Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.

Prévia do material em texto

FEHNANDO BASTOS DE ÃVILA, S. J. 
INTRODUÇÃO 
' 
A 
SOCIOLOGIA 
CAPA DE 
HELENA GEBARA DE MAC�.:,·:-&.�.'� ... '.'--. 
li" ; .(· ··• J . 
� : . .· ,. 
, t •. 
'() ' 
/· 
.. . ·.·· . "·•.' /,·., 
4.ª edição - · ,
' ()\ 
revista e amp\jadà ..Z... 
1970 
.. . .' r • O\ . .· � r. '(11 •. , ....-< \ 
\ 
.· . 
�. .J
. 
• • 
. ' ., \.. .• '":' •.
. 
r:-
. ·'!.;:"' ,. • 
,.- !:-r:1 · 
. . 
. ' . 
. . .. . t ; '--l: 
� 
.,,-
/ 
Livrar/a AGIR �tlilôr.t. 
RIO DE JANEIRO ' 
Cowf'iuht de 
ART1t;s GRAFICAS IND1'STRTA� RF.TTNTDAS S. .\. 
(AG I R) 
NIHIL OBSTAT 
P. Armandus Cardo8o, S. J. · 
Praep. Provin. Brasil centralis 
22-X-1961 
IMPRIMATUR 
P. Josephus da Frota Gentil, S. J. 
Censor Deputatus 
30-X-1961 
Livraria AGIR �dllôra 
Rua Br•uHo Gomes, 126 
(ao lado rla Bibl. Mun.) 
Tt>I.: ��4-8300 
Caixn Po�tnl 6040 
São Paulo - SP 
Rua México, 98-B Rua Espirito Santo, 846 
Tel.: 242-8327 Loja 16 
Caixa Postal 3291-ZC-OO Tel.: 22-3038 
Rio d.� Janeiro Caixa Po�tal 733 
• 
Guanabara Belo Horizonte - MG 
Enderêço Telegráfico: "AGIRSA" 
\ .. 
...... 
• 
A 
MEUS MESTRES 
A 
MEUS ALUNOS 
' 
·,, 
, 
• 
1 
fNDICE 
J>refácio à 1.ª Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 
Prefácio à 2.ª Edição . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13. 
1.ª PARTE: QUESTõES PRÉVIAS 
Introdução 
Capítulo 1: 
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 
Noção de Sociologia . • • • • • • . • � . • • • • • • • • • . • • • 
17 
23. 
§ 1. A Sociologia como ciência . . . . . . . . . . . . • . . . • . . • 23" 
§ 2. A Sociologia como ciência positiva . . • • • • • • • • • . 86 
Apêndice: O ensino das ciências sociais no Brasil . • . • • • • . 42· 
Leituras complementares . • . . • • . • • • . • . • • • . . . . . . . . • • • . • • • 57· 
2.ª PARTE: CONDICIONAMENTOS DO FATO SOCIAL 
Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 61. 
Capítulo II: O fat.or ambiental • . • . • • • • . • . • . • • . • • • • . • • • 68: 
§ 1. N oç.ão • • • • • • • • • • . • • • • • • • • • • • • • • • ........... • • • • • • • • • • • 63 .. 
§ 2. Classificação . . . . . . . . . . . . . • • . . . . . . . • • • . • • . . . . • 65-
§ 3. Influência social do quadro geográfico • • • • • . . • 66 
Leituras complementares • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 76. 
Capitulo III: O fator demográfico • • • • . • • • . • . . . • • • • • . • . . 77· 
§ 1. Aspectos sociológicos da estrutura de uma popu-
lação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 78. 
§ 2. Análise dinâmica da população • • • • • • • . • • • • • � • • 88. 
Leituras compl.entares • • . . . • . • . • • • • • • . • • . • • . . . . • • . . . 107 
Capitulo IV: Fatôrea bio-psico16gicos • • • . • • • • • • • • • • • . • • • 108: 
1 1. Análise estática da personalidade • • • • • • • • . • • • l'OS. 
§ 2. Análise dinâmica da personalidade . • . . . . . . . . . . 115 
�ituraa complementares • • • • • • • • • • • • • • • • • 
•
• • • • . • • • • • • • • • 124 
l O }�ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
a.� JIA1tT�!: O PLANO SOCIAL 
l 11 tr<>d uçiio . . . . . . . . . . . . . . . • • . • . • . . . • • . . • . . . . . . . . . . . . . . . 127 
Cnpitulo V: A dimensão micro-sociológica . . . . • . . . . . . . . . . 130 
§ 1. A perspectiva vertical . . . • • • . . . . . • . . . . . . . . . . . 130 
§ 2 . A perspectiva horizontal • . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . 145 
Apêndice: A Sociometria . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . 150 
Leituras complementares . • . • • . . • . • • • . • . • • • . • . . . • . • . . . . • 154 
\_Q�;Í{uJ.L v:J) A dimensão macro-sociológica. Os grupos 
formaIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 155 
§ 1. Nominalismo ou realismo sociológico? . . . . • . . . . . 156 
§ 2. Tipologia dos grupos . . . . . • . . • . • . . . . . . . . . . . . . . 17 4 
§ 3. Dinâmica dos gr11pos • • • • • • • • • • • � • • • • • • . . . • • • • 197 . 
Leituras complementares . • • . • . . . . • . . . . . . • . . . • _ . . • • . . . . . . 201 
Capítulo VII. Os grupos concretos. A família . . . . . . . . . . . 202 
§ 1. Teorias sôbre a evolução da família . . . . . . . . . . 202 
§ 2. A família contemporânea . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 213 
§ 3. A família no Brasil . • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 221 
Apêndice: Doutrina da Igreja relativa à família . . . . . . . . 225 
Leituras complementares . • • . . . . . . . . • . . • . . . . . . . . . . . . • . . . 236 
Capítulo VIII: As classes sociais . . . . • . . . . • . . . . . . . . . . . . . 237 
§ 1. Conceituação . . . . • • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238 
§ 2. As diversas classes e suas características . . . . . . 253 
§ 3. A formação das classes no Brasil . . . . . . . . . . . . . 257 
Leituras complementares . . . • . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 
Capítulo IX: As sociedades globais . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 262 
§ 1. Análise formal . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . • • . • • • • • 262 
§ 2. Análise de diversos tipos de sociedades . . . . . . . . 273 
Leiturns complementares . . . . . . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285 
4." PAltTJ.!: O PI.ANO CULTURAL 
J ntroduçi"lo . • . . . . . . . . . . . • . . • • . • • . • . • • . • . . • • • . • • . • • • . . . • 289 
Ca1•ítulo X: A cultura t�omo fenômeno social . . . . . . . . . . . . 291 
§ 1. Concc�itunc;iio . . . . . . . · . . . . . . . . . . . . . ... . . . . . . . .- . . 291 
§ 2. J:t�lenwnlml du cultura . . . . . . . . . . . . . . . • . . . . . . . • 294 
§ 3. Sociologia da cultura . . . . . . . . . . • . . . . . . . . . . . 
· 298 
T .t�iturns complementares . . . . . . . . . . . . . . . . • • . . . • • . . . . . . . . 309 
tndi<·'-� nnnlíti(•o . . . . . . . • • • • . • • . • . . . . . • • . . . • . . . . • . . • . . . . . 311 
lndict• dt' nomes citados . . • . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 317 
PREFACIO À 1. ª . EDIÇÃO 
As notas que agora a'P'f'esentamos nesta INTRODUÇÃO À 
SOCIOLOGIA são os resultados da experiência do Autor como 
.aluno e como 'J)'rofessor. 
Como alu,no, o Autor percebeu duas grandes correntes 
·na elaboração dos textos de Sociowgia: a corrente anglo­
saxônica e a corrente latina. A primeira, re'J)'resentada pelos 
1J,atores inglêses e americanos, mais episódica, mais enci­
.clopédica, e ao mesmo tempo mais aderente ao real. A se­
gunda, mais freqüente entre autores de ex'J)'ressão francesa, 
mais sistemática, mais preocupada com a estryturação ló­
gica da matéria. 
Cremos que as duas correntes têm suas vantagens. A 
primeira oferece uma visão ampla do campo sociológico, e 
maior senso de realismo e de praticidade. Mas, por outro 
lado, dominar uma ciência nã-0 significa apenas possitir inú­
·meras idéias esparsas sôbre um assu11.to. lmpli,ca também 
na criação de uma estrutura mental, na qual as idéias rece­
bam uma concatenação lógica. E é esta a superioridade in­
contestável da segunda corrente. 
A experiência do Autor, como professor, visou, prin­
eipalmente, a -.chegar a uma elaboração da sociologia que· 
·conciliasse essas duas vantagens. 
A divisão da matéria nos diversos planos, escalas e 
dimensões, parece dar ao aluno uma certa capacidade de 
,,. 
. 
• 
1 '. � l•'l•:I< NA N l>O BA �TOS DE ÁVILA, S. J. 
""'º onlnmrúo "" t�o1nplcxidade dos assuntos cobertos pela 
.\�111·iolo,t1ia. (! lilu�rtá-lo de um enciclopedismo estéril. 
/'or outro lado, porém, a divisã,o é bastante ampla para 
iu/,·11rt1.r tmt xi, ordenadamente, todos os temas de real inte­
.,.,:11.'lt' t/IW constituem instrumentos conceituais mais pene-· 
f.nrnfrx na realidade social. 
Nmntltado da experiência, de um aluno e de um mestre,. 
nftn obrasó poderá beneficiar-se com as correções, adições· 
f! .'fu.pressões que amigàvelmente lhe sugerirem os que fo­
ra:m o.u os que são melhores mestres e melhores alunos do· 
que o Autor. 
Rio de Janeiro, 8 dê dezembro de 196()1 .. 
• 
1.ª PARTE 
QUESTõES PMVIAS 
/ 
' 
Examinamos, na segunda parte dêste livro o plano do 
fato social global que chamamos de pré-social, o qual com­
preende os diversos fatôres naturais que condicionam a vida 
dos grupos e oferecem o contexto dentro do qual se insere. 
Na terceira parte, procuramos estudar o fenômeno so­
�ial em suas dimensões micro e macro-sociológicas, termi­
nando com o exame de diversas tipologias dos grupos e das 
sociedades globais e dedicando nossa atenção, a título exem­
plificativo, a dois tipos de grupos: a familia e as classes 
sociais. 
Nesta quarta e última parte, pretendemos examinar o 
plano cultural, cujo objeto passamos a definir. 
O homem, vivendo em grupos, cria, produz, individual 
e coletivamente, aquilo de que necessita para a satisfação 
de suas tendências. Essas criações s·ão inúmeras na sua va­
riedade : sistemas de símbolos orais e escritos, instrumen­
tos, habitações, cidades, meios de transporte, códigos de 
leis, instituições, obras de arte. O conjunto destas criações 
chama-se cultura e o que no seu estudo nos interessa agora, 
e constitui o objeto desta quarta parte, são as relações en­
tre ela e a vida em grupo, são as relações entre o plano 
cultural e o plano social. Por outras palavras, é nossa in­
tenção examinar aqui as influências que a vida social exer·, 
IH l<'EltNANOO BAS'IQS DE ÁVILA, S. J. 
uo:-\�o cm vias de desenvolvimento. Pessoas capazes de de­
:it•n1p�nhar esta função estão sendo cada vez mais solicita. .. 
tluH, a ponto de já lhes ser garantida uma carreira, um meio 
de vida, de vastas perspectivas. 
Para compreender-se a importância da função do so­
ciólogo, teríamos de partir de algumas reflexões relativas 
à atual conjuntura sociológica brasileira. 
Assumindo o risco de repetir uma verdade acaciana, 
diríamos que o nosso momento histórico se caracteriza pelo 
fato de vivermos um problema social. Entretanto, o têrmo 
problema social, de tão empregado, perdeu completamente 
sua precisão e, antes· de utilizá-lôs como instrumento de 
análise, importa defini-lo com exatidão, sob pena de ficar 
em generalidades. 
A expressão problema social implica, numa primeira 
aproximação, na idéia de desajustes coletivos, resultantes da 
própria vida em grupo e afetando a essa vida. Restringindo 
agora nossa atenção para o conceito de desajuste, verifi­
camos que sugere a idéia de inadaptação entre dois elemen­
tos que deveriam coadunar-se. É neste sentido que se fala 
de uma roupa,_ ou um.a peça desajustada. Tratando-se do 
âmbito social, quais serão os dois elementos cuja mútua ina­
dequação determina o desajuste que constitui a essência 
do problema social? Utilizando categorias conceituais elabo­
radas por G. SIMMEL, diríamos que êsses dois elementos são, 
por um lado, as estruturas sociais, - as objetivações do es­
pírito, na terminologia de SIMMEL, e por outro, a vida .social. 
As estruturas sociais são o elemento estático da reali­
dade social global, os fatôres de fixidez e de permanência 
que garantem ao grupo sua identidade consigo mesmo, no 
tempo e no espaço. O têrmo tem uma origem arquitetônica, 
que auxilia a compreensão de sua aplicação social : estru­
tura é a armação de concreto do edifício. A organização do 
direito constitucional administrativo, civil, penal e social, a 
organização econômica, as instituições de tôdas as nature­
zas, a organização da previdência social, a organização sin-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 19 
ti i<�al, as organizações de crédito, de produção, os mecanis­
moH de distribuição de renda, tudo isto, e muito mais ainda, 
fo11i-1titui as estruturas sociais. 
A vida social é o elemento dinâmico da realidade social, 
�úo êl.B potencialidades biológicas e psíquicas do grupo em 
<'011Línua transformação, em incessante ação criadora, com 
Htm fôrça de expansão demográfica, com suas característi­
ruK psicológicas, com sua composição étnica, com suas as­
J>i 1·ações e idéias coletivas. 
Esta vida em expansão exerce continualllente pressão 
11a:-1 estruturas. Por outras palavras, as estruturas s·ão con-
1.i 11 uamente distendidas por dentro, pela dinâmica da vida 
que se orienta nas direções mais inesperadas. Daí os desa­
j u:-iies, daí a sensação coletiva de um problema social. 
Esta conceituação de problema social nos encaminha 
para um ensaio de interpretação do problema social brasi­
h•iro, e de nossa atual conjuntura sociológica. Se o nosso pro-. . 
blema social se formula em têrmos de desajuste entre as 
PHtruturas e a vida, sua solução só pode ser formulada em 
t.l"n·mos de interiorização ou de vitalização das es..t'ruturas. 
Normalmente, não existem problemas de desajuste, por 
4'xemplo, no interior do corpo humano, apesar de possuir 
úl<� um sistema ósseo, como elemento estrutural de susten­
t.rn:iio e de estabilidade. Isso não sucede porque, no corpo, a 
1n·6pria estrutura é vida, é penetrada de vida e evolui com 
•'ln. Não é um sistema rígido impôsto de fora, e pesando 
Môbre a vida . 
• Tá podemos formular agora em têrmos precisos qual 
n mi�Rão das Ciências Sociais na atual conjuntura brasilei-
1·u: compete-lhe justamente ser um dos fatôres dessa vita-
111.nção de nossas estruturas sociais. Cabe-lhe auscultar as 
pttlKações dessa vida, interpretá-las com exatidão e objet1� 
vlcliufo aos responsáveis pelas estruturas, muitas ·vêzes in-
\ (�onM-cientes das mutações da vida. No sociólogo, a vida 
tmdal toma consciência de si, e o que era desajuste mais 
vivido, se.ntido, do que coneeitualizado, consegue formular-se 
l•'lfüNANl>O BAS1'0S DE ÁVILA, S. J. 
t•m t<.!rmm� científicos capazes de abalar a placidez daque­
l(•:-c que são investidos de autoridade. O sociólogo permite 
o <liidogo entre os que vivem e os que legislam; entre os 
elementos vitais e estruturais da realidade social. 
Com isto, não só Lm�s já formulado o que cremos ser 
a função essencial do sociólogo na atual conjuntura brasi­
Jeira, conjuntura de transições, nas quais os desajustes são 
particularmente sensíveis, mas também deixamos entrever 
os múltiplos e vastos planos que o solicitam. 
Quais são as conseqüências sociológicas do processo de 
industrialização no Brasil? Há ensaios fragmentários sôbre 
o assunto, há tentativas para domi'nar sjstemàticamente o 
problema, mas até agora somos arrastados pela dinâmica 
de um processo histórico, sem conhecer e sem poder contro­
lar-lhe as eventuais conseqüências desfavoráveis. Ninguém 
tem noção exata da natureza, da extensão, da profundidade 
dos impactos sociológicos de nossa economia que se indus­
trializa. 
Qual a situação concre�a dos diversos níveis que com­
põem a nossa estrutura social? Qual a ponderação dos f a­
tôres que influenciam nossa mobilidade tanto horizontal 
como vertical? Qual a eficácia dos nossos mecanismos de 
segurança e previdência sodal? 
São estas algumas das importantes incógnitas, de cuja 
elucidação depende a solução do nosso problema social e a 
orientação de uma verdadeira política social, e unicamente 
o sociólogo realmente habilitado pode trazer esta elucidação 
indispensável. 
• * • 
A esta altura, cremos J a ser possf vel descortinar a 
amplitude de horizontes dos campos que solicitam o tra­
balho do sociólogo. Entretanto, o candidato à Sociologia ain­
da tem direito a objetar que� sozinho, sem meios, não pode 
enfrentar essa mesma tarefa. 
' 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 21 
Hc�pondemos que já existem hoje inúmeras entidades 
pu hlicas e privadas dispostas a. contratar os serviços do so­
' · iúlug-o para essas e outras pesquisas. Ae Cimaras, com 
:.(uns respectivas bancadas, os Institutos e Autarquias criam 
H8:-1c��orias técnicas que reclamam a presença do sociólogo. 
01·�anizações industriais e sindicais, conselhos de redação 
dt· p<'riódicos sentem cada vez mais a sua ausência.O mes .. 
1110 Hc diga de organisn1os internacionais interessados em 
n�uhccer a nossa situação e as nossas experiência�. São raras 
a:-i profissões que, hoje, para seu trabalho, não exigem a co­
laboração do sociólogo. O legislador, o jurista, o urbanista, 
o <'conomista, o pastor de almas, o industrjal, todos preci­
:.cnn1 dêle para superar o palpitismo pelo qual se orier1taram 
nl(• agora. Tanto que se pode dizer, sem receio de êrro, que 
o 1u·oblema não é tanto o de encontrar colocação para o so­
dblog-o, mas o de encontrar verdadeiros sociólogos para as 
i 11úmeras colocações que os disputam. 
Enfim, importa não esquecer que, dadas as necessidades 
, ... rn�centes dêste especialista no nosso mercado de trabalho, 
Ht � multiplicam no Brasil as instituições de ensino superior 
q1u� criam Escolas e Institutos de Ciências Sociais. Com isto, 
ru u lti plicam-se, por sua vez, as possibilidades de colocação 
un corpo docente desdas novas organizações, angustiadas 
J>•�ln escassez de especialistas nas diversas disciplinas neces­
M{Lria.s ao currículo. 
CAPfTULO I 
NOÇÃO DE SOCIOLOGIA 
§ 1) A Sociologia como ciência 
A Sociologia é a ciência posi,tiva do fato social global. 
Como ciência, a Sociologia é um conjunto de conclusões 
coerentemente estruturadas e certas, sôbre determinado 
objeto, no caso, a realidade social. 
Como tôda ciência, ela tem um processo de elaboração 
hem definido. 
I) A Sociologia parte da observação e descrifâo dos 
/a.tos. Esta primeira etapa deve ser dominada pela pre­
ocupação de objetividade e exatidão. Uma observação é 
obj etiva quando não falseada por fatôr�s de .Ô rdem subje­
tiva. A contraprova da objetividade é dada pelo fato que . . 
outros observadores, empregando os mesmos métodos, se-
. j am conduzidos aos mesmos resultados. 
Importa, desde o início, alertar o leitor para o fato que 
a objetividade, em Sociologia, tem dificuldades inexisten­
tm; nas Ciências Naturais. Não é a mesma coisa observar 
um fato social e uma cobaia. A cobaia é perfeitamente obj e­
to. Entre ela e o naturalista existe um dualismo nítido, uma 
\ perfeita alteridade,. que dá ao observador a isenção indis­
r<�m�ável para vê-la como uma coiaa. O mesmo não acontece 
romo o fáto social. Nêle, o próprio observador estã de certo 
1-'l·�ltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
ruodo implicado. É ao mesmo tempo ator e espectador. O 
i11strumento de percepção pelo qual emergimos para o mun­
do social leva a marca do meio social, nacional ·e cultural 
cn1 que nascemos e que nos formou. O mesmo fato social é 
percebido de maneira diversa por observadores pertencen­
tes a meios sociais diversos. Um chefe sindical e um chefe 
patronal vêem de maneira diversa um fato social, como, por 
exemplo, uma greve em vista de um reajustamento de salá� 
rios. Não é necessário supor malícia ou mã-fé, em um ou 
·em outro, para explicar a diversidade de versões que dão 
do mesmo fato social. .É que cada um dispõe de um apare­
lho de percepção social de marcas d.ifere�tes, e êstes apa­
relhos são automàticamente seletivos. 
Só o observador alertado para êste fato poderá ter a 
preocupação de procurar os corretivos que atenuem a ine· 
vitável refração que sofre o fenômeno social. 1 
Para conhecer a realidade social, é preciso participar 
dela. Sem esta participação, sem a plena integração no meio 
que se analisa, é possível conhecê-la em suas dimensões su­
perficiais, mas é pràticamente impossível atingi-la em sua 
especialidade irredutível. Isto, porque 9. conhecimento. da 
.realidade social é mais uma questão de consciência que de . 
. observação. Q. conhecimento social é a consciência de uma 
vivência coletiva do grupo ao qual se está integrado. O ver­
dadeiro sociólogo é o individuo pelo qual o grupo como être 
en soi se transforma em être pcr.n soi. É o indivíduo no 
qual o grupo chega a auto-consciência de suas próprias vi­
vências. '.É o individuo no qual ressoam tôdas as vibrações 
vitais que percorrem o grupo. Dai a impossibilidade prá-
1 É dêste ponto-de-vista que o leitor poderá formar um juízo. 
crítico sôbre a regra metodológica do socialismo de DUR.KHElM: 
"(•onRiderar o fato social como uma coisa'' (Regleif de la m,éthode 
�ocioloy·ique, Paris, P. U. F., 1950, pág. 15) . O pensamento de 
OURKHRIM teve o mérito de introduzir na Sociologia a preocupação 
"(' ohj(•tividade. O fato social, porém, nunca pode sP.r redutível a 
umn cohm. A objetividade em Sociologia tem dificuldades específi­
t·n� que nüo se verificam nas ciências da natureza. 
INTRODUÇÃO Á SOCIOl.JOGIA 25 
. tica de um conhecimento social autêntico sem a participa­
ção. A diferença que há entre o conhecimento social por par­
ticipação e o conhecimento socia� por mera observação é a 
mesma que há entre o conhecimento que temos da dor de 
dente do vizinho e o conhecimento que temos da nossa. Esta 
parece-nos ser a intuição profunda da verstehende Soziolo­
gie de MAX WEBER. 2 
Por outro lado, entretanto, não é possível um conheci­
mento objetivo sem um qualquer recuo, ou alteridade entre 
o sujeito e o objeto. A objetividade, pela sua própria fôrça 
etimológica, sugere alguma coisa lançada diante do sujeito 
( ob jact'Um) • .Sem esta qualquer alteridade entre sujeito e· 
objeto, entre o observador e a realidade social, por outras 
palavras, numa situação de participação total no fato so­
cial, não se vê bem como será possível ao observador es­
capar às influências dos. fatôres subjetivos na sua mesma 
visualização da realidade social. Não se vê bem como o obser­
vador corrigirá os erros de perspectivas devidos à sua pró­
pria posição social e condições pessoais. 
Os esforços na superação dêsse antagonismo entre .. par ... 
ticipação e alteridade parecem-nos orientar-se em duas di­
reções principais. 
Os que se orientam na primeira direção são dominados 
pela preocupação predominante da alteridade, e se esfor­
<;am por excogitar métodos e técnicas de participação fictí­
cia, sem compromisso com a realidade social. Quais as vi­
vências de uma pessoa que participa de um fato social? Qual 
o seu comportamento dentro dêste fato? Trata-se apenas de 
reviver êsses comportamentos, de despertar as mesmas vi­
vências, e observar, mantendo sempre o recuo necessário à 
objetividade de observação. 
O processo é talvez suficiente para a análise das ca­
madas mais superficiais da realidade social global: as es-
\ truturas organizadas, os comportamentos coletivos subme� 
:.! Sôbre MAX WEBER, consultar Cap. VII, nota 13. 
J<'l•:JtNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
UcloH n uma certa regularidade. Pa.reee-nos absolutamente 
im�fknz para atingir as camadas mais profundas da reali­
dade �ocial. 
Os que se orientam na segunda direção são dominados 
Jlcln preocupação da participação e da autenticidade, e para 
manter o recuo indispensável à objetividade tentam duas 
vias bem distintas. Uma é a da apuração cada vez maior dos 
instrumentos conceituais de análise e dos métodos de pes­
quisa, no S'entido de evitar nestes a interferência dos fatô­
res subjetivos. Outra é a de uma educação da própria atitu­
de ou da perspectiva do observador. É neste sentido que se 
desenvolve o esfôrço de GUERREIRO RAMOS na elaboração de 
um processo de redução sociológica. Objetividade é atingir 
a realidade social no que ela tem de mais essencial, é redn­
zir esta complexa realidade ao que ela tem de típico, é atin­
gir as grandes linhas de tendência, abstraindo das oscila­
ções conjunturais, e as grandes linhas de sua estrutura, 
abstraindo do que é episódico e decorativo. Se objetividade 
é isto, ela s6 é possível pela participação. 
A nosso ver> estas tendências fundamentais não são in­
compatíveis, mas complementares. A maior objetividade só 
é possível por um esfôrço conjugado de participação por um 
lado, e por outro de utilização das técnicas mais rigorosas, 
para a eliminação dos fatôres subjetivos que possam influ­
enciar o observador participante. 
Esta talvez, em largos traços, é a problemática atual 
da objetividade em Sociologia. 
II) A Sociologiaprocura, a seguir, aproximando os 
fatos observados e descritos com objetividade e exatidão, 
surpreender as relações que os unem e registrar as regula­
ridades, as constâncias destas relações. Por outras palavras, 
procura formular leis sociológicas. Não se tr�ta de leis nor­
mativa�, como veremos a seguir, que indiquem como se deve 
ngir. Trata-Re de leis mera.m.ente constatativas, que indicam 
como <lc fato se age. Sugerimos, como exemplo: a observa-
\ 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOWGIA 27 
ção exata e objetiva de orçamentos de famílias pertencen­
tes a diversos niveis sociais revela que existe uma relação 
constante entre o nivel social e a proporção do orçamento 
aplicada à alimentação. O sociólogo formula, pois, a lei : a 
proporção do orçamento familiar aplicada à alimentação é 
tanto menor quanto mais elevado é o nível que a família 
ocupa na escala social. 
É fácil de deduzir do exemplo, que se trata de uma lei 
que formula como o fenômeno se processa, sem nenhuma in­
junção a proceder dêste modo. 
A noção de lei sociológica levanta o problema da liber­
dade humana e dos determinismos sociais. 3 Não falta quem 
suponha que a simples afirmação de leis sociológicas impli­
que a negação da liberdade individual, e foi por esta razão 
que, du1·ante muito tempo, principalmente em certos meios 
jurídicos e clericais, pairou uma suspeita contra a Sociolo­
gia como ciência positiva. Afirmar a existência de leis so­
ciológicas não implica a negação da liberdade individual, 
exatamente porque se trata de formulações que exprimem 
o comportamento dos grupos, sujeito à lei dos grandes nú­
meros. Quando se diz que maior incidência de criminalidade 
·'­
é observada na miséria e na indigência, não se está por isto 
afirmando que cada um dos indigentes que cometeu crimes 
não poderia deixar de tê-los cometido. Constata-se uma re­
lação entre indigência e criminalidade, revelada pelas es­
tatísticas. Afirma-se que a miséria condiciona ou propicia 
a criminalidade no grupo. Não se penetra no plano ético da 
liberdade individual. 
Cremos dever insistir na idéia da existência de deter­
minismos sCiciais relativos. Se o fenômeno social não apre­
sentasse certos . determinismos ou, seja, regularidades e cons­
tâncias, de tal forma que determinadas causas ou condições 
provocassem certos efeitos ou tendências, seria impossivel 
3 O, leitor não poderá desconhecer a formulação do problema 
<•laborada por G. GURVITCH: Detern1.ini.Ames socia.u,x et liberté. hu-
1na.ine, Paris, P. U. F., 1955. 
l•'Jo:ltNANJ>O HASTQS DE ÁVILA, S. J. 
11mn <'ii•ucia indutiva do fato social. Seria impossível uma. 
:--ltwioloJ.{ia. Notemos, entretanto, que êstes determinismos so­
cini:i Hão relativos, isto é, não obedecem ao mesmo rigoris­
nw <108 determinismos físicos. Isto porque o fenômeno so­
cial leva em si o germe do imprevisível que é liberdade. 
8omos mesmo levados a afirmar que a Sociologia é a ciên­
t·it1, indutiva dos determ,inismos sociai8 relativos ou tenden-
' 
ciais, o que quer significar que no fenômeno social, as mes-
mas causas dão origem não necessàriamente aos mesmos 
efeitos, mas às mesmas tendências. 
III) Enfim, como ciência, a Sooiologia deverá reassu­
mir as leis sociológicas, num plano mais elevado de genera­
lização, para constituir uma teoria. 
Na fôrça etimológica do têrmo, teoria é uma visão de 
conjunto. Visão especulativa global, na qual diversos fenô­
menos, coerentemente estruturados, recebam uma explica-
ção cabal. 4 
· 
Tôda teoria é resultado de um trabalho de abstração, e 
por isto mesmo é dotada de um grau maior ou menor de ge­
neralização. 
A simples descrição coerente da realidade não é teoria. 
A descrição cola ao real. Na medida em que é objetiva, é 
singular, mesmo quando é panorâmica. Não se destacou das 
viscosidades do real para tornar-se um puro esquema for­
mal, capaz de reassumir, em si, muitos fatos, muitos fenô-
menos. 
Pela mesma razão, a acumulação de dados factuais não 
é teoria. A acumulação de muitos fatos singulares não vale 
uma generalização. Uma teoria não é um mosaico, no qual 
uma grande variedade de rochas está singularmente repre­
sentada. Seria um esquema formal imputável a tôdas as ro­
chas. Quanto mais elevado o nivel de abstráção em que se 
�itua uma teoria, tanto mais amplo o raio do círculo de seu 
.. Puhli<'ndo na Revista Brasileira, de Ciências Sociais, julho, 
vohmw JI, n.0 2, pág. 102. 
' 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 29 
valor de generalização, isto é, tanto maiores as áreas de f e­
nômenos que reassume em si. 
Teoria não é, entretanto, o resultado de uma pura ope­
ração cerebral. Não é um puro ente de razão. Vale o que 
vale sua fidelidade ao real. Resultado de uma operação abs­
trativa, ela implica no processo de sua própria elaboração 
uma referência à matriz da realidade da qual é abstraída. 
Na medida em que· é verdadeira, isto é, na medida em que se 
adeqüa ao real, na estrutura formal de sua essencialidade, 
ela é dotada de um valor heurístico. O teste de uma teoria 
verdadeira é sua fôrça de previsibilidade. E a teoria per­
mite prever precisamente porque atinge a essencialidade das 
coisas, consideradas estàticamente, ou a estrutura causal 
dos fenômenos, considerados dinâmicamente. 
Uma síntese nã.o é uma teoria. Tôda teoria, partindo de 
rma h�s') a-rrnlftica, é necessàriamente sintética. Mas nem 
tôda síntese é teórica. De si, uma síntese indica apenas' um 
"colocar com", um arranjo lógico de objetos ou fatos sin­
gulares. Não supõe um autêntico esfôrço abstrativo, a não 
ser o de desbastar as excrecências exuberantes do real. Sín� 
tese, com efeito, conota sempre um trabalho de condensação, 
de resumo. 
Uma teoria também não é ainda um mero sistema de 
hipóteses. tste tem apenas urna função p1·ovisória numa 
construção teórica. São os andaimes. Servem como uma es­
pécie de artifício metodológico para a elaboracão de uma . - . 
teoria, artifício aliás que constitui a etapa desta elabora-
ção que mais provoca a imaginação criadora do teoriza dor. 
Muitas vêzes o grande mérito de um pensamento não é criar 
uma teoria prematura, mas um sistema de hipóteses esti­
mulante para sua emergência oportuna. Uma teoria parte 
sempre de um tal sistema, que o cientista vai pôr à prova, 
à luz dos fatos e das leis registradas. Observando o fenô­
meno das /infecções e o processo das moléstias inf ecto-con­
tagiosas. PASTEUR emite uma hipótese : tudo se passa como 
se (hipótese) existissem microrganismos dotados de uma 
:w Fl<�RNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
vt•rtigiUO$a capacidade de reprodução, responsáveis pelas in­
l"ccções e pelo fenômeno que os antigos denominavam de ge­
ração espontânea. A hipótese é testada através do uso de 
antisséticos e constitui-se a teoria microbiológica que vem 
trazer uma explicação coerente e cabal a uma série de f enô­
menos antes desconexos e inexplicáveis. 
Cremos que um sistema está para a teoria como a sín­
tese está para os conceitos. Por outras palavras, sistema é 
uma integração lógica de elementos teóricos, como a síntese 
é uma integração lógica de conceitos. A teoria é um ins­
trumento de transparência intelectual.; permite ver. O sis­
tema tem sua consistência própria para a inteligência. Na 
teoria, a inteligência tende para o real; no sistema, a inte­
ligência tende para o sistema em si mesmo. � a mesma di­
ferença vigente entre a palavra na Ciência e a palavra na 
Literatura. Na Ciência, a palavra tem um mero valor sim­
bólico; na Literatura ela vale por si mesma. 
