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FEHNANDO BASTOS DE ÃVILA, S. J. INTRODUÇÃO ' A SOCIOLOGIA CAPA DE HELENA GEBARA DE MAC�.:,·:-&.�.'� ... '.'--. li" ; .(· ··• J . � : . .· ,. , t •. '() ' /· .. . ·.·· . "·•.' /,·., 4.ª edição - · , ' ()\ revista e amp\jadà ..Z... 1970 .. . .' r • O\ . .· � r. '(11 •. , ....-< \ \ .· . �. .J . • • . ' ., \.. .• '":' •. . r:- . ·'!.;:"' ,. • ,.- !:-r:1 · . . . ' . . . .. . t ; '--l: � .,,- / Livrar/a AGIR �tlilôr.t. RIO DE JANEIRO ' Cowf'iuht de ART1t;s GRAFICAS IND1'STRTA� RF.TTNTDAS S. .\. (AG I R) NIHIL OBSTAT P. Armandus Cardo8o, S. J. · Praep. Provin. Brasil centralis 22-X-1961 IMPRIMATUR P. Josephus da Frota Gentil, S. J. Censor Deputatus 30-X-1961 Livraria AGIR �dllôra Rua Br•uHo Gomes, 126 (ao lado rla Bibl. Mun.) Tt>I.: ��4-8300 Caixn Po�tnl 6040 São Paulo - SP Rua México, 98-B Rua Espirito Santo, 846 Tel.: 242-8327 Loja 16 Caixa Postal 3291-ZC-OO Tel.: 22-3038 Rio d.� Janeiro Caixa Po�tal 733 • Guanabara Belo Horizonte - MG Enderêço Telegráfico: "AGIRSA" \ .. ...... • A MEUS MESTRES A MEUS ALUNOS ' ·,, , • 1 fNDICE J>refácio à 1.ª Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Prefácio à 2.ª Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. 1.ª PARTE: QUESTõES PRÉVIAS Introdução Capítulo 1: . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Noção de Sociologia . • • • • • • . • � . • • • • • • • • • . • • • 17 23. § 1. A Sociologia como ciência . . . . . . . . . . . . • . . . • . . • 23" § 2. A Sociologia como ciência positiva . . • • • • • • • • • . 86 Apêndice: O ensino das ciências sociais no Brasil . • . • • • • . 42· Leituras complementares . • . . • • . • • • . • . • • • . . . . . . . . • • • . • • • 57· 2.ª PARTE: CONDICIONAMENTOS DO FATO SOCIAL Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61. Capítulo II: O fat.or ambiental • . • . • • • • . • . • . • • . • • • • . • • • 68: § 1. N oç.ão • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • ........... • • • • • • • • • • • 63 .. § 2. Classificação . . . . . . . . . . . . . • • . . . . . . . • • • . • • . . . . • 65- § 3. Influência social do quadro geográfico • • • • • . . • 66 Leituras complementares • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 76. Capitulo III: O fator demográfico • • • • . • • • . • . . . • • • • • . • . . 77· § 1. Aspectos sociológicos da estrutura de uma popu- lação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78. § 2. Análise dinâmica da população • • • • • • • . • • • • • � • • 88. Leituras compl.entares • • . . . • . • . • • • • • • . • • . • • . . . . • • . . . 107 Capitulo IV: Fatôrea bio-psico16gicos • • • . • • • • • • • • • • • . • • • 108: 1 1. Análise estática da personalidade • • • • • • • • . • • • l'OS. § 2. Análise dinâmica da personalidade . • . . . . . . . . . . 115 �ituraa complementares • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • 124 l O }�ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. a.� JIA1tT�!: O PLANO SOCIAL l 11 tr<>d uçiio . . . . . . . . . . . . . . . • • . • . • . . . • • . . • . . . . . . . . . . . . . . . 127 Cnpitulo V: A dimensão micro-sociológica . . . . • . . . . . . . . . . 130 § 1. A perspectiva vertical . . . • • • . . . . . • . . . . . . . . . . . 130 § 2 . A perspectiva horizontal • . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 Apêndice: A Sociometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 150 Leituras complementares . • . • • . . • . • • • . • . • • • . • . . . • . • . . . . • 154 \_Q�;Í{uJ.L v:J) A dimensão macro-sociológica. Os grupos formaIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 § 1. Nominalismo ou realismo sociológico? . . . . • . . . . . 156 § 2. Tipologia dos grupos . . . . . • . . • . • . . . . . . . . . . . . . . 17 4 § 3. Dinâmica dos gr11pos • • • • • • • • • • • � • • • • • • . . . • • • • 197 . Leituras complementares . • • . • . . . . • . . . . . . • . . . • _ . . • • . . . . . . 201 Capítulo VII. Os grupos concretos. A família . . . . . . . . . . . 202 § 1. Teorias sôbre a evolução da família . . . . . . . . . . 202 § 2. A família contemporânea . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 § 3. A família no Brasil . • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 Apêndice: Doutrina da Igreja relativa à família . . . . . . . . 225 Leituras complementares . • • . . . . . . . . • . . • . . . . . . . . . . . . • . . . 236 Capítulo VIII: As classes sociais . . . . • . . . . • . . . . . . . . . . . . . 237 § 1. Conceituação . . . . • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238 § 2. As diversas classes e suas características . . . . . . 253 § 3. A formação das classes no Brasil . . . . . . . . . . . . . 257 Leituras complementares . . . • . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 Capítulo IX: As sociedades globais . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262 § 1. Análise formal . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . • • . • • • • • 262 § 2. Análise de diversos tipos de sociedades . . . . . . . . 273 Leiturns complementares . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285 4." PAltTJ.!: O PI.ANO CULTURAL J ntroduçi"lo . • . . . . . . . . . . . • . . • • . • • . • . • • . • . . • • • . • • . • • • . . . • 289 Ca1•ítulo X: A cultura t�omo fenômeno social . . . . . . . . . . . . 291 § 1. Concc�itunc;iio . . . . . . . · . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . .- . . 291 § 2. J:t�lenwnlml du cultura . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . • 294 § 3. Sociologia da cultura . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . · 298 T .t�iturns complementares . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . • • . . . . . . . . 309 tndi<·'-� nnnlíti(•o . . . . . . . • • • • . • • . • . . . . . • • . . . • . . . . • . . • . . . . . 311 lndict• dt' nomes citados . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 PREFACIO À 1. ª . EDIÇÃO As notas que agora a'P'f'esentamos nesta INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA são os resultados da experiência do Autor como .aluno e como 'J)'rofessor. Como alu,no, o Autor percebeu duas grandes correntes ·na elaboração dos textos de Sociowgia: a corrente anglo saxônica e a corrente latina. A primeira, re'J)'resentada pelos 1J,atores inglêses e americanos, mais episódica, mais enci .clopédica, e ao mesmo tempo mais aderente ao real. A se gunda, mais freqüente entre autores de ex'J)'ressão francesa, mais sistemática, mais preocupada com a estryturação ló gica da matéria. Cremos que as duas correntes têm suas vantagens. A primeira oferece uma visão ampla do campo sociológico, e maior senso de realismo e de praticidade. Mas, por outro lado, dominar uma ciência nã-0 significa apenas possitir inú ·meras idéias esparsas sôbre um assu11.to. lmpli,ca também na criação de uma estrutura mental, na qual as idéias rece bam uma concatenação lógica. E é esta a superioridade in contestável da segunda corrente. A experiência do Autor, como professor, visou, prin eipalmente, a -.chegar a uma elaboração da sociologia que· ·conciliasse essas duas vantagens. A divisão da matéria nos diversos planos, escalas e dimensões, parece dar ao aluno uma certa capacidade de ,,. . • 1 '. � l•'l•:I< NA N l>O BA �TOS DE ÁVILA, S. J. ""'º onlnmrúo "" t�o1nplcxidade dos assuntos cobertos pela .\�111·iolo,t1ia. (! lilu�rtá-lo de um enciclopedismo estéril. /'or outro lado, porém, a divisã,o é bastante ampla para iu/,·11rt1.r tmt xi, ordenadamente, todos os temas de real inte .,.,:11.'lt' t/IW constituem instrumentos conceituais mais pene-· f.nrnfrx na realidade social. Nmntltado da experiência, de um aluno e de um mestre,. nftn obrasó poderá beneficiar-se com as correções, adições· f! .'fu.pressões que amigàvelmente lhe sugerirem os que fo ra:m o.u os que são melhores mestres e melhores alunos do· que o Autor. Rio de Janeiro, 8 dê dezembro de 196()1 .. • 1.ª PARTE QUESTõES PMVIAS / ' Examinamos, na segunda parte dêste livro o plano do fato social global que chamamos de pré-social, o qual com preende os diversos fatôres naturais que condicionam a vida dos grupos e oferecem o contexto dentro do qual se insere. Na terceira parte, procuramos estudar o fenômeno so �ial em suas dimensões micro e macro-sociológicas, termi nando com o exame de diversas tipologias dos grupos e das sociedades globais e dedicando nossa atenção, a título exem plificativo, a dois tipos de grupos: a familia e as classes sociais. Nesta quarta e última parte, pretendemos examinar o plano cultural, cujo objeto passamos a definir. O homem, vivendo em grupos, cria, produz, individual e coletivamente, aquilo de que necessita para a satisfação de suas tendências. Essas criações s·ão inúmeras na sua va riedade : sistemas de símbolos orais e escritos, instrumen tos, habitações, cidades, meios de transporte, códigos de leis, instituições, obras de arte. O conjunto destas criações chama-se cultura e o que no seu estudo nos interessa agora, e constitui o objeto desta quarta parte, são as relações en tre ela e a vida em grupo, são as relações entre o plano cultural e o plano social. Por outras palavras, é nossa in tenção examinar aqui as influências que a vida social exer·, IH l<'EltNANOO BAS'IQS DE ÁVILA, S. J. uo:-\�o cm vias de desenvolvimento. Pessoas capazes de de :it•n1p�nhar esta função estão sendo cada vez mais solicita. .. tluH, a ponto de já lhes ser garantida uma carreira, um meio de vida, de vastas perspectivas. Para compreender-se a importância da função do so ciólogo, teríamos de partir de algumas reflexões relativas à atual conjuntura sociológica brasileira. Assumindo o risco de repetir uma verdade acaciana, diríamos que o nosso momento histórico se caracteriza pelo fato de vivermos um problema social. Entretanto, o têrmo problema social, de tão empregado, perdeu completamente sua precisão e, antes· de utilizá-lôs como instrumento de análise, importa defini-lo com exatidão, sob pena de ficar em generalidades. A expressão problema social implica, numa primeira aproximação, na idéia de desajustes coletivos, resultantes da própria vida em grupo e afetando a essa vida. Restringindo agora nossa atenção para o conceito de desajuste, verifi camos que sugere a idéia de inadaptação entre dois elemen tos que deveriam coadunar-se. É neste sentido que se fala de uma roupa,_ ou um.a peça desajustada. Tratando-se do âmbito social, quais serão os dois elementos cuja mútua ina dequação determina o desajuste que constitui a essência do problema social? Utilizando categorias conceituais elabo radas por G. SIMMEL, diríamos que êsses dois elementos são, por um lado, as estruturas sociais, - as objetivações do es pírito, na terminologia de SIMMEL, e por outro, a vida .social. As estruturas sociais são o elemento estático da reali dade social global, os fatôres de fixidez e de permanência que garantem ao grupo sua identidade consigo mesmo, no tempo e no espaço. O têrmo tem uma origem arquitetônica, que auxilia a compreensão de sua aplicação social : estru tura é a armação de concreto do edifício. A organização do direito constitucional administrativo, civil, penal e social, a organização econômica, as instituições de tôdas as nature zas, a organização da previdência social, a organização sin- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 19 ti i<�al, as organizações de crédito, de produção, os mecanis moH de distribuição de renda, tudo isto, e muito mais ainda, fo11i-1titui as estruturas sociais. A vida social é o elemento dinâmico da realidade social, �úo êl.B potencialidades biológicas e psíquicas do grupo em <'011Línua transformação, em incessante ação criadora, com Htm fôrça de expansão demográfica, com suas característi ruK psicológicas, com sua composição étnica, com suas as J>i 1·ações e idéias coletivas. Esta vida em expansão exerce continualllente pressão 11a:-1 estruturas. Por outras palavras, as estruturas s·ão con- 1.i 11 uamente distendidas por dentro, pela dinâmica da vida que se orienta nas direções mais inesperadas. Daí os desa j u:-iies, daí a sensação coletiva de um problema social. Esta conceituação de problema social nos encaminha para um ensaio de interpretação do problema social brasi h•iro, e de nossa atual conjuntura sociológica. Se o nosso pro-. . blema social se formula em têrmos de desajuste entre as PHtruturas e a vida, sua solução só pode ser formulada em t.l"n·mos de interiorização ou de vitalização das es..t'ruturas. Normalmente, não existem problemas de desajuste, por 4'xemplo, no interior do corpo humano, apesar de possuir úl<� um sistema ósseo, como elemento estrutural de susten t.rn:iio e de estabilidade. Isso não sucede porque, no corpo, a 1n·6pria estrutura é vida, é penetrada de vida e evolui com •'ln. Não é um sistema rígido impôsto de fora, e pesando Môbre a vida . • Tá podemos formular agora em têrmos precisos qual n mi�Rão das Ciências Sociais na atual conjuntura brasilei- 1·u: compete-lhe justamente ser um dos fatôres dessa vita- 111.nção de nossas estruturas sociais. Cabe-lhe auscultar as pttlKações dessa vida, interpretá-las com exatidão e objet1� vlcliufo aos responsáveis pelas estruturas, muitas ·vêzes in- \ (�onM-cientes das mutações da vida. No sociólogo, a vida tmdal toma consciência de si, e o que era desajuste mais vivido, se.ntido, do que coneeitualizado, consegue formular-se l•'lfüNANl>O BAS1'0S DE ÁVILA, S. J. t•m t<.!rmm� científicos capazes de abalar a placidez daque l(•:-c que são investidos de autoridade. O sociólogo permite o <liidogo entre os que vivem e os que legislam; entre os elementos vitais e estruturais da realidade social. Com isto, não só Lm�s já formulado o que cremos ser a função essencial do sociólogo na atual conjuntura brasi Jeira, conjuntura de transições, nas quais os desajustes são particularmente sensíveis, mas também deixamos entrever os múltiplos e vastos planos que o solicitam. Quais são as conseqüências sociológicas do processo de industrialização no Brasil? Há ensaios fragmentários sôbre o assunto, há tentativas para domi'nar sjstemàticamente o problema, mas até agora somos arrastados pela dinâmica de um processo histórico, sem conhecer e sem poder contro lar-lhe as eventuais conseqüências desfavoráveis. Ninguém tem noção exata da natureza, da extensão, da profundidade dos impactos sociológicos de nossa economia que se indus trializa. Qual a situação concre�a dos diversos níveis que com põem a nossa estrutura social? Qual a ponderação dos f a tôres que influenciam nossa mobilidade tanto horizontal como vertical? Qual a eficácia dos nossos mecanismos de segurança e previdência sodal? São estas algumas das importantes incógnitas, de cuja elucidação depende a solução do nosso problema social e a orientação de uma verdadeira política social, e unicamente o sociólogo realmente habilitado pode trazer esta elucidação indispensável. • * • A esta altura, cremos J a ser possf vel descortinar a amplitude de horizontes dos campos que solicitam o tra balho do sociólogo. Entretanto, o candidato à Sociologia ain da tem direito a objetar que� sozinho, sem meios, não pode enfrentar essa mesma tarefa. ' INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 21 Hc�pondemos que já existem hoje inúmeras entidades pu hlicas e privadas dispostas a. contratar os serviços do so ' · iúlug-o para essas e outras pesquisas. Ae Cimaras, com :.(uns respectivas bancadas, os Institutos e Autarquias criam H8:-1c��orias técnicas que reclamam a presença do sociólogo. 01·�anizações industriais e sindicais, conselhos de redação dt· p<'riódicos sentem cada vez mais a sua ausência.O mes .. 1110 Hc diga de organisn1os internacionais interessados em n�uhccer a nossa situação e as nossas experiência�. São raras a:-i profissões que, hoje, para seu trabalho, não exigem a co laboração do sociólogo. O legislador, o jurista, o urbanista, o <'conomista, o pastor de almas, o industrjal, todos preci :.cnn1 dêle para superar o palpitismo pelo qual se orier1taram nl(• agora. Tanto que se pode dizer, sem receio de êrro, que o 1u·oblema não é tanto o de encontrar colocação para o so dblog-o, mas o de encontrar verdadeiros sociólogos para as i 11úmeras colocações que os disputam. Enfim, importa não esquecer que, dadas as necessidades , ... rn�centes dêste especialista no nosso mercado de trabalho, Ht � multiplicam no Brasil as instituições de ensino superior q1u� criam Escolas e Institutos de Ciências Sociais. Com isto, ru u lti plicam-se, por sua vez, as possibilidades de colocação un corpo docente desdas novas organizações, angustiadas J>•�ln escassez de especialistas nas diversas disciplinas neces M{Lria.s ao currículo. CAPfTULO I NOÇÃO DE SOCIOLOGIA § 1) A Sociologia como ciência A Sociologia é a ciência posi,tiva do fato social global. Como ciência, a Sociologia é um conjunto de conclusões coerentemente estruturadas e certas, sôbre determinado objeto, no caso, a realidade social. Como tôda ciência, ela tem um processo de elaboração hem definido. I) A Sociologia parte da observação e descrifâo dos /a.tos. Esta primeira etapa deve ser dominada pela pre ocupação de objetividade e exatidão. Uma observação é obj etiva quando não falseada por fatôr�s de .Ô rdem subje tiva. A contraprova da objetividade é dada pelo fato que . . outros observadores, empregando os mesmos métodos, se- . j am conduzidos aos mesmos resultados. Importa, desde o início, alertar o leitor para o fato que a objetividade, em Sociologia, tem dificuldades inexisten tm; nas Ciências Naturais. Não é a mesma coisa observar um fato social e uma cobaia. A cobaia é perfeitamente obj e to. Entre ela e o naturalista existe um dualismo nítido, uma \ perfeita alteridade,. que dá ao observador a isenção indis r<�m�ável para vê-la como uma coiaa. O mesmo não acontece romo o fáto social. Nêle, o próprio observador estã de certo 1-'l·�ltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. ruodo implicado. É ao mesmo tempo ator e espectador. O i11strumento de percepção pelo qual emergimos para o mun do social leva a marca do meio social, nacional ·e cultural cn1 que nascemos e que nos formou. O mesmo fato social é percebido de maneira diversa por observadores pertencen tes a meios sociais diversos. Um chefe sindical e um chefe patronal vêem de maneira diversa um fato social, como, por exemplo, uma greve em vista de um reajustamento de salá� rios. Não é necessário supor malícia ou mã-fé, em um ou ·em outro, para explicar a diversidade de versões que dão do mesmo fato social. .É que cada um dispõe de um apare lho de percepção social de marcas d.ifere�tes, e êstes apa relhos são automàticamente seletivos. Só o observador alertado para êste fato poderá ter a preocupação de procurar os corretivos que atenuem a ine· vitável refração que sofre o fenômeno social. 1 Para conhecer a realidade social, é preciso participar dela. Sem esta participação, sem a plena integração no meio que se analisa, é possível conhecê-la em suas dimensões su perficiais, mas é pràticamente impossível atingi-la em sua especialidade irredutível. Isto, porque 9. conhecimento. da .realidade social é mais uma questão de consciência que de . . observação. Q. conhecimento social é a consciência de uma vivência coletiva do grupo ao qual se está integrado. O ver dadeiro sociólogo é o individuo pelo qual o grupo como être en soi se transforma em être pcr.n soi. É o indivíduo no qual o grupo chega a auto-consciência de suas próprias vi vências. '.É o individuo no qual ressoam tôdas as vibrações vitais que percorrem o grupo. Dai a impossibilidade prá- 1 É dêste ponto-de-vista que o leitor poderá formar um juízo. crítico sôbre a regra metodológica do socialismo de DUR.KHElM: "(•onRiderar o fato social como uma coisa'' (Regleif de la m,éthode �ocioloy·ique, Paris, P. U. F., 1950, pág. 15) . O pensamento de OURKHRIM teve o mérito de introduzir na Sociologia a preocupação "(' ohj(•tividade. O fato social, porém, nunca pode sP.r redutível a umn cohm. A objetividade em Sociologia tem dificuldades específi t·n� que nüo se verificam nas ciências da natureza. INTRODUÇÃO Á SOCIOl.JOGIA 25 . tica de um conhecimento social autêntico sem a participa ção. A diferença que há entre o conhecimento social por par ticipação e o conhecimento socia� por mera observação é a mesma que há entre o conhecimento que temos da dor de dente do vizinho e o conhecimento que temos da nossa. Esta parece-nos ser a intuição profunda da verstehende Soziolo gie de MAX WEBER. 2 Por outro lado, entretanto, não é possível um conheci mento objetivo sem um qualquer recuo, ou alteridade entre o sujeito e o objeto. A objetividade, pela sua própria fôrça etimológica, sugere alguma coisa lançada diante do sujeito ( ob jact'Um) • .Sem esta qualquer alteridade entre sujeito e· objeto, entre o observador e a realidade social, por outras palavras, numa situação de participação total no fato so cial, não se vê bem como será possível ao observador es capar às influências dos. fatôres subjetivos na sua mesma visualização da realidade social. Não se vê bem como o obser vador corrigirá os erros de perspectivas devidos à sua pró pria posição social e condições pessoais. Os esforços na superação dêsse antagonismo entre .. par ... ticipação e alteridade parecem-nos orientar-se em duas di reções principais. Os que se orientam na primeira direção são dominados pela preocupação predominante da alteridade, e se esfor <;am por excogitar métodos e técnicas de participação fictí cia, sem compromisso com a realidade social. Quais as vi vências de uma pessoa que participa de um fato social? Qual o seu comportamento dentro dêste fato? Trata-se apenas de reviver êsses comportamentos, de despertar as mesmas vi vências, e observar, mantendo sempre o recuo necessário à objetividade de observação. O processo é talvez suficiente para a análise das ca madas mais superficiais da realidade social global: as es- \ truturas organizadas, os comportamentos coletivos subme� :.! Sôbre MAX WEBER, consultar Cap. VII, nota 13. J<'l•:JtNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. UcloH n uma certa regularidade. Pa.reee-nos absolutamente im�fknz para atingir as camadas mais profundas da reali dade �ocial. Os que se orientam na segunda direção são dominados Jlcln preocupação da participação e da autenticidade, e para manter o recuo indispensável à objetividade tentam duas vias bem distintas. Uma é a da apuração cada vez maior dos instrumentos conceituais de análise e dos métodos de pes quisa, no S'entido de evitar nestes a interferência dos fatô res subjetivos. Outra é a de uma educação da própria atitu de ou da perspectiva do observador. É neste sentido que se desenvolve o esfôrço de GUERREIRO RAMOS na elaboração de um processo de redução sociológica. Objetividade é atingir a realidade social no que ela tem de mais essencial, é redn zir esta complexa realidade ao que ela tem de típico, é atin gir as grandes linhas de tendência, abstraindo das oscila ções conjunturais, e as grandes linhas de sua estrutura, abstraindo do que é episódico e decorativo. Se objetividade é isto, ela s6 é possível pela participação. A nosso ver> estas tendências fundamentais não são in compatíveis, mas complementares. A maior objetividade só é possível por um esfôrço conjugado de participação por um lado, e por outro de utilização das técnicas mais rigorosas, para a eliminação dos fatôres subjetivos que possam influ enciar o observador participante. Esta talvez, em largos traços, é a problemática atual da objetividade em Sociologia. II) A Sociologiaprocura, a seguir, aproximando os fatos observados e descritos com objetividade e exatidão, surpreender as relações que os unem e registrar as regula ridades, as constâncias destas relações. Por outras palavras, procura formular leis sociológicas. Não se tr�ta de leis nor mativa�, como veremos a seguir, que indiquem como se deve ngir. Trata-Re de leis mera.m.ente constatativas, que indicam como <lc fato se age. Sugerimos, como exemplo: a observa- \ INTRODUÇÃO à SOCIOWGIA 27 ção exata e objetiva de orçamentos de famílias pertencen tes a diversos niveis sociais revela que existe uma relação constante entre o nivel social e a proporção do orçamento aplicada à alimentação. O sociólogo formula, pois, a lei : a proporção do orçamento familiar aplicada à alimentação é tanto menor quanto mais elevado é o nível que a família ocupa na escala social. É fácil de deduzir do exemplo, que se trata de uma lei que formula como o fenômeno se processa, sem nenhuma in junção a proceder dêste modo. A noção de lei sociológica levanta o problema da liber dade humana e dos determinismos sociais. 3 Não falta quem suponha que a simples afirmação de leis sociológicas impli que a negação da liberdade individual, e foi por esta razão que, du1·ante muito tempo, principalmente em certos meios jurídicos e clericais, pairou uma suspeita contra a Sociolo gia como ciência positiva. Afirmar a existência de leis so ciológicas não implica a negação da liberdade individual, exatamente porque se trata de formulações que exprimem o comportamento dos grupos, sujeito à lei dos grandes nú meros. Quando se diz que maior incidência de criminalidade ·' é observada na miséria e na indigência, não se está por isto afirmando que cada um dos indigentes que cometeu crimes não poderia deixar de tê-los cometido. Constata-se uma re lação entre indigência e criminalidade, revelada pelas es tatísticas. Afirma-se que a miséria condiciona ou propicia a criminalidade no grupo. Não se penetra no plano ético da liberdade individual. Cremos dever insistir na idéia da existência de deter minismos sCiciais relativos. Se o fenômeno social não apre sentasse certos . determinismos ou, seja, regularidades e cons tâncias, de tal forma que determinadas causas ou condições provocassem certos efeitos ou tendências, seria impossivel 3 O, leitor não poderá desconhecer a formulação do problema <•laborada por G. GURVITCH: Detern1.ini.Ames socia.u,x et liberté. hu- 1na.ine, Paris, P. U. F., 1955. l•'Jo:ltNANJ>O HASTQS DE ÁVILA, S. J. 11mn <'ii•ucia indutiva do fato social. Seria impossível uma. :--ltwioloJ.{ia. Notemos, entretanto, que êstes determinismos so cini:i Hão relativos, isto é, não obedecem ao mesmo rigoris nw <108 determinismos físicos. Isto porque o fenômeno so cial leva em si o germe do imprevisível que é liberdade. 8omos mesmo levados a afirmar que a Sociologia é a ciên t·it1, indutiva dos determ,inismos sociai8 relativos ou tenden- ' ciais, o que quer significar que no fenômeno social, as mes- mas causas dão origem não necessàriamente aos mesmos efeitos, mas às mesmas tendências. III) Enfim, como ciência, a Sooiologia deverá reassu mir as leis sociológicas, num plano mais elevado de genera lização, para constituir uma teoria. Na fôrça etimológica do têrmo, teoria é uma visão de conjunto. Visão especulativa global, na qual diversos fenô menos, coerentemente estruturados, recebam uma explica- ção cabal. 4 · Tôda teoria é resultado de um trabalho de abstração, e por isto mesmo é dotada de um grau maior ou menor de ge neralização. A simples descrição coerente da realidade não é teoria. A descrição cola ao real. Na medida em que é objetiva, é singular, mesmo quando é panorâmica. Não se destacou das viscosidades do real para tornar-se um puro esquema for mal, capaz de reassumir, em si, muitos fatos, muitos fenô- menos. Pela mesma razão, a acumulação de dados factuais não é teoria. A acumulação de muitos fatos singulares não vale uma generalização. Uma teoria não é um mosaico, no qual uma grande variedade de rochas está singularmente repre sentada. Seria um esquema formal imputável a tôdas as ro chas. Quanto mais elevado o nivel de abstráção em que se �itua uma teoria, tanto mais amplo o raio do círculo de seu .. Puhli<'ndo na Revista Brasileira, de Ciências Sociais, julho, vohmw JI, n.0 2, pág. 102. ' INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 29 valor de generalização, isto é, tanto maiores as áreas de f e nômenos que reassume em si. Teoria não é, entretanto, o resultado de uma pura ope ração cerebral. Não é um puro ente de razão. Vale o que vale sua fidelidade ao real. Resultado de uma operação abs trativa, ela implica no processo de sua própria elaboração uma referência à matriz da realidade da qual é abstraída. Na medida em que· é verdadeira, isto é, na medida em que se adeqüa ao real, na estrutura formal de sua essencialidade, ela é dotada de um valor heurístico. O teste de uma teoria verdadeira é sua fôrça de previsibilidade. E a teoria per mite prever precisamente porque atinge a essencialidade das coisas, consideradas estàticamente, ou a estrutura causal dos fenômenos, considerados dinâmicamente. Uma síntese nã.o é uma teoria. Tôda teoria, partindo de rma h�s') a-rrnlftica, é necessàriamente sintética. Mas nem tôda síntese é teórica. De si, uma síntese indica apenas' um "colocar com", um arranjo lógico de objetos ou fatos sin gulares. Não supõe um autêntico esfôrço abstrativo, a não ser o de desbastar as excrecências exuberantes do real. Sín� tese, com efeito, conota sempre um trabalho de condensação, de resumo. Uma teoria também não é ainda um mero sistema de hipóteses. tste tem apenas urna função p1·ovisória numa construção teórica. São os andaimes. Servem como uma es pécie de artifício metodológico para a elaboracão de uma . - . teoria, artifício aliás que constitui a etapa desta elabora- ção que mais provoca a imaginação criadora do teoriza dor. Muitas vêzes o grande mérito de um pensamento não é criar uma teoria prematura, mas um sistema de hipóteses esti mulante para sua emergência oportuna. Uma teoria parte sempre de um tal sistema, que o cientista vai pôr à prova, à luz dos fatos e das leis registradas. Observando o fenô meno das /infecções e o processo das moléstias inf ecto-con tagiosas. PASTEUR emite uma hipótese : tudo se passa como se (hipótese) existissem microrganismos dotados de uma :w Fl<�RNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. vt•rtigiUO$a capacidade de reprodução, responsáveis pelas in l"ccções e pelo fenômeno que os antigos denominavam de ge ração espontânea. A hipótese é testada através do uso de antisséticos e constitui-se a teoria microbiológica que vem trazer uma explicação coerente e cabal a uma série de f enô menos antes desconexos e inexplicáveis. Cremos que um sistema está para a teoria como a sín tese está para os conceitos. Por outras palavras, sistema é uma integração lógica de elementos teóricos, como a síntese é uma integração lógica de conceitos. A teoria é um ins trumento de transparência intelectual.; permite ver. O sis tema tem sua consistência própria para a inteligência. Na teoria, a inteligência tende para o real; no sistema, a inte ligência tende para o sistema em si mesmo. � a mesma di ferença vigente entre a palavra na Ciência e a palavra na Literatura. Na Ciência, a palavra tem um mero valor sim bólico; na Literatura ela vale por si mesma. Uma teoria, enfim, não é uma doutrina. Esta, para o doutrinador, tem um caráter definitivo de posse da verdade,. que não tem a teoria para o teorizador. t!ste admite sempre que uma teoria possa ser assumida num plano mais elevado de abstrações. Como modo de ver a realidade, é seµipre su jeita à revisão, desde que se descubram novos as:ó��tos do real. A doutrina, além disto, conota muitas vêzes uma re.:. ferência normativa para a ação, referência que não se encon tra na teoria; por isto mesmo, ela se revestede um carãter impositivo e uma fôrça aliciatória, que são estranhos à teo ria. A definiçã'> é a forma germinal da teoria. Contendo apenas elementos e�u�enciais, que compõem a estrutura for mal, despojada das variantes individuais, ela vale para todos os sêres incluídos na área por ela cobertas. Uma vez conhe cida a definição, não é mais necessário investigar cada nôvo indivíduo da mesma espécie. A definição é a teoria da es pécie. Ela permite a previsão para todos os novos indiví duos da mesma espécie, mesmo para aquêles que ainda não / - ----- ------ ----- ------ ----- -------- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 81 conhecia. É inútil procurar as vértebras de um nôvo mamí fero descoberto, de vez que sabemos que ser vertebrado faz parte da definição de mamífero. Uma definição só é legí tima, quando elaborada a partir de uma larga base indutiva ; quando a superposição de indivíduos de uma mesma espécie permitiu distinguir os elementos constantes em todos, dos elementos variá veis. A definição é, assim, a descrição con ceitua} do tipo. Uma tipologia, ou u.ma sistemática, é uma teoria mais rica, mais complexa, porque cobre áreas mais amplas, pelo fato de se situar em plano mais elevado de abstração. A sis temática é a racionalidade projetada sôbre a complexidade do real. É a ordem refletida sôbre a confusão viva do con creto. Não é sem razão que se chama também taxionomia. Ela integra em si, pela manipulação de critérios relativa mente simples, tôda a riqueza de um determinado setor do fenômeno, o mundo animal, por exemplo, ou o mundo ve getal. Uma teoria, entretanto, pode referir-se não apenas a um momento estático, mas também a um processo dinâmico. Somos mesmo tentados a crer que é indispensável distinguir teorias estáticas e teoriatt dinâmicas. A primeira se refere a um corte horizontal da realidade, e a segunda correspon deria a um corte longitudinal. No plano das imagens, a se gunda estaria para a primeira, como o cinema para a foto grafia. A taxionomia, ou a tipologia seriam teorias está ticas. Mas teoria dinâmica da realidade seria aquela que, pelo mesmo processo abstrativo, surpreendesse as linhas fun damentais de um processo, sem se deixar extraviar pelas suas variantes conjunturais. Uma teoria dinâmica também teria, como critério de sua validez, sua fôrça de previsibi lidade; também ela seria dotada de graus maiores ou me nores de abstração, na medida em que teorizasse segmentos maiores ou menores do processo. LINNEU elaborou uma teoria estâtica da realidade bio lógica. CONDORCET, no seu Tableau historique des progres de- Jt'l•:UNA Nl>O BASTOS DE ÁVILA, S. J. /' ,•,'f11ril lt.um.ain (1794) , tentou uma teoria dinâmica do pro v.r•·HHo humano concebido como um processo linear ascen clt•nt.u. WEltNER SOMBART, no seu Der moderne Kapitalismus ( 1 !)()2-l !)28) , propõe uma teoria dotada de menor teor de ge- 1w ralização, porque referente a um segmento mais preciso ele um determinado processo. A lei é a forma germinal de uma teoria dinâmica, da m<�8ma forma que a definição é a forma germinal de uma teoria estática. A lei abstrai de eventos, como a definição abstrai de objetos. Abstraindo de objetos, a definição, ou as definicões, constituem os elementos a serem integrados numa .. . sistemática, como os tipos são reassumidos numa tipologia. Abstraindo dos eventos concretos, as leis gozam de suficiente leveza conceitua] para serem reassumidos numa teoria ai nâmica. A lei não é mais que a formulação de constância, de re gularidades, em um segmento de um processo dinâmico. Uma teoria integrando u'a multiplicidade de leis domina tôda a extensão do processo. Os modelos já são formas teorizantes mais próximos de uma verdadeira teoria, e tanto mais se aproximam desta, quanto, através de aproximações sucessivas, podem aban donar as hipóteses simplificadoras que pressupunham a · sua verificação. O modêlo da lei da oferta e da procura é. um modêlo teórico válido apenas dentro de um complexo sif-1- tema de hipóteses simplificadoras, por exemplo, é válido enquanto não se leva em conta o fenômeno da elasticidade da demanda. Um modêlo teórico libertado desta hipótese é mais rico, envolve un1a área maior de fenômenos reais, porque de fato, na realidade, a demanda de muitos bens é elástica, ou inelástica. Em têrmos gerais, uma teoria sociológica seria uma vi são global da realidade social, na qual diversos fenômenos e eventos sociais, coerentemente estruturados, recebessem uma <�xplicação cabal, isto é, fôssem atingidos em sua estrutura <�nuMnl. Uma teoria sociológica também deveria situar-se 1 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 33 uutu ,.,,rio plano de abstração, de outra forma não sabe l ' lnt 1 1rnt t·omo distingui-Ia da crônica ou da história. Deve- 1 1 ln "" fí m oforecer, dentro de determinadas condições, cer- 1 "" H 1 1 n1 1 1 tiaH de previsibilidade. 5 N o pri meiro caso, se orienta no sentido da elaboração th' li 1wlof1ias .c;ociais. Cremos ser êste o sentido primeiro da HorlulnJ.�in formal de G. SIMMEL. Tal esfôrço teria como i·n1t1 po eh· ação a elaboração de tipos sociais, comportamen '°'' , . "' il tufos formai,s, tipo'logitts de grupos, in�tituições e ,,,,,.j,·tlwl"s. Muito se tem avançado nestas linhas. V . PERETO •1lnhoro11 OH tipos sociais do rentier e do spéculat€J'lfr . • 1 . :-\e 1 1 t 1 M t>J<;TER elaborou o tipo social do entrepreneur, como 1 1 1 1 1 1 ipo nôvo no processo de produção capitalista. A So doloida americana deixou-se envolver por uma verdadeira ••111 ' 11rin ua elaboração de condutas formais, de colaboração, l 1 t 1 i l 1 u:fro, competição, frustração etc. F. TONNIES elabo- 1·ou o hi nú mio comunidade e sociedade. G . GURVITCH, utili v.n 1 1do u m sistema complexo de critérios, elaborou a mais fut11plt·l.a tipologia de grupos jamais tentada em Sociologia. A oht·a de A. TOYNBEE contém a mais rica tipologia de so e• lc1dndt •H. ( 'orno teoria dinâmica, uma teoria sociológica procura t'ln fixar aR linhas de tendência de um processo social, des po,J ndm� de suas oscilações conjunturais, de maneira a poder eq drrq 1olú-laR, dentro das limitações do princípio coeteris 1·11lrnx ... ü� .4'tantibus, isto é, dentro da permanência do quadro t't•l't1r'P nciul no qual o fenômeno é surpreendido. Assim, a ela hor1u:fü• de uma teoria sociológica dinâmica válida, isto é, dol.udn •fe valor heurístico, supõe uma dupla tarefa. Primei rn, n dP <lt•Hcobrir a3 linhas tendenciais do processo ; segunda, " de• clc•monstrar a validez da suposição relativa à perma n4'twln cio quadro de referências,, ou, ao menos, a de mos t,rtu• NH .quu J imites tal permanência é plausível. Para a cor- .; .. �· . ..• " M AH'l'I NllAJ,E, DON, The 'fUtt-ure and types o/ sociological theory, l ttttultt\M, Hnut.le<lge e Kegan Paul, 1960, 588 págs. da Coleção: IHI"'"" I i1111ttl Ubrary o/ Sociology and Social Reconstruction. - - -- - -- - -- - -- - -- - - : ;., - - - 34 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . reta execução desta dupla tarefa, é indispensàvei atingir a estrutura causal do evento, exatamente como, para uma teo .. ria estática, é indispensável atingir o esquema essencial do objeto. � impossível extrapolar um processo, sem saber o porquê da orientação observada. Do que vimos, aparece também a distinção entre teoria e ideologia. A ideologia organiza idéias induzidas de um pro cesso histórico de maneira a dar-lhes uma eficácia operacio nal tendente a atuar sôbre êste mesmo processo, seja no sentido de mantê-lo constante (ideologias conservadoras) , seja no sentido de transformá-lo (ideologias revolucioná rias) . Contràriamente à teoria, tôda ideologia é consciente mente seletiva. Ela induz do real aqÚelas idéias dotadas de maior eficácia para configurá-lo à sua imagem e semelhança. Seduzidos pelas antecipações teóricas das Ciências Fí sicas e Biológicas, alguns sociólogos julgaram que era tem po de construir algo de semelhante na Sociologia.Aparece ram assim grandes teorias que pretendiam dar uma visão de conjunto da realidade social, inspirando-se em analogias físicas (mecanicismo sociológico) ou biológicas ( organicis mo sociológico) . Felizmente, a Sociologia contemporânea desistiu de construir tais teorias, por julgá-las prematuras. Conven� ceu-se de que não dispõe ainda de uma base analítica su ficientemente ampla. Sem esta, o esfôrço teorizante se ex põe a dois graves riscos aos quais sucumbiram os sociólogos construtores de teorias gerais. O primeiro é o risco do sini plismo. Tais teorias revelam uma especiosa beleza arquite tônica, mas pouca ou nenhuma fecundidade, apenas se deixa o plano das a�strações ou das analogias, para aplicá-las à realidade social. É que esta é muito mais complexa,. muito mais ·rica do que o supunha o simplismo dos teorizadores. Enquanto permanecemos no campo das analogias, é repou sante, oferece momentos de volúpia intelectual considerar a sociedade como um admirável organismo. Mas, à medida que vamos tendo uma idéia mais realista, por exemplo, do INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 35 processo econômico, vemos cada vez mais como não tem nada que ver com o metabolismo orgânico. O segundo risco é de transformar açodadamente uma hipótese de trabalho numa tese preestabelecida. O sociólo go que não dispõe de suficiente informação da complexida de do real se deixa seduzir por uma intuição, e ao invés de submetê-la ao contrôle, ao teste dos fatos, seleciona os fatos em vista de demonstrar sua intuição. A hipótese transforma-se prematuramente em tese. É difícil hoje negar o simplismo das teorias 6 de A . OOMTE, 7 de w . ÜSTW ALD 8 e de p. LILIENFELD. 9 6 Sôbre estas teorias reportar-se ao Cap. VI. 7 AUGUSTE ÜOMTE (ISIDORE AUGUSTE MARIE FRANÇOIS XAVIER COMTF:) . Nasceu em Montpellier (França) em 1798, de pais cató licos regalistas. Na sua formação de engenheiro, sofreu a influência da escola tradicionalista de DE BONALD J. MAISTRE, como do pensa mento de CONOORCET. Dos primeiros hauriu a idéia de ordem e do segundo, a idéia do progTesso, que seriam as categorias fundamen tais de sua síntese. Em 1818' associou-se como secretário, discípulo e amigo de SAINT-SIM'Jl.N,. que estimulou o seu interêsse pelas Ciên· cias Sociais e Econômicas . Foi entã-o que começou a elaborar sua obra princjpal, Cours de phüosophie pos-itive, 6 \'.-:-'s., Paris, 1830- 1842. Do plano teórico passou para o prático, preocupando-se com a reorganização da sociedade, à base dos princípios sociológicos . Es creveu, a respeito, Sy8te1ne de Politi.que Potfitive.. 4 vols., Paris, 1851-54. Em 1845, contraiu pro.funda amizade com CLOTILDE DE VAux cuja morte, no ano seguinte, produziu nêle uma crise emocio nal, que lhe libertou as tendências místicas, e influiu na sua con cepção de reorganização social, que começou a considerar como um processo essencialmente religioso. A Sociologia contemporânea deve a COMTE sua existência como ciência autônoma e três princípios fundamentais de sua metodolo. gia: a necessidade de tratar o :fato social como fenômeno físico, de reduzi-lo em sua interpretação final a um fenômeno de consciência coletiva., e de aplicar-se o método da investigação experimental . A UGUSTE COMTE morreu em 1857. s VvILHELM OSTWALD ( 1853-1932) . Pensador alemão, nascido em Riga, de C\rigem russa . Dedicou-se especialmente à Química, na qual se notabilizou com grande número de trabalhos, obtendo o prê� mio Nobel, em 1909. Fêz tôda sua formação na Alemanha, onde também se dedicou, durante quase tôda a vida, ao ensino e à pes quisa. Interessou-se profundamente pelos problemas da Sociologia� para a qual procurou transferir algumas categorias elaboradas pela têrmo-rHnâmica, na interpretação dos fenômenos sociais. Em sua abundante literatura especializada, interessa-nos, principalmen.te, sua 1 1 . ·. ' 86 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. Ninguém contesta, hoje, a fecundidade da idéia mar xista da importância do fator econômico como intrumento de análise histórica. Construir, porém, a síntese do mate rialismo dialético a partir da hipótese do determinismo eco nômico parece-nos o exemplo típico de uma transformação ·de hipótese em tese. Consciente da precocidade das grandes teorias, a So ·Ciologia se dedica hoje ao esfôrço da análise. Apurou assim métodos mais perfeitos de investigação, descobriu novas di mensões da realidade social, elaborou novas categorias, cons truiu esquemas conceituais ·1mais rcomplexos, definiu uma tipologia social mais rica, legando às gerações futuras de .sociólogos uma base mais ampla para um trabalho mais só lido de teorização. § 2) A Sociologia como ciência positiva O têrmo sugere uma ciência que parte dos fatos, que é, por outras palavras, essencialmente indutiva. Tomando por ponto de partida os fatos concretos, particulares, chega, pelo processo antes descrito, às gen�ralizações . .Seu roteiro é, pois, exatamente inverso ao das ciências dedutivas, que par tem dos princípios gerais para chegarem ao particular. A Sociologia como ciência indutiva é tomada também, num outro sentido, como a ciência capaz de induzir de uma obra : Die energetischen Grundlagen der K ultu·rwlssfmsckaf ten (Os fundamentos energétwos das c-iêncüis da etiltura) , publicada em Lei pzig, em 1909 . 9 LILIENFEJ,D-TOALLES, PAVEL FEDOROVICH, conhecido no oci" dente simplesmente como PAUL VON LILIENFELD (1829-1903) . So" ciólogo russo, nascido em Bialystok, de ascendência sueca . Levou a suas últimas conseqüências o organicismo tão corrente no século XIX . Escreveu em alemão, francês e russo, idioma no qual apare. ceu a primeira edição de sua obra mais importante : Gedariken über die Sozialw-issensckaft der Zukunft (Pensamentos sôbre a Sociolo gia, do futuro) (1872) . Em 1896 publicou, em francês, a sua Patko looie Sociale. LILIENFELD é um exemplo típico do simplismo e unila- . tcralidade na interpretação organicista dos fenômenos sociais. Es· tudioso, extremamente culto, hoje nos deixa estarrecidos pela serie dade eom que acolheu e difundiu a teoria organicista . 1 . • INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 37 realidade social determinada as linhas essenciais que a con figuram, as correntes de fundo que comandam sua evolu ção. Todo grupo social, com efeito, sob a co�plexidade de aspectos pitorescos, possui linhas próprias, um perfil pró� prio que o define como grupo, e sob a descontinuidade ines perada de movimentos espasmódicos e conjunturais, tem um movimento fundamental, uma linha geral de tendên cia. À Sociologia como ciência indutiva caberia induzir ou, melhor, inferir êsses temas essenciais da estrutura e da di nâmica do grupo. Istp só é possível através de uma partici pação autêntica na vida do grupo. Só quem vive esta vida pode auscultar suas pulsações. Sociologia indutiva seria assim um processo de introspecção do grupo pelo grupo ; um processo pelo qual um grupo, através de seus sociólogos, chegaria à sua autoconsciência. Daí, duas conclusões : a pri meira, o caráter quase que inevitàvelmente acadêmico e epi �ódico dos estudos da realidade nacional feitos por peritos estranhos ao meio ; a segunda, a nota, quase que inevità velrnente nacional de todo trabalho sociológico autêntico. O maior representante entre nós desta concepção da Sociologia como ciência indutiva é certamente GUERREIRO RAMOS. " . . . A luz de uma Sociologia indutiva, isto é, de uma Sociologia cujos critérios sejam induzidos da rea lidade brasileira e não imitados da prática de sociólogos de • outros países . . . " ( ibid., pág� 191) . "Quanto mais autên ticos o pensamento e a ação, mais os seus critérios devem ser induzidos da circunstância imediatamente vivida pelo sujeito" ( ibid., pág. 211). 1º Para assumir uma posição decorrente desta concepção de Sociologia como ciência indutiva, parece-nos indispen sável partir da distinção de ciência no seu sentido obj etivo e no seu sentido subjetivo. 10 GUERP..E!RO RAMOS,Jnr;rod:uçoo Crítica à Sociologia Brasi leira, Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957, págs. 191 e 211-12. - - -- - -- - -- - -- - -- - -- - - - - :is FERNANDO s:.sros nF. ÁVTT.A . � . J. , No seu sentido objetivo, ciência é um coniunto de con clusões certas, sistemàticamente estruturadas, sôbre um de .. terminado objeto, obtidas através de um método próprio. Neste sentido, dizemos que a Física e a Biologia são ciências. E neste sentido, não existem nem Física nem Bio logia brasileira, alemã, ou argentina. No seu sentido subjetivo, ciência é urna vivência pes soal; é o conjunto de conhecimentos que possuímos sôbre determinado objeto, através da aplicação de um determina do método. Assim sendo, o têrmo indutivo. pode ser aplicado à So ciologia como ciência no seu sentido objetivo ou no Reu sen tido subjetivo. Aplicado à Sociologia no prin1eiro sentido, parece-nos significar apenas uma característica metodoló gica da Sociologia que a distingue de outras ciências que se ocupam dos fenômenos humanos coletivos. Diversamente dessas ciências, como a Ética social, o Direito, a Filosofia social que procedem por método predominantemente dedu tivo, a Sociologia parte dos fatos concretos, singulares, para chegar a generalizações e a formulações de regularida des nas relações entre os fenômenos observados. A Sociolo gia é uma ciência indutiva. A base dos fatos· da qual parte transcende os limites territoriais do grupo no qual vive o sociólogo. A Socio'logía de /,a mortalidad infantil de GUER REIRO RAMOS é autêntica Sociologia, enquanto chega a cer tas conclusões a partir de fatos, observados muito embora no Brasil, na França ou na Inglaterra. O têrmo indutivo, tal como o emprega GUERREIRO RA MOS, é, ou devia Ker, a no8so ver, mais uma mentalidade do sociólogo do <Jue uma característica da Sociologia. Mais ainda, é o teste, ''a prova de verdadeiro sociólogo". O soció logo autêntico é aquêle que é capaz de induzir os têrmos fundamentais da estrutura e da dinâmica do grupo, e para começar, do seu grupo, de cuja vida participa. Em outras palavras, GUERREIRO RAMOS, utilizando o têrmo indutivo, se refere implicitamente à Sociologia no seu sentido subjetivo. 