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TEMA COMENTADO – Quiet Quitting - a nova evolução do mundo do trabalho ou só mais uma trend do mundo corporativo. Tema comentado pelo Prof. Ari – O Brabo Da Redação! INTRODUÇÃO AO TEMA Olá, pessoal! Depois de duas décadas estudando sobre workaholics, uberização do trabalho e de todos os excessos que o universo da produtividade traz, começaremos a falar sobre uma tendência revolucionária. Por isso, sem dúvida, é um dos temas mais quentes para as provas deste ano. Eu estou me referindo ao quiet quitting, que em português traduz-se por desistência silenciosa. É uma tendência global em reduzir o ritmo de trabalho e só trabalhar dentro do que é necessário, sem os excessos das horas extras, sem as exigências por alta performance, sem a ideia de carreira ou de acúmulo de capital. Considero, francamente, uma tendência, no mínimo, estranha, visto que também existe a dinâmica do vício em trabalho, os denominados workaholics. Realmente, temos acompanhado um declínio considerável da qualidade do trabalho. Não necessariamente do trabalho executado, mas a qualidade de vida do trabalhador, considerando que os níveis de exigência, de instabilidade e de desequilíbrio legal têm sido cada vez maiores. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Então, tudo o que eu entendia como realidade do universo do trabalho está sendo reconfigurado e nós estamos entrando na nova era “sombra e água fresca”. Vamos conhecer essa tendência e saber que linhas argumentativas podemos explorar em uma redação a respeito do assunto? Vamos lá? QUIET QUITTING Esse conceito é, na verdade, uma discussão que surgiu no Twitter, como quase todas as pautas surgem hoje em dia, mas essa não perdeu sua força como a maioria das outras pautas. Pelo contrário, ela ganhou mais atenção, já tinha algumas correspondências com a dinâmica empresarial mundo afora. Por isso, não dá para dizer que o quiet quitting, a desistência silenciosa, é uma espécie de contraonda para quase tudo que nós conhecíamos, até então, como a dinâmica de trabalho. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Vamos dizer que é uma contraonda do processo de uberização, que é um tema, inclusive, altamente cotado pelas provas dos últimos tempos (já apareceu em várias delas). Então, podemos dizer que a desistência silenciosa é um tipo de uberização, a qual começa com a diminuição da importância da CLT na formação do trabalhador, na orientação do trabalhador, e com as reformas trabalhistas do século XXI. Portanto, as reformas trabalhistas do último século reduziram bastante os direitos do trabalhador e o resguardo à sua dignidade e integridade. Essa uberização do trabalho nada mais é do que uma precarização da qualidade do trabalho. Vale também mencionar que essa uberização do trabalho tem muito a ver com a sensação de liberdade dada ao empreendedor moderno. Você é dono das suas horas de trabalho, dos seus meios de produção, dos seus próprios horários. Por exemplo, dirigindo Uber, vendendo Avon, vendendo coxinha feita em casa ou prestando serviços como professor. Enfim, após essa sensação de liberdade, você entra no sistema de exploração. Afinal, você controla os seus horários justamente para que você possa ter todas as horas do dia dedicadas ao trabalho, porque ou você trabalha todas as horas do seu dia ou não ganha o suficiente para poder viver nessa dinâmica intensa e pesada. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Então, vamos dizer que esse quiet quitting é uma contraposição a isso. “Não vamos mais nos submeter a esse ritmo de mecanização. Não me importa essa busca desenfreada por sobrevivência e por enriquecimento a qualquer custo. Não me importa os interesses da empresa inteligente altamente produtiva e que eu vista camisa da empresa e dê o próprio sangue em nome da lucratividade dos outros”. “Não me importa quem acredita que é preciso trabalhar enquanto os outros dormem. Eu vou dormir mesmo, vou descansar mesmo e vou fazer só o que eu tenho obrigação de fazer dentro das minhas horas trabalhadas na empresa, dentro do que a lei prevê, dentro do que eu tenho que cumprir. No restante do meu tempo, vou cuidar de mim e da minha vida”. Está percebendo que é um “chute