Prévia do material em texto
85 absurda natureza. E quando, há uns poucos anos, em uma das mais eruditas cidades 253 da Europa, todo praticante, desde o médico doutorado até o aprendiz de barbeiro, prescreviam arsênico como um remédio da moda em quase toda enfermidade, e que em tais doses grandes e freqüentes, uma após a outra, o detrimento da saúde das pessoas deve ter sido totalmente palpável; contudo, isto era sustentado pela prática honorável, embora nenhum deles estivesse familiarizado com os efeitos peculiares desse óxido metálico (e conseqüentemente não conheciam em quais casos de doenças ele era indicado). E ainda, todos prescreviam-no em doses repetidas, uma única da qual, suficientemente atenuada e potencializada, teria bastado para curar todas as doenças em todo o mundo habitável para as quais essa droga é o remédio indicado. Qual dessas duas formas opostas de empregar medicamentos melhor merece a apelação lisonjeira de “sistema de envenenamento” -- o método usual acima referido, o qual ataca com dezenas de grãos os pobres pacientes (quem amiúde pede algum remédio completamente diferente), ou a homeopatia, a qual não dá mesmo uma gotinha da tintura de ruibarbo, sem ter primeiro determinado se ruibarbo é o mais adequado, o único remédio apropriado para o caso -- a homeopatia, a qual, por múltiplos experimentos infatigáveis, descobriu que é somente em ocorrências raras que mais do que um decilionésimo de um grão de arsênico deveria ser dado, e que apenas em casos onde a experimentação cuidadosa mostra ser este medicamento o único perfeitamente indicado ? Para qual dessas duas maneiras de prática, o honorável título “sistema negligente, imprudente, de envenenamento”, melhor se aplica ? * * * Há ainda uma outra facção de praticantes os quais podem ser chamados de puristas hipócritas. Se eles são médicos práticos, sem dúvida, prescrevem toda sorte de substâncias que são prejudiciais quando empregadas de modo errado, mas diante do mundo eles desejam posar como exemplos de inocência e cautela. De suas cadeiras professorais e em seus escritos eles dão a definição mais alarmante de envenenamento, de forma que ouvir-lhes as declarações pareceria desaconselhável tratar qualquer doença imaginária com algo mais forte que gramínea, dente-de-leão, oximel 254 e suco de framboesa. De acordo com suas justificativas, envenenamentos são absolutamente (i.e. (id est: isto é), sob todas as circunstâncias, em todas as doses, em todos os casos) danosos à vida humana, e nesta categoria eles incluem, de acordo com suas vontades, uma porção de substâncias que em todas as épocas têm sido extensivamente empregadas pelos médicos para a cura de doenças. Mas a utilização dessas substâncias seria uma ofensa criminosa não tivessem cada uma delas ocasionalmente mostrado utilidade. Se, entretanto, cada uma delas tivesse sido somente de serventia numa única ocasião -- e não pode ser negado que isto algumas vezes aconteceu -- então esta definição, ao mesmo tempo sendo blasfematória, é uma absurdidade palpável. Serem absolutamente e sob todas as circunstâncias, injuriantes e destrutivas, e ao mesmo tempo benéficas, é uma contradição por si mesma evidente, totalmente sem sentido. Eles buscam esquivar-se dessa afirmação contraditória alegando que essas substâncias têm-se mostrado mais freqüentemente prejudiciais do que benéficas. Mas, deixe-me perguntar, o dano tão repetidamente causado por essas coisas veio por si mesmo, ou não surgiu a partir do emprego incorreto delas ? Em outras palavras, ele não foi causado por aqueles médicos que fizeram um uso inábil delas em doenças para as quais eram impróprias ? Esses medicamentos não se administram por si mesmos nas doenças; eles devem ser ministrados por alguém, e se já foram benéficos, isto foi porque aconteceu de serem dados apropriadamente por alguém; foi porque eles devem ser sempre benéficos se ninguém alguma vez aproveitá-los de outra maneira que não adequadamente. Por conseqüência, segue-se que quando quer que essas substâncias foram dolorosas e destrutivas, elas foram tão somente à custa de terem sido inconvenientemente utilizadas. Logo, todas as injúrias que eles ocasionaram é atribuída à inexperiência de seus empregadores. 253 A que grau de degradação como uma arte não deve a medicina ter submergido nesta região do globo, quando um tal estado de coisas pôde existir numa cidade como Berlim, a qual, entretanto, em todos os outros departamentos do conhecimento humano, tem raramente uma igual ! -- Hahnemann. 