1 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 39 Formulado nestes têrmos, o problema é de saber se pu r a < ; u EHREIRO RAMOS é possível uma Sociologia como ciên- 1 · 1 u i nd utiva, no seu sentido objetivo ; se é possível uma So c · 1o loi�ia que não seja nem brasileira nem americana, nem f' ra t1<'.c8a ; que seja uma Sociologia tout court. Salvo melhor .i u 1 r.o, cremos que uma tal Sociologia é possível como a siste u m l. i 'l.ação das induções de cada sociólogo (indução objeti v a ) ; mas essas conclusões, para serem válidas, para se n·111 autênticas, devem ser induzidas da experiência vivida, clc•v(�m ser indutivas no sentido subjetivo. Assim, na elabo- 1·111;:"lo da Sociologia como ciência teríamos duas etapas : pri rtw i ni etapa, a da indução subjetiva, ou da inferência das n ·al idades existenciais de um grupo ; segunda etapa, a da hul ução objetiva ou da sistematização das inferências an tt•riores. · De outra forma, não vemos como seja possível salvar para a Sociologia os direitos de ciência como o são a Física • · a Biologia. A origem da expressão ciência positiva vincula-se a A l rcusTo COMTE. Segundo êle, o pensamento filosófico evo l 1 1 i u de um estádio teológico a um metafísico, para inaugu- 1· ar, sob os auspícios do próprio AUGUSTO OOMTE, o estádio final positivo. No primeiro estádio, procurava-se a explica çilo dos fenômenos naturais atribuindo-os a intervenções de divi ndades, de entidades sobrenaturais. No segundo, essas foram substituídas, na interpretação da re1;tlidade, por noções metafísicas, como : forma, substância, acidente. No f .rn·ceiro� a Filosofia positiva pretende explicar os fenôme- 110H Aôbre a base exclusiva dos fatos, da realidade concreta t' observável. Foi nesse contexto, que nasceu a Sociologia como ciência pm-litiva, que no início da obra de COMTE era ainda deno mi nada - Física social. 11 Devia ser a ciência que teria por 11 Em 1835, aparecia na Bélgica o trabalho de ADOLPHE Qut n�IJ'�T : Sur l'homms et le développement de ses facultés ou Essai d6 ·I O l•'El(NANDO BASTOS DE ÁVILA, 8. J. 1ui :-.�ilo explicar a realidade social a partir dos fatos sociais, do mesmo modo como a Física era chamada a explicar a realidade, física pelos fenômenos físicos. Todo o atual desenvolvimento das ciências estava con tido na fecundidade dessa intuição de AUGUSTO COMTE, por isso mesmo chamado o pai da Sociologia moderna. Contudo, essa mesma Sociologia repudia hoje o simplismo linear do esquema comteano. Reconhece, tanto a especificidade irre dutível da experiência religiosa, como a autonomia dos do mínios da metafísica. Sabe que religião, metafísica e ciên cia não são fases sucessivas de um roteiro, mas planos si multâneos e distintos da imensa complexidade do real. Tanto que o têrmo ciência pos'itiva já se dissociou completamente do contexto filosófico positivista no qual nasceu. Como ciência positiva, a Sociologia se distingue, pois, de outras ciências que se ocupam também dos fatos huma nos numa dimensão social. Distingue-se : 1 ) das ciências elaboradas por construções conceituo.is dedutivas, como, por exemplo, a Filosofia social, para a qual a realidade é apenas o têrmo ao qual o pensamento se re fere contlnuamente para não se perder em seu esfôrço de dutivo. II) das ciencias normativas, como : a Ética social, a Política, o Direito que tem um fim prático, indicando não como as coisaR Hão, mas como as coisas devem ser. Ape�mr de perfeitamente distintos os planos da Socio-· logia e o dag ciências acima enumeradas, existem, entre os mesmos, relaçõm� eHtrcitas. As ciências dedutivas e norma tivas precisam da Sociologia para não se perderem em P.s peculações vazias e em fa18os problemas. A Sociologia pre· Ph11sique Soei.ale. COMTE viu nesse título um plágio fraudulento e criou . o têrmo Sociologia, que, apesar de mal formado, haveria de contribuir para a rápida divulgação da nova ciência . A obra de QutTELET foi reeditada em 1869, com o mesmo título original. 1 !. ' ( INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 41 cisa delas para a elaboração de suas próprias categoriaM e para a delimitação de seus domínios. III) das ciências históricas, que se ocupam dos fatos sin�n.Zares, na sua concatenação cronológica, enquanto a So ciologia tende à elaboração de leis e de generalizaçõeB teó ricas. Sociologia e ciências históricas também se beneficiam mutuamente. A Sociologia revelou à História tôda uma di mensão nova da realidade histórica, que passava geralmen te despercebida dos historiadores mais preocupados com o que havia de espetacular no drama da Humanidade. A So ciologia revelou-lhe o plano infra-estrutural no qual se de cide, muitas vêzes, a sorte das sociedades. Por outro lado, a História constitui para a Sociologia uma fonte inestimá vel de informação, de experiências humanas e de elementos de síntese. 12 Como vemos, portanto, tôdas essas disciplinas, a Filo sofia social, a Ética social, o Direito, a Política, a História ocupam-se dos fatos humanos coletivos, ocupam-se da rea lidade social, mas cada uma de um ponto-de-vista e com uma metodologia diversa. Por outras palavras, tôdas elas têm o mesmo objetivo material que a Sociologia. Distin guem-se, entretanto, pelo obf e.to formal, que é o prisma sob o qual a Sociologia visualiza os fatos humanos coletivos· e que dâ à Sociologia a sua especificidade como ciência au tônoma : estudo da realidade social enquanto submetida a determinismos relativos. 12 O leitor consultará com vantagem a grande literatura histó- rica, preocupada com os problemas sociais. Modelos no gênero pa recem-nos os trabalhos de H. PIRENNE: Histoi-re économiq1U de· l'Occident Médüwal, Desclée Paris, 1951 G. ScHNUBER: Kirche· und Kultwr imMittelalter, trad. francesa, Paris, Payot, 19-33. Oportuna também a leitura das histórias econômicas e sociais dos grandes países contemporâneos. . , .. . ,;, ' . · · . ... .. ... . . A P � N D I C E o ENSINO DAS cn�.NCIAS SOCIAIS NO BRASIL Cremos poder afirmar que o ensino das Ciências So ciais no Brasil não satisfaz, ainda, à missão que lhes é con ferida e à qual aludimos na Introdução. A natureza dos currículos, mesmo das instituições es pecializadas, não pode ainda preparar satisfatoriamente os alunos para o desempenho das suas missões específicas. Para tanto, as Escolas deveriam poder aplicá-los muito mais ao trabalho prático, para sentirem, de modo mais realista, as resistências do meio social, para aprenderem a participar de modo mais autêntico, em um processo histórico. As con tingências levam as instituições a dar aos alunos apenas um pouco mais de uma iniciação teórica à prática da pesquisa. É importante esta iniciação teórica, mas, sem sua comple mentação prática, constitui um risco de criar ilusões nos alunos e de marcá-los com as deformações profissionais típi �as dos sociólogos de gabinete. Sem a iniciação prática, sem -0 trabalho de campo, visando não apenas a um mero exer cício escolar, mas a um resultado utilizável, envolvendo tam bém responsabilidade dos alunos, êstes nunca poderão su perar o apriorismo e o impressionismo, que são os maiores obstáculos para a elaboração de um conhecimento objetivo da realidade social. INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 43 O ensino torna-se assim acadêmico e corre mesmo o ris co de se tornar alienatório, neste sentido que, em vez de imbutir o aluno de uma atitude de profundo respeito para eom o real social sôbre o qual se debruça antes de formular sôbre êle juizos peremptórios, interpõe entre o aluno e o real uma camada espêssa de teorias e de métodos que o� separam um do outro, que os alienam mutuamente. Aliena tório ainda noutro sentido : não só no de não equipar o .aluno de instrumentos para conhecer a realidade social, mas .ainda no sentido de não lhe ministrar os meios de atuar sôbre a comunidade em que estã inscrito. Terminado o cur rículo, o aluno se sentirá talvez em condições de dissertar abstratamente sôbre teorias sociológicas, mas não de dar uma prestação específica à sociedade. I. O curriculo O fenômeno social tem profundas radicações nos mais variados setores da realidade. Para que o sociólogo possa, de certo modo, dominá-lo, nas suas diversas dimensões, deve se familiarizar com a conceituação e os problemas de mui tas disciplinas, entre as quais distinguiríamos umas nuclea res, outras afins e outras auxiliares. A) As disciplinas 1lt1l!Cleares, que constituem o cerne mesmo do currícul-0, são a Sociologia, a Política e a Eco nomia. A Sociologia, que representa o centro de interêsse do programa, compreende : !ntrodu.ção Geral às Ciências Sociais, destinada a dar aos alunos uma visão de conjunto de campos das ciências sociais, de seus métodos, de seus objetivos especificos e de suas interrelações. lntrod·ução à Sociologia, tendo por objeto a iniciação do aluno na conceituação sociológica e nos diversos planos e dimensões do fenômeno social global. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. Sociologia Estrutural e Dinâmica, disciplina que pela Hua mesma extensão deve ser desdobrada em diversas ca deiras. Éste desdobramento pode ser feito de dois modos : Processos Sociais, .Sociologia dos Grupos e Sociologia das Sociedades Globais, todos êstes objetos analisados seja no seu aspecto estático, formal, tipológico, seja no seu aspec- . to dinâmico ; ou então : Sociologia Estrutural e Sociologia Dinâmica, seja dos processos sociais, como dos grupos e das sociedades globais. Sociologias Especiais, que comprendem disciplinas como Sociologia do Conhecimento, da Religião, Sociologia Eco nômica, Jurídica, Política, Rural, Urbana, Industrial; Edu caCional, e outras. Naturalmente cada instituição procura rá ministrar o ensino daquelas Sociologias· Especiais que mais diretamente se relacionam com os problemas da época e da região. Entretanto, é indispensáyel que ao menos· uma Sociologia Especial seja ensinada para habilitar o aluno no tratamento e na metodologia das Sociologias EspeciaT�. · Teoria Sociológica, visando a iniciar o aluno nos pro cessos de elaboração da Sociologia como ciência indutiva, e utilizando para isso uma análise crítica dos granaes mode los históricos e contemporâneos. Iniciação teórica e prática à -'Pesquisa social, o aluno deve não só tomar conhecimento dos métodos e instrumen tos da análise sociológica, mas ser levado a aplicá-los con cretamente em pesquisas tanto de fontes e de laboratório, quanto principalmente em pesquisas de campo. A cadeira de Iniciação à Pesquisa é assim uma das disciplinas minis tradas pelo currículo, mas a atividade da pesquisa devE� envolver o aluno, à medida em que êle é iniciado nos mé todos e deve se traduzir em resultados concretos de traba lhos práticos e em ao menos um trabalho mais completo de fim de curso. �stes trabalhos poderão ser realizados atra vés de ·atividades como : semanários, leituras orientadas, análise sistemática de pesquisas já_ realizadas, estágios em INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 45 organizações especializadas, e, principalmente, pesquisas a serem realizadas pelos alunos, sob a orientação do profes s<>r, seja no estudo de fontes bibliográficas, seja propria mente nos trabalhos de campo. O aluno deve praticar as diversas etapas da pesquisa, habilitar-se em cada uma delas, como também ser introdu zido na técnica de programação, organização e execução ge ral de uma pesquisa. Os trabalhos práticos constituem a parte mais árdua da formação sociológica, mas a que não pode de modo al gum ser omitida, sob risco de prejudicar seriamente os alu nos e mesmo deformá-los profissionalmente. A) Política e a Economia não podem se restringir a uma simples introdução e a uma cadeira geral. Dada a estrei ta conexão dos problemas políticos e econômicos com o fato social, o aluno deve receber uma formação mais aperfei çoada nestas disciplinas, formação esta que pode ser pro longada através das cadeiras de Sociologia Política e So ciologia Econômica. B) As disciplinas afins são destinadas a introduzir o aluno nos campos de conhecimento que tangem mais ou menos diretamente o campo da Sociologia. Qualquer tra balho ou estudo que o cientista social empreenda o remete de imediato a outras disciplinas. Sem uma certa familiari dade com as mesmas, ser-lhe-á extremamente difícil orien tar-se. Consideramos como disciplina afins que obrigatôria mente devem integrar o currículo : a Demografia, a Antro pologia Física,. Social e Cultural, a Geografia Humana, a Psicologia Individual e Social, a Política e a Higiene Social, e enfim as diversas disciplinas históricas que oferecem ao aluno um rico material para associações fecundas, estímu los e modelos . para a criação de suas próprias hipóteses de trabalho. Entre essas disciplinas históricas, incluímos His· 46 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. tória Social, Política e Econômica, Geral e do Brasil, His tória das Doutrinas Sociais, Políticas e Econômicas. Parece-nos supérfluo insistir que no tratamento de tôdas as matérias o professor deve ter a constante preocupa ção de referir-se à perspectiva nacional. Esta referência permitir-lhe-á uma seleção criteriosa dos pontos que mere- . çam maior relêvo e daqueles que possam ser omitidos por nlmiamente acadêmicos ou sem interêsse para nós. C) As disciplinas auxiliares incluem obrigatoriamen te a Estatística Teórica e Aplicada, e eventualmente in cluem outras cadeiras, conforme fôr o nível de preparação que os alunos trazem do ensino médio e conforme forem as exigências impostas no concurso de hábilitação. Pode ser o caso, por exemplo, que se tornem indispensáveis uma revisão da Matemática, a fim de preparar o aluno para o curso de Estatística,e uma iniciação prática a idiomas es trangeiros, especialmente o Francês e o Inglês, sem cujo do minio as possibilidades de atividades práticas são muito limitadas. II . O regime escolar É necessar10 que o regime escolar do ensino de Ciên cias Sociais goze de muita flexibiUdade ; não seja rígido. como o é o regime de outras escolas superiores. Isto, por várias razões. A primeira, porque são várias e diferenciadas as espe cializações nas quais uma Escola de Sociologia deve poder formar seus alunos. Êles podem desejar preparar-se para projetistas sociais, professôres, pesquisadores, assessôres. Tais especializações não são rigorosamente exclusivas, mas cada aluno poderá desejar dar maior ênfase a trabalhos e disciplinas que melhor o preparem para uma destas espe cializações. Um regime escolar rígido não atenderia a esta expectativa. INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 47 Em segundo lugar, a Sociologia pela própria extensão de seu campo penetra ou tangencia uma série de domínios. afins que podem representar um interêsse maior para de terminados alunos. Mesmo sem pensar em definir sua es pecialização futura, um aluno pode revelar interêsse maior pelos problemas da Psicologia Social do que pelos proble mas da Antropologia ; poderá deixar ·orientar-se mais para os estudos de Política, de História Social, de Demografia, do que por Técnicas de Pesquisa. Um regime rígido não permitiria ao aluno dar a seu curso a orientação que mais o atrai. Enfim, qualquer que seja a orientação do aluno, e qual quer que seja a especialização para a qual se inclina, é im possível formá-lo sem complementar as aulas com traba lhos e exercícios práticos. í;stes são dificilmente integrá veis num regime escolar quase completamente reduzido a aulas teóricas. Cremos que o regime de créditos que adotamos na Es cola de 8ociologia e Política da Pontifícia Universidade Ca tólica do Rio de Janeiro responde a estas exigências de fie* xibilidade. Passan1os a descrevê-lo, não porque o suponha mos perfeito, mas porque talvez contenha sugestões úteis para outros que vivem os mesmos problemas que vivemos. Tomamos como unidade escolar básica o crédito, que corresponde a uma aula semanal por semestre. Assim, uma disciplina de duas aulas por semana, estendendo-se a dofa semestres,. vale quatro créditos. O curso de Bacharelado de Sociologia deve preencher um total de 160 créditos, que corresponderia a um curso de quatro anos, com u'a média de 16 a 18 aulas por semana. O curso consta de um ano básico, e de anos sucessivos de especialiZação. Suprime-se a seriação. ü ano básico, que absorve aproximadamente uns 40 créditos, consta de disci plinas obrigat6rias' para todos os alunos, porque são repu tadas disciplinas indispensáveis para qualquer função so ciológica. . ·J H FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . A partir do ano básico, o aluno escolhe uma linha de especialização para preencher os 120 créditos restantes. Dêstes, uma proporção de aproximadamente 60 % são fixa dos obrigatoriamente pela Escola. Esta julga que para tal ou qual especialização, dentro das Ciências Sociais, deter minadas disciplinas são necessárias. Os 40% de créditos su plementares são deixados à escolha do aluno, sob a orien tação de um Chefe de Departamento. Tais créditos optati vos podem, inclusive, ser preenchidos por outras f aculda des da universidade ou mesmo fora dela, mediante convê nio com a Escola. É de notar que os trabalhos de pesquisa de que os alunos participam são avaliados em têrmos de cré ditos, pelo departamento respectivo e creditados aos alunos, incorporando-se, assim, à sua atividade universitária, ou se.j a, a seu próprio currículo. O regime de créditos é também aplicável aos cursos de .mestria e de doutorado. Todos os regimes têm suas dificuldades de aplicação. �ste não faz exceção à regra, especialmente porque, supri mindo a seriação, cada aluno constitui um caso à parte, exigindo uma ficha de contrôle especial, para seguir a rea lização de seu currículo. Tem contudo, também, as suas vantagens, como a eli minação do sistema de dependência� a facilidade para a incorporação de alunos em caso de transferência, a maior valorização das aptidões de cada aluno, a integração de todos os seus trabalhos práticos na sua própria formação universitária, e a possibilidade de criar maior permeabili dade entre as diversas unidades que compõem a Univer sidade. III . As instituições de ensino As instituições de ensino que hoje no Brasil se ocupam de Sociologia são fundamentalmente as Faculdades de Fi- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 49 losofia, 1103 seus cursos de Ciências Sociais e as Escolas dl' Sociologia e Política. A permanência desta dualidade :-1ú xc justificaria na medida em que fôsse possível manter 11 ma dualidade de objetivos. Esta dualidade poderia ser de finida entre a formação de cientistas sociais e a formação de 8ociólogos profissionais. A realização do primeiro obje tivo ficaria a cargo das Faculdades de Filosofia ; a do se �11ndo competiria às Escolas de Sociologia. É como o que :-;e vem passando no setor das Ciências Físicas e Biológicas. A Faculdade de Filosofia mantém cursos de Física e de Matemática, para formar físicos e matemáticos ; mas a pro riHHionalização dos conhecimentos físicos e matemáticos é t•omctida às Escolas Politécnicas. A Faculdade de Filosofia mantém cursos de Ciências Naturais ; mas os profi.ssionais <lestas ciências se formam nas Faculdades de Medicina. Na prática, não foi possível manter com tôda a nitidez el-\ta dualidade de objetivos. As Faculdades de Filosofia, na :·ma grande generalidade, foram limitando a.s suas finali dades ao intento único de formar professôres para o ensino médio. Sair dos seus cursos um cientista social era quase um fenômeno de geração espontânea. l.'3 Mesmo êste objetivo dos cursos de Ciências Sociais de formar professôres se guiu uma estranha evolução. Como é sabido, a reforma Francisco Campos previa o ensino da Sociologia no nível secundãrio. :ítste ensino dava uma razão de ser imediata ao curso de Ciências Soe� ais nas Faculdades de Filosofia. A reforma Capanerna suprimiu a Sociologia do currículo co legial, mas manteve os cursos de Ciências Sociais nas Fa culdades de Filosofia, que tinham perdido senão tôda a sua razão de ser, ao menos o mercado normal de trabalho de süus diplomados. Quase que para coonestar esta situação in coerente, dentro da concepção vigente da Faculdade de Fi losofia, uma portaria ulterior do Ministério da Educação 13 Ver FLORESTAN FERNANDES. !)() FERNANDO BASTOS DE Á VILA, S. J. e Cultura. * veio permitir aos licenciados em Ciências So ciais o registro em Filosofia, História Geral e do Brasil e Matemática no 1.0 ciclo. É normal que um aluno que deseja se formar numa destas disciplinas não se matricule no curso de Ciências Sociais, mas no curso correspondente, de JVIa temática, Filosofia ou História. O aluno que ingressa no curso de Ciências Sociais não se sente estimulado a se es pecializar nestas ciências, de vez que sabe que não se1·á nelas que exercerá sua atividade imediata de magistério. Esta situação vem minando o vigor dos cursos de Ciências Sociais nas Faculdades de Filosofia, ou ao menos introdu zindo um certo confusionismo na motivação dos alunos que ainda nêles se inscrevem. Mesmo as Faculdades de Filoso fia, onde existem cursos de Ciências Sociais não têm como finalidade primária formar professôres de nível universi tário nem técnicos em pesquisa sociológica. A finalidade primária dos cursos em aprêço é formar professôres para o secundário. Assim é que o cur1·ículo de Ciências Sociais dêstes cursos se resume pràticamente é::. três anos, sendo o último dedicado à Didática. Ora, os cien tistas sociais, qualificados para cumprirem a missão da So ciologia no Brasil de hoje, não são precisamente professô res de nível secundário. Felizmente, é verdade, a serieda de do ensino de alguns cursos de CiênciasSociais de Fa culdades de Filosofia é tal, que dêles saíram não poucos de nossos bons sociólogos contemporâneos. O fenômeno porém,. tem um caráter de exceção, atribuível em grande parte a seu talento pessoal e à existência nêles de uma autêntica vocação para a Sociologia. Por outro lado, as Escolas de Sociologia continuam a funcionar como instituições de ensino sem objetivos legal mente definidos, de vez que o acesso ao magistério continua "' Portaria Ministerial n.0 478, de 8 de junho de 1954: Dispõe sôbre ·o registro dos licenciados por Faculdades de Filosofia para o exercício do magistério no curso secundário. Diário Oficial de 29 de ·junho de 1954. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 51. a ser monopolizado pelas Faculdades de Filosofia, e a pro fissão de sociólogo ainda não foi oficialmente reconhecida. Na nossa opinião, esta dualidade de instituições de en sino de Sociologia de fato não se justifica, :porque não é possível ainda nas Ciências Sociais marcar, com a mesma nitidez como nas Ciências Natu1·ais, a distinção entre o cieu tista e o profissional. Dentro ou fora das Faculdades de Filosofia, isto é, como um curso ou como uma escola autô noma, as instituições de ensino das Ciências Sociais deve riam reduzir-se a um só tipo legal, com as mesmas prerro,., gativas, tanto no que concerne ao ensino, como no que con cerne ao exercício profissional. A diferença de objetivos no. estudo das Ciências Sociais não justifica uma dualidade de· instituições, mas de simples especializações dentro da mef. ma instituição. O s alunos que se inclinam mais para o en sino, darão maior ênfase à did�tica da Sociologia ; os que se inclinam mais para o estudo da Sociologia como ciência ou como técnica serão orientados para as disciplinas que melhor os encaminhem à reaJização de suas respectivas in clinações. Uma tal im:;tituíção de tipo único teria a vantagem de poder oferecer aos alunos maiores possibilidades quanto ao exercício de suas atividades futuras. Ela teria diante de si um mercado de trabalho em expansão, e primeira mente no plano do magistério universitário. É uma lacuna evidente a ausência de uma cadeira de Sociologia, devida mente adaptada, nas Faculdades de Engenharia e Arquite tura, nas Faculdades de Direito, nas Escolas de Jornalismo e nos cursos de Geografia e História das Faculdades de Filosofia. Os últimos programas de universidades america nas de medicina prevêm a inserção da Sociologia. A falta de uma iniciação sociológica é uma deficiência lamentável na formação do engenheiro e do arquiteto. São êles chamados por profissão a resolver problemas que acar .. retam profundas repercussões sôbre a vida dos indivíduos e dos grupos. Sem a Sociologia, resolvem êsses problemas -- -- -- -- -- -- -- -- -- --· -- -- -- -- -- - 52 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, s. J. 1· do ponto-de-vista rigorosamente técnico, e com um brilho e um sucesso que honram a engenharia e a arquitetura bra sileiras, mas talvez com sacrifícios de valôres humanos, cuja perda, só após longos anos, será por êles constatada. O jurista e o advogado devem poder ao menos suspei tar alguma coisa da complexidade dos processos sociais . .Sem êste conhecimento, suas atividades profissionais cor rem o risco de se desenvolverem num plano irrealista, alie nado da realidade histórica concreta sôbre a qual trabalham. Uma iniciação na Sociologia Jurídica, na Sociologia Polí tica lhes interessa tanto ou mais do que várias disciplinas que sobrecarregam seus currículos: Um jornalista iniciado em Sociologia dispõe de muito mais coordenadas para a análise e compreensão do mundo humano. A p·reocupação sociológica daria muito mais sentido humano à atividade do geógrafo, e o historiador encontra ria na Sociologia, não só os elementos para melhor com preensão da história, como também o estímulo e a orienta ção para seus trabalhos como pesquisador. Ao geógrafo e ao historiador a Sociologia pode oferecer sistema de hipó teses de trabalho extremamente fecundos. Os próprios médicos poderiam descobrir, no conheci mento dos processos sociais, utilíssimas sugestões sôbre a etiologia de fenômenos endêmicos, sôbre os mecanismos de resistência do meio social aos progressos_,.--da medicina, sem falarmos do conhecimento mais profundo de certas anoma lias, justamente chamadas sociais por suas causas, como por seus efeitos. No setor do magistério, não poucas são as oportunida des ocupacionais já hoje existentes. A contraprova do que afirmamos pode ser aferida do fato que os prof essôres de Sociologia não dão conta das cargas horárias para que são solicitados. É difícil encontrar professôres credenciados para ·preencher as cadeiras dos estabelecimentos em f uncio namento. INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 53 Essas oportunidades serão ainda maiores, uma vez acei ta a sugestão da extensão do ensino da Sociologia para as outras unidades universitárias a que aludíamos. Além do setor do ensino, as oportunidades ocupacionais se vêm oferecendo, cada vez com maior freqüência, nos se tores da pesquisa e do assessoramento. Não poucas organizações nacionais e estrangeiras, pú blicas e privadas, começ� in a reclamar a contribuição do so ciólogo, de tal forma que um bom técnico, habilitado na prá tica da pesquisa sociológica, não encontra hoje dificuldade de colocação bem remune�·ada. Não temos a menor dúvida de que, à medida em que os trabalhos dos sociólogos se forem impondo, pelo seu teor científico, muitas outras organizações a êles recorrerão. A grande dificuldade é sempre a questão do financiamento. As pesquisas sociológicas são penosas e reclamam em geral pessoal num€roso e disposto a sah· a campo para coletar dados. Supõe pessoal qualificado para o tratamento esta tístico dos dados coletados, e principalmente supõe bons so ciólogos para a sua interpretação objetiva. Tudo isto custa, e para muitas organizações interessadas representa somas proibitivas para suas possibilidades orçamentárias. No setor do assessoramento, também devemos compu tar a demanda cada vez mais freqüente do trabalho do so ciólogo. Muito maiores são as perspectivas que se abrem neste setor. Organismos públicos dos níveis municipal, es tadual e federal também sentirão a necessidade crescente da contribuição sociológica. Na realidade, operam ainda sôbre uma larga base do empirismo e do impressionismo. Por isto, tantas de suas medidas não surtem os efeitos deseja dos ou surtem efeitos contrários. Só o sociólogo pode dar uma previsão segura sôbre os efeitos sociológicos de deter minada medida legislativa, ou de determinado programa, por exemplo, de industrialização ou urbanização. Sem e�ta previsão, afrontamos o perigo de recapitular os mesmos r: 1 .. .)• FERNAND;) BAeTCs DE ÁVILA, s. J . <�rros cometidos em experiências congêneres, em outras épo cas e em outros países. Alguns setores da Sociologia são hoje especialmente pressionados por uma demanda crescente, devido à atual conjuntura de desenvolvimento que atravessamos, entre ês tes, principalmente, os da Sociologia Industrial, Rural e Ur bana. Problemas como o da Reforma agrária só podem ser resolvidos de modo satisfatório, com a contribuição da So ciologia. Infelizmente, são exatamente êstes setores que so frem de maior carência de especialistas. Outros campos re clamam a contribuição urgente. do sociólogo como elemento básico para orientação de medidas legislativas e adminis trativas. Citamos, a título de exemplo : a condição de mi :grantes e imigrantes, as pesquisas' de mercado de trabalho ; ;a situação dos contribuintes dos Institutos de Previdência :Social ; as relações entre grupos étnicos ; os problemas de educação e escolaridade ; os mecanismos de contrôle social resistentes ao desenvolvimento econômico ; as condições de habitação, alimentação e educação. A garantia final de uma rápida dilatação do mercado de trabalho para os sociólogos residiriana oficialização da profissão : a determinação por lei de postos e ofícios que .seriam obrigatoriamente preenchidos pelos diplomados em Instituições :reconhecidas. Nesta questão controvertida, é nossa opinião que a oficialização deverá vir, mas deverá vir por etapas, cuidadosamente escalonadas. Uma lei imediata,' regulamentando a profissão, teria os seguintes inconveni entes : A) não existem no momento profissionais diploma dos em número suficiente para responder à demanda atual ; B) muitos profissionais não diplomados, mas que ad quiriram uma invejável cultura sociológica, seriam priva dos de cargos e atividades que constituem para êles seu meio de vida ; • INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 55 c) a imposição da presença do sociólogo em determi nados postos e atividades criaria para a Sociologia um clima hostil. Não existe ainda uma corrente de opinião favorá vel, que só poderá ser criada à medida em que fôr apare cendo o caráter imprescindível ou de grande utilidade da contribuição técnica do sociólogo. Sem a oficialização da profissão, continuará difícil o recrutamento de bons C?.ndidatos para a carreira. Na sempre maior divisão de trabalho de uma sociedade que evolui, não é normal a existência de profissionais vagos, sem atribui ções específicas, cujo exercício,. em defesa mesmo dos inte rêsses dessa sociedade, não constitua um direito reservado aos que preencham determinadas exigências legais. Mas a regulamentação só poderá fazer-se realisticamente, esten dendo-se progressivamente sôbre sucessivas áreas de emprê go, extensão que não poderá ser feita arbitràriamente, mas à base de estudos minuciosos. A reforma das instituieões de ensino de Ciências So- ... ciais deveria atender ainda a duas exigências : a criação de Cursos de Mestria e Doutorado, além do Curso de Bacha relado e a implantação do regime de trabalho de tempo in tegral. Sabemos que a satisfação dessas exigências implica em grandes sacrifícios em pessoal docente e em funciona mento. Estamos envolvidos aqui em um círculo vicioso : é pela satisfação destas exigências que as Ciências Sociais ha- • verão de se impor cada vez mais como capazes de respon- der a necessidades específicas da comunidade nacional e atrair assim maiores recursos ; porém, precisamente o preen chimento destas exigências supõe já maiores recursos ini ciais. Cremos que a única maneira de romper êste círculo é o crescimento orgânico e progressivo. Começar por or ganizar cursos de pós-graduação que realizem trabalhos ori ginais e formem especialistas com acesso aberto à mestria e ao doutorado. Contratar para isto, inicialmente, alguns professôres e assistentes de tempo integral, como um orien- 1. .ft'.El< NANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. t.ador dl� Pesquisas, un1 técnico em Estatística, um técnico t ' t l l Bibliografia e Documentação. Com esta base inicial, é po�:.;ível partir para realizações de maior vulto, que acaba rao por dar ao ensino das Ciências Sociais a importância que merece na atual conjuntura brasileira. . . . 1 \tt • LEITURAS COMPLEMENTARES . : �. \k"'-ty ) 1 - DILTHLEY, WILHELM, Introduction a l°"' ciencüJ,s del espiritu. tradução espanhola do alemão, por Julián Marias, Madrid, Re vista de Ocidente, 1956, págs. 13 a 22, 34 a 35, 38 a 139; das págs. 97 a 102, DILTHLEY expõe sua concepção pessoal sôbre a noção de ciência, da qual exclui a Sociologia como a Filosofia da história. Julgamos importante que o leitor tome conheci mento do ponto-de-vista dêsse autor, aliás extremamente esti mulante. 2 - PIERSON, DONALD, Teoria e pesquisa em Socio-logia, São Paulot 3.6 edição, Melhoramentos, 1953, págs. 25 a 34 e 35 a 47. 3 - OLOVERA, JOSÉ MARIA, Tratado de Sociologia Cristiana, Barce lona, Luís Gili ed., 8.ª ed. ampliada, 1953, págs. 3 e 4. Na nota n.0 1 da página 4, o leitor poderá encontrar catalogada uma série de definições da Sociologia . 4 - AGRAMONTE, ROBF..RTO, Sociologia, Havana, Cultural S. A., 5.ª ed. revista, 1949, tomo I, págs. 10 a 19. 5 - SICHES, LUIS RECASENS, Tratado General de Sociologia, Méxi co, Editorial Porrua S.A., 1956, págs. l a 10, 26 a 31, 62 e segs. 6 - YOUNG, KIMBALL, Sociologia; a Study o/ Society and Culture, New York, American Book Company, 2.ª ed., págs. 1 a 13. 7 - DUPRÉEL, EuGENE, Sociologie Générale, Paris, Presses Univer sitaires de France, 1948, págs. 3 a 10 e 373 a '391. 8 - BOUTHOUL, GASTO. N, Traité de Sociologie, Paris, Payot, 1946, páginas 66 a 98. 9 - HAESAERT, JEAN, Sociologie Géné.rale, Bruxelas, Paris, :t:ditions Érasme S . A., 1956, págs . 5 e 6. Na nota n.º 1, da pág. 6, encontram-se diversas definições de Sociologia. 10 - HUNT, ELG1N; F., Social Science: an lntrodu.ction to the Study of Society, New York, MacMillan Co., 1955, págs. 13 a 16. 11 - BOGAR-DUS EMORY S., Sociology, N ew York, MacMillan Co., 3.ª ed., 1953, págs. 3, 31, 32, 537, 558 e 561 a 572. 12 - SPENCER, HERBERT, Princípios de Sociologia, Buenos Aires, Re� vista de Decidente Argentina, 1947, vol . 1, págs. 5 a 21. 13 - VON WIESE, LEO·POLD, Soziologie, Geschichte und Hauptproble me, Berlin, Walter de Gruyter E . Co., 1954, págs. 5 a 21. 14 - WEBER, ALFRED, Einführung in die Soziologie München, Ed. R. Piper, 195·5, págs. 12 a 18 . 15 - SGHOECK., HELMUT, Sozfofogie, Geschichte ihre'r Probleme, Mün chen, Ed . Karl Albert, 1952, págs . 1 a 3 . 16 - VÁRIOS AUTORES, Traité de Sociologie : Direção de G. Gurvitch, P . U . F., Paris, 1958. 17 - LIPSET, SEYMOUR MARTIN e SMELSER, Nm, J., Sociology : th• progress o/ a deeade, Englewood Cliffs, N . J., Prentice Hall, 1961, 685 págs. 18 - JOHNSON, HARRY M., Sociolog.11 : a 8'1/Btematic introduction, Londres, Routledge e Kegan Paul, 1961, 689 págs. 2.ª PARTE .. · .· . ·-. i . . ) . .- -: . .. - .f• . CONDICIONAMENTOS DO FATO SOCIAL . ) ·.' INTRODUÇÃO A Sociologia é a ciência positiva da realidade social, daquilo que J\'IAUSS chama o fato social global. Chegados a êsse ponto da análise da noção de Sociolo gia, somos introduzidos espontâneamente ao exame do seu Qbjeto. Não compete à Sociologia, como ciência positiva, ana lisar a essência do social. Essa análise constitui um exem plo típico de um postulado que a Sociologia tem o direito de reclamar à Filosofia social. O sociólogo não define a es sência do social ; ocupa-se dêle. No fato social global, podemos distinguir três planos que abrangem a sua totalidade : o pla·no pré-social, o plano .social propriamente dito e o plano cultural. . Com efeito, que é a realidade social total? É tôda a vida em sociedade, com as infra-estruturas que a condicionam, com os contextos e ambientes em que se desenvolve, suas instituições e estratificações internas, suas criações cultu rais. Entretanto, admitindo, sem um critério homogêneo, to dos êsses elementos no âmbito da Sociologia, essa corre o risco de tornar-se uma enciclopédia. Importa, pois, pôr em ordem no tropel de assuntos que interessam à Sociologia e adotar um critério. Tudo que se refere ao grupo social se enquadra nessas três grandes categorias : a vida do grupo em si mesma, tudo que a condiciona, tudo aquilo que ela cria. Temos assim uma ordem, distinguindo no objeto da FEL(Nl\NUO BASTOS DE ÁVILA, S. J. Srn·ío lug-ia os três planos acima indicados. Temos também um '", .u, · 1"Ü>, 4ue é o próprio objeto formal da Sociologia : exa rni 11ur tudo que contém êsses planos na sua referência aos determinismos sociais. O plano pré-social compreende os condicionamentos que permitem a emergência do fenômeno social e sôbre êle atuan1. O plano social prõpriam.ente dito se ocupa da vida dos grupos, no seu aspecto micro-.sociológico e no seu aspecto macro-socioló gwo. O primeiro compreende o estudo das formas de socia-• bilidade ; o segundo, o estudo dos fenômenos grupais e das sociedades globais. O plano cultural se estende a tudo aquilo que o .homem cria, porque vive em sociedade e para viver emsociedade. É o plano da Sociologia da cultura, onde termina o objeto da Sociologia geral. Por viver, porém, em sociedade e para vi ver nela, o homem desenvolve atividades econômicas, artís· ticas, religiosas, morais, jurídicas, cognocitivas, educacio. nais, seja em um contexto urbano, como em um contexto rural. São os objetos das Sociologias especiais ao estudo dos quais a Sociologia geral oferece uma introdução, mas que já se encontra fora de seu objeto específico. 11: claro que o objeto da Sociologia, analisado nesses três planos, é, na realidade, dinâmico. Tudo aquilo que é criação cultural de uma geração se integra ao setor ambiental em que vai aparecer a geração seguinte. J a nessa perspectiva, êsses elementos seriam examinados no plano pré-social. Evi dentes razões metodológicas, entretanto, nos obrigam a pres1.. cindir dêsse processo dinâmico e a considerar estàticamen te o objeto da Sociologia. CAPfTULO I I O FATOR AMBIENTAL § 1) NOÇÃO O fator ambiental se define como o quadro natural, no qual se desenvolve a vida dos grupos, e no qual aparecem e se diferenciam as civilizações'. É constituído, pois, por ele mentos que se impõem ao homem e que escapam a seu con trôle direto. Entre êsses elementos podemos enumerar : a situação geográfica, a composição do solo e do subsolo, o re lêvo, a hidrografia, o clima, o regime pluvial, o ciclo esta ciona}, a fauna e a flora.1 1 O estudo do íator ambiental interessa de modo especial ao assistente social, que se especializa em serviço de comunidade. O co nhecimento do quadro natural no qual ela vive, seja rural, seja urba na, é o ponto de partida obrigatório para qualquer planejamento no serviço desta comunidade. Assim, o assistente social deve ser iniciado na leitura dos levantamentos cartográficos em grande escala, dos re gistros cadastrais e na técnica da foto�interpretação . Pontos essen ciais de estudo, antes de qualquer iniciativa a serviço da comunida de, são: as condiçpes do meio fisico, o solo, os dados climáticos, a repartiçã-0 das águas, o regime pluvial, o relêvo, a repartição das pro priedades, os sistemas de cultura, os tipos de habitação, a rêde de comunicaçpes e possibilidades de escoamento dos produtos, o mercado de trabalho. É claro que os problemas se formulam diversamente, conforme se trate de uma comunidade rural ou de uma comunidade urbana. O ponto, entretanto, para o qual queremos chamar a aten ção aqui, é o da importância do estudo do fator ambiental como ele mento indispensável para os trabalhos de serviço social de comuni dades. 1"El'1'\ANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. !'\ iin Re trata, para o sociólogo, de estudar êsses fatôres · · 1 1 · �:: n1esmos, na sua realidade geográfica, mas nas suas 1 ·• . : ,1.çGes com a vida dos grupos sociais. Nã.o interessa ao so { · i úlogo descrever êsses relevos e ciclos, a hidrografia ame ri .. ·ana ou as estepes asiáticas, mas interessa-lhe saber que '-�stas condicionaram o aparecimento de uma cultura pasto ril, com uma estrutura familiar patriarcal, num reI?;ime de propriedade coletiva. É verdade que o homem pode, progressivamente, corri gir os defeitos, atenuar os efeitos do ambiente natural em que vive, e enriquecer seu patrimônio cultural. Isso, porém não afeta a noção do fator ambientàl que ora nos ocupa. Como vemos, o capítulo da Sociologia que agora exa minamos penetra nos domínios da A ntropogeografia e da Geografia humana. Importa, pois, precisar êsses conceitos, a fim de delimitar com mais nitidez o objeto formal da So ciologia. É clássico distinguir, na Geografia, duas tendências fundamentais : a tendência alemã, oriunda, principalmente ,de RATZEL, 2 criadora da Antropogeografia que se preocupa ·mais das influências do meio sôbre o homem, e a tendên cia francesa, que criara com BRUNHES a Geografia humana. Essa considera o homem "como um agente geográfico, que trabalha e modifica a superfície do globo, tal como a água, o vento ou o fogo", e se preocupa, por conseguinte, mais das influências do homem sôbre o meio. 2 RATZET�, FRIEDRICH (1848-1904) . Geógrafo alemão, inicial mente dedicado à Zoologia . Sua primeira obra, publicada em 1896, \.·crsava sôbre a evolução org.ânica . Todo o seu trabalho, como geó J.!:raío, baseia-se no aspecto biológico . Foi nomeado catedrático de geo ,_�rafia em Munique, depois em Leipzig, cargo que exerceu até a sua morte . Devemos-lhe a formulação da Antropogeografia como condi t"ionamento da cultura ao meio . Sob a influência de MORITZ WAGNER, 11.A'rZEL tomou a teoria do desenvolvimento de novas formas· orgâni .. :is pelas migrações e isolamento, como tese fundamental da história l111mnna, preparando terreno para o conceito da área cultural. Suas ; 1 r i rw'ip<ds obras foram: Anthropogeographie, 2 vols., Stuttgart, 1882- 1 :·;! r 1 . <: Polit-iscke Geographie, Munique, 1897. INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 65 O objeto .material dessas duas ciências considerado em conjunto, coincide exatamente com o objeto material do ca pítulo da Sociologia que se ocupa do fator ambiental. Entre tanto, os pontos-de-vista, as formalidades sob as quais en caram o mesmo objeto material são diversas. Estudando as influências mútuas dos grupos humanos sôbre o meio, a Geografia focaliza sempre o meio, o ambiente. Interessa-lhe, sempre, os mecanismos de atuação do meio sôbre os grupos. bem como as transformações, os traços marcados por êsses sôbre o ambiente, porque a Geografia, sob pena de deixar de ser Geografia, é, como disse LA BLACJIE, "a ciência dos lugares, não dos homens".� A Sociologia, ao contrário, f o caliza sempre os grupos humanos, seja como objeto passivo : as influências nêle exercidas pelo ambiente ; seja como agen te ativo : os mecaniAmos, instituições, idéias coletivas, pelos quais atuam sôbre o meio . . É óbvio que a distinção que aqui propomos é mais teó rica do que prática. Na realidade, muitos geógrafos fazem Sociologia e muitos sociólogos penetram no campo da Geo grafia. § 2) CLASSIFICAÇÃO Entre os diversos elementos que constituem o quadro natural da vida dos grupos, importa introduzir algumas dis tinç·ões que nos forneçam uma conceituação mais precisa. 8 LA BLACHE, PAUL MARIE JOSEPH VIDAL (1845-1918) . Geó grafo francês, dedicou-se inicialmente à História. Em 1873, VIDAL DE LA BLACHE foi nomeado professor da Universidade de Nancy ; em 1877 lecionou na Escola Normal Superior e, finalmente, em 1898, passou à Universidade de Paris. Dedicou-se especialmente ao campo da Geografja Humana . Uma de suas maiores contribuições foi a apli cação do método regional, que postulava a estreita ligação entre da dos sociológicos e geográficos em uma região específica, objetiva mente definida . Conclui que "as causas geográficas influenciam o ho- \ mcm somente através de fatos sociais" ; desenvolveu e estudou a teo ria ambiental. Em 1915, recebeu, pelos seus trabalhos, a medalha de ouro da Sociedade Americana de Geografia . Sua obra mais impor tante, como contribuição à Sociologia, foi : Priricipes de Géographie Humaino, Paris, ed. E . de Martonne, 1922. "•·.!\ !':.\ N PO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 1 . 1- ·" 1 . i r('s ['ís·icos e antropofísicos. Os primeiros são - • . 1 .d •.-r pu r:1mente natural, sem sofrer uma ação modifi- . , . , , , : :1 por parte do homem : o relêvo, a configuração lito ' . . . , · : 1 . o cli m a, as tempestades, etc. Os segundos sã.o resul- 1 :1 1 . ! n: de uma combinação entre a natureza e a atividade l 1 1 1 1 ; ,a na e se integram no patrimônio cultural do grupo : porl os, canais, vias· de comunicação. I I ) Fatóres imediatos e mediatos. Os primeiros atuam d i retamente sôbre a vida coletiva, por exemplo, uma erupção vulcânica que arrasa um povoado e força a população re manescente a emigrar. Os segundos atuam sôbre outros fe nômenos naturais e só mediante êsses agem sôbre a vida em sociedade, por exemplo, um clima mórbido atua sôbre a saúde do grupo humano, cujo baixo nível sanitáriose re flete na pobreza de suas criações culturais. III) Fatôres agentes e condicionantes. Os primeiros direta ou indiretamente atuam no social. Os segundos ofe· recem apenas possibilidades à espera de determinada com binação de fôrças para surtir determinado efeito social. A existência de um rico subsolo constitui apenas uma condi ção para que os grupos humanos sôbre êle instalados desen volvam a indústria extrativa. É possível assim que dentro do mesmo quadro natural floresçam culturas diversas, como é também· possível que culturas similares apareçam em qua dros naturais diferentes. Não existe um rígido determinis mo geográfico. § 3) INFLUÊNCIA SOCIAL DO QUADRO GEOGRÁFICO A tese do determinismo geográfico que pretende exclu sivamente explicar os fenômenos sociais e culturais pelo f a tor ambiental não tem valor científico e é hoje com umente rejeitada pelos sociólogos. A · idéia de explicar os mais variados fenômenos só cio-culturais pelo fator ambiental, por exemplo, o clima, se- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 67 duziu uma série interminável de pensadores, desde a mais remota antiguidade. A distribuição e a densidade das po pulações e sua estrutura étnica, o tipo de sua organização econômica, social e política, o progresso e decadência das nações, o caráter das crenças e ideais religiosos, os tipos de organização familiar, os sistemas filosóficos, os índices de criminalidade, de fecundidade e de inteligência, o número de homens geniais, etc., tudo foi atribuído a influências geo gráficas. 4 O tempo foi se encarregando de fazer a triagem nesse acervo de idéias, relegando a maior parte � las para o domí nio da literatura e da poesia. As contribuições positivas da escola geográfica se podem resumir nos seguintes itens : I) - Sendo o homem um organismo que deve se adap tar ao meio para sobreviver e prosperar, e tendo assim a sociedade uma base orgânica, o meio geográfico influi po derosamente sôbre o comportamento coletivo dos grupos. Os vales às margens dos grandes rios foram os berços das civilizações primeiras : Nilo, Eufrates, Yangtze. Os rios atraíram os aglomerados humanos e às suas n1argens apa receram grandes cidades, como quase tôdas as capitais eu..: ropéias, porque o rio oferece água, uma via de comunicação e de comércio fácil e econômica, constitui uma linha de de· f esa, fornece a pesca, e possibilita a irrigação. Notar o sen tido do Tieté na história paulista. Os litorais, protegidos em forma de portos, foram im� portantes fatôres de civilização, apenas começou a se de senvolver o comércio marítimo, como foi o caso de Tiro, Sí don, Atenas, na Antiguidade, e na Idade Média, e Moder na : Gênova, Marselha, Hamburgo, Shangai e Tóquio. Por outro lado, as regiões montanhosas não propiciaram o apa· recimento de grandes civilizaç-ões, que não permitiam a for- \ mação de densos grupos humanos. Nelas vivem em geral 4 SOROKIN, PITIRIM, Contemporary Sociol.ogical TheorieB, New York, Harper & Brothers, 1928, págs . 