no balde”? É dizer “olha, isso aqui não compensa, não vale a pena, não vou me preocupar tanto com isso, vou tentar cuidar da minha vida e da minha saúde mental”. Não posso deixar de dizer que uma boa parte dessa tendência do quiet quitting só foi possível por causa do surto pandêmico de 2020 e 2021, que, obviamente, nos tirou desse circuito em que todos nós estávamos de trabalhar incessantemente, sem sair do lugar, e nos mostrou que talvez não fosse necessário fazer tanto. Olha, por experiência própria, antes da pandemia, eu trabalhava demasiadamente. Hoje, em 2022, eu mudei bastante a minha percepção sobre trabalho precário, noites mal dormidas e quantidade de turnos de trabalho. Depois de tantas horas trabalhando, você não percebe mais o que está fazendo. Você entra no automático e o seu corpo vai desligando. Não é preciso tanto. A precarização não é necessária para o sucesso da carreira e da vida profissional. É possível fazer menos para chegar ao mesmo lugar. Então, essa contraonda teve o seu estopim na pandemia que nós vivemos de covid-19. Ela provocou uma nova percepção ou uma readequação da dinâmica de trabalho e a maioria das pessoas começou a pensar em abandonar a ideia de ir além no trabalho. Afinal, essa ideia é muito comum quando você chega perto da morte e tudo o que nós conhecemos como vida normal é, de repente, ameaçado. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Pensa nisso! Chega a um ponto que você percebe que algumas atitudes não compensam mais, então começamos a repensar o processo. Dessa forma, voltamos, de certo modo, a uma perspectiva que Durkheim chama de pré-industrial ou, em outras palavras, solidariedade mecânica. RETORNO DA SOLIDARIEDADE MECÂNICA? Na solidariedade mecânica, os laços afetivos, morais e sociais importam muito mais do que os laços econômicos. Ainda nos preocupamos muito com a questão econômica, mas essa tendência do quiet quitting é, de certa forma, uma valorização maior de nós mesmos e das relações que nós construímos para além da questão econômica. Eu posso ser menos aplaudido na minha carreira profissional e ter uma vida social mais prazerosa. É essa a visão de uma solidariedade mecânica em que há uma valorização maior dos laços afetivos, morais e sociais e, assim, vamos deixando a questão econômica em segundo plano. Então, esses são alguns contextos que você pode usar para iniciar sua redação sobre quiet quitting, sobre uma contraonda da organização do trabalho que é sinônimo de precarização e começa com as reformas trabalhistas e com a desvalorização da CLT promulgada em 1943. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Um estopim provocado pela pandemia trouxe uma reorientação sobre o que é a vida, sobre o que é importante, sobre a nossa sobrevivência física e psíquica e, obviamente, foi um retorno à visão durkheimiana pré-industrial de uma solidariedade mecânica, em quelaços afetivos podem ter mais valor do que os laços econômicos instaurados nesse modelo capitalista. SATURAÇÃO DO MODELO CAPITALISTA Como nós podemos problematizar essa situação para conseguir desenvolver um texto sobre contra onda? Uma das primeiras teses interessantes que podemos colocar em pauta como causa, inclusive, do que nós estamos vivendo, é a saturação de tudo que diz respeito a esse modelo capitalista. Então, a ética do trabalho e o capitalismo estão saturados. Estou dizendo que estamos vendo o fim do capital e dessa estrutura do capital dentro da dinâmica neoliberal? Talvez. Não sou especialista a ponto de saber, mas a situação está difícil nos últimos tempos. Vamos contextualizar para você entender melhor. O sistema capitalista, obviamente, não é um modelo econômico perfeito, mas sim aquele que sofre inúmeras crises e recessões ao longo do tempo. Entra em colapso para depois conseguir se renovar e mais uma vez se configurar como poder econômico vigente. São naturais essas mortes periódicas para um sucessivo retorno e melhoramento do modelo econômico. