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Quem_Tem_Medo_Do_Direito_Internacional_Um_Estudo_Sobre_O_Comportamento (1)

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Cris Rolo

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A Júlia, que trouxe à minha existência cor, vida e alegria.
e hill, though high, I covet to ascend;
e difficulty will not me offend,
For I perceive the way to life lies here.
Come, pluck up, heart, let’s neither faint nor fear.
Better, though difficult, the right way to go,
an wrong, though easy, where the end is woe.
John Bunyan, e Pilgrim’s Progress, 1678.
AGRADECIMENTOS
Tenho sido abençoado por Deus de muitas e das mais variadas
maneiras, mas a principal delas certamente se expressa pelas pessoas que Ele
tem colocado no meu caminho.
Júlia, minha alma gêmea, cujo apoio foi imprescindível para a
concretização desta obra. Além de ter compreendido a minha ausência
temporária para me dedicar à pesquisa, deu inestimáveis contribuições
ouvindo, sugerindo e revisando textos.
Os meus �lhos Teodoro e Catarina, que enchem o meu coração de
alegria todos os dias e têm sempre me ensinado sobre o que realmente é
importante na vida.
Os meus pais, Adão e Dalva, pessoas simples e sábias, que sempre me
deram muito amor e me ensinaram – quase sempre sem palavras – os
valores mais importantes que tento cultivar na vida.
Os meus irmãos, Amanda e Júnior, meus amores, distantes �sicamente,
mas sempre próximos, nos momentos bons ou maus, importantes ou
singelos.
Os meus sogros Brazeiro e Margarida, pessoas muito especiais que se
tornaram verdadeiros pais para mim.
Os meus amigos são tantos e tão queridos que seria difícil listá-los aqui.
Mas não poderia deixar de mencionar os “idiotas” da UESC, colegas de
graduação e amigos �éis com quem mantenho contato diário (Caco, Da
Lapa, Fernando, Ícaro, João, John, Lopes, Luzi, Negão, Robson, Rocha e
Ronaldo), Jáder (amigo da minha alma), Denisson (amigo mais chegado que
irmão, in memoriam) e os novos amigos que Brasília me deu: Fernando
Antonio e Henrique Neubauer.
O meu orientador, George Rodrigo Bandeira Galindo, que é o meu
exemplo de jurista e cujas sabedoria e dedicação são realmente inspiradoras.
Os professores André Melo Gomes Pereira e Inez Lopes Matos
Carneiro de Farias, que participaram da banca examinadora da dissertação
que deu origem a este trabalho dando valiosas sugestões.
Os demais orientandos do Professor George, a “quadrilha”, que me
concedem o privilégio de gozar da sua convivência alegre, generosa e
fecunda: Bianca, Fabrício, Gabriella, Lucas, Manu, Patrícia e Tamires.
O colega Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, Diretor do Foro da
Seção Judiciária do Distrito Federal, que prontamente autorizou a realização
das entrevistas com os juízes federais.
Os estimados colegas juízes federais do Distrito Federal, que, com
muita boa vontade, suspenderam temporariamente as suas atividades para
participar das entrevistas, tendo sido francos e corajosos na exposição das
suas opiniões.
E a equipe da secretaria da Pós-Graduação da Universidade de Brasília,
na pessoa de Euzilene, sempre tão atenciosa com os discentes.
PREFÁCIO
Há, em alguns internacionalistas, um sentimento de estupefação
quando se deparam com alguém que não percebe no espaço internacional
uma fonte de legitimidade su�ciente para a decisão de certa questão. Eu
mesmo já tive tal sentimento muito arraigado em mim mesmo. Perguntava-
me, então: como não é possível a alguém perceber que vivemos em um
mundo globalizado, em que o que ocorre em um espaço da terra pode ter
repercussões a dezenas de milhares de quilômetros, em Estados longínquos?
Ou, ainda: por que não se consegue enxergar que o recurso a normas e
instituições internacionais – que se baseiam no que é comum aos povos e
indivíduos – deve prevalecer sobre o egoísmo dos Estados? Tal sentimento já
foi chamado por diversos nomes na história; mais recentemente, ele poderia
receber o nome de sentimento cosmopolita.
Não há absolutamente nada de errado com o sentimento cosmopolita.
Eu continuo acreditando que qualquer sociedade – seja ela a mais fechada,
do ponto de vista de suas relações exteriores – somente conseguirá realizar
ideais inclusivos se interagir de maneira construtiva com normas e
instituições internacionais. O problema, no entanto, é que tal sentimento,
por vezes, não é autorre�exivo; ele vislumbra o espaço internacional como
superior simplesmente por ser internacional. Não indaga, por exemplo,
quem são os grandes vencedores do processo de globalização ou quem mais
se favorece com a internacionalização de certos problemas; esquece ou
abstrai que quem cria e faz manter normas e instituições internacionais,
diversas vezes, busca favorecer determinados interesses e atores e canalizar
essas mesmas normas e instituições em benefício de um número muito
restrito de Estados e indivíduos.
Ocorre que ter um sentimento cosmopolita muito ou pouco re�exivo
pressupõe, por óbvio, cultivar esse próprio sentimento. Muitas vezes
internacionalistas esperam dos juízes nacionais que sejam críticos do
sistema internacional ou seus entusiastas, quando, na verdade, muitos
somente possuem sobre ele uma noção bastante vaga – ou fundada em
premissas falsas. Tais juízes simplesmente consideram tais questões como
problemas de direito interno que merecem o mesmo tipo de solução, evitam
lidar com questões de direito internacional ou não se consideram
su�cientemente legitimados para julgar questões sobre a temática.
O livro de Anderson Santos da Silva busca justamente entender o
comportamento dos juízes brasileiros – por meio de um estudo de caso com
os juízes do Distrito Federal – com relação a temas de direito internacional e
conclui que o direito internacional é, de fato, estranho ou incômodo a eles.
O presente livro é fruto de dissertação de mestrado defendida perante o
Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, que foi
aprovada e muito bem recebida pela banca examinadora, composta por
mim, na qualidade de orientador, e pelos Professores André Melo Gomes
Pereira e Inez Lopes Matos Carneiro de Farias.
A pesquisa empírica ainda é um grande desa�o para a ciência jurídica
no Brasil. Poucos estudantes são treinados para fazê-la sob bases
metodológicas rigorosas. No entanto, tal tipo de pesquisa é absolutamente
necessária. Não se pode esperar que um juiz nacional aplique o direito
internacional de maneira tecnicamente mais precisa se se desconhece a sua
formação, sem perquirir a maneira como enxergam o mundo e a divisão de
tarefas, dentro do Estado, para lidar com tais questões. Anderson Santos
Silva encara o difícil desa�o e fornece elementos bastante valiosos para
entender as causas do caráter refratário ou marcadamente equivocado com
que o Judiciário aborda questões de direito internacional no país.
O recurso ao direito interno, muito comum entre juízes brasileiros
quando tratam de alguma questão relativa a direito internacional é, tantas
vezes, uma maneira de tornar conhecido o desconhecido. Recordo, por
exemplo, que no julgamento do RE 466343, que mudou a jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal sobre a questão da prisão civil do depositário
in�el, alguns ministros da Corte decididamente não recorreram a tratados
para chegar à conclusão sobre a impossibilidade de tal tipo de prisão no
Brasil. Havia, aparentemente, uma percepção de que recorrer a normas
internacionais poderia fazer a questão fugir-lhes do controle. Essa estratégia,
no entanto, evita enfrentar ideias que estão em discussão no cenário
internacional e, por consequência, reduz o espaço público para que sejam
apreciadas; ou, pior, dá margem para que elas se insiram no direito interno
de modo camu�ado. Se na pesquisa empírica se demonstrou que a ausência
ou de�ciência de recurso ao direito internacional tem relação com o
desconforto do julgador, é preciso fazer ver aos juízes que a dimensão
psicológica de seu trabalho é relevante e possui consequências signi�cativas
para situar o Brasil internacionalmente.
As doutrinas de não-justiciabilidade também são tratadas com
propriedade pelo autor. Não há dúvidas que, diversas vezes, o juiz deve
abster-se de conhecer determinada demanda porque, segundo as normas de
direito internacional público ou privado,ela deve ser apreciada pela Justiça
Internacional ou Estrangeira. A não-justiciabilidade, no entanto, não é
propriamente uma questão processual, mas o impedimento de o juiz
conhecer de certa demanda em virtude de sua própria natureza – que,
usualmente, entende ela ou ele, ultrapassa os limites do que constituiria
propriamente o fenômeno jurídico. Particularmente, não acredito que todos
os con�itos devam ser judicializados. No entanto, é preciso que isso de�ua
de uma vontade comum das partes e não de um conceito pré-concebido do
que seria “o jurídico”. Acontece que, em matéria de direito internacional, por
vezes, o desconhecimento ou o medo conduzem o juiz a enquadrar certa
matéria como extrajurídica. Tal atitude, sem dúvidas, reduz sobremaneira as
possibilidades de se obter uma solução que leve em conta a �nalidade de
uma norma jurídica internacional – por meio dos tribunais – em uma
determinada controvérsia.
Bastante original na obra é a análise do impacto do interesse nacional
sobre o juiz também nacional. É comum evitar ou analisar de maneira
equivocada o direito internacional em virtude de o magistrado ou a
magistrada pensarem que sua decisão pode afetar signi�cativamente o
chamado interesse nacional. Ocorre que essa categoria não opera nem deve
operar no vácuo. Ela é fruto do que diferentes forças sociais, em um
determinado momento histórico, pensam e fazem. Assim, não é
exclusividade do Poder Executivo ou, especi�camente, de órgãos internos à
sua estrutura. Entretanto, é importante ressaltar que di�cilmente se pode
defender a legitimidade de o juiz, sozinho, mesmo em um órgão colegiado,
determinar o que seria o interesse nacional, sem o recurso a um processo
deliberativo em que sejam ouvidos os principais atores que serão afetados
pela decisão, inclusive aqueles que podem se pronunciar em matéria de
ordem técnica. Do contrário, simplesmente se retirará a formulação do
interesse nacional de algumas poucas mãos para entregá-la a outras, talvez
ainda em menor número. O juiz deve estimular e, muitas vezes, ser o
catalisador do processo deliberativo que buscará identi�car – ou contradizer
ou con�rmar – o que seria o interesse nacional em determinada situação.
Para mim, foi motivo de enorme aprendizagem orientar o trabalho de
Anderson Santos da Silva. O livro que ora se apresenta é corajoso e
necessário, perspicaz e instigante. Que ele possa inspirar diferentes
julgadores ao redor do país de que eles e elas devem e podem ter uma voz
mais ativa em matéria de direito internacional; que possam, com isso,
alcançar o sentimento cosmopolita e serem vozes ativas que promovam –
espero efusivamente - a sua própria autorre�exão. Com isso, teremos mais
atores opinando sobre direito internacional no país, tornando mais
complexa a sua interpretação. Teremos, porém, também – e este é o grande
prêmio! - mais portas por onde possa entrar a justiça.
George Rodrigo Bandeira Galindo
Professor Associado da Faculdade de Direito da UnB
Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores
Membro da Comissão Jurídica Interamericana
APRESENTAÇÃO
A literatura internacionalista costuma abordar o problema da relação
entre o direito internacional e o direito interno oferecendo modelos teóricos
que tentam explicar essa relação (as famosas teorias monistas e dualistas).
Essa abordagem, no entanto, frequentemente deixa escapar uma dimensão
fundamental do problema: como os Estados se posicionam, na prática,
perante as normas jurídicas internacionais em sua esfera interna.
Este trabalho, que é resultado das pesquisas realizadas durante o meu
mestrado, busca preencher essa lacuna da literatura internacionalista
brasileira. A obra explora a relação entre o direito brasileiro e o direito
internacional a partir de uma perspectiva prática, buscando compreender o
comportamento dos atores judiciais perante as normas jurídicas
internacionais.
Para tanto, foram analisadas 101 decisões judiciais proferidas pelos
juízes federais do Distrito Federal e realizadas 40 entrevistas
semiestruturadas com esses magistrados. Com a análise dos dados colhidos,
foi possível identi�car três padrões no comportamento dos juízes federais do
Distrito Federal: tendência a evitar a aplicação do direito internacional,
recorrendo-se, para resolver as demandas internacionais, ao direito interno;
utilização implícita de doutrinas de não justiciabilidade com o �m de se
esquivar do julgamento das disputas internacionais mais sensíveis às
relações externas do Estado brasileiro; e resistência à aplicação das normas
jurídicas internacionais aos casos concretos quando se vislumbra algum tipo
de prejuízo ao interesse nacional.
O estudo tentou não se limitar, como se verá, à constatação das atitudes
dos juízes federais, mas se arriscou, com base em uma teoria (“o juiz como
participante de um mercado de trabalho”, de Lee Epstein, William Landes e
Richard Posner), a identi�car algumas causas e propor algumas soluções.
Com isso, espero que o conhecimento construído com a pesquisa contribua
de alguma forma para a superação de di�culdades na atuação pro�ssional
dos juízes na aplicação das normas jurídicas internacionais, colaborando
assim para o aprimoramento da prestação jurisdicional no Brasil.
SUMÁRIO
Capa
Folha de Rosto
Créditos
INTRODUÇÃO
CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O
MÉTODO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA
1.3 A COLETA DOS DADOS
1.4 A ANÁLISE DOS DADOS
1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS
CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES NACIONAIS E O DIREITO
INTERNACIONAL
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2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL
2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO DIREITO
INTERNACIONAL
2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS CORTES
NACIONAIS
2.4.1 Aplicação do direito internacional
2.4.2 Criação do direito internacional
2.4.3 Implementação das decisões das cortes e
organizações internacionais
2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA
CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO DIREITO INTERNO
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO INTERNACIONAL
3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE DESCONHECIDO
3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS FACULDADES
BRASILEIRAS
3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO
3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL
CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE NÃO JUSTICIABILIDADE
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA CAUSA
INTERNACIONAL
4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL
4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO INTERNACIONAL
4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA
4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS EM
MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES
4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA EXTERNA
CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO INTERESSE NACIONAL
5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À APLICAÇÃO
DO DIREITO INTERNACIONAL
5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO DIREITO
INTERNACIONAL
5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O
INTERESSE NACIONAL
5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER APLICADO
CONTRA O INTERESSE NACIONAL?
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
CASOS
ATOS NORMATIVOS
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS
INTRODUÇÃO
Durante muitos anos, os juristas internacionalistas tiveram que
concentrar muito das suas energias na defesa da juridicidade do direito
internacional. Não é por acaso que, por trás dos intensos debates entre
monistas e dualistas travados na Academia de Direito Internacional da Haia
na primeira metade do século XX, estava sempre a questão da juridicidade e
do próprio fundamento do direito internacional (GALINDO, 2002, p. 9-10).
No entanto, com o advento da proclamada era pós-ontológica do
direito internacional1 – em que tal defesa já não é, em tese, necessária –
abriram-se novos horizontes de pesquisa para os seus especialistas. Surge,
então, a necessidade de se dar um enfoque prático à relação entre o direito
internacional e o direito interno, o que torna praticamente obsoleta a
abordagem puramente teórica conferida à questão pelos monistase pelos
dualistas.
Esse enfoque prático inevitavelmente coloca os tribunais nacionais no
centro do problema. Nesse sentido, mais do que construir modelos teóricos
que descrevam as relações entre a ordem jurídica internacional e os diversos
sistemas jurídicos nacionais, importa saber como os Estados têm se
posicionado internamente perante as normas jurídicas internacionais e,
principalmente, como as cortes domésticas lidam com essas normas.
E, de fato, compreender a atitude dos tribunais internos perante o
direito internacional é crucial, já que esses se encontram no centro da
permanente tensão que existe entre o direito internacional e o direito
interno, sendo os principais responsáveis pelo fechamento ou abertura das
ordens jurídicas nacionais para o direito internacional. A questão torna-se
ainda mais relevante quando se veri�ca que, devido à descentralização que
caracteriza o sistema jurídico internacional, sempre se esperou – como será
visto adiante – que os tribunais domésticos também desempenhassem a
função de tribunais internacionais.
Contudo, a literatura jurídico-internacional brasileira não tem dado a
devida atenção ao tema2, que se ressente principalmente da falta de uma
abordagem mais empírica. Como já foi notado por George Rodrigo
Bandeira Galindo (2012, p. 7-8):
Em resumo, essas críticas [...] somente reforçam a necessidade de pesquisas empíricas
nesse campo. Tais pesquisas precisam se concentrar em questões como: Quem são os
juízes? Como decidem? O que levam em consideração quando decidem? Quais os custos
e consequências de suas decisões?
O principal objetivo deste trabalho é exatamente contribuir para o
preenchimento dessa lacuna na produção acadêmica brasileira estudando a
relação entre o direito brasileiro e o direito internacional por meio da
compreensão do comportamento dos juízes federais do Distrito Federal
(DF) no julgamento das causas de sua competência.
A pesquisa concluiu que o comportamento dos juízes federais do DF
diante de causas internacionais apresenta três padrões. O primeiro é uma
tendência a evitar, sempre que possível, a aplicação do direito internacional,
recorrendo-se, para resolver essas demandas, aos ramos do direito com os
quais os julgadores têm mais familiaridade. O segundo padrão é a utilização
implícita de doutrinas de não justiciabilidade, como a do ato de Estado e a
das questões políticas, com o �m de se esquivar do julgamento de disputas
internacionais mais sensíveis às relações exteriores do Estado brasileiro. O
terceiro, por �m, é uma certa resistência judicial à aplicação das normas
jurídicas internacionais aos casos concretos quando se vislumbra algum tipo
de prejuízo ao interesse nacional.
Essas conclusões serão discutidas nos cinco capítulos do trabalho. No
primeiro, são apresentados os procedimentos utilizados na pesquisa. Depois
de explicar como surgiu e se desenvolveu o problema de pesquisa, o capítulo
detalha como foram colhidos os dados (as decisões judiciais e as opiniões
dos magistrados) que embasam a investigação. Na sequência, explicita o
método usado para analisar esses dados (a análise do discurso) e o marco
teórico que iluminou essa análise (a teoria do juiz como participante de um
mercado de trabalho, com alguns aportes do institucionalismo sociológico e
da psicologia cognitiva), e conclui fazendo mais alguns esclarecimentos de
natureza metodológica.
No segundo, são retomadas algumas bases teóricas para a compreensão
do lugar dos tribunais nacionais no direito internacional. Insiste, antes de
qualquer coisa, que o direito internacional é direito e, por conseguinte, deve
ser aplicado pelos juízes internos na resolução das causas que lhes são
submetidas. Em seguida, argumenta que a descentralização que caracteriza a
ordem jurídica internacional levou os juristas internacionalistas a
desenvolver a teoria do desdobramento funcional, segundo a qual os
tribunais nacionais têm a função de aplicar, imparcial e independentemente,
as normas jurídicas internacionais. Por �m, depois de se ensaiar uma
tipologia das possibilidades de atuação das cortes domésticas em relação às
normas jurídicas internacionais, conclui que a expectativa de que os órgãos
judiciais internos aplicassem essas normas restou frustrada, porque os juízes
nacionais tendem a buscar meios para evitar a sua aplicação.
O terceiro capítulo dedica-se ao primeiro padrão de comportamento
identi�cado entre os juízes federais do DF, que é o silenciamento sobre as
normas jurídicas internacionais incidentes sobre as causas, mesmo quando
invocadas pelas partes. Os julgadores, nesses casos, apenas aplicam as
normas do direito interno. Essa atitude é explicada pelo baixo grau de
conhecimento do direito internacional apresentado pelos magistrados, que,
por sua vez, está diretamente ligado à forma como essa disciplina é ensinada
nas faculdades brasileiras. Movidos pela aversão ao esforço e pelo cansaço,
potencializados pela excessiva carga de trabalho, os magistrados
pesquisados, então, evitam julgar as demandas com base em um ramo do
direito que não dominam. O capítulo termina com algumas re�exões sobre
por que estudar direito internacional e quais as medidas que poderiam ser
adotadas para mudar o cenário do ensino da disciplina no Brasil.
O quarto capítulo examina a prática de se recorrer implicitamente a
doutrinas de não justiciabilidade como estratégia para se evitar o julgamento
do mérito das disputas internacionais mais sensíveis às relações
internacionais. Argumenta que a técnica utilizada pelos juízes para não se
pronunciarem sobre os atos de outros governos – a doutrina do ato de
Estado – não goza mais de prestígio nem mesmo no mundo anglo-saxão,
onde surgiu. Explica que tampouco a doutrina das questões políticas,
invocada para se evitar o escrutínio judicial dos atos do governo brasileiro
na condução da política externa, pode servir de justi�cativa para a
abdicação judicial na matéria. O uso dessas doutrinas decorre de certas
preferências jurídicas dos juízes que não mais se sustentam. O capítulo é
�nalizado com o desenvolvimento do argumento de que o controle judicial
da política externa brasileira é juridicamente possível, embora isso não
signi�que que o Poder Judiciário deva necessariamente dar a última palavra
sobre o assunto.
O quinto e último capítulo analisa uma atitude que foi encontrada em
uma parcela bastante signi�cativa dos participantes da pesquisa: a
resistência à aplicação das normas internacionais que possam resultar, no
caso sob julgamento, em prejuízo a algum interesse nacional. Retoma-se, na
oportunidade, alguns debates recentes sobre o lugar do interesse nacional no
direito internacional. Em seguida, argumenta-se que essa atitude dos juízes
também é uma decorrência de determinadas preferências jurídicas que,
como se verá, já não dão conta do atual cenário jurídico-internacional. O
capítulo é concluído com algumas re�exões sobre os motivos pelos quais os
juízes deveriam aplicar o direito internacional mesmo ocasionalmente
contrário ao interesse nacional.
Nas conclusões, são apresentados de forma sintética os principais
resultados da pesquisa para, nos parágrafos �nais, serem tecidas algumas
considerações gerais sobre a principal lição – a nosso ver – que os
acadêmicos do direito internacional podem extrair desses achados: a de que
não é possível desenvolver a ordem jurídica internacional sem que os atores
sociais, os órgãos e as instituições relevantes também sejam envolvidos no
projeto.
1 A era pós-ontológica do direito internacional foi proclamada por omas Franck, para quem: “Like
any maturing legal system, international law has entered its post-ontological era. Its lawyers need
no longer defend the very existence of international law. us emancipated from the constraints of
defensive ontology, international lawyers are now free to undertake a critical assessment of its
content” (FRANCK, 1995, p. 6).
2 São poucos os trabalhos sobre o tema na produção acadêmica brasileira. Merecem destaque os
seguintes artigos: “Direitos humanos ejusticiabilidade: pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio de
Janeiro”, de autoria de José Ricardo Cunha (2005) e “A aplicação das normas da Organização
Mundial do Comércio pelo juiz brasileiro”, de Jahyr-Phillippe Bichara e Sid Marques Fonseca Júnior
(2015). Como se verá no segundo capítulo, o tema recebe bem mais atenção na literatura jurídica
estrangeira.
CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS
PALAVRAS SOBRE O MÉTODO
1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de caráter
empírico, assim entendida como aquela que se baseia na observação do
mundo3. A validade de pesquisas dessa natureza impõe necessariamente que
os processos de coleta e de análise de dados sejam rigorosamente
transparentes, com informações su�cientes para que as evidências
observadas possam ser replicadas sem a interferência do pesquisador
original (EPSTEIN; KING, 2013, p. 47-56).
O objetivo deste breve capítulo, portanto, é explicar os procedimentos
adotados na pesquisa. Primeiro, será explicado como surgiu e como se
desenvolveu o problema de pesquisa. Segundo, será detalhado o
procedimento de coleta dos dados (as decisões judiciais e as opiniões dos
juízes federais do DF). Terceiro, será informado como os dados foram
analisados, explicitando tanto o caminho seguido para se chegar aos
resultados (o método) quanto os esquemas conceituais que foram utilizados
para compreendê-los (o marco teórico). Por �m, serão feitas três
observações metodológicas relevantes.
1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE
PESQUISA
A ideia para a realização da pesquisa surgiu de uma inquietação. O
pesquisador é juiz federal substituto, tendo ingressado na magistratura em
12 de setembro de 2013 e, desde os primeiros meses da sua atividade como
magistrado sentiu, entre os seus colegas, uma certa resistência à aplicação
das normas jurídicas internacionais. E isso na Justiça Federal, exatamente o
ramo do Poder Judiciário a que a Constituição brasileira atribui a
competência para julgar diversas causas ligadas ao direito internacional.
Essa percepção despertou o interesse em compreender esse fenômeno,
especialmente suas causas, características e consequências. Mas não seria
viável, no âmbito de uma pesquisa de mestrado, incluir toda a população de
juízes e membros de tribunais do sistema judicial brasileiro, que ultrapassa o
número de 18.000 magistrados. Por isso, foi necessário fazer alguns recortes
na população investigada. Optou-se, primeiro, por juízes de primeira
instância devido à sua importância do ponto de vista da representatividade
(em razão da quantidade de membros) no contexto do Poder Judiciário
brasileiro. Dentre os juízes de primeira instância, foram selecionados os
federais, devido à sua competência jurisdicional, que abrange diversas
questões a�ns ao direito internacional. Por �m, os juízes lotados
especi�camente no DF foram eleitos por terem a mesma localização
geográ�ca da Universidade de Brasília, o que diminuiu os obstáculos na
realização das entrevistas.
Com isso, foi possível chegar ao seguinte problema de pesquisa: como
os juízes federais do Distrito Federal lidam com o direito internacional no
julgamento das causas de sua competência? O objetivo principal era testar
empiricamente a hipótese de que os juízes federais do DF evitam a aplicação
das normas jurídicas internacionais no exame dos casos submetidos à sua
apreciação.
1.3 A COLETA DOS DADOS
Os dados escolhidos para serem analisados foram as decisões judiciais
proferidas pelos juízes federais do Distrito Federal e as opiniões desses
magistrados sobre algumas questões relacionadas ao direito internacional. A
técnica utilizada para selecionar as decisões judiciais foi a busca aleatória no
banco de decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no sítio
eletrônico https://portal.trf1.jus.br/pesquisadocumentos/index.jsf, que se
deu no dia 28 de setembro de 2020.
Foram utilizados os seguintes �ltros: Tipo Documento (em que foi
selecionada a opção “todos”), Seção (foi marcada a “Seção Judiciária do
Distrito Federal”) e Unidade (foi selecionada a opção “todos”). O termos
incluídos na busca, um após o outro, foram “internacional”, “tratado”,
“convenção”, “nacionalidade”, “refugiado”, “estrangeiro”, “organização
internacional”, “interamericana” e “imunidade”.
A primeira di�culdade encontrada foi a grande quantidade de
documentos exibidos (aproximadamente 20.000), o que levou à necessidade
de um recorte temporal nos resultados. O período escolhido foi de 2011 a
2020. A outra di�culdade decorreu do fato de que a maioria das decisões
exibidas não dizia respeito ao direito internacional. Às vezes a palavra
“tratado” era apenas o particípio passado do verbo “tratar”, e a palavra
“internacional” nada mais era do que a parte do nome de uma sociedade
empresarial qualquer.
Essas di�culdades �zeram com que boa parte da seleção fosse artesanal.
Foi necessário fazer uma análise super�cial de cada decisão para saber se ela
havia sido proferida dentro do marco temporal escolhido e se o seu
conteúdo tinha alguma coisa a ver com o direito internacional. Esse
procedimento possibilitou a seleção de 101 decisões e sentenças.
A técnica utilizada para coletar as opiniões dos participantes da
pesquisa foi a realização de entrevistas semiestruturadas. Essa parte da
pesquisa dependeu da autorização do Comitê de Ética em Pesquisa em
Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília, o que foi feito pelos
Pareceres Consubstanciados nº 4.458.511, de 11 de dezembro de 2020, e nº
4.552.235, de 23 de fevereiro de 2021. Todos os 60 (sessenta) juízes federais
do DF foram convidados para participarem da pesquisa. A quantidade que
respondeu, agendando dia e horário para a realização da entrevista, foi de 40
(quarenta) juízes. Dentre os 20 (vinte) que não agendaram, 10 (dez)
apresentaram justi�cativas e 10 (dez) não responderam a tempo.
As 40 (quarenta) entrevistas foram realizadas no período de 1º de
março a 6 de abril de 2021 e, por imposição da pandemia de Covid-19, foi
utilizado um sistema de videoconferência (o aplicativo Teams). As perguntas
feitas aos participantes foram as seguintes:
● Como foi a sua experiência com o direito internacional na graduação?
● Como avalia o seu conhecimento do direito internacional comparado
com o dos demais ramos do direito? Por quê?
● Na sua opinião, o direito internacional tem características diferentes
dos demais ramos do direito?
● Na sua opinião, há questões de direito internacional que não
deveriam ser julgadas por juízes?
● Na sua opinião, o direito internacional deve ser aplicado em um caso
concreto mesmo que isso prejudique algum interesse do Estado ou do
governo brasileiro?
1.4 A ANÁLISE DOS DADOS
Depois de colhidos os dados (as decisões judiciais e as opiniões dos
juízes), passou-se à fase de análise. A abordagem metodológica escolhida
para essa tarefa foi a da análise do discurso. Esse método possibilita a
obtenção de insights a partir da identi�cação de categorias, temas e termos
chaves, de padrões de associações e de variações, e das posições das quais os
atores sociais lançam os seus discursos (TONKISS, 2012).
