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A Júlia, que trouxe à minha existência cor, vida e alegria. e hill, though high, I covet to ascend; e difficulty will not me offend, For I perceive the way to life lies here. Come, pluck up, heart, let’s neither faint nor fear. Better, though difficult, the right way to go, an wrong, though easy, where the end is woe. John Bunyan, e Pilgrim’s Progress, 1678. AGRADECIMENTOS Tenho sido abençoado por Deus de muitas e das mais variadas maneiras, mas a principal delas certamente se expressa pelas pessoas que Ele tem colocado no meu caminho. Júlia, minha alma gêmea, cujo apoio foi imprescindível para a concretização desta obra. Além de ter compreendido a minha ausência temporária para me dedicar à pesquisa, deu inestimáveis contribuições ouvindo, sugerindo e revisando textos. Os meus �lhos Teodoro e Catarina, que enchem o meu coração de alegria todos os dias e têm sempre me ensinado sobre o que realmente é importante na vida. Os meus pais, Adão e Dalva, pessoas simples e sábias, que sempre me deram muito amor e me ensinaram – quase sempre sem palavras – os valores mais importantes que tento cultivar na vida. Os meus irmãos, Amanda e Júnior, meus amores, distantes �sicamente, mas sempre próximos, nos momentos bons ou maus, importantes ou singelos. Os meus sogros Brazeiro e Margarida, pessoas muito especiais que se tornaram verdadeiros pais para mim. Os meus amigos são tantos e tão queridos que seria difícil listá-los aqui. Mas não poderia deixar de mencionar os “idiotas” da UESC, colegas de graduação e amigos �éis com quem mantenho contato diário (Caco, Da Lapa, Fernando, Ícaro, João, John, Lopes, Luzi, Negão, Robson, Rocha e Ronaldo), Jáder (amigo da minha alma), Denisson (amigo mais chegado que irmão, in memoriam) e os novos amigos que Brasília me deu: Fernando Antonio e Henrique Neubauer. O meu orientador, George Rodrigo Bandeira Galindo, que é o meu exemplo de jurista e cujas sabedoria e dedicação são realmente inspiradoras. Os professores André Melo Gomes Pereira e Inez Lopes Matos Carneiro de Farias, que participaram da banca examinadora da dissertação que deu origem a este trabalho dando valiosas sugestões. Os demais orientandos do Professor George, a “quadrilha”, que me concedem o privilégio de gozar da sua convivência alegre, generosa e fecunda: Bianca, Fabrício, Gabriella, Lucas, Manu, Patrícia e Tamires. O colega Marcelo Velasco Nascimento Albernaz, Diretor do Foro da Seção Judiciária do Distrito Federal, que prontamente autorizou a realização das entrevistas com os juízes federais. Os estimados colegas juízes federais do Distrito Federal, que, com muita boa vontade, suspenderam temporariamente as suas atividades para participar das entrevistas, tendo sido francos e corajosos na exposição das suas opiniões. E a equipe da secretaria da Pós-Graduação da Universidade de Brasília, na pessoa de Euzilene, sempre tão atenciosa com os discentes. PREFÁCIO Há, em alguns internacionalistas, um sentimento de estupefação quando se deparam com alguém que não percebe no espaço internacional uma fonte de legitimidade su�ciente para a decisão de certa questão. Eu mesmo já tive tal sentimento muito arraigado em mim mesmo. Perguntava- me, então: como não é possível a alguém perceber que vivemos em um mundo globalizado, em que o que ocorre em um espaço da terra pode ter repercussões a dezenas de milhares de quilômetros, em Estados longínquos? Ou, ainda: por que não se consegue enxergar que o recurso a normas e instituições internacionais – que se baseiam no que é comum aos povos e indivíduos – deve prevalecer sobre o egoísmo dos Estados? Tal sentimento já foi chamado por diversos nomes na história; mais recentemente, ele poderia receber o nome de sentimento cosmopolita. Não há absolutamente nada de errado com o sentimento cosmopolita. Eu continuo acreditando que qualquer sociedade – seja ela a mais fechada, do ponto de vista de suas relações exteriores – somente conseguirá realizar ideais inclusivos se interagir de maneira construtiva com normas e instituições internacionais. O problema, no entanto, é que tal sentimento, por vezes, não é autorre�exivo; ele vislumbra o espaço internacional como superior simplesmente por ser internacional. Não indaga, por exemplo, quem são os grandes vencedores do processo de globalização ou quem mais se favorece com a internacionalização de certos problemas; esquece ou abstrai que quem cria e faz manter normas e instituições internacionais, diversas vezes, busca favorecer determinados interesses e atores e canalizar essas mesmas normas e instituições em benefício de um número muito restrito de Estados e indivíduos. Ocorre que ter um sentimento cosmopolita muito ou pouco re�exivo pressupõe, por óbvio, cultivar esse próprio sentimento. Muitas vezes internacionalistas esperam dos juízes nacionais que sejam críticos do sistema internacional ou seus entusiastas, quando, na verdade, muitos somente possuem sobre ele uma noção bastante vaga – ou fundada em premissas falsas. Tais juízes simplesmente consideram tais questões como problemas de direito interno que merecem o mesmo tipo de solução, evitam lidar com questões de direito internacional ou não se consideram su�cientemente legitimados para julgar questões sobre a temática. O livro de Anderson Santos da Silva busca justamente entender o comportamento dos juízes brasileiros – por meio de um estudo de caso com os juízes do Distrito Federal – com relação a temas de direito internacional e conclui que o direito internacional é, de fato, estranho ou incômodo a eles. O presente livro é fruto de dissertação de mestrado defendida perante o Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade de Brasília, que foi aprovada e muito bem recebida pela banca examinadora, composta por mim, na qualidade de orientador, e pelos Professores André Melo Gomes Pereira e Inez Lopes Matos Carneiro de Farias. A pesquisa empírica ainda é um grande desa�o para a ciência jurídica no Brasil. Poucos estudantes são treinados para fazê-la sob bases metodológicas rigorosas. No entanto, tal tipo de pesquisa é absolutamente necessária. Não se pode esperar que um juiz nacional aplique o direito internacional de maneira tecnicamente mais precisa se se desconhece a sua formação, sem perquirir a maneira como enxergam o mundo e a divisão de tarefas, dentro do Estado, para lidar com tais questões. Anderson Santos Silva encara o difícil desa�o e fornece elementos bastante valiosos para entender as causas do caráter refratário ou marcadamente equivocado com que o Judiciário aborda questões de direito internacional no país. O recurso ao direito interno, muito comum entre juízes brasileiros quando tratam de alguma questão relativa a direito internacional é, tantas vezes, uma maneira de tornar conhecido o desconhecido. Recordo, por exemplo, que no julgamento do RE 466343, que mudou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre a questão da prisão civil do depositário in�el, alguns ministros da Corte decididamente não recorreram a tratados para chegar à conclusão sobre a impossibilidade de tal tipo de prisão no Brasil. Havia, aparentemente, uma percepção de que recorrer a normas internacionais poderia fazer a questão fugir-lhes do controle. Essa estratégia, no entanto, evita enfrentar ideias que estão em discussão no cenário internacional e, por consequência, reduz o espaço público para que sejam apreciadas; ou, pior, dá margem para que elas se insiram no direito interno de modo camu�ado. Se na pesquisa empírica se demonstrou que a ausência ou de�ciência de recurso ao direito internacional tem relação com o desconforto do julgador, é preciso fazer ver aos juízes que a dimensão psicológica de seu trabalho é relevante e possui consequências signi�cativas para situar o Brasil internacionalmente. As doutrinas de não-justiciabilidade também são tratadas com propriedade pelo autor. Não há dúvidas que, diversas vezes, o juiz deve abster-se de conhecer determinada demanda porque, segundo as normas de direito internacional público ou privado,ela deve ser apreciada pela Justiça Internacional ou Estrangeira. A não-justiciabilidade, no entanto, não é propriamente uma questão processual, mas o impedimento de o juiz conhecer de certa demanda em virtude de sua própria natureza – que, usualmente, entende ela ou ele, ultrapassa os limites do que constituiria propriamente o fenômeno jurídico. Particularmente, não acredito que todos os con�itos devam ser judicializados. No entanto, é preciso que isso de�ua de uma vontade comum das partes e não de um conceito pré-concebido do que seria “o jurídico”. Acontece que, em matéria de direito internacional, por vezes, o desconhecimento ou o medo conduzem o juiz a enquadrar certa matéria como extrajurídica. Tal atitude, sem dúvidas, reduz sobremaneira as possibilidades de se obter uma solução que leve em conta a �nalidade de uma norma jurídica internacional – por meio dos tribunais – em uma determinada controvérsia. Bastante original na obra é a análise do impacto do interesse nacional sobre o juiz também nacional. É comum evitar ou analisar de maneira equivocada o direito internacional em virtude de o magistrado ou a magistrada pensarem que sua decisão pode afetar signi�cativamente o chamado interesse nacional. Ocorre que essa categoria não opera nem deve operar no vácuo. Ela é fruto do que diferentes forças sociais, em um determinado momento histórico, pensam e fazem. Assim, não é exclusividade do Poder Executivo ou, especi�camente, de órgãos internos à sua estrutura. Entretanto, é importante ressaltar que di�cilmente se pode defender a legitimidade de o juiz, sozinho, mesmo em um órgão colegiado, determinar o que seria o interesse nacional, sem o recurso a um processo deliberativo em que sejam ouvidos os principais atores que serão afetados pela decisão, inclusive aqueles que podem se pronunciar em matéria de ordem técnica. Do contrário, simplesmente se retirará a formulação do interesse nacional de algumas poucas mãos para entregá-la a outras, talvez ainda em menor número. O juiz deve estimular e, muitas vezes, ser o catalisador do processo deliberativo que buscará identi�car – ou contradizer ou con�rmar – o que seria o interesse nacional em determinada situação. Para mim, foi motivo de enorme aprendizagem orientar o trabalho de Anderson Santos da Silva. O livro que ora se apresenta é corajoso e necessário, perspicaz e instigante. Que ele possa inspirar diferentes julgadores ao redor do país de que eles e elas devem e podem ter uma voz mais ativa em matéria de direito internacional; que possam, com isso, alcançar o sentimento cosmopolita e serem vozes ativas que promovam – espero efusivamente - a sua própria autorre�exão. Com isso, teremos mais atores opinando sobre direito internacional no país, tornando mais complexa a sua interpretação. Teremos, porém, também – e este é o grande prêmio! - mais portas por onde possa entrar a justiça. George Rodrigo Bandeira Galindo Professor Associado da Faculdade de Direito da UnB Consultor Jurídico do Ministério das Relações Exteriores Membro da Comissão Jurídica Interamericana APRESENTAÇÃO A literatura internacionalista costuma abordar o problema da relação entre o direito internacional e o direito interno oferecendo modelos teóricos que tentam explicar essa relação (as famosas teorias monistas e dualistas). Essa abordagem, no entanto, frequentemente deixa escapar uma dimensão fundamental do problema: como os Estados se posicionam, na prática, perante as normas jurídicas internacionais em sua esfera interna. Este trabalho, que é resultado das pesquisas realizadas durante o meu mestrado, busca preencher essa lacuna da literatura internacionalista brasileira. A obra explora a relação entre o direito brasileiro e o direito internacional a partir de uma perspectiva prática, buscando compreender o comportamento dos atores judiciais perante as normas jurídicas internacionais. Para tanto, foram analisadas 101 decisões judiciais proferidas pelos juízes federais do Distrito Federal e realizadas 40 entrevistas semiestruturadas com esses magistrados. Com a análise dos dados colhidos, foi possível identi�car três padrões no comportamento dos juízes federais do Distrito Federal: tendência a evitar a aplicação do direito internacional, recorrendo-se, para resolver as demandas internacionais, ao direito interno; utilização implícita de doutrinas de não justiciabilidade com o �m de se esquivar do julgamento das disputas internacionais mais sensíveis às relações externas do Estado brasileiro; e resistência à aplicação das normas jurídicas internacionais aos casos concretos quando se vislumbra algum tipo de prejuízo ao interesse nacional. O estudo tentou não se limitar, como se verá, à constatação das atitudes dos juízes federais, mas se arriscou, com base em uma teoria (“o juiz como participante de um mercado de trabalho”, de Lee Epstein, William Landes e Richard Posner), a identi�car algumas causas e propor algumas soluções. Com isso, espero que o conhecimento construído com a pesquisa contribua de alguma forma para a superação de di�culdades na atuação pro�ssional dos juízes na aplicação das normas jurídicas internacionais, colaborando assim para o aprimoramento da prestação jurisdicional no Brasil. SUMÁRIO Capa Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O MÉTODO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA 1.3 A COLETA DOS DADOS 1.4 A ANÁLISE DOS DADOS 1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES NACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL file:///tmp/calibre_4.99.5_tmp_0kt80f5a/xmrwg7vo_pdf_out/OEBPS/Text/capa.xhtml 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL 2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO DIREITO INTERNACIONAL 2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS CORTES NACIONAIS 2.4.1 Aplicação do direito internacional 2.4.2 Criação do direito internacional 2.4.3 Implementação das decisões das cortes e organizações internacionais 2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO DIREITO INTERNO 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO INTERNACIONAL 3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE DESCONHECIDO 3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS FACULDADES BRASILEIRAS 3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO 3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE NÃO JUSTICIABILIDADE 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA CAUSA INTERNACIONAL 4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL 4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO INTERNACIONAL 4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA 4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS EM MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES 4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA EXTERNA CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO INTERESSE NACIONAL 5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL 5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO DIREITO INTERNACIONAL 5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O INTERESSE NACIONAL 5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER APLICADO CONTRA O INTERESSE NACIONAL? CONCLUSÕES REFERÊNCIAS CASOS ATOS NORMATIVOS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS INTRODUÇÃO Durante muitos anos, os juristas internacionalistas tiveram que concentrar muito das suas energias na defesa da juridicidade do direito internacional. Não é por acaso que, por trás dos intensos debates entre monistas e dualistas travados na Academia de Direito Internacional da Haia na primeira metade do século XX, estava sempre a questão da juridicidade e do próprio fundamento do direito internacional (GALINDO, 2002, p. 9-10). No entanto, com o advento da proclamada era pós-ontológica do direito internacional1 – em que tal defesa já não é, em tese, necessária – abriram-se novos horizontes de pesquisa para os seus especialistas. Surge, então, a necessidade de se dar um enfoque prático à relação entre o direito internacional e o direito interno, o que torna praticamente obsoleta a abordagem puramente teórica conferida à questão pelos monistase pelos dualistas. Esse enfoque prático inevitavelmente coloca os tribunais nacionais no centro do problema. Nesse sentido, mais do que construir modelos teóricos que descrevam as relações entre a ordem jurídica internacional e os diversos sistemas jurídicos nacionais, importa saber como os Estados têm se posicionado internamente perante as normas jurídicas internacionais e, principalmente, como as cortes domésticas lidam com essas normas. E, de fato, compreender a atitude dos tribunais internos perante o direito internacional é crucial, já que esses se encontram no centro da permanente tensão que existe entre o direito internacional e o direito interno, sendo os principais responsáveis pelo fechamento ou abertura das ordens jurídicas nacionais para o direito internacional. A questão torna-se ainda mais relevante quando se veri�ca que, devido à descentralização que caracteriza o sistema jurídico internacional, sempre se esperou – como será visto adiante – que os tribunais domésticos também desempenhassem a função de tribunais internacionais. Contudo, a literatura jurídico-internacional brasileira não tem dado a devida atenção ao tema2, que se ressente principalmente da falta de uma abordagem mais empírica. Como já foi notado por George Rodrigo Bandeira Galindo (2012, p. 7-8): Em resumo, essas críticas [...] somente reforçam a necessidade de pesquisas empíricas nesse campo. Tais pesquisas precisam se concentrar em questões como: Quem são os juízes? Como decidem? O que levam em consideração quando decidem? Quais os custos e consequências de suas decisões? O principal objetivo deste trabalho é exatamente contribuir para o preenchimento dessa lacuna na produção acadêmica brasileira estudando a relação entre o direito brasileiro e o direito internacional por meio da compreensão do comportamento dos juízes federais do Distrito Federal (DF) no julgamento das causas de sua competência. A pesquisa concluiu que o comportamento dos juízes federais do DF diante de causas internacionais apresenta três padrões. O primeiro é uma tendência a evitar, sempre que possível, a aplicação do direito internacional, recorrendo-se, para resolver essas demandas, aos ramos do direito com os quais os julgadores têm mais familiaridade. O segundo padrão é a utilização implícita de doutrinas de não justiciabilidade, como a do ato de Estado e a das questões políticas, com o �m de se esquivar do julgamento de disputas internacionais mais sensíveis às relações exteriores do Estado brasileiro. O terceiro, por �m, é uma certa resistência judicial à aplicação das normas jurídicas internacionais aos casos concretos quando se vislumbra algum tipo de prejuízo ao interesse nacional. Essas conclusões serão discutidas nos cinco capítulos do trabalho. No primeiro, são apresentados os procedimentos utilizados na pesquisa. Depois de explicar como surgiu e se desenvolveu o problema de pesquisa, o capítulo detalha como foram colhidos os dados (as decisões judiciais e as opiniões dos magistrados) que embasam a investigação. Na sequência, explicita o método usado para analisar esses dados (a análise do discurso) e o marco teórico que iluminou essa análise (a teoria do juiz como participante de um mercado de trabalho, com alguns aportes do institucionalismo sociológico e da psicologia cognitiva), e conclui fazendo mais alguns esclarecimentos de natureza metodológica. No segundo, são retomadas algumas bases teóricas para a compreensão do lugar dos tribunais nacionais no direito internacional. Insiste, antes de qualquer coisa, que o direito internacional é direito e, por conseguinte, deve ser aplicado pelos juízes internos na resolução das causas que lhes são submetidas. Em seguida, argumenta que a descentralização que caracteriza a ordem jurídica internacional levou os juristas internacionalistas a desenvolver a teoria do desdobramento funcional, segundo a qual os tribunais nacionais têm a função de aplicar, imparcial e independentemente, as normas jurídicas internacionais. Por �m, depois de se ensaiar uma tipologia das possibilidades de atuação das cortes domésticas em relação às normas jurídicas internacionais, conclui que a expectativa de que os órgãos judiciais internos aplicassem essas normas restou frustrada, porque os juízes nacionais tendem a buscar meios para evitar a sua aplicação. O terceiro capítulo dedica-se ao primeiro padrão de comportamento identi�cado entre os juízes federais do DF, que é o silenciamento sobre as normas jurídicas internacionais incidentes sobre as causas, mesmo quando invocadas pelas partes. Os julgadores, nesses casos, apenas aplicam as normas do direito interno. Essa atitude é explicada pelo baixo grau de conhecimento do direito internacional apresentado pelos magistrados, que, por sua vez, está diretamente ligado à forma como essa disciplina é ensinada nas faculdades brasileiras. Movidos pela aversão ao esforço e pelo cansaço, potencializados pela excessiva carga de trabalho, os magistrados pesquisados, então, evitam julgar as demandas com base em um ramo do direito que não dominam. O capítulo termina com algumas re�exões sobre por que estudar direito internacional e quais as medidas que poderiam ser adotadas para mudar o cenário do ensino da disciplina no Brasil. O quarto capítulo examina a prática de se recorrer implicitamente a doutrinas de não justiciabilidade como estratégia para se evitar o julgamento do mérito das disputas internacionais mais sensíveis às relações internacionais. Argumenta que a técnica utilizada pelos juízes para não se pronunciarem sobre os atos de outros governos – a doutrina do ato de Estado – não goza mais de prestígio nem mesmo no mundo anglo-saxão, onde surgiu. Explica que tampouco a doutrina das questões políticas, invocada para se evitar o escrutínio judicial dos atos do governo brasileiro na condução da política externa, pode servir de justi�cativa para a abdicação judicial na matéria. O uso dessas doutrinas decorre de certas preferências jurídicas dos juízes que não mais se sustentam. O capítulo é �nalizado com o desenvolvimento do argumento de que o controle judicial da política externa brasileira é juridicamente possível, embora isso não signi�que que o Poder Judiciário deva necessariamente dar a última palavra sobre o assunto. O quinto e último capítulo analisa uma atitude que foi encontrada em uma parcela bastante signi�cativa dos participantes da pesquisa: a resistência à aplicação das normas internacionais que possam resultar, no caso sob julgamento, em prejuízo a algum interesse nacional. Retoma-se, na oportunidade, alguns debates recentes sobre o lugar do interesse nacional no direito internacional. Em seguida, argumenta-se que essa atitude dos juízes também é uma decorrência de determinadas preferências jurídicas que, como se verá, já não dão conta do atual cenário jurídico-internacional. O capítulo é concluído com algumas re�exões sobre os motivos pelos quais os juízes deveriam aplicar o direito internacional mesmo ocasionalmente contrário ao interesse nacional. Nas conclusões, são apresentados de forma sintética os principais resultados da pesquisa para, nos parágrafos �nais, serem tecidas algumas considerações gerais sobre a principal lição – a nosso ver – que os acadêmicos do direito internacional podem extrair desses achados: a de que não é possível desenvolver a ordem jurídica internacional sem que os atores sociais, os órgãos e as instituições relevantes também sejam envolvidos no projeto. 1 A era pós-ontológica do direito internacional foi proclamada por omas Franck, para quem: “Like any maturing legal system, international law has entered its post-ontological era. Its lawyers need no longer defend the very existence of international law. us emancipated from the constraints of defensive ontology, international lawyers are now free to undertake a critical assessment of its content” (FRANCK, 1995, p. 6). 2 São poucos os trabalhos sobre o tema na produção acadêmica brasileira. Merecem destaque os seguintes artigos: “Direitos humanos ejusticiabilidade: pesquisa no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro”, de autoria de José Ricardo Cunha (2005) e “A aplicação das normas da Organização Mundial do Comércio pelo juiz brasileiro”, de Jahyr-Phillippe Bichara e Sid Marques Fonseca Júnior (2015). Como se verá no segundo capítulo, o tema recebe bem mais atenção na literatura jurídica estrangeira. CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O MÉTODO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Este trabalho apresenta os resultados de uma pesquisa de caráter empírico, assim entendida como aquela que se baseia na observação do mundo3. A validade de pesquisas dessa natureza impõe necessariamente que os processos de coleta e de análise de dados sejam rigorosamente transparentes, com informações su�cientes para que as evidências observadas possam ser replicadas sem a interferência do pesquisador original (EPSTEIN; KING, 2013, p. 47-56). O objetivo deste breve capítulo, portanto, é explicar os procedimentos adotados na pesquisa. Primeiro, será explicado como surgiu e como se desenvolveu o problema de pesquisa. Segundo, será detalhado o procedimento de coleta dos dados (as decisões judiciais e as opiniões dos juízes federais do DF). Terceiro, será informado como os dados foram analisados, explicitando tanto o caminho seguido para se chegar aos resultados (o método) quanto os esquemas conceituais que foram utilizados para compreendê-los (o marco teórico). Por �m, serão feitas três observações metodológicas relevantes. 1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA A ideia para a realização da pesquisa surgiu de uma inquietação. O pesquisador é juiz federal substituto, tendo ingressado na magistratura em 12 de setembro de 2013 e, desde os primeiros meses da sua atividade como magistrado sentiu, entre os seus colegas, uma certa resistência à aplicação das normas jurídicas internacionais. E isso na Justiça Federal, exatamente o ramo do Poder Judiciário a que a Constituição brasileira atribui a competência para julgar diversas causas ligadas ao direito internacional. Essa percepção despertou o interesse em compreender esse fenômeno, especialmente suas causas, características e consequências. Mas não seria viável, no âmbito de uma pesquisa de mestrado, incluir toda a população de juízes e membros de tribunais do sistema judicial brasileiro, que ultrapassa o número de 18.000 magistrados. Por isso, foi necessário fazer alguns recortes na população investigada. Optou-se, primeiro, por juízes de primeira instância devido à sua importância do ponto de vista da representatividade (em razão da quantidade de membros) no contexto do Poder Judiciário brasileiro. Dentre os juízes de primeira instância, foram selecionados os federais, devido à sua competência jurisdicional, que abrange diversas questões a�ns ao direito internacional. Por �m, os juízes lotados especi�camente no DF foram eleitos por terem a mesma localização geográ�ca da Universidade de Brasília, o que diminuiu os obstáculos na realização das entrevistas. Com isso, foi possível chegar ao seguinte problema de pesquisa: como os juízes federais do Distrito Federal lidam com o direito internacional no julgamento das causas de sua competência? O objetivo principal era testar empiricamente a hipótese de que os juízes federais do DF evitam a aplicação das normas jurídicas internacionais no exame dos casos submetidos à sua apreciação. 1.3 A COLETA DOS DADOS Os dados escolhidos para serem analisados foram as decisões judiciais proferidas pelos juízes federais do Distrito Federal e as opiniões desses magistrados sobre algumas questões relacionadas ao direito internacional. A técnica utilizada para selecionar as decisões judiciais foi a busca aleatória no banco de decisões do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, no sítio eletrônico https://portal.trf1.jus.br/pesquisadocumentos/index.jsf, que se deu no dia 28 de setembro de 2020. Foram utilizados os seguintes �ltros: Tipo Documento (em que foi selecionada a opção “todos”), Seção (foi marcada a “Seção Judiciária do Distrito Federal”) e Unidade (foi selecionada a opção “todos”). O termos incluídos na busca, um após o outro, foram “internacional”, “tratado”, “convenção”, “nacionalidade”, “refugiado”, “estrangeiro”, “organização internacional”, “interamericana” e “imunidade”. A primeira di�culdade encontrada foi a grande quantidade de documentos exibidos (aproximadamente 20.000), o que levou à necessidade de um recorte temporal nos resultados. O período escolhido foi de 2011 a 2020. A outra di�culdade decorreu do fato de que a maioria das decisões exibidas não dizia respeito ao direito internacional. Às vezes a palavra “tratado” era apenas o particípio passado do verbo “tratar”, e a palavra “internacional” nada mais era do que a parte do nome de uma sociedade empresarial qualquer. Essas di�culdades �zeram com que boa parte da seleção fosse artesanal. Foi necessário fazer uma análise super�cial de cada decisão para saber se ela havia sido proferida dentro do marco temporal escolhido e se o seu conteúdo tinha alguma coisa a ver com o direito internacional. Esse procedimento possibilitou a seleção de 101 decisões e sentenças. A técnica utilizada para coletar as opiniões dos participantes da pesquisa foi a realização de entrevistas semiestruturadas. Essa parte da pesquisa dependeu da autorização do Comitê de Ética em Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais da Universidade de Brasília, o que foi feito pelos Pareceres Consubstanciados nº 4.458.511, de 11 de dezembro de 2020, e nº 4.552.235, de 23 de fevereiro de 2021. Todos os 60 (sessenta) juízes federais do DF foram convidados para participarem da pesquisa. A quantidade que respondeu, agendando dia e horário para a realização da entrevista, foi de 40 (quarenta) juízes. Dentre os 20 (vinte) que não agendaram, 10 (dez) apresentaram justi�cativas e 10 (dez) não responderam a tempo. As 40 (quarenta) entrevistas foram realizadas no período de 1º de março a 6 de abril de 2021 e, por imposição da pandemia de Covid-19, foi utilizado um sistema de videoconferência (o aplicativo Teams). As perguntas feitas aos participantes foram as seguintes: ● Como foi a sua experiência com o direito internacional na graduação? ● Como avalia o seu conhecimento do direito internacional comparado com o dos demais ramos do direito? Por quê? ● Na sua opinião, o direito internacional tem características diferentes dos demais ramos do direito? ● Na sua opinião, há questões de direito internacional que não deveriam ser julgadas por juízes? ● Na sua opinião, o direito internacional deve ser aplicado em um caso concreto mesmo que isso prejudique algum interesse do Estado ou do governo brasileiro? 