99 e segs. FERNANDO Bl.STOS DE ÁVILA., S. J. populações rigidamente tradicionais, mais hospitaleiras, de vido, talvez, ao prazer de receber o ádvena, portador de mensagens e notícias do resto· do mundo. Exemplo típico, .entre nós, são as populações de Minas Gerais. O isolamento geográfico exerceu influência decisiva não só sôbre a evolução geral de grandes civilizações, ma� também sôbre pormenores que, à primeira vista, nada têm que ver com o fator ambiental. Dois exemplos típicos : a China e a Inglaterra. A China era pràticamente impenc� trável pelos seus limites naturais ocidentais, reforçados mais tarde pelas célebres muralhas. Era . um mundo voltado para o Oriente. Ficou, assim, durante séculos, completamente iso lada, constituindo um mundo cultural à parte, com o papçl .a bússola e seus conhecimentos astronômicos. A Inglaterra. separada da Europa pelo Canal da Mancha, constitui o povo mais tradicional da Europa. O canal, o n1ar, era para ela uma defesa natural. Assim, enquanto os povos continentais. sentindo a pressão e a ameaça dos vizinhos, já possuíam, ha� via séculos, exércitos regulares, a Inglaterra só os adotou no século XX. As condições do solo e do subsolo, enfim, exerceram enormes influências no desenvolvimento dos povos. Certa mente que um dos fatôres do progresso tecnológico ameri cano foi a descoberta do petróleo e sua valorização come) fonte de energia. A expansão territorial brasileira foi profundamente in fluenciada pela ausência de metais preciosos na zona lito· rânea. A colonização espanhola encontrou-os próximos à cos ta do Pacífico e no México,, e sob o signo do mercantilismo não se desenvolveu numa colonizaçã.o orgânica de base rural auto-suficiente. Adquiriu um caráter extrativo e predatório, e não teve o surto de penetração continental da colonização portuguêsa. Acossada pela ânsia de encontrar outro, esta va rejou o continente sul-americano, transpôs as linhas fixa das pelo tratado de Tordesilhas, e deu ao Brasil sua formi dável extensão territorial. É possível que se o português ti- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 69 vesse encontrado ouro mais cedo, perto da costa, o Brasil te ria hoje uma simples faixa litorânea, como é a América ($ panhola. A colonização americana do nõrte só descobriu ouro, na Califórnia, no século XIX, quando a cultura americana já tinha sólidas bases econômicas. A história dos Estados Uni dos seria totalmente outra se tivesse começado do lado do Pacífico. 5 II) - A influência do fator ambiental é tanto maior quanto mais baixo é o nível de evolução do grupo ; é n1aior para a satisfação das necessidades primárias do que para a satisfação das exigências mais elevadas do homem. Os· grupos primitivos estavam expostos, quase impoten tes, aos rigores do meio ambiente e seu raio de ação era ti- . rânicamente limitado por êle. Daí a importância do meio co�o fator de discriminação no ritmo de evolução inicial dos povos. Podemos admitir que os grupos primitivos tenham tido as mesmas potencialidades inatas, naturais. Uns, porém� prosperaram mais ràpidamentc, outros menos, outros per. maneceram quase estacionários. É certo que nessa diferen ça de ritmo o fator ambiental exerceu uma ação decisiva. Uns prosperaram, porque se encontraram num contexto geo gráfico propício. Outros evolufram pouco, porque se viram cercados por uma natureza avara e inclemente. A influência do meio é menor na satisfação das exigên cias mais elevadas como as morais e intelectuais. Mais pre cisamente, o desenvolvimento das atividades superiores do espírito está menos sujeito ao meio, e dêle menos depende, que a satisfação das necessidades primárias, como alimen·· taçã.o, vE:stido e habitação. Os gênios, os heróis e os santo� aparecem de maneira imprevisível, como um capricho da natureza ou da graça, nos contextos naturais mais diverso�. No que diz reRpeito, porém, à satisfação de suas neces sidades básicas, os grupos humanos dependem muito mais r; VIAN.&. MOOG, Bandeirantes e Pioneiros, Pôrto-Alegre, Ed. Glo bo, 1954. 70 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. estritamente do meio geográfico e através dessas necessida des básicas o meio exerce uma poderosa influência sôbre os destinos dos povos. 6 III) - A ocupação crescente do globo e a sempre mais estreita interdependência dos povos oferecem hoje a base natural, geográfica, para a constituição da Comunidade Hu mana Uni versai. A idéia da existência de uma comunidade humana uni versal já fôra intuída pelos grandes criadores do direito in ternacional moderno : VITÓRIA ; 7 SUAREZ ; 8 DE GROOT 9 e 'ª O leitor encontrará a confirmação mais dramática desta tese nos trabalhos de .lOSUÉ DE CASTRO, principalmente em Geopolítica da Fome, Livraria Editôra da Casa do Estudante do Brasil, 1952. NM endossamos muitas das teses do Autor, para cuja comprovação utili� zou um material que muitas vêzes deixa a desejar, quanto ao•seu teor científico. Mas consideramos de capital importânciaduas con tribuições do seu pensamento . Em primeiro Ius-ar, êlc determinou um poderoso impacto na opinião pública internacional, chamando a aten ção do mundo para a extensão tremenda do fenômeno fome. Neste :fator, JOSUÉ DE CAS1"RiO procurou mesmo descobrir, de modo que nos parece um tanto unilateral, um fator determinante da histórh1 . ��m segundo lugar, aduziu uma argumentação convincente para êlemons trar que a fome é menos devida a fatôres geográficos - escassez de recursos ou po�sibilidades naturais - do que a fatôres sociais -· iniqüidade na produção e distribuiçã() das riquezas. Esta parece-nos ser a contribuição mais rica do Autor, pela qual revela a inconsis tência e o egoísmo latente de certas tendências de um maltusianismo profético. lt evidente que o conjunto de sua obra não pode ser re pudiado por razões de f a1so sentimental ismo nacionalista, que nela quer encontrar uma antipropaga·nda do Brasil. 7 VITORIA, FRANC1SCO DE (148Q-1546) . Teólogo e jurista espa nhol. VITORIA entrou para a ordem dos Dominicanos ainda bem jo vem. Completando seus estudos em Burgos, foi enviado em 1506'1 para estudar em Paris. Voltando à Espanha em 1523, permaneceu ligado à Universidade de Valladolid durante três anos. Em 1526 tornou-se catedrático de Teologia na Universidade de Salamanca. A descober ta do Nôvo-Mundo, as conquistas espanholas e a consolidação do Im pfaio Espanhol na América, levantaram novas questões sôbre as re lações internacionais . VITORIA dedicou atenção especial a estas ques tões, inaugurando assim um sistema científico de direito internacio nal. O domínio da Teologia era para êle bastante amplo, abrangen do as ciências jurídicas. Tendo a lei um conteúdo moral e espiritual, só poderia ser bem aplicada e compreendida por quem soubesse Teo logia. Como professor desta cadeira, organizava anualmente cursos públicos sôbre determinados assuntos . Doze dêstes cursos foram pu- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 71 PUFENDORF. 10 Intuíram a realidade de um bem comum univ<Wsal, que se impõe ao bem comum dos grupos nacio nais, do mesmo modo que êste se impõe aos interêsses dos indivíduos. Como o indivíduo subordina seus interêsses ao interêsse maior do Estado, assim os Estados devem subor dinar seus interêsses ao bem da comunidade humana. Tra tava-se, porém, de uma antecipação genial que precedia de blicados em 1557 após a sua morte, sob o título de Praelectiones theo logicae. Os mais importantes, entretanto, eram os que versavam sõ.. bre os índios e sôbre a guerra D'e indiis et de jure belli praelectio ?1.es, obra publicada em 1532, que constitui na opinião de mui.tos um -excelente trabalho de Direito Internacional . VITORIA é con�iderado por todos um dos pioneiros do assunto, pela sua elaboraçã:o do con ceito de uma comunidada internacional. Nesta, não só as nações ci·is tãs seriam incluídas, mas, também, as não-cristãs, com os mesmos di reitos, tôdas sujeitas à lei da Cristandade, oriunda das leis naturais e morais. "A lei internacional não tem apenas a fôrça de um pacto entre homens, goza da fôrça da lei, pois o mundo, em seu conjunto, • sendo de certo modo iim único Estado, tem o poder de •litar leis jus tas e apropriadas a cada pessoa, como são as regras do direito inter nacional". 8 SUAREZ, FRANCISCO (1548-1617) . Teólogo espanhol. entrou para a Companhia de Jesus aos dezessete anos de idade. Depois de ter completado seus estudos de Filosofia e Teologia. lecionou estas matérias em várias Universidades espanholas e italianas . De 1597 a 1616, foi professor em Coimbra. Exerceu profunda influência no pen samento escolástico, tendo preparado terreno. l)ara a neo-�scolástica. Foi um dos fundadores do direito internacional e o primeiro a esta belecer uma distinçãio clara entre Direito Natural e InteTnacional. Prega a necessidade de uma associação dos Estados soberanog com um corpo de leis para reg-ulá-la. baseando esta necessidade na uni dade moral e no lítica de todos os povos. Sua obra : Tro..cta.tus de le .Qibus Clc DP-D ler;islatore (1612) é um trabalho detalhado sôbre direi to. Nela discute os sistemas legislativos e suas rclac;ões. Na obra póstuma Opits triplice virtute theologica (1621 ) , expõe suas idéias sôhre a guerra . Seu ponto-de-vista sôbre a política é encontrado em D·efensio /"'dei catholice . . . adversus - a:nglicanae sectae errares (1613) onde i·epudia a teoria do direito divino dos reis, submetendo <> govêrno ao consentimento dos g-overnados . 9 DE GROOT, HmGH. (1 538-1645) (GROTIUS) . Jurista holandês, estudou na Universidade de Leyden, formando-se com 15 anos de idade. Em 1613, envolveu-se em questões políticas. tomando parte nas discussões entre calvinistas e anticalvinistas . Estêve prêso no Cas telo de Loevesteins, mas conseguiu fugir para a França em 1621 . Aí escreveu sua mais famosa obra : De .iure belli ac pacis . É um t:cata do sistemático sôbre o conjunto das leis nacionais e municipais. Sua l·"EltNANJJ() BAFTOS nFi ÁVITiA, S . . J. , • :·:n·1 1 los a maturidade dos tempos·, o contexto sócio , . . · t l l H 1 i i1'.o in<lispensável para que a idéia se concretizasse • i 1 1 · 1 1 : l org-<.rnização. Com efeito, sua intuição incidia preci : : 1 1 1 : • · 1 1 l .i.? nmna época em que, no clima do mercantilismo, 11 : ; 1 · rol'mavam os grandes Estados contemporâneos pelo apa n �c : i mento de um forte poder central que absorvia a.s com p<trlimentações econômicas e políticas internas. Tal era o obra teve grande repercussão, com mumeras edições, mesmo durante a sua vida.. Para o estabelecimento do conjunto de leis, De GROOT ha::;eia-se nas Escrituras e nos clássicos, sujeitando os Estados sobe ranos às mesmas leis que os indivíduos . Ein contradição com SUAREZ e VITORIA, DE GROOT estabelece que, não sõmente os superiores, mas também os iguais estão autorizados a punir. Daí constituir a guer ra uma sanção contra os crimes de um Estado. Baseou seu sistema numa teoria da lei natural, que não foi ultrapassada durante séculos. Em 1631, procurou regressar à Holanda, onde passou alguns meses. Entretanto, tendo sido renovada a ordem de extradição, fugiu para Hamburgo, sendo entã-0 nomeado embaixador em Paris. Demitiu-se em 1645. Morreu depois de fazer uma pequena visita à rainha Cris tina, da Suécia. Não foi sõmente jurista, tendo publicado também obras de Teologia, Filosofia e História, bem como estudos críticos sôbre os textos clássicos. Sua obra Inleiding tot de Hollandesche Rechtsgel,eertheid: Introdução ao Direito Holandês (Haia, 1631, ed. S. J. F. Andreas e S. J. van Apeldoorn, 2 vols.) constitui até hoje um ótimo livro de texto. 10 PUFENDORF, SAMUEL VO.N ( 1632-1694 ) . Estadista, jurista e historiador alemão. Filho de um pastor luterano, nasceu na Saxônia, tendo estudado em Estocolmo e Berlim . Opondo-se a DE GROOT, con sidera o Direito Internacional baseado na lei natural . Para êle, tôda lei internacional faz parte da lei natural, enquanto DE GROOT, con sidera o Direito Internacional baseado na lei natural. Para êle, tôda lei internacional faz parte da lei natural, enquanto DE GROOT dis tingue leis positivas e naturais das nações. Aplica aos Estados a idéia de sociabilidade, pois, não podendo deixar de coexistirem1 devem pro· curar auxiliar-se. De modo geral, condena a guerra ; ela só se justi fica por uma causa justa. A condiçã-0 natural do homem é a paz, considerando desnecessários os tratados. Seu pensamento sôbre Di reito Internacional encontra-se em suas principais obras : De jure ·uaturae ed gentium, libri octo ( 1672) . De officio hominis et civis ( l 673 ) ; Elementoru-m jurisprudentiae universa.lis, libri duo (1660) . Como estadista, PuFENOORF, em sua obra De statu imperii Gerrnanici, !ilwr unus (1657 ) , procurou mostrar ao povo alemão tudo o que ha v i a de desumano em sua Constituição . 1 1 Mercantilismo. Nã.o chega ainda a constituir uma doutrina 1·1·011(>111 i('a. Foi antes de tudo uma política econômica restricionista,• 1 1w npa1·e<·<m na época das grandes descobertas para controlar o coM 1 1 1 1 · rcio, que então obteve enormes possibilidades de desenvolvimento . ··, "\: . 1 \ INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA caso de Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Os inte rêsses mercantilistas opunham uns aos outros os grupos. nacionais e não permitiam a visão de um interêsse comum. universal. Faltavam os elementos de base, que hoje não só existem, mas dos quais a humanidade toma consciência cada vez mais clara. Para que apareça e viva a comunidade, requer-se, em. primeiro lugar, a continuidade espacial. É o que se vai rea lizando pela ocupação crescente do globo e o que se vai acele rando pelas maiores possibilidades 'de transportes e comu nicações. Os povos se sentem cada vez mais vizinhos e até interpeneh·ados. Requer-se, a seguir, a existência de servi ços básicos comuns e é o que se manifesta, não só pela or·· ganização de serviços e transportes e comunicações, inter� continentais, como também pela interdependência econômica. Através da economia internacional, os povos criaram de fato. uma rêde de serviços mútuos que os torna rigidamente so lidários. A comunidade postula ainda a consciência de inte- . A idéia central de todo mercantilismo e1•a considerar a moeda a úni-. ca fonte e riqueza. Para os mercantilistas, a abundância de metal. precioso é o meio eficaz de garantir a prosperidade das nações, isto· é, riqueza é metal. Chegam a esta conclusão, baseando-se em três observações: 1.ª, o país mais próspero da época é a Espanha, que possui o maior estoque de ouro ; 2.ª, o metal é riqueza durável, o que não acontece com outros bens, que sã10 perecíveis; 3.ª, o ouro é a melhor arma, pois que possibilita a compra de exércitos e armamen tos. Era então de interêsse que cada país procurasse ter a maior· quantidade de ouro possível, o que procurava obter reduzindo ao má ximo as importações e incentivando as exporta�õcs, pagas em ouro. Foram os prhneiros a realizar a idéia de uma economia nacional. Procurando, cada vez mais, enriquecer em detrimento das outras na ções, os mercantilistas contribuíram para a c1·iação de uma atmos fera de nacionalismo exagerada. Intuíram a idéia de uma balança. comercial, que só era . considerada favorável se as expo:rt�.ções exce dessem às importações. Esta política veio entravar violentamente o · comércio internacional que tinha na ocasião grande oportunidade para desenvolver-se. Levou países como a Espanha a uma miséria extre ma, com um descaso absoluto pela agricult.m·a e pela indústria . Os: estoques de ouro eram fabulosos, mas não havia o que comprar com êles. O êrro fundamental do mercantilismo estava em ver na moe- · da, não o meio de permuta, mas, unicamente, a fonte de riqueza. 1· l· li!-.J.r\ N l>O BA81'0S DE ÁVILA, S. J. 1 · 1 •11 11 11:; (1ue aparece cada vez mais clara em âmbitos . . · . ; , i : , : a < :omunidade Européia, a Organização dos Es- ' . . . . : . ,.\ : 1 1< � 1 inrnos, o Pacto do Atlântico, de Bagdá, e que já , , • • ; ··, . 1 ;1 n1 l>óm num âmbito planetário. A guerra da Coréia, : 1 "' 1 1 p:11,·ii o do corredor de Gaza, mobilizaram as preocupa • ' < >1 '.'-' <� a� fôrças de tôda a humanidade, tão viva é a cons- 1 · i 1 · t l(' i a que ela tem que já não existem eventos puramente 1·p i;-;ódicos e perfeitamente localizados. Enfim, a comunidade como tal começa a funcionar com a participação numa obra nnnum. Êsse é talvez o mais importante signo sob o qual vi vemos. As nações se sentem envolvidas numa obra que trans cende a seus próprios interêsses : a óbra da paz, da melho ria de condições da humanidade. As nações já se formu1am problemas em têrmos planetários e já aceitam soluções que importem mesmo numa alienação parcial da pr6pria sobera nia. A comunidade dos povos, que em si é mais uma simples vivência humana, evolui para uma forma societária que já cria seus órgãos de ação, entre os quais avulta a Organiza ção das Nações Unidas, a UNESCO, a FAO, e outras orga nizações de caráter universal. * * * Tôdas estas realizações foram possíveis, fundamental ·mente, porque o homem conseguiu cada vez mais pôr o fator .ambiental a serviço de seus interêsses. O fator ambiental não é determinante. É, antes, li?nitativo e permissivo, isto é, condicionante. Onde não há quedas d'água, o homem não pode criar ceutrais hidráulicas. Onde as há, nem sempre o homem as utiliza. Mas, dentro das limitações e possibilida des oferecidas ou impostas pelo fator ambiental, o homem cRtá criando um mundo à sua imagem e semelhança. Neste setor das relações entre o fator ambiental e o 1.�rupo humano, por outras palavras no setor da Ecologia l l 1 1 m a n a , abre-se hoje uma frente de trabalho na qual cabe INTRODUÇÃ-0 À SOCIOLOGIA 75 ao sociólogo uma tarefa privilegiada. Referimo-nos ao pro blema do planejamento regional, que constitui uma das mais importantes especializações do sociólogo como projetista social. Esta especialização exige do sociólogo não só conheci mentos gerais de Ecologia, mas sua iniciação na teoria dos recursos naturais 1 2 nos proce::;sos de levantamento dêstes re cursos e de planejamento de sua utilização mais racional pelas comunidades locais. Os processos de levantamento de recursos e planeja mento vêm sendo elaborados com excepcional habilidade pelas equipes de L . J . LEBRET, e seu movimento de Economia e Humanismo. 113 Hoje êsses· processos j á podem 8e beneficiar no Brasil das técnicas mais avançadas da f otogrametria e f oto-i nte1·pretação. t� O leitor encontrará uma síntese desta teo1·ia, em sua aplica ção ao Brasil, nos estudos de PAULO DE ASSIS RIBEIRO e GLYCON DE PAIVA, hoje considerados das maiores autoridades nacionais no as sunto. Cf. SPES (Sintese Política, Econômica, Social, n.º 14, abril junho de 1962) . l.3 Consultar especialmente : Guide Pratique de l'"'nquête sociale, em 4 volumes: Manuel de f enquêteur; l' enquête rurale ; l' enquête ur /Jaine; l'enquête en vue de l'aménagement regional, Paris, Presses Universitaires de France, 1952-1958 . · LEITURAS COMPLEMENTARES - BLACHE, VIDAL DE LA, Principws de Geografia Humana, Lis boa, Edições Kosmos, 2.ª edição, 1954. Ler o .Prefácio de FER NANDES MARTINS, e a Introdução, págs. 27-46. � - SICHES, Lms REcASENS, "Los fatores fisi,cos y la vida social", in Sociologút, México, Editorial Porrua, págs. 247-260. �i - SOROKIN, PITRIM, Contempora'Y'll Sociolog-ical Theories, New York, Harper & Brothers, Geographical School, 1928, páginas 99-193 . 4 - VIANA Mooo, Bandeirantes e Pioneiros. Paralelo entre duas culturas. Pôrto Alegre, Editôra Globo, 1954. 5 - CASTRO, JOSUÉ DE, Geopolítica da Fome, Rio de Janeiro, Livra ria Editô1·a da Casa do Estudante do Brasil, 1952. 6 - ÜGBURN, WILLIAM F. e NIMKOFF, MEYER F., "Tke infhience of geographical environment", in A Handbook of Sociology, Lon don, Routlcdge e Kegan, 1950, págs. 66 e segs . 7 - YOUNG, KIMBALL, "Geographic factors in Socio-cultural life", in Soci-Olog11 : a study of soc'Íety and culture, New York, Ameri can Book Co., 2.ª ed., 1949, págs. 137 e segs. 8 - MACIVER, R. M. e PAGE, CHARLES H., "Geography and People", ín Society and introductory mialysis, London, MacMillan, 1953, páginas 98 e seguintes . 9 - KOENIG, SAMUEL E OUTROS, "The physical bases of societ,y", in Sociolog"Y : a book of readings. Englewood Cliffs, N . J ., Prentice-Hall Inc., 1956, págs. 17 e segs . 10 - GEORGE, PIERRE, Questioris de géograph-i,e de la populatwn, Pa ris Presses Universitaires de France, 1959, 229 págs. I CAPfTULO III O FATOR DEMOGRAFICO Um grupo humano, situado em determinado contexto ambiental, cujas incidências sociais examinamos no capítulo anterior, constitui uma população. O fator demográfico interessa sumamente ao sociólogo1 porque, pelos seus vários aspectos, influencia a vida social e é influenciada por ela. Entretanto, a população é um todo, uma realidade com plexa. Como analisá-la?Neste capítulo distinguiremos os di .. versos aspectos sob os quais é possível focalizar uma popu lação, fornecendo assim os instrumentos conceituais para a sua análise. Êsses aspectos da situação demográfica de um grupo humano exercem profundas influências· sôbre sua vida econômica, social, política e cultural. Estamos convencidos mesmo, de que uma das grandes deficiências nos ensaios de interpretação de um grupo reside no fato de se perder de vista ou de não se dar a devida importância ao fator de mográfico. Uma população pode ser considerada, em primeiro lugar, do ponto-de-vista estático, em sua composição ; e, em se gundo lugar, do ponto-de-vista dinâmico, em sua expansão ou declínio, e nas modificações de sua estrutura. 1 11: � '. N ltO J:A�TOS DE Á VILA, S. J. ! : ;\ :--; P l·�CTOS SOCIOLóGICOS DA ESTRUTURA UI� UMA POPULAÇÃO '- : ;/ ,, I iro meu te considerada, uma população pode ser es ' , , d ; , 1 i ; 1 1 1 0 seu efetivo global, nas suas densidades, nas suas 1 1 1 : l 1 1 r;ts : estrutura étnica e etária. ,;� evidente que um grupo humano, com um alto efetivo , ; , 111 uf1râfíco e grande densüiade populacional, tem problemas 1 1 1 0�.-.ibiJidades diversas das de um grupo demogràficamente n•d1 1zido. Um alto potencial demográfico é a condição bási c a para a complexa divisão de trabalho que caracteriza os J�randes povos desenvolvidos do nosso tempo. Basta refletir . nas imensas complexidades das organizações públicas e ad- ministrativas, nas· instituições culturais de tôda a sorte, na multiplicidade de serviços e de exigências econômicas de uma sociedade desenvolvida, para compreender a necessidade de um rico capital demográfico como base da vida de um povo. Por outro lado, entretanto, um efetivo demográfico ele vado e uma grande densidade das populações levantam pro blemas específicos que não são enfrentados· por povos menos numerosos ou geogràficamente esparsos. Entre êsses proble n1as, podemos aludir aos mais fundamentais, como os rela cionados com as exigências primárias da vida : alimentação,. alojamento, ocupação, instrução. Exemplos típicos, a respeito, são oferecidos pelos casos da China e da índia. Segundo os resultados do recenseamen to realizado na China e publicado a 1 de novembro de 1954, existem atualmente 602 milhões de chineses, dos quais 582 vivendo nos territórios continentais. Em 1951, o primeiro re censeamento da índia independente acusou o total de 361 mi lhões de habitantes, e as previsões médias lhe atribuem 525 milhões para o ano 2000. 1 As populações dêsses países vivem numa estreita de- 1wndência das condições climáticas. Qualquer irregularidade 1 ( ; f. J . BEAUJEAU-GARNIER. "Géographie de la population", 1 0 1 1 1 0 l i , p;'tg-!i . 390 e 475 e segs. ./ INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 79· que acarrete prej uízo para as col�eitas tem repercussões sô bre a vida dos grupos humanos. A fome, que devastou o ter ritório de Bengala, de 1942 a 1946, causou a morte de dois milhões de habitantes, a ponto de se dizer que nesses países a fome tem sido apenas a agravação de um estado habitual de miséria. 2 Um baixo potencial demográfico, se por um lado não cria problemas da escala daqueles a que acabamos de aludir, não oferece, também, tantas possibilidades humanas para influir nos grandes destinos da História. I) Composição étnica. A composição étnica de uma população oferece mais um exemplo de um fenômeno essencialmente demográfico, re percutindo sôbre o plano social. Essas repercussões são de natureza diversa, segundo os diversos esquemas de relações que se estabelecem entre as etnias coll.lponentes do grÚpo hu mano. Por outro lado, muitos fatôres sócio-culturais, como a religião, a educação, o nível econômico, os estereótipos so ciais, influenciam as relações raciais no sentido, seja de acentuar, seja de atenuar as diferenciações étnicas. Não existem, hoje, povos racialmente puros ou etnica mente homogêneos. Entretanto, os problemas sociais só apa recem geralmente quando os grupos que convivem numa \ mesma comunidade humana manifestam diferenciações ra ciais profundas, como no caso de grupos brancos e pretos, brancos e amarelos, ou extrema coesão interna, como no caso dos israelitas. A simples existência, porém, de diferenças muito apa rentes não é baRtante para determinar repercussões sôbre o plano social. Outras condições são geralmente necessárias : 2 Cf. GILBERT ETIENE, "La population de l'Inde, perspectives démograpkiques et alimen.taires''. Populatwn, 1957, n.º 4, págs. 661 e segs., e ALFRED SAUVY, ''La Population de la Chine. Nouvelles don nées et nou.veUe politique". Population, 1967, n.º 4, págs . 69,5 e segs. 1"1fü NAN[)0 BASTOS DE ÁVILA, S. J • .. , ) que um grupo racialmente diferenciado disponha de , , . , c i·t�tivo demográfico significante, mas que constitua en ' 1 ·1 . . ,; 1 1 1to uma minoria. Neste caso, com efeito, a maioria , · t. J 1ica se forma à convicção de que a minoria é inferior ; por �t•a vez, esta convicção atua como fator de acentuação da tlisiància social entre os grupos ; 3 b) que entre os grupos raciais não exista, em escala estatlsticamente considerável, casos de miscigenação, que in troduzam, entre os tipos racialmente extremos, tipos inter mediários, numa escala gradativa de côr e outras caracte rísticas. . As repercussões ou fenômenos sociais resultantes da he- terogeneidade étnica de uma comunidade podem ser classi · ficados nas seguintes categorias : A) Aparecimento de estereótipos sociais. ROGER BASTIDE, aproveitando um estudo de LUCILA HER MANN, examinou a questão dos estereótipos sociais que o grupo do meio estudantil de São Paulo se formou com rela ção ao negro : o negro é considerado menos previdente, menos senhor de si, menos tenaz, menos conciliador, pior espôso, menos eficiente no trabalho, menos belo, menos amigo do trabalho, menos limpo, menos moral, menos econômico e menos ambicioso do que o branco. São êsses estereótipos que propiciam a formação de preconceitos raciais, e constituem a ba9e psicológica da diRcrirninação racial. 4 B) Aparecimento da discriminação racial. Pode ser jurídica ou simplesmente social. No primeiro caso, os diversos grupos étnicos não têm, perante a lei, os 3 Cf. BEORGE A. HILLERY JR., "The Negro in New Orleans : A functional analysis of Demographic Data". American Sociological Review, vol . 22, n.0 2, abril de 1957, págs. 183-188. 4 Cf. ROGER BASTIDE, "Stéreotypes et Préfugés de Coulewr''. So ciologia, vol. XVIII, n.0 2, maio de 1956, pãgs. 141-171 . INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 81 mesmos direitos. A forma típica de discriminação racial ju rídica foi o regime da escravatura. Uma forma camuflada desta discriminação é a adotada por certas comunidades ame ricanas do sul e pela u·nião Sul-Africana. Esta forma pre tende basear-se no princípio, impôsto pelos brancos, de re conhecer a todos os mesmos direitos, sob a condição de usu frúir dêles separadamente. Não percebem que precisamente neste ponto se insinua a discriminação. Se todos têm os mes mos direitos perante a lei, não cabe a um grupo impor as regras sôbre o modo de usufruir dêstes direitos. tí A discriminação racial, puramente social, reconhece a todos os mesmos direitos, inclusive o de usufruir dêles con juntamente, mas não oferece a todos as possibilidades reais de exercício dêstes direitos. Como exemplo típico, podemos citar a situação dos negros no Brasil. Dizer que no Brasil não existe um problema racial parece-nos uma afirmação um tanto simplista. Talvez mais exato seja dizer que existe um problema racial em estado potencial ou latente, porque existe entre nós uma verdadeira discriminação racial, pu ramente sociológica, como se pode depreender dos seguintes fatos : 1) na realidade, a porcentagem dos indiví<luos de côr é maior nas classes econômicamente fracas, chamadas inf e- 5 Cabe, entretanto, notar aqui uma diferença entreo problema racial nos Estados Unidos e na União Sul-Africana . No primeiro dêstes países, o govêrno federal impõe seu prestígio e sua fôrça para combater a discriminação racial nos Estados da Federação. Tal é ao menos a política do atual govêrno, que tem na população negra um forte contingente eleitoral. Hoje a cidade de Washington, sede do go. vêrno fedP.ral, conta com uma população de mais de 50% de negros. Na União Sul-Africana, o próprio govêrno é o instrumento de domi nação do branco sôbre o prêto . A discriminação é imposta oficial. mente com requintes que constituem uma afronta à própria dignida de humana. Como a segregação reclamaria investimentos cada vez maiores, o país se aproxima de um impasse intransponível, a não ser através da guerra de extermínio. Tal é a tragicidade da situação a que levou o país a cegueira dipcrirninatória . Ver a respeito a obra de JOHN HATCH, A/rica Today and Tomorrow, New York, Frederik A . Praeger, Inc., 1962. U'I n • . Fft�ltNANOO BASTOS DE ÃVILA, S. J. riort�H. O fato se pode explicar, historicamente, mas nem por iHHo deixa de ser um fato de observação imediata. Os grupos de l'Úr� após a libertação de 1888, de fato continuaram num.a �ituação de dependência econômica e não tiveram as mesmas oportunidades de promoção social de que dispôs o grupo branco ; 2) quando nos referimos ao negro no Brasil, referi mo-nos a êle como a um elemento estranho à realidade na cional, isto é, adotamos uma perspectiva nitidamente discri· minatória. � Tudo se passa, como se no plano coletivo existisse uma larga adesão às normas de igualdade democrática, e no pla no individual, isto é, no plano da consciência pessoal exis tisse um forte sentimento de segregação. Essa ambivalência constitui, na opinião de ROGER BASTIDE, o verdadeiro "Dile ma Brasileiro". 1 C) Aparecimento de um problema racial. Quando a discriminação racial atinge um determinado ponto crítico, trnsforma-se em problema racial, como no caso típico dos Estados Unidos. 8 A transformação da discriminação racial em problema racial é explicável, ao menos parcialmente, por um processo de promoção social e econômica da minoria. Como nota FRAZIER, 9 nos E.stados Unidos não existia problema racial entre brancos e negros escravos .. O preconceito aparece 6 Cf. GUERREIRO RAMOS, Introdução Crítica à Sociologia Brasi leira, Editorial Andes, Rio de Janeiro, 1957, págs. 183 e segs. 1 Cf. "Stereotypes, Norms and Interracial Behaviour in Sãlo Pau lo, Brazil", American Sociological Review, vol. 22, n.0 6, dezembro de 1957, pág. 692 . s Cf. GUNNAR. MYRDÂL, An America.n Dilemma, New York, Harper & Brothers, 1944. o Cf. E . FRANKLIN FRAZIER, ""l'he Negro in tke United Sta tcs", Ncw York, MacMillan, 2.ª edição, 1951. l 2 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 83 quando o negro se liberta porque, então, entra em JOgo um proce·sso de competição. A base dêste processo se encontt·u um sentimento de frustração da maioria branca, que Ht.� vi! lesada econôrnicamente com a emancipação do escravo. °f!Htc sentimento de frustração busca u'a motivação racional que se exprime através dos preconceitos raciais. A partir dfü�te ponto, a transformação _da discriminação em questão social pode ser interpretada por meio de um esquema, como o pro posto por LLOYD w ARNER. lO . . . . . ' . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . As linhas 1 e 2 dividem as classes alta, média e infe rior. A linha pontilhada 3 divide a população branca da po pulação de côr. Como se depreende dêste esquema, a maior parte da população de côr se encontra na classe inferior, apenas uma pequena porcentagem emergindo na classe mé dia. Entretanto, o processo de promoção social e econômi co do grupo negro se exprime por um movimento de rotação da linha 3, tendendo a identificar-se COilJ a linha 4. Nesse ponto do processo de promoção social, os grupos se opõem em todos os níveis da escala sócio-econômica, e o problema de suas relações se formula, então, não mais em têrmos de classes sociais. A casta vive sob o mecanismo de contrôle social que lhe impõe uma concepção fatalista da existência, lo LLoYD WARNER, "The Class 8.ystem", introdução do livro de ALLISON DAVIS, BuRLEIGH B . GARNER e MARY R . GARNER, "The Deep South", Chicago, The University of Chicago Press, 1944. 3 l•'t•: J<NA NDO HASTOf· DF. ÁVJTiA . ,q J . , 1 wln qual accjta como um destino irremediável, na sua con di1;.ao de inferioridade. A classe, ao contrário, rompe êste rm�ea11ünno, toma consciência da igualdade de direitos de que dt�:.;ej a usufruir. É então que o problema racial latente se torna um problema atual. Não cremos, entretanto, que no raHo concreto brasileiro, êste modêlo venha realmente a fun <·iunar, porque seu mecanismo é felizmente perturbado por um intenso processo de miscigenação. II) Composição etária da população . . É a distribuição de freqüência dos indivíduos pelas di versas classes de idades. Pode se apresentar sob formas nor mais e formas aberrantes, notando-se que, no caso, o apela tivo normal, não conota nenhum juízo de valor, mas se re fere a uma estrutura demogràficamente definida, como aque la que corresponde à tábua de mortalidade e de sobrevivên cia. Do mesmo modo, a conotação aberrante não implica ne nhum juízo pejorativo, mas, simplesmente, tipos de estrutu ra etária que se desviam da estrutura normal. Êstes desvios podem orientar-se seja no sentido de uma população demo gràficamente jovem ou senescente. No primeiro caso uma alta porcentagem dos efetivos demográficos do grupo se con centra nas classes de idades inferiores·. No segundo caso ve rifica-se o fenômeno contrário. População jo'1em : em vista de exemplificar as conse qüências sociológicas de uma população jovem, tomemos o caso do Brasil que, com pequenas variantes, corresponde ao caso de quase todos os países subdesenvolvidos. Em 1950, 51,9% da população braaileira tinha menos de 20 anos, como se pode constatar do gráfico da pirâmide populacional do Brasil. Confrontando, assim, a população brasileira ativa (de 20 n 60 anos) com a população inativa, cujo consumo é maior que a produção (de O a 19 anos e acima dos 60 anos) , temos B R A S I L CENSO DEMOGílÁFÍCO D E 1 9 5 0 - PDPUL AÇAO TOTAL - 51. 9 4 4.3 9 7 .... MULHEílES 26.0 5 9.3 9 6 5 0,2� Escala { ve r ti c. al - 1c. m = 5anos h o r i z ó 11t - 1cm· 1% HOMENS 2 5.8 8 5 001 4 9,8 Y. . lt'l•:Jc.NA NOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. • · 1 1 1 1 �>r>o. aproximadamente. 22,5 milhões de ativos para :!!>,r. milhões de inativos. Se aumentarmos o período produ f.i vo de 15 a 59 anos, temos no Brasil 1 . 000 ativos para 8!>() inativos, cifra que na Inglaterra, por exemplo, é apenas de 616. E note-se que, nas zonas rurais, a proporção au menta a 97 4 inativos para 1 . 000 ativos. 11 A s conseqüências sócio-econômicas desta situação de mográfica são múltiplas : uma política fiscal recaindo sôbre a população ativa, e adquirindo por vêzes proporções quase predatórias ; dificuldade de constituição da · poupança priva da em volume suficiente para suportar a expansã.o econô mica, principalmente das infra-estruturas, que cai assim,. progressivamente, sob o signo do intervencionismo estatal ; apêlo à mão de obra infantil, principalmente para a lavou ra, com tôdas as conseqüências que o fato implica no retar damento da alfabetização e do ritmo do progresso cultural. Como conseqüências sócio-políticas de uma população jovem, podemos registrar ainda a importância da mesma nos destinos políticos da nação. A j uventude não é natural mente conservadora ; é renovadora. Daí um fator de extrema instabilidade política, agindo através dos mecanismos elei torais. Não há facilidade para formação de uma tradíção política. É claro que, por outro lado, êste fator pode cons tituir um elemento de dinamismo progressista sempre re novado. • Outra conseqüência,enfim, é a dificuldade para a for- mação de uma tradição administrativa e para qualquer pla nificção a longo prazo. É evidente que êsse fenômeno se ex plica também pelos próprios mecanismos jurídico-adminis trativos, isto é, por causas de caráter mais' estrutural que vital. Entretanto, não se pode preterir também êsse aspecto 1 1 Ainda não são disponíveis as cifras do recenseamento de 1960, mas é certo que a estrutura demográfica de um grupo humano. não pode revelar mudanças profundas no período de um decênio . -� ·.-: .. . . . • .. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 87 da rapidez de reposição do capital humano como um do:-; f a tôres de nossa descontinuidade político-administrativa. População senescente : as conseqüências sociológicas de uma população senescente estão vinculadas ao seu envelheci mento demográfico. Numa população que decresce, a propor ção da.s pessoas idosas, de mais de 60 anos, que nada ou qua se nada produzem, aumenta progres'Sivamente, impondo à população ativa uma carga sempre mais pesada ; por outras palavras, o rendimento médio individual do grupo tende a di minuir. M.as, em compensação, importa ter presente a dimi nuição de indivíduos jovens, de menos de 20 anos, os quais, também, em grande parte vivem às expensas da coletividade. Qual será o saldo desta compensação? Parece que durante um período de tempo que poderá ser bastante longo, os dois efeitos contrários se devam equilibrar. Antes, porém, do término dêste período, ver-se-á nas classes de ida<les inter mediárias, de 20 a 60 anos, a população ativa que se apro xima doS' 60 anos aumentar progressivamente. Tratando-se de pessoas cuja capacidade produtiva entre em declínio, cons tituem elas um fator que age em sentido desfavorável. Che gará enfim um momento, no qual a população de mais de . 60 anos aumentará num ritmo mais rápido do que o da di minuição dos de menos de 20 anos. Reduzir··se-á por conse guinte a proporção da população ativa. Ji:ste envelhecimento da população se conjuga com outros fatôres psicológicos su mamente importantes : a falta de esperança, de confiança no futuro, de ambição, de impulsividade dinâmica, fatôres êsses que, por sua vez repercutirão de modo prejudicial sôbre a vida econômica. i2 Enfim os custos fixos da economia nacional, os que in ... dependem do efetivo demográfico, será.o agravados com a redução da população . ativa, especialmente os inúmeros �er viços públicos que serão mantidos, apesar de deficitário�. 12 Cf. A . LANDRY, Traité de DéniogrQ1Phie, Paris, Payot., 1949, páginas 557-580 . HH Fl�l< NANDO BA8'f0S DE ÁVILA, S. J. * 2) ANÁLISE DINÂMICA DA POPULAÇÃO A anúlise dinâmica tem por objeto a evolução das po pu lnc,:õcH. Esta evolução pode ser progressiva ou regressiva. 1�: progressiva quando o saldo entre a natalidade e imigra ção, por um lado, e mortalidade e emigração, por outro, é positivo. A evolução é regressiva, quando o saldo entre os elementos supramencionados é negativo. Examinaremos a seguir êsses elementos do ponto-de-vista sociológico, isto é, até que ponto são influenciados pelas estruturas soc1a1s e até que ponto as influenciam. 1) Natalidade. A natalidade de un1 grupo é função de sua fecundidade. Se a fertilidade, como conceito biológico de capacidade re produtiva, é pràticamente idêntica em todos os grupos hu manos. a fecundidade, como conceito sociológico, ou seja, o número real de filhos, varia de um grupo a outro, conforme • diversos fatôres que sôbre êles atuam. A) Fatôres q'ue condicionam a natalidade 1 ) Fatóres ideológicos : a difusão de uma concepção que vê, como fim primário do matrimônio, não a procriação, mas o amor. Esta concepção inspira práticas tendentes a dissociar a sexualidade da fecundidade. Por outro lado, sendo fortemente hedonista, leva os cônjuges a se libertarem dos ônus da fecundidade, pela limitação abusiva da prole. Tal concepção, movimentando os mecanismos de formação de opinião pública, pode exercer uma profunda influência na natalidade de um grupo humano. Um dos casos mais típicos da influência de fatôres ideológicos sôbre a natalidade foi o da França de antes da 1. ª Guerra Mundial. A difusão rá pida do hedonismo familiar, entre outros fatôres, foi a causa principal da queda da natalidade naquele país. • INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA H!) Número médio de filhos por família na França. i;i 1891 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,20 1906 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,19 1911 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,14 1926 . . . . . . . . . . . . . . . . . 1,99 1936 . . . . . . . . . . . � . . . . . 1,80 O estudo levado a efeito por C . V. KISER e P . K . WHELPTON em Indianápolis revelou aspectos interessantes do problema : os católicos têm mais filhos que os protestan tes, mas os casais protestantes são mais fecundos que os casais mistos e que os israelitas. Os operários S'ão mais fe cundos que os empregados e funcionários da classe média, e êstes são menos fecundos· que seus chefes ou patrões. 14 2) Fatô1·e.� sócio-econômicos : são muitos os fatôres desta ordem que influenciam a natalidade. Um contexto ur bano, em geral, não propicia a existência de famílias nuID:e rosas, porque, aí, as exigências citadinas fazem concorrên cia aos filhos. Num contexto rural, ao contrário, os filhocl constituen1 geralmente um valor econômico. Uma família numerosa dis pensa o braço mercenário. Acresce ainda que, num meio rural, a mentalidade evolui muito mais lentamente ; é muito mais resistente a novas idéias, muito mais apegadas a tra - dições. Para a família rural a limitação de natalidade não só é de difícil execução na prática, como ainda repugna às suas concepções mais profundas. O.s fatôres econômicos conjunturais e as variações dos ciclos econôn1icos atuam sôbre a natalidade através, prin cipalmente, de sua ação sôbre a nupcialidade. Esta tende a diminuir nos períodos de depressão, e tende a subir noR iw- 1·3 Cf. PEDRO CALDERAN BELTRÃO, S . J., Vers une politique de Bien-�tre familial, Roma, 1957, pág. 828. 14 Cf. Socia,l a:n.d Psycholo,qfoal factors affecting fertilif11: Mil� bank Memorial Fund, 1948 . 1<'1.:U NANl>O BASTOS DE ÁV1LA, S. J. nodoH de prm�peridade. E provindo o maior número de fi- 1 lio;-; d(� matrimônios legítimos, a variação da nupcialidade, rn-icilando segundo os ciclos econômicos, repercute sôbre as variações da natalidade. 1ó O nível econômico das famílias, enfim, é um dos fatô •·cH que condicionam a natalidade. MALTHUS e os autores da tradi ção multusiana supunham que a taxa de natalidade fôsse diretamente proporcional ao nível econômico : quanto mais elevado êste, tanto mais alto aquêle. A tese, porém, não re siste nem a uma visão global, nem a análises monográficas. É certo que os países do mundo de mais elevada renda per capita são os que revelam os mais bai�os indices de natali dade ( Estados Unidos, Suécia, Suíça) e os países de mais baixa renda per capita são os que possuem mais elevada taxa de natalidade (China, índia e quase todos os países da Amé rica Latina ) . Por outro lado, estudos monográficos demons traram que o número de filhos diminui na medida em que as famílias sobem na escala sócio-econômica. Nú MERO DE FILHOS POR 1 . 000 Mt;LHERES DE 15 A 50 ANOS, SEGUNDO OS NíVEIS DE RIQUEZA Classes 1 1 1 Paris Londres Berlim Viena - .Mui to pobre 108 147 157 200 Pobre 95 140 129 164 Remediada 72 107 114 155 Bem remediada 65 107 96 153 Rica 53 87 63 107 .Muito rica 34 63 47 71 Fonte: MOMBF.RT, citado por FROMONT: Démographie Économi que, pág. 76, Paris, Payot, 1947. JOSUÉ DE CASTRO atribui o fato da alta natalidade nas classes mais pobres, entre outros fatôres, a uma espécie de 16 Cf. ANTONIN BOHAC, lnflwmce de la. crise économique nwn diale sur le mouvement � la. popul.at� - Congres de la Population, 1937, tomo VII, pág. 66. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 91 compensação natural que o pobre busca no exercício <ln H(� xualidadeaos sofrimentos· que lhe são impostos pela mi séria. 16 É sabido que a natalidade no Brasil é das mais eleva. das do mundo. Sua taxa bruta é da ordem de 42 a 44 nas cimentos vivos anuais por mil habitantes. 17 Para que �e tenha idéia da grandeza dessa taxa, basta notar que, para a Suécia, ela é de 14 e 32 para o Japão. Uma taxa de natalidade tão elevada corresponde eviden temente a uma elevada taxa de fecundidade, que, no Brasil,. é da ordem de 170 a 178 nascimentos vivos anuais por mil mulheres de 15 a 49 anos, quando a mesma taxa é de 92 para os Estados Unidos e de 95 para a Argentina. Trata-se de: uma taxa média regional, com grande dispersão entre as·. zonas urbanas, onde ela cai a 121 e as zonas rurais. onde: sobe a 202. B) Conseqüências sócio-econômicas da natalidade. 1) Riqueza do potencial humano, que é, em última aná lise, a grande riqueza de um país : "Jl n'y a de richesse que· l'homme" (BODIN) . Ela revela em nosso povo uma admirá vel coragem de viver, reservas inapreciáveis de otimismo e· de espírito de sacrifício diante da vida. Nosso povo é ainda intato, imune de um espírito sofisticado, dominado pelos re-· quintes do conf ôrto, espírito que precede sempre a fase de· decrepitude de um grupo humano. 2) Absorção de grande parte 4a renda nacional em investimentos demográficos. Sabemos que boa parte da renda. nacional desaparece por caminhos excusos, inomináveis, foge 16 Cf. JOSUÉ DE CASTRO, GeopolíUca da Fome, Rio de J aneiro, Livraria Editôra da Casa do Estudante do Brasil, 1952. �ste aspecto· da tese do autor nos parece absolutamente infundado. 17 Cf. GIORGIO MORTARA, "Métodos para a eBtimativa da f ecun didade de populações sem registro ou com regiBtro incompleto de nas cimento/' Revista Brasileira d.e Estatística, ano XV, 1954, n.0 58,. abril-junho, pág. 102. lt'l•�l<NANllO BASTOS DE ÁVILA, S. J. (,, . 110!"-l�O ci rcuito econômico através de uma importação :·tt 11 1tuitria. Sabemos que tudo isto reduz o ritmo de nosso pt'oJKl't'�so. Não podemos esquecer, porém, que grande parte ela renda nacional é absorvida em investimentos demográfi co8 : maternidades, escolas, escolas profissionais, assistên cia a menores, ensino público, e que a renda dêsses investi mentos não é imediatamente apreciável em têrmos orça mentários. 3) Modifúação da estrutwra da procura de bens e ser viços e conseqüente pressão sôbre os serviços públicos. Uma população demogràficamenU: estável e es�acionária conserva uma proporção mais ou menos constante nas diversas ru bricas de seu orçamento. A estrutura da procura é mais ou :menos estável. Uma população em expansão, como a nossa, modifica incessantemente as proporções de suas despesas em favor da procura de alimentos, de bens e de serviços para a infância. O fato nos coloca diante de um dilema grave : se nossa economia e nossas finanças resistirem ao impacto des tas modificações de procura, o Brasil poderá passar de nação ;Subdesenvolvida para a categoria de nação desenvolvida ; ·caso contrário, não faltam os que nos prenunciam um f u turo sombrio. II) Mortalidade. O fato de uma pessoa morrer, como o de uma pessoa nascer, é um fenômeno biológico. lVIas o fato de um grupo humano ter uma determinada taxa de mortalidade constituj já um fenômeno sociológico, porque é condicionado pelas estruturas sociais, e por outro lado também as influencia. A ) A mortalidade condicionada por f atôres sócio-eco n.lhnicos. A mortalidade é condicionada por fatôres físicos e bio- 16,_�i<'o�, como, por exemplo : INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA !.>3 a idade : a taxa de mortalidade sobe no primeiro uno· de vida, desce ràpidamente para atingir seu mínimo entre • os 9 e 10 anos, para, em seguida, subir lentamente até a idade normal do grupo ; o sexo : nascem mais meninos que meninas (de 1 . 040 a 1.070 nascimentos masculinos para 1.000 femininos) , mas, em compensação, a mortalidade infantil masculina é por vê zes 20 % maior que a feminina. Esta compensação, porém, não é suficiente para eliminar uma ligeira superioridade numérica das mulheres que se observa em geral em quase todos os grupos humanos, omitindo-se os contingentes imi gratórios, predominantemente masculinos. As mulheres têm uma vida normal mais elevada que os homens (2 a 3 anos) ; as estações : nas regiões de zona temperada, com um ciclo estacionai fortemente diferenciado, nota-se um aumen to da mortalidade no inverno atingindo especialmente os ve lhos, e outro, no verão, atingindo principalmente a população infantil. É certo ainda que o índice de mortalidade varia segun do o estado civil, sendo mais elevado entre celibatários, viú· :vos e divorciados do que entre pessoas casadas. Entretanto, do nosso ponto-de-vista, importa examinar qual a influência dos fatôres sócio-econômicos que se vêm conjugar com os precedentes no sentido de agravá-los, ou de atenuá-los. É evidente que a mortalidade de um grupo diminui quando um número sempre crescente de seus membros pode se defe�der melhor contra as causas da morte, isto é, ali mentar-se melhor, abrigar-se melhor, utilizar melhores meios preventivos e curativos . . As pesquisas sôbre a mortalidade revelam uma corre lação nítida entre ela e os níveis sócio-econômicos das clas ses. Assim, um estudo feito pelo demógrafo suíço HIRSCH, sôbre os bairros de Paris, distribuídos segundo os níveis mencionados, mostrou que a máxima da mortalidade dos i. 