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Vimos isso inúmeras vezes. Nos anos 1930, logo depois do colapso da Bolsa de Nova York. Pouco tempo depois, houve o New Deal, proposto por Roosevelt e pelo modelo econômico daquele período em que o modelo foi reformulado, reestruturado e voltou com força total, inclusive, para guiar o nosso país. Depois nos anos 1980, vimos uma recessão sem precedentes envolvendo, principalmente, a geopolítica do petróleo – quando houve novamente uma grande recessão e crise econômica. Pouco tempo depois, no Brasil, conseguimos reformular o modelo econômico. Trocamos a moeda, a dinâmica do poder e conseguimos consolidar o modelo mais uma vez. Então, você já entendeu que capitalismo é sinônimo de elasticidade, certo? Esse modelo vez ou outra entra em ruína e depois se recompõe para se tornar ainda melhor. No entanto, você deve ter observado que essa elasticidade e capacidade de se recompor de forma ainda mais sólida e eficaz não está mais acontecendo com a mesma qualidade dos anos anteriores mesmo os nossos recursos sendo ainda melhores se comparado ao passado. O modelo econômico quebrou em 2008 bruscamente. Entramos em uma das maiores crises econômicas globais de todos os tempos e estamos até este momento, em 2022. Nós não nos recompomos. Posso usar a metáfora do bioma do cerrado para falar sobre o modelo capitalista. É como se o cerrado tivesse pegado fogo e até agora as sementes não tivessem geminado. Parece que o incêndio só se alastra e não consegue ter quem controle. Por que eu estou mencionando um incêndio? Porque você sabe muito bem que o bioma do cerrado, de tempos em tempos, dependendo da estação, precisa sofrer queimadas para que determinadas sementes possam germinar. Então, periodicamente, esse bioma se destrói e se renova dentro de um ciclo natural. É a mesma elasticidade que nós conhecemos no modelo capitalista, que pega fogo e se destrói para se renovar e conseguir germinar novas sementes. Neste momento, no entanto, nem as Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br sementes germinaram nem as queimadas foram controladas. Nenhum modelo foi renovado. Então, o que estamos acompanhando pouco a pouco é a perda da elasticidade natural desse modelo. Não sei por qual razão, não sei se é falta de governo para controlar esse processo. Quem fala dessa perda da elasticidade é Slavoy Zizek. Ele comenta que falta um pulso forte, tivemos o Roosevelt nos anos 30, e tivemos, no Brasil, nos anos 1980, o FHC e o Itamar Franco. E agora, quem tem mãos competentes para resolver? Não estamos encontrando. Nós estamos afundando e parece que a crise vem ganhando cada vez mais novas facetas. Por exemplo, o cenário da fome, do desemprego, da especialização do mercado de trabalho e de tudo que diz respeito à vida econômica do país. Entende? Então parece que essa grande crise do próprio modelo, essa saturação ou essa perda da elasticidade do modelo capitalista faz com que os antigos sistemas de trabalho, de dedicação ao trabalho e da gestão de carreira percam sentido. Não faz muito sentido matar-se de trabalhar por um modelo econômico que nem funciona mais e não consegue dar o retorno para aquele que trabalha, não consegue de alguma forma compensar tanto esforço. Entende? SATURAÇÃO ALÉM DO MODELO CAPITALISTA Dentro desse processo, a saturação não abrange só o modelo capitalista, mas também a ética protestante, a ética do trabalho sobre a qual Max Weber discute e que orientou essa sociedade nos últimos anos. Essa ética do trabalho é a que incutiu na percepção dos seus pais e avós que o trabalho dignifica as pessoas, de que o trabalho seria a base da dignidade, do bem-estar e do equilíbrio social, de que o trabalho é um dos valores mais importantes na gestão da família, de que você precisa pensar na sua estabilização no mercado de trabalho Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br desde os primeiros anos em que você começa estudar, já que você estuda para o mercado de trabalho, para ser explorado com qualidade. Tudo isso vem de uma visão de sociedade cujo princípio maior era o trabalho e esse pensamento se tornou obsoleto, saturado e desgastado a ponto de, hoje, você perceber que o trabalho já não é a principal razão do seu estudo e da sua vida. Você não vive para trabalhar. Hoje você começa a entender que é preciso trabalhar para viver, trabalhar o suficiente para viver tranquilo, não mais do que isso. Então, essa inversão da ética protestante de não mais viver para o trabalho, mas