Uma teoria, enfim, não é uma doutrina. Esta, para o­
doutrinador, tem um caráter definitivo de posse da verdade,. 
que não tem a teoria para o teorizador. t!ste admite sempre 
que uma teoria possa ser assumida num plano mais elevado 
de abstrações. Como modo de ver a realidade, é seµipre su­
jeita à revisão, desde que se descubram novos as:ó��tos do 
real. A doutrina, além disto, conota muitas vêzes uma re.:. 
ferência normativa para a ação, referência que não se encon­
tra na teoria; por isto mesmo, ela se revestede um carãter 
impositivo e uma fôrça aliciatória, que são estranhos à teo­
ria. 
A definiçã'> é a forma germinal da teoria. Contendo 
apenas elementos e�u�enciais, que compõem a estrutura for­
mal, despojada das variantes individuais, ela vale para todos 
os sêres incluídos na área por ela cobertas. Uma vez conhe­
cida a definição, não é mais necessário investigar cada nôvo 
indivíduo da mesma espécie. A definição é a teoria da es­
pécie. Ela permite a previsão para todos os novos indiví­
duos da mesma espécie, mesmo para aquêles que ainda não 
/ 
-
-----
------
-----
------
-----
--------
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 81 
conhecia. É inútil procurar as vértebras de um nôvo mamí­
fero descoberto, de vez que sabemos que ser vertebrado faz 
parte da definição de mamífero. Uma definição só é legí­
tima, quando elaborada a partir de uma larga base indutiva ; 
quando a superposição de indivíduos de uma mesma espécie 
permitiu distinguir os elementos constantes em todos, dos 
elementos variá veis. A definição é, assim, a descrição con­
ceitua} do tipo. 
Uma tipologia, ou u.ma sistemática, é uma teoria mais 
rica, mais complexa, porque cobre áreas mais amplas, pelo 
fato de se situar em plano mais elevado de abstração. A sis­
temática é a racionalidade projetada sôbre a complexidade 
do real. É a ordem refletida sôbre a confusão viva do con­
creto. Não é sem razão que se chama também taxionomia. 
Ela integra em si, pela manipulação de critérios relativa­
mente simples, tôda a riqueza de um determinado setor do 
fenômeno, o mundo animal, por exemplo, ou o mundo ve­
getal. 
Uma teoria, entretanto, pode referir-se não apenas a 
um momento estático, mas também a um processo dinâmico. 
Somos mesmo tentados a crer que é indispensável distinguir 
teorias estáticas e teoriatt dinâmicas. A primeira se refere 
a um corte horizontal da realidade, e a segunda correspon­
deria a um corte longitudinal. No plano das imagens, a se­
gunda estaria para a primeira, como o cinema para a foto­
grafia. A taxionomia, ou a tipologia seriam teorias está­
ticas. Mas teoria dinâmica da realidade seria aquela que, 
pelo mesmo processo abstrativo, surpreendesse as linhas fun­
damentais de um processo, sem se deixar extraviar pelas 
suas variantes conjunturais. Uma teoria dinâmica também 
teria, como critério de sua validez, sua fôrça de previsibi­
lidade; também ela seria dotada de graus maiores ou me­
nores de abstração, na medida em que teorizasse segmentos 
maiores ou menores do processo. 
LINNEU elaborou uma teoria estâtica da realidade bio­
lógica. CONDORCET, no seu Tableau historique des progres de-
Jt'l•:UNA Nl>O BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
/' ,•,'f11ril lt.um.ain (1794) , tentou uma teoria dinâmica do pro­
v.r•·HHo humano concebido como um processo linear ascen­
clt•nt.u. WEltNER SOMBART, no seu Der moderne Kapitalismus 
( 1 !)()2-l !)28) , propõe uma teoria dotada de menor teor de ge-
1w ralização, porque referente a um segmento mais preciso 
ele um determinado processo. 
A lei é a forma germinal de uma teoria dinâmica, da 
m<�8ma forma que a definição é a forma germinal de uma 
teoria estática. A lei abstrai de eventos, como a definição 
abstrai de objetos. Abstraindo de objetos, a definição, ou as 
definicões, constituem os elementos a serem integrados numa 
.. . 
sistemática, como os tipos são reassumidos numa tipologia. 
Abstraindo dos eventos concretos, as leis gozam de suficiente 
leveza conceitua] para serem reassumidos numa teoria ai­
nâmica. 
A lei não é mais que a formulação de constância, de re­
gularidades, em um segmento de um processo dinâmico. Uma 
teoria integrando u'a multiplicidade de leis domina tôda a 
extensão do processo. 
Os modelos já são formas teorizantes mais próximos 
de uma verdadeira teoria, e tanto mais se aproximam desta, 
quanto, através de aproximações sucessivas, podem aban­
donar as hipóteses simplificadoras que pressupunham a · sua 
verificação. O modêlo da lei da oferta e da procura é. um 
modêlo teórico válido apenas dentro de um complexo sif-1-
tema de hipóteses simplificadoras, por exemplo, é válido 
enquanto não se leva em conta o fenômeno da elasticidade 
da demanda. Um modêlo teórico libertado desta hipótese é 
mais rico, envolve un1a área maior de fenômenos reais, 
porque de fato, na realidade, a demanda de muitos bens é 
elástica, ou inelástica. 
Em têrmos gerais, uma teoria sociológica seria uma vi­
são global da realidade social, na qual diversos fenômenos e 
eventos sociais, coerentemente estruturados, recebessem uma 
<�xplicação cabal, isto é, fôssem atingidos em sua estrutura 
<�nuMnl. Uma teoria sociológica também deveria situar-se 
1 
1 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 33 
uutu ,.,,rio plano de abstração, de outra forma não sabe­
l ' lnt 1 1rnt t·omo distingui-Ia da crônica ou da história. Deve-
1 1 ln "" fí m oforecer, dentro de determinadas condições, cer-
1 "" H 1 1 n1 1 1 tiaH de previsibilidade. 5 
N o pri meiro caso, se orienta no sentido da elaboração 
th' li 1wlof1ias .c;ociais. Cremos ser êste o sentido primeiro da 
HorlulnJ.�in formal de G. SIMMEL. Tal esfôrço teria como 
i·n1t1 po eh· ação a elaboração de tipos sociais, comportamen­
'°'' , . "' il tufos formai,s, tipo'logitts de grupos, in�tituições e 
,,,,,.j,·tlwl"s. Muito se tem avançado nestas linhas. V . PERETO 
•1lnhoro11 OH tipos sociais do rentier e do spéculat€J'lfr . 
• 1 . :-\e 1 1 t 1 M t>J<;TER elaborou o tipo social do entrepreneur, como 
1 1 1 1 1 1 ipo nôvo no processo de produção capitalista. A So­
doloida americana deixou-se envolver por uma verdadeira 
••111 ' 11rin ua elaboração de condutas formais, de colaboração, 
l 1 t 1 i l 1 u:fro, competição, frustração etc. F. TONNIES elabo-
1·ou o hi nú mio comunidade e sociedade. G . GURVITCH, utili­
v.n 1 1do u m sistema complexo de critérios, elaborou a mais 
fut11plt·l.a tipologia de grupos jamais tentada em Sociologia. 
A oht·a de A. TOYNBEE contém a mais rica tipologia de so­
e• lc1dndt •H. 
( 'orno teoria dinâmica, uma teoria sociológica procura­
t'ln fixar aR linhas de tendência de um processo social, des­
po,J ndm� de suas oscilações conjunturais, de maneira a poder 
eq drrq 1olú-laR, dentro das limitações do princípio coeteris 
1·11lrnx ... ü� .4'tantibus, isto é, dentro da permanência do quadro 
t't•l't1r'P nciul no qual o fenômeno é surpreendido. Assim, a ela­
hor1u:fü• de uma teoria sociológica dinâmica válida, isto é, 
dol.udn •fe valor heurístico, supõe uma dupla tarefa. Primei­
rn, n dP <lt•Hcobrir a3 linhas tendenciais do processo ; segunda, 
" de• clc•monstrar a validez da suposição relativa à perma­
n4'twln cio quadro de referências,, ou, ao menos, a de mos­
t,rtu• NH .quu J imites tal permanência é plausível. Para a cor-
.; .. �· . ..• 
" M AH'l'I NllAJ,E, DON, The 'fUtt-ure and types o/ sociological theory, 
l ttttultt\M, Hnut.le<lge e Kegan Paul, 1960, 588 págs. da Coleção: 
IHI"'"" I i1111ttl Ubrary o/ Sociology and Social Reconstruction. 
- - -- - -- - -- - -- - -- - -
:
;., 
- - -
34 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . 
reta execução desta dupla tarefa, é indispensàvei atingir a 
estrutura causal do evento, exatamente como, para uma teo .. 
ria estática, é indispensável atingir o esquema essencial do 
objeto. � impossível extrapolar um processo, sem saber o 
porquê da orientação observada. 
Do que vimos, aparece também a distinção entre teoria 
e ideologia. A ideologia organiza idéias induzidas de um pro­
cesso histórico de maneira a dar-lhes uma eficácia operacio­
nal tendente a atuar sôbre êste mesmo processo, seja no 
sentido de mantê-lo constante (ideologias conservadoras) , 
seja no sentido de transformá-lo (ideologias revolucioná­
rias) . Contràriamente à teoria, tôda ideologia é consciente­
mente seletiva. Ela induz do real aqÚelas idéias dotadas de 
maior eficácia para configurá-lo à sua imagem e semelhança. 
Seduzidos pelas antecipações teóricas das Ciências Fí­
sicas e Biológicas, alguns sociólogos julgaram que era tem­
po de construir algo de semelhante na Sociologia.Aparece­
ram assim grandes teorias que pretendiam dar uma visão 
de conjunto da realidade social, inspirando-se em analogias 
físicas (mecanicismo sociológico) ou biológicas ( organicis­
mo sociológico) . 
Felizmente, a Sociologia contemporânea desistiu de 
construir tais teorias, por julgá-las prematuras. Conven� 
ceu-se de que não dispõe ainda de uma base analítica su­
ficientemente ampla. Sem esta, o esfôrço teorizante se ex­
põe a dois graves riscos aos quais sucumbiram os sociólogos 
construtores de teorias gerais. O primeiro é o risco do sini­
plismo. Tais teorias revelam uma especiosa beleza arquite­
tônica, mas pouca ou nenhuma fecundidade, apenas se deixa 
o plano das a�strações ou das analogias, para aplicá-las à 
realidade social. É que esta é muito mais complexa,. muito 
mais ·rica do que o supunha o simplismo dos teorizadores. 
Enquanto permanecemos no campo das analogias, é repou­
sante, oferece momentos de volúpia intelectual considerar a 
sociedade como um admirável organismo. Mas, à medida 
que vamos tendo uma idéia mais realista, por exemplo, do 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 35 
processo econômico, vemos cada vez mais como não tem 
nada que ver com o metabolismo orgânico. 
O segundo risco é de transformar açodadamente uma 
hipótese de trabalho numa tese preestabelecida. O sociólo­
go que não dispõe de suficiente informação da complexida­
de do real se deixa seduzir por uma intuição, e ao invés 
de submetê-la ao contrôle, ao teste dos fatos, seleciona os 
fatos em vista de demonstrar sua intuição. A hipótese 
transforma-se prematuramente em tese. 
É difícil hoje negar o simplismo das teorias 6 de 
A . OOMTE, 7 de w . ÜSTW ALD 8 e de p. LILIENFELD. 9 
6 Sôbre estas teorias reportar-se ao Cap. VI. 
7 AUGUSTE ÜOMTE (ISIDORE AUGUSTE MARIE FRANÇOIS XAVIER 
COMTF:) . Nasceu em Montpellier (França) em 1798, de pais cató­
licos regalistas. Na sua formação de engenheiro, sofreu a influência 
da escola tradicionalista de DE BONALD J. MAISTRE, como do pensa­
mento de CONOORCET. Dos primeiros hauriu a idéia de ordem e do 
segundo, a idéia do progTesso, que seriam as categorias fundamen­
tais de sua síntese. Em 1818' associou-se como secretário, discípulo 
e amigo de SAINT-SIM'Jl.N,. que estimulou o seu interêsse pelas Ciên· 
cias Sociais e Econômicas . Foi entã-o que começou a elaborar sua 
obra princjpal, Cours de phüosophie pos-itive, 6 \'.-:-'s., Paris, 1830-
1842. Do plano teórico passou para o prático, preocupando-se com a 
reorganização da sociedade, à base dos princípios sociológicos . Es­
creveu, a respeito, Sy8te1ne de Politi.que Potfitive.. 4 vols., Paris, 
1851-54. Em 1845, contraiu pro.funda amizade com CLOTILDE DE 
VAux cuja morte, no ano seguinte, produziu nêle uma crise emocio­
nal, que lhe libertou as tendências místicas, e influiu na sua con­
cepção de reorganização social, que começou a considerar como um 
processo essencialmente religioso. 
A Sociologia contemporânea deve a COMTE sua existência como 
ciência autônoma e três princípios fundamentais de sua metodolo. 
gia: a necessidade de tratar o :fato social como fenômeno físico, de 
reduzi-lo em sua interpretação final a um fenômeno de consciência 
coletiva., e de aplicar-se o método da investigação experimental . 
A UGUSTE COMTE morreu em 1857. 
s VvILHELM OSTWALD ( 1853-1932) . Pensador alemão, nascido 
em Riga, de C\rigem russa . Dedicou-se especialmente à Química, na 
qual se notabilizou com grande número de trabalhos, obtendo o prê� 
mio Nobel, em 1909. Fêz tôda sua formação na Alemanha, onde 
também se dedicou, durante quase tôda a vida, ao ensino e à pes­
quisa. Interessou-se profundamente pelos problemas da Sociologia� 
para a qual procurou transferir algumas categorias elaboradas pela 
têrmo-rHnâmica, na interpretação dos fenômenos sociais. Em sua 
abundante literatura especializada, interessa-nos, principalmen.te, sua 
1 
1 
. ·. 
' 
86 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
Ninguém contesta, hoje, a fecundidade da idéia mar­
xista da importância do fator econômico como intrumento 
de análise histórica. Construir, porém, a síntese do mate­
rialismo dialético a partir da hipótese do determinismo eco­
nômico parece-nos o exemplo típico de uma transformação 
·de hipótese em tese. 
Consciente da precocidade das grandes teorias, a So­
·Ciologia se dedica hoje ao esfôrço da análise. Apurou assim 
métodos mais perfeitos de investigação, descobriu novas di­
mensões da realidade social, elaborou novas categorias, cons­
truiu esquemas conceituais ·1mais rcomplexos, definiu uma 
tipologia social mais rica, legando às gerações futuras de 
.sociólogos uma base mais ampla para um trabalho mais só­
lido de teorização. 
§ 2) A Sociologia como ciência positiva 
O têrmo sugere uma ciência que parte dos fatos, que é, 
por outras palavras, essencialmente indutiva. Tomando por 
ponto de partida os fatos concretos, particulares, chega, pelo 
processo antes descrito, às gen�ralizações . .Seu roteiro é, 
pois, exatamente inverso ao das ciências dedutivas, que par­
tem dos princípios gerais para chegarem ao particular. 
A Sociologia como ciência indutiva é tomada também, 
num outro sentido, como a ciência capaz de induzir de uma 
obra : Die energetischen Grundlagen der K ultu·rwlssfmsckaf ten (Os 
fundamentos energétwos das c-iêncüis da etiltura) , publicada em Lei­
pzig, em 1909 . 
9 LILIENFEJ,D-TOALLES, PAVEL FEDOROVICH, conhecido no oci" 
dente simplesmente como PAUL VON LILIENFELD (1829-1903) . So" 
ciólogo russo, nascido em Bialystok, de ascendência sueca . Levou a 
suas últimas conseqüências o organicismo tão corrente no século 
XIX . Escreveu em alemão, francês e russo, idioma no qual apare. 
ceu a primeira edição de sua obra mais importante : Gedariken über 
die Sozialw-issensckaft der Zukunft (Pensamentos sôbre a Sociolo­
gia, do futuro) (1872) . Em 1896 publicou, em francês, a sua Patko­
looie Sociale. LILIENFELD é um exemplo típico do simplismo e unila-
. tcralidade na interpretação organicista dos fenômenos sociais. Es· 
tudioso, extremamente culto, hoje nos deixa estarrecidos pela serie­
dade eom que acolheu e difundiu a teoria organicista . 
1 . • 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 37 
realidade social determinada as linhas essenciais que a con­
figuram, as correntes de fundo que comandam sua evolu­
ção. Todo grupo social, com efeito, sob a co�plexidade de 
aspectos pitorescos, possui linhas próprias, um perfil pró� 
prio que o define como grupo, e sob a descontinuidade ines­
perada de movimentos espasmódicos e conjunturais, tem 
um movimento fundamental, uma linha geral de tendên­
cia. À Sociologia como ciência indutiva caberia induzir ou, 
melhor, inferir êsses temas essenciais da estrutura e da di­
nâmica do grupo. Istp só é possível através de uma partici­
pação autêntica na vida do grupo. Só quem vive esta vida 
pode auscultar suas pulsações. Sociologia indutiva seria 
assim um processo de introspecção do grupo pelo grupo ; um 
processo pelo qual um grupo, através de seus sociólogos, 
chegaria à sua autoconsciência. Daí, duas conclusões : a pri­
meira, o caráter quase que inevitàvelmente acadêmico e epi­
�ódico dos estudos da realidade nacional feitos por peritos 
estranhos ao meio ; a segunda, a nota, quase que inevità­
velrnente nacional de todo trabalho sociológico autêntico. 
O maior representante entre nós desta concepção da 
Sociologia como ciência indutiva é certamente GUERREIRO 
RAMOS. " . . . A luz de uma Sociologia indutiva, isto é, 
de uma Sociologia cujos critérios sejam induzidos da rea­
lidade brasileira e não imitados da prática de sociólogos de 
• outros países . . . " ( ibid., pág� 191) . "Quanto mais autên­
ticos o pensamento e a ação, mais os seus critérios devem 
ser induzidos da circunstância imediatamente vivida pelo 
sujeito" ( ibid., pág. 211). 1º 
Para assumir uma posição decorrente desta concepção 
de Sociologia como ciência indutiva, parece-nos indispen­
sável partir da distinção de ciência no seu sentido obj etivo 
e no seu sentido subjetivo. 
10 GUERP..E!RO RAMOS,Jnr;rod:uçoo Crítica à Sociologia Brasi­
leira, Rio de Janeiro, Editorial Andes, 1957, págs. 191 e 211-12. 
- - -- - -- - -- - -- - -- - -- - - - -
:is FERNANDO s:.sros nF. ÁVTT.A . � . J. , 
No seu sentido objetivo, ciência é um coniunto de con­
clusões certas, sistemàticamente estruturadas, sôbre um de .. 
terminado objeto, obtidas através de um método próprio. 
Neste sentido, dizemos que a Física e a Biologia são 
ciências. E neste sentido, não existem nem Física nem Bio­
logia brasileira, alemã, ou argentina. 
No seu sentido subjetivo, ciência é urna vivência pes­
soal; é o conjunto de conhecimentos que possuímos sôbre 
determinado objeto, através da aplicação de um determina­
do método. 
Assim sendo, o têrmo indutivo. pode ser aplicado à So­
ciologia como ciência no seu sentido objetivo ou no Reu sen­
tido subjetivo. Aplicado à Sociologia no prin1eiro sentido, 
parece-nos significar apenas uma característica metodoló­
gica da Sociologia que a distingue de outras ciências que se 
ocupam dos fenômenos humanos coletivos. Diversamente 
dessas ciências, como a Ética social, o Direito, a Filosofia 
social que procedem por método predominantemente dedu­
tivo, a Sociologia parte dos fatos concretos, singulares, 
para chegar a generalizações e a formulações de regularida­
des nas relações entre os fenômenos observados. A Sociolo­
gia é uma ciência indutiva. A base dos fatos· da qual parte 
transcende os limites territoriais do grupo no qual vive o 
sociólogo. A Socio'logía de /,a mortalidad infantil de GUER­
REIRO RAMOS é autêntica Sociologia, enquanto chega a cer­
tas conclusões a partir de fatos, observados muito embora 
no Brasil, na França ou na Inglaterra. 
O têrmo indutivo, tal como o emprega GUERREIRO RA­
MOS, é, ou devia Ker, a no8so ver, mais uma mentalidade 
do sociólogo do <Jue uma característica da Sociologia. Mais 
ainda, é o teste, ''a prova de verdadeiro sociólogo". O soció­
logo autêntico é aquêle que é capaz de induzir os têrmos 
fundamentais da estrutura e da dinâmica do grupo, e para 
começar, do seu grupo, de cuja vida participa. Em outras 
palavras, GUERREIRO RAMOS, utilizando o têrmo indutivo, se 
refere implicitamente à Sociologia no seu sentido subjetivo. 
1 
1 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 39 
Formulado nestes têrmos, o problema é de saber se 
pu r a < ; u EHREIRO RAMOS é possível uma Sociologia como ciên-
1 · 1 u i nd utiva, no seu sentido objetivo ; se é possível uma So­
c · 1o loi�ia que não seja nem brasileira nem americana, nem 
f' ra t1<'.c8a ; que seja uma Sociologia tout court. Salvo melhor 
.i u 1 r.o, cremos que uma tal Sociologia é possível como a siste­
u m l. i 'l.ação das induções de cada sociólogo (indução objeti­
v a ) ; mas essas conclusões, para serem válidas, para se­
n·111 autênticas, devem ser induzidas da experiência vivida, 
clc•v(�m ser indutivas no sentido subjetivo. Assim, na elabo-
1·111;:"lo da Sociologia como ciência teríamos duas etapas : pri­
rtw i ni etapa, a da indução subjetiva, ou da inferência das 
n ·al idades existenciais de um grupo ; segunda etapa, a da 
hul ução objetiva ou da sistematização das inferências an­
tt•riores. 
· De outra forma, não vemos como seja possível salvar 
para a Sociologia os direitos de ciência como o são a Física 
• · a Biologia. 
A origem da expressão ciência positiva vincula-se a 
A l rcusTo COMTE. Segundo êle, o pensamento filosófico evo­
l 1 1 i u de um estádio teológico a um metafísico, para inaugu-
1· ar, sob os auspícios do próprio AUGUSTO OOMTE, o estádio 
final positivo. No primeiro estádio, procurava-se a explica­
çilo dos fenômenos naturais atribuindo-os a intervenções de 
divi ndades, de entidades sobrenaturais. No segundo, essas 
foram substituídas, na interpretação da re1;tlidade, por 
noções metafísicas, como : forma, substância, acidente. No 
f .rn·ceiro� a Filosofia positiva pretende explicar os fenôme-
110H Aôbre a base exclusiva dos fatos, da realidade concreta 
t' observável. 
Foi nesse contexto, que nasceu a Sociologia como ciência 
pm-litiva, que no início da obra de COMTE era ainda deno­
mi nada - Física social. 11 Devia ser a ciência que teria por 
11 Em 1835, aparecia na Bélgica o trabalho de ADOLPHE Qut­
n�IJ'�T : Sur l'homms et le développement de ses facultés ou Essai d6 
·I O l•'El(NANDO BASTOS DE ÁVILA, 8. J. 
1ui :-.�ilo explicar a realidade social a partir dos fatos sociais, 
do mesmo modo como a Física era chamada a explicar a 
realidade, física pelos fenômenos físicos. 
Todo o atual desenvolvimento das ciências estava con­
tido na fecundidade dessa intuição de AUGUSTO COMTE, por 
isso mesmo chamado o pai da Sociologia moderna. Contudo, 
essa mesma Sociologia repudia hoje o simplismo linear do 
esquema comteano. Reconhece, tanto a especificidade irre­
dutível da experiência religiosa, como a autonomia dos do­
mínios da metafísica. Sabe que religião, metafísica e ciên­
cia não são fases sucessivas de um roteiro, mas planos si­
multâneos e distintos da imensa complexidade do real. Tanto 
que o têrmo ciência pos'itiva já se dissociou completamente 
do contexto filosófico positivista no qual nasceu. 
Como ciência positiva, a Sociologia se distingue, pois, 
de outras ciências que se ocupam também dos fatos huma­
nos numa dimensão social. Distingue-se : 
1 ) das ciências elaboradas por construções conceituo.is 
dedutivas, como, por exemplo, a Filosofia social, para a qual 
a realidade é apenas o têrmo ao qual o pensamento se re­
fere contlnuamente para não se perder em seu esfôrço de­
dutivo. 
II) das ciencias normativas, como : a Ética social, 
a Política, o Direito que tem um fim prático, indicando não 
como as coisaR Hão, mas como as coisas devem ser. 
Ape�mr de perfeitamente distintos os planos da Socio-· 
logia e o dag ciências acima enumeradas, existem, entre os 
mesmos, relaçõm� eHtrcitas. As ciências dedutivas e norma­
tivas precisam da Sociologia para não se perderem em P.s­
peculações vazias e em fa18os problemas. A Sociologia pre· 
Ph11sique Soei.ale. COMTE viu nesse título um plágio fraudulento e 
criou . o têrmo Sociologia, que, apesar de mal formado, haveria de 
contribuir para a rápida divulgação da nova ciência . A obra de 
QutTELET foi reeditada em 1869, com o mesmo título original. 
1 
!. 
' 
( 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 41 
cisa delas para a elaboração de suas próprias categoriaM e 
para a delimitação de seus domínios. 
III) das ciências históricas, que se ocupam dos fatos 
sin�n.Zares, na sua concatenação cronológica, enquanto a So­
ciologia tende à elaboração de leis e de generalizaçõeB teó­
ricas. 
Sociologia e ciências históricas também se beneficiam 
mutuamente. A Sociologia revelou à História tôda uma di­
mensão nova da realidade histórica, que passava geralmen­
te despercebida dos historiadores mais preocupados com o 
que havia de espetacular no drama da Humanidade. A So­
ciologia revelou-lhe o plano infra-estrutural no qual se de­
cide, muitas vêzes, a sorte das sociedades. Por outro lado, 
a História constitui para a Sociologia uma fonte inestimá­
vel de informação, de experiências humanas e de elementos 
de síntese. 12 
Como vemos, portanto, tôdas essas disciplinas, a Filo­
sofia social, a Ética social, o Direito, a Política, a História 
ocupam-se dos fatos humanos coletivos, ocupam-se da rea­
lidade social, mas cada uma de um ponto-de-vista e com 
uma metodologia diversa. Por outras palavras, tôdas elas 
têm o mesmo objetivo material que a Sociologia. Distin­
guem-se, entretanto, pelo obf e.to formal, que é o prisma sob 
o qual a Sociologia visualiza os fatos humanos coletivos· e 
que dâ à Sociologia a sua especificidade como ciência au­
tônoma : estudo da realidade social enquanto submetida a 
determinismos relativos. 
12 O leitor consultará com vantagem a grande literatura histó-­
rica, preocupada com os problemas sociais. Modelos no gênero pa­
recem-nos os trabalhos de H. PIRENNE: Histoi-re économiq1U de· 
l'Occident Médüwal, Desclée Paris, 1951 G. ScHNUBER: Kirche· 
und Kultwr imMittelalter, trad. francesa, Paris, Payot, 19-33. 
Oportuna também a leitura das histórias econômicas e sociais 
dos grandes países contemporâneos. 
. , .. . ,;, ' . · · . ... .. ... . . 
A P � N D I C E 
o ENSINO DAS cn�.NCIAS SOCIAIS NO BRASIL 
Cremos poder afirmar que o ensino das Ciências So­
ciais no Brasil não satisfaz, ainda, à missão que lhes é con­
ferida e à qual aludimos na Introdução. 
A natureza dos currículos, mesmo das instituições es­
pecializadas, não pode ainda preparar satisfatoriamente os 
alunos para o desempenho das suas missões específicas. 
Para tanto, as Escolas deveriam poder aplicá-los muito mais 
ao trabalho prático, para sentirem, de modo mais realista, 
as resistências do meio social, para aprenderem a participar 
de modo mais autêntico, em um processo histórico. As con­
tingências levam as instituições a dar aos alunos apenas um 
pouco mais de uma iniciação teórica à prática da pesquisa. 
É importante esta iniciação teórica, mas, sem sua comple­
mentação prática, constitui um risco de criar ilusões nos 
alunos e de marcá-los com as deformações profissionais típi­
�as dos sociólogos de gabinete. Sem a iniciação prática, sem 
-0 trabalho de campo, visando não apenas a um mero exer­
cício escolar, mas a um resultado utilizável, envolvendo tam­
bém responsabilidade dos alunos, êstes nunca poderão su­
perar o apriorismo e o impressionismo, que são os maiores 
obstáculos para a elaboração de um conhecimento objetivo 
da realidade social. 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 43 
O ensino torna-se assim acadêmico e corre mesmo o ris­
co de se tornar alienatório, neste sentido que, em vez de 
imbutir o aluno de uma atitude de profundo respeito para 
eom o real social sôbre o qual se debruça antes de formular 
sôbre êle juizos peremptórios, interpõe entre o aluno e o 
real uma camada espêssa de teorias e de métodos que o� 
separam um do outro, que os alienam mutuamente. Aliena­
tório ainda noutro sentido : não só no de não equipar o 
.aluno de instrumentos para conhecer a realidade social, mas 
.ainda no sentido de não lhe ministrar os meios de atuar 
sôbre a comunidade em que estã inscrito. Terminado o cur­
rículo, o aluno se sentirá talvez em condições de dissertar 
abstratamente sôbre teorias sociológicas, mas não de dar 
uma prestação específica à sociedade. 
I. O curriculo 
O fenômeno social tem profundas radicações nos mais 
variados setores da realidade. Para que o sociólogo possa, 
de certo modo, dominá-lo, nas suas diversas dimensões, deve 
se familiarizar com a conceituação e os problemas de mui­
tas disciplinas, entre as quais distinguiríamos umas nuclea­
res, outras afins e outras auxiliares. 
A) As disciplinas 1lt1l!Cleares, que constituem o cerne 
mesmo do currícul-0, são a Sociologia, a Política e a Eco­
nomia. 
A Sociologia, que representa o centro de interêsse do 
programa, compreende : 
!ntrodu.ção Geral às Ciências Sociais, destinada a dar 
aos alunos uma visão de conjunto de campos das ciências 
sociais, de seus métodos, de seus objetivos especificos e de 
suas interrelações. 
lntrod·ução à Sociologia, tendo por objeto a iniciação do 
aluno na conceituação sociológica e nos diversos planos e 
dimensões do fenômeno social global. 
FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
Sociologia Estrutural e Dinâmica, disciplina que pela 
Hua mesma extensão deve ser desdobrada em diversas ca­
deiras. Éste desdobramento pode ser feito de dois modos : 
Processos Sociais, .Sociologia dos Grupos e Sociologia das 
Sociedades Globais, todos êstes objetos analisados seja no 
seu aspecto estático, formal, tipológico, seja no seu aspec-
. to dinâmico ; ou então : Sociologia Estrutural e Sociologia 
Dinâmica, seja dos processos sociais, como dos grupos e das 
sociedades globais. 
Sociologias Especiais, que comprendem disciplinas como 
Sociologia do Conhecimento, da Religião, Sociologia Eco­
nômica, Jurídica, Política, Rural, Urbana, Industrial; Edu­
caCional, e outras. Naturalmente cada instituição procura­
rá ministrar o ensino daquelas Sociologias· Especiais que 
mais diretamente se relacionam com os problemas da época 
e da região. Entretanto, é indispensáyel que ao menos· uma 
Sociologia Especial seja ensinada para habilitar o aluno no 
tratamento e na metodologia das Sociologias EspeciaT�. · 
Teoria Sociológica, visando a iniciar o aluno nos pro­
cessos de elaboração da Sociologia como ciência indutiva, e 
utilizando para isso uma análise crítica dos granaes mode­
los históricos e contemporâneos. 
Iniciação teórica e prática à -'Pesquisa social, o aluno 
deve não só tomar conhecimento dos métodos e instrumen­
tos da análise sociológica, mas ser levado a aplicá-los con­
cretamente em pesquisas tanto de fontes e de laboratório, 
quanto principalmente em pesquisas de campo. A cadeira 
de Iniciação à Pesquisa é assim uma das disciplinas minis­
tradas pelo currículo, mas a atividade da pesquisa devE� 
envolver o aluno, à medida em que êle é iniciado nos mé­
todos e deve se traduzir em resultados concretos de traba­
lhos práticos e em ao menos um trabalho mais completo de 
fim de curso. �stes trabalhos poderão ser realizados atra­
vés de ·atividades como : semanários, leituras orientadas, 
análise sistemática de pesquisas já_ realizadas, estágios em 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 45 
organizações especializadas, e, principalmente, pesquisas a 
serem realizadas pelos alunos, sob a orientação do profes­
s<>r, seja no estudo de fontes bibliográficas, seja propria­
mente nos trabalhos de campo. 
O aluno deve praticar as diversas etapas da pesquisa, 
habilitar-se em cada uma delas, como também ser introdu­
zido na técnica de programação, organização e execução ge­
ral de uma pesquisa. 
Os trabalhos práticos constituem a parte mais árdua 
da formação sociológica, mas a que não pode de modo al­
gum ser omitida, sob risco de prejudicar seriamente os alu­
nos e mesmo deformá-los profissionalmente. 
A) Política e a Economia não podem se restringir a 
uma simples introdução e a uma cadeira geral. Dada a estrei­
ta conexão dos problemas políticos e econômicos com o fato 
social, o aluno deve receber uma formação mais aperfei­
çoada nestas disciplinas, formação esta que pode ser pro­
longada através das cadeiras de Sociologia Política e So­
ciologia Econômica. 
