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Quiet Quitting: Tendência no Trabalho

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TEMA COMENTADO – Quiet Quitting - a nova evolução do 
mundo do trabalho ou só mais uma trend do mundo 
corporativo. 
 
Tema comentado pelo Prof. Ari – O Brabo Da Redação! 
 
INTRODUÇÃO AO TEMA 
 
Olá, pessoal! 
 
Depois de duas décadas estudando sobre workaholics, 
uberização do trabalho e de todos os excessos que o universo da 
produtividade traz, começaremos a falar sobre uma tendência 
revolucionária. Por isso, sem dúvida, é um dos temas mais quentes 
para as provas deste ano. Eu estou me referindo ao quiet quitting, que 
em português traduz-se por desistência silenciosa. É uma tendência 
global em reduzir o ritmo de trabalho e só trabalhar dentro do que é 
necessário, sem os excessos das horas extras, sem as exigências por 
alta performance, sem a ideia de carreira ou de acúmulo de capital. 
 
Considero, francamente, uma tendência, no mínimo, estranha, 
visto que também existe a dinâmica do vício em trabalho, os 
denominados workaholics. Realmente, temos acompanhado um 
declínio considerável da qualidade do trabalho. Não 
necessariamente do trabalho executado, mas a qualidade de vida do 
trabalhador, considerando que os níveis de exigência, de instabilidade e 
de desequilíbrio legal têm sido cada vez maiores. 
 
Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br
 
 
 
 
 
Então, tudo o que eu entendia como realidade do universo 
do trabalho está sendo reconfigurado e nós estamos entrando na 
nova era “sombra e água fresca”. Vamos conhecer essa tendência e 
saber que linhas argumentativas podemos explorar em uma redação a 
respeito do assunto? 
 
Vamos lá? 
 
QUIET QUITTING 
 
Esse conceito é, na verdade, uma discussão que surgiu no 
Twitter, como quase todas as pautas surgem hoje em dia, mas essa 
não perdeu sua força como a maioria das outras pautas. Pelo contrário, 
ela ganhou mais atenção, já tinha algumas correspondências com a 
dinâmica empresarial mundo afora. Por isso, não dá para dizer que 
o quiet quitting, a desistência silenciosa, é uma espécie de contraonda 
para quase tudo que nós conhecíamos, até então, como a dinâmica de 
trabalho. 
 
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Vamos dizer que é uma contraonda do processo de 
uberização, que é um tema, inclusive, altamente cotado pelas provas 
dos últimos tempos (já apareceu em várias delas). Então, podemos dizer 
que a desistência silenciosa é um tipo de uberização, a qual começa com 
a diminuição da importância da CLT na formação do trabalhador, 
na orientação do trabalhador, e com as reformas trabalhistas do 
século XXI. 
 
Portanto, as reformas trabalhistas do último século reduziram 
bastante os direitos do trabalhador e o resguardo à sua dignidade e 
integridade. Essa uberização do trabalho nada mais é do que uma 
precarização da qualidade do trabalho. Vale também mencionar que 
essa uberização do trabalho tem muito a ver com a sensação de 
liberdade dada ao empreendedor moderno. 
 
Você é dono das suas horas de trabalho, dos seus meios de 
produção, dos seus próprios horários. Por exemplo, dirigindo Uber, 
vendendo Avon, vendendo coxinha feita em casa ou prestando serviços 
como professor. Enfim, após essa sensação de liberdade, você 
entra no sistema de exploração. Afinal, você controla os seus 
horários justamente para que você possa ter todas as horas do dia 
dedicadas ao trabalho, porque ou você trabalha todas as horas do seu 
dia ou não ganha o suficiente para poder viver nessa dinâmica intensa 
e pesada. 
 
 
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Então, vamos dizer que esse quiet quitting é uma contraposição 
a isso. “Não vamos mais nos submeter a esse ritmo de mecanização. 
Não me importa essa busca desenfreada por sobrevivência e por 
enriquecimento a qualquer custo. Não me importa os interesses da 
empresa inteligente altamente produtiva e que eu vista camisa da 
empresa e dê o próprio sangue em nome da lucratividade dos outros”. 
 