O método da análise do discurso possibilitou a identi�cação das
palavras, ideias e estratégias mais frequentes nas decisões e nas opiniões dos
magistrados e como essas ideias explicam a atitude desses juízes perante o
direito internacional. É possível destacar aqui alguns exemplos que serão
detalhados durante o texto: o par “conforto/desconforto” foi
recorrentemente utilizado nas entrevistas para explicar a relação dos
participantes com as normas jurídicas internacionais; descrições negativas
foram predominantes na avaliação da experiência dos entrevistados com o
direito internacional na graduação; ideias relacionadas a competência
funcional, capacidade institucional e soberania nacional, por sua vez,
encontram-se bastante presentes nos textos das decisões e nas opiniões dos
magistrados nas situações que envolvem a solução de uma determinada
questão jurídica internacional.
A análise dos dados coletadosfoi feita à luz da contribuição das
pesquisas sobre o comportamento judicial, especialmente da “teoria do juiz
como participante de um mercado de trabalho”, proposta por Richard
Posner em seu in�uente livro How Judges ink (2008), e testada
empiricamente em e Behavior of Federal Judges, escrito em coautoria com
Lee Epstein e William Landes (2013). Esse in�uente modelo teórico do
comportamento judicial, que explora os incentivos e as restrições a que os
juízes estão sujeitos, serviu para explicar diversos resultados encontrados na
pesquisa.
Além dessa teoria, foram consideradas as contribuições especí�cas do
institucionalismo sociológico, mais especi�camente as relativas ao papel das
instituições na construção de esquemas cognitivos. Aqui, o conceito de
“preferências jurídicas” (GONZÁLEZ-OCANTOS, 2016) foi especialmente
útil para a compreensão das ideias, categorias e compreensões dos juízes que
obstam a penetração do direito internacional na sua atividade. Também
foram utilizados alguns insights da psicologia cognitiva sobre heurísticas e
vieses cognitivos para explicar aspectos do comportamento dos
participantes da pesquisa.
1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS
Antes de concluir esse breve capítulo, é necessário fazer mais algumas
observações de natureza metodológica. A primeira é que o trabalho utiliza o
termo “direito internacional” em uma acepção ligeiramente mais ampla do
que o usual, abrangendo alguns tópicos tradicionalmente incluídos no
objeto do Direito Internacional Privado. Tendo em vista a atuação da Justiça
Federal em causas como sequestro internacional de crianças, alimentos
internacionais e cooperação jurídica internacional de modo geral, optou-se
por incluir esses temas na pesquisa, já que são, em grande medida, regulados
por normas jurídicas internacionais. Essa opção, acredita-se, coaduna-se
com a tendência de superação da visão compartimentalizada dessas
disciplinas jurídicas, conforme bem assinalado por Diego P. Fernández
Arroyo e Makane Moïse Mbengue (2018, p. 802, 804):
[c]hanges in the relations among States, individuals, and multinational corporations have
led scholars and practitioners to reconsider the traditional boundaries of each discipline
[…] Our de�nitions, moving forward, must recognize public and private international
law as part of a larger juridical system concerned with the regulation of international
relations, more generally.
A segunda observação é que, como já foi dito no início, o pesquisador é
um juiz investigando o comportamento de colegas de pro�ssão. E isso tem
aspectos positivos e negativos. Um aspecto positivo que pode ser destacado
é que o êxito de uma entrevista depende, em grande medida, de uma
“atmosfera amistosa e de con�ança” (GOLDENBERG, 2011, p. 72), que pode
ter sido mais facilmente construída devido à relação de colegas de trabalho
mantida entre o pesquisador e os participantes da pesquisa. Além disso,
também se pode dizer que o conhecimento da rotina de trabalho dos
pro�ssionais investigados pode ter tido algum papel em algumas conclusões
do trabalho. Os aspectos negativos estão relacionados à possível in�uência
do espírito de corpo pro�ssional. Este viés coloca-se fora do pleno controle
do pesquisador e, por maior que tenha sido o seu esforço em dele se
desvencilhar, é possível que tenha tido algum tipo de repercussão na
pesquisa.
Por �m, algo que merece registro é que esse trabalho é
“internacionalmente orientado”, no sentido de que não é neutro quanto à
importância da disciplina jurídica internacional para a atuação do Poder
Judiciário brasileiro e, em última análise, para a vida das pessoas. Isso não
quer dizer que considera o direito internacional intrinsecamente bom ou
melhor do que o direito interno. Quer dizer apenas que parte da premissa de
que o direito internacional é indispensável para a solução mais completa
possível de diversos problemas, o que se torna inviável quando ele é
completamente ignorado pelas instâncias internas.
3 “A palavra ‘empírico’ denota evidência sobre o mundo baseada em observação ou experiência. Essa
evidência pode ser numérica (quantitativa) ou não-numérica (qualitativa); nenhuma é mais
‘empírica’ que a outra” (EPSTEIN; KING, 2013, p. 11).
CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES
NACIONAIS E O DIREITO
INTERNACIONAL
2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A compreensão da atitude dos juízes brasileiros perante o direito
internacional pressupõe alguma noção sobre como a literatura jurídica vê o
papel dos tribunais internos no sistema jurídico internacional. O escopo
deste capítulo é tecer algumas considerações gerais sobre as principais
contribuições teóricas sobre o assunto, que foram agrupadas em quatro
tópicos.
O primeiro tópico cuida da questão da juridicidade do direito
internacional. Se a função dos tribunais é decidir os casos por meio da
aplicação do direito, a questão da aplicação do direito internacional pelas
cortes nacionais passa necessariamente pelo reconhecimento do caráter
jurídico dessa disciplina. Argumenta-se, aqui, que o direito internacional,
assim como o direito interno, vincula os juízes nacionais no julgamento das
causas que lhes são apresentadas.
O segundo cuida do desenvolvimento da teoria do “desdobramento
funcional” (dédoublement fonctionnel), por Georges Scelle, segundo a qual
os tribunais internos devem exercer o papel de aplicadores independentes e
imparciais das normas jurídicas internacionais. Essa teoria é possivelmente a
responsável por despertar a esperança dos juristas internacionalistas de que
as cortes domésticas supririam o problema da descentralização da ordem
jurídica internacional.
O terceiro contém o esboço de uma tipologia da atuação dos tribunais
nacionais. Sustenta-se que há três possibilidades de atuação internacional
desses tribunais: aplicação das normas jurídicas internacionais, que pode
apresentar o mesmo estilo da aplicação das normas jurídicas internas ou
não; criação das normas jurídicas internacionais; e implementação de
decisões de cortes e de organizações internacionais.
Por �m, o último tópico explora a constatação de que, na prática, as
cortes nacionais frustraram a expectativa criada pela teoria do
“desdobramento funcional”. Há evidências bem documentadas de que, em
diversas partes do mundo, em vez de assumirem a esperada função de
tribunais internacionais, as cortes domésticas passaram a adotar técnicas
para evitar a aplicação do direito internacional.
2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO
INTERNACIONAL
A função especí�ca dos tribunais – nacionais e internacionais - é
decidir os casos particulares que lhes são submetidos, em caráter obrigatório
e com de�nitividade, por meio da aplicação do direito vigente4, que inclui,
evidentemente, o direito internacional. A antiga questão “o direito
internacional é realmente direito?” perdeu a sua relevância teórica, havendo
hoje um consenso acadêmico bem consolidado no sentido de que as normas
do direito internacional público (DIP) não são simples normas morais ou de
cortesia, mas verdadeiras normas jurídicas5.
Aliás, muitas páginas já foram escritas em defesa da juridicidade do
direito internacional. Os argumentos dos negadores – que geralmente
partem de pressupostos positivistas – podem ser sintetizados nos seguintes:
primeiro, o DIP não possui normas vinculantes; segundo, o DIP não tem
um centro legislativo; e terceiro, os tribunais internacionais não têm
jurisdição obrigatória. A essas objeções, a doutrina internacionalista
contrapõe algumas respostas que já são tradicionais6.
O primeiro argumento fundamenta-se principalmente na alegação de
que os Estados não são verdadeiramente obrigados a cumprir as normas
internacionais, que seriam meras normas de cortesia (comitas gentium) ou
morais, já que são desprovidas de sanções. Entretanto, não é totalmente
verdadeiro que as normas do direito internacional são destituídas de
sanções, pois estas existem (ruptura de relações, retorsões, represálias etc.),
embora sejam diferentes das utilizadas pelo direito interno. Além disso, o
fato de os Estados (e os demaissujeitos internacionais) tratarem, de um
modo geral, as normas internacionais como obrigatórias enfraquece
bastante o argumento.
O segundo argumento (segundo o qual o DIP não possui um centro
legislativo) contém um vício de analogia doméstica, porquanto parte
equivocadamente da ideia de que somente pode haver sistema jurídico se
houver um centro de produção de normas jurídicas, como ocorre nas
ordens jurídicas nacionais. No entanto, até mesmo no próprio direito
interno, as leis apenas se tornaram a principal fonte em um passado
relativamente recente. Durante muito tempo, esse papel foi desempenhado
pelo costume, e nem por isso se a�rma que, enquanto não existia um centro
legislativo nas ordens jurídicas internas, não havia sistema jurídico nacional.
O terceiro argumento (o que diz respeito à ausência de cortes com
jurisdição obrigatória), por �m, tornou-se obsoleto com a criação, nas
últimas três décadas, de diversos tribunais internacionais com jurisdição
obrigatória. Esses tribunais têm condenado Estados a respeitar direitos, a
modi�car o seu direito interno, a pagar reparações e, o que é mais eloquente,
têm condenado indivíduos por crimes, enviando-os para a prisão.
De todo modo, a obsolescência do problema da juridicidade do direito
internacional também foi con�rmada pela teoria do direito. A�nal, os
autores que desenvolveram as teorias mais in�uentes do século XX (Hans
Kelsen, Herbert Hart e Ronald Dworkin) sustentaram, cada um à luz de seus
próprios pressupostos teóricos, o caráter jurídico das normas internacionais.
Para Kelsen, o direito é uma “técnica social que consiste em obter a
conduta social desejada dos homens através da ameaça de uma medida de
coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária” (2005, p. 27-28). Na
parte de sua famosa Teoria Geral do Direito e do Estado dedicada à questão
do caráter jurídico do direito internacional, Kelsen a�rma que estão
presentes, nesse ramo do direito, os dois elementos indispensáveis para a
con�rmação da sua juridicidade: as noções de delito (isto é, uma conduta
antijurídica) e de sanção (que seriam a represália e a guerra justa). No
entanto, a ausência de um órgão central encarregado de aplicar as normas
aos casos concretos, estabelecendo o delito e executando a sanção, levou
Kelsen a considerar o direito internacional um direito primitivo (2005, p.
467-486).
Em Hart, a chave para a compreensão do fenômeno jurídico é a união
entre as normas primárias e secundárias, sendo as primeiras as que
estabelecem as obrigações e, as segundas, as que preveem procedimentos
para adaptações a situações novas (de modi�cação), que regulam a aplicação
das normas jurídicas quando violadas (de julgamento) e que contêm
critérios para identi�cação das normas como integrantes ou não do
conjunto (de reconhecimento) (2009, p. 103-128). Desse modo, por não
contar com normas secundárias, o direito internacional seria, para Hart, um
direito primário ou consuetudinário (2009, p. 299).
Nada obstante, isso não leva Hart a classi�car o direito internacional
como um ramo da moral, entendida esta como “uma forma simples de
estrutura social que consiste apenas em normas primárias de obrigação”. Ao
revés, Hart refuta a confusão entre direito internacional e moral
apresentando, para tanto, três argumentos. O primeiro é que as demandas
que os Estados dirigem uns aos outros em matéria de direito internacional
não são fundadas em apelos à consciência, mas articuladas com referências a
precedentes, tratados e textos doutrinários, sendo, na maioria das vezes,
totalmente indiferentes a aspectos morais. O segundo é que, embora não
conte atualmente com um poder legislativo com competência para criar ou
revogar normas, o direito internacional não é infenso a tal ideia, que é
inadmissível no campo da moral. O terceiro, �nalmente, é que, conquanto
possa existir um senso de que há uma obrigação moral de respeitar as
normas do direito internacional, tal convicção é absolutamente
desnecessária como condição para a sua existência (2009, 292-299).
Hart também rejeita duas objeções clássicas ao caráter jurídico do
direito internacional: ausência de sanção e impossibilidade de os Estados
serem sujeitos de obrigações jurídicas. Quanto à primeira, o autor não vê
problemas na inexistência de normas acompanhadas de sanções organizadas
no direito internacional, uma vez que a sua teoria rejeita a ideia de que o
direito consiste em uma ordem apoiada em ameaças (2009, 279-284).
Quanto à segunda, sustenta que o fato de ser soberano não impede o Estado
de ser vinculado pelo direito internacional, pois são exatamente as normas
deste que limitam e de�nem o alcance da soberania estatal (2009, p. 284-
292).
Ronald Dworkin, por sua vez, considera o direito uma parte especí�ca
da moralidade política que é formada pelos direitos e obrigações que os
cidadãos podem exigir que os tribunais implementem à força, sem a
necessidade de qualquer decisão política coletiva ulterior (2011). Em artigo
póstumo, Dworkin buscou aplicar esse conceito ao direito internacional.
Como o sistema jurídico internacional ainda não dispõe de um tribunal
com jurisdição universal e compulsória, seria necessário imaginar tal
tribunal e fazer a seguinte pergunta: quais critérios essa corte hipotética
deveria utilizar para identi�car os direitos e obrigações que poderiam ser
coercitivamente implementados? A resposta estaria no desenvolvimento de
uma nova teoria da legitimidade que se baseasse em dois princípios: da
mitigação e da saliência. O primeiro consiste no dever dos Estados de impor
constrições à própria soberania. O segundo indica, em síntese, que os
Estados são vinculados às práticas desenvolvidas voluntariamente por um
signi�cativo número de entes estatais, desde que essas práticas reforcem a
legitimidade de cada Estado e da ordem internacional como um todo
(2013).
Esse consenso sobre o status do direito internacional na academia,
porém, não impede que surjam, de tempos em tempos, teorias que
defendam a incapacidade das normas jurídicas internacionais para
in�uenciar o comportamento dos atores internacionais7. De modo geral, a
frequência com que o DIP é desrespeitado costuma ser superestimada.
Diariamente, incontáveis atos são praticados em conformidade com o
direito internacional, de maneira que as violações são comparativamente
raras (SHAW, 1991, p. 7). Na formulação atribuída a Louis Henkin, “quase
todas as nações observam quase todos os princípios de direito internacional
e quase todas as suas obrigações quase todo o tempo” (GUZMAN, 2002, p.
20).
O fato é que os sujeitos internacionais – inclusive os mais poderosos –
sempre procuram a�rmar e mostrar que se comportam de acordo com essas
normas. Nesse ponto, o fator reputacional revela-se um importante
elemento dissuasivo do desrespeito ao direito internacional: os Estados
cumprem o DIP para não estimular o descumprimento por outros e, assim,
degenerar a sociedade internacional em um caos8. Quando surgem disputas,
os interesses são articulados em termos jurídicos, ainda que não se possa
ignorar o problema que envolve a tendência dos atores internacionais de
buscarem conferir às normas jurídicas internacionais o sentido mais
conveniente às suas preferências com vistas a torná-las universais
(KOSKENNIEMI, 2004).
O direito internacional, portanto, é direito, e, nessa condição, vincula as
cortes domésticas no julgamento das causas que lhes são submetidas, tanto
quanto o direito interno. No direito positivo brasileiro, a propósito, as
diversas referências da Constituição às normas internacionais, como a
cláusula de abertura para o direito internacional (artigo 5º, § 2º), o
cabimento de recurso especial contra decisão que contrarie tratado (artigo
105, inciso III, alínea “a”) e as hipóteses de competência dos juízes federais
relacionadas a tratados (artigo 109, incisos III, V e V-A) (BRASIL, 1988),
apenas para citar algumas, deixam fora de qualquer dúvida a força jurídica
do direito internacional.
2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO
DIREITO INTERNACIONAL
É lugarcomum dizer que a característica mais marcante do direito
internacional é a sua descentralização, isto é, a ausência de aparatos
executivo, legislativo e judicial nos mesmos moldes das ordens jurídicas
nacionais. Como se costumava dizer, a sociedade internacional não tem
legislador, nem juiz, nem polícia. Diante dessa carência orgânica, sempre se
esperou que as cortes nacionais exercessem uma função dual, tanto nacional
quanto internacional, compensando a ausência de um poder judiciário
global com jurisdição obrigatória.
O papel das cortes nacionais no julgamento das causas internacionais é
pressuposto pela antiga norma costumeira que impõe o esgotamento dos
recursos internos para que uma demanda seja admitida em um tribunal
internacional. Tal norma – que existe na forma que conhecemos hoje desde
o século XIX (CANÇADO TRINDADE, 1978, p. 159) – atribui aos órgãos
judiciais internos a competência primária para o julgamento das disputas
internacionais, o que os tornaria, segundo alguns autores, os verdadeiros
“juízes naturais do direito internacional” (TZANAKOPOULOS, 2010).
A ideia de que as cortes domésticas exercem uma função dual tornou-
se muito conhecida depois da elaboração, no entre guerras, da teoria do
“desdobramento funcional” (dédoublement fonctionnel), por Georges Scelle.
In�uenciado pela doutrina da pluralidade de ordens jurídicas de Léon
Duguit (CASSESE, 1990, p. 223-225), Scelle defendia que o direito
internacional é marcado, mais do que qualquer sistema jurídico, por um
fenômeno especí�co: a possibilidade de um mesmo agente ter competências
e vinculações perante duas ordens jurídicas. Em suas palavras (1956, p. 331):
Ce phénomène pourra se dé�nir ainsi: les agents dotés d’une compétence institutionnelle
ou investis par un ordre juridique utilisent leur capacite “fonctionnelle” telle qu’elle est
organisée dans l’ordre juridique qui les a institués, mais pour assurer l’efficacité des
normes d’un autre ordre juridique privé des organes nécessaires à cette réalisation, ou
n’en possédent que d’insuffisants.
Nessa perspectiva, os agentes estatais, sem deixarem de sê-lo, operam
como atores nacionais sempre que atuam dentro dos sistemas nacionais (no
interesse dos seus Estados), mas o�ciam como se fossem atores
internacionais quando agem no sistema internacional, para concretizar
valores da comunidade global. As autoridades das ordens jurídicas estatais,
assim, utilizam a sua capacidade institucional para dar e�cácia ao direito
internacional, que não possui os órgãos su�cientes para a sua realização. E
esse desdobramento funcional ocorreria não apenas nas funções legislativa e
executiva, mas também na judicial: o julgamento de uma causa à luz de uma
norma internacional, para Scelle, “constitui um verdadeiro julgamento
internacional”, ainda que realizado por juízes nacionais.
Uma compreensão parecida também pode ser vista em um célebre
contemporâneo de Scelle: Hersch Lauterpacht. Para o ex-juiz da Corte
Internacional de Justiça, os juízes domésticos, quando atuam em matéria
internacional são “os órgãos da comunidade internacional” (1929, p. 92).
Logo, nessa condição, as cortes nacionais teriam alguns deveres. Primeiro,
de interpretar a legislação de modo a reduzir as possibilidades de con�ito
com a ordem jurídica internacional. Segundo, de imparcialidade nas causas
de interesse do seu país. Terceiro, de tratar os Estados estrangeiros e os seus
súditos com elevada cortesia e consideração. E quarto, de minuciosamente
conhecer e tratar as questões de direito internacional sob sua apreciação.
Merece registro o fato de que Lauterpacht parece endossar a esperança de
que “no futuro as cortes domésticas se tornariam porta-vozes con�áveis do
direito internacional como divisões locais da Alta Corte das Nações” (1929,
p. 93).
Essa esperança também pode ser notada na obra de outros
internacionalistas. Em trabalho publicado em 1964, Richard Falk sustentou
que os tribunais internos deveriam ter garantia de independência para julgar
as causas internacionais, já que “tribunais puramente internacionais não
estão convenientemente disponíveis para a apresentação de disputas de
direito internacional”. Dentre vários argumentos apresentados a favor da
independência dos juízes nacionais para julgar essas causas, Falk mencionou
que “cortes domésticas podem educar o público sobre o caráter e a
importância do direito internacional escrevendo decisões nesta área” (1964,
p. 441-442).
Outra ideia comum entre os juristas internacionalistas, e que também
aparece em Falk, era a de que os tribunais domésticos, por serem órgãos
independentes do Poder Executivo, e supostamente alheios à sua in�uência,
poderiam aplicar o direito internacional livres das injunções da política
(BENVENISTI, 1993, p. 161). Acreditava-se que os juízes nacionais
aplicariam as normas jurídicas internacionais mesmo que isso os colocasse
em rota de colisão com os demais poderes.
De modo semelhante, Elihu Lauterpacht defendeu a possibilidade de
utilização da estrutura das cortes domésticas para a implementação de
obrigações internacionais, especialmente aquelas decorrentes de decisões
adotadas por organizações internacionais (1971). Depois de considerar
algumas defesas que poderiam ser suscitadas nos tribunais domésticos
contra a execução de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações
Unidas, pontuou que “é apropriado esperar assistência positiva do Estado
envolvido”. Nesse sentido, Lauterpacht sustentou que as próprias decisões
das organizações internacionais devem contemplar a perspectiva de sua
implementação por meio das cortes nacionais e apelar aos Estados que
garantam que tais procedimentos sejam bem-sucedidos, ainda que seja
necessária a aprovação de leis que tornem tais execuções possíveis. E
conclui: “pedir isso aos Estados não é irrazoável” (1971, p. 62).
A promessa, então, estava feita. Os juízes e tribunais internos seriam as
verdadeiras cortes internacionais, responsáveis pela aplicação imparcial e
coercitiva das normas jurídicas internacionais, o que resolveria as
di�culdades decorrentes da descentralização do direito internacional. Ainda
hoje, mesmo depois da multiplicação dos tribunais internacionais ocorrida
nas últimas três décadas, a ordem jurídica internacional é, comparada com
as ordens nacionais, bastante descentralizada, tendo em vista a existência de
poucos de órgãos competentes para exercer as funções legislativa e executiva
e, sobretudo, de um órgão judicial central com jurisdição obrigatória para
resolver, à luz do direito internacional, qualquer causa entre Estados,
organizações internacionais, empresas e indivíduos.
Além disso tudo, as cortes domésticas têm sido chamadas com cada vez
mais frequência a resolver questões jurídicas internacionais, sobretudo em
razão do aumento da interdependência dos Estados e a expansão do escopo
do direito internacional, notadamente em matéria de direitos humanos
(TZANAKOPOULOS, 2010, p. 155). Veremos, adiante, se esses tribunais
estão cumprindo adequadamente essa função. Antes, porém, exploraremos
as possibilidades de atuação dos órgãos judiciais internos no âmbito do
direito internacional.
Ã
2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS
CORTES NACIONAIS
As cortes nacionais podem atuar no direito internacional aplicando-o,
criando-o ou implementando decisões de cortes e organizações
internacionais.
2.4.1 Aplicação do direito internacional
Algumas vezes, a aplicação do direito internacional pelos juízes e
tribunais domésticos dá-se de modo exatamente igual ao que já acontece no
trabalho rotineiro desses órgãos na aplicação do direito interno. Essa
aplicação pode ser direta ou indireta. A primeira ocorre quando o direito
internacional fornece a solução a ser dada a um litígio (norma material) ou
o esquema procedimental a ser seguido (norma processual). É o que ocorre
quando um juiz reconhece a isenção tributária dos rendimentos percebidos
por um funcionário de uma organização internacional com base em um
acordo de sede ou quando observa um procedimento delineado em um
tratadode cooperação internacional.
A aplicação é indireta quando o direito internacional não de�ne
diretamente a solução ou o procedimento aplicável ao caso, mas fundamenta
o afastamento de uma norma do direito interno. Quando uma norma
interna é incompatível com o direito internacional, as cortes domésticas têm
a obrigação de não a aplicar, a �m de que seja evitada a responsabilidade
internacional do Estado. No sistema interamericano, por exemplo, a Corte
IDH desenvolveu a doutrina do controle de convencionalidade, segundo a
qual as autoridades judiciais e administrativas dos Estados Partes têm a
obrigação de realizar o exame de compatibilidade dos atos internos com o
corpus juris interamericano9. As cortes domésticas devem, por conseguinte,
fazer o controle judicial dos atos dos demais poderes à luz do direito
internacional, prática que não se diferencia em essência daquilo que fazem
ordinariamente com fundamento no direito interno.
Outras vezes, porém, os juízes e tribunais nacionais aplicam o direito
internacional de modo diferente daquele com que estão acostumados a
fazer, o que ocorre especialmente nas causas que afetam diretamente as
relações entre os atores internacionais. Nessas situações as cortes domésticas
atuam como mandatárias da comunidade internacional. O primeiro e mais
eloquente exemplo dessa modalidade de aplicação do direito internacional
dá-se no âmbito da jurisdição universal, que é a faculdade atribuída pelo
DIP às cortes nacionais de julgar determinadas categorias de crimes graves,
ainda que tenham sido cometidos fora do seu território ou por não
nacionais.
A ideia de jurisdição criminal universal remonta a Grócio, que
a�rmava que os Estados tinham o dever de punir ou entregar os piratas (aut
dedere aut judicare), desde que tivessem sido presos em seu território ou em
alto mar. Depois da Segunda Guerra Mundial, os crimes de guerra,
genocídio e crimes contra a humanidade também começaram a ser
considerados por alguns Estados como sujeitos à jurisdição universal. O
caso Eichmann, no qual foi julgado o criminoso de guerra nazista acusado
de ser o arquiteto da Solução Final, é um exemplo clássico. Na ocasião, a
Suprema Corte de Israel declarou emblematicamente (SUPREMA CORTE
DE ISRAEL, 1962):
Not only do all the crimes attributed to the appellant bear an international character, but
their harmful and murderous effects were so embracing and widespread as to shake the
international community to its very foundations. e State of Israel therefore was
entitled, pursuant to the principle of universal jurisdiction and in the capacity of a
guardian of international law and an agent for its enforcement, to try the appellant. at
being the case, no importance attaches to the fact that the State of Israel did not exist
when the offences were committed.
Diversos tratados aprovados no século XX passaram a atribuir
jurisdição universal, como a Convenção única sobre Entorpecentes, de 30 de
março de 1961, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas
cruéis, desumanos ou degradantes, de 10 de dezembro de 1984, e a
Convenção para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento
forçado, de 20 de dezembro de 2006, apenas para citar alguns exemplos.
Essas hipóteses, hoje, suscitam pouca controvérsia. Situação diversa
ocorre quando cortes nacionais passam a invocar jurisdição universal para
julgar determinados crimes sem que o autor do fato esteja em território sob
sua jurisdição (jurisdição universal in absentia). Alguns Estados, como a
Espanha e a Bélgica, chegaram a adotar, por um tempo, leis de jurisdição
universal in absentia, no que foram extremamente criticados (RAMOS,
2015, p. 293).
Foi do Reino da Bélgica, por exemplo, que partiu o mandado de prisão
do Ministro das Relações Exteriores do Congo, Abdulaye Yerodia
Ndombasi, e o pedido de extradição do ex-ditador do Chade, Hisséne
Habré, com fundamento na jurisdição universal in absentia. Ambos
resultaram em disputas na CIJ10. Embora em nenhuma das ocasiões esta
não tenha se pronunciado expressamente sobre a validade da jurisdição
universal invocada pela Bélgica, o então juiz Francisco Rezek manifestou em
seu voto individual no caso Yerodia que “não existiria nenhuma regra
costumeira [sobre jurisdição universal in absentia] em estado embrionário a
ser prestigiada pela Corte” (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA,
2002). No caso Habré, a CIJ chegou a a�rmar que a obrigação aut dedere aut
judicare somente existe quando expressamente prevista em tratado (CORTE
INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2012).
Em matéria de jurisdição universal em matéria civil, costuma ser
lembrado o antigo Alien Tort Statute (ATS) dos EUA, que atribui às cortes
federais jurisdição sobre qualquer ação civil de estrangeiro por dano
praticado em violação ao direito das gentes ou a tratado de que os EUA
sejam parte. Não obstante diversos precedentes, começando pelo caso
Filártiga v. Peña-Irala (SEGUNDO CIRCUITO DE CORTES DE
APELAÇÃO ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1980), tenham
estabelecido alguns limites à sua aplicação, o fato é que o ATS não exige que
o dano tenha sido cometido no território norte-americano ou por um
nacional norte-americano, e assim tem sido aplicado pelas cortes
estadunidenses (DONOVAN; ROBERTS, 2006, p. 146).
Essa hipótese de competência extraterritorial em matéria civil, que
também já tem sido adotada em outros lugares além dos EUA, ora é
criticada por ser um excesso de jurisdição, ora é saudada como um
precedente para a jurisdição universal em matéria civil (ROBERTS, 2011, p.
