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ARMAZENAMENTO DE ENERGIA GUSTAVO DE ANDRADE BARRETO Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos (SISEA) Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP BRUNO MEDEIROS LEITE Laboratório de Sistemas Energéticos Alternativos (SISEA) Departamento de Engenharia Mecânica da Escola Politécnica da USP JOSÉ AQUILES BAESSO GRIMONI Departamento de Engenharia de Energia e Automação Elétricas da Escola Politécnica da USP As tecnologias de armazenamento de energia absorvem energia, conservam-na por um período e a devolvem para suas fontes ou para usos finais. A intermitência e as variações características de diversas fontes de energias renováveis dificultam mais a compatibilização desses tipos de energia com as demandas dos sistemas de distribuição do que as fontes tradicionais. Para regularizar o fluxo de energia dessas fontes renováveis, conferindo-lhes maior confiabilidade, sistemas de armazenamento de energia foram sendo incorporados aos projetos de fontes renováveis, ou instalados nas redes de distribuição próximas. Podem fazer um papel de reguladores de fluxo momentâneo ou funcionar em ciclos independentes de carga e descarga em diferentes períodos. Este capítulo apresenta o estado atual das tecnologias de armazenamento, aborda as características desses sistemas, os parâmetros comparativos mais relevantes e, em linhas gerais, o modo de funcionamento dos sistemas atuais. Tais sistemas de armazenamento são utilizados há bastante tempo em redes elétricas como reguladores de fluxo e qualidade. Porém, em conjunto com as fontes renováveis, adquiriram um papel mais relevante, propiciando a continuidade do aumento de projetos que utilizam essas fontes. Ao contrário dos sistemas ultrarrápidos, porém de pouca capacidade e que funcionam nas redes elétricas, os sistemas dedicados às fontes renováveis têm tomado outra direção, visando ao armazenamento de quantidades maiores de energia para confiabilidade e autonomia por períodos mais longos. Podemos armazenar energia na forma em que se encontra ou transformá-la em outra forma de energia adequada ao meio de armazenamento. Ao recuperá-la do nosso estoque, teremos novamente a opção de utilizá-la na forma em que se encontra ou transformá-la em outra mais conveniente à aplicação final. O número de diferentes formas primárias de energia, de modos de armazenamento e de solicitações nos usos finais, bem como a combinação desses parâmetros eleva o número de rotas possíveis para cada cenário. 1) 2) 3) 4) 5) 6.1 6.1.1 a) Como perdas ocorrem nesses processos de transformação, e no próprio armazenamento, o principal mote de desenvolvimento tecnológico visa à redução dessas perdas ou à seleção de uma rota de transformações que ofereça maior eficiência. Novas tecnologias estão em constante pesquisa e desenvolvimento, o que torna o assunto de armazenamento de energia um assunto tão empolgante quanto inesgotável. Considera-se que a forma como a energia é armazenada está mais diretamente ligada à fonte de energia e deve- se ter isso em mente para compreender as aplicações dos métodos de armazenamento apresentados a seguir. Armazenamentos de energia mecânica são métodos de estocagem de energia cinética e potencial. Nessa categoria estão incluídos os vários tipos de usinas hidrelétricas, rodas de inércia (ou volantes de inércia) e gases comprimidos. Armazenamentos eletroquímicos de energia são os métodos que convertem entre energia química e eletricidade. Nesta categoria estão as baterias, primárias (não recarregáveis) e secundárias (recarregáveis), bem como as células combustíveis. Armazenamentos diretos de energia elétrica são métodos para manter a energia em um campo elétrico. Nessa categoria encontramos os capacitores e supercapacitores, também conhecidos como capacitores de dupla camada, assim como as bobinas supercondutoras, ou SMES (Superconducting magnetic energy storage). Armazenamentos de energia térmica são os métodos de acumulação de calor em um meio, de forma que se possa recuperar esse calor para uso direto (por exemplo, aquecimento ambiental) ou para conversão em outra forma de energia (por exemplo, usinas termoelétricas). Armazenamentos químicos de energia são métodos para manter a energia em um elemento ou composto químico para posterior uso desse potencial visando à recuperação da energia originalmente empregada. Nessa categoria podemos citar o estoque de hidrogênio (cuja origem poderia ser de eletrólise da água ou de reforma de gás natural) para uso em células de combustível, gerando eletricidade. Existem muitos outros compostos químicos e rotas de reações químicas atualmente em desenvolvimento. Mostraremos a seguir um apanhado de técnicas de armazenamento, algumas mais consolidadas e outras ainda em evolução, bem como metodologias de comparação e mensuração usuais no setor, com o intuito de municiar o leitor de uma visão abrangente dos progressos e das possibilidades que o tema representa para o setor de energias renováveis. Armazenamento de energia mecânica O armazenamento de energia mecânica engloba todos os tipos de armazenamento nos quais a energia é convertida e/ou armazenada como energia cinética ou potencial (as formas mais comuns são potencial gravitacional e potencial elástica). Em muitos casos, os sistemas de armazenamento de energia mecânica são utilizados em conjunto com sistemas de produção de energia elétrica, e seu funcionamento é condicionado à demanda de energia elétrica. Por essa razão, a forma de energia convertida em energia mecânica mais comum para armazenagem é a energia elétrica. Armazenamento por bombeamento hidráulico O armazenamento por bombeamento hidráulico consiste em acumular energia elétrica na forma de energia potencial gravitacional. As bombas realizam trabalho sobre a água e elevam sua altura manométrica, criando desse modo um reservatório de água de altura elevada que pode ser utilizado futuramente. Usina hidrelétrica reversível (UHR) Em uma UHR existem dois reservatórios em alturas manométricas diferentes, e é essa diferença de altura que permite a geração ou armazenamento da energia elétrica. A geração de energia elétrica é feita quando a água do reservatório superior escoa por gravidade até o reservatório inferior e ativa as turbinas, transformando energia potencial gravitacional em energia elétrica. O armazenamento