trabalhar para viver com qualidade, é sinal de que o modelo capitalista como conhecíamos está realmente saturado. Não faço ideia do que vem depois nem se vai surgir um neocapitalismo ou se vão reinventar o sistema, os valores e a ordem com que nós nos relacionamos com economia. Só sei que nada será como antes. Essa é a única certeza. E o quiet quitting é uma prova disso, é a prova de que nós estamos reinventando a nossa relação com a economia, com o dinheiro e com o trabalho. Portanto, não vale mais viver para trabalhar e se desgastar ao máximo, por tudo e se matar pelo bem do dinheiro, do banco e levar a vida ao limite. Certa vez, um amigo comentou que estava trabalhando aos domingos e disse que quem deseja alcançar algo na vida precisa fazer isso. Na verdade, eu fiquei surpreso comigo mesmo, porque eu o questionei, mas também passei pelo que ele estava passando. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Hoje, para mim, sucesso é o fato de eu não trabalhar mais aos sábados e aos domingos, de eu ter jornadas reduzidíssimas de trabalho e administrar bem o meu bem-estar e o meu lazer. E fracasso é quando eu preciso fazer isso. Então, com a saturação do modelo capitalista e o desgaste extremo em que nos colocamos, muitas percepções foram repensadas, inclusive, sobre a exploração absurda. A ética do trabalho parece estar com os dias contados, assim como a capacidade do sistema capitalista de servir bem ao modelo econômico com o qual nós estamos convivendo. Não sei quais vão ser os impactos disso, pois estamos começando a viver esse processo. Não sei se as consequências são boas ouruins, só sei que está acontecendo. Além disso, é inevitável dizer que, além da saturação da ética e do trabalho, estamos acompanhando uma queda do valor da sociedade do alto desempenho, aquela que é amplamente discutida por Byung Chul Han, coreano extraordinário. Você pode usar essa informação na introdução ou no desenvolvimento. SOCIEDADE DE ALTO DESEMPENHO E O CANSAÇO BEHAVIORISTA A pandemia foi o grande estopim dessa percepção da sociedade do alto desempenho, ou sociedade do desempenho como Byung Chul Han. Ele, inclusive, menciona esse conceito em uma obra chamada “Sociedade do cansaço”. De fato, nós tivemos uma percepção do cansaço como gratificação. Você ainda vive nessa? Eu às vezes vivo nessa, mas hoje minha cabeça mudou muito. Todos nós já experimentamos esse cansaço extremo, a sensação de perder as forças, de dedicar-se ao máximo e trazer um nível de prazer. O prazer de ter feito, de ter cumprido, de ter dado todas as suas forças para cumprir um objetivo. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br O que talvez tenha mudado com a pandemia é que nós pudemos enxergar além da roda de hamster, conseguimos nos observar dentro de um processo de esgotamento e perceber que esse esgotamento não faz, necessariamente, a roda girar para a frente ou para os lados ou para trás. Na verdade, essa roda gira sobre nós e nos esmaga e não necessariamente nos levar a algum lugar. Na maioria dos casos, na dinâmica do trabalho, giramos essa roda para os outros, não é assim? Nós giramos essa roda para patrões, corporações, alunos, mas não necessariamente com o retorno certo, não necessariamente com a possibilidade de maior sucesso ou de escolher uma recompensa depois. Então, essa dinâmica do cansaço é toda apoiada em uma perspectiva behaviorista. É o cansaço behaviorista. Não sei se você já estudou psicologia na sua vida, mas tem a ver com o estímulo-resposta. Você foi treinado, desde os primeiros anos da sua vida, que, se você comesse o legume todo, você ganharia a sobremesa depois. E muitas outras ações seguem esse modelo “Tarefa cumprida? Então ganha uma recompensa”, “Conseguiu uma nota boa na escola? Vai ganhar um presente”, “Está com nota azul no boletim? Vai ganha um mimo em casa”. Não é assim? Da mesma forma, quando você não faz algo, quando você não cumpre uma atividade, você tem a resposta negativa. Você tem a repreensão, umas broncas ou castigos (um mês sem ver televisão). Não é assim? Como fomos criados nessa percepção behaviorista de estímulo-resposta, de ter que fazer o certo para ganhar algo e toda vez que nós fazemos algo errado recebemos punição, levamos