1.4 A ANÁLISE DOS DADOS Depois de colhidos os dados (as decisões judiciais e as opiniões dos juízes), passou-se à fase de análise. A abordagem metodológica escolhida para essa tarefa foi a da análise do discurso. Esse método possibilita a obtenção de insights a partir da identi�cação de categorias, temas e termos chaves, de padrões de associações e de variações, e das posições das quais os atores sociais lançam os seus discursos (TONKISS, 2012). O método da análise do discurso possibilitou a identi�cação das palavras, ideias e estratégias mais frequentes nas decisões e nas opiniões dos magistrados e como essas ideias explicam a atitude desses juízes perante o direito internacional. É possível destacar aqui alguns exemplos que serão detalhados durante o texto: o par “conforto/desconforto” foi recorrentemente utilizado nas entrevistas para explicar a relação dos participantes com as normas jurídicas internacionais; descrições negativas foram predominantes na avaliação da experiência dos entrevistados com o direito internacional na graduação; ideias relacionadas a competência funcional, capacidade institucional e soberania nacional, por sua vez, encontram-se bastante presentes nos textos das decisões e nas opiniões dos magistrados nas situações que envolvem a solução de uma determinada questão jurídica internacional. A análise dos dados coletadosfoi feita à luz da contribuição das pesquisas sobre o comportamento judicial, especialmente da “teoria do juiz como participante de um mercado de trabalho”, proposta por Richard Posner em seu in�uente livro How Judges ink (2008), e testada empiricamente em e Behavior of Federal Judges, escrito em coautoria com Lee Epstein e William Landes (2013). Esse in�uente modelo teórico do comportamento judicial, que explora os incentivos e as restrições a que os juízes estão sujeitos, serviu para explicar diversos resultados encontrados na pesquisa. Além dessa teoria, foram consideradas as contribuições especí�cas do institucionalismo sociológico, mais especi�camente as relativas ao papel das instituições na construção de esquemas cognitivos. Aqui, o conceito de “preferências jurídicas” (GONZÁLEZ-OCANTOS, 2016) foi especialmente útil para a compreensão das ideias, categorias e compreensões dos juízes que obstam a penetração do direito internacional na sua atividade. Também foram utilizados alguns insights da psicologia cognitiva sobre heurísticas e vieses cognitivos para explicar aspectos do comportamento dos participantes da pesquisa. 1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS Antes de concluir esse breve capítulo, é necessário fazer mais algumas observações de natureza metodológica. A primeira é que o trabalho utiliza o termo “direito internacional” em uma acepção ligeiramente mais ampla do que o usual, abrangendo alguns tópicos tradicionalmente incluídos no objeto do Direito Internacional Privado. Tendo em vista a atuação da Justiça Federal em causas como sequestro internacional de crianças, alimentos internacionais e cooperação jurídica internacional de modo geral, optou-se por incluir esses temas na pesquisa, já que são, em grande medida, regulados por normas jurídicas internacionais. Essa opção, acredita-se, coaduna-se com a tendência de superação da visão compartimentalizada dessas disciplinas jurídicas, conforme bem assinalado por Diego P. Fernández Arroyo e Makane Moïse Mbengue (2018, p. 802, 804): [c]hanges in the relations among States, individuals, and multinational corporations have led scholars and practitioners to reconsider the traditional boundaries of each discipline […] Our de�nitions, moving forward, must recognize public and private international law as part of a larger juridical system concerned with the regulation of international relations, more generally. A segunda observação é que, como já foi dito no início, o pesquisador é um juiz investigando o comportamento de colegas de pro�ssão. E isso tem aspectos positivos e negativos. Um aspecto positivo que pode ser destacado é que o êxito de uma entrevista depende, em grande medida, de uma “atmosfera amistosa e de con�ança” (GOLDENBERG, 2011, p. 72), que pode ter sido mais facilmente construída devido à relação de colegas de trabalho mantida entre o pesquisador e os participantes da pesquisa. Além disso, também se pode dizer que o conhecimento da rotina de trabalho dos pro�ssionais investigados pode ter tido algum papel em algumas conclusões do trabalho. Os aspectos negativos estão relacionados à possível in�uência do espírito de corpo pro�ssional. Este viés coloca-se fora do pleno controle do pesquisador e, por maior que tenha sido o seu esforço em dele se desvencilhar, é possível que tenha tido algum tipo de repercussão na pesquisa. Por �m, algo que merece registro é que esse trabalho é “internacionalmente orientado”, no sentido de que não é neutro quanto à importância da disciplina jurídica internacional para a atuação do Poder Judiciário brasileiro e, em última análise, para a vida das pessoas. Isso não quer dizer que considera o direito internacional intrinsecamente bom ou melhor do que o direito interno. Quer dizer apenas que parte da premissa de que o direito internacional é indispensável para a solução mais completa possível de diversos problemas, o que se torna inviável quando ele é completamente ignorado pelas instâncias internas. 3 “A palavra ‘empírico’ denota evidência sobre o mundo baseada em observação ou experiência. Essa evidência pode ser numérica (quantitativa) ou não-numérica (qualitativa); nenhuma é mais ‘empírica’ que a outra” (EPSTEIN; KING, 2013, p. 11). CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES NACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A compreensão da atitude dos juízes brasileiros perante o direito internacional pressupõe alguma noção sobre como a literatura jurídica vê o papel dos tribunais internos no sistema jurídico internacional. O escopo deste capítulo é tecer algumas considerações gerais sobre as principais contribuições teóricas sobre o assunto, que foram agrupadas em quatro tópicos. O primeiro tópico cuida da questão da juridicidade do direito internacional. Se a função dos tribunais é decidir os casos por meio da aplicação do direito, a questão da aplicação do direito internacional pelas cortes nacionais passa necessariamente pelo reconhecimento do caráter jurídico dessa disciplina. Argumenta-se, aqui, que o direito internacional, assim como o direito interno, vincula os juízes nacionais no julgamento das causas que lhes são apresentadas. O segundo cuida do desenvolvimento da teoria do “desdobramento funcional” (dédoublement fonctionnel), por Georges Scelle, segundo a qual os tribunais internos devem exercer o papel de aplicadores independentes e imparciais das normas jurídicas internacionais. Essa teoria é possivelmente a responsável por despertar a esperança dos juristas internacionalistas de que as cortes domésticas supririam o problema da descentralização da ordem jurídica internacional. O terceiro contém o esboço de uma tipologia da atuação dos tribunais nacionais. Sustenta-se que há três possibilidades de atuação internacional desses tribunais: aplicação das normas jurídicas internacionais, que pode apresentar o mesmo estilo da aplicação das normas jurídicas internas ou não; criação das normas jurídicas internacionais; e implementação de decisões de cortes e de organizações internacionais. Por �m, o último tópico explora a constatação de que, na prática, as cortes nacionais frustraram a expectativa criada pela teoria do “desdobramento funcional”. Há evidências bem documentadas de que, em diversas partes do mundo, em vez de assumirem a esperada função de tribunais internacionais, as cortes domésticas passaram a adotar técnicas para evitar a aplicação do direito internacional. 2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL A função especí�ca dos tribunais – nacionais e internacionais - é decidir os casos particulares que lhes são submetidos, em caráter obrigatório e com de�nitividade, por meio da aplicação do direito vigente4, que inclui, evidentemente, o direito internacional. A antiga questão “o direito internacional é realmente direito?” perdeu a sua relevância teórica, havendo hoje um consenso acadêmico bem consolidado no sentido de que as normas do direito internacional público (DIP) não são simples normas morais ou de cortesia, mas verdadeiras normas jurídicas5. Aliás, muitas páginas já foram escritas em defesa da juridicidade do direito internacional. Os argumentos dos negadores – que geralmente partem de pressupostos positivistas – podem ser sintetizados nos seguintes: primeiro, o DIP não possui normas vinculantes; segundo, o DIP não tem um centro legislativo; e terceiro, os tribunais internacionais não têm jurisdição obrigatória. A essas objeções, a doutrina internacionalista contrapõe algumas respostas que já são tradicionais6. O primeiro argumento fundamenta-se principalmente na alegação de que os Estados não são verdadeiramente obrigados a cumprir as normas internacionais, que seriam meras normas de cortesia (comitas gentium) ou morais, já que são desprovidas de sanções. Entretanto, não é totalmente verdadeiro que as normas do direito internacional são destituídas de sanções, pois estas existem (ruptura de relações, retorsões, represálias etc.), embora sejam diferentes das utilizadas pelo direito interno. Além disso, o fato de os Estados (e os demaissujeitos internacionais) tratarem, de um modo geral, as normas internacionais como obrigatórias enfraquece bastante o argumento. O segundo argumento (segundo o qual o DIP não possui um centro legislativo) contém um vício de analogia doméstica, porquanto parte equivocadamente da ideia de que somente pode haver sistema jurídico se houver um centro de produção de normas jurídicas, como ocorre nas ordens jurídicas nacionais. No entanto, até mesmo no próprio direito interno, as leis apenas se tornaram a principal fonte em um passado relativamente recente. Durante muito tempo, esse papel foi desempenhado pelo costume, e nem por isso se a�rma que, enquanto não existia um centro legislativo nas ordens jurídicas internas, não havia sistema jurídico nacional. O terceiro argumento (o que diz respeito à ausência de cortes com jurisdição obrigatória), por �m, tornou-se obsoleto com a criação, nas últimas três décadas, de diversos tribunais internacionais com jurisdição obrigatória. Esses tribunais têm condenado Estados a respeitar direitos, a modi�car o seu direito interno, a pagar reparações e, o que é mais eloquente, têm condenado indivíduos por crimes, enviando-os para a prisão. De todo modo, a obsolescência do problema da juridicidade do direito internacional também foi con�rmada pela teoria do direito. A�nal, os autores que desenvolveram as teorias mais in�uentes do século XX (Hans Kelsen, Herbert Hart e Ronald Dworkin) sustentaram, cada um à luz de seus próprios pressupostos teóricos, o caráter jurídico das normas internacionais. Para Kelsen, o direito é uma “técnica social que consiste em obter a conduta social desejada dos homens através da ameaça de uma medida de coerção a ser aplicada em caso de conduta contrária” (2005, p. 27-28). Na parte de sua famosa Teoria Geral do Direito e do Estado dedicada à questão do caráter jurídico do direito internacional, Kelsen a�rma que estão presentes, nesse ramo do direito, os dois elementos indispensáveis para a con�rmação da sua juridicidade: as noções de delito (isto é, uma conduta antijurídica) e de sanção (que seriam a represália e a guerra justa). No entanto, a ausência de um órgão central encarregado de aplicar as normas aos casos concretos, estabelecendo o delito e executando a sanção, levou Kelsen a considerar o direito internacional um direito primitivo (2005, p. 467-486). Em Hart, a chave para a compreensão do fenômeno jurídico é a união entre as normas primárias e secundárias, sendo as primeiras as que estabelecem as obrigações e, as segundas, as que preveem procedimentos para adaptações a situações novas (de modi�cação), que regulam a aplicação das normas jurídicas quando violadas (de julgamento) e que contêm critérios para identi�cação das normas como integrantes ou não do conjunto (de reconhecimento) (2009, p. 103-128). Desse modo, por não contar com normas secundárias, o direito internacional seria, para Hart, um direito primário ou consuetudinário (2009, p. 299). Nada obstante, isso não leva Hart a classi�car o direito internacional como um ramo da moral, entendida esta como “uma forma simples de estrutura social que consiste apenas em normas primárias de obrigação”. Ao revés, Hart refuta a confusão entre direito internacional e moral apresentando, para tanto, três argumentos. O primeiro é que as demandas que os Estados dirigem uns aos outros em matéria de direito internacional não são fundadas em apelos à consciência, mas articuladas com referências a precedentes, tratados e textos doutrinários, sendo, na maioria das vezes, totalmente indiferentes a aspectos morais. O segundo é que, embora não conte atualmente com um poder legislativo com competência para criar ou revogar normas, o direito internacional não é infenso a tal ideia, que é inadmissível no campo da moral. O terceiro, �nalmente, é que, conquanto possa existir um senso de que há uma obrigação moral de respeitar as normas do direito internacional, tal convicção é absolutamente desnecessária como condição para a sua existência (2009, 292-299). Hart também rejeita duas objeções clássicas ao caráter jurídico do direito internacional: ausência de sanção e impossibilidade de os Estados serem sujeitos de obrigações jurídicas. Quanto à primeira, o autor não vê problemas na inexistência de normas acompanhadas de sanções organizadas no direito internacional, uma vez que a sua teoria rejeita a ideia de que o direito consiste em uma ordem apoiada em ameaças (2009, 279-284). Quanto à segunda, sustenta que o fato de ser soberano não impede o Estado de ser vinculado pelo direito internacional, pois são exatamente as normas deste que limitam e de�nem o alcance da soberania estatal (2009, p. 284- 292). Ronald Dworkin, por sua vez, considera o direito uma parte especí�ca da moralidade política que é formada pelos direitos e obrigações que os cidadãos podem exigir que os tribunais implementem à força, sem a necessidade de qualquer decisão política coletiva ulterior (2011). Em artigo póstumo, Dworkin buscou aplicar esse conceito ao direito internacional. Como o sistema jurídico internacional ainda não dispõe de um tribunal com jurisdição universal e compulsória, seria necessário imaginar tal tribunal e fazer a seguinte pergunta: quais critérios essa corte hipotética deveria utilizar para identi�car os direitos e obrigações que poderiam ser coercitivamente implementados? A resposta estaria no desenvolvimento de uma nova teoria da legitimidade que se baseasse em dois princípios: da mitigação e da saliência. O primeiro consiste no dever dos Estados de impor constrições à própria soberania. O segundo indica, em síntese, que os Estados são vinculados às práticas desenvolvidas voluntariamente por um signi�cativo número de entes estatais, desde que essas práticas reforcem a legitimidade de cada Estado e da ordem internacional como um todo (2013). Esse consenso sobre o status do direito internacional na academia, porém, não impede que surjam, de tempos em tempos, teorias que defendam a incapacidade das normas jurídicas internacionais para in�uenciar o comportamento dos atores internacionais7. De modo geral, a frequência com que o DIP é desrespeitado costuma ser superestimada. Diariamente, incontáveis atos são praticados em conformidade com o direito internacional, de maneira que as violações são comparativamente raras (SHAW, 1991, p. 7). Na formulação atribuída a Louis Henkin, “quase todas as nações observam quase todos os princípios de direito internacional e quase todas as suas obrigações quase todo o tempo” (GUZMAN, 2002, p. 20). O fato é que os sujeitos internacionais – inclusive os mais poderosos – sempre procuram a�rmar e mostrar que se comportam de acordo com essas normas. Nesse ponto, o fator reputacional revela-se um importante elemento dissuasivo do desrespeito ao direito internacional: os Estados cumprem o DIP para não estimular o descumprimento por outros e, assim, degenerar a sociedade internacional em um caos8. Quando surgem disputas, os interesses são articulados em termos jurídicos, ainda que não se possa ignorar o problema que envolve a tendência dos atores internacionais de buscarem conferir às normas jurídicas internacionais o sentido mais conveniente às suas preferências com vistas a torná-las universais (KOSKENNIEMI, 2004). O direito internacional, portanto, é direito, e, nessa condição, vincula as cortes domésticas no julgamento das causas que lhes são submetidas, tanto quanto o direito interno. No direito positivo brasileiro, a propósito, as diversas referências da Constituição às normas internacionais, como a cláusula de abertura para o direito internacional (artigo 5º, § 2º), o cabimento de recurso especial contra decisão que contrarie tratado (artigo 105, inciso III, alínea “a”) e as hipóteses de competência dos juízes federais relacionadas a tratados (artigo 109, incisos III, V e V-A) (BRASIL, 1988), apenas para citar algumas, deixam fora de qualquer dúvida a força jurídica do direito internacional. 2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO DIREITO INTERNACIONAL É lugarcomum dizer que a característica mais marcante do direito internacional é a sua descentralização, isto é, a ausência de aparatos executivo, legislativo e judicial nos mesmos moldes das ordens jurídicas nacionais. Como se costumava dizer, a sociedade internacional não tem legislador, nem juiz, nem polícia. Diante dessa carência orgânica, sempre se esperou que as cortes nacionais exercessem uma função dual, tanto nacional quanto internacional, compensando a ausência de um poder judiciário global com jurisdição obrigatória. O papel das cortes nacionais no julgamento das causas internacionais é pressuposto pela antiga norma costumeira que impõe o esgotamento dos recursos internos para que uma demanda seja admitida em um tribunal internacional. Tal norma – que existe na forma que conhecemos hoje desde o século XIX (CANÇADO TRINDADE, 1978, p. 159) – atribui aos órgãos judiciais internos a competência primária para o julgamento das disputas internacionais, o que os tornaria, segundo alguns autores, os verdadeiros “juízes naturais do direito internacional” (TZANAKOPOULOS, 2010). A ideia de que as cortes domésticas exercem uma função dual tornou- se muito conhecida depois da elaboração, no entre guerras, da teoria do “desdobramento funcional” (dédoublement fonctionnel), por Georges Scelle. In�uenciado pela doutrina da pluralidade de ordens jurídicas de Léon Duguit (CASSESE, 1990, p. 223-225), Scelle defendia que o direito internacional é marcado, mais do que qualquer sistema jurídico, por um fenômeno especí�co: a possibilidade de um mesmo agente ter competências e vinculações perante duas ordens jurídicas. Em suas palavras (1956, p. 331): Ce phénomène pourra se dé�nir ainsi: les agents dotés d’une compétence institutionnelle ou investis par un ordre juridique utilisent leur capacite “fonctionnelle” telle qu’elle est organisée dans l’ordre juridique qui les a institués, mais pour assurer l’efficacité des normes d’un autre ordre juridique privé des organes nécessaires à cette réalisation, ou n’en possédent que d’insuffisants. Nessa perspectiva, os agentes estatais, sem deixarem de sê-lo, operam como atores nacionais sempre que atuam dentro dos sistemas nacionais (no interesse dos seus Estados), mas o�ciam como se fossem atores internacionais quando agem no sistema internacional, para concretizar valores da comunidade global. As autoridades das ordens jurídicas estatais, assim, utilizam a sua capacidade institucional para dar e�cácia ao direito internacional, que não possui os órgãos su�cientes para a sua realização. E esse desdobramento funcional ocorreria não apenas nas funções legislativa e executiva, mas também na judicial: o julgamento de uma causa à luz de uma norma internacional, para Scelle, “constitui um verdadeiro julgamento internacional”, ainda que realizado por juízes nacionais. Uma compreensão parecida também pode ser vista em um célebre contemporâneo de Scelle: Hersch Lauterpacht. Para o ex-juiz da Corte Internacional de Justiça, os juízes domésticos, quando atuam em matéria internacional são “os órgãos da comunidade internacional” (1929, p. 92). Logo, nessa condição, as cortes nacionais teriam alguns deveres. Primeiro, de interpretar a legislação de modo a reduzir as possibilidades de con�ito com a ordem jurídica internacional. Segundo, de imparcialidade nas causas de interesse do seu país. Terceiro, de tratar os Estados estrangeiros e os seus súditos com elevada cortesia e consideração. E quarto, de minuciosamente conhecer e tratar as questões de direito internacional sob sua apreciação. Merece registro o fato de que Lauterpacht parece endossar a esperança de que “no futuro as cortes domésticas se tornariam porta-vozes con�áveis do direito internacional como divisões locais da Alta Corte das Nações” (1929, p. 93). Essa esperança também pode ser notada na obra de outros internacionalistas. Em trabalho publicado em 1964, Richard Falk sustentou que os tribunais internos deveriam ter garantia de independência para julgar as causas internacionais, já que “tribunais puramente internacionais não estão convenientemente disponíveis para a apresentação de disputas de direito internacional”. Dentre vários argumentos apresentados a favor da independência dos juízes nacionais para julgar essas causas, Falk mencionou que “cortes domésticas podem educar o público sobre o caráter e a importância do direito internacional escrevendo decisões nesta área” (1964, p. 441-442). Outra ideia comum entre os juristas internacionalistas, e que também aparece em Falk, era a de que os tribunais domésticos, por serem órgãos independentes do Poder Executivo, e supostamente alheios à sua in�uência, poderiam aplicar o direito internacional livres das injunções da política (BENVENISTI, 1993, p. 161). Acreditava-se que os juízes nacionais aplicariam as normas jurídicas internacionais mesmo que isso os colocasse em rota de colisão com os demais poderes. De modo semelhante, Elihu Lauterpacht defendeu a possibilidade de utilização da estrutura das cortes domésticas para a implementação de obrigações internacionais, especialmente aquelas decorrentes de decisões adotadas por organizações internacionais (1971). Depois de considerar algumas defesas que poderiam ser suscitadas nos tribunais domésticos contra a execução de uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas, pontuou que “é apropriado esperar assistência positiva do Estado envolvido”. Nesse sentido, Lauterpacht sustentou que as próprias decisões das organizações internacionais devem contemplar a perspectiva de sua implementação por meio das cortes nacionais e apelar aos Estados que garantam que tais procedimentos sejam bem-sucedidos, ainda que seja necessária a aprovação de leis que tornem tais execuções possíveis. E conclui: “pedir isso aos Estados não é irrazoável” (1971, p. 62). A promessa, então, estava feita. Os juízes e tribunais internos seriam as verdadeiras cortes internacionais, responsáveis pela aplicação imparcial e coercitiva das normas jurídicas internacionais, o que resolveria as di�culdades decorrentes da descentralização do direito internacional. Ainda hoje, mesmo depois da multiplicação dos tribunais internacionais ocorrida nas últimas três décadas, a ordem jurídica internacional é, comparada com as ordens nacionais, bastante descentralizada, tendo em vista a existência de poucos de órgãos competentes para exercer as funções legislativa e executiva e, sobretudo, de um órgão judicial central com jurisdição obrigatória para resolver, à luz do direito internacional, qualquer causa entre Estados, organizações internacionais, empresas e indivíduos. Além disso tudo, as cortes domésticas têm sido chamadas com cada vez mais frequência a resolver questões jurídicas internacionais, sobretudo em razão do aumento da interdependência dos Estados e a expansão do escopo do direito internacional, notadamente em matéria de direitos humanos (TZANAKOPOULOS, 2010, p. 155). Veremos, adiante, se esses tribunais estão cumprindo adequadamente essa função. Antes, porém, exploraremos as possibilidades de atuação dos órgãos judiciais internos no âmbito do direito internacional. à 2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS CORTES NACIONAIS As cortes nacionais podem atuar no direito internacional aplicando-o, criando-o ou implementando decisões de cortes e organizações internacionais. 2.4.1 Aplicação do direito internacional Algumas vezes, a aplicação do direito internacional pelos juízes e tribunais domésticos dá-se de modo exatamente igual ao que já acontece no trabalho rotineiro desses órgãos na aplicação do direito interno. Essa aplicação pode ser direta ou indireta. A primeira ocorre quando o direito internacional fornece a solução a ser dada a um litígio (norma material) ou o esquema procedimental a ser seguido (norma processual). É o que ocorre quando um juiz reconhece a isenção tributária dos rendimentos percebidos por um funcionário de uma organização internacional com base em um acordo de sede ou quando observa um procedimento delineado em um tratadode cooperação internacional. A aplicação é indireta quando o direito internacional não de�ne diretamente a solução ou o procedimento aplicável ao caso, mas fundamenta o afastamento de uma norma do direito interno. Quando uma norma interna é incompatível com o direito internacional, as cortes domésticas têm a obrigação de não a aplicar, a �m de que seja evitada a responsabilidade internacional do Estado. No sistema interamericano, por exemplo, a Corte IDH desenvolveu a doutrina do controle de convencionalidade, segundo a qual as autoridades judiciais e administrativas dos Estados Partes têm a obrigação de realizar o exame de compatibilidade dos atos internos com o corpus juris interamericano9. As cortes domésticas devem, por conseguinte, fazer o controle judicial dos atos dos demais poderes à luz do direito internacional, prática que não se diferencia em essência daquilo que fazem ordinariamente com fundamento no direito interno. Outras vezes, porém, os juízes e tribunais nacionais aplicam o direito internacional de modo diferente daquele com que estão acostumados a fazer, o que ocorre especialmente nas causas que afetam diretamente as relações entre os atores internacionais. Nessas situações as cortes domésticas atuam como mandatárias da comunidade internacional. O primeiro e mais eloquente exemplo dessa modalidade de aplicação do direito internacional dá-se no âmbito da jurisdição universal, que é a faculdade atribuída pelo DIP às cortes nacionais de julgar determinadas categorias de crimes graves, ainda que tenham sido cometidos fora do seu território ou por não nacionais. A ideia de jurisdição criminal universal remonta a Grócio, que a�rmava que os Estados tinham o dever de punir ou entregar os piratas (aut dedere aut judicare), desde que tivessem sido presos em seu território ou em alto mar. Depois da Segunda Guerra Mundial, os crimes de guerra, genocídio e crimes contra a humanidade também começaram a ser considerados por alguns Estados como sujeitos à jurisdição universal. O caso Eichmann, no qual foi julgado o criminoso de guerra nazista acusado de ser o arquiteto da Solução Final, é um exemplo clássico. Na ocasião, a Suprema Corte de Israel declarou emblematicamente (SUPREMA CORTE DE ISRAEL, 1962): Not only do all the crimes attributed to the appellant bear an international character, but their harmful and murderous effects were so embracing and widespread as to shake the international community to its very foundations. e State of Israel therefore was entitled, pursuant to the principle of universal jurisdiction and in the capacity of a guardian of international law and an agent for its enforcement, to try the appellant. at being the case, no importance attaches to the fact that the State of Israel did not exist when the offences were committed. Diversos tratados aprovados no século XX passaram a atribuir jurisdição universal, como a Convenção única sobre Entorpecentes, de 30 de março de 1961, a Convenção contra a tortura e outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes, de 10 de dezembro de 1984, e a Convenção para a proteção de todas as pessoas contra o desaparecimento forçado, de 20 de dezembro de 2006, apenas para citar alguns exemplos. Essas hipóteses, hoje, suscitam pouca controvérsia. Situação diversa ocorre quando cortes nacionais passam a invocar jurisdição universal para julgar determinados crimes sem que o autor do fato esteja em território sob sua jurisdição (jurisdição universal in absentia). Alguns Estados, como a Espanha e a Bélgica, chegaram a adotar, por um tempo, leis de jurisdição universal in absentia, no que foram extremamente criticados (RAMOS, 2015, p. 293). Foi do Reino da Bélgica, por exemplo, que partiu o mandado de prisão do Ministro das Relações Exteriores do Congo, Abdulaye Yerodia Ndombasi, e o pedido de extradição do ex-ditador do Chade, Hisséne Habré, com fundamento na jurisdição universal in absentia. Ambos resultaram em disputas na CIJ10. Embora em nenhuma das ocasiões esta não tenha se pronunciado expressamente sobre a validade da jurisdição universal invocada pela Bélgica, o então juiz Francisco Rezek manifestou em seu voto individual no caso Yerodia que “não existiria nenhuma regra costumeira [sobre jurisdição universal in absentia] em estado embrionário a ser prestigiada pela Corte” (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2002). No caso Habré, a CIJ chegou a a�rmar que a obrigação aut dedere aut judicare somente existe quando expressamente prevista em tratado (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2012). Em matéria de jurisdição universal em matéria civil, costuma ser lembrado o antigo Alien Tort Statute (ATS) dos EUA, que atribui às cortes federais jurisdição sobre qualquer ação civil de estrangeiro por dano praticado em violação ao direito das gentes ou a tratado de que os EUA sejam parte. Não obstante diversos precedentes, começando pelo caso Filártiga v. Peña-Irala (SEGUNDO CIRCUITO DE CORTES DE APELAÇÃO ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1980), tenham estabelecido alguns limites à sua aplicação, o fato é que o ATS não exige que o dano tenha sido cometido no território norte-americano ou por um nacional norte-americano, e assim tem sido aplicado pelas cortes estadunidenses (DONOVAN; ROBERTS, 2006, p. 146). Essa hipótese de competência extraterritorial em matéria civil, que também já tem sido adotada em outros lugares além dos EUA, ora é criticada por ser um excesso de jurisdição, ora é saudada como um precedente para a jurisdição universal em matéria civil (ROBERTS, 2011, p. 76). De toda sorte, não sem bastante controvérsia, alguns autores têm sustentado a existência de uma forma embrionária de costume internacional de jurisdição civil universal para a imposição de reparação de danos decorrentes de crimes contra os direitos humanos (DONOVAN; ROBERTS, 2006, p. 153). Além da jurisdição universal, podem ainda ser mencionadas as seguintes causas que fogem ao trabalho ordinário das cortes domésticas e têm potencial de impactar diretamente a política exterior: disputas que envolvem imunidade de jurisdição, expropriação (apropriação estatal de propriedade privada sem indenização), direitos humanos (quando a alegada violação é praticada por Estado estrangeiro) e uso da força (legalidade de medidas coercitivas). Nessas situações, os tribunais nacionais podem ser provocados a examinar a compatibilidade de atos estatais com o direito internacional, como se fossem verdadeiros tribunais internacionais. 