B) As disciplinas afins são destinadas a introduzir o 
aluno nos campos de conhecimento que tangem mais ou 
menos diretamente o campo da Sociologia. Qualquer tra­
balho ou estudo que o cientista social empreenda o remete 
de imediato a outras disciplinas. Sem uma certa familiari­
dade com as mesmas, ser-lhe-á extremamente difícil orien­
tar-se. 
Consideramos como disciplina afins que obrigatôria­
mente devem integrar o currículo : a Demografia, a Antro­
pologia Física,. Social e Cultural, a Geografia Humana, a 
Psicologia Individual e Social, a Política e a Higiene Social, 
e enfim as diversas disciplinas históricas que oferecem ao 
aluno um rico material para associações fecundas, estímu­
los e modelos . para a criação de suas próprias hipóteses de 
trabalho. Entre essas disciplinas históricas, incluímos His· 
46 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
tória Social, Política e Econômica, Geral e do Brasil, His­
tória das Doutrinas Sociais, Políticas e Econômicas. 
Parece-nos supérfluo insistir que no tratamento de 
tôdas as matérias o professor deve ter a constante preocupa­
ção de referir-se à perspectiva nacional. Esta referência 
permitir-lhe-á uma seleção criteriosa dos pontos que mere-
. çam maior relêvo e daqueles que possam ser omitidos por 
nlmiamente acadêmicos ou sem interêsse para nós. 
C) As disciplinas auxiliares incluem obrigatoriamen­
te a Estatística Teórica e Aplicada, e eventualmente in­
cluem outras cadeiras, conforme fôr o nível de preparação 
que os alunos trazem do ensino médio e conforme forem 
as exigências impostas no concurso de hábilitação. Pode 
ser o caso, por exemplo, que se tornem indispensáveis uma 
revisão da Matemática, a fim de preparar o aluno para o 
curso de Estatística,e uma iniciação prática a idiomas es­
trangeiros, especialmente o Francês e o Inglês, sem cujo do­
minio as possibilidades de atividades práticas são muito 
limitadas. 
II . O regime escolar 
É necessar10 que o regime escolar do ensino de Ciên­
cias Sociais goze de muita flexibiUdade ; não seja rígido. 
como o é o regime de outras escolas superiores. Isto, por 
várias razões. 
A primeira, porque são várias e diferenciadas as espe­
cializações nas quais uma Escola de Sociologia deve poder 
formar seus alunos. Êles podem desejar preparar-se para 
projetistas sociais, professôres, pesquisadores, assessôres. 
Tais especializações não são rigorosamente exclusivas, mas 
cada aluno poderá desejar dar maior ênfase a trabalhos e 
disciplinas que melhor o preparem para uma destas espe­
cializações. Um regime escolar rígido não atenderia a esta 
expectativa. 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 47 
Em segundo lugar, a Sociologia pela própria extensão 
de seu campo penetra ou tangencia uma série de domínios. 
afins que podem representar um interêsse maior para de­
terminados alunos. Mesmo sem pensar em definir sua es­
pecialização futura, um aluno pode revelar interêsse maior 
pelos problemas da Psicologia Social do que pelos proble­
mas da Antropologia ; poderá deixar ·orientar-se mais para 
os estudos de Política, de História Social, de Demografia, 
do que por Técnicas de Pesquisa. Um regime rígido não 
permitiria ao aluno dar a seu curso a orientação que mais 
o atrai. 
Enfim, qualquer que seja a orientação do aluno, e qual­
quer que seja a especialização para a qual se inclina, é im­
possível formá-lo sem complementar as aulas com traba­
lhos e exercícios práticos. í;stes são dificilmente integrá­
veis num regime escolar quase completamente reduzido a 
aulas teóricas. 
Cremos que o regime de créditos que adotamos na Es­
cola de 8ociologia e Política da Pontifícia Universidade Ca­
tólica do Rio de Janeiro responde a estas exigências de fie* 
xibilidade. Passan1os a descrevê-lo, não porque o suponha­
mos perfeito, mas porque talvez contenha sugestões úteis 
para outros que vivem os mesmos problemas que vivemos. 
Tomamos como unidade escolar básica o crédito, que 
corresponde a uma aula semanal por semestre. Assim, uma 
disciplina de duas aulas por semana, estendendo-se a dofa 
semestres,. vale quatro créditos. 
O curso de Bacharelado de Sociologia deve preencher 
um total de 160 créditos, que corresponderia a um curso 
de quatro anos, com u'a média de 16 a 18 aulas por semana. 
O curso consta de um ano básico, e de anos sucessivos 
de especialiZação. Suprime-se a seriação. ü ano básico, que 
absorve aproximadamente uns 40 créditos, consta de disci­
plinas obrigat6rias' para todos os alunos, porque são repu­
tadas disciplinas indispensáveis para qualquer função so­
ciológica. 
. ·J H FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . 
A partir do ano básico, o aluno escolhe uma linha de 
especialização para preencher os 120 créditos restantes. 
Dêstes, uma proporção de aproximadamente 60 % são fixa­
dos obrigatoriamente pela Escola. Esta julga que para tal 
ou qual especialização, dentro das Ciências Sociais, deter­
minadas disciplinas são necessárias. Os 40% de créditos su­
plementares são deixados à escolha do aluno, sob a orien­
tação de um Chefe de Departamento. Tais créditos optati­
vos podem, inclusive, ser preenchidos por outras f aculda­
des da universidade ou mesmo fora dela, mediante convê­
nio com a Escola. É de notar que os trabalhos de pesquisa 
de que os alunos participam são avaliados em têrmos de cré­
ditos, pelo departamento respectivo e creditados aos alunos, 
incorporando-se, assim, à sua atividade universitária, ou 
se.j a, a seu próprio currículo. 
O regime de créditos é também aplicável aos cursos de 
.mestria e de doutorado. 
Todos os regimes têm suas dificuldades de aplicação. 
�ste não faz exceção à regra, especialmente porque, supri­
mindo a seriação, cada aluno constitui um caso à parte, 
exigindo uma ficha de contrôle especial, para seguir a rea­
lização de seu currículo. 
Tem contudo, também, as suas vantagens, como a eli­
minação do sistema de dependência� a facilidade para a 
incorporação de alunos em caso de transferência, a maior 
valorização das aptidões de cada aluno, a integração de 
todos os seus trabalhos práticos na sua própria formação 
universitária, e a possibilidade de criar maior permeabili­
dade entre as diversas unidades que compõem a Univer­
sidade. 
III . As instituições de ensino 
As instituições de ensino que hoje no Brasil se ocupam 
de Sociologia são fundamentalmente as Faculdades de Fi-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 49 
losofia, 1103 seus cursos de Ciências Sociais e as Escolas 
dl' Sociologia e Política. A permanência desta dualidade 
:-1ú xc justificaria na medida em que fôsse possível manter 
11 ma dualidade de objetivos. Esta dualidade poderia ser de­
finida entre a formação de cientistas sociais e a formação 
de 8ociólogos profissionais. A realização do primeiro obje­
tivo ficaria a cargo das Faculdades de Filosofia ; a do se­
�11ndo competiria às Escolas de Sociologia. É como o que 
:-;e vem passando no setor das Ciências Físicas e Biológicas. 
A Faculdade de Filosofia mantém cursos de Física e de 
Matemática, para formar físicos e matemáticos ; mas a pro­
riHHionalização dos conhecimentos físicos e matemáticos é 
t•omctida às Escolas Politécnicas. A Faculdade de Filosofia 
mantém cursos de Ciências Naturais ; mas os profi.ssionais 
<lestas ciências se formam nas Faculdades de Medicina. 
Na prática, não foi possível manter com tôda a nitidez 
el-\ta dualidade de objetivos. As Faculdades de Filosofia, na 
:·ma grande generalidade, foram limitando a.s suas finali­
dades ao intento único de formar professôres para o ensino 
médio. Sair dos seus cursos um cientista social era quase 
um fenômeno de geração espontânea. l.'3 Mesmo êste objetivo 
dos cursos de Ciências Sociais de formar professôres se­
guiu uma estranha evolução. Como é sabido, a reforma 
Francisco Campos previa o ensino da Sociologia no nível 
secundãrio. :ítste ensino dava uma razão de ser imediata ao 
curso de Ciências Soe� ais nas Faculdades de Filosofia. A 
reforma Capanerna suprimiu a Sociologia do currículo co­
legial, mas manteve os cursos de Ciências Sociais nas Fa­
culdades de Filosofia, que tinham perdido senão tôda a sua 
razão de ser, ao menos o mercado normal de trabalho de 
süus diplomados. Quase que para coonestar esta situação in­
coerente, dentro da concepção vigente da Faculdade de Fi­
losofia, uma portaria ulterior do Ministério da Educação 
13 Ver FLORESTAN FERNANDES. 
!)() FERNANDO BASTOS DE Á VILA, S. J. 
e Cultura. * veio permitir aos licenciados em Ciências So­
ciais o registro em Filosofia, História Geral e do Brasil e 
Matemática no 1.0 ciclo. É normal que um aluno que deseja 
se formar numa destas disciplinas não se matricule no curso 
de Ciências Sociais, mas no curso correspondente, de JVIa­
temática, Filosofia ou História. O aluno que ingressa no 
curso de Ciências Sociais não se sente estimulado a se es­
pecializar nestas ciências, de vez que sabe que não se1·á 
nelas que exercerá sua atividade imediata de magistério. 
Esta situação vem minando o vigor dos cursos de Ciências 
Sociais nas Faculdades de Filosofia, ou ao menos introdu­
zindo um certo confusionismo na motivação dos alunos que 
ainda nêles se inscrevem. Mesmo as Faculdades de Filoso­
fia, onde existem cursos de Ciências Sociais não têm como 
finalidade primária formar professôres de nível universi­
tário nem técnicos em pesquisa sociológica. 
A finalidade primária dos cursos em aprêço é formar 
professôres para o secundário. Assim é que o cur1·ículo de 
Ciências Sociais dêstes cursos se resume pràticamente é::. 
três anos, sendo o último dedicado à Didática. Ora, os cien­
tistas sociais, qualificados para cumprirem a missão da So­
ciologia no Brasil de hoje, não são precisamente professô­
res de nível secundário. Felizmente, é verdade, a serieda­
de do ensino de alguns cursos de CiênciasSociais de Fa­
culdades de Filosofia é tal, que dêles saíram não poucos de 
nossos bons sociólogos contemporâneos. O fenômeno porém,. 
tem um caráter de exceção, atribuível em grande parte a 
seu talento pessoal e à existência nêles de uma autêntica 
vocação para a Sociologia. 
Por outro lado, as Escolas de Sociologia continuam a 
funcionar como instituições de ensino sem objetivos legal­
mente definidos, de vez que o acesso ao magistério continua 
"' Portaria Ministerial n.0 478, de 8 de junho de 1954: Dispõe 
sôbre ·o registro dos licenciados por Faculdades de Filosofia para o 
exercício do magistério no curso secundário. Diário Oficial de 29 de 
·junho de 1954. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 51. 
a ser monopolizado pelas Faculdades de Filosofia, e a pro­
fissão de sociólogo ainda não foi oficialmente reconhecida. 
Na nossa opinião, esta dualidade de instituições de en­
sino de Sociologia de fato não se justifica, :porque não é 
possível ainda nas Ciências Sociais marcar, com a mesma 
nitidez como nas Ciências Natu1·ais, a distinção entre o cieu­
tista e o profissional. Dentro ou fora das Faculdades de 
Filosofia, isto é, como um curso ou como uma escola autô­
noma, as instituições de ensino das Ciências Sociais deve­
riam reduzir-se a um só tipo legal, com as mesmas prerro,., 
gativas, tanto no que concerne ao ensino, como no que con­
cerne ao exercício profissional. A diferença de objetivos no. 
estudo das Ciências Sociais não justifica uma dualidade de· 
instituições, mas de simples especializações dentro da mef.­
ma instituição. O s alunos que se inclinam mais para o en­
sino, darão maior ênfase à did�tica da Sociologia ; os que 
se inclinam mais para o estudo da Sociologia como ciência 
ou como técnica serão orientados para as disciplinas que 
melhor os encaminhem à reaJização de suas respectivas in­
clinações. 
Uma tal im:;tituíção de tipo único teria a vantagem de 
poder oferecer aos alunos maiores possibilidades quanto 
ao exercício de suas atividades futuras. Ela teria diante 
de si um mercado de trabalho em expansão, e primeira­
mente no plano do magistério universitário. É uma lacuna 
evidente a ausência de uma cadeira de Sociologia, devida­
mente adaptada, nas Faculdades de Engenharia e Arquite­
tura, nas Faculdades de Direito, nas Escolas de Jornalismo 
e nos cursos de Geografia e História das Faculdades de 
Filosofia. Os últimos programas de universidades america­
nas de medicina prevêm a inserção da Sociologia. 
A falta de uma iniciação sociológica é uma deficiência 
lamentável na formação do engenheiro e do arquiteto. São 
êles chamados por profissão a resolver problemas que acar .. 
retam profundas repercussões sôbre a vida dos indivíduos 
e dos grupos. Sem a Sociologia, resolvem êsses problemas 
-- -- -- -- -- -- -- -- -- --· 
-- -- -- --
-- -
52 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, s. J. 
1· 
do ponto-de-vista rigorosamente técnico, e com um brilho 
e um sucesso que honram a engenharia e a arquitetura bra­
sileiras, mas talvez com sacrifícios de valôres humanos, 
cuja perda, só após longos anos, será por êles constatada. 
O jurista e o advogado devem poder ao menos suspei­
tar alguma coisa da complexidade dos processos sociais . 
.Sem êste conhecimento, suas atividades profissionais cor­
rem o risco de se desenvolverem num plano irrealista, alie­
nado da realidade histórica concreta sôbre a qual trabalham. 
Uma iniciação na Sociologia Jurídica, na Sociologia Polí­
tica lhes interessa tanto ou mais do que várias disciplinas 
que sobrecarregam seus currículos: Um jornalista iniciado 
em Sociologia dispõe de muito mais coordenadas para a 
análise e compreensão do mundo humano. 
A p·reocupação sociológica daria muito mais sentido 
humano à atividade do geógrafo, e o historiador encontra­
ria na Sociologia, não só os elementos para melhor com­
preensão da história, como também o estímulo e a orienta­
ção para seus trabalhos como pesquisador. Ao geógrafo e 
ao historiador a Sociologia pode oferecer sistema de hipó­
teses de trabalho extremamente fecundos. 
Os próprios médicos poderiam descobrir, no conheci­
mento dos processos sociais, utilíssimas sugestões sôbre a 
etiologia de fenômenos endêmicos, sôbre os mecanismos de 
resistência do meio social aos progressos_,.--da medicina, sem 
falarmos do conhecimento mais profundo de certas anoma­
lias, justamente chamadas sociais por suas causas, como por 
seus efeitos. 
No setor do magistério, não poucas são as oportunida­
des ocupacionais já hoje existentes. A contraprova do que 
afirmamos pode ser aferida do fato que os prof essôres de 
Sociologia não dão conta das cargas horárias para que são 
solicitados. É difícil encontrar professôres credenciados 
para ·preencher as cadeiras dos estabelecimentos em f uncio­
namento. 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 53 
Essas oportunidades serão ainda maiores, uma vez acei­
ta a sugestão da extensão do ensino da Sociologia para as 
outras unidades universitárias a que aludíamos. 
Além do setor do ensino, as oportunidades ocupacionais 
se vêm oferecendo, cada vez com maior freqüência, nos se­
tores da pesquisa e do assessoramento. 
Não poucas organizações nacionais e estrangeiras, pú­
blicas e privadas, começ� in a reclamar a contribuição do so­
ciólogo, de tal forma que um bom técnico, habilitado na prá­
tica da pesquisa sociológica, não encontra hoje dificuldade 
de colocação bem remune�·ada. 
Não temos a menor dúvida de que, à medida em que 
os trabalhos dos sociólogos se forem impondo, pelo seu teor 
científico, muitas outras organizações a êles recorrerão. A 
grande dificuldade é sempre a questão do financiamento. 
As pesquisas sociológicas são penosas e reclamam em geral 
pessoal num€roso e disposto a sah· a campo para coletar 
dados. Supõe pessoal qualificado para o tratamento esta­
tístico dos dados coletados, e principalmente supõe bons so­
ciólogos para a sua interpretação objetiva. Tudo isto custa, 
e para muitas organizações interessadas representa somas 
proibitivas para suas possibilidades orçamentárias. 
No setor do assessoramento, também devemos compu­
tar a demanda cada vez mais freqüente do trabalho do so­
ciólogo. Muito maiores são as perspectivas que se abrem 
neste setor. Organismos públicos dos níveis municipal, es­
tadual e federal também sentirão a necessidade crescente da 
contribuição sociológica. Na realidade, operam ainda sôbre 
uma larga base do empirismo e do impressionismo. Por 
isto, tantas de suas medidas não surtem os efeitos deseja­
dos ou surtem efeitos contrários. Só o sociólogo pode dar 
uma previsão segura sôbre os efeitos sociológicos de deter­
minada medida legislativa, ou de determinado programa, 
por exemplo, de industrialização ou urbanização. Sem e�ta 
previsão, afrontamos o perigo de recapitular os mesmos 
r: 1 .. .)• FERNAND;) BAeTCs DE ÁVILA, s. J . 
<�rros cometidos em experiências congêneres, em outras épo­
cas e em outros países. 
Alguns setores da Sociologia são hoje especialmente 
pressionados por uma demanda crescente, devido à atual 
conjuntura de desenvolvimento que atravessamos, entre ês­
tes, principalmente, os da Sociologia Industrial, Rural e Ur­
bana. Problemas como o da Reforma agrária só podem ser 
resolvidos de modo satisfatório, com a contribuição da So­
ciologia. Infelizmente, são exatamente êstes setores que so­
frem de maior carência de especialistas. Outros campos re­
clamam a contribuição urgente. do sociólogo como elemento 
básico para orientação de medidas legislativas e adminis­
trativas. Citamos, a título de exemplo : a condição de mi­
:grantes e imigrantes, as pesquisas' de mercado de trabalho ; 
;a situação dos contribuintes dos Institutos de Previdência 
:Social ; as relações entre grupos étnicos ; os problemas de 
educação e escolaridade ; os mecanismos de contrôle social 
resistentes ao desenvolvimento econômico ; as condições de 
habitação, alimentação e educação. 
A garantia final de uma rápida dilatação do mercado 
de trabalho para os sociólogos residiriana oficialização da 
profissão : a determinação por lei de postos e ofícios que 
.seriam obrigatoriamente preenchidos pelos diplomados em 
Instituições :reconhecidas. Nesta questão controvertida, é 
nossa opinião que a oficialização deverá vir, mas deverá vir 
por etapas, cuidadosamente escalonadas. Uma lei imediata,' 
regulamentando a profissão, teria os seguintes inconveni­
entes : 
A) não existem no momento profissionais diploma­
dos em número suficiente para responder à demanda atual ; 
B) muitos profissionais não diplomados, mas que ad­
quiriram uma invejável cultura sociológica, seriam priva­
dos de cargos e atividades que constituem para êles seu 
meio de vida ; 
• 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 55 
c) a imposição da presença do sociólogo em determi­
nados postos e atividades criaria para a Sociologia um clima 
hostil. Não existe ainda uma corrente de opinião favorá­
vel, que só poderá ser criada à medida em que fôr apare­
cendo o caráter imprescindível ou de grande utilidade da 
contribuição técnica do sociólogo. 
Sem a oficialização da profissão, continuará difícil o 
recrutamento de bons C?.ndidatos para a carreira. Na sempre 
maior divisão de trabalho de uma sociedade que evolui, não 
é normal a existência de profissionais vagos, sem atribui­
ções específicas, cujo exercício,. em defesa mesmo dos inte­
rêsses dessa sociedade, não constitua um direito reservado 
aos que preencham determinadas exigências legais. Mas a 
regulamentação só poderá fazer-se realisticamente, esten­
dendo-se progressivamente sôbre sucessivas áreas de emprê­
go, extensão que não poderá ser feita arbitràriamente, mas 
à base de estudos minuciosos. 
A reforma das instituieões de ensino de Ciências So-
... 
ciais deveria atender ainda a duas exigências : a criação de 
Cursos de Mestria e Doutorado, além do Curso de Bacha­
relado e a implantação do regime de trabalho de tempo in­
tegral. Sabemos que a satisfação dessas exigências implica 
em grandes sacrifícios em pessoal docente e em funciona­
mento. Estamos envolvidos aqui em um círculo vicioso : é 
pela satisfação destas exigências que as Ciências Sociais ha-
• 
verão de se impor cada vez mais como capazes de respon-
der a necessidades específicas da comunidade nacional e 
atrair assim maiores recursos ; porém, precisamente o preen­
chimento destas exigências supõe já maiores recursos ini­
ciais. Cremos que a única maneira de romper êste círculo 
é o crescimento orgânico e progressivo. Começar por or­
ganizar cursos de pós-graduação que realizem trabalhos ori­
ginais e formem especialistas com acesso aberto à mestria 
e ao doutorado. Contratar para isto, inicialmente, alguns 
professôres e assistentes de tempo integral, como um orien-
1. 
.ft'.El< NANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
t.ador dl� Pesquisas, un1 técnico em Estatística, um técnico 
t ' t l l Bibliografia e Documentação. Com esta base inicial, é 
po�:.;ível partir para realizações de maior vulto, que acaba­
rao por dar ao ensino das Ciências Sociais a importância 
que merece na atual conjuntura brasileira. 
. . 
. 
1 \tt 
• 
LEITURAS COMPLEMENTARES 
. : �. \k"'-ty ) 
1 - DILTHLEY, WILHELM, Introduction a l°"' ciencüJ,s del espiritu. 
tradução espanhola do alemão, por Julián Marias, Madrid, Re­
vista de Ocidente, 1956, págs. 13 a 22, 34 a 35, 38 a 139; das 
págs. 97 a 102, DILTHLEY expõe sua concepção pessoal sôbre a 
noção de ciência, da qual exclui a Sociologia como a Filosofia 
da história. Julgamos importante que o leitor tome conheci­
mento do ponto-de-vista dêsse autor, aliás extremamente esti­
mulante. 
2 - PIERSON, DONALD, Teoria e pesquisa em Socio-logia, São Paulot 
3.6 edição, Melhoramentos, 1953, págs. 25 a 34 e 35 a 47. 
3 - OLOVERA, JOSÉ MARIA, Tratado de Sociologia Cristiana, Barce­
lona, Luís Gili ed., 8.ª ed. ampliada, 1953, págs. 3 e 4. Na 
nota n.0 1 da página 4, o leitor poderá encontrar catalogada 
uma série de definições da Sociologia . 
4 - AGRAMONTE, ROBF..RTO, Sociologia, Havana, Cultural S. A., 5.ª 
ed. revista, 1949, tomo I, págs. 10 a 19. 
5 - SICHES, LUIS RECASENS, Tratado General de Sociologia, Méxi­
co, Editorial Porrua S.A., 1956, págs. l a 10, 26 a 31, 62 e segs. 
6 - YOUNG, KIMBALL, Sociologia; a Study o/ Society and Culture, 
New York, American Book Company, 2.ª ed., págs. 1 a 13. 
7 - DUPRÉEL, EuGENE, Sociologie Générale, Paris, Presses Univer­
sitaires de France, 1948, págs. 3 a 10 e 373 a '391. 
8 - BOUTHOUL, GASTO. N, Traité de Sociologie, Paris, Payot, 1946, 
páginas 66 a 98. 
9 - HAESAERT, JEAN, Sociologie Géné.rale, Bruxelas, Paris, :t:ditions 
Érasme S . A., 1956, págs . 5 e 6. Na nota n.º 1, da pág. 6, 
encontram-se diversas definições de Sociologia. 
10 - HUNT, ELG1N; F., Social Science: an lntrodu.ction to the Study 
of Society, New York, MacMillan Co., 1955, págs. 13 a 16. 
11 - BOGAR-DUS EMORY S., Sociology, N ew York, MacMillan Co., 3.ª 
ed., 1953, págs. 3, 31, 32, 537, 558 e 561 a 572. 
12 - SPENCER, HERBERT, Princípios de Sociologia, Buenos Aires, Re� 
vista de Decidente Argentina, 1947, vol . 1, págs. 5 a 21. 
13 - VON WIESE, LEO·POLD, Soziologie, Geschichte und Hauptproble­
me, Berlin, Walter de Gruyter E . Co., 1954, págs. 5 a 21. 
14 - WEBER, ALFRED, Einführung in die Soziologie München, Ed. R. 
Piper, 195·5, págs. 12 a 18 . 
15 - SGHOECK., HELMUT, Sozfofogie, Geschichte ihre'r Probleme, Mün­
chen, Ed . Karl Albert, 1952, págs . 1 a 3 . 
16 - VÁRIOS AUTORES, Traité de Sociologie : Direção de G. Gurvitch, 
P . U . F., Paris, 1958. 
17 - LIPSET, SEYMOUR MARTIN e SMELSER, Nm, J., Sociology : th• 
progress o/ a deeade, Englewood Cliffs, N . J., Prentice Hall, 
1961, 685 págs. 
18 - JOHNSON, HARRY M., Sociolog.11 : a 8'1/Btematic introduction, 
Londres, Routledge e Kegan Paul, 1961, 689 págs. 
2.ª PARTE 
.. · .· . 
·-. 
i . 
. ) . 
.- -: 
. .. 
-
.f• . 
CONDICIONAMENTOS DO FATO SOCIAL 
. ) 
·.' 
INTRODUÇÃO 
A Sociologia é a ciência positiva da realidade social, 
daquilo que J\'IAUSS chama o fato social global. 
Chegados a êsse ponto da análise da noção de Sociolo­
gia, somos introduzidos espontâneamente ao exame do seu 
Qbjeto. 
Não compete à Sociologia, como ciência positiva, ana­
lisar a essência do social. Essa análise constitui um exem­
plo típico de um postulado que a Sociologia tem o direito 
de reclamar à Filosofia social. O sociólogo não define a es­
sência do social ; ocupa-se dêle. 
No fato social global, podemos distinguir três planos 
que abrangem a sua totalidade : o pla·no pré-social, o plano 
.social propriamente dito e o plano cultural. . 
Com efeito, que é a realidade social total? É tôda a vida 
em sociedade, com as infra-estruturas que a condicionam, 
com os contextos e ambientes em que se desenvolve, suas 
instituições e estratificações internas, suas criações cultu­
rais. Entretanto, admitindo, sem um critério homogêneo, to­
dos êsses elementos no âmbito da Sociologia, essa corre o 
risco de tornar-se uma enciclopédia. Importa, pois, pôr em 
ordem no tropel de assuntos que interessam à Sociologia 
e adotar um critério. Tudo que se refere ao grupo social se 
enquadra nessas três grandes categorias : a vida do grupo 
em si mesma, tudo que a condiciona, tudo aquilo que ela 
cria. Temos assim uma ordem, distinguindo no objeto da 
FEL(Nl\NUO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
Srn·ío lug-ia os três planos acima indicados. Temos também um 
'", .u, · 1"Ü>, 4ue é o próprio objeto formal da Sociologia : exa­
rni 11ur tudo que contém êsses planos na sua referência aos 
determinismos sociais. 
O plano pré-social compreende os condicionamentos que 
permitem a emergência do fenômeno social e sôbre êle 
atuan1. 
O plano social prõpriam.ente dito se ocupa da vida dos 
grupos, no seu aspecto micro-.sociológico e no seu aspecto 
macro-socioló gwo. 
O primeiro compreende o estudo das formas de socia-• 
bilidade ; o segundo, o estudo dos fenômenos grupais e das 
sociedades globais. 
O plano cultural se estende a tudo aquilo que o .homem 
cria, porque vive em sociedade e para viver emsociedade. 
É o plano da Sociologia da cultura, onde termina o objeto da 
Sociologia geral. Por viver, porém, em sociedade e para vi­
ver nela, o homem desenvolve atividades econômicas, artís· 
ticas, religiosas, morais, jurídicas, cognocitivas, educacio. 
nais, seja em um contexto urbano, como em um contexto 
rural. São os objetos das Sociologias especiais ao estudo dos 
quais a Sociologia geral oferece uma introdução, mas que 
já se encontra fora de seu objeto específico. 
11: claro que o objeto da Sociologia, analisado nesses três 
planos, é, na realidade, dinâmico. Tudo aquilo que é criação 
cultural de uma geração se integra ao setor ambiental em 
que vai aparecer a geração seguinte. J a nessa perspectiva, 
êsses elementos seriam examinados no plano pré-social. Evi­
dentes razões metodológicas, entretanto, nos obrigam a pres1.. 
cindir dêsse processo dinâmico e a considerar estàticamen­
te o objeto da Sociologia. 
CAPfTULO I I 
O FATOR AMBIENTAL 
§ 1) NOÇÃO 
O fator ambiental se define como o quadro natural, no 
qual se desenvolve a vida dos grupos, e no qual aparecem e 
se diferenciam as civilizações'. É constituído, pois, por ele­
mentos que se impõem ao homem e que escapam a seu con­
trôle direto. Entre êsses elementos podemos enumerar : a 
situação geográfica, a composição do solo e do subsolo, o re­
lêvo, a hidrografia, o clima, o regime pluvial, o ciclo esta­
ciona}, a fauna e a flora.1 
1 O estudo do íator ambiental interessa de modo especial ao 
assistente social, que se especializa em serviço de comunidade. O co­
nhecimento do quadro natural no qual ela vive, seja rural, seja urba­
na, é o ponto de partida obrigatório para qualquer planejamento no 
serviço desta comunidade. Assim, o assistente social deve ser iniciado 
na leitura dos levantamentos cartográficos em grande escala, dos re­
gistros cadastrais e na técnica da foto�interpretação . Pontos essen­
ciais de estudo, antes de qualquer iniciativa a serviço da comunida­
de, são: as condiçpes do meio fisico, o solo, os dados climáticos, a 
repartiçã-0 das águas, o regime pluvial, o relêvo, a repartição das pro­
priedades, os sistemas de cultura, os tipos de habitação, a rêde de 
comunicaçpes e possibilidades de escoamento dos produtos, o mercado 
de trabalho. É claro que os problemas se formulam diversamente, 
conforme se trate de uma comunidade rural ou de uma comunidade 
urbana. O ponto, entretanto, para o qual queremos chamar a aten­
ção aqui, é o da importância do estudo do fator ambiental como ele­
mento indispensável para os trabalhos de serviço social de comuni­
dades. 
1"El'1'\ANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
!'\ iin Re trata, para o sociólogo, de estudar êsses fatôres 
· · 1 1 · �:: n1esmos, na sua realidade geográfica, mas nas suas 
1 ·• . : ,1.çGes com a vida dos grupos sociais. Nã.o interessa ao so­
{ · i úlogo descrever êsses relevos e ciclos, a hidrografia ame­
ri .. ·ana ou as estepes asiáticas, mas interessa-lhe saber que 
'-�stas condicionaram o aparecimento de uma cultura pasto­
ril, com uma estrutura familiar patriarcal, num reI?;ime de 
propriedade coletiva. 
É verdade que o homem pode, progressivamente, corri­
gir os defeitos, atenuar os efeitos do ambiente natural em 
que vive, e enriquecer seu patrimônio cultural. Isso, porém 
não afeta a noção do fator ambientàl que ora nos ocupa. 
Como vemos, o capítulo da Sociologia que agora exa­
minamos penetra nos domínios da A ntropogeografia e da 
Geografia humana. Importa, pois, precisar êsses conceitos, 
a fim de delimitar com mais nitidez o objeto formal da So­
ciologia. 
É clássico distinguir, na Geografia, duas tendências 
fundamentais : a tendência alemã, oriunda, principalmente 
,de RATZEL, 2 criadora da Antropogeografia que se preocupa 
·mais das influências do meio sôbre o homem, e a tendên­
cia francesa, que criara com BRUNHES a Geografia humana. 
Essa considera o homem "como um agente geográfico, que 
trabalha e modifica a superfície do globo, tal como a água, 
o vento ou o fogo", e se preocupa, por conseguinte, mais das 
influências do homem sôbre o meio. 
2 RATZET�, FRIEDRICH (1848-1904) . Geógrafo alemão, inicial­
mente dedicado à Zoologia . Sua primeira obra, publicada em 1896, 
\.·crsava sôbre a evolução org.ânica . Todo o seu trabalho, como geó­
J.!:raío, baseia-se no aspecto biológico . Foi nomeado catedrático de geo­
,_�rafia em Munique, depois em Leipzig, cargo que exerceu até a sua 
morte . Devemos-lhe a formulação da Antropogeografia como condi­
t"ionamento da cultura ao meio . Sob a influência de MORITZ WAGNER, 
11.A'rZEL tomou a teoria do desenvolvimento de novas formas· orgâni­
.. :is pelas migrações e isolamento, como tese fundamental da história 
l111mnna, preparando terreno para o conceito da área cultural. Suas 
; 1 r i rw'ip<ds obras foram: Anthropogeographie, 2 vols., Stuttgart, 1882-
1 :·;! r 1 . <: Polit-iscke Geographie, Munique, 1897. 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 65 
O objeto .material dessas duas ciências considerado em 
conjunto, coincide exatamente com o objeto material do ca­
pítulo da Sociologia que se ocupa do fator ambiental. Entre­
tanto, os pontos-de-vista, as formalidades sob as quais en­
caram o mesmo objeto material são diversas. Estudando as 
influências mútuas dos grupos humanos sôbre o meio, a 
Geografia focaliza sempre o meio, o ambiente. Interessa-lhe, 
sempre, os mecanismos de atuação do meio sôbre os grupos. 
bem como as transformações, os traços marcados por êsses 
sôbre o ambiente, porque a Geografia, sob pena de deixar 
de ser Geografia, é, como disse LA BLACJIE, "a ciência dos 
lugares, não dos homens".� A Sociologia, ao contrário, f o­
caliza sempre os grupos humanos, seja como objeto passivo : 
as influências nêle exercidas pelo ambiente ; seja como agen­
te ativo : os mecaniAmos, instituições, idéias coletivas, pelos 
quais atuam sôbre o meio . . 