“Não me importa quem acredita que é preciso trabalhar 
enquanto os outros dormem. Eu vou dormir mesmo, vou descansar 
mesmo e vou fazer só o que eu tenho obrigação de fazer dentro das 
minhas horas trabalhadas na empresa, dentro do que a lei prevê, dentro 
do que eu tenho que cumprir. No restante do meu tempo, vou cuidar de 
mim e da minha vida”. 
 
Está percebendo que é um “chute no balde”? É dizer “olha, isso 
aqui não compensa, não vale a pena, não vou me preocupar tanto com 
isso, vou tentar cuidar da minha vida e da minha saúde mental”. Não 
posso deixar de dizer que uma boa parte dessa tendência do quiet 
quitting só foi possível por causa do surto pandêmico de 2020 e 
2021, que, obviamente, nos tirou desse circuito em que todos nós 
estávamos de trabalhar incessantemente, sem sair do lugar, e nos 
mostrou que talvez não fosse necessário fazer tanto. 
 
Olha, por experiência própria, antes da pandemia, eu trabalhava 
demasiadamente. Hoje, em 2022, eu mudei bastante a minha percepção 
sobre trabalho precário, noites mal dormidas e quantidade de turnos de 
trabalho. Depois de tantas horas trabalhando, você não percebe mais o 
que está fazendo. Você entra no automático e o seu corpo vai 
desligando. Não é preciso tanto. A precarização não é necessária 
para o sucesso da carreira e da vida profissional. É possível fazer 
menos para chegar ao mesmo lugar. 
 
Então, essa contraonda teve o seu estopim na pandemia que nós 
vivemos de covid-19. Ela provocou uma nova percepção ou uma 
readequação da dinâmica de trabalho e a maioria das pessoas 
começou a pensar em abandonar a ideia de ir além no trabalho. Afinal, 
essa ideia é muito comum quando você chega perto da morte e 
tudo o que nós conhecemos como vida normal é, de repente, 
ameaçado. 
 
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Pensa nisso! Chega a um ponto que você percebe que algumas 
atitudes não compensam mais, então começamos a repensar o 
processo. Dessa forma, voltamos, de certo modo, a uma perspectiva 
que Durkheim chama de pré-industrial ou, em outras palavras, 
solidariedade mecânica. 
 
RETORNO DA SOLIDARIEDADE MECÂNICA? 
 
Na solidariedade mecânica, os laços afetivos, morais e sociais 
importam muito mais do que os laços econômicos. Ainda nos 
preocupamos muito com a questão econômica, mas essa tendência do 
quiet quitting é, de certa forma, uma valorização maior de nós 
mesmos e das relações que nós construímos para além da questão 
econômica. 
 
Eu posso ser menos aplaudido na minha carreira profissional e 
ter uma vida social mais prazerosa. É essa a visão de uma solidariedade 
mecânica em que há uma valorização maior dos laços afetivos, morais 
e sociais e, assim, vamos deixando a questão econômica em 
segundo plano. 
 
 
 
Então, esses são alguns contextos que você pode usar para 
iniciar sua redação sobre quiet quitting, sobre uma contraonda da 
organização do trabalho que é sinônimo de precarização e começa com 
as reformas trabalhistas e com a desvalorização da CLT promulgada em 
1943. 
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Um estopim provocado pela pandemia trouxe uma 
reorientação sobre o que é a vida, sobre o que é importante, sobre a 
nossa sobrevivência física e psíquica e, obviamente, foi um retorno à 
visão durkheimiana pré-industrial de uma solidariedade mecânica, 
em quelaços afetivos podem ter mais valor do que os laços econômicos 
instaurados nesse modelo capitalista. 
 