2.4.2 Criação do direito internacional A atuação das cortes domésticas, eventualmente, pode implicar mais do que a simples aplicação das normas jurídicas internacionais, mas resultar também na própria criação de normas dessa natureza11. A função de criação do direito internacional das cortes nacionais pode se dar de duas formas: como evidência da prática estatal necessária para a con�guração do costume internacional e como meio subsidiário da determinação das normas do direito internacional. O costume internacional é uma prática geral, uniforme e reiterada das pessoas internacionais, reconhecida como juridicamente exigível. O art. 38 do Estatuto da CIJ de�ne-o como a “prova de uma prática geral aceita como sendo o direito”. O costume internacional, por conseguinte, é formado por dois elementos: um material ou objetivo, que é a prática generalizada, uniforme e reiterada (chamado de inveterada consuetudo ou de State practice); e outro psicológico ou subjetivo, que é a convicção de que essa prática é juridicamente obrigatória (opinio juris et necessitatis). Nesse sentido, as decisões das cortes nacionais, como órgãos do Estado, podem ser utilizadas como evidências da prática estatal necessária para a formação do costume internacional (BROWNLIE, 2008, p. 6; SHAW, 1991, p. 70). A norma costumeira da imunidade de jurisdição é um exemplo claro desse papel dos tribunais domésticos: foram as cortes nacionais que começaram, no início do século XIX, a reconhecer a imunidade de navios, embaixadores e chefes de Estado (o caso paradigmático aqui é o eSchooner Exchange v. McFaddon, de 1812) (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1812); em meados do século XX, tribunais de Estados – sobretudo da Itália e da Bélgica – começaram a adotar a distinção entre atos jure imperii e atos jure gestionis. Quando a Convenção das Nações Unidas sobre as imunidades jurisdicionais dos Estados e dos seus bens foi adotada em 2004, já não havia controvérsia acerca da existência da norma costumeira de imunidade de jurisdição. A Corte Internacional de Justiça, aliás, adota como método para veri�cação da existência da prática estatal a investigação de julgamentos de tribunais internos, como fez expressamente no caso das Imunidades Jurisdicionais do Estado (Alemanha v. Itália com intervenção da Grécia) (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2012). O Esboço de Conclusões sobre a Identi�cação do Direito Costumeiro Internacional, da Comissão de Direito Internacional, também reforça esse papel das cortes domésticas ao apontar que as “formas de prática estatal incluem [...] decisões de cortes nacionais” (NAÇÕES UNIDAS, 2018). Além de servir como evidência da prática estatal necessária para a con�guração do costume internacional, as decisões dos tribunais internos também constituem meio auxiliar para determinação de direito. Vários internacionalistas que entendem que o artigo 38 (d) do Estatuto da CIJ (BRASIL, 1945), ao se referir a “decisões judiciárias”, abrange não apenas as decisões das cortes internacionais, mas também das internas (BROWNLIE, 2008, p. 23; HIGGINS, 1995, p. 208; SHAW, 1991, p. 90). Na prática, não é raro que decisões nacionais sejam invocadas como evidência do conteúdo de normas internacionais. Alguns julgamentos internacionais célebres demonstram cabalmente isso: no caso Lótus, a CPJI considerou diversas decisões nacionais para determinar os limites da jurisdição territorial (CORTE PERMANENTE DE JUSTIÇA INTERNACIONAL, 1926); no caso Furundzija, o TPII amparou-se em decisões nacionais para concluir pela natureza de jus cogens da proibição da tortura e pela ligação entre normas de jus cogens e jurisdição universal (TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL PARA A EX-IUGOSLÁVIA, 1998); no já citado caso Yerodia (Mandado de prisão de 11 de abril de 2000), a CIJ analisou as decisões dos casos Pinochet (Reino Unido) e Qadaffi (França) para investigar a regra da imunidade dos Ministros das Relações Exteriores; e no caso Alemanha v. Itália com intervenção da Grécia, houve menção a diversas decisões de cortes domésticas sobre imunidades jurisdicionais dos Estados, inclusive do Brasil (CORTE INTERNACIONAL DE JUSTIÇA, 2012). 2.4.3 Implementação das decisões das cortes e organizações internacionais Os tribunais nacionais também podem ser chamados a cumprir decisões de cortes e organizações internacionais. No DIP, as sentenças das cortes internacionais são obrigatórias para os Estados que são partes do processo, mesmo quando a jurisdição é facultativa, como ocorre com a CIJ (artigo 59 do ECIJ) (BRASIL, 1945) e com a Corte IDH (art. 68.1 da CADH) (BRASIL, 1992). Assim, por força dos princípios da boa fé e do pacta sunt servanda (artigo 26 da CVDTE) (BRASIL, 2009), bem como do estoppel (vedação ao comportamento contraditório), os Estados são obrigados a adimplir as sentenças das cortes internacionais cuja competência tenham expressamente reconhecido. Ademais, não se admite a escusa da obrigação com a invocação de disposições do direito interno (artigo 27 da CVDTE). Nessas situações, sem prejuízo de algum espaço para a interpretação do comando judicial internacional, não há nada que as cortes domésticas, na condição de órgãos estatais, possam fazer que não efetivamente cumpri-lo, sob pena de responsabilidade internacional do Estado. No contexto do sistema interamericano de direitos humanos, o papel das cortes domésticas na implementação das decisões da Corte Interamericana é ainda mais abrangente, devido à obrigação de realizar o controle de convencionalidade. Segundo essa doutrina, o exame de compatibilidade dos atos internos com o corpus juris interamericano deve utilizar como parâmetro não apenas os tratados de direitos humanos, mas também a interpretação que lhes dá a Corte12. O objetivo do controle de convencionalidade é a adaptação, pelas autoridades locais, dos atos internos aos padrões interpretativos estabelecidos pela Corte IDH, evitando-se, assim, que os Estados Partes sejam demandados perante a Corte em razão de questões já consolidadas em sua jurisprudência, o que tem por �nalidade a economia processual e a prevenção de responsabilidade internacional13. Essa função de implementação das decisões das cortes internacionais abre um interessante espaço para o diálogo transjudicial. É que as cortes nacionais, ainda que estejam vinculadas à sentença do tribunal internacional, não estão impedidas de exteriorizar eventuais discordâncias. Dessa maneira, ao entabular um diálogo crítico, as cortes podem aprender umas com as outras, resultando no aperfeiçoamento dos órgãos judiciais internacionais que, como ressaltou Victor Abramovich, “devem tomar devida nota dessas opiniões a �m ajustar e aperfeiçoar suas decisões” (ABRAMOVICH, 2007, p. 6-7)14. As cortes domésticas igualmente podem ser chamadas a implementar decisões de organizações internacionais. Na União Europeia, por exemplo, os regulamentos e as diretrizes gozam de aplicabilidade imediata, isto é, obrigam os seus destinatários independentemente de prévia incorporação ao direito interno, e de efeito direto, ou seja, podem ser invocados pelos particulares e devem ser aplicados pelos tribunais domésticos (artigo 288 do Tratado de Funcionamento da União Europeia) (UNIÃO EUROPEIA, 2007). No Mercosul, as decisões emanadas do Conselho do Mercado Comum, do Grupo do Mercado Comum e da Comissão de Comércio do Mercosul têm caráter obrigatório, mas, diferentemente do que ocorre na União Europeia, “deverão, quando necessário, ser incorporadas aos ordenamentos jurídicos nacionais mediante os procedimentos previstos pela legislação de cada país” (artigo 42 do Protocolo de Ouro Preto) (BRASIL, 1996). Também são obrigatórias as decisões do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nos termos do artigo 25 da Carta, “os Estados Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança” (BRASIL, 1945). No Brasil, tais resoluções “são dotadas de executoriedade imediata”, conforme preceitua o artigo 6º da Lei Federal nº 13.810, de 8 de março de 2019, sendo que a lei veda expressamente “aos órgãos dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e às entidades da administração pública indireta” o descumprimento das sanções impostas pelas resoluções sancionatórias do Conselho de Segurança (BRASIL, 2019). à 2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA A elevada expectativa criada sobre a atuação das cortes nacionais no direito internacional, entretanto, não foi atendida. O direito internacional continua sendo visto como um ramo distante e estranho para os juízes nacionais, que com ele mantêm uma relação problemática. Como sugere Galindo, recorrendo à mitologia grega, as ordens jurídicas domésticas são como Perseu que, para evitar olhar diretamente a face horrenda da Medusa (o direito internacional), recorrem a um espelho, que seria “o subterfúgio, a vacilação, o desconforto, a abstenção, o fechamento e o desvio no trato das questões relativas ao Direito Internacional” (2002, p. 365). Essa resistência tem sido percebida nas três funções das cortes domésticas no direito internacional aqui destacadas (aplicação, criação e implementação). Quanto à função de aplicação do direito internacional, há evidências de que, contrariando a esperança de que as normas jurídicas internacionais seriam aplicadas de modo imparcial e independente pelos tribunais domésticos, estes adotaram uma postura marcante de deferência aos demais poderes. Consolidou-se uma ideia de que as questões jurídicas internacionais, devido à sua estreita conexão com a política exterior, são mais bem resolvidas pelo Executivoe pelo Legislativo. No seu estudo comparativo realizado nos anos 1990, Eyal Benvenisti identi�cou essa tendência de autocontenção das cortes domésticas em relação aos outros poderes, o que se daria de três modos. Primeiro, os juízes e tribunais nacionais tendem, mesmo diante de autorizados entendimentos doutrinários em sentido diverso, a interpretar restritivamente as disposições constitucionais sobre o status do direito internacional em relação ao direito interno. Segundo, os tribunais domésticos buscam evitar con�itos com a linha de política externa desenvolvida pelo Poder Executivo, o que é feito por meio da deferência às posições desse poder na interpretação das normas jurídicas internacionais. Tende-se, por exemplo, a seguir o que o Executivo diz a respeito da e�cácia dos tratados e das decisões das organizações internacionais (se são ou não self-executing). E, terceiro, as cortes nacionais criam as chamadas “doutrinas ou técnicas de evitação”, moldadas exatamente para afastar a incidência do DIP sobre as causas submetidas à sua apreciação (Eyal Benvenisti, 1993). O papel das doutrinas ou técnicas de evitação é crucial. Algumas dessas doutrinas são tidas como arti�ciais, incoerentes e contrárias às correntes doutrinárias majoritárias. Para Lea Brilmayer, alguns raciocínios jurídicos revelam mais do que uma legítima autocontenção judicial (ou, na terminologia constitucionalista, virtude passiva), mas “algo que às vezes parece quase uma reação alérgica para qualquer coisa internacional” (1991, p. 2291)15. A literatura destaca as seguintes técnicas de evitação: imunidade de jurisdição (a justiça de um Estado não pode julgar outro Estado); doutrina do ato de Estado (as cortes locais são proibidas de apreciar a legalidade de atos internos de Estados estrangeiros); standing doctrine (o autor deve demonstrar ter sofrido um dano jurídico e que pode ser reparado por meio de uma ação judicial); doutrina das questões políticas (dever de não intervenção judicial nos outros poderes); e tratados não autoexecutáveis (segundo a qual tratados não autoexecutáveis não podem ser aplicados) (BENVENISTI, 1993, p. 169; BRILMAYER, 1991, p. 2285-2286; GALINDO, 2002, p. 387-402). Além da resistência das cortes domésticas à sua função de aplicação do direito internacional, há também registros de fechamento desses tribunais para a sua função criadora. No caso Jones (CASA DOS LORDES DO REINO UNIDO, 2006), em que a Casa dos Lordes do Reino Unido aceitou a invocação da imunidade de Estado estrangeiro em um caso de tortura, um dos juízes deixou expressa a sua oposição ao papel criador do direito internacional pelos tribunais nacionais. Admitindo que o sopesamento de princípios (da imunidade de jurisdição e da proibição de tortura, no caso) é uma técnica básica de julgamento, o lorde Hoffmann negou que tal procedimento pudesse ser aplicado às normas jurídicas internacionais, porquanto não é dado a um tribunal nacional adotar uma versão do direito internacional que não é aceita pelos demais Estados. Em suas palavras: It is not for a national court to ‘develop’ international law by unilaterally adopting a version of that law which, however desirable, forward-looking and re�ective of values it may be, is simply not accepted by other states Finalmente, exemplos de resistência das cortes nacionais à implementação de decisões de cortes e organizações internacionais, por sua vez, são abundantes. Pesquisas empíricas realizadas no âmbito do sistema interamericano de direitos humanos têm demonstrado uma realidade surpreendente: os tribunais domésticos têm muito menos probabilidade de implementar as sentenças proferidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos do que os demais poderes. Os Estados cumprem a maioria das sentenças que requerem ação do Poder Executivo, mas só implementam uma a cada dez decisões que demandam cumprimento pelos sistemas de justiça (HUNEEUS, 2011, p. 494-495). O cenário não é diferente quanto às decisões das organizações internacionais. Aqui também há evidências de que os órgãos judiciais internos utilizam técnicas de evitação para não se pronunciarem sobre essas decisões. Na observação aguda de Quoc Dinh, Patrick Daillier e Alain Pellet (1999, p. 341): Na ordem jurídica interna, os tribunais nacionais mostram-se embaraçados quando lhes é solicitado que apliquem decisões das organizações internacionais. À sua jurisprudência falta coerência. Com bastante frequência os tribunais internos evitarão pronunciar-se diretamente sobre o valor jurídico destes actos: sem negar abertamente o seu alcance obrigatório, eles encontrarão subterfúgios processuais para não terem de os tomar em consideração. Essa intuição foi con�rmada empiricamente por Paul Hellyer (2007), que identi�cou 36 decisões judiciais norte-americanas com referências a resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas, sendo que nenhuma delas pareceu considerar o ato revestido de autoridade vinculante, mesmo quando fundamentado no Capítulo VII da Carta. Mas, por que essa aversão das cortes nacionais ao direito internacional? Pensar que a resposta está apenas no sistema adotado na relação do direito interno com o direito internacional (monista ou dualista) seria ignorar a complexidade da questão (GALINDO, 2002, p. 370; HIGGINS, 1995, p. 206). Ainda que seja razoável esperar que Estados que adotam o sistema monista sejam mais abertos para as normas jurídicas internacionais, há diversas ordens nacionais monistas que são reconhecidamente fechadas para o direito internacional, sendo os EUA o mais notório exemplo. Para Brilmayer, no sistema judicial norte-americano, tudo depende de como a demanda é articulada perante as cortes. Se a causa envolver uma disputa entre Estados (que a autora chama de “horizontal”), como aquelas que versam sobre reconhecimento de Estado, soberania territorial e legalidade de hostilidades internacionais, terá pouca probabilidade de ser admitida por um tribunal. Se, porém, a causa for apresentada com base em direitos individuais, como nas questões de jurisdição extraterritorial, expropriação e direitos humanos (uma demanda “vertical”, portanto), possivelmente será conhecida pelos tribunais (1991). A causa da resistência das cortes norte-americanas em conhecer de causas internacionais horizontais seria, segundo a autora, o fato de que essas demandas apresentam peculiaridades em relação as demais com que os juízes estão habituados a lidar. Essas causas teriam uma particular estrutura subjetiva (disputas entre entes estatais) e se fundariam em fontes normativas especí�cas (direito natural ou consentimento dos Estados, despidas de caráter vinculante incontroverso). Tais características tornariam a política e a diplomacia, e não o direito, as arenas mais apropriadas para a sua resolução, o que levaria os juízes a se absterem de apreciá-las (BRILMAYER, 1991, p. 2306). Apesar de oferecer insights interessantes, essa abordagem limita-se a descrever o problema (“as cortes norte-americanas não costumam admitir disputas horizontais”), sem, entretanto, oferecer maiores explicações sobre as suas causas. Os próximos capítulos pretendem demonstrar que os juízes federais do Distrito Federal também apresentam essa aversão ao direito internacional observada em outros sistemas judiciais. Também são exploradas as principais estratégias utilizadas pelos julgadores e feitas algumas re�exões sobre as possíveis causas desse comportamento. 4 A respeito do lugar dos tribunais no sistema do direito, v. LUHMANN, 2016, p. 397-450. Sobre o papel dos tribunais internacionais, v. LAUTERPACHT, 1933. 5 É por isso que, como foi dito na Introdução, já se proclamou o início da era pós-ontológica do direito internacional (FRANCK, 1995, p. 6). 6 O apanhado aqui apresentado sobre as principais objeções à juridicidade do direito internacional e as respostas oferecidas pela doutrina internacionalista bene�ciou-se das contribuições de Hildebrando Accioly (2009, v. 1, p. 32-36), Celso Duvivier de Albuquerque Mello (2011. v. 1, p. 115-119);André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros (2001, p. 53-54) e Malcolm Shaw (1991, p. 6-10). 7 Exemplo de teoria que dá essa abordagem ao direito internacional é aquela contida no livro “e Limits of International Law”, de Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner, publicado em 2005, e que será objeto de algumas re�exões do capítulo cinco. 8 O papel da reputação no respeito ao DIP será retomado no capítulo cinco. 9 Sobre o controle de convencionalidade no sistema interamericano de direitos humanos, v. BAZÁN, 2013, p. 569-598. 10 Caso do Mandado de Prisão de 11 de abril de 2000 (República Democrática do Congo v. Bélgica) e Caso das Questões relativas à Obrigação de Processar ou Extraditar (Bélgica v. Senegal). 11 Não nego, porém, que toda aplicação também tem a sua dimensão criativa, e vice-versa. Kelsen a�rmava que “[a] criação de Direito é sempre aplicação de Direito. Estes dois conceitos não são, de modo algum, como presume a teoria tradicional, opostos absolutos. [...] todo ato é, normalmente, ao mesmo tempo, criador de Direito e aplicador de Direito” (KELSEN, 2005, p. 193). A palavra “criação” na terminologia kelseniana, no entanto, tem sentido mais restrito: um juiz que aplica o direito, por exemplo, cria a norma do caso concreto. 12 Alguns julgamentos em que a Corte IDH mencionou o dever de controle de convencionalidade: Caso Myrna Mack Chang v. Guatemala (2003), Caso Tibi v. Equador (2004), Caso López Álvarez v. Honduras (2006), Caso Vargas Areco v. Paraguai (2006), Caso Almonacid Arellano e outros v. Chile (2006) e Caso Gelmán v. Uruguai (2011). 13 Uma questão diversa, mas que escapa do objeto deste trabalho, é se o modelo do controle de convencionalidade é o melhor para regular a relação entre a Corte Interamericana e os órgãos judiciais internos. Galindo destaca que a doutrina do controle de convencionalidade implica a adoção de um modelo hierárquico que, em certas situações, pode se tornar insustentável (2014). 14 Algumas re�exões sobre o tema foram feitas pelo autor em Silva, 2021. 15 Tradução livre. No original: “e familiar ‘passive virtues’ rhetoric reveals a general philosophy of judicial modesty that goes beyond speci�c doctrinal limitations to what sometimes seems almost an allergic reaction to anything international”. CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO DIREITO INTERNO 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Apesar da elevada expectativa nutrida pelos juristas internacionalistas, especialmente no período entre guerras, os tribunais nacionais não assumiram o seu esperado papel de aplicadores independentes e imparciais do direito internacional. Ao revés, pesquisas realizadas em diversos sistemas judiciais do mundo constataram uma marcante tendência dessas cortes a evitar a resolução das questões jurídicas internacionais (BENVENISTI, 1993; BRILMAYER, 1991; GALINDO, 2002; HELLYER, 2007; HUNEEUS, 2011). Os resultados desta pesquisa con�rmam a existência dessa tendência também no Brasil. A partir da análise de decisões proferidas por juízes federais do Distrito Federal, veri�cou-se que esses julgadores se esquivam do direito internacional e uma das estratégias mais utilizadas para esse �m é simplesmente não se pronunciar sobre os argumentos de caráter jusinternacionalista suscitados pelas partes e resolver a causa com recurso unicamente ao direito interno. Esse comportamento, conforme se averiguou, está diretamente ligado ao baixo grau de conhecimento das normas jurídicas internacionais de que são dotados os juízes federais do DF. Logo, como os julgadores não dominam o direito internacional no mesmo nível em que conhecem os demais ramos do direito, a sua atitude natural é evitar se pronunciarem sobre aquele, buscando decidir as demandas com a utilização exclusiva destes. Essa postura pode ser explicada, em grande medida pelo fator “aversão ao esforço e cansaço” que, como veremos adiante, também exerce in�uência sobre o comportamento judicial, sobretudo em um contexto de elevada carga de trabalho. O objeto do presente capítulo, portanto, é a análise desse comportamento dos juízes federais do Distrito Federal. Para tanto, em primeiro lugar, serão apresentadas as evidências da fuga do direito internacional e a resolução de questões unicamente com recurso ao direito interno. Em segundo lugar, serão examinados os achados sobre o baixo grau de conhecimento de DIP dos juízes federais do Distrito Federal. Em terceiro lugar, será analisada a de�ciência na formação dos juízes – e dos bacharéis em Direito, em geral – no campo do direito internacional. Em quarto lugar, será objeto de análise a relação entre o baixo conhecimento das normas jurídicas internacionais e a sua evitação, à luz da teoria do juiz como participante de um mercado de trabalho, notadamente quanto ao fator aversão ao esforço e cansaço. Por �m, serão feitas algumas re�exões sobre por que estudar o direito internacional e quais as medidas que podem ser tomadas para suprir o dé�cit de conhecimento do DIP dos juízes brasileiros. 3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO INTERNACIONAL Durante a pesquisa, foram analisadas 101 sentenças e decisões interlocutórias proferidas por juízes federais lotados no Distrito Federal, entre 2011 e 2020, sobre temas relativos ao direito internacional. Em cerca de 42 sentenças/decisões há algum pronunciamento sobre normas jurídicas internacionais. A maioria dessas manifestações foi sobre normas convencionais e costumeiras sobre imunidade dos Estados e das organizações internacionais (11 sentenças/decisões)16, normas internacionais em matéria tributária (10 sentenças/decisões) e normas e precedentes sobre direitos humanos (10 sentenças/decisões). Chamou especialmente a atenção o fato de que em mais de duas dezenas de casos havia, em tese, a incidência direta de normas jurídicas internacionais, sem que houvesse sobre elas qualquer pronunciamento dos juízes. Essas causas eram basicamente sobre direitos de migrantes e de refugiados, isenção tributária de rendimentos pagos por organização internacional, bitributação internacional, violações a direitos humanos praticadas durante a ditadura militar, sanções previstas em resolução do Conselho de Segurança e regras do Mercosul. Em alguns desses casos, as partes expressamente solicitaram aos julgadores que se manifestassem sobre o aspecto jurídico-internacional dos litígios, no que foram ignorados. Por exemplo, o Ministério Público Federal (MPF) propôs uma ação civil pública (ACP) almejando a condenação do Presidente da República a designar membros do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e do Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura17. O autor invocou normas legais internas, mas também diversos compromissos jurídicos internacionais, como a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura e o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes. O julgador fundamentou a decisão de indeferimento do pedido de tutela provisória de urgência exclusivamente na natureza discricionária dos atos administrativos, omitindo-se quanto às normas internacionais mencionadas pela parte autora. Da mesma forma, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) ajuizou ação em que pediu o reconhecimento da sua imunidade tributária, invocando, entre outros fundamentos jurídicos, o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil, de 13 de novembro de 2008, promulgado no Brasil pelo Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 201018. Esse acordo reconhece expressamente o direito das pessoas jurídicas da Igreja Católica que exerçam atividade social e educacional sem �nalidade lucrativa ao mesmo tratamento e benefícios outorgados às entidades �lantrópicas reconhecidas pelo ordenamento jurídico brasileiro, inclusive, em termos de requisitos e obrigações exigidos para �ns de imunidade e isenção tributária (artigo 15, § 1º). Ao decidiro pedido de tutela provisória de urgência, o juiz apenas se referiu às normas constitucionais que amparavam o direito alegado pela parte autora, sem fazer qualquer menção à norma internacional. Situação semelhante veri�cou-se em ação proposta pelo Sindicato das Indústrias de Pesca e das Empresas Armadoras e Produtoras, Proprietárias de Embarcações de Pesca Industrial do Estado do Pará, na qual se buscava a exoneração da obrigação das empresas associadas de utilizarem em suas embarcações um dispositivo para proteção de tartarugas marinhas19. O Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) opôs-se ao pedido do sindicato e sustentou que a obrigação era prevista na Convenção Interamericana para a Proteção e a Conservação das Tartarugas Marinhas, mas a sentença apenas fez alusões às normas internas que preveem referida obrigação ambiental. Em um processo em que uma empresa alegava a incompatibilidade de um tributo com uma obrigação prevista no GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio ou, em inglês, General Agreement on Tariffs and Trade), a sentença não contém uma palavra sobre a questão20. Para resolver o litígio, o ato decisório resumiu-se a transcrever a ementa de um precedente do Tribunal Regional Federal da 1ª Região que, também sem enfrentar diretamente o problema jurídico, apenas declarou genericamente a recepção do tributo em questão pela nova ordem constitucional e a�rmou que o art. 98 do Código Tributário Nacional (que confere supremacia aos tratados tributários em face da legislação) restringe-se aos tratados-contrato. A vacilação em tocar questões de direito internacional chega ao ponto de se evitar, em alguns casos, manifestações sobre a imunidade de Estados estrangeiros e de organizações internacionais. Averiguou-se que, das decisões analisadas, 21 se referiam a processos que possuíam em um dos polos entes possivelmente imunes à jurisdição brasileira. Porém, somente houve pronunciamento sobre a imunidade de jurisdição ou de execução em 11 deles. Embora não seja possível a�rmar a priori que em todos os 21 processos deveria ser reconhecida a imunidade de algum ente, chama a atenção o fato de não haver uma manifestação sequer sobre essa questão nas decisões. É interessante registrar que, em alguns casos que tinham a República de Cuba e a Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) na relação processual, a União apontou a imunidade de um deles e as sentenças somente se manifestaram sobre o ente ao qual a representação judicial da União se referiu. Há, por conseguinte, evidências razoáveis de que os juízes federais do Distrito Federal tendem a evitar a discussão sobre argumentos baseados em normas jurídicas internacionais, preferindo, em vez disso, resolver as controvérsias com fundamento em normas internas. 3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE DESCONHECIDO A análise desses dados deve ser feita com cautela. É possível que alguns desses litígios pudessem realmente ter sido su�cientemente resolvidos com as normas do direito interno, tornando, em tese, desnecessário o exame da incidência de normas internacionais. Uma técnica comumente utilizada pelos julgadores é buscar, primeiro, a norma mais concreta, mais próxima ao caso em exame, que pode ser até uma norma infralegal. Somente quando há necessidade é que se sobe a escala hierárquica das normas até chegar, por exemplo, a uma norma constitucional ou internacional. Esse raciocínio foi lembrado por um dos participantes da entrevista: “quando a gente pensa na solução de um caso, via de regra, a gente começa a pensar do mais baixo [...]