esse Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br estímulo para a vida e o trabalho. Nós entendemos que, se fizermos tudo o que nos mandarem, vamos receber algum tipo de recompensa. Se formos sempre bonzinhos e responsáveis, vamos ser premiados em resposta a isso. Entretanto, você entende depois que a vida não é assim, a vida não funciona dentro desse esquema behaviorista. Você pode fazer o certo e tudo o que te mandam a vida inteira e não ter nenhum tipo de recompensa. Da mesma forma que você pode muitas vezes não fazer nada disso e ser compensado simplesmente por estar onde você está ou por você ser uma pessoa de privilégios. A vida não é justa, nunca foi, nem sempre as pessoas boas são as que vencem, nem sempre as pessoas consideradas más ou preguiçosas são as que fracassam ou são punidas, as melhores pessoas e as mais talentosas geralmente são as menos reconhecidas. A vida é esse tipo de incongruência e talvez o cansaço, que era entendido como a possibilidade de recompensa, tenha se tornado um problema. Principalmente, porque esse cansaço, em vez de recompensa financeira ou reconhecimento profissional, começou a trazer ansiedade, depressão e crises de pânico. O cansaço começou a trazer somatizações várias, entre elas: crises alérgicas absurdas, problemas no trato gastrointestinal, cardiopatia, obesidade, câncer e todo tipo de problema inimaginável. Então, começamos a entender, finalmente, que fazer o bem e o bom, conforme o Deus moral Kantiano nos manda não necessariamente trará boas recompensas ou sucesso. Então, de certa forma, estamos percebendo que essa sociedade do alto desempenho e esse cansaço behaviorista não são a resposta ideal para uma vida de sucesso. Talvez sucesso seja poder não trabalhar aos domingos ou sábados. Sucesso é entender que descansar não precisa envolver culpa. Sucesso talvez seja ter lazer e a consciência tranquila, o que muita gente ainda tem dificuldade de viver. Então, estamos abrindo mão dessa perspectiva e dessa lista de problemas de saúde. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Além disso, caso você não queira usar nenhuma dessas situações, você ainda pode dizer que boa parte dessa mudança é o rompimento do biopoder ou do Deus moral que acabei de mencionar. KANT E DEUS MORAL Quem fala de Deus moral é Kant e esse conceito representa aquela voz que fica ao seu lado, falando em seu ouvido que você tem que estudar ou trabalhar sempre que você quer parar. Talvez estejamos abrindo mão disso ou estejamos nos tornando mais conscientes disso. Ainda é um processo muito difícil, claro, principalmente, porque esse Deus moral envolve não só o que nós sentimos em relação ao meio, mas o julgamento dos outros. O que os outros pensarão se eu trabalhar menos? O que os outros pensarão se eu me conformar com um trabalho mais simples, com menos horas trabalhadas, com uma carreira que não seja necessariamente a que os outros esperam? Fracamente, uma parte do que fazemos na vida é para agradar os outros e não a nós mesmos, é para cumprir as expectativas dos outros, é para entrar em determinados grupos e cumprir com o comportamento que esses grupos consideram correto. É o que Pierre Bourdieu chama de habitus. Então, nós estamos dentro dessa tendência do quiet quitting tentando quebrar essa dinâmica de biopoder, tentando quebrar essa voz ao ouvido ou tentando, pelo menos, fazer frente a ela, rompendo com habitus. Eu creio que seja uma luta extremamente complicada e a maioria de nós não vai conseguir vencer, mas é uma tentativa válida de mudança de perspectiva. Então, você pode escolher como tópico qualquer uma dessas direções e você tem a mesma argumentação ou o alto desempenho, de Byung Chul Han, ou o biopoder, de Michel Foucault, ou a quebra do Deus moral, de Kant, ou a quebra do habitus, de Bourdieu. Todas elas correspondem a essa visão de cansaço que não compensa pelo nível de adoecimento que traz. Por fim, como uma Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br última tese possível dentro dessa discussão é que esse debate não serve para todo mundo, uma vez que é um debate elitista e talvez esse seja um dos maiores embates para a evolução desse debate. DEBATE DO QUIET QUITTING E A REALIDADE BRASILEIRA Quem é que