É óbvio que a distinção que aqui propomos é mais teó­
rica do que prática. Na realidade, muitos geógrafos fazem 
Sociologia e muitos sociólogos penetram no campo da Geo­
grafia. 
§ 2) CLASSIFICAÇÃO 
Entre os diversos elementos que constituem o quadro 
natural da vida dos grupos, importa introduzir algumas dis­
tinç·ões que nos forneçam uma conceituação mais precisa. 
8 LA BLACHE, PAUL MARIE JOSEPH VIDAL (1845-1918) . Geó­
grafo francês, dedicou-se inicialmente à História. Em 1873, VIDAL 
DE LA BLACHE foi nomeado professor da Universidade de Nancy ; em 
1877 lecionou na Escola Normal Superior e, finalmente, em 1898, 
passou à Universidade de Paris. Dedicou-se especialmente ao campo 
da Geografja Humana . Uma de suas maiores contribuições foi a apli­
cação do método regional, que postulava a estreita ligação entre da­
dos sociológicos e geográficos em uma região específica, objetiva­
mente definida . Conclui que "as causas geográficas influenciam o ho-
\ mcm somente através de fatos sociais" ; desenvolveu e estudou a teo­
ria ambiental. Em 1915, recebeu, pelos seus trabalhos, a medalha de 
ouro da Sociedade Americana de Geografia . Sua obra mais impor­
tante, como contribuição à Sociologia, foi : Priricipes de Géographie 
Humaino, Paris, ed. E . de Martonne, 1922. 
"•·.!\ !':.\ N PO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
1 . 1- ·" 1 . i r('s ['ís·icos e antropofísicos. Os primeiros são 
- • . 1 .d •.-r pu r:1mente natural, sem sofrer uma ação modifi-
. , . , , , : :1 por parte do homem : o relêvo, a configuração lito­
' . . . , · : 1 . o cli m a, as tempestades, etc. Os segundos sã.o resul-
1 :1 1 . ! n: de uma combinação entre a natureza e a atividade 
l 1 1 1 1 ; ,a na e se integram no patrimônio cultural do grupo : 
porl os, canais, vias· de comunicação. 
I I ) Fatóres imediatos e mediatos. Os primeiros atuam 
d i retamente sôbre a vida coletiva, por exemplo, uma erupção 
vulcânica que arrasa um povoado e força a população re­
manescente a emigrar. Os segundos atuam sôbre outros fe­
nômenos naturais e só mediante êsses agem sôbre a vida 
em sociedade, por exemplo, um clima mórbido atua sôbre a 
saúde do grupo humano, cujo baixo nível sanitáriose re­
flete na pobreza de suas criações culturais. 
III) Fatôres agentes e condicionantes. Os primeiros 
direta ou indiretamente atuam no social. Os segundos ofe·­
recem apenas possibilidades à espera de determinada com­
binação de fôrças para surtir determinado efeito social. A 
existência de um rico subsolo constitui apenas uma condi­
ção para que os grupos humanos sôbre êle instalados desen­
volvam a indústria extrativa. É possível assim que dentro 
do mesmo quadro natural floresçam culturas diversas, como 
é também· possível que culturas similares apareçam em qua­
dros naturais diferentes. Não existe um rígido determinis­
mo geográfico. 
§ 3) INFLUÊNCIA SOCIAL DO QUADRO GEOGRÁFICO 
A tese do determinismo geográfico que pretende exclu­
sivamente explicar os fenômenos sociais e culturais pelo f a­
tor ambiental não tem valor científico e é hoje com umente 
rejeitada pelos sociólogos. 
A · idéia de explicar os mais variados fenômenos só­
cio-culturais pelo fator ambiental, por exemplo, o clima, se-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 67 
duziu uma série interminável de pensadores, desde a mais 
remota antiguidade. A distribuição e a densidade das po­
pulações e sua estrutura étnica, o tipo de sua organização 
econômica, social e política, o progresso e decadência das 
nações, o caráter das crenças e ideais religiosos, os tipos de 
organização familiar, os sistemas filosóficos, os índices de 
criminalidade, de fecundidade e de inteligência, o número 
de homens geniais, etc., tudo foi atribuído a influências geo­
gráficas. 4 
O tempo foi se encarregando de fazer a triagem nesse 
acervo de idéias, relegando a maior parte � las para o domí­
nio da literatura e da poesia. As contribuições positivas da 
escola geográfica se podem resumir nos seguintes itens : 
I) - Sendo o homem um organismo que deve se adap­
tar ao meio para sobreviver e prosperar, e tendo assim a 
sociedade uma base orgânica, o meio geográfico influi po­
derosamente sôbre o comportamento coletivo dos grupos. 
Os vales às margens dos grandes rios foram os berços 
das civilizações primeiras : Nilo, Eufrates, Yangtze. Os rios 
atraíram os aglomerados humanos e às suas n1argens apa­
receram grandes cidades, como quase tôdas as capitais eu..: 
ropéias, porque o rio oferece água, uma via de comunicação 
e de comércio fácil e econômica, constitui uma linha de de· 
f esa, fornece a pesca, e possibilita a irrigação. Notar o sen­
tido do Tieté na história paulista. 
Os litorais, protegidos em forma de portos, foram im� 
portantes fatôres de civilização, apenas começou a se de­
senvolver o comércio marítimo, como foi o caso de Tiro, Sí­
don, Atenas, na Antiguidade, e na Idade Média, e Moder­
na : Gênova, Marselha, Hamburgo, Shangai e Tóquio. Por 
outro lado, as regiões montanhosas não propiciaram o apa· 
recimento de grandes civilizaç-ões, que não permitiam a for-
\ mação de densos grupos humanos. Nelas vivem em geral 
4 SOROKIN, PITIRIM, Contemporary Sociol.ogical TheorieB, New 
York, Harper & Brothers, 1928, págs . 99 e segs. 
FERNANDO Bl.STOS DE ÁVILA., S. J. 
populações rigidamente tradicionais, mais hospitaleiras, de­
vido, talvez, ao prazer de receber o ádvena, portador de 
mensagens e notícias do resto· do mundo. Exemplo típico, 
.entre nós, são as populações de Minas Gerais. 
O isolamento geográfico exerceu influência decisiva 
não só sôbre a evolução geral de grandes civilizações, ma� 
também sôbre pormenores que, à primeira vista, nada têm 
que ver com o fator ambiental. Dois exemplos típicos : a 
China e a Inglaterra. A China era pràticamente impenc� 
trável pelos seus limites naturais ocidentais, reforçados mais 
tarde pelas célebres muralhas. Era . um mundo voltado para 
o Oriente. Ficou, assim, durante séculos, completamente iso­
lada, constituindo um mundo cultural à parte, com o papçl 
.a bússola e seus conhecimentos astronômicos. A Inglaterra. 
separada da Europa pelo Canal da Mancha, constitui o povo 
mais tradicional da Europa. O canal, o n1ar, era para ela 
uma defesa natural. Assim, enquanto os povos continentais. 
sentindo a pressão e a ameaça dos vizinhos, já possuíam, ha� 
via séculos, exércitos regulares, a Inglaterra só os adotou no 
século XX. 
As condições do solo e do subsolo, enfim, exerceram 
enormes influências no desenvolvimento dos povos. Certa­
mente que um dos fatôres do progresso tecnológico ameri­
cano foi a descoberta do petróleo e sua valorização come) 
fonte de energia. 
A expansão territorial brasileira foi profundamente in­
fluenciada pela ausência de metais preciosos na zona lito·­
rânea. A colonização espanhola encontrou-os próximos à cos­
ta do Pacífico e no México,, e sob o signo do mercantilismo 
não se desenvolveu numa colonizaçã.o orgânica de base rural 
auto-suficiente. Adquiriu um caráter extrativo e predatório, 
e não teve o surto de penetração continental da colonização 
portuguêsa. Acossada pela ânsia de encontrar outro, esta va­
rejou o continente sul-americano, transpôs as linhas fixa­
das pelo tratado de Tordesilhas, e deu ao Brasil sua formi­
dável extensão territorial. É possível que se o português ti-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 69 
vesse encontrado ouro mais cedo, perto da costa, o Brasil te­
ria hoje uma simples faixa litorânea, como é a América ($­
panhola. A colonização americana do nõrte só descobriu ouro, 
na Califórnia, no século XIX, quando a cultura americana já 
tinha sólidas bases econômicas. A história dos Estados Uni­
dos seria totalmente outra se tivesse começado do lado do 
Pacífico. 5 
II) - A influência do fator ambiental é tanto maior 
quanto mais baixo é o nível de evolução do grupo ; é n1aior 
para a satisfação das necessidades primárias do que para 
a satisfação das exigências mais elevadas do homem. 
Os· grupos primitivos estavam expostos, quase impoten­
tes, aos rigores do meio ambiente e seu raio de ação era ti-
. rânicamente limitado por êle. Daí a importância do meio 
co�o fator de discriminação no ritmo de evolução inicial dos 
povos. Podemos admitir que os grupos primitivos tenham 
tido as mesmas potencialidades inatas, naturais. Uns, porém� 
prosperaram mais ràpidamentc, outros menos, outros per. 
maneceram quase estacionários. É certo que nessa diferen­
ça de ritmo o fator ambiental exerceu uma ação decisiva. 
Uns prosperaram, porque se encontraram num contexto geo­
gráfico propício. Outros evolufram pouco, porque se viram 
cercados por uma natureza avara e inclemente. 
A influência do meio é menor na satisfação das exigên­
cias mais elevadas como as morais e intelectuais. Mais pre­
cisamente, o desenvolvimento das atividades superiores do 
espírito está menos sujeito ao meio, e dêle menos depende, 
que a satisfação das necessidades primárias, como alimen·· 
taçã.o, vE:stido e habitação. Os gênios, os heróis e os santo� 
aparecem de maneira imprevisível, como um capricho da 
natureza ou da graça, nos contextos naturais mais diverso�. 
No que diz reRpeito, porém, à satisfação de suas neces­
sidades básicas, os grupos humanos dependem muito mais 
r; VIAN.&. MOOG, Bandeirantes e Pioneiros, Pôrto-Alegre, Ed. Glo­
bo, 1954. 
70 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
estritamente do meio geográfico e através dessas necessida­
des básicas o meio exerce uma poderosa influência sôbre os 
destinos dos povos. 6 
III) - A ocupação crescente do globo e a sempre mais 
estreita interdependência dos povos oferecem hoje a base 
natural, geográfica, para a constituição da Comunidade Hu­
mana Uni versai. 
A idéia da existência de uma comunidade humana uni­
versal já fôra intuída pelos grandes criadores do direito in­
ternacional moderno : VITÓRIA ; 7 SUAREZ ; 8 DE GROOT 9 e 
'ª O leitor encontrará a confirmação mais dramática desta tese 
nos trabalhos de .lOSUÉ DE CASTRO, principalmente em Geopolítica da 
Fome, Livraria Editôra da Casa do Estudante do Brasil, 1952. NM 
endossamos muitas das teses do Autor, para cuja comprovação utili� 
zou um material que muitas vêzes deixa a desejar, quanto ao•seu 
teor científico. Mas consideramos de capital importânciaduas con­
tribuições do seu pensamento . Em primeiro Ius-ar, êlc determinou um 
poderoso impacto na opinião pública internacional, chamando a aten­
ção do mundo para a extensão tremenda do fenômeno fome. Neste 
:fator, JOSUÉ DE CAS1"RiO procurou mesmo descobrir, de modo que nos 
parece um tanto unilateral, um fator determinante da histórh1 . ��m 
segundo lugar, aduziu uma argumentação convincente para êlemons­
trar que a fome é menos devida a fatôres geográficos - escassez 
de recursos ou po�sibilidades naturais - do que a fatôres sociais -· 
iniqüidade na produção e distribuiçã() das riquezas. Esta parece-nos 
ser a contribuição mais rica do Autor, pela qual revela a inconsis­
tência e o egoísmo latente de certas tendências de um maltusianismo 
profético. lt evidente que o conjunto de sua obra não pode ser re­
pudiado por razões de f a1so sentimental ismo nacionalista, que nela 
quer encontrar uma antipropaga·nda do Brasil. 
7 VITORIA, FRANC1SCO DE (148Q-1546) . Teólogo e jurista espa­
nhol. VITORIA entrou para a ordem dos Dominicanos ainda bem jo­
vem. Completando seus estudos em Burgos, foi enviado em 1506'1 para 
estudar em Paris. Voltando à Espanha em 1523, permaneceu ligado 
à Universidade de Valladolid durante três anos. Em 1526 tornou-se 
catedrático de Teologia na Universidade de Salamanca. A descober­
ta do Nôvo-Mundo, as conquistas espanholas e a consolidação do Im­
pfaio Espanhol na América, levantaram novas questões sôbre as re­
lações internacionais . VITORIA dedicou atenção especial a estas ques­
tões, inaugurando assim um sistema científico de direito internacio­
nal. O domínio da Teologia era para êle bastante amplo, abrangen­
do as ciências jurídicas. Tendo a lei um conteúdo moral e espiritual, 
só poderia ser bem aplicada e compreendida por quem soubesse Teo­
logia. Como professor desta cadeira, organizava anualmente cursos 
públicos sôbre determinados assuntos . Doze dêstes cursos foram pu-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 71 
PUFENDORF. 10 Intuíram a realidade de um bem comum 
univ<Wsal, que se impõe ao bem comum dos grupos nacio­
nais, do mesmo modo que êste se impõe aos interêsses dos 
indivíduos. Como o indivíduo subordina seus interêsses ao 
interêsse maior do Estado, assim os Estados devem subor­
dinar seus interêsses ao bem da comunidade humana. Tra­
tava-se, porém, de uma antecipação genial que precedia de 
blicados em 1557 após a sua morte, sob o título de Praelectiones theo­
logicae. Os mais importantes, entretanto, eram os que versavam sõ.. 
bre os índios e sôbre a guerra D'e indiis et de jure belli praelectio­
?1.es, obra publicada em 1532, que constitui na opinião de mui.tos um 
-excelente trabalho de Direito Internacional . VITORIA é con�iderado 
por todos um dos pioneiros do assunto, pela sua elaboraçã:o do con­
ceito de uma comunidada internacional. Nesta, não só as nações ci·is­
tãs seriam incluídas, mas, também, as não-cristãs, com os mesmos di­
reitos, tôdas sujeitas à lei da Cristandade, oriunda das leis naturais 
e morais. "A lei internacional não tem apenas a fôrça de um pacto 
entre homens, goza da fôrça da lei, pois o mundo, em seu conjunto, 
• sendo de certo modo iim único Estado, tem o poder de •litar leis jus­
tas e apropriadas a cada pessoa, como são as regras do direito inter­
nacional". 
8 SUAREZ, FRANCISCO (1548-1617) . Teólogo espanhol. entrou 
para a Companhia de Jesus aos dezessete anos de idade. Depois de 
ter completado seus estudos de Filosofia e Teologia. lecionou estas 
matérias em várias Universidades espanholas e italianas . De 1597 a 
1616, foi professor em Coimbra. Exerceu profunda influência no pen­
samento escolástico, tendo preparado terreno. l)ara a neo-�scolástica. 
Foi um dos fundadores do direito internacional e o primeiro a esta­
belecer uma distinçãio clara entre Direito Natural e InteTnacional. 
Prega a necessidade de uma associação dos Estados soberanog com 
um corpo de leis para reg-ulá-la. baseando esta necessidade na uni­
dade moral e no lítica de todos os povos. Sua obra : Tro..cta.tus de le­
.Qibus Clc DP-D ler;islatore (1612) é um trabalho detalhado sôbre direi­
to. Nela discute os sistemas legislativos e suas rclac;ões. Na obra 
póstuma Opits triplice virtute theologica (1621 ) , expõe suas idéias 
sôhre a guerra . Seu ponto-de-vista sôbre a política é encontrado 
em D·efensio /"'dei catholice . . . adversus - a:nglicanae sectae errares 
(1613) onde i·epudia a teoria do direito divino dos reis, submetendo 
<> govêrno ao consentimento dos g-overnados . 
9 DE GROOT, HmGH. (1 538-1645) (GROTIUS) . Jurista holandês, 
estudou na Universidade de Leyden, formando-se com 15 anos de 
idade. 
Em 1613, envolveu-se em questões políticas. tomando parte nas 
discussões entre calvinistas e anticalvinistas . Estêve prêso no Cas­
telo de Loevesteins, mas conseguiu fugir para a França em 1621 . Aí 
escreveu sua mais famosa obra : De .iure belli ac pacis . É um t:cata­
do sistemático sôbre o conjunto das leis nacionais e municipais. Sua 
l·"EltNANJJ() BAFTOS nFi ÁVITiA, S . . J. 
, • :·:n·1 1 los a maturidade dos tempos·, o contexto sócio­
, . . · t l l H 1 i i1'.o in<lispensável para que a idéia se concretizasse 
• i 1 1 · 1 1 : l org-<.rnização. Com efeito, sua intuição incidia preci­
: : 1 1 1 : • · 1 1 l .i.? nmna época em que, no clima do mercantilismo, 11 
: ; 1 · rol'mavam os grandes Estados contemporâneos pelo apa­
n �c : i mento de um forte poder central que absorvia a.s com­
p<trlimentações econômicas e políticas internas. Tal era o 
obra teve grande repercussão, com mumeras edições, mesmo durante 
a sua vida.. Para o estabelecimento do conjunto de leis, De GROOT 
ha::;eia-se nas Escrituras e nos clássicos, sujeitando os Estados sobe­
ranos às mesmas leis que os indivíduos . Ein contradição com SUAREZ 
e VITORIA, DE GROOT estabelece que, não sõmente os superiores, mas 
também os iguais estão autorizados a punir. Daí constituir a guer­
ra uma sanção contra os crimes de um Estado. Baseou seu sistema 
numa teoria da lei natural, que não foi ultrapassada durante séculos. 
Em 1631, procurou regressar à Holanda, onde passou alguns meses. 
Entretanto, tendo sido renovada a ordem de extradição, fugiu para 
Hamburgo, sendo entã-0 nomeado embaixador em Paris. Demitiu-se 
em 1645. Morreu depois de fazer uma pequena visita à rainha Cris­
tina, da Suécia. Não foi sõmente jurista, tendo publicado também 
obras de Teologia, Filosofia e História, bem como estudos críticos 
sôbre os textos clássicos. Sua obra Inleiding tot de Hollandesche 
Rechtsgel,eertheid: Introdução ao Direito Holandês (Haia, 1631, ed. 
S. J. F. Andreas e S. J. van Apeldoorn, 2 vols.) constitui até 
hoje um ótimo livro de texto. 
10 PUFENDORF, SAMUEL VO.N ( 1632-1694 ) . Estadista, jurista e 
historiador alemão. Filho de um pastor luterano, nasceu na Saxônia, 
tendo estudado em Estocolmo e Berlim . Opondo-se a DE GROOT, con­
sidera o Direito Internacional baseado na lei natural . Para êle, tôda 
lei internacional faz parte da lei natural, enquanto DE GROOT, con­
sidera o Direito Internacional baseado na lei natural. Para êle, tôda 
lei internacional faz parte da lei natural, enquanto DE GROOT dis­
tingue leis positivas e naturais das nações. Aplica aos Estados a idéia 
de sociabilidade, pois, não podendo deixar de coexistirem1 devem pro· 
curar auxiliar-se. De modo geral, condena a guerra ; ela só se justi­
fica por uma causa justa. A condiçã-0 natural do homem é a paz, 
considerando desnecessários os tratados. Seu pensamento sôbre Di­
reito Internacional encontra-se em suas principais obras : De jure 
·uaturae ed gentium, libri octo ( 1672) . De officio hominis et civis 
( l 673 ) ; Elementoru-m jurisprudentiae universa.lis, libri duo (1660) . 
Como estadista, PuFENOORF, em sua obra De statu imperii Gerrnanici, 
!ilwr unus (1657 ) , procurou mostrar ao povo alemão tudo o que ha­
v i a de desumano em sua Constituição . 
1 1 Mercantilismo. Nã.o chega ainda a constituir uma doutrina 
1·1·011(>111 i('a. Foi antes de tudo uma política econômica restricionista,• 1 1w npa1·e<·<m na época das grandes descobertas para controlar o coM 
1 1 1 1 · rcio, que então obteve enormes possibilidades de desenvolvimento . 
··, 
"\: 
. 1 
\ 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 
caso de Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Os inte­
rêsses mercantilistas opunham uns aos outros os grupos. 
nacionais e não permitiam a visão de um interêsse comum. 
universal. Faltavam os elementos de base, que hoje não só 
existem, mas dos quais a humanidade toma consciência 
cada vez mais clara. 
Para que apareça e viva a comunidade, requer-se, em. 
primeiro lugar, a continuidade espacial. É o que se vai rea­
lizando pela ocupação crescente do globo e o que se vai acele­
rando pelas maiores possibilidades 'de transportes e comu­
nicações. Os povos se sentem cada vez mais vizinhos e até 
interpeneh·ados. Requer-se, a seguir, a existência de servi­
ços básicos comuns e é o que se manifesta, não só pela or·· 
ganização de serviços e transportes e comunicações, inter� 
continentais, como também pela interdependência econômica. 
Através da economia internacional, os povos criaram de fato. 
uma rêde de serviços mútuos que os torna rigidamente so­
lidários. A comunidade postula ainda a consciência de inte-
. 
A idéia central de todo mercantilismo e1•a considerar a moeda a úni-. 
ca fonte e riqueza. Para os mercantilistas, a abundância de metal. 
precioso é o meio eficaz de garantir a prosperidade das nações, isto· 
é, riqueza é metal. Chegam a esta conclusão, baseando-se em três 
observações: 1.ª, o país mais próspero da época é a Espanha, que 
possui o maior estoque de ouro ; 2.ª, o metal é riqueza durável, o que 
não acontece com outros bens, que sã10 perecíveis; 3.ª, o ouro é a 
melhor arma, pois que possibilita a compra de exércitos e armamen­
tos. Era então de interêsse que cada país procurasse ter a maior· 
quantidade de ouro possível, o que procurava obter reduzindo ao má­
ximo as importações e incentivando as exporta�õcs, pagas em ouro. 
Foram os prhneiros a realizar a idéia de uma economia nacional. 
Procurando, cada vez mais, enriquecer em detrimento das outras na­
ções, os mercantilistas contribuíram para a c1·iação de uma atmos­
fera de nacionalismo exagerada. Intuíram a idéia de uma balança. 
comercial, que só era . considerada favorável se as expo:rt�.ções exce­
dessem às importações. Esta política veio entravar violentamente o · 
comércio internacional que tinha na ocasião grande oportunidade para 
desenvolver-se. Levou países como a Espanha a uma miséria extre­
ma, com um descaso absoluto pela agricult.m·a e pela indústria . Os: 
estoques de ouro eram fabulosos, mas não havia o que comprar com 
êles. O êrro fundamental do mercantilismo estava em ver na moe- · 
da, não o meio de permuta, mas, unicamente, a fonte de riqueza. 
1· l· li!-.J.r\ N l>O BA81'0S DE ÁVILA, S. J. 
1 · 1 •11 11 11:; (1ue aparece cada vez mais clara em âmbitos 
. . · . ; , i : , : a < :omunidade Européia, a Organização dos Es-
' . . . . : . ,.\ : 1 1< � 1 inrnos, o Pacto do Atlântico, de Bagdá, e que já 
, , • • ; ··, . 1 ;1 n1 l>óm num âmbito planetário. A guerra da Coréia, 
: 1 "' 1 1 p:11,·ii o do corredor de Gaza, mobilizaram as preocupa­
• ' < >1 '.'-' <� a� fôrças de tôda a humanidade, tão viva é a cons-
1 · i 1 · t l(' i a que ela tem que já não existem eventos puramente 
1·p i;-;ódicos e perfeitamente localizados. Enfim, a comunidade 
como tal começa a funcionar com a participação numa obra 
nnnum. Êsse é talvez o mais importante signo sob o qual vi­
vemos. As nações se sentem envolvidas numa obra que trans­
cende a seus próprios interêsses : a óbra da paz, da melho­
ria de condições da humanidade. As nações já se formu1am 
problemas em têrmos planetários e já aceitam soluções que 
importem mesmo numa alienação parcial da pr6pria sobera­
nia. A comunidade dos povos, que em si é mais uma simples 
vivência humana, evolui para uma forma societária que já 
cria seus órgãos de ação, entre os quais avulta a Organiza­
ção das Nações Unidas, a UNESCO, a FAO, e outras orga­
nizações de caráter universal. 
* * * 
Tôdas estas realizações foram possíveis, fundamental­
·mente, porque o homem conseguiu cada vez mais pôr o fator 
.ambiental a serviço de seus interêsses. O fator ambiental 
não é determinante. É, antes, li?nitativo e permissivo, isto é, 
condicionante. Onde não há quedas d'água, o homem não 
pode criar ceutrais hidráulicas. Onde as há, nem sempre o 
homem as utiliza. Mas, dentro das limitações e possibilida­
des oferecidas ou impostas pelo fator ambiental, o homem 
cRtá criando um mundo à sua imagem e semelhança. 
Neste setor das relações entre o fator ambiental e o 
1.�rupo humano, por outras palavras no setor da Ecologia 
l l 1 1 m a n a , abre-se hoje uma frente de trabalho na qual cabe 
INTRODUÇÃ-0 À SOCIOLOGIA 75 
ao sociólogo uma tarefa privilegiada. Referimo-nos ao pro­
blema do planejamento regional, que constitui uma das mais 
importantes especializações do sociólogo como projetista 
social. 
Esta especialização exige do sociólogo não só conheci­
mentos gerais de Ecologia, mas sua iniciação na teoria dos 
recursos naturais 1 2 nos proce::;sos de levantamento dêstes re­
cursos e de planejamento de sua utilização mais racional 
pelas comunidades locais. 
Os processos de levantamento de recursos e planeja­
mento vêm sendo elaborados com excepcional habilidade pelas 
equipes de L . J . LEBRET, e seu movimento de Economia e 
Humanismo. 113 Hoje êsses· processos j á podem 8e beneficiar 
no Brasil das técnicas mais avançadas da f otogrametria e 
f oto-i nte1·pretação. 
t� O leitor encontrará uma síntese desta teo1·ia, em sua aplica­
ção ao Brasil, nos estudos de PAULO DE ASSIS RIBEIRO e GLYCON DE 
PAIVA, hoje considerados das maiores autoridades nacionais no as­
sunto. Cf. SPES (Sintese Política, Econômica, Social, n.º 14, abril­
junho de 1962) . 
l.3 Consultar especialmente : Guide Pratique de l'"'nquête sociale, 
em 4 volumes: Manuel de f enquêteur; l' enquête rurale ; l' enquête ur­
/Jaine; l'enquête en vue de l'aménagement regional, Paris, Presses 
Universitaires de France, 1952-1958 . 
· LEITURAS COMPLEMENTARES 
- BLACHE, VIDAL DE LA, Principws de Geografia Humana, Lis­
boa, Edições Kosmos, 2.ª edição, 1954. Ler o .Prefácio de FER­
NANDES MARTINS, e a Introdução, págs. 27-46. 
� - SICHES, Lms REcASENS, "Los fatores fisi,cos y la vida social", 
in Sociologút, México, Editorial Porrua, págs. 247-260. 
�i - SOROKIN, PITRIM, Contempora'Y'll Sociolog-ical Theories, New 
York, Harper & Brothers, Geographical School, 1928, páginas 
99-193 . 
4 - VIANA Mooo, Bandeirantes e Pioneiros. Paralelo entre duas 
culturas. Pôrto Alegre, Editôra Globo, 1954. 
5 - CASTRO, JOSUÉ DE, Geopolítica da Fome, Rio de Janeiro, Livra­
ria Editô1·a da Casa do Estudante do Brasil, 1952. 
6 - ÜGBURN, WILLIAM F. e NIMKOFF, MEYER F., "Tke infhience of 
geographical environment", in A Handbook of Sociology, Lon­
don, Routlcdge e Kegan, 1950, págs. 66 e segs . 
7 - YOUNG, KIMBALL, "Geographic factors in Socio-cultural life", in 
Soci-Olog11 : a study of soc'Íety and culture, New York, Ameri­
can Book Co., 2.ª ed., 1949, págs. 137 e segs. 
8 - MACIVER, R. M. e PAGE, CHARLES H., "Geography and People", 
ín Society and introductory mialysis, London, MacMillan, 1953, 
páginas 98 e seguintes . 
9 - KOENIG, SAMUEL E OUTROS, "The physical bases of societ,y", 
in Sociolog"Y : a book of readings. Englewood Cliffs, N . J ., 
Prentice-Hall Inc., 1956, págs. 17 e segs . 
10 - GEORGE, PIERRE, Questioris de géograph-i,e de la populatwn, Pa­
ris Presses Universitaires de France, 1959, 229 págs. 
I 
CAPfTULO III 
O FATOR DEMOGRAFICO 
Um grupo humano, situado em determinado contexto 
ambiental, cujas incidências sociais examinamos no capítulo 
anterior, constitui uma população. 
O fator demográfico interessa sumamente ao sociólogo1 
porque, pelos seus vários aspectos, influencia a vida social 
e é influenciada por ela. 
Entretanto, a população é um todo, uma realidade com­
plexa. Como analisá-la?Neste capítulo distinguiremos os di .. 
versos aspectos sob os quais é possível focalizar uma popu­
lação, fornecendo assim os instrumentos conceituais para a 
sua análise. Êsses aspectos da situação demográfica de um 
grupo humano exercem profundas influências· sôbre sua vida 
econômica, social, política e cultural. Estamos convencidos 
mesmo, de que uma das grandes deficiências nos ensaios de 
interpretação de um grupo reside no fato de se perder de 
vista ou de não se dar a devida importância ao fator de­
mográfico. 
Uma população pode ser considerada, em primeiro lugar, 
do ponto-de-vista estático, em sua composição ; e, em se­
gundo lugar, do ponto-de-vista dinâmico, em sua expansão 
ou declínio, e nas modificações de sua estrutura. 
1 11: � '. N ltO J:A�TOS DE Á VILA, S. J. 
! : ;\ :--; P l·�CTOS SOCIOLóGICOS DA ESTRUTURA 
UI� UMA POPULAÇÃO 
'- : ;/ ,, I iro meu te considerada, uma população pode ser es­
' , , d ; , 1 i ; 1 1 1 0 seu efetivo global, nas suas densidades, nas suas 
1 1 1 : l 1 1 r;ts : estrutura étnica e etária. 
,;� evidente que um grupo humano, com um alto efetivo 
, ; , 111 uf1râfíco e grande densüiade populacional, tem problemas 
1 1 1 0�.-.ibiJidades diversas das de um grupo demogràficamente 
n•d1 1zido. Um alto potencial demográfico é a condição bási­
c a para a complexa divisão de trabalho que caracteriza os 
J�randes povos desenvolvidos do nosso tempo. Basta refletir . 
nas imensas complexidades das organizações públicas e ad-
ministrativas, nas· instituições culturais de tôda a sorte, na 
multiplicidade de serviços e de exigências econômicas de uma 
sociedade desenvolvida, para compreender a necessidade de 
um rico capital demográfico como base da vida de um povo. 
Por outro lado, entretanto, um efetivo demográfico ele­
vado e uma grande densidade das populações levantam pro­
blemas específicos que não são enfrentados· por povos menos 
numerosos ou geogràficamente esparsos. Entre êsses proble­
n1as, podemos aludir aos mais fundamentais, como os rela­
cionados com as exigências primárias da vida : alimentação,. 
alojamento, ocupação, instrução. 
Exemplos típicos, a respeito, são oferecidos pelos casos 
da China e da índia. Segundo os resultados do recenseamen­
to realizado na China e publicado a 1 de novembro de 1954, 
existem atualmente 602 milhões de chineses, dos quais 582 
vivendo nos territórios continentais. Em 1951, o primeiro re­
censeamento da índia independente acusou o total de 361 mi­
lhões de habitantes, e as previsões médias lhe atribuem 525 
milhões para o ano 2000. 1 
As populações dêsses países vivem numa estreita de-
1wndência das condições climáticas. Qualquer irregularidade 
1 ( ; f. J . BEAUJEAU-GARNIER. "Géographie de la population", 
1 0 1 1 1 0 l i , p;'tg-!i . 390 e 475 e segs. 
./ 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 79· 
que acarrete prej uízo para as col�eitas tem repercussões sô­
bre a vida dos grupos humanos. A fome, que devastou o ter­
ritório de Bengala, de 1942 a 1946, causou a morte de dois 
milhões de habitantes, a ponto de se dizer que nesses países 
a fome tem sido apenas a agravação de um estado habitual 
de miséria. 2 
Um baixo potencial demográfico, se por um lado não 
cria problemas da escala daqueles a que acabamos de aludir, 
não oferece, também, tantas possibilidades humanas para 
influir nos grandes destinos da História. 
I) Composição étnica. 
A composição étnica de uma população oferece mais um 
exemplo de um fenômeno essencialmente demográfico, re­
percutindo sôbre o plano social. Essas repercussões são de 
natureza diversa, segundo os diversos esquemas de relações 
que se estabelecem entre as etnias coll.lponentes do grÚpo hu­
mano. Por outro lado, muitos fatôres sócio-culturais, como 
a religião, a educação, o nível econômico, os estereótipos so­
ciais, influenciam as relações raciais no sentido, seja de 
acentuar, seja de atenuar as diferenciações étnicas. 