de energia, por sua vez, é feito quando as bombas realizam trabalho e transportam a água do reservatório inferior para o reservatório superior, transformando energia elétrica em energia potencial gravitacional. Na Figura 6.1 é ilustrada a configuração de uma UHR convencional. b) c) d) e) Figura 6.1 UHR convencional. Os reservatórios, sobretudo o reservatório superior, têm grande influência na capacidade de armazenamento da UHR. Em geral, é preferível trabalhar com um reservatório pequeno e uma grande altura manométrica do que com um reservatório grande e uma altura manométrica baixa. Isso agrega uma série de vantagens, tais como: menor custo e impacto ambiental no que diz respeito ao reservatório; menor custo com tubulações e menor tamanho da bomba por se ter uma vazão menor para mesma potência (Gallo, 2012). As UHR convencionais são divididas, quanto ao bombeamento, em dois tipos: as off-stream, que realizam o bombeamento fora do curso de água e as pump-back, que fazem a inversão do curso de água. Um exemplo nessa última categoria, pump-back, é a Usina Elevatória de Pedreira, inaugurada em 1939 na cidade de São Paulo, considerada a primeira usina reversível em operação comercial no mundo. Independentemente do tipo, as UHR convencionais sofrem algumas restrições de uso: a necessidade de instalação de dois reservatórios com uma diferença de altura manométrica adequada e o fato de que a grande maioria das bombas reversíveis não são capazes de trabalhar com carga variada. UHR com uso de água do mar Esse tipo de UHR aproveita-se de desníveis geológicos presentes em costas marítimas para criar o reservatório superior e utiliza o próprio mar como reservatórioinferior. A primeira usina desse tipo foi construída no Japão e funciona de forma exatamente igual às UHR convencionais, porém questões como corrosão são muito mais relevantes. UHR de velocidade variável Essas usinas utilizam bombas reversíveis com velocidade de operação variável, o que é uma vantagem em relação às UHR convencionais, pois permite que elas consigam acompanhar a curva do sistema elétrico e, por conseguinte, torna a operação da usina mais rápida e flexível. UHR com reservatório aquífero Nessas usinas um reservatório aquífero é utilizado como reservatório inferior, de modo que o armazenamento de energia é feito pelo bombeamento de água do aquífero até a superfície, e a geração é feita mediante a liberação de água da superfície de volta para o aquífero. No que diz respeito a restrições geológicas, as UHR com reservatório aquífero podem ser instaladas em mais regiões do que uma UHR convencional, contudo há questões legais e ambientais quanto à perfuração e utilização de aquíferos que inviabilizam projetos desse tipo. UHR com reservatório subterrâneo f) As UHR com reservatório subterrâneo são similares à UHR com reservatório aquífero, porém contornam as questões legais e ambientais ao não utilizar uma estrutura previamente existente na natureza e, sim, construir um reservatório subterrâneo com a finalidade de operar na usina. Uma representação esquemática de uma UHR com reservatório subterrâneo pode ser vista na Figura 6.2. Figura 6.2 UHR com reservatório subterrâneo. UHR com pistão hidráulico subterrâneo Todo o maquinário se encontra na superfície e executa o bombeamento para erguer o cilindro dentro do poço subterrâneo, acumulando energia. Para a geração de energia, o sistema de válvulas permite a movimentação por gravidade do pistão em sentido inverso. Diferentemente das configurações anteriores, essa alternativa opera completamente em circuito fechado, conforme exemplificado na Figura 6.3, e a grande vantagem é não haver necessidade de um grande reservatório na superfície. Figura 6.3 UHR com pistão hidráulico subterrâneo. 6.1.2 a) Armazenamento de energia em ar comprimido (CAES) A energia elétrica utilizada para acionar compressores é armazenada como energia mecânica na forma de ar comprimido em reservatórios pressurizados. Em termos de capacidade instalada, o armazenamento de energia em ar comprimido, ou, do inglês, compressed air energy storage (CAES), atinge aproximadamente 500 MW, sendo 320 MW em uma instalação na Alemanha e 110 MW em uma instalação nos EUA (Gallo et al., 2016). O sistema mais básico de CAES, apresentado na Figura 6.4, é composto de compressor, turbina, gerador, câmara de combustão e um local para armazenamento de ar. Para realizar o armazenamento de energia, o ar proveniente da atmosfera é armazenado em um reservatório com uso de um compressor. Para realizar a geração de energia, é feita a retirada desse ar que passa por uma câmara de combustão e por uma turbina, a qual, por sua vez, aciona o gerador. Figura 6.4 CAES clássico. Normalmente, o reservatório é uma formação subterrânea composta de rochas porosas, salinas, antigas minas ou rochas escavadas. Os custos de construção desse tipo de armazenamento são muito inferiores ao de utilizar reservatórios pressurizados na superfície, algo semelhante às jazidas de gás natural. Por outro lado, isso implica uma restrição geológica para a instalação. Outro ponto fraco é a necessidade de aquecimento pela turbina. O ar é armazenado em temperatura ambiente, mas, para expandir, precisa estar em temperatura elevada. A solução para isso é utilizar o ar diretamente na câmara de combustão da turbina a gás. CAES assistido por energia solar No CAES clássico, o aquecimento do ar comprimido é feito por combustíveis fósseis, o que faz com que essa forma não seja de armazenamento totalmente renovável. O uso da energia solar visa a contornar essa característica, entretanto, em contrapartida, o custo do investimento eleva-se devido ao sistema heliotérmico. A Figura 6.5 ilustra o funcionamento de um CAES assistido por energia solar. Figura 6.5 CAES assistido de energia solar. Outro fator que deve ser levado em consideração em toda tecnologia que utiliza energia solar como fonte de energia é a disponibilidade. Uma vez que o objetivo de um sistema de armazenamento é armazenar energia quando b) c) d) 6.1.3 há excedente e gerar energia quando há escassez, utilizar energia solar seria prejudicar essa flexibilidade devido à intermitência. CAES adiabático O CAES adiabático propõe que o calor dissipado no resfriamento do compressor seja conservado e direcionado para um sistema de armazenamento de energia térmica. No armazenamento o ar é