76). De toda sorte, não sem bastante controvérsia, alguns autores têm
sustentado a existência de uma forma embrionária de costume internacional
de jurisdição civil universal para a imposição de reparação de danos
decorrentes de crimes contra os direitos humanos (DONOVAN; ROBERTS,
2006, p. 153).
Além da jurisdição universal, podem ainda ser mencionadas as
seguintes causas que fogem ao trabalho ordinário das cortes domésticas e
têm potencial de impactar diretamente a política exterior: disputas que
envolvem imunidade de jurisdição, expropriação (apropriação estatal de
propriedade privada sem indenização), direitos humanos (quando a alegada
violação é praticada por Estado estrangeiro) e uso da força (legalidade de
medidas coercitivas). Nessas situações, os tribunais nacionais podem ser
provocados a examinar a compatibilidade de atos estatais com o direito
internacional, como se fossem verdadeiros tribunais internacionais.
2.4.2 Criação do direito internacional
A atuação das cortes domésticas, eventualmente, pode implicar mais do
que a simples aplicação das normas jurídicas internacionais, mas resultar
também na própria criação de normas dessa natureza11. A função de criação
do direito internacional das cortes nacionais pode se dar de duas formas:
como evidência da prática estatal necessária para a con�guração do costume
internacional e como meio subsidiário da determinação das normas do
direito internacional.
O costume internacional é uma prática geral, uniforme e reiterada das
pessoas internacionais, reconhecida como juridicamente exigível. O art. 38
do Estatuto da CIJ de�ne-o como a “prova de uma prática geral aceita como
sendo o direito”. O costume internacional, por conseguinte, é formado por
dois elementos: um material ou objetivo, que é a prática generalizada,
uniforme e reiterada (chamado de inveterada consuetudo ou de State
practice); e outro psicológico ou subjetivo, que é a convicção de que essa
prática é juridicamente obrigatória (opinio juris et necessitatis).
Nesse sentido, as decisões das cortes nacionais, como órgãos do Estado,
podem ser utilizadas como evidências da prática estatal necessária para a
formação do costume internacional (BROWNLIE, 2008, p. 6; SHAW, 1991,
p. 70). A norma costumeira da imunidade de jurisdição é um exemplo claro
desse papel dos tribunais domésticos: foram as cortes nacionais que
começaram, no início do século XIX, a reconhecer a imunidade de navios,
embaixadores e chefes de Estado (o caso paradigmático aqui é o eSchooner Exchange v. McFaddon, de 1812) (SUPREMA CORTE DOS
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1812); em meados do século XX,
tribunais de Estados – sobretudo da Itália e da Bélgica – começaram a
adotar a distinção entre atos jure imperii e atos jure gestionis. Quando a
Convenção das Nações Unidas sobre as imunidades jurisdicionais dos
Estados e dos seus bens foi adotada em 2004, já não havia controvérsia
acerca da existência da norma costumeira de imunidade de jurisdição.
A Corte Internacional de Justiça, aliás, adota como método para
veri�cação da existência da prática estatal a investigação de julgamentos de
tribunais internos, como fez expressamente no caso das Imunidades
Jurisdicionais do Estado (Alemanha v. Itália com intervenção da Grécia)
(CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2012). O Esboço de Conclusões
sobre a Identi�cação do Direito Costumeiro Internacional, da Comissão de
Direito Internacional, também reforça esse papel das cortes domésticas ao
apontar que as “formas de prática estatal incluem [...] decisões de cortes
nacionais” (NAÇÕES UNIDAS, 2018).
Além de servir como evidência da prática estatal necessária para a
con�guração do costume internacional, as decisões dos tribunais internos
também constituem meio auxiliar para determinação de direito. Vários
internacionalistas que entendem que o artigo 38 (d) do Estatuto da CIJ
(BRASIL, 1945), ao se referir a “decisões judiciárias”, abrange não apenas as
decisões das cortes internacionais, mas também das internas (BROWNLIE,
2008, p. 23; HIGGINS, 1995, p. 208; SHAW, 1991, p. 90).
Na prática, não é raro que decisões nacionais sejam invocadas como
evidência do conteúdo de normas internacionais. Alguns julgamentos
internacionais célebres demonstram cabalmente isso: no caso Lótus, a CPJI
considerou diversas decisões nacionais para determinar os limites da
jurisdição territorial (CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA
INTERNACIONAL, 1926); no caso Furundzija, o TPII amparou-se em
decisões nacionais para concluir pela natureza de jus cogens da proibição da
tortura e pela ligação entre normas de jus cogens e jurisdição universal
(TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA,
1998); no já citado caso Yerodia (Mandado de prisão de 11 de abril de 2000),
a CIJ analisou as decisões dos casos Pinochet (Reino Unido) e Qadaffi
(França) para investigar a regra da imunidade dos Ministros das Relações
Exteriores; e no caso Alemanha v. Itália com intervenção da Grécia, houve
menção a diversas decisões de cortes domésticas sobre imunidades
jurisdicionais dos Estados, inclusive do Brasil (CORTE INTERNACIONAL
DE JUSTIÇA, 2012).
2.4.3 Implementação das decisões das cortes e organizações
internacionais
Os tribunais nacionais também podem ser chamados a cumprir
decisões de cortes e organizações internacionais. No DIP, as sentenças das
cortes internacionais são obrigatórias para os Estados que são partes do
processo, mesmo quando a jurisdição é facultativa, como ocorre com a CIJ
(artigo 59 do ECIJ) (BRASIL, 1945) e com a Corte IDH (art. 68.1 da CADH)
(BRASIL, 1992). Assim, por força dos princípios da boa fé e do pacta sunt
servanda (artigo 26 da CVDTE) (BRASIL, 2009), bem como do estoppel
(vedação ao comportamento contraditório), os Estados são obrigados a
adimplir as sentenças das cortes internacionais cuja competência tenham
expressamente reconhecido. Ademais, não se admite a escusa da obrigação
com a invocação de disposições do direito interno (artigo 27 da CVDTE).
Nessas situações, sem prejuízo de algum espaço para a interpretação do
comando judicial internacional, não há nada que as cortes domésticas, na
condição de órgãos estatais, possam fazer que não efetivamente cumpri-lo,
sob pena de responsabilidade internacional do Estado.
No contexto do sistema interamericano de direitos humanos, o papel
das cortes domésticas na implementação das decisões da Corte
Interamericana é ainda mais abrangente, devido à obrigação de realizar o
controle de convencionalidade. Segundo essa doutrina, o exame de
compatibilidade dos atos internos com o corpus juris interamericano deve
utilizar como parâmetro não apenas os tratados de direitos humanos, mas
também a interpretação que lhes dá a Corte12. O objetivo do controle de
convencionalidade é a adaptação, pelas autoridades locais, dos atos internos
aos padrões interpretativos estabelecidos pela Corte IDH, evitando-se,
assim, que os Estados Partes sejam demandados perante a Corte em razão
de questões já consolidadas em sua jurisprudência, o que tem por �nalidade
a economia processual e a prevenção de responsabilidade internacional13.
Essa função de implementação das decisões das cortes internacionais
abre um interessante espaço para o diálogo transjudicial. É que as cortes
nacionais, ainda que estejam vinculadas à sentença do tribunal
internacional, não estão impedidas de exteriorizar eventuais discordâncias.
Dessa maneira, ao entabular um diálogo crítico, as cortes podem aprender
umas com as outras, resultando no aperfeiçoamento dos órgãos judiciais
internacionais que, como ressaltou Victor Abramovich, “devem tomar
devida nota dessas opiniões a �m ajustar e aperfeiçoar suas decisões”
(ABRAMOVICH, 2007, p. 6-7)14.
As cortes domésticas igualmente podem ser chamadas a implementar
decisões de organizações internacionais. Na União Europeia, por exemplo,
os regulamentos e as diretrizes gozam de aplicabilidade imediata, isto é,
obrigam os seus destinatários independentemente de prévia incorporação
ao direito interno, e de efeito direto, ou seja, podem ser invocados pelos
particulares e devem ser aplicados pelos tribunais domésticos (artigo 288 do
Tratado de Funcionamento da União Europeia) (UNIÃO EUROPEIA,
2007). No Mercosul, as decisões emanadas do Conselho do Mercado
Comum, do Grupo do Mercado Comum e da Comissão de Comércio do
Mercosul têm caráter obrigatório, mas, diferentemente do que ocorre na
União Europeia, “deverão, quando necessário, ser incorporadas aos
ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela
legislação de cada país” (artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto) (BRASIL,
1996).
Também são obrigatórias as decisões do Conselho de Segurança das
Nações Unidas. Nos termos do artigo 25 da Carta, “os Estados Membros das
Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de
Segurança” (BRASIL, 1945). No Brasil, tais resoluções “são dotadas de
executoriedade imediata”, conforme preceitua o artigo 6º da Lei Federal nº
13.810, de 8 de março de 2019, sendo que a lei veda expressamente “aos
órgãos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios e às entidades da administração pública indireta” o
descumprimento das sanções impostas pelas resoluções sancionatórias do
Conselho de Segurança (BRASIL, 2019).
Ã
2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA
A elevada expectativa criada sobre a atuação das cortes nacionais no
direito internacional, entretanto, não foi atendida. O direito internacional
continua sendo visto como um ramo distante e estranho para os juízes
nacionais, que com ele mantêm uma relação problemática. Como sugere
Galindo, recorrendo à mitologia grega, as ordens jurídicas domésticas são
como Perseu que, para evitar olhar diretamente a face horrenda da Medusa
(o direito internacional), recorrem a um espelho, que seria “o subterfúgio, a
vacilação, o desconforto, a abstenção, o fechamento e o desvio no trato das
questões relativas ao Direito Internacional” (2002, p. 365).
Essa resistência tem sido percebida nas três funções das cortes
domésticas no direito internacional aqui destacadas (aplicação, criação e
implementação). Quanto à função de aplicação do direito internacional, há
evidências de que, contrariando a esperança de que as normas jurídicas
internacionais seriam aplicadas de modo imparcial e independente pelos
tribunais domésticos, estes adotaram uma postura marcante de deferência
aos demais poderes. Consolidou-se uma ideia de que as questões jurídicas
internacionais, devido à sua estreita conexão com a política exterior, são
mais bem resolvidas pelo Executivoe pelo Legislativo.
No seu estudo comparativo realizado nos anos 1990, Eyal Benvenisti
identi�cou essa tendência de autocontenção das cortes domésticas em
relação aos outros poderes, o que se daria de três modos. Primeiro, os juízes
e tribunais nacionais tendem, mesmo diante de autorizados entendimentos
doutrinários em sentido diverso, a interpretar restritivamente as disposições
constitucionais sobre o status do direito internacional em relação ao direito
interno. Segundo, os tribunais domésticos buscam evitar con�itos com a
linha de política externa desenvolvida pelo Poder Executivo, o que é feito
por meio da deferência às posições desse poder na interpretação das normas
jurídicas internacionais. Tende-se, por exemplo, a seguir o que o Executivo
diz a respeito da e�cácia dos tratados e das decisões das organizações
internacionais (se são ou não self-executing). E, terceiro, as cortes nacionais
criam as chamadas “doutrinas ou técnicas de evitação”, moldadas
exatamente para afastar a incidência do DIP sobre as causas submetidas à
sua apreciação (Eyal Benvenisti, 1993).
O papel das doutrinas ou técnicas de evitação é crucial. Algumas dessas
doutrinas são tidas como arti�ciais, incoerentes e contrárias às correntes
doutrinárias majoritárias. Para Lea Brilmayer, alguns raciocínios jurídicos
revelam mais do que uma legítima autocontenção judicial (ou, na
terminologia constitucionalista, virtude passiva), mas “algo que às vezes
parece quase uma reação alérgica para qualquer coisa internacional” (1991,
p. 2291)15.
A literatura destaca as seguintes técnicas de evitação: imunidade de
jurisdição (a justiça de um Estado não pode julgar outro Estado); doutrina
do ato de Estado (as cortes locais são proibidas de apreciar a legalidade de
atos internos de Estados estrangeiros); standing doctrine (o autor deve
demonstrar ter sofrido um dano jurídico e que pode ser reparado por meio
de uma ação judicial); doutrina das questões políticas (dever de não
intervenção judicial nos outros poderes); e tratados não autoexecutáveis
(segundo a qual tratados não autoexecutáveis não podem ser aplicados)
(BENVENISTI, 1993, p. 169; BRILMAYER, 1991, p. 2285-2286; GALINDO,
2002, p. 387-402).
Além da resistência das cortes domésticas à sua função de aplicação do
direito internacional, há também registros de fechamento desses tribunais
para a sua função criadora. No caso Jones (CASA DOS LORDES DO
REINO UNIDO, 2006), em que a Casa dos Lordes do Reino Unido aceitou a
invocação da imunidade de Estado estrangeiro em um caso de tortura, um
dos juízes deixou expressa a sua oposição ao papel criador do direito
internacional pelos tribunais nacionais. Admitindo que o sopesamento de
princípios (da imunidade de jurisdição e da proibição de tortura, no caso) é
uma técnica básica de julgamento, o lorde Hoffmann negou que tal
procedimento pudesse ser aplicado às normas jurídicas internacionais,
porquanto não é dado a um tribunal nacional adotar uma versão do direito
internacional que não é aceita pelos demais Estados. Em suas palavras:
It is not for a national court to ‘develop’ international law by unilaterally adopting a
version of that law which, however desirable, forward-looking and re�ective of values it
may be, is simply not accepted by other states
Finalmente, exemplos de resistência das cortes nacionais à
implementação de decisões de cortes e organizações internacionais, por sua
vez, são abundantes. Pesquisas empíricas realizadas no âmbito do sistema
interamericano de direitos humanos têm demonstrado uma realidade
surpreendente: os tribunais domésticos têm muito menos probabilidade de
implementar as sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos
Humanos do que os demais poderes. Os Estados cumprem a maioria das
sentenças que requerem ação do Poder Executivo, mas só implementam
uma a cada dez decisões que demandam cumprimento pelos sistemas de
justiça (HUNEEUS, 2011, p. 494-495).
O cenário não é diferente quanto às decisões das organizações
internacionais. Aqui também há evidências de que os órgãos judiciais
internos utilizam técnicas de evitação para não se pronunciarem sobre essas
decisões. Na observação aguda de Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet
(1999, p. 341):
Na ordem jurídica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraçados quando lhes
é solicitado que apliquem decisões das organizações internacionais. À sua jurisprudência
falta coerência. Com bastante frequência os tribunais internos evitarão pronunciar-se
diretamente sobre o valor jurídico destes actos: sem negar abertamente o seu alcance
obrigatório, eles encontrarão subterfúgios processuais para não terem de os tomar em
consideração.
Essa intuição foi con�rmada empiricamente por Paul Hellyer (2007),
que identi�cou 36 decisões judiciais norte-americanas com referências a
resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sendo que
nenhuma delas pareceu considerar o ato revestido de autoridade vinculante,
mesmo quando fundamentado no Capítulo VII da Carta.
Mas, por que essa aversão das cortes nacionais ao direito internacional?
Pensar que a resposta está apenas no sistema adotado na relação do direito
interno com o direito internacional (monista ou dualista) seria ignorar a
complexidade da questão (GALINDO, 2002, p. 370; HIGGINS, 1995, p.
206). Ainda que seja razoável esperar que Estados que adotam o sistema
monista sejam mais abertos para as normas jurídicas internacionais, há
diversas ordens nacionais monistas que são reconhecidamente fechadas para
o direito internacional, sendo os EUA o mais notório exemplo.
Para Brilmayer, no sistema judicial norte-americano, tudo depende de
como a demanda é articulada perante as cortes. Se a causa envolver uma
disputa entre Estados (que a autora chama de “horizontal”), como aquelas
que versam sobre reconhecimento de Estado, soberania territorial e
legalidade de hostilidades internacionais, terá pouca probabilidade de ser
admitida por um tribunal. Se, porém, a causa for apresentada com base em
direitos individuais, como nas questões de jurisdição extraterritorial,
expropriação e direitos humanos (uma demanda “vertical”, portanto),
possivelmente será conhecida pelos tribunais (1991).
A causa da resistência das cortes norte-americanas em conhecer de
causas internacionais horizontais seria, segundo a autora, o fato de que essas
demandas apresentam peculiaridades em relação as demais com que os
juízes estão habituados a lidar. Essas causas teriam uma particular estrutura
subjetiva (disputas entre entes estatais) e se fundariam em fontes normativas
especí�cas (direito natural ou consentimento dos Estados, despidas de
caráter vinculante incontroverso). Tais características tornariam a política e
a diplomacia, e não o direito, as arenas mais apropriadas para a sua
resolução, o que levaria os juízes a se absterem de apreciá-las (BRILMAYER,
1991, p. 2306). Apesar de oferecer insights interessantes, essa abordagem
limita-se a descrever o problema (“as cortes norte-americanas não
costumam admitir disputas horizontais”), sem, entretanto, oferecer maiores
explicações sobre as suas causas.
Os próximos capítulos pretendem demonstrar que os juízes federais do
Distrito Federal também apresentam essa aversão ao direito internacional
observada em outros sistemas judiciais. Também são exploradas as
principais estratégias utilizadas pelos julgadores e feitas algumas re�exões
sobre as possíveis causas desse comportamento.
4 A respeito do lugar dos tribunais no sistema do direito, v. LUHMANN, 2016, p. 397-450. Sobre o
papel dos tribunais internacionais, v. LAUTERPACHT, 1933.
5 É por isso que, como foi dito na Introdução, já se proclamou o início da era pós-ontológica do
direito internacional (FRANCK, 1995, p. 6).
6 O apanhado aqui apresentado sobre as principais objeções à juridicidade do direito internacional e
as respostas oferecidas pela doutrina internacionalista bene�ciou-se das contribuições de
Hildebrando Accioly (2009, v. 1, p. 32-36), Celso Duvivier de Albuquerque Mello (2011. v. 1, p.
115-119);André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros (2001, p. 53-54) e Malcolm Shaw (1991, p.
6-10).
7 Exemplo de teoria que dá essa abordagem ao direito internacional é aquela contida no livro “e
Limits of International Law”, de Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner, publicado em 2005, e que será
objeto de algumas re�exões do capítulo cinco.
8 O papel da reputação no respeito ao DIP será retomado no capítulo cinco.
9 Sobre o controle de convencionalidade no sistema interamericano de direitos humanos, v. BAZÁN,
2013, p. 569-598.
10 Caso do Mandado de Prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo v. Bélgica) e
Caso das Questões relativas à Obrigação de Processar ou Extraditar (Bélgica v. Senegal).
11 Não nego, porém, que toda aplicação também tem a sua dimensão criativa, e vice-versa. Kelsen
a�rmava que “[a] criação de Direito é sempre aplicação de Direito. Estes dois conceitos não são, de
modo algum, como presume a teoria tradicional, opostos absolutos. [...] todo ato é, normalmente,
ao mesmo tempo, criador de Direito e aplicador de Direito” (KELSEN, 2005, p. 193). A palavra
“criação” na terminologia kelseniana, no entanto, tem sentido mais restrito: um juiz que aplica o
direito, por exemplo, cria a norma do caso concreto.
12 Alguns julgamentos em que a Corte IDH mencionou o dever de controle de convencionalidade:
Caso Myrna Mack Chang v. Guatemala (2003), Caso Tibi v. Equador (2004), Caso López Álvarez v.
Honduras (2006), Caso Vargas Areco v. Paraguai (2006), Caso Almonacid Arellano e outros v. Chile
(2006) e Caso Gelmán v. Uruguai (2011).
13 Uma questão diversa, mas que escapa do objeto deste trabalho, é se o modelo do controle de
convencionalidade é o melhor para regular a relação entre a Corte Interamericana e os órgãos
judiciais internos. Galindo destaca que a doutrina do controle de convencionalidade implica a
adoção de um modelo hierárquico que, em certas situações, pode se tornar insustentável (2014).
14 Algumas re�exões sobre o tema foram feitas pelo autor em Silva, 2021.
15 Tradução livre. No original: “e familiar ‘passive virtues’ rhetoric reveals a general philosophy of
judicial modesty that goes beyond speci�c doctrinal limitations to what sometimes seems almost
an allergic reaction to anything international”.
CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO
DIREITO INTERNO
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Apesar da elevada expectativa nutrida pelos juristas internacionalistas,
especialmente no período entre guerras, os tribunais nacionais não
assumiram o seu esperado papel de aplicadores independentes e imparciais
do direito internacional. Ao revés, pesquisas realizadas em diversos sistemas
judiciais do mundo constataram uma marcante tendência dessas cortes a
evitar a resolução das questões jurídicas internacionais (BENVENISTI,
1993; BRILMAYER, 1991; GALINDO, 2002; HELLYER, 2007; HUNEEUS,
2011).
Os resultados desta pesquisa con�rmam a existência dessa tendência
também no Brasil. A partir da análise de decisões proferidas por juízes
federais do Distrito Federal, veri�cou-se que esses julgadores se esquivam
do direito internacional e uma das estratégias mais utilizadas para esse �m é
simplesmente não se pronunciar sobre os argumentos de caráter
jusinternacionalista suscitados pelas partes e resolver a causa com recurso
unicamente ao direito interno.
Esse comportamento, conforme se averiguou, está diretamente ligado
ao baixo grau de conhecimento das normas jurídicas internacionais de que
são dotados os juízes federais do DF. Logo, como os julgadores não
dominam o direito internacional no mesmo nível em que conhecem os
demais ramos do direito, a sua atitude natural é evitar se pronunciarem
sobre aquele, buscando decidir as demandas com a utilização exclusiva
destes. Essa postura pode ser explicada, em grande medida pelo fator
“aversão ao esforço e cansaço” que, como veremos adiante, também exerce
in�uência sobre o comportamento judicial, sobretudo em um contexto de
elevada carga de trabalho.
O objeto do presente capítulo, portanto, é a análise desse
comportamento dos juízes federais do Distrito Federal. Para tanto, em
primeiro lugar, serão apresentadas as evidências da fuga do direito
internacional e a resolução de questões unicamente com recurso ao direito
interno. Em segundo lugar, serão examinados os achados sobre o baixo grau
de conhecimento de DIP dos juízes federais do Distrito Federal. Em terceiro
lugar, será analisada a de�ciência na formação dos juízes – e dos bacharéis
em Direito, em geral – no campo do direito internacional. Em quarto lugar,
será objeto de análise a relação entre o baixo conhecimento das normas
jurídicas internacionais e a sua evitação, à luz da teoria do juiz como
participante de um mercado de trabalho, notadamente quanto ao fator
aversão ao esforço e cansaço. Por �m, serão feitas algumas re�exões sobre
por que estudar o direito internacional e quais as medidas que podem ser
tomadas para suprir o dé�cit de conhecimento do DIP dos juízes brasileiros.
3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO
INTERNACIONAL
Durante a pesquisa, foram analisadas 101 sentenças e decisões
interlocutórias proferidas por juízes federais lotados no Distrito Federal,
entre 2011 e 2020, sobre temas relativos ao direito internacional. Em cerca
de 42 sentenças/decisões há algum pronunciamento sobre normas jurídicas
internacionais. A maioria dessas manifestações foi sobre normas
convencionais e costumeiras sobre imunidade dos Estados e das
organizações internacionais (11 sentenças/decisões)16, normas
internacionais em matéria tributária (10 sentenças/decisões) e normas e
precedentes sobre direitos humanos (10 sentenças/decisões).
Chamou especialmente a atenção o fato de que em mais de duas
dezenas de casos havia, em tese, a incidência direta de normas jurídicas
internacionais, sem que houvesse sobre elas qualquer pronunciamento dos
juízes. Essas causas eram basicamente sobre direitos de migrantes e de
refugiados, isenção tributária de rendimentos pagos por organização
internacional, bitributação internacional, violações a direitos humanos
praticadas durante a ditadura militar, sanções previstas em resolução do
Conselho de Segurança e regras do Mercosul. Em alguns desses casos, as
partes expressamente solicitaram aos julgadores que se manifestassem sobre
o aspecto jurídico-internacional dos litígios, no que foram ignorados.
Por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação
civil pública (ACP) almejando a condenação do Presidente da República a
designar membros do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e
do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura17. O autor
invocou normas legais internas, mas também diversos compromissos
jurídicos internacionais, como a Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção
Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e o Protocolo Facultativo à
Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis,
Desumanos ou Degradantes. O julgador fundamentou a decisão de
indeferimento do pedido de tutela provisória de urgência exclusivamente na
natureza discricionária dos atos administrativos, omitindo-se quanto às
normas internacionais mencionadas pela parte autora.
Da mesma forma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)
ajuizou ação em que pediu o reconhecimento da sua imunidade tributária,
invocando, entre outros fundamentos jurídicos, o Acordo entre o Governo
da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico
da Igreja Católica no Brasil, de 13 de novembro de 2008, promulgado no
Brasil pelo Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 201018. Esse acordo
reconhece expressamente o direito das pessoas jurídicas da Igreja Católica
que exerçam atividade social e educacional sem �nalidade lucrativa ao
mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades �lantrópicas
reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de
requisitos e obrigações exigidos para �ns de imunidade e isenção tributária
(artigo 15, § 1º). Ao decidiro pedido de tutela provisória de urgência, o juiz
apenas se referiu às normas constitucionais que amparavam o direito
alegado pela parte autora, sem fazer qualquer menção à norma
internacional.
Situação semelhante veri�cou-se em ação proposta pelo Sindicato das
Indústrias de Pesca e das Empresas Armadoras e Produtoras, Proprietárias
de Embarcações de Pesca Industrial do Estado do Pará, na qual se buscava a
exoneração da obrigação das empresas associadas de utilizarem em suas
embarcações um dispositivo para proteção de tartarugas marinhas19. O
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(IBAMA) opôs-se ao pedido do sindicato e sustentou que a obrigação era
prevista na Convenção Interamericana para a Proteção e a Conservação das
Tartarugas Marinhas, mas a sentença apenas fez alusões às normas internas
que preveem referida obrigação ambiental.
Em um processo em que uma empresa alegava a incompatibilidade de
um tributo com uma obrigação prevista no GATT (Acordo Geral sobre
Tarifas e Comércio ou, em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade), a
sentença não contém uma palavra sobre a questão20. Para resolver o litígio, o
ato decisório resumiu-se a transcrever a ementa de um precedente do
Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, também sem enfrentar
diretamente o problema jurídico, apenas declarou genericamente a recepção
do tributo em questão pela nova ordem constitucional e a�rmou que o art.
98 do Código Tributário Nacional (que confere supremacia aos tratados
tributários em face da legislação) restringe-se aos tratados-contrato.
A vacilação em tocar questões de direito internacional chega ao ponto
de se evitar, em alguns casos, manifestações sobre a imunidade de Estados
estrangeiros e de organizações internacionais. Averiguou-se que, das
decisões analisadas, 21 se referiam a processos que possuíam em um dos
polos entes possivelmente imunes à jurisdição brasileira. Porém, somente
houve pronunciamento sobre a imunidade de jurisdição ou de execução em
11 deles. Embora não seja possível a�rmar a priori que em todos os 21
processos deveria ser reconhecida a imunidade de algum ente, chama a
atenção o fato de não haver uma manifestação sequer sobre essa questão nas
decisões. É interessante registrar que, em alguns casos que tinham a
República de Cuba e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) na
relação processual, a União apontou a imunidade de um deles e as sentenças
somente se manifestaram sobre o ente ao qual a representação judicial da
União se referiu.
Há, por conseguinte, evidências razoáveis de que os juízes federais do
Distrito Federal tendem a evitar a discussão sobre argumentos baseados em
normas jurídicas internacionais, preferindo, em vez disso, resolver as
controvérsias com fundamento em normas internas.
3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE
DESCONHECIDO
A análise desses dados deve ser feita com cautela. É possível que alguns
desses litígios pudessem realmente ter sido su�cientemente resolvidos com
as normas do direito interno, tornando, em tese, desnecessário o exame da
incidência de normas internacionais. Uma técnica comumente utilizada
pelos julgadores é buscar, primeiro, a norma mais concreta, mais próxima ao
caso em exame, que pode ser até uma norma infralegal. Somente quando há
necessidade é que se sobe a escala hierárquica das normas até chegar, por
exemplo, a uma norma constitucional ou internacional. Esse raciocínio foi
lembrado por um dos participantes da entrevista: “quando a gente pensa na
solução de um caso, via de regra, a gente começa a pensar do mais baixo [...].
Até chegar no direito internacional, tem muita construção aí por ser feita
ainda”. Por exemplo, a Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24 de maio de
2017) pode ser su�ciente para resolver causas sobre entrada, permanência e
saída de migrantes, dispensando qualquer re�exão sobre o direito
internacional. Essa hipótese, no entanto, não dá conta de explicar a não
aplicação do direito internacional quando esse é crucial para a solução da
demanda, especialmente quando ele é o principal fundamento dos direitos
alegados pelas partes.
Também se poderia pensar que os juízes não aplicam o direito
internacional por serem fechados, por algum motivo consciente e re�etido,
às normas jurídicas internacionais. Juízes que considerem o direito
internacional irreal, não jurídico ou inútil naturalmente optariam por
desconsiderá-lo. Esse fechamento consciente, porém, não foi con�rmado
pelas entrevistas. Apenas dois participantes, quando indagados sobre a
existência de peculiaridades no direito internacional, destacaram aspectos
negativos (problemas com a democracia e a legitimidade). Nenhum
entrevistado manifestou dúvida quanto à normatividade do DIP.