SATURAÇÃO DO MODELO CAPITALISTA 
 
Como nós podemos problematizar essa situação para conseguir 
desenvolver um texto sobre contra onda? Uma das primeiras teses 
interessantes que podemos colocar em pauta como causa, inclusive, do 
que nós estamos vivendo, é a saturação de tudo que diz respeito a esse 
modelo capitalista. Então, a ética do trabalho e o capitalismo estão 
saturados. 
 
Estou dizendo que estamos vendo o fim do capital e dessa 
estrutura do capital dentro da dinâmica neoliberal? Talvez. Não 
sou especialista a ponto de saber, mas a situação está difícil nos últimos 
tempos. Vamos contextualizar para você entender melhor. 
 
O sistema capitalista, obviamente, não é um modelo 
econômico perfeito, mas sim aquele que sofre inúmeras crises e 
recessões ao longo do tempo. Entra em colapso para depois 
conseguir se renovar e mais uma vez se configurar como poder 
econômico vigente. São naturais essas mortes periódicas para um 
sucessivo retorno e melhoramento do modelo econômico. 
 
 
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Vimos isso inúmeras vezes. Nos anos 1930, logo depois do 
colapso da Bolsa de Nova York. Pouco tempo depois, houve o New 
Deal, proposto por Roosevelt e pelo modelo econômico daquele período 
em que o modelo foi reformulado, reestruturado e voltou com força 
total, inclusive, para guiar o nosso país. Depois nos anos 1980, vimos 
uma recessão sem precedentes envolvendo, principalmente, a 
geopolítica do petróleo – quando houve novamente uma grande 
recessão e crise econômica. 
 
Pouco tempo depois, no Brasil, conseguimos reformular o modelo 
econômico. Trocamos a moeda, a dinâmica do poder e conseguimos 
consolidar o modelo mais uma vez. Então, você já entendeu que 
capitalismo é sinônimo de elasticidade, certo? 
 
Esse modelo vez ou outra entra em ruína e depois se recompõe 
para se tornar ainda melhor. No entanto, você deve ter observado que 
essa elasticidade e capacidade de se recompor de forma ainda mais 
sólida e eficaz não está mais acontecendo com a mesma qualidade 
dos anos anteriores mesmo os nossos recursos sendo ainda melhores 
se comparado ao passado. 
 
O modelo econômico quebrou em 2008 bruscamente. 
Entramos em uma das maiores crises econômicas globais de todos os 
tempos e estamos até este momento, em 2022. Nós não nos 
recompomos. 
 
Posso usar a metáfora do bioma do cerrado para falar sobre o 
modelo capitalista. É como se o cerrado tivesse pegado fogo e até 
agora as sementes não tivessem geminado. Parece que o incêndio 
só se alastra e não consegue ter quem controle. Por que eu estou 
mencionando um incêndio? Porque você sabe muito bem que o bioma 
do cerrado, de tempos em tempos, dependendo da estação, precisa 
sofrer queimadas para que determinadas sementes possam germinar. 
Então, periodicamente, esse bioma se destrói e se renova dentro 
de um ciclo natural. 
 
É a mesma elasticidade que nós conhecemos no modelo 
capitalista, que pega fogo e se destrói para se renovar e conseguir 
germinar novas sementes. Neste momento, no entanto, nem as 
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sementes germinaram nem as queimadas foram controladas. 
Nenhum modelo foi renovado. 
 
Então, o que estamos acompanhando pouco a pouco é a perda 
da elasticidade natural desse modelo. Não sei por qual razão, não sei se 
é falta de governo para controlar esse processo. Quem fala dessa 
perda da elasticidade é Slavoy Zizek. Ele comenta que falta um pulso 
forte, tivemos o Roosevelt nos anos 30, e tivemos, no Brasil, nos anos 
1980, o FHC e o Itamar Franco. 
 
E agora, quem tem mãos competentes para resolver? Não 
estamos encontrando. Nós estamos afundando e parece que a crise 
vem ganhando cada vez mais novas facetas. 
 