254 N. T. Bras.: Bebida que é uma mistura de vinagre, água e mel. 86 Esses indivíduos com mentes tacanhas alegam ainda, “que mesmo quando nós tentamos suavizar o arsênico por meio de um corretivo, e.g. (exempli gratia: por exemplo), misturando-o com um álcali, ele, amiúde, ainda prejudica o suficiente.” Não, eu respondo, o arsênico não deve ser responsabilizado por isso; pois, como observei antes, as drogas não se administram sozinhas, alguém as ministra e provoca prejuízos com elas. E como o álcali age como um corretivo ? Ele simplesmente torna o arsênico mais fraco, ou ele altera sua natureza e transforma-o em algo mais ? No último caso o sal arsenífero neutro produzido não é de longe o mesmo arsênico, mas alguma coisa diferente. Se, contudo, ele for unicamente enfraquecido, então uma simples diminuição da dose da solução pura de arsênico seria uma forma muito mais sensível e eficaz de torná-lo mais fraco e mais suave do que deixando a dose em sua magnitude deletéria, e pela adição de uma outra substância medicinal esforçando-se para efetuar alguma alteração, mas ninguém sabe qual, em sua natureza, como sói ocorrer quando um pretenso corretivo é usado. Se vocês pensam que uma décima parte de um grão de arsênico é muito forte como uma dose, o que os impede de diluírem a solução e darem menos, uma quantidade muito menor dela? “Uma décima parte de um grão”, eu ouço alguém dizer, “é a menor quantidade que a etiqueta da profissão nos permite prescrever. Quem conseguia escrever uma prescrição para ser feita na farmácia para uma quantidade menor sem apresentar-se ridículo ?” Oh, realmente! Uma décima parte de um grão algumas vezes atua tão violentamente quanto a pôr em risco a vida, e a etiqueta de nossa panelinha não lhe permite dar menos -- muito menos. Não é um insulto ao senso comum falar deste modo ? É a etiqueta profissional um código de regras para agrupar escravos insensatos, ou são vocês homens de livre-arbítrio e inteligência ? Se o último, o que é que os impede de darem uma menor quantidade quando uma grande quantidade pode ser nociva ? Teimosia ? O dogmatismo de uma escola ? Ou que outros grilhões intelectuais ? “Arsênico”, eles protestam, “continuaria a ser pernicioso, embora dado em quantidade muito menor, mesmo se nós fôssemos descer à grotesca dose de uma centésima ou milésima parte de um grão, uma miudeza de dose desconhecida dentro das máximas posológicas de nossa matéria médica. Mesmo uma milionésima parte de um grão de arsênico deve ainda ser prejudicial e destrutiva, pois ele sempre se mantém um veneno incontrolável. Assim nós afirmamos, sustentamos, conjecturamos, e defendemos.” O que aconteceria com toda esta afirmação e conjectura complacentes que vocês têm se alguma vez encontrassem por acaso a verdade ? É evidente que a malignidade do arsênico não pode aumentar, mas deve decrescer à medida que a dose é reduzida, de maneira que devemos finalmente chegar a uma tal diluição da solução e diminuição da dose que nem de longe possui o caráter perigoso da dose normal de vocês de uma décima parte de um grão. “Tal dose seria, de fato, uma inovação ! Que tipo de dose seria ?” Inovação é, realmente, um crime capital nos olhos da escola ortodoxa, a qual, estabelecida sobre seu antigo sedimento, submete a razão à tirania da rotina antiquada. Mas por quê deveria uma regra lamentável-- por quê, de fato, deveria alguma coisa -- obstar o médico, quem deve por direitos ser um homem independente, estudioso, pensador, um controlador da natureza em seu próprio domínio, a restituir a suavidade a uma dose perigosa pela diminuição do seu tamanho ? O quê deveria dificultá-lo, se a experiência lhe mostrasse que a milionésima parte de um grão é muito forte como uma dose, em dar a centésima-milésima ou a milionésima parte de um grão ? E caso ele achasse este último ato muito violento em muitos casos, como em medicina tudo depende da observação e experiência (medicina sendo nada senão uma ciência da experiência), o quê deveria impedí-lo de reduzir à milionésima, até à bilionésima ? E se esta prova ser uma dose muito forte em muitas situações, quem conseguia evitá-lo de diminuir até a quadrilionésima parte de um grão, ou menor ainda ? Parece-me ouvir a vulgar insensatez coaxar do charco de seus preconceitos milenares: “Ha! ha! ha! Uma quadrilionésima parte ! Isto não é nada !” Como não ? Pode a subdivisão de uma substância, sendo levada mesmo tão longe, redundar em alguma coisa a mais do que porções do todo ? Não devem estas porções, reduzidas às proximidades do 87 infinito, ainda continuarem a ser algo, alguma coisa substancial, uma parte do todo, sendo mesmo tão diminutas ? Qual Homem em seu