. Até chegar no direito internacional, tem muita construção aí por ser feita ainda”. Por exemplo, a Lei de Migração (Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017) pode ser su�ciente para resolver causas sobre entrada, permanência e saída de migrantes, dispensando qualquer re�exão sobre o direito internacional. Essa hipótese, no entanto, não dá conta de explicar a não aplicação do direito internacional quando esse é crucial para a solução da demanda, especialmente quando ele é o principal fundamento dos direitos alegados pelas partes. Também se poderia pensar que os juízes não aplicam o direito internacional por serem fechados, por algum motivo consciente e re�etido, às normas jurídicas internacionais. Juízes que considerem o direito internacional irreal, não jurídico ou inútil naturalmente optariam por desconsiderá-lo. Esse fechamento consciente, porém, não foi con�rmado pelas entrevistas. Apenas dois participantes, quando indagados sobre a existência de peculiaridades no direito internacional, destacaram aspectos negativos (problemas com a democracia e a legitimidade). Nenhum entrevistado manifestou dúvida quanto à normatividade do DIP. De um modo geral, os entrevistados demonstraram ter o direito internacional em alta conta. Não foram raras manifestações sobre a relevância do DIP, como a do(a) participante que a�rmou que, atualmente, conhecer as normas internacionais hoje é “tão importante quanto conhecer o direito constitucional” e a do(a) entrevistado(a) que declarou que o direito internacional público é “importantíssimo, principalmente na nossa área federal”. O motivo que melhor explica o recurso ao direito interno para resolver as demandas, ignorando-se as normas jurídicas internacionais, é a baixa familiaridade dos juízes federais do DF com o direito internacional. E esse dé�cit foi con�rmado por 35 participantes (número que corresponde a 87,5% dos entrevistados), que expressamente reconheceram que o seu conhecimento de DIP é inferior ao de outros ramos do direito. Esses entrevistados de�niram o seu conhecimento de direito internacional como “o mínimo para a gente operar”, “é um motivo de vergonha, eu queria que fosse melhor”, “uma das disciplinas que eu tenho menos conhecimento”, “eu acredito que existe assim em relação ao jurista brasileiro de uma forma geral uma má formação no direito internacional. Eu acho que nós estudamos muito pouco direito internacional”. Dos 40 entrevistados, apenas três declararam estudar o DIP com profundidade semelhante à que se dedicam aos outros ramos do direito e apenas um(a) a�rmou que era especialista na disciplina, por ter mestrado na área. É interessante notar que os juízes federais, devido à sua competência constitucionalmente prevista, julgam mais causas internacionais do que os seus colegas de outros ramos do Poder Judiciário. Esse contato mais rotineiro com o direito internacional pode fazer, em tese, com que os juízes federais busquem se capacitar mais na matéria, criando uma diferença no grau do conhecimento das normas internacionais entre esses e os demais juízes. Assim, o nível de conhecimento do direito internacional entre os juízes federais deve ser, na média, mais alto do que o dos demais juízes. Con�rmando essa tendência, em pesquisa realizada por José Ricardo Cunha sobre o conhecimento acerca dos direitos humanos dos juízes de primeiro grau do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 40% dos magistrados responderam que nunca estudaram direitos humanos (2005, p. 142-143). Ademais, os juízes federais do Distrito Federal provavelmente são ainda mais expostos a causas internacionais do que os seus colegas lotados em outras unidades federativas, devido à localização da sede do governo federal e das embaixadas estrangeiras. É razoável inferir, por conseguinte, que os juízes federais do DF, com toda a de�ciência reconhecida, ainda conheçam mais o direito internacional do que os juízes federais de fora do DF. Essa baixa familiaridade com o direito internacional gera uma predisposição a evitá-lo. Nesse sentido, um(a) participante a�rmou, a respeito do DIP, que “como é uma matéria que a gente não trata no dia a dia, quando chega alguma coisa que demanda algum conhecimento disso, a impressão que eu tenho é que a gente se perde um pouco”. Chama bastante a atenção, aliás, como alguns entrevistados utilizaram expressões ligadas ao conforto/desconforto para descrever sua relação com o direito internacional. Os participantes �zeramdeclarações como “[não] me sinto confortável com o direito internacional”, “teria que comer muito feijão para me sentir confortável em direito internacional”, “gera um certo desconforto toda vez que você é chamado a ter que decidir, porque a gente não tem esse hábito quase que diário como a gente tem em outras disciplinas”. Como a�rma Rosalyn Higgins, nos sistemas judiciais em que pessoas podem até se tornar advogadas e juízas sem ter nada mais do que noções básicas do DIP, “[p]sicologicamente, isto leva tanto o advogado quanto o juiz a tratar o direito internacional como um ramo exótico do direito, para ser evitado de todo modo possível” (1995, p. 206)21. Tal percepção é convergente com os achados de Cunha, que conseguiu correlacionar, estatisticamente, a não aplicação das normas internacionais de direitos humanos ao não conhecimento dessas normas, deixando claro que “quanto maior for o nível de conhecimento dos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, maiores as chances de utilização das normativas mencionadas” (2005, p. 170). Essa correlação deve ser explorada à luz das pesquisas sobre o comportamento judicial. Antes, no entanto, convém examinar as razões dessa de�ciência na formação dos juízes. Uma boa pista está nos cursos de Direito, pois, para entender o direito internacional nas cortes brasileiras, é imprescindível compreender como essa disciplina é ensinada nas faculdades brasileiras. 3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS FACULDADES BRASILEIRAS A presença do Direito Internacional Público no ensino do Direito no Brasil é antiga: remonta ao nascimento dos cursos jurídicos brasileiros, em 11 de agosto de 1827, época em que era chamado de Direito das Gentes e Diplomacia (BRASIL, 1827). Na República, a partir de 1895, passou a ser referido como Direito Internacional Público e Diplomacia (BRASIL, 1895). A partir de 1962, o modelo do currículo único então vigente foi substituído pelo do currículo mínimo, no qual foi incluído o DIP. Em 1972, durante a ditadura militar, a disciplina foi transformada em optativa (BRASIL, 1972), voltando a se tornar obrigatória apenas em 1994, quando foi reincluída no conteúdo mínimo dos cursos jurídicos (BRASIL, 1994). Hoje, segundo a Resolução CNE/CES nº 9/2004, que regula os cursos jurídicos no Brasil, o direito internacional é conteúdo obrigatório (BRASIL, 2004). O DIP, portanto, esteve presente como disciplina ou conteúdo mínimo obrigatório em quase toda a história do ensino jurídico brasileiro. Mas isso não signi�ca que os estudantes se interessam pela disciplina. Na visão dos docentes, a resposta é negativa, conforme foi observado por Adriane Sanctis de Brito e Salem Hikmat Nasser (2017), que entrevistaram, entre 2014 e 2015, 45 professores da disciplina em cursos de graduação em Direito de quinze instituições brasileiras. Todos os professores entrevistados compartilharam a impressão de que “os alunos normalmente resistem ao direito internacional” (2017, p. 128). Essa, aliás, parece não ser uma impressão exclusiva dos professores brasileiros. Segundo o Final Report preparado pelo Committee on the Teaching of International Law da International Law Association, em 2010, apesar de todos os esforços, o direito internacional na graduação “continua na periferia dos estudos jurídicos”, situação que se explica, em grande medida, pela “falta de interesse dos estudantes” (GAMBLE; BOTHA, 2010, p. 6). Do mesmo modo, o 2020 Report do Teaching and Researching International Law in Asia (TRILA) Project indicou que a maioria dos professores de DIP “encontram di�culdades para atrair o interesse dos estudantes no assunto” (ANGHIE; REAL, 2020, p. 59). O curioso é que essa percepção dos professores não foi con�rmada pelos estudantes de Direito de quatro universidades da cidade de São Paulo que responderam a questionários aplicados por Marcel Kamiyama (2017). Dos 1.300 alunos questionados, nenhum excluiria o DIP da lista de disciplinas obrigatórias do curso de Direito, e uma parte relevante (22,3%) até aumentaria a carga horária (fração bem superior àquela dos que desejariam menos aulas de DIP, que foi de 12,9%). Além disso, indagados se se matriculariam em DIP se este fosse uma disciplina optativa, 83,6% responderam positivamente (2017, p. 91). Outra percepção dos professores que foi negada pelos alunos questionados por Kamiyama é a das concepções dos estudantes sobre juridicidade, efetividade e relevância do DIP. Na perspectiva dos professores entrevistados por Brito e Nasser, seria comum entre os alunos a ideia de que o direito internacional é menos efetivo que os demais ramos do direito. Haveria também uma tendência de os alunos considerarem o DIP uma disciplina inútil ou uma “perfumaria jurídica”, sem “concretude” ou distante da realidade das pessoas (BRITO; NASSER, 2017, p. 128-129). Entretanto, os resultados da pesquisa de Kamiyama indicam que, embora os estudantes não constituam um bloco homogêneo, há uma signi�cativa prevalência da concepção do DIP como um mediador relevante entre Estados soberanos (60,8%), como um discurso que avança valores globais (7,3%) ou como um conjunto de normas indispensável em um mundo globalizado (8,9%). O autor veri�cou que uma fração de 20,6% corresponderia a uma corrente a que chamou de “materialista-determinista”, que abrangeria visões do direito internacional como apenas uma ferramenta de opressão (2017, p. 82-88). A percepção dos professores no sentido da elevada frequência com que os estudantes resistem ao DIP e o consideram pouco efetivo pode ter sido afetado pela facilidade com que os casos de alunos com tais atitudes podem ser trazidos à mente. A Psicologia Cognitiva chama isso de “heurística de disponibilidade”, que seria um tipo de simpli�cação da complexidade da tarefa de avaliar uma probabilidade (KAHNEMAN; TVERSKY, 1974, p. 1127-1128). Recorrer à disponibilidade pode ser útil, pois as ocorrências mais frequentes geralmente são mais bem lembradas do que aquelas menos frequentes. Contudo, estudos têm indicado que a disponibilidade é comumente afetada por fatores irrelevantes, levando a erros de julgamento. No caso dos professores de DIP, é mais provável que se recordem mais facilmente de alunos que resistiram ao ensino da disciplina, do que aqueles que não o �zeram, levando a um erro na estimativa da frequência com que tal resistência ocorre. Essa falha na impressão dos professores ainda pode estar associada à famosa baixa autoestima dos juristas internacionalistas. Como diz Gerry Simpson, professores de direito internacional (com exceções, é desnecessário dizer) são inseguros e padecem de “um medo de periferia”, o que faz com que estejam sempre justi�cando a própria existência (1999, p. 73-74)22. Na Austrália, confessa Simpson, “�camos frequentemente encantados quando juízes notam o direito internacional” (1999, p. 74). Essa característica também pode ter levado os professores ouvidos por Brito e Nasser a superestimar o fechamento dos alunos para o DIP. Mas é preciso registrar que, se a pesquisa de Brito e Nasser representa uma visão parcial do problema, pois só ouviu professores, a de Kamiyama também tem os seus vieses. A amostra investigada limitou-se aos alunos das quatro melhores universidades da cidade de São Paulo, conforme um reconhecido ranking. O per�l dos estudantes questionados, tanto pela qualidade do ensino quanto pela localidade das universidades, pode ser bem diferente do restante da população de alunos de Direito do restante do Brasil, como admite o autor (KAMIYAMA, 2017, p. 80). Ademais, há sempre a possibilidade de os questionados não serem totalmente sinceros ao responder as perguntas. De toda sorte, os resultados da pesquisa devem ser levados a sério. Além da falta de interesse dos estudantes, outros problemas no ensino do direito internacional também foram cogitados pelos professores. Um deles está relacionado a questões práticas, como, por exemplo, a localização geográ�ca dos alunos, pois algumas cidades ou regiões seriam mais próximas do que outras à realidade do direitointernacional, o que afetaria o interesse pela disciplina. Falou-se também em “elitismo” do DIP, que demandaria mais recursos �nanceiros para uma boa formação do que outras áreas do Direito (BRITO; NASSER, 2017, p. 129-131). Outra questão prática mencionada pelos entrevistados é a necessidade de conhecimento de línguas estrangeiras, pois diversos materiais importantes para o estudo do DIP encontram-se em língua estrangeira, di�cultando o acesso dos estudantes aos debates mais importantes e atuais da disciplina (BRITO; NASSER, 2017, p. 130). Também se falou sobre a posição da disciplina na grade curricular dos cursos de Direito. O fato de ser frequentemente ministrado no �m do curso faz com que haja menor interesse pelo DIP, já que, nesta fase, os alunos estão mais preocupados com outras coisas, como o trabalho de conclusão de curso, formatura, exame da OAB e inserção no mercado de trabalho (BRITO; NASSER, 2017, p. 131-132). Há, ainda, um problema de caráter essencialmente pragmático: a cobrança inexistente ou mínima do DIP nas provas de ingresso nas carreiras jurídicas. Na primeira fase do exame da OAB, por exemplo, das 80 questões, apenas duas (às vezes, uma) versam sobre o conhecimento em DIP, e, na segunda fase, a disciplina não aparece entre as áreas do Direito que os candidatos podem escolher para responder questões dissertativas e elaborar peças. De modo semelhante, os concursos públicos para as carreiras da magistratura, do ministério público, advocacia pública e defensoria pública ainda cobram poucas questões sobre DIP. Isso faria, na visão dos professores, com que os alunos considerem pouco útil estudar o DIP para se preparar para essas provas (BRITO; NASSER, 2017, p. 132). Contudo, o principal problema que emergiu da pesquisa de Kamiyama (que, como já foi dito, ouviu os estudantes) é a insatisfação dos alunos com a forma como o DIP é ensinado. As queixas mais comuns tiveram a ver com métodos pedagógicos obsoletos e com o distanciamento dos tópicos ministrados da realidade dos estudantes (KAMIYAMA, 2017, p. 93-94), o que parece não ser uma verdadeira surpresa. Alberto do Amaral Júnior já constatou que “o ensino do direito internacional no Brasil é tecnicamente defeituoso, metodologicamente confuso e historicamente ultrapassado” (2016, p. 121). De modo geral, as aulas são “ministradas no velho estilo coimbrão, baseadas exclusivamente no direito positivo e na transmissão de categorias dogmáticas, que realçam a �gura do professor-conferencista e eliminam a participação dos alunos” (AMARAL JÚNIOR, 2016, p. 121). A pesquisa de Brito e Nasser também observou esse problema: “[a] quase totalidade dos entrevistados indicou que utiliza o modelo magister dicit, de exposição oral da matéria aos alunos”, sendo que apenas um quarto deles também recorre a outros métodos (BRITO; NASSER, 2017, p. 124). É possível a�rmar que esse é um problema do ensino do Direito, de maneira geral, no Brasil, e não apenas do DIP. Vários especialistas alertam que o ensino jurídico nas faculdades brasileiras é problemático, especialmente devido à persistência, desde a instituição dos primeiros cursos, de um modelo “fundado eminentemente na exposição oral dos conteúdos, na sobrecarga de informações aos alunos e na centralidade do processo de ensino-aprendizagem na �gura do professor” (ESPÍNDOLA; SEEGER, 2018, p. 99). Essa situação também foi constatada por Roberto Mangabeira Unger, para quem o conteúdo do ensino do direito continua a ser “um escolasticismo doutrinário e exegético”, em que o professor se limita a “pronunciar uma conferência, repleta de tecnicismos”, que não passam de “repetição de fórmulas doutrinárias de pouca ou nenhuma utilidade” (UNGER, 2006, p. 114-115). Os problemas no ensino do DIP ressoaram nas entrevistas com os juízes federais do Distrito Federal. 67,5% dos entrevistados utilizaram expressões predominantemente negativas para descrever a sua experiência com o direito internacional na graduação, como: “muito ruim mesmo”, “eu vou ser bem sincero: nulo”, “tímida”, “precária”, “rasa, muito incipiente”, “apenas registros teóricos, mas sem muito aprofundamento”, “muito super�cial”, “passou que eu nem percebi”, “muito rasa”, “não foi muito legal não”, “não me foi muito favorável” e “um pouco de�citária”. Alguns entrevistados �zeram considerações sobre o método. A principal queixa foi a distância do conteúdo ensinado da prática que os estudantes almejavam se preparar. Um(a) entrevistado(a) lamentou que a disciplina “era dada como se fosse algo somente teórico sem uma repercussão prática na vida assim do pro�ssional e muito distante da realidade”. Um(a) participante em particular teceu maiores re�exões sobre os motivos do desinteresse seu e dos seus colegas pelo DIP, destacando que a distância da prática jurídica poderia ser a principal explicação: “[...] direito internacional era uma matéria dada por professores com formação bem acadêmica, eram professores que eram só professores, pesquisadores, tanto que o grupo de pesquisa em direito internacional era bem forte, mas não eram pessoas que trabalhavam no direito, advogados, juízes, promotores, [...] [que] eram pessoas da área que traziam casos concretos. ‘Ah, essa semana lá no tribunal a gente pegou isso’ e aquilo me enchia o olho, ‘nossa, que bacana... então eu preciso dessa norma para resolver esse problema’, e aí eu me interessava pra caramba para estudar isso. E direito internacional não, eram professores muito teóricos [...] quando eu tive direito internacional eu já trabalhava, eu trabalhava desde o início da faculdade, mas a maioria da minha sala já estagiava. Então era uma coisa que ninguém via num tribunal, ninguém via no escritório que trabalhava, sabe. Ele era algo distante. Então ninguém tinha muito interesse, porque não conseguia correlacionar aquilo ali ao que fazia. Eu acho que talvez esse tenha sido o principal motivo de eu não ter me dedicado, não ter dado bola [...]. A gente estudava as matérias que a gente enxergava utilidade. Eu acho que era isso”. O problema do ensino do DIP – especialmente essa distância do que é ensinado da prática pro�ssional – pode explicar mais uma observação interessante da pesquisa de Kamiyama. A investigação separou estudantes que estavam iniciando os seus estudos de DIP daqueles que já haviam concluído a disciplina. Observou-se que estes tendem, em relação aos primeiros, a ter menos ambições pro�ssionais na área, a concordar menos com a obrigatoriedade do DIP no currículo, a se interessar menos pela disciplina caso fosse optativa e a considerar o DIP menos relevante para o seu futuro pro�ssional (KAMIYAMA, 2017, p. 90-92). Seria simplista colocar esse processo de declínio do interesse dos alunos pelo DIP com os anos totalmente na conta dos docentes da disciplina. A�nal, não são somente os professores de DIP que utilizam métodos didáticos menos atualizados. Também não há elementos que permitam saber se processo semelhante de crescente desinteresse ocorre ou não em outras disciplinas. O elemento que se tem é que a variável tempo no curso de Direito tem um impacto negativo na visão dos alunos sobre o Direito Internacional, e a forma como a disciplina é ensinada deve ter algo a ver com isso. 3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO Como foi visto, o baixo grau de conhecimento do direito internacional leva os juízes a evitar a sua aplicação e a resolver as causas com recurso aos ramos do direito com os quais tenham maior familiaridade. A rigor, porém, o desconhecimento de uma matéria jurídica não deveria ser justi�cativa para que o julgador deixe de se pronunciar sobre ela. O que, então, faz com que o desconhecimento do DIP leve os juízes a evitá-lo? Essa relação pode ser explicada pelos estudos sobre o comportamento judicial, que têm demonstrado que a aversão ao esforço exerce um papel relevante nos julgamentos. Segundo o modelo formalista ou legalista do comportamento judicial, os juízes decidem exclusivamente com base no direito (isto é, o conjunto de normas jurídicas vigentes), sendo totalmentealheios a outras in�uências, como à de suas preferências políticas, de seus interesses particulares ou de suas características pessoais. Outro modelo bastante in�uente, o atitudinal ou cético, descreve os juízes como “políticos de toga”, porquanto decidem os casos à luz de seus valores ideológicos, reduzindo o direito a um instrumento retórico conscientemente utilizado para ocultar o caráter ideológico de suas decisões (SEGAL, 2013, p. 281). Esses dois modelos parecem ser insu�cientes para dar conta do fenômeno do comportamento judicial. Para Richard Posner, Lee Epstein e William Landes, que partem de contribuições da teoria da escolha racional, o juiz é mais bem compreendido como um “participante de um mercado de trabalho”. Esse modelo foi apresentado no livro How Judges ink (2008) e posteriormente testado em e Behavior of Federal Judges: a theoretical & empirical study of rational choice (2013). Nessa abordagem, o juiz é visto como um trabalhador que, como tal, está sujeito a incentivos e restrições. A teoria é sintetizada pelos autores da seguinte maneira (2013, p. 5): [...] a judge conceived of as a participant in a labor market can be understood as being motivated and constrained, as other workers are, by costs and bene�ts both pecuniary and nonpecuniary, but mainly the later: nonpecuniary costs such as effort, criticism, and workplace tensions, nonpecuniary bene�ts such as leisure, esteem, in�uence, self- expression, celebrity (that is, being a public �gure), and opportunities for appointment to a higher court; and constrained also by a “production function” – the tools and methods that the worker uses in his job and how he uses them. O comportamento judicial, por conseguinte, é in�uenciado por benefícios como a satisfação com o trabalho, o poder, o status, a fama, o tempo livre (para outros trabalhos e para o descanso) e a ascensão na carreira; e por custos, tais como o volume de trabalho e as críticas (de colegas, de advogados, de acadêmicos e do público em geral). Os juízes, como seres racionais, ainda que inconscientemente, buscarão maximizar os benefícios e minimizar os custos. Um juiz, por exemplo, pode se convencer de que escolheu uma opção por ela estar em conformidade com o direito, mas, em última análise, pode ter sido motivado pelo receio de a outra opção resultar em aumento excessivo do seu trabalho. Da mesma forma, um membro de um órgão judicial colegiado pode votar de uma determinada maneira para evitar con�itos com os colegas. Os aspectos institucionais também contam, já que as instituições tendem a criar códigos de expressão e conduta aos quais os seus membros são levados a se submeter. Como já notaram os sociólogos institucionalistas, diversas práticas das instituições são construídas por processos parecidos com os da esfera cultural23. De modo geral, juízes desejam ser vistos como bons pro�ssionais por si mesmos, pelos colegas, pela mídia e pela comunidade (jurídica, acadêmica e, eventualmente, política), sendo que a ideia do que vem a ser um bom juiz é moldada pela tradição e pelos usos e costumes do ambiente judicial. Nesse contexto, o comportamento judicial também reproduz aquilo que Pierre Bourdieu chama de habitus, isto é, os modos de pensar e agir padronizados e profundamente arraigados nos agentes de um dado grupo social (BOURDIEU, 1998, p. 7-8). Os protocolos institucionais acabam tendo impacto também nos métodos de trabalho, limitando a forma, o raciocínio e os tipos de doutrinas e argumentos aceitos nas decisões. Além desses elementos, que são socialmente construídos, exercem in�uência também as contingências individuais, como a personalidade, o temperamento, a experiência pessoal e pro�ssional, as preferências e outros fatores pessoais (origem social, gênero, cor da pele) do ator judicial. Posner, Epstein e Landes propuseram e testaram, por meio de uma densa pesquisa empírica, diversas hipóteses relativas ao modelo do juiz como participante de um mercado de trabalho em todos os níveis do Poder Judiciário federal norte-americano. Dentre as hipóteses testadas estava a do papel da aversão ao esforço no comportamento judicial. Tal aversão, segundo os autores, têm relação com a baixa mobilidade na carreira, a impossibilidade de rebaixamento e as poucas possibilidades de aumento de remuneração, que resultam em pouco estímulo ao aumento de produtividade (EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2013, p. 7). Por exemplo, nas cortes de apelações, os autores observaram índices médios de divergência bem menores do que na Suprema Corte, que tem uma carga de trabalho mais leve. Esse seria um indicativo de uma expressão da aversão ao esforço que é a aversão à divergência (dissent aversion), isto é, a relutância de alguns juízes em divergir publicamente mesmo quando discordam da decisão de seus colegas. A�nal, divergir dá mais trabalho (o divergente tem que escrever um voto separado) e expõe mais o julgador do que não divergir (EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2013, p. 255-272). Nas cortes distritais, onde o volume de trabalho é ainda maior, veri�cou-se uma tendência muito forte à utilização de conceitos e doutrinas legalistas desenhadas para impedir a admissibilidade das demandas (EPSTEIN; LANDES; POSNER, 2013, p. 226). É importante registrar que nem sempre a aversão ao esforço dá-se de modo consciente e voluntário. Desde a década de 1970, diversas pesquisas no campo da Psicologia Cognitiva e da Economia Comportamental têm demonstrado que os julgamentos humanos resultam da interação entre dois tipos de operações mentais: o primeiro tipo é rápido, inconsciente e moldado para decisões automáticas (o que se convencionou chamar de Sistema 1); o segundo é devagar, consciente e serve para decisões controladas (Sistema 2). O problema é que o Sistema 1 é insensível à quantidade e à qualidade das informações, e o Sistema 2, que deveria corrigir os erros do primeiro processo, devido ao seu funcionamento oneroso, algumas vezes limita-se a con�rmar as impressões e intuições produzidas pelo Sistema 1, que passa a in�uenciar até mesmo as decisões mais cuidadosas (KAHNEMAN, 2012, p. 112). As descobertas relacionadas a esse duplo processo têm tido repercussões em diversos campos do conhecimento e, especialmente, no Direito. Um dos estudos mais famosos (e polêmicos) relacionados à área jurídica é o realizado por Danziger, Levav e Avnaim-Pesso (2011), que observaram o comportamento de 8 juízes de Israel que passavam dias inteiros analisando pedidos de liberdade condicional. O tempo de análise era curto e a média de deferimentos era de 35% (a decisão padrão, portanto, era a de indeferimento). Os juízes faziam três pausas para refeição e constatou-se que, imediatamente após cada intervalo, o índice de deferimentos subia até 65% e ia decrescendo até chegar perto de 0 antes da pausa seguinte. A explicação dada pelos autores é que os juízes (na verdade, todos os seres humanos), quando cansados e famintos, tendem a tomar a decisão que exige menos esforço do Sistema 2. No Brasil, é possível que a aversão ao esforço e o cansaço exerçam um papel ainda mais relevante nas decisões judiciais. O relatório Justiça em Números, publicado pelo CNJ (CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA, 2020), informa que o volume de processos médio sob a gestão dos magistrados em 2019 foi de 6.962, número que cresce anualmente. O índice de produtividade dos magistrados nesse ano foi de 2.107 processos baixados, o que signi�ca uma média de 8,4 casos solucionados por dia útil do ano, sem descontar períodos de férias e recessos. Nesse cenário de imensa carga de trabalho, associada às metas estabelecidas pelo CNJ, a produtividade torna-se um imperativo incontornável, e, consequentemente, os juízes buscam construir estratégias para que seja proferido o maior número possível de decisões. Como seres racionais, os juízes optarão pelo caminho que implicar o menor dispêndio de energia para se chegar ao resultado desejado. Durante as entrevistas com os juízes federais do DF, essa relação entre o esforço adicional para se julgar causas de direitointernacional e a carga de trabalho veio à tona. Um(a) dos(as) participantes reconheceu que, quando chegam ações dessa natureza, “a gente tem que voltar lá, revisar, ver o básico”. Outro(a) foi ainda mais direto(a): “[q]uando chega aqui, sinceramente... eu não vou ter tempo de parar para dar uma estudada direito, eu tenho que resolver aquele negócio logo. Tenho que produzir e dar a sentença”. Quando o conhecimento e o tempo são escassos, mas o acervo processual é abundante, torna-se praticamente inexistente qualquer espaço para o preenchimento das lacunas do conhecimento e, assim, o direito internacional continua um desconhecido. 