'li li 1· oi 1' ' 1 t•J<:l(NANDO BASTOS D�� ÁVJT,A �- .T. , hni 1To8 imediatamente superiores é inferior à mínima dos bairros imediatamente inferiores, e que a diferença da taxa • de mortalidade entre os bairros mais ricos e os mais pobres {· de mais ou menos 50 % .18 Seria, entretanto, simplismo supor que a taxa de mor talidade depende única e diretamente apenas do nível eco nômico dos indivíduos. O problema é mais complexo e deve ser estudado em função das seguintes variáveis : 1 ) O nível científico e técnico do grupo : quanto maio êste se eleva, tanto mais tende a reduzir-se a mortalidade, e mais ràpidamente nas classes econômicâmente fracas· do que nâs classes ricas. O fato é compreensível. O progresso científico e técnico propicia o aumento do volume global de serviços e bens à disposição do grupo, inclusive de bens, tais como os meios profiláticos e curativos. O progresso of e rece uma socialização dos recursos que vai beneficiar mais àqueles que, pela- escassez de poder aquisitivo, não faziam parte dos privilegiados, aos quais era possível o acesso a re cursos raros. Entretanto, há aqui uma distinção importante a fazer, entre progresso orgânico e progresso importado. No primei ro ca.so, trata-se de um progresso que evolui na medida em que se estendem e solidificam as bases econômicas do gru po. :É um progresso que acompanha uma lenta modificaçã.o de estruturas. No segundo caso, trata-se de um progresso artificial, obtido pela importação dos últimos requintes . cien tíficos de povos plenamente desenvolvidos. O primeiro tipo de progresso permite uma baixa de mortalidade mais lenta, porém mais sólida, irreversível. À medida que a ciência e a técnica produzem meios mais efi cazes e mais abundantes, aumenta também o poder aquisi tivo e a educação das massas para saber e poder utilizá-los. is Quanto a estas pesquisas e a outras concernentes à relação entre classes e mortalidade, consultar P. FROMONT, ob. cit., páginas 33 e seguintes . , ..,,. . .. INTRODUÇÃO À SOCIOU)GIA. O segundo tipo de progresso pode per.mitir uma rápida baixa da mortalidade, principalmente infantil/ .e .. _P.ode per mitir a salvação espetacular de casos singular.es. Pó.de 1am bém ser responsável da recrudescência da·· ·mol:.��lidad� w", , . longo prazo. A vacinação em massa salva milhões ·ae· crian ças, mas, sem o progresso econômico, cria milhões de sub.::· · nutridos, para não dizer famintos, prêsas fáceis da morte. A importação do pulmão de aço salva: a vida ·cfu algUl\Scasos,.// mas não resolve o problema da merenda escó'1�1\. · Não pre�· tendemos dar aqui uma norma de caráter técnico ou profi lático, mas apenas chamar a atenção para uma incoerência flagrante de nossa política demográfica. É bom salvar o maior número possível de vidas que estão agora em perigo, mas não é bom salvá-las para as condenar a u'a morte menos espetacular, porque anônima. É bem que um grupo se envergonhe, porque muitos de seus filhos morrem por falta de um recurso médico tão simples como uma vacina, mas é melhor que se envergonhe também porque milhares de seus filhos vacinados morrem de subnutrição. 2) Montante da renda nacional. Teoricamente, a taxa de mortalidade tende a diminuir à medida que sobe a renda nacional, e a diminuir mais rà .. pidamente nas classes pobres. A razão reside no fato que um país de renda maiS' elevada pode aplicar maiores verbas em serviços públicos cuja inexistência é responsável pela alta mortalidade : serviços de água e esgotos, ambulatórios, assistência médica gratuita etc. Compreende-se mais fàcil mente a alta mortalidade num país como o Brasil, se se tiver present� que, ainda em 1957, dos 2 . 468 municípios, apenas 1 . 196 possuíam abastecimento de água e 77 4 possuíam ser viços de esgotos. 19 19 Melhorament<>s urbanos. Abastecimento d'água e esgotos sa nitários nas sedes municipais. Serviço de Estatística da Saúde, Mi nistério da Saúde, 1969', págs. 7 e 8 . '.• \ ' t l•'Elt N A NUO BASTOS DE ÁVILA, $. J. J·�utrctanto, à elevação da renda nacional não está ne- n·�:-;itriamcnte vinculada a baixa da mortalidade. Para que pnt.Lican1ente a segunda seja função da primeira, é indispen-· Hú. vd a existência de mecanismos de pressão da opinião pú hl ica. sôbre os órgãos governamentais, no sentido de obri- g[,-Jos a atender primeiro às necessidades primárias da co- l<�tividade. Sem a existência dêsses mecanismos, um govêrno <1ue vê aumentar a renda nacional pode deixar-se seduzir por investimentos suntuários que beneficiam eventualmente apenas uma elite requintada, ou por investimentos de po derio. 3) Montantes dos salários e vencimentos. Também aqui, observa-se uma correlação negativa entre taxa de mortalidade e níveis de salários· : aquela tende a baixar quando êstes tendem a subir. No Ocidente, observa-se há um século uma baixa constante da mortalidade, e uma. ascensão constante dos niveis de salários. E hoje os países da mais alta mortalidade são os países de mais baixos salá rios : China, índia, Brasil e outros. Dispondo de maior pod6r aquisitivo, o homem pode uti lizar melhores meios de preservação da vida, sejam pre ventivos, sejam curativos. Há muita gente que morre porque não tem dinheiro para comprar remédio. Entretanto, a simples melhoria de salários não basta,. se não é acompanhada de uma promoção educacional, a qual, por sua vez, volta a depender das disponibilidades nacio nais. Não basta ter maiores recursos ; é mister ainda saber empregá-los. De outra forma, são malbaratados, em ve.z de serem aplicados à satisfação de necessidades básicas. Não faltam pobres mal-nutridos, maltratados, que tenham seu aparelho de rádio ou de televisão, cujas prestações mensais fazem concorrência à alimentação e à higiene. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA B ) A s incidên.cias sociais da mortalidade. 97 Não há dúvida que a mortalidade elevada exerce in fluência sôbre a vida dos grupos, diminuindo o seu efetivo ou reduzindo o ritmo de seu crescimento. Tomemos o caso do Brasil, que, como já ti vemos oca sião de notar, corresponde ao de muitos países subdesenvol vidos. Nossa taxa de mortalidade é das mais elevadas do •· mundo, sendo da ordem de 18 a 20 por mil habitantes. Tra- ta-se de uma taxa bruta, não discriminada por idades. Uma taxa que levasse em conta essa discriminação revelaria logo nossa alta mortalidade infantil, isto é, alta proporção entre ·OS mortos, no primeiro ano de vida sôbre o total de nascidos vivos. Atinge ela, no Brasil, a razão de 160 por mil. A mesma taxa de mortalidade infantil é de 30 por mil nos Estados Unidos, de 40 por mil no Canadá e de 70 na Ar- gentina. Ainda é possível que a cifra de 160, rdativa ao Brasil, esteja aquém da realidade, dado o alto número de crianças que, principalmente no interior, morrem sem terea1 :sido registradas. ''A mortalidade é menor no grupo branco do que no pardo e menos neste do que no prêto, em conseqüência do mais baixo padrão de vida dos últimos grupos." 20 No período de 1940-1950, a vida média no Brasil foi de 42-43 anos, total que, se por um lado é baixo em compa ração com a vida média de países mais desenvolvidos, re presenta um progresso considerável na nossa luta contra a morte, se comparado com as cifras dos períodos anteriores. Com 'relação à mortalidade, importa-nos relevar três aspectos sócio-econômicos mais graves : 1) A sangria humana que representa para a nação a alta mortalidade, especialmente infantil. .Só de crianças, no 20 G . MORTARA, Caratterische Demografiche del Brasile, pág. 4 (trabalho mimeografado, relativo aos dados do recenseamento de 1950) . . l•' Jt:I{ NA N1)() BASTOS DE ÁVILA, S. J. 1..-i 1 1 1 < · i ro ano de vida, o Brasil perde anualmente um poten <·ial humano de perto de 200 mil de seus filhos. Consomem. i•t41.cH um volume enorme de bens e serviços que nunca. s(•rá reposto por êles no circuito econômico, de vez que rnorrem antes da idade produtiva. 2) o ponto crítico de nossa evolução demográfica pelo, qual haveremos de passar num futuro mais ou menos pró- • xitno, quando a baixa da mortalidade, que se poderá proces sar ràpidarnente, fará pesar uma população inativa, acres cida consideràvelmente, sôbre a população ativa. O acrésci. mo da população inativa será devido tanto ao número cres cente de aposentados- que resistirão mais longamente à mor te, quanto principalmente ao número de crianças que esca parão ao flagelo da mortalidade infantil. 3) ALAIN GIRARD sugere a hipótese d.e uma influên-· eia do envelhecimento de uma população sôbre a estrutura da família : o aumento da duração da vida fêz crescer a car ga dos improdutivos sôbre o orçamento familiar. O Esta.do foi assim obrigado a assumir cada vez mais os ônus dêstes improdutivos através dos mecanismos de pensões e previ dência social. �ste fato teria contribuído para a redução do tipo de família às proporções da família-conjugal. 21 III) Emigração e Imigração. No desenvolvimento de uma população, o saldo nata lidade-mortalidade é atenuado ou acrescido pelo saldo imi gração-emigração. A) O fenómeno emigratório. As diversas correntes emigratórias a que assistimos hoje se reduzem a duas grandes categorias : a emigração de: nacionais, e a emigração de refugiados e apátridas. 21 ALAIN GIRARD, "Démographie Sociale", in Traité de Sociolo gie; direção de G. GURVITC:H, Paris, P . U. F., 1958, págs. 284-285 . INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 99 A primeira provém de países de alta pressão demográ fica, incapazes de absorver na estrutura do trabalho uma larga porção de desempregados ( desemprêgo estrutural ) . Tal era o caso da Itália, Espanha, Portugal, Holanda, Gré cia e principalmente do Japão. Trata-se de uma emigração imposta principalmente por imperativos econômicos : desejam emigrar os que não po dem, pelo trabalho, assegurar-se os meios de subsistência, ou as possibilidades de promoção econômica. A segunda provém dos centros de refugiados que_, por razões políticas, tiveram que abandonar suas pátrias e ins talar-se provisôriamente nas zonas em que se refugiaram, como as da Alemanha, Áustria, Itália, Iugoslávia e Hong Kong. O número de refugiados que se vinha reduzindo pelo fluxo emigratório foi, a partir de 1957, ràpidamente au mentado pela afluência dos refugiados húngaros. O motivo fundamental da emigração é, sem dú vida, o motivo econômico : emigra-�e na esperança de ga nhar mais. Em tempos normais, não perturbadospor con vulsões políticas, observou-se uma estreita correlação . entre emigração e ciclos econômicos : ela tende a aum�ntar nos períodos de depressão, e tende a diminuir no período de ex pansão. 22 Atribuem alguns à emigraçã.o um papel seletivo, isto é, ela priva o país· de origem de seus melhores elementos.2ª Esta opinião se funda em duas razões : os emigrantes são os mais ousados, os mais confiantes em suas próprias capa cidades e, em geral, os mais jovens; grande número de emi grant�s e �eus descendentes ocupam, nos países de destino, posições proeminentes na política (Juscelino Kubitschek ) , 22 A obra clássica no assunto é de HARRY JEBOME, . Migratio'11. and Business Cycle8, New York, National Bureau of Economic Re--. search, 192.6 . 2a Consultar: E . W . HOFSTER, Some Remarks on Selecti'v� Mi gration, Haia, M . Nighoff, 1952. -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- -- - -- -- • - -- - 1 00 1''BltNANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. nas f i nanças ( Whitaker) , na indústria (Matarazzo) , na a�ric u ltura (Lunardelli) , na cultura geral (Menotti del Picchia) . Cremos, entretanto, que êsses fatos podem explicar-se também sem fazer apêlo a uma ação seletiva da emigração. O emigrante europeu principalmente, _ de qualquer nível cul tural que provenha, é portador de valôres de uma cultura multissecular. No país de acolhida, encontra-se muitas vê zes num meio culturalmente mais pobre, o qual, por con traste, realça suas próprias capacidades. · Sua posição so- cial muda completamente pela emigração. No seu país de origem, com os quadros profissionais bem preenchidos, com instituições mais cristalizadas, encontra gránde dificulda de de promoção social. No país de destino, ao contrário, sua posição social inicial é menos definida, isto é, é mais plurivalente : as mais variadas p_ossibilidades de promoç�o abrem-se diante dêle, 'Talorizam e estimulam suas ca.pacida des inatas, que, no país de origem, talvez, permanecessem inexploradaS'. A emigração reduz a pressão demográfica de países superpovoados. Êste é um de seus efeitos mais ponderáveis, e, no caso de alguns países, como o Japão, o único que real mente interessa. Não que a emigração possa, por si mesma, resolver o problema do superpovoamento. Representa ape nas um lenitivo para uma situação . penosa, lenitivo porém não desprezível Seu efeito é imediato, não só em favor dos que emigram, mas também em favor de um número muito maior de pessoas que não emigram, isto é, daquelas que se aproveitam do espaço vazio criado pela ausência do emigran te, e daquelas que se beneficiam das suas remessas de fundos. A emigração, enfim, alivia o país de origem de uma carga de inativos desempregados e favorece assim melhor distribuição das fôrças de trabalho, numa escala internacio nal . 1 \ \ INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 101 B) O fenômeno imigratório. Consideremos agora o fenômeno migratório no seu as- pecto terminal, isto é, em suas relaçõ,es com o meio que acolhe a corrente migratória. 1 ) A influência dos fatôres sociais sôbre a i'Jnigração. A imigração é condicionada por múltiplos fatôres so- e ciais do país de destino. Entre êsses, aludimos a : A opinião pública : no público se formam determinados estereótipos relativos a determinados tipos de imigrantes. Tais estereótipos podem evoluir a ponto de se tornarem pre cqnceitos coletivos que se vão interpretar através de uma legislação restricionista e de uma prática administrativa ad versa a certos tipos de imigrantes. Uma vez formada a opi nião pública, que vê no imigrante o concorrente do traba lhador nacional, aparecerá uma legislação que cria um re gime de quotas, destinado a regular o volume an uai de en tradas. A conj1lntura política : países politicamente instáveis, com crises nacionais periódicas, revelam uma curva de imi ·gração irregular, entrecortada de bruscas inflexões. A conjuntura econômica : atua sôbre as entradas anuais com uma ação retardada de um semestre ou um ano, con forme as facilidades de comunicação entre os países de des· tino e de origem. A depressão econômica, determinando cri'· ses de desemprêgo, ou baixas de salários, reduz o fluxo de entradas ; a· expansão econômica, criando maiores possibili dades, acelera a corrente imigratória. A imigração para o Brasil . constitui êsse respeito um caso curioso. Observa-se que a curva das entradas se ajusta admiràvelmente, com uma pequena defasagem, à curva de variações da cotação do café no mercado internacional. Tudo se passa con10 se as oscilações do valor do café determinem as contrações e ex- 1"l·:l{ N 1\ N IX) BASTOS DE ÁVILA, S. J. p111 1sc°Jt·� do,"í n íve i.s de salário e de emprêgo, e ü88a� tenha1u urna i n fl uência retardada sôbre o volume das correntes imi v.ratórim·t :.!4 2) ln[:riências sócio-culturais da iniigração. Teoricamente, a imigração tende a deprimir os níveis <fo salá·1·ios pelo fato dê dilatar a oferta de trabalho. Entre tanto, para que êsse efeito da imigração se faça sentir na prática, supõe-se a existência de um regime de concorrên cia perfeita, que Já não mais se verifica, como também a existência do pleno emprêgo. Se, com efeito, a procura de trabalho, por parte dos empregadores, é maior que a oferta, por parte dos operários, a imigração não pode ter efeito depressivo sôbre os níveis de salários, tanto mais que · a mão-de-obra imigrante é, em muitos casos, qualificada ou semiqualificada, isto é, aquela precisamente da qual os países de acolhida sentem maior falta. No tocante ao Brasil, devem-se à imigração múltipla efeitos benéficos. 2is N obilitação do trabalho m.anual : em todo o período do Brasil-Colônia, o trabalho manual sofria uma conotação pe jorativa : f;ra coisa de escravo. Tanto que os primeiros co lonos chegados, suíços e alemães, que eram vrstos ocupados em tarefas ;rurais, foram a princípio desprezados. Melhoria do ní1Jel técnico pela introdução de pequenas indústrias artesanais. Introdução de novas culturas ou de novas técnicas de cultivo, como foi o caso do arroz, juta, tomate. D-ivulgaçõ.o do regime de pequena propriedade rural à base do trabalho familiar e da policultura, contra o latif ún dio. 24 Cf. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, s . J., L'Immigration au Hrésil, Rio de Janeiro, AGIR, 1956-, págs. 115 e segs . :!ó Consultar JOSÉ FERNANDO CARNEmo, Imigração e Coloniza çifo rio Brasil, Universidade do· Brasil, F . N. F ., Rio, 1950 . • INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA t o:� Para um juízo global sôbre o problema imigrnt.i'1rio brasileiro, sugeriríamos as seguintes considerações : É evidente que o Brasil tem um interêsse urgente clt' ·povoar-se, de colonizar-se. Quem entrou em contato com o :interior conhece a falta de enorme potencial humano para valorizar nossos recursos naturais. E não nos façamos ilu sões : . imensos territórios vazios, num mundo angustiado com problemas de pressão demográfica, despertam as atenções • .e cobiças. Incapazes de utilizar nossas reservas, mais cedo ou mais tarde teremos de enfrentar uma guerra de conquis- ta ou as exigências de uma autoridade supranacional im- pondo uma partilha ou uma fórmula qualquer de colonização estrangeira. O que já se processa em alguns países relativa- ·mente à propriedade privada latifundiária passar-se-á sem dúvida relativamente à propriedade política, ao latifúndio territorial que é o Brasil. 20 Por outro lado, entretanto, é certo também que a nossa renda nacional, absorvida em grande parte pelo próprio de senvolvimento vegetativo, não é suficiente para suportar os formidáveis investimentos requeridos por um programa de colonização acelerada. O Brasil não tem capacidade econômi ca de absorção de uma imigração em massa. Nem por isto deixa de ter interêsse pela imigração estrangeira, tanto ur .bana quanto rural. Quanto à imigração urbana. O inte�êsse que a imigração urbana tem para nós é o .da complementação dos quadros de nossa estrutura profissional. . O Brasil tem falta de técnicos, de operários especiali zados e semiespecializados. Nossas escolas de aprendizagen1 26 Cf. ARTUR CÉSAR FERREIRA REIS, A A.mazonia e a CobiÇG Internacional, São Paulo, Cia. Editôra Nacional, 1960. 1 O· I Jt'l·�f{NA NOO BAS"."OS DE ÁVILA. S. J. l r u l würial não são suficientes para fornecer êsse setor dO' n wrca<lo do trabalho. É preciso não esquecer que a formaçã<>' ,fe um ser humano, até fazer dêle um técnico ou um operá rio especializado, onera um país, especialmente um país como o nosso, que se deve equipar sem dispor de capitais -.....__ · HU fiei entes. Ora, a formação do imigrante não nos custa pràticamente nada, e o imigrante é um capital imediata mente produtivo. Um j ornalista sensacionalista se compraz às vêzes em trazer à opinião pública alguns casos de imigrantes mar ginais que pesam sôbre a coletivid�de. É mister, porém .. ter presente que tais casos não são a regra, mas a exceção .. Quanto à imigração rural. A imigração rural isolada, se excetuarmos a imigração japonêsa, perdeu o espírito pioneiro que teve em outras épocas. O imigrante europeu não é mais um desbravador. É portador de técnicas altamente eficientes dentro de um determinado contexto sócio-econômico, que não existe no nosso sertão. Abandonado ali, não resiste às inclemências: do meio, às deficiências assistenciais e perece ou emigra. O interêsse que conserva para nós a imigração rural é o da formação de colônias-modêlo, com alta eficiência exem plativa, situadas nas proximidades de centros consumidores� As experiências j á realizadas entre nós, italianos em Pe drinhas e holandeses de Holambra, por exemplo, já preen chem de modo compensador os objetivos visados. Entretanto, o problema social mais agudo criado por tais colônias é o da sua integração cultural. A legislação vi gente não permite a venda de mais de 25 o/o dos lotes, a . nacionais de um mesmo país, por um receio, aliás legítimo, de que tais colônias ao se desenvolverem se venham a tor nar minorias étnicas. �sse receio se exacerbou entre nós. com a guerra, quando se popularizou o conceito de quisto "� • INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 1 05 étnico, de corpo estranho das minorias nacionais. Pnra <1vi tar o perigo, exige-se a quase imediata dissolução do i�rupo estrangeiro no organismo nacional. Na nossa opinião, iKto também constitui um êrro : Há dois processos· de assimila · ção de um grupo estrangeiro : um, por degradação dêste grupo ao nível do rurícola nacional outro, por promoção dê.:; te último ao nível cultural do colono estrangeiro. A disso lução do grupo estrangeiro conduz à assimilação por degra dação, e não é interessante inverter capitais para multipli car nossos caipiras. Para que o grupo estrangeiro possa con-· tribuir à sublimação do nível cultural do nosso meio, dev�,. ao menos por algum tempo, persistir como grupo. A acultu ração é um fenômeno de grupos e não de indivíduos. A imi-· gração italiana e alemã do sul, que conservou por muito tempo sua identidade como grupo, trouxe um precioso con tributo à nossa promoção cultural ; a mesma imigração no Espirito Santo, que se dissolveu ràpidamente no m.eio, des ceu ao nível do nosso rurícola. Finalizando o capítulo sôbre o fator demográfico, não podemos deixar de aludir às migrações internas, fenôme-· no de grande importância sociológica hoje, de modo especial no Brasil. As migrações internas no Brasil vêm afo(sumindo o as-· pecto predominante de êxodo rural. São determinadas prin-· cipalmente pelas precárias condições do meio, fator repul sivo ; e pela esperança de encontrar na cidade maiores possi bilidades de subsistência e de promoção social, fator atra- tivo. Elas têm como efeitos imediatos uma deteriorização do meio rural, devido a uma baixa de produção provocada pela evasão do elemento humano ativo ; a emergência de sérios· problemas urbanos, especialmente a favelização e o risco de marginalidade crescente. Entretanto, o fenômei ;o em si parece-nos, a longo prazo, ser de natureza e apresen tar um saldo positivo. As migrações internas funcionaram como um fator de formação de uma consciência nacional 1"l•mNA NJ)0 BASTOS DE ÁVILA, S. J, du.·1 ��rarnlc:-i problemas brasileiros; foram um veículo de in- 1 1 • 1 ·nu11bio cultural entre as várias regiões do país e propi <·iaram a dilatação do nosso mercado interno, introduzindo 1 10 c in:uito econômico dezenas de milhares de brasileiros que viviam fora dêle numa economia não contabilizada. ' 1 • LEITURAS COMPLEM ENTARES 1 - BEAUJEU-GARNIER, J., Geogra.phie de la population., PuriK, ( ,ihr. de Medieis, 1956-1958, 2 vols . .2. - REINHARD, MARCEL, R., Histoire de la populatwn mondialli dn 1700 à 1.'J48, Paris, Ed. Domat-Montchresticn, 1949. :8 - GEORGE, PIERRE, lntroduction à l'étude géographique de la po pula,tion du. m.onde, Paris, Institut National d'études démo graphiques, Cahicr n.0 14, P . U . F., 1951. .4 HAUSER, PHILIP M . e DUNCAN, ÜTIS DT.YDLEY, The St?.tdy of po pulatfon - An inventory appraisal, Chicago, The Univcrsity of Chicago Press, 1959. Consultar especialmente os capítulos 27 ''Ecolog:y and Denwgraphy"; 32 ''Econont'ics and Demography" e 33 "Sociology ar1.d Demograph71 " . .5 - NAÇÕES UNIDAS, Reoent trends in ferUUt11 in induBtrfrtU�ed countries, New York, U . N . Department. of Economic A.nd So- cial Affairs, 1958. • 6 - Approa.ch es to problems of hi,qh fertility in a.grarian Societiea, New York, Milbank Memorial Fund, 1952. '7 - NAÇÕES UNIDAS, The deterniinant8 and conseqwmces of Popu lation trends, New York, U. N . Population Division, 1953. '8 - NAÇÕES UNIDAS, Th� agfo.g of population anrl Us econom.ic a.nd social im.plicationR, New York, U . N . Department of Econoipic and Social Afíairs, 1956. 9 - FRAZIER, FRANKLIN, Bourgec<f.sie Noire, Paria, Libr. Plon, 1955. 10 - TAFT, DONALO R. e ROBBINS, RICHARD, ln.terriationa.l migra tioris; The ·hnrnigra,.n.t in the ·rnodern world, New York, The RonaJd Press Co., 1955. Consultar especialmente a I."' Parte: "Elementa in the M1ig1·ation ProceBs" e a 1v,.a Parte : "The Larger Mea,ning of Migration". 11 - LADAME, PAUL, A., Le rôle des migrations dans le monde libre, Paris, Libr. Minard, 1958. 12 - THOMAS, BRINLEY, The economias of interna.tional migration, London, MacMillan, 1958. 13 - Uma fonte preciosa para os diversos aspectos sociológicos do fenômeno migratório, estudados neste capítulo, são as mono grafias e relatórios apresentados nos Congressos internacio nais de PopulaçãQ, especialmente o penúltimo, realizado <ml Roma, em 1954. Consultar : Procee&íngs o f the W orld f>op·1.t lation Conference, New York, U . N., 1955; e o último, reali zado em Viena em 1959, cujas Atas foram publicadas, no mes mo ano, pela Union Internationale pour l'Étude Scient·ifi<1ue de la Population. 1! 1 1 •, CAPITULO IV F A TôRES BIO-PSICOLóGICOS Depois de têrmos analisado o contexto natural, fator ambiental e a base orgânica da vida dos grupos, fator de ftlográfico, concentramos nossa atenção sôbre os componen tes dêstes grupos, os indivíduos e a sua personalidade. Na escala zoológica o fenômeno social só aparece ao ní vel do fenômeno humano. Abaixo dêste nivel, pode-se obser var o fenômeno gregário e outras formas de associações ins ti�tivas, mas não o fenômeno social. A personalidade é, pois. o agente primeiro do fator social. Nossa análise, entretanto, não tem o mesmo objetivo e nem os mesmos processos que a análise psicológica. A nós interessam apenas as influências que a personalidade exerce sôbre a vida em grupos e, vice-versa, as influências do gru .. po sôbre a personalidade. § 1) ANALISE ESTÁTICA DA PERSONALIDADE, NOS SEUS DIVERSOS NtVEIS I) O "Eu'' social ou soC'iológico, o mais superficial, é o conjunto de comportamentos e de atitudes que assumimos em resposta a determinada situação social que ocupamos. · :t o EU pelo qual nos damos a conhecer, porqueé o que me lhor corrc:sponde ao papel, que, supomos, a sociedade nos atribui. Alguém supõe, por exemplo, que o grupo em que INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 09 vive o tem por nobre ou rico. Assume assim comportnnwn tos e atitudes que melhor correspondem a um nobre ou a um rico. Nem se deve imaginar que se trate necessàriumen te de uma farsa ou de um fenômeno patológico de hü�tcrin. Na grande maioria dos casos, assumem-se inconscientemente êsses comportamentos e atitudes por um processo automá . tico de ajustamento às funções que o meio social impõe. O histérico, ao contrário, é um desajustado, incapaz de ter consciência de sua inadaptação ou de controlá-la. O EU so cial é um papel levado a sério no teatro da vida. Só em certas experiências momentâneas que é da<lo intuir que êste EU social não é tôda nossa personalidade; que no:.;sa per sonalidade autêntica se situa num :dível mais· profundo. Tal é o caso, por exemplo, em que uma pessoa, voltando do tra balho, entra no próprio quarto, supondo não haver ali nin guém. Assume logo atitudes espontâneas, não controladas pela censura do EU social. Neste momento, percebe que alguém está presente no quarto. Imediatamente o ElJ s·ocial reassume o comando dos gestos e comportamentos. II) O "Eu" feno·menológico, ou personalidade concre ta, assim se pode chamar o conjunto de elementos constitu tivos de cada indivíduo como tal, atingíveis por uma aná lise fenomenológica e distintos: do EU ontológico, que só é atingível e demonstrável por uma reflexão filosófica. Entre os elementos constitutivos do EU fenomenológico, podemos distinguir : A) Os elementos biológicos constitucionais, compreen dendo os elementos genéticos, sistema endócrinot as capaci dades organolépticas, o tipo somático, enfim, próprio a cada indivíduo. Tais elementos gozam de pouca plasticidade, ne8·· , te sentido, que são dificilmente modificáveis pelo meio so cial ambiente. B) Os elementos biológicos adquiridos, como os efei·· tos de determinado tipo de alimentaçã.o qualitativa ou quan- ' 1 o Ff<:l{ N A N 0-0 BASTOS DE ÁVILA, S. J . 1 i l.H1 i v a considerada, os elementos biológicos contraídos por ( ' ( •rto:; comportamentos habituais como bebidas, vida sexual, (•:-:por·tcH, por enfermidades sofridas, pelo clima, a altitude ele. C ) Us elernentos psíqu.icos constit·ucionais, faculdades mentais, vontade, inteligência, memória, com a gama infi nita de variações e tipos próprios a cada indivíduo ; tem- peramento e caráter, instintos e tendências. D ) Os elementos psíquico.� adquiridos, os ideais, os juí zos de valor, as concepções da vida, os hábitos, determina dos processos psíquicos, como recalques e frustrações. . . É de notar que tôdas as enumerações slipramenciona das têm um valor puramente exemplificativo, não limitativo. Além disso, fazemos observar que, se os elementos consti tucionais, tanto biológicos como psíquicos, têm menos plas ticidade, são pouco modificá veis pelas influências do meio, o mesmo não sucede com relação aos elementos adquiridos. ·�stes são mesmo o resultado da reação do indivíduo aos estímulos do meio ambiente. Entretanto, todos os elementos, tanto os constitucionais, como os adquiridos têm uma imen sa importância para a vida em grupo. É da variedade de infinitas possibilidades de combinações dêstes elementos em cada indivíduo que resulta a riqueza e a complexidade de re lações da vida social Cada um dêstes fatôres, por outro lado, atuando sôbre os indivíduos· de um grupo determinad ), dá à vida dêste grupo uma especificidade própria. Um grupo de indivíduos subalimentados têm um comportamento diver so do comportamento de um grupo composto de indivíduos racionalmente alimentados. III) O "Eu" ontológico. �ste se situa num plano que escapa à análise sociológica e só é atingido por uma refle xão metafísica. A êle nos referimos aqui, não só com o in tuito de completar a conceituação relativa à personalidade, maR visando ainda chamar a atenção para a base metafísica INTRODUÇÃO À SOCIOLO(; IA 1 l i da personalidade e de todo o seu comportamento. O J•� l J o t t·· tológico é a realidade permanente que garante n idl•ntidaft de .do indivíduo consigo mesmo, através de tôdaH HH t.ra11H formações por que êle passa no tempo, na vida. É o Hujci to ao qual se referem tôdas· as ações e comportamentos e que de todos é responsável. Cada um de nós se lembra de uma de terminada criança que, há tantos anos, ia a determinado grupo escolar e ali aprendia a ler e a contar. Cada um de nós pode dizer : "Esta criança sou eu". Quando dizemos uma frase como esta ''eu tenho um corpo e um espírito", a refle- xão ·filosófica nos indica que somos alguma coisa mais que um corpo, com seus elementos biológicos, e um espírito, com seus elementos psíquicos. Indica-nos que alé.rn (grego : meta) da personalidade concreta, física, existe uma outra :. meta + física, que é precisamente a que tem um corpo e um espirito. * Além dos conceitos de personalidade sociológica, feno menológica e ontológica, importa ainda distingu'r o de per sonalidade de base como conceito sociológico. Esta é a con figuração psicológica particular própria aos membros de. uma determinada sociedade, que se rnanif esta por um esti ... lo de vida no qual os indivíduos inserem suas variantes sin gulares. O conjunto das características que compõem essa configuração merece o nome de personalidade de base, não porque constitua exatamente uma personalidade, mas por que constitui a base da personalidade para os membros do "' Alguns dramaturgos exploram, para o enrêdo de suas peçasr êstes diversos niveis da personalidade, ou êstes diversos l!..:US. O • exemplo clássico é o Anfitrião de PLAUTO, na sua adaptação feita por MOLIERE. Nessa peça, o deus Mercúrio se encarna sob a aparência de um empregado domésticCJ, de nome Sóe;ia. Mas a aparência é tão perfeita,, que o pobre Sósia começa a duvidar se êle era êle mesmo ou um outro. Começa a duvidar sôbre quem era o verdadeiro Sósia. Note-se que daí vem o têrmo Sósia, empregado hoje como substanti vo comum e não como nome próprio. A análise de PLAUTO e MoLI:êRE só pode ser compreendida por quem observa que todo o enrêdo da peça se baseia numa confusão intencional entre o EU fenomenológico e o EU ontológico . • 1 1 : � l•'f<:lt1'iA NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. •�rupo. l1� 1 1 1'im é aquilo, porque o francês é francês, e o bra H 1 lt · i ro (! brasileiro. A noção não é nova. A ela nos referi nioH c1uando falamos em "caráter nacional", ou "tipo méd�o" • bt·nHileiro. O que é nôvo é a utilização que dela fizeram so- c· iúlogos e antropólogos como LINTON e KARDINER. · Viram que não é apenas uma abstração psicológica, mas um meio -· para compreender urna cultura como unidade. 1 Tem o Brasil uma personalidade de base, comum a tôda a variedade de nosso arquipélago cultural? Certamente que não com a nitidez de contornos que caracterizam a de ou tros povos muito mais integrados culturalmente. Entretan to, mesmo no Brasil, é possível ·descobrir alguns traços comuns dos quais já vai emergindo o perfil de nossa per .aonalidade como grupo. 2 Cremos poder resumir êstes traços nos seguintes itens : A) Primazia do sentimento sôbre a razão. O nosso homem é primàriamente sentimental e secun <làriamente racional. E entre êsses sentimentos sobressai a 'bondade. O bi,:�sileiro é bom, é naturalmente cordial. A· evo lução de no�sa história foi repa�sada por esta nota de bon- ' dade. É uma cultura incruenta. Os grandes momentos de nossa evolução foram superados sem as lutas truculentas que marcaram a evolução de butros povos : a independên cia, a abolição - uma festa popular e um abraço de José do Patrocínio e da Princesa Isabel, - a República. O bra sileiro cede muito mais ao sentimento do que ao argumento racional. 1 Cf. M1Km. DuJo'RENNE, La pe'1'sonalité de base,· un con.cept ao ciologique, Paris, Presses Universitaires de France, 195:3 . 2 Cf.ALCEU AMOROSO LIMA, Elementos Constitutivos da Naci(J nalidade. Conferência realizada no Instituto de Estudos Políticos e :;;ncini� da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mi mcograf ada, 1957. ! - INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 113 H) l'rimazia do teórico sôbre o prático. O brasileiro tem facilidade para penetrar numa dou trina e apreciá-las, mas encontra grande dificuldade em ex plorar suas aplicações. Nós nos sentimos melhor voando no .ar rarefeito das abstrações do que enfrentando a densidade do concreto. Lembramos o verso de BAUDELAIRE : "Ses ailes de ,qéant l'empêchent de marrher". Manipulamos com desen voltura idéias gerais de mero valor especulativo. :r.ias não sabemos utilizar o seu potencial prático. Conservamos o amor à cultura verbal, o sentido lírico e e::;tético da vida. Éramos talvez o povo latino que mais tempo consagrava ao latim no currículo escolar. C) Primazia da improvisaçã-0 sôbre a planificação. O brasileiro tem uma admirável lucidez para intuir e fixar no papel um programa de ação, mas fica surprêso que se tome a sério um tal programa como pauta de execução. No terreno da abstração, arquiteta os planos mais lúcidos, mais lógicos ; quando, porém, se trata de passar à ação, ve rifica imediatamente que os planos são inviáveis e confia na improvisação. E o mais curioso é que, muitas vêzes, dá certo. Nosso gênio improvisador é tal, que muitas vêzes as �oisas saem melhor assim improvisadas do que maduramen · te planificadas. Temos uma confiança ilimitada na expres são : "Dá-se um jeito". Com isso, temos uma dificuldade enorme de planejar e principalmente de planejar a longo têrmo, no sentido de preparar uma ação concreta. Nossas repartições e minü�térios estão assaltados de planos e pro jetos, mas não há uma tradição administrativa. . Note-se que estamos fazendo apenas uma análise, sem formular juízos de valor. É conhecida nossa dificuldade em executar programas e horários, por exemplo, os de estrada-de-ferro. Numa es tação do interior lemos uma vez o horário fixado : chegada • 1 l ti FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. do expresso : 13 horas e 4 minutos ! Horário de um trem que atrasa horas, com absoluta naturalidade e perfeita com preensão dos passageiros. D) Primazia do talento sôbre o esfôrço. É o que aparece, por exemplo, na literatura : vegetação pujante de beletrismo e aridez desértica de �rudição. Porque a erudição é fruto do trabalho minucioso e aturado, da pes quisa paciente e nós não temos tempo para isso. Preferimos a inspiração fácil, as intuições brilhantes e as aventuras do talento. Daí o nosso culto à precocidadé, ao menino-prodígio. É o que aparece ainda na nossa vida profissional. O brasileiro é amadorista. Não tem o gôsto artesanal de do minar um assunto, um ofício, uma profissão. Apenas assi milamos ali algumas idéias gerais, ou obtemos algum su cesso, já nos evadimos para outros setores de atividade, se duzidos por outras novidades e outras perspectivas. Não se forma em nós a tradição familiar da profissão. O filho· do padeiro se envergonha do pai e quer ser doutor. Sucumbimos à sedução da superficialidade, dos conheci mentos em extensão e não em profundidade, sedução de vk-, gar pelos cimos, ter visões panorâmicas. Daí nossa escassez em técnicos e operários especializados seguros, competen tes e orgulhosos de sua competência. Daí também nossa in constância : "Empreende-se muito e se acaba pouco" (JOSÉ BONIFÁCIO) . Como características secundárias ou resultantes, das acima enumeradas, importa ainda não omitir a primazia do individualismo sôbre o senso comunitário e a primazia do efeito sôbre o valor em si. É evidente que o caldeamento dessas características é diverso, segundo as diversas regiões do país e segundo os diferentes grupos étnicos. Entretanto, essas variações regio nais e étnicas se inscrevem sôbre o denominador comum da INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 t !) personalidade de base que acabamos de descrever e q tte lt•11do a se fixar. Nem tudo nesta personalidade de base são qualidatlt!H, nem tudo são defeitos. Tudo, porém, deve ser tido em con sideração na formulação de uma política, principalmente de uma política educacional que vise corrigir os defeitos e de senvolver as qualidades. Tudo deve ser ponderado no exame de nossas estruturas. Ê indispensável ter presente essa nossa personalidade de base no estudo de nossos desajustes so ciais. Muitos dêles são devidos no fundo ao fato dé têrmos importado modelos, instituições, estruturas próprias a ou tros grupos, com outras personalidades de base e que não s·e adequavam à nossa. Nossa evolução institucional não foi endógena. § 2) ANÁLISE D INÃl\iICA DA PERSONALIDADE Passemos agora à análise dinâmica da personalidade. Dêste ponto-de-vista, a personalidade se apresenta como um conjunto, um feixe de tendências. É assim a análise das ten dências que vai agora nos ocupar. I ) Noção. São inúmeras as definições com que sociólogos e psicó logos procura.m fixar a realidade a que todos se referem quando falam em tendências. Tôdas as definições incluem, entretanto, dois elementos que nos parecem essenciais = um processo dinâmico, intrin· secamente dirigido a um objeto. A noção de tendência implica, pois, em primeiro lugar, um elemento dinâmico, uma fôrça que aciona o indivíduo ; e a seguir uma orientação intrínseca de·sta fôrça, no sentido de determinado objeto. Tôda tendência tem sua origem num estado de insatisfação ou de privação que o indivíduo é l i fi J<'l<�RNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. h·vado a :-iuperar - elemento dinâmico, - acionado por uma fúl'ça que o impele ao objeto capaz de satisfazer à privação que experimenta - orientação intrínseca. Como é fácil de ver, a raiz última de tôdas as tendências é a própria limi- I tação do indivíduo, e a experiência consciente ou inconscien- te da própria incompletude. Um .Ser pleno, que realiza to talmente sua essência, não tem tendências, Deus não tem tendências. A noção geral de tendência que acabamos de sugerir carece, entretanto, de ser precisada, quando aplicada ao ho .. merr1. Como o animal, o homem tem tendências ou instintos, • mas estas, nêle, têm propr·iedades específicas porque pene- tradas de inteligência e racionalidade. A) A tendência do homem tem uma certa plasticid<J. .. de isto é, é uma fôrça intrinsecamente dirigida, mas que não priva o indivíduo de uma certa margem de iniciativa, na qual se exerce sua faculdade inventiva. No homem, ela pode ser inteligente, é criadora. No animal, satisfaz-se in variàveln1ente do mesmo modo, com o mesmo objeto. O ani mal não varia seu regime alimentar. No entanto, basta vi sitar uma confeitaria ou um restaurante, para ver quantos objetos e modos o homem criou para satisfazer à sua neces .. sidade de alimentação. B) A tendência do homem é muito mais influenciada pelo ,grupo, principalmente nas suas manifestações. Elas são moldadas pela educação, e se manifestam segundo determi nadas convenções e norn1as morais aceitas pela sociedade. O animal, estimulado pelo instinto sexual, procura o outro sexo, para a satisfação imediata. Em todos os grupos humanos, mesmo os mais primitivos, a tendência sexual é sujeita a urna regulamentação social e moral. C) Uma terceira e última propriedade da tendência no homem é a pluralidade de formas que reveste quando inibi da ou f rustrad.a. No animal, a tendência inibida reaparece INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 1 7 sob forma agressiva, o que se pode observar, pot· t'X<'mplo, quando tiramos a comida de um cachorro que 8C nlinw11t .a. No homem, o fenômeno da frustração é muito mai H pluri valente. A frustração é a inibição de uma tendência. Essa i 11 i bição pode provir de fatôres físicos, como impossibilidade física, - acabou a água num deserto sem oásis ; - de fatô res socfais : interdições, privaçã'"o penal da liberdade, leis, costumes, educação ; ou de fatôres morais : regras decon duta, princípios religiosos e morais. Em todos os casos, a ten dência como dinamismo originado de um estado de privação é coibida por algum dos fatôres enumerados, e cria para o indivíduo um estado emocional de exacerbação, de equilibrio psicológico instável que, como ta1, não pode durar. A ten dência coibida, como as águas represadas, vai extravasar num determinado sentido, isto é, vai reaparecer sob formas não interditas. O Sociólogo americano J . DOLLAR 3 supõe que a ten dência frustrada reaparece sob forma agressiva, . e elabora assim um instrumento de ·análise para a interpretação de uma série de comportamentos individuais e coletivos. Hoje se sabe que a tendência inibida pode reaparecer sob múltiplas formas, entre as quais enumeramos : 1 ) A forma agressiva : aparece j á nos primeiros anos da vida ; a criança que procura bater em quem lhe nega o brinquedo o homem que, não conseguindo impor-se a um rival, descarrega a sua cólera sôbre um objeto, ou sôbre um outro homem mais fraco. 2) A forma 'regressiva : uma tendência que não conse gue re�lizar-se num plano superior, regride ou reaparece num plano inferior : a ambição insatisfeita de popularidade que move um indivíduo a se impor como grande artista, pode ! ! '. � .... 1 3 Cf. JOHN DoLLARD, L . W . . DOOR, N . E. MILLER, O . H . MOWRER e R . SEARS, Frustration and Agression, New Haven, Yale University Press, 1939. 1 1 H l<'ERNANOO BAST<>S DE ÁVILA, S. J. n·nrmrccer, não necessàriamente sob forma agressiva, mn::J utravés do desejo de afirmar-se como boêmio ou devass� 3 ) A forma evasiva : é a que explica o comportamento do indivíduo que, não podendo realizar-se plenamente, ou não encontrando correspondência em uma afeição intensa, se evade do convívio social, fecha-se, introverte-se. 4 ) A forma projetiva ; fenômeno pelo qual a tendên cia incapaz de se realizar se projeta sôbre um outro ser. É o caso de alguém que, não conseguindo ser padre ou freira, casa-se para ter um filho sacerdote ou uma filha religiosa. 5) A forma sublimada : fenômeno pelo qual uma ten tência transfere seu dinamismo para um ideal superior : a ambição de uma glória vã que se polariza para um ideal de altruísmo e de dedicação. :É sabido como SIGMUND FREUD utilizou o esquema da inibição e sublimaçã.o para explicar uma série de fenômenos psíquicos e de comportamentos. Dando uma importância predominante e quase exclusiva à tendência sexual, interpretava mesmo as manifestações supe riores do espírito como forma sublimada desta tendência. Entretanto, o freudismo ortodoxo levanta duas obje ções : a) a própria escola de FREUD verificou que fazer apêlo unicamente à tendência sexual como tendência · f undamen tal e irredutível nos casos de frustraçã.o, em muitos pacien tes não tinha valor terapêutico. Daí admitir hoje, também, outras tendências fundamentais e irredutíveis, que, além da tendência sexual, estejam à base do fenômeno da frustração ; b) hoje, fora da escola de FREUD, sabe-se que o es quema inibição-sublimação, não é a única forma possivel de evolução de uma tendência. Muitos outros esquemas são pos� síveis, .que não deixam recalque algum no indivíduo. Por exemplo, uma tendência, que, numa primeira fase da vida, traz ao sujeito uma satisfação predominante, pode, numa INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA l 1 9 segunda fase, perder essa eficácia e ceder lugar u outrn tendência. Ainda, uma tendência que se orientava puru urn Qbjeto, pode a seguir, pela descoberta de um objeto maiH adequado, perder seu dinamismo primeiro. T'al é o caso <la evolução do erotismo, que muitas vêzes passa do auto no heteroerotismo pelo descobrimento do sexo oposto. Enfim, na evolução global da personalidade, muitas tendências da infância, sem serem recalcadas, simplesmente se atrofiam, ou orientam seu dinamismo numa direção nova, em harmo nia com o impulso total da personalidade. Tôdas essas diversas formas de interpretação de uma tendência frustrada podem ter uma dimensão social, quando .a frustração é comum à grande maioria dos indivíduos de uma coletividade ou de uma nação. O esquema de frustração constitui, assim, um instrumento de análise sociológica que, devidamente aplicado - o que nem sempre é fácil - permi te uma compreensão mais profunda de comportamentos co letivos. Uma guerra de conquista pode às vêzes ter sua ex plicação última na frustração de uma tendência de um povo, como seu desejo de viver e de afirmar-se na comunidade internacional. II) Divisão e tipos de tendências. A) Do ponto-de-vista do fim : podemos distinguir no homem tendências pessoais e sociais. 1) Tendências pessoais são as dirigidas à permanên cia e desenvolvimento do indivíduo. Não são chamadas pes soais, em oposição às sociais, porque não tenham relação com � vida social. Também elas são influenciadas pelo gru po e reagem sôbre êle e, neste sentido, também são sociais. São ditas, porém, pessoais, porque orientadas diretamente para o bem da pessoa. Algumas são ligadas a processos orgânicos, destinadas a preencher estados de privação orgânicos, como, por exem ... 1 :�o l<'J•:l�NANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. pio, o i1rntinto da alimentação. Outras são ligadas a '-proces �oH pl-'icológicos, como a tendência à afirmação de si, a curiosidade. 2 ) Tendências sociais são as orientadas à permanên cia e desenvolvimento do grupo. Também estas são fôrças imanentes aos indivíduos de cada grupo, são propriedade das pessoas e, neste sentido, são também pessoais. Dizem-se,. entretanto, sociais pelo objeto primário e imediato a que se finalizam e porque só podem ser plenamente satisfeitas na vida em grupo, e muitas delas só se manifestam nunr. quadro social. • Também dentre as tendências sociais, algumas são li- gadas a processos orgânicos, como a tendência sexual, ou tras são ligadas a processos psicológicos, como a tendência à imitação, à simpatia, à comunicação. B) Tendências classificadas, não mais do ponto-de vista do fim, mas da necessidade que lhes dá origem. 4 O homem é organismo, é psiquismo e é pessoa. Como organismo, está imerso no meio biológico ; como psiquismo, está imerso no meio psico-social ; como pessoa está imerso na existência. Como organismo, êle vegeta e sente ; como psi quismo, êle pensa e ama ; como pessoa, êle é. Em cada um dêsses três níveis, o homem experimenta duas necessidades: fundamentais : a de manter-se como individualidade e a de comunicar-se com o meio respectivo. T·emos assim as gran des categorias fundamentais, às quais se reduzem tôdas as: tendências. 1) No nível biológico, isto é, como organismo, o ho mem experimenta : ! ' ' ' 1 �-.,... 1 ' ' 1 4. Consultar, a respeito, o notável trabalho de JOSEPH NuTTIN,. P8'3Jchanalyse et conception spiritualiste de l'homme. Une théorie dy- 1?.arnique de la personalité norma�. Louvain, Publications Universitai res, 1950, especialmente a síntese: "L'origine pro/onde des besoins",. págs. :325 e segs. Tradução brasileira : Psicanálise e Personalidade., ltio de Janeiro, AGIR, 1955, págs. 271 e seguintes. -... . 1 � ' . '" INTRODUÇÃO Á SOCIOLOl: IA .t 2 r a) a necessidade de se manter na sua ind i viclnaliducle biológica e de se desenvolver na linha desta individunlidadt> : b) a necesidade de contato com o meio físico, para Hc� manter e se desenvolver, sem dissolver-se no meio. Todo organismo tem o seu "meio interno próprio" (CLAUDE BERNARD) , cuja relativa estabilidade, chamada hu meostasia, é indispensável para que permaneça em vida. :tsse meio interno é constituído por uma determinada pro porção de elementos químicos, um determinado grau de uni dade, de temperatura e por outros fatôres. A ruptura par cial dêsse equilíbrio interno determina, por parte do orga nismo, reações e comportamentos típicos : reações químicas ou mecânicas, por exemplo, a geografia das crianças, o agi tar-se quando se sente frio ; e também comportamentos : pro curar abrigo,alimento, tendências que se revestem das mais. variadas formas, segundo o contexto social : o índio, que sai pela manhã de arco e flecha ; o chefe de emprêsa, que sai de automóvel para seu escritório. De todos êsses modos, <> indivíduo entra em contato com o meio fís.ico, a fim de se. manter sem se dissolver. A morte é a ruptura total do equi líbrio interno, na qual o indivíduo é incapaz de preservar sua individualidade biológica, é invadido pelas fôrças am bientes e se dissolve no meio externo. 