raciocínio conseguia negar isto ? E se isso (quadrilionésima, quintilionésima, octilionésima, decilionésima) ainda continua a ser realmente uma parte da substância dividida, como nenhum ser humano em seu juízo pode negar, por quê deveria mesmo uma tal porção diminuta, vendo que ela é na verdade alguma coisa, ser incapaz de atuar, considerando que o todo era tão tremendamente poderoso? Mas o quê e quanto essa pequena quantidade consegue fazer, pode ser determinado por nenhum raciocínio especulativo ou irracional, mas pela experiência apenas, da qual não há qualquer apelação no domínio dos fatos. Cabe à experiência sozinha determinar se essa pequena porção torna-se muito fraca para remover a doença para a qual esse medicamento é, por outro lado, útil, e para restituir o paciente à saúde. Este é um problema a ser solucionado não pela afirmativa dogmática do estudante em sua mesa, mas pela experiência somente, a qual é o único árbitro competente em tais casos. A experiência já decidiu a questão, e é vista assim fazer diariamente por toda pessoa sem preconceito. Mas quando eu não quero mais saber do sabichão, quem, nunca consultando a experiência, ridiculariza a pequena dose da homeopatia como uma ficção, como totalmente impotente, ouço por outro lado, o defensor hipócrita da cautela ainda injuriar contra o perigo das pequenas doses usadas na prática homeopática, sem uma sombra de evidência para sua asserção precipitada. Umas poucas palavras aqui para tais indivíduos. Se o arsênico na dose de um décimo de um grão é, em muitos casos, um medicamento perigoso, não deve ser mais brando na dose de um milésimo de um grão ? E, se assim for, não deve torna-se ainda mais brando com cada diminuição ulterior no tamanho da dose ? Agora, se o arsênico (como qualquer outra substância medicamentosa muito poderosa) pode ser, todavia, ao diminuir meramente o tamanho das doses, suavizado quanto a não ser nem de longe perigoso à vida, então tudo o que nós temos a fazer é simplesmente encontrar através do experimento até quanto o tamanho da dose necessita ser diminuído, de forma que deva ser pequena o suficiente para não causar dano, e contudo, grande o suficiente para realizar sua eficácia completa como um remédio das doenças para as quais ele é útil. A experiência, e ela somente, não o pedantismo do estudo, não o dogmatismo tacanho, ignorante, teórico das escolas, pode decidir que dose de uma substância extremamente poderosa tal como é o arsênico, é tão pequena de modo a ser capaz de ser ingerida sem perigo, e ainda permanecer suficientemente poderosa, para estar apta a executar nas enfermidades tudo o que este medicamento (tão inestimável quando suficientemente moderado em sua ação, e selecionado para quadros adequados de doença) foi, por sua natureza, ordenado a cumprir pelo Bondoso Criador. Ele deve, pela diluição de sua solução e diminuição da dose, ser tão abrandado que, enquanto o homem mais robusto consegue, por uma tal dose, ser libertado de sua doença para a qual ele é o remédio apropriado, esta mesma dose deverá ser incapaz de produzir qualquer alteração perceptível na saúde de uma criança hígida. 255 Este é o grandioso problema que só pode ser resolvido por experimentos e ensaios freqüentemente repetidos, mas não determinados pelo dogmatismo sofisticado das escolas com suas suposições, suas conclusões, e suas conjecturas. Nenhum médico racional pode admitir quaisquer limitações no seu modo de tratamento como a rotina rançosa das escolas -- a qual nunca é guiada pelo experimento puro combinado com reflexão -- lhe ordenaria. Sua esfera de ação é o restabelecimento da saúde do enfermo, e as incontáveis forças potentes do mundo lhe são dadas livremente pelo Mantenedor da vida como implementos de cura; nada é 255 Um medicamento homeopaticamente escolhido, quer dizer, um medicamento capaz de produzir uma condição mórbida muito semelhante àquela da doença a ser curada, afeta somente a parte doente do organismo, por conseguinte, apenas a parte mais irritada, extremamente sensível dele. Portanto, sua dose deve ser tão pequena a fim de somente afetar a parte doente apenas um pouco mais do que a doença fez por si mesma. Para isto, a menor dose é suficiente, uma tão reduzida de forma a ser incapaz de alterar a saúde de uma pessoa saudável, quem não tem naturalmente algum ponto suficientemente sensível a este medicamento, ou de torná-la enferma, o que somente doses grandes de medicamentos podem fazer. Vide Organon de Medicina, § 277-279, e Espírito da Doutrina Médica Homeopática, no início deste volume. -- Hahnemann. 