De um modo geral, os entrevistados demonstraram ter o direito
internacional em alta conta. Não foram raras manifestações sobre a
relevância do DIP, como a do(a) participante que a�rmou que, atualmente,
conhecer as normas internacionais hoje é “tão importante quanto conhecer
o direito constitucional” e a do(a) entrevistado(a) que declarou que o direito
internacional público é “importantíssimo, principalmente na nossa área
federal”.
O motivo que melhor explica o recurso ao direito interno para resolver
as demandas, ignorando-se as normas jurídicas internacionais, é a baixa
familiaridade dos juízes federais do DF com o direito internacional. E esse
dé�cit foi con�rmado por 35 participantes (número que corresponde a
87,5% dos entrevistados), que expressamente reconheceram que o seu
conhecimento de DIP é inferior ao de outros ramos do direito.
Esses entrevistados de�niram o seu conhecimento de direito
internacional como “o mínimo para a gente operar”, “é um motivo de
vergonha, eu queria que fosse melhor”, “uma das disciplinas que eu tenho
menos conhecimento”, “eu acredito que existe assim em relação ao jurista
brasileiro de uma forma geral uma má formação no direito internacional. Eu
acho que nós estudamos muito pouco direito internacional”. Dos 40
entrevistados, apenas três declararam estudar o DIP com profundidade
semelhante à que se dedicam aos outros ramos do direito e apenas um(a)
a�rmou que era especialista na disciplina, por ter mestrado na área.
É interessante notar que os juízes federais, devido à sua competência
constitucionalmente prevista, julgam mais causas internacionais do que os
seus colegas de outros ramos do Poder Judiciário. Esse contato mais
rotineiro com o direito internacional pode fazer, em tese, com que os juízes
federais busquem se capacitar mais na matéria, criando uma diferença no
grau do conhecimento das normas internacionais entre esses e os demais
juízes. Assim, o nível de conhecimento do direito internacional entre os
juízes federais deve ser, na média, mais alto do que o dos demais juízes.
Con�rmando essa tendência, em pesquisa realizada por José Ricardo Cunha
sobre o conhecimento acerca dos direitos humanos dos juízes de primeiro
grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 40% dos magistrados
responderam que nunca estudaram direitos humanos (2005, p. 142-143).
Ademais, os juízes federais do Distrito Federal provavelmente são ainda
mais expostos a causas internacionais do que os seus colegas lotados em
outras unidades federativas, devido à localização da sede do governo federal
e das embaixadas estrangeiras. É razoável inferir, por conseguinte, que os
juízes federais do DF, com toda a de�ciência reconhecida, ainda conheçam
mais o direito internacional do que os juízes federais de fora do DF.
Essa baixa familiaridade com o direito internacional gera uma
predisposição a evitá-lo. Nesse sentido, um(a) participante a�rmou, a
respeito do DIP, que “como é uma matéria que a gente não trata no dia a dia,
quando chega alguma coisa que demanda algum conhecimento disso, a
impressão que eu tenho é que a gente se perde um pouco”. Chama bastante a
atenção, aliás, como alguns entrevistados utilizaram expressões ligadas ao
conforto/desconforto para descrever sua relação com o direito internacional.
Os participantes �zeramdeclarações como “[não] me sinto confortável com
o direito internacional”, “teria que comer muito feijão para me sentir
confortável em direito internacional”, “gera um certo desconforto toda vez
que você é chamado a ter que decidir, porque a gente não tem esse hábito
quase que diário como a gente tem em outras disciplinas”.
Como a�rma Rosalyn Higgins, nos sistemas judiciais em que pessoas
podem até se tornar advogadas e juízas sem ter nada mais do que noções
básicas do DIP, “[p]sicologicamente, isto leva tanto o advogado quanto o
juiz a tratar o direito internacional como um ramo exótico do direito, para
ser evitado de todo modo possível” (1995, p. 206)21. Tal percepção é
convergente com os achados de Cunha, que conseguiu correlacionar,
estatisticamente, a não aplicação das normas internacionais de direitos
humanos ao não conhecimento dessas normas, deixando claro que “quanto
maior for o nível de conhecimento dos sistemas internacionais de proteção
dos direitos humanos, maiores as chances de utilização das normativas
mencionadas” (2005, p. 170).
Essa correlação deve ser explorada à luz das pesquisas sobre o
comportamento judicial. Antes, no entanto, convém examinar as razões
dessa de�ciência na formação dos juízes. Uma boa pista está nos cursos de
Direito, pois, para entender o direito internacional nas cortes brasileiras, é
imprescindível compreender como essa disciplina é ensinada nas faculdades
brasileiras.
3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS
FACULDADES BRASILEIRAS
A presença do Direito Internacional Público no ensino do Direito no
Brasil é antiga: remonta ao nascimento dos cursos jurídicos brasileiros, em
11 de agosto de 1827, época em que era chamado de Direito das Gentes e
Diplomacia (BRASIL, 1827). Na República, a partir de 1895, passou a ser
referido como Direito Internacional Público e Diplomacia (BRASIL, 1895).
A partir de 1962, o modelo do currículo único então vigente foi substituído
pelo do currículo mínimo, no qual foi incluído o DIP. Em 1972, durante a
ditadura militar, a disciplina foi transformada em optativa (BRASIL, 1972),
voltando a se tornar obrigatória apenas em 1994, quando foi reincluída no
conteúdo mínimo dos cursos jurídicos (BRASIL, 1994). Hoje, segundo a
Resolução CNE/CES nº 9/2004, que regula os cursos jurídicos no Brasil, o
direito internacional é conteúdo obrigatório (BRASIL, 2004).
O DIP, portanto, esteve presente como disciplina ou conteúdo mínimo
obrigatório em quase toda a história do ensino jurídico brasileiro. Mas isso
não signi�ca que os estudantes se interessam pela disciplina. Na visão dos
docentes, a resposta é negativa, conforme foi observado por Adriane Sanctis
de Brito e Salem Hikmat Nasser (2017), que entrevistaram, entre 2014 e
2015, 45 professores da disciplina em cursos de graduação em Direito de
quinze instituições brasileiras. Todos os professores entrevistados
compartilharam a impressão de que “os alunos normalmente resistem ao
direito internacional” (2017, p. 128).
Essa, aliás, parece não ser uma impressão exclusiva dos professores
brasileiros. Segundo o Final Report preparado pelo Committee on the
Teaching of International Law da International Law Association, em 2010,
apesar de todos os esforços, o direito internacional na graduação “continua
na periferia dos estudos jurídicos”, situação que se explica, em grande
medida, pela “falta de interesse dos estudantes” (GAMBLE; BOTHA, 2010,
p. 6). Do mesmo modo, o 2020 Report do Teaching and Researching
International Law in Asia (TRILA) Project indicou que a maioria dos
professores de DIP “encontram di�culdades para atrair o interesse dos
estudantes no assunto” (ANGHIE; REAL, 2020, p. 59).
O curioso é que essa percepção dos professores não foi con�rmada
pelos estudantes de Direito de quatro universidades da cidade de São Paulo
que responderam a questionários aplicados por Marcel Kamiyama (2017).
Dos 1.300 alunos questionados, nenhum excluiria o DIP da lista de
disciplinas obrigatórias do curso de Direito, e uma parte relevante (22,3%)
até aumentaria a carga horária (fração bem superior àquela dos que
desejariam menos aulas de DIP, que foi de 12,9%). Além disso, indagados se
se matriculariam em DIP se este fosse uma disciplina optativa, 83,6%
responderam positivamente (2017, p. 91).
Outra percepção dos professores que foi negada pelos alunos
questionados por Kamiyama é a das concepções dos estudantes sobre
juridicidade, efetividade e relevância do DIP. Na perspectiva dos professores
entrevistados por Brito e Nasser, seria comum entre os alunos a ideia de que
o direito internacional é menos efetivo que os demais ramos do direito.
Haveria também uma tendência de os alunos considerarem o DIP uma
disciplina inútil ou uma “perfumaria jurídica”, sem “concretude” ou distante
da realidade das pessoas (BRITO; NASSER, 2017, p. 128-129).
Entretanto, os resultados da pesquisa de Kamiyama indicam que,
embora os estudantes não constituam um bloco homogêneo, há uma
signi�cativa prevalência da concepção do DIP como um mediador relevante
entre Estados soberanos (60,8%), como um discurso que avança valores
globais (7,3%) ou como um conjunto de normas indispensável em um
mundo globalizado (8,9%). O autor veri�cou que uma fração de 20,6%
corresponderia a uma corrente a que chamou de “materialista-determinista”,
que abrangeria visões do direito internacional como apenas uma ferramenta
de opressão (2017, p. 82-88).
A percepção dos professores no sentido da elevada frequência com que
os estudantes resistem ao DIP e o consideram pouco efetivo pode ter sido
afetado pela facilidade com que os casos de alunos com tais atitudes podem
ser trazidos à mente. A Psicologia Cognitiva chama isso de “heurística de
disponibilidade”, que seria um tipo de simpli�cação da complexidade da
tarefa de avaliar uma probabilidade (KAHNEMAN; TVERSKY, 1974, p.
1127-1128). Recorrer à disponibilidade pode ser útil, pois as ocorrências
mais frequentes geralmente são mais bem lembradas do que aquelas menos
frequentes. Contudo, estudos têm indicado que a disponibilidade é
comumente afetada por fatores irrelevantes, levando a erros de julgamento.
No caso dos professores de DIP, é mais provável que se recordem mais
facilmente de alunos que resistiram ao ensino da disciplina, do que aqueles
que não o �zeram, levando a um erro na estimativa da frequência com que
tal resistência ocorre.
Essa falha na impressão dos professores ainda pode estar associada à
famosa baixa autoestima dos juristas internacionalistas. Como diz Gerry
Simpson, professores de direito internacional (com exceções, é
desnecessário dizer) são inseguros e padecem de “um medo de periferia”, o
que faz com que estejam sempre justi�cando a própria existência (1999, p.
73-74)22. Na Austrália, confessa Simpson, “�camos frequentemente
encantados quando juízes notam o direito internacional” (1999, p. 74). Essa
característica também pode ter levado os professores ouvidos por Brito e
Nasser a superestimar o fechamento dos alunos para o DIP.
Mas é preciso registrar que, se a pesquisa de Brito e Nasser representa
uma visão parcial do problema, pois só ouviu professores, a de Kamiyama
também tem os seus vieses. A amostra investigada limitou-se aos alunos das
quatro melhores universidades da cidade de São Paulo, conforme um
reconhecido ranking. O per�l dos estudantes questionados, tanto pela
qualidade do ensino quanto pela localidade das universidades, pode ser bem
diferente do restante da população de alunos de Direito do restante do
Brasil, como admite o autor (KAMIYAMA, 2017, p. 80). Ademais, há
sempre a possibilidade de os questionados não serem totalmente sinceros ao
responder as perguntas. De toda sorte, os resultados da pesquisa devem ser
levados a sério.
Além da falta de interesse dos estudantes, outros problemas no ensino
do direito internacional também foram cogitados pelos professores. Um
deles está relacionado a questões práticas, como, por exemplo, a localização
geográ�ca dos alunos, pois algumas cidades ou regiões seriam mais
próximas do que outras à realidade do direitointernacional, o que afetaria o
interesse pela disciplina. Falou-se também em “elitismo” do DIP, que
demandaria mais recursos �nanceiros para uma boa formação do que outras
áreas do Direito (BRITO; NASSER, 2017, p. 129-131). Outra questão prática
mencionada pelos entrevistados é a necessidade de conhecimento de línguas
estrangeiras, pois diversos materiais importantes para o estudo do DIP
encontram-se em língua estrangeira, di�cultando o acesso dos estudantes
aos debates mais importantes e atuais da disciplina (BRITO; NASSER, 2017,
p. 130).
Também se falou sobre a posição da disciplina na grade curricular dos
cursos de Direito. O fato de ser frequentemente ministrado no �m do curso
faz com que haja menor interesse pelo DIP, já que, nesta fase, os alunos estão
mais preocupados com outras coisas, como o trabalho de conclusão de
curso, formatura, exame da OAB e inserção no mercado de trabalho
(BRITO; NASSER, 2017, p. 131-132).
Há, ainda, um problema de caráter essencialmente pragmático: a
cobrança inexistente ou mínima do DIP nas provas de ingresso nas carreiras
jurídicas. Na primeira fase do exame da OAB, por exemplo, das 80 questões,
apenas duas (às vezes, uma) versam sobre o conhecimento em DIP, e, na
segunda fase, a disciplina não aparece entre as áreas do Direito que os
candidatos podem escolher para responder questões dissertativas e elaborar
peças. De modo semelhante, os concursos públicos para as carreiras da
magistratura, do ministério público, advocacia pública e defensoria pública
ainda cobram poucas questões sobre DIP. Isso faria, na visão dos
professores, com que os alunos considerem pouco útil estudar o DIP para se
preparar para essas provas (BRITO; NASSER, 2017, p. 132).
Contudo, o principal problema que emergiu da pesquisa de Kamiyama
(que, como já foi dito, ouviu os estudantes) é a insatisfação dos alunos com a
forma como o DIP é ensinado. As queixas mais comuns tiveram a ver com
métodos pedagógicos obsoletos e com o distanciamento dos tópicos
ministrados da realidade dos estudantes (KAMIYAMA, 2017, p. 93-94), o
que parece não ser uma verdadeira surpresa. Alberto do Amaral Júnior já
constatou que “o ensino do direito internacional no Brasil é tecnicamente
defeituoso, metodologicamente confuso e historicamente ultrapassado”
(2016, p. 121). De modo geral, as aulas são “ministradas no velho estilo
coimbrão, baseadas exclusivamente no direito positivo e na transmissão de
categorias dogmáticas, que realçam a �gura do professor-conferencista e
eliminam a participação dos alunos” (AMARAL JÚNIOR, 2016, p. 121). A
pesquisa de Brito e Nasser também observou esse problema: “[a] quase
totalidade dos entrevistados indicou que utiliza o modelo magister dicit, de
exposição oral da matéria aos alunos”, sendo que apenas um quarto deles
também recorre a outros métodos (BRITO; NASSER, 2017, p. 124).
É possível a�rmar que esse é um problema do ensino do Direito, de
maneira geral, no Brasil, e não apenas do DIP. Vários especialistas alertam
que o ensino jurídico nas faculdades brasileiras é problemático,
especialmente devido à persistência, desde a instituição dos primeiros
cursos, de um modelo “fundado eminentemente na exposição oral dos
conteúdos, na sobrecarga de informações aos alunos e na centralidade do
processo de ensino-aprendizagem na �gura do professor” (ESPÍNDOLA;
SEEGER, 2018, p. 99). Essa situação também foi constatada por Roberto
Mangabeira Unger, para quem o conteúdo do ensino do direito continua a
ser “um escolasticismo doutrinário e exegético”, em que o professor se limita
a “pronunciar uma conferência, repleta de tecnicismos”, que não passam de
“repetição de fórmulas doutrinárias de pouca ou nenhuma utilidade”
(UNGER, 2006, p. 114-115).
Os problemas no ensino do DIP ressoaram nas entrevistas com os
juízes federais do Distrito Federal. 67,5% dos entrevistados utilizaram
expressões predominantemente negativas para descrever a sua experiência
com o direito internacional na graduação, como: “muito ruim mesmo”, “eu
vou ser bem sincero: nulo”, “tímida”, “precária”, “rasa, muito incipiente”,
“apenas registros teóricos, mas sem muito aprofundamento”, “muito
super�cial”, “passou que eu nem percebi”, “muito rasa”, “não foi muito legal
não”, “não me foi muito favorável” e “um pouco de�citária”.
Alguns entrevistados �zeram considerações sobre o método. A
principal queixa foi a distância do conteúdo ensinado da prática que os
estudantes almejavam se preparar. Um(a) entrevistado(a) lamentou que a
disciplina “era dada como se fosse algo somente teórico sem uma
repercussão prática na vida assim do pro�ssional e muito distante da
realidade”. Um(a) participante em particular teceu maiores re�exões sobre
os motivos do desinteresse seu e dos seus colegas pelo DIP, destacando que a
distância da prática jurídica poderia ser a principal explicação:
“[...] direito internacional era uma matéria dada por professores com formação bem
acadêmica, eram professores que eram só professores, pesquisadores, tanto que o grupo
de pesquisa em direito internacional era bem forte, mas não eram pessoas que
trabalhavam no direito, advogados, juízes, promotores, [...] [que] eram pessoas da área
que traziam casos concretos. ‘Ah, essa semana lá no tribunal a gente pegou isso’ e aquilo
me enchia o olho, ‘nossa, que bacana... então eu preciso dessa norma para resolver esse
problema’, e aí eu me interessava pra caramba para estudar isso. E direito internacional
não, eram professores muito teóricos [...] quando eu tive direito internacional eu já
trabalhava, eu trabalhava desde o início da faculdade, mas a maioria da minha sala já
estagiava. Então era uma coisa que ninguém via num tribunal, ninguém via no escritório
que trabalhava, sabe. Ele era algo distante. Então ninguém tinha muito interesse, porque
não conseguia correlacionar aquilo ali ao que fazia. Eu acho que talvez esse tenha sido o
principal motivo de eu não ter me dedicado, não ter dado bola [...]. A gente estudava as
matérias que a gente enxergava utilidade. Eu acho que era isso”.
O problema do ensino do DIP – especialmente essa distância do que é
ensinado da prática pro�ssional – pode explicar mais uma observação
interessante da pesquisa de Kamiyama. A investigação separou estudantes
que estavam iniciando os seus estudos de DIP daqueles que já haviam
concluído a disciplina. Observou-se que estes tendem, em relação aos
primeiros, a ter menos ambições pro�ssionais na área, a concordar menos
com a obrigatoriedade do DIP no currículo, a se interessar menos pela
disciplina caso fosse optativa e a considerar o DIP menos relevante para o
seu futuro pro�ssional (KAMIYAMA, 2017, p. 90-92).
Seria simplista colocar esse processo de declínio do interesse dos
alunos pelo DIP com os anos totalmente na conta dos docentes da
disciplina. A�nal, não são somente os professores de DIP que utilizam
métodos didáticos menos atualizados. Também não há elementos que
permitam saber se processo semelhante de crescente desinteresse ocorre ou
não em outras disciplinas. O elemento que se tem é que a variável tempo no
curso de Direito tem um impacto negativo na visão dos alunos sobre o
Direito Internacional, e a forma como a disciplina é ensinada deve ter algo a
ver com isso.
3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO
Como foi visto, o baixo grau de conhecimento do direito internacional
leva os juízes a evitar a sua aplicação e a resolver as causas com recurso aos
ramos do direito com os quais tenham maior familiaridade. A rigor, porém,
o desconhecimento de uma matéria jurídica não deveria ser justi�cativa
para que o julgador deixe de se pronunciar sobre ela. O que, então, faz com
que o desconhecimento do DIP leve os juízes a evitá-lo? Essa relação pode
ser explicada pelos estudos sobre o comportamento judicial, que têm
demonstrado que a aversão ao esforço exerce um papel relevante nos
julgamentos.
Segundo o modelo formalista ou legalista do comportamento judicial,
os juízes decidem exclusivamente com base no direito (isto é, o conjunto de
normas jurídicas vigentes), sendo totalmentealheios a outras in�uências,
como à de suas preferências políticas, de seus interesses particulares ou de
suas características pessoais. Outro modelo bastante in�uente, o atitudinal
ou cético, descreve os juízes como “políticos de toga”, porquanto decidem os
casos à luz de seus valores ideológicos, reduzindo o direito a um
instrumento retórico conscientemente utilizado para ocultar o caráter
ideológico de suas decisões (SEGAL, 2013, p. 281).
Esses dois modelos parecem ser insu�cientes para dar conta do
fenômeno do comportamento judicial. Para Richard Posner, Lee Epstein e
William Landes, que partem de contribuições da teoria da escolha racional,
o juiz é mais bem compreendido como um “participante de um mercado de
trabalho”. Esse modelo foi apresentado no livro How Judges ink (2008) e
posteriormente testado em e Behavior of Federal Judges: a theoretical &
empirical study of rational choice (2013). Nessa abordagem, o juiz é visto
como um trabalhador que, como tal, está sujeito a incentivos e restrições. A
teoria é sintetizada pelos autores da seguinte maneira (2013, p. 5):
[...] a judge conceived of as a participant in a labor market can be understood as being
motivated and constrained, as other workers are, by costs and bene�ts both pecuniary
and nonpecuniary, but mainly the later: nonpecuniary costs such as effort, criticism, and
workplace tensions, nonpecuniary bene�ts such as leisure, esteem, in�uence, self-
expression, celebrity (that is, being a public �gure), and opportunities for appointment to
a higher court; and constrained also by a “production function” – the tools and methods
that the worker uses in his job and how he uses them.
O comportamento judicial, por conseguinte, é in�uenciado por
benefícios como a satisfação com o trabalho, o poder, o status, a fama, o
tempo livre (para outros trabalhos e para o descanso) e a ascensão na
carreira; e por custos, tais como o volume de trabalho e as críticas (de
colegas, de advogados, de acadêmicos e do público em geral). Os juízes,
como seres racionais, ainda que inconscientemente, buscarão maximizar os
benefícios e minimizar os custos. Um juiz, por exemplo, pode se convencer
de que escolheu uma opção por ela estar em conformidade com o direito,
mas, em última análise, pode ter sido motivado pelo receio de a outra opção
resultar em aumento excessivo do seu trabalho. Da mesma forma, um
membro de um órgão judicial colegiado pode votar de uma determinada
maneira para evitar con�itos com os colegas.
Os aspectos institucionais também contam, já que as instituições
tendem a criar códigos de expressão e conduta aos quais os seus membros
são levados a se submeter. Como já notaram os sociólogos institucionalistas,
diversas práticas das instituições são construídas por processos parecidos
com os da esfera cultural23. De modo geral, juízes desejam ser vistos como
bons pro�ssionais por si mesmos, pelos colegas, pela mídia e pela
comunidade (jurídica, acadêmica e, eventualmente, política), sendo que a
ideia do que vem a ser um bom juiz é moldada pela tradição e pelos usos e
costumes do ambiente judicial.
Nesse contexto, o comportamento judicial também reproduz aquilo
que Pierre Bourdieu chama de habitus, isto é, os modos de pensar e agir
padronizados e profundamente arraigados nos agentes de um dado grupo
social (BOURDIEU, 1998, p. 7-8). Os protocolos institucionais acabam
tendo impacto também nos métodos de trabalho, limitando a forma, o
raciocínio e os tipos de doutrinas e argumentos aceitos nas decisões. Além
desses elementos, que são socialmente construídos, exercem in�uência
também as contingências individuais, como a personalidade, o
temperamento, a experiência pessoal e pro�ssional, as preferências e outros
fatores pessoais (origem social, gênero, cor da pele) do ator judicial.
Posner, Epstein e Landes propuseram e testaram, por meio de uma
densa pesquisa empírica, diversas hipóteses relativas ao modelo do juiz
como participante de um mercado de trabalho em todos os níveis do Poder
Judiciário federal norte-americano. Dentre as hipóteses testadas estava a do
papel da aversão ao esforço no comportamento judicial. Tal aversão,
segundo os autores, têm relação com a baixa mobilidade na carreira, a
impossibilidade de rebaixamento e as poucas possibilidades de aumento de
remuneração, que resultam em pouco estímulo ao aumento de
produtividade (EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2013, p. 7).
Por exemplo, nas cortes de apelações, os autores observaram índices
médios de divergência bem menores do que na Suprema Corte, que tem
uma carga de trabalho mais leve. Esse seria um indicativo de uma expressão
da aversão ao esforço que é a aversão à divergência (dissent aversion), isto é,
a relutância de alguns juízes em divergir publicamente mesmo quando
discordam da decisão de seus colegas. A�nal, divergir dá mais trabalho (o
divergente tem que escrever um voto separado) e expõe mais o julgador do
que não divergir (EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2013, p. 255-272). Nas
cortes distritais, onde o volume de trabalho é ainda maior, veri�cou-se uma
tendência muito forte à utilização de conceitos e doutrinas legalistas
desenhadas para impedir a admissibilidade das demandas (EPSTEIN;
LANDES; POSNER, 2013, p. 226).
É importante registrar que nem sempre a aversão ao esforço dá-se de
modo consciente e voluntário. Desde a década de 1970, diversas pesquisas
no campo da Psicologia Cognitiva e da Economia Comportamental têm
demonstrado que os julgamentos humanos resultam da interação entre dois
tipos de operações mentais: o primeiro tipo é rápido, inconsciente e
moldado para decisões automáticas (o que se convencionou chamar de
Sistema 1); o segundo é devagar, consciente e serve para decisões
controladas (Sistema 2). O problema é que o Sistema 1 é insensível à
quantidade e à qualidade das informações, e o Sistema 2, que deveria
corrigir os erros do primeiro processo, devido ao seu funcionamento
oneroso, algumas vezes limita-se a con�rmar as impressões e intuições
produzidas pelo Sistema 1, que passa a in�uenciar até mesmo as decisões
mais cuidadosas (KAHNEMAN, 2012, p. 112).
As descobertas relacionadas a esse duplo processo têm tido
repercussões em diversos campos do conhecimento e, especialmente, no
Direito. Um dos estudos mais famosos (e polêmicos) relacionados à área
jurídica é o realizado por Danziger, Levav e Avnaim-Pesso (2011), que
observaram o comportamento de 8 juízes de Israel que passavam dias
inteiros analisando pedidos de liberdade condicional. O tempo de análise
era curto e a média de deferimentos era de 35% (a decisão padrão, portanto,
era a de indeferimento). Os juízes faziam três pausas para refeição e
constatou-se que, imediatamente após cada intervalo, o índice de
deferimentos subia até 65% e ia decrescendo até chegar perto de 0 antes da
pausa seguinte. A explicação dada pelos autores é que os juízes (na verdade,
todos os seres humanos), quando cansados e famintos, tendem a tomar a
decisão que exige menos esforço do Sistema 2.
No Brasil, é possível que a aversão ao esforço e o cansaço exerçam um
papel ainda mais relevante nas decisões judiciais. O relatório Justiça em
Números, publicado pelo CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA,
2020), informa que o volume de processos médio sob a gestão dos
magistrados em 2019 foi de 6.962, número que cresce anualmente. O índice
de produtividade dos magistrados nesse ano foi de 2.107 processos baixados,
o que signi�ca uma média de 8,4 casos solucionados por dia útil do ano,
sem descontar períodos de férias e recessos. Nesse cenário de imensa carga
de trabalho, associada às metas estabelecidas pelo CNJ, a produtividade
torna-se um imperativo incontornável, e, consequentemente, os juízes
buscam construir estratégias para que seja proferido o maior número
possível de decisões. Como seres racionais, os juízes optarão pelo caminho
que implicar o menor dispêndio de energia para se chegar ao resultado
desejado.
Durante as entrevistas com os juízes federais do DF, essa relação entre o
esforço adicional para se julgar causas de direitointernacional e a carga de
trabalho veio à tona. Um(a) dos(as) participantes reconheceu que, quando
chegam ações dessa natureza, “a gente tem que voltar lá, revisar, ver o
básico”. Outro(a) foi ainda mais direto(a): “[q]uando chega aqui,
sinceramente... eu não vou ter tempo de parar para dar uma estudada
direito, eu tenho que resolver aquele negócio logo. Tenho que produzir e dar
a sentença”. Quando o conhecimento e o tempo são escassos, mas o acervo
processual é abundante, torna-se praticamente inexistente qualquer espaço
para o preenchimento das lacunas do conhecimento e, assim, o direito
internacional continua um desconhecido.
3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL
É possível esperar que, com mais familiaridade com o DIP, haverá
maior possibilidade de os juízes aplicarem as suas normas. O resultado é o
aperfeiçoamento da própria atividade jurisdicional. Mas, para além dessa
consequência do conhecimento do direito internacional no trabalho dos
magistrados, é possível identi�car outros benefícios decorrentes do estudo
desse ramo do direito, que merecem ser destacados.
O conhecimento do direito internacional é, hoje, indispensável para os
pro�ssionais da área jurídica em geral. Já não é mais raro que esses
pro�ssionais sejam chamados a pensar em questões jurídicas internacionais,
em razão do aumento da interdependência dos Estados e da própria
expansão do escopo do direito internacional, notadamente em matéria de
direitos humanos. Observa-se uma verdadeira penetração das normas
internacionais em todos os ramos do direito, de modo que é cada vez mais
difícil resolver problemas de direito interno sem recorrer à normativa
internacional.
Nesse contexto, ao pensar em uma nova faculdade de Direito para o
Brasil, Roberto Mangabeira Unger, preocupado em tornar o curso de Direito
apto a capacitar os estudantes para exercer o direito e para discutir os
problemas, as instituições e as políticas nacionais, propõe um programa que
abranja su�cientemente as questões decorrentes da globalização. Nesse
currículo, seriam indispensáveis noções de Direito Internacional Público, de
Direito Internacional Privado, Direito do Mercosul, Direito da Ordem
Internacional do Comércio e Direito do Capital em Movimento (UNGER,
2006).