3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL É possível esperar que, com mais familiaridade com o DIP, haverá maior possibilidade de os juízes aplicarem as suas normas. O resultado é o aperfeiçoamento da própria atividade jurisdicional. Mas, para além dessa consequência do conhecimento do direito internacional no trabalho dos magistrados, é possível identi�car outros benefícios decorrentes do estudo desse ramo do direito, que merecem ser destacados. O conhecimento do direito internacional é, hoje, indispensável para os pro�ssionais da área jurídica em geral. Já não é mais raro que esses pro�ssionais sejam chamados a pensar em questões jurídicas internacionais, em razão do aumento da interdependência dos Estados e da própria expansão do escopo do direito internacional, notadamente em matéria de direitos humanos. Observa-se uma verdadeira penetração das normas internacionais em todos os ramos do direito, de modo que é cada vez mais difícil resolver problemas de direito interno sem recorrer à normativa internacional. Nesse contexto, ao pensar em uma nova faculdade de Direito para o Brasil, Roberto Mangabeira Unger, preocupado em tornar o curso de Direito apto a capacitar os estudantes para exercer o direito e para discutir os problemas, as instituições e as políticas nacionais, propõe um programa que abranja su�cientemente as questões decorrentes da globalização. Nesse currículo, seriam indispensáveis noções de Direito Internacional Público, de Direito Internacional Privado, Direito do Mercosul, Direito da Ordem Internacional do Comércio e Direito do Capital em Movimento (UNGER, 2006). Mas o conhecimento do direito internacional não serve apenas àqueles que desejam se tornar servidores públicos, advogados ou professores. Vários autores já chamaram a atenção para o fato de que ensinar o direito internacional é, em última análise, ensinar uma cultura de paz, justiça e democracia. O texto inaugural da primeira edição da e American Journal of International Law, de 1907, dedicou-se exatamente à defesa da necessidade do conhecimento popular do direito internacional para se alcançar aqueles �ns. No ensaio, Elihu Root, o primeiro presidente da American Society of International Law, sustentou que “aumentar o conhecimento público geral dos direitos e deveres internacionais e promover o hábito popular de ler e pensar sobre o direito internacional” pode tornar os cidadãos capazes de avaliar razoavelmente a conduta dos seus representantes em negociações internacionais e, assim, viabilizar a solução pací�ca das controvérsias internacionais (ROOT, 1907, p. 1-2). Autores clássicos do Direito Internacional brasileiro também incluíram a educação como parte essencial de um projeto para a humanidade. Essa característica do pensamento jurídico-internacionalista brasileiro é destacada por H. B. Jacobini, em seu A Study of the Philosophy of International Law as Seen in Works of Latin American Writers (1945). No pensamento de Jorge Americano (1891-1969), por exemplo, a ordem jurídica internacional deveria ser reformada para que passasse a ser fundada em justiça, e o terreno para esse projeto já estava sendo preparado por algumas centenas de pessoas pelo mundo: os professores de direito internacional (JACOBINI, 1945, p. 115-116). De modo semelhante, Ilmar Penna Marinho (1913-1996) defendia que a educação em direito internacional seria um e�caz instrumento para se ensinar um sentimento de democracia, justiça e paz (JACOBINI, 1945, p. 118). Essas re�exões são, sem dúvida, otimistas e, de certo modo, ingênuas. Muitas vezes, o próprio decurso do tempo leva os juristas internacionalistas a se tornarem mais céticos quanto ao potencial do ensino do direito internacional. Esse processo foi notado por Arnulf Becker Lorca (2006, p. 298) nos prefácios das quinze edições do famoso “Curso de Direito Internacional Público” de Celso Duvivier de Albuquerque Mello. Na primeira edição, de 1967, o autor demonstra um grande otimismo, a�rmando, entre outras coisas, que o estudo do DIP pode ser “um instrumento da luta contra o subdesenvolvimento” (MELLO, 2011, p. 17). O otimismo do autor se esvaece gradativamente até que, em 2001, refere-se apenas a uma piada sobre a irrelevância do direito internacional (2011, p. 43)24 e, em 2003, escreve um depoimento profundamente desiludido (2011, p. 47). A própria American Society of International Law, cuja revista foi citada algumas linhas atrás, desempenhou um importante papel na promoção da paz e do desenvolvimento do DIP nos EUA, mas tinha as suas contradições: era uma organização elitista e etnocêntrica (SCAFI, 2017, p. 16-17). Nada obstante, é preciso reconhecer que o ensino do DIP tem, pelo menos, uma utilidade geral para o grande público: se a ordem jurídica internacional é injusta com os povos do Terceiro Mundo (MUTUA, 2000), conhecê-la bem é o primeiro passo para questioná-la e propor caminhos alternativos. Isso signi�ca que o conhecimento do direito internacional pode dar a sua contribuição para transformar os indivíduos em cidadãos globais conscientes. É necessário, por conseguinte, re�etir sobre formas de capacitar os cidadãos brasileiros, os pro�ssionais da área jurídica em geral e os juízes em particular para resolver problemas de direito internacional. Durante esta investigação, foram pensadas algumas propostas que parecem merecer uma discussão na comunidade jurídica. Uma ideia seria levar a sério a inclusão dos direitos humanos nos currículos da Educação Básica, conforme propugnam o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH), lançado em 2003 (BRASIL, 2018), e as Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos, de 2012 (BRASIL, 2012). Nos cursos de nível superior, uma medida positiva seria – mesmo se sabendo da crescente disputa das disciplinas por espaço nos programas de graduação – insistir no aumento de horas e créditos dedicados ao direito internacional. Além disso, a disciplina deve ser deslocada do �nal do curso, quando os alunos estão mais focados em outras coisas, para o início ou meio do curso, preferencialmente nos terceiro ou quarto semestres. Os professores de direito internacional também podem adotar algumas medidas. A primeira é dar mais importância à transdisciplinaridade por meio de discussões sobre as interações entre, de um lado, o direito internacional e, do outro, a política, as relações internacionais, a economia e a história. A in�uência positivista tende a fazer os professores de Direito, em geral, e de DIP, em particular, reduzirem os problemas jurídicos a questões meramente técnicas. Uma abordagem transdisciplinar, além de enriquecer a formação dos estudantes, tem o potencial de trazer o direito internacional para mais próximo das suas realidades, tornando o estudo da disciplina mais atraente25. A segunda medida (que está diretamente ligada à primeira) é considerar problemas locais e regionais nas discussões de sala de aula. Um problema do ensino do direito internacional que não pôde ser extraído das entrevistas, mas que já está documentado em outras pesquisas, é o seu caráter eurocêntrico, que vê o DIP como um direito universal e uniformemente aplicado em todo o mundo (MARÍN, 2020). A discussão de problemas locais e regionais contribuiria para a formação de uma consciência crítica a respeito dos enviesamentos não apenas do direito internacional, mas também da forma como esse é correntemente ensinado.A terceira é conciliar essas abordagens teóricas e críticas com uma maior ênfase na atuação prática. Esta medida pode ser bem-sucedida por meio do ensino de como o DIP é aplicado pelos tribunais internacionais e, especialmente, pelas cortes nacionais. A demonstração de que o direito internacional é necessário para a prática do direito no Brasil provavelmente despertaria o interesse dos estudantes que não pretendem se especializar na disciplina, seguir carreira diplomática ou trabalhar em organizações internacionais. A quarta medida – e esta não seria propriamente incumbência dos professores de DIP, mas de outras disciplinas – é incluir o estudo das normas jurídicas internacionais no ensino dos diversos ramos do Direito. As aulas de Direito Civil, por exemplo, devem contemplar as normas convencionais sobre adoção internacional, sequestro internacional e alimentos internacionais; as aulas de Direito Penal devem incluir os crimes internacionais e o seu regime jurídico, e assim sucessivamente. Isso contribuiria para que os alunos percebessem a importância e a concretude do direito internacional. Espera-se que essas mudanças tenham – no longo prazo – um impacto relevante na formação dos pro�ssionais da área jurídica e, consequentemente, dos juízes. Mas, uma medida que certamente traria resultados mais rápidos seria o investimento no treinamento dos magistrados na atuação das causas internacionais. Esse é um campo frutífero para cursos das escolas judiciais, pois a maioria dos juízes participantes que admite ter um baixo grau de domínio do DIP a�rma que gostaria de conhecê-lo mais e que esse conhecimento auxiliaria e enriqueceria o seu trabalho. É 16 É possível se cogitar que o reconhecimento judicial da imunidade de jurisdição ou execução de um Estado ou de uma organização internacional seja, em si, uma estratégia para evitar a aplicação do direito internacional. Esse é o entendimento de George Galindo (2002, p. 400-402). A posição aqui adotada é de excluir as imunidades das hipóteses de fuga do DIP, já que decorrem de normas jurídicas internacionais, a que, de resto, estão vinculados os juízes. Algumas vezes, a evitação do direito internacional se manifesta na fuga do pronunciamento sobre a própria questão da imunidade, como será visto logo adiante. 17 Processo nº 1012047-42.2019.4.01.3400. 18 Processo nº 0009481-45.2016.4.01.3400. 19 Processo nº 0026819-37.2013.4.01.3400. 20 Processo nº 0019859-94.2015.4.01.3400. 21 Tradução livre. No original: “Psychologically that disposes both counsel and judge to treat international law as some exotic branch of the law, to be avoided if at all possible, and to be looked upon as it is unreal, of no practical application in the real world”. 22 Este pesquisador também parece padecer deste mal, pois considerou necessário fazer alguma defesa da juridicidade do DIP no primeiro capítulo deste trabalho. 23 As contribuições do institucionalismo sociológico serão retomadas nos próximo capítulo, quando servirão para a compreensão da ideia de “preferências jurídicas”. 24 Transcrevo a piada: “Um homem viaja em um balão. Há mau tempo. Ele �ca perdido. O tempo clareia e ele vê uma pessoa em uma praça e pergunta: - Onde estou? - Em um balão. - O Senhor é internacionalista? - Como adivinhou? - É que a sua resposta foi precisa e correta, mas totalmente inútil!” 25 Nesse sentido: “A agenda premente do ensino do direito internacional consiste em dotar os alunos de capacidade crítica de leitura e de compreensão desses acordos internacionais e do ambiente político e econômico no qual suas negociações ocorreram” (CELLI JÚNIOR, 2016, p. 127). CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE NÃO JUSTICIABILIDADE 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS Vimos, no segundo capítulo, que uma das estratégias utilizadas pelos tribunais domésticos para evitarem a apreciação das questões jurídicas internacionais é a construção jurisprudencial de doutrinas de não justiciabilidade. Tais doutrinas são, de um modo geral, arti�ciais, incoerentes e contrárias a correntes doutrinárias majoritárias, porquanto são desenvolvidas exclusivamente para obstar o julgamento de causas internacionais. Esse padrão de comportamento também foi observado na Justiça Federal do Distrito Federal. Constatou-se que os juízes federais do DF recorrem a doutrinas de não justiciabilidade para evitar o julgamento do mérito das disputas internacionais mais sensíveis às relações externas do Estado brasileiro. Essas causas são basicamente aquelas que colocam os julgadores diante de questões sobre a legalidade de atos de Estados estrangeiros ou de atos praticados pelo Poder Executivo nacional na condução da política externa. As duas doutrinas identi�cadas, ainda que não nomeadas pelos julgadores, foram a do ato de Estado (act of State doctrine) e a das questões políticas (political question doctrine). O objeto deste capítulo é analisar essa utilização de técnicas de não justiciabilidade para se fugir do julgamento de questões jurídicas internacionais. Para tanto, primeiro, serão apresentados os achados da pesquisa que indicam a aplicação dessas doutrinas. Segundo, serão feitas algumas re�exões sobre a doutrina do ato de Estado. Terceiro, será explorado o estado da arte do uso da doutrina das questões políticas, no direito internacional e no direito interno. Quarto, será proposto o argumento de que a adoção dessas doutrinas decorre de preferências jurídicas dos juízes. Quinto, será avaliada a consistência dessas preferências. Por �m, serão feitas algumas considerações sobre a possibilidade de controle jurisdicional da política externa no direito brasileiro. 4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA CAUSA INTERNACIONAL A maioria das causas que têm contornos internacionais não apresenta diferenças relevantes das demais demandas rotineiramente examinadas pelos juízes federais. Em relação a essas não se veri�cou a aplicação de doutrinas de não justiciabilidade. Observou-se, apenas, a vacilação decorrente da baixa familiaridade dos magistrados com o direito internacional, como analisamos no capítulo anterior. Veri�cou-se, assim, que os juízes nem sempre fogem da aplicação do DIP em causas que envolvem, por exemplo, o reconhecimento da imunidade tributária dos funcionários das Nações Unidas prevista na Convenção sobre Privilégios e Imunidades das Nações Unidas26, procedimentos de cooperação jurídica internacional, como previsto na Convenção da Haia sobre os Aspectos Civis do Sequestro Internacional de Crianças27, ou, ainda, o exame de compatibilidade da legislação dos servidores públicos federais com as obrigações contidas na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com De�ciência28. Contudo, quando a causa apresenta uma dimensão internacional mais profunda, colocando os juízes domésticos diante de questões que tocam a legalidade das relações entre Estados ou organizações internacionais, o cenário é diverso. No tocante a essas causas, observou-se uma marcante autocontenção dos juízes, chegando-se, algumas vezes, à própria negativa do exame jurisdicional da questão. É interessante notar que uma distinção semelhante a essa foi observada há alguns anos nas cortes norte-americanas, consoante destacamos no segundo capítulo. Lea Brilmayer veri�cou que, quando uma causa é apresentada aos tribunais como uma disputa entre Estados (que a autora chama de “horizontal”), há pouca probabilidade de ser admitida. Se, porém, a demanda é articulada com base em direitos individuais, obtém maiores chances de ser conhecida pelos tribunais (1991). Na Justiça Federal do DF, também �cou evidenciado que, nessas causas em que as relações entre os Estados se situam no centro das discussões, os juízes buscam subterfúgios para se esquivar do julgamento. Essa postura �cou bastante clara em uma série de casos em que médicos cubanos buscaram o afastamento do arranjo internacional entabulado entre o Estado brasileiro, a República de Cuba e a OPAS, relativo ao Programa Mais Médicos para o Brasil. Nesses casos, os demandantes sustentavam que o acordo criava uma situaçãoque os colocava em uma situação desigual em relação aos médicos brasileiros e aos demais médicos estrangeiros, uma vez que a sua participação no programa dependia da intermediação do governo cubano e da OPAS, o que fazia com que parte substancial da sua remuneração �casse com o governo cubano. Em todas as 14 decisões relativas a essa série de casos que foram analisadas, os diversos julgadores abstiveram-se de proceder ao controle de legalidade do acordo entre o Estado brasileiro, a República de Cuba e a OPAS. Por trás dessa abstenção judicial, duas premissas foram identi�cadas. A primeira é a interpretação do princípio da não intervenção (e de outros princípios a�ns, como o da independência e o da soberania) como óbice ao pronunciamento dos juízes brasileiros a respeito da legalidade dos atos de soberania de outros Estados (o ato de soberania, no caso, era a celebração do acordo por Cuba em prejuízo dos seus nacionais e a retenção de parte da remuneração dos médicos cubanos). A�rmou-se que, como a República Federativa do Brasil é regida em suas relações internacionais pelo princípio da não intervenção, não poderia o Poder Judiciário brasileiro interferir nas relações entre aquele Estado e um nacional seu. Um(a) juiz(íza) ressaltou que a interferência do Judiciário nessa questão era vedada, “pena de ofensa à soberania dos países envolvidos, especialmente Cuba”. A segunda premissa é a de que o Judiciário não dispõe de competência funcional e capacidade institucional para julgar as decisões governamentais em matéria de política externa. Essa tese foi expressa de modo bastante claro por um(a) juiz(íza): (...) havendo entendimento entre os Governos Brasileiro e Cubano, para �ns de cooperação internacional no âmbito do referido programa, é certo que o acordo �rmado entre eles deve ser respeitado, sob pena de gerar riscos indevidos no campo político e diplomático, além de colocar em rota de colisão interesses manifestados por Estados no exercício de sua soberania, por intromissão indevida do Poder Judiciário, em questões afetas diretamente à competência de outro Poder da República. Essas duas premissas – impossibilidade de exame da legalidade dos atos internos de soberanias estrangeiras e vedação ao controle judicial da política externa do Executivo – re�etem os argumentos centrais de duas doutrinas muito conhecidas: a do ato de Estado (act of State doctrine) e a das questões políticas (political question doctrine), respectivamente. A presença desses argumentos nas decisões judiciais analisadas – sendo que não foi encontrada nenhuma que contivesse um posicionamento diferente – pode ser tomada como um forte indicativo da adoção implícita dessas doutrinas pela prática dos juízes brasileiros de primeiro grau. 4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL O entendimento dos juízes federais do DF no sentido de que não devem se pronunciar sobre atos de governos estrangeiros espelha, em grande medida, a doutrina do ato de Estado (act of State doctrine). Essa doutrina preconiza exatamente a impossibilidade de que atos praticados por um Estado soberano em seu território sejam examinados pela Justiça de outro Estado e foi adotada, pela primeira vez, no caso Underhill v. Hernandez, julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1897 (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1897). Na ocasião, discutiu-se a responsabilidade do General Hernandez (comandante de uma força revolucionária venezuelana) por danos causados a George F. Underhill, que residia, à época, na Venezuela. A Suprema Corte entendeu que os atos de Hernandez eram imputáveis ao Estado venezuelano e que os tribunais não devem julgar atos praticados por outros Estados soberanos em seus próprios territórios. Nas palavras do tribunal (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1897): Every foreign state is bound to respect the independence of every other sovereign state, and the courts of one country will not sit in judgement on the acts of the government of another done with in its own territory. Redress of grievances by reason of such acts must be obtained through the means open to be availed of by sovereign powers as between themselves. A doutrina, no entanto, tornou-se famosa em razão do caso Banco Nacional de Cuba v. Sabbatino, julgado pela Suprema Corte dos EUA em 1964 (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1964). Na oportunidade, essa corte foi provocada a se pronunciar sobre a possibilidade de tribunais estadunidenses analisarem decisões de outros Estados – no caso, o con�sco de propriedades de cidadãos norte-americanos pelo governo cubano. Concluiu-se que o caso atraía a aplicação da act of State doctrine, que, conforme acentuou a Suprema Corte, decorre fundamentalmente da competência dos ramos políticos do governo dos EUA para conduzir as relações exteriores. Apesar da semelhança, essa doutrina não se confunde com a imunidade dos Estados, por dois motivos principais. Primeiro, esta – a imunidade estatal – somente é aplicável se o Estado for réu na ação, ao passo que a doutrina do ato de Estado pode incidir mesmo na ausência de qualquer ente estatal na causa, desde que esteja em questão a legalidade de um ato soberano. Segundo, o reconhecimento da imunidade de jurisdição implica a inadmissibilidade da ação, enquanto a incidência da act of State doctrine não impede o julgamento do mérito, apenas obsta o pronunciamento judicial sobre a validade da legislação do Estado estrangeiro (DOLINGER, 1988, p. 99; MADRUGA FILHO, 2005, p. 73)29. 4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO INTERNACIONAL A abstenção dos juízes federais do Distrito Federal em matéria de política externa coincide com a célebre doutrina das questões políticas. Segundo essa doutrina, questões de natureza política devem ser resolvidas exclusivamente pelos ramos políticos do governo (Executivo e Legislativo), estando completamente fora da esfera do controle do Poder Judiciário. Não deixa de ser paradoxal que a origem comumente apontada da doutrina das questões políticas seja o mesmo precedente que fortaleceu o poder dos tribunais no controle dos atos dos demais poderes: o caso Marbury v. Madison, julgado pela Suprema Corte dos Estados Unidos em 1803 (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1803). No caso, o Chief Justice John Marshall a�rmou que os atos praticados pelo Presidente no exercício dos seus poderes políticos estão livres de qualquer revisão judicial30. O caso Marbury v. Madison também tem sido apontado como a principal causa da conhecida abdicação das cortes norte-americanas em matéria de relações exteriores. Em certo momento desse julgamento, Marshall enfatizou especi�camente a não justiciabilidade dos atos do departamento de relações exteriores. Para omas Franck, qualquer que tenha sido a intenção dessa “observação aparentemente improvisada” de Marshall, seu efeito foi iniciar uma teoria constitucional, prestigiada até os dias atuais, de que as relações externas são essencialmente diferentes das outras questões de Estado (FRANCK, 1992, p. 3) e, consequentemente, infensas ao controle jurisdicional. A atitude de Marshall, também segundo Franck, signi�cou a celebração de uma espécie de pacto faustiano entre os tribunais e os órgãos políticos. Nesse pacto, o Poder Judiciário expandiu o seu poder de fazer a revisão de questões internas, dando em troca para os poderes políticos a supremacia nas questões externas (FRANCK, 1992, p. 12-13). Com o tempo, a aplicação da doutrina das questões políticas aos assuntos internos foi virtualmente erradicada, ao passo que foi reforçada em questões externas (FRANCK, 1992, p. 19). No Brasil, a aplicação da doutrina das questões políticas foi inaugurada no julgamento pelo STF do famoso Habeas Corpus nº 300 de 1892 (BRASIL, 1892). O pano de fundo foi a prisão de 46 opositores do então Presidente da República Floriano Peixoto, que se recusava a convocar eleições presidenciais após a renúncia de Deodoro da Fonseca. O STF entendeu que, mesmo em se tratando de direitos individuais, era “impossível isolar esses direitos da questãopolítica” e não era da índole do tribunal “envolver-se nas funções políticas do Poder Executivo ou Legislativo”, razão pela qual não poderia intervir para nuli�car as medidas de segurança decretadas pelo Presidente. Não muitos anos depois, em 1898, o STF já adotaria posição diversa, desenvolvendo a conhecida “doutrina brasileira do habeas corpus”, assumindo que direitos individuais não podem �car sujeitos a medidas políticas. Desde então, embora não tenha a�rmado os limites da aplicação da doutrina, o STF não tem demonstrado receio de intervir em questões políticas relevantes do cenário nacional (LEITÃO; SOUZA, 2018, p. 200). Pelo contrário, o STF se tornou uma importante arena de disputa política, com efeitos políticos concretos no Brasil (RÍOS-FIGUEIROA; TAYLOR, 2006). O debate sobre a possibilidade de apreciação judicial de disputas políticas possui uma imensa relevância no direito internacional. A mais in�uente contribuição sobre essa discussão é a obra e Function of Law in International Community, de Hersch Lauterpacht (1933). O livro, que já foi considerado o mais importante em língua inglesa sobre o direito internacional no século XX (KOSKENNIEMI, 2009, p. 366), é um verdadeiro manifesto contra a distinção (então amplamente aceita) entre questões jurídicas e políticas, considerando-se estas não justiciáveis perante tribunais internacionais. Para Lauterpacht, a doutrina das questões não justiciáveis é uma expressão da teoria da soberania (1933, p. 3)31. Desse modo, a doutrina serviria apenas para conciliar, de um lado, o argumento tradicional dos Estados soberanos de que eles deveriam ser os próprios juízes de suas disputas jurídicas com outros Estados e, de outro, com a necessidade de se concluir tratados de solução de controvérsias que apresentem alguma aparência de juridicidade das obrigações (1933, p. 5-7). Alguns juristas internacionalistas e estadistas – observa Lauterpacht – mesmo conscientes da arti�cialidade da distinção, aceitaram-na porque seria útil ao propósito de superar a descon�ança dos governos em relação à arbitragem compulsória (1933, p. 4-5). Lauterpacht identi�ca as quatro concepções de questões justiciáveis presentes na literatura, que são as seguintes: primeira, disputas jurídicas são aquelas que podem ser resolvidas por normas existentes e determináveis de direito internacional; segunda, controvérsias jurídicas são as de importância menor e secundária, que não afetam os interesses vitais dos Estados; terceira, questões jurídicas são aquelas em que a aplicação de regras de DIP existentes é su�ciente para garantir um resultado que não seja incompatível com as demandas de justiça entre os Estados e com o desenvolvimento das relações internacionais; quarta, disputas jurídicas são as relativas a direitos existentes, não se confundindo com os con�itos de interesses, em que se busca uma mudança no quadro normativo vigente (1933, p. 19-20). Em seguida, Lauterpacht passa a refutar detidamente cada uma dessas concepções. Primeiro, a novidade de uma disputa nunca impediu qualquer tribunal de solucioná-la recorrendo à analogia, aos princípios gerais de direito, à ponderação de interesses e a argumentos abstratos sobre as necessidades da comunidade internacional (1933, p. 110-135). Segundo, a prática também revela que os tribunais internacionais sempre lidaram com controvérsias importantes, e não apenas com as menores e secundárias (1933, p. 145-153). Terceiro, faz parte da função jurisdicional temperar regras obsoletas ou injustas por meio de referências a propósitos mais amplos do direito, à cláusula rebus sic stantibus, ao abuso de direitos ou à equidade (1933, p. 245-347). Por �m, a distinção que opõe disputas jurídicas a con�itos de interesses não serve como base para uma classi�cação cientí�ca das controvérsias internacionais e implica, em última análise, a própria rejeição dos mecanismos de solução judicial (1933, p. 351-377). Lauterpacht também percebe a necessidade de examinar o argumento de que, mesmo nas ordens jurídicas internas, existem questões excluídas do escopo do direito, de modo que seria irrazoável ou pedante esperar que seja diferente no direito internacional (1933, p. 385). O autor analisa algumas situações e conclui que nenhuma delas está, a rigor, fora do campo do direito. Para as re�exões deste capítulo, interessa especi�camente o exame da atuação do Poder Executivo nas relações exteriores. Aqui, Lauterpacht admite que as cortes de alguns países não consideram parte de sua competência se pronunciar sobre a política externa adotada pelo Executivo. Essa limitação de competência, no entanto, não signi�caria limitação do império do direito, mas expressão da inevitável diferenciação de funções no âmbito do Estado moderno (1933, p. 387-390)32. A tese de que o direito deve ocupar um papel central nas relações internacionais, vigorosamente defendida em e Function of Law in International Community, pode ser tida como vitoriosa (GALINDO, 2014, p. 3; KOSKENNIEMI, 2009, p. 364). A doutrina das questões não justiciáveis já não encontra o eco de outrora no direito internacional. Nas ordens jurídicas internas, todavia, o cenário é diferente. É verdade que se tem notado uma diminuição do espaço da doutrina das questões políticas nos tribunais domésticos, o que se deve, sobretudo, ao fortalecimento da ideia de rule of law (interno) (AMOROSO, 2015, p. 100)33. Contudo, a aplicação da doutrina a questões de política externa ainda persiste em diversos sistemas constitucionais, o que é visto como um re�exo da in�uência da doutrina da não justiciabilidade de certas controvérsias internacionais (KOSKENNIEMI, 2009, p. 363). Essa aplicação da doutrina das questões políticas às relações exteriores pelos tribunais domésticos opera de três modos diversos, conforme Daniele Amoroso concluiu da análise comparada de decisões de tribunais dos EUA, do Reino Unido, da França e da Itália (2015, p. 103). O primeiro é como “limitação jurisdicional” ou, utilizando a terminologia processual, como uma hipótese de incompetência material. Cortes domésticas, nessas situações, invocam a doutrina das questões políticas para dizer que não têm competência para controlar atos do Estado em suas relações internacionais, seja por força do princípio da separação dos poderes (a competência para conduzir a política externa é constitucionalmente atribuída aos ramos políticos do governo), seja por impossibilidade julgar a atuação do seu Estado como sujeito de direito internacional (os tribunais não podem revisar atos internacionais do Estado porque são uma parcela dele). O segundo modo de operação da doutrina das questões políticas nas relações exteriores é como “argumento de não justiciabilidade”. Aqui as cortes nacionais entendem que têm competência para decidir a causa, mas eximem-se de fazer o controle da questão de política externa ao argumento de que o direito internacional não fornece parâmetros jurídicos adequados (não justiciabilidade normativa) ou de não serem dotadas de capacidade institucional para tanto (não justiciabilidade funcional). O terceiro e último modo é como “forma de autocontenção prudente”. A incidência da doutrina das questões políticas, nesse caso, decorreria do exercício de uma discricionariedade judicial orientada a evitar que as cortes domésticas sejam transformadas em instrumentos de lutas políticas ou que contradigam a atuação do Executivo no âmbito internacional. O STF, ao julgar o rumoroso caso Battisti, parece ter adotado a versão da “limitação jurisdicional” da doutrina das questões políticas. Na ocasião, suscitou-se a tese de descumprimento do tratado de extradição com a Itália, e a maioria da Corte a�rmou que a questão “em tese, gera uma lide entre Estados soberanos, cuja resolução não compete ao Supremo Tribunal Federal [...]”. O tribunal ainda consignou o seguinte (BRASIL, 2011): O princípio da separação dos Poderes (art. 2º CRFB) indica não competir ao Supremo Tribunal Federal rever o mérito de decisão do Presidente da República, enquanto no exercícioda soberania do país, tendo em vista que o texto constitucional conferiu ao chefe supremo da Nação a função de representação externa do país. [...] O Judiciário não foi projetado pela Carta Constitucional para adotar decisões políticas na esfera internacional, competindo esse mister ao Presidente da República, eleito democraticamente e com legitimidade para defender os interesses do Estado no exterior [...]