Não existem, hoje, povos racialmente puros ou etnica­
mente homogêneos. Entretanto, os problemas sociais só apa­
recem geralmente quando os grupos que convivem numa 
\ mesma comunidade humana manifestam diferenciações ra­
ciais profundas, como no caso de grupos brancos e pretos, 
brancos e amarelos, ou extrema coesão interna, como no 
caso dos israelitas. 
A simples existência, porém, de diferenças muito apa­
rentes não é baRtante para determinar repercussões sôbre o 
plano social. Outras condições são geralmente necessárias : 
2 Cf. GILBERT ETIENE, "La population de l'Inde, perspectives 
démograpkiques et alimen.taires''. Populatwn, 1957, n.º 4, págs. 661 
e segs., e ALFRED SAUVY, ''La Population de la Chine. Nouvelles don­
nées et nou.veUe politique". Population, 1967, n.º 4, págs . 69,5 e segs. 
1"1fü NAN[)0 BASTOS DE ÁVILA, S. J • 
.. , ) que um grupo racialmente diferenciado disponha de 
, , . , c i·t�tivo demográfico significante, mas que constitua en­
' 1 ·1 . . ,; 1 1 1to uma minoria. Neste caso, com efeito, a maioria 
, · t. J 1ica se forma à convicção de que a minoria é inferior ; por 
�t•a vez, esta convicção atua como fator de acentuação da 
tlisiància social entre os grupos ; 3 
b) que entre os grupos raciais não exista, em escala 
estatlsticamente considerável, casos de miscigenação, que in­
troduzam, entre os tipos racialmente extremos, tipos inter­
mediários, numa escala gradativa de côr e outras caracte­
rísticas. 
. 
As repercussões ou fenômenos sociais resultantes da he-
terogeneidade étnica de uma comunidade podem ser classi · 
ficados nas seguintes categorias : 
A) Aparecimento de estereótipos sociais. 
ROGER BASTIDE, aproveitando um estudo de LUCILA HER­
MANN, examinou a questão dos estereótipos sociais que o 
grupo do meio estudantil de São Paulo se formou com rela­
ção ao negro : o negro é considerado menos previdente, menos 
senhor de si, menos tenaz, menos conciliador, pior espôso, 
menos eficiente no trabalho, menos belo, menos amigo do 
trabalho, menos limpo, menos moral, menos econômico e 
menos ambicioso do que o branco. São êsses estereótipos que 
propiciam a formação de preconceitos raciais, e constituem 
a ba9e psicológica da diRcrirninação racial. 4 
B) Aparecimento da discriminação racial. 
Pode ser jurídica ou simplesmente social. No primeiro 
caso, os diversos grupos étnicos não têm, perante a lei, os 
3 Cf. BEORGE A. HILLERY JR., "The Negro in New Orleans : A 
functional analysis of Demographic Data". American Sociological 
Review, vol . 22, n.0 2, abril de 1957, págs. 183-188. 
4 Cf. ROGER BASTIDE, "Stéreotypes et Préfugés de Coulewr''. So­
ciologia, vol. XVIII, n.0 2, maio de 1956, pãgs. 141-171 . 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 81 
mesmos direitos. A forma típica de discriminação racial ju­
rídica foi o regime da escravatura. Uma forma camuflada 
desta discriminação é a adotada por certas comunidades ame­
ricanas do sul e pela u·nião Sul-Africana. Esta forma pre­
tende basear-se no princípio, impôsto pelos brancos, de re­
conhecer a todos os mesmos direitos, sob a condição de usu­
frúir dêles separadamente. Não percebem que precisamente 
neste ponto se insinua a discriminação. Se todos têm os mes­
mos direitos perante a lei, não cabe a um grupo impor as 
regras sôbre o modo de usufruir dêstes direitos. tí 
A discriminação racial, puramente social, reconhece a 
todos os mesmos direitos, inclusive o de usufruir dêles con­
juntamente, mas não oferece a todos as possibilidades reais 
de exercício dêstes direitos. Como exemplo típico, podemos 
citar a situação dos negros no Brasil. Dizer que no Brasil 
não existe um problema racial parece-nos uma afirmação 
um tanto simplista. Talvez mais exato seja dizer que existe 
um problema racial em estado potencial ou latente, porque 
existe entre nós uma verdadeira discriminação racial, pu­
ramente sociológica, como se pode depreender dos seguintes 
fatos : 
1) na realidade, a porcentagem dos indiví<luos de côr 
é maior nas classes econômicamente fracas, chamadas inf e-
5 Cabe, entretanto, notar aqui uma diferença entreo problema 
racial nos Estados Unidos e na União Sul-Africana . No primeiro 
dêstes países, o govêrno federal impõe seu prestígio e sua fôrça para 
combater a discriminação racial nos Estados da Federação. Tal é ao 
menos a política do atual govêrno, que tem na população negra um 
forte contingente eleitoral. Hoje a cidade de Washington, sede do go. 
vêrno fedP.ral, conta com uma população de mais de 50% de negros. 
Na União Sul-Africana, o próprio govêrno é o instrumento de domi­
nação do branco sôbre o prêto . A discriminação é imposta oficial. 
mente com requintes que constituem uma afronta à própria dignida­
de humana. Como a segregação reclamaria investimentos cada vez 
maiores, o país se aproxima de um impasse intransponível, a não ser 
através da guerra de extermínio. Tal é a tragicidade da situação a 
que levou o país a cegueira dipcrirninatória . Ver a respeito a obra 
de JOHN HATCH, A/rica Today and Tomorrow, New York, Frederik 
A . Praeger, Inc., 1962. 
U'I n • . Fft�ltNANOO BASTOS DE ÃVILA, S. J. 
riort�H. O fato se pode explicar, historicamente, mas nem por 
iHHo deixa de ser um fato de observação imediata. Os grupos 
de l'Úr� após a libertação de 1888, de fato continuaram num.a 
�ituação de dependência econômica e não tiveram as mesmas 
oportunidades de promoção social de que dispôs o grupo 
branco ; 
2) quando nos referimos ao negro no Brasil, referi­
mo-nos a êle como a um elemento estranho à realidade na­
cional, isto é, adotamos uma perspectiva nitidamente discri· 
minatória. � 
Tudo se passa, como se no plano coletivo existisse uma 
larga adesão às normas de igualdade democrática, e no pla­
no individual, isto é, no plano da consciência pessoal exis­
tisse um forte sentimento de segregação. Essa ambivalência 
constitui, na opinião de ROGER BASTIDE, o verdadeiro "Dile­
ma Brasileiro". 1 
C) Aparecimento de um problema racial. 
Quando a discriminação racial atinge um determinado 
ponto crítico, trnsforma-se em problema racial, como no 
caso típico dos Estados Unidos. 8 
A transformação da discriminação racial em problema 
racial é explicável, ao menos parcialmente, por um processo 
de promoção social e econômica da minoria. Como nota 
FRAZIER, 9 nos E.stados Unidos não existia problema racial 
entre brancos e negros escravos .. O preconceito aparece 
6 Cf. GUERREIRO RAMOS, Introdução Crítica à Sociologia Brasi­
leira, Editorial Andes, Rio de Janeiro, 1957, págs. 183 e segs. 
1 Cf. "Stereotypes, Norms and Interracial Behaviour in Sãlo Pau­
lo, Brazil", American Sociological Review, vol. 22, n.0 6, dezembro 
de 1957, pág. 692 . 
s Cf. GUNNAR. MYRDÂL, An America.n Dilemma, New York, 
Harper & Brothers, 1944. 
o Cf. E . FRANKLIN FRAZIER, ""l'he Negro in tke United Sta­
tcs", Ncw York, MacMillan, 2.ª edição, 1951. 
l 
2 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 83 
quando o negro se liberta porque, então, entra em JOgo um 
proce·sso de competição. A base dêste processo se encontt·u 
um sentimento de frustração da maioria branca, que Ht.� vi! 
lesada econôrnicamente com a emancipação do escravo. °f!Htc 
sentimento de frustração busca u'a motivação racional que 
se exprime através dos preconceitos raciais. A partir dfü�te 
ponto, a transformação _da discriminação em questão social 
pode ser interpretada por meio de um esquema, como o pro­
posto por LLOYD w ARNER. lO 
. . . 
. . ' 
. 
. 
. . 
. . . 
. . . 
. . 
. . .
. 
. . . 
. 
. 
. .
. 
As linhas 1 e 2 dividem as classes alta, média e infe­
rior. A linha pontilhada 3 divide a população branca da po­
pulação de côr. Como se depreende dêste esquema, a maior 
parte da população de côr se encontra na classe inferior, 
apenas uma pequena porcentagem emergindo na classe mé­
dia. Entretanto, o processo de promoção social e econômi­
co do grupo negro se exprime por um movimento de rotação 
da linha 3, tendendo a identificar-se COilJ a linha 4. Nesse 
ponto do processo de promoção social, os grupos se opõem 
em todos os níveis da escala sócio-econômica, e o problema 
de suas relações se formula, então, não mais em têrmos de 
classes sociais. A casta vive sob o mecanismo de contrôle 
social que lhe impõe uma concepção fatalista da existência, 
lo LLoYD WARNER, "The Class 8.ystem", introdução do livro de 
ALLISON DAVIS, BuRLEIGH B . GARNER e MARY R . GARNER, "The Deep 
South", Chicago, The University of Chicago Press, 1944. 
3 
l•'t•: J<NA NDO HASTOf· DF. ÁVJTiA . ,q J . 
, 
1 wln qual accjta como um destino irremediável, na sua con­
di1;.ao de inferioridade. A classe, ao contrário, rompe êste 
rm�ea11ünno, toma consciência da igualdade de direitos de que 
dt�:.;ej a usufruir. É então que o problema racial latente se 
torna um problema atual. Não cremos, entretanto, que no 
raHo concreto brasileiro, êste modêlo venha realmente a fun­
<·iunar, porque seu mecanismo é felizmente perturbado por 
um intenso processo de miscigenação. 
II) Composição etária da população . 
. 
É a distribuição de freqüência dos indivíduos pelas di­
versas classes de idades. Pode se apresentar sob formas nor­
mais e formas aberrantes, notando-se que, no caso, o apela­
tivo normal, não conota nenhum juízo de valor, mas se re­
fere a uma estrutura demogràficamente definida, como aque­
la que corresponde à tábua de mortalidade e de sobrevivên­
cia. Do mesmo modo, a conotação aberrante não implica ne­
nhum juízo pejorativo, mas, simplesmente, tipos de estrutu­
ra etária que se desviam da estrutura normal. Êstes desvios 
podem orientar-se seja no sentido de uma população demo­
gràficamente jovem ou senescente. No primeiro caso uma 
alta porcentagem dos efetivos demográficos do grupo se con­
centra nas classes de idades inferiores·. No segundo caso ve­
rifica-se o fenômeno contrário. 
População jo'1em : em vista de exemplificar as conse­
qüências sociológicas de uma população jovem, tomemos o 
caso do Brasil que, com pequenas variantes, corresponde ao 
caso de quase todos os países subdesenvolvidos. Em 1950, 
51,9% da população braaileira tinha menos de 20 anos, como 
se pode constatar do gráfico da pirâmide populacional do 
Brasil. Confrontando, assim, a população brasileira ativa (de 
20 n 60 anos) com a população inativa, cujo consumo é maior 
que a produção (de O a 19 anos e acima dos 60 anos) , temos 
B R A S I L 
CENSO DEMOGílÁFÍCO D E 1 9 5 0 
-
PDPUL AÇAO TOTAL - 51. 9 4 4.3 9 7 
.... 
MULHEílES 
26.0 5 9.3 9 6 
5 0,2� 
Escala { ve r ti c. al - 1c. m = 5anos 
h o r i z ó 11t - 1cm· 1% 
HOMENS 
2 5.8 8 5 001 
4 9,8 Y. . 
lt'l•:Jc.NA NOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
• · 1 1 1 1 �>r>o. aproximadamente. 22,5 milhões de ativos para 
:!!>,r. milhões de inativos. Se aumentarmos o período produ­
f.i vo de 15 a 59 anos, temos no Brasil 1 . 000 ativos para 
8!>() inativos, cifra que na Inglaterra, por exemplo, é apenas 
de 616. E note-se que, nas zonas rurais, a proporção au­
menta a 97 4 inativos para 1 . 000 ativos. 11 
A s conseqüências sócio-econômicas desta situação de­
mográfica são múltiplas : uma política fiscal recaindo sôbre 
a população ativa, e adquirindo por vêzes proporções quase 
predatórias ; dificuldade de constituição da · poupança priva­
da em volume suficiente para suportar a expansã.o econô­
mica, principalmente das infra-estruturas, que cai assim,. 
progressivamente, sob o signo do intervencionismo estatal ; 
apêlo à mão de obra infantil, principalmente para a lavou­
ra, com tôdas as conseqüências que o fato implica no retar­
damento da alfabetização e do ritmo do progresso cultural. 
Como conseqüências sócio-políticas de uma população 
jovem, podemos registrar ainda a importância da mesma 
nos destinos políticos da nação. A j uventude não é natural­
mente conservadora ; é renovadora. Daí um fator de extrema 
instabilidade política, agindo através dos mecanismos elei­
torais. Não há facilidade para formação de uma tradíção 
política. É claro que, por outro lado, êste fator pode cons­
tituir um elemento de dinamismo progressista sempre re­
novado. • 
Outra conseqüência,enfim, é a dificuldade para a for-
mação de uma tradição administrativa e para qualquer pla­
nificção a longo prazo. É evidente que êsse fenômeno se ex­
plica também pelos próprios mecanismos jurídico-adminis­
trativos, isto é, por causas de caráter mais' estrutural que 
vital. Entretanto, não se pode preterir também êsse aspecto 
1 1 Ainda não são disponíveis as cifras do recenseamento de 
1960, mas é certo que a estrutura demográfica de um grupo humano. 
não pode revelar mudanças profundas no período de um decênio . 
-� 
·.-: 
.. 
. . 
. 
• 
.. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 87 
da rapidez de reposição do capital humano como um do:-; f a­
tôres de nossa descontinuidade político-administrativa. 
População senescente : as conseqüências sociológicas de 
uma população senescente estão vinculadas ao seu envelheci­
mento demográfico. Numa população que decresce, a propor­
ção da.s pessoas idosas, de mais de 60 anos, que nada ou qua­
se nada produzem, aumenta progres'Sivamente, impondo à 
população ativa uma carga sempre mais pesada ; por outras 
palavras, o rendimento médio individual do grupo tende a di­
minuir. M.as, em compensação, importa ter presente a dimi­
nuição de indivíduos jovens, de menos de 20 anos, os quais, 
também, em grande parte vivem às expensas da coletividade. 
Qual será o saldo desta compensação? Parece que durante 
um período de tempo que poderá ser bastante longo, os dois 
efeitos contrários se devam equilibrar. Antes, porém, do 
término dêste período, ver-se-á nas classes de ida<les inter­
mediárias, de 20 a 60 anos, a população ativa que se apro­
xima doS' 60 anos aumentar progressivamente. Tratando-se 
de pessoas cuja capacidade produtiva entre em declínio, cons­
tituem elas um fator que age em sentido desfavorável. Che­
gará enfim um momento, no qual a população de mais de 
. 60 anos aumentará num ritmo mais rápido do que o da di­
minuição dos de menos de 20 anos. Reduzir··se-á por conse­
guinte a proporção da população ativa. Ji:ste envelhecimento 
da população se conjuga com outros fatôres psicológicos su­
mamente importantes : a falta de esperança, de confiança no 
futuro, de ambição, de impulsividade dinâmica, fatôres êsses 
que, por sua vez repercutirão de modo prejudicial sôbre a 
vida econômica. i2 
Enfim os custos fixos da economia nacional, os que in ... 
dependem do efetivo demográfico, será.o agravados com a 
redução da população . ativa, especialmente os inúmeros �er­
viços públicos que serão mantidos, apesar de deficitário�. 
12 Cf. A . LANDRY, Traité de DéniogrQ1Phie, Paris, Payot., 1949, 
páginas 557-580 . 
HH Fl�l< NANDO BA8'f0S DE ÁVILA, S. J. 
* 2) ANÁLISE DINÂMICA DA POPULAÇÃO 
A anúlise dinâmica tem por objeto a evolução das po­
pu lnc,:õcH. Esta evolução pode ser progressiva ou regressiva. 
1�: progressiva quando o saldo entre a natalidade e imigra­
ção, por um lado, e mortalidade e emigração, por outro, é 
positivo. A evolução é regressiva, quando o saldo entre os 
elementos supramencionados é negativo. Examinaremos a 
seguir êsses elementos do ponto-de-vista sociológico, isto é, 
até que ponto são influenciados pelas estruturas soc1a1s e 
até que ponto as influenciam. 
1) Natalidade. 
A natalidade de un1 grupo é função de sua fecundidade. 
Se a fertilidade, como conceito biológico de capacidade re­
produtiva, é pràticamente idêntica em todos os grupos hu­
manos. a fecundidade, como conceito sociológico, ou seja, o 
número real de filhos, varia de um grupo a outro, conforme • 
diversos fatôres que sôbre êles atuam. 
A) Fatôres q'ue condicionam a natalidade 
1 ) Fatóres ideológicos : a difusão de uma concepção 
que vê, como fim primário do matrimônio, não a procriação, 
mas o amor. Esta concepção inspira práticas tendentes a 
dissociar a sexualidade da fecundidade. Por outro lado, sendo 
fortemente hedonista, leva os cônjuges a se libertarem dos 
ônus da fecundidade, pela limitação abusiva da prole. Tal 
concepção, movimentando os mecanismos de formação de 
opinião pública, pode exercer uma profunda influência na 
natalidade de um grupo humano. Um dos casos mais típicos 
da influência de fatôres ideológicos sôbre a natalidade foi 
o da França de antes da 1. ª Guerra Mundial. A difusão rá­
pida do hedonismo familiar, entre outros fatôres, foi a causa 
principal da queda da natalidade naquele país. 
• 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA H!) 
Número médio de filhos por família na França. i;i 
1891 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,20 
1906 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,19 
1911 . . . . . . . . . . . . . . . . . 2,14 
1926 . . . . . . . . . . . . . . . . . 1,99 
1936 . . . . . . . . . . . � . . . . . 1,80 
O estudo levado a efeito por C . V. KISER e P . K . 
WHELPTON em Indianápolis revelou aspectos interessantes 
do problema : os católicos têm mais filhos que os protestan­
tes, mas os casais protestantes são mais fecundos que os 
casais mistos e que os israelitas. Os operários S'ão mais fe­
cundos que os empregados e funcionários da classe média, 
e êstes são menos fecundos· que seus chefes ou patrões. 14 
2) Fatô1·e.� sócio-econômicos : são muitos os fatôres 
desta ordem que influenciam a natalidade. Um contexto ur­
bano, em geral, não propicia a existência de famílias nuID:e­
rosas, porque, aí, as exigências citadinas fazem concorrên­
cia aos filhos. 
Num contexto rural, ao contrário, os filhocl constituen1 
geralmente um valor econômico. Uma família numerosa dis­
pensa o braço mercenário. Acresce ainda que, num meio 
rural, a mentalidade evolui muito mais lentamente ; é muito 
mais resistente a novas idéias, muito mais apegadas a tra -
dições. Para a família rural a limitação de natalidade não só 
é de difícil execução na prática, como ainda repugna às 
suas concepções mais profundas. 
O.s fatôres econômicos conjunturais e as variações dos 
ciclos econôn1icos atuam sôbre a natalidade através, prin­
cipalmente, de sua ação sôbre a nupcialidade. Esta tende a 
diminuir nos períodos de depressão, e tende a subir noR iw-
1·3 Cf. PEDRO CALDERAN BELTRÃO, S . J., Vers une politique de 
Bien-�tre familial, Roma, 1957, pág. 828. 
14 Cf. Socia,l a:n.d Psycholo,qfoal factors affecting fertilif11: Mil� 
bank Memorial Fund, 1948 . 
1<'1.:U NANl>O BASTOS DE ÁV1LA, S. J. 
nodoH de prm�peridade. E provindo o maior número de fi-
1 lio;-; d(� matrimônios legítimos, a variação da nupcialidade, 
rn-icilando segundo os ciclos econômicos, repercute sôbre as 
variações da natalidade. 1ó 
O nível econômico das famílias, enfim, é um dos fatô­
•·cH que condicionam a natalidade. MALTHUS e os autores da 
tradi ção multusiana supunham que a taxa de natalidade fôsse 
diretamente proporcional ao nível econômico : quanto mais 
elevado êste, tanto mais alto aquêle. A tese, porém, não re­
siste nem a uma visão global, nem a análises monográficas. 
É certo que os países do mundo de mais elevada renda per 
capita são os que revelam os mais bai�os indices de natali­
dade ( Estados Unidos, Suécia, Suíça) e os países de mais 
baixa renda per capita são os que possuem mais elevada taxa 
de natalidade (China, índia e quase todos os países da Amé­
rica Latina ) . Por outro lado, estudos monográficos demons­
traram que o número de filhos diminui na medida em que 
as famílias sobem na escala sócio-econômica. 
Nú MERO DE FILHOS POR 1 . 000 Mt;LHERES DE 15 A 50 ANOS, 
SEGUNDO OS NíVEIS DE RIQUEZA 
Classes 1 
1 
1 
Paris Londres Berlim Viena 
-
.Mui to pobre 108 147 157 200 
Pobre 95 140 129 164 
Remediada 72 107 114 155 
Bem remediada 65 107 96 153 
Rica 53 87 63 107 
.Muito rica 34 63 47 71 
Fonte: MOMBF.RT, citado por FROMONT: Démographie Économi­
que, pág. 76, Paris, Payot, 1947. 
JOSUÉ DE CASTRO atribui o fato da alta natalidade nas 
classes mais pobres, entre outros fatôres, a uma espécie de 
16 Cf. ANTONIN BOHAC, lnflwmce de la. crise économique nwn­
diale sur le mouvement � la. popul.at� - Congres de la Population, 
1937, tomo VII, pág. 66. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 91 
compensação natural que o pobre busca no exercício <ln H(�­
xualidadeaos sofrimentos· que lhe são impostos pela mi­
séria. 16 
É sabido que a natalidade no Brasil é das mais eleva.­
das do mundo. Sua taxa bruta é da ordem de 42 a 44 nas­
cimentos vivos anuais por mil habitantes. 17 Para que �e 
tenha idéia da grandeza dessa taxa, basta notar que, para 
a Suécia, ela é de 14 e 32 para o Japão. 
Uma taxa de natalidade tão elevada corresponde eviden­
temente a uma elevada taxa de fecundidade, que, no Brasil,. 
é da ordem de 170 a 178 nascimentos vivos anuais por mil 
mulheres de 15 a 49 anos, quando a mesma taxa é de 92 para 
os Estados Unidos e de 95 para a Argentina. Trata-se de: 
uma taxa média regional, com grande dispersão entre as·. 
zonas urbanas, onde ela cai a 121 e as zonas rurais. onde: 
sobe a 202. 
B) Conseqüências sócio-econômicas da natalidade. 
1) Riqueza do potencial humano, que é, em última aná­
lise, a grande riqueza de um país : "Jl n'y a de richesse que· 
l'homme" (BODIN) . Ela revela em nosso povo uma admirá­
vel coragem de viver, reservas inapreciáveis de otimismo e· 
de espírito de sacrifício diante da vida. Nosso povo é ainda 
intato, imune de um espírito sofisticado, dominado pelos re-· 
quintes do conf ôrto, espírito que precede sempre a fase de· 
decrepitude de um grupo humano. 
2) Absorção de grande parte 4a renda nacional em 
investimentos demográficos. Sabemos que boa parte da renda. 
nacional desaparece por caminhos excusos, inomináveis, foge 
16 Cf. JOSUÉ DE CASTRO, GeopolíUca da Fome, Rio de J aneiro, 
Livraria Editôra da Casa do Estudante do Brasil, 1952. �ste aspecto· 
da tese do autor nos parece absolutamente infundado. 
17 Cf. GIORGIO MORTARA, "Métodos para a eBtimativa da f ecun­
didade de populações sem registro ou com regiBtro incompleto de nas­
cimento/' Revista Brasileira d.e Estatística, ano XV, 1954, n.0 58,. 
abril-junho, pág. 102. 
lt'l•�l<NANllO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
(,, . 110!"-l�O ci rcuito econômico através de uma importação 
:·tt 11 1tuitria. Sabemos que tudo isto reduz o ritmo de nosso 
pt'oJKl't'�so. Não podemos esquecer, porém, que grande parte 
ela renda nacional é absorvida em investimentos demográfi­
co8 : maternidades, escolas, escolas profissionais, assistên­
cia a menores, ensino público, e que a renda dêsses investi­
mentos não é imediatamente apreciável em têrmos orça­
mentários. 
3) Modifúação da estrutwra da procura de bens e ser­
viços e conseqüente pressão sôbre os serviços públicos. Uma 
população demogràficamenU: estável e es�acionária conserva 
uma proporção mais ou menos constante nas diversas ru­
bricas de seu orçamento. A estrutura da procura é mais ou 
:menos estável. Uma população em expansão, como a nossa, 
modifica incessantemente as proporções de suas despesas em 
favor da procura de alimentos, de bens e de serviços para a 
infância. O fato nos coloca diante de um dilema grave : se 
nossa economia e nossas finanças resistirem ao impacto des­
tas modificações de procura, o Brasil poderá passar de nação 
;Subdesenvolvida para a categoria de nação desenvolvida ; 
·caso contrário, não faltam os que nos prenunciam um f u­
turo sombrio. 
II) Mortalidade. 
O fato de uma pessoa morrer, como o de uma pessoa 
nascer, é um fenômeno biológico. lVIas o fato de um grupo 
humano ter uma determinada taxa de mortalidade constituj 
já um fenômeno sociológico, porque é condicionado pelas 
estruturas sociais, e por outro lado também as influencia. 
A ) A mortalidade condicionada por f atôres sócio-eco­
n.lhnicos. 
A mortalidade é condicionada por fatôres físicos e bio-
16,_�i<'o�, como, por exemplo : 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA !.>3 
a idade : a taxa de mortalidade sobe no primeiro uno· 
de vida, desce ràpidamente para atingir seu mínimo entre 
• 
os 9 e 10 anos, para, em seguida, subir lentamente até a 
idade normal do grupo ; 
o sexo : nascem mais meninos que meninas (de 1 . 040 
a 1.070 nascimentos masculinos para 1.000 femininos) , mas, 
em compensação, a mortalidade infantil masculina é por vê­
zes 20 % maior que a feminina. Esta compensação, porém, 
não é suficiente para eliminar uma ligeira superioridade 
numérica das mulheres que se observa em geral em quase 
todos os grupos humanos, omitindo-se os contingentes imi­
gratórios, predominantemente masculinos. As mulheres têm 
uma vida normal mais elevada que os homens (2 a 3 anos) ; 
as estações : nas regiões de zona temperada, com um 
ciclo estacionai fortemente diferenciado, nota-se um aumen­
to da mortalidade no inverno atingindo especialmente os ve­
lhos, e outro, no verão, atingindo principalmente a população 
infantil. 
É certo ainda que o índice de mortalidade varia segun­
do o estado civil, sendo mais elevado entre celibatários, viú· 
:vos e divorciados do que entre pessoas casadas. 
Entretanto, do nosso ponto-de-vista, importa examinar 
qual a influência dos fatôres sócio-econômicos que se vêm 
conjugar com os precedentes no sentido de agravá-los, ou de 
atenuá-los. 
É evidente que a mortalidade de um grupo diminui 
quando um número sempre crescente de seus membros pode 
se defe�der melhor contra as causas da morte, isto é, ali­
mentar-se melhor, abrigar-se melhor, utilizar melhores meios 
preventivos e curativos . 
. As pesquisas sôbre a mortalidade revelam uma corre­
lação nítida entre ela e os níveis sócio-econômicos das clas­
ses. Assim, um estudo feito pelo demógrafo suíço HIRSCH, 
sôbre os bairros de Paris, distribuídos segundo os níveis 
mencionados, mostrou que a máxima da mortalidade dos 
i. 
'li 
li 
1· oi 
1' ' 
1 
t•J<:l(NANDO BASTOS D�� ÁVJT,A �- .T. , 
hni 1To8 imediatamente superiores é inferior à mínima dos 
bairros imediatamente inferiores, e que a diferença da taxa 
• 
de mortalidade entre os bairros mais ricos e os mais pobres 
{· de mais ou menos 50 % .18 
Seria, entretanto, simplismo supor que a taxa de mor­
talidade depende única e diretamente apenas do nível eco­
nômico dos indivíduos. O problema é mais complexo e deve 
ser estudado em função das seguintes variáveis : 
1 ) O nível científico e técnico do grupo : quanto maio 
êste se eleva, tanto mais tende a reduzir-se a mortalidade, 
e mais ràpidamente nas classes econômicâmente fracas· do 
que nâs classes ricas. O fato é compreensível. O progresso 
científico e técnico propicia o aumento do volume global 
de serviços e bens à disposição do grupo, inclusive de bens, 
tais como os meios profiláticos e curativos. O progresso of e­
rece uma socialização dos recursos que vai beneficiar mais 
àqueles que, pela- escassez de poder aquisitivo, não faziam 
parte dos privilegiados, aos quais era possível o acesso a re­
cursos raros. 
Entretanto, há aqui uma distinção importante a fazer, 
entre progresso orgânico e progresso importado. No primei­
ro ca.so, trata-se de um progresso que evolui na medida em 
que se estendem e solidificam as bases econômicas do gru­
po. :É um progresso que acompanha uma lenta modificaçã.o 
de estruturas. No segundo caso, trata-se de um progresso 
artificial, obtido pela importação dos últimos requintes . cien­
tíficos de povos plenamente desenvolvidos. 
O primeiro tipo de progresso permite uma baixa de 
mortalidade mais lenta, porém mais sólida, irreversível. À 
medida que a ciência e a técnica produzem meios mais efi­
cazes e mais abundantes, aumenta também o poder aquisi­
tivo e a educação das massas para saber e poder utilizá-los. 
is Quanto a estas pesquisas e a outras concernentes à relação 
entre classes e mortalidade, consultar P. FROMONT, ob. cit., páginas 
33 e seguintes . 
, ..,,. . .. 
INTRODUÇÃO À SOCIOU)GIA. 
O segundo tipo de progresso pode per.mitir uma rápida 
baixa da mortalidade, principalmente infantil/ .e .. _P.ode per­
mitir a salvação espetacular de casos singular.es. Pó.de 1am­
bém ser responsável da recrudescência da·· ·mol:.��lidad� w", , . 
longo prazo. A vacinação em massa salva milhões ·ae· crian­
ças, mas, sem o progresso econômico, cria milhões de sub.::· · 
nutridos, para não dizer famintos, prêsas fáceis da morte. 
A importação do pulmão de aço salva: a vida ·cfu algUl\Scasos,.// 
mas não resolve o problema da merenda escó'1�1\.
· 
Não pre�· 
tendemos dar aqui uma norma de caráter técnico ou profi­
lático, mas apenas chamar a atenção para uma incoerência 
flagrante de nossa política demográfica. É bom salvar o 
maior número possível de vidas que estão agora em perigo, 
mas não é bom salvá-las para as condenar a u'a morte 
menos espetacular, porque anônima. É bem que um grupo 
se envergonhe, porque muitos de seus filhos morrem por 
falta de um recurso médico tão simples como uma vacina, 
mas é melhor que se envergonhe também porque milhares 
de seus filhos vacinados morrem de subnutrição. 
2) Montante da renda nacional. 
Teoricamente, a taxa de mortalidade tende a diminuir 
à medida que sobe a renda nacional, e a diminuir mais rà .. 
pidamente nas classes pobres. A razão reside no fato que 
um país de renda maiS' elevada pode aplicar maiores verbas 
em serviços públicos cuja inexistência é responsável pela 
alta mortalidade : serviços de água e esgotos, ambulatórios, 
assistência médica gratuita etc. Compreende-se mais fàcil­
mente a alta mortalidade num país como o Brasil, se se tiver 
present� que, ainda em 1957, dos 2 . 468 municípios, apenas 
1 . 196 possuíam abastecimento de água e 77 4 possuíam ser­
viços de esgotos. 19 
19 Melhorament<>s urbanos. Abastecimento d'água e esgotos sa­
nitários nas sedes municipais. Serviço de Estatística da Saúde, Mi­
nistério da Saúde, 1969', págs. 7 e 8 . 
'.• 
\ 
' 
t 
l•'Elt N A NUO BASTOS DE ÁVILA, $. J. 
J·�utrctanto, à elevação da renda nacional não está ne-­
n·�:-;itriamcnte vinculada a baixa da mortalidade. Para que 
pnt.Lican1ente a segunda seja função da primeira, é indispen-· 
Hú. vd a existência de mecanismos de pressão da opinião pú­
hl ica. sôbre os órgãos governamentais, no sentido de obri-­
g[,-Jos a atender primeiro às necessidades primárias da co-­
l<�tividade. Sem a existência dêsses mecanismos, um govêrno 
<1ue vê aumentar a renda nacional pode deixar-se seduzir 
por investimentos suntuários que beneficiam eventualmente 
apenas uma elite requintada, ou por investimentos de po­
derio. 
3) Montantes dos salários e vencimentos. 
Também aqui, observa-se uma correlação negativa entre 
taxa de mortalidade e níveis de salários· : aquela tende a 
baixar quando êstes tendem a subir. No Ocidente, observa-se 
há um século uma baixa constante da mortalidade, e uma. 
ascensão constante dos niveis de salários. E hoje os países 
da mais alta mortalidade são os países de mais baixos salá­
rios : China, índia, Brasil e outros. 
Dispondo de maior pod6r aquisitivo, o homem pode uti­
lizar melhores meios de preservação da vida, sejam pre­
ventivos, sejam curativos. Há muita gente que morre porque 
não tem dinheiro para comprar remédio. 