Mas o conhecimento do direito internacional não serve apenas àqueles
que desejam se tornar servidores públicos, advogados ou professores. Vários
autores já chamaram a atenção para o fato de que ensinar o direito
internacional é, em última análise, ensinar uma cultura de paz, justiça e
democracia. O texto inaugural da primeira edição da e American Journal
of International Law, de 1907, dedicou-se exatamente à defesa da
necessidade do conhecimento popular do direito internacional para se
alcançar aqueles �ns. No ensaio, Elihu Root, o primeiro presidente da
American Society of International Law, sustentou que “aumentar o
conhecimento público geral dos direitos e deveres internacionais e
promover o hábito popular de ler e pensar sobre o direito internacional”
pode tornar os cidadãos capazes de avaliar razoavelmente a conduta dos
seus representantes em negociações internacionais e, assim, viabilizar a
solução pací�ca das controvérsias internacionais (ROOT, 1907, p. 1-2).
Autores clássicos do Direito Internacional brasileiro também incluíram
a educação como parte essencial de um projeto para a humanidade. Essa
característica do pensamento jurídico-internacionalista brasileiro é
destacada por H. B. Jacobini, em seu A Study of the Philosophy of
International Law as Seen in Works of Latin American Writers (1945). No
pensamento de Jorge Americano (1891-1969), por exemplo, a ordem
jurídica internacional deveria ser reformada para que passasse a ser fundada
em justiça, e o terreno para esse projeto já estava sendo preparado por
algumas centenas de pessoas pelo mundo: os professores de direito
internacional (JACOBINI, 1945, p. 115-116). De modo semelhante, Ilmar
Penna Marinho (1913-1996) defendia que a educação em direito
internacional seria um e�caz instrumento para se ensinar um sentimento de
democracia, justiça e paz (JACOBINI, 1945, p. 118).
Essas re�exões são, sem dúvida, otimistas e, de certo modo, ingênuas.
Muitas vezes, o próprio decurso do tempo leva os juristas internacionalistas
a se tornarem mais céticos quanto ao potencial do ensino do direito
internacional. Esse processo foi notado por Arnulf Becker Lorca (2006, p.
298) nos prefácios das quinze edições do famoso “Curso de Direito
Internacional Público” de Celso Duvivier de Albuquerque Mello. Na
primeira edição, de 1967, o autor demonstra um grande otimismo,
a�rmando, entre outras coisas, que o estudo do DIP pode ser “um
instrumento da luta contra o subdesenvolvimento” (MELLO, 2011, p. 17). O
otimismo do autor se esvaece gradativamente até que, em 2001, refere-se
apenas a uma piada sobre a irrelevância do direito internacional (2011, p.
43)24 e, em 2003, escreve um depoimento profundamente desiludido (2011,
p. 47). A própria American Society of International Law, cuja revista foi
citada algumas linhas atrás, desempenhou um importante papel na
promoção da paz e do desenvolvimento do DIP nos EUA, mas tinha as suas
contradições: era uma organização elitista e etnocêntrica (SCAFI, 2017, p.
16-17).
Nada obstante, é preciso reconhecer que o ensino do DIP tem, pelo
menos, uma utilidade geral para o grande público: se a ordem jurídica
internacional é injusta com os povos do Terceiro Mundo (MUTUA, 2000),
conhecê-la bem é o primeiro passo para questioná-la e propor caminhos
alternativos. Isso signi�ca que o conhecimento do direito internacional pode
dar a sua contribuição para transformar os indivíduos em cidadãos globais
conscientes.
É necessário, por conseguinte, re�etir sobre formas de capacitar os
cidadãos brasileiros, os pro�ssionais da área jurídica em geral e os juízes em
particular para resolver problemas de direito internacional. Durante esta
investigação, foram pensadas algumas propostas que parecem merecer uma
discussão na comunidade jurídica. Uma ideia seria levar a sério a inclusão
dos direitos humanos nos currículos da Educação Básica, conforme
propugnam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos
(PNEDH), lançado em 2003 (BRASIL, 2018), e as Diretrizes Nacionais para
a Educação em Direitos Humanos, de 2012 (BRASIL, 2012).
Nos cursos de nível superior, uma medida positiva seria – mesmo se
sabendo da crescente disputa das disciplinas por espaço nos programas de
graduação – insistir no aumento de horas e créditos dedicados ao direito
internacional. Além disso, a disciplina deve ser deslocada do �nal do curso,
quando os alunos estão mais focados em outras coisas, para o início ou meio
do curso, preferencialmente nos terceiro ou quarto semestres.
Os professores de direito internacional também podem adotar algumas
medidas. A primeira é dar mais importância à transdisciplinaridade por
meio de discussões sobre as interações entre, de um lado, o direito
internacional e, do outro, a política, as relações internacionais, a economia e
a história. A in�uência positivista tende a fazer os professores de Direito, em
geral, e de DIP, em particular, reduzirem os problemas jurídicos a questões
meramente técnicas. Uma abordagem transdisciplinar, além de enriquecer a
formação dos estudantes, tem o potencial de trazer o direito internacional
para mais próximo das suas realidades, tornando o estudo da disciplina mais
atraente25.
A segunda medida (que está diretamente ligada à primeira) é
considerar problemas locais e regionais nas discussões de sala de aula. Um
problema do ensino do direito internacional que não pôde ser extraído das
entrevistas, mas que já está documentado em outras pesquisas, é o seu
caráter eurocêntrico, que vê o DIP como um direito universal e
uniformemente aplicado em todo o mundo (MARÍN, 2020). A discussão de
problemas locais e regionais contribuiria para a formação de uma
consciência crítica a respeito dos enviesamentos não apenas do direito
internacional, mas também da forma como esse é correntemente ensinado.A terceira é conciliar essas abordagens teóricas e críticas com uma
maior ênfase na atuação prática. Esta medida pode ser bem-sucedida por
meio do ensino de como o DIP é aplicado pelos tribunais internacionais e,
especialmente, pelas cortes nacionais. A demonstração de que o direito
internacional é necessário para a prática do direito no Brasil provavelmente
despertaria o interesse dos estudantes que não pretendem se especializar na
disciplina, seguir carreira diplomática ou trabalhar em organizações
internacionais.
A quarta medida – e esta não seria propriamente incumbência dos
professores de DIP, mas de outras disciplinas – é incluir o estudo das normas
jurídicas internacionais no ensino dos diversos ramos do Direito. As aulas
de Direito Civil, por exemplo, devem contemplar as normas convencionais
sobre adoção internacional, sequestro internacional e alimentos
internacionais; as aulas de Direito Penal devem incluir os crimes
internacionais e o seu regime jurídico, e assim sucessivamente. Isso
contribuiria para que os alunos percebessem a importância e a concretude
do direito internacional.
Espera-se que essas mudanças tenham – no longo prazo – um impacto
relevante na formação dos pro�ssionais da área jurídica e,
consequentemente, dos juízes. Mas, uma medida que certamente traria
resultados mais rápidos seria o investimento no treinamento dos
magistrados na atuação das causas internacionais. Esse é um campo
frutífero para cursos das escolas judiciais, pois a maioria dos juízes
participantes que admite ter um baixo grau de domínio do DIP a�rma que
gostaria de conhecê-lo mais e que esse conhecimento auxiliaria e
enriqueceria o seu trabalho.
É
16 É possível se cogitar que o reconhecimento judicial da imunidade de jurisdição ou execução de um
Estado ou de uma organização internacional seja, em si, uma estratégia para evitar a aplicação do
direito internacional. Esse é o entendimento de George Galindo (2002, p. 400-402). A posição aqui
adotada é de excluir as imunidades das hipóteses de fuga do DIP, já que decorrem de normas
jurídicas internacionais, a que, de resto, estão vinculados os juízes. Algumas vezes, a evitação do
direito internacional se manifesta na fuga do pronunciamento sobre a própria questão da
imunidade, como será visto logo adiante.
17 Processo nº 1012047-42.2019.4.01.3400.
18 Processo nº 0009481-45.2016.4.01.3400.
19 Processo nº 0026819-37.2013.4.01.3400.
20 Processo nº 0019859-94.2015.4.01.3400.
21 Tradução livre. No original: “Psychologically that disposes both counsel and judge to treat
international law as some exotic branch of the law, to be avoided if at all possible, and to be looked
upon as it is unreal, of no practical application in the real world”.
22 Este pesquisador também parece padecer deste mal, pois considerou necessário fazer alguma
defesa da juridicidade do DIP no primeiro capítulo deste trabalho.
23 As contribuições do institucionalismo sociológico serão retomadas nos próximo capítulo, quando
servirão para a compreensão da ideia de “preferências jurídicas”.
24 Transcrevo a piada: “Um homem viaja em um balão. Há mau tempo. Ele �ca perdido. O tempo
clareia e ele vê uma pessoa em uma praça e pergunta:
- Onde estou?
- Em um balão.
- O Senhor é internacionalista?
- Como adivinhou?
- É que a sua resposta foi precisa e correta, mas totalmente inútil!”
25 Nesse sentido: “A agenda premente do ensino do direito internacional consiste em dotar os alunos
de capacidade crítica de leitura e de compreensão desses acordos internacionais e do ambiente
político e econômico no qual suas negociações ocorreram” (CELLI JÚNIOR, 2016, p. 127).
CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE
NÃO JUSTICIABILIDADE
4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
Vimos, no segundo capítulo, que uma das estratégias utilizadas pelos
tribunais domésticos para evitarem a apreciação das questões jurídicas
internacionais é a construção jurisprudencial de doutrinas de não
justiciabilidade. Tais doutrinas são, de um modo geral, arti�ciais,
incoerentes e contrárias a correntes doutrinárias majoritárias, porquanto são
desenvolvidas exclusivamente para obstar o julgamento de causas
internacionais.
Esse padrão de comportamento também foi observado na Justiça
Federal do Distrito Federal. Constatou-se que os juízes federais do DF
recorrem a doutrinas de não justiciabilidade para evitar o julgamento do
mérito das disputas internacionais mais sensíveis às relações externas do
Estado brasileiro. Essas causas são basicamente aquelas que colocam os
julgadores diante de questões sobre a legalidade de atos de Estados
estrangeiros ou de atos praticados pelo Poder Executivo nacional na
condução da política externa. As duas doutrinas identi�cadas, ainda que não
nomeadas pelos julgadores, foram a do ato de Estado (act of State doctrine) e
a das questões políticas (political question doctrine).
O objeto deste capítulo é analisar essa utilização de técnicas de não
justiciabilidade para se fugir do julgamento de questões jurídicas
internacionais. Para tanto, primeiro, serão apresentados os achados da
pesquisa que indicam a aplicação dessas doutrinas. Segundo, serão feitas
algumas re�exões sobre a doutrina do ato de Estado. Terceiro, será
explorado o estado da arte do uso da doutrina das questões políticas, no
direito internacional e no direito interno. Quarto, será proposto o
argumento de que a adoção dessas doutrinas decorre de preferências
jurídicas dos juízes. Quinto, será avaliada a consistência dessas preferências.
Por �m, serão feitas algumas considerações sobre a possibilidade de controle
jurisdicional da política externa no direito brasileiro.
4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA
CAUSA INTERNACIONAL
A maioria das causas que têm contornos internacionais não apresenta
diferenças relevantes das demais demandas rotineiramente examinadas
pelos juízes federais. Em relação a essas não se veri�cou a aplicação de
doutrinas de não justiciabilidade. Observou-se, apenas, a vacilação
decorrente da baixa familiaridade dos magistrados com o direito
internacional, como analisamos no capítulo anterior.
Veri�cou-se, assim, que os juízes nem sempre fogem da aplicação do
DIP em causas que envolvem, por exemplo, o reconhecimento da imunidade
tributária dos funcionários das Nações Unidas prevista na Convenção sobre
Privilégios e Imunidades das Nações Unidas26, procedimentos de
cooperação jurídica internacional, como previsto na Convenção da Haia
sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças27, ou, ainda,
o exame de compatibilidade da legislação dos servidores públicos federais
com as obrigações contidas na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos
das Pessoas com De�ciência28.
Contudo, quando a causa apresenta uma dimensão internacional mais
profunda, colocando os juízes domésticos diante de questões que tocam a
legalidade das relações entre Estados ou organizações internacionais, o
cenário é diverso. No tocante a essas causas, observou-se uma marcante
autocontenção dos juízes, chegando-se, algumas vezes, à própria negativa do
exame jurisdicional da questão.
É interessante notar que uma distinção semelhante a essa foi observada
há alguns anos nas cortes norte-americanas, consoante destacamos no
segundo capítulo. Lea Brilmayer veri�cou que, quando uma causa é
apresentada aos tribunais como uma disputa entre Estados (que a autora
chama de “horizontal”), há pouca probabilidade de ser admitida. Se, porém,
a demanda é articulada com base em direitos individuais, obtém maiores
chances de ser conhecida pelos tribunais (1991).
Na Justiça Federal do DF, também �cou evidenciado que, nessas causas
em que as relações entre os Estados se situam no centro das discussões, os
juízes buscam subterfúgios para se esquivar do julgamento. Essa postura
�cou bastante clara em uma série de casos em que médicos cubanos
buscaram o afastamento do arranjo internacional entabulado entre o Estado
brasileiro, a República de Cuba e a OPAS, relativo ao Programa Mais
Médicos para o Brasil.
Nesses casos, os demandantes sustentavam que o acordo criava uma
situaçãoque os colocava em uma situação desigual em relação aos médicos
brasileiros e aos demais médicos estrangeiros, uma vez que a sua
participação no programa dependia da intermediação do governo cubano e
da OPAS, o que fazia com que parte substancial da sua remuneração �casse
com o governo cubano.
Em todas as 14 decisões relativas a essa série de casos que foram
analisadas, os diversos julgadores abstiveram-se de proceder ao controle de
legalidade do acordo entre o Estado brasileiro, a República de Cuba e a
OPAS. Por trás dessa abstenção judicial, duas premissas foram identi�cadas.
A primeira é a interpretação do princípio da não intervenção (e de
outros princípios a�ns, como o da independência e o da soberania) como
óbice ao pronunciamento dos juízes brasileiros a respeito da legalidade dos
atos de soberania de outros Estados (o ato de soberania, no caso, era a
celebração do acordo por Cuba em prejuízo dos seus nacionais e a retenção
de parte da remuneração dos médicos cubanos). A�rmou-se que, como a
República Federativa do Brasil é regida em suas relações internacionais pelo
princípio da não intervenção, não poderia o Poder Judiciário brasileiro
interferir nas relações entre aquele Estado e um nacional seu. Um(a)
juiz(íza) ressaltou que a interferência do Judiciário nessa questão era vedada,
“pena de ofensa à soberania dos países envolvidos, especialmente Cuba”.
A segunda premissa é a de que o Judiciário não dispõe de competência
funcional e capacidade institucional para julgar as decisões governamentais
em matéria de política externa. Essa tese foi expressa de modo bastante claro
por um(a) juiz(íza):
(...) havendo entendimento entre os Governos Brasileiro e Cubano, para �ns de
cooperação internacional no âmbito do referido programa, é certo que o acordo �rmado
entre eles deve ser respeitado, sob pena de gerar riscos indevidos no campo político e
diplomático, além de colocar em rota de colisão interesses manifestados por Estados no
exercício de sua soberania, por intromissão indevida do Poder Judiciário, em questões
afetas diretamente à competência de outro Poder da República.
Essas duas premissas – impossibilidade de exame da legalidade dos atos
internos de soberanias estrangeiras e vedação ao controle judicial da política
externa do Executivo – re�etem os argumentos centrais de duas doutrinas
muito conhecidas: a do ato de Estado (act of State doctrine) e a das questões
políticas (political question doctrine), respectivamente. A presença desses
argumentos nas decisões judiciais analisadas – sendo que não foi encontrada
nenhuma que contivesse um posicionamento diferente – pode ser tomada
como um forte indicativo da adoção implícita dessas doutrinas pela prática
dos juízes brasileiros de primeiro grau.
4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL
O entendimento dos juízes federais do DF no sentido de que não
devem se pronunciar sobre atos de governos estrangeiros espelha, em
grande medida, a doutrina do ato de Estado (act of State doctrine). Essa
doutrina preconiza exatamente a impossibilidade de que atos praticados por
um Estado soberano em seu território sejam examinados pela Justiça de
outro Estado e foi adotada, pela primeira vez, no caso Underhill v.
Hernandez, julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1897 (SUPREMA
CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1897).
Na ocasião, discutiu-se a responsabilidade do General Hernandez
(comandante de uma força revolucionária venezuelana) por danos causados
a George F. Underhill, que residia, à época, na Venezuela. A Suprema Corte
entendeu que os atos de Hernandez eram imputáveis ao Estado venezuelano
e que os tribunais não devem julgar atos praticados por outros Estados
soberanos em seus próprios territórios. Nas palavras do tribunal
(SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1897):
Every foreign state is bound to respect the independence of every other sovereign state,
and the courts of one country will not sit in judgement on the acts of the government of
another done with in its own territory. Redress of grievances by reason of such acts must
be obtained through the means open to be availed of by sovereign powers as between
themselves.
A doutrina, no entanto, tornou-se famosa em razão do caso Banco
Nacional de Cuba v. Sabbatino, julgado pela Suprema Corte dos EUA em
1964 (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1964).
Na oportunidade, essa corte foi provocada a se pronunciar sobre a
possibilidade de tribunais estadunidenses analisarem decisões de outros
Estados – no caso, o con�sco de propriedades de cidadãos norte-americanos
pelo governo cubano. Concluiu-se que o caso atraía a aplicação da act of
State doctrine, que, conforme acentuou a Suprema Corte, decorre
fundamentalmente da competência dos ramos políticos do governo dos
EUA para conduzir as relações exteriores.
Apesar da semelhança, essa doutrina não se confunde com a
imunidade dos Estados, por dois motivos principais. Primeiro, esta – a
imunidade estatal – somente é aplicável se o Estado for réu na ação, ao passo
que a doutrina do ato de Estado pode incidir mesmo na ausência de
qualquer ente estatal na causa, desde que esteja em questão a legalidade de
um ato soberano. Segundo, o reconhecimento da imunidade de jurisdição
implica a inadmissibilidade da ação, enquanto a incidência da act of State
doctrine não impede o julgamento do mérito, apenas obsta o
pronunciamento judicial sobre a validade da legislação do Estado
estrangeiro (DOLINGER, 1988, p. 99; MADRUGA FILHO, 2005, p. 73)29.
4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO
INTERNACIONAL
A abstenção dos juízes federais do Distrito Federal em matéria de
política externa coincide com a célebre doutrina das questões políticas.
Segundo essa doutrina, questões de natureza política devem ser resolvidas
exclusivamente pelos ramos políticos do governo (Executivo e Legislativo),
estando completamente fora da esfera do controle do Poder Judiciário.
Não deixa de ser paradoxal que a origem comumente apontada da
doutrina das questões políticas seja o mesmo precedente que fortaleceu o
poder dos tribunais no controle dos atos dos demais poderes: o caso
Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em
1803 (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1803).
No caso, o Chief Justice John Marshall a�rmou que os atos praticados pelo
Presidente no exercício dos seus poderes políticos estão livres de qualquer
revisão judicial30.
O caso Marbury v. Madison também tem sido apontado como a
principal causa da conhecida abdicação das cortes norte-americanas em
matéria de relações exteriores. Em certo momento desse julgamento,
Marshall enfatizou especi�camente a não justiciabilidade dos atos do
departamento de relações exteriores. Para omas Franck, qualquer que
tenha sido a intenção dessa “observação aparentemente improvisada” de
Marshall, seu efeito foi iniciar uma teoria constitucional, prestigiada até os
dias atuais, de que as relações externas são essencialmente diferentes das
outras questões de Estado (FRANCK, 1992, p. 3) e, consequentemente,
infensas ao controle jurisdicional.
A atitude de Marshall, também segundo Franck, signi�cou a celebração
de uma espécie de pacto faustiano entre os tribunais e os órgãos políticos.
Nesse pacto, o Poder Judiciário expandiu o seu poder de fazer a revisão de
questões internas, dando em troca para os poderes políticos a supremacia
nas questões externas (FRANCK, 1992, p. 12-13). Com o tempo, a aplicação
da doutrina das questões políticas aos assuntos internos foi virtualmente
erradicada, ao passo que foi reforçada em questões externas (FRANCK,
1992, p. 19).
No Brasil, a aplicação da doutrina das questões políticas foi inaugurada
no julgamento pelo STF do famoso Habeas Corpus nº 300 de 1892 (BRASIL,
1892). O pano de fundo foi a prisão de 46 opositores do então Presidente da
República Floriano Peixoto, que se recusava a convocar eleições
presidenciais após a renúncia de Deodoro da Fonseca. O STF entendeu que,
mesmo em se tratando de direitos individuais, era “impossível isolar esses
direitos da questãopolítica” e não era da índole do tribunal “envolver-se nas
funções políticas do Poder Executivo ou Legislativo”, razão pela qual não
poderia intervir para nuli�car as medidas de segurança decretadas pelo
Presidente.
Não muitos anos depois, em 1898, o STF já adotaria posição diversa,
desenvolvendo a conhecida “doutrina brasileira do habeas corpus”,
assumindo que direitos individuais não podem �car sujeitos a medidas
políticas. Desde então, embora não tenha a�rmado os limites da aplicação
da doutrina, o STF não tem demonstrado receio de intervir em questões
políticas relevantes do cenário nacional (LEITÃO; SOUZA, 2018, p. 200).
Pelo contrário, o STF se tornou uma importante arena de disputa política,
com efeitos políticos concretos no Brasil (RÍOS-FIGUEIROA; TAYLOR,
2006).
O debate sobre a possibilidade de apreciação judicial de disputas
políticas possui uma imensa relevância no direito internacional. A mais
in�uente contribuição sobre essa discussão é a obra e Function of Law in
International Community, de Hersch Lauterpacht (1933). O livro, que já foi
considerado o mais importante em língua inglesa sobre o direito
internacional no século XX (KOSKENNIEMI, 2009, p. 366), é um
verdadeiro manifesto contra a distinção (então amplamente aceita) entre
questões jurídicas e políticas, considerando-se estas não justiciáveis perante
tribunais internacionais.
Para Lauterpacht, a doutrina das questões não justiciáveis é uma
expressão da teoria da soberania (1933, p. 3)31. Desse modo, a doutrina
serviria apenas para conciliar, de um lado, o argumento tradicional dos
Estados soberanos de que eles deveriam ser os próprios juízes de suas
disputas jurídicas com outros Estados e, de outro, com a necessidade de se
concluir tratados de solução de controvérsias que apresentem alguma
aparência de juridicidade das obrigações (1933, p. 5-7). Alguns juristas
internacionalistas e estadistas – observa Lauterpacht – mesmo conscientes
da arti�cialidade da distinção, aceitaram-na porque seria útil ao propósito
de superar a descon�ança dos governos em relação à arbitragem
compulsória (1933, p. 4-5).
Lauterpacht identi�ca as quatro concepções de questões justiciáveis
presentes na literatura, que são as seguintes: primeira, disputas jurídicas são
aquelas que podem ser resolvidas por normas existentes e determináveis de
direito internacional; segunda, controvérsias jurídicas são as de importância
menor e secundária, que não afetam os interesses vitais dos Estados;
terceira, questões jurídicas são aquelas em que a aplicação de regras de DIP
existentes é su�ciente para garantir um resultado que não seja incompatível
com as demandas de justiça entre os Estados e com o desenvolvimento das
relações internacionais; quarta, disputas jurídicas são as relativas a direitos
existentes, não se confundindo com os con�itos de interesses, em que se
busca uma mudança no quadro normativo vigente (1933, p. 19-20).
Em seguida, Lauterpacht passa a refutar detidamente cada uma dessas
concepções. Primeiro, a novidade de uma disputa nunca impediu qualquer
tribunal de solucioná-la recorrendo à analogia, aos princípios gerais de
direito, à ponderação de interesses e a argumentos abstratos sobre as
necessidades da comunidade internacional (1933, p. 110-135). Segundo, a
prática também revela que os tribunais internacionais sempre lidaram com
controvérsias importantes, e não apenas com as menores e secundárias
(1933, p. 145-153). Terceiro, faz parte da função jurisdicional temperar
regras obsoletas ou injustas por meio de referências a propósitos mais
amplos do direito, à cláusula rebus sic stantibus, ao abuso de direitos ou à
equidade (1933, p. 245-347). Por �m, a distinção que opõe disputas jurídicas
a con�itos de interesses não serve como base para uma classi�cação
cientí�ca das controvérsias internacionais e implica, em última análise, a
própria rejeição dos mecanismos de solução judicial (1933, p. 351-377).
Lauterpacht também percebe a necessidade de examinar o argumento
de que, mesmo nas ordens jurídicas internas, existem questões excluídas do
escopo do direito, de modo que seria irrazoável ou pedante esperar que seja
diferente no direito internacional (1933, p. 385). O autor analisa algumas
situações e conclui que nenhuma delas está, a rigor, fora do campo do
direito. Para as re�exões deste capítulo, interessa especi�camente o exame da
atuação do Poder Executivo nas relações exteriores. Aqui, Lauterpacht
admite que as cortes de alguns países não consideram parte de sua
competência se pronunciar sobre a política externa adotada pelo Executivo.
Essa limitação de competência, no entanto, não signi�caria limitação do
império do direito, mas expressão da inevitável diferenciação de funções no
âmbito do Estado moderno (1933, p. 387-390)32.
A tese de que o direito deve ocupar um papel central nas relações
internacionais, vigorosamente defendida em e Function of Law in
International Community, pode ser tida como vitoriosa (GALINDO, 2014, p.
3; KOSKENNIEMI, 2009, p. 364). A doutrina das questões não justiciáveis já
não encontra o eco de outrora no direito internacional. Nas ordens jurídicas
internas, todavia, o cenário é diferente. É verdade que se tem notado uma
diminuição do espaço da doutrina das questões políticas nos tribunais
domésticos, o que se deve, sobretudo, ao fortalecimento da ideia de rule of
law (interno) (AMOROSO, 2015, p. 100)33. Contudo, a aplicação da
doutrina a questões de política externa ainda persiste em diversos sistemas
constitucionais, o que é visto como um re�exo da in�uência da doutrina da
não justiciabilidade de certas controvérsias internacionais (KOSKENNIEMI,
2009, p. 363).
Essa aplicação da doutrina das questões políticas às relações exteriores
pelos tribunais domésticos opera de três modos diversos, conforme Daniele
Amoroso concluiu da análise comparada de decisões de tribunais dos EUA,
do Reino Unido, da França e da Itália (2015, p. 103). O primeiro é como
“limitação jurisdicional” ou, utilizando a terminologia processual, como
uma hipótese de incompetência material. Cortes domésticas, nessas
situações, invocam a doutrina das questões políticas para dizer que não têm
competência para controlar atos do Estado em suas relações internacionais,
seja por força do princípio da separação dos poderes (a competência para
conduzir a política externa é constitucionalmente atribuída aos ramos
políticos do governo), seja por impossibilidade julgar a atuação do seu
Estado como sujeito de direito internacional (os tribunais não podem
revisar atos internacionais do Estado porque são uma parcela dele).
O segundo modo de operação da doutrina das questões políticas nas
relações exteriores é como “argumento de não justiciabilidade”. Aqui as
cortes nacionais entendem que têm competência para decidir a causa, mas
eximem-se de fazer o controle da questão de política externa ao argumento
de que o direito internacional não fornece parâmetros jurídicos adequados
(não justiciabilidade normativa) ou de não serem dotadas de capacidade
institucional para tanto (não justiciabilidade funcional).
O terceiro e último modo é como “forma de autocontenção prudente”.
A incidência da doutrina das questões políticas, nesse caso, decorreria do
exercício de uma discricionariedade judicial orientada a evitar que as cortes
domésticas sejam transformadas em instrumentos de lutas políticas ou que
contradigam a atuação do Executivo no âmbito internacional.
O STF, ao julgar o rumoroso caso Battisti, parece ter adotado a versão
da “limitação jurisdicional” da doutrina das questões políticas. Na ocasião,
suscitou-se a tese de descumprimento do tratado de extradição com a Itália,
e a maioria da Corte a�rmou que a questão “em tese, gera uma lide entre
Estados soberanos, cuja resolução não compete ao Supremo Tribunal
Federal [...]”. O tribunal ainda consignou o seguinte (BRASIL, 2011):
O princípio da separação dos Poderes (art. 2º CRFB) indica não competir ao Supremo
Tribunal Federal rever o mérito de decisão do Presidente da República, enquanto no
exercícioda soberania do país, tendo em vista que o texto constitucional conferiu ao
chefe supremo da Nação a função de representação externa do país.
[...]
O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões políticas na
esfera internacional, competindo esse mister ao Presidente da República, eleito
democraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior
[...].
O STJ também já adotou uma posição similar. Em precedente de 2010,
confundindo algumas vezes os institutos do “refúgio” e do “asilo” entre si -
diga-se de passagem – o tribunal entendeu ser “inadequado ao Judiciário,
tirante situações excepcionais”, controlar os motivos da Administração nos
“casos que envolvem políticas públicas de migração e relações exteriores”
(BRASIL, 2012)34.