comprimido, gerando um fluxo quente que passa através do sistema de armazenamento de energia térmica antes de ser armazenado no reservatório pressurizado. E, na geração, o ar é extraído do reservatório e passa pelo sistema de armazenamento de energia térmica antes de ser expandido pelas turbinas (Andrade, 2014). Esse processo de armazenamento e geração é ilustrado na Figura 6.6. Figura 6.6 CAES adiabático. Nessa configuração ocorrem dois tipos de armazenamento: o armazenamento mecânico de ar comprimido e o armazenamento térmico de calor que será visto em sessão futura. CAES isotérmico O CAES isotérmico tenta resolver o problema da dissipação de calor na compressão mediante a minimização da variação de temperatura na compressão e na expansão. Como indicado na Seção 2.8.2 do Capítulo 2, a potência de compressão isotérmica (reversível) é inferior a outras formas de compressão com menores taxas de transferência de calor. Motogeradores a pistão são utilizados para comprimir e expandir o ar, e com a pulverização de água esse processo consegue ser quase isotérmico. A água é armazenada em reservatórios isolados termicamente (mais um caso de armazenamento de energia térmica, portanto), e isso facilita muito a manutenção das variações de temperaturas baixas. Esse tipo de instalação é muito flexível do ponto de vista da restrição geológica, por utilizar canalizações ou reservatórios pressurizados com possibilidade de construção modular com associação dos módulos de potência. CAES submarino Essa solução propõe que o reservatório subterrâneo seja substituído por um lago ou oceano, pois, em função da pressão hidrostática, o ar comprimido sofre menor diferença de pressão interna e externa, reduzindo consequentemente os custos estruturais. Assim como o CAES tradicional, seu uso também está condicionado a questões geológicas, e seu maquinário também é semelhante, sendo a grande diferença a redução dos custos de armazenamento. Volante de inércia As rodas de inércia são uma das mais antigas formas de armazenamento de energia utilizada pelo homem, sendo até hoje utilizadas em rodas de oleiro na produção de cerâmicas e em moinhos de pedra na produção de trigo. 6.2 6.2.1 6.2.2 6.3 Atualmente, os volantes de inércia são utilizados para armazenar energia elétrica na forma de energia cinética. Na geração, o motogerador é responsável por desacelerar o rotor e converter a energia elétrica em cinética, e, no armazenamento, a energia elétrica é utilizada para acelerar o rotor. A geometria, o material e a velocidade de rotação têm influência direta na quantidade de energia que pode ser armazenada, sendo os volantes de inércia classificados em baixa velocidade (até 10.000 RPM) e alta velocidade (até 100.000 RPM) (Gallo, 2012). O mancal magnético é a parte mais sensível em termos de eficiência do volante de inércia, pois, afinal, suporta o volante que gira de forma constante em alta velocidade, o que inevitavelmente provoca perdas. Essas perdas são traduzidas em taxas de autodescarga de 1 a 3 % da capacidade por hora, sendo maiores na proporção da velocidade de operação do volante (Gallo, 2012). Armazenamento de energia térmica O armazenamento de energia térmica engloba todos os tipos de armazenamento nos quais a energia é convertida e/ou armazenada como calor (as formas mais comunssão calor sensível e calor latente). Em muitos casos, os sistemas de armazenamento de energia térmica são utilizados em conjunto com processos que necessitam de calor para operar, de modo que esses também realizam o ajuste e o controle do fluxo de calor para atender às necessidades térmicas do sistema. As tecnologias de armazenamento de energia térmica são divididas em duas categorias, as que realizam o armazenamento na forma de calor sensível — sem mudança de fase — e as que realizam o armazenamento na forma de calor latente — com mudança de fase (Haydamus, 2012). Sem mudança de fase Nesses sistemas, a energia térmica é armazenada por meio do aumento da temperatura de um sólido, um líquido ou um gás; ou seja, o armazenamento de energia é limitado em primeira instância pelo calor específico do material (Haydamus, 2012). É muito comum que a variação térmica venha a causar instabilidade do meio armazenado e, em geral, isso implica superdimensionamento do reservatório. Com mudança de fase Sistemas com mudança de fase são muito referidos por PCM (do inglês phase-change materials). A energia térmica é armazenada na energia de mudança de fase de um material de sólido para líquido, líquido para gás e vice-versa; portanto, o armazenamento de energia é limitado pela entalpia da mudança de fase que, em geral, é muito maior que o calor sensível (Haydamus, 2012). Uma vantagem desses materiais é a possibilidade de estabelecer uma temperatura de descarga, ou seja, fixar uma temperatura para o sistema. Dentre os PCM, uma categoria de materiais que vem sendo muito utilizada é a dos sais fundidos. Aliados à alta entalpia de fusão, os sais fundidos costumam ter elevada temperatura de fusão em comparação com outros PCM, podendo assim ser utilizados em processos que exijam tais condições de alta temperatura (Hasnain, 1998). Armazenamento eletroquímico Deste ponto em diante apresentamos as tecnologias que convertem a energia elétrica em energia química para armazenamento. As baterias estão presentes há mais de dois séculos, inicialmente na forma de pilhas eletroquímicas. Desde então, foram testadas várias reações entre diversos materiais na busca por eficiência e por características desejáveis a aplicações específicas. Essas baterias subdividem-se primeiramente em primárias e secundárias. Nas primárias, a reação química não é reversível, ou seja, esse tipo de bateria não pode ser recarregado e, por isso, não é levado em consideração para o armazenamento de energia de outras fontes. As baterias secundárias, sobre as quais falaremos a seguir, permitem a recarga com energia externa. 