
É ali que a mudança começa, à medida que a nossa mente é
renovada. Porém, a mudança real - no mais profundo da nossa
alma - acontece à medida que os princípios das Escrituras são
trabalhados na vida real. Isso geralmente envolve adversidade.
Podemos admirar e até mesmo desejar o traço de caráter da
paciência, mas jamais aprenderemos a paciência até que tenha
mos sofrido alguma injustiça e tenhamos aprendido por meio
da experiência a “suportar com resignação” (o significado de
paciência) aquele que nos trata de maneira injusta.
Se você parar e pensar sobre o assunto, perceberá que a
maior parte das características piedosas só podem ser de
senvolvidas por meio da adversidade. O tipo de amor que
dá abertamente de si com alto preço só pode ser aprendido
quando somos confrontados com situações que exigem um
amor sacrificial. O fruto do Espírito chamado de alegria não
pode ser aprendido em meio a circunstâncias que produzem
a mera felicidade “natural”.
Deus, em Sua sabedoria infinita, sabe exatamente de qual
adversidade precisamos para crescer mais e mais à semelhan
ça do Seu Filho. Ele não apenas sabe do que precisamos, mas
também quando precisamos e como fazer com que isso acon
teça da melhor forma possível em nossa vida. Ele é o mes
tre, o personal trainer perfeito. A matéria ensinada por ele é
sempre exatamente adequada para a nossa necessidade. Ele
jamais exagera “nos treinos”, permitindo adversidade em ex
cesso na nossa vida.
DEUS JAMAIS EXPLICA
Normalmente quando estamos sendo treinados por alguém
em alguma habilidade, como em um esporte ou música, nosso
professor ou treinador explicará o propósito daquele exercício
específico que nos passou. Embora tais exercícios possam ser
cansativos e até mesmo dolorosos, conseguimos aguentá-los,
pois conhecemos o propósito deles e o resultado pretendido.
Contudo, Deus jamais nos explica o que Ele está fazendo,
ou por quê. Não existe qualquer indicação de que Deus expli
cou em algum momento a Jó os motivos para o seu sofrimen
to extremo. Como leitores, somos conduzidos aos bastidores
para observar a batalha espiritual entre Deus e Satanás, mas
pelas indicações fornecidas pela Bíblia, Deus jamais informou
a Jó sobre a situação.
Na realidade, Deus não nos contou, até mesmo na Bíblia,
por que Ele permitiu que Satanás afligisse a Jó como fez. Com
base na verdade de Rm 8.28 (que era tão válida para Jó como é
para nós), precisamos concluir que Deus tinha um propósito
muito maior ao permitir o ataque violento de Satanás contra
Jó do que meramente usar Jó como um peão numa “aposta”
entre o próprio Deus e Satanás. O papel do Diabo na história
parece ter caído no esquecimento. Ele não é mais mencionado
após seus dois desafios a Deus nos dois primeiros capítulos do
livro. A história não se encerra com uma conversa entre Deus
e Satanás na qual Deus reivindica a “vitória” sobre Satanás.
Pelo contrário, a história conclui com uma conversa entre
Deus e Jó na qual Jó reconhece que através de suas provações
ele chegou a um relacionamento novo e mais profundo com
Deus. Ele disse: “Eu te conhecia só de ouvir, mas agora os meus
olhos te veem” (Jó 42.5). Podemos concluir que esse relaciona
mento mais profundo foi um (embora não a totalidade) dos
resultados que Deus tinha em mente ao longo do processo.
Por vezes depois de algum tempo, conseguimos enxergar
alguns resultados benéficos da adversidade na nossa vida, mas
raramente enxergamos isso durante a adversidade. José conse
guiu ver claramente depois de ter se tornado primeiro ministro
do Egito alguns dos resultados da aflição que Deus permitiu
em sua vida, mas ele certamente não conseguia enxergar isso
ao longo do processo. Para ele todo esse processo doloro
so parecia ser desprovido de qualquer significado e bastante
oposto a suas expectativas para o futuro, de acordo com seus
sonhos.
Todavia, quer consigamos enxergar os resultados benéfi
cos nesta vida ou não, ainda somos convocados a confiar que
em Seu amor Ele deseja o que é melhor para nós, e em Sua
sabedoria Ele sabe como executar esse plano. Lembro-me de
uma amiga querida que, por mais de trinta anos, passou por
uma série de adversidades; grandes problemas físicos na fa
mília,muita dificuldade financeira e aflições familiares. Até
onde posso afirmar nenhum “bem” aparente surgiu a partir
dessas adversidades. Não houve qualquer final feliz como no
caso de José ou de Jó. Entretanto, enquanto escrevia este ca
pítulo recebi uma carta dela que dizia: “Eu sei que Deus não
comete erros: ‘O caminho de Deus é perfeito’”.
Sendo assim, jamais deveríamos perguntar por que no sen
tido de exigir que Deus explique, justifique Suas ações ou
o que Ele permite em nossa vida. Margaret Clarkson disse:
“Talvez seja melhor não exigirmos de um Criador soberano
que Ele dê explicações às Suas criaturas... Deus possui boas
e suficientes razões para agir como age; devemos confiar em
Sua sabedoria e amor soberanos”5.
Quando digo que jamais devemos perguntar por que, não
estou falando sobre o clamor reativo e espontâneo de angústia
quando a calamidade nos atinge ou atinge alguém que ama
mos. Estou me referindo àquele desejo persistente e exigente
de saber por que, desejo que tem um tom acusatório contra
Deus. A primeira reação é natural ao homem; a segunda é uma
reação pecaminosa. Três dos Salmos iniciam com a pergunta
por que: “Por que, S e n h o r , te conservas longe?”, “Deus meu,
5. Clarkson, Margaret, Destined for Glory. Eerdmans, Grand Rapids, MI, 1983, p. 19.
Deus meu, por que me desamparaste?” “Por que nos rejeitas,
ó Deus, para sempre?” (SI 10; 22; 74). No entanto cada um
destes salmos termina com uma nota de confiança em Deus.
Os escritores dos Salmos não permitiram que os por ques du
rassem muito tempo. Não permitiram que criassem raízes e
crescessem tornando-se acusações contra Deus. Seus por quês
eram clamores reais de angústia, uma reação natural à dor.
Em contrapartida, temos dezesseis por ques no livro de Jó,
de acordo com o autor Don Baker6. Em dezesseis ocasiões Jó
perguntou por que a Deus. Jó é persistente e petulante. Ele
acusa a Deus. Conforme observado por várias pessoas, Deus
jamais respondeu ao por que, em vez disso Ele respondeu
quem.
Em seu livro, o pastor Baker diz: “Demorei muito para
abandonar a busca pela resposta à pergunta [por quê?] em
minha própria vida... Deus não me deve qualquer explicação.
Ele tem o direito de fazer o que quiser, quando quiser e como
quiser. Por quê? Porque Ele é Deus... Jó não precisava saber por
que as coisas aconteceram como aconteceram - ele precisava
apenas saber Quem era o responsável e Quem estava no con
trole de tudo. Ele precisava apenas conhecer a Deus”7.
Minha intenção não é denegrir Jó ao usá-lo como exemplo
de perguntar por que num sentido pecaminoso ou ruim. Estou
ciente de que já fiz essa pergunta inúmeras vezes sob circuns
tâncias muito menos desafiadoras do que as calamidades que
atingiram a Jó. O próprio Deus elogiou a justiça de Jó a nós,
mas Deus não estava lidando apenas com Jó; Ele registrou
Sua conduta com Jó para que aprendêssemos com ela. Pare
ce claro que uma das lições que Deus quer que aprendamos
a partir da experiência de Jó é a lição aprendida pelo pastor
Baker: parar de perguntar por quê.
6. Baker, Don, Pairis Hiddett Purpose. Multnomah, Portland, OR, 1984, p. 103.
7. Baker, Don, ibid., p. 103.
Assim como Deus usou a oração de confissão e arrependi
mento de Davi a respeito de seu adultério no Sl 51 para falar
ao Seu povo ao longo dos séculos, Deus também usou as lu
tas de Jó com dúvida sobre a bondade de Deus para ministrar
ao Seu povo. Ainda me lembro de minha primeira luta cons
ciente com a bondade de Deus cerca de trinta e quatro anos
antes de escrever este livro. Foi uma passagem do livro de Jó,
na qual Deus confronta Jó através de Eliú por sua audácia,
que atingiu meu coração, fazendo com que eu percebesse e
me arrependesse das minhas próprias acusações contra Deus.
Embora não queiramos ser críticos com Jó, queremos aprender
a partir de sua vida sobre a pecaminosidade de se perguntar
exigindo um por quê a Deus.
Entretanto, embora não devamos perguntar por que de uma
maneira exigente, podemos e devemos pedir a Deus que nos
capacite a compreender o que Ele pode estar nos ensinando
através de uma experiência específica. Porém, até nisso pre
cisamos cuidar para que não estejamos procurando satisfazer
nossa alma encontrando algum “bem” espiritual na adversida
de. Em vez disso, precisamos confiar que Deus está trabalhan
do naquela situação para o nosso bem, mesmo quando não
enxergamos resultados benéficos nela. Precisamos aprender
a confiar em Deus quando Ele não nos diz o porquê, quando
não compreendemos o que Ele está fazendo.
OS CAM IN H O S DE DEUS SÃO INCOMPREENSÍVEIS
Por vezes, chegamos num momento quando não exigimos que
Deus Se explique, mas procuramos determinar ou compreen
der por conta própria o que Ele está fazendo. Não estamos dis
postos a viver sem explicações racionais para o que acontece
conosco e na vida daqueles que amamos. Somos praticamente
insaciáveis em nossa busca pelo por quê da adversidade que
nos acometeu, mas esta é uma tarefa fútil bem como de des
confiança. Uma vez que os caminhos de Deus são caminhos
de infinita sabedoria, simplesmente não têm como serem com
preendidos por nossa mente finita.
O próprio Deus disse a Isaías:
Porque os meus pensamentos não são
os vossos pensamentos,
nem os vossos caminhos, os meus caminhos,
diz o Senho r ,
porque, assim como os céus são mais altos do que a terra,
assim são os meus caminhos mais altos do que
os vossos caminhos,
e os meus pensamentos, mais altos do que
os vossos pensamentos.
(Is 55.8,9)
Em seu comentário no livro de Isaías, Edward J. Young
disse o seguinte a respeito dessa passagem: “A implicação é
que assim como o céu está muito acima da terra de forma que
pelos padrões humanos sua altura não pode ser medida, assim
os caminhos e os pensamentos de Deus estão tão acima dos
do homem, que não podem ser compreendidos pelo homem
em sua plenitude. Em outras palavras, os caminhos e os pen
samentos de Deus são incompreensíveis ao homem”8.
O apóstolo Paulo afirma a mesma verdade em sua doxolo-
gia ao final de Rm 11, quando exclama em perplexidade:
Ó profundidade da riqueza,
tanto da sabedoria como do conhecimento de Deus!
8. Young, Edward J„ opus cit., 3:383.
Quão insondáveis são os seus juízos,
e quão inescrutáveis, os seus caminhos!
(v. 33)
A tradução norte-americana de Williams do Novo Testa
mento nos leva à uma compreensão ainda mais profunda dessa
passagem. Ela diz o seguinte nos versículos 33 e 34:
Quão insondáveis são as profundezas dos recursos, da sabe
doria e do conhecimento de Deus! Quão inescrutáveis são
Suas decisões e misteriosos [nota: literalmente, que não se
pode encontrar traço] são os Seus métodos! Pois quem ja
mais compreendeu os pensamentos do Senhor, ou já fo i seu
conselheiro?9
A sabedoria de Deus é incompreensível, Suas decisões são
inescrutáveis, Seus métodos são misteriosos e deles não se
encontra traço. Ninguém jamais compreendeu a Sua mente,
quanto mais O aconselhou sobre a maneira correta de agir.
Como seria fútil e até mesmo arrogante da nossa parte procu
rar determinar o que Deus está fazendo numa certa situação.
Somos simplesmente incapazes de encontrar as razões por
trás das decisões do Senhor ou mesmo de rastrear as maneiras
pelas quais Ele faz com que as decisões aconteçam.
Se quisermos experimentar paz de espírito nos momentos
de adversidade, precisamos chegar ao ponto de confiar ver
dadeiramente que os caminhos de Deus estão simplesmente
além de nós, parar de perguntar a Ele por que ou até mesmo
de tentar determinar o porquê por nós mesmos. Isso pode
parecer uma “fuga” intelectual, uma recusa em lidar com as
questões realmente difíceis da vida. Na realidade, é exatamente
9. Williams, Charles B„ The New Testament in the Lanpuape o f the People. Holman
Bible Publishers, Nashville, 1986, p. 351.
o oposto. Estamos falando de uma rendição à verdade acerca
de Deus e acerca de nossas circunstâncias conforme o próprio
Deus nos revelou em Sua Palavra inspirada.Novamente em seu sermão a respeito da providência divi
na, C. H. Spurgeon disse: “A providência é maravilhosamente
complexa. Ah! você sempre deseja ver através da providência,
não é? Mas eu lhe garanto que isso jamais acontecerá. Sua vi
são não é boa o suficiente. Você deseja ver qual bem aquela
aflição trouxe a você; você precisa crer. Você deseja enxergar
como a situação trará bem para a sua alma; é possível que
consiga daqui a algum tempo; mas você não verá isso agora;
você precisa crer. Honre a Deus confiando nEle”10.
Na resposta final de Jó a Deus, ele reconhece de maneira
humilde os caminhos insondáveis do Senhor. Ele diz:
Quem é aquele, como disseste,
que sem conhecimento encobre o conselho?
Na verdade, fa lei do que não entendia;
coisas maravilhosas demais para mim,
coisas que eu não conhecia.
(Jó 42.3)
Jó disse que os caminhos de Deus eram maravilhosos de
mais para que ele os conhecesse ou compreendesse. Quando
ele viu a Deus em Sua grande majestade e soberania, ele se
arrependeu de seu questionamento arrogante “no pó e nas
cinzas”. Jó parou de perguntar e simplesmente confiou.
De maneira parecida, Davi se prostrou aos propósitos so
beranos e a sabedoria infinita de Deus. Ele disse:
10. Spurgeon, C. H., opus cit., p. 19.
Senho r , não é soberbo o meu coração,
nem altivo o meu olhar;
não ando à procura de grandes coisas,
nem de coisas maravilhosas demais para mim.
(Sl 131.1)
As coisas grandes a maravilhosas mencionadas são os pro
pósitos secretos de Deus e Seus meios infinitos para realizá-las.
Davi não exercitou seu coração na busca por compreendê-los.
Pelo contrário, ele se aquietou e silenciou a sua alma em sub
missão e confiança em Deus. Se quisermos honrar a Deus con
fiando nEle, e se quisermos encontrar paz, precisamos chegar
ao ponto de dizer honestamente: “Deus, eu não compreendo.
Irei simplesmente confiar em Ti”.
NÃO INTERPRETE, PROCURE APRENDER!
Considerando que a sabedoria de Deus é infinita e Seus ca
minhos são inescrutáveis para nós, deveríamos também tomar
muito cuidado ao procurar interpretar os caminhos de Deus
em Sua providência, especialmente em situações particulares.
Além disso, precisamos estar atentos àqueles que se oferecem
como intérpretes dos porquês das situações ao seu redor. Seja
cauteloso com a pessoa que diz: “Deus permitiu que isso acon
tecesse para que você aprenda esta e esta lição”. A realidade
é que não sabemos o que Deus está fazendo por meio de um
conjunto específico de circunstâncias ou eventos.
Isso não significa que não devemos buscar aprender a partir
da providência de Deus bem como de Sua vontade revelada
na Bíblia. É exatamente o contrário. Conforme observamos
neste capítulo, o salmista aprendeu os decretos do Senhor de
modo prático por meio da aflição (Sl 119.71). O povo de Israel
também aprendeu por meio da providência adversa em suas
vidas. Deuteronômio 8.3 diz:
Ele te humilhou, e te deixou ter fom e, e te sustentou com o
maná, que tu não conhecias, nem teus pais o conheciam, para
te dar a entender que não só de pão viverá o homem, mas de
tudo o que procede da boca do Senhor viverá o homem.
Deus ensinou a nação por meio de Sua providência divina -
ao colocá-la numa situação em que simplesmente não podiam
ir à despensa e pegar pão para se alimentar - a ponto de preci
sarem depender completamente dEle. Deus estava conduzindo
a nação para uma terra onde a provisão material seria “natural
mente” suficiente (Dt 8.7-9). O Senhor sabia que os israelitas
seriam tentados pelo orgulho de seu próprio coração a dizer:
“A minha força e o poder do meu braço me adquiriram estas
riquezas” (versículo 17). Sendo assim, antes que o povo entras
se na terra, Deus ensinou a Israel acerca da dependência que
deveriam ter dEle, por meio da providência divina.
Alguns meses antes de escrever este capítulo, fui convidado
a falar num encontro cristão com um tema específico. Certo
dia, ao ler 2 Timóteo, o Espírito Santo mostrou claramente
uma passagem que abordava maravilhosamente o tema daque
le encontro. Joguei fora o estudo preliminar que já havia feito,
me sentei e comecei rapidamente a preparar três mensagens,
algo que me empolgou bastante. Porém, acabei me orgulhando
demais delas. Comecei a considerar pensamentos pecamino
sos e orgulhosos sobre quão bom eu seria como palestrante
por causa daquelas mensagens. Comecei a tentar usurpar um
pouco da glória de Deus para mim mesmo.
Pouco depois do início do encontro, fui acometido por um
vírus que nunca pegara antes. Eu mal conseguia falar. Acabei
não apreciando nem um pouco o encontro. Embora tenha
pregado, não tive qualquer ideia se alguém foi beneficiado com
elas. Através daquelas circunstâncias, aprendi pela experiência
o que Deus diz: “a minha glória, pois, não a darei a outrem”
(Is 42.8). Eu havia memorizado esse versículo anos atrás e co
nhecia sua verdade intelectualmente. Porém, através daquela
adversidade eu aprendi de maneira prática. Pude, então, me
juntar ao salmista e dizer: “Foi-me bom ter eu passado pela
aflição, para que aprendesse os teus decretos” (SI 119.71).
A SABEDORIA DE DEUS É SUPERIOR À DOS NOSSOS ADVERSÁRIOS
A sabedoria de Deus não está apenas acima da nossa assim
como os céus estão acima da terra; ela também está acima da
sabedoria e da astúcia de nossos adversários. Isso deveria ser
tremendamente confortador para nós. Falando por mim, con
sidero a adversidade proveniente das circunstâncias contrárias
algo mais fácil de lidar do que a adversidade proveniente de
outras pessoas. O rei Davi aparentemente pensava da mesma
forma. Em 2 Sm 24.14, ele disse: “Estou em grande angústia;
porém caiamos nas mãos do S e n h o r , porque muitas são as
suas misericórdias; mas, nas mãos dos homens, não caia eu”.
Por inúmeras razões, pessoas são capazes de planejar e tra
mar formas de nos tratar de modo injusto, de tirar proveito de
nós ou de nos “usar” para seu próprio bem. Contudo, Pv 21.30
diz; “Não há sabedoria, nem inteligência, nem mesmo conse
lho contra o S e n h o r ”. Portanto, podemos dizer nas palavras
de Paulo: “Que diremos, pois, à vista destas coisas? Se Deus
é por nós, quem será contra nós?” (Rm 8.31). Até mesmo os
planos mais abomináveis de nossos adversários podem apenas
realizar aquilo que Deus ordenou soberanamente para nós e
em Sua sabedoria infinita permite habilmente que aconteça.
Os irmãos de José achavam que estavam se livrando do
irmão que tanto invejavam. Todavia, Deus planejou usar a ma
quinação deles para enviar José adiante deles para ser o prove
dor da família durante os sete anos de fome. Eles planejaram
o mal, mas Deus planejou aquela situação para o bem.
Saul tentou matar Davi, pois Davi recebia mais louvor por
suas conquistas militares do que o rei. No entanto, Deus usou
aqueles meses e anos, quando Davi se escondia de Saul, para
esculpir em Davi o caráter que fez dele um grande rei e um ho
mem segundo o coração de Deus. A maioria dos salmos mais
significativos foi aparentemente escrita nessa época da vida de
Davi. O Sl 34, um dos meus favoritos, foi escrito durante uma
época em que Davi precisou se passar por louco por medo
de um rei pagão. Todavia, este é o salmo para o qual me volto
com maior frequência quando luto com o desânimo. Aquilo
que Saul intentou para o mal, Deus intentou para o bem.
Satanás achou que ao conseguir a permissão de Deus para
afligir a Jó ele conseguiria que Jó amaldiçoasse a Deus. Porém,
o único êxito de Satanás foi ser um instrumento que conduziu
Jó a um relacionamento ainda mais profundo com o Senhor.
Satanás recebeu permissão para afligir Paulo com um espi
nho na carne que o atormentava. Talvez Satanás achasse que
dessa maneira seria capaz de anular a eficácia do ministério de
Paulo. Ao contrário, tudo que ele conseguiu foi colocar Paulo
numa circunstância na qual ele aprendeu na prática a suficiência
da graça de Deus e que Sua força se aperfeiçoa em nossa fra
queza (2 Co 12.9). Pense nos milhares de cristãosao longo dos
séculos que descobriram que a graça de Deus é suficiente me
ditando nas palavras de Deus ditas a Paulo naquela situação.
Por isso, a sabedoria divina é superior à de qualquer adver
sário que tenhamos, quer seja uma pessoa comum, quer seja
o próprio Diabo. Portanto, não devemos temer o que buscam
fazer, ou mesmo o que conseguirem fazer conosco. Deus está
trabalhando tanto nessas “coisas” quanto nas adversidades
provenientes de doenças, morte, problemas financeiros ou
manifestações da natureza.
A SABEDORIA DIVINA NAS QUESTÕES M UNDIAIS
Indo além de nossas circunstâncias pessoais, podemos também
dizer que a sabedoria infinita de Deus, que dirige Seu poder so
berano, governa o mundo. Olhando ao nosso redor, podemos
ter a impressão de que muito do que acontece no mundo está
fora do controle de Deus e não faz qualquer sentido. Por que 109
crianças deveriam morrer soterradas no sul do País de Gales,
ou milhares morrer de fome no leste da África? Por que as na
ções aparentemente mais “perversas” prosperam tanto no cam
po das questões mundiais? Por que os ricos ficam mais ricos e
os pobres mais pobres? Admitindo que vivemos num mundo
amaldiçoado pelo pecado, todas essas coisas poderiam ser sim
plesmente atribuídas à pecaminosidade da humanidade.
Porém, se aceitamos que Deus é soberano, conforme vimos
até aqui, precisamos então concluir que Deus está no contro
le de todas essas circunstâncias tristes e as norteia com Sua
sabedoria infinita na direção do propósito desejado por Ele.
Não se trata de um amontoado de eventos descontrolados e
sem conexão. Ao contrário, as circunstâncias fazem parte do
padrão e do plano perfeitos de Deus, que um dia trarão gló
rias a Deus e o bem para a Sua igreja. O professor Berkouwer
mais uma vez nos ajuda ao escrever:
Todas as facetas da vida estão contempladas no governo de
Deus. A pluralidade da vida é conduzida sob uma única
perspectiva. Não é que exista uma confusão de inúmeros
eventos atomísticos nos quais a atividade divina é manifes
tada. Existe um pivô, um centro que unifica a diversidade
de Sua atividade. A unidade inclui o progresso de eventos
de Sua promessa no momento da Queda até a formação
completa de Seu povo santo11.