4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA
As premissas adotadas pelos juízes federais do DF para justi�car a sua
abstenção – impossibilidade de exame da legalidade dos atos internos de
soberanias estrangeiras e vedação ao controle judicial da política externa
brasileira – não decorrem diretamente de nenhuma norma jurídica. São, na
verdade, interpretações jurisprudencialmente construídas de dispositivos
com elevado grau de abstração, como os princípios da não intervenção, da
independência, da soberania e da separação dos poderes. Tampouco se pode
dizer que essa postura decorre implicitamente do sistema jurídico brasileiro,
pois este, como se sabe, tem o princípio da inafastabilidade da jurisdição
como um de seus pilares.
Por conseguinte, é razoável concluir que essa abdicação judicial em
matéria de relações exteriores deve-se às preferências jurídicas dos
julgadores. Para compreender como essas preferências afetam o
comportamento judicial, é útil recorrer a alguns insights fornecidos pelos
estudos dos pesquisadores ligados ao institucionalismo sociológico.
No �nal dos anos 1970, o institucionalismo sociológico rompeu com a
tradição que, desde Max Weber, fazia uma distinção clara entre a esfera
social (dominada por estruturas burocráticas pautadas pela racionalidade e
pela e�cácia) e a esfera cultural. Os sociólogos dessa escola perceberam que
nem todas as práticas das instituições eram criadas para lhes conferir maior
racionalidade, mas algumas delas eram construídas por meio de processos
muito semelhantes aos que dão origem às práticas culturais em geral. Esses
sociólogos passaram então a dar um enfoque culturalista às instituições,
interpretando-as não apenas como as regras, procedimentos e normas
formais, mas também como “os sistemas de símbolos, os esquemas
cognitivos e os modelos morais que fornecem ‘padrões de signi�cação’ que
guiam a ação humana” (HALL; TAYLOR, 2003, p. 209).
Segundo essa escola sociológica, as instituições não apenas prescrevem
normas sobre os papéis a serem desempenhados pelos indivíduos, mas
também fornecem esquemas, categorias e modelos de compreensão que, por
sua vez, moldam o comportamento dos atores sociais. Nesse sentido, os
sociológicos institucionalistas sustentam que (HALL; TAYLOR, 2003, p.
210):
uma vez confrontado com uma situação, o indivíduo deve encontrar um meio de
identi�cá-la e de reagir a ela, e que os cenários ou modelos inerentes ao mundo da
instituição lhe oferecem os meios de resolver uma e outra dessas tarefas, não raro de
modo relativamente simultâneo.
Trazendo esses conceitos para o Poder Judiciário, é possível a�rmar que
o ator judicial sofre limitações impostas pelos modos institucionalmente
(culturalmente) construídos de julgar e interpretar, ou, dito de outro modo,
por molduras cognitivas que se tornam, no seio da instituição, o padrão de
conduta interpretativa. As ideias coletivamente construídas sobre o direito
então moldam a compreensão dos julgadores sobre a ordem jurídica, o seu
papel no sistema e o horizonte de soluções possíveis para os casos.
Gonzalez-Ocantos chama esses esquemas cognitivos de “preferências
jurídicas” (legal preferences), conceituando-as como (2016, p. 33):
(...) a de�ning feature of the cognitive lens through which judges and prosecutors
conceptualize the disputes they are asked to adjudicate. ey encompass views about
what can be considered legitimate sources of law (domestic, international, customary);
what are the acceptable forms of legal argumentation, templates of reasoned justi�cation,
and terms of art that may be used in court’s pronouncements; what amounts to a
reasonable standard of proof when adjudicating criminal or civil responsibility; and
conceptions about the reach of formal judicial prerogatives.
Essas preferências jurídicas criam predisposições intelectuais
determinantes para o resultado dos processos decisórios. As decisões
judiciais resultam, assim, não apenas das normas jurídicas invocadas, mas
também das doutrinas, das escolas de pensamento e dos métodos de
argumentação considerados aceitáveis pelos julgadores. Mais do que os
textos normativos, importa para a decisão judicial como esses textos são
lidos.
Portanto, a ideia de que questões conectadas às relações internacionais
não podem se sujeitar ao controle jurisdicional é uma presunção
epistemológica, histórica e culturalmente construída, dos participantes da
pesquisa. Essa mesma ferramenta conceitual, aliás, também foi utilizada por
Eyal Benvenisti para explicar a hesitação na aplicação do direito
internacional em várias jurisdições. Para o autor, a adoção de caminhos
diferentes por alguns sistemas judiciais demonstra que “as interpretações
que limitam o papel do direito internacional tanto com respeito à sua
aplicabilidade quanto ao seu status vis-à-vis o direito local re�etem uma
escolha judicial” (BENVENISTI, 1993, p. 16435.
A abstenção judicial em tema de relações exteriores é, portanto, uma
questão de preferência jurídica. Mas é necessário analisar se as preferências
que sustentam a adoção das doutrinas de justiciabilidade nas causas mais
sensíveis às relações externas do Estado brasileiro são consistentes. É o que
será feito no próximo tópico.
4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS
EM MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES
Como já foi visto, a utilização implícita da doutrina do ato de Estado
está amparada na ideia de que o princípio da não intervenção (e outros
princípios a�ns, como o da independência e o da soberania) constitui um
óbice ao pronunciamento dos juízes brasileiros a respeito da legalidade dos
atos de soberania de outros Estados.
Contudo, essa interpretação do princípio da não intervenção tem sido
amplamente rejeitada nos diversos sistemas jurídicos do mundo. Tem-se
dito, no próprio mundo anglo-saxão, onde a ideia foi primeiramente
desenvolvida, que “a doutrina do ato de Estado não serve mais para
qualquer propósito útil ou legítimo” (GARNETT, 2005, p. 715) e que se trata
de uma “ferramenta insatisfatória no julgamento de extraterritorialidade e
deve ser abandonada” (IRELAND-PIPER, 2018, p. 33). Os principais
problemas da doutrina são, segundo Ireland-Piper, a falta de clareza do seu
conteúdo, o fundamento em teoria superada (segundo a qual somente uma
soberania pode criar direitos dentro do seu território), o uso equivocado
pelas cortes para evitar decidir casos difíceis e, ainda, ser uma fonte de
injustiça e negação de direitos (2018, p. 23-24).
O fato é que a doutrina do ato de Estado vem sofrendo várias
mitigações nos Estados da commom law. Já em 1964, como reação ao caso
Sabbatino, o Congresso dos EUA aprovou a Segunda Emenda Hickenlooper
(também conhecida como Emenda Sabbatino) ao U.S. Foreign Assistance
Act, que afastou a aplicação da doutrina aos casos de expropriação de bens
de estrangeiros em violação do direito internacional (ESTADOS UNIDOS
DA AMÉRICA, 1961). A Emenda admitiu uma exceção nos casos em que o
Executivo solicite a aplicação da doutrina do ato de Estado a �m de atender
aos interesses de política externa do governo36.
Posteriormente, no Restatement of the Foreign Relations Law of e
United States (Revised) de 1983, do American Law Institute, foi proposto na
seção nº 428 que “ressalvada a seção 429, os tribunaisamericanos abster-se-
ão de examinar a validade de um ato de um Estado estrangeiro praticado na
sua capacidade soberana dentro de território do Estado”. A seção nº 429,
entretanto, dispõe que “a doutrina de ato de Estado não será aplicada a
reivindicações relativas a propriedade especí�ca localizada nos Estados
Unidos com base na a�rmação de que um Estado estrangeiro con�scou a
propriedade em violação do direito internacional” (AMERICAN LAW
INSTITUTE, 1983)37.
A redação �nalmente adotada pelo Restatement (ird) of Foreign
Relations, em 1987, foi a de que “na ausência de determinação presidencial
em sentido contrário, a doutrina do ato de Estado não será aplicada em caso
envolvendo um pedido de título ou outro direito de propriedade, quando o
pedido é baseado no argumento de que o Estado estrangeiro con�scou a
propriedade em violação do direito internacional” (§ 444) (AMERICAN
LAW INSTITUTE, 1987)38.
Da mesma forma, no Reino Unido, há fortes sinais de que as cortes
inglesas vêm restringindo o escopo da doutrina com base em argumentos
decorrentes do princípio do rule of law. Embora a doutrina do ato de Estado
seja ainda aplicada a disputas sobre território e limites marítimos, não tem
sido utilizada para afastar a apreciação de cortes inglesas de atos que violam
o direito internacional ou relativos a direitos privados (BROWNLIE, 2008,
p. 50).
Os tribunais da Austrália, embora apresentando algumas oscilações,
também têm entendido que inexiste regra geral e universal que impeça as
cortes domésticas de examinar a legalidade de um ato praticado por um
Estado soberano dentro do seu território. A doutrina do ato de Estado é
afastada especialmente quando o exame do ato de outra soberania é um pré-
requisito para o pronunciamento judicial a respeito da conduta do seu
Estado ou, ainda, quando está presente alegação de violação de normas
peremptórias de direito internacional (IRELAND-PIPER, 2018, p. 24-25).
A doutrina do ato de Estado tem se revelado, portanto, “ultrapassada e
inútil” (IRELAND-PIPER, 2018) até mesmo no mundo da commom law,
sendo a sua única utilidade servir como subterfúgio para que os tribunais se
esquivem de julgar causas internacionais. Desse modo, a argumentação
utilizada pelos juízes do DF no sentido de que não poderiam se pronunciar
sobre possíveis violações dos direitos humanos dos nacionais cubanos pela
República de Cuba, por força do princípio da não intervenção, já não se
sustenta.
O mesmo se pode dizer a respeito da doutrina das questões políticas
como obstáculo ao julgamento das decisões governamentais relativas à
política externa. O discurso dos juízes para justi�car a sua abstenção nesse
ponto pode ser dividido em duas linhas argumentativas: incompetência
funcional e incapacidade institucional. A primeira diz respeito aos limites da
função judicial. Os participantes argumentaram, nesse sentido, que resolver
questões políticas não faz parte da competência do Poder Judiciário. Tais
controvérsias, por envolverem escolhas políticas, situam-se fora do âmbito
de atuação dos tribunais. O campo decisório apropriado para a solução
dessas questões é, por excelência, a própria arena política.
A segunda linha de argumentos enfatiza a ideia de que faltaria ao Poder
Judiciário a capacidade institucional para solucionar essas controvérsias. Os
juízes não recebem treinamento especí�co e nem têm acesso a todas as
informações necessárias para lidar com a complexidade que caracteriza a
política externa. Consequentemente, a �m de evitar desdobramentos
indesejados e imprevisíveis nas relações internacionais, a postura mais
apropriada nessa seara é a autocontenção.
As ponderações feitas pelos juízes são razoáveis, mas apresentam
algumas fragilidades. Primeiro, a possibilidade de controle judicial da
política externa não extrapola a competência constitucionalmente atribuída
ao Poder Judiciário, haja vista que não implica a substituição dos corpos
políticos pelo Judiciário, mas a sua sujeição a critérios jurídicos. A
competência dos tribunais para fazer a revisão dos atos dos poderes
Executivo e Legislativo, aliás, é um dos elementos centrais do próprio Estado
constitucional contemporâneo. Em suma, como constatou omas Franck,
referindo-se ao sistema constitucional norte-americano, “não há qualquer
razão válida – constitucional, prudencial, técnica ou política – para tratar
casos de relações exteriores diferentemente dos outros”39.
Segundo, em relação à ausência de capacidade institucional do Poder
Judiciário, não é possível negar que, de fato, os tribunais são dotados de
menor expertise e possuem menos informações em matéria diplomática do
que os demais poderes. Isso, porém, não é su�ciente para eximi-los do
exercício do controle judicial da política externa. Como salienta Amoroso,
essas di�culdades podem ser superadas por meio de uma calibração da
intensidade do controle judicial (mais intenso em áreas governadas pela
proteção dos direitos humanos e menos abrangente em temas não
relacionados a essas normas, por exemplo) e pelo estreitamento do diálogo
interinstitucional com o Poder Executivo, como é comum ocorrer em países
da tradição da commom law (AMOROSO, 2015, p. 121-125).
A prova da possibilidade do exercício dessa competência é o fato de
que diversos tribunais nacionais têm discutido e decidido questões de
política externa (AMOROSO, 2015, p. 100), sendo a Alemanha um
importante exemplo dessa postura (FRANCK, 1992, p. 107-125;
KOSKENNIEMI, 2009, p. 363). Nessa mesma direção, a Resolução do
Institut de Droit International sobre As Atividades dos Juízes Nacionais e as
Relações Internacionais do seus Estados, de 1993, propugna que
(INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL, 1993):
[n]ational courts, when called upon to adjudicate a question related to the exercise of
executive power, should not decline competence on the basis of the political nature of the
question if such exercise of power is subject to a rule of international law.
Ademais, esses argumentos – incompetência funcional e incapacidade
institucional – nunca foram su�cientes para impedir os tribunais brasileiros
de se envolver em disputas políticas internas. E o protagonismo atual do
Poder Judiciário brasileiro na política, muitas vezes atribuído a teorias
constitucionais contemporâneas (BARROSO, 2006), encontra suas raízes no
próprio início da nossa história republicana.
Como já foi mencionado, no julgamento do citado Habeas Corpus nº
300 de 1892, o STF deixou de tutelar direitos individuais a �m de evitar um
confronto com o Executivo. Nesse período, “especialmente durante governos
de militares”, o STF era deferente aos poderes do Executivo, sendo que a
“autocontenção judicial pode ter sido estratégia para evitar maiores
intervenções do Executivo no Judiciário” (CANTISANO, 2019, p. 63).
Contudo, depois dessa fase inicial, o STF passou a demonstrar um
verdadeiro “fetiche no controle dos demais poderes” (BACHA E SILVA,
2013). Isso �cou claro a partir da construção jurisprudencial da “doutrina
brasileira do habeas corpus”, que colocou o Poder Judiciário no papel de
verdadeiro controlador do jogo político. Para Diogo Bacha e Silva, essa
ampliação do escopo do habeas corpus mostrou que, “sob a argumentação
de proteção aos direitos individuais, muitas vezes se escondem objetivos
pragmáticos e ideológicos de controle sobre os demais poderes
republicanos” (2013, p. 175).
Tudo indica, por conseguinte, que a doutrina das questões políticas (e
suas derivações, como a insindicabilidade dos atos interna corporis das
Casas do Congresso Nacional) é invocada não para evitar que o Poder
Judiciário se imiscua na seara política, mas para conferir o suporte técnico-
jurídico para que os tribunais possam escolher quais batalhas vão lutar (ou
em quais das questões políticas vão interferir). Isso porque, ao se eximir de
julgar uma causa com fundamento em sua natureza política, o julgador está,
na prática, optando por um dos lados.
Essa constatação é convergente com os achados de estudiosos do
comportamento judicial no sentido de que as preferênciaspolíticas exercem
um papel fundamental nas decisões judiciais. Conforme concluiu um estudo
muito conhecido sobre os votos proferidos por juízes da Suprema Corte dos
EUA entre 1953 e 1988, os justices não são vinculados pelas doutrinas aceitas
pela maioria da Corte, mas, antes, “são livres para usar as que se encaixarem
melhor em suas próprias preferências”; nem são limitados pelos precedentes,
pois geralmente há precedentes para ambos os lados e, ainda assim, “são
livres para distingui-los ou para superá-los” (SEGAL; COVER, 1989, p.
562)40. Há também, no Brasil, pesquisas que apontam para a in�uência das
inclinações políticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal nos seus
julgamentos, ainda que essa in�uência não se encaixe perfeitamente no
chamado modelo atitudinal41.
Mas não há como negar que a possibilidade de controle judicial da
política externa levanta diversas questões complexas. Algumas delas serão
exploradas a seguir.
4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA
EXTERNA
A Constituição brasileira de 1988 não atribui expressamente a nenhum
poder ou órgão a competência para conduzir a política externa. Essa é
extraída de dispositivos que atribuem ao Poder Executivo da União, na
pessoa do Presidente da República, a competência para manter relações com
Estados estrangeiros e organizações internacionais (artigos 21, inciso I, e 84,
inciso VII); para celebrar tratados e acordos internacionais (artigo 84, VIII);
e para declarar guerra e celebrar a paz (artigos 21, inciso II, e 84, incisos XIX
e XX) (BRASIL, 1988).
O Congresso Nacional, por sua vez, tem competência para resolver
de�nitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional
(artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII) e autorizar ou referendar a decisão do
Presidente de declarar guerra ou celebrar a paz (artigos 49, inciso II, e 84,
inciso XIX). Ao Senado Federal ainda compete aprovar, por meio de
sabatina, a escolha dos chefes de missão diplomática permanente (artigo 52,
inciso IV).
Como se vê, no arranjo institucional da Constituição brasileira, o Poder
Executivo assume o protagonismo da política externa, notadamente nas
fases de formulação e decisão (SANCHEZ et al, 2006, p. 131). Já o Poder
Legislativo desempenha o papel de (co)decisor, com a competência para
aprovar decisões do Poder Executivo, participando, em alguns casos, da
formulação da política externa.
O exercício dessas competências pelos Poderes Executivo e Legislativo
é orientado, como não poderia deixar de ser, por um elevado grau de
discricionariedade. Contudo, isso não signi�ca que inexistam parâmetros
jurídicos que, de alguma forma, limitem a liberdade desses poderes. No
Brasil, esses limites estão expressamente previstos no artigo 4º da
Constituição, que estabelece os princípios que devem reger o Brasil em suas
relações internacionais: independência nacional, prevalência dos direitos
humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os
Estados, defesa da paz, solução pací�ca dos con�itos, repúdio ao terrorismo
e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e
concessão de asilo político.
A enunciação dos princípios que regem o Estado brasileiro em suas
relações internacionais é uma novidade na história constitucional brasileira,
cujos textos constitucionais sempre reservaram pouco espaço a assuntos
internacionais. Nesse ponto, a Constituição de 1988 acompanhou uma forte
tendência da sua época que era a constitucionalização das relações
exteriores. Constituições dessa fase inspiraram-se em grande medida, e na
Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional regendo as
Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados conforme a Carta da
ONU, de 24 de outubro de 1970 (GALINDO, 2002, p. 93). No caso
brasileiro, também exerceu uma in�uência fundamental a Constituição
portuguesa, cujo artigo 7.1 tem uma redação bem semelhante ao que veio
ser o artigo 4º da Constituição brasileira.
Esses princípios não podem ser tomados como simples recomendações
ao Poder Executivo, destituídos de força normativa. Pelo contrário, a
doutrina já ressaltou que os princípios que regem as relações exteriores
exercem três funções básicas: primeira, o estabelecimento de marcos
normativos da gestão da política externa; segunda, a �xação de limites para
a política externa; e, terceira, a formulação de estímulos de direcionamento
da política externa (DALLARI, 1994, p. 16).
E, de fato, como já vem salientando a teoria constitucional das últimas
décadas, os princípios jurídicos são dotados de normatividade e exercem
uma função diretiva para a determinação da conduta (ALEXY, 1993;
ÁVILA, 2005; GRAU, 2003). Os princípios jurídicos são, como a�rma
Humberto Ávila (2005, p. 70):
normas imediatamente �nalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de
complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da
correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta
havida como necessária à sua promoção.
Logo, os princípios estabelecem um �m, um estado de coisas que deve
ser buscado e, portanto, faz com que os comportamentos necessários para o
atingimento desse �m passem a se tornar obrigatórios. Ou, nas palavras de
Ávila, “a positivação de princípios implica a obrigatoriedade da adoção dos
comportamentos necessários à sua realização” (2005, p. 71).
Os Poderes Executivo e Legislativo são, portanto, constitucionalmente
obrigados a adotar os comportamentos necessários para a realização dos �ns
estabelecidos no artigo 4º. Se se afastarem, no exercício de suas
competências, desses parâmetros substantivos, �cam sujeitos à revisão por
aquele poder que, de acordo com a Constituição, tem competência para
apreciar qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito: o Poder Judiciário.
Observe-se que não se trata de atribuir aos tribunais qualquer papel na
condução da política externa – e aqui reside muitos dos equívocos relativos
ao tema – mas de reconhecer a possibilidade de controle jurisdicional do
exercício dessas competências.
Autores que se debruçam sobre o assunto costumam dar suporte a esse
entendimento. Nessa direção, George Galindo a�rma que, diante da
constitucionalização dos princípios que regem o Brasil em suas relações
externas, “abre-se a possibilidade de ampliação do controle da política
externa tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário” (2002, p. 99). De modo
semelhante, Pedro Dallari sustenta que a adoção desses princípios “viabiliza
o controle político da ação externa do Estado pelo Poder Legislativo e o
controle jurídico pelo Poder Judiciário” (1994, p. 16).
O papel do Poder Judiciário na revisão da atuação dos demais poderes
está bem sedimentado, tanto na teoria constitucional quanto na prática
institucional dos Estados democráticos. Essa compreensão remonta ao
constitucionalismo norte-americano, mais especi�camente aos discursos
federalistas, segundo os quais “todo acto do corpo legislativo, contrário à
constituição, não pode ter validade” e que as cortes têm a função de manter
a legislatura “nos limites das suas atribuições” (HAMILTON; MADISON;
JAY, 1840, p. 158). Também costuma ser apontado como marco dessa visão
do Poder Judiciário o já citado caso Marbury v. Madison.
Isso não quer dizer que a tarefa é fácil. É possível cogitar três desa�os
importantes para o exercício do controle judicial da política externa. O
primeiro é a indeterminação do conteúdo do parâmetro de controle, a saber,
os princípios inscritos no artigo 4º da Constituição. Se princípios jurídicos
estabelecem estados ideais de coisas a serem buscados, como de�nir esses
estados ideais? Nesse cenário, não é possível escapar da necessidade de um
trabalho interpretativo para a conformação do seu conteúdo (UZIEL;
MORAES; RICHE, 2017, p. 7).
O segundo desa�o é o indispensável respeito ao espaço de
discricionariedade dos agentes políticos. Os princípios do artigo 4º
possibilitam um amplo leque de opções legítimas, que não podem sersubstituídas pelas preferências dos juízes. A di�culdade é saber até onde vai
a liberdade dos demais poderes dentro desse espaço de discricionariedade.
Como dizem Uziel, Moraes e Riche, a interpretação desses princípios pode
“variar conforme a preferência política adotada pela autoridade competente
para a condução das relações internacionais, sem que isso implique
necessariamente violação ao preceito constitucional” (2017, p. 7). A invasão
da esfera de discricionariedade dos poderes políticos possivelmente geraria
uma disfuncionalidade tão grave quanto a própria omissão do Poder
Judiciário no controle judicial da política externa.
Terceiro, a falta de expertise dos tribunais. A preocupação dos juízes
com a sua falta de capacidade institucional para lidar com assuntos de
política externa deve ser levada a sério. Mas também é verdade que,
diariamente, tribunais decidem matérias que demandam conhecimentos
extrajurídicos. Como já foi dito acima, esse problema pode ser mitigado por
meio de uma adequada calibração da intensidade do escrutínio judicial e
pelo estreitamento do diálogo interinstitucional com o Poder Executivo.
Também podem ser utilizadas técnicas processuais de democratização e
legitimação dos julgamentos, como a realização de audiências públicas e a
participação de amici curiae.
Mas o reconhecimento da competência do Poder Judiciário para fazer a
revisão da política externa não implica necessariamente admitir que esse
deva ter a primazia da última palavra sobre a matéria. É verdade que a
atribuição ao Poder Judiciário do papel de detentor da última palavra no
Estado Democrático (ou, na linguagem da �loso�a política, de “soberano”),
assim como as teorias que lhe dão suporte, “são quase naturalmente aceitas
como uma condição inevitável das democracias contemporâneas”
(BENVINDO, 2014, p. 83).
O discurso geralmente adotado pelos tribunais (especialmente pelo
STF, no caso brasileiro) reforça a compreensão de que uma democracia deve
ter um Judiciário – tido como defensor técnico da Constituição e das
minorias – para se opor às medidas interessadas e retrógradas dos demais
poderes (BENVINDO, 2014, p. 81). O Judiciário, assim, deveria ter a última
palavra tanto porque é um defensor dos direitos fundamentais quanto
porque atua com base em racionalidade técnica e coerência metodológica.
No entanto, como ressalta Juliano Zaiden Benvindo, esse discurso não
encontra correspondência na realidade, pois é possível observar
empiricamente que o Poder Judiciário não faz nem uma nem outra coisa,
deixando claro que o pleito da última palavra esconde, em última análise,
uma busca por mais poder (BENVINDO, 2014, p. 81).
Diante desse cenário, há maior possibilidade de ganho em uma atitude
deliberativa, aberta ao diálogo interinstitucional, do que adversarial, em que
cada poder busca se impor ao outro (MENDES, 2008). A partir dessa
perspectiva, o papel do Poder Judiciário no escrutínio da política externa
deixa de ter uma função simplesmente restritiva da atuação dos demais
poderes para servir também como estimulador de deliberações melhores,
aumentando, assim, as chances de se chegar a respostas adequadas para os
problemas jurídico-internacionais.
Nenhum órgão pode ser arvorar a detentor da última palavra, até
porque, em uma sociedade democrática, isso é impossível. Como salientou
Koskenniemi, uma questão pode atrair a especialidade e a esfera de
competência de diversos órgãos, de modo que o mais importante é saber
que, qualquer que seja a solução dada, “a questão permanecerá controversa e
vai requerer atenção para salvaguardas institucionais como representação,
transparência e accountability” (KOSKENNIEMI, 2009, p. 365). A
complexidade das democracias contemporâneas impõe que o diálogo seja
mantido permanentemente aberto. No �nal das contas, sem uma interação
dialógica entre os poderes é inviável se chegar a soluções satisfatórias e se
aproximar da tão desejada “única voz” em matéria de relações exteriores.
26 Processos n.º 29986-96.2012.4.01.3400, 53342-57.2011.4.01.3400, 59018-49.2012.4.01.3400, 26281-
56.2013.4.01.3400, 46502-31.2011.4.01.3400, 49580-62.2013.4.01.3400, 32210-36.2014.4.01.3400,
37006-70.2014.4.01.3400, 85211-33.2014.4.01.3400, 8035-46.2012.4.01.3400 e 524-
26.2014.4.01.3400.
27 Processos n.º 43552-10.2015.4.01.3400, 2008.34.00.039638-0, 43552-10.2015 e 36277-
73.2016.4.01.3400.
28 Processos n.º 22600-15.2012.4.01.3400, 47024-53.2014, 53004-44.2015.4.01.3400 e 43543-
48.2015.4.01.3400
29 Para Antenor Pereira Madruga Filho, a única referência encontrada à doutrina do ato de Estado na
jurisprudência do STF contém uma confusão com a imunidade jurisdicional dos Estados
estrangeiros. No julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 139.671, o Min.
Celso de Mello a�rmou que a relativização da imunidade de jurisdição no tocante aos atos de
gestão permite “ao Tribunal do foro afastar a invocação da doutrina do ato de Estado (Act of State
Doctrine)”, dando a entender, equivocadamente, que a doutrina do Ato de Estado é a mesma coisa
que a imunidade dos Estados (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1995).
30 O leading case sobre a matéria é o Baker v. Carr, de 1962, em que a Suprema Corte considerou
justiciável a discussão sobre redistribuição e redistritamento. Na ocasião, o tribunal apontou seis
características que indicam a presença de uma questão política: atribuição constitucional da
competência a um departamento político especí�co; ausência de parâmetros judiciais; a
impossibilidade de julgamento sem que se tome uma posição política; impossibilidade de
julgamento sem que se incorra na falta do devido respeito aos demais poderes; presença de uma
necessidade incomum de não se questionar uma decisão política já tomada; e o potencial de
surgimentos de respostas contraditórias dos poderes públicos a uma questão (SUPREMA CORTE
DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1962).
31 A teoria da soberania foi objeto de ataques diretos do autor em várias das suas obras (GALINDO,
2018, p. 277).
32 Lauterpacht, no entanto, entende que a função relativa à política externa não está sujeita ao
controle judicial: “In the domain of foreign affairs it entrusts the competent departments of the
Government with the right of exclusive decision not subject to judicial review. […] is division of
functions is particularly necessary in view of the necessity of uniformity in acts and measures
affecting foreign States. Both the Government and the courts are the organs of the State, and
reasons of stability and convenience in international intercourse require that a State should not
address its neighbours in two voices” (1933, p. 390).
33 Também poderia ser acrescentado o fortalecimento da ideia de supremacia judicial como um dos
fatores da erosão da doutrina das questões políticas.
34 Trechos da ementa: “Em casos que envolvem políticas públicas de migração e relações exteriores,
mostra-se inadequado ao Judiciário, tirante situações excepcionais, adentrar as razões que motivam
o ato de admissão de estrangeiros no território nacional, mormente quando o Estado deu ensejo à
ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal a estrangeiro [...] A tendência mundial é
no sentido da restrição do papel do Poder Judiciário no que tange à análise das condições para
concessão de asilo. Precedentes do Direito Comparado”.
35 Tradução livre. No original: “In other words, the interpretations that limited the role of
international law both with respect to its applicability and to its status vis-à-vis local law re�ected a
judicial choice, a hesitation from invoking international standards” (BENVENISTI, 1993, p. 164).