6.3.1 a) b) Mais recentemente, outro tipo de bateria tem merecido a atenção de pesquisadores e investidores: a bateria de fluxo redox ou simplesmente bateria de fluxo. Apesar de ainda não pertencerem ao nosso cotidiano, estão em desenvolvimento contínuo e têm sido apontadas como promissoras em diversas aplicações. Baterias secundárias Esse grupo compreende diversas tecnologias, sendo as mais importantes a bateria de chumbo-ácido (PbA), a de níquelcádmio (NiCd), a de níquel-hidreto metálico (Ni-MH), a de íon lítio (Li-íon), a de metal-ar e a de sódio- enxofre. Bateria chumbo-ácido (Pba) Hoje presente em quase todos os automóveis, é o tipo mais antigo de bateria secundária. O cátodo é composto de óxido de chumbo (PbO2), o ânodo de chumbo (Pb) imersos em um eletrólito líquido de ácido sulfúrico (H2SO4). Apesar de pequenos melhoramentos construtivos que diferenciam produtos de diferentes fabricantes, considera- se essa tecnologia, cuja maturidade consiste em sua maior vantagem, como completamente desenvolvida (Technology Readiness Level, TRL = 9). Por outro lado, as desvantagens apenas limitam uma aplicabilidade ainda maior: baixa densidade de energia e perda de capacidade quando descarregadas profundamente ou com alta potência. A preocupação ambiental com o chumbo parece ter sido resolvida com uma maior conscientização e programas de reciclagem. Baterias de níquel-cádmio (NiCd) e níquel-hidreto metálico (NiMH) Inventada em 1899, a bateria de níquel-cádmio foi o segundo tipo de bateria recarregável a ser desenvolvida comercialmente. As características de densidade de energia, densidade de potência, tolerância a baixas temperaturas de vida útil em relação às de chumbo ácido foram aprimoradas, mas apresentam um efeito memória característico que restringe recargas parciais. A toxicidade do cádmio e o indesejável efeito memória limitaram as aplicações desse tipo de bateria, apresentando restrições desde 1988 nos Estados Unidos e sendo inclusive proibidas para o consumidor em 2006 na comunidade europeia. Com o desenvolvimento das baterias de níquel-hidreto metálico (NiMH) nos anos noventa, essas logo se difundiram como substitutas das de cádmio, o que foi motivado primordialmente pelas pressões regulatórias ambientais. Tais regulações baniram o uso do cádmio em veículos elétricos e híbridos em vários países. Como resultado, os projetistas adaptaram rapidamente seus veículos para o uso de NiMH, tecnologia que prevalece hoje. A Tabela 6.1 resume informações para células e módulos baseados nas tecnologias NiCd e NiMH. Tabela 6.1 Informações sobre baterias NiCd e NiMH Característica da tecnologia Valores típicos NiCd ventilada NiCd selada NiMH selada Tensão nominal de uma célula (V) 1,2 1,2 1,2 Capacidade de uma célula (Ah) 2 – 1300 0,05 – 25 0,05 – 110 Potência de descarga (MW) 1 – 50 0,01 – 1 0,001 – 1 Capacidade de armazenamento (kWh) 150 – 4000 1 – 150 0,1 – 15 Tempo de descarga (ordem de grandeza) De minutos a horas Minutos Minutos Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Inferior a 1 s Inferior a 1 s c) Taxa de autodescarga 0,67 %/dia 0,67 %/dia 1 %/dia Densidade de energia em volume (Wh/L) 15 – 80 80 – 110 80 – 200 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 15 – 40 30 – 45 40 – 80 Densidade de potência (W/L) 75 – 700 N/D 500 – 3000 E�ciência energética (%) 60 – 80 60 – 70 65 – 75 Vida útil (anos) 5 – 20 5 – 10 5 – 10 (ciclos) 1500 – 3000 500 – 800 600 – 1200 Nível de maturidade Comercial (TRL 9) Comercial (TRL 9) Comercial (TRL 9) Custo de investimento em potência (€/kW) 140 – 1200 140 – 1200 1000 – 3000 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 300 – 1900 300 – 1900 400 – 2000 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011; IEA, 2011.) Baterias de íons de lítio (Li-íon) As baterias de íons de lítio chegaram ao mercado uma década mais tarde, e rapidamente tomaram o posto da tecnologia níquel-hidreto metálico para aplicações portáteis e móveis. A principal razão reside na capacidade de armazenamento: o níquel tem uma densidade de energia menor que a do lítio, o que resulta em uma bateria de lítio menor e mais leve que outra de níquel, para uma mesma capacidade. Além de representarem um avanço em densidade energética, também apresentam maior tensão por célula, 3,7 volts, possibilitando diversos projetos eletrônicos com apenas uma célula. Nas tecnologias anteriores, NiCd e NiMH, era necessária a associação de células em série para atender a várias aplicações portáteis, como os telefones sem fio ou celulares. Na Tabela 6.2 encontram-se informações sobre as células baseadas na tecnologia Li-íon. Essa tecnologia, apesar de muito presente no nosso cotidiano, ainda se encontra em desenvolvimento, principalmente por questões de segurança no seu uso. Os óxidos metálicos, como o que se apresenta no cátodo da bateria, são instáveis a altas temperaturas, podendo chegar a uma situação de realimentação de calor, com aumento da temperatura a ponto de disparar e atingir a combustão. Esse é um dos motivos por que essa tecnologia ainda não é utilizada em automóveis, pois seria exposta a temperaturas perigosas. Por causa disso, os módulos multicelulares contam com sistemas de monitoramento de temperatura e sobrecarga, sendo geralmente acondicionados em invólucros antichama. Tabela 6.2 Informações sobre baterias Li-íon Característica da tecnologia Valores típicos Tensãonominal de uma célula (V) 3,7 Capacidade de uma célula (Ah) 0,05 – 100 Potência de descarga (kW) 2 – 20.000 Capacidade de armazenamento (kWh) 1 – 100.000 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Alguns minutos a mais de 1 hora Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Taxa de autodescarga 0,33 %/dia Densidade de energia em volume (Wh/L) 200 – 400 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 60 – 200 Densidade de potência (W/L) 1300 – 10.000 E�ciência energética (%) 85 – 98 Vida útil (anos) 5 – 15 (ciclos) 500 – 10.000 Nível de maturidade Comercial (TRL 7-9) Custo de investimento em potência (€/kW) 1000 – 3000 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 300 – 1200 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011; ENEA, 2012.) d) Baterias metal-ar (M-Air) Essa variedade de baterias compreende algumas tecnologias em desenvolvimento e outras em estágio mais maduro. A célula é composta de um ânodo de metal puro e o cátodo exposto ao oxigênio do ar para que ocorra a reação eletroquímica. Na teoria, a célula lítio-ar é a que apresenta a maior densidade energética, 11,14 kWh/kg, comparável em termos de energia a combustíveis líquidos, como a gasolina, cuja densidade energética é de aproximadamente 12 kWh/kg. Entretanto, essa promissora variante ainda está em desenvolvimento. Já a variante baseada em zinco-ar está disponível comercialmente e tem potencial teórico de densidade