Assim como devemos parar de perguntar por que, ou bus
car por explicações racionais, ou procurar descobrir qual o
“bem” existente em nossa adversidade, precisamos aprender
também a aquietar nosso coração em relação ao governo de
Deus do universo. Precisamos chegar ao ponto de dizer, nas
palavras de Davi, “fiz calar e sossegar a minha alma” (SI 131.2)
quanto a todas as tragédias que surgem sobre a humanidade
ao redor do globo.
O puritano John Flavel escreveu:
Creia firmemente que o gerenciamento de todas as ques
tões deste mundo, quer pública ou particular, encontra-se
nas mãos do Deus onisciente... Entreguem-se à sabedoria
de Deus, e não dependam do seu próprio entendimen
to... Quando Melâncton foi oprimido com os cuidados e
dúvidas sobre as questões perturbadoras da igreja em sua
época, Lutero o admoestou quanto ao seu desânimo... não
pressuponha você ser o governador do mundo, mas deixe
as questões desse governo nas mãos Daquele que o criou,
e que sabe bem governá-las12.
Isso não significa que devemos nos tornar indiferentes e
insensíveis à grande quantidade de sofrimento que acontece
no mundo. Devemos orar pelas vítimas das tragédias e, sempre
que tivermos oportunidade, responder de maneira adequada
visando minimizar seu sofrimento. Podemos ser compassivos
sem questionar a Deus acerca de Seu governo do mundo.
11. Berkouwer, G. C., opus cit., p. 88.
12. Flavel, John, opus cit., 3:361.
Questionar a sabedoria de Deus não é apenas um ato de
irreverência, mas é também algo espiritualmente debilitante.
Nós não apenas manchamos a glória de Deus, mas também
nos privamos do conforto e da paz que são fruto de simples
mente confiarmos nEle sem exigir uma explicação. Uma con
fiança sem reservas em Deus, quando não entendemos o que
está acontecendo nem o porquê, é o único caminho para a
paz, o conforto e a alegria. Deus deseja que honremos a Ele
confiando nEle, mas Ele também deseja que experimentemos
a paz e a alegria que são fruto dessa confiança.
Ao pesquisar o assunto da sabedoria de Deus entre os mes
tres ao longo da história, cheguei ao seguinte parágrafo, que
resume de maneira tão bela tudo que procurei dizer sobre o
assunto. Vou anexá-lo sem nenhum outro comentário, na es
perança de que lhe sirva de encorajamento, como fez comigo;
confiar em Deus em toda circunstância, quer em particular
ou em público, e a crer que Ele está trabalhando em todas as
coisas para o nosso bem e para a Sua glória.
O fato de que a sabedoria infinita dirige o mundo deveria
nos encher de alegria. Vários de seus eventos estão cober
tos de trevas e mistério, e uma confusão complexa parece
reinar. Com frequência a perversidade prevalece, e Deus
parece ter Se esquecido das criaturas que Ele mesmo criou.
Nosso próprio trilhar da vida é escuro e tortuoso, cerca
do de dificuldades e perigos. Como é cheia de consolo a
doutrina de que a sabedoria divina dirige todos os eventos,
promove ordem a partir da confusão, luz a partir das trevas
e, para aquele que ama a Deus, faz com que todas as coi
sas, quer em seu aspecto presente ou propensões aparentes,
operem para o seu bem13.
13. Dagg, J. L„ opus cit., p. 91.
C A P Í T U L O N O V E
CONHECENDO O AMOR DE DEUS
Quem nos separará do amor de Cristo?
Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez,
ou perigo, ou espadai’... Em todas estas coisas, porém, somos mais que
vencedores,por meio daquele que nos amou.
Rm 8.35,37
U m amigo meu, que passa boa parte do seu tempo encora
jando outras pessoas, percebeu-se emocionalmente agitado
por causa de lutas espirituais com um de seus filhos. Em de
sespero ele clamou: “Deus, creio que estou desempenhando
um trabalho melhor cuidando dos Teus filhos do que o Senhor
cuidando dos meus”. Ele me contou: “Assim que disse isso, me
arrependi”. A experiência frustrante dele, porém, ilustra uma
questão. A maioria de nós é tentada, em determinados mo
mentos, a questionar o amor de Deus por nós.
Eu me identifico bastante com esse amigo meu. Certa vez,
quando um de nossos filhos estava passando por uma série de
experiências difíceis, eu disse: “Deus, eu não trataria a minha
filha da forma que o Senhor está tratando dela”. Eu também
precisei me arrepender de minhas palavras atrevidas e apren
der sobre a segurança dada nas Escrituras de que o amor de
Deus é tão real nos momentos difíceis quanto é em épocas
abençoadas.
Parece que quanto mais cremos e aceitamos a soberania de
Deus em cada evento de nossa vida, mais somos tentados a
questionar o Seu amor. Pensamos: “Se Deus está no controle
desta adversidade e é capaz de fazer algo, por que Ele não faz
nada?” O rabino Kushner escolheu crer num Deus que é bom,
mas que não é soberano. Por vezes somos tentados, mesmo
que só momentaneamente, a crer num Deus que é soberano,
mas que não é bom. Satanás, cujo primeiro ato para com o
homem foi questionar a bondade de Deus, plantará o pen
samento em nossa mente de que Deus Se encontra no céu,
zombando de nós em meio à nossa dificuldade.
Contudo, não somos forçados a escolher entre a soberania
e a bondade de Deus. A Bíblia afirma a Sua soberania e a Sua
bondade, as duas coisas com a mesma ênfase. As referências
à Sua bondade e benevolência, assim como à Sua soberania,
aparecem em quase todas as páginas das Escrituras. Em nossa
luta contra a adversidade, não ousamos difamar a bondade de
Deus. Conforme disse Philip Hughes: “Pensar que Ele não Se
importa é tão inconcebível quanto pensar que Ele é incapaz
de Se importar”\
O apóstolo João disse: “Deus é amor” (1 Jo 4.8). Essa bre
ve afirmação, juntamente com sua citação paralela, “Deus é
luz” (1 Jo 1.5, isto é, Deus é santo) resume o caráter essencial
de Deus, conforme relevado a nós pela Bíblia. Assimcomo é
impossível, na própria natureza de Deus, que Ele seja qualquer
coisa exceto perfeitamente santo, também é impossível Ele ser
qualquer coisa exceto perfeitamente bom2.
1. Hughes, Philip E., H opefor a Despairing World. Baker, Grand Rapids, MI, 1977, p.
14.
2. Quando os teólogos falam acerca da bondade de Deus, normalmente distinguem en
tre Sua bondade de excelência (como em: “Ele é um bom engenheiro”), e Sua bon
dade de benevolência (como em: “Ele é bom para com Seus filhos”). Neste capítulo e
Pelo fato de Deus ser amor, é parte essencial de Sua na
tureza fazer o bem e demonstrar misericórdia às Suas cria
turas. O Sl. 145 fala da Sua “muita bondade”, da Sua “grande
demência”, de ser “bom para todos”, e “benigno em todas as
suas obras” (vs. 7-9,17). Até mesmo em Seu papel de Juiz do
homem rebelde, Ele declara: “não tenho prazer na morte do
perverso” (Ez 33.11).
Quando estamos em meio à adversidade, como parece
acontecer com frequência, quando calamidade atrás de ca
lamidade parece amontoar-se sobre nós, seremos tentados
a duvidar do amor de Deus. Nós não apenas lutamos com
nossas próprias dúvidas, mas Satanás tira proveito da ocasião
para sussurrar acusações contra Deus, tais como: “Se Ele te
amasse, não teria permitido que isso acontecesse”. A minha
própria experiência sugere que Satanás nos ataca muito mais
na área do amor de Deus do que nas áreas da Sua soberania
ou Sua sabedoria.
Não podemos evitar ser tentados, mas se quisermos honrar
a Deus confiando nEle, não podemos permitir que tais pensa
mentos se alojem em nossa mente. Como Philip Hughes diz:
“Questionar a bondade de Deus é, em essência, dizer que o ho
mem está mais preocupado com a bondade do que o próprio
Deus... Sugerir que o homem é mais bondoso do que Deus é
subverter a própria natureza de dEle... Isso eqüivale a negar a
Deus; e essa é precisamente a essência da tentação para ques
tionar a bondade de Deus”3.
Voltemos para os dois incidentes do início do capítulo. Nos
dois exemplos, meu amigo e eu questionamos a bondade de
Deus. Fizemos exatamente o que Philip Hughes nos alertou
para não fazermos. Mesmo que momentaneamente, disse
no capítulo seguinte uso a bondade de Deus como Sua benevolência para com o Seu
povo e a uso de maneira alternada com Seu amor.
3. Hughes, Philip E., opus cit., p. 18.
mos a Deus que estávamos mais preocupados com a bonda
de para com os nossos filhos do que Ele estava; que éramos
mais benignos do que Ele. Em nossos momentos permeados
por maior racionalidade, pensamentos assim são inconcebí
veis, mas em momentos de adversidade prolongada, somos
capazes de começar a cogitá-los.
Até mesmo o justo Jó que, no início de seu sofrimento foi ca
paz de dizer: “o Senhor o deu e o Senhor o tomou; bendito seja
o nome do Senhor!” (Jó 1.21), chegou ao ponto em que igual
mente questionou a bondade de Deus. Ele disse: “Deus me nega
justiça” e “Não dá lucro agradar a Deus” (Jó 34.5,9 NVI).
Se Deus é perfeito em Seu amor e abundante em Sua bon
dade, como podemos nos opor às nossas próprias dúvidas e
às tentações de Satanás que visam questionar a bondade di
vina? Quais verdades a respeito de Deus precisamos guardar
em nosso coração para usar como armas contra a tentação de
duvidar de Seu amor?
0 AMOR DE DEUS NO CALVÁRIO
Sem sombra de dúvida, a prova mais convincente do amor de
Deus em toda a Bíblia é o fato de Ele ter dado Seu Filho para
morrer por nossos pecados.
Nisto se manifestou o am or de Deus em nós: em haver Deus
enviado o seu Filho unigênito ao mundo, para vivermos por
meio dele. Nisto consiste o amor: não em que nós tenhamos
amado a Deus, mas em que ele nos amou e enviou o seu Filho
como propiciação pelos nossos pecados. (1 Jo 4.9,10)
João disse que Deus é amor, e foi assim que Ele demons
trou o Seu amor, enviando o Seu Filho para morrer por nós.
Ficar livre das adversidades não é a nossa maior necessidade.
Qualquer calamidade que possa nos atingir em vida não pode
chegar perto de ser comparada com a calamidade absoluta
da separação eterna de Deus. Jesus disse que nenhuma ale
gria terrena pode ser comparada com a alegria eterna de ter
o nosso nome escrito nos céus (Lc 10.20). Semelhantemente,
nenhuma adversidade terrena pode ser comparada à terrível
calamidade do juízo eterno de Deus no inferno.
Sendo assim, quando João fala que Deus demonstrou Seu
amor enviando Seu Filho, ele está dizendo que Deus demons
trou Seu amor satisfazendo nossa maior necessidade; uma ne
cessidade sem qualquer possibilidade de comparação. Caso
desejemos uma prova do amor de Deus para conosco, preci
samos olhar primeiro para a Cruz onde Deus ofereceu Seu Fi
lho como sacrifício por nossos pecados. O calvário é a prova
objetiva, absoluta e irrefutável do amor de Deus por nós.
A extensão do amor de Deus no Calvário é vista tanto no
custo infinito de doar Seu único Filho, quanto na condição
miserável e desprezível daqueles que foram amados por Ele.
Deus não poderia remover o nosso pecado sem um custo in
finito tanto para Ele quanto para o Seu Filho. Por causa do
grande amor deles por nós, ambos estavam dispostos - mais
do que dispostos na verdade - a pagar esse preço enorme, o
Pai doando Seu único Filho e o Filho dando Sua vida por nós.
Uma das características essenciais do amor é o elemento do
autossacrifício, e isso foi demonstrado em nosso favor ao má
ximo por meio do amor de Deus no Calvário.
Levemos em consideração, igualmente, a condição despre
zível e miserável daqueles amados por Deus. Paulo disse: “Mas
Deus prova o seu próprio amor para conosco pelo fato de ter
Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
É possível que, aqueles que cresceram em lares cristãos ou mo
ralmente corretos, tenham dificuldade de compreender a força
da afirmação paulina “sendo nós ainda pecadores”. Pelo fato
de sermos pessoas corretas e moralmente dignas aos olhos da
sociedade ao nosso redor e aos nossos próprios olhos, temos
dificuldade de nos vermos como Deus nos vê, como pecado
res desprezíveis, miseráveis e rebeldes.
Paulo nos descreve como estando espiritualmente mortos
em nossas transgressões e pecados (Ef 2.1). A visão de Eze-
quiel de Israel como um vale de ossos secos (Ez 37) seria uma
descrição adequada para nós antes da salvação. Certo dia, um
amigo e eu ficamos maravilhados com a conversão de um dos
criminosos do colarinho-branco mais conhecidos de nossa
época. Perguntei ao meu amigo: “Quão morto é morto? Não
estávamos nós tão mortos espiritualmente antes da nossa sal
vação quanto ele estava?” Independente de quão moralmente
justos tenhamos sido em nosso estado antes da salvação, ainda
assim pareceríamos aos olhos de Deus como a casa de Israel,
nada além de uma pilha de ossos e ossos muito secos.
Paulo continua descrevendo nossa condição miserável em
Ef 2. Ele diz que nós seguíamos o curso deste mundo (vs 2),
isto é, da sociedade perversa ao nosso redor. Nós não seguí
amos apenas o curso da sociedade perversa, mas seguíamos
até o Diabo, a quem Paulo chama de príncipe da potestade do
ar. Talvez não tenhamos escolhido seguir o Diabo de forma
deliberada ou consciente, mas o fizemos porque estávamos
sob seu poder e seu domínio (At 26.18; Cl 1.13). Na realidade,
éramos servos do arqui-inimigo de Deus. Além disso, Paulo
diz que gastamos nossa vida gratificando os desejos da nossa
natureza pecaminosa, seguindo suas vontades e seus pensa
mentos (Ef 2.3). Vivíamos para nós mesmos, nossas ambições,
nossos desejos, nossos prazeres. Então, à medida que Paulo
continua nos descrevendo em nosso estado não regenerado,
ele conclui afirmando que éramos por natureza objetos da ira
de Deus. Não podemos jamais perder de vista o fato de que
a ira de Deus é muito real e muito justa. Todos nós pecamos
incessantemente contra um Deus santo e justo. Rebelamos-nos
deliberadamente contra Seus mandamentos, desafiamos Sua
lei moral e agimos em completa afronta à Sua vontade conhe
cida para a nossa vida. Porcausa de tais ações, éramos justa
mente objetos da Sua ira.
É possível que você esteja se perguntando o motivo de eu
ter aparentemente divagado tanto, num capítulo que fala do
amor de Deus na adversidade, a respeito da nossa condição
pecaminosa. Fiz isso por dois motivos: Primeiro, para que
enxerguemos a profundidade do amor de Deus, não apenas
ao enviar Seu único Filho para pessoas como nós, conforme
descrito por Paulo.
Porém, eu o fiz também por outro motivo. Quando co
meçamos a questionar o amor de Deus, precisamos lembrar
quem somos. Não temos qualquer direito de reivindicar o
amor de Deus. Não merecemos uma centelha da bondade de
Deus a nós. Certa vez ouvi um palestrante dizer: “Qualquer
coisa que não o inferno é graça pura”. Não conheço declara
ção mais eficiente que essa para cortar rapidamente o nervo
da petulante atitude contida num “Por que isso aconteceu co
migo?” quando a percepção de quem somos diante de Deus,
em nossa condição sem Cristo, se apodera de nós.
Então, percebemos que Deus nos amou quando éramos
completamente indignos, quando não havia nada dentro de
nós que atraísse o amor de Deus.
Sempre que nos sentirmos tentados a duvidar do amor de
Deus por nós, devemos nos voltar para a Cruz. Deveríamos
raciocinar mais ou menos assim: Se Deus me amou de tal
maneira que deu Seu Filho para morrer por mim quando eu
era Seu inimigo, Ele certamente ama o suficiente para cuidar
de mim agora que sou Seu filho. Por me amar ao máximo na
Cruz, Ele certamente não falhará em Seu amor por mim no
momento da adversidade. Considerando que Ele deu um pre
sente inestimável na pessoa de Seu Filho, Ele certamente dará
tudo que é consistente com a Sua glória e com o meu bem.
Observe que eu falei que deveríamos raciocinar. Se qui
sermos confiar em Deus em meio à adversidade, precisamos
usar a nossa mente nesses momentos para pensar acerca das
grandes verdades da soberania, sabedoria e amor de Deus,
conforme reveladas nas Escrituras. Não podemos permitir que
as nossas emoções dominem sobre nossa mente. Mais exata
mente, precisamos procurar permitir que a verdade de Deus
a norteie. Nossas emoções precisam se tornar subservientes à
verdade. Isso não significa que não sentimos a dor e a angústia
da adversidade. Nós a sentimos profundamente. Também não
significa que devemos enterrar nossa dor emocional numa
atitude estoica. Fomos projetados para sentir a dor da adver
sidade, mas precisamos resistir à ideia de permitir que a dor
nos afunde em pensamentos vis a respeito de Deus.
Pode parecer frio ou até mesmo pouco espiritual procurar
meditar nas verdades do amor de Deus nos momentos de an
gústia, dor e desapontamento. Contudo, não é nem frio nem
mesmo pouco espiritual. O próprio Paulo, numa das passagens
mais arrebatadoras da Bíblia, fez uso de uma forma de raciocí
nio - um argumento que vai do maior para o menor - quando
disse: “Aquele que não poupou o seu próprio Filho, antes, por
todos nós o entregou, porventura, não nos dará graciosamen
te com ele todas as coisas?” (Rm 8.32). Paulo raciocinou que,
se Deus nos amou a ponto de dar o maior presente possível,
então Ele certamente não reterá bênçãos menores. Ou então,
colocando tal afirmação de uma maneira mais aplicável à nos
sa realidade: Se o amor de Deus foi suficiente para a minha
maior necessidade, minha salvação eterna, com certeza é su
ficiente para minhas necessidades menores, as adversidades
que enfrento nesta vida. Se desejarmos ter a mesma convicção
que Paulo teve, de que nenhuma adversidade é capaz de nos
separar do amor de Deus, precisamos usar a nossa mente para
pensar nas grandes verdades da Bíblia como Paulo fez.
0 AMOR FAMILIAR DE DEUS
Uma vez que, pela graça de Deus, colocamos nossa confiança
em Cristo como nosso Salvador, somos recebidos na própria
família de Deus. Ele fez uma aliança para ser o nosso Deus, e
nós somos Seu povo (Hb 8.10). Por meio de Cristo, Deus nos
adotou para sermos Seus filhos e enviou Seu Espírito Santo
para viver dentro de nós e para testificar junto ao nosso es
pírito que somos Seus filhos. O Espírito Santo testemunha
dentro de nós acerca dessa relação de filhos que temos com
Deus quando Ele faz com que clamemos em nosso coração:
“Aba, Pai” (Rm 8.15,16). Sabe-se que nas famílias judaicas, os
escravos não tinham permissão para usar o termo “Aba” quan
do se dirigiam ao chefe da casa. Era um termo reservado aos
filhos. Consequentemente, o uso paulino da palavra visa nos
transmitir quão profundamente o Espírito nos assegura que
somos, de fato, filhos do Deus Altíssimo, que agora é nosso
Pai celestial.
Como nosso Pai celestial, Ele nos ama como Seus filhos,
com um amor muito especial, o amor de pai. Ele nos chama
de “eleitos de Deus, santos e am ados” (Cl 3.12, ênfase acres
centada). Por mais incrível que possa parecer, “Ele Se deleitará
em ti com alegria... regozijar-se-á em ti com júbilo” (Sf 3.17).
Ele Se deleita em nós como um pai se deleita em seus filhos.
Conforme o comentário de Matthew Henry na passagem de
Sf 3.17: “O Deus grandioso não apenas ama os santos, mas
Ele ama amar os santos”. Deus Se deleita em nos amar, pois
somos dEle.
No SI 103.11, Davi fala sobre o amor paterno de Deus da
seguinte maneira: “Pois quanto o céu se alteia acima da terra,
assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem”.
No capítulo anterior, vimos que os caminhos de Deus são
mais altos que os nossos, assim como os céus estão acima
da terra. Vemos aqui que o amor de Deus por Seus filhos é
tão elevado quanto os céus distam da terra. Assim como a
sabedoria de Deus, tal como a altura dos céus, não pode ser
medida, assim o am or de Deus por nós não pode ser medi
do. Ele não é apenas perfeito em seu efeito, ele é infinito em
sua extensão. Por maior que possa ser, nenhuma calamida
de que nos atinge é capaz de nos afastar do amor paterno
de Deus por nós.
0 AMOR DE DEUS EM CRISTO
O amor infinito e imensurável de Deus é derramado sobre
nós, não por quem somos ou pelo que somos, mas porque
estamos em Cristo Jesus. Observe que em Rm 8.39, Paulo
diz que nada “poderá separar-nos do amor de Deus, que
está em Cristo Jesus, nosso Senhor”. O amor de Deus flui
até nós completamente por meio de, ou em, Jesus Cristo. O
termo em Cristo é usado frequentemente por Paulo quan
do ele faz referência à nossa união espiritualmente orgânica
com Jesus Cristo. Jesus fala sobre essa mesma união em Sua
metáfora da Videira e dos ramos em Jo 15. Assim como os
ramos estão organicamente ligados à videira numa união
que fornece vida, da mesma forma num sentido espiritual,
os cristão estão organicamente unidos com Cristo. Assim
como os membros do corpo estão organicamente unidos à
sua cabeça, nós estamos espiritualmente ligados a Cristo da
mesma maneira.
É muito importante que entendamos esse conceito vital
de que o amor de Deus por nós está em Cristo. Assim como
o amor de Deus pelo Seu Filho não pode mudar, assim o
Seu amor por nós não pode mudar, pois estamos unidos
com Aquele a Quem Ele ama. O amor de Deus por nós é tão
imutável quanto o amor de Deus por Cristo.
Somos constantemente tentados a olhar para nós mes
mos procurando encontrar algum motivo para que Deus
nos ame. Obviamente, tal busca normalmente nos frustra. O
que normalmente encontramos dentro de nós são motivos
pelos quais Deus não deveria nos amar. Tal busca também
não é bíblica. A Bíblia é bastante clara em dizer que Deus
não olha dentro de nós à procura de um motivo para nos
amar. Ele nos ama porque estamos em Cristo Jesus. Quan
do Deus olha para nós, Ele não nos enxerga como cristãos
“que operam independentemente”, resplandecentes em nossas
próprias boas obras, até mesmo em nossas boas obras como
cristãos. Mais exatamente, conforme Ele olha para nós, Ele
nos contempla unidos com Seu Filho amado, trajados com
a justiça de Jesus. Ele nos ama, não porque somos em nós
mesmos amáveis, mas porque estamos em Cristo.
Eis aqui outra arma da verdade quedeveríamos guar
dar em nosso coração para usarmos contra nossas dúvidas
e contra a tentação de questionarmos o amor de Deus por
nós: O am or de Deus por nós não pode fa lhar assim como o
Seu am or por Cristo não pode falhar. Precisamos aprender a
enxergar nossas adversidades em relação à nossa união com
Cristo. Deus não lida conosco, podemos dizer, como indi
víduos “autônomos”. Ele lida conosco de forma individual,
mas como indivíduos unidos a Cristo.
0 AMOR SOBERANO DE DEUS
Nos capítulos anteriores olhamos amplamente para a sobera
nia de Deus sobre todo o universo. Essa soberania é exercitada
primeiramente para a Sua glória. Porém, pelo fato de estar
mos em Cristo Jesus, a Sua glória e o nosso bem estão ligados.