36 Segue o trecho pertinente do U.S. Foreign Assistance Act: “(2) Notwithstanding any other provision
of law, no court in the United States shall decline on the ground of the federal act of state doctrine
to make a determination on the merits giving effect to the principles of international law in a case
in which claim of title or other right to property is asserted by any party including a foreign state
(ora party claiming through such state) based upon (or traced through) a con�scation or other
taking aer January 1, 1959, by an act of that state in violation of the principles of international law,
including the principles of compensation and the other standards set out in this subsection:
Provided, at this subparagraph shall not be applicable (1) in any case in which an act of a foreign
state is not contrary to international law or with respect to a claim of title or other right to property
acquired pursuant to an irrevocable letter of credit of not more than 180 days duration issued in
good faith prior to the time of the con�scation or other taking, or (2) in any case with respect to
which the President determines that application of the act of state doctrine is required in that
particular case by the foreign policy interests of the United States and a suggestion to this effect is
�led on his behalf in that case with the court” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Foreign
Assistance Act. Publicação em 4 set. 1961. Disponível em: <
https://www.foreign.senate.gov/imo/media/doc/Foreign%20Assistance%20Act%20Of%201961.pdf
>. Acesso em: 18 jun. 2021).
37 Tradução livre. No original: “§ 428 Subject to § 429, courts in the United States will refrain from
examining the validity of an act of a foreign state taken in its sovereign capacity within the state’s
own territory” (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1983).
38 Tradução livre. No original: “In the absence of a Presidential determination to the contrary, the act
of state doctrine will not be applied in a case involving a claim of title or other right to property,
when the claim is based on the assertion that a foreign state con�scated the property in violation of
international law” (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1987).
39 Tradução livre. No original: “[...] there are no valid reasons – constitutional, prudential, technical
or policy-driven – for treating foreign-relations cases differently from any others” (FRANCK, 1992,
p. 7).
40 Tradução nossa. No original: “Supreme Court justices are not bound by the legal doctrines
accepted by the Court majority; they are free to use whatever doctrines �t their own preferences.
Precedents are typically found on both sides of any case reaching the Supreme Court; and even if
the precedents weigh heavily on one side, justices are free to distinguish or overrule them”.
41 Merece destaque a investigação conduzida por Pedro Ferreira e Bernardo Mueller sobre os votos de
todos os ministros de 2002 a 2012 em ações diretas de constitucionalidade. Nessa pesquisa, os
autores concluíram que a principal dimensão na qual as divergências se manifestam no STF
corresponde às posições favoráveis e contrárias aos interesses econômicos do Poder Executivo.
Uma segunda dimensão notada foi a divergência quanto à autonomia legislativa dos entes
federados. Embora a pesquisa tenha concluído que os pontos ideais dos ministros do STF não
correspondem à polarização entre conservadores e liberais, como geralmente é veri�cado nos EUA,
o modelo atitudinal explicaria bem o comportamento dos ministros em um caso especí�co: o
Mensalão. Segundo os autores, nesse julgamento, houve uma clara divisão entre, de um lado, os
ministros mais recentemente nomeados (aqueles indicados pelos Presidentes Lula e Dilma depois
da revelação do esquema de corrupção), e, de outro, os mais antigos (nomeados antes do
escândalo), o que seria consistente com o modelo atitudinal (FERREIRA; MUELLER, 2014).
Posteriormente, Ivar Hartmann e Alexander Hudson chegaram a conclusões parecidas, inclusive
quanto à di�culdade de classi�car os ministros do STF, de modo abrangente, conforme o modelo
atitudinal. Hartmann e Hudson também identi�caram pontos ideais semelhantes aos encontrados
por Ferreira e Mueller, mas, diferentemente destes, a�rmam ter encontrado dados su�cientes para
determinar não apenas duas, mas quatro dimensões para descrever as preferências dos ministros:
direito penal, direito administrativo e tributário, federação e previdência pública (HARTMANN;
HUDSON, 2017).
CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO
INTERESSE NACIONAL
5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A pesquisa revelou que os juízes, de uma forma geral, veem
positivamente o direito internacional e não se opõem à sua aplicação aos
casos sob sua apreciação. Nada obstante, uma parcela signi�cativa dos
entrevistados a�rmou não estar disposta a aplicar as normas internacionais
que resultem, no caso concreto, em qualquer prejuízo para algum interesse
do Estado brasileiro. Esse interesse nacional pode estar traduzido
concretamente pela necessidade de se proteger o mercado interno, as
empresas nacionais ou até mesmo alguma linha especí�ca da política
externa adotada pelo governo.
O objetivo deste capítulo é analisar essa atitude e compreender o peso
do interesse nacional na aplicação do direito internacional pelos juízes
federais do DF. Essa tarefa, diga-se de passagem, não pode estar
desvinculada do recurso às doutrinas de não justiciabilidade visto no
capítulo anterior. É bastante plausível que os magistrados pre�ram não
expressar em seus julgamentos que o real motivo da não aplicação do direito
internacional é o con�ito com o interesse nacional. Em vez disso, os juízes
podem simplesmente não se pronunciar sobre o mérito, recorrendo a
alguma doutrina de não justiciabilidade e, assim, fazer prevalecer, na prática,
o interesse nacional.
As re�exões deste capítulo seguirão a ordem detalhada a seguir.
Primeiro, serão expostos os achados da pesquisa sobre o peso do interesse
nacional nas decisões dos juízes federais do DF. Como será visto, parte
signi�cativa dos juízes declarou expressamente que não aplicaria uma
norma internacional que, no caso concreto, prejudicasse algum interesse
nacional.
Segundo, será explorado o debate da última década sobre o interesse
nacional como limite do direito internacional, que foi impulsionado, em
2005, pela publicação de e Limits of International Law, de Jack L.
Goldsmith e Eric A. Posner. A tese central do livro é que os Estados agem na
sociedade internacional com vistas a concretizar os seus interesses e que o
direito internacional não exerce qualquer in�uência independente sobre esse
comportamento. Os juristas internacionalistas, como não poderia ser
diferente, apresentaram várias objeções à tese, que serão abordadas nesse
tópico.
Terceiro, serão identi�cadas as preferências jurídicas que justi�cam a
opção dos entrevistados pela prevalência do interesse nacional. A primeira é
uma concepção sobre o princípio da soberania que o interpreta como um
óbice à imposição, por um agente estatal, de qualquer prejuízo ao Estado por
força de uma norma jurídica externa. A segunda preferência jurídica é uma
ideia de supremacia da constituição que não admite que um interesse estatal
previsto no texto constitucional seja sobrepujado por uma norma
internacional.
Por �m, será feita uma tentativa de responder à indagação se o direito
internacional deve ser aplicado pelos juízes brasileiros mesmo quando se
encontra em tensão com algum interesse nacional. Sustenta-se que, para
além dos motivos de natureza moral que justi�cam a promoção do direito
internacional pelas cortes domésticas, há razões pragmáticas para que os
julgadores apliquem essas normas, como a necessidade de se evitar que o
Estado brasileiro �que exposto a sanções diretas e a danos reputacionais.
5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À
APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
Ao analisar o papel das cortes nacionais no processo internacional,
Rosalyn Higgins sugeriu a existência de três tipos de posturas dos juízes
internos em relação ao direito internacional. O primeiro tipo consiste no
desdém pelo DIP, por considerá-lo irreal, não jurídico ou inútil. O segundo
seria a dos juízes que enxergam positivamente as normas internacionais,
mas, por terem pouco conhecimento delas, terminam evitando a sua
aplicação. Por �m, a terceira atitude é a dos julgadores que conhecem o
direito internacional e estão prontos para aplicá-lo quando necessário
(HIGGINS, 1995, p. 206-207).Esperava-se encontrar, durante a pesquisa, juízes que se encaixassem
no primeiro grupo. No entanto, apesar de alguns participantes terem tecido
considerações críticas ao direito internacional, nenhum deles negou a sua
realidade, juridicidade ou utilidade. Diante da pergunta “na sua opinião, o
DIP possui características peculiares em relação aos demais ramos do
direito?”, as respostas mais frequentes destacaram a ausência de aparato
coercitivo e a necessidade de incorporação ao direito interno.
Também foram encontrados poucos magistrados que poderiam ser
inseridos no terceiro grupo. Dos 40 entrevistados, apenas três declararam
estudar o DIP com profundidade semelhante à que se dedicam aos outros
ramos do direito. A atitude predominante, de fato, é a do segundo grupo: os
juízes deixam de aplicar as normas internacionais não porque são consciente
e re�etidamente fechados ao direito internacional, mas porque têm pouca
familiaridade com essa disciplina jurídica.
Assim, os juízes federais entrevistados revelaram estar dispostos a
aplicar o direito internacional. Mas isso até um determinado ponto. Quando
indagados se aplicariam as normas internacionais se veri�cassem que, no
caso concreto, haveria algum tipo de prejuízo ao interesse nacional, 15
(quinze) entrevistados a�rmaram peremptoriamente que não. Outros 5
(cinco) entrevistados a�rmaram que tudo dependia do caso concreto e não
possuíam uma linha decisória prévia.
As justi�cativas invocadas para colocar o interesse nacional como um
limite à aplicação do direito internacional foram principalmente de duas
ordens. A primeira se relaciona com a ideia de que a aplicação de uma
norma internacional por um juiz brasileiro em desfavor do Estado brasileiro
seria incompatível com a soberania nacional. A segunda diz respeito à
compreensão de que a supremacia da Constituição impede a aplicação do
direito internacional quando contrarie algum interesse nacional
expressamente previsto no texto constitucional.
Essas preferências certamente não são exclusividade dos juízes federais
do Distrito Federal. Elas também �caram bem evidentes no caso Battisti, em
que o STF se negou a fazer o controle do ato do Poder Executivo que, em
tese, deixou de cumprir obrigação prevista em tratado de extradição. Na
ementa do acórdão, o relator Ministro Luiz Fux consignou expressamente
que o Supremo não poderia interferir na disputa, “máxime para impor a
vontade da República Italiana ao chefe de Estado brasileiro” (BRASIL, 2011).
O mais comum, provavelmente, é que os juízes evitem ser tão explícitos
sobre os motivos da resistência à aplicação das normas internacionais nesses
casos. Como já foi mencionado, os julgadores podem, antevendo o resultado
prejudicial a algum interesse nacional, simplesmente utilizar uma doutrina
de não justiciabilidade, deixar de apreciar o mérito e, assim, alcançar o efeito
prático desejado.
Os tribunais podem também recorrer a argumentos técnicos para fazer
prevalecer o interesse nacional, como constataram Jahyr-Philippe Bichara e
Sid Marques Fonseca Júnior, que estudaram a aplicação das normas da
Organização Mundial do Comércio pelos juízes brasileiros. Esses autores
perceberam que, para manter a proteção de benefícios a produtos nacionais,
em violação de normas da OMC ou do Mercosul, tribunais invocam a regra
da lex posterior derogat priori e a distinção entre tratado-lei e tratado-
contrato (2015).
A presença da ideia de que o DIP não pode ser aplicado contra o
interesse nacional em um dado caso concreto em parcela relevante dos
entrevistados pode levar à conclusão do acerto da tese realista de que o
direito internacional, no �m das contas, serve apenas para avançar os
interesses estatais, sem exercer qualquer in�uência sobre o comportamento
dos Estados. Isso torna necessário um exame, ainda que breve, do debate
sobre o lugar do interesse nacional no direito internacional.
5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO
DIREITO INTERNACIONAL
O debate sobre o lugar do interesse nacional no direito internacional
foi reacendido – pelo menos na academia norte-americana – pela
publicação do livro e Limits of International Law, de Jack L. Goldsmith e
Eric A. Posner (2005). O objetivo declarado dos autores é, a partir da
integração entre o direito internacional e as realidades da política
internacional, oferecer uma teoria abrangente do direito internacional. Para
tanto, os autores recorrem à metodologia da escolha racional e dão especial
destaque à noção de interesse nacional (2005, p. 3).
Os autores sustentam que o comportamento dos Estados pode ser
explicado por quatro cenários especí�cos. O primeiro é o da coincidência de
interesses, que ocorre quando há uma convergência de comportamento dos
Estados, ainda que cada um deles atue buscando concretizar seus próprios
interesses sem qualquer preocupação com os interesses dos outros. O
segundo é o da coordenação, em que os Estados recebem maiores retornos
se adotarem ações idênticas ou simétricas do que se não o �zerem. O
terceiro cenário é o da cooperação, em que os Estados restringem um
comportamento em favor do seu interesse com o objetivo obter benefícios
de médio e longo prazo. Por �m, há a possibilidade de coerção, na qual
Estados poderosos forçam que Estados mais fracos se comportem contra os
seus próprios interesses (2005, p. 10-12).
A tese defendida é, em síntese, a de que os Estados buscam em suas
relações internacionais apenas maximizar os seus interesses, o que é
explicado satisfatoriamente pelos cenários de coincidência de interesses, de
coordenação, de cooperação e de coerção. Na prática, o direito internacional
tem pouca ou nenhuma in�uência sobre esses comportamentos estatais. Os
autores a�rmam que o DIP serve apenas para esclarecer cenários de
cooperação ou coordenação das interações estatais, contudo, jamais terá o
potencial de frear os interesses estatais e será sempre limitado pelas
con�gurações desses interesses e pela distribuição de poder (2005, p. 13).
O conteúdo do livro consiste, basicamente, na aplicação dessa moldura
teórica a alguns regimes de direito internacional. A primeira parte examina
o direito costumeiro internacional. Aqui Goldsmith e Posner contestam as
presunções da visão tradicional do costume internacional e, partindo do
estudo de casos de quatro áreas, a�rmam que os padrões de comportamento
estatal comumente associados ao direito costumeiro internacional traduzem
cenários de coincidência de interesses, cooperação bilateral, coerção ou
coordenação (2005, p. 21-78).
A segunda parte tem como objeto os tratados. Os autores sustentam
que os Estados celebram tratados porque esses especi�cam o que deve ser
considerado cooperação e coordenação, além de aperfeiçoarem essas formas
de interação estatal. Alegam, ainda, que os Estados evitam violar tratados
(quando o fazem) pelas mesmas razões que evitam descumprir acordos não
vinculantes, quais sejam, receio de retaliação, de dano reputacional ou de
fracasso de coordenação (2005, p. 81-162).
A terceira parte concentra-se em responder a algumas críticas feitas à
tese dos autores, como as de que não explica o uso da retórica jurídica pelos
Estados, a de que não desenvolve uma resposta para a obrigação moral dos
Estados de cumprirem o DIP, e a crítica proposta pela teoria cosmopolita no
sentido de que os Estados têm o dever de promover o direito internacional
com base no bem-estar global, e não estatal. As respostas dos autores são,
respectivamente, que os Estados recorrem à linguagem jurídica
internacional mesmo quando não são motivados pelo desejo de cumprir
essas normas, que os entes estatais não têm tal obrigação moral de cumprir
o DIP e que o suposto dever de atender ao bem-estar global é incompatível
com a democracia liberal, desenhada para servir aos interesses dos cidadãos
de cada Estado (2005, p. 165-224).
O livro foi recebido com severas críticas da doutrina internacionalista.
Um grupo de críticos concentrou-se em apontar equívocos metodológicos
na aplicação da teoria da escolha racional. Anne Van Aaken (2006),por
exemplo, destacou três problemas dessa natureza. O primeiro seria a
compreensão enviesada de racionalidade apresentada pelos autores, que
adotam uma de�nição muito estreita de interesse estatal, focando apenas nas
preferências de curto prazo dos Estados. O segundo problema seria o
recurso a explicações ad hoc para os resultados inconsistentes com a sua
teoria. E o terceiro problema diz respeito à insu�ciência dos fundamentos
empíricos, fazendo com que a tese se apoie em uma seleção discutível de
casos (VAN AAKEN, 2006, p. 306).
Essas críticas são reforçadas pelo fato de que a utilização da teoria da
escolha racional por outros autores já levou a resultados bem diferentes e
aparentemente mais instigantes. Por exemplo, Andrew Guzman (2002), que
desenvolveu o “modelo reputacional de observância” (reputational model of
compliance) amparado em ampla evidência empírica, concluiu que Estados
motivados por interesses próprios têm a sua conduta animada por sanções
diretas e danos reputacionais, o que demonstra uma in�uência
independente do direito internacional sobre o comportamento dos Estados
(GUZMAN, 2002).
Outro grupo de críticos buscou apontar as falhas de conteúdo da obra
de Goldsmith e Posner. Paul Schiff Berman, por exemplo, atacou algumas
premissas teóricas dos autores. O primeiro equívoco seria a presunção de
que os interesses estatais existem independentemente do contexto social em
que são formados. Nesse sentido, segundo Berman, os autores acabam
excluindo da sua análise o potencial de in�uência do DIP na própria
conformação dos interesses estatais. O segundo equívoco é presumir que,
em qualquer con�guração, um Estado efetivamente tem um único e
de�nível conjunto de interesses, desconsiderando o papel dos múltiplos
interesses defendidos pelas mais diversas pessoas e grupos, dentro e fora dos
governos, e nas mais variadas esferas de atuação. Por �m, os autores
apresentam (com a intenção de refutar) uma versão extremamente
simpli�cadora da teoria cosmopolita, deixando de fora a contribuição dessa
teoria para explicar múltiplos vínculos comunitários e entidades normativas
(BERMAN, 2006, p. 1266-1268).
No �nal das contas, a tese dos autores coincide com a proposição
central da teoria neorrealista das relações internacionais: o direito
internacional tem pouca ou nenhuma in�uência sobre o comportamento
dos Estados, que somente cumprem as normas internacionais quando elas
coincidem com os seus interesses, que geralmente têm em mira poder e
segurança. Isso faz com que a tese proposta em e Limits of International
Law esteja sujeita às tradicionais críticas feitas a essa corrente,
principalmente a que aponta a sua visão reducionista das relações
internacionais. De fato, é difícil explicar, a partir da perspectiva realista, por
que os Estados desperdiçariam tanto tempo, dinheiro e energia para criar,
manter e in�uenciar normas e estruturas internacionais que, ao cabo, não
farão diferença alguma. Isso, aliás, parece pouco consistente com a ideia de
que os Estados são atores racionais.
O principal problema da teoria de Goldsmith e Posner, porém, assim
como das teorias neorrealistas de uma forma geral, é que esses aportes
teóricos explicam muitos problemas do sistema jurídico internacional, mas
pouco ou nada dizem sobre como aperfeiçoar esse sistema. Como salientou
Anne Van Aaken em relação à obra de Goldsmith e Posner, se os autores
pretendiam oferecer uma base mais sólida para o direito internacional,
poderiam recorrer à teoria da escolha racional para buscar resolver os
problemas da ordem jurídica internacional. Ao invés disso, os autores
parecem totalmente obstinados no propósito de negar qualquer força
normativa do direito internacional, o que dá a impressão de que o seu
objetivo é apenas conferir suporte jurídico para liberar Estados
hegemônicos das suas obrigações internacionais (AAKEN, 2006, p. 307-
308).
De fato, não há novidade alguma em se dizer que o rule of law exerce
um papel menos relevante na sociedade internacional do que a maioria dos
internacionalistas gostaria. É difícil negar que, nas relações internacionais,
algumas vezes a vontade do mais forte prevalece sobre o direito, e que as
sanções internacionais parecem ser mais facilmente executadas contra
determinados Estados do que contra outros. Também não são tão raras
manifestações como a de uma autoridade do governo do Reino Unido que
disse recentemente que “o direito internacional é um conjunto de
construções políticas que, na prática, os países seguem ou se afastam em
uma série de circunstâncias”42.
Nesse cenário, um caminho muito mais promissor é buscar desvelar a
dinâmica da utilização da linguagem técnica do direito internacional com o
objetivo de concretizar os interesses de certos Estados em detrimento de
outros. Uma contribuição relevante, nesse sentido, é a do jurista �nlandês
Martii Koskenniemi, para quem o direito internacional pode ser descrito
como “um processo de articulação de preferências políticas por meio de
teses jurídicas que não podem ser isoladas das condições das disputas
políticas nas quais são construídas” (2004, p. 198)43. A linguagem do direito
internacional, por meio do recurso a valores universais ou à ideia de
comunidade internacional, possibilita a expressão de uma determinada
preferência como se essa fosse universal. Isso tudo se dá no contexto das
“disputas hegemônicas” em que os atores internacionais competem
rotineiramente projetando em regras e princípios jurídicos os sentidos que
con�rmem suas preferências e contrariem as dos seus oponentes
(KOSKENNIEMI, 2004, p. 199).
O direito internacional, de fato, tem servido a propósitos hegemônicos
desde o seu surgimento (ANGHIE, 2005). Mas, se o direito internacional
fosse apenas isso, os juízes domésticos estariam totalmente corretos em
deixar de aplicá-lo nas situações em que contraria o interesse estatal. No
entanto, como veremos adiante, há razões para os tribunais internos
aplicarem as normas internacionais nessas circunstâncias. Antes, porém, é
preciso compreender as razões que levam alguns juízes a colocarem esse
limite à incidência do direito internacional.
5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS
SOBRE O INTERESSE NACIONAL
Do ponto de vista estritamente jurídico, não há norma que impeça as
cortes domésticas de aplicar o DIP quando se divisa, no caso concreto,
algum possível prejuízo a um determinado interesse nacional. Pelo
contrário, o Poder Judiciário, como um dos ramos do ente estatal, tem o
dever de respeitar as normas internacionais a que o ente estatal está
obrigado, sendo uma regra costumeira consolidada a que reconhece a
responsabilidade internacional do Estado pela conduta dos seus tribunais
internos.
Essa regra está prevista no Esboço de Artigos de Responsabilidade dos
Estados por Atos Ilícitos Internacionais da Comissão de Direito
Internacional das Nações Unidas (Dra Articles on Responsibility of States for
Internationally Wrongful Acts ou simplesmente ILC-Dra Articles), de 2001.
Extrai-se dos artigos 2º e 4º que a responsabilidade internacional por atos
ilícitos decorre da conduta de qualquer ato imputável ao Estado sob o
direito internacional, assim entendido como a conduta de qualquer órgão do
Estado, inclusive que exerça funções jurisdicionais (NAÇÕES UNIDAS,
2001).
A resistência dos juízes entrevistados à aplicação do direito
internacional nas situações de con�ito com o interesse nacional, por
conseguinte, não decorre do direito. Uma hipótese bastante razoável é que
esse posicionamento esteja associado às preferências ideológicas dos
magistrados. Pelo menos dois juízes entrevistados reconheceram
expressamente que suas preocupações com o interesse nacional são re�exos
de sua ideologia conservadora. Explorar o papel da ideologia política na
atitude dos juízes perante o DIP certamente poderia trazer alguns resultados
interessantes, mas não poderia explicar tudo. Por um lado, é possível que
um julgador seja conservador e entenda que o seu papel seja aplicar a norma
internacional mesmo em contrariedade ao interessenacional. Um
participante que espontaneamente se declarou dessa corrente ideológica, por
exemplo, a�rmou que não cabe ao juiz fazer qualquer tipo de análise
consequencialista da aplicação da norma. Por outro, um juiz pode não ser
conservador e, ainda assim, ter extrema di�culdade em aplicar normas
internacionais em prejuízo de algum interesse nacional. E isso ocorre
porque, nesse caso, a atitude do juiz é orientada por suas preferências
jurídicas, que são moldadas cultural e institucionalmente, e podem ser
in�uenciadas ou não por suas preferências políticas individuais.
Essas preferências jurídicas puderam ser extraídas a partir das
respostas dos juízes às perguntas formuladas na entrevista. É interessante
notar que as respostas dos entrevistados à pergunta em análise foram
particularmente concisas, o que indica que a resistência ao direito
internacional nesses casos é mais instintiva (como reprodução de um
raciocínio predominante na instituição) do que fruto de re�exões mais
profundas.
As preferências jurídicas relacionadas à não aplicação casuística do
direito internacional que foram identi�cadas podem ser agrupadas em dois
grupos de ideias. O primeiro está fortemente ligado à noção de soberania,
que se apresenta como um obstáculo à aplicação do direito internacional
nesses casos. Segundo esse raciocínio, a imposição, por um agente estatal, de
um prejuízo imediato ao seu Estado, por força de uma norma jurídica
externa (ainda que tenha sido internalizada) seria uma violação da
soberania nacional.
O segundo grupo de ideias (que certamente não está desvinculado do
primeiro) está relacionado à supremacia da Constituição. Segundo essa
concepção, o juiz estaria proibido de, ao aplicar uma norma não
constitucional, contrariar um interesse que esteja previsto no texto
constitucional. Vale registrar que a pergunta sobre a possibilidade de
aplicação das normas internacionais que con�itassem, no caso concreto,
com o interesse nacional, ressalvou expressamente a inexistência, na
hipótese, de con�ito entre direito internacional e direito interno. A intenção
da ressalva era evitar que os entrevistados raciocinassem com os critérios de
solução de antinomias e respondessem conforme o entendimento do STF a
respeito da hierarquia do direito internacional convencional no direito
brasileiro. Nada obstante, 07 (sete) entrevistados incluíram em suas
respostas re�exões sobre a Constituição.
A identi�cação dessas preferências jurídicas leva à indagação sobre a
sua consistência. E a resposta é que tais preferências já não são su�cientes
para dar conta da realidade jurídica atual. Quanto à primeira – a de que a
soberania nacional é incompatível com a incidência de uma norma jurídica
internacional contrária a um interesse estatal imediato – é possível notar, de
início, que se trata de uma noção excessivamente genérica e com escassa
base teórica.
O conceito de soberania ainda é relevante e pode ser útil na sociedade
internacional44, mas o seu conteúdo já não é mais o mesmo desde as
primeiras elaborações teóricas oferecidas por Jean Bodin para justi�car a
autoridade dos reis franceses. Tampouco tem a conformação dada pelo
chamado modelo Westfaliano e sua ênfase na coexistência de nações-
estados independentes. Essas noções, que veem a soberania como a única
fonte de autoridade dentro do Estado, foram elaboradas em contextos
geográ�cos e históricos especí�cos bem diferentes dos atuais (WITTE, 1995,
p. 145-146).
Tais noções de soberania são reconhecidamente insu�cientes para lidar
com a interdependência econômica, tecnológica e ambiental que caracteriza
os dias de hoje. Tampouco são capazes de dar conta de desa�os globais, tais
como mudança climática, criminalidade, terrorismo e, como os últimos
anos dramaticamente têm revelado, emergências sanitárias.
A compreensão contemporânea de soberania, pelo contrário, pressupõe
que a capacidade para criar normas internacionais e participar de
organizações internacionais é um atributo da própria soberania, ainda que
essas normas e organizações impliquem, de alguma forma, a restrição de
direitos soberanos (WITTE, 1995, p. 146). Nesse sentido, fala-se que, na
Europa Ocidental, depois da Segunda Guerra, houve uma conciliação
doutrinária a respeito do conceito de soberania. O povo ainda é o seu titular,
exercendo-a primariamente pelas instituições estatais. O exercício da
soberania, porém, pode ser dispersado horizontalmente, entre os ramos do
governo, e verticalmente no interior do Estado (para entidades
subnacionais) ou internacionalmente (atribuindo o exercício de poderes
soberanos a instituições internacionais) (WITTE, 1995, p. 153-154).
Essa concepção não é unânime e seguramente não é isenta de
problemas. Mas parece su�ciente para demonstrar a obsolescência da
compreensão de soberania que anima alguns juízes brasileiros. O Estado
brasileiro exerceu a sua soberania ao participar da criação da norma
internacional ou ingressar na organização internacional, de modo que não
se pode falar em ofensa à soberania como decorrência da aplicação de
norma que o próprio Estado de alguma forma assentiu. Como disse um(a)
participante da pesquisa, “esse interesse nacional já foi devidamente
aquilatado pelo órgão responsável do legislador”.
A segunda preferência (o interesse nacional previsto na Constituição
deve prevalecer contra qualquer norma internacional) parece revelar a
penetração no ideário de muitos juízes do “neoconstitucionalismo” (ou
“doutrina da efetividade”), apontado como o responsável pela ascensão do
direito constitucional brasileiro ocorrida nas décadas de 80 e 90 do século
passado (LYNCH; MENDONÇA, p. 2017, p. 979). A partir desse período,
tornou-se muito forte no pensamento constitucional brasileiro a ideia de
que a Constituição deve dar o sentido e o alcance de todas as demais normas
(BARROSO, 2006).
Embora essa preocupação com a hierarquia da Constituição deva ser
encarada como positiva, ignora que foi a própria Constituição de 1988 que
promoveu a abertura para a ordem jurídica internacional. Essa abertura,
que, aliás, é uma marca das constituições contemporâneas, pressupõe
necessariamente, como observa Canotilho, que a constituição “deixa de ter a
pretensão de fornecer um esquema regulativo exclusivo e totalizante assente
num poder estatal soberano para aceitar os quadros ordenadores da
comunidade internacional” (CANOTILHO, 2003, p. 369).
Em outras palavras, o papel da Constituição no sistema jurídico foi
redimensionado, passando a dividir o seu protagonismo com o direito
internacional. O comportamento de muitos juízes, no entanto, continua
apegado às suas predisposições tradicionais, que consubstanciam uma visão
de que a Constituição é o único documento jurídico a regular as relações
sociais no Estado brasileiro.