energética de 1,35 kWh/kg. Na prática, podem ser encontrados módulos pequenos, como baterias primárias para aparelhos de surdez e eletrônicos com densidades de 0,47 kWh. Os desenvolvimentos visam a levar os tipos secundários (recarregáveis) ao mercado, além de prover capacidades maiores. Outros dados sobre a tecnologia zinco-ar são mostrados na Tabela 6.3. Tabela 6.3 Informações sobre baterias zinco-ar Característica da tecnologia Valores típicos Tensão nominal de uma célula (V) 1,0 Capacidade de uma célula (Ah) 1 – 100 Potência de descarga (kW) 1 – 1000 Capacidade de armazenamento (kWh) 1 – 6000 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Alguns minutos a mais de 1 hora Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Densidade de energia em volume (Wh/L) 130 – 200 e) Densidade de energia em massa (Wh/kg) 130 – 200 Densidade de potência (W/L) 50 – 100 E�ciência energética (%) 50 – 70 Vida útil (anos) > 30 (ciclos) > 5000 Nível de maturidade P&D (TRL 3-5) Custo de investimento em potência (€/kW) 1000 – 1700 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 100 – 300 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011.) Baterias de sódio-enxofre (NaS) Esse tipo de bateria utiliza sais fundidos como ânodo e catodo e é uma bateria de alta temperatura, pois opera na faixa de 300 a 350 ºC. O cátodo é composto de enxofre fundido e ânodo de sódio fundido, que estão separados pelo eletrólito sólido de beta-alumina, como se observa na Figura 6.7. Figura 6.7 Composição da célula NaS. Para manter o sódio e o enxofre líquidos, esse tipo de célula opera a 350 °C. A necessidade de manter essa temperatura é considerada a maior dificuldade imposta por essa tecnologia. Mas como os materiais empregados são de baixo custo, indica-se sua aplicação para grandes empreendimentos de regulação da rede elétrica. As vantagens dessa tecnologia são a capacidade de armazenamento, significativamente maior que de outras baterias, possibilidade de descargas profundas, alta eficiência energética, elevada densidade de energia e longa vida útil. Mais informações sobre essa tecnologia encontram-se na Tabela 6.4. Tabela 6.4 Informações sobre baterias NaS Característica da tecnologia Valores típicos Tensão nominal de uma célula (V) 2,1 Capacidade de uma célula (Ah) 4 – 30 Potência de descarga (MW) 0,05 – 20 Capacidade de armazenamento (MWh) 0,3 – 1000 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Horas Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Densidade de energia em volume (Wh/L) 150 – 300 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 100 – 250 Densidade de potência (W/L) 120 – 160 E�ciência energética (%) 70 – 85 Vida útil (anos) 10 – 15 (ciclos) 2500 – 4500 Nível de maturidade Comercial (TRL 7-9) Custo de investimento em potência (€/kW) 500 – 1500 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 150 – 500 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011.) O desenvolvimento dessa tecnologia se deu principalmente no Japão, onde são utilizadas em instalações de armazenamento de grande capacidade e potência, como na usina eólica Rokkasho-Futamata (51 MW) que recebeu um conjunto de baterias de 34 MW para equalização da intermitência. f) Baterias de fluxo redução-oxidação (redox) As baterias de fluxo foram concebidas no século XIX e logo abandonadas, despertando interesse novamente na década de 1970. Nelas, a energia é armazenada em uma ou mais espécies eletroquímicas dissolvidas em um fluido eletrolítico. O fluido que permeia o polo positivo é chamado anólito, e o que permeia o polo negativo, católito. Anólito e católito ficam em tanques separados e são bombeados para uma célula eletroquímica que faz a conversão da energia elétrica em química (carga) ou química em elétrica (descarga). A célula eletroquímica é composta dos eletrodos porosos, dos terminais da bateria, e de uma membrana permeável a prótons que separa os eletrodos. A potência de carga/descarga é determinada pelo dimensionamento da célula eletroquímica, ao passo que a capacidade de armazenamento é determinada pelos reservatórios de fluido eletrolítico. O diagrama do fluxo eletrolítico está representado na Figura 6.8. Figura 6.8 Diagrama de fluxo eletrolítico de uma bateria de fluxo redox. Apesar de requerer uma série de controles ativos e relativos às bombas, o que não representa um problema para a tecnologia de hoje, esse tipo de bateria tem um forte apelo para as aplicações em veículos já que, além da possibilidade de recarga pelos terminais, há a opção de se trocar o fluido sem energia por outro carregado. O fluido sem carga seria recarregado pelo posto de reabastecimento conforme a disponibilidade de energia local e em horário mais propício. Essa operação seria muito similar ao reabastecimento de um veículo com combustível líquido. Existem veículos em pré-produção com essas características, porém ainda não existe uma rede de postos para a opção de reabastecimento pela troca do fluido. O detalhamento dessa tecnologia está contido na Tabela 6.5. Tabela 6.5 Informações sobre baterias de fluxo redox Característica da tecnologia Valores típicos Tensão nominal de uma célula (V) 1,6 Capacidade de uma célula (Ah) N/D Potência de descarga (MW) 0,01 – 10 Capacidade de armazenamento (MWh) 0,1 – 1000 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Horas Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Densidade de energia em volume (Wh/L) 20 – 70 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 15 – 50 6.3.2 a) Densidade de potência (W/L) 0,5 – 2 E�ciência energética (%) 60 – 75 Vida útil (anos) 5 – 20 (ciclos) > 10.000 Nível de maturidade Comercial (TRL 7-9) Custo de investimento em potência (€/kW) 500 – 2300 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 100 – 400 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011.) Supercapacitores e supercondutores eletromagnéticos Essas duas tecnologias acumulam energia elétrica diretamente e, por isso, são bastante indicadas para sistemas elétricos os quais podem oferecer capacidade de armazenamento sem requerer nenhuma transformação da forma de energia e as inerentes perdas do processo. Os supercapacitores armazenam a energia elétrica como cargas elétricas (eletrostática), e os supercondutores eletromagnéticos como um campo magnético. Supercapacitores Atendendo por nomes superlativos (supercapacitor, megacapacitor, ultracapacitor, supercondensador etc.), mas com um princípio de operação bastante similar a um capacitor comum, os supercapacitores podem, à primeira vista, ser considerados uma evolução dos capacitores. Contudo, a maior parte das aplicações não justificaria o seu emprego devido ao alto custo de produção desses dispositivos realmente especiais. Os compostos empregadosexigem graus maiores de pureza, como os eletrodos de carbono construídos a partir da deposição de finas camadas sucessivas de carbono poroso que serão preenchidas com eletrólito. As formas de disposição do carbono mais encontradas nesses dispositivos são os nanotubos de carbono, o grafeno ou o aerogel de carbono, todos materiais bastante porosos. Essa construção confere uma grande área de contato entre o material e o eletrólito (já ultrapassando 1000 m2/g), permitindo uma grande movimentação de cargas em tempos reduzidos. Essa característica se traduz em alta taxa de resposta, alta densidade de potência e reduzidos tempos de carga e descarga. Quanto à vida útil, apresentam ótima capacidade de ciclagem, mesmo com potências elevadas. Comparando-as com as baterias de lítio, a densidade de energia dessa tecnologia ainda é menor, embora sua densidade de potência já seja superior. No quesito de ciclagem também é muito superior e essa é a característica que torna os supercapacitores indicados para sistemas de frenagem regenerativa em automóveis, elevadores etc., bem como na redução de variações bruscas de tensão, como as encontradas em várias fontes de energia renovável. A Figura 6.9 compara a construção de um capacitor comum com um supercapacitor. Na Tabela 6.6 apresentamos informações para comparação com outras tecnologias. Figura 6.9 Esquemas das estruturas de um capacitor convencional e um capacitor de dupla camada (ou supercapacitor). A camada de eletrólito é fina, da ordem de alguns nanômetros. Tabela 6.6 Informações sobre supercapacitores Característica da tecnologia Valores típicos Tensão nominal de uma célula (V) 2,5 Capacidade de uma célula (F) 0,1 – 1500 Potência de descarga (MW) 0,01 – 5 Capacidade de armazenamento (kWh) 1 – 5 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Segundos Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Densidade de energia em volume (Wh/L) 10 – 20 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 1 – 15 Densidade de potência (W/L) 40.000 – 120.000 E�ciência energética (%) 60 – 75 Vida útil (anos) 4 – 12 (ciclos) 10.000 – 100.000 Nível de maturidade Comercial (TRL 7-9) Custo de investimento em potência (€/kW) 100 – 500 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) 10.000 – 20.000 Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011.) b) Supercondutores eletromagnéticos (SMES) Os supercondutores magnéticos armazenam a energia elétrica em um campo magnético formado pela passagem de uma corrente elétrica continua (CC) em uma bobina supercondutora. Devido às características da supercondução, não haveria resistência ôhmica à passagem da corrente elétrica e, depois de formado o campo magnético, a bobina supercondutora pode armazenar a energia indefinidamente, sem perdas. Em sistemas de corrente alternada (CA), seria necessário um retificador para carregar o sistema e um inversor para descarregá-lo, porém, mesmo considerando as perdas nesses dois dispositivos, os supercondutores magnéticos apresentam um rendimento superior a 95 % (Cheung, 2009). A geometria da construção da bobina pode ser a de um solenoide ou a de um toroide, sendo que a escolha dependerá basicamente da capacidade de energia do conjunto. Os modelos em forma toroidal são mais indicados para maiores capacidades devido à superioridade das características mecânicas que a geometria confere aos enrolamentos. Tal resistência mecânica é necessária devido às forças de Lorentz, que atuam em condutores imersos em um campo magnético. Enquanto essas forças não são um grande problema para os condutores usuais, de cobre, para os supercondutores representam um desafio tecnológico, pois são compostos de material cerâmico pouco resistente à tração. Esses condutores representam a maior parte do custo inicial do sistema, seguidos da estrutura mecânica e do sistema de resfriamento. Como os supercondutores ainda necessitam de temperaturas criogênicas para manter sua supercondutividade, o sistema de resfriamento e a isolação térmica devem manter a bobina em temperaturas da ordem de 4 K ~ 70 K, dependendo da temperatura crítica de supercondutividade do material dos condutores. Novos materiais que apresentem supercondutividade a temperaturas maiores são objeto de constantes pesquisas. O custo dessa tecnologia ainda é muito elevado para as grandes capacidades de armazenamento desejáveis em sistemas elétricos; entretanto, como a energia é disponibilizada quase instantaneamente e com altas potências de descarga, sistemas de 1 MWh têm sido utilizados para finalidades de controle de qualidade de energia e estabilidade de redes elétricas. Um resumo de informações sobre essa tecnologia é dado na Tabela 6.7. Tabela 6.7 Informações sobre supercondutores magnéticos Característica da tecnologia Valores típicos Micro-SMES SMES Potência de descarga (MW) 1 – 3 25 – 100 Capacidade de armazenamento (kWh) 0,8 – 1,6 28 – 112 Tempo de descarga (ordem de grandeza) Segundos Tempo de reação (ordem de grandeza) Inferior a 1 s Densidade de energia em volume (Wh/L) ~ 6 Densidade de potência (W/L) ~ 2600 E�ciência energética (%) 90 – 95 Vida útil 20 – 30 anos Nível de maturidade Comercial (TRL 8-9) P&D (TRL 5-7) Custo de investimento em potência (€/kW) 200 – 300 N/D 6.3.3 Custo de investimento em armazenamento (€/kWh) > 700.000 N/D Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011; IEA, 2009.) Armazenamento de hidrogênio O uso de energia em reações químicas que geram elementos ou compostos químicos estocáveis, e o posterior uso desses produtos na geração de outras formas de energia é classificado como armazenamento químico ou termoquímico de energia. As formas convencionais de produção de hidrogênio, como a eletrólise, são abordadas detalhadamente no Capítulo 14. Formas não convencionais e promissoras de produção de gás hidrogênio também podem ocorrer por meio de ciclos metalúrgicos termoquímicos, como descrito na Seção 14.6 daquele capítulo, com o uso de energia solar concentrada, ou mesmo com o emprego de energia