Por exemplo, o cenário da fome, do desemprego, da 
especialização do mercado de trabalho e de tudo que diz respeito à vida 
econômica do país. Entende? Então parece que essa grande crise do 
próprio modelo, essa saturação ou essa perda da elasticidade do modelo 
capitalista faz com que os antigos sistemas de trabalho, de dedicação 
ao trabalho e da gestão de carreira percam sentido. 
 
Não faz muito sentido matar-se de trabalhar por um 
modelo econômico que nem funciona mais e não consegue dar o 
retorno para aquele que trabalha, não consegue de alguma forma 
compensar tanto esforço. Entende? 
 
 
SATURAÇÃO ALÉM DO MODELO CAPITALISTA 
 
Dentro desse processo, a saturação não abrange só o modelo 
capitalista, mas também a ética protestante, a ética do trabalho sobre 
a qual Max Weber discute e que orientou essa sociedade nos últimos 
anos. 
 
Essa ética do trabalho é a que incutiu na percepção dos seus pais 
e avós que o trabalho dignifica as pessoas, de que o trabalho seria 
a base da dignidade, do bem-estar e do equilíbrio social, de que o 
trabalho é um dos valores mais importantes na gestão da família, 
de que você precisa pensar na sua estabilização no mercado de trabalho 
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desde os primeiros anos em que você começa estudar, já que você 
estuda para o mercado de trabalho, para ser explorado com qualidade. 
 
Tudo isso vem de uma visão de sociedade cujo princípio maior 
era o trabalho e esse pensamento se tornou obsoleto, saturado e 
desgastado a ponto de, hoje, você perceber que o trabalho já não é a 
principal razão do seu estudo e da sua vida. Você não vive para 
trabalhar. Hoje você começa a entender que é preciso trabalhar para 
viver, trabalhar o suficiente para viver tranquilo, não mais do que isso. 
 
Então, essa inversão da ética protestante de não mais viver 
para o trabalho, mas trabalhar para viver com qualidade, é sinal de que 
o modelo capitalista como conhecíamos está realmente 
saturado. 
 
 
 
Não faço ideia do que vem depois nem se vai surgir um 
neocapitalismo ou se vão reinventar o sistema, os valores e a 
ordem com que nós nos relacionamos com economia. Só sei que nada 
será como antes. Essa é a única certeza. E o quiet quitting é uma 
prova disso, é a prova de que nós estamos reinventando a nossa relação 
com a economia, com o dinheiro e com o trabalho. Portanto, não vale 
mais viver para trabalhar e se desgastar ao máximo, por tudo e 
se matar pelo bem do dinheiro, do banco e levar a vida ao limite. 
 
Certa vez, um amigo comentou que estava trabalhando aos 
domingos e disse que quem deseja alcançar algo na vida precisa fazer 
isso. Na verdade, eu fiquei surpreso comigo mesmo, porque eu o 
questionei, mas também passei pelo que ele estava passando. 
 
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Hoje, para mim, sucesso é o fato de eu não trabalhar mais 
aos sábados e aos domingos, de eu ter jornadas reduzidíssimas de 
trabalho e administrar bem o meu bem-estar e o meu lazer. E fracasso 
é quando eu preciso fazer isso. 
 
Então, com a saturação do modelo capitalista e o desgaste 
extremo em que nos colocamos, muitas percepções foram repensadas, 
inclusive, sobre a exploração absurda. A ética do trabalho parece 
estar com os dias contados, assim como a capacidade do sistema 
capitalista de servir bem ao modelo econômico com o qual nós estamos 
convivendo. 
 
Não sei quais vão ser os impactos disso, pois estamos começando 
a viver esse processo. Não sei se as consequências são boas ouruins, 
só sei que está acontecendo. Além disso, é inevitável dizer que, além da 
saturação da ética e do trabalho, estamos acompanhando uma queda 
do valor da sociedade do alto desempenho, aquela que é 
amplamente discutida por Byung Chul Han, coreano extraordinário. 
Você pode usar essa informação na introdução ou no desenvolvimento. 
 