2 ) No nível psicológico, isto é, como psiquismo, o ho mem também experimenta : ..... , · a) necesidade de se manter e desenvolver nas suas- po tencialidades suprabiológicas ; b) necessidade de contato com o meio psico-social. t� neste nível que se inserem tôdas as tendências do indiví duo a ser alguém, a se afirmar no meio social, bem como · tôdas as tendências à comunicação com o meio psico-social : as formas ativas e passivas do amor, da amizade, simpatia. respeito, dominação, sujeição. ' : � :.� f<'l<;ltN A NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. Como se vê, tôdas essas formas são deriv adas, isto é, niw são fundamentais. Neste contexto, o pr6priÔ.'amor apa n·ce, paradoxalmente, como uma tendência fundamental .. ruente egoísta, oriunda de uma necessidade pessoal de per manência e comunicação. É só num segundo momento do processo do amor, que êste se transforma em dom, em mo- · vimento altruísta, graças à própria especificidade do seu objeto : um ser livre que só se rende ao dom total do outro. 3) No nível transcendente, isto é, como pessoa, o ho mem experimenta ainda : a) necessidade de se manter como existência ; • b) necessidade de integração universal. .O homem é o ·único animal que se interroga sôbre sua existência ( =:: ex .sistere) : "o homem é um ser que sabe e se sente situado no existir." ei O animal é sempre levado pela tendência pre dominante no momento, é absorvido totalmente pelo ato presente : "il colle à l' acte'' (SARTRE) • O homem tem a pos-· .sibilidade de um recuo interior e pode surpreender suas próprias tendências ; pode surpreender-se agindo. �le se co nhece como um ser situado e procura pontos de referência absolutos para compreender sua situação. Foi esta vivência do homem que SARTRE quis fixar, quando disse que o ho mem "est un regard étonné". It neste nível que se inserem as tendências de todo ho ·mem a elaborar-se uma concepção da vida e a se perpetuar na existência. • • • Até agora nos situamos num plano que chamamos pré ·.�ocial, nêle, estudamos uma série de elementos que, como dizíamos, preparam os indivíduos para a vida em grupo e que condicionam essa mesma vida e suas manifestações. G J . NUTTIN, ob. cit., pág. 262. INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 123 Vemos, pois, que o fenômeno social pressupõe : a) a existência de um contexto geográfico, no qual se vai desenvolvendo a vida do grupo, contexto que haverá de influenciar poderosamente essa vida, e sôbre o qual o grupo também haverã de reagir no sentido de adaptá-lo sempre mais às suas exigências ; b) a existência dêste mesmo grupo, dotado de uma determinada estrutura e· de uma determinada dinâmica, a�, quais haverão de condicionar de mil modos a sua vida ; e) a existência, nos membros dêste grupo, de deter minadas características, sem as quais seria impossível a vida coletiva. Entre essas características destacamos, no plano biol6gico, a existência de uma determinada evolução orgânica, compreendendo principalmente um sistema ner voso extremamente aperfeiçoado, capaz de captar, coorde nar e traduzir as impressões sensoriais, e sem o qual seria impossível a elaboração de símbolos como veículos de co municação entre os indivíduos ; no plano psicol6gico, a pos· sibilidade, neste mesmo i�divíduo, de um recuo interior que lhe permita contemplar-se agindo e verificar até que ponto está ou não em acôrdo com os papéis que o quadro social · lhe atribui, por outras palavras, a capacidade de reflexão. Em resumo, é necessário que as unidades dêste grupo sejam constituídas por personalidades. Faltando uma dessas condições, a vida social é impossí vel. São pressupostos indispensáveis para que entre os mem bros do grupo se estabeleçam as relações que constituem a trama íntima da vida social. Dótados destas propriedades, vão assumir atitudes e comportamentos individuais e coletivos jã nitidamente so ciais, porque mantendo uma referência intrínseca a um qua dro social. Estas considerações, porém, jâ nos introduzem. ao plano social propriamente dito, que será objeto da segunda parte dêste trabalho. LEITURAS COMPLEMENTARES 1 - VIANA, OLIVEIRA, EvoluçOO do Povo Brasile·iro, São Paulo, Edí tôra Nacional, Brasiliana, vol. X, 1933, 2.ª edição. 2 - VIANA, OLIVEIRA, Populações meridionais do Brasil, Rio de J a. neiro, José Olímpio, 2 vols. , 1952. S - DIÉGUES J(JNIOR, MANUEL, Etnias e culturas no Brasil, Rio de J aneil'o, Ministério da Educação e Cultu1·a, s . d . 4 - ARNOLD, MAGDA B . e GASSON , JOHN �., The human person; an. approa.ch to an integral Theory of Personality, New York, The· Ronald Press, Co., 1954. 6 - SOROKIN, PITIRIM, Society, Culture and Personality, New York, Harper & Brothers, 1947. 6 - LINTON, RAI,PH, The studwy of man, New York, Appleton Cen tury, 1986. '1 - LINTON, RAI.PH, Tke cultural background of Per1onality, New Y or'k, Appleton Century, 1945. 8 - KARDINER, ABRAM, The pS"JJChological fron.tiers of Socieflfl, New York1 Columbia University Press, 1950, 5.0 edição. 9 - LEFORT, CLAUDE, "Notes crit-iqueR sur la méthode de Kardiner". Cahiers Internationaux de Sociologie, vol. 10, 1951, páginas 117-127. 10 - AzF.VEDO, TALES DE, Ensaios de An tropologia Socia1, Salvador, PublicaÇPes da Universidade da Bahin. IV - 5, 1959. Entram aqui, ainda, tôda uma série de monografias que retratam aspectos parciais da vida brasileira e os tipos diver sos que criaram como : 11 - A:zEVEDO, FERNANDO DE, Canaviais e engenhos na t1'ida, polítfoci do Br<Uil, Rio de Janeiro, Instituto do Açúcar e do Alcool, 1948. 12 - REIS, ARTUR CÉSAR FERREIRA, O Seringal 6 o Seringueiro. Ser viço de Informações Agrícolas, 19G4. 13 - FREYRE, GILBmTO, Problemas Brasileiro� de Antropologia, Rio de Janeiro, Liv. da Casa do Estudante, 1943. 14 - MARTINS, WILSON, Um Brcunl diferente. Ensaios sôbre os fe nômenos de acultwraç-Oes 1t0 Paraná, São Paulo, Ed. Anhembi, 1955. Sem omitir o clássico EUOLIDES DA C'UNHA, Os Sertões. .. 3.ª PARTE O PLANO SOCIAL 1 r .. i-: 1 1 ' INTRODUÇÃO As coisas triviais, os fenômenos corriqueiros, não cha mam em geral nossa atenção. Não são, em geral, objeto de nossa admiração. Ora, sem admiração, não há curiosidade e sem curiosidade não há ciências. O verdadeiro cientista, . , no sentido de um investigador, como o verdadeiro filósofo, ·{·> é aquêle que sinceramente se admira diante de uma coisa ·j banal. Feliz aquêle que conservou intata essa caracter ística · � da inocência : saber admirar-se. A admiração nos leva a . . : descobrir que no fato mais banal se escondem por vêzes os '.J mais profundos problemas. \ ' ·A · O verdadeirq sociólogo .é...aguâle g_u�_ sinc.��-ªment� se ad- · � '!!.ir.a ��ste f�to primeiro e banal d�homens viverem -o �'!l.El:upos � .. ��ntinuarem -ª viver ..fil!!_gr�pos, ap_e�_ar d� to- > 9.<!.L os �esares!.. O verdadeiro �ociólogo� é aquêle que intui ._ �, <{l!_Ç._ ne� fa!_�l?an�side o problema �ofjológi�� ��LTodo o mundo teme algumas conseqüências da vida coletiva : as guerras, a formidável potência destruidora das nrmas nucleares, os efeitos do estrôncio 90 ; todos se quei4 xam da precariedade dos transportes, do eusto de vida, da prepotência ou corrupção das autoridades, mas ninguém J>cnsa em suprimir todos êsses e muitos outros males pela rniz. Se todos êles provêm da vida em sociedade, suprima-se n sociedade, e regrida-se à vida do troglodita. Apesar de tf>das as suas dificuldades, a vida social recomeçacada dia, em suas múltiplas manifestações, com misteriosa pertinácia. 1 :. �H • I FER N A NDO BA.3TOS !)E AVIL .\ , :�. J. < �omo explicá-la ? Qual o porquê dêste mistério? Não 1·omJ H:te à Sociologia, ciência positiva dos fatos sociais, elu .('id;i-Jo. :\ias, ela pode postular à Filosofia Social a solução do problema. Exemplo típico da interdependência entre as ·ciências indutivas e dedutivas e de como a reflexão socio lógica, por pouco que seja prolongada, confina com u'a me tafísica social. E esta sugere que a solução reside no fato que o homem é uni ser social. Social não é apenas gregário. O instinto gregário é a propriedade de sêres que se associam para garantir a pró pria permanência e o próprio desenvolvimento. ·Quando di- 2emos que o homem é um ser social, queremos dizer muito mais, queremos dizer que, sendo social por definição, o ho mem é essencialmente incompleto. Queremos dizer que êle .só se realiza em plenitude como homem, na vidà social. Com efeito, quais são as peculiaridades que caracterizam o ho mem como tal e o especificam entre os outros animai s ? A consciência e o amor. Interioridade e dom. Quanto mais evo lui o indivíduo na linha da consciência e do amor, tanto mais ·se realiza como pessoa humana . .São estas, aliás, as duas di mensões que propriamente o constituem como pessoa. E a -consciência e o amor dizem uma referência intrínseca ao ·outro. A consciência é uma presença no outro e uma pre sença do outro em nós ; o amor é um projetar-se de todo <> ser no outro. Só dentro de um quadro social, pode-se de senvolver a consciência e o amor ; só dentro dêle o homem se pode realizar como tal em plenitude. Esta conclusão é ieonfirmada pela observação de sêres humanos criados fora de um quadro social e que pelo seu comportamento parecem apenas emergir do plano puramente animal. 1 1 Para maiores i:nforme::l sôbre o fenômeno, consultar ELGIN F . HUNT, "Social Scierzce'', An Introduction to the Study of Society, New York, Macl\fillan, 1955, págs. 139 e segs. Os dois trabalhos clássicos sôbre o assunto são: J. A . L . StNGH, Wolf Children e Ferol 11tfan, Harper & Brothers, New York, 1942; K . DAVIES, "Final Note on a Case of Extreme Jsolation", American Journ.al of Socio .1o,rn1, março de 1947, págs. 432-4137 . INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 129 Passamos agora a estudar êste quadro social, no qual, 1mr motivos pw-amente didáticos, distinguimos uma d'imen s1io 1micro-sociológica a uma dimensão macro-sociológica. !! A dimensão micro-sociológica abrange fenômenos so ciai� que se :processam no âmbito dos indivíduos. por ou traH palavras, que se reduzem, em última análise, a gestos, <'omportamente>s dos indivíduos, que adotam uma opinião, que assumem uma atitude, que se imitam uns aos outros, q 1 1 e colaboram uns com os outros. São todos fenónienos pro pr iamente socia'is, porque impossíveis fora de um contexto �otial, ao qual se referem por uma relação intrínseca. São 111 icro-::ªociológicos por se reduzirem a f en.ô.n!enos de din1en-·- -- . . - - · --- �l-ICS individuais, a vivências pessoais. O c�mpQ em que agora -----· . . - ........ ____ 1�2netramos é o campo d_a p?i{;ologia social. N�o cabe aqui '®ª-- yis�o gl�_bal _do m�o. Pretendemos apenas, a título de introdução à psicologia social, familiarizar o leitor com algumas categorias fundamentais desta disciplina. A dimensão macro-sociológica abrange os f enômeno.s :-;ociá1s que se processam · ;o âmbitô dos grupos, que são ·c':omportamentos ou gest& �o grupo como tal, ���ja êle a fa..: mília.J a classe,_ a P!,Ofissão. Tais fenômenos não são redutí veis à simples soma dos comportamentos dos indivíduos que compõem o grupo. Gozam de uma especificidade própria. A família é algo mais que a som.a dos comportamentos dos pais e dos filhos, e o mesmo se diga dos demais grupos. São f e nômenos sociais que, pela sua mesma amplitude, incluímos; �ob a designação de m...acro-sociológicos. 2 Insistimos em advertir que a distinção entre as dimensões macro e micro-sociológicas é puramente didática. Na realidade, todo fenômeno macro-sociológico tem sua infra-estrutura micro-sociológi ca, e todo fenômeno micro-sociológico é impensável fora do quadro macro-sociológico . • ! ·1 ; ; ' F'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. tipos de relações se produzem entre indi viu uos, qualquer que seja a esfera social a que pertençam e qualquer que seja o nível de evolução da sociedade. Na religião, na po lítica, no colégio, nos negócios, nos esportes, encontramos, em todos os tempos, entre os homens, esquemas constantes de relações, por exemplo, de comunicação, de imitação, de colaboração, de contrôle, de obediência, de lealdade, de con corrência, de defesa, de intimidação, de isolamento. Êstes esquemas são as formas sociais, que, segundo SIMMEL, cons tituem o objeto da .Sociologia : "A Soci.ologia deve p1·ocurar seus problemas não na matéria da vida social, mas na sua forma . . . É sôbre esta consideração �� �m� &oc!ais <I® ��usa todo o�ireit� Sociologia a ex�tír''. 5 Entre duas ou mais pessoas criam-se de�das re lações. Estas relações podem ser comerciais, políticas, eró ticas, religiosas ou de qualquer outra natureza.. Elas cons tituem a matéria, o conteúdo dêste fato social. Mas, como tais, não interessam ao sociólogo, porque são objeto de ou tras ciências, no caso, da economia, da política, do direito, da religião, da psicologia. Estas relações, entretanto, podem eer de concorrência ou de colaboração, de simpatia ou de defesa, ou de qualquer outra forma. É esta forma, invariá vel em qualquer natureza de relação, que interessa ao so ·ciólogo, porque constitui o objeto específico da Sociologia. A partir desta distinção, SIMMEL formulou sua teoria das invariantes sociais : em tôdas as fases hist6ricas e em todos os níveis sociais, existem formas constantes de relações que isto é, à moderna economia do dinheiro. SIMMEL, que partiu de uma tensão interna a cada fase histórica . Contràriamente ao marxismo, porém, esta tensão, para êle, se dá entre o que chama as "objetiva ções do espírito" e os padrões de vida, que são as determinantes reais, não somente do sistema econômico, mas também da cultura. espiritual . O trabalho de SIM MEL é um protesto à filosofia do ma terialismo histórico . ( Consultar, a respeito, ALBERT SALOMON, "La, Sociologie Allemande", in Sociologie a.u XXéme Bi6cle, - publicado por GURVITCH, P . U . F., 1947, págs. 611 e sega.) . G SIMMEL, "Comment les formes sociales ae mantienent'' in Année Sociologique, t. I, 1898, pág. 72. INTRODUCÃO À SOCIOLOGIA � i ndividuam e organizam o fluxo informe da vida. É o tcn1a 4pic, em outros textos de Sociologia, é estudado sob o título de processos sociais. A idéia de SIMMEL estimulou os sociólogos para a ela boração de esquemas formais de relações e condutas, como, por exemplo, condutas de imitação, de colaboração, abstrain do do seu conteúdo concreto, isto é, abstraindo do fato que �e trate de imitação religiosa, ou artistica, ou de colabora .. çiio no setor cultural, técnico, ou esportivo . . A título de amostra, estudaremos· alguns dêstes esque mas formais. I) Condutas e comportam,entos. A) Condutas de comunicação. 1 ) Noção. • É possível comunicar algo materialmente. Se desejamos xugerir a idéia de faca ou de mala, podemos tomar u1na faca ou u'a mala e passá-la ao outro. A idéia que o outro 1·ealiza, l'ln tal processo comunicativo, é muito mais precisa e con .. <'l'< �ta. Evidentemente, porém, êste processo não 8eria cô n iodo quando se tratasse de transmitir a idéia de transa-· tlü ntico ou de elefante. 1!: limitado à comunicação de alguns. olJjctos materiais. Além dêste processo material, há a con1unicação for mal, que nos interessa, e consiste numa combinação <le sím bolo� que visam transmitir algo mais que êles próprios. A t·onn111 icação vocal, por exemplo, através de símbolos vocais, 11iío vi�a transmitir apenas um determinudosom, mas aqui lo que o �om significa. A comunicação formal pode não só sugerir a idéia de �oi�a.i:; materiais, como também transmitir idéias abstratas t� exp<�riências interiores. Ela sup·Õe, entre os que se comu n katn, um aparelho sensorial capaz de emitir e captar sím- •! .,j 1 i1·1 FERNANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. bolos, um psiquismo capaz de abstrair do símbolo material seu conteúdo ideológico, e a identidade de natureza dos que se comunicam. Com efeito, quando desejamos fazer a outrem cientes de nossa vivência atual de satisfação, utilizamos expressões de alegria, na certeza instintiva de que o outro vai com preender a nossa mensagem. Como, porem, pode o outro compreender nossa vivência atual através dos símbolos vo cais que lhe transmitimos? unicamente evocando a própria vivência de um momento qualquer de sua vida em que ex perimentou um estado interior de satisfação. O raciocínio imediato do outro é o seguinte : êl� está experimentando agora aquela mesma vivência interior que eu experin1entei em tal momento de minha vida. Ora, se não existisse uma identidade fundamental de natureza entre os que se trbcam símbolos, cada um, referindo-se à própria vivência, estaria .se referindo a algo de natureza totalmente diversa. Tôd.a a vida social repousaria sôbre um formidável equívoco. Es tamos convencidos de que a análise sociológica da conduta de comunicação é uma via empírica que permite atingir êste tema fundamental da filosofia : !l identidade de natureza. entre todos os sêres humanos. 2 ) Formas de Comunicação. Podemos distinguir a comunicação em gestual, vocal e escrita. a) Comunicação gestual é a mais primitiva comunica ção, e também a mais universal. É limitada nas suas pos sibilidades de transmissão, mas certos sinais gestuais ex pressivos são compreendidos por todos os povos. A comunicação gestual pode ser : natural, quando o ges to transmite o esquema da ação ou da coisa. Exemplo : o gesto do inspetor de trânsito abrindo passagem. Convencio nal, quando o gesto não tem nada que ver com o objeto a INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA 135 ser transmitido, mas é compreendido por uma convenção prévia. Exemplo : o alfabeto dos surdos-mudos. b) Co1nunieação verbal é a que se faz por palavras. 'rambém ela pode ser : natural, quando procura imitar, mais ou menos fielmente, o elemento auditivo próprio ao objeto a ser transmitido. � o caso da �nomatopéia, utilizada espe cialmente por poetas, para dar uma impressão sonora da idéia : "Ringe e range rouquenha a rígida moenda, e ringin do e rangendo, a cana a triturar . . . ". (DA COSTA E SILVA ) . Convencional, quando a transmissão depende de um códi� go comum aos membros de um grupo, que é a língua ou idioma. e) Comunicação escrita é a que se faz por sinais vi suais escritos. A linguagem escrita evoluiu através de três estágios : o estágio pictográfico, no qual se procurava desenhar o objeto ; o estágio ideográfico, no qual cada símbolo corresponde a uma idéia, como é o caso da grafia chinesa ; o estágio fonético, no qual cada símbolo corresponde a um som, como é o caso do nosso alfabeto. Interessante é ob servar que os algarismos romanos fixaram a passagem en tre o estágio pictográfico e o ideográfico ; os primeiros I, II, III, pintam o gesto correspondente da mão indicando um, dois, três . . . Os algarismos superiores já representam idéias, como o· L adotado para signific�r 50. A comunicação pode atingir um grau mais elevado ou Ttlais intenso, no qual se transforma num processo persua �ivo ou sugestivo. conforme se endereça mais à razão, per :-;uasão, ou à afetividade, sugestão. A persuasão é, pois, um processo comunicativo que im plica uma forma qualquer de imposiçã.o de quem comunica 1 :�6 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. ao outro e uma atitude de receptividade ou de relativa pas sividade do outro destinada eventualmente a se transformar em nova atitude ou comportamento. A eficácia da ação persuasiva ou sugestiva depende de muitos fatôres : uns subjetivos, relativos à pessoa a ser per suadida, outros objetivos. Entre os primeiros, enumeramos : a disposição inata do sujeito, uns são mais sugestionáveis que outros por natureza ; maior ou menor senso crítico, es tados passageiros mais ou menos propícios à sugestão, como estados hipnóticos ou atitudes anteriormente assumidas. En tre os fatôres objetivos, alguns são ligados à pessoa que • persuade ou sugestiona ; umas são mais persuasivas que ou- tras ; outros são ligados às circunstâncias em que é exer cida a ação persuasiva ou sugestiva : duração, regularidade, encenação, interêsse do objeto para a pessoa que é suges tionada. Parece que se vem descobrindo novas possibilidades de ação sugestiva através da técnica de influência subliminar. Consiste ela na transmiss·ão de mensagens sugestivas em uma freqüência de onda capaz de impressionar o órgão re ceptor, no caso os olhos, mas sem oferecer a êste órgão a possibilidade de captar-lhe a imagem visual. As experiências de ação subliminar não parecem ainda convincentes, mas é certo que, verificada a sua eficácia, tor nar-se-ia um instrumento de tremendo poder sugestivo, tan to mais grave quanto sua fôrça escaparia ao contrôle da li berdade individual e poderia atingir a tôda uma população simultâneamente. Assim, por exemplo, a transmissão de uma mensagem subliminar durante um programa de televisão surpreenderia a todo o público telespectador submetido pas� siva e inconscientemente à sua influência. A análise siste mática dêstes fatôres de sugestão e sua utilização prática constituem o objeto da ciência e da técnica modernas da pro paganda. INTRODUÇÃO À SOCIO�lA :.' . B) Condutas de imitação. 1) Noção e tipos formais. 137 Para que haja conduta imitativa;, é necessário que o ato do imitante seja, não só idêntico ó\} s�melhante ao ato do modêlo, mas de certo modo provocado �ôr· êle. Sem esta · relação de causalidade, haveria simples cah�i�ência, não.--/ ainda imitação. O ato do modêlo pode desempenhar apenas a função de instigador ou também de construtor do ato do imitante. No primeiro caso, o imitante já era capaz por si mes mo de exercer o ato provocado,. seja porque se tratasse de um ato natural, seja porque se tratasse de um comporta mento adquirido. A presença do modêlo apenas estimulou o imitante a fazer o ato, ou, melhor, a repeti-lo. Se, por exem plo, bocejamos diante de outros, êles também começarão a bocejar. Nosso ato não ensinou a bocejar, porque se trata de um ato natural ; apenas estimulou a isto. Se tiramos um cigarro· e o acendemos diante de outros, êstes imitarão nosso gesto. Nosso ato não nos ensinou a fumar ; êstes repetiram um ato que lhes era já habitual, como comportamento ad quirido. No segundo caso, o ato do modêlo ensina o imitante a fazer o gesto e estimula a executá-lo. É o caso, por exen1- plo, da aprendizagem de uma arte ou de um idioma. 2) FunÇão social da imitação. A imitação tem uma enorme função na vida social GA BRIEL TARDE, sociólogo francês, 6 via na imitação a conduta 6 GABRIEL TARDE ( 1 834-·1904), crimjnologista e sociólogo fran cês. Seus primeiros trabalhos são La Criminalité Compa.rée, La Phi losophie Pénale e Etudes Pénales et Sociales. Nessas obras critica OS· clássicos italianos e defende a tese de que as coisas do crime são pre dominantemente sociais. A contribuição sociológica de TARDE se mani festa em relação a fatos vitais que não podem ser reduzidos a siste mas rígidos. Seu desenvolvimento intelectual foi primeiramente orien- · ..... " 1 1 :tH FERNANDO BAS'IDS DE Á-�·ILA, -8. J . r11 1 1damcntal. Tudo na vida social, segundo êle, se explica 1 wla imitação. Tôda a vida social não seria mais que a re pctic;ão consciente ou automática dos modelos que são emi·· Li<los pelos componentes do grupo. 7 Sem dar à imitação esta importância exclusiva, tese que, aliás, o próprio TARDE, ulteriormente, repitdiou, admi tindo tambéma importância da invenção, não há dúvida que o sentido social da imitação é imenso� A imitação é um fator de homogeneidade e, por conse guinte, de estabilidade e de permanênc�a do grupo. A educa ção, pela qual as novas gerações assimilam o patrimônio cultural das gerações anteriores, se faz, em grande parte, à base da imitação. Por urp. processo de mimetismo social, di fundem-se no grupo os costumes, a moda, os preconceitos . . . A imitação é, também, um fator de progresso. Por ela se propagam as idéias, os comportamentos e os processm. sociais, de indivíduo a indivíduo, e de grupo, e é da com binação dêstes elementos com os já possuídos pelo grupo que resultam novos fatôres de progresso. tado pelos seus estudos sôbre HEGEL, mas foi CouRNOT quem o iria mais decididamente influenciar. TARDE se opôs a DURKHEIM, a quem con siderava por demais doutrinário, enquanto que êste o considerava mais subjetivo . DURKHEIM desenvolveu a Sociologia de acôrdo com as linhas traçadas por CoMTE, enquanto que T ARDEJ devotou sua atenção à Psicologia Social : La Logique Social e e Les Lois Sociales referem se às crenças e des�jos dos homens. Escreveu ainda Les Transforma· tio1ts du Droit, Les Transf ormations du Pouvoir e La Psyohologie Economi,que, onde tenta suplantar os sistemas abstratos de Econo mia Política com o estudo dos fatos concretos . Para êle, algumas pessoas que não constituem necessáriamente a maior.ia, são invento ras, enquanto que as outras se limitam a repetir o que essas fazem ; foi observando estas atitudes que TARDE escreveu seu mais conheci do livro Les LoU3 de l'lmitation. Em seguida, escreveu, em 1897, Oppos·ition Universelle e1 em 19-04, foi publicado Fragment d'Histoire Future, onde vislumbra uma sociedade ideal completamente emanci pada e baseada no amor desinteressado. As suas idéias utópicas neste livro, escrito na sua juventude e publicado após a morte do autor. 7 Consultar, principalmente, Les Lois de l'lmitation, Paris, Al- 1�nn, 1 8'90, cap . I : "La répétition Universelle". >:! ., '· . ' �. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 139 3) Leis da ·imitação. a) Nossas condutas imitativas são lógicas, quand<:> conscientemente copiamos um modêlo, em vista de um fim deliberadamente adotado, ou alógicas, no caso em que nos sas ações sejam um reflexo automático do ato do modêlo. A maior parte de nossos comportamentos são, na realidade, alógicos. Continuamente reproduzimos idéias, gestos ou ati tudes simplesmente provocados pelos modelos. sociais, sem passá-los pelo contrôle de uma deliberação racional. �ste ele mento imitativo alógico pode assumir tais proporções na vida de uma pessoa, a ponto de reduzi-la a uma sucessão de poses inspiradas pelos modelos preferidos. Urna vida pode perder assim tôda a sua autenti�idade. ÉRICO VERÍSSIMO fixou admiràvelmente êste tipo social numa das personagens de um de seus romances : a môça fútil, cuja vida é um mo saico de atitudes imitadas das grandes estrêlas cinemato gráficas. b) A imitação se faz do interior para o exterior. Pri mefro, aceitam-se as idéias, depois os gestos e comporta mentos que a elas correspondem. Assim, por exemplo, na di fusão de um movimento religioso, primeiro aceitam-se as crenças, depois adotam-se os ritos. A seguir, numa fase ul terior, pode-se perder a crença, enquanto, por algum tem· po, ainda se continuam a praticar os ritos, como simples gestos sociais vazios de seu conteúdo religioso. e) A imitação, enfim, se faz de cima para baixo, neste sentido que os modelos descem dos níveis sociais superiores para os chamados níveis inferiores. As classes econômica mente fracas imitam os comportamentos e atitudes da bur guesia e a burguesia os das classes. Trata-se de uma lei geralmente até agora observada, que não exclui exceções, como as ditadas por um certo pedantismo muitas vêzes de magógico, que leva pessoas das classes ditas superiores a as sumir atitudes, por exemplo, do proletariado. \ F'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. po:-ii�ão nlental e nervosa, organizada pela experiência, que t· xc.n-cc uma influência diretiva e dinâmica sôbre o compor tamento do indivíduo, com relação a todos os objetos e a ti>das as situações· com as quais êle entra em contato". s Tôdas as definições têm um denominador comum constante de dois elementos : 1) um elemento estrutural que releva do tempera• mento, da idiossincrasia do indivíduo ; 2) uma referência a um objeto mais ou menos deter minado, no sentido mais a1nplo do têrmo obj eto, incluindo pessoas, situações, fatos ou coisas. Que uma atitude importe numa referência a um obje to, compreende-se fàcilmente. De fato, não se assume ati tude diante do nada. Assume-se atitude diante de algo. Uma atitude é impensável sem uma referência a alguma coisa. Que tôda atitude dependa também de um elemento estrutu ral se depreende do fato que, ante um mesmo objeto, dois indivíduos assumem ou podem assumir atitudes diversas. Por outras palavras : a atitude implica na existência de uma unidade temática ativa que comanda a variedade dos comportamentos do indivíduo com relação a um objeto. Esta variedade de comportamentos, por vêzes até mesmo aparen temente contraditórios, só se deixa compreender quando re vela a unidade interior, a atitude, que a inspira. 9 Tal juízo sôbre um homem de côr, tal modo de tratar a cozinheira preta, só se entendem plenamente quando se descobriu a atitude fundamental do indivíduo a respeito do negro. Uma atitude difere de uma simples tendência. A ten dência é um dinamismo inato. A atitude comporta um ele mento cognocitivo, tem um conteúdo conceitua! relativo ao 8 Cf . G . W. ALLPORT, Handbook of SoC'ial Psych<Jlogy, verbête: "Attitudc'', Clark University Press, 1935. o Ver, a respeito, F. A . ISAMBERT, "La psychologu Bociale et r.ertaines de ses applications à la Socwlogie Religieuse", in Vocation 1fo la Sociologie Religieu8e et Sociologie <ks Vocations, Paris, Caster� mann, 1958, págs . 47 e seguintes. · INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA 143 objeto, e um elemento adquirido, que supõe uma aprendi zagem social ou é imposta pelo meio. Tôda atitude é um comportamento social, porque sem pre assumido em resposta a uma situação social. Faltando êste contexto social, pode-se adotar uma pose, mas não uma atitude. B) A opinião. A propósito das atitudes, um dos capítulos que mais interessam, do ponto-de-vista sociológico, é o da opinião. 1 ) Noção : Opinião é a formulação de um juízo sôbre um deter minado objeto. Não é propriamente a formulação de uma atitude, que, como vimos, é uma realidade complexa que se revela ou se esconde, através de múltiplos comportamentos, um dos quais, a opinião. A opinião pode revelar parcial e inadequadamente uma atitude. A opinião pode ser privada ou pública. A opinião privada é um estado mental no qual o indi víduo adota um ponto-de-vista sem conseguir, entretanto, excluir a possibilidade de que o ponto-de-vista oposto seja verdadeiro. Neste senjjdo, é um estado mental entre a dú vida e a certeza. A <Ypinião pública é já um fenômeno social, no sentido macro-sociológico do têrmo, pelo quaJ a maioria dos mem bros de um grupo adota, como certo, determinado ponto-de vista. Ter uma opiniãô é um fato individual psicológico; mas o fato de muitos indivíduos pensarem do mesmo modo é já um fenômeno social, porque é um fato coletivo, condicionado pelos adjuntos sociológicos e capaz de exercer pressão sô bre as consciências individuais. A opinião pública é uma fôrça e pode-se dizer que uma das grandes invenções do sé culo XX foi a descoberta da técnica de formá-la e orientá-la, a propaganda. Fôrça utilizada para fins ideológicos, poli- l - 1 0 FERNANDO BASTOS p-,;; �VII. i\ , S . J. C ) Condutas de colaboraçã-0. 1) Noção e tipos formais. Existe colaboração quando vários indivíduos participam de uma mesma ação, cujo resultado interessa a todos e não poderia ser obtido pelos esforços isoladosde cada um. Pode comportar segmentos diferentes, confiados aos diversos co 'aboradores, isto é, não exige necessàriamente simultanei dade de atuação. Pode .ser instintiva ou intencional. No primeiro caso, o resultado é bbtido sem plena cons ciência dos agentes quanto à eficácia dos atos que exercem. Tal parece ser o caso da colaboração sexual entre povos pri mitivos, que ignoram a origem da procriação. No segundo casd, os agentes visam a um fim e organi zam os esforços no sentido da realização dêste fim. 2) Bvolução das condutas de colaboração. A colaboração é prefigurada j á no mundo animal pelo fenômeno gregário, que é um fenômeno de interação instin tiva necessária à subsistência dos grupos. No homem, a colaboração começa por um estágio de simples observação, pela qual a criança se vai equipando das impressões e imagens necessárias à vida em sociedade. Ela passa, a seguir, por um estágio de participação paralela, no qual a colaboração se reveste de uma forma imitativa. A criança reproduz os atos e gestos dos que a cercam e se ha bilita pouco a pouco à vida social. A colaboração propriamente dita só aparece geralmen te na idade de três anos, pela participação ativa da crian ça numa ação comum, por exemplo, em jogos e brinquedos. A partir desta idade, na qual a colaboração é talvez ainda instintiva, vão se manifestar as formas mais evoluí das de colaboração através de fenômenos, como os grupos organizados ou pequenos clãs, os grupos de amizade e outros. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 141 É à base da colaboração intencional, enfim, que f un ciona todo o mecanismo social pela - divisão do trabalho e a hierarquia das funções. � 3) As condutas anticolaboracionistas. Podem se definir como a� condutas resultantes de uma recusa de participar em uma ação comum como co-agente. Sua forma mais simples é o isolamento, que no homem pode ir até à demência, sob formas típicas de fobias. As condutas de separação ou de segregação que visam marcar distinções de uns com respeito a outros. Numa es cala macro-sociológica, as condutas de não-colabo:·ação re sultantes desta atitude estão à base do fenômeno das classes e castas. As condutas de competição, provocadas quando se vê no outro um obstáculo à consecução de um determjnado obj e tivo, reveste formas variadas, como : rivalidade, dúme, in veja, na vida sentimental, profissional, e pode adquirir tam bém uma dimensão social' nos fe11ômenos de bairrismo e de nacionalismo exagerado, chauvinismo. Muitos de nossos mé todos pedagógicos exploram a tecla da rivalidade, como fator de estímulo para o estudo. O processo mereceria uma revi� são dentro dêste contexto de idéias para saber se a insis tência em explorar êste registro não habitua a criança a ver no outro mais o rival que o colaborador, com todos os reflexos sociais que tal hábito pode acarretar. As formas mais agudas de anticolaboração são a.s agres sões, que podem chegar até às manifestações violentas do crime, e, numa escala social, às guerras. 11) Atitudes. A) Noção. G . W . ALLPORT encontrou mais de 5_ü definições de atitudes e, além destas, propôs a sua : "atitude é uma dis� '\ \ I•'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. poHit:iio nlental e nervosa, organizada pela experiência, que •·x .. �rcc uma influência diretiva e dinâmica sôbre o compor tamento do indivíduo, com relação a todos os objetos e a tt.das as situações· com as quais êle entra em contato". 8 Tôdas as definições têm um denominador comum constante de dois elementos : 1 ) um elemento estrutural que releva do tempera• mento, da idiossincrasia do indivíduo ; 2) uma referência a um obj eto mais ou menos deter minado, no sentido mais a1nplo do têrmo objeto, incluindo pessoas, situações, fatos ou coisas. Que uma atitude importe numa referência a um obje to, compreende-se fàcilmente. De fato, não se assume ati tude diante do nada. Assume-se atitude diante de algo. Uma atitude é impensável sem uma referência a alguma coisa. Que tôda atitude dependa também de um elemento estrutu ral se depreende do fato que, ante um mesmo objeto, dois indivíduos assumem ou podem assumir atitudes diversas. Por outras palavras : a atitude implica na existência de uma unidade temática ativa que comanda a variedade dos comportamentos do indivíduo com relação a um objeto. Esta variedade de comportamentos, por vêzes até mesmo aparen temente contraditórios, só se deixa compreender quando re vela a unidade interior, a atitude, que a inspira. D Tal juízo sôbre um homem de côr, tal modo de tratar a cozinheira preta, só se entendem plenamente quando se descobriu a atitude fundamental do indivíduo a respeito do negro. Uma atitude difere de uma simples tendência. A ten dência é um dinamismo inato. A atitude comporta um ele mento cognocitivo, tem um conteúdo conceituai relativo ao 8 Cf. G . W . ALLPORT, Handbook o/ Social Psychology verbete : "A tti tudc", Clark U niversity Prcss, 1935. ' 9. Ver, a respeito, F . A . ISAMBERT, "La psychologie sociale et �erta·mes de ses a,pplicatwns à la Sociologie Religieuse" in Vocation rfo la Sociologie Religieuse et Sociologie des Vocations, Paris, Caster� mann, 1958, págs . 47 e seguintes. · · INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 43 objeto, e um elemento adquirido, que supõe uma apren<li zagem social ou é imposta pelo meio. Tôda atitude é um comportamento social, porque sem pre assumido em resposta a uma situação social. Faltando êste contexto social, pode-se adotar uma pose, mas não uma atitude. B) A opinião. A propósito das atitudes, um dos capítulos que mais interessam, do ponto-de-vista sociológico, é o da opinião. 1) Noção : Opinião é a formulação de um juízo sôbre um deter minado objeto. Não é propriamente a formulação de uma atitude, que, como vimos, é uma realidade complexa que se revela ou se esconde, através de múltiplos comportamentos, um dos quais, a opinião. A opinião pode revelar parcial e inadequadamente uma atitude. A opinião pode ser privada ou pública. A opinião privada é um estado mental no qual o indi viduo adota um ponto-de-vista sem conseguir, entretanto, excluir a possibilidade de que o ponto-de-vista oposto seja verdadeiro. Neste sen_tido, é um estado mental entre a dú vida e a certeza. A opiniã-0 pública é já um fenômeno social, no sentido macro-sociológico do têrmo, pelo quaJ a maioria doa mem bros de um grupo adota, como certo, determinado ponto-de vista. Ter uma opinião é um fato individual psicológico ; mas o fato de muitos indivíduos pensarem do mesmo modo é j á um fenômeno social, porque é um fato coletivo, condicionado pelos adjuntos sociológicos e capaz de exercer pressão sô bre as consciências individuais. A opinião pública é uma fôrça e pode-se dizer que uma das grandes invenções do sé culo XX foi a descoberta da técnica de formá-la e orientá-la, a propaga,nda. Fôrça utilizada para fins ideológicos, polí- 1 1 • 1''ERNANDO RAST� l)E ÁVlLA, �. J. Li<:os e comerciais, que se alimP.nta hoj� com yerbas :::..ztro .. nômicas. 2) Ex']Yf'essão gráfica : A existência de uma opinião no público se revela por uma expressão gráfica específica. Tomemos um exemplo. Suponhamos fazer uma sondagem de opinião sôbre a Igre j a e mais propriamente sôbre a competência da Igreja. Po deríamos distribuir as diversas opiniões possíveis pelas se guintes classes, a partir da origem O (zero) : a Igreja não tem nada que ver com minha vida ; a Igreja tem competência em matérias de sacristia ; a Igreja tem competência para ditar verdades de fé, mas não para ditar normas de conduta ; a Igreja tem competência também para ditar normas de conduta, mas exclusivamente no que diz respeito à mi nha vida pública ; a Igreja tem competência para ditar verdades de fé, mas minha vida intima. EXISTtJNCIA DE OPINIÃO P'CBLICA (hostil à Igreja) distribuição em talho J, invertido y -. X EXISTtNCIA DE OPINIÃO Pl1BLICA (favorável à Igreja) distribuiçãoem talho J INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA INEXIST�NCIA DE OPINIÃO P-OBLICA distribuiçã-0 normal V 145 Representemos as freqüências das respostas no eixo vertical (y) , e as classes no eixo horizontal (x) . (pág. 127) Se existe no ambiente uma opinião pública, obteremos uma di.r�tribuição chamada em talho J, invertido, no caso em que o ambiente seja hostil à Igrej a ; e uma distribuição em a,tlo-J, no caso em que o ambiente seja fortemente católico. Na hipótese em que não exista uma opinião pública forma da, obteremos uma distribuição chamada no·rmal, isto é, as freqüências se distribuem em tôrno de uma classe medial. § 2) A PERSPECTIVA HORIZONTAL Depois de sugeridos os niveis em profundidade da rea lidade social e examinados mais detidamente dois dêstes níveis, chega-se a uma idéia menos imprecisa da espessura, da densidade desta realidade. Situamo-nos, agora, numa perspectiva horizontal, possibilitando discernir os f enôme· nos sociais que têm subjacentes os níveis acima estudados. �8tes fenômenos são, numa escala micro-sociológica, as for ·ma.� de sociabilidade, e, numa escala macro-sociológica, os yrupos � as sociedades globais. 10 rn Tôda a conceituação que segue foi elaborada por G. Gu& VITCH, a cuja principal obra remetemos o leitor : La Vocat·ion Actuel- 1� de la Sociologie, Paris, P . U . F ., 2.ª ed., 1959. .1 46 FERNANDO BASTOs DE ÁVILA, S. J . As formas de sociaoilidade são as múltiplas maneiras de se estar ligado ao todo ou no todo. Por sua própria na tureza, são fenômenos sociais totais, isto é, possuem todos os níveis em profundidade da realidade social. São fenôme nos inestruturáveis, ao contrário dos fenômenos de grupo e de sociedades globais, pois não dispõem de um mecanismo de equilíbrio entre êsses diversos níveis. Apresentam-se, po rém, sob certas configurações definidas, das quais é pos sível uma descrição tipológica, tendo sempre em vista que os tipos descritos se entrecruzam e compenetram num ema ranhado que é a própria realidade micro-sociológica. Na tipologia das formas de sociabilidade, referir-nos emos apenas às que constituem um ' instrumento de análise de mais fácil aplicação. Entre as diversas formas pelas quais nos associamos a um todo, a primeira seria, por exemplo, a constituição de NóS (1.ª pessoa do plural) . Um NóS, não é ainda um grupo, isto é, não é uma unidade coletiva diretamente ob servável, com atitudes homogêneas, com uma função pre cisa, e uma determinada coesão interna. Uma universidade, por exemplo, é um grupo, mas dentro de um grupo, f Or· mam-se diversos NóS : o NóS, alunos, o NóS, professôre�. Que constitui propriamente um NóS? Uma fusão parcial dos membros, unidos. numa intenção coletiva, nem sempre consciente, pela qual constituem uma realidade, o N óS. Tra· ta-se de uma fusão parcial, porque nunca chega ao ponto de anular as individualidades que dêle participam. Pressu .. põe uma semelhança entre seus membros, sem, todavia, eli minar as variantes individuais. Duas fôrças entram, pois, na composição de N óS : uma atração espontânea entre os membros ; uma pressão do NôS sôbre os membros. Conforme se equilibram estas, teremos diversas formas de sociedade por fusáQ parcial. Quando a intenção cole tiva se atualiza com maior intensidade, tomando o NôS como objeto mesmo de sua apreensão, há uma consciência mais viva da participação no NóS. É o caso da COMU- l l 1 l INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 147 .N .HiÃ.0, onde a ·atração c�ntrípeta exercida pelo próprio N úS, do qual participam os membros, é tão forte que não deixa perceber nenhuma pressão exterior .. As épocas de re volução, de perseguições, são propícias à formação de co munhões. O número de membros participantes de uma co munhão é, em geral, pequeno, pois a atração do NóS está em proporção inversa à sua extensão ; é difícil manter sem pre o mesmo grau de intensidade quando o número parti cipante é grande, e portanto maior o número de individuali dades, de dissemelhanças. Quando a participação do NóS é realizada por mem bi·os, que, embora conscientes da fusão de que participam, dirigem-se também para atividades exteriores, teremos as COMUNIDADES. �sse grau de intensidade é o mais fàcil mente e�tável, e isto porque a fôrça de atração interior equilibra a pressão exterior. Esta pressão pode ser o inte rêAse pela atividade da comunidade. Sirva de Pxemplo uma eomunidade de ladrões que sofre a atração da fusão, ma� que também é pressionada pelo eKterior. Naturalmente as comunidades permitem maior número de membros - a pres são .é maior do que nas comunhões, - e possibilitam niais fàcilmente organizações nas suas superestruturas. Fi n{l.lmente, quando a intuição coletiva de participação ao NóS é tão pouco atualizada que seus men1bros se sen tem mais pressionados do que atraídos para a fusão da qual participam, temos as MASSAS. O tipo de MA.SSA é peculiar às épocas caln1as, quan do não há intensificação de participação ao NóS. Permite u n1 grande número de membros, justamente porque sua atração é pequena, fazendo-se sentir mais fortemente as < J i �;.,emelhr�nças de cada membro. Entretanto, não é a fusão parcial a única forma pela qual nos relacionamos com outros. Em muitos casos, intuí mos não só a participaç.ão em um N óS, mas também a opo sição entre eu e não-eu. Trata-se aqui, ta.mbém, de uma in tuição nem sempre consciente. Podem-se distinguir três .1 46 FERNANDO BASTÓs DE ÁVILA, S. J . As formas de socianilidade são as múltiplas maneiras de se estar ligado ao todo ou no todo. Por sua própria na tureza, são fenômenos sociais totais, isto é, possuem todos os níveis em profundidade da realidade social. São fenôme nos inestruturáveis, ao contrário dos fenômenos de grupo e de sociedades globais, pois não dispõem de um mecanismo de equilíbrio entre êsses diversos níveis. Apresentam-se, po rém, sob certas configurações definidas, das quais é pos sível uma descrição tipológica, tendo sempre em vista que os tipos descritos se entrecruzam e compenetram num ema ranhado que é a própria realidade micro-sociológica. Na tipologia das formas de sociabilidade, referir-nos emos apenas às que constituem um · instrumento de análise de mais fácil aplicação. Entre as diversas formas pelas quais nos associamos a um todo, a primeira seria, por exemplo, a constituição de NóS (1.ª pessoa do plural). Um NóS, não é ainda um grupo, isto é, não é uma unidade coletiva diretamente ob servável, com atitudes homogêneas, com uma função pre cisa, e uma determinada coesão interna. Uma universidade, por exemplo, é um grupo, mas dentro de um grupo, for mam-se diversos NóS : o NóS, alunos·, o NóS, professôre�. Que constitui propriamente um NóS? Uma fusão parcial dos membros, unidos numa intenção coletiva, nem sempre consciente, pela qual constituem uma realidade, o NóS. Tra ta-se de uma fusão parcial, porque nunca chega ao ponto de anular as individualidades que dêle participam. Pressu .. põe uma semelhança entre seus membros, sem, todavia, eli minar as variantes individuais. Duas fôrças entram, pois, na composição de N óS : uma atração espontânea entre os membros ; uma pressão do NóS sôbre os membros. Conforme se equilibram estas, teremos diversas formas de sociedade por fusão parcial. Quando a intenção cole tiva se atualiza com maior intensidade, tomando o NóS como objeto mesmo de sua apreensão, há uma consciência: mais viva da participação no NóS. É o caso da COMU- INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 149 que transcende qualquer classificação. Teríamos, assim, for mas de sociabilidade por fusão ou oposição parcial ativas ou passivas, uni, multi ou supraf uncionais, o que já nos con duz a uma tipologia suficientemente complexa e nos fornece instrumentos de análise capazes de deslindar um pouco a inextricável contextura do mundo micro-sociológico. AP�NDICE A SOCIOMETRIA A sociometria pode ser entendida 'como um método de análise e interpretaçãodo plano micro-sociológico. J . L . MORENO, criador da. sociometria e sua escola, em preendeu uma vasta obra de análise das infra-estruturas sociais, munido de métodos e instrumental novos. Não é nosso intento dar uma visão completa. de tudo que se realiza em 8ociometria, mas apenas destacar alguns te mas de maior utilidade, e mais cabíveis numa introdução à sociologia. A intuição germinal do fundador da escola foi a se guinte : as relações de atração e repulsão, que se estabele cem no seio de um grupo, não obedecem a uma compartimen tação oficial, previsível, Seguem linhas inesperadas que transcendem as fronteiras de classes, de idades, de condi·· ções sociais, e se constituem em sistemas mais ou menos está veis. Assim, por exemplo, observou que as relações de simpatia entre as crianças de um grupo não se fazian1 neces sàriamente entre as do mesmo nível social, ou da mesma idade, mas seguiam direções inesperadas e se estruturavam segundo esquemas típicos. Cedo, MORENO convenceu-se de que estas relações e êstes sistemas de relações dentro dos gru pos são os decisivos para compreensão do seu comportamen to. O plano macro-sociológico só pode ser compreendido em função do plano micro-sociológico. • i . 1 . ' • INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 151 A partir destas observações, como hipótese de traba .lho, MORENO decidiu-se a proceder uma verificação cientí fica das mesmas, e em 1932 começou as suas investigações .. Os testes sociométricos. M-ORENO partia da idéia de que existe uma lei de gra vitação social pela qual os indivíduos estão sujeitos a fôrças de atração e repulsão que os unem em sistemas chamados áto1nos sociais, unidade de análise. A energia gravitacional dêste microcosmos social é o tele, unidade de medida, a mais simples unidade de sentimento transmissível de um indiví duo a outro. Para descobrir a estrutura dos átomos sociais que se formam no interior dos grupos, l\iORENO ideou uma série de testes sociométricos que aplicou em meio,:; estudan tis ; interrogava os membros do grupo com relação a seus camaradas ; com que companheiros prefer�am j ogar. passear, morar, notando as reações de atração, repulsá.o ou indife rença. Convidava a escrever postais de sau<lnGões aos outros membros do grupo, e a escrever um �6 postal que seria naturalmente endereçado ao melhor amigo. 