nuclear. O gás hidrogênio produzido pode ser usado de imediato ou ser estocado para uso posterior. Portanto, o uso do elemento ou composto químico equivale à parte de descarga do sistema de armazenamento. Nesse, os gases seriam utilizados em algum uso final ou intermediário de geração de energia elétrica ou térmica. O gás hidrogênio, do ponto de vista do armazenamento, é um portador excelente, apresentando a maior densidade de energia por unidade de volume. No entanto, sua extrema inflamabilidade e baixa densidade tornam o transporte e a estocagem do hidrogênio caros e perigosos, o que impõe barreiras ao seu uso. A liquefação do gás hidrogênio só ocorre em temperaturas criogênicas extremamente baixas, inferiores a –240 ºC (temperatura crítica). Dessa forma, o hidrogênio na temperatura ambiente estará sempre na fase gasosa, o que exige elevadas pressões de armazenamento. As alternativas seriam a utilização de hidretos, compostos, mais estáveis, que liberam o hidrogênio lentamente, ou a utilização desse hidrogênio em uma reação de Sabatier (Paul Sabatier, químico francês), na qual o dióxido de carbono (CO2) reage com o hidrogênio e resulta em metano (CH4) e água. Atualmente, a indústria prefere a reforma de gás natural para produção de grandes volumes, ao passo que a eletrólise é empregada apenas quando se necessita de hidrogênio de alta pureza para processos específicos. Entretanto, fica claro que essas avaliações de viabilidade dependem do custo da energia elétrica local. Com relação ao custo, as fontes renováveis poderiam representar um diferencial. Na Figura 6.10 é apresentado um fluxo energético em que energia elétrica de diversas fontes, hidrogênio puro e metano (gerado a partir do hidrogênio) são utilizados em rotas diferentes, funcionando como um sistema de armazenamento intermediário. A Tabela 6.8 apresenta informações técnicas do que pode ser obtido com as tecnologias atuais. 6.4 • Figura 6.10 Fluxo de energia com armazenamento na forma de H2 e SGN (IEC, 2011). Tabela 6.8 Estimativas para aplicações de armazenamento dehidrogênio e metano Característica da tecnologia Valores estimados Armazenamento via hidrogênio Armazenamento via metano Potência de descarga (MW) 0,5 – 800 1 – 1000 Capacidade de armazenamento Pequena escala (MWh) 3 – 10 10 – 100 Grande escala (GWh) Até 100 Até 1000 E�ciência energética (%) 34 – 44 30 – 38 Densidade de energia em massa (Wh/kg) 33.330 10.000 Densidade de energia em volume (Wh/L) 600 18001 Vida útil 10 – 30 anos 1 Armazenamento de hidrogênio e metano no estado gasoso pressurizado a 200 bar. Fonte: (EPRI, 2015; IEC, 2011.) Como analisar o armazenamento de energia Como sugerido anteriormente, a grande variedade de tecnologias envolvidas e de possíveis rotas de armazenamento de energia torna necessário o estabelecimento de uma metodologia para que se possa analisar um sistema de armazenamento, em parte ou no todo, e possibilitar a comparação com outros sistemas, outras tecnologias ou ainda com o próprio sistema à medida que esse evolui. A seguir são apresentados critérios de mensuração, grandezas envolvidas e características pertinentes a esses sistemas. Capacidade de armazenamento • • • • • • • • • • Refere-se à quantidade máxima de energia que pode estar contida em um sistema em determinado instante. Usualmente, é expressa em watts-hora (Wh) pelo Sistema Internacional de Unidades (SI). Essa capacidade, em geral, sofre uma degradação com o passar do tempo, com os ciclos de carga/descarga ou ainda devido a condições de operação (temperatura, profundidade de descarga etc.). Essa informação é expressa em percentual da capacidade original por unidade de tempo ou por ciclagem, ou ainda graficamente, em curvas. Potência de carga e de descarga Refere-se à taxa máxima com que a energia pode entrar ou sair do sistema, respectivamente, incluindo-se as taxas de transformação de forma de energia, se houver. É expressa em watts (W). Em geral, os sistemas são classificados pela potência de descarga, para compatibilização com as características da carga a que estarão ligados. A maior parte dos sistemas apresenta potência de descarga maior que de carga. Tempo de (re)carga e de descarga Exprime o tempo decorrido para que toda a capacidade de armazenamento seja carregada ou descarregada na taxa da potência de carga ou descarga, respectivamente. O tempo de descarga é mais frequentemente comparado por demonstrar a autonomia de um sistema, ou seja, em situação de ilhamento. O tempo de carga também pode ser chamado de tempo de recarga, porém deve-se observar se a informação se refere a uma carga completa ou apenas a uma recarga parcial (profundidade de descarga). Taxa de autodescarga Representa as perdas de energia armazenada. Dependendo da tecnologia empregada, perdas podem ocorrer por correntes elétricas de fuga, trocas de calor, reações químicas, atritos, vazamentos etc. São expressas em watt-hora (Wh) por unidade de tempo ou ainda em percentual da capacidade de armazenamento por unidade de tempo, que é mais útil para comparações de tecnologias (por exemplo, baterias de chumbo-ácido ≈ 0,1–0,3 %/dia; volantes de inércia ≈ 20–100 %/dia). Tempo de resposta Esse parâmetro exprime o tempo de reação da saída do sistema a partir de uma condição estacionária, sem carga nem descarga, até o fornecimento da potência nominal de operação. Taxa de resposta (ramp rate) Máxima taxa com a qual o sistema pode variar as potências de carga ou descarga durante a operação. Um sistema que suporte amplas variações de carga, por exemplo, é indicado para fontes solares ou eólicas. Parâmetro expresso em watts por segundo (W/s). Energia específica ou densidade de energia Relação entre a capacidade de armazenamento e o volume ocupado ou o peso do sistema. Tem importância em projetos com restrições de peso (por exemplo, no topo de edifícios) ou volume (por exemplo, em veículos). É expressa como a energia armazenada por unidade de massa (Wh/kg) ou por unidade de volume (Wh/m3). Potência específica ou densidade de potência Relação entre a potência de descarga com o volume ocupado ou o peso do sistema. É expressa como potência de descarga por unidade de massa (W/kg) ou por unidade de volume (W/m3). Densidade de área (footprint) Exprime a área ocupada pelo sistema de armazenamento em relação à capacidade de armazenamento. É expressa em unidade de área por energia