Porque estamos unidos com Cristo, tudo que acontece para a
glória de Deus também acontece para o nosso bem. Tudo que
for para o nosso bem será para a glória de Deus.
Podemos então dizer, com respaldo bíblico, que Deus exerce
Sua soberania em nosso favor. Paulo diz em Ef 1.22,23: “E pôs
todas as coisas debaixo dos pés e, para ser [Cristo] o cabeça
sobre todas as coisas, o deu à igreja, a qual é o seu corpo, a
plenitude daquele que a tudo enche em todas as coisas”. Isso
quer dizer que Cristo reina sobre todo o universo para o be
nefício do Seu corpo, a Igreja. Já vimos que a soberania divina
é absoluta sobre os gigantescos poderes terrenos ou espiritu
ais e permeia os mínimos detalhes da vida. Vemos agora em
Ef 1.22,23 que este poder é exercitado por Cristo em favor da
Igreja, que é o Seu corpo.
É pelo fato da igreja ser o Seu corpo que Ele exercita Sua
soberania em favor dela. Nas palavras do comentarista do
Novo Testamento William Hendriksen, isso eqüivale a dizer
que, “uma vez que Ele está íntima e indissoluvelmente unido
[com a Igreja] e a ama com um amor profundo, ilimitado e
constante”, o poder de Cristo está sendo usado para governar
o universo. Hendriksen continua:
A ênfase do simbolismo cabeça-corpo é a proximidade de
ligação e o caráter insondável do amor entre Cristo e Sua
Igreja.... Uma vez que a Igreja é o corpo de Cristo, com a
qual Ele está organicamente unido, Ele a ama tanto que em
seu interesse Ele exercita Seu poder infinito fazendo com
que o universo e tudo que nele está contido coopere com
Ele, de maneira voluntária ou não voluntária4
Podemos ver que é a nossa união com Cristo que garante que
o poder soberano de Deus seja exercido em nosso favor. Ob
viamente isso não significa que, por causa da nossa união com
Cristo, devemos esperar não passar por quaisquer adversidades.
A Bíblia ensina claramente o oposto. Significa na verdade que as
adversidades são controladas por Deus e usadas por Ele apenas
nos caminhos que Sua sabedoria e Seu amor ordenam.
Esse conceito que une a soberania de Deus com o Seu amor
para o benefício do Seu povo é expressa por outro símbolo -
o pastor e suas ovelhas - em Is 40. Nos versículos 10,11, o pro
feta diz:
Eis que o Senhor Deus virá com poder,
e o seu braço dominará.
Como pastor, apascentará o seu rebanho;
entre os seus braços recolherá os cordeirinhos
e os levará no seio;
as que amamentam ele guiará mansamente.
É impressionante pensarmos na justaposição existente nes
sa passagem, em termos do poder soberano de Deus e de Seu
cuidado maravilhoso para com Suas ovelhas. Na Bíblia o braço
do Senhor é sempre um símbolo de Seu poder e de Sua força
absolutos; e o título pastor, quando usado em relação a Deus,
indica sempre Seu cuidado terno e Sua vigilância constante.
Na passagem mencionada, o poder soberano e o cuida
do terno de Deus estão unidos para o benefício de Seu povo.
4. Hendricksen, William, New Testament Cammentarv: Exposition o f Ephesians.
Baker, Grand Rapids, MI, 1967, pp. 102,103.
O mesmo braço usado poderosamente sobre todo o universo é
usado para ajuntar Suas ovelhas e mantê-las perto de Seu cora
ção. Esse é o símbolo mais pitoresco do amor de Deus por nós:
um Pastor fiel e terno carregando Suas ovelhas perto de Seu
coração. Somos carregados nos braços de poder soberano.
Alexander Carson disse:
A soberania de Deus é sempre demonstrada para com o
Seu povo em sabedoria e amor. Eis a diferença entre a so
berania de Deus e a soberania do homem. Tememos a so
berania do homem, pois não temos a segurança de que ela
será exercida com misericórdia, ou mesmo com justiça; nos
alegramos na soberania de Deus, pois temos a certeza de
que ela é sempre exercida para o bem do Seu povo.5
O professor Berkouwer disse: “A providência divina não é
apenas uma questão de invencibilidade e poder divinos, mas da
invencibilidade e do poder do Seu amor”. Ele também disse:
Eis o consolo, estamos à disposição de um Pai celestial
misericordioso nas mãos de Quem podemos nos entregar
confiadamente.... Ele faz uma aliança eterna de graça co
nosco, nos adota como Seus filhos e herdeiros e, portanto,
proverá todo o bem e desviará todo o mal ou usará este
mal para o nosso benefício.6
O Salmista disse: “Guardo no coração as tuas palavras,
para não pecar contra ti” (SI 119.11). Murmurar contra Deus
e questionar Sua bondade são ambos, de fato, pecados. De
vemos batalhar diligentemente por nossa confiança no amor
de Deus assim como fazemos em relação à obediência aos
5. Carson, Alexander, The Historv ofProvidence. Baker, Grand Rapids, MI, s.d., pp. 313,314.
6. Berkouwer, G. C., opus cit., pp. 47,180.
Seus mandamentos. Se quisermos confiar no amor de Deus,
precisamos armazenar em nosso coração as grandes verdades
que lemos neste capítulo - o amor de Deus no calvário, nos
sa união com Cristo e a soberania do amor de Deus exercida
em nosso favor.
O amor de Deus é uma verdade objetiva que não pode ser
contrariada. Porém, é uma verdade que precisa ser cultivada
em nossa mente e coração. Então, poderemos usá-la em meio
à adversidade para lidar com as nossas dúvidas, combater as
acusações de Satanás e glorificar a Deus confiando nEle.
C A P Í T U L O DEZ
EXPERIMENTANDO O AMOR DE DEUS
Porque eu estou bem certo de que
nem a morte, nem a vida, nem os anjos,
nem os principados, nem as coisas do presente,
nem do porvir, nem os poderes, nem a altura,
nem a profundidade, nem qualquer outra
criatura poderá separar-nos do amor de Deus,
que está em Cristo Jesus, nosso Senhor.
Rm 8.35-39
V imos no capítulo anterior que o amor de Deus é soberano;
que Seu braço poderoso também é o Seu braço de cuidado
terno. No entanto, parece que com frequência, não enxerga
mos nem sentimos o amor soberano de Deus sendo exercido a
nosso favor. Ao contrário, nos vemos cercados por todo tipo
de calamidade que vêm sobre nós. Nos vemos como vítimas do
“destino cruel da natureza”, das injustiças de outras pessoas e
das adversidades que ocorrem sem qualquer motivo racional.
É em momentos assim que precisamos nos manter firmes
na fé com base na segurança do amor de Deus dada a nós nas
Escrituras. Não podemos nos esquivar de um dos princípios
básicos da vida cristã: “Andamos por fé e não pelo que vemos”
(2 Co 5.7). É evidente que a nossa fé vacila com frequência e,
assim como poderemos momentaneamente questionar a sabe
doria de Deus, questionaremos momentaneamente a bondade
e o amor dEle. Agiremos como Davi, quando disse: “Eu disse
na minha pressa: estou excluído da tua presença” (Sl 31.22).
Normalmente, esta é a nossa primeira reação quando a ad
versidade nos atinge. Nos sentimos excluídos da presença do
Senhor, de Seu amor e Seu terno cuidado.
Contudo, precisamos igualmente aprender com Davi a di
zer: “Não obstante, ouviste a minha súplice voz, quando clamei
por teu socorro” (Sl 31.22). Deus é incapaz de nos abandonar,
pois somos Seus filhos, em bendita união com Seu Filho. Não
podemos ser excluídos da presença de Deus. Porém, podemos
nos sentir excluídos da segurança do Seu amor quando per
mitimos que a dúvida e a falta de fé conquistem algum lugar
em nosso coração.
Isaías fala do povo de Deus (chamado de Sião) como quem
questionou o amor de Deus:“Mas Sião diz: O S e n h o r me
desamparou” (Is 49.14). Porém, a resposta de Deus à dúvida
do povo é enérgica:
Acaso, pode uma mulher esquecer-se do filho
que ainda mama,
de sorte que não se compadeça do filho do seu ventre?
Mas ainda que esta viesse a se esquecer dele,
eu, todavia, não me esquecerei de ti.
(Is 49.15)
Deus usa o laço humano mais próximo possível, um bebê
sendo amamentado por sua mãe, para ilustrar o Seu amor por
nós. Contudo, mesmo a melhor ilustração do amor humano
é insuficiente para demonstrar o amor de Deus por Seus fi
lhos, visto que é tragicamente possível uma mãe negligenciar
o cuidado de seu filho. Mães são pecadoras e por vezes o seu
amor natural pode ser sobrepujado por seus próprios interes
ses pessoais. O maior amor humano pode falhar às vezes.
No entanto, o amor de Deus não pode falhar. Edward J.
Young diz o seguinte a respeito desse texto: “Não é que Deus
simplesmente não esquecerá. Ele é incapaz de esquecer. Eis
uma das mais fortes, senão a mais forte expressão do amor de
Deus no Antigo Testamento”. Young, a seguir, cita João Cal-
vino: “Em resumo, o profeta descreve o cuidado inimaginá
vel com que Deus cuida incessantemente da nossa salvação,
para que possamos estar completamente convictos de que Ele
jamais nos abandonará, embora possamos ser afligidos por
inúmeras e grandiosas calamidades”1.
Em Lm 3, o autor, tradicionalmente aceito como sendo o pro
feta Jeremias, personifica a nação de Judá depois de sua destrui
ção através do exército babilônico. Se existiu alguém que poderia
se sentir excluído da face de Deus, foi essa nação, e com justiça,
devido à sua vilania e idolatria. Entretanto, o autor vai além da
personificação da nação. Tem-se a impressão de que ele sente
pessoalmente a aparente alienação de Deus. É difícil saber com
certeza se ele está simplesmente se valendo de um recurso lite
rário ou se está permitindo que seus próprios sentimentos pes
soais sejam revelados. Qualquer pessoa que já se sentiu excluída
da face de Deus ou abandonada por Ele pode refletir no grande
sentimento de tormento descrito pelo autor em Lm 3.1-20. A
porção do texto termina com a seguinte afirmação:
Lembra-te da minha aflição e do meu pranto,
do absinto e do veneno.
Minha alma, continuamente,
os recorda e se abate dentro de mim.
{Lm 3.19,20)
]. Young, Edward J., opus cit., 3:285.
O autor chegou ao fundo do poço, emocional e espiritual
mente. Porém, de repente o estado de espírito muda comple
tamente, quando o autor escreve: “Quero trazer à memória o
que me pode dar esperança” (Lm 3.21). A seguir temos uma
das passagens mais belas de toda a Bíblia - uma passagem
que trouxe esperança e encorajamento a inúmeros cristãos
ao longo da história:
As misericórdias do Senhor
são a causa de não sermos consumidos,
porque as suas misericórdias não têm fim ;
renovam-se cada manhã.
Grande é a tua fidelidade.
{Lm 3.22,23)
O que provocou tamanha mudança de perspectiva no cora
ção do escritor? Ele se volta das circunstâncias imediatas para
o Senhor. Ele não foi excluído da face de Deus. Até mesmo a
nação em seu pecado profundo não foi excluída do amor de
Deus. O Senhor disciplinou a nação de forma severa, mas Ele
jamais deixou de amá-la. Da mesma forma, se formos falar
da grande fidelidade do Senhor, devemos nos voltar de nos
sas circunstâncias para o Senhor. Precisamos enxergar nos
sas situações através do amor de Deus, em lugar de enxergar
o amor de Deus pelo filtro das circunstâncias, como somos
propensos a fazer.
Como foi que o escritor se voltou para o Senhor? Ele refletiu
sobre o amor, a compaixão e a fidelidade de Deus. Nós deve
mos fazer o mesmo. É por esse motivo que devemos guardar
em nosso coração alguns desses textos bíblicos maravilhosos
acerca do amor divino. Precisamos tê-los prontos para usar
quando a adversidade atacar e quando surgirem em nosso co
ração as dúvidas e as tentações para que não creiamos.
0 AMOR DE DEUS NA DISCIPLINA
A segurança fornecida pela Bíblia acerca da soberania e da
constância do amor divino não significa que não devemos
esperar adversidades. Pelo contrário, o autor de Hebreus nos
garante que a disciplina, na forma da adversidade, é prova do
amor de Deus:
Filho meu, não menosprezes a correção que vem do Senhor,
nem desmaies quando por ele és reprovado;
porque o Senhor corrige a quem ama
e açoita a todo filho a quem recebe.
(.Hb 12.5,6)
Procuramos, erroneamente, por sinais do amor de Deus
na alegria. Em lugar disso, deveríamos procurar tais sinais no
operar fiel e persistente de Deus em nos conformar a Cris
to. Conforme observou Philip Hughes: “A disciplina não é a
marca de um pai duro e sem coração, mas de um pai que se
encontra profunda e amorosamente interessado no bem estar
de seu filho”2.
O autor de Hebreus reconhece que a disciplina divina é
dolorosa. Essa é a intenção. Ela não atingiria seu propósito
se não fosse dolorosa. Porém, em Sua sabedoria infinita e em
Seu amor perfeito, Deus jamais nos disciplinará além do que
precisamos; Ele jamais permitirá qualquer adversidade em
nossa vida que não seja essencialmente para o nosso bem. Po
demos estar certos de que jamais sofremos sem um propósito.
Conforme declara Lm 3.33, “porque não aflige, nem entristece
de bom grado os filhos dos homens”.
Deus nos disciplina com relutância, embora o faça com
2. Hughes, Philip E., A Commetitarv on the Epistle to the Hebrews. Eerdmans, Grand
Rapids, MI, 1977, p. 528.
lealdade. Ele não Se deleita em nossas adversidades, mas Ele
não nos poupará daquilo que precisamos para crescer mais
e mais à semelhança de Cristo. É a nossa condição espiritual
imperfeita que torna a disciplina necessária.
Isso não quer dizer que cada adversidade que acontece em
nossa vida está relacionada com algum pecado específico que
cometemos. O motivo pelo qual Deus lida com nossas vidas
não é tanto pelo que fazem os, mas pelo que somos. Todos nós
temos a tendência de subestimar a pecaminosidade residual
em nosso coração. Deus enxerga, mas nós falhamos ao enxer
gar o tamanho do orgulho, da autoconfiança carnal, das ambi
ções egoístas, da teimosia, da autojustificação, da falta de amor
e da falta de confiança em Deus. Somente a adversidade traz
tais disposições pecaminosas à tona, tal qual o fogo refinador
traz à superfície as impurezas do ouro derretido.
Nem sempre conseguimos discernir o bem espiritual espe
cífico que está sendo gerado em nossa vida por meio de uma
adversidade específica. É claro que, frequentemente, conse
guimos enxergar Deus lidando com uma necessidade nossa
óbvia de caráter, mas não conseguimos enxergar tudo o que
Deus está operando em nós. Deus age por meio das nossas
adversidades, operando em nós aquilo que é agradável a Ele
(Hb 13.21).
Mencionei brevemente Rm 8.28 num capítulo anterior e
destaquei que o “bem” do qual Paulo fala encontra-se definido
no versículo 29 como sendo a conformidade com a imagem
do Filho de Deus. Olhemos agora de maneira mais detalha
da para Rm 8.28. Diz o texto: “Sabemos que todas as coisas
cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles
que são chamados segundo o seu propósito”. Várias das “coi
sas” que Paulo tem em mente são ruins em si mesmas. Não há
nada essencialmente bom em defeitos de nascença, desastres
naturais e uma série de outras adversidades que possamos
enfrentar. Quando o mal é praticado pelo próximo contra nós,
certamente não existe qualquer bem essencial nele. Porém, na
sabedoria e amor infinitos de Deus, Ele toma todos os even
tos da nossa vida, tanto bons quanto ruins, e os harmoniza
de forma que possam contribuir juntos para o nosso bem, o
bem que Deus planeja para nós.
Na época em que crescia no Texas, eu gostava muito dos
biscoitos amanteigados feitos diariamente por minha mãe no
café da manhã. Entretanto, não havia nenhum ingrediente
que eu gostasse por si só. Até mesmo depois de misturados,
a massa crua do biscoito não me atraia. Somente depois que
os ingredienteseram misturados nas porções corretas pelas
mãos habilidosas de mamãe e então expostos ao calor do
forno, é que eles estavam prontos para serem saboreados no
café da manhã.
As “coisas” mencionadas em Rm 8.28 são como os ingre
dientes da massa de biscoito. Por si só, elas não são saboro
sas. Nós as evitamos. Com certeza, evitamos também o calor
do forno. Contudo, quando Deus em Sua habilidade infinita,
mistura tudo e assa no forno da adversidade, então, diremos
um dia que é bom.
Ao considerarmos a disciplina através da adversidade, pre
cisamos tomar cuidado para não equiparar certa quantidade
de adversidade a certo nível de pecaminosidade em nossa vida
ou na vida do próximo. Algumas das pessoas mais parecidas
com Cristo que já conheci passaram por adversidades imensas.
Temos apenas que olhar para o livro de Jó para ver essa ver
dade na Bíblia. O próprio Deus disse a Jó: “Porque ninguém
há na terra semelhante a ele, homem íntegro e reto, temente
a Deus e que se desvia do mal” (Jó 1.8). Todavia, não conheço
ninguém, exceto o Senhor Jesus Cristo, que tenha experimen
tado a calamidade total que Jó experimentou.
Um amigo meu descreveu o tema do livro de Jó como sendo
“Deus tornando um homem bom ainda melhor”. Sendo assim,
se você acha que experimenta mais do que sua “quantia justa”
de adversidade, não permita que uma suposta ligação entre
adversidade e pecado o desanime. É possível que Deus te
nha outras coisas em mente além da disciplina corretiva. Por
exemplo: parece haver pouca dúvida de que os irmãos de José
precisavam muito mais de disciplina corretiva do que José.
Entretanto, nenhum dos irmãos sofreu como José.
A MISERICÓRDIA DE DEUS
Uma expressão bastante comum no livro dos Salmos é a mi
sericórdia de Deus. Por exemplo: O SI 32.10 diz: “O que confia
no S e n h o r , a misericórdia o assistirá”. Reflita sobre o signifi
cado disso. O amor divino não pode falhar. O amor de Deus
é inalterável, constante e fixo. Em todas as adversidades que
passamos o am or de Deus não falha. Assim nos diz o Senhor
em Is 54.10:
Porque os montes se retirarão, e os outeiros
serão removidos;
mas a minha misericórdia não se apartará de ti,
e a aliança da minha paz não será removida,
diz o Senho r , que se compadece de ti.
Porque o amor de Deus não pode falhar, Ele permitirá em
nossa vida apenas a dor e a aflição que seja para o nosso su
premo bem.
Até mesmo a dor que Ele mesmo traz à nossa vida é tem
perada com Sua compaixão. “Pois, ainda que entristeça a al
guém, usará de compaixão segundo a grandeza das suas mi
sericórdias” (Lm 3.32). A segurança é que Deus demonstrará
compaixão. Não é o bastante dizer que Ele é compassivo, mas
que Ele demonstrará compaixão. Isso significa que até mesmo
o fogo da aflição será temperado com Sua compaixão, que
brota de Seu amor infalível. Nossa aflição está sempre acom
panhada da compaixão e do consolo de Deus.
Paulo experimentou a compaixão divina em meio a seu
sofrimento. Para prevenir o orgulho em sua vida, o Senhor
deu a Paulo um espinho na carne. Não sabemos o que era esse
espinho, mas sabemos que ele foi uma forte aflição para Paulo.
Em três momentos, Paulo suplicou que o Senhor removesse
esse espinho, mas Deus respondeu negativamente. Em lugar
disso, Deus disse: “A minha graça te basta” (2 Co 12.9). Deus
trouxe aflição para a vida de Paulo para o seu bem, mas Ele
também demonstrou compaixão. Ele concedeu graça, neste
caso concedeu força divina, para suportar tal aflição. Ele não
deixou que Paulo suportasse o espinho na carne sozinho. Em
compaixão, Deus forneceu os recursos divinos necessários
para a provação. Com o tempo Paulo pode se alegrar em sua
aflição, pois através dela ele experimentou o poder vencedor
de Deus.
Paulo recebeu graça quando precisou dela. Deus não nos
concede toda a força divina de que precisamos para a vida
cristã no dia em que colocamos a nossa confiança em Cristo.
Pelo contrário, Davi fala sobre a bondade do Senhor que se
encontra reservada para aqueles que O temem (SI 31.19). Assim
como devemos guardar (o significado de “escondi” no SI 119.11)
a Palavra de Deus em nosso coração contra os momentos de
tentação, assim Deus reserva bondade ou graça para os nossos
momentos de adversidade. Nada recebemos antes de precisar
mos, mas também nada recebemos tarde demais.
Penso num médico cujo filho nasceu com uma deficiência
de nascença incurável, deixando-o aleijado por toda a vida.
Perguntei a ele como se sentia quando ele, que dedicou sua
vida toda para tratar das doenças dos outros, se deparou com
a condição incurável de seu próprio filho. Ele me disse que seu
maior problema era a tendência de resumir os próximos vin
te anos da vida de seu filho naquele momento inicial quando
descobriu a respeito da condição dele. Olhando desse ponto
de vista, a adversidade dele era gigantesca. Deus não concede
hoje vinte anos de graça. Ao contrário, Ele fornece a graça dia
a dia. Conforme diz a música: “Dia a dia, passam-se os ins
tantes, e o meu Deus me ampara em meu viver; pondo nele a
minha fé constante, nada temo, nada vou temer”3.
A PRESENÇA DE DEUS CONOSCO
O amor de Deus não falha, Sua graça é sempre suficiente. Mas,
as boas notícias não param por aí. Ele está conosco em nossas
dificuldades. Ele não se limita a enviar graça do céu para que
suportemos as dificuldades. Ele mesmo vem em nosso auxílio.
Ele nos diz: “Não temas... eu te ajudo” (Is 41.14).
Em Is 43.2, Deus diz:
Quando passares pelas águas, eu serei contigo;
quando, pelos rios, eles não te submergirão;
quando passares pelo fogo, não te queimarás,
nem a chama arderá em ti.
Deus promete especificamente estar conosco em nossa dor
e aflição. Ele não nos poupará das águas de sofrimento e do
fogo da adversidade, mas Ele os atravessará conosco.
Até mesmo quando as águas e o fogo são aquilo que o pró
prio Deus traz à nossa vida, Ele ainda assim passará por eles
3. Berg, Lina Sandell, (1865), D ia a Dia. Trad. Joan L. Sutton, 1975, Rio de Janeiro, RJ,
JUERP, Hinário para o Culto Cristão, n° 182.
conosco. A maioria das promessas graciosas de que Deus está
conosco, foi dada primeiramente à nação de Judá durante
uma época de decadência espiritual nacional. Através de Seus
profetas, Deus alertou continuamente o povo acerca do juízo
iminente; todavia, em meio a essas advertências, encontramos
promessas incríveis de que Ele estaria com o povo. Deus jul
gou o Seu povo, mas Ele não o abandonou. Mesmo em meio
ao juízo trazido, Deus esteve com eles. Conforme disse Isaías:
“Em toda a angústia deles, foi ele angustiado” (Is 63.9).
Por isso, independentemente de qual seja a natureza ou a
causa da nossa adversidade, Deus passa por ela conosco. Ele
diz: “Eu te fortaleço, e te ajudo, e te sustento com a minha
destra fiel” (Is 41.10). Normalmente, é exatamente no meio
da nossa adversidade que experimentamos as manifestações
mais agradáveis do Seu amor. Conforme declarou Paulo em
2 Co 1.5, “porque, assim como os sofrimentos de Cristo se
manifestam em grande medida a nosso favor, assim também
a nossa consolação transborda por meio de Cristo”.