 
SOCIEDADE DE ALTO DESEMPENHO E O CANSAÇO 
BEHAVIORISTA 
 
A pandemia foi o grande estopim dessa percepção da sociedade 
do alto desempenho, ou sociedade do desempenho como Byung Chul 
Han. Ele, inclusive, menciona esse conceito em uma obra chamada 
“Sociedade do cansaço”. 
 
De fato, nós tivemos uma percepção do cansaço como 
gratificação. Você ainda vive nessa? Eu às vezes vivo nessa, mas hoje 
minha cabeça mudou muito. Todos nós já experimentamos esse cansaço 
extremo, a sensação de perder as forças, de dedicar-se ao máximo e 
trazer um nível de prazer. O prazer de ter feito, de ter cumprido, de 
ter dado todas as suas forças para cumprir um objetivo. 
 
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O que talvez tenha mudado com a pandemia é que nós pudemos 
enxergar além da roda de hamster, conseguimos nos observar dentro 
de um processo de esgotamento e perceber que esse esgotamento 
não faz, necessariamente, a roda girar para a frente ou para os lados 
ou para trás. Na verdade, essa roda gira sobre nós e nos esmaga e 
não necessariamente nos levar a algum lugar. 
 
Na maioria dos casos, na dinâmica do trabalho, giramos essa 
roda para os outros, não é assim? Nós giramos essa roda para patrões, 
corporações, alunos, mas não necessariamente com o retorno certo, não 
necessariamente com a possibilidade de maior sucesso ou de escolher 
uma recompensa depois. Então, essa dinâmica do cansaço é toda 
apoiada em uma perspectiva behaviorista. É o cansaço 
behaviorista. 
 
Não sei se você já estudou psicologia na sua vida, mas tem a ver 
com o estímulo-resposta. Você foi treinado, desde os primeiros anos 
da sua vida, que, se você comesse o legume todo, você ganharia a 
sobremesa depois. E muitas outras ações seguem esse modelo “Tarefa 
cumprida? Então ganha uma recompensa”, “Conseguiu uma nota boa 
na escola? Vai ganhar um presente”, “Está com nota azul no boletim? 
Vai ganha um mimo em casa”. Não é assim? 
 
Da mesma forma, quando você não faz algo, quando você não 
cumpre uma atividade, você tem a resposta negativa. Você tem a 
repreensão, umas broncas ou castigos (um mês sem ver televisão). Não 
é assim? 
 
Como fomos criados nessa percepção behaviorista de 
estímulo-resposta, de ter que fazer o certo para ganhar algo e toda 
vez que nós fazemos algo errado recebemos punição, levamos esse 
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estímulo para a vida e o trabalho. Nós entendemos que, se fizermos 
tudo o que nos mandarem, vamos receber algum tipo de 
recompensa. Se formos sempre bonzinhos e responsáveis, vamos ser 
premiados em resposta a isso. Entretanto, você entende depois que a 
vida não é assim, a vida não funciona dentro desse esquema 
behaviorista. 
 
Você pode fazer o certo e tudo o que te mandam a vida inteira e 
não ter nenhum tipo de recompensa. Da mesma forma que você pode 
muitas vezes não fazer nada disso e ser compensado simplesmente por 
estar onde você está ou por você ser uma pessoa de privilégios. 
 
A vida não é justa, nunca foi, nem sempre as pessoas boas são 
as que vencem, nem sempre as pessoas consideradas más ou 
preguiçosas são as que fracassam ou são punidas, as melhores pessoas 
e as mais talentosas geralmente são as menos reconhecidas. 
 
A vida é esse tipo de incongruência e talvez o cansaço, que 
era entendido como a possibilidade de recompensa, tenha se tornado 
um problema. Principalmente, porque esse cansaço, em vez de 
recompensa financeira ou reconhecimento profissional, começou a 
trazer ansiedade, depressão e crises de pânico. O cansaço começou a 
trazer somatizações várias, entre elas: crises alérgicas absurdas, 
problemas no trato gastrointestinal, cardiopatia, obesidade, câncer e 
todo tipo de problema inimaginável. 
 