pode realmente desistir silenciosamente? Quem tem condições financeiras para fazer isso? Para muitas famílias cuja renda é limitada, com os salários baixos, com o pagamento de aluguéis e, principalmente, dentro de um ritmo de inflação absurdo que essas crises econômicas trouxeram, desistir do ritmo de trabalho não é uma opção. Já pensou nisso? Então,o debate é incrível, o fato de poder trabalhar menos é fantástico e poder dedicar-se mais às relações sociais, afetivas e morais é extraordinário, no entanto, não é para todo mundo. Então, o próprio surgimento do debate sobre o quiet quitting denuncia os imensos abismos sociais de que o Brasil é feito e as inúmeras realidades que compõem essa realidade, é inevitável que nós sejamos um país de múltiplos Brasis, como diria o saudoso Darci Ribeiro. Nós não temos um país só. Enquanto estamos aqui estudando a possibilidade de trabalhar menos, inúmeras famílias brasileiras não sabem como fazer para conseguir mais de 1 refeição ao dia. Enquanto Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br estamos aqui estudando a possibilidade de não trabalhar aos domingos, milhares e milhares de brasileiros não conseguem um salário mínimo para compor a renda familiar. Enquanto estamos aqui estudando a possibilidade de só fazer o básico para manter qualidade de vida, inúmeros brasileiros não conseguem mais do que uma refeição completa. Eles estão trocando o almoço por lanches para evitar os gastos com os itens básicos da cesta básica (e haja básico, porque não dá para comprar). Então, chega a ser vergonhoso, meio vexatório, discutir sobre quiet quitting em um Brasil que passa fome, em um Brasil que aprofunda o cenário de fome. Então, estamos diante de um debate que é raso demais embora pareça valioso devido ao cenário aterrador pelo qual o Brasil passa. Essas vergonhas, na verdade, temos passado há algum tempo. Estávamos discutindo arduamente até pouco tempo sobre a validade ou não da telemedicina, o atendimento remoto aos pacientes. Enquanto isso, muitas cidades brasileiras não têm sequer um postinho de saúde com um profissional de saúde. Nem mesmo um técnico de enfermagem. Então, é drástico isso, mas, na verdade, nós sempre estamos tratando de pautas que envolvem o bem-estar de uma parcela diminuta da sociedade enquanto esses abismos sociais são naturalizados e banalizados. Obviamente, Hannah Arendt tem uma referência para isso (como sempre Hannah Arendt é uma referência para tudo). Afinal, os abismos sociais são parte da formação dessa sociedade desde que o primeiro português pisou nessas terras. Desde então, nós nos habituamos a esses abismos e consideramos que eles sejam inevitáveis ou normais. Infelizmente! Pois é... enquanto estamos discutindo sobre renunciar o trabalhar demais, alguns não podem fazer nada e estão morrendo de fome. Enquanto estamos tentando discutir a possibilidade de curtir o final de semana prolongado ou trabalhar quatro dias na semana, como alguns países já estão propondo, nós não conseguimos oferecer comida para colocar na mesa do povo. Então, somos o Brasil dos paradoxos e das incoerências. Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br Afinal, inúmeros brasileiros não dispõem de ferramentas suficientes para sobreviverem, como diria Chico de Oliveira “países periféricos carecem sempre das ferramentas fundamentais para manter a vida, para conseguir manter-se com dignidade”. Então, não sei para onde levamos esse debate. O que você acha? Precisamos levar um debate intenso para o Congresso sobre o peso das reformas trabalhistas ou sobre conseguir lançar uma proposta de quiet quitting coerente com as demandas sociais brasileiras? Talvez uma das primeiras medidas a serem tomadas seja rever a reforma trabalhista que acabou com a qualidade de vida e com a possibilidade de um pouquinho de cidadania e dignidade para o trabalhador brasileiro. Então, precisamos resolver essa situação antes de entender se o quiet quitting vai ser bom ou ruim para que as pessoas, inclusive, possam ter a escolha de continuar sendo workaholics ou de conseguirem administrar o seu tempo com mais inteligência, mais qualidade e mais criticidade. Abraço! Licensed to Jose Adriano Leite mergulhao - Adrianomergulhao@hotmail.com.br