Cristo Se identifica conosco em nosso sofrimento. Quando
Cristo confrontou Saulo na estrada para Damasco, Ele disse:
“Saulo, Saulo, por que me persegues?” “Quem és tu, Senhor?”.
Em resposta à pergunta de Saulo Cristo respondeu: “Eu sou
Jesus, a quem tu persegues” (Atos 9.4,5). Uma vez que Seu
povo estava unido com Cristo, perseguir ao povo significava
perseguir a Ele. Essa verdade não é diferente hoje. Você está
unido com Cristo, assim como os discípulos estavam na épo
ca do livro de Atos. E, pelo fato de você estar unido a Cristo,
Ele partilha da sua adversidade.
Não importa a maneira como enxergamos nossa adversi
dade, logo descobrimos que a graça de Deus é suficiente, que
o Seu amor é adequado. Nada pode nos separar do Seu amor.
Nas palavras de Paulo: “nem a altura, nem a profundidade,
nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor deDeus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.39).
O amor infalível de Deus por nós é um fato confirmado
repetidas vezes na Bíblia. Tal fato é verdadeiro, quer acredi
temos nele ou não. Nossas dúvidas não destroem o amor de
Deus, assim como nossa fé é incapaz de cria-lo. Ele se origina
da própria natureza de Deus, que é amor, e flui até nós por
meio de nossa união com Seu Filho amado.
Mas o experimentar desse amor e consolo que Ele tencio-
na nos oferecer depende de crermos na verdade a respeito
do amor de Deus conforme revelada nas Escrituras. Quando
permitimos que dúvidas a respeito do amor de Deus sejam
guardadas em nosso coração, seremos certamente privados
do consolo do Seu amor. O comentarista escocês do século
dezenove, John Brown, escreveu um comentário esclarecedor
sobre o assunto. Ele disse:
“A única maneira que os ‘sofrimentos da era presente’ po
dem se interpor entre o cristão e o amor de Deus e de Cristo,
é quando o cristão cai diante deles como se fossem uma
tentação, ou se a falta de fé os afundar nos sofrimentos da
era presente’. Então, uma nuvem aparece entre esse cris
tão e a luz do semblante do Pai. Porém, essa nuvem não é
a aflição, mas sim o pecado; e isso é uma solução miseri
cordiosa que Deus arquitetou. A necessidade de consolo
comunica ao cristão que algo está errado”4
É verdade que dependemos do Espírito Santo tanto para
nos capacitar a confiarmos no amor de Deus quanto para de
pendermos dEle para nos capacitar a obedecer às ordens dEle.
Porém, assim como somos responsáveis por obedecer confian
4. Brown, John, Analvtical F.xposition o f the Epistle ofPaul the Apostle to the Romans,
1857; reimpresso por Baker, Grand Rapids, MI, 1981, p. 269.
do que Ele está operando em nós, somos também responsá
veis por confiar nEle com a mesma atitude de dependência
e confiança. Em inúmeras situações de aflição possivelmen
te teremos que fazer como certo homem fez diante de Jesus
quando “exclamou [com lágrimas]: Eu creio! Ajuda-me na
minha falta de fé!” (Mc 9.24).
Quase sempre lutaremos com dúvidas acerca do amor de
Deus durante os momentos de adversidade. Se nunca tivés
semos que lutar, nossa fé não cresceria. Porém, devemos nos
empenhar nas lutas com nossas dúvidas; não podemos deixar
que elas nos vençam. É possível que nos sintamos como Davi,
em meio a situações aparentemente intoleráveis, que disse o
seguinte num momento de grande angústia:
Até quando, Sen h o r?
Esquecer-te-ás de mim para sempre?
Até quando ocultarás de mim o rosto?
(Sl 13.1)
Davi tinha suas dúvidas; ele lutou com elas. Na realidade,
no versículo seguinte ele continua sua luta quando pergunta:
“Até quando estarei eu relutando dentro de minha alma?” Ele
sentiu como se Deus tivesse, mesmo que por um breve mo
mento, Se esquecido dele. No entanto, por meio da capacita
ção do poder de Deus, Davi venceu sua batalha. Ele superou
suas dúvidas. Ele então foi capaz de dizer:
No tocante a mim, confio na tua graça;
regozije-se o meu coração na tua salvação.
Cantarei ao Senho r ,
porquanto me tem feito muito bem.
(Sl 13.5,6)
Assim como Davi, você e eu devemos lutar com nossos pen
samentos. Com a ajuda de Deus, poderemos chegar também
ao ponto de dizer, mesmo em meio à adversidade: “Confio na
tua misericórdia, no teu amor infalível”.
C A P Í T U L O O N Z E
CONFIANDO EM DEUS QUANTO
A QUEM SOO
Pois tuformaste o meu interior,
tu me teceste no seio de minha mãe.
No teu livro foram escritos todos os meus dias,
cada um deles escrito e determinado,
quando nem um deles havia ainda.
Sl 139.13,16
A inda consigo lembrar quando tentava jogar beisebol no
ensino fundamental. Eu não conseguia nem rebater nem
pegar a bola, pois era incapaz de dizer exatamente onde a
bola estava ou de julgar qual era a sua velocidade em minha
direção. Somente mais tarde fui descobrir que minha incapa
cidade para jogar beisebol se devia à minha visão monocular
(a capacidade de focar apenas um olho por vez). A percepção
de profundidade depende da visão binocular, a capacidade de
focar os dois olhos para, juntos, gerarem um efeito estereos
cópico ou tridimensional.
Esse problema me acompanha pela vida inteira, ou pelo
menos, desde minha infância. Até hoje passo por momentos
de apreensão cada vez que vou renovar minha carteira de ha
bilitação. Pergunto-me sempre se o examinador não irá me
reprovar por minha incapacidade na percepção de profundi
dade em meu exame da vista. Não consigo jogar tênis, e nem
ouso entrar numa quadra de handebol ou de squash, com
medo de levar uma bolada no rosto.
Porém, quando era criança eu simplesmente não conseguia
entender por que era incapaz de jogar beisebol com meus co
legas. Sabia apenas que me sentia envergonhado e rejeitado
por não ser como eles. É claro que muitas outras pessoas pos
suem deficiências físicas ou mentais que são bem piores que a
minha. Quer sejam maiores ou menores, essas incapacidades
normalmente geram sofrimento na infância e então, mais tar
de, uma dificuldade para aceitar-se como adulto. Quando nos
tornamos cristãos, podemos começar a lutar com Deus por
causa das deficiências e das limitações que temos.
Outras pessoas que não possuem deficiências lutam com
problemas de aparência física. As orelhas são grandes demais,
ou o nariz é muito comprido, ou o corpo de alguma forma
não é devidamente proporcional. Há ainda aqueles que têm
dificuldade com seu jeitão de ser ou com suas características
emocionais. Outros lutam com fatores hereditários e ambien
tais inevitáveis sobre os quais não têm qualquer controle.
Seja qual for o problema, muitas pessoas lutam para acei
tarem a si mesmas como são. Para elas, a vida é apenas uma
adversidade contínua, não por causa de circunstâncias exter
nas, mas por quem elas são. Sua maior necessidade de confiar
em Deus talvez seja “confiar em Deus por quem sou”. Para
pessoas assim, o SI 139.13-16 possui coisas muito importantes
e úteis a dizer.
QUEM EU SOU FOI DEUS QUEM FEZ
O Sl 139.13-16 nos ensina que somos quem somos porque o
próprio Deus nos criou assim, não por causa de um proces
so biológico impessoal. Observe o que Davi diz a Deus no
vs 13: “Tu me teceste no seio de minha mãe”. Davi retrata Deus
como um tecelão absoluto trabalhando no ventre materno,
nos criando de forma direta assim como criou Adão a partir
do pó da terra.
Davi certamente tinha ciência do processo biológico que
Deus usou para trazê-lo ao mundo. Ele não nega isso. Ao
contrário, ele nos ensina que Deus supervisiona de tal forma
o processo biológico que Ele está diretamente envolvido na
formação de cada um de nós, para que sejamos a pessoa que
Ele deseja que sejamos.
A parte inicial do vs 13 diz: “Tu formaste o meu interior”.
O termo hebraico traduzido como “interior” significa literal
mente rins, termo usado pelos judeus para expressar o lugar
de residência dos anseios e desejos pessoais. A Bíblia de Estudo
da Nova Versão Internacional diz que o termo era usado no he
braico para “o âmago das emoções e sensibilidade moral”. Davi,
então, está dizendo: “O Senhor criou a minha personalidade”.
Deus não criou apenas o corpo físico de Davi, Ele também
criou a sua personalidade. Davi era quem era porque Deus o
criou daquela maneira física, mental e emocionalmente. As
sim como Deus esteve pessoalmente envolvido na criação de
Davi, Ele esteve diretamente envolvido na nossa criação. O Rev.
James Hufstetler disse com precisão:
Você é o resultado da obra atenta, cuidadosa, elaborada, ín
tima, detalhada e criativa de Deus. Sua personalidade, seu
gênero, sua altura, suas características, são o que são por
que Deus as fez precisamente dessa maneira. Ele fez você
como fez porque é assim que Ele quer que você seja... Se
Deus quisesse que você fosse básica e criativamente dife
rente, Ele o teria feito diferente. Seus genes, cromossomos
e características distintas, até mesmo o formato do nariz e
das orelhas, são o que são por propósito divino1.
O SI 139.13 não é a únicapassagem bíblica que fala direta
mente de Deus nos criando. Jó disse:
As tuas mãos me plasmaram e me aperfeiçoaram.
Lembra-te de que m eform aste como em barro.
De pele e carne me vestiste e de ossos e
tendões me entreteceste.
(Jó 10.8-11)
O escritor do SI 119 disse: “As tuas mãos me fizeram e me
afeiçoaram” (vs 73). E Deus disse a Jeremias: “Antes que eu te
formasse no ventre materno, eu te conheci” (Jr 1.5).
A aplicação dessa verdade deveria estar clara para nós. Se
eu tiver dificuldade em me aceitar como Deus me fez, então
tenho uma controvérsia com Deus. E claro que você e eu pre
cisamos mudar na medida em que nossa natureza pecaminosa
distorce aquilo que Deus fez. Portanto, não digo que precisa
mos nos aceitar como somos, mas sim, como Deus nos fez em
nossa constituição básica física, mental e emocional.
Davi, em vez de irritar-se sobre como Deus o fez, disse: “Gra
ças te dou, visto que por modo assombrosamente maravilhoso
me formaste” (Sl 139.14). Davi era um homem “de belos olhos
e boa aparência” (1 Sm 16.12). Então poderíamos dizer: “E fácil
Davi louvar a Deus, pois ele era bonito, atlético, habilidoso na
guerra e um músico bem dotado, mas olhe só para mim. Sou
1. Hufstetler, James, “On Knowinp Oneseíf ”, The Banner of Truth, Edição 280, Janeiro
de 1987, p. 13.
uma pessoa muito comum física e mentalmente”. Na realidade,
algumas pessoas acham que nem atingem o nível do comum.
Eu entendo quem se sente assim. Além das minhas inca-
pacidades de visão e de audição, jamais me empolguei com
a minha aparência física. Deus não deu ao Seu próprio Filho
características atraentes em Seu corpo humano. Isaías disse
a respeito de Jesus: “Não tinha aparência nem formosura;
olhamo-lo, mas nenhuma beleza havia que nos agradasse”
(Is 53.2). O retrato de Jesus bonito, de barba, que normalmen
te encontramos não tem qualquer base bíblica. Na melhor
das hipóteses, Jesus era, ao que tudo indica, genérico em Sua
aparência física, e isso jamais O incomodou nem interferiu de
qualquer forma no cumprimento da vontade de Seu Pai.
Davi não louvou a Deus porque era bonito, mas porque
Deus o fez. Precisamos enfatizar isso. O Deus eterno, que é
infinito em Sua sabedoria e perfeito em Seu amor, fez você e
eu pessoalmente. Ele lhe deu o corpo, as capacidades mentais
e a personalidade básica que você tem, pois foi assim que ele
quis que você fosse. Ele quis você exatamente desse jeito por
que te ama e deseja ser glorificado através você.
Esse é o alicerce cristão para a autoaceitação. Eu sou quem
sou e você é quem é porque Deus nos criou soberana e dire
tamente para sermos quem somos. A autoaceitação é basica
mente confiar em Deus quanto a quem sou com deficiências
ou imperfeições físicas e tudo. Precisamos aprender a pensar
como George MacDonald, que disse: “Prefiro ser o que Deus
escolheu que eu fosse a ser a criatura mais gloriosa que a mi
nha mente pudesse conceber; pois o ser concebido por Deus,
nascer no pensamento divino e ter sido feito pelas mãos de
Deus, é a coisa mais querida, grandiosa e preciosa que pode
mos imaginar”2.
2. MacDonald, George citado em Miller, J.R., “tindinv One's Mission". Reiner
Publications, Swengel, PA, s.d., p. 2.
Se temos deficiências ou limitações físicas ou mentais, é
porque Deus em Sua sabedoria e amor nos criou dessa ma
neira. É possível que não entendamos por que Deus assim
escolheu, mas é exatamente aí que nossa confiança nEle deve
começar. Num capítulo anterior, vimos que Deus atribui a Si
mesmo a responsabilidade por deficiências físicas. Ele disse a
Moisés: “Quem fez a boca do homem? Ou quem faz o mudo,
ou o surdo, ou o que vê, ou o cego? Não sou eu, o S e n h o r ?”
(Êx 4.11).
Trata-se de uma verdade reconhecidamente difícil de acei
tar, especialmente se você ou uma das pessoas a quem você
ama é alvo dessa deficiência. Jesus também afirmou que a mão
de Deus controla as deficiências. Quando os discípulos per
guntaram a Jesus por que certo homem havido nascido cego,
Jesus respondeu: “Foi para que se manifestem nele as obras
de Deus” (Jo 9.3). Medite um pouco acerca do que Jesus dis
se. Um homem nasceu cego e permaneceu assim até sua vida
adulta, para que a obra de Deus pudesse ser manifesta na vida
dele. Isso não soa nem um pouco justo, não é mesmo? Por
que aquele homem deveria sofrer com a cegueira por tanto
tempo simplesmente para estar disponível para manifestar a
obra de Deus num dia específico? Será que a glória de Deus
vale a cegueira de nascença de uma pessoa?
Perguntas assim quando apresentadas a respeito de um
personagem bíblico que viveu há mais de 2.000 anos soam
rudes e irreverentes. Nós todos provavelmente concordamos
que a glória de Deus vale um homem nascer cego, mas o que
podemos dizer sobre nossas próprias deficiências e limitações?
Será que a glória de Deus vale isso também? Será que estamos
dispostos a levar nossas próprias limitações físicas, nossa li
mitações de aprendizado e até mesmo nossos problemas de
aparência a Deus e dizer: “Pai, o Senhor é digno desta fraque
za em minha vida. Creio que Tu me criaste como sou porque
me amas e queres ser gloriíicado através de mim. Confiarei
em ti por quem sou”.
Aprender a confiar em Deus por quem eu sou é o caminho
para a autoaceitação. Entretanto, para fazer isso precisamos
ter sempre em mente que o Deus que nos criou da maneira
que somos é sábio o suficiente para saber o que é melhor para
nós e amoroso o suficiente para produzir nossa autoaceitação.
Certamente teremos nossas dificuldades em alguns momen
tos com quem somos. Diferente da adversidade de incidentes
específicos, nossas deficiências e limitações estão sempre co
nosco. Sendo assim, precisamos aprender a confiar em Deus
nessa área continuamente. Para fazermos isso, precisamos
aprender a dizer com Davi: “Pois tu formaste o meu interior,
tu me teceste no seio de minha mãe”.
Podemos nos beneficiar novamente do que James Hufste-
tler tem a dizer: “Até que você agradeça a Deus por ter feito
você como Ele fez, você jamais se deleitará realmente nas ou
tras pessoas, jamais terá emoções estáveis, jamais viverá uma
vida de contentamento piedoso, jamais vencerá a inveja e nem
amará os outros como deve”3.
À medida que agradecemos a Deus por quem somos, deve
mos agradecê-lo também pelas capacidades e traços chama
dos positivos que temos. Todas as capacidades - física, mental,
personalidade, talentos e assim por diante - que possuímos,
nos foram presenteadas por Deus. As palavras de Paulo aos
coríntios se aplicam a todos nós. “Pois quem é que te faz so
bressair? E que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Co 4.7).
Tudo que temos, quer capacidades, aprendizado, riquezas, es
tabilidade na vida, posição profissional ou influência, nos foi
dado por Deus para a Sua glória. Quer seja uma capacidade
3. Hufstetler, opas cit., p. 14.
ou uma deficiência, aprendamos a recebê-la do Senhor, a dar
graças a Ele e a buscarmos usá-la para a Sua glória.
CONFIANDO EM DEUS PELO 0 QUE EU SOU
Fomos criados por Deus no ventre materno exatamente como
Deus queria, para que possamos cumprir Seu plano traçado
para nós. Deus não age por capricho ou por impulso, mas de
acordo com Seu propósito eterno. Ele tinha um motivo para
criar cada um de nós como fez. O Salmo 139.16 precisa ser leva
do em consideração juntamente com os vs 13-15. Diz assim:
No teu livro foram escritos todos os meus dias,
cada um deles escrito e determinado,
quando nem um deles havia ainda.
Há dois significados possíveis que podem ser atribuídos a
esse versículo. O primeiro é que a duração da vida de Davi, em
outras palavras, o número de dias que ele viveria, foi divina
mente ordenado por Deus. Com certeza essa é uma verdade
expressa em outra parte da Bíblia. No Sl 31.15, Davi disse: “Nas
tuas mãos, estão os meus dias”. Jó disse:
Visto que os seus dias estão contados,
contigo está o número dos seus meses; tu ao
homem puseste limites além dos quais não passará.
(.Jó 14.5)
O apóstoloPaulo disse: “de um só fez toda a raça humana...
havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os li
mites da sua habitação” (At 17.26). Deus não apenas nos criou
conforme planejou, Ele também determina soberanamente
quanto tempo vivemos. Em si mesma essa é uma verdade
gloriosa. Assim como Davi, a duração de nossa vida está em
Suas mãos. Conforme diz um cântico: “Até que Ele chame,
não tenho como morrer”.
Porém, é possível que Davi tivesse o outro significado em
mente nessa passagem, que todas as experiências de sua vida,
dia a dia, foram escritas no livro de Deus antes que ele nas
cesse. Isso diz respeito não apenas ao conhecimento prévio de
Deus do que acontecerá em nossa vida, mas também ao Seu
plano para a nossa vida. Esse significado é mais adequado à
linha de pensamento dos vs 13-15. Deus criou cada um de nós
de maneira singular para cumprir o plano que Ele estabeleceu
para nós. Tanto as nossas limitações quanto as nossas capa
cidades se encaixam em Seu plano. Ele criou você com uma
deficiência incurável na fala? Ele assim fez, pois tal deficiência
específica o torna singularmente adequado para a vida que Ele
planejou para você. O plano de Deus para você e a maneira
singular como Ele te criou são compatíveis. Ele equipou você
para cumprir o propósito dEle para a sua vida.
Alguém sabiamente disse que uma das verdades mais ins-
piradoras é que Deus possui um plano distinto para cada um
de nós ao nos enviar para este mundo. Esse plano abrange não
apenas Sua criação original de cada um de nós, mas também
a estrutura familiar e social na qual nascemos. Inclui todas
as instabilidades da vida, todos os acontecimentos aparente
mente casuais ou aleatórios e todas as mudanças repentinas
e inesperadas dos eventos, tanto “boas” quanto “ruins”, que
acontecem em nossa vida. Embora possam parecer apenas
mero acaso, todas essas situações e circunstâncias foram es
critas no livro de Deus antes que viessem a acontecer.
O plano de Deus para nós, entretanto, abrange mais do que
meramente os eventos ou circunstâncias que acontecem co
nosco. Também inclui aquilo que Deus deseja que sejamos ou
façam os. A Bíblia nos ensina que Deus coloca cada cristão no
corpo de Cristo conforme Lhe agrada. Ele determina sobera
namente nossas respectivas funções no corpo e nos presenteia
com os dons espirituais com os quais realizaremos tais funções
(Rm 12.4-6; 1 Co 12.7-11). Além disso, nossos dons espirituais
geralmente são compatíveis com as capacidades físicas e men
tais, bem como o jeito de ser com o qual Deus nos criou.
Deus não olha para nós no dia em que entregamos nossa
vida a Cristo e diz: “Vejamos, qual dom espiritual vou dar a
ela?” Não, Deus planejou nossos dias antes que o primeiro
deles ocorresse. Ele disse a Jeremias: “Antes que eu te formas
se no ventre materno, eu te conheci, e, antes que saísses da
madre, te consagrei, e te constituí profeta às nações” (Jr 1.5).
Paulo se refere ao seu chamado apostólico com as seguinte»
palavras: “Quando, porém, ao que me separou antes de eu
nascer [literalmente, desde o ventre] e me chamou pela sua
graça, aprouve...” (Gl 1.15).
O Sl 139.13-16 precisa ser visto como uma unidade. Deus
criou nosso ser interior e nos moldou no ventre materno para
que pudéssemos ser equipados para cumprir o plano que Ele
estipulou para nós antes mesmo de nascermos. Quem você
é não se constitui num acidente biológico. O que você é não
pode ser visto como um acidente circunstancial. Tudo isso foi
planejado por Deus para você.
Assim como devemos confiar em Deus quanto a quem so
mos, precisamos também confiar nEle quanto ao para que so
mos - seja um engenheiro ou um missionário, uma dona de
casa ou uma enfermeira. Se existe uma área da vida na qual
o ditado “a grama é sempre mais verde do outro lado da cer
ca” se aplica, com certeza é na área do chamado vocacional
e a posição social que ocupa na vida. Alguém estimou que
cerca de oitenta por cento dos trabalhadores encontram-se
insatisfeitos com o trabalho que tem. Para muitos, é possível
que isso se deva à relutância de sermos o que Deus planejou
que sejamos.
Embora eu tenha cursado engenharia na faculdade, logo
abandonei tal vocação porque entendi que Deus me queria
como missionário no exterior. Entretanto, Deus jamais per
mitiu que eu me torna-se um missionário no exterior. Ao
contrário, acabei me tornando um administrador de uma or
ganização missionária. A princípio, achei que a administra
ção seria apenas um interlúdio rumo ao campo missionário.
Então, um dia tive que encarar o fato de que Deus havia me
capacitado tanto com o talento quanto com a índole para a
administração, isso seria provavelmente o que Ele me chamou
para fazer. Por um tempo me vi como um administrador re
lutante, como alguém que preferiria estar fora no chamado
“ministério”. Porém, acabei percebendo que tal pensamento
era dizer que eu estava relutante em aceitar o plano de Deus
para mim. Precisei compreender que Ele me criou de certa
maneira para poder cumprir o plano que Ele havia determi
nado para mim antes que eu nascesse.
Deus me chamou para ser o administrador de uma missão
em vez de ser um missionário. A maioria das pessoas também
não deveria ser. Deus é o Deus da sociedade assim como da
igreja e Ele determina o curso da nossa vida na esfera natural,
assim como na igreja. Ele determinou os dias do encanador
assim como o fez para o pastor.
Tal pensamento deveria dar significado até para a mais en
fadonha das vocações. Na realidade, nenhuma vocação deve
ria ser considerada monótona se ela foi ordenada por Deus.