. O STJ também já adotou uma posição similar. Em precedente de 2010, confundindo algumas vezes os institutos do “refúgio” e do “asilo” entre si - diga-se de passagem – o tribunal entendeu ser “inadequado ao Judiciário, tirante situações excepcionais”, controlar os motivos da Administração nos “casos que envolvem políticas públicas de migração e relações exteriores” (BRASIL, 2012)34. 4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA As premissas adotadas pelos juízes federais do DF para justi�car a sua abstenção – impossibilidade de exame da legalidade dos atos internos de soberanias estrangeiras e vedação ao controle judicial da política externa brasileira – não decorrem diretamente de nenhuma norma jurídica. São, na verdade, interpretações jurisprudencialmente construídas de dispositivos com elevado grau de abstração, como os princípios da não intervenção, da independência, da soberania e da separação dos poderes. Tampouco se pode dizer que essa postura decorre implicitamente do sistema jurídico brasileiro, pois este, como se sabe, tem o princípio da inafastabilidade da jurisdição como um de seus pilares. Por conseguinte, é razoável concluir que essa abdicação judicial em matéria de relações exteriores deve-se às preferências jurídicas dos julgadores. Para compreender como essas preferências afetam o comportamento judicial, é útil recorrer a alguns insights fornecidos pelos estudos dos pesquisadores ligados ao institucionalismo sociológico. No �nal dos anos 1970, o institucionalismo sociológico rompeu com a tradição que, desde Max Weber, fazia uma distinção clara entre a esfera social (dominada por estruturas burocráticas pautadas pela racionalidade e pela e�cácia) e a esfera cultural. Os sociólogos dessa escola perceberam que nem todas as práticas das instituições eram criadas para lhes conferir maior racionalidade, mas algumas delas eram construídas por meio de processos muito semelhantes aos que dão origem às práticas culturais em geral. Esses sociólogos passaram então a dar um enfoque culturalista às instituições, interpretando-as não apenas como as regras, procedimentos e normas formais, mas também como “os sistemas de símbolos, os esquemas cognitivos e os modelos morais que fornecem ‘padrões de signi�cação’ que guiam a ação humana” (HALL; TAYLOR, 2003, p. 209). Segundo essa escola sociológica, as instituições não apenas prescrevem normas sobre os papéis a serem desempenhados pelos indivíduos, mas também fornecem esquemas, categorias e modelos de compreensão que, por sua vez, moldam o comportamento dos atores sociais. Nesse sentido, os sociológicos institucionalistas sustentam que (HALL; TAYLOR, 2003, p. 210): uma vez confrontado com uma situação, o indivíduo deve encontrar um meio de identi�cá-la e de reagir a ela, e que os cenários ou modelos inerentes ao mundo da instituição lhe oferecem os meios de resolver uma e outra dessas tarefas, não raro de modo relativamente simultâneo. Trazendo esses conceitos para o Poder Judiciário, é possível a�rmar que o ator judicial sofre limitações impostas pelos modos institucionalmente (culturalmente) construídos de julgar e interpretar, ou, dito de outro modo, por molduras cognitivas que se tornam, no seio da instituição, o padrão de conduta interpretativa. As ideias coletivamente construídas sobre o direito então moldam a compreensão dos julgadores sobre a ordem jurídica, o seu papel no sistema e o horizonte de soluções possíveis para os casos. Gonzalez-Ocantos chama esses esquemas cognitivos de “preferências jurídicas” (legal preferences), conceituando-as como (2016, p. 33): (...) a de�ning feature of the cognitive lens through which judges and prosecutors conceptualize the disputes they are asked to adjudicate. ey encompass views about what can be considered legitimate sources of law (domestic, international, customary); what are the acceptable forms of legal argumentation, templates of reasoned justi�cation, and terms of art that may be used in court’s pronouncements; what amounts to a reasonable standard of proof when adjudicating criminal or civil responsibility; and conceptions about the reach of formal judicial prerogatives. Essas preferências jurídicas criam predisposições intelectuais determinantes para o resultado dos processos decisórios. As decisões judiciais resultam, assim, não apenas das normas jurídicas invocadas, mas também das doutrinas, das escolas de pensamento e dos métodos de argumentação considerados aceitáveis pelos julgadores. Mais do que os textos normativos, importa para a decisão judicial como esses textos são lidos. Portanto, a ideia de que questões conectadas às relações internacionais não podem se sujeitar ao controle jurisdicional é uma presunção epistemológica, histórica e culturalmente construída, dos participantes da pesquisa. Essa mesma ferramenta conceitual, aliás, também foi utilizada por Eyal Benvenisti para explicar a hesitação na aplicação do direito internacional em várias jurisdições. Para o autor, a adoção de caminhos diferentes por alguns sistemas judiciais demonstra que “as interpretações que limitam o papel do direito internacional tanto com respeito à sua aplicabilidade quanto ao seu status vis-à-vis o direito local re�etem uma escolha judicial” (BENVENISTI, 1993, p. 16435. A abstenção judicial em tema de relações exteriores é, portanto, uma questão de preferência jurídica. Mas é necessário analisar se as preferências que sustentam a adoção das doutrinas de justiciabilidade nas causas mais sensíveis às relações externas do Estado brasileiro são consistentes. É o que será feito no próximo tópico. 4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS EM MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES Como já foi visto, a utilização implícita da doutrina do ato de Estado está amparada na ideia de que o princípio da não intervenção (e outros princípios a�ns, como o da independência e o da soberania) constitui um óbice ao pronunciamento dos juízes brasileiros a respeito da legalidade dos atos de soberania de outros Estados. Contudo, essa interpretação do princípio da não intervenção tem sido amplamente rejeitada nos diversos sistemas jurídicos do mundo. Tem-se dito, no próprio mundo anglo-saxão, onde a ideia foi primeiramente desenvolvida, que “a doutrina do ato de Estado não serve mais para qualquer propósito útil ou legítimo” (GARNETT, 2005, p. 715) e que se trata de uma “ferramenta insatisfatória no julgamento de extraterritorialidade e deve ser abandonada” (IRELAND-PIPER, 2018, p. 33). Os principais problemas da doutrina são, segundo Ireland-Piper, a falta de clareza do seu conteúdo, o fundamento em teoria superada (segundo a qual somente uma soberania pode criar direitos dentro do seu território), o uso equivocado pelas cortes para evitar decidir casos difíceis e, ainda, ser uma fonte de injustiça e negação de direitos (2018, p. 23-24). O fato é que a doutrina do ato de Estado vem sofrendo várias mitigações nos Estados da commom law. Já em 1964, como reação ao caso Sabbatino, o Congresso dos EUA aprovou a Segunda Emenda Hickenlooper (também conhecida como Emenda Sabbatino) ao U.S. Foreign Assistance Act, que afastou a aplicação da doutrina aos casos de expropriação de bens de estrangeiros em violação do direito internacional (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1961). A Emenda admitiu uma exceção nos casos em que o Executivo solicite a aplicação da doutrina do ato de Estado a �m de atender aos interesses de política externa do governo36. Posteriormente, no Restatement of the Foreign Relations Law of e United States (Revised) de 1983, do American Law Institute, foi proposto na seção nº 428 que “ressalvada a seção 429, os tribunaisamericanos abster-se- ão de examinar a validade de um ato de um Estado estrangeiro praticado na sua capacidade soberana dentro de território do Estado”. A seção nº 429, entretanto, dispõe que “a doutrina de ato de Estado não será aplicada a reivindicações relativas a propriedade especí�ca localizada nos Estados Unidos com base na a�rmação de que um Estado estrangeiro con�scou a propriedade em violação do direito internacional” (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1983)37. A redação �nalmente adotada pelo Restatement (ird) of Foreign Relations, em 1987, foi a de que “na ausência de determinação presidencial em sentido contrário, a doutrina do ato de Estado não será aplicada em caso envolvendo um pedido de título ou outro direito de propriedade, quando o pedido é baseado no argumento de que o Estado estrangeiro con�scou a propriedade em violação do direito internacional” (§ 444) (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1987)38. Da mesma forma, no Reino Unido, há fortes sinais de que as cortes inglesas vêm restringindo o escopo da doutrina com base em argumentos decorrentes do princípio do rule of law. Embora a doutrina do ato de Estado seja ainda aplicada a disputas sobre território e limites marítimos, não tem sido utilizada para afastar a apreciação de cortes inglesas de atos que violam o direito internacional ou relativos a direitos privados (BROWNLIE, 2008, p. 50). Os tribunais da Austrália, embora apresentando algumas oscilações, também têm entendido que inexiste regra geral e universal que impeça as cortes domésticas de examinar a legalidade de um ato praticado por um Estado soberano dentro do seu território. A doutrina do ato de Estado é afastada especialmente quando o exame do ato de outra soberania é um pré- requisito para o pronunciamento judicial a respeito da conduta do seu Estado ou, ainda, quando está presente alegação de violação de normas peremptórias de direito internacional (IRELAND-PIPER, 2018, p. 24-25). A doutrina do ato de Estado tem se revelado, portanto, “ultrapassada e inútil” (IRELAND-PIPER, 2018) até mesmo no mundo da commom law, sendo a sua única utilidade servir como subterfúgio para que os tribunais se esquivem de julgar causas internacionais. Desse modo, a argumentação utilizada pelos juízes do DF no sentido de que não poderiam se pronunciar sobre possíveis violações dos direitos humanos dos nacionais cubanos pela República de Cuba, por força do princípio da não intervenção, já não se sustenta. O mesmo se pode dizer a respeito da doutrina das questões políticas como obstáculo ao julgamento das decisões governamentais relativas à política externa. O discurso dos juízes para justi�car a sua abstenção nesse ponto pode ser dividido em duas linhas argumentativas: incompetência funcional e incapacidade institucional. A primeira diz respeito aos limites da função judicial. Os participantes argumentaram, nesse sentido, que resolver questões políticas não faz parte da competência do Poder Judiciário. Tais controvérsias, por envolverem escolhas políticas, situam-se fora do âmbito de atuação dos tribunais. O campo decisório apropriado para a solução dessas questões é, por excelência, a própria arena política. A segunda linha de argumentos enfatiza a ideia de que faltaria ao Poder Judiciário a capacidade institucional para solucionar essas controvérsias. Os juízes não recebem treinamento especí�co e nem têm acesso a todas as informações necessárias para lidar com a complexidade que caracteriza a política externa. Consequentemente, a �m de evitar desdobramentos indesejados e imprevisíveis nas relações internacionais, a postura mais apropriada nessa seara é a autocontenção. As ponderações feitas pelos juízes são razoáveis, mas apresentam algumas fragilidades. Primeiro, a possibilidade de controle judicial da política externa não extrapola a competência constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário, haja vista que não implica a substituição dos corpos políticos pelo Judiciário, mas a sua sujeição a critérios jurídicos. A competência dos tribunais para fazer a revisão dos atos dos poderes Executivo e Legislativo, aliás, é um dos elementos centrais do próprio Estado constitucional contemporâneo. Em suma, como constatou omas Franck, referindo-se ao sistema constitucional norte-americano, “não há qualquer razão válida – constitucional, prudencial, técnica ou política – para tratar casos de relações exteriores diferentemente dos outros”39. Segundo, em relação à ausência de capacidade institucional do Poder Judiciário, não é possível negar que, de fato, os tribunais são dotados de menor expertise e possuem menos informações em matéria diplomática do que os demais poderes. Isso, porém, não é su�ciente para eximi-los do exercício do controle judicial da política externa. Como salienta Amoroso, essas di�culdades podem ser superadas por meio de uma calibração da intensidade do controle judicial (mais intenso em áreas governadas pela proteção dos direitos humanos e menos abrangente em temas não relacionados a essas normas, por exemplo) e pelo estreitamento do diálogo interinstitucional com o Poder Executivo, como é comum ocorrer em países da tradição da commom law (AMOROSO, 2015, p. 121-125). A prova da possibilidade do exercício dessa competência é o fato de que diversos tribunais nacionais têm discutido e decidido questões de política externa (AMOROSO, 2015, p. 100), sendo a Alemanha um importante exemplo dessa postura (FRANCK, 1992, p. 107-125; KOSKENNIEMI, 2009, p. 363). Nessa mesma direção, a Resolução do Institut de Droit International sobre As Atividades dos Juízes Nacionais e as Relações Internacionais do seus Estados, de 1993, propugna que (INSTITUT DE DROIT INTERNATIONAL, 1993): [n]ational courts, when called upon to adjudicate a question related to the exercise of executive power, should not decline competence on the basis of the political nature of the question if such exercise of power is subject to a rule of international law. Ademais, esses argumentos – incompetência funcional e incapacidade institucional – nunca foram su�cientes para impedir os tribunais brasileiros de se envolver em disputas políticas internas. E o protagonismo atual do Poder Judiciário brasileiro na política, muitas vezes atribuído a teorias constitucionais contemporâneas (BARROSO, 2006), encontra suas raízes no próprio início da nossa história republicana. Como já foi mencionado, no julgamento do citado Habeas Corpus nº 300 de 1892, o STF deixou de tutelar direitos individuais a �m de evitar um confronto com o Executivo. Nesse período, “especialmente durante governos de militares”, o STF era deferente aos poderes do Executivo, sendo que a “autocontenção judicial pode ter sido estratégia para evitar maiores intervenções do Executivo no Judiciário” (CANTISANO, 2019, p. 63). Contudo, depois dessa fase inicial, o STF passou a demonstrar um verdadeiro “fetiche no controle dos demais poderes” (BACHA E SILVA, 2013). Isso �cou claro a partir da construção jurisprudencial da “doutrina brasileira do habeas corpus”, que colocou o Poder Judiciário no papel de verdadeiro controlador do jogo político. Para Diogo Bacha e Silva, essa ampliação do escopo do habeas corpus mostrou que, “sob a argumentação de proteção aos direitos individuais, muitas vezes se escondem objetivos pragmáticos e ideológicos de controle sobre os demais poderes republicanos” (2013, p. 175). Tudo indica, por conseguinte, que a doutrina das questões políticas (e suas derivações, como a insindicabilidade dos atos interna corporis das Casas do Congresso Nacional) é invocada não para evitar que o Poder Judiciário se imiscua na seara política, mas para conferir o suporte técnico- jurídico para que os tribunais possam escolher quais batalhas vão lutar (ou em quais das questões políticas vão interferir). Isso porque, ao se eximir de julgar uma causa com fundamento em sua natureza política, o julgador está, na prática, optando por um dos lados. Essa constatação é convergente com os achados de estudiosos do comportamento judicial no sentido de que as preferênciaspolíticas exercem um papel fundamental nas decisões judiciais. Conforme concluiu um estudo muito conhecido sobre os votos proferidos por juízes da Suprema Corte dos EUA entre 1953 e 1988, os justices não são vinculados pelas doutrinas aceitas pela maioria da Corte, mas, antes, “são livres para usar as que se encaixarem melhor em suas próprias preferências”; nem são limitados pelos precedentes, pois geralmente há precedentes para ambos os lados e, ainda assim, “são livres para distingui-los ou para superá-los” (SEGAL; COVER, 1989, p. 562)40. Há também, no Brasil, pesquisas que apontam para a in�uência das inclinações políticas dos ministros do Supremo Tribunal Federal nos seus julgamentos, ainda que essa in�uência não se encaixe perfeitamente no chamado modelo atitudinal41. Mas não há como negar que a possibilidade de controle judicial da política externa levanta diversas questões complexas. Algumas delas serão exploradas a seguir. 4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA EXTERNA A Constituição brasileira de 1988 não atribui expressamente a nenhum poder ou órgão a competência para conduzir a política externa. Essa é extraída de dispositivos que atribuem ao Poder Executivo da União, na pessoa do Presidente da República, a competência para manter relações com Estados estrangeiros e organizações internacionais (artigos 21, inciso I, e 84, inciso VII); para celebrar tratados e acordos internacionais (artigo 84, VIII); e para declarar guerra e celebrar a paz (artigos 21, inciso II, e 84, incisos XIX e XX) (BRASIL, 1988). O Congresso Nacional, por sua vez, tem competência para resolver de�nitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional (artigos 49, inciso I, e 84, inciso VIII) e autorizar ou referendar a decisão do Presidente de declarar guerra ou celebrar a paz (artigos 49, inciso II, e 84, inciso XIX). Ao Senado Federal ainda compete aprovar, por meio de sabatina, a escolha dos chefes de missão diplomática permanente (artigo 52, inciso IV). Como se vê, no arranjo institucional da Constituição brasileira, o Poder Executivo assume o protagonismo da política externa, notadamente nas fases de formulação e decisão (SANCHEZ et al, 2006, p. 131). Já o Poder Legislativo desempenha o papel de (co)decisor, com a competência para aprovar decisões do Poder Executivo, participando, em alguns casos, da formulação da política externa. O exercício dessas competências pelos Poderes Executivo e Legislativo é orientado, como não poderia deixar de ser, por um elevado grau de discricionariedade. Contudo, isso não signi�ca que inexistam parâmetros jurídicos que, de alguma forma, limitem a liberdade desses poderes. No Brasil, esses limites estão expressamente previstos no artigo 4º da Constituição, que estabelece os princípios que devem reger o Brasil em suas relações internacionais: independência nacional, prevalência dos direitos humanos, autodeterminação dos povos, não-intervenção, igualdade entre os Estados, defesa da paz, solução pací�ca dos con�itos, repúdio ao terrorismo e ao racismo, cooperação entre os povos para o progresso da humanidade e concessão de asilo político. A enunciação dos princípios que regem o Estado brasileiro em suas relações internacionais é uma novidade na história constitucional brasileira, cujos textos constitucionais sempre reservaram pouco espaço a assuntos internacionais. Nesse ponto, a Constituição de 1988 acompanhou uma forte tendência da sua época que era a constitucionalização das relações exteriores. Constituições dessa fase inspiraram-se em grande medida, e na Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados conforme a Carta da ONU, de 24 de outubro de 1970 (GALINDO, 2002, p. 93). No caso brasileiro, também exerceu uma in�uência fundamental a Constituição portuguesa, cujo artigo 7.1 tem uma redação bem semelhante ao que veio ser o artigo 4º da Constituição brasileira. Esses princípios não podem ser tomados como simples recomendações ao Poder Executivo, destituídos de força normativa. Pelo contrário, a doutrina já ressaltou que os princípios que regem as relações exteriores exercem três funções básicas: primeira, o estabelecimento de marcos normativos da gestão da política externa; segunda, a �xação de limites para a política externa; e, terceira, a formulação de estímulos de direcionamento da política externa (DALLARI, 1994, p. 16). E, de fato, como já vem salientando a teoria constitucional das últimas décadas, os princípios jurídicos são dotados de normatividade e exercem uma função diretiva para a determinação da conduta (ALEXY, 1993; ÁVILA, 2005; GRAU, 2003). Os princípios jurídicos são, como a�rma Humberto Ávila (2005, p. 70): normas imediatamente �nalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementaridade e de parcialidade, para cuja aplicação se demanda uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. Logo, os princípios estabelecem um �m, um estado de coisas que deve ser buscado e, portanto, faz com que os comportamentos necessários para o atingimento desse �m passem a se tornar obrigatórios. Ou, nas palavras de Ávila, “a positivação de princípios implica a obrigatoriedade da adoção dos comportamentos necessários à sua realização” (2005, p. 71). Os Poderes Executivo e Legislativo são, portanto, constitucionalmente obrigados a adotar os comportamentos necessários para a realização dos �ns estabelecidos no artigo 4º. Se se afastarem, no exercício de suas competências, desses parâmetros substantivos, �cam sujeitos à revisão por aquele poder que, de acordo com a Constituição, tem competência para apreciar qualquer lesão ou ameaça de lesão a direito: o Poder Judiciário. Observe-se que não se trata de atribuir aos tribunais qualquer papel na condução da política externa – e aqui reside muitos dos equívocos relativos ao tema – mas de reconhecer a possibilidade de controle jurisdicional do exercício dessas competências. Autores que se debruçam sobre o assunto costumam dar suporte a esse entendimento. Nessa direção, George Galindo a�rma que, diante da constitucionalização dos princípios que regem o Brasil em suas relações externas, “abre-se a possibilidade de ampliação do controle da política externa tanto pelo Legislativo como pelo Judiciário” (2002, p. 99). De modo semelhante, Pedro Dallari sustenta que a adoção desses princípios “viabiliza o controle político da ação externa do Estado pelo Poder Legislativo e o controle jurídico pelo Poder Judiciário” (1994, p. 16). O papel do Poder Judiciário na revisão da atuação dos demais poderes está bem sedimentado, tanto na teoria constitucional quanto na prática institucional dos Estados democráticos. Essa compreensão remonta ao constitucionalismo norte-americano, mais especi�camente aos discursos federalistas, segundo os quais “todo acto do corpo legislativo, contrário à constituição, não pode ter validade” e que as cortes têm a função de manter a legislatura “nos limites das suas atribuições” (HAMILTON; MADISON; JAY, 1840, p. 158). Também costuma ser apontado como marco dessa visão do Poder Judiciário o já citado caso Marbury v. Madison. Isso não quer dizer que a tarefa é fácil. É possível cogitar três desa�os importantes para o exercício do controle judicial da política externa. O primeiro é a indeterminação do conteúdo do parâmetro de controle, a saber, os princípios inscritos no artigo 4º da Constituição. Se princípios jurídicos estabelecem estados ideais de coisas a serem buscados, como de�nir esses estados ideais? Nesse cenário, não é possível escapar da necessidade de um trabalho interpretativo para a conformação do seu conteúdo (UZIEL; MORAES; RICHE, 2017, p. 7). O segundo desa�o é o indispensável respeito ao espaço de discricionariedade dos agentes políticos. Os princípios do artigo 4º possibilitam um amplo leque de opções legítimas, que não podem sersubstituídas pelas preferências dos juízes. A di�culdade é saber até onde vai a liberdade dos demais poderes dentro desse espaço de discricionariedade. Como dizem Uziel, Moraes e Riche, a interpretação desses princípios pode “variar conforme a preferência política adotada pela autoridade competente para a condução das relações internacionais, sem que isso implique necessariamente violação ao preceito constitucional” (2017, p. 7). A invasão da esfera de discricionariedade dos poderes políticos possivelmente geraria uma disfuncionalidade tão grave quanto a própria omissão do Poder Judiciário no controle judicial da política externa. Terceiro, a falta de expertise dos tribunais. A preocupação dos juízes com a sua falta de capacidade institucional para lidar com assuntos de política externa deve ser levada a sério. Mas também é verdade que, diariamente, tribunais decidem matérias que demandam conhecimentos extrajurídicos. Como já foi dito acima, esse problema pode ser mitigado por meio de uma adequada calibração da intensidade do escrutínio judicial e pelo estreitamento do diálogo interinstitucional com o Poder Executivo. Também podem ser utilizadas técnicas processuais de democratização e legitimação dos julgamentos, como a realização de audiências públicas e a participação de amici curiae. Mas o reconhecimento da competência do Poder Judiciário para fazer a revisão da política externa não implica necessariamente admitir que esse deva ter a primazia da última palavra sobre a matéria. É verdade que a atribuição ao Poder Judiciário do papel de detentor da última palavra no Estado Democrático (ou, na linguagem da �loso�a política, de “soberano”), assim como as teorias que lhe dão suporte, “são quase naturalmente aceitas como uma condição inevitável das democracias contemporâneas” (BENVINDO, 2014, p. 83). O discurso geralmente adotado pelos tribunais (especialmente pelo STF, no caso brasileiro) reforça a compreensão de que uma democracia deve ter um Judiciário – tido como defensor técnico da Constituição e das minorias – para se opor às medidas interessadas e retrógradas dos demais poderes (BENVINDO, 2014, p. 81). O Judiciário, assim, deveria ter a última palavra tanto porque é um defensor dos direitos fundamentais quanto porque atua com base em racionalidade técnica e coerência metodológica. No entanto, como ressalta Juliano Zaiden Benvindo, esse discurso não encontra correspondência na realidade, pois é possível observar empiricamente que o Poder Judiciário não faz nem uma nem outra coisa, deixando claro que o pleito da última palavra esconde, em última análise, uma busca por mais poder (BENVINDO, 2014, p. 81). Diante desse cenário, há maior possibilidade de ganho em uma atitude deliberativa, aberta ao diálogo interinstitucional, do que adversarial, em que cada poder busca se impor ao outro (MENDES, 2008). A partir dessa perspectiva, o papel do Poder Judiciário no escrutínio da política externa deixa de ter uma função simplesmente restritiva da atuação dos demais poderes para servir também como estimulador de deliberações melhores, aumentando, assim, as chances de se chegar a respostas adequadas para os problemas jurídico-internacionais. Nenhum órgão pode ser arvorar a detentor da última palavra, até porque, em uma sociedade democrática, isso é impossível. Como salientou Koskenniemi, uma questão pode atrair a especialidade e a esfera de competência de diversos órgãos, de modo que o mais importante é saber que, qualquer que seja a solução dada, “a questão permanecerá controversa e vai requerer atenção para salvaguardas institucionais como representação, transparência e accountability” (KOSKENNIEMI, 2009, p. 365). A complexidade das democracias contemporâneas impõe que o diálogo seja mantido permanentemente aberto. No �nal das contas, sem uma interação dialógica entre os poderes é inviável se chegar a soluções satisfatórias e se aproximar da tão desejada “única voz” em matéria de relações exteriores. 26 Processos n.º 29986-96.2012.4.01.3400, 53342-57.2011.4.01.3400, 59018-49.2012.4.01.3400, 26281- 56.2013.4.01.3400, 46502-31.2011.4.01.3400, 49580-62.2013.4.01.3400, 32210-36.2014.4.01.3400, 37006-70.2014.4.01.3400, 85211-33.2014.4.01.3400, 8035-46.2012.4.01.3400 e 524- 26.2014.4.01.3400. 27 Processos n.º 43552-10.2015.4.01.3400, 2008.34.00.039638-0, 43552-10.2015 e 36277- 73.2016.4.01.3400. 28 Processos n.º 22600-15.2012.4.01.3400, 47024-53.2014, 53004-44.2015.4.01.3400 e 43543- 48.2015.4.01.3400 29 Para Antenor Pereira Madruga Filho, a única referência encontrada à doutrina do ato de Estado na jurisprudência do STF contém uma confusão com a imunidade jurisdicional dos Estados estrangeiros. No julgamento do Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 139.671, o Min. Celso de Mello a�rmou que a relativização da imunidade de jurisdição no tocante aos atos de gestão permite “ao Tribunal do foro afastar a invocação da doutrina do ato de Estado (Act of State Doctrine)”, dando a entender, equivocadamente, que a doutrina do Ato de Estado é a mesma coisa que a imunidade dos Estados (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 1995). 30 O leading case sobre a matéria é o Baker v. Carr, de 1962, em que a Suprema Corte considerou justiciável a discussão sobre redistribuição e redistritamento. Na ocasião, o tribunal apontou seis características que indicam a presença de uma questão política: atribuição constitucional da competência a um departamento político especí�co; ausência de parâmetros judiciais; a impossibilidade de julgamento sem que se tome uma posição política; impossibilidade de julgamento sem que se incorra na falta do devido respeito aos demais poderes; presença de uma necessidade incomum de não se questionar uma decisão política já tomada; e o potencial de surgimentos de respostas contraditórias dos poderes públicos a uma questão (SUPREMA CORTE DOS ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1962). 31 A teoria da soberania foi objeto de ataques diretos do autor em várias das suas obras (GALINDO, 2018, p. 277). 32 Lauterpacht, no entanto, entende que a função relativa à política externa não está sujeita ao controle judicial: “In the domain of foreign affairs it entrusts the competent departments of the Government with the right of exclusive decision not subject to judicial review. […] is division of functions is particularly necessary in view of the necessity of uniformity in acts and measures affecting foreign States. Both the Government and the courts are the organs of the State, and reasons of stability and convenience in international intercourse require that a State should not address its neighbours in two voices” (1933, p. 390). 