armazenada (m2/Wh). Item importante em áreas muito urbanizadas ou valorizadas. Eficiência energética Relação entre a energia empregada na carga e a energia fornecida em descarga nominal pelo sistema para cada ciclo. Vida útil ou durabilidade Exprime o número de ciclos que o sistema pode realizar em condições nominais. • • Há variações no modo pelo qual essa informação é fornecida, dependendo da tecnologia, podendo ser em número de ciclos (um ciclo corresponde a uma carga e a uma descarga, considerando-se a profundidade de descarga nominal), em tempo de operação, ou ainda em energia fornecida cumulativamente em descarga. Profundidade de descarga Em algumas tecnologias, a retirada de toda a energia disponível é prejudicial ao sistema, impactando negativamente a sua durabilidade, caso clássico das baterias de chumbo-ácido. Nesses casos, o projetista estabelece um nível máximo de descarga considerando determinada vida útil nominal, em geral fornecendo outras curvas de compromisso entre descargas mais ou menos profundas e a respectiva vida útil cogitada para o conjunto em cada situação. Em algumas tecnologias pode-se praticamente exaurir o armazenamento, se a aplicação tiver flexibilidade para tolerar uma diminuição dos níveis de potência de descarga ao final do ciclo. Na Figura 6.12 podem-se observar alguns exemplos do efeito da profundidade das descargas na vida útil de baterias de chumbo-ácido e também o melhor desempenho das baterias estacionárias, mais avançadas, em relação às automotivas. Nível de maturidade da tecnologia Por vezes, uma tecnologia promissora para certa aplicação ainda não se encontra em fase comercial ou tem apenas um fornecedor, o que impõe riscos aos investidores. Figura 6.11 Exemplos da influência da profundidade das descargas na vida útil de baterias. Elaborado a partir de dados técnicos de fabricantes. Para saber determinar o nível de maturidade das tecnologias, foi estabelecida uma escala crescente de 10 estágios, desde as bases científicas (princípios) até o estágio em que a tecnologia se torna um produto disponível comercialmente. Tal escala é chamada de Technology Readiness Level (TRL) e tem sido aceita pela comunidade científica e governos. No entanto, é mais comum o emprego de uma escala simplificada de apenas três grandes níveis quando se pretende comparar tecnologias de armazenamento: o primeiro, até o estágio de prova de conceito; o segundo, até o projeto piloto (escala 1:1); o terceiro, de comercialização. • • 6.4.1 Existe também a escala Manufacturing Readiness Level (MRL), que pretende determinar a inserção das tecnologias no mercado (viabilidade de produção industrial) possibilitando a investidores identificar os riscos envolvidos. Flexibilidade de implantação Esse critério avalia a existência de restrições geográficas (relevo ou subsolo característicos necessários) e técnicas (essencialmente questões de conexão à rede elétrica), e de que forma essas restrições afetam a implantação da tecnologia. Impactos ambientais Neste tópico sumarizam-se os impactos ambientais durante a instalação, operação e eventual desinstalação e descarte, incluindo-se as possibilidades de reciclagem de partes e produtos em todas essas fases. Classi�cações das aplicações de armazenamento Os sistemas de armazenamento podem ser conectados a: redes de transmissão e distribuição (T&D), intermunicipais ou maiores, ou a sistemas isolados. Por sistema isolado entende-se uma rede de distribuição de pequenas proporções e isolada de outras redes maiores, como pequenas comunidades atendidas por geração própria ou edifícios que gerem a energia que consomem e operem sem necessitar da energia da rede na maior partedo tempo. Também é comum classificar o armazenamento por sua portabilidade e mobilidade. A maioria das aplicações é conectada a determinado ponto no sistema de T&D, porém existem aplicações temporárias, para demanda eventual, ou aplicações móveis como as do setor automotivo. Porém, o mais usual é classificar as aplicações pela quantidade de energia armazenada e pelo tempo de descarga. Esses dois parâmetros servem para balizar a escolha, entre as tecnologias disponíveis, do sistema mais adequado à determinada aplicação. Da mesma forma, os diagramas que representam em um mesmo gráfico as diversas tecnologias, posicionando-as conforme suas capacidades, custos etc. são bastante úteis na avaliação inicial de soluções de armazenamento. A seguir apresentamos algumas dessas ferramentas. Como os dois parâmetros técnicos mais relevantes para a definição da tecnologia a ser utilizada são a capacidade de armazenamento e a potência de descarga, o gráfico da Figura 6.12, a seguir, é o mais utilizado para o projeto conceitual. Porém, ressaltamos que essas características podem mudar com o passar do tempo, em especial para tecnologias de ponta. Dependendo da perspectiva desejada e dos dados disponíveis para avaliação, outros tipos de gráficos podem ser encontrados, como o de capacidade pelo tempo de descarga, mostrado a seguir, com a indicação de aplicação mais usual: Figura 6.12 Diagrama conceitual de posicionamento das tecnologias de armazenamento em relação à energia e potência de descarga. Figura 6.13 Diagrama conceitual de tempo de descarga versus capacidade e indicação de aplicação para tecnologias de armazenamento. Bibliogra�a ANDRADE, L. S. Armazenamento de Energia em Ar Comprimido. Monografia de Conclusão do Curso de Energias Renováveis, Geração Distribuída e Eficiência Energética do PECE – Escola Politécnica da USP, 2014. AUTOMOTIVE ENERGY SUPPLY CORPORATION. Mechanism Behind Rechargeable Lithium-ion Batteries. Disponível em: <http://www.eco-aesc-lb.com/en/about_liion/>. Acessado em: maio 2015. CHEUNG, K.Y.C.; CHEUNG, S.T.H.; NAVIN DE SILVA, R.G.; JUVENON, M.P.T.; SINGH, R.; WOO, J.J. Large-Scale Energy Storage Systems. Reino Unido: Imperial College London, ISE2, 2002/2003. CONNOLLY, D. A Review of Energy Storage Technologies – For the integration of fluctuating renewable energy. Irlanda: University of Limerick, 2010. ENEA CONSULTING. Le stockage d’énergie – Enjeux, solutions techniques et opportunités de valorisation. França, 2012. EPRI-DOE. Handbook of Energy Storage for Transmission & Distribution Applications. ECKROAD, S. for Electrical Power Research Institute (EPRI), EUA, 2015. GALLO, A. B. 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