Nas palavras de J. R. Miller: “Não há espaço para o grande
ou o pequeno aqui. Ter sido pensado por Deus, e depois ser
formado pelas mãos de Deus para ocupar o lugar que for, é
glória suficiente para a maior e mais almejada vida. O lugar
mais alto que podemos alcançar na vida é aquele para o qual
fomos projetados e feitos”4.
Essa postura não ignora o fato de que o trabalho, junta
mente com todos os outros aspectos da criação, encontra-se
sob a maldição do pecado. As palavras de Deus para Adão:
“No suor do rosto comerás o teu pão” (Gn 3.19), deveriam ser
consideradas em seu sentido mais amplo indicando o esforço e
a freqüente futilidade que normalmente acompanha qualquer
trabalho. Tornar-se um cristão não removerá tal maldição de
nossos respectivos trabalhos, mas deveria nos dar uma nova
perspectiva acerca daquele trabalho. Não devemos enxergá-lo
como um mal necessário por meio do qual obtemos nosso pão,
mas devemos começar a enxergá-lo como o lugar onde Deus
nos colocou para servi-Lo por meio do serviço à sociedade.
Paulo escreveu o seguinte aos escravos da igreja em Colos
sos: “Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como
para o Senhor e não para homens” (Cl 3.23). Vários daqueles
escravos eram, sem dúvida, designados para tarefas cansati
vas e tediosas. Alguns provavelmente trabalhavam com coi
sas muito abaixo de suas capacidades ou instrução. Contudo,
qualquer tarefa que tivessem, deveria ser desempenhada com
entusiasmo, pois estavam trabalhando para o Senhor. De
sempenhavam tarefas que haviam sido a eles ordenadas antes
mesmo que nascessem.
O fato de Deus ter determinado todos os dias da nossa vida
deveria, igualmente, dar significado a todos os dias, e não ape
nas para dias empolgantes ou especiais na nossa vida. Cada
dia é importante para nós porque foi determinado por Deus.
Se nos encontramos entediados com a vida, há algo errado
com o nosso conceito de Deus e acerca de Seu envolvimento
em nossa vida diária. Até mesmo os dias mais enfadonhos e
4. Miller, opus cit., p. 2.
entediantes da nossa vida são determinados por Deus e devem
ser por nós vividos para glorificá-Lo.
A percepção de que Deus planejou nossos dias não deve
ria, entretanto, nos conduzir a uma aceitação fatalista do sta-
tus quo. Se tivermos uma oportunidade de melhorar nossa
situação de uma maneira que honrará a Deus, deveríamosfazê-lo. Até mesmo para os escravos cristãos Paulo escreveu:
“mas, se ainda podes tornar-te livre, aproveita a oportunida
de” (1 Co 7.21). Porém, imediatamente antes dessa afirmação
Paulo havia escrito: “Foste chamado, sendo escravo? Não te
preocupes com isso”. Nossa vida deve ser sempre marcada por
um equilíbrio entre os esforços piedosos para melhorar nossa
situação e a aceitação piedosa das situações que não podem
ser alteradas por nós.
Para muitos, existem vários detalhes aparentemente adver
sos de nossa vida que jamais serão alterados, independente
mente dos nossos esforços ou das nossas orações. Eles simples
mente fazem parte do plano de Deus para nós. Em situações
assim, precisamos buscar o consolo nas palavras de Deus aos
judeus cativos na Babilônia, quando Ele disse em Jr 29.11:
Eu é que sei que pensamentos tenho a vosso respeito, diz o
Senho r ; pensamentos de paz e não de mal, para vos dar o
fim que desejais.
Embora tais palavras tenham sido proferidas por Deus a
um grupo específico de pessoas, os judeus cativos, elas reve
lam o coração de Deus para com todos os Seus filhos. Assim
como Ele planejou somente o bem para os cativos, Ele assim
planejou somente o bem para você e para mim. O plano de
Deus determinado e escrito em Seu livro para você antes de
seu nascimento é um plano bom. E um plano para fazê-lo
crescer e aperfeiçoá-lo e não para causar dano. Reconheço
prontamente que existem vários aspectos do plano de Deus
para cada um de nós que realmente parecem nocivos, que
parecem ter sido calculados para tirar nossa esperança. En
tretanto, é em momentos assim que somos convocados a ca
minhar pela fé, a confiar em Deus diante dessas adversidades
que insistem em não ir embora.
CONFIANDO EM DEUS QUANTO À ORIENTAÇÃO
A percepção de que Deus determinou nossos dias logicamen
te nos conduz a pensar: “Será que posso confiar que Deus
me guiará em meio a esse plano? E se eu cometer um erro
e perder o rumo?” Para responder tais perguntas, creio ser
importante fazer a distinção entre a orientação de Deus e
aquilo que hoje costumeiramente é chamado de “descobrir a
vontade de Deus”.
Davi disse o seguinte a respeito de Deus: “Leva-me para
junto das águas de descanso... Guia-me pelas veredas da jus
tiça por amor do seu nome” (Sl 23.2,3, ênfase acrescentada).
A figura aqui é a de um pastor conduzindo seu rebanho. A
iniciativa encontra-se no pastor. É ele quem determina os
locais onde o rebanho irá beber, e guia o rebanho como acha
melhor. Como nosso Pastor, Deus comprometeu-Se a nos
guiar pelos caminhos que Ele sabe serem os melhores para
nós. Deus dirige a nossa vida de forma soberana para que
realmente vivamos, em nossas experiências diárias, todos os
dias por Ele determinados.
O assunto do descobrir a vontade de Deus numa questão
específica (ou, conforme alguns preferem expressar, tomar a
decisão correta) é outra questão, embora seja um assunto rela
cionado. Descobrir a vontade de Deus geralmente diz respeito
a decisões do tipo “encruzilhada”. Muito já foi escrito sobre o
assunto, e existem posturas bastante divergentes quanto a isso.
Meu propósito não é entrar nesse debate aqui.
O que desejo fazer é voltar nossa atenção para a iniciativa
e a fidelidade de Deus em nos guiar, de forma que cumpra
mos o plano que Ele determinou para nós. Pensamos muito
acerca de nossa responsabilidade de descobrir a vontade de
Deus numa situação ou de tomar decisões sábias diante das
escolhas da vida, mas a ênfase bíblica parece estar em Deus
nos dirigindo.
Consideremos o livro de Atos. A única referência aos dis
cípulos procurando determinar a vontade de Deus ocorre na
escolha de Matias como sucessor de Judas. Daquele momen
to em diante, o livro é um registro de Deus orientando o Seu
povo. Por exemplo: em At 16, Paulo e seus companheiros es-
tavam seguindo em sua viagem missionária, numa progressão
lógica. Entretanto, por duas vezes eles foram impedidos pelo
Espírito Santo e então, como resultado da visão de Paulo, con
cluíram que Deus os estava chamando para a Macedônia. À
medida que avançavam, o Espírito os direcionava, fazendo-os
parar em dois lugares e chamando-os para outro. O relato não
nos diz como o Espírito os direcionou; simplesmente relata
que o Espírito o fez.
O plano que Deus tinha para Paulo e para os seus compa
nheiros era mais específico do que a Grande Comissão de fazer
discípulos de todas as nações. As províncias da Ásia e da Bitínia,
nas quais Paulo foi impedido de entrar, eram tão necessitadas
quanto a Macedônia. Porém, o plano de Deus para Paulo era
que ele levasse o evangelho para a Macedônia, e então, a partir
daí para toda a península grega. Deus não deixou Paulo ter que
sair à busca de Sua vontade. Ao contrário, à medida que Paulo
caminhava, Deus tomava a iniciativa de direcioná-lo.
Deus tem um plano para cada um de nós. Ele nos conce
deu dons, capacidades e índoles diferentes, e de acordo com
a Sua vontade colocou a cada um de nós no Corpo de Cristo.
Inserir-nos no Corpo indica algo bem mais determinado do
que deixar a escolha conosco. Significa, na realidade, o ato de
nos colocar nesse Corpo. Inclui todas as circunstâncias provi
denciais que foram trazidas sobre nós para assegurar que en
contrássemos nosso lugar adequado no Corpo, e para que de
sempenhássemos as funções que Ele nos deu para cumprir.
Nós temos a responsabilidade de tomar decisões sábias
ou de descobrir a vontade de Deus, seja qual for o termo que
você prefere usar. No entanto, o plano de Deus não depende
de nossas decisões. O plano divino não depende de nada. O
plano de Deus é soberano. Ele engloba tanto as nossas deci
sões tolas quanto as nossas decisões sábias.
Para a maioria de nós, muitas das decisões mais importan
tes da vida são tomadas antes de termos a sabedoria espiritual
necessária para tomar decisões sensatas. No último ano da
faculdade, fui entrevistado para um emprego e recebi a pro
posta que seria efetivada tão logo eu concluísse meu serviço
militar obrigatório. Naquele momento eu nada sabia a respeito
da vontade de Deus ou a respeito de tomar decisões espiritu
ais sábias. Porém, por algum motivo, eu recusei o emprego.
Olhando para trás hoje, consigo ver que Deus estava me dire
cionando, mantendo-me disponível para o Seu chamado mais
tarde para o ministério conhecido como Os Navegadores.
Os meios que Deus usa para nos guiar são infinitos. Con
siderando meus trinta e nove anos de vida cristã, fico mara
vilhado com as várias e diversas maneiras por meio das quais
Deus me guiou. A minha tendência é dizer como Davi: “Que
preciosos para mim, ó Deus, são os teus pensamentos! E como
é grande a soma deles!” (SI 139.17). Deus se encontra em plena
atividade, norteando todos os detalhes da minha vida.
Como a maioria dos cristãos, eu lutei para fazer a escolha
certa em algumas “encruzilhadas” que encontrei de vez em
quando. Posso ter tomado algumas decisões erradas, não sei
ao certo. Contudo, Deus em Sua soberania me orientou fiel
mente em Seus caminhos através de decisões certas e erradas
que tomei. Estou onde estou hoje não porque sempre tomei
decisões corretas, ou porque descobri corretamente a vontade
de Deus em momentos específicos ao longo da jornada, mas
porque Deus me conduziu fielmente e me guiou ao longo do
caminho da Sua vontade para a minha vida.
A orientação divina quase sempre é passo a passo; Ele não
nos mostra todo o plano dEle para a nossa vida de uma vez.
Por vezes, a nossa ansiedade em descobrir a vontade de Deus
vem de um desejo de “bisbilhotar por cima dos ombros de
Deus” para saber qual é o Seu plano. O que precisamos fazer
é aprender a confiar que Ele nos direcionará.
Obviamente, isso não significa que colocamos nossa mente
em ponto morto e esperamos que Deus nos guie de maneiras
misteriosas, sem um pensar sólido e piedoso de nossa parte.
Na realidade, conforme disse o Dr. James Packer: “Deus nos
fez seres pensantes, e Ele guia a nossa mente à medida querefletimos em Sua presença”5.
Creio que o Dr. Packer expressou isso de maneira muito sá
bia: Deus guia a nossa mente à medida que pensamos. Porém,
o importante para este estudo é que Deus nos guia. Ele não pro
cura esconder de nós a verdade. Ele não olha do céu para nossa
luta para descobrir a Sua vontade e diz: “Espero que você tome
a decisão correta”. Em lugar disso, em Seu tempo e da Sua ma
neira, Ele nos orienta pelo caminho que Ele tem para nós.
Há vários anos, Fanny J. Crosby escreveu estas palavras
tão apropriadas para este tópico de confiarmos que Deus irá
nos guiar:
5. Packer, ]. I., Your Father Loves You. Harold Shaw Publishers, Wheaton, IL, 1986, lei
tura devocional para 13 de Outubro.
Meu Jesus me guia sempre:
Que mais posso desejar?
Duvidar de Suas ternas misericórdias,
Que a vida inteira vivem a me nortear?
Tenho paz celeste, gozo de divina proteção,
Pois sei que não importa o que me ocorrer,
Jesus por mim tudo faz com perfeição.
Meu Jesus me guia sempre,
Com Seu amor é fiel!
Perfeito descanso a mim Ele promete
Quando chegar à casa de meu Pai, no céu.
Quando meu espírito alçar voo rumo ao lar
Meu cântico, por toda eternidade, será:
Jesus me guiou em todo meu caminhar6.
Nós podemos confiar que Deus nos guiará. Ele irá nos guiar
por todo o caminho. Quando estivermos diante do Seu trono
não cantaremos sobre termos descoberto com sucesso a von
tade de Deus. Ao contrário, juntamente com Fanny Crosby,
cantaremos: “Jesus me guiou em todo meu caminhar”.
6. Crosby, Fanny J., Ali the Wav Mv Savior Leads Me. Tradução livre.
C A P Í T U L O OOZE
CRESCENDO ATRAVÉS DA ADVERSIDADE
Meus irmãos, tende por motivo de toda alegria
o passardes por várias provações, sabendo que a provação
da vossafé, uma vez confirmada, produz perseverança.
Ora, a perseverança deve ter ação completa, para que
sejaísperfeitos e íntegros,em nada deficientes.
Tgl.2'4
U m dos eventos mais fascinantes da natureza acontece quan
do a mariposa Cecropia sai do seu casulo - evento que acon
tece apenas com muito sacrifício por parte da mariposa para
livrar-se do casulo. Com frequência a história é contada pelo
prisma de alguém que observou a luta da mariposa. Numa
tentativa de ajudar, sem perceber a necessidade do esforço
dela, o observador abriu o casulo. Ela logo saiu com suas asas
amassadas e enrugadas. Porém, enquanto a pessoa observa
va, as asas permaneceram fracas. A mariposa, que em pouco
tempo teria aberto as asas para voar, estava condenada a viver
sua breve vida se arrastando, frustrada por jamais vir a ser a
bela criatura que Deus a criou para ser.
A pessoa da história não percebeu que a luta para sair do
casulo era parte essencial do desenvolvimento do sistema
muscular do corpo da mariposa e da produção dos fluidos
corporais dentro das asas para expandi-las. Ao buscar, sem
sabedoria, encurtar a luta da mariposa, o observador acabou
por aleijá-la e condenou sua existência.
As adversidades da vida se parecem muito com o casulo da
mariposa Cecropia. Deus as usa para desenvolver o “sistema
muscular” espiritual de nossa vida. Conforme diz Tiago no
texto inicial deste capitulo, “a provação da vossa fé [através
das mais variadas adversidades]... produz perseverança”, e a
perseverança conduz ao amadurecimento do nosso caráter.
Podemos estar certos de que o desenvolvimento de um
belo caráter semelhante ao de Cristo não ocorrerá em nossa
vida sem adversidade. Pense naquelas maravilhosas virtudes
que Paulo chamou de fruto do Espírito em G15.22,23. As pri
meiras quatro características que ele menciona - amor, ale
gria, paz e longanimidade - só se desenvolverão no casulo da
adversidade.
Podemos achar que possuímos amor cristão verdadeiro até
que alguém nos ofenda ou nos trate de maneira injusta. Nes
se momento nós percebemos a ira e o ressentimento brotar
dentro de nós. Podemos concluir que já aprendemos sobre
a alegria cristã genuína até que nossa vida seja atingida por
uma calamidade inesperada ou por uma dolorosa decepção.
As adversidades roubam a nossa paz e submetem nossa pa
ciência a uma prova severa. Deus usa tais dificuldades para
revelar nossa necessidade de crescimento, de forma que nos
voltemos a Ele para que nos transforme mais e mais à ima
gem do Seu Filho.
Entretanto, nos encolhemos procurando evitar a adversida
de e, usando os termos da ilustração da mariposa, queremos
que Deus abra o casulo da adversidade onde nos encontra
mos e nos liberte dele. Porém, assim como Deus possui mais
sabedoria e mais amor pela mariposa do que o observador
possuía, Ele também é mais sábio e mais amoroso do que nós.
Ele não eliminará a adversidade até que tenhamos nos benefi
ciado dela e desenvolvido aquilo que Ele planejou ao trazê-la
ou permiti-la em nossa vida.
Tanto Paulo, quanto Tiago, falam de nos regozijarmos em
nosso sofrimento (Rm 5.3,4; Tg 1.2-4). Se formos honestos,
a maioria de nós tem dificuldade com essa ideia. Suportar a
adversidade, talvez, mas me alegrar com ela? Isso geralmente
parece ser uma expectativa irracional. Não somos masoquis
tas; não gostamos de dor.
Contudo, tanto Paulo quanto Tiago falam que devemos
nos alegrar em nossa adversidade por causa dos resultados
benéficos que ela nos traz. A base da nossa alegria não é a
adversidade em si. Pelo contrário, é a expectativa dos resul
tados, o desenvolvimento do nosso caráter que deveria fa
zer com que nos alegrássemos em meio à adversidade. Deus
não pede que nos alegremos por perdermos nosso emprego,
por um parente próximo descobrir que está com câncer ou
porque um filho nasceu com um problema incurável. Deus
nos orienta a nos alegrarmos por sabermos que Ele está no
controle daquelas circunstâncias e vai trabalhar através delas
para o nosso bem.
A vida cristã foi planejada para ser de crescimento contínuo.
Todos nós desejamos crescer, mas geralmente resistimos ao
processo. Isso acontece, pois temos a tendência de focar aten
ção na própria adversidade, em vez de olhar com os olhos da fé
além dos eventos que Deus está operando em nós. O escritor
de Hebreus disse o seguinte a respeito de Jesus: “Em troca da
alegria que lhe estava proposta, suportou a cruz, não fazen
do caso da ignomínia” (Hb 12.2). Considerando Sua intensa
agonia física e o sofrimento espiritual infinito por suportar a
ira de Deus por nossos pecados, a morte de Cristo na cruz foi
a maior calamidade que já aconteceu a qualquer ser humano.
Todavia, Jesus Cristo foi capaz de olhar além do sofrimento
para a alegria que Lhe estava proposta. O escritor de Hebreus
continua dizendo que devemos olhar firmemente para Cristo e
seguir Seu exemplo. Devemos olhar além de adversidade para
o que Deus está fazendo na nossa vida e nos alegrarmos, certos
de que Ele está operando em nós para nos fazer crescer.
DEUS OPERA POR MEIO DA ADVERSIDADE
Felizmente, Deus não nos pergunta como ou quando deseja
mos crescer. Ele é o Mestre, treina Seus pupilos quando e como
julgar melhor. Nas palavras de Cristo, Ele é o Vinicultor que
poda os ramos de Sua vinha. A vinha saudável requer tanto
nutrição quanto poda. Somos nutridos por meio da Palavra de
Deus (SI 1.2,3), mas somos podados por meio da adversidade.
Tanto a língua hebraica quanto a língua grega expressam os
conceitos de “disciplina” e “ensino” usando um único termo.
Deus planeja que cresçamos tanto através das disciplinas da
adversidade quanto por meio da instrução da Sua Palavra. O
salmista coloca a adversidade e a instrução juntas no pro
cesso de treinamento a que Deus nos submete, quando diz:
“Bem-aventurado o homem, S e n h o r , a quem tu repreendes,
a quem ensinas a tua lei” (Sl 94.12).
Deus está trabalhando na vida de cada um de Seus filhos,
sem levar em consideração o quanto estamos cientes disso.
Uma das passagens mais encorajadoras na Bíblia está em
Fp 1.6: “Estou plenamente certo de que aquele que começou
boa obra em vós há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus”.
Deus está trabalhando em nós e não falhará emcontinuar até
a concretização da obra que começou. Ele estará “operando
em vós o que é agradável diante dele” (Hb 13.21).
O pastor escocês do Século 19, Horatius Bonar, escreveu:
Ele que conduz esse processo não pode ficar confuso ou ser
forçado a desistir de Seu projeto. Ele é capaz de executar
o plano através das mais improváveis maneiras e contra a
maior das resistências. Tudo que existe tem que ceder à Sua
vontade. Confesso que esse pensamento é, para mim, um
dos mais consoladores ligados à disciplina. Não tem como
fracassar! Se Deus fosse capaz de ser frustrado em Seus pla
nos depois de termos sofrido tanto, seria terrível!1
Mas Deus não pode ser frustrado. Ele concluirá a obra que
começou. Conforme escreveu Bonar: “O tratamento escolhido
por Deus tem que ser bem sucedido. Ele não pode falhar ou
ser frustrado até mesmo pelos maiores esforços, até mesmo
em relação aos mínimos detalhes. É o imenso poder de Deus
que opera em nós e sobre nós, e esse é o nosso consolo... Tudo
é amor, tudo é sabedoria e tudo é fidelidade. Todavia, tudo
também é poder”2.
Para mim é um grande encorajamento o fato de que Deus
não pode falhar em Seu propósito para a adversidade em nossa
vida e que Ele realizará a obra que planeja. Por vezes eu cer
tamente falho quando reajo às dificuldades de uma maneira
que não honra ao Senhor. Porém, a minha falha não significa
que Deus falhou. Até mesmo a minha compreensão mais do
lorosamente aguda de que fracassei pode ser usada por Deus,
por exemplo, para me ajudar a crescer em humildade. Quem
sabe, esta tenha sido a intenção do Senhor desde o princípio.
Deus sabe o que está fazendo. Novamente, nas palavras de
Bonar: “Ele sabe exatamente o que precisamos e como prover
isso... O treinamento ao qual Ele nos submete não é algo alea
1. Bonar, Horatius, When Gnd's Children Suffer. Keats Publishing, Inc., New Canaan,
CT, 1981, publicado originalmente como Nieht o f Weepinp. p. 30.
2. Bonar, Horatius, ibid, p. 31.
tório. Ele é executado com uma habilidade impressionante”3.
Deus nos conhece melhor do que nós mesmos nos conhece
mos. Aquilo que para nós parece ser nossa maior necessida
de pode ser algo desnecessário. No entanto, Deus sabe, sem
qualquer possibilidade de erro, onde precisamos crescer. Ele
executa Seu plano com uma precisão que excede muito a de
qualquer médico cirurgião. Ele faz o diagnóstico correto de
nossa necessidade e aplica o melhor remédio.
Toda adversidade que cruza o nosso caminho, quer peque
na ou grande, tem o objetivo de nos ajudar a crescer de algu
ma maneira. Se não fosse benéfica, Deus não a permitiria ou
enviaria “porque não aflige, nem entristece de bom grado os
filhos dos homens” (Lm 3.33). Deus não Se alegra com o nosso
sofrimento. Ele permite apenas aquilo que é necessário, mas
Ele não nos privará daquilo que nos ajudará a crescer.
APRENDEMOS COM A ADVERSIDADE
Precisamos aprender a reagir ao que Deus está fazendo porque
Ele trabalha na nossa vida através da adversidade. Conforme já
vimos, a obra soberana de Deus jamais anula a nossa responsa
bilidade. Assim como Deus nos ensina através da adversidade,
precisamos também procurar aprender com ela.
Há uma série de coisas que podemos fazer para aprender
com a adversidade e receber os efeitos benéficos que Deus
planeja. Inicialmente, podemos nos submeter a ela - não da
maneira relutante como um general derrotado se submete
ao vencedor, mas de maneira voluntária tal como o paciente
que está sendo operado se submete às mãos habilidosas do
cirurgião à medida que usa seu bisturi. Não tente frustrar o
3. Bonar, Horatius, ibid, pp. 28,29.
propósito gracioso de Deus resistindo à Sua providência em
sua vida. Ao contrário disso, independentemente de você con
seguir enxergar o que Deus está fazendo, faça do propósito
dEle o seu propósito.
Isso não significa que não devemos usar todos os meios
legítimos à nossa disposição para minimizar os efeitos da ad
versidade. Significa que devemos aceitar da mão do Senhor,
em todas as oportunidades, o sucesso ou o fracasso de tais
meios conforme a vontade dEle, e buscar aprender tudo que
Ele pode nos ensinar.