Entretanto, a simples melhoria de salários não basta,. 
se não é acompanhada de uma promoção educacional, a qual, 
por sua vez, volta a depender das disponibilidades nacio­
nais. Não basta ter maiores recursos ; é mister ainda saber 
empregá-los. De outra forma, são malbaratados, em ve.z de 
serem aplicados à satisfação de necessidades básicas. Não 
faltam pobres mal-nutridos, maltratados, que tenham seu 
aparelho de rádio ou de televisão, cujas prestações mensais 
fazem concorrência à alimentação e à higiene. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 
B ) A s incidên.cias sociais da mortalidade. 
97 
Não há dúvida que a mortalidade elevada exerce in­
fluência sôbre a vida dos grupos, diminuindo o seu efetivo 
ou reduzindo o ritmo de seu crescimento. 
Tomemos o caso do Brasil, que, como já ti vemos oca­
sião de notar, corresponde ao de muitos países subdesenvol­
vidos. 
Nossa taxa de mortalidade é das mais elevadas do •· 
mundo, sendo da ordem de 18 a 20 por mil habitantes. Tra-
ta-se de uma taxa bruta, não discriminada por idades. Uma 
taxa que levasse em conta essa discriminação revelaria logo 
nossa alta mortalidade infantil, isto é, alta proporção entre 
·OS mortos, no primeiro ano de vida sôbre o total de nascidos 
vivos. Atinge ela, no Brasil, a razão de 160 por mil. A 
mesma taxa de mortalidade infantil é de 30 por mil nos 
Estados Unidos, de 40 por mil no Canadá e de 70 na Ar-
gentina. Ainda é possível que a cifra de 160, rdativa ao 
Brasil, esteja aquém da realidade, dado o alto número de 
crianças que, principalmente no interior, morrem sem terea1 
:sido registradas. 
''A mortalidade é menor no grupo branco do que no 
pardo e menos neste do que no prêto, em conseqüência do 
mais baixo padrão de vida dos últimos grupos." 20 
No período de 1940-1950, a vida média no Brasil foi 
de 42-43 anos, total que, se por um lado é baixo em compa­
ração com a vida média de países mais desenvolvidos, re­
presenta um progresso considerável na nossa luta contra a 
morte, se comparado com as cifras dos períodos anteriores. 
Com 'relação à mortalidade, importa-nos relevar três 
aspectos sócio-econômicos mais graves : 
1) A sangria humana que representa para a nação a 
alta mortalidade, especialmente infantil. .Só de crianças, no 
20 G . MORTARA, Caratterische Demografiche del Brasile, pág. 4 
(trabalho mimeografado, relativo aos dados do recenseamento de 
1950) . 
. 
l•' Jt:I{ NA N1)() BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
1..-i 1 1 1 < · i ro ano de vida, o Brasil perde anualmente um poten­
<·ial humano de perto de 200 mil de seus filhos. Consomem. 
i•t41.cH um volume enorme de bens e serviços que nunca. 
s(•rá reposto por êles no circuito econômico, de vez que 
rnorrem antes da idade produtiva. 
2) o ponto crítico de nossa evolução demográfica pelo, 
qual haveremos de passar num futuro mais ou menos pró-
• xitno, quando a baixa da mortalidade, que se poderá proces­
sar ràpidarnente, fará pesar uma população inativa, acres­
cida consideràvelmente, sôbre a população ativa. O acrésci.­
mo da população inativa será devido tanto ao número cres­
cente de aposentados- que resistirão mais longamente à mor­
te, quanto principalmente ao número de crianças que esca­
parão ao flagelo da mortalidade infantil. 
3) ALAIN GIRARD sugere a hipótese d.e uma influên-· 
eia do envelhecimento de uma população sôbre a estrutura 
da família : o aumento da duração da vida fêz crescer a car­
ga dos improdutivos sôbre o orçamento familiar. O Esta.do 
foi assim obrigado a assumir cada vez mais os ônus dêstes 
improdutivos através dos mecanismos de pensões e previ­
dência social. �ste fato teria contribuído para a redução do 
tipo de família às proporções da família-conjugal. 21 
III) Emigração e Imigração. 
No desenvolvimento de uma população, o saldo nata­
lidade-mortalidade é atenuado ou acrescido pelo saldo imi­
gração-emigração. 
A) O fenómeno emigratório. 
As diversas correntes emigratórias a que assistimos 
hoje se reduzem a duas grandes categorias : a emigração de: 
nacionais, e a emigração de refugiados e apátridas. 
21 ALAIN GIRARD, "Démographie Sociale", in Traité de Sociolo­
gie; direção de G. GURVITC:H, Paris, P . U. F., 1958, págs. 284-285 . 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 99 
A primeira provém de países de alta pressão demográ­
fica, incapazes de absorver na estrutura do trabalho uma 
larga porção de desempregados ( desemprêgo estrutural ) . 
Tal era o caso da Itália, Espanha, Portugal, Holanda, Gré­
cia e principalmente do Japão. 
Trata-se de uma emigração imposta principalmente por 
imperativos econômicos : desejam emigrar os que não po­
dem, pelo trabalho, assegurar-se os meios de subsistência, 
ou as possibilidades de promoção econômica. 
A segunda provém dos centros de refugiados que_, por 
razões políticas, tiveram que abandonar suas pátrias e ins­
talar-se provisôriamente nas zonas em que se refugiaram, 
como as da Alemanha, Áustria, Itália, Iugoslávia e Hong­
Kong. O número de refugiados que se vinha reduzindo pelo 
fluxo emigratório foi, a partir de 1957, ràpidamente au­
mentado pela afluência dos refugiados húngaros. 
O motivo fundamental da emigração é, sem dú­
vida, o motivo econômico : emigra-�e na esperança de ga­
nhar mais. Em tempos normais, não perturbadospor con­
vulsões políticas, observou-se uma estreita correlação . entre 
emigração e ciclos econômicos : ela tende a aum�ntar nos 
períodos de depressão, e tende a diminuir no período de ex­
pansão. 22 
Atribuem alguns à emigraçã.o um papel seletivo, isto é, 
ela priva o país· de origem de seus melhores elementos.2ª 
Esta opinião se funda em duas razões : os emigrantes são 
os mais ousados, os mais confiantes em suas próprias capa­
cidades e, em geral, os mais jovens; grande número de emi­
grant�s e �eus descendentes ocupam, nos países de destino, 
posições proeminentes na política (Juscelino Kubitschek ) , 
22 A obra clássica no assunto é de HARRY JEBOME, . Migratio'11. 
and Business Cycle8, New York, National Bureau of Economic Re--. 
search, 192.6 . 
2a Consultar: E . W . HOFSTER, Some Remarks on Selecti'v� Mi­
gration, Haia, M . Nighoff, 1952. 
-- -- --
-- -- --
-- -- --
-- -- --
-- -- --
- -- --
• 
- -- -
1 00 1''BltNANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
nas f i nanças ( Whitaker) , na indústria (Matarazzo) , na 
a�ric u ltura (Lunardelli) , na cultura geral (Menotti del 
Picchia) . 
Cremos, entretanto, que êsses fatos podem explicar-se 
também sem fazer apêlo a uma ação seletiva da emigração. 
O emigrante europeu principalmente,
_ de qualquer nível cul­
tural que provenha, é portador de valôres de uma cultura 
multissecular. No país de acolhida, encontra-se muitas vê­
zes num meio culturalmente mais pobre, o qual, por con­
traste, realça suas próprias capacidades. · Sua posição so-­
cial muda completamente pela emigração. No seu país de 
origem, com os quadros profissionais bem preenchidos, com 
instituições mais cristalizadas, encontra gránde dificulda­
de de promoção social. No país de destino, ao contrário, 
sua posição social inicial é menos definida, isto é, é mais 
plurivalente : as mais variadas p_ossibilidades de promoç�o 
abrem-se diante dêle, 'Talorizam e estimulam suas ca.pacida­
des inatas, que, no país de origem, talvez, permanecessem 
inexploradaS'. 
A emigração reduz a pressão demográfica de países 
superpovoados. Êste é um de seus efeitos mais ponderáveis, 
e, no caso de alguns países, como o Japão, o único que real­
mente interessa. Não que a emigração possa, por si mesma, 
resolver o problema do superpovoamento. Representa ape­
nas um lenitivo para uma situação . penosa, lenitivo porém 
não desprezível Seu efeito é imediato, não só em favor dos 
que emigram, mas também em favor de um número muito 
maior de pessoas que não emigram, isto é, daquelas que se 
aproveitam do espaço vazio criado pela ausência do emigran­
te, e daquelas que se beneficiam das suas remessas de 
fundos. 
A emigração, enfim, alivia o país de origem de uma 
carga de inativos desempregados e favorece assim melhor 
distribuição das fôrças de trabalho, numa escala internacio­
nal . 
1 
\ \ 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 101 
B) O fenômeno imigratório. 
Consideremos agora o fenômeno migratório no seu as-­
pecto terminal, isto é, em suas relaçõ,es com o meio que 
acolhe a corrente migratória. 
1 ) A influência dos fatôres sociais sôbre a i'Jnigração. 
A imigração é condicionada por múltiplos fatôres so- e 
ciais do país de destino. Entre êsses, aludimos a : 
A opinião pública : no público se formam determinados 
estereótipos relativos a determinados tipos de imigrantes. 
Tais estereótipos podem evoluir a ponto de se tornarem pre­
cqnceitos coletivos que se vão interpretar através de uma 
legislação restricionista e de uma prática administrativa ad­
versa a certos tipos de imigrantes. Uma vez formada a opi­
nião pública, que vê no imigrante o concorrente do traba­
lhador nacional, aparecerá uma legislação que cria um re­
gime de quotas, destinado a regular o volume an uai de en­
tradas. 
A conj1lntura política : países politicamente instáveis, 
com crises nacionais periódicas, revelam uma curva de imi­
·gração irregular, entrecortada de bruscas inflexões. 
A conjuntura econômica : atua sôbre as entradas anuais 
com uma ação retardada de um semestre ou um ano, con­
forme as facilidades de comunicação entre os países de des· 
tino e de origem. A depressão econômica, determinando cri'· 
ses de desemprêgo, ou baixas de salários, reduz o fluxo de 
entradas ; a· expansão econômica, criando maiores possibili­
dades, acelera a corrente imigratória. A imigração para o 
Brasil . constitui êsse respeito um caso curioso. Observa-se 
que a curva das entradas se ajusta admiràvelmente, com 
uma pequena defasagem, à curva de variações da cotação 
do café no mercado internacional. Tudo se passa con10 se as 
oscilações do valor do café determinem as contrações e ex-
1"l·:l{ N 1\ N IX) BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
p111 1sc°Jt·� do,"í n íve i.s de salário e de emprêgo, e ü88a� tenha1u 
urna i n fl uência retardada sôbre o volume das correntes imi­
v.ratórim·t :.!4 
2) ln[:riências sócio-culturais da iniigração. 
Teoricamente, a imigração tende a deprimir os níveis 
<fo salá·1·ios pelo fato dê dilatar a oferta de trabalho. Entre­
tanto, para que êsse efeito da imigração se faça sentir na 
prática, supõe-se a existência de um regime de concorrên­
cia perfeita, que Já não mais se verifica, como também a 
existência do pleno emprêgo. Se, com efeito, a procura de 
trabalho, por parte dos empregadores, é maior que a oferta, 
por parte dos operários, a imigração não pode ter efeito 
depressivo sôbre os níveis de salários, tanto mais que · a 
mão-de-obra imigrante é, em muitos casos, qualificada ou 
semiqualificada, isto é, aquela precisamente da qual os países 
de acolhida sentem maior falta. 
No tocante ao Brasil, devem-se à imigração múltipla 
efeitos benéficos. 2is 
N obilitação do trabalho m.anual : em todo o período do 
Brasil-Colônia, o trabalho manual sofria uma conotação pe­
jorativa : f;ra coisa de escravo. Tanto que os primeiros co­
lonos chegados, suíços e alemães, que eram vrstos ocupados 
em tarefas ;rurais, foram a princípio desprezados. 
Melhoria do ní1Jel técnico pela introdução de pequenas 
indústrias artesanais. 
Introdução de novas culturas ou de novas técnicas de 
cultivo, como foi o caso do arroz, juta, tomate. 
D-ivulgaçõ.o do regime de pequena propriedade rural à 
base do trabalho familiar e da policultura, contra o latif ún­
dio. 
24 Cf. FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, s . J., L'Immigration au 
Hrésil, Rio de Janeiro, AGIR, 1956-, págs. 115 e segs . 
:!ó Consultar JOSÉ FERNANDO CARNEmo, Imigração e Coloniza­
çifo rio Brasil, Universidade do· Brasil, F . N. F ., Rio, 1950 . 
• 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA t o:� 
Para um juízo global sôbre o problema imigrnt.i'1rio 
brasileiro, sugeriríamos as seguintes considerações : 
É evidente que o Brasil tem um interêsse urgente clt' 
·povoar-se, de colonizar-se. Quem entrou em contato com o 
:interior conhece a falta de enorme potencial humano para 
valorizar nossos recursos naturais. E não nos façamos ilu­
sões : . imensos territórios vazios, num mundo angustiado com 
problemas de pressão demográfica, despertam as atenções • 
.e cobiças. Incapazes de utilizar nossas reservas, mais cedo 
ou mais tarde teremos de enfrentar uma guerra de conquis-
ta ou as exigências de uma autoridade supranacional im-
pondo uma partilha ou uma fórmula qualquer de colonização 
estrangeira. O que já se processa em alguns países relativa-
·mente à propriedade privada latifundiária passar-se-á sem 
dúvida relativamente à propriedade política, ao latifúndio 
territorial que é o Brasil. 20 
Por outro lado, entretanto, é certo também que a nossa 
renda nacional, absorvida em grande parte pelo próprio de­
senvolvimento vegetativo, não é suficiente para suportar 
os formidáveis investimentos requeridos por um programa de 
colonização acelerada. O Brasil não tem capacidade econômi­
ca de absorção de uma imigração em massa. Nem por isto 
deixa de ter interêsse pela imigração estrangeira, tanto ur­
.bana quanto rural. 
Quanto à imigração urbana. 
O inte�êsse que a imigração urbana tem para nós é o 
.da complementação dos quadros de nossa estrutura profis­sional. 
. O Brasil tem falta de técnicos, de operários especiali­
zados e semiespecializados. Nossas escolas de aprendizagen1 
26 Cf. ARTUR CÉSAR FERREIRA REIS, A A.mazonia e a CobiÇG 
Internacional, São Paulo, Cia. Editôra Nacional, 1960. 
1 O· I Jt'l·�f{NA NOO BAS"."OS DE ÁVILA. S. J. 
l r u l würial não são suficientes para fornecer êsse setor dO' 
n wrca<lo do trabalho. É preciso não esquecer que a formaçã<>' 
,fe um ser humano, até fazer dêle um técnico ou um operá­
rio especializado, onera um país, especialmente um país 
como o nosso, que se deve equipar sem dispor de capitais -.....__ 
· HU fiei entes. Ora, a formação do imigrante não nos custa 
pràticamente nada, e o imigrante é um capital imediata­
mente produtivo. 
Um j ornalista sensacionalista se compraz às vêzes em 
trazer à opinião pública alguns casos de imigrantes mar­
ginais que pesam sôbre a coletivid�de. É mister, porém .. 
ter presente que tais casos não são a regra, mas a exceção .. 
Quanto à imigração rural. 
A imigração rural isolada, se excetuarmos a imigração 
japonêsa, perdeu o espírito pioneiro que teve em outras 
épocas. O imigrante europeu não é mais um desbravador. 
É portador de técnicas altamente eficientes dentro de um 
determinado contexto sócio-econômico, que não existe no 
nosso sertão. Abandonado ali, não resiste às inclemências: 
do meio, às deficiências assistenciais e perece ou emigra. 
O interêsse que conserva para nós a imigração rural é 
o da formação de colônias-modêlo, com alta eficiência exem­
plativa, situadas nas proximidades de centros consumidores� 
As experiências j á realizadas entre nós, italianos em Pe­
drinhas e holandeses de Holambra, por exemplo, já preen­
chem de modo compensador os objetivos visados. 
Entretanto, o problema social mais agudo criado por 
tais colônias é o da sua integração cultural. A legislação vi­
gente não permite a venda de mais de 25 o/o dos lotes, a . 
nacionais de um mesmo país, por um receio, aliás legítimo, 
de que tais colônias ao se desenvolverem se venham a tor­
nar minorias étnicas. �sse receio se exacerbou entre nós. 
com a guerra, quando se popularizou o conceito de quisto 
"� 
• 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 1 05 
étnico, de corpo estranho das minorias nacionais. Pnra <1vi­
tar o perigo, exige-se a quase imediata dissolução do i�rupo 
estrangeiro no organismo nacional. Na nossa opinião, iKto 
também constitui um êrro : Há dois processos· de assimila · 
ção de um grupo estrangeiro : um, por degradação dêste 
grupo ao nível do rurícola nacional outro, por promoção dê.:;­
te último ao nível cultural do colono estrangeiro. A disso­
lução do grupo estrangeiro conduz à assimilação por degra­
dação, e não é interessante inverter capitais para multipli­
car nossos caipiras. Para que o grupo estrangeiro possa con-· 
tribuir à sublimação do nível cultural do nosso meio, dev�,. 
ao menos por algum tempo, persistir como grupo. A acultu­
ração é um fenômeno de grupos e não de indivíduos. A imi-· 
gração italiana e alemã do sul, que conservou por muito 
tempo sua identidade como grupo, trouxe um precioso con­
tributo à nossa promoção cultural ; a mesma imigração no 
Espirito Santo, que se dissolveu ràpidamente no m.eio, des­
ceu ao nível do nosso rurícola. 
Finalizando o capítulo sôbre o fator demográfico, não 
podemos deixar de aludir às migrações internas, fenôme-· 
no de grande importância sociológica hoje, de modo especial 
no Brasil. 
As migrações internas no Brasil vêm afo(sumindo o as-· 
pecto predominante de êxodo rural. São determinadas prin-· 
cipalmente pelas precárias condições do meio, fator repul­
sivo ; e pela esperança de encontrar na cidade maiores possi­
bilidades de subsistência e de promoção social, fator atra-­
tivo. Elas têm como efeitos imediatos uma deteriorização 
do meio rural, devido a uma baixa de produção provocada 
pela evasão do elemento humano ativo ; a emergência de 
sérios· problemas urbanos, especialmente a favelização e o 
risco de marginalidade crescente. Entretanto, o fenômei ;o 
em si parece-nos, a longo prazo, ser de natureza e apresen­
tar um saldo positivo. As migrações internas funcionaram 
como um fator de formação de uma consciência nacional 
1"l•mNA NJ)0 BASTOS DE ÁVILA, S. J, 
du.·1 ��rarnlc:-i problemas brasileiros; foram um veículo de in-
1 1 • 1 ·nu11bio cultural entre as várias regiões do país e propi­
<·iaram a dilatação do nosso mercado interno, introduzindo 
1 10 c in:uito econômico dezenas de milhares de brasileiros que 
viviam fora dêle numa economia não contabilizada. 
' 
1 
• 
LEITURAS COMPLEM ENTARES 
1 - BEAUJEU-GARNIER, J., Geogra.phie de la population., PuriK, ( ,ihr. 
de Medieis, 1956-1958, 2 vols . 
.2. - REINHARD, MARCEL, R., Histoire de la populatwn mondialli dn 
1700 à 1.'J48, Paris, Ed. Domat-Montchresticn, 1949. 
:8 - GEORGE, PIERRE, lntroduction à l'étude géographique de la po­
pula,tion du. m.onde, Paris, Institut National d'études démo­
graphiques, Cahicr n.0 14, P . U . F., 1951. 
.4 HAUSER, PHILIP M . e DUNCAN, ÜTIS DT.YDLEY, The St?.tdy of po­
pulatfon - An inventory appraisal, Chicago, The Univcrsity of 
Chicago Press, 1959. Consultar especialmente os capítulos 27 
''Ecolog:y and Denwgraphy"; 32 ''Econont'ics and Demography" 
e 33 "Sociology ar1.d Demograph71 " . 
.5 - NAÇÕES UNIDAS, Reoent trends in ferUUt11 in induBtrfrtU�ed 
countries, New York, U . N . Department. of Economic A.nd So-
cial Affairs, 1958. • 
6 - Approa.ch es to problems of hi,qh fertility in a.grarian Societiea, 
New York, Milbank Memorial Fund, 1952. 
'7 - NAÇÕES UNIDAS, The deterniinant8 and conseqwmces of Popu­
lation trends, New York, U. N . Population Division, 1953. 
'8 - NAÇÕES UNIDAS, Th� agfo.g of population anrl Us econom.ic a.nd 
social im.plicationR, New York, U . N . Department of Econoipic 
and Social Afíairs, 1956. 
9 - FRAZIER, FRANKLIN, Bourgec<f.sie Noire, Paria, Libr. Plon, 
1955. 
10 - TAFT, DONALO R. e ROBBINS, RICHARD, ln.terriationa.l migra­
tioris; The ·hnrnigra,.n.t in the ·rnodern world, New York, The 
RonaJd Press Co., 1955. Consultar especialmente a I."' Parte: 
"Elementa in the M1ig1·ation ProceBs" e a 1v,.a Parte : "The 
Larger Mea,ning of Migration". 
11 - LADAME, PAUL, A., Le rôle des migrations dans le monde libre, 
Paris, Libr. Minard, 1958. 
12 - THOMAS, BRINLEY, The economias of interna.tional migration, 
London, MacMillan, 1958. 
13 - Uma fonte preciosa para os diversos aspectos sociológicos do 
fenômeno migratório, estudados neste capítulo, são as mono­
grafias e relatórios apresentados nos Congressos internacio­
nais de PopulaçãQ, especialmente o penúltimo, realizado <ml 
Roma, em 1954. Consultar : Procee&íngs o f the W orld f>op·1.t­
lation Conference, New York, U . N., 1955; e o último, reali­
zado em Viena em 1959, cujas Atas foram publicadas, no mes­
mo ano, pela Union Internationale pour l'Étude Scient·ifi<1ue 
de la Population. 
1! 
1 
1 
•, 
CAPITULO IV 
F A TôRES BIO-PSICOLóGICOS 
Depois de têrmos analisado o contexto natural, fator 
ambiental e a base orgânica da vida dos grupos, fator de­
ftlográfico, concentramos nossa atenção sôbre os componen­
tes dêstes grupos, os indivíduos e a sua personalidade. 
Na escala zoológica o fenômeno social só aparece ao ní­
vel do fenômeno humano. Abaixo dêste nivel, pode-se obser­
var o fenômeno gregário e outras formas de associações ins­
ti�tivas, mas não o fenômeno social. A personalidade é, pois. 
o agente primeiro do fator social. 
Nossa análise, entretanto, não tem o mesmo objetivo 
e nem os mesmos processos que a análise psicológica. A nós 
interessam apenas as influências que a personalidade exerce 
sôbre a vida em grupos e, vice-versa, as influências do gru .. 
po sôbre a personalidade. 
§ 1) ANALISE ESTÁTICA DA PERSONALIDADE, 
NOS SEUS DIVERSOS NtVEIS 
I) O "Eu'' social ou soC'iológico, o mais superficial, é 
o conjunto de comportamentos e de atitudes que assumimos 
em resposta a determinada situação social que ocupamos. · 
:t o EU pelo qual nos damos a conhecer, porqueé o que me­
lhor corrc:sponde ao papel, que, supomos, a sociedade nos 
atribui. Alguém supõe, por exemplo, que o grupo em que 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 09 
vive o tem por nobre ou rico. Assume assim comportnnwn­
tos e atitudes que melhor correspondem a um nobre ou a 
um rico. Nem se deve imaginar que se trate necessàriumen­
te de uma farsa ou de um fenômeno patológico de hü�tcrin. 
Na grande maioria dos casos, assumem-se inconscientemente 
êsses comportamentos e atitudes por um processo automá­
. 
tico de ajustamento às funções que o meio social impõe. 
O histérico, ao contrário, é um desajustado, incapaz de ter 
consciência de sua inadaptação ou de controlá-la. O EU so­
cial é um papel levado a sério no teatro da vida. Só em 
certas experiências momentâneas que é da<lo intuir que êste 
EU social não é tôda nossa personalidade; que no:.;sa per­
sonalidade autêntica se situa num :dível mais· profundo. Tal 
é o caso, por exemplo, em que uma pessoa, voltando do tra­
balho, entra no próprio quarto, supondo não haver ali nin­
guém. Assume logo atitudes espontâneas, não controladas 
pela censura do EU social. Neste momento, percebe que 
alguém está presente no quarto. Imediatamente o ElJ s·ocial 
reassume o comando dos gestos e comportamentos. 
II) O "Eu" feno·menológico, ou personalidade concre­
ta, assim se pode chamar o conjunto de elementos constitu­
tivos de cada indivíduo como tal, atingíveis por uma aná­
lise fenomenológica e distintos: do EU ontológico, que só é 
atingível e demonstrável por uma reflexão filosófica. Entre 
os elementos constitutivos do EU fenomenológico, podemos 
distinguir : 
A) Os elementos biológicos constitucionais, compreen­
dendo os elementos genéticos, sistema endócrinot as capaci­
dades organolépticas, o tipo somático, enfim, próprio a cada 
indivíduo. Tais elementos gozam de pouca plasticidade, ne8·· 
, te sentido, que são dificilmente modificáveis pelo meio so­
cial ambiente. 
B) Os elementos biológicos adquiridos, como os efei·· 
tos de determinado tipo de alimentaçã.o qualitativa ou quan-
' 1 o Ff<:l{ N A N 0-0 BASTOS DE ÁVILA, S. J . 
1 i l.H1 i v a considerada, os elementos biológicos contraídos por 
( ' ( •rto:; comportamentos habituais como bebidas, vida sexual, 
(•:-:por·tcH, por enfermidades sofridas, pelo clima, a altitude 
ele. 
C ) Us elernentos psíqu.icos constit·ucionais, faculdades 
mentais, vontade, inteligência, memória, com a gama infi­
nita de variações e tipos próprios a cada indivíduo ; tem-­
peramento e caráter, instintos e tendências. 
D ) Os elementos psíquico.� adquiridos, os ideais, os juí­
zos de valor, as concepções da vida, os hábitos, determina­
dos processos psíquicos, como recalques e frustrações. 
. 
. 
É de notar que tôdas as enumerações slipramenciona­
das têm um valor puramente exemplificativo, não limitativo. 
Além disso, fazemos observar que, se os elementos consti­
tucionais, tanto biológicos como psíquicos, têm menos plas­
ticidade, são pouco modificá veis pelas influências do meio, 
o mesmo não sucede com relação aos elementos adquiridos. 
·�stes são mesmo o resultado da reação do indivíduo aos 
estímulos do meio ambiente. Entretanto, todos os elementos, 
tanto os constitucionais, como os adquiridos têm uma imen­
sa importância para a vida em grupo. É da variedade de 
infinitas possibilidades de combinações dêstes elementos em 
cada indivíduo que resulta a riqueza e a complexidade de re­
lações da vida social Cada um dêstes fatôres, por outro 
lado, atuando sôbre os indivíduos· de um grupo determinad ), 
dá à vida dêste grupo uma especificidade própria. Um grupo 
de indivíduos subalimentados têm um comportamento diver­
so do comportamento de um grupo composto de indivíduos 
racionalmente alimentados. 
III) O "Eu" ontológico. �ste se situa num plano que 
escapa à análise sociológica e só é atingido por uma refle­
xão metafísica. A êle nos referimos aqui, não só com o in­
tuito de completar a conceituação relativa à personalidade, 
maR visando ainda chamar a atenção para a base metafísica 
INTRODUÇÃO À SOCIOLO(; IA 1 l i 
da personalidade e de todo o seu comportamento. O J•� l J o t t·· 
tológico é a realidade permanente que garante n idl•ntidaft 
de .do indivíduo consigo mesmo, através de tôdaH HH t.ra11H 
formações por que êle passa no tempo, na vida. É o Hujci to 
ao qual se referem tôdas· as ações e comportamentos e que de 
todos é responsável. Cada um de nós se lembra de uma de­
terminada criança que, há tantos anos, ia a determinado 
grupo escolar e ali aprendia a ler e a contar. Cada um de 
nós pode dizer : "Esta criança sou eu". Quando dizemos uma 
frase como esta ''eu tenho um corpo e um espírito", a refle-­
xão ·filosófica nos indica que somos alguma coisa mais que 
um corpo, com seus elementos biológicos, e um espírito, com 
seus elementos psíquicos. Indica-nos que alé.rn (grego : meta) 
da personalidade concreta, física, existe uma outra :. 
meta + física, que é precisamente a que tem um corpo e 
um espirito. * 
Além dos conceitos de personalidade sociológica, feno­
menológica e ontológica, importa ainda distingu'r o de per­
sonalidade de base como conceito sociológico. Esta é a con­
figuração psicológica particular própria aos membros de. 
uma determinada sociedade, que se rnanif esta por um esti ... 
lo de vida no qual os indivíduos inserem suas variantes sin­
gulares. O conjunto das características que compõem essa 
configuração merece o nome de personalidade de base, não 
porque constitua exatamente uma personalidade, mas por­
que constitui a base da personalidade para os membros do 
"' Alguns dramaturgos exploram, para o enrêdo de suas peçasr 
êstes diversos niveis da personalidade, ou êstes diversos l!..:US. O • 
exemplo clássico é o Anfitrião de PLAUTO, na sua adaptação feita por 
MOLIERE. Nessa peça, o deus Mercúrio se encarna sob a aparência 
de um empregado domésticCJ, de nome Sóe;ia. Mas a aparência é tão 
perfeita,, que o pobre Sósia começa a duvidar se êle era êle mesmo 
ou um outro. Começa a duvidar sôbre quem era o verdadeiro Sósia. 
Note-se que daí vem o têrmo Sósia, empregado hoje como substanti­
vo comum e não como nome próprio. A análise de PLAUTO e MoLI:êRE 
só pode ser compreendida por quem observa que todo o enrêdo da peça 
se baseia numa confusão intencional entre o EU fenomenológico e o 
EU ontológico . 
• 
1 1 : � l•'f<:lt1'iA NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
•�rupo. l1� 1 1 1'im é aquilo, porque o francês é francês, e o bra­
H 1 lt · i ro (! brasileiro. A noção não é nova. A ela nos referi­
nioH c1uando falamos em "caráter nacional", ou "tipo méd�o" 
• 
bt·nHileiro. O que é nôvo é a utilização que dela fizeram so-
c· iúlogos e antropólogos como LINTON e KARDINER. · Viram 
que não é apenas uma abstração psicológica, mas um meio 
-· 
para compreender urna cultura como unidade. 1 
Tem o Brasil uma personalidade de base, comum a tôda 
a variedade de nosso arquipélago cultural? Certamente que 
não com a nitidez de contornos que caracterizam a de ou­
tros povos muito mais integrados culturalmente. Entretan­
to, mesmo no Brasil, é possível ·descobrir alguns traços 
comuns dos quais já vai emergindo o perfil de nossa per­
.aonalidade como grupo. 2 
Cremos poder resumir êstes traços nos seguintes itens : 
A) Primazia do sentimento sôbre a razão. 
O nosso homem é primàriamente sentimental e secun­
<làriamente racional. E entre êsses sentimentos sobressai a 
'bondade. O bi,:�sileiro é bom, é naturalmente cordial. A· evo­
lução de no�sa história foi repa�sada por esta nota de bon-
' 
dade. É uma cultura incruenta. Os grandes momentos de 
nossa evolução foram superados sem as lutas truculentas 
que marcaram a evolução de butros povos : a independên­
cia, a abolição - uma festa popular e um abraço de José 
do Patrocínio e da Princesa Isabel, - a República. O bra­
sileiro cede muito mais ao sentimento do que ao argumento 
racional. 
1 Cf. M1Km. DuJo'RENNE, La pe'1'sonalité de base,· un con.cept ao­
ciologique, Paris, Presses Universitaires de France, 195:3 . 
2 Cf.ALCEU AMOROSO LIMA, Elementos Constitutivos da Naci(J­
nalidade. Conferência realizada no Instituto de Estudos Políticos e 
:;;ncini� da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, mi­
mcograf ada, 1957. 
! -
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 113 
H) l'rimazia do teórico sôbre o prático. 
O brasileiro tem facilidade para penetrar numa dou­
trina e apreciá-las, mas encontra grande dificuldade em ex­
plorar suas aplicações. Nós nos sentimos melhor voando no 
.ar rarefeito das abstrações do que enfrentando a densidade 
do concreto. Lembramos o verso de BAUDELAIRE : "Ses ailes 
de ,qéant l'empêchent de marrher". Manipulamos com desen­
voltura idéias gerais de mero valor especulativo. :r.ias não 
sabemos utilizar o seu potencial prático. Conservamos o 
amor à cultura verbal, o sentido lírico e e::;tético da vida. 
Éramos talvez o povo latino que mais tempo consagrava ao 
latim no currículo escolar. 
C) Primazia da improvisaçã-0 sôbre a planificação. 
O brasileiro tem uma admirável lucidez para intuir e 
fixar no papel um programa de ação, mas fica surprêso que 
se tome a sério um tal programa como pauta de execução. 
No terreno da abstração, arquiteta os planos mais lúcidos, 
mais lógicos ; quando, porém, se trata de passar à ação, ve­
rifica imediatamente que os planos são inviáveis e confia 
na improvisação. E o mais curioso é que, muitas vêzes, dá 
certo. Nosso gênio improvisador é tal, que muitas vêzes as 
�oisas saem melhor assim improvisadas do que maduramen · 
te planificadas. Temos uma confiança ilimitada na expres­
são : "Dá-se um jeito". Com isso, temos uma dificuldade 
enorme de planejar e principalmente de planejar a longo 
têrmo, no sentido de preparar uma ação concreta. Nossas 
repartições e minü�térios estão assaltados de planos e pro­
jetos, mas não há uma tradição administrativa. 