Vale enfatizar que não se trata de ignorar as conquistas do
constitucionalismo moderno no tocante à limitação do poder e à proteção
dos direitos fundamentais. Tampouco se cuida de se sustentar uma
supremacia pura e simples do direito internacional em relação ao direito
constitucional, que certamente seria o desejo de muitos juristas
internacionalistas, mas encontra reais obstáculos para a sua concretização.
Trata-se, antes, de se abrir para a multiplicidade de respostas que uma
melhor interação entre o direito internacional e o direito constitucional
pode oferecer (GALINDO, 2002, p. 201).
A ideia de que o direito internacional não pode ser aplicado se
contrariar um interesse previsto no texto constituição ainda é problemática
por outro motivo. Como a Constituição brasileira é analítica e eclética,
consagrando múltiplos valores (alguns aparentemente incompatíveis entre
si), torna-se virtualmente possível que qualquer interesse estatal seja
extraído da Constituição. Essa linha decisória, desse modo, não oferece
qualquer critério objetivo, ampliando excessivamente a discricionariedade
judicial e possibilitando que a incidência da norma internacional seja
afastada em praticamente qualquer caso.
5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER
APLICADO CONTRAO INTERESSE NACIONAL?
A obrigação do Poder Judiciário de observar as normas jurídicas
internacionais e a inconsistência das preferências jurídicas acima indicadas
já seriam argumentos persuasivos no sentido da aplicação do direito
internacional mesmo nas situações concretas em que esse se revela contrário
ao interesse nacional. Mas é possível cogitar outros motivos, que não são de
natureza estritamente jurídica, pelos quais os tribunais nacionais devem
participar da tarefa de fazer avançar a ordem jurídica internacional. É
possível dizer que há razões pragmáticas e razões morais para a aplicação do
DIP, mesmo quando esse episodicamente contrarie o interesse nacional.
Do ponto de vista pragmático, os tribunais internos devem aplicar o
direito internacional eventualmente contrário a algum interesse nacional
identi�cado pelo julgador para prevenir a exposição do Estado a sanções
diretas, como represálias, embargos a mercadorias nacionais ou suspensão
ou expulsão de organizações internacionais. Se os juízes brasileiros, por
exemplo, com a intenção de proteger o mercado interno, desprezarem
normas internacionais sobre tarifas comerciais, a consequência mais
provável é que os parceiros comerciais do Brasil também aumentem as suas,
em retaliação. Isso, no �nal das contas, pode ser ainda mais prejudicial ao
interesse nacional.
Além disso, é preciso ter em perspectiva o risco de danos reputacionais.
Esse tipo de sanção é especialmente relevante no atual estágio do direito
internacional, em que as sanções diretas são limitadas. A reputação é
importante porque a violação de uma obrigação internacional transmite a
mensagem de que o Estado violador está pronto para violar os seus
compromissos. Desse modo, adotando a premissa de que os Estados buscam
concretizar os seus próprios interesses na esfera internacional, o
desenvolvimento e a preservação de uma boa reputação possibilitam aos
Estados extrair maiores benefícios de suas promessas (GUZMAN, 2002, p.
1887).
Uma visão pragmática, por conseguinte, sugere que o juiz nacional
deve considerar que, para além do interesse nacional imediato
concretamente representado no caso sob seu julgamento, há também
interesses de médio e longo prazo. Esse tipo de percepção também foi
encontrado entre os juízes entrevistados. Um(a) participante também
expressou o seu pensamento nos seguintes termos:
Então eu vejo que a minha tendência seria seguir a norma internacional porque acho que
você tem que pensar não apenas naquele caso concreto, mas tem que pensar no resultado
ao longo prazo para o país [...] se o país descumpre norma com aval do Poder Judiciário
[...] como é que esse país vai passar a ser visto internacionalmente? Que impacto isso vai
ter para ele em futuros acordos? Eu acho que essa é uma visão que o juiz tem que ter em
todos os âmbitos, não apenas no âmbito do direito internacional, que é contrariar nossa
lógica de buscar uma justiça para o caso concreto e ignorar a consequência daquela
decisão no plano macro.
É verdade que o Poder Executivo pode ter melhores condições de fazer
a avaliação dos benefícios e custos para o Estado da violação da obrigação
internacional. Isso, contudo, não impede a participação do Poder Judiciário
nessa decisão, que pode compensar as suas limitações com mecanismos
mencionados no capítulo anterior, como o diálogo interinstitucional, a
calibração do controle e a utilização de medidas de democratização da
jurisdição.
Mas, para além da visão pragmática, há uma forte razão moral para os
juízes aplicarem o direito internacional, que é o seu potencial para promover
a paz e a efetividade dos direitos humanos no mundo. A ideia de que o
direito internacional deve perseguir a paz mundial decorre de uma tradição
bastante enraizada no pensamento jurídico-internacional que muito
possivelmente foi iniciada por Immanuel Kant (GALINDO, 2014, p. 82).
Para o �lósofo, a instauração de�nitiva da paz mundial dependeria de
medidas em três dimensões: direito interno, direito internacional e direito
cosmopolita, sendo que o direito internacional buscaria a paz por meio do
desenvolvimento de um federalismo de Estados livres (KANT, 2008).
Também exerce grande in�uência nessa tradição, certamente, o
magistério de Hans Kelsen. No pensamento kelseniano, a paz mundial
somente pode ser obtida pelo direito internacional ou, mais precisamente,
pela existência de uma corte internacional com jurisdição compulsória45.
Além disso, é conhecida a preferência do jurista austríaco pela supremacia
do direito internacional sobre o direito interno, pois, na sua opinião,
enquanto a primazia do direito nacional “desempenha um papel decisivo na
ideologia imperialista [...] o primado do direito internacional desempenha
um papel decisivo na ideologia política do paci�smo” (KELSEN, 1999, p.
382-383).
Talvez por isso seja tão comum autores a�rmarem que, de algum
modo, o direito internacional dissuade os Estados poderosos de abusarem
do seu poder por meio de intervenções coercitivas injusti�cadas ou outras
formas de imposições unilaterais46. Assim, os Estados militar e
economicamente mais fracos tenderiam a estar mais protegidos contra as
imposições dos Estados poderosos, pois os meios oferecidos pelo direito
internacional substituiriam a guerra como meio de solução das
controvérsias entre os entes estatais.
O direito internacional também pode contribuir para a promoção da
efetividade dos direitos humanos, tendo desenvolvido um sistema de
proteção desses direitos cujo objetivo principal foi prevenir a repetição das
tragédias perpetradas pelas potências fascistas. Com isso, os direitos das
pessoas deixam de ser objeto de proteção exclusiva dos direitos internos dos
Estados, passando também a ser matéria do direito internacional, passando
a ser tuteláveis também por órgãos internacionais. O direito internacional
ainda oferece, na esfera interna, ferramentas para os tribunais domésticos se
oporem a práticas que violem os direitos humanos, especialmente em fases
de �erte dos governos com o autoritarismo (KUMM, 2003, p. 25).
Contudo, não se pode deixar de registrar que a capacidade do direito
internacional para alcançar esses �ns e se, de fato, a eles tem servido
historicamente, é motivo de fundadas dúvidas. É possível a�rmar que o
direito internacional convive com um “paradoxo dos objetivos”
(KOSKENNIEMI, 2018). Esse paradoxo decorre do fato de que, se de um
lado, autoridades e juristas normalmente concordam que o objetivo do
direito internacional é alcançar a paz, a segurança e os direitos humanos,
por outro, esses objetivos apresentam um grau tão elevado de abstração que
di�cilmente podem oferecer direções para ações concretas. Como
consequência, na prática, di�cilmente se chega a interpretações
convergentes sobre a compatibilidade de ações com esses �ns.
Essa abstração inerente ao idioma do direito internacional, sem dúvida,
abre espaço para a promoção de interesses particulares sob a roupagem de
universalidade (KOSKENNIEMI, 2004). Até mesmo o discurso dos direitos
humanos pode servir a um propósito “civilizador”, no sentido de impor uma
visão hegemônica da cultura ocidental47.
Nada obstante, o direito internacional também oferece uma plataforma
para que os excluídos dos processos decisórios se façam ouvir
(KOSKENNIEMI, 2018). A linguagem jurídico-internacional possibilita que
as demandas sejam vazadas com referências a precedentes, normas e textos
jurídicos, o que pode ser feito até mesmo contra aqueles que estão em
posições dominantes. Estes, por sua vez, também são forçados a justi�car os
seus atos com o mesmo vocabulário.
Em outras palavras, o direito internacional transforma os titulares das
pretensões em membros de uma comunidade jurídico-política
(KOSKENNIEMI, 2004, p. 214-215). Como consequência, as pretensões dos
integrantes da comunidade já não são mais articuladas como um privilégio
ou interesse, pertencentes a uma pessoa, mas como um direito ou um dever
que pertence a todos os membros da comunidade naquela posição. Como
bem notou Koskenniemi, uma característicaimportante da condenação
mundial da guerra contra o terrorismo liderada pelos EUA foi exatamente o
fundamento no direito, o que implicitamente sugeriu a compreensão de que
aquelas violações não atingiam somente indivíduos iraquianos ou afegãos,
mas qualquer pessoa em sua posição (KOSKENNIEMI, 2004, p. 214-215).
De fato, até mesmo autores que oferecem uma abordagem mais crítica
ao direito internacional reconhecem que esse pode evitar que as relações
internacionais sejam baseadas unicamente na força, servindo como “um
escudo protetivo, ainda que frágil, para os Estados menos poderosos no
sistema internacional” (CHIMNI, 2006, p. 26). Da mesma forma, o discurso
da proteção internacional dos direitos humanos não pode ser descartado,
devendo, em vez disso, ser explorado por meio de uma abordagem deferente
ao pluralismo cultural, a �m de que desempenhe “um papel na
transformação da injusta ordem internacional e particularmente do
desequilíbrio entre o Ocidente e o Terceiro Mundo” (MUTUA, 2001, p. 245).
O direito internacional, acima de tudo, serve para impedir que se
esqueça o mundo desejado, isto é, serve como uma promessa. Essa função –
a de continuar querendo o que já se quis um dia, mesmo depois de muitas
di�culdades – foi vislumbrada pelo �lósofo Friedrich Nietszche como uma
faculdade humana essencial (1998, p. 48):
Precisamente esse animal que necessita esquecer [...] desenvolveu em si uma faculdade
oposta, uma memória, com cujo auxílio o esquecimento é suspenso em determinados
casos – nos casos em que se deve prometer: [...] um prosseguir-querendo o já querido,
uma verdadeira memória da vontade, de modo que entre o primitivo “quero”, “farei”, e a
verdadeira descarga da vontade, seu ato, todo um mundo de novas e estranhas coisas,
circunstâncias, mesmo atos de vontade, pode ser resolutamente interposto, sem que
assim se rompa esta longa cadeia do querer.
Assim, embora não seja possível de�nir em termos precisos o que vem
a ser essa justiça prometida e tampouco se apresente no horizonte qualquer
concretização desse �m, o direito internacional coloca na agenda das
autoridades questões importantes como equidade, justa distribuição e
emancipação. E é isso que dá espaço para a própria crítica da ordem jurídica
internacional. E aqui vale mais uma vez citar o jurista �nlandês: “há uma
estrutura messiânica no direito internacional, o anúncio de algo que
permanece eternamente adiado. É este ‘vir a ser’ que possibilita a crítica da
violência do próprio direito, seus vieses e exclusões” (KOSKENNIEMI,
2018)48.
42 “e reality is international law is a set of political constructs, which actually countries abide by or
depart from in a number of circumstances – including the European Union itself ” (STONE, 2020).
43 Tradução livre. No original: “I shall describe international law as process of articulating political
preferences into legal claims that cannot be detached from the conditions of political contestation
in which they are made”.
44 Koskenniemi sugere que, apesar da crítica tradicionalmente oferecida pelos juristas
internacionalistas, a ideia de soberania estatal pode ter um bom uso, “como expressão de valores e
preferências locais assim como tradições de autogoverno, autonomia e disputa política contínua”
(KOSKENNIEMI, 2011, p. 68).
45 Essas ideias são defendidas especialmente em KELSEN, 2011.
46 Nesse sentido: KUMM, 2003, p. 24.
47 Essa objeção ao discurso universalista dos direitos humanos está bem sintetizada em PIOVESAN,
2014, p. 50-54.
48 Tradução livre. No original: “ere is a Messianic structure to international law, the announcement
of something that remains eternally postponed. It is this to-come that enables the criticism of the
law’s own violence, its biases and exclusions”.
CONCLUSÕES
A análise das decisões proferidas pelos magistrados federais do DF nas
causas internacionais e das entrevistas semiestruturadas realizadas conduziu
à conclusão da existência de três padrões de comportamento desses juízes. O
primeiro é uma tendência a evitar, sempre que possível, a aplicação do
direito internacional, resolvendo-se as disputas por meio do recurso aos
ramos do direito com os quais os julgadores têm mais familiaridade. O
segundo é a utilização inominada de doutrinas ou técnicas de não
justiciabilidade, como a do ato de Estado e a das questões políticas, com o
�m de se esquivar do julgamento de certas causas internacionais. E o
terceiro padrão é um determinado grau de resistência à aplicação das
normas jurídicas internacionais que resultem algum tipo de prejuízo ao
interesse nacional no caso concerto.
O recurso ao direito interno para resolver causas internacionais,
ignorando-se as normas jurídicas internacionais incidentes, mesmo quando
expressamente invocadas pelas partes, é consequência do baixo grau de
conhecimento que os juízes têm do direito internacional. Esse dé�cit na
formação gera uma hesitação nos julgadores, que, in�uenciados pela aversão
ao esforço e pelo cansaço, potencializados pela carga excessiva de trabalho,
são levados a fundamentar suas decisões em ramos do direito mais
familiares em vez de ingressar em uma seara pouco conhecida.
A origem dessa falha na formação dos juízes, conforme foi apurado na
pesquisa, está primordialmente na forma como o direito internacional é
ensinado nas faculdades. A maioria dos magistrados entrevistados, das mais
variadas gerações, utilizou expressões negativas para descrever a sua
experiência com o direito internacional na graduação. E, de fato, há várias
evidências de que uma parcela muito signi�cativa de professores de DIP
utiliza uma abordagem metodológica obsoleta que amplia a distância dos
tópicos ministrados na realidade dos estudantes.
Desse modo, a transformação desse comportamento judicial passa
necessariamente por uma rede�nição do ensino do direito internacional nas
faculdades brasileiras. O aumento de horas e créditos dedicados à disciplina
podem produzir um efeito positivo, mas será inútil se os professores não se
esforçarem para trazer o DIP para mais perto da realidade dos estudantes e
convencê-los da importância da matéria para a prática jurídica, mesmo
daqueles que não pretendem se tornar especialistas.
A segunda estratégia utilizada pelos juízes para evitar a aplicação do
direito internacional é o recurso implícito a doutrinas de não
justiciabilidade. Observou-se uma forte tendência à abdicação judicial nas
causas que impactam de algum modo as relações entre os Estados. Assim,
por um lado, nas situações em que são provocados a se manifestar sobre a
legalidade de atos praticados por governos estrangeiros, os juízes utilizam
uma retórica idêntica à da doutrina do ato de Estado. Por outro, quando têm
que apreciar alguma conduta do Estado brasileiro nas relações externas, os
julgadores recorrem à argumentação da doutrina das questões políticas.
A adoção (implícita) dessas doutrinas é explicada por duas preferências
jurídicas que foram con�rmadas pelas opiniões apresentadas pelos
participantes da pesquisa durante as entrevistas. A primeira é a
interpretação do princípio da não intervenção como óbice ao
pronunciamento dos juízes brasileiros sobre atos de outros Estados. A
segunda é a compreensão de que o Poder Judiciário não dispõe de
competência funcional e capacidade institucional para julgar matérias
ligadas às relações exteriores.
Essas preferências jurídicas, contudo, não se sustentam. O princípio da
não intervenção não impede cortes domésticas de examinar a legalidade de
atos praticados por Estados estrangeiros, sobretudo quando está presente a
alegação de violação de normas peremptórias de direito internacional. Da
mesma forma, o discurso de que o Poder Judiciário não dispõe de
competência funcional e capacidade institucional para julgar demandas
relacionadas à política externa não é coerente.
A possibilidade de controle judicial da política externa não signi�ca a
extrapolação da competência do Poder Judiciário, mas a sujeição dos ramos
políticos do governo a critérios jurídicos, que é, aliás, um elementocentral
do Estado constitucional contemporâneo. O dé�cit de expertise dos
tribunais (ou a incapacidade institucional), por sua vez, pode ser superada
por técnicas talhadas para a compensação dessa de�ciência. De toda sorte,
os argumentos da incompetência funcional e da incapacidade institucional
nunca foram su�cientes para impedir os tribunais brasileiros de se envolver
na arena política interna.
A Constituição brasileira de 1988 ao estabelecer os princípios que
regem a República Federativa do Brasil em suas relações exteriores,
estabeleceu parâmetros obrigatórios para os poderes políticos que, uma vez
inobservados, abre espaço para o escrutínio judicial. Mas é importante
enfatizar que a possibilidade de controle jurisdicional não signi�ca
necessariamente que o Poder Judiciário deva ter a primazia da última
palavra sobre a política externa. Antes, os tribunais devem adotar uma
postura aberta ao diálogo interinstitucional, exercendo um papel de
estimuladores de deliberações melhores.
A terceira atitude, adotada por parte signi�cativa dos entrevistados, é a
não aplicação da norma jurídica internacional que, no caso concreto,
prejudique algum interesse nacional. Os participantes da pesquisa
apresentaram duas justi�cativas para colocar o interesse nacional como um
limite à aplicação do direito internacional. A primeira se relaciona com a
ideia de que a aplicação de uma norma internacional por um juiz brasileiro
em desfavor do Estado brasileiro seria incompatível com a soberania
nacional. A segunda diz respeito à compreensão de que a supremacia da
Constituição impede a aplicação do direito internacional quando contrarie
algum interesse nacional expressamente previsto no texto constitucional.
Essas justi�cativas revelam as preferências jurídicas dos juízes sobre a
questão. Entretanto, tais preferências também não são su�cientes para dar
conta da realidade jurídica atual. A noção de soberania predominante entre
os entrevistados não dá mais conta dos desa�os globais e dos problemas
contemporâneos decorrentes da interdependência econômica, tecnológica e
ambiental. De resto, não é coerente falar em ofensa à soberania como
decorrência da aplicação de norma que o próprio Estado de alguma forma
assentiu. A ideia de supremacia da Constituição, que certamente não pode
ser desprezada, ignora o fato de que o papel da Constituição no sistema
jurídico foi redimensionado, tendo passado a dividir o seu protagonismo
com o direito internacional.
Com um pouco mais de re�exão é possível concluir que, até de um
ponto de vista pragmático, os tribunais internos devem aplicar o direito
internacional eventualmente contrário a algum interesse nacional
identi�cado pelo julgador. Isso porque a observância das normas jurídicas
internacionais pode prevenir a exposição do Estado a sanções diretas e a
danos reputacionais. Estas últimas, especialmente, merecem bastante
atenção, porque o desenvolvimento e a preservação de uma boa reputação
possibilitam aos Estados extrair maiores benefícios de suas promessas.
Além disso, há também uma razão moral para que as cortes domésticas
colaborem com a promoção do direito internacional, que é contribuição que
esse pode dar para alcançar a paz e os direitos humanos. Embora a
capacidade do direito internacional para promover esses �ns seja objeto de
algumas dúvidas, o fato é que a disciplina jurídica da sociedade
internacional abre um espaço para que, por meio do vocabulário jurídico,
agentes mais frágeis se façam ouvir na arena internacional. O direito
internacional, dessa maneira, surge como um espaço que não pode ser
desprezado na luta para que o mundo se aproxime dos ideais da paz e dos
direitos humanos.
Em suma, o que restou bastante evidenciado na pesquisa é que, assim
como em diversos sistemas judiciais do mundo, também na Justiça Federal
do DF (e possivelmente em todo o sistema judicial brasileiro) restou
frustrada a esperança de que os tribunais domésticos funcionassem como
uma verdadeira longa manus da ordem jurídica internacional. E esse
comportamento está diretamente ligado à falta de treinamento e à
incompatibilidade das preferências jurídicas cultivadas pelos juízes
brasileiros com o exercício desse papel de juízes naturais do direito
internacional.
Isso pode ensinar uma lição valiosa aos juristas internacionalistas. Não
adianta elaborar teorias so�sticadas para salvar o direito internacional –
como a teoria do desdobramento funcional, que foi criada para compensar a
carência orgânica da ordem jurídica internacional – sem que os atores
sociais, os órgãos e as instituições relevantes também sejam envolvidos no
projeto. Essa aproximação entre academia e sociedade civil, de um lado, e os
atores do sistema judicial, do outro, é imprescindível.
A importância do estreitamento das relações entre os juristas e os
demais atores sociais �cou bastante evidenciada nos processos de justiça de
transição na América Latina. Nos países em que houve uma promoção mais
intensa de ações de capacitação dos membros do Poder Judiciário sobre o
tema, como a realização de eventos, o estabelecimento de contatos informais
e a circulação de textos acadêmicos, houve maior abertura para a
responsabilização por crimes praticados durante os regimes de exceção
(GONZÁLEZ-OCANTOS, 2016, p. 8).
Dessa maneira, se os juristas internacionalistas realmente acreditamos
que o direito internacional pode ter algum papel na transformação do
mundo em um lugar melhor para todas as pessoas, devemos não apenas
dialogar entre nós, mas também criar pontes que intensi�quem as relações
entre a academia, as instituições e a sociedade civil. Só assim será possível
concretamente avançar as ideias em que acreditamos.
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de terrorismo, de seu �nanciamento ou de atos a ele correlacionados; e
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seção 1-Extra, p. 1, nº 46-A, 8 mar. 2019. Disponível em <
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<https://migalhas.uol.com.br/arquivo_artigo/art20100108-03.pdf> Acesso
em 27 nov. 2020.
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Direitos Humanos: Brasília, 2018. Disponível em:
<https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-
humanos/plano-nacional-de-educacao-em-direitos-humanos>. Acesso em:
11 jun. 2021.
BRASIL. Resolução nº 3, de 25 de fevereiro de 1972. Conselho Federal de
Educação: Brasília, 1972.
BRASIL. Resolução nº 9, de 29 de setembro de 2004. Conselho Nacional de
Educação/Câmara de Educação Superior: Brasília, 2004. Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/rces09_04.pdf>. Acesso em: 29
dez. 2021.
BRASIL. Resolução nº 1, de 30 de maio de 2012. Conselho Nacional de
Educação: Brasília, 2012. Disponível em: < https://www.gov.br/mdh/pt-
br/navegue-por-temas/educacao-em-direitos-
humanos/DiretrizesNacionaisEDH.pdf>. Acesso em: 11 jun. 2021.
ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Foreign Assistance Act. Publicação em
4 set. 1961. Disponível em: <
https://www.foreign.senate.gov/imo/media/doc/Foreign%20Assistance%20
Act%20Of%201961.pdf>. Acesso em: 18 jun. 2021.
UNIÃO EUROPEIA. Tratado de Funcionamento da União Europeia, 13 dez.
2007. Disponível em: <https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/?
uri=OJ:C:2007:306:TOC>. Acesso em: 18 nov. 2020.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ACP Ação Civil Pública
ATS Alien Tort Statute
CADH Convenção Americana de Direitos Humanos
CFE Conselho Federal de Educação
CIJ Corte Internacional de Justiça
CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
CNE Conselho Nacional de Educação
CNJ Conselho Nacional de Justiça
Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos
CTN Código Tributário Nacional
CVDTE Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre
Estados de 1969
DF Distrito Federal
DIP Direito Internacional Público
ECIJ Estatuto da Corte Internacional de Justiça
EUA Estados Unidos da América
GATT General Agreement on Tariffs and Trade
IBAMA
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis
MPF Ministério Público Federal
OAB Ordem dos Advogados do Brasil
ONU Organização das Nações Unidas
OPAS Organização Pan-Americana da Saúde
SJDF Seção Judiciária do Distrito Federal
STF Supremo Tribunal Federal
TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
TRF da 1ª Tribunal Regional Federal da Primeira Região
Região
TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS
0000939-04.2017.4.01.3400
0014181-98.2015.4.01.3400
0019079-86.2017.4.01.3400
0043552-10.2015.4.01.3400
0065123-03.2016.4.01.3400
0067279-61.2016.4.01.3400
1012047-42.2019.4.01.3400
1015852-66.2020.4.01.3400
1006801-07.2015.4.01.3400
0071180-37.2016.4.01.3400
0073153-27.2016.4.01.3400
0073704-07.2016.4.01.3400
0074398-73.2016.4.01.3400
0013654-25.2010.4.01.3400
0056762-70.2011.4.01.3400
0044403-88.2011.4.01.3400
0044342-33.2011.4.01.3400
0029986-96.2012.4.01.3400
0049532-40.2012.4.01.3400
2009.34.21815-5
009569-88.2013.4.01.3400
059532-70.2010.4.01.3400
053342-57.2011.4.01.3400
29638-0.2008.4.01.3400
064184-96.2011.4.01.3400
015837-95.2012.4.01.3400
053775-90.2013.4.01.3400
059018-49.2012.4.01.3400
0026281-56.2013.4.01.3400
0046502-31.2011.4.01.3400
0049580-62.2013.4.01.3400
0078724-81.2013.4.01.3400
0022600-15.2012.4.01.3400
0001875-34.2014.4.01.3400
0005320-94.2013.4.01.3400
0026819-37.2013.4.01.3400
0032210-36.2014.4.01.3400
0054466-75.2011.4.01.3400
0048339-87.2012.4.01.3400
0047657-64.2014.4.01.3400
0047024-53.2014.4.01.3400
0009077-62.2014.4.01.3400
0060618-37.2014.4.01.3400
0001985-94.2015.4.01.3400
0037563-57.2014.4.01.3400
0018138-10.2015.4.01.3400
0036550-86.2015.4.01.3400
0010987-56.2016.4.01.3400
0079479-53.2013.4.01.3400
0034816-03.2015.4.01.3400
0037006-70.2014.4.01.3400
0069880-11.2014.4.01.3400
0008040-68.2012.4.01.3400
0001633-46.2012.4.01.3400
0053004-44.2015.4.01.3400
0068346-37.2011.4.01.3400
0060724-96.2014.4.01.3400
0022762-68.2016.4.01.3400
0043552-10.2015.4.01.3400
0022899-50.2016.4.01.3400
0071302-50.2016.4.01.3400
0004286-50.2014.4.01.3400
0081348-69.2014.4.01.3400
0085211-33.2014.4.01.3400
0028889-22.2016.4.01.3400
0071033-11.2016.4.01.3400
0006981-40.2015.4.01.3400
0041675-69.2014.4.01.3400
0022033-08.2017.4.01.3400
0071034-93.2016.4.01.3400
0008035-46.2012.4.01.3400
0000524-26.2014.4.01.3400
0008224-82.2016.4.01.3400
0008218-75.2016.4.01.34000042220-71.2016.4.01.3400
0047332-21.2016.4.01.3400
0036277-73.2016.4.01.3400
0009041-54.2013.4.01.3400
0062830-94.2015.4.01.3400
1025295-75.2019.4.01.3400
1009444-93.2019.4.01.3400
1025358-37.2018.4.01.3400
1012831-53.2018.4.01.3400
1033914-91.2019.4.01.3400
1017222-17.2019.4.01.3400
1015437-20.2019.4.01.3400
1008041-89.2019.4.01.3400
1021479-22.2018.4.01.3400
1000674-48.2020.4.01.3400
1006389-08.2017.4.01.3400
1004823-58.2016.4.01.3400
1001531-31.2017.4.01.3400
1007170-30.2017.4.01.3400
1003598-66.2017.4.01.3400
0043543-48.2015.4.01.3400
0073157-64.2016.4.01.3400
00092.0001520-4.4.01.3400
0023604-92.2009.4.01.3400
0042070-90.2016.4.01.3400
0017618-16.2016.4.01.3400
0009481-45.2016.4.01.3400
	Folha de Rosto
	Créditos
	INTRODUÇÃO
	CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O MÉTODO
	1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
	1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA
	1.3 A COLETA DOS DADOS
	1.4 A ANÁLISE DOS DADOS
	1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS
	CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES NACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL
	2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
	2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL
	2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO DIREITO INTERNACIONAL
	2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS CORTES NACIONAIS
	2.4.1 Aplicação do direito internacional
	2.4.2 Criação do direito internacional
	2.4.3 Implementação das decisões das cortes e organizações internacionais
	2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA
	CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO DIREITO INTERNO
	3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
	3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO INTERNACIONAL
	3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE DESCONHECIDO
	3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS FACULDADES BRASILEIRAS
	3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO
	3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL
	CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE NÃO JUSTICIABILIDADE
	4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
	4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA CAUSA INTERNACIONAL
	4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL
	4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO INTERNACIONAL
	4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA
	4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS EM MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES
	4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA EXTERNA
	CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO INTERESSE NACIONAL
	5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
	5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL
	5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO DIREITO INTERNACIONAL
	5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O INTERESSE NACIONAL
	5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER APLICADO CONTRA O INTERESSE NACIONAL?
	CONCLUSÕES
	REFERÊNCIAS
	CASOS
	ATOS NORMATIVOS
	LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
	TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS

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