Por vezes perceberemos claramente o que Deus está fazen
do, e nestas situações precisamos corresponder ao ensino do
Senhor com uma obediência humilde. Em outras situações,
parece que não somos capazes de perceber nada daquilo que
Ele está fazendo em nossa vida. Em momentos assim, deve
mos reagir com uma fé humilde, confiando que Deus opera
em nossa vida exatamente aquilo que precisamos aprender.
Ambas as atitudes são importantes, Deus vai querer uma delas
num dado momento e outra em outro momento.
Em segundo lugar, para tirarmos proveito máximo da ad
versidade, precisamos aplicar a Palavra de Deus à situação.
Devemos pedir a Deus que direcione nossa atenção para pas
sagens pertinentes da Bíblia e assim, dependendo dEle para
isso, nós as consideremos. A minha primeira grande lição a
respeito da soberania de Deus continua indelevelmente im
pressa em minha mente depois de muitos anos. Isso aconteceu
numa época em que eu estava procurando desesperadamente
na Bíblia por algum tipo de resposta para um momento de
provação bastante difícil.
À medida que procurarmos relacionar as passagens bíblicas
às nossas adversidades, descobriremos que não apenas sere
mos beneficiados por elas, mas que obteremos nova perspecti
va das Escrituras. Segundo consta, Martinho Lutero teria dito
o seguinte: “Não fosse pelas tribulações eu não compreenderia
as Escrituras”. Embora estejamos correndo para a Bíblia para
aprender a reagir às adversidades, descobriremos que, por sua
vez, as adversidades nos ajudarão a compreender as Escritu
ras. Não estou dizendo com isso que aprenderemos com as
adversidades algo diferente do que somos capazes de aprender
da Bíblia. Em vez disso, a adversidade acentua o ensinamento
da Palavra de Deus e a torna mais proveitosa para nós. Em al
gumas situações a adversidade abre o nosso entendimento ou
faz com que enxerguemos verdades que não vimos antes. Em
outros momentos, ela transformará “conhecimento intelectual”
em “conhecimento prático”, à medida que a teoria teológica
se torna uma realidade para nós.
O puritano Daniel Dyke disse:
A Palavra, então, é o armazém de toda instrução. Não ache
que a adversidade lhe ensinará uma nova doutrina qual
quer, que não se encontra na Palavra. Pois, na realidade,
encontra-se aqui o ensinamento proveniente da aflição,
que nos conforma e nos prepara para a Palavra, quebrando
e fragmentando a teimosia do nosso coração, tornando-o
flexível, capaz de ser impressionado pela Palavra4.
Desta forma, podemos dizer que a Palavra de Deus e a
adversidade possuem um efeito de cooperação à medida que
ambas são usadas por Deus para provocar um crescimento
em nossa vida que nem a Palavra, nem a adversidade, provo
cariam por si só.
Em terceiro lugar, para nos beneficiarmos da adversidade,
precisamos nos lembrar delas e das lições que aprendemos
com elas. Deus deseja que façamos mais do que simplesmente
4. Dyke, Daniel, cílado em Spurgeon, C. H., The Treasurv o f David Baker, Grand
Rapids, MI, 1984, 4:306.
suportar nossas provações, e até mais do que encontrar mero
consolo por meio delas. Deus deseja que nos lembremos de
las, não simplesmente como provações ou dores que sofremos,
mas como Sua disciplina - meio pelo qual Ele escolheu nos
fazer crescer em nossa vida. O Senhor disse aos israelitas:
Recordar-te-ás de todo o caminho pelo qual o Senho r , teu
Deus, te guiou no deserto estes quarenta anos, para te humi
lhar, para te provar... Ele te humilhou, e te deixou ter fom e,
e te sustentou com o maná... para te dar a entender que não
só de pão viverá o homem, mas de tudo o que procede da
boca do Senhor viverá o homem (Dt 8.2,3).
A palavra “que procede da boca do S e n h o r ” nessa passa
gem não é a Palavra das Escrituras, mas a palavra da providên
cia de Deus (Sl 33.6,9 e Sl 148.5 fazem um uso similar).Deus
queria ensinar os israelitas que eles dependiam dEle para o
pão de cada dia. Ele fez isso - não incorporando esta verdade
à lei de Moisés - mas trazendo adversidade na forma de fome
para os israelitas. Porém, para que eles tirassem proveito des
sa lição precisavam se lembrar dela. De modo semelhante, se
desejamos nos beneficiar das dolorosas lições que Deus nos
ensina, precisamos nos lembrar delas.
Fiz referência num capítulo anterior a uma lição dolorosa
que aprendi quando tentei usurpar subitamente um pouco da
glória de Deus para a minha própria reputação. Tenho a res
ponsabilidade de lembrar-me dessa lição diante de Deus. Toda
vez que leio Is 42.8, “a minha glória, pois, não darei a outrem”,
seja no meu tempo devocional ou mesmo quando recordo a
passagem, devo lembrar-me daquela circunstância dolorosa
e deixar que aquela lição crie raízes ainda mais profundas em
meu coração. Toda vez que vou ensinar a Palavra de Deus, eu
devo me lembrar daquela lição e eliminar do meu coração
qualquer desejo de melhorar minha própria reputação. É desta
maneira que a adversidade se torna proveitosa para nós5.
Até aqui consideramos o benefício da adversidade de uma
maneira geral, olhando primeiro para o trabalho de Deus em
nossa vida por meio da provação e então sobre como devemos
reagir a ela. Creio que agora seria proveitoso considerar al
guns fins específicos que Deus tem em mente quando permite
a adversidade em nossa vida. É claro que somos incapazes de
cobrir todas as lições que Deus planeja nos ensinar através
da adversidade, mas algumas das lições a seguir são especi
ficamente mencionadas ou mesmo sugeridas pela Bíblia. Por
meio do estudo destes objetivos específicos, devemos ser en
corajados a crer que Deus sempre tem um motivo para trazer
ou permitir dificuldades especiais em nossa vida, até mesmo
quando somos incapazes de discernir qual é o Seu motivo.
PODA
Jesus disse que “todo o que dá fruto [Deus] limpa, para que
produza mais fruto ainda” (Jo 15.2). No mundo natural, a poda
é importante para a produção do fruto. Uma vinha não poda
da terá um crescimento improdutivo com pouco fruto. Podar
aquilo que representa um crescimento indesejado e sem utili
dade, força a planta a usar sua vida para produzir fruto.
No mundo espiritual, Deus precisa nos podar. Pois mesmo
sendo cristãos possuímos uma natureza pecaminosa, tende
mos a gastar nossa energia espiritual naquilo que não é fruto
verdadeiro. Buscamos posição, sucesso e reputação até mesmo
dentro do corpo de Cristo. Temos a tendência de depender
de talentos naturais e de sabedoria humana. Portanto, somos
5. Um método capaz de nos ajudar a lembrar das lições ensinadas por Deus através da
adversidade é manter um registro delas e revê-las periodicamente.
facilmente distraídos e desviados pelas coisas do mundo - seus
prazeres e posses.
Deus usa a adversidade para afrouxar nosso apego a essas
coisas que não são fruto verdadeiro. Uma doença séria ou a
morte de alguém querido, a perda de bens materiais ou uma
mancha em nossa reputação, amigos que nos voltam as costas
ou sonhos que são completamente desfeitos, fazem com que
avaliemos o que realmente é importante na vida. A posição, os
bens materiais ou até mesmo a reputação não parecem mais
tão importantes. Começamos então a renunciar nossos dese
jos e expectativas, até mesmo aqueles que são bons, em favor
da vontade soberana de Deus. Dependemos cada vez mais de
Deus e desejamos apenas aquilo que tem valor eterno. Deus
nos poda para que sejamos mais frutíferos.
SANTIDADE
Em um capítulo anterior, vimos que outro resultado propos
to para a adversidade é que cresçamos em santidade: “Deus,
porém, nos disciplina [através da adversidade] para apro
veitamento, a fim de sermos participantes da sua santidade”
(Hb 12.10). No entanto, qual é a relação entre adversidade e
santidade?
Por um lado, a adversidade revela a corrupção da nossa
natureza pecaminosa. Não conhecemos a nós mesmos ou a
profundidade do pecado que habita em nós. Concordamos
com o ensino bíblico e pressupomos que concordar significa
obedecer. Pelo menos pretendemos obedecer. Quem de nós
não lê a lista de virtudes cristãs chamadas de fruto do Espíri
to - amor, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bonda
de, fidelidade, mansidão e domínio próprio (G1 5.22,23) - e
não concorda que todos nós desejamos essas características
em nossa própria vida? Chegamos a achar que estamos pro
gredindo nelas.
Porém, a adversidade aparece. Descobrimos, então, que
somos incapazes de amar, do fundo de nosso coração, aque
la pessoa que é o instrumento da adversidade. Descobrimos
que não queremos perdoar tal pessoa. Percebemos que não
estamos dispostos a confiar em Deus. A falta de fé e o ressen
timento crescem dentro de nós. Ficamos desanimados diante
da situação. O crescimento no caráter cristão que achávamos
que tinha ocorrido parece sumir como um vapor. Sentimos
como se tivéssemos voltado ao jardim de infância espiritual.
Todavia, por meio dessa experiência, Deus revelou a nós um
tanto da corrupção que ainda existe dentro de nós.
Jesus disse: “Bem-aventurados os humildes de espírito...
Bem-aventurados os que choram... Bem-aventurados os que
têm fome e sede de justiça” (Mt 5.3,4,6). Todas estas descri
ções referem-se ao crente que foi humilhado por sua pecami-
nosidade, que chora por causa disso e luta de todo o coração
para que Deus o transforme. Entretanto, ninguém adota tal
atitude sem ser exposto ao mal e à corrupção do seu próprio
coração. Deus usa a adversidade para esse fim.
No processo de nos tornar santos, Deus vai além dos peca
dos específicos que possivelmente conhecemos. Ele deseja que
cheguemos à raiz do problema: a corrupção da nossa nature
za pecaminosa manifestada na rebelião da nossa vontade, na
perversidade das nossas inclinações e na ignorância espiritual
da nossa mente. Deus usa a adversidade para iluminar nossa
mente acerca de nossas próprias necessidades bem como dos
ensinamentos das Escrituras. Ele usa a adversidade para re
frear nossa inclinação que foi atraída por desejos perversos e
para subjugar nossa vontade teimosa e rebelde.
Porém, nós normalmente resistimos à obra de Deus em nos
sa vida. Nós evitamos a vara da disciplina de Deus em vez de
nos beneficiarmos dela. Desejamos mais o alívio da adversida
de do que de seu benefício para a santidade, mas à medida que
confiamos que Deus usará a Sua disciplina em nossa vida, po
demos ter a certeza de que no devido tempo ela produzirá “fru
to pacífico aos que têm sido por ela exercitados” (Hb 12.11).
DEPENDÊNCIA
Outra área de nossa vida na qual Deus precisa trabalhar con
tinuamente é a nossa tendência de confiarmos em nós mes
mos em lugar de confiarmos nEle. Jesus disse: “Sem mim nada
podeis fazer” (Jo 15.5). Sem a nossa união com Cristo e uma
dependência total dEle, somos incapazes de fazer qualquer
coisa que glorifique a Deus. Vivemos num mundo que vene
ra a independência e a autoconfiança. O slogan da sociedade
ao nosso redor é: “Eu sou o Senhor do meu destino; Sou o
capitão da minha alma”. Por causa de nossa própria natureza
pecaminosa, somos capazes de cair facilmente nessa maneira
mundana de pensar. Temos a tendência de confiar em nosso
próprio conhecimento das Escrituras, em nossa perspicácia
profissional, em nossa experiência ministerial e até mesmo
em nossa bondade e moralidade.
Através da adversidade, Deus nos ensina a confiarmos nEle
e não em nós mesmos. Até o mesmo o apóstolo Paulo des
creveu suas dificuldades como “acima das nossas forças”, que
ocorreram “para que não confiemos em nós e sim no Deus que
ressuscita os mortos” (2 Co 1.8,9). Deus permitiu que Paulo e
seus companheiros de viagem fossem levados a uma situação
tão perigosa que perderam a esperança da própria vida. Eles
não tinham para quem se voltar senão para Deus.
Paulo teve que aprender sobre dependência de Deus tanto
no aspecto espiritual bem como no aspecto físico. Qualquerque tenha sido seu espinho na carne, ele foi uma adversidade
da qual Paulo queria desesperadamente se livrar. Porém, Deus
permitiu que ela permanecesse, não apenas para conter qual
quer tendência de orgulho no coração de Paulo, mas também
para ensiná-lo a confiar na força do Senhor. Paulo teve que
aprender que ele não deveria depender de sua própria força,
mas da graça de Deus - o poder capacitador de Deus.
Paulo foi um dos homens mais brilhantes da história. Ouvi
pelo menos um teólogo dizer que se Paulo não tivesse se tor
nado cristão e, em vez disso, tivesse enveredado para a filosofia
ele teria superado Platão. Deus deu a Paulo um intelecto natu
ral privilegiado, deu a ele revelações divinas, algumas que eram
tão gloriosas que Paulo foi impedido por Deus de revelá-las.
Entretanto, Deus jamais permitiu que Paulo dependesse de
seu intelecto ou das revelações que recebeu. Paulo precisou
depender da graça de Deus assim com você e eu. O aprendi
zado dele ocorreu através de pesadas adversidades.
Sou um homem de muitas fraquezas e de pouco vigor natu
ral. Embora invisíveis para a maioria das pessoas, minhas limi
tações físicas me impediram de me relacionar com outras pes
soas por meio do golfe, do tênis e de outros esportes recreativos.
Senti isso profundamente e por alguns anos lutei com Deus a
esse respeito. No entanto, acabei por entender que as minhas
fraquezas são na verdade canais para a força dEle. Depois de
muito tempo, creio que cheguei ao ponto de dizer juntamen
te com Paulo: “Pelo que sinto prazer nas fraquezas... Porque,
quando sou fraco, então, é que sou forte” (2 Co 12.10).
Não importa se você é predominantemente uma pessoa de
vigor ou de fraquezas no nível humano. Você pode ser a pessoa
mais competente que existe em sua área, mas tenha certeza de
que se Deus for usá-lo, Ele fará com que você sinta de maneira
profunda sua dependência dEle. Não raro Deus fará deterio
rar aquilo em que tanto confiamos, para que aprendamos a
confiar nEle e não em nós mesmos. Nas palavras de Estevão:
“E Moisés foi educado em toda a ciência dos egípcios e era po
deroso em palavras e obras” (At 7.22). Além disso, “cuidava
que seus irmãos entenderiam que Deus os queria salvar por
intermédio dele” (vs 25). Porém, quando Moisés tentou reali
zar tudo com esforço próprio, Deus frustrou seus esforços de
forma que Moisés precisou fugir para salvar sua própria vida.
Quarenta anos depois Moisés já não tinha confiança em suas
próprias capacidades e tinha dificuldade em crer até de que
poderia ser usado por Deus.
Paulo experimentou um espinho na carne. Moisés viu seus
esforços para fazer algo por Deus serem completamente frus
trados e se tornou uma catástrofe. Cada um desses homens de
Deus experimentou adversidade que fez com que percebes
sem sua própria fraqueza e sua dependência de Deus. Cada
adversidade foi diferente, mas cada uma teve o alvo comum
de levar tais homens ao ponto de maior dependência de Deus.
Se Deus for usar você e a mim, Ele trará adversidade à nossa
vida de forma que, da mesma maneira, aprendamos pela ex
periência a depender dEle.
PERSEVERANÇA
Os destinatários da carta aos Hebreus estavam experimentan
do adversidade em alto grau. O escritor da carta reconheceu
que eles estavam diante de grande sofrimento, que algumas
vezes eram publicamente expostos ao insulto e à perseguição
e que eles aceitaram com alegria o confisco de suas proprie
dades, pois sabiam que possuíam bens melhores e duradou
ros (Hb 10.32-34).
Para tais pessoas, que estavam passando por perseguição
e por dificuldades por causa de sua fé em Cristo, o escritor
disse: “Com efeito, tendes necessidade de perseverança, para
que, havendo feito a vontade de Deus, alcanceis a promessa”
(Hb 10.36). E “corramos, com perseverança, a carreira que nos
está proposta” (Hb 12.1).
Perseverança é a qualidade de caráter que nos capacita a
perseguir um alvo a despeito dos obstáculos e dificuldades.
Uma coisa é suportar a adversidade simplesmente. Isso é, em
si mesmo, louvável. Porém, Deus nos chama para algo mais
que o suportar o fardo da adversidade. Ele nos chama a perse-
verar (continuarmos firmes) diante da adversidade. Observe
como o escritor de Hebreus concentra-se em alcançar o alvo:
“Havendo feito a vontade de Deus” e “corramos... a carreira
que nos está proposta”. A vida do cristão é uma vida ativa e
não passiva. O cristão é chamado a buscar com diligência a
vontade de Deus. Fazer isso requer perseverança.
Vimos no capítulo um o comentário de um escritor de que a
vida não é fácil. Ela é constituída por uma série de dificuldades
dos mais diversos tipos e graus, normalmente existentes por
um período de muitos anos. Alguém já disse que vida cristã
não é uma corrida de velocidade, mas sim uma maratona. No
entanto, até mesmo tais metáforas não expressam adequada
mente a realidade. A vida cristã poderia ser descrita melhor
como sendo uma corrida com obstáculos com a distância
de uma maratona. Pense numa corrida com obstáculos com
mais de quarenta e dois quilômetros. Acrescente a isso mu
ros de escalada, rios a ultrapassar, barreiras a transpor e uma
quantidade infinita de obstáculos inesperados. Assim é a vida
cristã. Não é de se admirar que alguém tenha observado que
“poucos cristãos terminam bem”.
Porém, Deus deseja que todo cristão termine bem. Ele dese
ja que corramos com perseverança. Ele deseja que persistamos
em fazer a Sua vontade, independentemente dos obstáculos.
O chamado pai das missões modernas, William Carey, é um
exemplo famoso de alguém que perseverou. Apesar de uma
sucessão de obstáculos inacreditáveis (incluindo uma esposa
emocionalmente distante, que acabou ficando louca), ele tra
duziu a Bíblia inteira ou partes dela para quarenta idiomas e
dialetos da índia. A irmã dele é igualmente um exemplo de al
guém que perseverou. Quase totalmente paralisada e acamada,
ela permanecia deitada em sua cama em Londres orando por
todos os detalhes e lutas do trabalho de seu irmão na Índia.
Poucos conseguem se identificar com a perseverança de
William Carey, quer nos obstáculos incríveis que enfrentou
ou nas obras maravilhosas que realizou, mas deveríamos nos
identificar com a perseverança da irmã de Carey. Ela perse
verou fazendo a vontade de Deus em seu estado de inválida.
Ela poderia não fazer muito (pelo menos é o que nós acha
mos que poderia não ser muito), mas ela perseverou no que
podia fazer, realizando a vontade de Deus para ela. Porque ela
perseverou em oração, seu irmão foi fortalecido e capacitado
a perseverar em seu trabalho missionário na índia. A irmã
de Carey fez mais do que perseverar alegremente em sua pa
ralisia; ela perseverou fazendo a vontade de Deus apesar de
sua paralisia.
Você e eu somos convocados a perseverar. Cada um de nós
possui uma corrida a correr, uma vontade de Deus a cumprir.
Todos encontraram inúmeros obstáculos e situações que po
dem desanimar. Para conseguirmos correr a corrida e termi
narmos bem, precisamos desenvolver a perseverança. Como
podemos fazer isso?
Tanto Paulo quanto Tiago nos dão a mesma resposta. Pau
lo disse que “sabendo que a tribulação produz perseverança”,
e Tiago disse: “a provação da vossa fé, uma vez confirmada,
produz perseverança” (Rm 5.3; Tg 1.3). É possível vermos
aqui um efeito mutuamente intensificador. A adversidade pro
duz perseverança e a perseverança nos capacita a enfrentar a
adversidade. Encontramos uma boa analogia no treinamento
de levantamento de peso. Levantar peso desenvolve os mús
culos, e quanto mais os músculos forem desenvolvidos, mais
peso uma pessoa consegue levantar.
Embora a perseverança seja desenvolvida na difícil prova
da adversidade, ela é energizada pela fé. Considere novamente
a analogia do levantamento de peso. Embora os pesos na barra
de ferro forneçam a resistência necessária para desenvolver o
músculo, eles não fornecem a energia necessária. A energia
deve vir de dentro do corpo do atleta. No caso da adversidade, a energia precisa vir de Deus por meio da fé. É a força de
Deus, e não a nossa, que nos capacita a perseverar. No entanto,
devemos nos apropriar da força do Senhor por meio da fé.
Já observamos o chamado do escritor para perseverar em
Hb 10.36 e 12.1. Entre esses dois chamados à perseverança está
o famoso capítulo da fé, Hb 11. O escritor, na verdade, nos
convoca a perseverar pela fé. O capítulo onze é um capítulo
motivacional, à medida que ele fornece exemplos de pessoas
que perseveraram na vontade de Deus pela fé.
Colocar na seqüência a dependência antes da perseverança
neste capítulo foi uma escolha deliberada. Não podemos cres
cer em perseverança até que tenhamos aprendido a lição da
dependência. Por exemplo: você é capaz de dirigir um trenó
puxado por cães até o Polo Norte por pura empolgação, mas
é incapaz de correr a corrida cristã dessa maneira. Se você for
correr a corrida de Deus, fazendo a vontade de Deus, então
você terá de correr na força de Deus. Jesus disse: “Sem mim
nada podeis fazer”, e Paulo disse “tudo posso naquele que me
fortalece” (Jo 15.5; Fp 4.13). Jesus e Paulo afirmaram os dois
lados da mesma verdade: Sem a força de Deus nada podemos
fazer, mas com ela somos capazes de fazer tudo que precisamos.
Fomos chamados a perseverar, a fazer a vontade de Deus ape
sar dos obstáculos e desalentos, mas somente na força dEle.
SERVIÇO
Deus também traz a adversidade para a nossa vida visando nos
equipar para um serviço mais eficaz. Tudo que consideramos
até aqui - poda, santidade, dependência e perseverança - con
tribui para nos tornar instrumentos mais úteis no serviço do
Senhor. Deus poderia ter conduzido José diretamente para o
palácio do Faraó sem leva-lo à prisão. Ele certamente não pre
cisava deixar José penando na prisão por dois anos depois que
interpretou o sonho do copeiro. As situações difíceis de José
não eram necessárias apenas para que ele estivesse no lugar
certo, na hora certa. Elas eram necessárias para torná-lo o tipo
certo de pessoa para as responsabilidades que Deus lhe daria.
O apóstolo Paulo escreveu que “[Deus] nos conforta em
toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que esti
verem em qualquer angústia, com a consolação com que nós
mesmos somos contemplados por Deus” (2 Co 1.4). Toda pes
soa enfrenta momentos de adversidade e toda pessoa precisa
de um amigo compassivo para lhe confortar e encorajar nes
ses momentos. À medida que experimentamos o consolo e o
encorajamento provenientes de Deus em nossas adversidades,
somos equipados para sermos Seus instrumentos de conso
lo e de encorajamento para os outros. Passamos para outras
pessoas o que nós mesmos recebemos do Senhor. À medida
que formos capazes de nos apropriar das grandes verdades da
soberania, da sabedoria, do amor de Deus e encontrar nelas
consolo e encorajamento para as nossas adversidades, seremos
capazes de ministrar aos outros em momentos de aflição.
Ao comentar sobre o ministério de consolo de Paulo, usei
de forma deliberada a expressão “consolo e encorajamento”.