. Note-se que estamos fazendo apenas uma análise, sem 
formular juízos de valor. 
É conhecida nossa dificuldade em executar programas 
e horários, por exemplo, os de estrada-de-ferro. Numa es­
tação do interior lemos uma vez o horário fixado : chegada 
• 
1 l ti FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
do expresso : 13 horas e 4 minutos ! Horário de um trem 
que atrasa horas, com absoluta naturalidade e perfeita com­
preensão dos passageiros. 
D) Primazia do talento sôbre o esfôrço. 
É o que aparece, por exemplo, na literatura : vegetação 
pujante de beletrismo e aridez desértica de �rudição. Porque 
a erudição é fruto do trabalho minucioso e aturado, da pes­
quisa paciente e nós não temos tempo para isso. Preferimos 
a inspiração fácil, as intuições brilhantes e as aventuras do 
talento. Daí o nosso culto à precocidadé, ao menino-prodígio. 
É o que aparece ainda na nossa vida profissional. O 
brasileiro é amadorista. Não tem o gôsto artesanal de do­
minar um assunto, um ofício, uma profissão. Apenas assi­
milamos ali algumas idéias gerais, ou obtemos algum su­
cesso, já nos evadimos para outros setores de atividade, se­
duzidos por outras novidades e outras perspectivas. Não 
se forma em nós a tradição familiar da profissão. O filho· 
do padeiro se envergonha do pai e quer ser doutor. 
Sucumbimos à sedução da superficialidade, dos conheci­
mentos em extensão e não em profundidade, sedução de vk-, 
gar pelos cimos, ter visões panorâmicas. Daí nossa escassez 
em técnicos e operários especializados seguros, competen­
tes e orgulhosos de sua competência. Daí também nossa in­
constância : "Empreende-se muito e se acaba pouco" (JOSÉ 
BONIFÁCIO) . 
Como características secundárias ou resultantes, das 
acima enumeradas, importa ainda não omitir a primazia do 
individualismo sôbre o senso comunitário e a primazia do 
efeito sôbre o valor em si. 
É evidente que o caldeamento dessas características é 
diverso, segundo as diversas regiões do país e segundo os 
diferentes grupos étnicos. Entretanto, essas variações regio­
nais e étnicas se inscrevem sôbre o denominador comum da 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 t !) 
personalidade de base que acabamos de descrever e q tte lt•11do 
a se fixar. 
Nem tudo nesta personalidade de base são qualidatlt!H, 
nem tudo são defeitos. Tudo, porém, deve ser tido em con­
sideração na formulação de uma política, principalmente de 
uma política educacional que vise corrigir os defeitos e de­
senvolver as qualidades. Tudo deve ser ponderado no exame 
de nossas estruturas. Ê indispensável ter presente essa nossa 
personalidade de base no estudo de nossos desajustes so­
ciais. Muitos dêles são devidos no fundo ao fato dé têrmos 
importado modelos, instituições, estruturas próprias a ou­
tros grupos, com outras personalidades de base e que não 
s·e adequavam à nossa. Nossa evolução institucional não foi 
endógena. 
§ 2) ANÁLISE D INÃl\iICA DA PERSONALIDADE 
Passemos agora à análise dinâmica da personalidade. 
Dêste ponto-de-vista, a personalidade se apresenta como um 
conjunto, um feixe de tendências. É assim a análise das ten­
dências que vai agora nos ocupar. 
I ) Noção. 
São inúmeras as definições com que sociólogos e psicó­
logos procura.m fixar a realidade a que todos se referem 
quando falam em tendências. 
Tôdas as definições incluem, entretanto, dois elementos 
que nos parecem essenciais = um processo dinâmico, intrin· 
secamente dirigido a um objeto. 
A noção de tendência implica, pois, em primeiro lugar, 
um elemento dinâmico, uma fôrça que aciona o indivíduo ; 
e a seguir uma orientação intrínseca de·sta fôrça, no sentido 
de determinado objeto. Tôda tendência tem sua origem num 
estado de insatisfação ou de privação que o indivíduo é 
l i fi J<'l<�RNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
h·vado a :-iuperar - elemento dinâmico, - acionado por uma 
fúl'ça que o impele ao objeto capaz de satisfazer à privação 
que experimenta - orientação intrínseca. Como é fácil de 
ver, a raiz última de tôdas as tendências é a própria limi- I 
tação do indivíduo, e a experiência consciente ou inconscien-
te da própria incompletude. Um .Ser pleno, que realiza to­
talmente sua essência, não tem tendências, Deus não tem 
tendências. 
A noção geral de tendência que acabamos de sugerir 
carece, entretanto, de ser precisada, quando aplicada ao ho .. 
merr1. Como o animal, o homem tem tendências ou instintos, 
• 
mas estas, nêle, têm propr·iedades específicas porque pene-
tradas de inteligência e racionalidade. 
A) A tendência do homem tem uma certa plasticid<J. .. 
de isto é, é uma fôrça intrinsecamente dirigida, mas que 
não priva o indivíduo de uma certa margem de iniciativa, 
na qual se exerce sua faculdade inventiva. No homem, ela 
pode ser inteligente, é criadora. No animal, satisfaz-se in­
variàveln1ente do mesmo modo, com o mesmo objeto. O ani­
mal não varia seu regime alimentar. No entanto, basta vi­
sitar uma confeitaria ou um restaurante, para ver quantos 
objetos e modos o homem criou para satisfazer à sua neces .. 
sidade de alimentação. 
B) A tendência do homem é muito mais influenciada 
pelo ,grupo, principalmente nas suas manifestações. Elas são 
moldadas pela educação, e se manifestam segundo determi­
nadas convenções e norn1as morais aceitas pela sociedade. O 
animal, estimulado pelo instinto sexual, procura o outro sexo, 
para a satisfação imediata. Em todos os grupos humanos, 
mesmo os mais primitivos, a tendência sexual é sujeita a 
urna regulamentação social e moral. 
C) Uma terceira e última propriedade da tendência no 
homem é a pluralidade de formas que reveste quando inibi­
da ou f rustrad.a. No animal, a tendência inibida reaparece 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 1 7 
sob forma agressiva, o que se pode observar, pot· t'X<'mplo, 
quando tiramos a comida de um cachorro que 8C nlinw11t .a. 
No homem, o fenômeno da frustração é muito mai H pluri ­
valente. 
A frustração é a inibição de uma tendência. Essa i 11 i­
bição pode provir de fatôres físicos, como impossibilidade 
física, - acabou a água num deserto sem oásis ; - de fatô­
res socfais : interdições, privaçã'"o penal da liberdade, leis, 
costumes, educação ; ou de fatôres morais : regras decon­
duta, princípios religiosos e morais. Em todos os casos, a ten­
dência como dinamismo originado de um estado de privação 
é coibida por algum dos fatôres enumerados, e cria para o 
indivíduo um estado emocional de exacerbação, de equilibrio 
psicológico instável que, como ta1, não pode durar. A ten­
dência coibida, como as águas represadas, vai extravasar 
num determinado sentido, isto é, vai reaparecer sob formas 
não interditas. 
O Sociólogo americano J . DOLLAR 3 supõe que a ten­
dência frustrada reaparece sob forma agressiva, . e elabora 
assim um instrumento de ·análise para a interpretação de 
uma série de comportamentos individuais e coletivos. 
Hoje se sabe que a tendência inibida pode reaparecer 
sob múltiplas formas, entre as quais enumeramos : 
1 ) A forma agressiva : aparece j á nos primeiros anos 
da vida ; a criança que procura bater em quem lhe nega o 
brinquedo o homem que, não conseguindo impor-se a um 
rival, descarrega a sua cólera sôbre um objeto, ou sôbre um 
outro homem mais fraco. 
2) A forma 'regressiva : uma tendência que não conse­
gue re�lizar-se num plano superior, regride ou reaparece 
num plano inferior : a ambição insatisfeita de popularidade 
que move um indivíduo a se impor como grande artista, pode 
! ! '. � .... 1 
3 Cf. JOHN DoLLARD, L . W . . DOOR, N . E. MILLER, O . H . 
MOWRER e R . SEARS, Frustration and Agression, New Haven, Yale 
University Press, 1939. 
1 1 H l<'ERNANOO BAST<>S DE ÁVILA, S. J. 
n·nrmrccer, não necessàriamente sob forma agressiva, mn::J 
utravés do desejo de afirmar-se como boêmio ou devass� 
3 ) A forma evasiva : é a que explica o comportamento 
do indivíduo que, não podendo realizar-se plenamente, ou 
não encontrando correspondência em uma afeição intensa, 
se evade do convívio social, fecha-se, introverte-se. 
4 ) A forma projetiva ; fenômeno pelo qual a tendên­
cia incapaz de se realizar se projeta sôbre um outro ser. É o 
caso de alguém que, não conseguindo ser padre ou freira, 
casa-se para ter um filho sacerdote ou uma filha religiosa. 
5) A forma sublimada : fenômeno pelo qual uma ten­
tência transfere seu dinamismo para um ideal superior : a 
ambição de uma glória vã que se polariza para um ideal de 
altruísmo e de dedicação. :É sabido como SIGMUND FREUD 
utilizou o esquema da inibição e sublimaçã.o para explicar 
uma série de fenômenos psíquicos e de comportamentos. 
Dando uma importância predominante e quase exclusiva à 
tendência sexual, interpretava mesmo as manifestações supe­
riores do espírito como forma sublimada desta tendência. 
Entretanto, o freudismo ortodoxo levanta duas obje­
ções : 
a) a própria escola de FREUD verificou que fazer apêlo 
unicamente à tendência sexual como tendência · f undamen­
tal e irredutível nos casos de frustraçã.o, em muitos pacien­
tes não tinha valor terapêutico. Daí admitir hoje, também, 
outras tendências fundamentais e irredutíveis, que, além da 
tendência sexual, estejam à base do fenômeno da frustração ; 
b) hoje, fora da escola de FREUD, sabe-se que o es­
quema inibição-sublimação, não é a única forma possivel de 
evolução de uma tendência. Muitos outros esquemas são pos� 
síveis, .que não deixam recalque algum no indivíduo. Por 
exemplo, uma tendência, que, numa primeira fase da vida, 
traz ao sujeito uma satisfação predominante, pode, numa 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA l 1 9 
segunda fase, perder essa eficácia e ceder lugar u outrn 
tendência. Ainda, uma tendência que se orientava puru urn 
Qbjeto, pode a seguir, pela descoberta de um objeto maiH 
adequado, perder seu dinamismo primeiro. T'al é o caso <la 
evolução do erotismo, que muitas vêzes passa do auto no 
heteroerotismo pelo descobrimento do sexo oposto. Enfim, 
na evolução global da personalidade, muitas tendências da 
infância, sem serem recalcadas, simplesmente se atrofiam, 
ou orientam seu dinamismo numa direção nova, em harmo­
nia com o impulso total da personalidade. 
Tôdas essas diversas formas de interpretação de uma 
tendência frustrada podem ter uma dimensão social, quando 
.a frustração é comum à grande maioria dos indivíduos de 
uma coletividade ou de uma nação. O esquema de frustração 
constitui, assim, um instrumento de análise sociológica que, 
devidamente aplicado - o que nem sempre é fácil - permi­
te uma compreensão mais profunda de comportamentos co­
letivos. Uma guerra de conquista pode às vêzes ter sua ex­
plicação última na frustração de uma tendência de um povo, 
como seu desejo de viver e de afirmar-se na comunidade 
internacional. 
II) Divisão e tipos de tendências. 
A) Do ponto-de-vista do fim : podemos distinguir no 
homem tendências pessoais e sociais. 
1) Tendências pessoais são as dirigidas à permanên­
cia e desenvolvimento do indivíduo. Não são chamadas pes­
soais, em oposição às sociais, porque não tenham relação 
com � vida social. Também elas são influenciadas pelo gru­
po e reagem sôbre êle e, neste sentido, também são sociais. 
São ditas, porém, pessoais, porque orientadas diretamente 
para o bem da pessoa. 
Algumas são ligadas a processos orgânicos, destinadas a 
preencher estados de privação orgânicos, como, por exem ... 
1 :�o l<'J•:l�NANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
pio, o i1rntinto da alimentação. Outras são ligadas a '-proces­
�oH pl-'icológicos, como a tendência à afirmação de si, a 
curiosidade. 
2 ) Tendências sociais são as orientadas à permanên­
cia e desenvolvimento do grupo. Também estas são fôrças 
imanentes aos indivíduos de cada grupo, são propriedade 
das pessoas e, neste sentido, são também pessoais. Dizem-se,. 
entretanto, sociais pelo objeto primário e imediato a que 
se finalizam e porque só podem ser plenamente satisfeitas 
na vida em grupo, e muitas delas só se manifestam nunr. 
quadro social. 
• 
Também dentre as tendências sociais, algumas são li-
gadas a processos orgânicos, como a tendência sexual, ou­
tras são ligadas a processos psicológicos, como a tendência 
à imitação, à simpatia, à comunicação. 
B) Tendências classificadas, não mais do ponto-de­
vista do fim, mas da necessidade que lhes dá origem. 4 
O homem é organismo, é psiquismo e é pessoa. Como 
organismo, está imerso no meio biológico ; como psiquismo, 
está imerso no meio psico-social ; como pessoa está imerso 
na existência. Como organismo, êle vegeta e sente ; como psi­
quismo, êle pensa e ama ; como pessoa, êle é. Em cada um 
dêsses três níveis, o homem experimenta duas necessidades: 
fundamentais : a de manter-se como individualidade e a de 
comunicar-se com o meio respectivo. T·emos assim as gran­
des categorias fundamentais, às quais se reduzem tôdas as: 
tendências. 
1) No nível biológico, isto é, como organismo, o ho­
mem experimenta : 
! ' ' ' 1 �-.,... 1 ' ' 1 
4. Consultar, a respeito, o notável trabalho de JOSEPH NuTTIN,. 
P8'3Jchanalyse et conception spiritualiste de l'homme. Une théorie dy-
1?.arnique de la personalité norma�. Louvain, Publications Universitai­
res, 1950, especialmente a síntese: "L'origine pro/onde des besoins",. 
págs. :325 e segs. Tradução brasileira : Psicanálise e Personalidade., 
ltio de Janeiro, AGIR, 1955, págs. 271 e seguintes. 
-... . 
1 
� 
' . 
'" 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOl: IA .t 2 r 
a) a necessidade de se manter na sua ind i viclnaliducle 
biológica e de se desenvolver na linha desta individunlidadt> : 
b) a necesidade de contato com o meio físico, para Hc� 
manter e se desenvolver, sem dissolver-se no meio. 
Todo organismo tem o seu "meio interno próprio" 
(CLAUDE BERNARD) , cuja relativa estabilidade, chamada hu­
meostasia, é indispensável para que permaneça em vida. 
:tsse meio interno é constituído por uma determinada pro­
porção de elementos químicos, um determinado grau de uni­
dade, de temperatura e por outros fatôres. A ruptura par­
cial dêsse equilíbrio interno determina, por parte do orga­
nismo, reações e comportamentos típicos : reações químicas 
ou mecânicas, por exemplo, a geografia das crianças, o agi­
tar-se quando se sente frio ; e também comportamentos : pro­
curar abrigo,alimento, tendências que se revestem das mais. 
variadas formas, segundo o contexto social : o índio, que 
sai pela manhã de arco e flecha ; o chefe de emprêsa, que sai 
de automóvel para seu escritório. De todos êsses modos, <> 
indivíduo entra em contato com o meio fís.ico, a fim de se. 
manter sem se dissolver. A morte é a ruptura total do equi­
líbrio interno, na qual o indivíduo é incapaz de preservar 
sua individualidade biológica, é invadido pelas fôrças am­
bientes e se dissolve no meio externo. 
2 ) No nível psicológico, isto é, como psiquismo, o ho­
mem também experimenta : ..... , 
· a) necesidade de se manter e desenvolver nas suas- po­
tencialidades suprabiológicas ; 
b) necessidade de contato com o meio psico-social. t� 
neste nível que se inserem tôdas as tendências do indiví­
duo a ser alguém, a se afirmar no meio social, bem como 
· tôdas as tendências à comunicação com o meio psico-social : 
as formas ativas e passivas do amor, da amizade, simpatia. 
respeito, dominação, sujeição. 
' : � :.� f<'l<;ltN A NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
Como se vê, tôdas essas formas são deriv adas, isto é, 
niw são fundamentais. Neste contexto, o pr6priÔ.'amor apa­
n·ce, paradoxalmente, como uma tendência fundamental .. 
ruente egoísta, oriunda de uma necessidade pessoal de per­
manência e comunicação. É só num segundo momento do 
processo do amor, que êste se transforma em dom, em mo- · 
vimento altruísta, graças à própria especificidade do seu 
objeto : um ser livre que só se rende ao dom total do outro. 
3) No nível transcendente, isto é, como pessoa, o ho­
mem experimenta ainda : 
a) necessidade de se manter como existência ; 
• 
b) necessidade de integração universal. .O homem é o 
·único animal que se interroga sôbre sua existência ( =:: ex­
.sistere) : "o homem é um ser que sabe e se sente situado 
no existir." ei O animal é sempre levado pela tendência pre­
dominante no momento, é absorvido totalmente pelo ato 
presente : "il colle à l' acte'' (SARTRE) • O homem tem a pos-· 
.sibilidade de um recuo interior e pode surpreender suas 
próprias tendências ; pode surpreender-se agindo. �le se co­
nhece como um ser situado e procura pontos de referência 
absolutos para compreender sua situação. Foi esta vivência 
do homem que SARTRE quis fixar, quando disse que o ho­
mem "est un regard étonné". 
It neste nível que se inserem as tendências de todo ho­
·mem a elaborar-se uma concepção da vida e a se perpetuar 
na existência. 
• • • 
Até agora nos situamos num plano que chamamos pré­
·.�ocial, nêle, estudamos uma série de elementos que, como 
dizíamos, preparam os indivíduos para a vida em grupo e 
que condicionam essa mesma vida e suas manifestações. 
G J . NUTTIN, ob. cit., pág. 262. 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 123 
Vemos, pois, que o fenômeno social pressupõe : 
a) a existência de um contexto geográfico, no qual se 
vai desenvolvendo a vida do grupo, contexto que haverá de 
influenciar poderosamente essa vida, e sôbre o qual o grupo 
também haverã de reagir no sentido de adaptá-lo sempre 
mais às suas exigências ; 
b) a existência dêste mesmo grupo, dotado de uma 
determinada estrutura e· de uma determinada dinâmica, a�, 
quais haverão de condicionar de mil modos a sua vida ; 
e) a existência, nos membros dêste grupo, de deter­
minadas características, sem as quais seria impossível a 
vida coletiva. Entre essas características destacamos, no 
plano biol6gico, a existência de uma determinada evolução 
orgânica, compreendendo principalmente um sistema ner­
voso extremamente aperfeiçoado, capaz de captar, coorde­
nar e traduzir as impressões sensoriais, e sem o qual seria 
impossível a elaboração de símbolos como veículos de co­
municação entre os indivíduos ; no plano psicol6gico, a pos· 
sibilidade, neste mesmo i�divíduo, de um recuo interior que 
lhe permita contemplar-se agindo e verificar até que ponto 
está ou não em acôrdo com os papéis que o quadro social 
· lhe atribui, por outras palavras, a capacidade de reflexão. 
Em resumo, é necessário que as unidades dêste grupo sejam 
constituídas por personalidades. 
Faltando uma dessas condições, a vida social é impossí­
vel. São pressupostos indispensáveis para que entre os mem­
bros do grupo se estabeleçam as relações que constituem a 
trama íntima da vida social. 
Dótados destas propriedades, vão assumir atitudes e 
comportamentos individuais e coletivos jã nitidamente so­
ciais, porque mantendo uma referência intrínseca a um qua­
dro social. 
Estas considerações, porém, jâ nos introduzem. ao plano 
social propriamente dito, que será objeto da segunda parte 
dêste trabalho. 
LEITURAS COMPLEMENTARES 
1 - VIANA, OLIVEIRA, EvoluçOO do Povo Brasile·iro, São Paulo, Edí­
tôra Nacional, Brasiliana, vol. X, 1933, 2.ª edição. 
2 - VIANA, OLIVEIRA, Populações meridionais do Brasil, Rio de J a.­
neiro, José Olímpio, 2 vols. , 1952. 
S - DIÉGUES J(JNIOR, MANUEL, Etnias e culturas no Brasil, Rio de 
J aneil'o, Ministério da Educação e Cultu1·a, s . d . 
4 - ARNOLD, MAGDA B . e GASSON , JOHN �., The human person; an. 
approa.ch to an integral Theory of Personality, New York, The· 
Ronald Press, Co., 1954. 
6 - SOROKIN, PITIRIM, Society, Culture and Personality, New York, 
Harper & Brothers, 1947. 
6 - LINTON, RAI,PH, The studwy of man, New York, Appleton Cen­
tury, 1986. 
'1 - LINTON, RAI.PH, Tke cultural background of Per1onality, New 
Y or'k, Appleton Century, 1945. 
8 - KARDINER, ABRAM, The pS"JJChological fron.tiers of Socieflfl, New 
York1 Columbia University Press, 1950, 5.0 edição. 
9 - LEFORT, CLAUDE, "Notes crit-iqueR sur la méthode de Kardiner". 
Cahiers Internationaux de Sociologie, vol. 10, 1951, páginas 
117-127. 
10 - AzF.VEDO, TALES DE, Ensaios de An tropologia Socia1, Salvador, 
PublicaÇPes da Universidade da Bahin. IV - 5, 1959. 
Entram aqui, ainda, tôda uma série de monografias que 
retratam aspectos parciais da vida brasileira e os tipos diver­
sos que criaram como : 
11 - A:zEVEDO, FERNANDO DE, Canaviais e engenhos na t1'ida, polítfoci 
do Br<Uil, Rio de Janeiro, Instituto do Açúcar e do Alcool, 
1948. 
12 - REIS, ARTUR CÉSAR FERREIRA, O Seringal 6 o Seringueiro. Ser­
viço de Informações Agrícolas, 19G4. 
13 - FREYRE, GILBmTO, Problemas Brasileiro� de Antropologia, Rio 
de Janeiro, Liv. da Casa do Estudante, 1943. 
14 - MARTINS, WILSON, Um Brcunl diferente. Ensaios sôbre os fe­
nômenos de acultwraç-Oes 1t0 Paraná, São Paulo, Ed. Anhembi, 
1955. 
Sem omitir o clássico EUOLIDES DA C'UNHA, Os Sertões. 
.. 
3.ª PARTE 
O PLANO SOCIAL 
1 
r .. 
i-: 
1 
1 ' 
INTRODUÇÃO 
As coisas triviais, os fenômenos corriqueiros, não cha­
mam em geral nossa atenção. Não são, em geral, objeto de 
nossa admiração. Ora, sem admiração, não há curiosidade 
e sem curiosidade não há ciências. O verdadeiro cientista, 
. , no sentido de um investigador, como o verdadeiro filósofo, 
·{·> é aquêle que sinceramente se admira diante de uma coisa 
·j banal. Feliz aquêle que conservou intata essa caracter ística 
· � da inocência : saber admirar-se. A admiração nos leva a 
. . : descobrir que no fato mais banal se escondem por vêzes os 
'.J mais profundos problemas. \ 
' ·A · O verdadeirq sociólogo .é...aguâle g_u�_ sinc.��-ªment� se ad-
· � '!!.ir.a ��ste f�to primeiro e banal d�homens viverem 
-o �'!l.El:upos � .. ��ntinuarem -ª viver ..fil!!_gr�pos, ap_e�_ar d� to-
> 9.<!.L os �esares!.. O verdadeiro �ociólogo� é aquêle que intui ._ 
�, <{l!_Ç._ ne� fa!_�l?an�side o problema �ofjológi�� 
��LTodo o mundo teme algumas conseqüências da vida 
coletiva : as guerras, a formidável potência destruidora das 
nrmas nucleares, os efeitos do estrôncio 90 ; todos se quei4 
xam da precariedade dos transportes, do eusto de vida, da 
prepotência ou corrupção das autoridades, mas ninguém 
J>cnsa em suprimir todos êsses e muitos outros males pela 
rniz. Se todos êles provêm da vida em sociedade, suprima-se 
n sociedade, e regrida-se à vida do troglodita. Apesar de 
tf>das as suas dificuldades, a vida social recomeçacada dia, 
em suas múltiplas manifestações, com misteriosa pertinácia. 
1 :. �H 
• I 
FER N A NDO BA.3TOS !)E AVIL .\ , :�. J. 
< �omo explicá-la ? Qual o porquê dêste mistério? Não 
1·omJ H:te à Sociologia, ciência positiva dos fatos sociais, elu­
.('id;i-Jo. :\ias, ela pode postular à Filosofia Social a solução 
do problema. Exemplo típico da interdependência entre as 
·ciências indutivas e dedutivas e de como a reflexão socio­
lógica, por pouco que seja prolongada, confina com u'a me­
tafísica social. E esta sugere que a solução reside no fato 
que o homem é uni ser social. 
Social não é apenas gregário. O instinto gregário é a 
propriedade de sêres que se associam para garantir a pró­
pria permanência e o próprio desenvolvimento. ·Quando di-
2emos que o homem é um ser social, queremos dizer muito 
mais, queremos dizer que, sendo social por definição, o ho­
mem é essencialmente incompleto. Queremos dizer que êle 
.só se realiza em plenitude como homem, na vidà social. Com 
efeito, quais são as peculiaridades que caracterizam o ho­
mem como tal e o especificam entre os outros animai s ? A 
consciência e o amor. Interioridade e dom. Quanto mais evo­
lui o indivíduo na linha da consciência e do amor, tanto mais 
·se realiza como pessoa humana . .São estas, aliás, as duas di­
mensões que propriamente o constituem como pessoa. E a 
-consciência e o amor dizem uma referência intrínseca ao 
·outro. A consciência é uma presença no outro e uma pre­
sença do outro em nós ; o amor é um projetar-se de todo 
<> ser no outro. Só dentro de um quadro social, pode-se de­
senvolver a consciência e o amor ; só dentro dêle o homem 
se pode realizar como tal em plenitude. Esta conclusão é 
ieonfirmada pela observação de sêres humanos criados fora 
de um quadro social e que pelo seu comportamento parecem 
apenas emergir do plano puramente animal. 1 
1 Para maiores i:nforme::l sôbre o fenômeno, consultar ELGIN F . 
HUNT, "Social Scierzce'', An Introduction to the Study of Society, 
New York, Macl\fillan, 1955, págs. 139 e segs. Os dois trabalhos 
clássicos sôbre o assunto são: J. A . L . StNGH, Wolf Children e 
Ferol 11tfan, Harper & Brothers, New York, 1942; K . DAVIES, "Final 
Note on a Case of Extreme Jsolation", American Journ.al of Socio­
.1o,rn1, março de 1947, págs. 432-4137 . 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 129 
Passamos agora a estudar êste quadro social, no qual, 
1mr motivos pw-amente didáticos, distinguimos uma d'imen­
s1io 1micro-sociológica a uma dimensão macro-sociológica. !! 
A dimensão micro-sociológica abrange fenômenos so­
ciai� que se :processam no âmbito dos indivíduos. por ou­
traH palavras, que se reduzem, em última análise, a gestos, 
<'omportamente>s dos indivíduos, que adotam uma opinião, 
que assumem uma atitude, que se imitam uns aos outros, 
q 1 1 e colaboram uns com os outros. São todos fenónienos pro­
pr iamente socia'is, porque impossíveis fora de um contexto 
�otial, ao qual se referem por uma relação intrínseca. São 
111 icro-::ªociológicos por se reduzirem a f en.ô.n!enos de din1en-·- -- . . - - · ---
�l-ICS individuais, a vivências pessoais. O c�mpQ em que agora -----· . . - ........ ____ 
1�2netramos é o campo d_a p?i{;ologia social. N�o cabe aqui 
'®ª-- yis�o gl�_bal _do m�o. Pretendemos apenas, a título 
de introdução à psicologia social, familiarizar o leitor com 
algumas categorias fundamentais desta disciplina. 
A dimensão macro-sociológica abrange os f enômeno.s 
:-;ociá1s que se processam · ;o âmbitô dos grupos, que são 
·c':omportamentos ou gest& �o grupo como tal, ���ja êle a fa..: 
mília.J a classe,_ a P!,Ofissão. Tais fenômenos não são redutí­
veis à simples soma dos comportamentos dos indivíduos que 
compõem o grupo. Gozam de uma especificidade própria. A 
família é algo mais que a som.a dos comportamentos dos pais 
e dos filhos, e o mesmo se diga dos demais grupos. São f e­
nômenos sociais que, pela sua mesma amplitude, incluímos; 
�ob a designação de m...acro-sociológicos. 
2 Insistimos em advertir que a distinção entre as dimensões 
macro e micro-sociológicas é puramente didática. Na realidade, todo 
fenômeno macro-sociológico tem sua infra-estrutura micro-sociológi­
ca, e todo fenômeno micro-sociológico é impensável fora do quadro 
macro-sociológico . 
• 
! 
·1 ; 
; ' 
F'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
tipos de relações se produzem entre indi viu uos, qualquer 
que seja a esfera social a que pertençam e qualquer que 
seja o nível de evolução da sociedade. Na religião, na po­
lítica, no colégio, nos negócios, nos esportes, encontramos, 
em todos os tempos, entre os homens, esquemas constantes 
de relações, por exemplo, de comunicação, de imitação, de 
colaboração, de contrôle, de obediência, de lealdade, de con­
corrência, de defesa, de intimidação, de isolamento. Êstes 
esquemas são as formas sociais, que, segundo SIMMEL, cons­
tituem o objeto da .Sociologia : "A Soci.ologia deve p1·ocurar 
seus problemas não na matéria da vida social, mas na sua 
forma . . . É sôbre esta consideração �� �m� 
&oc!ais <I® ��usa todo o�ireit� Sociologia a ex�tír''. 5 
Entre duas ou mais pessoas criam-se de�das re­
lações. Estas relações podem ser comerciais, políticas, eró­
ticas, religiosas ou de qualquer outra natureza.. Elas cons­
tituem a matéria, o conteúdo dêste fato social. Mas, como 
tais, não interessam ao sociólogo, porque são objeto de ou­
tras ciências, no caso, da economia, da política, do direito, 
da religião, da psicologia. Estas relações, entretanto, podem 
eer de concorrência ou de colaboração, de simpatia ou de 
defesa, ou de qualquer outra forma. É esta forma, invariá­
vel em qualquer natureza de relação, que interessa ao so­
·ciólogo, porque constitui o objeto específico da Sociologia. 
A partir desta distinção, SIMMEL formulou sua teoria das 
invariantes sociais : em tôdas as fases hist6ricas e em todos 
os níveis sociais, existem formas constantes de relações que 
isto é, à moderna economia do dinheiro. SIMMEL, que partiu de uma 
tensão interna a cada fase histórica . Contràriamente ao marxismo, 
porém, esta tensão, para êle, se dá entre o que chama as "objetiva­
ções do espírito" e os padrões de vida, que são as determinantes 
reais, não somente do sistema econômico, mas também da cultura. 
espiritual . O trabalho de SIM MEL é um protesto à filosofia do ma­
terialismo histórico . ( Consultar, a respeito, ALBERT SALOMON, "La, 
Sociologie Allemande", in Sociologie a.u XXéme Bi6cle, - publicado 
por GURVITCH, P . U . F., 1947, págs. 611 e sega.) . 
G SIMMEL, "Comment les formes sociales ae mantienent'' in 
Année Sociologique, t. I, 1898, pág. 72. 
INTRODUCÃO À SOCIOLOGIA � 
i ndividuam e organizam o fluxo informe da vida. É o tcn1a 
4pic, em outros textos de Sociologia, é estudado sob o título 
de processos sociais. 
A idéia de SIMMEL estimulou os sociólogos para a ela­
boração de esquemas formais de relações e condutas, como, 
por exemplo, condutas de imitação, de colaboração, abstrain­
do do seu conteúdo concreto, isto é, abstraindo do fato que 
�e trate de imitação religiosa, ou artistica, ou de colabora .. 
çiio no setor cultural, técnico, ou esportivo . 
. A título de amostra, estudaremos· alguns dêstes esque­
mas formais. 
I) Condutas e comportam,entos. 
A) Condutas de comunicação. 
1 ) Noção. • 
É possível comunicar algo materialmente. Se desejamos 
xugerir a idéia de faca ou de mala, podemos tomar u1na faca 
ou u'a mala e passá-la ao outro. A idéia que o outro 1·ealiza, 
l'ln tal processo comunicativo, é muito mais precisa e con .. 
<'l'< �ta. Evidentemente, porém, êste processo não 8eria cô­
n iodo quando se tratasse de transmitir a idéia de transa-· 
tlü ntico ou de elefante. 1!: limitado à comunicação de alguns. 
olJjctos materiais. 
Além dêste processo material, há a con1unicação for­
mal, que nos interessa, e consiste numa combinação <le sím­
bolo� que visam transmitir algo mais que êles próprios. A 
t·onn111 icação vocal, por exemplo, através de símbolos vocais, 
11iío vi�a transmitir apenas um determinudosom, mas aqui­
lo que o �om significa. 
A comunicação formal pode não só sugerir a idéia de 
�oi�a.i:; materiais, como também transmitir idéias abstratas 
t� exp<�riências interiores. Ela sup·Õe, entre os que se comu­
n katn, um aparelho sensorial capaz de emitir e captar sím-
•! .,j 
1 i1·1 FERNANOO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
bolos, um psiquismo capaz de abstrair do símbolo material 
seu conteúdo ideológico, e a identidade de natureza dos que 
se comunicam. 