11 Configurações sociométricas. Utilizando êsses processos, MORENO verificou que exis tem inúmeras configurações associativas ou relações socio métricas, mas que tôdas podem reduzir-se a alguns esque mas típicos simples e fàcilmente complicáveis por um mero processo de combinação. 1 - Correntes associativas ou Associações lineares : os indivíduos se transn1item um a outro, sem reciprocidade, suas simpatias. A gosta de B, B gosta de C, e assim por diante. 11 G . GURVITCH propõe testes complementares para a utiliza ção da Sociometria na análise das formas de sociabilidade. Ver ob. cit . , vol. I, 2.ª ed., págs , 273 e segs . . . · ···-.. -·� .... " ..... ....... , . . ..... ··----·-�------·-- Jo'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 2 - A ssociações nodulares : as correntes sentimentais eonHtituem um circuito fechado, com ou selJl reciprocidade. A� associações nodulares podem adquirir as expressões grá fil�as mais variadas, desde os circuitos simples sem recipro cidade de A a B, de B a C e de C a A, até as formas poligo nais mais· complexas, reversiveis ou não. 3 - Associaç9es de polarização de primeiro grau : as preferências se concentram sôbre um ou alguns indivíduos, que são os tipos populares. O mesmo se passa com as re pulsões, que definem os tipos isolados que têm preferências, mas não são objeto de simpatias. 4 - Associações de polarização de segundo grau � apa recem indivíduos que são os preferidos dos preferidos. São os tipos de líderes, que, dominando os tipos populares, exer cem um contrôle oculto, mas decisivo sôbre o grupo. A combinação destas formas simples permite a confi guração de um socwgram,a, que é a representação gráfica da estrutura sociométrica de um átomo social. A utilização de convenções gráficas enriquece o valor expressivo de um sociograma, por exemplo, dar às linhas que unem os mem bros do grupo uma significação vetorial, indicando pelo com primento a intensidade da relação ; utilizar linha� azuis para significar as relações de simpatia e vermelhas para as re lações de repulsão. 12 Contribuição da socwmetria. 1 - MORENO revelou de modo sensivel a realidade de uma gravitação social no interior do grupo e a existência de átomos sociais, como sistemas relativamente estáveis de afinidades entre os membros do grupo. 12 Ver J'. L. MORENO, Fondements de la. Sociometrie, Paris. P . U . F., 1954. Um bom resumo encontra-se em P. MAUCORPS. "Plr'Jlckologie des mouvements socia�", Paris, P . U. F . Co_luction qu1 saiB-je vol. 425. A revista Sociometry pode manter o leitor em dia com o ' progresso desta nova dimensão das Ciências Sociais. . . � í ' ' INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 153 · 2 - Mostrou como os processos dinâmicos, no interior do grupo, se desenvolvem segundo as linhas sociométricaR, p·or exemplo, a difusão de um boato, de um movimento de resistência ou de rebelião. São êstes processos dinâmicos <1ue decidem do comportamento macro-sociológico do grupo. 3 - Criando os sociogramas, ofereceu um instrumento de orientação para uma ação sôbre o grupo, seja êle um co .. légio, uma organização sindical ou o operariado de uma fá brica. Qualquer ação destinada a levar o grupo a assumir uma atitude ou empreender uma tarefa deve orientar-se. antes de mais nada, para a conquista dos líderes, sob pena de se ver frustrada. -- LEITURAS COMPLEMENTARES l - PJERSUN, DONALD, Teoria e pesquisa em Soc,iologia, São Pab. lo, Edições Melhoramentos, 1955 . Especialmente a parte II. 2 - KRECH, DAVID e CRUTCH.f"IELD, R. S., Theory and problems o/ Social Psycholo011, New York, Me. Graw-Hill Book Co., 1948, capítulos V e VI . 8 - MORENO, JACOB L., Soc-iometry 'li psfoodrama, Buenos Aires, Editorial Deucalión, 1954. · 4 - PARK, ROBERT EZRA e BURGESS, ERNEST w;, "Four greal f;ypes of social process", in Readings in Sociology, New York, Barnes and Noble, 1951, págs. 267 e segs. 5 - HAESEART, JEAN, Sociol<>gie générale, Bruxelas-Paris; Editions Érasme, 19·56. Especialmente o livro III, cap. 1 : "La Zangue; l' icriture,,. 6 - BoGARDus, E MORY S., Sociology, New York, MacMillan Co., 3.ª ed., 1953. Especialmente o cap. 1 5 : "Group processes". 7 - N<>RTHWAY, MARY L . e WELD, LINDSAY, Sociometric testing ; a uuide for teachers, Toronto, University of Toronto Press, 1957. 8 - SUTHERLAND, ROBERT L . e WOODWARD, JULIAN L . , Introductory Sociology, New York, J . B . Lippincott Co., 2.ª ed., 1937. Es pecialmente a parte V: "Social inte-raction". "' 9 - GILLIN, JOHN LEWIS e GILLIN, JOHN PHILLIP, An introduction to Soc-iol.ogy, New York, l\facMillan, 1942. Especialmente a parte VI : "Social Process". 10 - Gunv1Tcu, G1-XmGES, LaR forma., de la sor.iabilidad, Buenos Aires, Editorial Losada, 1941. 11 - MORENO, J. L . , "Contrib utions of soc-iometry to researeh me tkodology in. SoC'iol,ogy'', in A m.erican Sociological Review, YO lume 12, n.0 3, junho de 1947, págs. 287-292. 12 - LEE, ALFRED Me CLUNG, "Snr,iolog.foal Theor,y in Public opinion and Attitude Studies", in Amer·ican Soc-iological Review, vol. 12, n.0 S, junho de 1947, págs. 812-322. 13 - ZAzzo, RENÉ, "Sociométm et psycAf>logie'', in Cahiers Interna . tionaux de Sociologie, vol. 7, 1949, págs. 43-61. 14 - VÁRIOS AUTORES : "Estudio contribucúrnal de las rela,ciones •n ciométriccu. Su influencia, en la sugestion ef er6ida por el uru'J#o", in Soci.ologia, vol. 20, n.0 1, março de 1958, págs. 18-26. / CAPÍTULO VI A DIMENSÃO MACRO-SOCIOLóGICA. OS GRUPOS FO·RMAIS Se procurarmos emergir do intrincado de relações e no dulações que constituem a trama microscópica da realidadesocial, poderemos observar conjuntos sociais de maiores di mensões, visíveis como um todo, e como tal dotado de um comportamento específico : os grupos. Continuando a pro curar atingir um ponto-<le-vista mais panorâmico, verifica remos que êstes mesmos grupo6 se inserem e1n contexto� - sociais muito mais a.mplos : as sociedades glulJais. São estas as duas grandes categorias com as quais analisamos o fe nômeno social na sua dimensão macro-sociológ·fon. Ocorre-nos desde logo unia questão pr(.'via : qual a dis tinção precisa entre grupos e sociedades globais ? ·É bom notar que não se trata de uma questão de núme ro, de um critério puramente quantitativo - a classe prole tária - grupo de um país populoso, pode contar com um efetivo maior que o de uma pequena nação (sociedade glo bal ) . Adotamos aqui o critério de GURVITCH : o critério da soberania social, jurídica e eventualmente também econô mwa. 1 Os grupos são conj untos sociais que vivem na de pendência de um conjunto mais amplo que lhes delimita a competência, no qual encontram suas garantias econômicas, 1 G. GURVITCH, Tra·ité de Sociowgie, Paris, P. U. F. , 1958, pág. 216. 156 FERNANDO BAS'lOS DE ÁVILA, S. J. e que lhes oferece um denominador comum, por exemplo .. unidade de língua e tradições históricas. A sociedade glo bal é um macrocosmos de macrocosmos, os grupos. Em prin cípio, elas gozam de uma condição de soberania interna, com relação aos grupos que as constituem, e externa, com relação às outras sociedades globais. Assim podemos dizer que hoje a família, as classes, são grupos ; as nações são sociedades globais. Entretanto, para que nossa conceituação tenha um valor intemporal, isto é, para que possa ser aplicada a diver·· SOS períodos da evolução histórica, importa tomá-la unica mente nos seus elementos formais, sem identificá-la com realidades sociais concretas. Com efeito, se recuarmos ao passado, vemos que a família patriarcal teve de fato tôdas as características de uma sociedade global ; e se nos permi tirmos uma antecipação sôbre o futuro, não seria infun dado prever que as nações virão a ter tôdas as caracterís ticas de grupos de uma única sociedade global, a sociedade humana. Por esta razão, damos a essa conceituação um va Jor puramente didático, que não nos impedirá de estudar, por exemplo, a família nos diversos momentos de sua evo lução. 2 Procederemos neste capítulo a um estudo formal dos grupos, tendente à elaboração de uma tipologia ..dos grupos sociais e da sua dinâmica. Passaremos, a seguir, a uma apli cação desta tipologia ao estudo dos grupos concretos, entre os quais, a título de exemplo, examinaremos a família e a classe social. * * * § 1) NOMINALISMO OU REALISMO SOCIOLóGICO? Ao abordar o estudo dos f enômen.os macro-sociológicos, importa preliminarmente assumir uma posição ante a velha querela entre o nominalismo e o realismo sociológico. 2 Consultar o Cap. VII. INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 157 I) O realisrno. O realismo considera o fato social cerno dotado de uma especificidade própria, isto é, como irredutível aos fenôme nos que o constituem e mesmo à soma dêles. Dentro da corrente realista podemos distinguir três grandes escolas : o sociologismo, o biologismo e o mecani �ismo. A) O sociologismo. As origens do sociologismo encontram-se em A UGUST-O COMTE que, como vimos, intuiu a existência de constâncias e regularidades nos fenômenos humanos coletivos, regulari dades exprimíveis em leis, tão válidas como as leis da Fí sica, e cuja síntese seria uma nova ciência : a Física Social. Intuiu ainda que o fato social, dotado destas regularidades, era um fenômeno irredutível a outros fenômenos. Com isto COMTE dotava a nova ciência de um objeto próprio, e in troduzia a Sociologia como ciência autônoma, no quadro das Ciências Humanas. O grande continuador do pensamento e da tendência de COMTE foi ÉMILE DURKHEIM. 3 8 ÉMILE DURKHEIM (1858-1917 ) ' sociólogo e filósofo francês, nasceu em Epinal. Cursou a Escola Normal Superior de Paris quando FusTEL DE CoUL.A.KGES era diretor. Viajou pela Alemanha, onde es- tudou Economia, Psicologia Social e Antropologia Cultural; na Fa culdade de Bordeaux dirigiu um curso de Ciências Sociais e Peda gogia. Em 1893 apareceu â sua tese De la Divüri.on du Tra:vail Soc-ial, e em 1898 iniciou a publicação da Année Sociologique. Foi cm França o sucessor de AUGUSTE COMTE no campo da pesquisa cientlfic&. Se guindo a tradição de MONTEsQUIF.U, a quem dedicou sua se�unda tese, distinguiu os vários tipos de organização social com seus sistemas pr6prios. Fêz reflexões sôbre a divisão do trabalho, estudando a fun ção moral antes da econômica, distinguindo duas formas principais: u'a mecânica e outra orgânica. Considerava o progresso obtido pela divisão do trabalho o resultado do aumento crescente das sociedades modernas nas quais predominava a industrialização ; acentuou a im portância da personalidade, evoluindo para um regime liberal e con tratual. DURKHEIM não era partidário do laissez faire, e deíendia a divisão do trabalho como resultado favorável da união de indivíduos l<'El,NAND-0 BASTOS DE ÃVILA, �. J. 1 HJ ttKIIEIM levou o sociolog1smo à 8ua ple11a fv1·u1ulaç&v ; nno i-16 o �ocial é um fenômeno autônomo, não só não pode H<'r explicado por outros fenômenos, sejam êles demográfi <·o�, psicológicos, religiosos ou culturais, como é êle que os t�x plica a todos. Sirva de exemplo o fenômeno moral. Para DURKHEIM, uma norma não é coletiva porque é imperativa, mas é imperativa porque é coletiva. Por outras palavras : um determinado comportamento é comum a um grupo hu mano - fenômeno social - não porque seja imperativo, isto é, ditado por uma norma transcendente que se imponha à consciência dos indivíduos - fenômeno moral. Muito ao contrário : tal comportamento é imperativo porque praticado normalmente pelos membros do grúpo. O fato social, cole tivo, cria a idéia da obrigação moral que vai, a seguir, pau tar o comportamento dos indivíduos. A categoria fundamental do sociologismo de DURKHEIM é a consciência coletiva, que difere especificamente da cons ciência individual e mesmo da sorna das consciências indivi duajs do grupo. Prova esta subsistência da consciência co letiva, pelos critérios' da exterioridade e da capacidade de pressão ou de contrainte exercida por ela sôbre os indiví duos. Todo grupo dispõe de um conteúdo comum de idéias e valôres, que cada um experimenta como exterior JJ, si e como se impondo sob a forma de normas morais, religiosas, jurídicas, lógicas ou consuetudinárias. Se é possível fazer a experiência desta consciência como algo exterior ao indiví duo e dominando o seu comportamento, é forçoso admitir, diz DURKHEIM, que existe uma consciência coletiva, indepen dentemente das consciências individuais. Não há dúvida que o sociologismo de DURKHEIM com porta uma idéia fecunda. Foi ela que deu à Sociologia uma preocupação decisiva de objetividade e lançou os fundamen- habili.tados a eRcolher ocupações, de ncôrdo com suas capacidades. A teoria de DURKHEIM é a da consciência coletiva, que atua sôbre a t·onsciêncin. individual, e explica\ as crenças religiosas, a autoridade dos j11 í�os de valor, a tendência. dos �ist!'mas educacionais e a forro.ação 11:-w �úmcnte da consciência, mas das categorias de razão. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1ú9 tos de uma ciência dos costumes, Science des Moenr.'i. O êrro do sociólogo francês foi supor que esta nova ciência vinha excluir definitivamente a Moral, ciência normativa. Seu ê1·ro foi nio perceber que também esta se baseia numa observa ção imediata do homem. As normas morais não são elabo radas num Olimpo distante, onde os deuses resolvem arbi tràriamente o que deve ser permitido ou proibido aos mor tais. Elas contêm apenas o que é prejudicial ou conducente à plena realização do homem como animal racional e social. E foram precisamente a observação e a experiência queensinaram ao homem o que é prejudicial ou favorável à sua natureza. Por outro lado, todo grupo dispõe de um conteúdo de idéias comuns, universalmente aceitas. Neste sentido, todo grupo tem uma consciência coletiva. Entretanto, DURKHEIM deu a esta consciência uma tal consistência, a ponto de fazer dela um ser à parte. Por uma curiosa ironia, de�cambou para um certo idealismo, êle que f ôra sempre o defenRor do rea lismo sociológico. 4 B) O biologismo Por biologismo sociológico entendemos o movimento de idéias que utiliza categorias e r.onceitos elaborados pelas ciências biológicas, para a interpretação dos fenômenos so ciais. A tendência biologista ou organicista é muito antiga. A idéia de explorar a comparação do corpo biológico para explicar fatos sociais foi utilizada por PLATÃO, foi empre .. gada por SÃO PAULO para a definição da Igreja como Corpo Místico, e, enfim, por muitos pensadores anteriores à socio· logia contemporânea, que poderiam assim ser classificados como organicistas. is 4 Cf. TALCOTT PARSONS, The structure o/ social action, Glenco-, Illinois, The Free Press, 1949, pág. 468. G Consultar a respeito, PITIRIM SORQKIN, Contcmporary Socfo logical Theorles, N ew York, Harper & Brothers, 1928, págs. 195 e segs. ·-·-· ---------· 160 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. Aludimos porém, aqui, aos biologistas em senso estri to, que levaram a analogia biológica a ponto de considerar ·O grupo social como um organismo no sentido unívoco do têrmo, isto é, no mesmo sentido em que o têrmo é aplicado ao organismo vegetal ou animal. Foi HERBERT SPENCER 6 o primeiro a tentar fazer do organicismo a síntese da sua interpretação da sociedade. Como o organismo biológico, também os grupos nascem e .crescem, segundo a mesma lei geral da evolução, passando (\ HERBERT SPENCER (1820-1903) ' :filósofo social inglês . Recebeu educação liberal, livre de disciplinas coc.vencionais. Sua independên cia de idéias, decon·ente do clima de radicali�mo filosófico em que vivia, se opôs a tôdas as formas de autoridade, sendo a felicidade individual adquirida pelo exercício livre das faculdades o principal ob jetivo da vida. Desde menino interessou-se por História Natural, Biologia e ciência mecânica, e dedicou-se na mocidade à Engenharia. ·sua formação científica é baseada num ponto-de-vista impessoal, que preserva sua obra. Dos estudos de Biologia intuiu a idéia da evolu ção orgânica : o progresso da vida das formas mais simples às mais ,complexas, da homogeneidade à heterogeneidade. Entre os mais im portantes trabalhos de SPENCER, encontram-se : Social Statics, Prin ·ciples of Sociology, Tke Man Versus the State. Social Sta.tios é \ ·descrição dos conceitos de SPENCER sôbre as condições ideais da or ganização política considerada em repouso estático, no qual há per feito equilíbrio entre o homem, o organismo individual e o contexto ·.em que vive. SPENCER concebeu a idéia da seleção natural e a sobre vivência, cêrca de seis anos antes de DARWJN publicar seu famoso tra ·balho, mas com a seguinte diferença : SPENCER se firma na adaptação deliberada, enquanto que DARWIN nas acidentais. As teorias sociais e políticas de SPENCER estão evidentemente sujeitas a críticas . A so ciedade nunca poderá alcançar um estado de utopia concebida em têr· mos de repouso estático ; enquanto o organismo do indivíduo pode .. atingir uma perfeita adaptação ao ambiente. O ideal utópico de SPEN 'CElR repousa num antagonismo irracional com referência às institui- ções governamentais: viveu numa época em que o ideal era o comér ·cio livre, quando o homem encarava a pr.o�peridadc bdustrial resul ·tado da remoção de restrições comerciais ; SPENCER foi muito além, afirmou que a felicidade universal seria atingida automàticamente pela redução do contrôle governamental ao mini mo necessário : man- · ter a ordem e reforçar oi! contratos comerciais. Segundo as pl'emissas de SPENCER, o Estado era considerado como Organismo Social, evo luindo de uma primitiva simplicidade a uma crescente complexidade e diferenciação . Deduzidas as objeÇtÕes feitas a SPENCER, sua obra foi rfoa em hipóteses estimulantes ; foi grande sua influência no de ·senvolvimento da teoria política, salientando-se o valor intrinseco e -Original de suas idéias. . 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 161 do homogêneo ao heterogêneo, do mais simples ao mais com plexo, estrutural e funcionalmente. Como o organismo bio lógico, também o organismo social, de início, consta a penas de órgãos muito simples, que se vão diferenciando. Como o organismo biológico, também a sociedade possui inicial mente funções extremamente simples, que se vão especiali zando até chegar à imensa complexidade de funções de uma sociedade contemporânea. Além destas duas semelhanças, nascer e crescer, segun do uma lei comum, o organismo biológico e o social revelam ainda uma outra : a interdependência das partes, que cons piram tôdas para o bem comum do todo e para seu desen volvimento harmônico. O que num é o sistema de sustenta ção, no outro são os sistemas de produção e de defesa ; ao sistema circulatório, correspondem os órgãos de distribui ção de rendas ; ao sistema nervoso corresponde o sistema de govêrno. Como o organismo biológico, o organismo social se reproduz : os grupos, os povos, dão origem a noYos grupos e novos povos. Enfi� segundo a mesma sorte do ciclo bio lógico, o organismo social se de�.!Etegra e morre. SPENCER, entretanto, não se deixou seduzir a tal ponto pela idéia organicista, que não reconhecesse algumas dife renças entre organismos físicos e sociais : o primeiro é si métrico, o segundo, não ; o primeiro é um agregado contínuo, o segundo, descontínuo; no primeiro, enfim, a consciência é um fenômeno localizado, no segundo é um fenômeno difuso e disperso. O organicismo de SPENCER ainda conserva uma certa moderação, desconhecida por LILIENFELD, pensador, que daria ao biologismo sociológico a sua formulação mais radical. O extremismo de ldLIENFELD já vem expresso no título mesmo de sua obra principal : Die menschliche Gesellschaft a'ls realer Organismus (A 8ociedade humana como organis mo real) (1873). A sociedade é não só um organismo, mas é mesmo o organismo mais perfeito. 1''ERNANDO B.'..STOS DE ÁVILA, S. J. Os organismos, segff.ldo LILlENFELD, s� JiviJt:m en1 .cu<> nocelulares e pluricelulares. �stes últimos se distinguem em organismos vegetais, animais e sociais. Como se vê, o têrmo organismo aplicado às células, a plantas, a animais, à socie dade, tem para LILIENFELD uma significação rigorosamente unívoca. É curioso observar como responde às objeções que impugnam esta unívocidade. 1) A sociedade é um agregado descontínuo, enquanto o organismo é um agregado contínuo. Para LILIENFELD, a objeção não é consistente. É uma simples questão de ponto de-vista. Se nos situarmos de um ponto-de-vista micro�có pico, uma célula dista proporcion�lmente da outra tanto quanto um indivíduo de outro num grande agrupamento hu mano. Se, ao contrário, nos situarmos a grande altura, um agregado humano oferece a aparência exata de um agrega do celular continuo. 2) Assimetria. Também não constitui problema para LILIENFELD. Para êle, o fenômeno da simetria aparece, na sociedade, sob a forma da hierarquia, dos níveis de autori dade e das posições dos indivíduos com relação aos mesmos. 3) Objeção relativa à consciência. Responde o sociólo go russo : a consciência individual é apenas um mosaico de imagens, impressões e recordações do passado. Ora também, a consciência coletiva não passa de um mosaico de impres sões, de opiniões dos diversos indivíduos que compõem o grupo. LILIENFELD conclui a sua síntese afirmando que não é possível uma Sociologia cientifica, fora do organicismo : '�Nemo Sociologus, ni8i Biolo{A11>8". Apesar da tese organicista não passar de uma compara ção, e de ter apenas o valor de uma analogia cômoda, para interpretar certos fatossociais, a verdade foi que ela ha veria de inspirar os grandes movimentos totalitários de nossa época� Uma idéia tem sempre uma fôrça. As t.eses da Es- ' .. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 163 cola Organicista, que pareciam meras elocubrações acadê micas, haveriam de impressionar os homens de ação posterio res à Primeira Guerra Mundial, e haveriam de minis trar-lhes a base ideológica para seus grandes· movimentos. Se a sociedade é um organismo, um indivíduo não tem em si a sua razão de ser. Tôda a sua razão de ser é o grupo hu mano, seja êle considerado <'orno a raça, o racismo, seja êle considerado como o Estado, o fase ismo. O sociólogo OTMAR SPANN 7 daria expressão mais vi gorosa a essa tendência organicista, dizendo : O indivíduo fora da sociedade não tem sentido algum, da mesma forma que a rima não tem sentido destacada do verso. C) O mecanismo sociológico Entre os sociólogos que tentaram uma interpretação fí sica da sociedade, podemos distinguir aquêles que se ins piraram mais nas descobertas da mecânica, especialmente na. lei de Newton, da Gravitação Universal, e aquêles que se. inspiraram mais na dinâmica, esp.!!_f'.ialmente na Lei de Con-. servação da Energia. 7 OTMAR SPANN (1878-1 950 ) . Nasceu perto de Viena. Formou-s�r em Economia, Sociologia, Filosofia e Ciência Politiea, na qual se· doutorou em Tübingen (1903). Depois de ocupar as cadeiras de E<.'0-· nomia e Sociologia em várias universidades, foi chamado a Viena para" reger estas mesmas cátedras. Em 1938 foi levado para um camp<1 de concentt·açl!o nazista, onde permaneceu até 1945. SPANN foi um �scritor incansável. Da sua abundante literatura revelamos: Unter;s·u chckun,gen ·übcr den Gcsellschaftsbegriff zur Einleitung in die Sozio. logie ( Especul.ar;ões sôl>re o conceito de soC'icdade como introdução à. SociologiaQ (1904) ; Soziologie (1926) ; Univer1w.lismus (1928.) . Ocupou �e dos mais variados problemas: da Sociologia da guerra ; da 1·cf orma ag1·ária ; das teorias econômicas de seu tempo ; das classes sociais. Não os tratou superficialmente, mas com a fôrça renovadora de quem era portador de uma sólida formação filosó.fica inspirada em PLATÃO, ARISTÓTELES e na tradição escolástica de SANTO TOMÁS DE AQmNO. Empolgou-se pela idóia do Universalismo, que elaborou num plano metafísico, e aplicou aos campos da Economia e da Socio logia. Foi esta sua teoria mal-entendida pelo nacional-socialismo, quo lhe valeu a prisão, e pouco depois a morte. 1 f i - 1 l•'El{N ANOO BASTOS DE ÁVILA, .S. J. l1! 1 1trc os primeiros, focalizemos a obra de HENRY CHAR· LEs CAUBY. 8 IIoje, quando a descoberta de NEWTON de que " o corpo atrai o corpo na razão direta das massas e na in versa do quadrado das distâncias" é uma lei conhecida de todos e estudada em cursos elementares, não nos podemos fazer uma idéia precisa do que representou para a humani dade essa grandiosa síntese. A humanidade experimentou a sensação de uma verdadeira euforia intelectual. E é, pois, perfeitamente compreensível que os sociólogos tenham que rido transportar os conceitos da Física para tentar na So ciologia uma síntese tão grandiosa como a realizada por NEWTON nas Ciências Naturais. Entre os que empreenderam esta tentativa, referimo-nos en1 especial ao sociólogo americano CARE.Y., cuja obra prin cipal é : Principles of Social Science., 3 vols. (1857-1859 ) . 8 HENRY CHARLES CAREY ( 1793-1879) ; publicista e economista americano, foi chefe da Imprensa de Filadélfia, depois, dedicando-se aos estudos dé Economia, tornou-se notável antagonh;ta da corrente inglêsa de economia política. Seu postulado fundamental foi a uni dade das leis da natureza. A sua concepçã-0 de ciência social baseia-se no melhoramento das condições pelo desenvolvimento da associação humana e da individualidade. A teoria do valor de CAREY é substan� cialmcnte uma teoria do custo do trabalho ( labor-cost) . Pela pressão do melhoramento dinâmico no poder do homem sôbre a natureza, i>le explica a razão da troca advinda de uma reciprocidade de serviços eomo expressão de custo de trabalho, Aplicada como lei universal a todo valor (excluindo o trabalho) , inclui a terra, fazendo do aluguel caso exclusivo de interêsse. CAREY negou as doutrinas maltusianas e procurou estabelecer um princípio de remuneração relativa,_ crescen. te, ao trabalho comparado com a do capital. Em seu conjunto, o sis tema de CAREY foi de harmonia econômica, tendo acusado BASTIAT de plágio. Filosõficarnente, representou uma volta a ADAM SMITH, mas advoga11do um sistema de proteção de tarifas. As assoeiações intelec tuais de CAREY são muito diversas, sendo seu pensamento mais uma tendência intelectual do que demonstração de inadequação da econo mia de RICARDO às circunstâncias americanas, onde via abundantes fontes e perspectivas esperançosas. A filosofia econômica de CAREY é essencialmente agrária, embora manifeste no seu sistema um pro tecionismo à indústria nascente. A obra de CAREY perfaz 13 volumes e grande número de panfletos e artigos. Foi o primeiro economista americano que se impôs no estrangeiro, tornando-se centro de con trovérsia, chegando mesmo a ter maior influência fora dos Esta.dos Unidos. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 165 CAREY é talvez o representante mais típico do Mecanismo Social. Levou-o aos seus extremos com a perfeita deRenvol tura de quem ainda se sente seduzido pelos grandes progres sos realizados nas ciências físicas. Assim é que êle afirma, . e -esta é a idéia central de sua .síntese : "as leis que gover nam a matéria, em tôdas as suas formas, sejam as leis do carvão, do ferro, das árvores, dos cavalos, dos homens, são rigorosamente as· mesmas". A síntese de CAREY se caracte riza pelo seu materialismo, que era o mal da época, reduzin do as leis que regem o comportamento humano às leis físi cas, ao determinismo mecânico, e, a seguir, pelo seu monis mo mecanicista. O homem é a molécula da sociedade. O f e nômeno social fundamental é o fenômeno da associação, e êste se reduz, em última análise, a uma simples variedade da grande lei da Gravitação Universal. Os fenômenos da centralização ou descentralização política não são mais que uma resultante de fôrças centrípetas e centrífugas opo8tas, fôrças submetidas às mesmas lew· que regem o mundo n1e- . cânico. O fenômeno das migraç.ões humanas é perfeitamen te explicável pela lei da gravitação. Eritre os sociólogos que mais se deixaram seduzir pelo progresso da dinâmica, e criaram o que podemos chamar o Dinamicismo .Social, devemos referir-nos em especiaI a WILHELM ÜSTW ALD. Sua síntese é admiràvelmente bem es truturada, de tal maneira que é possível resumi-la a série de itens seguintes : 1 ) Todo fenômeno social se reduz, em última análise, a um fenô'Tieno de transformação de energia. 2 ) Tôdas as criações culturais são apenas fenômenos de transformação de energia bruta ( rohe Energie) em ener gia útil (Nutz-Energie ) ; quanto maior é o coeficiente de transformação de energia bruta em útil, tanto maior é o ní vel de progresso de um grupo humano. FERNANDO B1'.STOS DF. ÁVILA, S J. ..Pela expressão, cri:-ições cn lturai8, 0STW ALD ent·��de tôdas as manifestações de cultura : máquinas, técnicas de construção, instituições Jurídicas, religiosas, políticas. Um exemplo permite elucidar sua idéia : uma locomotiva a vapor, primitiva, como as do interior do nosso Brasil, consegue transformar apenas 10% de energia calorífica do carvão em energia mecânica. As grandes locomotivas modernas, a va por, têm um coeficiente de utilização superior a 50o/o. Se gundo o critério de OSTWALD, um grupo humano, portanto. que dispõe de locomotivas do segundo tipo, possui um índice revelador de um nível de progresso superior ao do grupo humano que utiliza locomotivas do primeiro tipo. O homem é um aparelho apto -a operar tôdas as trans formações de energia. O homem é um transformador. Assi mila a energia latentenos alimentos e a transforma em ações, em pensamentos, em obras e empreendimentos. 3) A sociedade, por sua vez, é uma combinação racio nal dêstes aparelhos de transformação de energia, que são os indivíduos·. Por outras palavras, a sociedade é uma espé cie de bateria destinada à mais perfeita transformação de energia bruta em útil. Quanto mais elevado é o coeficiente de utilização de energia, tanto mais alto é o nível cultural de um povo. Antes, num passado remoto, obtinha-se pela violência, isto é, com enorme esfôrço e desgaste, o que hoje se pode obter através da organização econômica, j urídica ou política, com muito menos perda de energia. 4) Tudo na sociedade recebe sua justificação final dês te critério supremo : utilização da energia. Entre duas for mas de gov�rno, é preferível aquela que propicia um mais alto coeficiente de utilização de energia. O mesmo se diga de um regime de propriedade, de uma determinada organi zação e-conômica ou financeira. Aplicando ainda ao mundo social as descobertas e as leis da f Ísica. ÜSTW ALD conclui que o mundo social, como o mun- .l l l l ' INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 167 do físico, caminha para uma situação final de entropia, na qual tôda energia será degradada à forma mais elementar. Será uma situação final de absoluto nivelamento social. OsTW ALD vê no Socialismo, que tende a formar homens em série, homens perfeitamente iguais, o prenúncio desta si tuação final de entropia social. Assi� a obra de OsTW ALD t.ermina num tom profundamente pessimista. E fácil ver o dinamismo social de ÜSTW ALD, como o me canicismo de CAREY, são apenas. analogias que permitem ex primir de modo figurado alguns fenômenos sociais. Não constftuem de maneira alguma uma síntese sociológica. Na realidade, o fenômeno social é muito mais complexo do _que pensava ÜSTWALD. Não se reduz a um simples fenômeno de transformação de energia. O homem não é um simples trans formador, e a sociedade não é uma bateria. Mesmo o critério sociológico para a opção entre diversas formas culturais, baseado nos seus índices respectivos de transformação de energia, é de aplicação pràticarnente- impossível. Como cal cular, se é a monarquia ou a república, a economia planifi eada ou a livre concorrência que dispõem de mais alto índi ee de transformação? II) O nominalismo. Para o nominalismo, o fato social não tem uma especifi eidade própria, mas se reduz a simples fenômeno psicoló gico, interindividual. O social é, em última análise, um nome eômodo para exprimir certas configurações típicas de re lações que não correspondem, porém, a nenhuma realidade específica. A) O psicologismo. O psicologismo foi talvez a expressão mais caracteris· }tica do nominalismo sociológico, e a expressão clássica do - - - lc'EltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. J>Kicologismo foi formulada por GABRIEL TARDE. A obra de ( ; ABRIEL TARDE que mais nos interessa chama-se : Les Lois tlc l' l mitati<>n ( 1890) . GABRIEL TARDE foi, certamente, um espírito dotado do grande dom da admiração. Sabia admi .. rar-se ante fenômenos banais que nos passam despercebidos, partindo dos quais, foi capaz de construir sua síntese. Não podemos aceitá-la como síntese, mas nos oferece, certamen te, elementos fecundos de reflexão e material analítico ain da hoje válido em sociologia. O ponto de partida das refle xões de GABRIEL TARDE foi um fenômeno banal : o fenôme-. no da repetição. Tudo para êle, no un_iverso, é repetição. Esta constitui a grande lei do Cosmos. No mundo físico, a repetição aparece sob a forma ondulatória. A ondulação, à qual, para TARDE, se reduzem todos os fenômenos físicos, é essencialmente um fenômeno de repetição. No mundo bio lógico, a repetição aparece sob a forma de hereditariedade. Esta repete, através das gerações, as caracteristicas dos pro genitores. No mun�o p�i�?,lógi�C?�-e��!�_a - -��P��!Ç,�O _ ap_� ���e_ s�� -�--��r�� _d�_i_��ação.! O indivíduo começa por imitar-se a si próprio. É assim que TARDE concebe os hábitos e a memória. O hábito é a re petição de um comportamento anterior ; a memória é a re petição de uma impressão ou de um estado interior passa do, casos todos nos quais o individuo se imita a si próprio. Pouco a pouco o individuo vai aprendendo a imitar os outros e então penetramos propriamente no terreno social. Aqui TARDE introduz uma reflexão que, à primeira vis ta, pode parecer absurda� mas que, na realidade, contém alguma coisa de verdade e constitui uma hipótese fecunda para a investigação da realidade social. Os homens, segundo êle, vivem normalmente numa espécie de estado semiletár gico, uma espécie de sonambulismo, no qual, inconsciente mente, captam os modelos de comportamentos, atitudes, ges tos, modas, emitidos pelo meio social, e os imitam sem sub metê-los a uma deliberação racional. - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 169 É bem verdade, e nisto TARDE tem razão, que nós, em muitos de nossos comportamentos estamos simplesmente imi tando tipos sociais, modelos impostos pelo ambiente. O que não é tão exato, é que· façamos isto num estado habitual mente semiletárgico, tomando a expressão com um certo ri gor psicológico. Bastaria substituir o têrmo de sonambulis mo pelo de inconsciência para que sua tese se tornasse acei tável. Com efeito.,L_se examinamos com um pouco mais de· --- --... · - - - -· · · - · - .. . · -- . .. ... .. . . ·- ·- ._ ... - .. atenção nossa vida, verificamos, talvez com espanto, a m��=- .8:��-_eii�<?.�iii�·- _ ����ç�s _ _ ·�-�- -s�� . º · ·-·_ siJ.liple·s - _i;eÊful�adp_.�(le -- �Eia. imitaç_ão mais ou menos inconsciente daquilo que nos cerca • ... ... - ·-·- - . . . " . --- - - - . . . · ·- . . . . ... .. . ... . - . '" Para TARDE, o fenômeno social se reduz, em última aná- lise, a essa transmissão de modelos de comportamentos e· atitudes, a es(a recepção dos mesmos, por parte de outros indivíduos, que os retransmitem, por sua vez, no seio social.. A realidade social, portanto, se reduz a um simples fenô meno interpsicológico de imitação. TARDE, entretanto, encoi;itrou em sua carreira um ad versário intelectual, digno d�)e, na pessoa de ÉMILE DuR- KHEIM, com o qual terçou armas. numa polêmica que se tornou célebre. DURKHElM, com razão, chamava-lhe a aten ção para o fato que, se tôda a vida social se reduzisse fun damentalmente a um fenômeno de imitação, muito cedo tor nar-se-ia de u'a monotonia insuportável. Ao choque desta. polêmica, TARDE foi obrigado a introduzir na sua síntese, além da categoria de imitação, taml>ém uma nova categoria,. a da invenção. Esta vinha permitir-lhe explicar os progres sos e as transformações sociais. Porém, a própria invençãor segundo êle, não passa de uma nova combinação de elemen tos imitados. Assim, pretendia ainda, por um esfôrço de síntese, reduzir tudo, fundamentalmente, à imitação. Partindo destas idéias gerais, formulam as célebres leis da imitação, que ainda hoje são clássicas �m .Sociologia. Não voltamos sôbre o assunto, que já foi exposto anteriormente a propósito da conduta de imitação. 1 'iO J.'gRNANDO BASTOS :JE 1VI! ... A., S. J. B) Formas modernas do nominalismo. 9 O nominalismo pode ser encontrado em três correntes ttiuais, sob aspectos e intensidade diversos : 1) Nominalismo puro : a única realidade é a pessoa humana. O grupo é uma coleção de pessoas, podendo no má ximo ser estendido o conceito de grupo aos fenômenos· inte rindividuais. O nominalismo é a atitude característica da psicologia de tipo mecanicista, segundo a qual o indivíduo reage de um modo ou de outro, conforme estej a sozinho, ou em grupo. 2) Interacionismo : aqui, prescinde-se da existência ou .subsistência de grupos. Fixa-se a atenção sôbre a relação evidente do indivíduo para o grupo e do grupo para o indi víduo. Numa tentativa de escapar à dicotomia : "a realidade última deve ser conferida ao indivíduo" ou deve "ser con feridaao grupo", a Escola Interacionista exagerou o aspec to de relação, chegando a afirmar que o grupo existe para o indivíduo, e o indivíduo, para o grupo. O interacionismo, entretanto, é um disfarce ainda do nominalismo puro, pois na literatura interacionista, perce be-se a predominância do indivíduo, enquanto base biológica e psicológica dos1 fenômenos de interdependência. 3) Neo-nominalismo : o interêsse crescente pela Psi cologia continuou, entretanto, a influenciar e dirigir os es- • tudiosos. Os neo-nominalistas, não negando realidade ao grupo, declaram entretanto que a realidade do grupo é me nor que a da pessoa. O neo-nominalismo é reducionista, isto é, reduz os fenômenos sociais à pessoa, porque, afirma atra vés de ALLPüRT que é insustentável a concepção de uma ciên cia sociológica com base não psicológica, apenas social. É ' !> Consultar, a respeito, CHARLES K. WARRINER, "Groups are rP-<1.l; a reaffirmation'', in A;merican Sociological Review, vol. 21, n.º 5, outuhro de 1956, págs. 549_:554, . .. . ' . . ' ' t INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 7 J preciso encontrar-se um plano mais elementar, parn hmH� desta ciênc:la. A Sociologia só poderá subsistir quando co locar �ua base no estudo do comportamento 8ocial do indi víduo socializa.do. Em outras palavras, a Sociologia reduz-Ac à Psicologia Social. En1 que argumentos se baseiam essas tendências para combater o realismo do grupo ? Entenda-se aqui por realismo a concepção modernamen te adotada, segundo a qual o grupo é tão real quanto a pes soa e o grupo é explicável apenas em têrmos de grupo, e não • por redução à pessoa. a) Argumentos contra o realismo. Pode-se ver as pessoas, mas não se vê o grupo, a não ser que se observem as pessoas ; os· grupos são compostos por pessoas ; OS fenômenos Bociais têm a suarealidade SÓ nas pes soas ; essa é a única localização possível, location, de tais fenômenos ; a finalidade do estudo dos grupos é facilitar as expli cações e previsões do comportamento individual. Nesses argumentos 'contra o realismo, é preciso distin-• 1 guir e precisar algumas noções : 1.0 argumento : vemos pessoas e não ve1nos grupos . • Rigorosamente falando, não vemos pessoas. Vemos indivíduos que conhecemos serem pessoas. Percebemos, diretamente pelos sentidos, os indivíduos, isto é, aquela unidade biológi ca que ocupa um lugar no espaço. A pessoa é a substância permanente, idêntica a si mesma através do tempo, e que se manifesta por via de raciocínio. E, note-se, são as pessoas, não os1 indivíduos, que compõem o grupo social. A pessoa está para o fenômeno social, como o indivíduo está para o fenômeno gregário. '· 172 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 2.0 e 3.0 argumentos : os grupos são compostos por pes soas. É preciso distinguir bem a noção de componentes. Numa primeira acepção, refere-se aos elementos materiais de uma entidade, em última análise, à causa material da mesma .. Numa segunda acepção, refere-se àquilo que faz com que um ser seja tal - causa formal, - isto é, à estrutura par ticular formal de uma realidade, que lhe dá sua estrutura particular. Ora, o fato do grupo ser composto de pessoas, isto é, ser a soma de componentes que em última análise são pes soas, não explica o fato social do grupo como realidade. O êrro aqui consiste em supor º que um fenômeno social para ser verdadeiro deve ser interiorizado pela pes'Soa. Dis tingamos, porém : um determinado sujeito, em determina.do grupo, pode assumir ou representar um papel, sem entre tanto, ser igual a êsse papel ; por motivos diversos, pode constatar a conveniência de adotar uma atitude, sem se dei xar .revestir por ela e sem interiorizá-la. É o caso de um hós peàe, ·que para seus anfitriões representa um papel, deixan do de lado suas idéias pessoais . . . Existem, portanto, fenômenos sociais que não se locali zam realmente na pessoa. O 4.0 argumento envolve, na realidade, um julgamento de valor. Saber se vale a pena ou não estudar os grupos. Ora, parece-nos que, existindo o grupo como uma realidade,, deve ser estudado par� sua maior compreensão, sem ser re duzido à psicologia individual. • • • Nominalismo ou realismo? É enfim a questão que for mulamos, antes de passarmos ao estudo dos grupos. Não podemoe subscrever a tese do nominalismo. A rea lidade social tem 'de fato especificidade própria, que não se INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 173 reduz à soma dos comportamentos de seus membros. A fa mília, por exemplo, não é a soma de seus integrantes e das relações que os unem. Tem uma densidade própria, forma e plasma os seus membros. E se age, existe. Não podemos, porém, tampouco admitir a tese do rea lismo, no sentido de dar ao social uma subsistência indepen dente, a ponto de concebê-lo como um organismo ou um me canismo, no sentido unívoco do têrmo. O social possui uma realidade -própria, é um todo que • não é igual à simples soma dos componentes, mas um todo sui generis, no qual os componentes, mesmo submetidos aos relativos determinismos sociais, são dotados de consciência � de liberdade. Temos a convicçã.o que só na linha do soli ·darismo, tal como foi elaborado por HEINRICH PESCH, 'º é 10 HEINRICH PESCH (1854-1926) , economista alemão, estudou Di reito e-Ciências Sociais em Bonn, e em 1876 entrou para a Companhia de Jesus. Teve seu primch·o contato com problemas sociais e indus triais quando estudante em Lancashirc, durante o Kulturkampf. Es creveu Liberalismus, Sozialismus und christische Gesselschaftsordnung, estudo histórico e sistemático das relações do pensamento católico oom as duas correntes dominantes do século XIX, e publicou depois Lehrbuch der Nationawkonomie. Para PESCH, a função de economis ta não era apenas estudar a ativida<lP econômica, mas avaliá-la Cill têrmos. de bem-estar. PEscn rejeitou o princípio do liberalismo como base ina<jequada da organização social e encara o marxismo como mera projeção da doutrina liberal. O Solidari8mo Ori.stão de PESCH representa uma concepção moral e orgânica da sociedade, baseada 110 princípio de que C> homem governa o mundo sob o comando de Deus, e que a solidariedade preserva tôda a organização social. V olkswirta chaf t é a economia do povo como unidade social de interêsses comuna e tem sua expressão no Estado ; rejeitou o internacionalismo, repudiou o nacionalismo estrito, exaltando as virtudes e amor por tôdas aa nações. A · base fundamental do sistema de PESCH é ser o traba,ho a fonte de rique�a e superior aos fatôres não humanos de produçio, sendo os interêsses da economia privada subordinados ao bem-estar coletivo do povo. O bem-estar surge da ordem em que participam fatôres individuais, sociais e políticos, harmonizando o trabalho com a direção, liberdade individual com o bem-estar geral. PESCH viu a garantia dessa ordem de um lado, na razão e consciência individual, e de outro, na economia organizada e integrada em grupos vocacionaia no Estado. Ic'El<.NA NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. q 1 u� 8erá possível superar definitivamente a querela do no minalismo e do realismo sociológicos. • § 2) TIPOLOGIA DOS GRUPOS Tencionamos, neste parágrafo, propor un1 estudo for mal, abstrato, dos grupos, prescindindo de sua realização concreta em tal ou qual grupo. Orienta-nos aqui a mesma distinção entre forma e conteúdo do fato social, a que nos referimos a propósito dos comportamentos. Se atentássemos a tôdas as variantes que reveste cada grupo na sua realida de concreta, não seria possível · um estudo sistemático dos mesmos. Já dizia a velha escolástica : "de individuis non est scientia". Para a elaboração de uma tipologia dos grupos, é mister situar-nos num nível mais ou menos elevado de abstração, para prescindir das conotações individuais· de. cada um e poder traçar esquemas formais aplicáveis a mui tos dêles. O interêsse da elaboração de uma tal tipologia reside no fato que ela constituiria uma sistemática ou taxionomia dosgrupos. Cada grupo seria classificado em um tipo deter minado, e cada tipo, de certo modo, é urna lei. As Ciências Naturais realizaram, em matéria de sistemática, um admi rável trabalho de ordenação. Manipulando um pequeno nú mero de critérios diferenciais, a Zoologia, por exemplo, con seguiu classificar todos os animais em tipos definidos : basta conhecer a que tipo pertence tal animal, para poder indi car as leis de sua morfologia ou de seu comportamento. A realização da mesma tarefa em Sociologia seduziu a muitos pensadores : utilizar poucos critérios, compreender, tôda a complexidade e variedade dos grupos. Podemos se guir o esfôrço para a elaboração de uma tipologia, tomando • Sôbre o prot>lema do solidarismo, tomamos a liberdade de re meter o leitor para o nosso trabalha: Neo-capitalismo, Socialismo e S"lidarismw. Rio de Janeiro, Editôra AGIR, 2.