88 sonegado. Para ele, cuja vocação serve para superar a doença que coloca sua vítima à beira do aniquilamento corporal, e executar uma espécie de recriação da vida (um trabalho mais nobre do que a maioria dos outros, mesmo as mais louvadas performances da humanidade), toda a ampla extensão da natureza, com todas as suas forças e agentes curativos, devem estar disponíveis, a fim de capacitá-lo para cumprir este ato criativo, se nós podemos assim chamá-lo. Mas ele deve ter a liberdade de empregar estes agentes na quantidade exata, seja ela mesma tão pequena ou mesmo tão grande, aquela que a experiência e ensaios lhe mostrarem ser a mais apropriada ao fim que tem em vista; em qualquer que seja a forma que a reflexão e a experiência têm provado ser a mais aproveitável. Tudo isto ele deve estar apto a fazer sem qualquer limitação que seja, como é o direito de um homem livre, de um libertador de seus semelhantes, e um restaurador da vida, equipado com todo o conhecimento pertencente à sua arte, e dotado com um espírito divino e a mais afável consciência. Deste divino serviço e mais nobre de todas as ocupações terreais fiquem de lado todos aqueles que são deficientes na mente, no espírito imparcial, em quaisquer dos ramos do conhecimento exigidos para o seu ministério, ou na gentil consideração pelo bem-estar da humanidade, e num senso do seu compromisso com a humanidade, numa palavra, quem são deficientes de virtudes verdadeiras ! Afaste-se aquele bando de profanos que assumem simplesmente o semblante externo de restauradores da saúde, mas cujas cabeças estão abarrotadas de vãs artifícios, cujos corações estão repletos com perversas frivolidades, cujas línguas fazem um escárnio à verdade, e cujas mãos preparam tragédias ! * * * As seguintes observações são o resultado de doses de várias potências em indivíduos de várias sensibilidades. Para fins curativos, de acordo com o método homeopático,doses de diluição muito alta têm sido vistas, por inumeráveis experimentos, como sendo amplamente suficientes. A dose da menor parte de uma gota contendo a decilionésima parte de um grão do arsênico branco usualmente basta para a cura. A fim de preparar esta dose, um grão de arsênico branco reduzido a pó é friccionado com trinta e três grãos de açúcar de leite pulverizado em um almofariz de porcelana (não envernizado) com um pistilo não envernizado por seis minutos; o conteúdo triturado do almofariz é raspado por quatro minutos com uma espátula de porcelana; então friccionado uma segunda vez, sem qualquer adição a ele, por seis minutos, e de novo raspado por quatro minutos. Neste, trinta e três grãos de açúcar de leite são agora acrescentados, triturados por seis minutos, e depois outros quatro minutos de raspagem; seis minutos de trituração, e novamente quatro minutos de raspagem. Os últimos trinta e três grãos de açúcar de leite são adicionados, triturados por seis minutos, raspados por quatro minutos, e de novo triturados por seis minutos, por meio do qual, após uma última raspagem, um pó é produzido, o qual, em cada grão, contêm 1/100 partes de um grão de arsênico uniformemente potencializado. Um grão deste pó é, de uma maneira similar, com três vezes trinta e três grãos de açúcar de leite fresco, em uma hora (trinta e seis minutos de trituração, vinte e quatro de raspagem), 256 levado ao estado de uma atenuação pulverulenta potencializada, cem vezes mais diluída. Deste, um grão (contendo 1/10000 partes de um grão de arsênico) é friccionado por uma terceira hora, de um modo semelhante, com noventa e nove grãos de açúcar de leite; isto representa uma diluição pulverulenta de arsênico do milionésimo grau de potência. Um grão disto é dissolvido em cem gotas de álcool diluído (na proporção de partes iguais de água e álcool) e agitado com duas sucussões do braço (o frasco sendo seguro na mão). Isto dá uma solução que, diluída por meio de mais vinte e seis frascos (sempre uma gota do frasco anterior adicionada em noventa e nove gotas de álcool do próximo frasco, e então sucussionado duas vezes, antes de tomar uma gota deste e gotejá-la dentro do próximo frasco), fornece a potência requerida, o decilionésimo (X) grau de potência do arsênico. 256 Após essa operação o almofariz, junto com pistilo e a escápula de porcelana, após serem esfregados com um pano seco, deveriam ser enxaguados com água fervente; entre cada lavagem, secados com papel mata-borrão, e então gradualmente aquecidos sobre um fogo de carvão até a incandescência, a fim de que estes instrumentos possam estar tão bons quanto novos para futura trituração de medicamentos. -- Hahnemann.,