33 Também poderia ser acrescentado o fortalecimento da ideia de supremacia judicial como um dos fatores da erosão da doutrina das questões políticas. 34 Trechos da ementa: “Em casos que envolvem políticas públicas de migração e relações exteriores, mostra-se inadequado ao Judiciário, tirante situações excepcionais, adentrar as razões que motivam o ato de admissão de estrangeiros no território nacional, mormente quando o Estado deu ensejo à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal a estrangeiro [...] A tendência mundial é no sentido da restrição do papel do Poder Judiciário no que tange à análise das condições para concessão de asilo. Precedentes do Direito Comparado”. 35 Tradução livre. No original: “In other words, the interpretations that limited the role of international law both with respect to its applicability and to its status vis-à-vis local law re�ected a judicial choice, a hesitation from invoking international standards” (BENVENISTI, 1993, p. 164). 36 Segue o trecho pertinente do U.S. Foreign Assistance Act: “(2) Notwithstanding any other provision of law, no court in the United States shall decline on the ground of the federal act of state doctrine to make a determination on the merits giving effect to the principles of international law in a case in which claim of title or other right to property is asserted by any party including a foreign state (ora party claiming through such state) based upon (or traced through) a con�scation or other taking aer January 1, 1959, by an act of that state in violation of the principles of international law, including the principles of compensation and the other standards set out in this subsection: Provided, at this subparagraph shall not be applicable (1) in any case in which an act of a foreign state is not contrary to international law or with respect to a claim of title or other right to property acquired pursuant to an irrevocable letter of credit of not more than 180 days duration issued in good faith prior to the time of the con�scation or other taking, or (2) in any case with respect to which the President determines that application of the act of state doctrine is required in that particular case by the foreign policy interests of the United States and a suggestion to this effect is �led on his behalf in that case with the court” (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. Foreign Assistance Act. Publicação em 4 set. 1961. Disponível em: < https://www.foreign.senate.gov/imo/media/doc/Foreign%20Assistance%20Act%20Of%201961.pdf >. Acesso em: 18 jun. 2021). 37 Tradução livre. No original: “§ 428 Subject to § 429, courts in the United States will refrain from examining the validity of an act of a foreign state taken in its sovereign capacity within the state’s own territory” (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1983). 38 Tradução livre. No original: “In the absence of a Presidential determination to the contrary, the act of state doctrine will not be applied in a case involving a claim of title or other right to property, when the claim is based on the assertion that a foreign state con�scated the property in violation of international law” (AMERICAN LAW INSTITUTE, 1987). 39 Tradução livre. No original: “[...] there are no valid reasons – constitutional, prudential, technical or policy-driven – for treating foreign-relations cases differently from any others” (FRANCK, 1992, p. 7). 40 Tradução nossa. No original: “Supreme Court justices are not bound by the legal doctrines accepted by the Court majority; they are free to use whatever doctrines �t their own preferences. Precedents are typically found on both sides of any case reaching the Supreme Court; and even if the precedents weigh heavily on one side, justices are free to distinguish or overrule them”. 41 Merece destaque a investigação conduzida por Pedro Ferreira e Bernardo Mueller sobre os votos de todos os ministros de 2002 a 2012 em ações diretas de constitucionalidade. Nessa pesquisa, os autores concluíram que a principal dimensão na qual as divergências se manifestam no STF corresponde às posições favoráveis e contrárias aos interesses econômicos do Poder Executivo. Uma segunda dimensão notada foi a divergência quanto à autonomia legislativa dos entes federados. Embora a pesquisa tenha concluído que os pontos ideais dos ministros do STF não correspondem à polarização entre conservadores e liberais, como geralmente é veri�cado nos EUA, o modelo atitudinal explicaria bem o comportamento dos ministros em um caso especí�co: o Mensalão. Segundo os autores, nesse julgamento, houve uma clara divisão entre, de um lado, os ministros mais recentemente nomeados (aqueles indicados pelos Presidentes Lula e Dilma depois da revelação do esquema de corrupção), e, de outro, os mais antigos (nomeados antes do escândalo), o que seria consistente com o modelo atitudinal (FERREIRA; MUELLER, 2014). Posteriormente, Ivar Hartmann e Alexander Hudson chegaram a conclusões parecidas, inclusive quanto à di�culdade de classi�car os ministros do STF, de modo abrangente, conforme o modelo atitudinal. Hartmann e Hudson também identi�caram pontos ideais semelhantes aos encontrados por Ferreira e Mueller, mas, diferentemente destes, a�rmam ter encontrado dados su�cientes para determinar não apenas duas, mas quatro dimensões para descrever as preferências dos ministros: direito penal, direito administrativo e tributário, federação e previdência pública (HARTMANN; HUDSON, 2017). CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO INTERESSE NACIONAL 5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS A pesquisa revelou que os juízes, de uma forma geral, veem positivamente o direito internacional e não se opõem à sua aplicação aos casos sob sua apreciação. Nada obstante, uma parcela signi�cativa dos entrevistados a�rmou não estar disposta a aplicar as normas internacionais que resultem, no caso concreto, em qualquer prejuízo para algum interesse do Estado brasileiro. Esse interesse nacional pode estar traduzido concretamente pela necessidade de se proteger o mercado interno, as empresas nacionais ou até mesmo alguma linha especí�ca da política externa adotada pelo governo. O objetivo deste capítulo é analisar essa atitude e compreender o peso do interesse nacional na aplicação do direito internacional pelos juízes federais do DF. Essa tarefa, diga-se de passagem, não pode estar desvinculada do recurso às doutrinas de não justiciabilidade visto no capítulo anterior. É bastante plausível que os magistrados pre�ram não expressar em seus julgamentos que o real motivo da não aplicação do direito internacional é o con�ito com o interesse nacional. Em vez disso, os juízes podem simplesmente não se pronunciar sobre o mérito, recorrendo a alguma doutrina de não justiciabilidade e, assim, fazer prevalecer, na prática, o interesse nacional. As re�exões deste capítulo seguirão a ordem detalhada a seguir. Primeiro, serão expostos os achados da pesquisa sobre o peso do interesse nacional nas decisões dos juízes federais do DF. Como será visto, parte signi�cativa dos juízes declarou expressamente que não aplicaria uma norma internacional que, no caso concreto, prejudicasse algum interesse nacional. Segundo, será explorado o debate da última década sobre o interesse nacional como limite do direito internacional, que foi impulsionado, em 2005, pela publicação de e Limits of International Law, de Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner. A tese central do livro é que os Estados agem na sociedade internacional com vistas a concretizar os seus interesses e que o direito internacional não exerce qualquer in�uência independente sobre esse comportamento. Os juristas internacionalistas, como não poderia ser diferente, apresentaram várias objeções à tese, que serão abordadas nesse tópico. Terceiro, serão identi�cadas as preferências jurídicas que justi�cam a opção dos entrevistados pela prevalência do interesse nacional. A primeira é uma concepção sobre o princípio da soberania que o interpreta como um óbice à imposição, por um agente estatal, de qualquer prejuízo ao Estado por força de uma norma jurídica externa. A segunda preferência jurídica é uma ideia de supremacia da constituição que não admite que um interesse estatal previsto no texto constitucional seja sobrepujado por uma norma internacional. Por �m, será feita uma tentativa de responder à indagação se o direito internacional deve ser aplicado pelos juízes brasileiros mesmo quando se encontra em tensão com algum interesse nacional. Sustenta-se que, para além dos motivos de natureza moral que justi�cam a promoção do direito internacional pelas cortes domésticas, há razões pragmáticas para que os julgadores apliquem essas normas, como a necessidade de se evitar que o Estado brasileiro �que exposto a sanções diretas e a danos reputacionais. 5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL Ao analisar o papel das cortes nacionais no processo internacional, Rosalyn Higgins sugeriu a existência de três tipos de posturas dos juízes internos em relação ao direito internacional. O primeiro tipo consiste no desdém pelo DIP, por considerá-lo irreal, não jurídico ou inútil. O segundo seria a dos juízes que enxergam positivamente as normas internacionais, mas, por terem pouco conhecimento delas, terminam evitando a sua aplicação. Por �m, a terceira atitude é a dos julgadores que conhecem o direito internacional e estão prontos para aplicá-lo quando necessário (HIGGINS, 1995, p. 206-207).Esperava-se encontrar, durante a pesquisa, juízes que se encaixassem no primeiro grupo. No entanto, apesar de alguns participantes terem tecido considerações críticas ao direito internacional, nenhum deles negou a sua realidade, juridicidade ou utilidade. Diante da pergunta “na sua opinião, o DIP possui características peculiares em relação aos demais ramos do direito?”, as respostas mais frequentes destacaram a ausência de aparato coercitivo e a necessidade de incorporação ao direito interno. Também foram encontrados poucos magistrados que poderiam ser inseridos no terceiro grupo. Dos 40 entrevistados, apenas três declararam estudar o DIP com profundidade semelhante à que se dedicam aos outros ramos do direito. A atitude predominante, de fato, é a do segundo grupo: os juízes deixam de aplicar as normas internacionais não porque são consciente e re�etidamente fechados ao direito internacional, mas porque têm pouca familiaridade com essa disciplina jurídica. Assim, os juízes federais entrevistados revelaram estar dispostos a aplicar o direito internacional. Mas isso até um determinado ponto. Quando indagados se aplicariam as normas internacionais se veri�cassem que, no caso concreto, haveria algum tipo de prejuízo ao interesse nacional, 15 (quinze) entrevistados a�rmaram peremptoriamente que não. Outros 5 (cinco) entrevistados a�rmaram que tudo dependia do caso concreto e não possuíam uma linha decisória prévia. As justi�cativas invocadas para colocar o interesse nacional como um limite à aplicação do direito internacional foram principalmente de duas ordens. A primeira se relaciona com a ideia de que a aplicação de uma norma internacional por um juiz brasileiro em desfavor do Estado brasileiro seria incompatível com a soberania nacional. A segunda diz respeito à compreensão de que a supremacia da Constituição impede a aplicação do direito internacional quando contrarie algum interesse nacional expressamente previsto no texto constitucional. Essas preferências certamente não são exclusividade dos juízes federais do Distrito Federal. Elas também �caram bem evidentes no caso Battisti, em que o STF se negou a fazer o controle do ato do Poder Executivo que, em tese, deixou de cumprir obrigação prevista em tratado de extradição. Na ementa do acórdão, o relator Ministro Luiz Fux consignou expressamente que o Supremo não poderia interferir na disputa, “máxime para impor a vontade da República Italiana ao chefe de Estado brasileiro” (BRASIL, 2011). O mais comum, provavelmente, é que os juízes evitem ser tão explícitos sobre os motivos da resistência à aplicação das normas internacionais nesses casos. Como já foi mencionado, os julgadores podem, antevendo o resultado prejudicial a algum interesse nacional, simplesmente utilizar uma doutrina de não justiciabilidade, deixar de apreciar o mérito e, assim, alcançar o efeito prático desejado. Os tribunais podem também recorrer a argumentos técnicos para fazer prevalecer o interesse nacional, como constataram Jahyr-Philippe Bichara e Sid Marques Fonseca Júnior, que estudaram a aplicação das normas da Organização Mundial do Comércio pelos juízes brasileiros. Esses autores perceberam que, para manter a proteção de benefícios a produtos nacionais, em violação de normas da OMC ou do Mercosul, tribunais invocam a regra da lex posterior derogat priori e a distinção entre tratado-lei e tratado- contrato (2015). A presença da ideia de que o DIP não pode ser aplicado contra o interesse nacional em um dado caso concreto em parcela relevante dos entrevistados pode levar à conclusão do acerto da tese realista de que o direito internacional, no �m das contas, serve apenas para avançar os interesses estatais, sem exercer qualquer in�uência sobre o comportamento dos Estados. Isso torna necessário um exame, ainda que breve, do debate sobre o lugar do interesse nacional no direito internacional. 5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO DIREITO INTERNACIONAL O debate sobre o lugar do interesse nacional no direito internacional foi reacendido – pelo menos na academia norte-americana – pela publicação do livro e Limits of International Law, de Jack L. Goldsmith e Eric A. Posner (2005). O objetivo declarado dos autores é, a partir da integração entre o direito internacional e as realidades da política internacional, oferecer uma teoria abrangente do direito internacional. Para tanto, os autores recorrem à metodologia da escolha racional e dão especial destaque à noção de interesse nacional (2005, p. 3). Os autores sustentam que o comportamento dos Estados pode ser explicado por quatro cenários especí�cos. O primeiro é o da coincidência de interesses, que ocorre quando há uma convergência de comportamento dos Estados, ainda que cada um deles atue buscando concretizar seus próprios interesses sem qualquer preocupação com os interesses dos outros. O segundo é o da coordenação, em que os Estados recebem maiores retornos se adotarem ações idênticas ou simétricas do que se não o �zerem. O terceiro cenário é o da cooperação, em que os Estados restringem um comportamento em favor do seu interesse com o objetivo obter benefícios de médio e longo prazo. Por �m, há a possibilidade de coerção, na qual Estados poderosos forçam que Estados mais fracos se comportem contra os seus próprios interesses (2005, p. 10-12). A tese defendida é, em síntese, a de que os Estados buscam em suas relações internacionais apenas maximizar os seus interesses, o que é explicado satisfatoriamente pelos cenários de coincidência de interesses, de coordenação, de cooperação e de coerção. Na prática, o direito internacional tem pouca ou nenhuma in�uência sobre esses comportamentos estatais. Os autores a�rmam que o DIP serve apenas para esclarecer cenários de cooperação ou coordenação das interações estatais, contudo, jamais terá o potencial de frear os interesses estatais e será sempre limitado pelas con�gurações desses interesses e pela distribuição de poder (2005, p. 13). O conteúdo do livro consiste, basicamente, na aplicação dessa moldura teórica a alguns regimes de direito internacional. A primeira parte examina o direito costumeiro internacional. Aqui Goldsmith e Posner contestam as presunções da visão tradicional do costume internacional e, partindo do estudo de casos de quatro áreas, a�rmam que os padrões de comportamento estatal comumente associados ao direito costumeiro internacional traduzem cenários de coincidência de interesses, cooperação bilateral, coerção ou coordenação (2005, p. 21-78). A segunda parte tem como objeto os tratados. Os autores sustentam que os Estados celebram tratados porque esses especi�cam o que deve ser considerado cooperação e coordenação, além de aperfeiçoarem essas formas de interação estatal. Alegam, ainda, que os Estados evitam violar tratados (quando o fazem) pelas mesmas razões que evitam descumprir acordos não vinculantes, quais sejam, receio de retaliação, de dano reputacional ou de fracasso de coordenação (2005, p. 81-162). A terceira parte concentra-se em responder a algumas críticas feitas à tese dos autores, como as de que não explica o uso da retórica jurídica pelos Estados, a de que não desenvolve uma resposta para a obrigação moral dos Estados de cumprirem o DIP, e a crítica proposta pela teoria cosmopolita no sentido de que os Estados têm o dever de promover o direito internacional com base no bem-estar global, e não estatal. As respostas dos autores são, respectivamente, que os Estados recorrem à linguagem jurídica internacional mesmo quando não são motivados pelo desejo de cumprir essas normas, que os entes estatais não têm tal obrigação moral de cumprir o DIP e que o suposto dever de atender ao bem-estar global é incompatível com a democracia liberal, desenhada para servir aos interesses dos cidadãos de cada Estado (2005, p. 165-224). O livro foi recebido com severas críticas da doutrina internacionalista. Um grupo de críticos concentrou-se em apontar equívocos metodológicos na aplicação da teoria da escolha racional. Anne Van Aaken (2006),por exemplo, destacou três problemas dessa natureza. O primeiro seria a compreensão enviesada de racionalidade apresentada pelos autores, que adotam uma de�nição muito estreita de interesse estatal, focando apenas nas preferências de curto prazo dos Estados. O segundo problema seria o recurso a explicações ad hoc para os resultados inconsistentes com a sua teoria. E o terceiro problema diz respeito à insu�ciência dos fundamentos empíricos, fazendo com que a tese se apoie em uma seleção discutível de casos (VAN AAKEN, 2006, p. 306). Essas críticas são reforçadas pelo fato de que a utilização da teoria da escolha racional por outros autores já levou a resultados bem diferentes e aparentemente mais instigantes. Por exemplo, Andrew Guzman (2002), que desenvolveu o “modelo reputacional de observância” (reputational model of compliance) amparado em ampla evidência empírica, concluiu que Estados motivados por interesses próprios têm a sua conduta animada por sanções diretas e danos reputacionais, o que demonstra uma in�uência independente do direito internacional sobre o comportamento dos Estados (GUZMAN, 2002). Outro grupo de críticos buscou apontar as falhas de conteúdo da obra de Goldsmith e Posner. Paul Schiff Berman, por exemplo, atacou algumas premissas teóricas dos autores. O primeiro equívoco seria a presunção de que os interesses estatais existem independentemente do contexto social em que são formados. Nesse sentido, segundo Berman, os autores acabam excluindo da sua análise o potencial de in�uência do DIP na própria conformação dos interesses estatais. O segundo equívoco é presumir que, em qualquer con�guração, um Estado efetivamente tem um único e de�nível conjunto de interesses, desconsiderando o papel dos múltiplos interesses defendidos pelas mais diversas pessoas e grupos, dentro e fora dos governos, e nas mais variadas esferas de atuação. Por �m, os autores apresentam (com a intenção de refutar) uma versão extremamente simpli�cadora da teoria cosmopolita, deixando de fora a contribuição dessa teoria para explicar múltiplos vínculos comunitários e entidades normativas (BERMAN, 2006, p. 1266-1268). No �nal das contas, a tese dos autores coincide com a proposição central da teoria neorrealista das relações internacionais: o direito internacional tem pouca ou nenhuma in�uência sobre o comportamento dos Estados, que somente cumprem as normas internacionais quando elas coincidem com os seus interesses, que geralmente têm em mira poder e segurança. Isso faz com que a tese proposta em e Limits of International Law esteja sujeita às tradicionais críticas feitas a essa corrente, principalmente a que aponta a sua visão reducionista das relações internacionais. De fato, é difícil explicar, a partir da perspectiva realista, por que os Estados desperdiçariam tanto tempo, dinheiro e energia para criar, manter e in�uenciar normas e estruturas internacionais que, ao cabo, não farão diferença alguma. Isso, aliás, parece pouco consistente com a ideia de que os Estados são atores racionais. O principal problema da teoria de Goldsmith e Posner, porém, assim como das teorias neorrealistas de uma forma geral, é que esses aportes teóricos explicam muitos problemas do sistema jurídico internacional, mas pouco ou nada dizem sobre como aperfeiçoar esse sistema. Como salientou Anne Van Aaken em relação à obra de Goldsmith e Posner, se os autores pretendiam oferecer uma base mais sólida para o direito internacional, poderiam recorrer à teoria da escolha racional para buscar resolver os problemas da ordem jurídica internacional. Ao invés disso, os autores parecem totalmente obstinados no propósito de negar qualquer força normativa do direito internacional, o que dá a impressão de que o seu objetivo é apenas conferir suporte jurídico para liberar Estados hegemônicos das suas obrigações internacionais (AAKEN, 2006, p. 307- 308). De fato, não há novidade alguma em se dizer que o rule of law exerce um papel menos relevante na sociedade internacional do que a maioria dos internacionalistas gostaria. É difícil negar que, nas relações internacionais, algumas vezes a vontade do mais forte prevalece sobre o direito, e que as sanções internacionais parecem ser mais facilmente executadas contra determinados Estados do que contra outros. Também não são tão raras manifestações como a de uma autoridade do governo do Reino Unido que disse recentemente que “o direito internacional é um conjunto de construções políticas que, na prática, os países seguem ou se afastam em uma série de circunstâncias”42. Nesse cenário, um caminho muito mais promissor é buscar desvelar a dinâmica da utilização da linguagem técnica do direito internacional com o objetivo de concretizar os interesses de certos Estados em detrimento de outros. Uma contribuição relevante, nesse sentido, é a do jurista �nlandês Martii Koskenniemi, para quem o direito internacional pode ser descrito como “um processo de articulação de preferências políticas por meio de teses jurídicas que não podem ser isoladas das condições das disputas políticas nas quais são construídas” (2004, p. 198)43. A linguagem do direito internacional, por meio do recurso a valores universais ou à ideia de comunidade internacional, possibilita a expressão de uma determinada preferência como se essa fosse universal. Isso tudo se dá no contexto das “disputas hegemônicas” em que os atores internacionais competem rotineiramente projetando em regras e princípios jurídicos os sentidos que con�rmem suas preferências e contrariem as dos seus oponentes (KOSKENNIEMI, 2004, p. 199). O direito internacional, de fato, tem servido a propósitos hegemônicos desde o seu surgimento (ANGHIE, 2005). Mas, se o direito internacional fosse apenas isso, os juízes domésticos estariam totalmente corretos em deixar de aplicá-lo nas situações em que contraria o interesse estatal. No entanto, como veremos adiante, há razões para os tribunais internos aplicarem as normas internacionais nessas circunstâncias. Antes, porém, é preciso compreender as razões que levam alguns juízes a colocarem esse limite à incidência do direito internacional. 5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O INTERESSE NACIONAL Do ponto de vista estritamente jurídico, não há norma que impeça as cortes domésticas de aplicar o DIP quando se divisa, no caso concreto, algum possível prejuízo a um determinado interesse nacional. Pelo contrário, o Poder Judiciário, como um dos ramos do ente estatal, tem o dever de respeitar as normas internacionais a que o ente estatal está obrigado, sendo uma regra costumeira consolidada a que reconhece a responsabilidade internacional do Estado pela conduta dos seus tribunais internos. Essa regra está prevista no Esboço de Artigos de Responsabilidade dos Estados por Atos Ilícitos Internacionais da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas (Dra Articles on Responsibility of States for Internationally Wrongful Acts ou simplesmente ILC-Dra Articles), de 2001. Extrai-se dos artigos 2º e 4º que a responsabilidade internacional por atos ilícitos decorre da conduta de qualquer ato imputável ao Estado sob o direito internacional, assim entendido como a conduta de qualquer órgão do Estado, inclusive que exerça funções jurisdicionais (NAÇÕES UNIDAS, 2001). A resistência dos juízes entrevistados à aplicação do direito internacional nas situações de con�ito com o interesse nacional, por conseguinte, não decorre do direito. Uma hipótese bastante razoável é que esse posicionamento esteja associado às preferências ideológicas dos magistrados. Pelo menos dois juízes entrevistados reconheceram expressamente que suas preocupações com o interesse nacional são re�exos de sua ideologia conservadora. Explorar o papel da ideologia política na atitude dos juízes perante o DIP certamente poderia trazer alguns resultados interessantes, mas não poderia explicar tudo. Por um lado, é possível que um julgador seja conservador e entenda que o seu papel seja aplicar a norma internacional mesmo em contrariedade ao interessenacional. Um participante que espontaneamente se declarou dessa corrente ideológica, por exemplo, a�rmou que não cabe ao juiz fazer qualquer tipo de análise consequencialista da aplicação da norma. Por outro, um juiz pode não ser conservador e, ainda assim, ter extrema di�culdade em aplicar normas internacionais em prejuízo de algum interesse nacional. E isso ocorre porque, nesse caso, a atitude do juiz é orientada por suas preferências jurídicas, que são moldadas cultural e institucionalmente, e podem ser in�uenciadas ou não por suas preferências políticas individuais. Essas preferências jurídicas puderam ser extraídas a partir das respostas dos juízes às perguntas formuladas na entrevista. É interessante notar que as respostas dos entrevistados à pergunta em análise foram particularmente concisas, o que indica que a resistência ao direito internacional nesses casos é mais instintiva (como reprodução de um raciocínio predominante na instituição) do que fruto de re�exões mais profundas. As preferências jurídicas relacionadas à não aplicação casuística do direito internacional que foram identi�cadas podem ser agrupadas em dois grupos de ideias. O primeiro está fortemente ligado à noção de soberania, que se apresenta como um obstáculo à aplicação do direito internacional nesses casos. Segundo esse raciocínio, a imposição, por um agente estatal, de um prejuízo imediato ao seu Estado, por força de uma norma jurídica externa (ainda que tenha sido internalizada) seria uma violação da soberania nacional. O segundo grupo de ideias (que certamente não está desvinculado do primeiro) está relacionado à supremacia da Constituição. Segundo essa concepção, o juiz estaria proibido de, ao aplicar uma norma não constitucional, contrariar um interesse que esteja previsto no texto constitucional. Vale registrar que a pergunta sobre a possibilidade de aplicação das normas internacionais que con�itassem, no caso concreto, com o interesse nacional, ressalvou expressamente a inexistência, na hipótese, de con�ito entre direito internacional e direito interno. A intenção da ressalva era evitar que os entrevistados raciocinassem com os critérios de solução de antinomias e respondessem conforme o entendimento do STF a respeito da hierarquia do direito internacional convencional no direito brasileiro. Nada obstante, 07 (sete) entrevistados incluíram em suas respostas re�exões sobre a Constituição. A identi�cação dessas preferências jurídicas leva à indagação sobre a sua consistência. E a resposta é que tais preferências já não são su�cientes para dar conta da realidade jurídica atual. Quanto à primeira – a de que a soberania nacional é incompatível com a incidência de uma norma jurídica internacional contrária a um interesse estatal imediato – é possível notar, de início, que se trata de uma noção excessivamente genérica e com escassa base teórica. O conceito de soberania ainda é relevante e pode ser útil na sociedade internacional44, mas o seu conteúdo já não é mais o mesmo desde as primeiras elaborações teóricas oferecidas por Jean Bodin para justi�car a autoridade dos reis franceses. Tampouco tem a conformação dada pelo chamado modelo Westfaliano e sua ênfase na coexistência de nações- estados independentes. Essas noções, que veem a soberania como a única fonte de autoridade dentro do Estado, foram elaboradas em contextos geográ�cos e históricos especí�cos bem diferentes dos atuais (WITTE, 1995, p. 145-146). Tais noções de soberania são reconhecidamente insu�cientes para lidar com a interdependência econômica, tecnológica e ambiental que caracteriza os dias de hoje. Tampouco são capazes de dar conta de desa�os globais, tais como mudança climática, criminalidade, terrorismo e, como os últimos anos dramaticamente têm revelado, emergências sanitárias. A compreensão contemporânea de soberania, pelo contrário, pressupõe que a capacidade para criar normas internacionais e participar de organizações internacionais é um atributo da própria soberania, ainda que essas normas e organizações impliquem, de alguma forma, a restrição de direitos soberanos (WITTE, 1995, p. 146). Nesse sentido, fala-se que, na Europa Ocidental, depois da Segunda Guerra, houve uma conciliação doutrinária a respeito do conceito de soberania. O povo ainda é o seu titular, exercendo-a primariamente pelas instituições estatais. O exercício da soberania, porém, pode ser dispersado horizontalmente, entre os ramos do governo, e verticalmente no interior do Estado (para entidades subnacionais) ou internacionalmente (atribuindo o exercício de poderes soberanos a instituições internacionais) (WITTE, 1995, p. 153-154). Essa concepção não é unânime e seguramente não é isenta de problemas. Mas parece su�ciente para demonstrar a obsolescência da compreensão de soberania que anima alguns juízes brasileiros. O Estado brasileiro exerceu a sua soberania ao participar da criação da norma internacional ou ingressar na organização internacional, de modo que não se pode falar em ofensa à soberania como decorrência da aplicação de norma que o próprio Estado de alguma forma