Então, começamos a entender, finalmente, que fazer o bem e o 
bom, conforme o Deus moral Kantiano nos manda não necessariamente 
trará boas recompensas ou sucesso. Então, de certa forma, estamos 
percebendo que essa sociedade do alto desempenho e esse 
cansaço behaviorista não são a resposta ideal para uma vida de 
sucesso. 
 
Talvez sucesso seja poder não trabalhar aos domingos ou 
sábados. Sucesso é entender que descansar não precisa envolver culpa. 
Sucesso talvez seja ter lazer e a consciência tranquila, o que muita gente 
ainda tem dificuldade de viver. Então, estamos abrindo mão dessa 
perspectiva e dessa lista de problemas de saúde. 
 
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Além disso, caso você não queira usar nenhuma dessas 
situações, você ainda pode dizer que boa parte dessa mudança é o 
rompimento do biopoder ou do Deus moral que acabei de mencionar. 
 
 
KANT E DEUS MORAL 
 
Quem fala de Deus moral é Kant e esse conceito representa 
aquela voz que fica ao seu lado, falando em seu ouvido que você tem 
que estudar ou trabalhar sempre que você quer parar. 
 
Talvez estejamos abrindo mão disso ou estejamos nos tornando 
mais conscientes disso. Ainda é um processo muito difícil, claro, 
principalmente, porque esse Deus moral envolve não só o que nós 
sentimos em relação ao meio, mas o julgamento dos outros. O 
que os outros pensarão se eu trabalhar menos? O que os outros 
pensarão se eu me conformar com um trabalho mais simples, com 
menos horas trabalhadas, com uma carreira que não seja 
necessariamente a que os outros esperam? 
 
Fracamente, uma parte do que fazemos na vida é para 
agradar os outros e não a nós mesmos, é para cumprir as 
expectativas dos outros, é para entrar em determinados grupos e 
cumprir com o comportamento que esses grupos consideram correto. É 
o que Pierre Bourdieu chama de habitus. 
 
Então, nós estamos dentro dessa tendência do quiet 
quitting tentando quebrar essa dinâmica de biopoder, tentando 
quebrar essa voz ao ouvido ou tentando, pelo menos, fazer frente a ela, 
rompendo com habitus. Eu creio que seja uma luta extremamente 
complicada e a maioria de nós não vai conseguir vencer, mas é uma 
tentativa válida de mudança de perspectiva. 
 
Então, você pode escolher como tópico qualquer uma dessas 
direções e você tem a mesma argumentação ou o alto desempenho, de 
Byung Chul Han, ou o biopoder, de Michel Foucault, ou a quebra do 
Deus moral, de Kant, ou a quebra do habitus, de Bourdieu. 
 
Todas elas correspondem a essa visão de cansaço que não 
compensa pelo nível de adoecimento que traz. Por fim, como uma 
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última tese possível dentro dessa discussão é que esse debate não 
serve para todo mundo, uma vez que é um debate elitista e talvez 
esse seja um dos maiores embates para a evolução desse debate. 
 
 
DEBATE DO QUIET QUITTING E A REALIDADE BRASILEIRA 
 
Quem é que pode realmente desistir silenciosamente? Quem 
tem condições financeiras para fazer isso? Para muitas famílias cuja 
renda é limitada, com os salários baixos, com o pagamento de aluguéis 
e, principalmente, dentro de um ritmo de inflação absurdo que essas 
crises econômicas trouxeram, desistir do ritmo de trabalho não é 
uma opção. 
 
Já pensou nisso? Então,o debate é incrível, o fato de poder 
trabalhar menos é fantástico e poder dedicar-se mais às relações 
sociais, afetivas e morais é extraordinário, no entanto, não é para 
todo mundo. 
 