ª edição, 1968. • INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 75 eomo fio condutor a multiplicidade crescente de criti! rios adotados. I) Tipologia à base de um só critério. FERDINAND TÕNNIES 1 1 propôs, em sua obra : Gemeines chaft und GeseUschaft (Comunidade e sociedade) , uma ti pologia baseada em um único critério diferencial : o desejo. O social é essencialmente um fenômeno de aproximação, de convivência, de relações, que os indivíduos realizam entre si, movidos por uma atração, por um desejo mútuo. �ste de sejo é, pois, o que há de mais radical na realidade social e é nêle que deveremos buscar o critério primeiro para a di ferenciação desta realidade. Ora, existem duas categorias fundamentais de desejo : A) o desejo, inerente ao próprio ser (Wsenswille) ; - ---B) o desejo que segue uma deliberação refletida (K·urwille) . �sses dois tipos fundamentais de desejo discri minam os dois tipos fundamentais de grupo : a comunidade e a sociedade. Sob o impulso do primeiro, realiza-se a comu- u FERDINAND TôNNID:J (1855-1935), filósofo alemão, seguiu o curso · de Filologia, História e Filosofia em várias universidades, es tudando ainda Sociologia e Economia Política. Devem-se a TôNNIES importantes estudos sôbre THOMAS HOBBE.S ; em 1888 publicou Elemen tos da Lei Natural e Polítiea., cujo apêndice trazia o manuscrito iné dito atnlmído a HOBBES. A orientação filosófica de TõNNIES é o po sitivismo, ao qual chega tanto pelo estudo das Ciências Sociais, como pelo caminho da investigação histórica. Sua posição em Sociologia baseia-se na ideologia do século XVIII e na chamada Escola His tórica do século XIX, seguindo a doutrina especulativa de SC1IOPPE NIJAUER. Admite uma subestrutura metafísica, segundo a qual a comunidade orgânica é o resultado de uma vontade de caráter uni versal e genérico, enquanto que a sociedade, uma vez convertida em mecanismo, é produto da vontade dirigida pelo entendimento. O pro cesso histórico-sociológico se apresenta segundo TõNNIES pela suces siva substituição da comunidade pela sociedade, o progresso se carac ter1za por u'a marcha da comunidade à sociedade. A obra que lhe granjeou maior notoriedade foi : Gtm&6imeheft und Guellsehaf t. 1 7() FERNANDO BASTOS l>B ÁVILA, S. J. nidade, enquanto que a sociedade é o resultado de um desej o deliberado. A comunidade seria, pois·, uma forma de associação que se aglutina, graças a um impulso espontâneo, riatural dos membros, e que, além disto, cria um clima de intimidade e de convergência de interêsses. Exemplos típicos de comu nidade seriam a comunidade de sangue, constituída pelo con junto de relações conjugais, parenta is, filiais e fraternais ; a comunidade de vizinhança, tal como se realiza nas peque nas comunidades rurais. . A socieda.de seria uma forma de asso.ciação que se cons- titui a partir de uma deliberação explícita dos membros. Nela não se realiza o grau de intimidade que caracteriza a ·comunidade, e os interêsses dos membros são, de certo modo, divergentes, isto é, criando a sociedade, os membros visam .a defesa dos interêsses de cada um. É neste sentido que se pode dizer que a comunidade, de certo modo, preexiste aos membros, enquanto que a sociedade é constituída por êles. Com efeito, integrando-se a uma comunidade, o indivíduo entra a participar de um esquema de relações naturais ; não inventa, por exemplo, as relações que se processam no seio de uma família. Essas obedecem a um esquema formal q u � transcende os casos concretos. Pelo contrário, criando uma sociedade, podem os indivíduos estipular livremente as con dições e as relações que os unirão. A comunidade é uma associação que se realiza na linha do ser, isto é, por uma participação total dos membros no or ·ganismo comunitário ; a sociedade é uma associação que se ·faz na linha do haver1 isto é, os membros põem em comum, não o próprio ser, a própria vida, mas algo de seu, algo do .que possuem, por exemplo, seu dinheiro, sua fôrça, sua ca -paci dade técnica. "-..... Como se vê, comunidade e sociedade são, para TõNNIES, ,categorias formais, esquemas típicos que prescindem do con teúdo existencial e que podem, portanto, realizar-se sob as • INTRODUÇÃO À SOCIOL-OGIA 177 mais variadas modalidades, como, por exemplo, associações religiosas, culturais, profissionais ou esportivas. São categorias fundamentais irredutíveis como irredu-, tíveis são os dois tipos de desej o que lhes dão origem. Todo grupo humano é fundamentalmente de caráter comunitário ou societário. São categorias irreversíveis, neste sentido que, segun do TÕNNIES, todo grupo humano tende a evoluir de um tipo comunitário para um tipo societário. A família, por exemplo, que se constituía sob o impulso de um instinto natural, hoje se funda sôbre uma base contratual. Não há dúvida que as categorias de comunidade e so eiedade constituem instrumentos de análise que permitiram u'a melhor compreensão, uma primeira distinção da comple xidade da realidade social. Utilizando-as como instrumentos ·conceituais, distinguimos melhor, por exemplo, os grupos rurame urbanos. Nos primeiros, todos se conhecem, prestam-se mutua mente serviços gratuitos, participam mais intimamente da vida uns dos outros, há entre todos uma solidariedade qua se ao nível puramente gregário. Nos grupos urbanos, as r lações são formais, vive-se cercado de desconhecidos. há mui to mais competição e concorrência do que colaboração e so lidariedade. Os primeiros são as comunidades rurais, os se gundos constituem as sociedades dos grandes centros. Entretanto, por outro lado, a tipologia de TõNNIES é extremamente simplista. Por pouco que se participa da rea lidade viva dos grupos, percebe-se a variedade enorme de outros modos de se associarem os indivíduos além das co ·munidades e sociedades, variedades que são impossíveis de dominar a partir de um só critério. Aliás, o mesmo TõNNIES, em obra ulterior : Einführung in die Soziologie (Introdução à Sociologia) ( 1931), procurou enriquecer sua tipologia ela ·borando novas categorias : Sistemas relacionais ( V erhiilt misse) , Conjuntos sociais (Santschaft) , e Corporações (Korperschaft) . Conjugando-as com as categorias de comu- f''J.:ltNANOO BASTQS DE ÁVILA, S. J. 1 1 i c ladt> t• Hocicdade, já se chega a uma tipologia bem mais "ºmpl(�xa, que, entreta�1to, pcl& própria lm_v1·ecisão dos con c·e•ilo:-1 correspondentes, dificilmente pode ser utilizada como i n�trumento de análise. Enfim, a tese da evolução dos grupos de um tipo comu nitário para um tipo societário parece-nos acadêmica. Não explica a realidade, na qual observamos muitas vêzes um desenvolvimento paralelo dos aspectos comunitários e socie tários de um mesmo grupo. Na família, por exemplo, a pre cisão crescente do direito familiar acentuou, por um lado, o seu aspecto societário, contratual. Por outro lado, porém, a própria evolução cultural, transf erirido para o Estado uma série de funções elementares que absorviam grande parte da vida dos cônjuges, permitiu que a família enriquecesse muito seus aspectos comunitários,ensejando maior intimi dade e maior participação dos membros no próprio ser fa miliar. II) Tipologia pluralista. A) LEOP<>LD VON WIESE. 12 Sob a designação geral de Sozia'len Gebilde, formas so ciais, VON WIESE elaborou uma tipologia que iria exercei .. uma evidente influência nas tipologias ulteriores, inclusive de GURVITCH. Para uma primeira divisão das formas sociais, utiliza o critério da influência do comportamento individual s�rire 12 LEOPOLD VON WIESE, sociólogo e economista alemão, nasceu em 1876 e desde o ano de 1919 regeu a cátedra de Sociologia na Universidade de Colônia. Foi um dos sociólogos que mais desenvolveu a linha da Sociologia formal relacionista de G. SIMMEL. O objeto da Sociologia é, para êle, o estudo das relaçi>es inter-humanas que se realizam segundo processos especiais suscetíveis de serem expressos em esquemas formais precisos. �stes, pouco a pouco, se cristalizaram em estruturas sociais. S�s principais obras foram: AUgemeine So- riolog� ( 1924-1929) , e Daa Sozial.6 im Lebm unà De'Ytken, 1956. INTRODUÇÃO À SOCIOLO<HA 179 o comportamento coletivo. Distingue, assim, três tipos fun tlamm1tais de formas sociais : 1) As 1nassas : formas socuus que refletem imedi2. tarnente o comportamento dos indivíduos que a constituem. ( > modo de portar-se das massas é a resultante das ações dos indivíduos que a compõem. É uma reação em cadeia, per exemplo : a manifestação de ódio de um indivíduo presente a um comício deflagra uma explosão progressiva e todo povo ncaba vibrando de ódio e pronto a qualquer ação destrutiva. Ne:-1te sentido, as massas são a forma social cujo modo de • ag-ir é mais próximo, mais acessível à influência do compor f amento do indivíduo. 2) Os coletivos abstratos : constituem o outro· extre mo� São as formas sociais menos influenciáveis, mais dis tantes, mais inacessíveis à ação dos indivíduos. Para que <1�ta, com efeito. venha a modificar o coletivo abstrato, deve t•n f rentar um pesado mecanismo burocrático, e abalar uma imponente estrutura jurídica, munida de leis e de sanções. <h; coletivos abstratos, por excelência, são o Estado e a lgre� jn. Podemos, por exemplo, julgar que o sistema de previ dência social no Brasil deva ser reformado no sentido de permitir maior participação dos interessados na gestão dos fundos, no sentido de uma despolitização dos institutos. l\1as JW:\sa ação reformista só com certo atraso chega a tradu- 1-i r-se nu:ma reforma concreta. o coletivo abstrato não s6 {· pouco acessível à ação dos membros, como ainda exerc·.e �t,bre êles um prestígio reverencial. Entre êstes dois extremos· da tipologia de VON '\VIESE, ('twontramos a forma social que chamou propriamente de arupos, cujo comportamento nem é tão próximo da ação de ind ividual, como o da massa, nem tão distante, como o do co lc•t.i vo abstrato. Para o enriquecimento desta tipologia fundamental em novas categorias, VON WIESE introduziu novos critérios, prin t' i paimente o da du1·ação e da organização. Assim, utilizando ---.- - ·-... � � ·- · •4• ... ,-----·•w ... ..---·-- · .,- . �..=. ... :.-. ---... _ _ _ .._ .....,...._. __ _ 1 80 J:o'Jo�ltNANDO BASTOS DE • .\VILA, S. J. o primeiro dêstes, distingue as massas em concreta.s, aglo merados efêmeros, nos quais se deflagra uma cadeia de ações coletivas ; e abstratas, que são formas sociais mais duráveis, constituídas pela apreensão, a consciência de uma caracte .. rística, de um interêsse comum, por exemplo : os ouvintes habituais de tal cantor de rádio, os torcedores do Flamengo. · Da mesma forma, o critério da organização, manifestando-se especialmente pela divisão de funções, permitirá a subdivi são dos grupos, desde aquêles nos quais a organização é ape nas esboçada, até aquêles onde se exprime numa estrutura rígida. B) MAX WEBER. 13 MAX WEBER inaugura um método inteiramente nôvo para a análise dos fenômenos sociais, a que êle chamará de Verstehende Soziologie, Sociologia com]Yreensiva. 1.3 MAX WEBER (1864-1920 ) , economista e sociólogo alemão, es tudou Direito. Publicou um trabalho sôbrc a história aefaria ro mana. Estabeleceu-se em Berlim como jurista em 1891. WEBER foi um dos fundadores da Deutsche für Soziol.ogi.e e editor do Arquivo de Sozialwissenschaf t und Sozialpolitik no qual publicou todos os seus artigos sociológicos. Definiu a Sociologia como o estudo das ativi dades sociais de sêres humanos : se as formas estruturais como o Estado, a Igreja, juntas comerciais, podem ser reduzidas a seus elementos, elas são o centro da atividade social. A Sociologia é uma eiência de compreensão e como tal deve-lhe ser aplicado um método peculiar diferente das demais ciências. Paralelamente a seus estudos políticos e sociais da sociedade contemporânea, encontram-se traba lhos sôbre condições agrárias da antigüidade, história de associações do comércio medieval, psicologia do trabalho industrial e tratados de crítica metodológica. Sua obra-prima foi Wirtscho,f t und Gesels chaf t, obra póstuma, abordando a Sociologia da Economia e uma série de trabalhos relativos à Sociologia Histórica da cidade, classe, estado, nação e partido. Entre seus estudos de tipologia referente às formas de soberania política, realça a análise magistral d a buro cracia, feudalismo e autoridade carismática. Em seu famoso ensaio Die Pro testantische Ethik und der Geist des Kapita.lismu.<f, êle chegou à conclusão de que o calvinismo leva um ideal que identifica a sal vação espiritual com o êxito nos negócios criando o espírito capita lista. O amor patriótico é para WEBER a honra e poder nacional, po der não como fim, mas meio de promover interêsses de grupos eco nômicos, a fim de salvaguardar a cultura alemã e européia. Embora INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 1 81 A s tipologias examinadas até agora foram elaboradas por um 1nétodo indutivo. Partindo da observação dos fntos pa rticulares, seus autores chegaram a definir tipos univer sa ii-<, atribuíveis a todos os fenômenos da mesma cateº'oria. o < ' processo indutivo, portanto, permitiu a elaboração de es- si• ricias formais. A massa, o grupo, por exemplo, abstra��m do:-: .fenômenos singulares, de tal massa ou tal grupo. Suas ('araeterísticas são comuns a todos os fenômenos de inassa ou de grupos. O processo supõe uma distância, uma alte r idatle entre o observador e a realidade social que observa e da qual abstrai as essências formais. MAX WEBER foi mais atento às limitações do rílétodo i nclutivo. Percebeu o que tal alteridade pode ter de i lusório 1 1 0 que diz respeito à realidade social neste ponto radical mente distinta da realidade física. Se é impossível u:na to- 1 ai i��nção do observador com relação à realidade social, da cpml é parte integrante, não é possível conhecê-la por in d1H:.�ão ; só é po8sível atingi-la por um processo-compreensi- 110, a partir de urna referência a uma v ivência pessoal, me diante o que poderíamos chamar de um argumento de ana ioJ.da. Não podem os ter uma idéia exata do que se passa. no íntimo de nosso vizinho quando o vemos rir, porque não nos 1 u1demos substituir a êle para experimentar o que experi rrwnta. Podemos, porém, verificar que manifesta os mesmos :-ii nai8 exteriores que nós manifestamos quando ouvimos uma :u1rdota engraiada. Argüindo, assim, por analogia, podemos ••compreenda·" o que se passa no seu íntimo, referindo-nos no que Expe.rirhentamos quando externamos os me�mos si- 1miH de alegria . Da mesn1<t forma não é possível conhecer diretam€nte o f<'11ê)meno social porque não nos podemos substituir ao gru- c•ont(iderado como representante intelectual da burguesia, tinha pouca "impatia por esta classe. A influência de WEBF.R como educador é de 1fifkil alcance, talvez mais intangível do que sua importfu_icia nas C'iêtndas morais e sociais na Alemanha, que tem ainda a utilizar ao mftximo problemas que êle suscitou e conhecimentos que armazenou. 1 82 FERNANDO BAE ros J)E .\VIL.\, s.J. JlO; mas podemos "compreendê-lo", referindo-nos a vivên cias pessoais, cujas manifestações exteriores· sejam análogas ao comportamento do grupo. Cabia assim a MAX WEBER des crever estas vivências pessoais, a partir das quais seria pos sível definir um fenômeno social, como aquêle em que pre domina ora uma, ora outra. Elaborou, pois, quatro tipos ideais de vivências, ou de ações (Erlebnis). 1) Ação racional : na qual o agente se propõe delibe radamente um fim e combinà'Tacionalmente os meios' para sua consecução. 2) Ação axio-raciona,l : W ertiational, na qual o fim não é escolhido racionalmente, isto é, após uma deliberação consciente, mas é simplesmente aceito como um valor. En tretanto, uma vez intuído o objeto como um valor, o agente combina racionalmente os meios em vista de conquistá-lo. Constituir família, por exemplo, é para a maior parte dos homens uma ação dêste tipo. Aceita-se êsse fim como um valor ; não é pôsto em problema ; mas, a seguir, cogita-se nas medidas indicadas para a realização do intento. 3) Ação afetiva : na qual o fim e os meios são sugeri dos por estados afetivos, por situações' emocionais, como, por exemplo, um crime passional, no qual o indivíduo age total mente sob o impulso da paixão. 4) Ação tradwional : na qual os fins e meios obedecem a costumes e imposições tradicionais enraizadas. na vida do grupo, por exemplo, assistir a um casamento. Trata-se, em todos os quatro casos, de tipos ideais de ação, neste sentido que raramente se encontram na realida de em tôda a sua pureza típica : a ação racional é contami nada de emotividade, como a ação afetiva, na vida real, é penetrada de racionalidade. O que é mais interessante e original em MAX WEBER, não é tanto a aplicação do método na elaboração de uma ti pologia, quanto o próprio método que vinha de fato abrir uma nova dimensão na metodologia sociológica. Os grupos INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 183 nos quais predominam as vivências de tipo afetivo e tradi cional são grupos de caráter comunitário ; aquêles nos quais predominam as vivências racionais ou axio-racionais são , societários. Como tipologia não traz novidade, mas oferece um nôvo modo de conhecimento da realidade social, não mais por unia simples indução de essências formais, mas por uma compreensão de vivências concretas : comunidade é aquêle tipo de grupo no qual se processam as vivências que expe rimentamos quando nos sentimos sob um impulso afetivo . • Acontece que as vivências, na realidade concreta, são de infinita variedade. O sociólogo que procura sintonizar com elas, para compreender o fenômeno social, cedo dar-se-á conta da sua infinita complexidade, e será arrastado pela preocupação de multiplicar as categorias e os critérios para não simplificar, não trair esta complexi<lade. Será arrastado pelo pluralismo. Foi neste sentido que se orientou GURVITCH. Entretanto, a escola que hoje em dia prolonga a tradição sociológica de M . WEBER é a escola que assume, como ca tegoria básica de seu sistema, a ação social (social action ) . Seu Chefe de fila é TALCOTT PARSONS. ' e) Plitralismo tipowgico de GURVITCH. Um grupo é um fenômeno social total. Tem múltiplas dimensões. Somente dispondo de um sistema de coordenadas, de um sistema de critérios, extremamente complexo, é pos sível defini-lo na sua grande variedade. GURVITCH elaborou assim os 15 critérios seguintes, cuja aplicação conj unta per mitirá uma definição exaustiva de cada grupo concreto. 14 Os grupos podem ser : 1 ) quanto a seu conteúdo : grupos uni, multi, e supra f uncionais. A funcionalidade refere-se ao N óS, que se atualiza pre dominan\emente dentro de um grupo, de tal modo que pode- H Cf. G. GURVI'l'CH, La, vocation actuells d6 la Sociowgie, Paris, P. U. F., 1950, cap. V, págs. 269 e segs. F'El:tNANOO BASTOS DE ÁVIL.\, S. J. n10H ter grupos uni, multi e suprafuncionais, conforme o pre domínio do NóS, uni, multi ou suprafuncional. Assim, teríamos que um grupo esportivo é unifuncio- 11al : o N óS que predomina tem uma função, a <1f competi ção esportiva. São grupos multif'uncionais os grupos econômicos com suas funções de equilíbrio da produção, de distribuição, de trocas ; os grupos locais, com suas funções de contrôle so cial, de administração, com suas funções recreativas; os grupos de parentesco, com suas funções de reprodução, edu- cação, transmissão de tradições. . A noção de grupo suprafu,ncional não se realiza apenas nas sociedades globais, como a Nação e a Igreja. Refere-se a todos os tipos de grupos que criam para seus membros o quadro que condiciona o desempenho de tôdas as suas fun-· ções. A classe social, as minorias étnicas são grupos supra funcionais. A classe interpreta a seu modo, num resumo próprio, tôdas as funções· da nação. Tôda classe contém, em estado atual, quando se acha no poder, ou em estado virtual, quan do aspira ao poder, um modo particular de desempenho das funções de uma nação. As minorias étnicas constituem uma nação dentro da nação onde se integram, e por si tendem a absorver em si as diferenças entre elas' e a sociedade global que lhes serve de quadro. 2) quanto à sua amplitude : grupos reduzidos, médios e extensos. O número de membros de um grupo contribui para a sua consolidação e influencia sua natureza. a) Grupos reduzidos : tendem a se tornar grupos ín timos. Exemplo : familia doméstica. b) Grupos · extensos : tendem a constituir grupos de reunião difícil, ou mesmo nunca realizada - o que não im pede que o grupo seja grupo. Exemplo : as classes. INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 185 �) Grupos médios : exemplo : organizações econômicas ; profissões. De modo geral, os grupos reduzidos favorecem a predo minância do N óS-Comunhão ; e os grupos extensos, em ge ral, favorecem o NóS-mass.a. Para que bem se estude êsse aspecto de extensão do grupo, é necessário verificar o efetivo real de seus mem bros, e compará-lo ao efetivo possível : o número de parti cipantes que o deveriam integrar, de acôrdo com a confi guração própria do grupo. As discordâncias entre êsses dois efetivos devem ser relacionadas às sociedades globais onde se insere o grupo. Os estudos de Ecologia humana, urbana e rural muito têm ajudado neste ponto. 3) quanto à sua duração : grupos temporários, durá veis e permanentes. a) Grupos temporários : aquêles que se dissolvem no momento em que é realizada a tarefa, em vista da qual ha viam sido constituídos. Exemplos : u'a multidão, os bandei rantes· do Brasil, equipe temporária de exploração, ban quetes. b) Grwpos duráveis : aquêles que são dissolvidos em condições particulares, como : morte, acôrdo dos interessa dos, dissolução compulsória. Exemplos : a família domésti ca, dissolvida pela morte ou divórcio ; um grupo de idade, dissolvido pela maturidade de seus ·membros ; uma emprêsa comercial, ou · uma usina, dissolV'ida pelo patrão, ou por acôrdo dos interessados. e) Grupos permanentes : pela sua natureza não impli cam em nenhuma limitação natural. Exemplos : classes so ciais, profissões, as Igrej as, os Estados. itsses grupos inde pendem da vontade dos membros quanto à sua permanência . • 4) quanto a seu ritmo : grupos de cadência lenta, mé� dia ou precipitada. FERNANDO BASTOS JE Á,_'!LA, S. J. Antes de mais nada, para entender a noção de ritmo de vida de um grupo, é necessário admitir, além de uma temporalidade quantitativa, mensurável, contínua, uma tem poralidade qualitativa, descontínua, incomensµrável. Entretanto, a realidade social não se processa nem num, nem noutro tempo. A sua temporalidade é quantitativa-qua litativa. Cada fenômeno social ou histórico tem o seu tempo quantitativo-qualitativo, com sua especificidade própria, e que depende da proporção entre os diversos determinismos de seus elemntos, e das liberdades que nêle agem. Assim, também, os grupos possuem ·um tempo que lhes é próprio, e que é medido de modo específicono seio dêle mesmo. É o que chamamos de ritmo dos grupos, seguindo a terminologia de HALBW ACHS. Esta diferença de ritmos de vida ou de tempos, ima nente a cada grupo, pode ser atingida numa experiência pessoal. Todos os que deixam a agitação da grande cidade e vão passar alguns dias no interior, percebem fàcilmente que o tempo no campo é mais lento. A vida do homem do campo não é cronometrada com o rigor da vida citadina ; é apenas escondida pelas grandes variações dos ciclos �os fe nômenos naturais. No campo, não tem sentido dizer-se que se vai fazer uma visita às 14,15 minutos. Faz-se uma visita ou pela manhã ou pela tarde. De modo geral, podemos dizer : a) os grupos de localidades e os de parentesco tendem a viver num ritmo bem mais lento do que os grupos econô micos ou de atividades juvenis ; b) as Igrejas Universais são mais lentas que as Fra ternidades e as seitas; e) as classes sociais têm seu ritmo particular : as clas ses feudais são mais lentas do que as burguesas, e o prole tariado tem um ritmo precipitado. INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 187 O estudo dos ritmos dos grupos é complexo e nunca pode ser Classificado num modo absoluto. Poderá indicar as ten dências e relações de um grupo para com os outros, e para com a sociedade global. As variações no ritmo normal de um grupo servem de indício para constatar fenômenos anô malos nas sociedades globais onde se inserem. 5) Quanto à sua dispersão : grupos à distância ; de contato artificial; reunidos periodicamente ; reunidos de modo permanente. É falsa A idéia de que não pode existir grupo social onde não há reunião periódica dos membros. Podemos distinguir, assim, tipos diversos de grupos, conforme a medida de dis persão. a) Grwpos à distância : exemplo : os produtores, con sumidores, os desempregados, e os diversos públfr.os quan do constituem uma unidade coletiva real. Tambf>m as clas ses e as profissões, muitas vêzes constituem grupos à dis tância. Para averiguar a validez dêsse conceito, seria indi cado aplicar a noção de grupo a cada um dêsses exemplos. b) Gritpos de contato artificial : hoje em dia. êsse tipo de grupo tende a se multiplicar devido à facilidade de comu nicações. Exemplo : os assinantes de uma revista, que se in fluenciam pelo seu pensamento e que agem conj untamente no sentido de continuar a mantê-la e a propagar suas idéias ; os membros de um partido que, não freqüentando as reu niões, estão a par de suas deliberações através da literatu ra que lhes é devida. e) Grupos reunidos periodicamente : enquanto grupos são os mais numerosos, e podem ser subdivididos, segundo uma escala que compreenderia desde os grupos que se reú nem mais freqüçntemente, até aquêles que se reúnem co111 pouca assiduidade. E jâ aqui, é interessante notar as in fluências exercidas pelas formas de sociabilidade que co meçam a predominar dentro do grupo. Assim, quando em I HX 1''ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. (•poca de perseguição, se sobreleva a forma de "Comunhão", o grupo tende a se reunir com mais freqüência. d) Grupos íntimos reunidos permanenterYi:ente : exem plos : família doméstica, pensionatos, conventos. É preciso distinguir se essa reunião tem um caráter provisório, como nos internatos, ou permanentes como famílias·, convento�·- 6 ) Quanto a seu modo de formação : grupos de fato, voluntários, impostos. a) Grupos de fato são grupos dos quais os membros participam, sem que isto seja explicitamente querido por êles, ou sem que êles obedeçam às inj unç�es de uma orga nização precisa. Tais são as classes, os grupos étnicos, os desempregados, os consumidores. As profissões constituem um grupo intermediário en tre os grupos de fato e os voluntários, porque o indivíduo escolhe a profissão, de acôrdo com a vocação, mas, uma vez escolhida, é êle integrado, queira ou não, num grupo profis sional j á constituído. b ) Grupos voluntários : grupos dos quais os membros participam de pleno acôrdo e aos quais foram admitidos por vontade própria. Exemplos : partidos políticos, sociedades filantrópicas, sociedades comerciais. Note-se que a entrada voluntária para um determinado grupo não significa que a saída do mesmo seja igualmente livre. Muitas vêzes existem coações morais ou materiais que tornam pràticamente com pulsória a permanência no grupo, como o abandono de um partido político, acarretando a designação de traidor, e o abandono de uma emprêsa comercial, acarretando a ruína material. Na terminologia corrente, a respeito de grupos, muita discussão existe sôbre o têrmo associação. Talvez pudésse mos reseryar o qualificativo de associação para os grupos voluntários constitu ídos democràticamente, cujo abandono seja facultativo. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 189 e) Grupos impostos : são aquêles dos quais é obrigató rio fazer parte. O Estado, a lgrej a, as castas, os três estados da Idade Média : nobreza, clero e povo. 7) Quanto ao modo de acesso : grupos abertos, condi- cionais, fechados. a) Só os grupos de fato são sempre abertos. Grupos abertos de fato : as classes sociais. Grupos abertos voluntários : reuniões, equipes de sal vação, companheiros de viagem. Grupos ab�tos impostos : sindicatos obrigatórios, esco las primárias. b) Os grupos fechados eram mais freqüentes em so ciedades· antigas. Fechados, de fato : castas, gens. Fechados voluntários : corporações da Idade Média, so ciedades secretas, grupos de conspiradores. e) Grupos de acesso condicional : naturalmente as con dições de acesso são variadas. Podem ser ou muito rigoro sas, como no caso da Cavalaria Andante, ou pouco exigen tes, por exemplo, uma pequena cota a ser paga. Naturalmente que o modo de acesso a um grupo influir.ti sôbre sua natureza. Os grupos fechados ou de acesso difícil tendem a ser pouco numerosos, facilitam a existência da comunhão dentro dêles e não raramente se transformam em oligarquias dominantes. 8) Quanto ao grau de exteriorização : grupos não or ganizados, estruturados ou não e grupos parcial ou comple tamente organizados. Entenda-se aqui por exteriorização o modo como apare ce o grupo, como se situa e delimita. Naturalmente, um gru po não é essencialmente a sua estrutura. Sua realidade não se confunde com a de sua estrutura, muito menos, portanto, com a de sua organização. É possível, mesmo, que aconteça • • Fto:ltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 1nn conflito entre o grupo, fenômeno social total e sua es trutura. Nesse caso, ou o grupo se aniquila, ou então sua hasc total própria de grupo predomina sôbre suas exterio J'izações parciais. ..__ a) Grupos inorganizados e não estruturados : os de- sempregados, produtores e consumidores, os diferentes pú blicos. �ases grupos não só são desprovidos de organização, como também os modelos, símbolos, valôres, idéias que se prendem a suas atitudes coletivas permanecem indefiníveis. Dêste modo, permanece também indefinivel o papel e situa ção dos grupos dentro da sociedade global: Possuem apenas uma estrutura virtual. Em determinadas condições, podem tornar-se perfeitamente estruturados, e.orno no caso dos pro dutores e consumidores, que, em certas sociedades, adquirem mesmo organização própria. b ) Grupos estruturados, mas não organizados : as clas ses sociais, grupos de idade - juventude, veteranos, - al guns grupos profissionais. A maioria dêsses grupos pode vir a ser organizada eventualmente, como no caso do gru po profissional. Outros, como a classe social, não podem ser organizados, a não ser por uma imposição exterior, que lhes rouba afinal o verdadeiro sentido. Todavia, uma classe so cial pode geralmente se exprimir através de diversas orga nizações mais ou menos equivalentes entre si. e) Grupos estruturados·, organizados incompletamen te : nota-se nêles um esbôço de hierarquização de funções. Exemplo : família, seitas religiosas, confrarias. De modo geral, observamos que os grupos temporários são mais difíceis de se organizarem do que os permanentes ou duráveis. Também os grupos de parentesco e de afinidade são mais dificilmente organizáveis do que os de atividade econômica. d) Grupos completamente organizados. Dependem da relação que comanda a sua essência mesma de grupo-fenô meno total, os elementos não-estruturáveis, e sua organiza- .. . ( \ . � l INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 191 ção. O princípio que rege essa organização é muito impor tante, pois deve permitir que haja permuta, que haja per meabilidade entre as infra-estruturas espontâneas e as su per-organizações. Caso contrãrio, a própria organização do grupo pode sufocá-lo. Exemplo : a organização estatal. 9 ) Quanto a suas funções. São os mais variados, con forme as funções a que se destinam : grupos de parentesco, de afinidade fraternal, de localidade, de atividade econômi ca, grupos mistos de afinidade fraternal e atividade econô mica, grupos de atividade não lucrativa. Essa distinção �elo critério das funções não pode se re ferir aos grupos suprafuncionais, que englobam tôda e qual quer espécie de função. É êste equívoco que tem prejudicado muitas definições de classe social, que procuram caracteri zá-la em função de atividades, sobretudo econômicas. 10) Quanto à sua orientação : grupos de divisão e gru- pos de união. Os grupos· de divisão têm uma orientação combativa. Os grupos de união são conciliadores. Exemplos dos primeiros : grupos de afinidade frater nal, profissões, sindicatos. Exemplos dos segundos : grupos de parentesco, usinas, emprêsas. Os grupos de divisão têm em geral um ritmo mais ace lerado, e não raro favorecem o elemento comunhão. Os gru pos de união são mais fàcilmente estruturados e propiciam o predomínio das comunidades. _ Note-se, entretanto, que num grupo, que de per si é grupo de divisão, pode haver predomínio de um N óS con ciliador e que lhe mude, portanto, a orientação. O mesmo pode acontecer com um grupo de união, que, realizado em ·certas circull!stâncias, seja orientado pelo predomínio de um NóS combativo, de divisão. Seria o caso das usinas, grupos de união, mas que, num regime de propriedade pri vada, seguem a orientação combativa do NóS, dos que a possuem. - -- -- . . . · - . ·--.. -· ------ 1 1''gRNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 1 1 ) Quanto ao modo de penetração pe!a sociedade glo bal : grupos refratários, grupos parcial ou totalmente sujei tm; à. penetração pela sociedade global. Via de regra, os grupos fechados são sempre refratá rios à sociedade global, salvo os casos onde se encont�em no ápice da hierarquia desta sociedade. a) Grupos refratários : os que, conscientemente ou in conscientemente, resistem ao regime da sociedade global, ou porque se julgam excluidos da hierarquia vigente, ou por que aspiram ao poder, ou porque consideram possuir quali dades que a sociedade global não lhes reconhece. Entram nesta categoria as minorias étnicas, as minorias nacionais que não se integraram, os imigrados, a quem se dificulta o trabalho, os desempregados por muito tempo, verdadeiros marginais, os escravos ; os grupos religiosos, políticos, que tiveram poder em tempos idos, e depois foram destituídos ; grupos de juventude e classes' sociais revolucionárias, Aqui o elemento de resistência é a aspiração à renovação da so ciedade global, ou pela modificação de seus princípios ideo lógicos, como é comum na juventude, ou pela posse do poder e revolta contra a hierarquia econômica vigente. b) Grupos mais ou menos abertos à penetração. Tais grupos· constituem um setor importante da própria socieda de global. Em períodos normais, de paz, aceitam seus mode los, símbolos, idéias, reservando-se, porém, o direito de cri ticá-los. Exemplos : famílias, grupos de atividade econômica, de fins não lucrativos. e) Grupos inteiramente submissos à penetração pela sociedade global. Exemplos : universidades e escolas públicas, sociedades, centros e organizações estatais. 12) Quanto ao grau de compatibilidade : grupos com patíveis, parcialmente compatíveis, incompatíveis e exclu sivos. -- -- -- - - - - -- - - - - -- - - - - ---- -- 1 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 193 De modo geral, os grupos de espécie diversa, isto é, com fun�ões diversas, são compatíveis entre si, seja qual fôr a �ociedade global ou o regime em que estejam inseridos. a) Grupos da mesma espécie, inteiramente compatí veis : grupos de atividade não lucrativa, como sociedades científicas ou filantrópicas. É perfeitamente possível a uma JWRsoa pertencer a mais de uma dessas sociedades. b) Grupos da mesma espécie, parcialmente compatí veis : São muito freqüentes, sobretudo na sua realização con creta, isto é, certos grupos que, . em princípio, se afirmam i ncompatíveis, na realidade se tornam parcialmente compa tíveis, como os grupos profissionais para aquêles que exer cem duas profissões. e) Grupos da mesma espécie incompatíveis entre si : (�lasses, grupos de sexo, grupos de afinidade com base na .situação econômica, grupos de idade. São incompatíveis, por que uma pessoa não pode ter senão um sexo e não pode ter também senão a sua idade. Todavia, nota-se que uma pessoa de 40 anos, por exemplo, pela juventude de espírito, se agru pe muitas vêzes com os adolescentes. Uma pessoa não pode .�er rico e pobre ao mesmo tempo. Entretanto, a mobilidade �ocial, as circunstâncias fortuitas de fortuna permit<'.?m a uma pessoa pertencer, na realidade, a mais de um grupo de afinidade econômica. Também a incompatibilidade total, presumida pelas crenças religiosas, na prática encontra mais de uma exceção, no entrecruzamento de religiões, na infil tração, por exemplo, da macumba, na religião católica po pular, nas Igrejas Unionistas protestantes, onde se esboça u m movimento de aproximação das seitas. A incompatibi l idade do E·stado, vai, hoje em dia, cada vez mais se ali _g-eirando, graças aos movimentos de migração internacional, <1ue trazem o espírito e cultura <:fe um povo para outra na çflo, permitindo assim que seus membros sejam membros es Jlirituais de Qutro povo. As famílias modernas. são, de si, 1 . : 1 �ERNANDO BASTOS DE Á VILA, S. J. \ grupos incompatíveis. Mas " divórcio, a::; ligaçooij extracon jugais, na realidade, permitem que um indivíduo pertença a mais de um grupo familiar. Os partidos políticos, se, de per si, são grupos incompatíveis, a união que se faz entre · êles, na prática, por motivos de interêsse, permite uma in compatibilidade parcial. d) Grupos exclusivos, que absorvem seus membros a ponto de lhes interditar a participação a qualquer outro grupo, ainda que de espécie diversa. São êles : certas ordens religiosas, sobretudo na Idade Média, certas seitas mágicas,. células de prisão e grupos de escravos. Se êsses grupos, es sencialmente são exclusivos, muitas �êzes a realidade vem abrir exceções, naturalmente que não legais, dentro da cons tituição do grupo. De qualquer modo, a infiltração de outros grupos é comum, inclusive nas células de prisioneiros ou · grupos de escravos. 13) Quanto ao modo de coação : grupos dispondo de coação condicional e grupos dispondo de coação incondicio nal. O têrmo coação implica aqui a idéia de sanções j uridi' cas, isto é, de medidas precisas, previamente estabelecidas, que o grupo adotará contra os eventpais delinqüentes. A in tensidade da coação é proporcional à resistência que os gru pos encontram na sua realização. O tipo da coação se rela ciona mais diretamente com a natureza mesma do grupo, que adota coações físicas, econômicas, ou outras modalidades de coações. Só os grupos exclusivos são sempre grupos de coação incondicional. A maioria dos grupos dispõe de sanção con dicional, porque os membros podem se retirar do grupo, e, dês te modo, fugir à sanção. Entretanto, a.s coações condi cionais assumem por vêzes formas violentas : boicotagem nos sindicatos modernos, castigos corporais nas corporações medievais, vendetta para certosgrupos de revolucionários e, muitas vêzes, grupos que dispõem de coação incondicional, aplicam sanções muito mais brandas. São em gera:l grupos "--·· INTRODUÇÃO à SOCIOLOGIA 195 dt� locnlidadc, baseados na vizinhança, os que dispõem de coa t;i10 im·ondicional : não se pode deixar de ser dêste grupo, mH1unnto se vive forçosamente neste lugar. As sanções às vi��t!� são taxas, impostos, multas. 14) Quanto ao princípio que rege as estruturas e or gn n i zações : grupos de domínio e grupos de colaboração. O problema aqui não depende apenas de uma tipologia de grupos. É um problema que se refere à microsociologia das formas de sociabilidade. Entretanto, já que um grupo não pode existir sem um certo equilíbrio destas formas, o caráter do NóS predominante já será um forte indício para averiguarmos o princípio que rege a estrutura do grupo. O caráter autoritário ou democrático de um gTupo de pende de dois fatôres. a) Relação da estrutura e organização de um grupo, com o grupo-fenômeno-social-total. Quanto mais profunda mente enraizada estiver a sua superestrutura organizada na própria infraestrutura espontânea, mais fàcilrnente se fará o intercâmbio entre a superestrutura e a infraestrutura, sen do, portanto, mais leve, menos violento o princípio que rege • êsse grupo. Com bastante probabilidade, teremos um grupo democrático. Inversamente, quanto mais fechada estiver uma superestrutura em relação à sua infra-estrutura, portanto, quanto mais imposta fôr essa superestrutura, mais tirânico e autoritário será êsse grupo. b) O segundo fator é independente do fato de o grupo ser ou não organizado. 1;sse fator é o próprio caráter místico ou racional do poder, que se desprende do grupo. Trata-se aqui de um caráter próprio à estrut\1rai mesma do grupo, ou até de um caráter relativo ao próprio grupo-fenômeno total. Se o grupo está fundado sôbre um poder carismático, ou sôbre uma autoridade declaradamente superior, como no caso da família doméstica, o grupo será autoritário. Natura} .. mente que o regime vigente e a sociedade global onde se 196 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. situa o grupo influem no caráter autoritário ou democrático do mesmo. 15) Quanto ao grau de unidad� : grupos unitários, fe .. der alistas, conf ederalistas. Essa distinção é fundada sôbre a medida de unificação que existe num grupo. Só pode se referir, portanto, aos gru pos já estruturados e organizados, porque apenas nesses é possível estudar-se um grau de unificação fixado de ante mão, segundo e qual se estab�lece a hierarquia própria do grupo. Unitário : é o grupo constituído por uma hierarquia di reta das formas de sociabilidade ou pela preponderância de um grupo central sôbre os subgrupos, que, no conj unto, têm papel subalterno, e desempenham as atribuições co.. In{\ndadas pelo grupo central. :F�cderalista : o grupo organização é fundada sôbre uma síntese de subgrupos, de tal modo que o grupo central e 03 subgrupos se afirmem como equivalentes na formação do grupo. Confederalista : o grupo cuja organização está fundada sobre uma síntese de subgrupos, de tal modo que os subgru- • pos se afirmem como predominantes·, nessa síntese, ao pró- prio grupo central. Se admitirmos que todo grupo, cuja estrutura e orga nização estão tão enraizados em sua infra-estrutura, a pon to de se poder constituir como "uma personalidade coletiva complexa" - ou como "equilibrio entre personalidade cenN trai e personalidades parciais", poderíamos dizer que: a) no grupo unitário, o equilíbrio entre pessoa cen tral e as personalidades parciais se estabelece com o predo. mínio da personalidade central ; b) no grupo federalista, o equilíbrio se estabelece en tre as pes�oas parciais e a pessoa central ; e) no grupo confederalista, o equilíbrio é atingido com a preponderância das pessoas parciais sôbre a pessoa central. ! INTRODUÇÃO À SOCl-OLO(;IA I H7 O exame das diversas tipologias nos possibilitou uma visão da estrutura formal dos grupos e de uma critel'iolog-ia para a sua classificação racional. Poderemos passar depois à análise de grupos concretos, que permitirá perceber a ri queza existencial, a densidade humana, na qual se incarnam as tipologias abstratas até agora estudadas. Antes, porém, faremos uma referência ao estudo da dinâmica dos grupos. § 3) A DINÂMICA DOS GRlTPOS Esta elaboração áe tipos não serve apenas a uni inten to de sistematização sociológica. Os tipos podem ser consi derados também como variáveis para o estudo da dinâmica dos grupos. Assim, um determinado fator, atuando sôbre um grupo ou no interior de um grupo, pode ter por efeito au mentar a sua coesão interna, em se tratando de um grupo fe chado ou diminuí-la se o grupo fôr aberto. Entretanto, se pretendemos conhecer os diversos efeitos possíveis da in fluência dêste fator, é indispensável aplicá-lo a outros sis temas de variáveis. Isto nos permite uma referência à dinâmica do� grupos a qual tem por objeto, não mais os processos que se podem desenvolver no interior dos grupos, os que se podem desen cadear entre diversos grupos, mas sim o próprio comporta mento global dos grupos. O estudo da dinâmica dos grupos é hoje o setor da So ciologia no qual mais proliferam estudos analíticos basea dos· tanto na observação como na · experimentação de labo ratório, e o qual mais se ressente ainda da falta de uma ela boração teórica. Por isto mesmo, é o setor da Sociologia em que a curiosidade analítica mais vem estimulando o trabalho de teorização. Por enquanto, êste trabalho se concentra em dois es forços. O primeiro consiste em fixar as grandes· linhas de investigação que permitam aos estudos monográficos asdu- 198 FERNANDO BASTOS LE ÁVILA, S. J. mir um caráter cumulativo do .!Onhecimento, e não óe per derem em tentativas paralelas ou divergentes. Os editôres da mais importante obra no as'Sunto .u> distinguem cinco li nhas de investigação : o estudo da coesão dos grupos, de sua uniformidade, da sua eficiência, do problema da liderança e da estruturação dos grupos. O segundo esfôrço se aplica à elaboração de conceitos com valor operacional, que propiciem a formação de um vocabulário co·mum, e possibilitem aos : sociólogos falar a mesma língua, exprimindo, pelos mesmos · conceitos, as mesmas realidades. Não cabe numa Introdução à Sociologia um estudo por menorizado da dinâmica dos gru];>os. Podemos aqui apenas apontar para os grandes temas de que sé ocupa. Todo grupo tende a se estruturar ou informalmente, isto é, por uma deliberação reflexa fixada habitualmente em regimentos, estatutos e organogramas, ou por uma simples vivência aglutinante que resulta das mesmas fôrças em pre sença no grupo, ou atuantes sôbre o grupo. Vários métodos e critérios são adotados para desco�rir e classificar as di versas estruturas dos grupos. Uma linha metodológica se orienta mais no sentido de conceber as estruturas como· sis temas mais ou menos estáveis de relações, definidas pelo status e pelos papéis desempenhados por cada membro. Statu.� é o conjunto de direitos e deveres que cabe a cada indivíduo dentro do grupo. Papel é a maneira concreta pela qual cada indivíduo procura efetivar o seu status. Outra linha metodológica, utilizando as contribuições da Sociome tria, se orienta mais no sentido de conceber as estruturas como esquemas de relações entre os membros do grupo, in dependentemente de seu status ou dos papéis assumidos. f!ste método permite a elaboração de matrizes sociométrica� e oferece a possibilidade de um tratamento matemático, mas 15 0 trabalho de síntese mais completo a respeito da dinâmica dos grupos é: Group Dynamics: Research and Theory, editado por Dorwin Cartwright & Alvin Zander, Row Peterson, N. Y., 2.ª ed.� 1000, 826 págs. ·• 1 1 1 INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 199 é menos sensível às tendências empíricas que se podem de sencadear dentro dos· grupos. O grupo, formal ou informalmenteestruturado, goza de um certo grau de coesão interna, entendida como sua va lência em atrair os membros, seja para o grupo concebido como um fim em si mesmo, seja concebido como um meio para a . satisfação de determina.das necessidades ou realiza ções de determinados valôres. Utilizando esta conceituação, a dinâmica de grupos vem revelando através de estudos analíticos os fatôres tendentes a aumentar ou reduzir a va lência do grupo sôbre seus membros, bem como a favorecer a formação de subgrupos. Os grupos para sua própria permanência tendem a uma certa uniformidade, isto é, a impor aos membros uma sé rie de valôres e atitudes comuns ou, falando mais geralmen te, padrões comuns. O grupo exerce pressões sôbre seus membros. As condições de emergência destas pressões, e os fatôres qu.e as intensificam ou diminuem, constituem cam pos de pesquisa, onde mesmo as experiências de laboratório, apesar de sua inevitável artificialidade, vêm revelando a existência de certos determinismos e regularidades, que of e recem estimulantes hipóteses de trabalho para a análise do fenômeno social em sua realidade nativa. Um grupo só pode manter sua vitalidade na medida em que goza de eficiência, isto é, da capacidade de atingir um objetivo. Um objetivo sublime, de longo alcance, só man tém unidos os membros do grupo na medida em que êstes conservam um nível elevado de idealismo e são capazes de desdobrar o objetivo último em objetivos intermediários, es calonados e progressivamente acessíveis. O problema da efi ciência do grupo em função dos seus objetivos atinge a área da motivação individual dos membros e das relações desta com os objetivos do grupo. É a problemática das relações do finis operis e do finis operantis. Como se formam êstes objetivos no interior dos grupos, conjugando-se com as fôr ças das motivações individuais ; como se definem, no grupo, �ºº FERNANDO BASTOf; DE .\VTLA, �- J. as linhas de decisão, pelas quais os objetivos almejados pas sam de um plano ideal para o plano executivo, são temas que abrem para o sociólogo um campo imenso de investiga ção, com alto valor de praticidade. O problema da liderança, enfim, foi o que mais cedo in teressou os pesquisadores da dinâmica dos grupos, e é o se tor que ainda hoje mais se ressente da falta de elucidaçõe$ teóricas. 16 Uma escola sócio-dinâmica prefere conceber a 11"'." derança. como uma propriedade do indivíduo, e se ocupa em definir as qualidades do líder através da utilização de testes e das observações diretas. Outra._ escola .concebe a liderança como uma propriedade do grupo, como uma capacidade in1a. nente do grupo de prover ao exercício das funções indispen'sáveis, seja para atingir seu objetivo, seja para manter-se como grupo. Ambas as escolas elaboraram um precioso ma terial analítico e chegaram a verdadeiras descobertas socio lógicas de grande valor operacional. 16 Ver GERAI.4>0 SEMENZATO, SPES (Síntese Política, Econômiea. Social) , "A Liderança : Informações sôbre Algumas Investigações'", ano II, abril-junho de 1960, n.º 6. LEITURAS COMPLEMENTARES 1 - BRIEFS, GOE·TZ, "Pesch and his contemporaries'', in Social Order;. abril de 1951, págs. 153-160. 2 - GUNDLACH, S. J. GUSTAV, "Solidarist Economics ; Philosophy an<Ji SoeüJ-economi� theory in Pe8ch", in Social Order, abril de 1951,. páginas 18'1-185. 3 - ABEL, THEODORE, "The contributi.on of Georg Símniel; a reapprai- sal", in American Sociological Review, vol. 24, n.0 4, agôsto de: 1959, páginas 474-481. 4 - HEBERLE, RUDOLF, "The Sociology of Ferdi-nand T-õnnies", in American Sociological Review, vol. 2, n.º 1, fevereiro de 1937,. págs. 9-25. 5 - KLEIN, JOSEPHINE, The St·udy o/ Groups, Londres, Routledge e· Kegan Paul, 1956. 6 - CARTWRIGHT, D. e ZANDER, A., Group d:J/namics, Londres, Taxis tock Publications, 195'3. 7 - HoMANS, G. C., The Human group, New York, Harcourt e Brace Co., 1950. 8 - Rios, José ARTUR, A educação dcs grupos, Rio de Janeiro, Ser· viço Nacional de Educação Sanitária, do Ministério da Saúde,. 1957. Consultar, especialmente, o Cap. II. 9 - FREYRE, GILBERTO, Sociologia, Rio de Janeiro, .José Olímpio Ed.,. 1945. .. ' r CAP1TULO VII OS GRUPOS CONCRETOS. A. F AMfLIA A família é um �enômeno social cuja observação é aces sível a fõâos. É um fato social que constitui, para cada um, uma experiência quotidiana. Entretanto, a família que po '<iemos observar e em que vivemos é a família conjugal, a pequena unidade familiar composta de pais e filhos. A fa mília foi sempre assim? Qual a origem, qual a evolução do fenômeno familiar, que o conduziu a sua forma atual ? Examinaremos neste capítulo, em primeiro lugar, al ,gumas teorias relativas à origem e à evolução da família. Em seg-undo lugar, fixaremos a atenção sôbre a fami lia contemporânea : suas funções, seus tipos fundamentais. E�m terceiro lugar, examinaremos alguns aspectos da :família no B raRil. Ji�m apêndice, introduzimos algumas reflexões relativas ;à doutrina da Igreja sôbre a família, e à formação desta ·doutrina. • • * '§ 1) TEORIAS SôBRE A EVOLUÇÃO DA FA�IíLIA Dentre as diversas Escolas que se interessaram pelo J)roblema, referimo-nos, em especial, a três : INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA I) A tese da promiscuidade primitiva. 203 O primeiro autor que procurou dar a esta tese urna fun damentação cientifica foi o suíço JOHANN JACOB BACHOFEN, na sua obra I>as },futterrecht (1861). 1 BACHOFEN seduziu-se pela idéia de um paralelismo en tre a · evolução das formas pelas quais o homem se procura os meios de subsistência e a evolução da família . . Ao ..Jongo d{\_H_�Yº�-�ç.