assentiu. Como disse um(a) participante da pesquisa, “esse interesse nacional já foi devidamente aquilatado pelo órgão responsável do legislador”. A segunda preferência (o interesse nacional previsto na Constituição deve prevalecer contra qualquer norma internacional) parece revelar a penetração no ideário de muitos juízes do “neoconstitucionalismo” (ou “doutrina da efetividade”), apontado como o responsável pela ascensão do direito constitucional brasileiro ocorrida nas décadas de 80 e 90 do século passado (LYNCH; MENDONÇA, p. 2017, p. 979). A partir desse período, tornou-se muito forte no pensamento constitucional brasileiro a ideia de que a Constituição deve dar o sentido e o alcance de todas as demais normas (BARROSO, 2006). Embora essa preocupação com a hierarquia da Constituição deva ser encarada como positiva, ignora que foi a própria Constituição de 1988 que promoveu a abertura para a ordem jurídica internacional. Essa abertura, que, aliás, é uma marca das constituições contemporâneas, pressupõe necessariamente, como observa Canotilho, que a constituição “deixa de ter a pretensão de fornecer um esquema regulativo exclusivo e totalizante assente num poder estatal soberano para aceitar os quadros ordenadores da comunidade internacional” (CANOTILHO, 2003, p. 369). Em outras palavras, o papel da Constituição no sistema jurídico foi redimensionado, passando a dividir o seu protagonismo com o direito internacional. O comportamento de muitos juízes, no entanto, continua apegado às suas predisposições tradicionais, que consubstanciam uma visão de que a Constituição é o único documento jurídico a regular as relações sociais no Estado brasileiro. Vale enfatizar que não se trata de ignorar as conquistas do constitucionalismo moderno no tocante à limitação do poder e à proteção dos direitos fundamentais. Tampouco se cuida de se sustentar uma supremacia pura e simples do direito internacional em relação ao direito constitucional, que certamente seria o desejo de muitos juristas internacionalistas, mas encontra reais obstáculos para a sua concretização. Trata-se, antes, de se abrir para a multiplicidade de respostas que uma melhor interação entre o direito internacional e o direito constitucional pode oferecer (GALINDO, 2002, p. 201). A ideia de que o direito internacional não pode ser aplicado se contrariar um interesse previsto no texto constituição ainda é problemática por outro motivo. Como a Constituição brasileira é analítica e eclética, consagrando múltiplos valores (alguns aparentemente incompatíveis entre si), torna-se virtualmente possível que qualquer interesse estatal seja extraído da Constituição. Essa linha decisória, desse modo, não oferece qualquer critério objetivo, ampliando excessivamente a discricionariedade judicial e possibilitando que a incidência da norma internacional seja afastada em praticamente qualquer caso. 5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER APLICADO CONTRAO INTERESSE NACIONAL? A obrigação do Poder Judiciário de observar as normas jurídicas internacionais e a inconsistência das preferências jurídicas acima indicadas já seriam argumentos persuasivos no sentido da aplicação do direito internacional mesmo nas situações concretas em que esse se revela contrário ao interesse nacional. Mas é possível cogitar outros motivos, que não são de natureza estritamente jurídica, pelos quais os tribunais nacionais devem participar da tarefa de fazer avançar a ordem jurídica internacional. É possível dizer que há razões pragmáticas e razões morais para a aplicação do DIP, mesmo quando esse episodicamente contrarie o interesse nacional. Do ponto de vista pragmático, os tribunais internos devem aplicar o direito internacional eventualmente contrário a algum interesse nacional identi�cado pelo julgador para prevenir a exposição do Estado a sanções diretas, como represálias, embargos a mercadorias nacionais ou suspensão ou expulsão de organizações internacionais. Se os juízes brasileiros, por exemplo, com a intenção de proteger o mercado interno, desprezarem normas internacionais sobre tarifas comerciais, a consequência mais provável é que os parceiros comerciais do Brasil também aumentem as suas, em retaliação. Isso, no �nal das contas, pode ser ainda mais prejudicial ao interesse nacional. Além disso, é preciso ter em perspectiva o risco de danos reputacionais. Esse tipo de sanção é especialmente relevante no atual estágio do direito internacional, em que as sanções diretas são limitadas. A reputação é importante porque a violação de uma obrigação internacional transmite a mensagem de que o Estado violador está pronto para violar os seus compromissos. Desse modo, adotando a premissa de que os Estados buscam concretizar os seus próprios interesses na esfera internacional, o desenvolvimento e a preservação de uma boa reputação possibilitam aos Estados extrair maiores benefícios de suas promessas (GUZMAN, 2002, p. 1887). Uma visão pragmática, por conseguinte, sugere que o juiz nacional deve considerar que, para além do interesse nacional imediato concretamente representado no caso sob seu julgamento, há também interesses de médio e longo prazo. Esse tipo de percepção também foi encontrado entre os juízes entrevistados. Um(a) participante também expressou o seu pensamento nos seguintes termos: Então eu vejo que a minha tendência seria seguir a norma internacional porque acho que você tem que pensar não apenas naquele caso concreto, mas tem que pensar no resultado ao longo prazo para o país [...] se o país descumpre norma com aval do Poder Judiciário [...] como é que esse país vai passar a ser visto internacionalmente? Que impacto isso vai ter para ele em futuros acordos? Eu acho que essa é uma visão que o juiz tem que ter em todos os âmbitos, não apenas no âmbito do direito internacional, que é contrariar nossa lógica de buscar uma justiça para o caso concreto e ignorar a consequência daquela decisão no plano macro. É verdade que o Poder Executivo pode ter melhores condições de fazer a avaliação dos benefícios e custos para o Estado da violação da obrigação internacional. Isso, contudo, não impede a participação do Poder Judiciário nessa decisão, que pode compensar as suas limitações com mecanismos mencionados no capítulo anterior, como o diálogo interinstitucional, a calibração do controle e a utilização de medidas de democratização da jurisdição. Mas, para além da visão pragmática, há uma forte razão moral para os juízes aplicarem o direito internacional, que é o seu potencial para promover a paz e a efetividade dos direitos humanos no mundo. A ideia de que o direito internacional deve perseguir a paz mundial decorre de uma tradição bastante enraizada no pensamento jurídico-internacional que muito possivelmente foi iniciada por Immanuel Kant (GALINDO, 2014, p. 82). Para o �lósofo, a instauração de�nitiva da paz mundial dependeria de medidas em três dimensões: direito interno, direito internacional e direito cosmopolita, sendo que o direito internacional buscaria a paz por meio do desenvolvimento de um federalismo de Estados livres (KANT, 2008). Também exerce grande in�uência nessa tradição, certamente, o magistério de Hans Kelsen. No pensamento kelseniano, a paz mundial somente pode ser obtida pelo direito internacional ou, mais precisamente, pela existência de uma corte internacional com jurisdição compulsória45. Além disso, é conhecida a preferência do jurista austríaco pela supremacia do direito internacional sobre o direito interno, pois, na sua opinião, enquanto a primazia do direito nacional “desempenha um papel decisivo na ideologia imperialista [...] o primado do direito internacional desempenha um papel decisivo na ideologia política do paci�smo” (KELSEN, 1999, p. 382-383). Talvez por isso seja tão comum autores a�rmarem que, de algum modo, o direito internacional dissuade os Estados poderosos de abusarem do seu poder por meio de intervenções coercitivas injusti�cadas ou outras formas de imposições unilaterais46. Assim, os Estados militar e economicamente mais fracos tenderiam a estar mais protegidos contra as imposições dos Estados poderosos, pois os meios oferecidos pelo direito internacional substituiriam a guerra como meio de solução das controvérsias entre os entes estatais. O direito internacional também pode contribuir para a promoção da efetividade dos direitos humanos, tendo desenvolvido um sistema de proteção desses direitos cujo objetivo principal foi prevenir a repetição das tragédias perpetradas pelas potências fascistas. Com isso, os direitos das pessoas deixam de ser objeto de proteção exclusiva dos direitos internos dos Estados, passando também a ser matéria do direito internacional, passando a ser tuteláveis também por órgãos internacionais. O direito internacional ainda oferece, na esfera interna, ferramentas para os tribunais domésticos se oporem a práticas que violem os direitos humanos, especialmente em fases de �erte dos governos com o autoritarismo (KUMM, 2003, p. 25). Contudo, não se pode deixar de registrar que a capacidade do direito internacional para alcançar esses �ns e se, de fato, a eles tem servido historicamente, é motivo de fundadas dúvidas. É possível a�rmar que o direito internacional convive com um “paradoxo dos objetivos” (KOSKENNIEMI, 2018). Esse paradoxo decorre do fato de que, se de um lado, autoridades e juristas normalmente concordam que o objetivo do direito internacional é alcançar a paz, a segurança e os direitos humanos, por outro, esses objetivos apresentam um grau tão elevado de abstração que di�cilmente podem oferecer direções para ações concretas. Como consequência, na prática, di�cilmente se chega a interpretações convergentes sobre a compatibilidade de ações com esses �ns. Essa abstração inerente ao idioma do direito internacional, sem dúvida, abre espaço para a promoção de interesses particulares sob a roupagem de universalidade (KOSKENNIEMI, 2004). Até mesmo o discurso dos direitos humanos pode servir a um propósito “civilizador”, no sentido de impor uma visão hegemônica da cultura ocidental47. Nada obstante, o direito internacional também oferece uma plataforma para que os excluídos dos processos decisórios se façam ouvir (KOSKENNIEMI, 2018). A linguagem jurídico-internacional possibilita que as demandas sejam vazadas com referências a precedentes, normas e textos jurídicos, o que pode ser feito até mesmo contra aqueles que estão em posições dominantes. Estes, por sua vez, também são forçados a justi�car os seus atos com o mesmo vocabulário. Em outras palavras, o direito internacional transforma os titulares das pretensões em membros de uma comunidade jurídico-política (KOSKENNIEMI, 2004, p. 214-215). Como consequência, as pretensões dos integrantes da comunidade já não são mais articuladas como um privilégio ou interesse, pertencentes a uma pessoa, mas como um direito ou um dever que pertence a todos os membros da comunidade naquela posição. Como bem notou Koskenniemi, uma característicaimportante da condenação mundial da guerra contra o terrorismo liderada pelos EUA foi exatamente o fundamento no direito, o que implicitamente sugeriu a compreensão de que aquelas violações não atingiam somente indivíduos iraquianos ou afegãos, mas qualquer pessoa em sua posição (KOSKENNIEMI, 2004, p. 214-215). De fato, até mesmo autores que oferecem uma abordagem mais crítica ao direito internacional reconhecem que esse pode evitar que as relações internacionais sejam baseadas unicamente na força, servindo como “um escudo protetivo, ainda que frágil, para os Estados menos poderosos no sistema internacional” (CHIMNI, 2006, p. 26). Da mesma forma, o discurso da proteção internacional dos direitos humanos não pode ser descartado, devendo, em vez disso, ser explorado por meio de uma abordagem deferente ao pluralismo cultural, a �m de que desempenhe “um papel na transformação da injusta ordem internacional e particularmente do desequilíbrio entre o Ocidente e o Terceiro Mundo” (MUTUA, 2001, p. 245). O direito internacional, acima de tudo, serve para impedir que se esqueça o mundo desejado, isto é, serve como uma promessa. Essa função – a de continuar querendo o que já se quis um dia, mesmo depois de muitas di�culdades – foi vislumbrada pelo �lósofo Friedrich Nietszche como uma faculdade humana essencial (1998, p. 48): Precisamente esse animal que necessita esquecer [...] desenvolveu em si uma faculdade oposta, uma memória, com cujo auxílio o esquecimento é suspenso em determinados casos – nos casos em que se deve prometer: [...] um prosseguir-querendo o já querido, uma verdadeira memória da vontade, de modo que entre o primitivo “quero”, “farei”, e a verdadeira descarga da vontade, seu ato, todo um mundo de novas e estranhas coisas, circunstâncias, mesmo atos de vontade, pode ser resolutamente interposto, sem que assim se rompa esta longa cadeia do querer. Assim, embora não seja possível de�nir em termos precisos o que vem a ser essa justiça prometida e tampouco se apresente no horizonte qualquer concretização desse �m, o direito internacional coloca na agenda das autoridades questões importantes como equidade, justa distribuição e emancipação. E é isso que dá espaço para a própria crítica da ordem jurídica internacional. E aqui vale mais uma vez citar o jurista �nlandês: “há uma estrutura messiânica no direito internacional, o anúncio de algo que permanece eternamente adiado. É este ‘vir a ser’ que possibilita a crítica da violência do próprio direito, seus vieses e exclusões” (KOSKENNIEMI, 2018)48. 42 “e reality is international law is a set of political constructs, which actually countries abide by or depart from in a number of circumstances – including the European Union itself ” (STONE, 2020). 43 Tradução livre. No original: “I shall describe international law as process of articulating political preferences into legal claims that cannot be detached from the conditions of political contestation in which they are made”. 44 Koskenniemi sugere que, apesar da crítica tradicionalmente oferecida pelos juristas internacionalistas, a ideia de soberania estatal pode ter um bom uso, “como expressão de valores e preferências locais assim como tradições de autogoverno, autonomia e disputa política contínua” (KOSKENNIEMI, 2011, p. 68). 45 Essas ideias são defendidas especialmente em KELSEN, 2011. 46 Nesse sentido: KUMM, 2003, p. 24. 47 Essa objeção ao discurso universalista dos direitos humanos está bem sintetizada em PIOVESAN, 2014, p. 50-54. 48 Tradução livre. No original: “ere is a Messianic structure to international law, the announcement of something that remains eternally postponed. It is this to-come that enables the criticism of the law’s own violence, its biases and exclusions”. CONCLUSÕES A análise das decisões proferidas pelos magistrados federais do DF nas causas internacionais e das entrevistas semiestruturadas realizadas conduziu à conclusão da existência de três padrões de comportamento desses juízes. O primeiro é uma tendência a evitar, sempre que possível, a aplicação do direito internacional, resolvendo-se as disputas por meio do recurso aos ramos do direito com os quais os julgadores têm mais familiaridade. O segundo é a utilização inominada de doutrinas ou técnicas de não justiciabilidade, como a do ato de Estado e a das questões políticas, com o �m de se esquivar do julgamento de certas causas internacionais. E o terceiro padrão é um determinado grau de resistência à aplicação das normas jurídicas internacionais que resultem algum tipo de prejuízo ao interesse nacional no caso concerto. O recurso ao direito interno para resolver causas internacionais, ignorando-se as normas jurídicas internacionais incidentes, mesmo quando expressamente invocadas pelas partes, é consequência do baixo grau de conhecimento que os juízes têm do direito internacional. Esse dé�cit na formação gera uma hesitação nos julgadores, que, in�uenciados pela aversão ao esforço e pelo cansaço, potencializados pela carga excessiva de trabalho, são levados a fundamentar suas decisões em ramos do direito mais familiares em vez de ingressar em uma seara pouco conhecida. A origem dessa falha na formação dos juízes, conforme foi apurado na pesquisa, está primordialmente na forma como o direito internacional é ensinado nas faculdades. A maioria dos magistrados entrevistados, das mais variadas gerações, utilizou expressões negativas para descrever a sua experiência com o direito internacional na graduação. E, de fato, há várias evidências de que uma parcela muito signi�cativa de professores de DIP utiliza uma abordagem metodológica obsoleta que amplia a distância dos tópicos ministrados na realidade dos estudantes. Desse modo, a transformação desse comportamento judicial passa necessariamente por uma rede�nição do ensino do direito internacional nas faculdades brasileiras. O aumento de horas e créditos dedicados à disciplina podem produzir um efeito positivo, mas será inútil se os professores não se esforçarem para trazer o DIP para mais perto da realidade dos estudantes e convencê-los da importância da matéria para a prática jurídica, mesmo daqueles que não pretendem se tornar especialistas. A segunda estratégia utilizada pelos juízes para evitar a aplicação do direito internacional é o recurso implícito a doutrinas de não justiciabilidade. Observou-se uma forte tendência à abdicação judicial nas causas que impactam de algum modo as relações entre os Estados. Assim, por um lado, nas situações em que são provocados a se manifestar sobre a legalidade de atos praticados por governos estrangeiros, os juízes utilizam uma retórica idêntica à da doutrina do ato de Estado. Por outro, quando têm que apreciar alguma conduta do Estado brasileiro nas relações externas, os julgadores recorrem à argumentação da doutrina das questões políticas. A adoção (implícita) dessas doutrinas é explicada por duas preferências jurídicas que foram con�rmadas pelas opiniões apresentadas pelos participantes da pesquisa durante as entrevistas. A primeira é a interpretação do princípio da não intervenção como óbice ao pronunciamento dos juízes brasileiros sobre atos de outros Estados. A segunda é a compreensão de que o Poder Judiciário não dispõe de competência funcional e capacidade institucional para julgar matérias ligadas às relações exteriores. Essas preferências jurídicas, contudo, não se sustentam. O princípio da não intervenção não impede cortes domésticas de examinar a legalidade de atos praticados por Estados estrangeiros, sobretudo quando está presente a alegação de violação de normas peremptórias de direito internacional. Da mesma forma, o discurso de que o Poder Judiciário não dispõe de competência funcional e capacidade institucional para julgar demandas relacionadas à política externa não é coerente. A possibilidade de controle judicial da política externa não signi�ca a extrapolação da competência do Poder Judiciário, mas a sujeição dos ramos políticos do governo a critérios jurídicos, que é, aliás, um elementocentral do Estado constitucional contemporâneo. O dé�cit de expertise dos tribunais (ou a incapacidade institucional), por sua vez, pode ser superada por técnicas talhadas para a compensação dessa de�ciência. De toda sorte, os argumentos da incompetência funcional e da incapacidade institucional nunca foram su�cientes para impedir os tribunais brasileiros de se envolver na arena política interna. A Constituição brasileira de 1988 ao estabelecer os princípios que regem a República Federativa do Brasil em suas relações exteriores, estabeleceu parâmetros obrigatórios para os poderes políticos que, uma vez inobservados, abre espaço para o escrutínio judicial. Mas é importante enfatizar que a possibilidade de controle jurisdicional não signi�ca necessariamente que o Poder Judiciário deva ter a primazia da última palavra sobre a política externa. Antes, os tribunais devem adotar uma postura aberta ao diálogo interinstitucional, exercendo um papel de estimuladores de deliberações melhores. A terceira atitude, adotada por parte signi�cativa dos entrevistados, é a não aplicação da norma jurídica internacional que, no caso concreto, prejudique algum interesse nacional. Os participantes da pesquisa apresentaram duas justi�cativas para colocar o interesse nacional como um limite à aplicação do direito internacional. A primeira se relaciona com a ideia de que a aplicação de uma norma internacional por um juiz brasileiro em desfavor do Estado brasileiro seria incompatível com a soberania nacional. A segunda diz respeito à compreensão de que a supremacia da Constituição impede a aplicação do direito internacional quando contrarie algum interesse nacional expressamente previsto no texto constitucional. Essas justi�cativas revelam as preferências jurídicas dos juízes sobre a questão. Entretanto, tais preferências também não são su�cientes para dar conta da realidade jurídica atual. A noção de soberania predominante entre os entrevistados não dá mais conta dos desa�os globais e dos problemas contemporâneos decorrentes da interdependência econômica, tecnológica e ambiental. De resto, não é coerente falar em ofensa à soberania como decorrência da aplicação de norma que o próprio Estado de alguma forma assentiu. A ideia de supremacia da Constituição, que certamente não pode ser desprezada, ignora o fato de que o papel da Constituição no sistema jurídico foi redimensionado, tendo passado a dividir o seu protagonismo com o direito internacional. Com um pouco mais de re�exão é possível concluir que, até de um ponto de vista pragmático, os tribunais internos devem aplicar o direito internacional eventualmente contrário a algum interesse nacional identi�cado pelo julgador. Isso porque a observância das normas jurídicas internacionais pode prevenir a exposição do Estado a sanções diretas e a danos reputacionais. Estas últimas, especialmente, merecem bastante atenção, porque o desenvolvimento e a preservação de uma boa reputação possibilitam aos Estados extrair maiores benefícios de suas promessas. Além disso, há também uma razão moral para que as cortes domésticas colaborem com a promoção do direito internacional, que é contribuição que esse pode dar para alcançar a paz e os direitos humanos. Embora a capacidade do direito internacional para promover esses �ns seja objeto de algumas dúvidas, o fato é que a disciplina jurídica da sociedade internacional abre um espaço para que, por meio do vocabulário jurídico, agentes mais frágeis se façam ouvir na arena internacional. O direito internacional, dessa maneira, surge como um espaço que não pode ser desprezado na luta para que o mundo se aproxime dos ideais da paz e dos direitos humanos. Em suma, o que restou bastante evidenciado na pesquisa é que, assim como em diversos sistemas judiciais do mundo, também na Justiça Federal do DF (e possivelmente em todo o sistema judicial brasileiro) restou frustrada a esperança de que os tribunais domésticos funcionassem como uma verdadeira longa manus da ordem jurídica internacional. E esse comportamento está diretamente ligado à falta de treinamento e à incompatibilidade das preferências jurídicas cultivadas pelos juízes brasileiros com o exercício desse papel de juízes naturais do direito internacional. Isso pode ensinar uma lição valiosa aos juristas internacionalistas. Não adianta elaborar teorias so�sticadas para salvar o direito internacional – como a teoria do desdobramento funcional, que foi criada para compensar a carência orgânica da ordem jurídica internacional – sem que os atores sociais, os órgãos e as instituições relevantes também sejam envolvidos no projeto. Essa aproximação entre academia e sociedade civil, de um lado, e os atores do sistema judicial, do outro, é imprescindível. A importância do estreitamento das relações entre os juristas e os demais atores sociais �cou bastante evidenciada nos processos de justiça de transição na América Latina. Nos países em que houve uma promoção mais intensa de ações de capacitação dos membros do Poder Judiciário sobre o tema, como a realização de eventos, o estabelecimento de contatos informais e a circulação de textos acadêmicos, houve maior abertura para a responsabilização por crimes praticados durante os regimes de exceção (GONZÁLEZ-OCANTOS, 2016, p. 8). Dessa maneira, se os juristas internacionalistas realmente acreditamos que o direito internacional pode ter algum papel na transformação do mundo em um lugar melhor para todas as pessoas, devemos não apenas dialogar entre nós, mas também criar pontes que intensi�quem as relações entre a academia, as instituições e a sociedade civil. Só assim será possível concretamente avançar as ideias em que acreditamos. REFERÊNCIAS ABRAMOVICH, Victor (Comp.). Una nueva institucionalidad pública: Los tratados de derechos humanos en el orden constitucional argentino. In ABRAMOVICH, Victor; BOVINO, Alberto; COURTIS, Christian. 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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ACP Ação Civil Pública ATS Alien Tort Statute CADH Convenção Americana de Direitos Humanos CFE Conselho Federal de Educação CIJ Corte Internacional de Justiça CNBB Conferência Nacional dos Bispos do Brasil CNE Conselho Nacional de Educação CNJ Conselho Nacional de Justiça Corte IDH Corte Interamericana de Direitos Humanos CTN Código Tributário Nacional CVDTE Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados entre Estados de 1969 DF Distrito Federal DIP Direito Internacional Público ECIJ Estatuto da Corte Internacional de Justiça EUA Estados Unidos da América GATT General Agreement on Tariffs and Trade IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis MPF Ministério Público Federal OAB Ordem dos Advogados do Brasil ONU Organização das Nações Unidas OPAS Organização Pan-Americana da Saúde SJDF Seção Judiciária do Distrito Federal STF Supremo Tribunal Federal TJRJ Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro TRF da 1ª Tribunal Regional Federal da Primeira Região Região TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS 0000939-04.2017.4.01.3400 0014181-98.2015.4.01.3400 0019079-86.2017.4.01.3400 0043552-10.2015.4.01.3400 0065123-03.2016.4.01.3400 0067279-61.2016.4.01.3400 1012047-42.2019.4.01.3400 1015852-66.2020.4.01.3400 1006801-07.2015.4.01.3400 0071180-37.2016.4.01.3400 0073153-27.2016.4.01.3400 0073704-07.2016.4.01.3400 0074398-73.2016.4.01.3400 0013654-25.2010.4.01.3400 0056762-70.2011.4.01.3400 0044403-88.2011.4.01.3400 0044342-33.2011.4.01.3400 0029986-96.2012.4.01.3400 0049532-40.2012.4.01.3400 2009.34.21815-5 009569-88.2013.4.01.3400 059532-70.2010.4.01.3400 053342-57.2011.4.01.3400 29638-0.2008.4.01.3400 064184-96.2011.4.01.3400 015837-95.2012.4.01.3400 053775-90.2013.4.01.3400 059018-49.2012.4.01.3400 0026281-56.2013.4.01.3400 0046502-31.2011.4.01.3400 0049580-62.2013.4.01.3400 0078724-81.2013.4.01.3400 0022600-15.2012.4.01.3400 0001875-34.2014.4.01.3400 0005320-94.2013.4.01.3400 0026819-37.2013.4.01.3400 0032210-36.2014.4.01.3400 0054466-75.2011.4.01.3400 0048339-87.2012.4.01.3400 0047657-64.2014.4.01.3400 0047024-53.2014.4.01.3400 0009077-62.2014.4.01.3400 0060618-37.2014.4.01.3400 0001985-94.2015.4.01.3400 0037563-57.2014.4.01.3400 0018138-10.2015.4.01.3400 0036550-86.2015.4.01.3400 0010987-56.2016.4.01.3400 0079479-53.2013.4.01.3400 0034816-03.2015.4.01.3400 0037006-70.2014.4.01.3400 0069880-11.2014.4.01.3400 0008040-68.2012.4.01.3400 0001633-46.2012.4.01.3400 0053004-44.2015.4.01.3400 0068346-37.2011.4.01.3400 0060724-96.2014.4.01.3400 0022762-68.2016.4.01.3400 0043552-10.2015.4.01.3400 0022899-50.2016.4.01.3400 0071302-50.2016.4.01.3400 0004286-50.2014.4.01.3400 0081348-69.2014.4.01.3400 0085211-33.2014.4.01.3400 0028889-22.2016.4.01.3400 0071033-11.2016.4.01.3400 0006981-40.2015.4.01.3400 0041675-69.2014.4.01.3400 0022033-08.2017.4.01.3400 0071034-93.2016.4.01.3400 0008035-46.2012.4.01.3400 0000524-26.2014.4.01.3400 0008224-82.2016.4.01.3400 0008218-75.2016.4.01.34000042220-71.2016.4.01.3400 0047332-21.2016.4.01.3400 0036277-73.2016.4.01.3400 0009041-54.2013.4.01.3400 0062830-94.2015.4.01.3400 1025295-75.2019.4.01.3400 1009444-93.2019.4.01.3400 1025358-37.2018.4.01.3400 1012831-53.2018.4.01.3400 1033914-91.2019.4.01.3400 1017222-17.2019.4.01.3400 1015437-20.2019.4.01.3400 1008041-89.2019.4.01.3400 1021479-22.2018.4.01.3400 1000674-48.2020.4.01.3400 1006389-08.2017.4.01.3400 1004823-58.2016.4.01.3400 1001531-31.2017.4.01.3400 1007170-30.2017.4.01.3400 1003598-66.2017.4.01.3400 0043543-48.2015.4.01.3400 0073157-64.2016.4.01.3400 00092.0001520-4.4.01.3400 0023604-92.2009.4.01.3400 0042070-90.2016.4.01.3400 0017618-16.2016.4.01.3400 0009481-45.2016.4.01.3400 Folha de Rosto Créditos INTRODUÇÃO CAPÍTULO PRIMEIRO: ALGUMAS PALAVRAS SOBRE O MÉTODO 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 1.2 O DESENVOLVIMENTO DO PROBLEMA DE PESQUISA 1.3 A COLETA DOS DADOS 1.4 A ANÁLISE DOS DADOS 1.5 CONSIDERAÇÕES METODOLÓGICAS FINAIS CAPÍTULO SEGUNDO: AS CORTES NACIONAIS E O DIREITO INTERNACIONAL 2.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 2.2 A JURIDICIDADE DO DIREITO INTERNACIONAL 2.3 O PAPEL DAS CORTES NACIONAIS NO DIREITO INTERNACIONAL 2.4 AS POSSIBILIDADES DE ATUAÇÃO DAS CORTES NACIONAIS 2.4.1 Aplicação do direito internacional 2.4.2 Criação do direito internacional 2.4.3 Implementação das decisões das cortes e organizações internacionais 2.5 UMA PROMESSA NÃO CUMPRIDA CAPÍTULO TERCEIRO: RECURSO AO DIREITO INTERNO 3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 3.2 ESQUIVANDO-SE DO DIREITO INTERNACIONAL 3.3 DIREITO INTERNACIONAL, ESSE DESCONHECIDO 3.4 O DIREITO INTERNACIONAL NAS FACULDADES BRASILEIRAS 3.5 AVERSÃO AO ESFORÇO E CANSAÇO 3.6 POR QUE ESTUDAR DIREITO INTERNACIONAL CAPÍTULO QUARTO: DOUTRINAS DE NÃO JUSTICIABILIDADE 4.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 4.2 COMO EVITAR O JULGAMENTO DE UMA CAUSA INTERNACIONAL 4.3 ATO DE ESTADO E DIREITO INTERNACIONAL 4.4 QUESTÕES POLÍTICAS E DIREITO INTERNACIONAL 4.5 UMA QUESTÃO DE PREFERÊNCIA 4.6 ANALISANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS EM MATÉRIA DE RELAÇÕES EXTERIORES 4.7 O CONTROLE JUDICIAL DA POLÍTICA EXTERNA CAPÍTULO QUINTO: O PESO DO INTERESSE NACIONAL 5.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 5.2 O INTERESSE NACIONAL COMO ÓBICE À APLICAÇÃO DO DIREITO INTERNACIONAL 5.3 O LUGAR DO INTERESSE NACIONAL NO DIREITO INTERNACIONAL 5.4 AVALIANDO AS PREFERÊNCIAS JURÍDICAS SOBRE O INTERESSE NACIONAL 5.5 O DIREITO INTERNACIONAL DEVE SER APLICADO CONTRA O INTERESSE NACIONAL? CONCLUSÕES REFERÊNCIAS CASOS ATOS NORMATIVOS LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS TABELA DE PROCESSOS ANALISADOS