O termo grego traduzido por consolo em nossas bíblias pode
significar admoestação, encorajamento ou conforto, depen
dendo do contexto. O fato de Deus o Pai ser chamado aqui de
“o Pai de misericórdia e Deus de toda consolação”, faz parecer
que os tradutores escolheram bem o termo consolação para
expressar a compaixão divina. Se quisermos ministrar aos
outros em seus momentos de adversidades, precisamos pri
meiramente demonstrar compaixão, o sentimento profundo
de compartilhar no sofrimento de outra pessoa e o desejo de
aliviar aquele sofrimento.
Se realmente quisermos ajudar outra pessoa em seu mo
mento de adversidade, precisamos também encorajá-la. En
corajar significa fortificar o próximo com a força espiritual
e emocional para perseverar nos momentos de adversidade.
Fazemos isso apontando para a confiabilidade de Deus confor
me revelada na Bíblia. Somente seremos capazes de consolar
e encorajar os outros à medida que formos consolados e en
corajados pelo Espírito Santo através de Sua Palavra. Quando
reagimos corretamente à adversidade em nossa vida, a própria
adversidade nos capacita a sermos instrumentos de consolo
e de encorajamento para outros.
A COM UNHÃO DO SOFRIMENTO
Ao escrever para os crentes perseguidos das sete igrejas da Ásia,
João se identificou como “irmão vosso e companheiro na tri
bulação... em Jesus” (Ap 1.9). A palavra grega traduzida como
companheiro significa “alguém que partilha”. É uma forma da
palavra koinonia da qual extraímos nosso termo comunhão.
João se identificou como aquele que partilhava com seus
leitores os sofrimentos pelos quais eles estavam passando. Ele
era capaz de compreender as aflições deles uma vez que na
quele momento ele também estava sofrendo por causa de Jesus.
João era coparticipante com eles em seu sofrimento, e foi im
portante para a comunicação efetiva de sua mensagem a eles
que compreendessem aquele fato. Nesse versículo, portanto,
João apresenta-nos ainda outra forma de nos beneficiamos
da adversidade: o privilégio de entrarmos numa comunhão
especial com outros crentes que também se encontram nas
dores intensas da adversidade.
As provações e as aflições possuem um efeito nivelador en
tre os cristãos. Normalmente se diz que “o chão é nivelado ao
pé da cruz”. Isto é, independentemente de sua riqueza, poder
ou situação de vida, tomos somos iguais em nossa necessidade
de um Salvador. Da mesma maneira, todos estão igualmente
sujeitos à adversidade. Ela atinge tanto o rico quanto o pobre,
tanto o poderoso quanto o fraco, tanto a autoridade quanto o
subordinado, sem qualquer distinção. Nos momentos de ad
versidade temos a tendência de deixar de lado as noções de
relacionamentos “hierárquicos” e nos relacionamos horizon
talmente como irmãos e coparticipantes do sofrimento. João
poderia ter se identificado corretamente como um apóstolo de
Jesus Cristo, alguém em posição de autoridade espiritual sobre
os crentes sofredores da Ásia. Em vez disso, ele escolheu se
identificar como irmão e companheiro no sofrimento deles.
As provações e as aflições também possuem um efeito apro-
ximador entre os crentes. Elas acabam derrubando quaisquer
barreiras e acabam com qualquer aparência de autossufici-
ência que possamos ter. Sentimos nosso coração aquecido e
próximo dos irmãos. Por vezes adoramos junto com outras
pessoas, oramos juntos e servimos juntos no ministério sem
desfrutarmos verdadeiramente de laços de comunhão. Mas
então, de uma forma estranha, a adversidade atinge a ambos.
Imediatamente sentimos um novo laço de comunhão em Cris
to, a comunhão do sofrimento.
Há vários elementos que compõem o conceito completo
de comunhão, conforme descrito no Novo Testamento, mas
a coparticipação no sofrimento é um dos mais proveitosos.
Ela provavelmente une nossos corações em Cristo mais do
que qualquer outro aspecto da comunhão. Lembro-me de um
cristão de quem sou amigo faz tempo, mas que jamais fomos
muito próximos. Então a adversidade nos atingiu. Nossas
circunstâncias foram diferentes e a adversidade dele foi mais
intensa que a minha, mas em nosso esforço em cuidar um do
outro, nossos corações foram aproximados de uma maneira
nova e mais profunda.
Este capítulo tratou das inúmeras maneiras pelas quais nos
beneficiamos com a adversidade. Antes dessa etapa, conside
ramos maneiras pelas quais nos beneficiamos como cristãos
individualmente, mas na comunhão do sofrimento estamos
olhando para uma forma na qual nos beneficiamos como
membros do corpo de Cristo. A vida cristã não foi projetada
para ser vivida em isolamento de outros crentes. Deus deseja
usar nossos momentos de adversidade para aprofundar nosso
relacionamento com outros membros do corpo; para criar um
senso de coparticipação da vida que temos em Cristo.
RELACIONAMENTO COM DEUS
Talvez a maneira mais valiosa de nos beneficiarmos da adver
sidade esteja no aprofundamento do nosso relacionamento
com Deus.Por meio da adversidade aprendemos a nos curvar
diante de Sua soberania, a confiar em Sua sabedoria e a expe
rimentar as consolações do Seu amor, até que cheguemos ao
ponto de poder dizer como Jó: “Eu te conhecia só de ouvir,
mas agora os meus olhos te veem” (Jó 42.5). Começamos a
passar de um conhecer sobre Deus para conhecer o próprio
Deus, de uma maneira pessoal e íntima.
Acabamos de considerar a comunhão do sofrimento entre
cristãos. Em Fp 3.10, Paulo fala sobre a coparticipação nos
sofrimentos de Jesus Cristo, isto é, de crentes partilhando
com o nosso Senhor em Seus sofrimentos. A passagem diz
o seguinte:
Para o conhecer [a Cristo], e o poder da sua ressurreição, e
a comunhão dos seus sofrimentos, conformando-me com
ele na sua morte.
Esse versículo tem expressado o clamor mais profundo dos
cristãos ao longo da história: o desejo de conhecer a Cristo de
uma maneira íntima, pessoal e sempre crescente. Recordo-me
de ser desafiado logo que conheci a Cristo a “conhecê-Lo e
torná-Lo conhecido”, e consigo me lembrar de orar, por cau
sa de Fp 3.10, pedindo que Deus me capacitasse a conhecer a
Cristo cada vez mais.
Entretanto, preciso confessar que lá no fundo sempre fi
quei incomodado com o fato de que Paulo não apenas queria
conhecer o próprio Cristo, como também queria ser coparti
cipante de Seus sofrimentos. Conhecer a Cristo de uma ma
neira mais íntima e experimentar o poder de Sua ressurreição
em minha vida foi algo que me atraiu, mas não o sofrimento.
Eu evitei isso.
Comecei, no entanto, a entender que a mensagem de
Fp 3.10 é um “pacote”. Parte de se conhecer a Cristo de ma
neira mais íntima acontece por meio da coparticipação em
Seus sofrimentos. Se quisermos realmente crescer em nosso
conhecimento de Cristo, podemos estar certos de que expe
rimentaremos em algum grau os Seus sofrimentos. Se qui
sermos experimentar o poder de Sua ressurreição, podemos
também estar certos de que seremos coparticipantes de Seus
sofrimentos.
Seria de grande ajuda para apreciarmos a verdade que Pau
lo está ensinando em Fp 3.10, se compreendêssemos que o
sofrimento que Paulo antevê não se limita à perseguição por
causa do evangelho. Ele abrange toda adversidade que atinge
o cristão e que possui como alvo final ser mais parecido com
Cristo, descrito aqui por Paulo como “conformando-me com
Ele em sua morte”.
Vemos inúmeras vezes na Bíblia homens e mulheres de
Deus sendo conduzidos a um relacionamento mais próximo
com Ele por meio da adversidade. Não há dúvida de que todas
as circunstâncias desde a grande demora do nascimento de
Isaque e, depois, a experiência de levar seu filho único para o
monte para oferecê-lo como sacrifício, levaram Abraão a um
relacionamento muito mais profundo com Deus. O livro de
Salmos está repleto de expressões de um conhecimento mais
profundo de Deus à medida que o salmista O busca nos mo
mentos de adversidade (Sl 23; 42; 61; 62).
É claro que você e eu não procuramos a adversidade sim
plesmente para desenvolver um relacionamento mais profundo
com Deus. Em vez disso Deus, através da adversidade, é quem
nos procura. É Deus que nos aproxima de um relacionamento
mais profundo com Ele. Se nós O buscamos, é porque Ele está
buscando a nós. Um dos vínculos mais fortes que Ele usa para
nos atrair a um relacionamento mais íntimo e pessoal com
Ele é a adversidade. Se, em vez de lutarmos contra Deus ou
duvidarmos dEle nos momentos de adversidade, buscarmos
cooperar com Ele, descobriremos que seremos conduzidos a
um relacionamento mais profundo com o Senhor. Nós conhe
ceremos a Deus como Abraão, Jó, Davi e Paulo conheceram.
Vimos algumas formas de nos beneficiarmos da adversi
dade. Certamente não cobrimos todos os usos que Deus faz
da adversidade em nossa vida, nem fomos além da superfície
nas áreas que consideramos. Em alguns momentos seremos
capazes de perceber como estamos nos beneficiando, em ou
tros nos perguntaremos o que Deus está fazendo. Entretanto,
podemos estar certos de uma coisa: para o crente toda dor
possui significado; toda adversidade é proveitosa.
Não há dúvida de que a adversidade é difícil. Ela geralmen
te nos pega de surpresa e parece nos atingir justamente onde
somos mais vulneráveis. Não raro para nós ela parece ser com
pletamente sem sentido e irracional, mas para Deus nada dis
so é sem sentido ou irracional. Ele possui um propósito para
cada dor que traz ou permite em nossa vida. Podemos estar
certos de que, de alguma maneira, Ele a planeja para nosso
proveito e para que nome dEle seja glorificado.
C A P Í T U L O T R E Z E
OPTANDO POR CONFIAR EM DEUS
Em me vindo o temor, hei de confiar em ti.
Em Deus, cuja palavra eu exalto,
neste Deus ponho a minha confiança e nada temerei.
Que me pode fazer um mortal?
Sl 56.3,4
E nquanto escrevia este livro, minha primeira esposa, que hoje
está com o Senhor, descobriu estar com um grande tumor
maligno na cavidade abdominal. Após oito semanas de radio
terapia e outro mês de espera, o médico pediu uma tomografia
computadorizada para determinar se o tumor havia regredido
completamente. No dia anterior ao resultado da tomografia,
minha esposa estava apreensiva e ansiosa com as notícias que
ouviria no dia seguinte.
Durante alguns dias ela se voltou para o Sl 42.11 em busca de
segurança naquele momento de dificuldade. O versículo diz:
Por que estás abatida, ó minha alma?
Por que te perturbas dentro de mim?
Espera em Deus, pois ainda o louvarei,
a ele, meu auxílio e Deus meu.
Lendo o SI 42.11 naquele dia, ela disse: “Senhor, eu escolho
não ficar abatida, escolho não ficar perturbada, escolho colo
car minha confiança em Ti”. Depois ela me relatou que seus
sentimentos não mudaram imediatamente, mas acabaram mu
dando com o passar do tempo. O coração dela foi acalmado e
ela escolheu deliberadamente confiar no Senhor.
Em seus momentos de angústia, Davi também optou por
confiar em Deus. No SI 65.3,4, o texto com o qual iniciei este
capítulo, Davi reconheceu estar com medo. Ele não foi petu
lante nem arrogante. Apesar do fato de ser um guerreiro muito
habilidoso e corajoso, em alguns momentos sentiu medo. O
cabeçalho do SI 56 indica a ocasião em que o salmo foi escrito:
“Quando os filisteus o prenderam em Gate”. A narrativa his
tórica do incidente diz que Davi “teve muito medo de Aquis,
rei de Gate” (1 Sm 21.12).
Porém, apesar do temor de Davi, ele disse a Deus: “Hei de
confiar em ti... e nada temerei”. Inúmeras vezes, encontramos nos
Salmos essa determinação de confiar em Deus - optar por con
fiar no Senhor apesar das circunstâncias. A declaração de Davi
no SI 23.4» <<não temerei mal nenhum”, é equivalente à declaração
“Confiarei no Senhor diante do mal”. No SI 16.8, Davi diz:
O Senhor , tenho-o sempre à minha presença;
estando ele à minha direita,
não serei abalado.
Ter o Senhor à minha presença significa reconhecer Sua
presença e Sua ajuda constante, mas isso é algo que precisa
mos escolher fazer.
Deus está sempre conosco. Ele disse: “De maneira alguma
te deixarei, nunca jamais te abandonarei” (Hb 13.5). Ninguém
questiona a presença de Deus conosco. Porém, precisamos
reconhecer a Sua presença; precisamos tê-Lo sempre diante
de nós. Precisamos escolher se creremos ou não em Suas pro
messas de proteção e cuidado constantes.
Ao falar sobre como podemos chegar à aceitação da adver
sidade em nossa vida, Margaret Clarkson disse:
Isso sempre se inicia com um ato deliberado da nossa parte;
nós decidimos crer na imensa bondade, providência e sobe
rania de Deus, e, nos recusamos a desistir, não importando
o que possa vir ou como possamos nos sentir1.
Durante muito tempo em minha longa peregrinação procu
rando confiar em Deus constantemente - ainda estou distante
do final dessa jornada - fui prisioneiro de meus sentimentos.
Eu erroneamente achei que não poderia confiar em Deus a
menos que sentisse algo ao confiar nEle (o que dificilmente
acontece nos momentos de adversidade). Hoje aprendi que
confiarem Deus é primeiramente uma questão de vontade
que não depende dos meus sentimentos. Eu resolvo confiar
em Deus e meus sentimentos acabam me seguindo.
Tendo dito que confiar em Deus é primordialmente uma
questão da vontade, permita-me qualificar essa afirmação
dizendo que, em primeiro lugar, ela é uma questão de conhe
cimento. Precisamos conhecer o fato de que Deus é soberano,
sábio e amoroso - em todas as formas que estudamos o sig
nificado de tais termos nos capítulos anteriores. No entanto,
uma vez expostos ao conhecimento da verdade, precisamos
então resolver se cremos na verdade a respeito de Deus, a qual
Ele nos revelou, ou se nos deixaremos levar por nossos sen
timentos. Se quisermos confiar em Deus, precisamos fazer a
escolha de crer na Sua verdade. Precisamos dizer: “Confiarei
em Ti mesmo que não sinta vontade de fazê-lo”.
1. Clarkson, Margaret, Grace Grows Best in Winter. Eerdmans, Grand Rapids, MI,
1984, p. 21.
TENHA A DISPOSIÇÃO DE CRER
Confiar em Deus nos momentos de adversidade é claramente
algo difícil de fazer. Não quis dizer, ao enfatizar que confiar
em Deus é uma escolha, que isso é uma escolha fácil como ir
ou não ao supermercado, ou até realizar ou não um ato sacri-
ficial. A confiança em Deus é uma questão de fé e a fé é um
fruto do Espírito (G1 5.22). Somente o Espírito Santo é capaz
de tornar Sua Palavra viva em nosso coração e criar a fé. En
tretanto, somos nós que escolhemos pedir que Ele o faça ou
podemos escolher ser governados por nossos sentimentos de
ansiedade, de ressentimento ou de pesar.
John Newton, o autor do hino “Graça Sublime”, viu o câncer
consumir sua esposa lenta e dolorosamente, num período de
alguns meses. Ao falar sobre aquela época, John disse:
Penso que uns dois ou três meses antes da morte dela, quan
do caminhava de um lado para o outro do quarto, fazendo
orações desconexas fruto de um coração despedaçado pela
dor, fui repentinamente atingido por um pensamento, com
força incomum, que comunicou o seguinte: As promessas
de Deus só podem ser verdadeiras; certamente o Senhor
me ajudará, se eu tão somente tiver a disposição de ser aju
dado!’. Ocorreu-me que normalmente somos levados a...
[a partir de um respeito descabido por nossos sentimen
tos] ceder ao pesar improdutivo que reclama tanto a nos
sa submissão quanto a nossa paz até ao máximo de nossas
forças. Na mesma hora eu disse em voz alta: “Senhor, eu
certamente nada posso sozinho, mas estou disposto, sem
qualquer reserva, a ser ajudado por Ti”2.
2. Newton, John, opus cit., 5:621,622.
John Newton foi ajudado de uma maneira extraordinária.
Durante aqueles meses finais ele permaneceu com suas ativi
dades normais como ministro anglicano e foi capaz de dizer:
Durante toda aquela dolorosa provação, cumpri como de
costume, com todos os meus deveres normais e ocasionais;
e uma pessoa que não me conhecesse dificilmente seria
capaz de dizer, quer por minhas palavras, quer por minha
aparência, que eu estava passando por momentos difíceis.
[A aflição prolongada] não me impediu de pregar um ser
mão sequer, e preguei no dia da morte dela... Na realidade,
eu preguei três vezes enquanto ela estava morta em casa...
e depois que ela foi colocada no caixão, eu preguei o ser
mão em seu funeral3.
Como é que John Newton foi ajudado? Em primeiro lugar,
ele optou por ser ajudado. Ele percebeu que seu dever era re
sistir “ao máximo de suas forças” à quantidade incomum de
pesar e distração. Percebeu ser pecado chafurdar na autocomi-
seração. Então, se voltou para o Senhor, sem fazer uma única
pergunta, senão tão somente sinalizar sua disposição de ser
ajudado. Então, ele disse: “Não fui ajudado por consolações
claramente oriundas de sentimentos, mas por ser capacitado
a perceber em minha mente algumas das grandes e principais
verdades da Palavra de Deus”4. O Espírito de Deus ajudou
Newton fazendo com que algumas das verdades necessárias
da Palavra de Deus se tornassem vivas para ele. Ele escolheu
confiar em Deus, se voltou para Deus numa atitude de de
pendência, e foi capacitado a discernir algumas das grandes
verdades da Escritura. Escolha pessoal, oração e a Palavra de
3. Newton, John, ibid., pp. 622,623.
4. Newton, John, ibid., pp. 623,624.
Deus foram os elementos cruciais para que ele fosse ajudado
a confiar em Deus.
O mesmo Davi que no Sl 56.4 disse: “neste Deus ponho a
minha confiança e nada temerei”, disse no Sl 34.4 “Busquei o
Senhor, e ele me acolheu; livrou-me de todos os meus temores”.
Não há qualquer conflito entre dizermos “nada temerei” e pedir
que Deus nos livre de nossos temores. Davi reconheceu que era
sua responsabilidade escolher confiar em Deus, mas também
que ele dependia do Senhor para ter a capacidade de fazê-lo.
Quando ensino sobre o tema “santidade pessoal”, sempre
enfatizo que somos responsáveis por obedecer a vontade de
Deus, mas que dependemos da capacitação do Espírito Santo
para a obediência. O mesmo princípio se aplica na esfera da
confiança em Deus. Somos responsáveis por confiar nEle nos
momentos de adversidade, mas dependemos da capacitação
do Espírito Santo para que isso se concretize.
Permita-me enfatizar uma vez mais que confiar em Deus
não significa que não experimentaremos dor. Significa que
cremos que Deus está operando por meio da dor para o nosso
supremo bem. Significa que voltamos a trabalhar toda a Bíblia,
lendo a respeito de Sua soberania, sabedoria e bondade, pe
dindo a Deus que use os textos lidos para trazer paz e consolo
ao nosso coração. Acima de tudo significa que não pecamos
contra Deus permitindo que pensamentos de desconfiança
sobre Ele pairem sobre a nossa mente. Confiar normalmente
significará que seremos apenas capazes de dizer: “Deus, eu
não compreendo, mas confio em Ti”.
DEUS É DIGNO DE CONFIANÇA
Todo o conceito de confiança em Deus baseia-se, logicamente,
no fato de Deus ser absolutamente digno de confiança. É por
esse motivo que investi doze capítulos deste livro estudando
a soberania, a sabedoria e o amor de Deus. Precisamos estar
completamente alicerçados nessas verdades bíblicas se qui
sermos confiar nEle.
Precisamos, igualmente, nos agarrar firmemente a algumas
promessas de Seu cuidado constante por nós. Uma dessas pro
messas que fará muito bem se for guardada em nosso cora
ção encontra-se em Hb 13:5: “De maneira alguma, te deixarei,
nunca jamais te abandonarei”. O pregador puritano Thomas
Lye destacou que nessa passagem o grego possui cinco negati
vas e poderia, consequentemente, ser lido da seguinte manei
ra: “Eu nunca, nunca te deixarei; eu nunca jamais, jamais te
abandonarei”5. Cinco vezes Deus enfatiza que não nos aban
donará. Ele deseja que nos apeguemos firmemente à verdade
de que, não importa o que as circunstâncias possam indicar,
precisamos crer, com base em Suas promessas, que Ele não
nos abandonou ou nos deixou à mercê das circunstâncias.
É possível que algumas vezes deixemos de sentir a presença e
a ajuda de Deus, mas jamais as perdemos. Durante sua aflição,
Jó não conseguia encontrar a Deus. Ele disse:
Eis que, se me adianto, ali não está; se torno para trás,
não o percebo.
Se opera à esquerda, não o vejo; esconde-se à direita,
e não o diviso.
Mas ele sabe o meu caminho; se ele me provasse,
sairia eu como o ouro.
(Jó 23.8-10)
Nos capítulos anteriores, analisamos lições conside
rando algumas das lutas de Jó quanto ao confiar em Deus.
5. Lye, Thomas, opus cit., 1:378.
Jó aparentemente vacilou como nós vacilamos, entre o confiar
e o duvidar. Porém, temos aqui uma afirmação muito forte de
confiança. Ele não conseguia encontrar a Deus em nenhum
lugar. Deus havia retirado completamente de Jó o sentimento
do conforto de Sua presença. Mesmo assim Jó creu que Deus
estava cuidando dele e que faria com que ele passasse pela
prova como ouro purificado, embora ele não pudesse vê-Lo.
Não raro você e eu experimentamos a mesma coisa que Jó -
talvez não a mesma forma ou intensidade de sofrimentos -
mas na aparenteincapacidade de encontrar Deus em qualquer
lugar. Parecerá até que Deus Se escondeu de nós. Até mesmo o
profeta Isaías disse ao Senhor certa ocasião: “Verdadeiramente
tu és um Deus que te escondes, ó Deus de Israel, o Salvador”
(Is 45.15 Almeida Séc. 21). Deveríamos aprender com Jó e com
Isaías para não ficarmos totalmente surpresos e desanimados
quando formos incapazes de encontrar Deus nos momen
tos de adversidade. Quando tais momentos se apresentarem,
precisamos nos apegar firmemente em Sua promessa simples,
mas inviolável: “De maneira alguma te deixarei, nunca jamais
te abandonarei”.
O apóstolo Paulo fala do “Deus que não pode mentir”
(Tt 1.2). Esse é o Deus que prometeu: “De maneira alguma te
deixarei, nunca jamais te abandonarei”. Podemos até sentir que
Se escondeu, mas Ele jamais permite que a nossa adversidade
nos esconda dEle. Poderá até permitir que passemos por águas
profundas e pelo fogo, mas Ele estará conosco neles (Is 43.2).
Uma vez que Deus jamais te deixará nem te abandonará,
você é convidado nas palavras de Pedro a lançar “sobre ele toda
a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós” (1 Pe 5.7).
Essa passagem bíblica é muito conhecida da maioria, aliás,
familiar demais. Algumas passagens bíblicas como essa nos
são tão familiares e, consequentemente, tão elementares, que
frequentemente passamos direto por elas. É quase como saber
que um mais um são dois. É coisa para alunos de primeira sé
rie! No entanto, também é uma das verdades mais elementares
da matemática. Sem ela não haveria álgebra, cálculo e todas
as formas mais complexas da matemática.