ão -��-pumanidade, a cada tipo de produção corres ponde um determinado tipo de organização familiar. De início, o homem, vivendo em meio a uma vegetação espontânea, sustentava-se por um regime de colheita. Uti lizava os meios de sub�stência que a natureza inculta lhe proporcionava. Rigorosamente falando, não existia ainda ne nhuma forma de produção do hq.mem, e, por conseguinte, não existia ainda nenhuma forma de organização da famí lia. Foi o período do hetairismo afrodisíaco, companheiris mo sexual, de promiscuidade total, no qual as relações se xuais se processariam por ocasião dos encontros fortuitos no exercício da colheita. O homem, aliás, não tinha a me nor noção da eficâcia generativa do ato sexual. A prole fi cava a cargo exclusivo da mã.e, até o momento de poder pro ver à própria subsistência. O segundo período é marcado pela descoberta da agri cultura, que se torna a fonte principal e regular da subsis tência. A agricultura, feita especialmente pela mulher, dá 1 JOHANN JACOB BACHOFEN (1815-18'87) . Antropólogo e histo riador suíço. Ocupou-se com a História da Arte e do Direito da anti gi.iidade clássica, e daí passou a int{ 'ssar-se por problemas hoje �bjeto dos estudos da Antropologia Cuh.ural. Neste setor, sua prin cipal obra, que lhe granjeou maior reputação, foi Das Mutterrecht: .eine Un.tersunchung ii.ber die (hrnaikocratie der alten W elt, na.eh ihrer religiOsen und rechtlichen Natur ( 1 861) (0 direito materno; investigaçii-0 sôbre a gi·necocracia do mundo antigo, segundo sua na tureza religiosa e jurídica) . Acumulou um abundante repertório de dados colhidos em sua vasta cultura do pensamento antjgo, que pro eurou interpretar em sua teoria da promiscuidade primitiva. Sua obra valo hoje mais pela sua riqueza informativa, do que pelas teo rias, agora consideradas demasiadamente unilaterais. 204 FERNANDO BASTQS DE ÁVILA, S. J. uma importância preponderante ao elemento feminino, e enseja o aparecimento das primeiras formas, mais ou menos estáveis, de organização familiar sob o tipo de matriarcado. A importância econômica da mulher dá origem à família sob o signo da ginecocracia. Num terceiro período, a grande fonte da subsistência vem a ser a caça e pesca. Estas atividades produtivas tipi camente masculinas, fazendo a pêlo a qualidades mais varo nise reclamando a cooperação do grupo - clã ou tribo - iam dar uma importância crescente à organização tribal sob o comando do varã.o e propiciar a fermação da família pa triarcal. Já na nossa era, enfim, na qual os meios de subsistên cia são principalmente garantidos pelo trabalho remunerado do chefe da família, desintegra-se a grande família patriar cal em favor da pequena sociedade conjugal, sob a autori dade do homem. O autor americano LEWIS MORGAN :? adotou as linhas gerais da evolução da família traçadas por BACHOFEN, e procurou determinar os estágios intermediários dos grandes períodos por êle definidos. MORGAN conviveu entre tribos de índios iroqueses nor te-americanos e observou-lhes os costumes. Notou que as crianças chamavam indistintamente mães a tôdas as mulhe res da geração de �ua mãe, e pais, a todos os homens da ge ração de seu pai. Viu neste fato a remaniscência de un1 pe- 2 LEWIS HENRY MORGAN ( 1818-1881 ) ' antropúlogo, nascido em Nova York. AdYogado por profissão, defendeu os índios iroqueses con tra pretensões injustas de colonos. Foi recebido na tribo e interessou-se por estudar-lhes os costumes, principalmente seus sistemas de rela ções familiares. Conheceu os trabalhos de BACHOFEN, que exerceram sôbre êle forte influência. Suas conclusões foram citadas por MARX e ENGELS em apoio da tese do determinismo materialista na evolução dos fenômenos humanos. Daí o fato de ser muito conhecido no mundo marxista. A antropologia moderna superou as teorias de MORGAN, baseadas num ·esquema linear de evolução. Suas principais obras foram: Systems of Consanguinity and AffinitJy o/ the lluman Fa mily (1870) e Ancient Socief!JJ (1877). INTRODUÇÃO À SOCIOLOG IA 205 ríodo de promiscuidade, no qual a paternidade era desco nhecida, e sugeriu a hipótese de que a evolução da família tenha seguido as seguintes etapas : promiscuidade esporá dica, absoluta ; aparecimento da idéia de incesto, que exclui a promiscuidade entre pais e filhos ; extensão da idêia de in ·cesto, proibindo a promiscuidade também entre irmãos ; apa recimento da família matriarca} poliândrica, com paternida de, portanto, incerta ; família patriarcal poligâmica e, enfim, família monogâmica. Para BACH01'"BN, como para MORGAN, :portanto, a famí lia monogâmica, inexistente no início, é o têrmo de uma evo luçã.o multissecular comandada pela e_volução das exigências das diversas formas de produção . • Não parece haver dúvida sôbre o fato que esta.s últimas exerçam influência sôbre o tipo de família, e esta é a con tribuição, aliás não original, que se pode aproveitar da es �ola que estudamos. Mas contra a teoria, ou a hipótese mes ma dos autores em aprêço, temos a observar : A ) A hipótese se funda sôbre uma base de fatos muito dispersos, muito fragmentários, arranjados artificialmente numa construção cerebral mais verossímil que real. Tratan do-se da evolução de um fato social, elevemo-nos precaver contra qualquer teoria simplista. O fato social é uma rea lidade complexa, e sua evolução dificilmente se acomoda a um esquema linear. A hipótese de BACHOFEN e i\i.IORGAN nos diz como as coisas poderiam ter-se passado. Pouco nos diz eomo as coisas de fato se passaram. B) As escolas da Antropologia social contemporânea que se dedicaram, com rigo�· '\de métodos científicos, ao es tudo dos primitivos, nunca encontraram traços sequer de um estado original de promiscuidade e, ao contrário, quanto mais remotos são os dados sôbre a estrutura da família, tan to mais convincentes são em favor da tese de que o tipo da família biológica, monogâmica, tenha sido a sua forma mais primitiva. 206 FERNANDO BASTOS DE ÁVILJ'., S. J. II) A tese do sociologismo de DURKHEIM. DURKHEIM distingue o casal, a união conjugal de fat<> - le couple conjugal de f ait - e a família, como instituição ou sociedade cujos membros são unidos por vínculos religio sos, juridicos e morais. O casal não realiza ainda a noção de família ; é a simples convivência de indivíduos de sexos diferentes. A família como tal é uma instituição social ; mais. claramente, é uma instituição, uma criação da sociedade. Neste sentido, não é a família que dá origem à sociedade, mas a sociedade que dá origem à família. Fora de um con texto social, pode haver o couple conjugal de fait; mas a fa- . mília, no sentido pleno do têrmo, só existe na sociedade e pela sociedade. E esta que, através da contrainte soc'iale, cria o conjunto de círculos religiosos, jurídicos e morais, que· . transformam a simples uniã-0 de fato numa família. Apa� rece aqui, como vemos, o tema fundamental do sociologis mo durkheimiano : tudo explicar pelo social concebido como uma realidade exterior ao conjunto dos indivíduos. A partir desta premissa, DURKHEIM elaborou sua teo ria relativa à evolução da família. Segundo êle, a forma pri mitiva da organização familiar teria sido a família clânica tolêmir.a, a qual encontrou nos seus estudos sôbre os povos primit.ivoR dn AuRtráJia. O clã era a menor unidade social, ou o elemento 8ocial irredutível. pescobriu, no interior do clíL nuHtrulinno, a unidade conjugal monogâmica. Entretan to, Hegundo êlc, c1-1ta unidade era uma simples união de fato,. nflo era uma realidade social com suas funções· específicas. A família clânica sucedeu o matriarcado o qual, por sua vez, evoluiu para o tipo da família patriarcal, entre os povos mediterrâneos, e para o tipo da família paternal entre os povos nórdicos. A família patriarcal se caracteri'zou pelo absolutismo masculino. O patriarca, a cuja sombra e sob cuja autoridade permaneciam os filhos casados e suas famílias respectivas, detinha a plenitude dos podêres. A mulher era considerada INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 207 8(�1u 1u·c menor, incapaz de possuir, de tutelar os filhos em (�aso de viuvez. Na família paterrial, a autoridade do marido era mais mitigada e a mulher como os filhos maiores gozavam de certos direitos e de maior independência. A família ocidental contemporânea conserva traços dês tcs dois tipos de familia que a precederam. Ambos marcaram profundamente o direito familiar contemporâneo. É certo que DURKHEIM teve uma idéia muito mais clara da complexidade do problema da evolução da família. Entretanto, nem o próprio DURKHEIM superou total mente a sedução dos esquemas simplistas quando retraçou a evolução da família desde o clã à família contemporânea. Além distot não Jfodemos deixar de observar uma certa arbitrariedade na posição do grande sociólogo. Depois de definir a família como uma instituição social, nega a famí lia monogâmica, como forma primitiva da família, por cons- . ti tu ir apenas uma união de fato, não uma família, no sen tido em que a define. Foi a preocupação do sociologismo, com sua pretensão de explicar tudo pelo social, que o fêz incidir nesta petição de princípio, relativamente ao problema em foco. 3 III) A tese da escol,a antropológica. A tese que estudaremos a seguir foi exposta pela Escola de Viena, de P . W. ScHMIDT O . V . D . , • na sua série de estudos intitulados : "Die Ursprung der Gottesidee" (A ori gem da idéia de Deus) . No me�\º sentido, vão as conclu- 3 E. DURKHEIM, "Sur l'organisati<ni matrimoniale deR société8 australiennes' , , Année Sociologique, 19'05. Consultar, também, a res peito: G. DAVY, SocÜ>logues d'hier et d'aujourd'hui, Paris, P.U.F., 1950 : "La f amille et la parenté l' apres Dur.kheim", págs. 79 e segs. " P. W. SCHMIDT, .Die Ursprung der Gotfe8idee, Viena, Anthro pos, iniciada a publicação em 1912; edição definitiva em cinco vo lumes, 1926-1935. I · 1 · : ! . , : 1 ! ., l � 1 1 l t � :' . 1 ' :208 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . .sões da escola antropológica americana moderna, que, -como .a Escola de Viena, afirma : a) nunca ter sido encontrada a existência de um esta do primitivo de promiscuidade ; b) a família monogâmica parece ter sido a forma ori ginal da familia,pois é a forma encontradiça entre os gru pos humanos mais primitivos ; e) á hipótese de ser a família monogâmica o têrmo de uma longa evolução foi inspirada no postulado corrente no .século passado, pelo qual se supunha gratuitamente que a hu .. manidade, em todos os setores culturais, evoluiu de formas menos perfeitas para mais perfeitas. Ocupar-nos-emos aqui tão-somente da Escola de Viena, .que, pelo rigor de métodos de trabalho e pela riqueza de material monográfico acumulado, merece maior atenção. 1) O método da Escola de Viena. A primeira preocupação metodológica da escola foi a delimitação geográfica das áreas culturais, utilizando, para tanto, as linhas iséticas. Uma linha isética é a linha que une os diversos pontos· geÕiráficos onde se verifica a pre- , sença de um determinado fato cultural : um tipo de flecha, uma técnica de pescaria, uma determinada forma de cons trução, um determinado rito ou crença. Por sua vez, uma área cultural é a área geográfica compreendida por uma li nha que passa pelos diversos pontos terminais de diversas linhas iséticas. Foi possível assim à escola constatar a existência de áreas culturais puras e mistas, caracterizadas pela contami nação de influências de várias áreas puras, áreas culturais isoladas e irradiantes, conforme difundiram ou não sôbre outras áreas suas próprias influências culturais. · A segunda preocupação metodológica da escola foi a de terminação da cronologia das diversas áreas. A intenção pri- ·1 1 l NTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 209 n1�ira da J·�scola de SCHMIDT e seus continuadores GRAEBNER � A N K •:itMANN foi a de retraçar a evolução da idéia de Deus. Neste intuito, era-lhes necessário não só delimitar as áreas cl.1lturais, mas ainda classificá-las segundo sua prioridade no tempo. Foram assim obrigados a definir um certo número de critérios de prioridade temporal, entre os quais citarnos : a) 9 critério do pressuposto necessário : um fato cul tural que aparece, como resposta a, ou como reação contra, um outro fato cultural, pressupõe evidentemente êste e lhe é portanto posterior. _,Assim, por exemplo, um determinado mo vimento religioso de caráter reformi�ta pressupõe a existên cia de um movimento religioso anterior ao qual vem re f orrnar . . b) O critério da remanescência cultural. um fato cul tural, que não tem sua razão de ser no contexto em que é identifi<!ado, deve ser interpretado como remanescência de um outro contexto anterior e é, portanto, mais antigo que o seu quadro cultural atual. A técnica de construção sôbre pilo tis ou estacas de madeira foi empregada originàriamen te em regiões lacustres como meio de defesa de populações ameaçadas. Assim, êste modo de construção encontrado em regiões não lacustres e pacíficas é mais primitivo que os demais fatos culturais desta região. e) O critério da simplicidade : de modo geral, um fato cultural mais simples do que outros do mesmo gênero é pro và velmente anterior aos mesmos : uma religião simples é anterior a uma religião complexa, uma técnica de pesca mais �imples é anterior a outra mais complicada. É a aplicação combinada dêstes e de outros critérios t1ue permite uma classificação cronológica dos diversos fatos culturais. É excusado lembrar que, se, teoricamente, os cri térios em si são claros, sua aplicação prática é sumamente delicada. 210 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. A Escola de Viena, com tal 111étodo, vô<le Lentar ã da::; sificação e descrição das diversas culturas. É nesta descri-: ção que vamos encontrar os elementos da sua tese coip. re lação à evolução da família. 2) A tese da Escola de Viena. A Escola constatou a existência de três grandes grupos de cultura : as culturas primitivas, primárias e secundãrias .. • a) As culturas P')�imitivas. Foram identificadas em três grupos : o grupo central,. compreendendo os pigmeus da África Equatorial e os negros da Nova Guiné ; o grupo meridional, com os povos primiti vos da Austrália Central, da Tasmânia, os bosquimanos da África e os habitantes da Terra do Fogo ; o grupo ártico: com as tribos árticas da América e da Ásia. Entre êstes povos mais· primitivos, a família apar_ece como uma organização bastante estável, baseado no matrimô nio monogâmico, e com impedimento de consangüinidade� Os pais revelam grande apêgo aos filhos. As relações de au- toridade entre o homem e a mulher não têm nada de tirâ nico ; são bem equilibradas. Ambos contribuem para a sub sistência: ela com a colheita, êle, com a caça, utilizando o bumerangue, como entre os povos australianos, ou com a pesca. b) As culturas primárias . .São divididas, pela Escola, em três subgrupos : da pe quena a:&tura, que se desenvolve na Melanésia, na região dos grandes lagos da América do Norte, na África do Sul e na Guiné Oriental. Apareceu a agricultura sob os encargos da mulher. A agricultura, ainda que rudimentar, impõe uma fixação mai� estável ao solo, em oposição ao nomadismo da fase anterior e o aparecimento da noção de propriedade. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 211 Dada a importância econômica da mulher, a família é mar cada pela preponderância feminina. A família matriarca} se apresenta sob diversas formas, que sublinham tôda a infe rioridade do homem : regime sem coabitação permanente, forma mais feminista, deixando plena liberdade à mulher, maR, com o matrimônio ainda monogâmico ; regime com coa bitação, mas no qual a ascendência é definida por linha ma terna. O feminismo vigente neste subgrupo desperta as rea ções do elemento masculino que se organiza em sociedades secretas e cria por vêzes um regime de poligamia, no qual um homem explora o trabalho de várias mulheres. l\.iesmo neste caso, porém, a sucessão ainda é feita por ascendência feminina. O subgrupo dos caçadores, que se localizou na Austrália Central e Setentrional, na África Oriental e em algumas tri bos da América do Norte. O homem inventa vários instru mentos e artifícios para capturar animais. Cresce a impor tância da caça como fonte de subsistência e com ela à im- • portância do homem sôbre a mulher. A família se organiza sob a forma poligâmica, debaixo da autoridade tirânica do homem. Entretanto, a própria organização familiar tende a se dissolver dentro da organização tribal, porque a caça, a grande fonte de subsistência, é feita pela tribo, coletiva mente. Aparecem os clãs totêmicos. O subgrupo dos pastores nômades, que parece ter-se ori g-inado nas regiões centro-oeste da Ásia, Sibéria, região dos Urais, de onde se difundiram para a Europa Oriental e Oriente Próximo. O homem consegue domesticar alguns animais e cria a pecuária. A manutenção dos rebanhos ia obrigar êste sub grupo a invadir regiões sempre mais extensas e a entre· gar-se ao nomadismo. Aparece a família patriarcal, constituindo a unidade econômico-social. Os filhos casados permanecem sob a au toridade do pai. Herança por direito de primogenitura mas culina. Vínculo familiar muito rígido. Supremacia do ho-- 212 FERNANDO BAST'ÜS DE ÁVILA, S. J, mem, mas sem a brutalidade do subgrupo anterior. A mu- lher, mesmo encarregada das tarefas menos pobres, não é � desprezada, devido à grande importância atribuída à des- , cendência. e) As culturas secundárias. Nasceram da contammação mútua das culturas prece-. dentes, e deram origem a tipos. de organização familiar, nos quais as características das organizações anteriores se mis turam e se atenuam. Como se pode observar da exposição acima referida, para a Escola de Viena, a. evolução da familia segue um ro teiro inverso ao descrito por outras escolas. A forma primi tiva da família teria sido a monogâmica. Tõdas as mais for mas seriam degenerescências aparecidas sob a influência de fatôres predominantemente econômicos, relacionados com o tipo de produção. • Não há dúvida que, pelo rigor do método adotado, é a Escola de Viena que, entre tôdas, concilia mais a confiança num assunto tão obscuro e aindatão controvertido da ori gem da família. Alguns autores consideram superada a Escola de Viena pelo fato de basear-se ela exclusivamente numa hipótese difusionista, parecendo desconhecer a possibilidade de um parale1ismo cultural. .Segundo êles, fatos culturais idênticos podem ser explicados não s6 pela sua difusão no espaço, quanto também pela invenção paralela em diversos pontos do espaço, nos y_uais necessidades idênticas teriam sugerido in venções parecidas. Não negamos a possibilidade do parale-.. lismo cultural. Cremos porém que a multiplicidade dos fatos culturais idênticos descobertos pela Escola e a própria iden tidade dos detalhes dêstes fatos encontram sua explicação mais ·óbvia em um dif usionismo suficientemente preciso para justificar a delimitação das áreas culturais. \ .. INTRODUÇÃO Á SOCIOL-OGIA 213 § 2) . A · FAMíLIA CONTEMPORÂNEA I) Funções da família. A família conserva ainda hoje quatro grandes funções : a procriativa, a da educação e treinamento social da prole, a econômica e a emocional. O modo pelo qual a família se desempenha destas f un ções varia segundo seu próprio tipo; sempre, porém, de um modo ou de outro, ela se incumbe das mesmas tarefas. · A função procriativa garante a permanência e a expan são do grupo e é ao mesmo tempo um fator de promoção dos cônjuges. No plano natural, a paternidade a maternida constituem a via normal pela qual o homem e a mulhei· atin gem a sua plenitude biológica e psíquica. Pela função educativa, a família proporciona à sua pro le os meios necessários para participar da vida 80cial : en sina-lhe os rudimentos da língua, inculca-lhe oR hábitos in dispensáveis para poder viver em sociedade. A vida social requer um longo aprendizado, que só pode ser ministrado através de uma ação perseverante, que desce aos mínimos detalhes. É a f amUia que nos ensina a assumir com natu ralidade inúmeros comportamentos e atitudes, sem os quais -. ,s�ríamos uns desajustados e .tornariamos insuportável a vida em grupo. Pela função econômica, a. família procura os meios d e subsistência e d e confôrto, a base material necessária ao desempenho das demais funções. Esta tarefa é realizável normalmente pela divisã.o do trabalho entre os diversos com ponentes da família. A tendência, ainda hoje predominan te, confere aos elementos masculinos os trabalhos fora do lar, e aos elementos femininos os trabalhos domésticos. Esta lei, entretanto, não é absoluta e mesmo na fan1ília ocidental, ao menos nos países em vias de desenvolvimento, j á se notam tendências marcantes que solicitam a mulher para fora do lar e distribuem a todos' os membros da fa .. mília as tarefas domésticas. 214 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. A função emocioual, enfim,. baseada na própria com plementaridade dos sexos, garante aos membros da família o equilíbrio emotivo. Não é 1'enor a importância desta fun ção. E'la se afirma pela vivência do amor. A família é o lugar natural onde esta profunda exigência humana se rea liza e se expande : amor mútuo do homem e da mulher, amor de ambos pelos· filhos que são a sintese viva dêles mesmos e a garantia de sua prolongação no tempo, amor dos filhos aos pais e dos irmãos entre si. Quando a família fa lha nesta função, os reflexos desta falência podem trauma tizar profundamente os seus membros· e dar origem a desa justes psíquicos que repercutem em tôda. a sua vida, mes mo a profissional e pública. II) Tipos da família contemporânea. Abstraindo de certas formas de famílias ma triarcais e poligâmicas que ainda se encontram no Oriente, podemos distinguir dois grandes tipos de famílias : A) A família extensa e a família bio16gica--conj ugal. A primeira é uma forma atenuada do patriarcado, pela qual casais unidos por laços de consangüinidade e de afi nidade mantêm relações mais ou menos constantes no de sempenho das funções educativa, econômica e emocional. ::S.:ste tipo de família é ainda vigoroso em nossos meios ru rais e mesmo nos meios urbanos a sua permanência causa estranheza a estrangeiros vindos de meios onde predomina a família conjugal. O americano, por exemplo, que visita o Brasil, fica surprêso quando, convidado para uma "festa de família", se vê en-volvido por uma verdadeira tribo de pa rentes do festejado. B) A família conjugal é a constituída pelo pai, mãe e filhos, pequena unidade que assume ela mesma o desem penho das funções essenciais da família, sem recurso nor mal aos casais consangüíneos ou afins. .. • INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 215 Note-se que se trata de dois tipos de família sociolõgi camente distintos. A primeira compõe-se de casais ; a se gunda compõe-se de indivíduos. No primeiro caso, as fun ções são distrib�ídas normalmente pelos diversos casais ; no segundo, são assumidas pelos pais e filhos. No primeiro caso, quando u'a mãe não pode atender a seus filhos, man da-os para casa de uma irmã ou de uma tia ; no segundo .caso, manda-os para uma instituição pública ou privada. III) Características da faniília contemporânea. A) A família tende a diminuir de dimensões. O ritmo dessa redução de dimensões, porém, é diverso, segundo vá rios f atôres, por exemplo : mais acelerado em meios urba nos do que em meios rurais, menos acelerado em meios ca tólicos. 6 O fenômeno já é sensível em certos meios urbanos do Brasil. Entretanto, a redução se faz lentamente, porque su põe a adoção de métodos anticoncepcionais, os quais nem sempre são aceitos fàcilmente pela con�ciência individual e requerem, na sua aplicação, uma certa evolução cultural pouco acessível à massa. Esta redução das dimensões da família é mais obser vável nos· meios urbanos, por motivos já ponderados ante riormente. e B) A família perde a estabilidade. �ste fenômeno é parcialmente resultante do precedente. Com efeito, a famí lia, de bases cada vez mais reduzidas, é cada vez mais ins tável. E estatisticamente certo que a freqüência de desqui tes e divórcio é maior em famílias pequenas do que em fa mílias numero8as. Contudo, como já anotamos em capitulo � Consultar, a respeito, o abundante material analítico do no tável trabalho de PEDRO CALDERAN BELTRÃO, S. J ., Vers une poli tique de bien-être f amilial - Eléments d' une norma tive économique et · so cial e th la politique familiale, Roma, Università Gregoriana, 1957. � Ver o Cap. III, págs. 77-78. 216 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. anterior, cremos que o principal fator da crescente instabi- lidade da família é de ordem ideológica. Reside, por outras. n· palavras, na concepção hedonista do matrimônio e da famí- lia, pela qual um número cada vez maior de jovens nuben- tes vê no matrimônio apenas uma oportunidade de prazer. Quando, na vida conjugal, o prazer não compensa mais os sacrifícios, o vínculo se rompe, e cada um vai tentar por sua conta novas aventuras. C ) A família sofre uma interferência cada vez maior do Estado, que se atribui sempre mais funç·ões, antes desem penhadas pela própria família. Esta interferência, a nosso • ver, é ambivalente. Até certo ponto é benéfic�, a partir d<> qual se torna malfazeja. É benéfica, eJ].quanto o Estado as sume tarefas de base e deixa à família maiores possibilida des de realizar melhor sua própria essência de intimidade fecunda. Antes, a família devia búscar água, lenha. Hoje,. o Estado introduz em casa a água, o gás e a luz elétrica. Esta interferência se torna maléfica e injustificável, quando o Estado ameaça a substituir-se à mesma família em fun ções que são seus direitos inalienáveis, e para cujo desem penho ela tem qualificações naturais insubstituíveis, princi palmente quando, por circunstâncias por êle criadas, a f a mília perde sua independência econômica e seus direitos de educar a prole. D) A emancipaçã.o crescente da mulher. Hoje, a mu lher ou antes ou depois do matrimônio, é sempre mais soli citada a viver fora do seu lar. A causa dêsse fenômeno deve ser investigada, seja no planodos fatôres econômicos, seja no plano dos fatôres ideológicos. Os fatôres econômicos que atraem a mulher fora de seu lar são representados pelas transformações institucionais e estruturais por que passa a sociedade contemporânea. Prin cipalmente. nos meios urbanos, para poder sustentar a pr6-· pria família, ou para poder acumular algum capital, a fim de constituir seu futuro lar, a mulher é chamada a desem'- INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 217 penhar funções não apenas domésticas. Tanto mais que, para .. . o exercício de muitas profissões, a mulher é especialmente qualificada. É assim um dado estatístico fácil de se verifi car nos anuários de 'qualquer país em via de desenvolvimen to o número crescente de mulheres com ocupação fora de casa. O fenômeno é tanto mais curioso quanto se faz sen tir em um tempo no qual muitos países lutam com o proble ma do desemprêgo da população masculina. Entre os fatôres de caráter ideológico, devemos assina lar principalmente a tendência feminista que procura a. emancipação da mulher e a sua perfeita igualdade com re lação ao homem. O feminismo, como fenômeno sociológico, merece de nossa parte um pouco mais de atençã.o. Desde seus inícios, o Cristianismo atuou �ôbre as estru turas sociais como um fator de promoção da mulher. Entre· tanto, durante tôda a Idade Mé.dia a mulher desaparece ante :J o homem na vida pública. Ela constitui apenas um sir:.al de beleza e de nobreza : o ideal cavalheiresco da dama. Na vida particular, entretanto, dispõe de uma autoridade moral que lhe permite igualar-se ao homem. O caldeamento entre êsses dois elementos, autoridade jurídica do homem e autoridade moral da mulher, depende naturalmente dos casos, das re giões e das diversas classes sociais. Com o Renascimento e o início do processo da laiciza ção da cultura ocidental, a Igreja foi perdendo pouco a pou co a tutela que exercia sôbre as consciências. Quando, em fins do século XVIII e início do século XIX, começam a se elaborar os grandes códigos• do direito civil contempo râneo e especialmente o de Napoleão, esta influência moral da Igreja .t-3Ôbre as consciências, e em particular sôbre a consciência dos juristas, já se encontrava bem atenuada. Os juristas vão legislar um direito matrimonial já sem a influência benéfica da Igreja na reabilitação da mulher. Ora, como os juristas geralmente são homens, o Direito Ma trimonial elaborado então levará a marca do desejo mas- 2.18 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. eulino de dominação. É então fixada em lei a teoria da in capacidade jurídica da mulher. Como reação contra a situação de inferioridade em que ela se encontrava, aparece o movimento feminista, que nos seus inícios haveria de levar as suas exigências a extremos de reclamar para a mulher absoluta emancipação política, social, econômica e sexual. Entre as pioneiras do movimento feminista, devemos enumerar em França OLIMPIA DE GOUGES, 7 que publica em 1971 a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. No ano seguinte, 1792, MARY WOLLSTONECRAFT 8 publica na In glaterra a sua defesa dos Direitos' da mulher. No mesmo ano, aparece na Alemanha o trabalho de THEODOR VON HIPPEL � sôbre a Melhoria da Vida Cívica da 7 OLIMPIA DE G<>UGES ( 1 7 48-1793 ) , pioneira, na França, sua pá tria, do movimento feminista. Tomou parte ativa nas crises da Re volução francesa, escrevendo numerosos trabalhos sôbre problemas sociais. Iniciou um movimento de participação da mulher na recons trução nacional e elaborou suas toorias de um feminismo extremado em dois panfletos : Droits de la f emme, 1791, e Le bonheur primitif de l'homme, 1789. Morreu condenada à guilhotina. s MARY WOLLS1'0NECRAFT, escritora e feminista inglêsa, nascida em 1759. Os sofrimentos que teve de suportar, desde menina, vítima de um pai irresponsável, muito influíram sôbre seu pensamento. Con seguiu instruir-se e chegar a um apreciável nível de cultura, lutando sozinha contra a pobreza e a adversidade, abandonada pelo homem com quem convivera e do qual tivera sua primeira filha Fanny. Es creveu A vindication of the rights of woman, 1792, que lhe granjeou a notoriedade. Visitou a França revolucionária, e de volta à In glaterra uniu-se ao socialista WILl.JAM GODWIN, o mesmo contra o qual MALTHUS escrevera seu ensaio sôbre a população. Desta segnnda união, nasceu-lhe a filha Mary. Morreu em 1797, depois de ter tentado o suicídio atirando-se ao Tâmisa. 9 T:HEODOR GOTI'LIEB VON HIPPEL, escritor alemão, nascido em Kõnigsberg, em 1741. Entrou na carreira administrativa, ocupando altos cargos em sua terra natal. Escreveu peças teatrais e obras de ficção, que revelam um fino espírito humorista. Foi amigo de KANT, cujas idéias procurou difundir em seus escritos. Combateu com vigor a exclusão da mulher das atividades civis e científicas, em suas obras : über die Ehe, 177 4, Ober die bürgerliche Verbes.�erung der W eiber, 1792, e über Weibliche Bildung, obra póstuma, publicada em 1801 . Morreu em 1796. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 219 Mulher. Entretanto, é ELLEN KEY, 1º ql_le, com sua intensa atividade publicitária, é considerada a verd��eira mãe do .. ��Y.�!!:1:�nt9··---��!!J:Üli§.t� __ __ç2ntemi>.QJâneo. O feminismo aparece sob dupla forma : uma forma ex- tremista e outra moderada. As principais reivindicações da tendência extremista são : J.) emancipação sexual da mulher. Esta tendência vi sav · a desligar a sexualidade da fecundidade, e a fecundidade do matrimônio. Fecundidade era considerada um instinto que a mulher tinha o direito de satisfazer. Da mesma forma, a sexualidade. O feminismo reclamava a favor da mulher a mesma complacência com que a sociedade considerava as faltas congêneres do homem ; 2) emancipação juríàica da mulher. A tendência re jeitava qualquer sujeição ao homem e propugnava a per feita igualdade entre o homem e a mulher. tanto na vida particular como na vida pública ; 3) emancipação econômica, considerada como a basü indispensável para a emancipação absoluta da mulher. A mulher só seria realmente livre e emancipada quando dis pusesse de poder aquisitivo próprio. .Segundo esta tendên cia, a mulher durante a maior parte de sua vida seria uma produtora como o homem e episodicamente reprodutora, em benefício do Estado. Daí a simpatia que o môvimento en controu por parte das tendências socialistas. 10 ELLEN KDY, feminista, nascida na Suécia, em 1849. Profes sôra em Estocolmo, interessou-se pela literatura íemi.nista da época, que propugnava igualdade de direitos para a mulher. Via, entretanto, o êrro da tese feminista, e a impossibilidade para a mulher compe tir com o homem. Para KEY, a mulher é essencialmente destinada à maternidade. Foi por isto violentamente atacada pelas feministas ex tremadas. Muitas 4as, i_�éias P9_!. �la pela primeira v� defendidas �êm hoje e�pressão c_orrente no direito social, como : seguros de ma ternidade, disp�nsa do tralialho das mulheres meses.-�..!!!.�.�--- e depois do J) rtõ Suas prmcipais obras foram: The century o/ the Child, W09, ie Frauenbewegung, também vindo à luz no mesmo ano. KEY morreu em 192.6, depois de participar de movimentos pacifistas. 220 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. É curioso observar que, na Rússia, imediatamente após a revolução de 1917, procurou-se legalizar esta situação ab solutamente emancipada da mulher. Tôdas as tendências contrárias eram designadas como preconceito burguês. As conseqüências sociais, porém, desta liberdade acarretaram uma tal decadência moral, que o próprio govêrno soviético foi obrigado a retroceder nas suas concessões. Hoje, a le gislação familiar soviética é, no tocante à liberdade da mu lher, extremamente austera. P. ... tendência feminista moderada, sem cair nos exageros. da tendência extremista, reconhece a inadequação do Direi- . to Civil atual, no que concerne à posição r€spectiva da n1u lher na família com relação ao homem. Rtclama por ist<> uma revisão do Direito Civil. Asupressão das incapncida· des legais e da potência marital visa organizar a vida da família mais sob a forma de colaboracão entre o homem e a .. mulher, do que sob a forma de subordinação desta àquele. Esta tendência moderada reclama também a igualdade de instrução do homem e da mulher, porque a possibilidade de acesso a profissões compatíveis con1 seu sexo depende inui tas vêzes do nível de instrução. Tal movimento j á desperta interêsse no Brasil e suscita mesas-redondas e debates enÍ tôrno do problema. Se pretendermos formular um juízo de valor sôbre n feminismo, notaremos que a tendência extremista, visando à absoluta. emancipação da mulher e à sua perfeita igual dade para com o homem, parte de um equívoco. Na reali dade, a mulher não é igual ao homem por natureza, tanto biológica, quanto psicologicamente falando. Assim, não é possível conceder-lhe as mesmas atribuições na vida públi ca. A tendência extremista não só parte de um equívoco, mas conduziu a um equívoco maior. Visando a dar maior liberdade à mulher, na realidade veio expô-la a um grande número de ·servidões. A mulher só é livre e soberana na in timidade do seu lar, criado por ela e da qual ela é a verda deira artífice. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 221 A êste propósito, ocorre-nos aqui o dito de CHESTERTON : "as mulheres disseram: não ouviremos nunca mais ordens ditadas pelos hon1ens. No dia seguinte, havia. no mundo dois milhões de estenógrafas". A tendência extremista, além disso, pretende libertar · a mulher do complexo de inferioridade que sofria diante do homem. De fato, agravou êste complexo. Insinuou que a mulher só poderia superá-lo fazendo.se igual ao homem. Nunca, porém, ela poderá conseguir identificar-se ao ho mem, porque não dispõe das mesmas qualidades biológicas e psíquicas. Enquanto desejar ser homem, só poderá ser um homem frustrado. Quanto ao feminismo moderado, pode-se dizer, cre mos, que se insere na linha do Cristianismo, que, desde os seus inícios, reabilitava a mulher. Parece-nos perfeitamente justo que sejam dadas à mu lher as mesmas possibilidades de promoção cultural que a sociedade oferece ao homem. Dizia.se, com efeito, que a mulher é intelectualmente menos dotada que o homem, mas não se lhe ofereciam as mesmas possibilidades de cultura. É sabido que . o fenômeno do acesso das mulheres às univer sidades é um fato relativamente recente. Uma vez conse guidas as mesmas oportunidades de formação cultural, a capacidade feminina revelou.se perfeitamente idêntica à mascu1ina em suas habilitações intelectuais. § 3) A FAM1Ll1' ... NO BRASIL 1) Mesmo sem nos filiarmos ao Sociologismo do tipo . durkheimiano, e inantendo-nos no ponto·de-vista da obser vação puramente sociológica, devemos admitir a existência de um ser familiar, que não é igual à simples soma dos membros da família, mas que os transcende e envolve. Não damos a êste ser familiar, como faria DURKHEIM, uma consistência própria, independentemente dos membros. 222 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. da família ; mas reconhecemos que êste ser não desaparece, mesmo quando vão desaparecendo os seus componentes. A verificação mais inequívoca da existência dêste ser familiar se encontra no fato de ser êle dotado de um potencial de ação, como notávamos antes. O ser familiar cria, educa e plasma os seus membros. Dá a cada um o seu relêvo e a sua função própria. Nem se pense que esta eficácia criadora e formadora da família se processa apenas no sentido da ação dos pais sôbre os filhos. É ela, ao contrário, constituí da por uma rêde de relações que se trança em todos os sen tidos : dos pais entre si, dos filhos entre si, dos pais aos fi lhos e também dos filhos aos pais. É· o que ilustra a expres são tão rica de OTMAR SPANN : "se é a mulher que faz da criança um homem, é a criança que faz da mulher u'a mãe". Aliás, a existência do ser familiar é comprovada diària mente por uma verificação empírica. Cada vez que, voltan do do torvelinho da cidade, nos acolhemos ao seio da famí lia, experimentamos uma diferença de densidade. Sen timo-nos envolvidos por um ambiente diverso que nos acolhe numa atmosfera de confôrto, de carinho, ou de preocupações e tensões. Êste ser familiar atua de tal maneira sôbre seus membros, que é bem diverso o comportamento público e profissional de quem vive numa família harmoniosa1nente integrada, do daquele cuja família atravessa uma crise qual quer. II) Ora, a família brasileira, como tal, atravessa uma crise. A pequena família biológica-conjugal, a pequena uni dade familiar composta dos pais e dos filhos, fazia parte de uma unidade maior, a família extensa, que poderemos chamar a f arnília patriarcal. 11 A família conjugal nascia e crescia dentro do contexto patriarcal, no qual tinha uma 11 . A :formação e evolução da família patriarcal brasileira foram estudadas por GILBERTO FREYRE, nas suas duas grandes obras: Casa Grande e Senzala, Rio de Janeiro, José Olímpio Ed., 1950, e Sobra dos e Mucambos, ibid., 1951. INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 223 garantia ffnanceira e uma garantia de estabilidade emocio nal. Entretanto, o patriarcalismo ainda vivo entre nós, em algumas regiões, nos meios urbanos, conserva apenas alguns. elementos residuais,. de cuja existência temos consciência apenas em alguns' momentos da vida : uma data festiva, um casamento, um funeral, que reúnem por algumas horas. a grande unidade patriarcal. Acontece, pois, que destruída essa solidariedade inter· na da família patriarcal, nada veio substituir os mecanis mos de defesa da pequena unidade conjugal, que se encon·· tra exposta a fôrças de desintegração, típicas de uma socie dade em transformação de estrutura como a nossa. Sozinha,. esta família é envolvida e muitas vêzes esmagada na luta. pela existência. III) A família conjugal não tem defesas. Nosso di reito civil não toma conhecimento da realidade do ser fami liar. Nossos civilistas de 1916 eram herdeiros de uma tradi ção liberal, eivada de individualismo e sem o menor senso· comunitário. Nosso Código Civil, por tantos títulos aliás, uma obra notável, tratando do Direito Familiar, limita-se de fato a legislar sôbre os direitos e deveres das' partes em pre-· sença e sôbre o patrimônio. Não deu uma defesa jurídica à. família como tal. Não lhe deu mecanismos de proteção que .. f ôssem sucedâneos dos que ela tinha no seio da família l)a triarcal. Temos assim uma situação paradoxal : os interêsses. políticos dos indivíduos se aglutinam e reúnem em partidos. aos quais a lei reconhece e defende ; os interêsses econômi cos e profissionais se constituem em sindicatos, que também� têm o reconhecimento legal. Só os interêsses familiares, que são tanto ou mais profundos que os precedentes, não são prà· ticamente reconhecidos e não têm uma garantia jurídica. Assim desprotegida, nossa família se encontra exposta .. a fôrças de desintegração, que examinamos mais acima. Se a familia corresponde a interêsses fundamentais do· homem e se ela, dada à conjuntura de nossa evolução só- 224 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . .cio-econômica, sofre o impacto crescente de fôrças de desin tegração, o mínimo que se poderia pedir ao Estado seria o reconhecimento legal do ser familiar como sujeito de direi tos e deveres. Uma das expressões j urídicas dêste reconhecime_nto se ria, por exemplo, a criação no Legislativo de uma Comissão da família, que representasse e defendesse os seus interês .ses específicos. A idéia é propugnada por um ilustre jurista ·brasileiro, o Prof. CELESTINO DE SA FREIRE· BASÍLIO. Qual ·quer projeto que interessa à família como tal vai para a Comissão de Justiça ou para a Comissão de Finanças. A ·primeira j u1gá-lo-á à 1uz de um direioo familiar obsoleto ; a .segunda, dentro das possibilidades orçamentárias. Nem uma ·nem outra está em condições de apreciar o assunto no seu ·verdadeiro contexto : à luz dos supremos interêssesda pró .:pria família brasileira. A P � N D I C E • DOUTRINA DA IGREJA RELAl'lVA À FAMíLIA A Igreja, conciente de sua missão essencialmente reli giosa, recebe do Direito Romano as estruturas da família, e não pretende reformá-las por uma ação direta no plano civil. Pouco a pouco, porém, com sua preocupação moral, haveria de introduzir os elementos capazes de atenuar o acentuado patriarcalismo da família romana. Na formação da Doutrina da Igreja, com relação à fa mília e ao matrimônio, podemos distinguir doi� aspectos : o aspecto moral e o aspecto canônico. I ) O aspecto moral do matrimônio e da família. De início, a lgrej a preocupa-se pelo matrimônio e pela família do ponto-de-vista moral : por outras palavras, intro duz a preocupação moral no matrimônio. Qualquer fàlta con tra o matrimônio, que em Direito Romano tinha um valor quase que exclusivamente social ou político, recebe, num cli ma cristão, uma conotação moral. Não é apenas um ato anti-social, mas um ato imoral, com tôdas as referências teológicas que um tal ato implica. Com esta preocupação, a Igreja introduz exigências qua se in�eiramente ignoradas e estranhas ao paganismo. Co meça a pregar a castidade pré-nupcial e nupcial. Exalta o 226 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. ideal da castidade e o dever da fidelidade, considerando-os absolutamente iguais para o homem como para a mulher. Temos, a êste respeito, o testemunho de SANTO AMBRÓ SIO, no século V : "apud nos, quod mulieribus non licet neque viris fas est". Era ainda a preocupação moral que levava a Igreja a conferir o matrimônio a tôda união moralmente honesta, mesmo entre escravos, como entre um escravo e uma pessoa livre. Desde os. seus inícios, a tradição cristã prega o matri mônio como união una e indissolúvel. E interessante notar que ela defende sempre a indissolubilidade, apesar de conhe- . cer um texto evangélico que, aparéntemente, poderia forne cer argumento à tese da dissolução do matrimônio, em caso de infidelidade de um dos cônjuges. Referimo-nos ao texto do capítulo XIX do Evangelho de SÃO MATEUS - versículo 3 e seguintes. Respondendo a uma pergunta dos fariseus sôbre o direito que assiste ao homem de repudiar a sua es pôsa, Nosso Senhor diz : "aquilo que Deus uniu, que o ho mem não separe'' ; e acrescenta : "digo-vos que quem quer que repudiar a sua espôsa, a não ser por causa de fornica ção, e casar-se com outra, comete _adultério". O inciso, que durante muito tempo preocupou os exege tas, é precisamente o nisi ob f ornwationem. Exegetas protestantes vêem neste inciso a possibilida de de repudiar a espôsa infiel. Entretanto, apesar da exis tência dêste texto, a tradição da Igreja foi sempre unânime em considerar como adultério as segundas núpcias de uma pessoa que repudiasse o cônjuge infiel. Esta permanência da prática eclesiástica hauriu da própria tradição o senti do autêntico do texto, que deu origem a tantas controvér sias entre os exegetas. Hoje, a interpretação mais aceita entre os herrneneutas católicos foi elaborada por JOSEPH DE BONSIRVEN, 12 após de- 12 JOSEPH Dl!I BONSIRVEN, S. J., Le divorce da.ns le Nou'V6at1 Teata.ment, Paris, Desclée, 1948. . .. : • INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 227 morados estudos históricos e lingüísticos. Segundo o refe rido autor, .o têrmo aramaico do Evangelho de SÃO MATEUS, trnduzido em latim, pelo vocábulo de fornlcatio, na realidade �e referia a uma prática muito corrente entre os judeus contemporâneos de Cristo : a prática do concubinato. No tem po de Cristo, a poligamia patriarcal não era mais reconhe cida nem admitida. Entretanto, sobrevivia sob a forma de um concubinato n1ais ou menos clandestino, e a palavra ara maica empregada por SÃO MATEUS, não só tinha a significa ção de um ato contrário à castidade conjugal, como também se referia a esta prática do concubinato. Assim, a frase de Nosso Senhor, esclarecida pelos estudos etnológicos da Pa .. lestina dos primeiros séculos recebe êste sentido : não é lí cito ao homem repudiar a mulher, a não ser que se trate daquela com a qual vive em concubinato. Para entender a Doutrina Moral Católica relativa ao matrimônio e à vida conjugal, é mister colocar-nos, de iní cio, na perspectiva de uma análise fenomenológica do amor humano. O movimento do amor começa sempre pela intuição de um valor, de algo que é um bem para nós, que desejamos possuir. Na sua primeira vibração, o amor é assim, um de sejo de posse, um projetar .. se da vontade e de todo o ser sô bre aquilo que se intuiu como um bem. No caso do amor humano, entretanto, quando êsse bem é uma pessoa, aquêle que ama percebe, num segundo momento, que não o poderá. possuir como se possui uma coisa. A coisa se entrega total mente. A pessoa não cede a plenitude do ser, a um gesto de posse. Aquêle que ama, intui que para possuí-la, s6 há um gesto : é o gesto do dom. Só cedendo a plenitude do pró prio ser, é possível possuir a plenitude do ser do outro. :msse o paradoxo e a dialética do amor, que na sua essência é, portanto, um dom total. Insistimos em que não estamos fazendo aqui uma lógica verbal, uma simples manipulação de frases, mas procurando fixar o processo de uma vivência íntima que só pode ser com- • • 228 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. preendida através de uma referência contínua à própria ex- periência interior. É o caso de repetir com SANTO AGOSTI NHO : "da amantem et scit quid dicam - dá-me alguém que ame, e entenderá o que digo". O amor, na sua autenticidade incontaminada, é, assim, _dom, e dom total. Dom total diz plenitude e irreversibili dade do gesto de entrega. Não admite reserva. Não admite condições. "C'est à laisser ou à prendre". Qualquer reserva ou condição afetaria essencialmente a natureza da vivência em aprêço. Não seria mais amor, penetraria no plano do cálculo. Note-se, porém, e é importante que fique bem claro, não estamos confundindo amor-humano, com amor-paixão, com paixão cega. A plenitude e a irreversibilidade do dom de maneira nenhuma comprometem a lucidez no conhecimento da pessoa amada. Também aqui, só uma referência a uma experiência interior, só um processo de redução fenomenológica, permi tem ver a diferença entre amor-dom total e amor··paixão cega. ·:e:ste último é um amor que não ultrapassa o primeiro momento do processo acima descrito : é um amor que per manece desejo de posse. É um amor egoíAtico. O amor-dom é o têrmo de um processo no qual se descobriu a dignidade da quele ou daquela a quem se faz a entrega total. É nessa perspectiva que se deve inserir o problema do divórcio . .A,s estatísticas revelam que a possibilidade legal do di vórcio tende a multiplicá-lo. Mas não nos interessa tanto aqui o dado estatístico, quanto à sua causa profunda. E esta reside no fato que a Rimples possibilidade legal do divórcio introduz um equívoco na natureza mesma do amor. Não é mais dom total, mas dom com reserva. Em todo matrimônio, ela segreda sub-repticiamente aos cônjuges uma reserva que não ousariam formular-se : "uni dos ! . . ·enquanto der certo". Ora, a psicologia conjugal re vela que� em dado momento, a vida a dois passa por uma fase quase inevitável, aquela em que parece que nada dá • ' .... INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 229' certo. Com efeito, o amor-humano entre o homem e a mulht·r evolui segundo uma lei que obedece ao esquema dialétieo he geliano. Na primeira fase, a tese, de duração variável, tudo vai bem. É a fase que chamaríamos do amor ingênuo. A inten sidade das experiências humanas, a descoberta da vida em comum, as alegrias primeiras da paternidade e da materni dade, tudo, enfim, facilita o curso das coisas. Tudo se des culpa sem sacrifícios, numa atmosfera de euforia. Normalmente, porém, essa fase não dura sempre. Con- d uz a uma antítese, na qual os cônj uges já se conhecem me lhor em seus defeitos e limitações. As novidades tornam-se monótonas. As alegrias tornam-se responsabilidades.