Então, o próprio surgimento do debate sobre o quiet quitting 
denuncia os imensos abismos sociais de que o Brasil é feito e as 
inúmeras realidades que compõem essa realidade, é inevitável que nós 
sejamos um país de múltiplos Brasis, como diria o saudoso Darci 
Ribeiro. 
 
 
 
 
Nós não temos um país só. Enquanto estamos aqui estudando 
a possibilidade de trabalhar menos, inúmeras famílias brasileiras não 
sabem como fazer para conseguir mais de 1 refeição ao dia. Enquanto 
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estamos aqui estudando a possibilidade de não trabalhar aos domingos, 
milhares e milhares de brasileiros não conseguem um salário mínimo 
para compor a renda familiar. Enquanto estamos aqui estudando a 
possibilidade de só fazer o básico para manter qualidade de vida, 
inúmeros brasileiros não conseguem mais do que uma refeição 
completa. 
 
Eles estão trocando o almoço por lanches para evitar os gastos 
com os itens básicos da cesta básica (e haja básico, porque não dá para 
comprar). Então, chega a ser vergonhoso, meio vexatório, discutir 
sobre quiet quitting em um Brasil que passa fome, em um Brasil 
que aprofunda o cenário de fome. 
 
Então, estamos diante de um debate que é raso demais embora 
pareça valioso devido ao cenário aterrador pelo qual o Brasil passa. 
Essas vergonhas, na verdade, temos passado há algum tempo. 
Estávamos discutindo arduamente até pouco tempo sobre a validade ou 
não da telemedicina, o atendimento remoto aos pacientes. Enquanto 
isso, muitas cidades brasileiras não têm sequer um postinho de 
saúde com um profissional de saúde. Nem mesmo um técnico de 
enfermagem. 
 
Então, é drástico isso, mas, na verdade, nós sempre estamos 
tratando de pautas que envolvem o bem-estar de uma parcela diminuta 
da sociedade enquanto esses abismos sociais são naturalizados e 
banalizados. Obviamente, Hannah Arendt tem uma referência para 
isso (como sempre Hannah Arendt é uma referência para tudo). 
 
Afinal, os abismos sociais são parte da formação dessa 
sociedade desde que o primeiro português pisou nessas terras. 
Desde então, nós nos habituamos a esses abismos e consideramos que 
eles sejam inevitáveis ou normais. Infelizmente! 
 
Pois é... enquanto estamos discutindo sobre renunciar o 
trabalhar demais, alguns não podem fazer nada e estão morrendo de 
fome. Enquanto estamos tentando discutir a possibilidade de curtir o 
final de semana prolongado ou trabalhar quatro dias na semana, como 
alguns países já estão propondo, nós não conseguimos oferecer comida 
para colocar na mesa do povo. Então, somos o Brasil dos paradoxos 
e das incoerências. 
 
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Afinal, inúmeros brasileiros não dispõem de ferramentas 
suficientes para sobreviverem, como diria Chico de Oliveira “países 
periféricos carecem sempre das ferramentas fundamentais para manter 
a vida, para conseguir manter-se com dignidade”. 
 
Então, não sei para onde levamos esse debate. O que você acha? 
Precisamos levar um debate intenso para o Congresso sobre o peso 
das reformas trabalhistas ou sobre conseguir lançar uma proposta de 
quiet quitting coerente com as demandas sociais brasileiras? 
 
Talvez uma das primeiras medidas a serem tomadas seja rever 
a reforma trabalhista que acabou com a qualidade de vida e com a 
possibilidade de um pouquinho de cidadania e dignidade para o 
trabalhador brasileiro. 
 
Então, precisamos resolver essa situação antes de entender se o 
quiet quitting vai ser bom ou ruim para que as pessoas, inclusive, 
possam ter a escolha de continuar sendo workaholics ou de 
conseguirem administrar o seu tempo com mais inteligência, mais 
qualidade e mais criticidade. 
 
Abraço! 
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