Voltemos então e atentemos para 1 Pe 5.7. Deus cuida de
você! Ele não apenas não irá abandoná-lo - este é o lado nega
tivo da promessa - como também cuidará de você. Ele não está
apenas com você, Ele cuida de você. O cuidado dEle é constan
te - não é de vez em quando, esporádico. É cuidado completo -
até mesmo os cabelos da sua cabeça estão contados. É cuidado
soberano - nada é capaz de tocar em você se Ele não permitir.
O cuidado dEle é infinitamente sábio e bom de forma que, no
vamente nas palavras de John Newton: “Se fosse possível que eu
alterasse qualquer parte do plano dEle, estragaria tudo”6.
Precisamos aprender a lançar nossa ansiedade sobre Ele.
O Dr. John Brown disse o seguinte a respeito desse versículo:
“A expressão figurada ‘lançar’, e não colocar, parece indicar que
a tarefa descrita exige um esforço; e a experiência nos diz que
não é nada fácil nos desvencilharmos do fardo do cuidado”7.
Voltamos então para a questão da escolha. Devemos, portanto,
por um ato da vontade e na dependência do Espírito Santo,
dizer algo assim: “Senhor, eu escolho lançar esta ansiedade so
bre o Senhor, mas sou incapaz de fazer isso por conta própria.
Confiarei no Senhor, pela capacitação do Teu Espírito, que
tendo lançado esta minha ansiedade sobre Ti, não a pegarei
de volta para carregá-la sobre meus ombros”.
Confiar não é um estado passivo da mente. Representa um
ato vigoroso da alma pelo qual escolhemos nos apropriar das
promessas de Deus e nelas nos agarrar, apesar da adversidade
que, no momento, parece nos dominar.
6. Newton, John, opus cit., p. 624.
7. Brown, John, Fxpository Discourses on I Peter. reimpresso em 1848, Banner ofTruth,
Edinburgh, 1975, 2:539.
Há vários anos, enfrentei uma série de dificuldades num
espaço de poucos dias. Nenhuma calamidade maior, mas de
uma natureza que me trouxe grande angústia. No princípio,
o Sl 50.15 me veio à mente: “invoca-me no dia da angústia; eu
te livrarei, e tu me glorificarás”. Comecei a invocar o Senhor
pedindo que Ele me livrasse, mas parecia que quanto mais eu
O invocava, mais dificuldades surgiam.
Comecei a me perguntar se as promessas de Deus tinham
algum significado real. Certo dia, então, disse ao Senhor: “Vou
crer na Tua Palavra. Creio que no Teu tempo, da Tua manei
ra, o Senhor me livrará”. As dificuldades não pararam, mas a
paz de Deus aquietou meus temores e ansiedades. E então, no
momento certo, Deus me livrou daqueles problemas e o fez de
maneira que ficou claro que aquilo era realização dEle. As pro
messas de Deus são verdadeiras. Elas não podem falhar porque
Ele não pode mentir. No entanto, para percebermos a paz que
as promessas Deus podem nos dar, precisamos escolher crer
nelas. Precisamos lançar nossa ansiedade sobre Ele.
ARMADILHAS NO CONFIAR
Por mais que seja difícil confiar em Deus nos momentos de
adversidade, há situações em que poderá ser ainda mais difícil
confiar nEle. Estou falando das circunstâncias em que as coisas
estão indo bem, quando, usando a expressão de Davi, “meu
quinhão caiu em lugares agradáveis” (Sl 16.6 Almeida Séc. 21).
Durante os momentos de bênção e prosperidade temporais, te
mos a tendência de colocar nossa confiança nas bênçãos, ou até
pior, em nós mesmos como os provedores de tais bênçãos.
Durante momentos de prosperidade e de circunstâncias
favoráveis, demonstramos nossa confiança nEle reconhecen-
do-O como o provedor de todas aquelas bênçãos. Já vimos
que o Senhor fez a nação de Israel passar fome no deserto e,
então, os alimentou com maná vindo do céu para ensiná-los
“que não só de pão viverá o homem, mas de tudo o que pro
cede da boca do S e n h o r viverá o homem” (Dt 8.3).
O que dizer de nós com nossas despensas e geladeiras re
pletas de comida para as refeições de amanhã? Dependemos
tanto de Deus quanto os israelitas dependiam. Deus fazia cho
ver o maná diariamente. Em nosso caso, Ele pode prover um
salário regular e abundância de alimento no supermercado
para comprarmos. Ele proveu alimento para os israelitas por
meio um milagre. Ele provê nosso alimento por meio de uma
cadeia complexa de eventos naturais nos quais a Sua mão é vi
sível apenas aos olhos da fé, mas ainda assim, é provisão dEle,
assim como era o maná que vinha dos céus.
Com qual frequência nossa expressão de gratidão nas refei
ções não passa de um ritual mecânico com pouco sentimento
genuíno? Com que frequência nós paramos para reconhecer a
mão provedora de Deus e para agradecer por outras bênçãos
temporais como a roupa que vestimos, a casa em que moramos,
o carro que dirigimos e a saúde de que desfrutamos? A quan
tidade de nossa gratidão a Deus pelas bênçãos que Ele provê é
um indicador da nossa confiança nEle. Devemos ser tão pron
tos e freqüentes em nossa oração de gratidão a Deus quando a
despensa está cheia quanto em nossa oração de súplica quando
a despensa está vazia. E assim que demonstramos nossa con
fiança nos momentos de prosperidade e de bênção.
Salomão disse:
No dia da prosperidade, goza do bem;
mas, no dia da adversidade,
considera em que Deus fez tanto este
como aquele.
(.Ec 7.14)
Deus faz os dias de prosperidade bem como faz os dias de
adversidade. Na adversidade temos a tendência de duvidar do
cuidado paterno de Deus, mas na prosperidade temos a ten
dência de nos esquecer desse cuidado. Se quisermos confiar
em Deus, precisamos reconhecer nossa dependência dEle em
todo instante, sejam eles bons ou ruins.
Outra armadilha com a qual precisamos tomar cuidado é a
tendência de confiar nos instrumentos divinos de provisão, em
lugar de confiar no próprio Deus. No desenrolar dos eventos
cotidianos de nossa vida, Deus usa meios humanos para suprir
nossas necessidades, em vez de fazê-lo diretamente. Ele provê
nossas necessidades financeiras por meio de nosso trabalho
e disponibiliza médicos para que cuidem de nós quando es
tamos doentes. Porém, tais instrumentos humanos estão, em
última análise, sob a mão controladora de Deus. Eles são bem
sucedidos ou prosperam apenas quando Deus assim permite.
Precisamos tomar o cuidado de olhar além da instrumentali-
dade humana e dos meios, para o Deus que delas se utiliza.
Em Pv 18.10,11, encontramos um contraste muito interes
sante e instrutivo entre o justo e o rico. A passagem diz:
Torre forte é o nome do Senhor ,
à qual o justo se acolhe e está seguro.
Os bens do rico lhe são cidadeforte e,
segundo imagina, uma alta muralha.
O contraste não é entre o justo e o rico num sentido abso
luto, à medida que existem pessoas que são tanto justas quanto
ricas. Em lugar disso, devemos enxergar o contraste entre os
dois primeiros objetos da confiança humana: Deus e o dinhei
ro. Aquele que confia no Senhor está seguro; enquanto aquele
que confia em sua riqueza imagina estar seguro.
Existe um princípio bem mais abrangente para nós nessa
passagem. Todos nós temos a tendência de ter nossas cidades
fortes. Pode ser uma formação universitária avançada para
uma garantia de emprego, apólices de seguro, ou mesmo nosso
investimento para os anos de aposentadoria. Especialmente
falando da nação norte-americana, a cidade fortificada encon
tra-se em seu fortalecimento militar. Qualquer coisa diferente
do próprio Deus na qual colocamos nossa confiança se torna
a nossa “cidade forte”, com sua alta muralha imaginária.
Isso não significa que devemos desconsiderar os meios co
muns que Deus usa para prover nossas necessidades. Signifi
ca que não devemos confiar neles. Já vimos o salmista dizer:
“Não confio no meu arco” (Sl 44.6), mas ele não disse: “Joguei
meu arco fora”. Colocar o uso dos meios comuns e a confian
ça em Deus na devida perspectiva significa olhar confiada-
mente para Deus, de forma a usar os meios que Ele proveu.
Enquanto escrevia este capítulo, minha esposa experimentou
algumas dores físicas, possivelmente um desdobramento de
sua luta contra o câncer. Enquanto procuramos um diagnósti
co médico preciso para saber a causa da dor, pedimos a Deus,
conforme a Sua vontade, que orientasse e desse sabedoria aos
médicos. Embora respeitemos a habilidade médica, sabemos
que foi Deus Quem lhes deu tal habilidade e somente Ele
pode fazer com que tal habilidade prospere na situação que
for. Por isso, nós respeitamos e admiramos os médicos, mas
confiamos em Deus.
Podemos depender dos meios humanos e da instrumentali-
dade, apenas à medida que reconhecemos e honramos a Deus
por meio deles. Philip Bennett Power, ministro anglicano do
século dezenove, escreveu: “Não podemos esperar que Deus
faça qualquer coisa prosperar quando colocamos tal coisa no
lugar de Deus, e com isso roubamos a honra que Ele merece....
[precisamos] tornar Deus o grande objeto da nossa confiança,
embora a instrumentalidade humana comum de ajuda possa
estar à disposição”8.
Devemos ter em mente, também, que Deus é capaz de
operar servindo-se ou não de meios humanos. Embora Ele
frequentemente se utilize deles, Deus não depende dos meios
humanos. Além disso, Ele frequentemente se utilizará de uma
série de eventos diferentes do que esperamos. Por vezes, nos
sa oração pedindo por livramento em momentos de apuros é
acompanhada de fé na medida em que enxergamos os meios
previsíveis de livramento. Porém, Deus não depende desses
meios que conseguimos antever. Na realidade, a experiência
nos mostra que Deus se deleita em nos surpreender com Seus
meios de livramento para nos relembrar que nossa confiança
deve repousar nEle e nEle somente.
Outra armadilha quando nos propomos a confiar em Deus,
com a qual também temos dificuldade, é nos voltarmos para
Deus confiando nas experiências de crises maiores da vida
enquanto procuramos cuidar das dificuldades menores por
conta própria. A disposição de confiarmos em nós mesmos
vem de nossa natureza pecaminosa. Por vezes, precisamos de
uma crise maior, ou mesmo uma mais moderada, para que
nos voltemos para Deus. Uma marca da maturidade cristã
é a confiança contínua no Senhor nos mínimos detalhes da
vida. Se aprendermos a confiar no Senhor nas adversidades
menores, estaremos mais bem preparados para confiar nEle
nas maiores.
Citando novamente Philip Bennett Power:
As circunstâncias diárias da vida nos fornecerão oportuni
dades suficientes para que glorifiquemos a Deus por meio da
nossa confiança, sem que precisemos esperar por convocações
8. Power, Philip Bennett, The “I Wills" nf The Psalms. reimpresso em 1858, Banner of
Truth, Edinburgh, 1985, pp. 8,10.
extraordinárias à nossa fé. Lembremos que são poucas as
circunstâncias extraordinárias da vida; que boa parte da
vida pode transcorrer sem sua ocorrência; e que se não fo r
mos fiéis e não confiarmos nas pequenas circunstâncias, nós
provavelmente não o farem os nas grandes... Permitamos que
nossa confiança seja cultivada no ambiente humilde de nossa
própria experiência diária, com suas necessidades, provações
e dificuldades recorrentes; dessa form a, quando necessário
for, a confiança se manifestará, realizando as grandes coisas
dela exigidas9.
Certa vez perguntei a uma querida irmã em Cristo, que
havia experimentado muita adversidade, se ela tinha acha
do mais difícil confiar em Deus nas menores dificuldades da
vida ou nas maiores. Ela respondeu que a maior dificuldade
é confiar em Deus nas dificuldades menores. Nos momentos
de maior dificuldade ela reconheceu prontamente sua com
pleta dependência de Deus e se voltou imediatamente para
Ele, mas nos momentos das dificuldades mais corriqueiras,
ela procurava resolver por conta própria. Que aprendamos
com a experiência dessa irmã e procuremos confiar em Deus
nas circunstâncias comuns da vida.
Porém, quer a dificuldade seja grande ou pequena, pre
cisamos optar por confiar em Deus. Precisamos aprender a
dizer como o salmista: “Em me vindo o temor, hei de confiar
em ti”.
9. Power, Philip Bennett, ibid., p. 63.
C A P Í T U L O C A T O R Z E
SEMPRE DANDO ORACAS
Em tudo, dai graças, porque esta é a vontade de Deus
em Cristo Jesus para convosco.
1 Ts5.18
P odemos confiar em Deus já que Ele é soberano, sábio e
bom. Se quisermos honrá-lo em momentos de adversida
de, precisamos confiar nEle. Há mais em jogo, em relação à
nossa confiança em Deus, do que simplesmente experimentar
paz em meio às dificuldades ou mesmo em ser liberto delas.
Honrar a Deus deveria ser nossa maior preocupação. Por isso,
pelo fato de Deus ser digno de confiança nossa resposta deve
ria ser: “Eu confiarei em Deus”. Existem, entretanto, algumas
verdades que decorrem do confiar em Deus que também são
importantes. Elas fornecem evidência tangível de que confia
mos de fato em Deus.
GRATIDÃO
No versículo inicial do capítulo Paulo disse que devemos “em
| tudo dar graças”. Devemos ser gratos nos momentos ruins
■ e nos momentos bons, pelas adversidades bem como pelas
i
bênçãos. Toda circunstância, quer favorável ou não ao nosso
desejo, deve ser uma oportunidade para agradecer.
A gratidão não é uma virtude natural; é um fruto do Espírito,
dado por Deus. O incrédulo não tem propensão para a gratidão.
Ele pode aceitar as situações que estão de acordo com a sua von
tade e reclamar daquelas que não estão de acordo, mas jamais
lhe ocorre a ideia de agradecer em ambas as circunstâncias. Se
enxergar a vida como algo além do acaso, ele poderá se parabe
nizar pelo sucesso obtido e culpar os outros por seus fracassos,
mas jamais enxergará a mão de Deus em sua vida. Uma das
afirmações mais acusatórias da Bíblia relativas ao homem na
tural encontra-se na acusação de Paulo que diz “tendo conheci
mento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram
graças; antes, se tornaram nulos em seus próprios raciocínios,
obscurecendo-se-lhes o coração insensato” (Rm 1.21).
A gratidão é uma confissão de dependência. Por meio dela,
reconhecemos que na esfera física, Deus “é quem a todos dá vida,
respiração e tudo mais” (At 17.25), e que na esfera espiritual, é
Deus Quem nos vivificou em Cristo Jesus quando estávamos
mortos em nossos delitos e pecados. Tudo o que somos e te
mos devemos à generosa graça de Deus. “Pois quem é que te faz
sobressair? E que tens tu que não tenhas recebido?” (1 Co 4.7).
Como filhos de Deus, devemos ser gratos em toda cir
cunstância, tanto na boa quanto na ruim. Lucas relata em seu
Evangelho a história dos dez leprosos que foram curados pelo
Senhor (Lc 17.11-19). Todos clamaram pedindo cura, eos dez
experimentaram o poder curador de Cristo, mas apenas um
deles voltou para agradecer a Jesus. Como somos inclinados
a ser como os outros nove; rápidos para pedir pela ajuda de
Deus, mas esquecidos para agradecê-Lo. Na realidade, nosso
problema vai bastante além de mero esquecimento. Estamos
impregnados de um espírito de ingratidão por causa de nossa
natureza pecaminosa. Precisamos cultivar um novo espírito,
o espírito de gratidão, implantado pelo Espírito Santo em nós
no momento da nossa salvação.
Agora conseguimos enxergar a lógica no relato dos dez le
prosos: todos deveriam voltar para agradecer ao Senhor. Po
demos até reconhecer que muitas vezes temos agido como os
nove esquecidos, quando deveríamos ter agido como o homem
grato. Não temos qualquer problema com a teologia da história
bíblica, nem mesmo quando falhamos em sua aplicação. Nesse
sentido, não temos qualquer problema em aceitar a orientação
de Paulo para darmos graças em toda circunstância.
O momento que fica difícil aceitarmos a orientação de Paulo
de dar graças em toda circunstância é quando a tal circunstância
é ruim. Vamos supor que uma pessoa é curada de uma doença
assustadora enquanto outra a contrai. A teologia de Paulo é que
ambas as pessoas, como cristãs, deveriam agradecer a Deus.
Tudo o que temos aprendido sobre Deus neste livro é para
fundamentar o dar graças em tempos difíceis: Sua soberania,
sabedoria e amor, na medida em que são aplicadas sobre todas
as mudanças inesperadas e repentinas de nossa vida. Em suma,
é a forte convicção de que Deus trabalha em todas as coisas,
em toda circunstância, para o nosso bem. É a disposição de
aceitar essa verdade da Palavra de Deus e dependermos dela
sem precisarmos entender exatamente como Ele está operan
do para o nosso bem.
Somos capazes de perceber uma forte relação entre a pro
messa de Rm 8.28 e a ordem de 1 Ts 5.18, quando entendemos
que a tradução literal dos termos em todas as circunstâncias é
“em tudo”. No grego, bem como no português, o termo e o sig
nificado são extremamente próximos. Devemos ser gratos em
tudo, pois sabemos que Deus opera em todas as circunstâncias
para o nosso bem1.
1. Há um debate entre os comentaristas sobre a melhor redação do texto. Na Versão
King James, as palavras são assim colocadas “todas as coisas juntas cooperam para o
Para obtermos o máximo de consolo e de encorajamento em
Rm 8.28, e consequentemente agradecer em toda circunstância,
é necessário percebermos que Deus opera de maneira prescien-
te e não de modo reativo aos fatos. Ou seja, Deus não apenas
responde à adversidade na nossa vida para fazer o melhor de
uma situação ruim. Ele sabe, antes de iniciar ou permitir a ad
versidade, exatamente como a usará para o nosso bem. Deus
sabia exatamente o que estava fazendo quando permitiu que
os irmãos de José o vendessem como escravo. José reconheceu
isso quando disse aos irmãos: “Assim, não fostes vós que me en-
viastes para cá, e sim Deus... Vós, na verdade, intentastes o mal
contra mim; porém Deus o tornou em bem” (Gn 45.8; 50.20).
Portanto, Paulo ordena: “Em tudo, dai graças, porque esta é
a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (ênfase acres
centada). Em sua primeira carta a igreja de Tessalônica, Paulo
já havia falado da vontade de Deus. No capítulo 4, no versículo
3, ele disse: “Pois esta é a vontade de Deus: a vossa santificação,
que vos abstenhais da prostituição”. Todos nós reconhecemos
o imperativo moral nesse versículo. Deus ordena que sejamos
santos, e a santidade abrange a pureza sexual. O imperativo não
é menos intenso no capítulo 5, versículo 18. Dar graças em toda
circunstância faz parte da vontade moral de Deus tanto quanto
faz parte nos abstermos da imoralidade sexual. Isso não implica
dizer que deixar de dar graças e me entregar à imoralidade se
xual são atos igualmente pecaminosos aos olhos de Deus. Quer
dizer, porém, que dar graças em toda circunstância faz parte da
vontade moral de Deus para nós e, consequentemente, não é
uma opção para aquele que busca agradar e honrar a Deus.
bem”, frase em que todas as coisas é o sujeito do verbo cooperam. Já na tradução da
NVI o sujeito é Deus - “Deus age em todas as coisas” - essa seria a redação preferida.
Qualquer que seja a nossa redação preferida, o resultado é o mesmo. Se todas as coi
sas cooperam para o nosso bem é porque Deus fez com que elas assim interagissem.
Aliás, a New American Standard Bible traduz da seguinte maneira: “Deus faz com que
todas as coisas cooperem para o bem”.
Sendo assim, dar graças em toda circunstância, quer fa
vorável ou não, é outra resposta que decorre do fato de que
Deus é digno de confiança. Se confiamos que Ele atua em toda
circunstância para o nosso bem, então devemos ser gratos a
Ele em toda circunstância; não agradecendo pelo mal em si,
mas pelo bem que Ele trará a partir desse mal, por meio de
Sua sabedoria e amor soberanos.
ADORAÇÃO
Outra resposta que decorre do fato de que Deus é digno de
confiança é adorá-Lo no momento da adversidade. Quando
o desastre inicial atingiu a Jó, a Bíblia diz:
Então, Jó se levantou, rasgou o seu manto,
rapou a cabeça e lançou-se em terra e adorou;
e disse: Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei;
o Senhor o deu e o Senhor o tomou;
bendito seja o nome do Sen h o r !
(Jó 1.20,21)
Em lugar de reagir contra Deus no momento de calamida
de, Jó adorou ao Senhor. Em vez de cerrar seu punho contra
Deus, Jó se prostrou diante dEle. Em lugar de rebeldia, o que
se viu foi um reconhecimento humilde da soberania de Deus;
o Senhor, em Sua soberania havia dado e, em Sua soberania,
tinha o direito de tomar de volta.
A adoração envolve uma visão bidirecional. Ao olharmos
para o alto vemos Deus em toda a Sua majestade, poder, gló
ria e soberania bem como em Sua misericórdia, bondade e
graça. Ao olharmos para nós mesmos, reconhecemos nossa
dependência de Deus e nossa pecaminosidade diante dEle.
Vemos Deus como o Criador soberano, digno de ser adorado,
servido e obedecido, e nos enxergamos como meras criatu
ras, pecadores indignos que fracassaram em adorar, servir e
obedecer a Deus como deveríamos.
Tudo que merecemos de Deus é o juízo eterno. Somos
eternos devedores, não apenas por Sua misericórdia soberana
ao nos salvar, mas também pelo fôlego de ar que respiramos,
pelo alimento ingerido. Não temos quaisquer direitos diante
de Deus. Tudo que recebemos é fruto de Sua graça. Tudo que
existe no céu e na terra pertence a Ele, e Ele nos fala utilizan
do as palavras de um proprietário de terras, falando aos seus
trabalhadores em sua vinha: “Porventura, não me é lícito fazer
o que quero do que é meu?” (Mt 20.15).
Essa é outra dimensão da soberania de Deus. Já vimos que
a soberania divina envolve Seu poder absoluto para fazer o que
lhe agrada e Seu controle absoluto sobre as ações de todas as
Suas criaturas. A soberania de Deus, contudo, ainda envolve
Seu direito absoluto de fazer conosco o que lhe agrada. O fato
de Deus escolher nos redimir e enviar Seu Filho para morrer por
nós, em vez de nos enviar para o inferno, não se deve a qualquer
obrigação da parte dEle. Isso se deve exclusivamente à Sua mise
ricórdia e graça soberanas. Conforme Ele disse a Moisés: “Terei
misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei
de quem eu me compadecer” (Êx 33.19). Por meio dessa afirma
ção, Deus está dizendo: “Não devo nada a quem quer que seja”.
A adoração que vem do coração no momento da adversi
dade implica em uma atitude de humilde aceitação de nossa
parte do direito divino de fazer o que Ele quiser com a nossa
vida. É um reconhecimento franco de que tudo que tivermos
num momento específico - saúde, posição, riqueza ou qualquer
outra coisa que gostamos - é um presente da graça soberana
de Deus e que pode ser retirado quando Deus assim quiser.
Deus, todavia, não age para conosco simplesmente com
base em Sua soberania, exercendo Seu poder de maneira
opressiva e tirana. Deus