Com efeito, quando desejamos fazer a outrem cientes 
de nossa vivência atual de satisfação, utilizamos expressões 
de alegria, na certeza instintiva de que o outro vai com­
preender a nossa mensagem. Como, porem, pode o outro 
compreender nossa vivência atual através dos símbolos vo­
cais que lhe transmitimos? unicamente evocando a própria 
vivência de um momento qualquer de sua vida em que ex­
perimentou um estado interior de satisfação. O raciocínio 
imediato do outro é o seguinte : êl� está experimentando 
agora aquela mesma vivência interior que eu experin1entei 
em tal momento de minha vida. Ora, se não existisse uma 
identidade fundamental de natureza entre os que se trbcam 
símbolos, cada um, referindo-se à própria vivência, estaria 
.se referindo a algo de natureza totalmente diversa. Tôd.a 
a vida social repousaria sôbre um formidável equívoco. Es­
tamos convencidos de que a análise sociológica da conduta 
de comunicação é uma via empírica que permite atingir êste 
tema fundamental da filosofia : !l identidade de natureza. 
entre todos os sêres humanos. 
2 ) Formas de Comunicação. 
Podemos distinguir a comunicação em gestual, vocal e 
escrita. 
a) Comunicação gestual é a mais primitiva comunica­
ção, e também a mais universal. É limitada nas suas pos­
sibilidades de transmissão, mas certos sinais gestuais ex­
pressivos são compreendidos por todos os povos. 
A comunicação gestual pode ser : natural, quando o ges­
to transmite o esquema da ação ou da coisa. Exemplo : o 
gesto do inspetor de trânsito abrindo passagem. Convencio­
nal, quando o gesto não tem nada que ver com o objeto a 
INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA 135 
ser transmitido, mas é compreendido por uma convenção 
prévia. Exemplo : o alfabeto dos surdos-mudos. 
b) Co1nunieação verbal é a que se faz por palavras. 
'rambém ela pode ser : natural, quando procura imitar, mais 
ou menos fielmente, o elemento auditivo próprio ao objeto 
a ser transmitido. � o caso da �nomatopéia, utilizada espe­
cialmente por poetas, para dar uma impressão sonora da 
idéia : "Ringe e range rouquenha a rígida moenda, e ringin­
do e rangendo, a cana a triturar . . . ". (DA COSTA E SILVA ) . 
Convencional, quando a transmissão depende de um códi� 
go comum aos membros de um grupo, que é a língua ou 
idioma. 
e) Comunicação escrita é a que se faz por sinais vi­
suais escritos. A linguagem escrita evoluiu através de três 
estágios : 
o estágio pictográfico, no qual se procurava desenhar 
o objeto ; 
o estágio ideográfico, no qual cada símbolo corresponde 
a uma idéia, como é o caso da grafia chinesa ; 
o estágio fonético, no qual cada símbolo corresponde a 
um som, como é o caso do nosso alfabeto. Interessante é ob­
servar que os algarismos romanos fixaram a passagem en­
tre o estágio pictográfico e o ideográfico ; os primeiros I, 
II, III, pintam o gesto correspondente da mão indicando um, 
dois, três . . . Os algarismos superiores já representam idéias, 
como o· L adotado para signific�r 50. 
A comunicação pode atingir um grau mais elevado ou 
Ttlais intenso, no qual se transforma num processo persua­
�ivo ou sugestivo. conforme se endereça mais à razão, per­
:-;uasão, ou à afetividade, sugestão. 
A persuasão é, pois, um processo comunicativo que im­
plica uma forma qualquer de imposiçã.o de quem comunica 
1 :�6 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
ao outro e uma atitude de receptividade ou de relativa pas­
sividade do outro destinada eventualmente a se transformar 
em nova atitude ou comportamento. 
A eficácia da ação persuasiva ou sugestiva depende de 
muitos fatôres : uns subjetivos, relativos à pessoa a ser per­
suadida, outros objetivos. Entre os primeiros, enumeramos : 
a disposição inata do sujeito, uns são mais sugestionáveis 
que outros por natureza ; maior ou menor senso crítico, es­
tados passageiros mais ou menos propícios à sugestão, como 
estados hipnóticos ou atitudes anteriormente assumidas. En­
tre os fatôres objetivos, alguns são ligados à pessoa que • 
persuade ou sugestiona ; umas são mais persuasivas que ou-
tras ; outros são ligados às circunstâncias em que é exer­
cida a ação persuasiva ou sugestiva : duração, regularidade, 
encenação, interêsse do objeto para a pessoa que é suges­
tionada. 
Parece que se vem descobrindo novas possibilidades de 
ação sugestiva através da técnica de influência subliminar. 
Consiste ela na transmiss·ão de mensagens sugestivas em 
uma freqüência de onda capaz de impressionar o órgão re­
ceptor, no caso os olhos, mas sem oferecer a êste órgão a 
possibilidade de captar-lhe a imagem visual. 
As experiências de ação subliminar não parecem ainda 
convincentes, mas é certo que, verificada a sua eficácia, tor­
nar-se-ia um instrumento de tremendo poder sugestivo, tan­
to mais grave quanto sua fôrça escaparia ao contrôle da li­
berdade individual e poderia atingir a tôda uma população 
simultâneamente. Assim, por exemplo, a transmissão de uma 
mensagem subliminar durante um programa de televisão 
surpreenderia a todo o público telespectador submetido pas� 
siva e inconscientemente à sua influência. A análise siste­
mática dêstes fatôres de sugestão e sua utilização prática 
constituem o objeto da ciência e da técnica modernas da pro­
paganda. 
INTRODUÇÃO À SOCIO�lA 
:.' . 
B) Condutas de imitação. 
1) Noção e tipos formais. 
137 
Para que haja conduta imitativa;, é necessário que o 
ato do imitante seja, não só idêntico ó\} s�melhante ao ato 
do modêlo, mas de certo modo provocado �ôr· êle. Sem esta · 
relação de causalidade, haveria simples cah�i�ência, não.--/ 
ainda imitação. 
O ato do modêlo pode desempenhar apenas a função 
de instigador ou também de construtor do ato do imitante. 
No primeiro caso, o imitante já era capaz por si mes­
mo de exercer o ato provocado,. seja porque se tratasse de 
um ato natural, seja porque se tratasse de um comporta­
mento adquirido. A presença do modêlo apenas estimulou o 
imitante a fazer o ato, ou, melhor, a repeti-lo. Se, por exem­
plo, bocejamos diante de outros, êles também começarão a 
bocejar. Nosso ato não ensinou a bocejar, porque se trata 
de um ato natural ; apenas estimulou a isto. Se tiramos um 
cigarro· e o acendemos diante de outros, êstes imitarão nosso 
gesto. Nosso ato não nos ensinou a fumar ; êstes repetiram 
um ato que lhes era já habitual, como comportamento ad­
quirido. 
No segundo caso, o ato do modêlo ensina o imitante a 
fazer o gesto e estimula a executá-lo. É o caso, por exen1-
plo, da aprendizagem de uma arte ou de um idioma. 
2) FunÇão social da imitação. 
A imitação tem uma enorme função na vida social GA­
BRIEL TARDE, sociólogo francês, 6 via na imitação a conduta 
6 GABRIEL TARDE ( 1 834-·1904), crimjnologista e sociólogo fran­
cês. Seus primeiros trabalhos são La Criminalité Compa.rée, La Phi­
losophie Pénale e Etudes Pénales et Sociales. Nessas obras critica OS· 
clássicos italianos e defende a tese de que as coisas do crime são pre­
dominantemente sociais. A contribuição sociológica de TARDE se mani­
festa em relação a fatos vitais que não podem ser reduzidos a siste­
mas rígidos. Seu desenvolvimento intelectual foi primeiramente orien-
· ..... 
" 1 
1 :tH FERNANDO BAS'IDS DE Á-�·ILA, -8. J . 
r11 1 1damcntal. Tudo na vida social, segundo êle, se explica 
1 wla imitação. Tôda a vida social não seria mais que a re­
pctic;ão consciente ou automática dos modelos que são emi·· 
Li<los pelos componentes do grupo. 7 
Sem dar à imitação esta importância exclusiva, tese 
que, aliás, o próprio TARDE, ulteriormente, repitdiou, admi­
tindo tambéma importância da invenção, não há dúvida 
que o sentido social da imitação é imenso� 
A imitação é um fator de homogeneidade e, por conse­
guinte, de estabilidade e de permanênc�a do grupo. A educa­
ção, pela qual as novas gerações assimilam o patrimônio 
cultural das gerações anteriores, se faz, em grande parte, à 
base da imitação. Por urp. processo de mimetismo social, di­
fundem-se no grupo os costumes, a moda, os preconceitos . . . 
A imitação é, também, um fator de progresso. Por ela 
se propagam as idéias, os comportamentos e os processm. 
sociais, de indivíduo a indivíduo, e de grupo, e é da com­
binação dêstes elementos com os já possuídos pelo grupo 
que resultam novos fatôres de progresso. 
tado pelos seus estudos sôbre HEGEL, mas foi CouRNOT quem o iria mais 
decididamente influenciar. TARDE se opôs a DURKHEIM, a quem con­
siderava por demais doutrinário, enquanto que êste o considerava 
mais subjetivo . DURKHEIM desenvolveu a Sociologia de acôrdo com as 
linhas traçadas por CoMTE, enquanto que T ARDEJ devotou sua atenção 
à Psicologia Social : La Logique Social e e Les Lois Sociales referem­
se às crenças e des�jos dos homens. Escreveu ainda Les Transforma· 
tio1ts du Droit, Les Transf ormations du Pouvoir e La Psyohologie 
Economi,que, onde tenta suplantar os sistemas abstratos de Econo­
mia Política com o estudo dos fatos concretos . Para êle, algumas 
pessoas que não constituem necessáriamente a maior.ia, são invento­
ras, enquanto que as outras se limitam a repetir o que essas fazem ; 
foi observando estas atitudes que TARDE escreveu seu mais conheci­
do livro Les LoU3 de l'lmitation. Em seguida, escreveu, em 1897, 
Oppos·ition Universelle e1 em 19-04, foi publicado Fragment d'Histoire 
Future, onde vislumbra uma sociedade ideal completamente emanci­
pada e baseada no amor desinteressado. As suas idéias utópicas neste 
livro, escrito na sua juventude e publicado após a morte do autor. 
7 Consultar, principalmente, Les Lois de l'lmitation, Paris, Al-
1�nn, 1 8'90, cap . I : "La répétition Universelle". 
>:! 
., 
'· 
. ' 
�. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 139 
3) Leis da ·imitação. 
a) Nossas condutas imitativas são lógicas, quand<:> 
conscientemente copiamos um modêlo, em vista de um fim 
deliberadamente adotado, ou alógicas, no caso em que nos­
sas ações sejam um reflexo automático do ato do modêlo. 
A maior parte de nossos comportamentos são, na realidade, 
alógicos. Continuamente reproduzimos idéias, gestos ou ati­
tudes simplesmente provocados pelos modelos. sociais, sem 
passá-los pelo contrôle de uma deliberação racional. �ste ele­
mento imitativo alógico pode assumir tais proporções na 
vida de uma pessoa, a ponto de reduzi-la a uma sucessão de 
poses inspiradas pelos modelos preferidos. Urna vida pode 
perder assim tôda a sua autenti�idade. ÉRICO VERÍSSIMO 
fixou admiràvelmente êste tipo social numa das personagens 
de um de seus romances : a môça fútil, cuja vida é um mo­
saico de atitudes imitadas das grandes estrêlas cinemato­
gráficas. 
b) A imitação se faz do interior para o exterior. Pri­
mefro, aceitam-se as idéias, depois os gestos e comporta­
mentos que a elas correspondem. Assim, por exemplo, na di­
fusão de um movimento religioso, primeiro aceitam-se as 
crenças, depois adotam-se os ritos. A seguir, numa fase ul­
terior, pode-se perder a crença, enquanto, por algum tem· 
po, ainda se continuam a praticar os ritos, como simples 
gestos sociais vazios de seu conteúdo religioso. 
e) A imitação, enfim, se faz de cima para baixo, neste 
sentido que os modelos descem dos níveis sociais superiores 
para os chamados níveis inferiores. As classes econômica­
mente fracas imitam os comportamentos e atitudes da bur­
guesia e a burguesia os das classes. Trata-se de uma lei 
geralmente até agora observada, que não exclui exceções, 
como as ditadas por um certo pedantismo muitas vêzes de­
magógico, que leva pessoas das classes ditas superiores a as­
sumir atitudes, por exemplo, do proletariado. 
\ 
F'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
po:-ii�ão nlental e nervosa, organizada pela experiência, que 
t· xc.n-cc uma influência diretiva e dinâmica sôbre o compor­
tamento do indivíduo, com relação a todos os objetos e a 
ti>das as situações· com as quais êle entra em contato". s 
Tôdas as definições têm um denominador comum constante 
de dois elementos : 
1) um elemento estrutural que releva do tempera• 
mento, da idiossincrasia do indivíduo ; 
2) uma referência a um objeto mais ou menos deter­
minado, no sentido mais a1nplo do têrmo obj eto, incluindo 
pessoas, situações, fatos ou coisas. 
Que uma atitude importe numa referência a um obje­
to, compreende-se fàcilmente. De fato, não se assume ati­
tude diante do nada. Assume-se atitude diante de algo. Uma 
atitude é impensável sem uma referência a alguma coisa. 
Que tôda atitude dependa também de um elemento estrutu­
ral se depreende do fato que, ante um mesmo objeto, dois 
indivíduos assumem ou podem assumir atitudes diversas. 
Por outras palavras : a atitude implica na existência de 
uma unidade temática ativa que comanda a variedade dos 
comportamentos do indivíduo com relação a um objeto. Esta 
variedade de comportamentos, por vêzes até mesmo aparen­
temente contraditórios, só se deixa compreender quando re­
vela a unidade interior, a atitude, que a inspira. 9 Tal juízo 
sôbre um homem de côr, tal modo de tratar a cozinheira 
preta, só se entendem plenamente quando se descobriu a 
atitude fundamental do indivíduo a respeito do negro. 
Uma atitude difere de uma simples tendência. A ten­
dência é um dinamismo inato. A atitude comporta um ele­
mento cognocitivo, tem um conteúdo conceitua! relativo ao 
8 Cf . G . W. ALLPORT, Handbook of SoC'ial Psych<Jlogy, verbête: 
"Attitudc'', Clark University Press, 1935. 
o Ver, a respeito, F. A . ISAMBERT, "La psychologu Bociale et 
r.ertaines de ses applications à la Socwlogie Religieuse", in Vocation 
1fo la Sociologie Religieu8e et Sociologie <ks Vocations, Paris, Caster� 
mann, 1958, págs . 47 e seguintes. 
· 
INTRODUÇÃO A SOCIOLOGIA 143 
objeto, e um elemento adquirido, que supõe uma aprendi­
zagem social ou é imposta pelo meio. 
Tôda atitude é um comportamento social, porque sem­
pre assumido em resposta a uma situação social. Faltando 
êste contexto social, pode-se adotar uma pose, mas não uma 
atitude. 
B) A opinião. 
A propósito das atitudes, um dos capítulos que mais 
interessam, do ponto-de-vista sociológico, é o da opinião. 
1 ) Noção : 
Opinião é a formulação de um juízo sôbre um deter­
minado objeto. Não é propriamente a formulação de uma 
atitude, que, como vimos, é uma realidade complexa que se 
revela ou se esconde, através de múltiplos comportamentos, 
um dos quais, a opinião. A opinião pode revelar parcial e 
inadequadamente uma atitude. 
A opinião pode ser privada ou pública. 
A opinião privada é um estado mental no qual o indi­
víduo adota um ponto-de-vista sem conseguir, entretanto, 
excluir a possibilidade de que o ponto-de-vista oposto seja 
verdadeiro. Neste senjjdo, é um estado mental entre a dú­
vida e a certeza. 
A <Ypinião pública é já um fenômeno social, no sentido 
macro-sociológico do têrmo, pelo quaJ a maioria dos mem­
bros de um grupo adota, como certo, determinado ponto-de­
vista. 
Ter uma opiniãô é um fato individual psicológico; mas 
o fato de muitos indivíduos pensarem do mesmo modo é já 
um fenômeno social, porque é um fato coletivo, condicionado 
pelos adjuntos sociológicos e capaz de exercer pressão sô­
bre as consciências individuais. A opinião pública é uma 
fôrça e pode-se dizer que uma das grandes invenções do sé­
culo XX foi a descoberta da técnica de formá-la e orientá-la, 
a propaganda. Fôrça utilizada para fins ideológicos, poli-
l - 1 0 FERNANDO BASTOS p-,;; �VII. i\ , S . J. 
C ) Condutas de colaboraçã-0. 
1) Noção e tipos formais. 
Existe colaboração quando vários indivíduos participam 
de uma mesma ação, cujo resultado interessa a todos e não 
poderia ser obtido pelos esforços isoladosde cada um. Pode 
comportar segmentos diferentes, confiados aos diversos co­
'aboradores, isto é, não exige necessàriamente simultanei­
dade de atuação. 
Pode .ser instintiva ou intencional. 
No primeiro caso, o resultado é bbtido sem plena cons­
ciência dos agentes quanto à eficácia dos atos que exercem. 
Tal parece ser o caso da colaboração sexual entre povos pri­
mitivos, que ignoram a origem da procriação. 
No segundo casd, os agentes visam a um fim e organi­
zam os esforços no sentido da realização dêste fim. 
2) Bvolução das condutas de colaboração. 
A colaboração é prefigurada j á no mundo animal pelo 
fenômeno gregário, que é um fenômeno de interação instin­
tiva necessária à subsistência dos grupos. 
No homem, a colaboração começa por um estágio de 
simples observação, pela qual a criança se vai equipando das 
impressões e imagens necessárias à vida em sociedade. Ela 
passa, a seguir, por um estágio de participação paralela, no 
qual a colaboração se reveste de uma forma imitativa. A 
criança reproduz os atos e gestos dos que a cercam e se ha­
bilita pouco a pouco à vida social. 
A colaboração propriamente dita só aparece geralmen­
te na idade de três anos, pela participação ativa da crian­
ça numa ação comum, por exemplo, em jogos e brinquedos. 
A partir desta idade, na qual a colaboração é talvez 
ainda instintiva, vão se manifestar as formas mais evoluí­
das de colaboração através de fenômenos, como os grupos 
organizados ou pequenos clãs, os grupos de amizade e outros. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 141 
É à base da colaboração intencional, enfim, que f un­
ciona todo o mecanismo social pela - divisão do trabalho e a 
hierarquia das funções. 
� 
3) As condutas anticolaboracionistas. 
Podem se definir como a� condutas resultantes de uma 
recusa de participar em uma ação comum como co-agente. 
Sua forma mais simples é o isolamento, que no homem 
pode ir até à demência, sob formas típicas de fobias. 
As condutas de separação ou de segregação que visam 
marcar distinções de uns com respeito a outros. Numa es­
cala macro-sociológica, as condutas de não-colabo:·ação re­
sultantes desta atitude estão à base do fenômeno das classes 
e castas. 
As condutas de competição, provocadas quando se vê no 
outro um obstáculo à consecução de um determjnado obj e­
tivo, reveste formas variadas, como : rivalidade, dúme, in­
veja, na vida sentimental, profissional, e pode adquirir tam­
bém uma dimensão social' nos fe11ômenos de bairrismo e de 
nacionalismo exagerado, chauvinismo. Muitos de nossos mé­
todos pedagógicos exploram a tecla da rivalidade, como fator 
de estímulo para o estudo. O processo mereceria uma revi� 
são dentro dêste contexto de idéias para saber se a insis­
tência em explorar êste registro não habitua a criança a 
ver no outro mais o rival que o colaborador, com todos os 
reflexos sociais que tal hábito pode acarretar. 
As formas mais agudas de anticolaboração são a.s agres­
sões, que podem chegar até às manifestações violentas do 
crime, e, numa escala social, às guerras. 
11) Atitudes. 
A) Noção. 
G . W . ALLPORT encontrou mais de 5_ü definições de 
atitudes e, além destas, propôs a sua : "atitude é uma dis� 
'\ \ 
I•'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
poHit:iio nlental e nervosa, organizada pela experiência, que 
•·x .. �rcc uma influência diretiva e dinâmica sôbre o compor­
tamento do indivíduo, com relação a todos os objetos e a 
tt.das as situações· com as quais êle entra em contato". 8 
Tôdas as definições têm um denominador comum constante 
de dois elementos : 
1 ) um elemento estrutural que releva do tempera• 
mento, da idiossincrasia do indivíduo ; 
2) uma referência a um obj eto mais ou menos deter­
minado, no sentido mais a1nplo do têrmo objeto, incluindo 
pessoas, situações, fatos ou coisas. 
Que uma atitude importe numa referência a um obje­
to, compreende-se fàcilmente. De fato, não se assume ati­
tude diante do nada. Assume-se atitude diante de algo. Uma 
atitude é impensável sem uma referência a alguma coisa. 
Que tôda atitude dependa também de um elemento estrutu­
ral se depreende do fato que, ante um mesmo objeto, dois 
indivíduos assumem ou podem assumir atitudes diversas. 
Por outras palavras : a atitude implica na existência de 
uma unidade temática ativa que comanda a variedade dos 
comportamentos do indivíduo com relação a um objeto. Esta 
variedade de comportamentos, por vêzes até mesmo aparen­
temente contraditórios, só se deixa compreender quando re­
vela a unidade interior, a atitude, que a inspira. D Tal juízo 
sôbre um homem de côr, tal modo de tratar a cozinheira 
preta, só se entendem plenamente quando se descobriu a 
atitude fundamental do indivíduo a respeito do negro. 
Uma atitude difere de uma simples tendência. A ten­
dência é um dinamismo inato. A atitude comporta um ele­
mento cognocitivo, tem um conteúdo conceituai relativo ao 
8 Cf. G . W . ALLPORT, Handbook o/ Social Psychology verbete : 
"A tti tudc", Clark U niversity Prcss, 1935. 
' 
9. Ver, a respeito, F . A . ISAMBERT, "La psychologie sociale et 
�erta·mes de ses a,pplicatwns à la Sociologie Religieuse" in Vocation 
rfo la Sociologie Religieuse et Sociologie des Vocations, Paris, Caster� 
mann, 1958, págs . 47 e seguintes. 
· · 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 43 
objeto, e um elemento adquirido, que supõe uma apren<li­
zagem social ou é imposta pelo meio. 
Tôda atitude é um comportamento social, porque sem­
pre assumido em resposta a uma situação social. Faltando 
êste contexto social, pode-se adotar uma pose, mas não uma 
atitude. 
B) A opinião. 
A propósito das atitudes, um dos capítulos que mais 
interessam, do ponto-de-vista sociológico, é o da opinião. 
1) Noção : 
Opinião é a formulação de um juízo sôbre um deter­
minado objeto. Não é propriamente a formulação de uma 
atitude, que, como vimos, é uma realidade complexa que se 
revela ou se esconde, através de múltiplos comportamentos, 
um dos quais, a opinião. A opinião pode revelar parcial e 
inadequadamente uma atitude. 
A opinião pode ser privada ou pública. 
A opinião privada é um estado mental no qual o indi­
viduo adota um ponto-de-vista sem conseguir, entretanto, 
excluir a possibilidade de que o ponto-de-vista oposto seja 
verdadeiro. Neste sen_tido, é um estado mental entre a dú­
vida e a certeza. 
A opiniã-0 pública é já um fenômeno social, no sentido 
macro-sociológico do têrmo, pelo quaJ a maioria doa mem­
bros de um grupo adota, como certo, determinado ponto-de­
vista. 
Ter uma opinião é um fato individual psicológico ; mas 
o fato de muitos indivíduos pensarem do mesmo modo é j á 
um fenômeno social, porque é um fato coletivo, condicionado 
pelos adjuntos sociológicos e capaz de exercer pressão sô­
bre as consciências individuais. A opinião pública é uma 
fôrça e pode-se dizer que uma das grandes invenções do sé­
culo XX foi a descoberta da técnica de formá-la e orientá-la, 
a propaga,nda. Fôrça utilizada para fins ideológicos, polí-
1 1 • 1''ERNANDO RAST� l)E ÁVlLA, �. J. 
Li<:os e comerciais, que se alimP.nta hoj� com yerbas :::..ztro .. 
nômicas. 
2) Ex']Yf'essão gráfica : 
A existência de uma opinião no público se revela por 
uma expressão gráfica específica. Tomemos um exemplo. 
Suponhamos fazer uma sondagem de opinião sôbre a Igre­
j a e mais propriamente sôbre a competência da Igreja. Po­
deríamos distribuir as diversas opiniões possíveis pelas se­
guintes classes, a partir da origem O (zero) : 
a Igreja não tem nada que ver com minha vida ; 
a Igreja tem competência em matérias de sacristia ; 
a Igreja tem competência para ditar verdades de fé, 
mas não para ditar normas de conduta ; 
a Igreja tem competência também para ditar normas 
de conduta, mas exclusivamente no que diz respeito à mi­
nha vida pública ; 
a Igreja tem competência para ditar verdades de fé, 
mas minha vida intima. 
EXISTtJNCIA DE OPINIÃO P'CBLICA 
(hostil à Igreja) 
distribuição em talho J, invertido 
y 
-. X 
EXISTtNCIA DE OPINIÃO Pl1BLICA 
(favorável à Igreja) 
distribuiçãoem talho J 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 
INEXIST�NCIA DE OPINIÃO P-OBLICA 
distribuiçã-0 normal 
V 
145 
Representemos as freqüências das respostas no eixo 
vertical (y) , e as classes no eixo horizontal (x) . (pág. 127) 
Se existe no ambiente uma opinião pública, obteremos 
uma di.r�tribuição chamada em talho J, invertido, no caso em 
que o ambiente seja hostil à Igrej a ; e uma distribuição em 
a,tlo-J, no caso em que o ambiente seja fortemente católico. 
Na hipótese em que não exista uma opinião pública forma­
da, obteremos uma distribuição chamada no·rmal, isto é, as 
freqüências se distribuem em tôrno de uma classe medial. 
§ 2) A PERSPECTIVA HORIZONTAL 
Depois de sugeridos os niveis em profundidade da rea­
lidade social e examinados mais detidamente dois dêstes 
níveis, chega-se a uma idéia menos imprecisa da espessura, 
da densidade desta realidade. Situamo-nos, agora, numa 
perspectiva horizontal, possibilitando discernir os f enôme· 
nos sociais que têm subjacentes os níveis acima estudados. 
�8tes fenômenos são, numa escala micro-sociológica, as for­
·ma.� de sociabilidade, e, numa escala macro-sociológica, os 
yrupos � as sociedades globais. 10 
rn Tôda a conceituação que segue foi elaborada por G. Gu&­
VITCH, a cuja principal obra remetemos o leitor : La Vocat·ion Actuel-
1� de la Sociologie, Paris, P . U . F ., 2.ª ed., 1959. 
.1 46 FERNANDO BASTOs DE ÁVILA, S. J . 
As formas de sociaoilidade são as múltiplas maneiras 
de se estar ligado ao todo ou no todo. Por sua própria na­
tureza, são fenômenos sociais totais, isto é, possuem todos 
os níveis em profundidade da realidade social. São fenôme­
nos inestruturáveis, ao contrário dos fenômenos de grupo 
e de sociedades globais, pois não dispõem de um mecanismo 
de equilíbrio entre êsses diversos níveis. Apresentam-se, po­
rém, sob certas configurações definidas, das quais é pos­
sível uma descrição tipológica, tendo sempre em vista que 
os tipos descritos se entrecruzam e compenetram num ema­
ranhado que é a própria realidade micro-sociológica. 
Na tipologia das formas de sociabilidade, referir-nos­
emos apenas às que constituem um
' 
instrumento de análise 
de mais fácil aplicação. 
Entre as diversas formas pelas quais nos associamos a 
um todo, a primeira seria, por exemplo, a constituição de 
NóS (1.ª pessoa do plural) . Um NóS, não é ainda um 
grupo, isto é, não é uma unidade coletiva diretamente ob­
servável, com atitudes homogêneas, com uma função pre­
cisa, e uma determinada coesão interna. Uma universidade, 
por exemplo, é um grupo, mas dentro de um grupo, f Or· 
mam-se diversos NóS : o NóS, alunos, o NóS, professôre�. 
Que constitui propriamente um NóS? Uma fusão parcial 
dos membros, unidos. numa intenção coletiva, nem sempre 
consciente, pela qual constituem uma realidade, o N óS. Tra· 
ta-se de uma fusão parcial, porque nunca chega ao ponto 
de anular as individualidades que dêle participam. Pressu .. 
põe uma semelhança entre seus membros, sem, todavia, eli­
minar as variantes individuais. Duas fôrças entram, pois, 
na composição de N óS : uma atração espontânea entre os 
membros ; uma pressão do NôS sôbre os membros. 
Conforme se equilibram estas, teremos diversas formas 
de sociedade por fusáQ parcial. Quando a intenção cole­
tiva se atualiza com maior intensidade, tomando o NôS 
como objeto mesmo de sua apreensão, há uma consciência 
mais viva da participação no NóS. É o caso da COMU-
l 
l 
1 
l 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 147 
.N .HiÃ.0, onde a ·atração c�ntrípeta exercida pelo próprio 
N úS, do qual participam os membros, é tão forte que não 
deixa perceber nenhuma pressão exterior .. As épocas de re­
volução, de perseguições, são propícias à formação de co­
munhões. O número de membros participantes de uma co­
munhão é, em geral, pequeno, pois a atração do NóS está 
em proporção inversa à sua extensão ; é difícil manter sem­
pre o mesmo grau de intensidade quando o número parti­
cipante é grande, e portanto maior o número de individuali­
dades, de dissemelhanças. 
Quando a participação do NóS é realizada por mem­
bi·os, que, embora conscientes da fusão de que participam, 
dirigem-se também para atividades exteriores, teremos as 
COMUNIDADES. �sse grau de intensidade é o mais fàcil­
mente e�tável, e isto porque a fôrça de atração interior 
equilibra a pressão exterior. Esta pressão pode ser o inte­
rêAse pela atividade da comunidade. Sirva de Pxemplo uma 
eomunidade de ladrões que sofre a atração da fusão, ma� 
que também é pressionada pelo eKterior. Naturalmente as 
comunidades permitem maior número de membros - a pres­
são .é maior do que nas comunhões, - e possibilitam niais 
fàcilmente organizações nas suas superestruturas. 
Fi n{l.lmente, quando a intuição coletiva de participação 
ao NóS é tão pouco atualizada que seus men1bros se sen­
tem mais pressionados do que atraídos para a fusão da 
qual participam, temos as MASSAS. 
O tipo de MA.SSA é peculiar às épocas caln1as, quan­
do não há intensificação de participação ao NóS. Permite 
u n1 grande número de membros, justamente porque sua 
atração é pequena, fazendo-se sentir mais fortemente as 
< J i �;.,emelhr�nças de cada membro. 
Entretanto, não é a fusão parcial a única forma pela 
qual nos relacionamos com outros. Em muitos casos, intuí­
mos não só a participaç.ão em um N óS, mas também a opo­
sição entre eu e não-eu. Trata-se aqui, ta.mbém, de uma in­
tuição nem sempre consciente. Podem-se distinguir três 
.1 46 FERNANDO BASTÓs DE ÁVILA, S. J . 
As formas de socianilidade são as múltiplas maneiras 
de se estar ligado ao todo ou no todo. Por sua própria na­
tureza, são fenômenos sociais totais, isto é, possuem todos 
os níveis em profundidade da realidade social. São fenôme­
nos inestruturáveis, ao contrário dos fenômenos de grupo 
e de sociedades globais, pois não dispõem de um mecanismo 
de equilíbrio entre êsses diversos níveis. Apresentam-se, po­
rém, sob certas configurações definidas, das quais é pos­
sível uma descrição tipológica, tendo sempre em vista que 
os tipos descritos se entrecruzam e compenetram num ema­
ranhado que é a própria realidade micro-sociológica. 
Na tipologia das formas de sociabilidade, referir-nos­
emos apenas às que constituem um
· 
instrumento de análise 
de mais fácil aplicação. 
Entre as diversas formas pelas quais nos associamos a 
um todo, a primeira seria, por exemplo, a constituição de 
NóS (1.ª pessoa do plural). Um NóS, não é ainda um 
grupo, isto é, não é uma unidade coletiva diretamente ob­
servável, com atitudes homogêneas, com uma função pre­
cisa, e uma determinada coesão interna. Uma universidade, 
por exemplo, é um grupo, mas dentro de um grupo, for­
mam-se diversos NóS : o NóS, alunos·, o NóS, professôre�. 
Que constitui propriamente um NóS? Uma fusão parcial 
dos membros, unidos numa intenção coletiva, nem sempre 
consciente, pela qual constituem uma realidade, o NóS. Tra­
ta-se de uma fusão parcial, porque nunca chega ao ponto 
de anular as individualidades que dêle participam. Pressu .. 
põe uma semelhança entre seus membros, sem, todavia, eli­
minar as variantes individuais. Duas fôrças entram, pois, 
na composição de N óS : uma atração espontânea entre os 
membros ; uma pressão do NóS sôbre os membros. 
Conforme se equilibram estas, teremos diversas formas 
de sociedade por fusão parcial. Quando a intenção cole­
tiva se atualiza com maior intensidade, tomando o NóS 
como objeto mesmo de sua apreensão, há uma consciência: 
mais viva da participação no NóS. É o caso da COMU-
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 149 
que transcende qualquer classificação. Teríamos, assim, for­
mas de sociabilidade por fusão ou oposição parcial ativas 
ou passivas, uni, multi ou supraf uncionais, o que já nos con­
duz a uma tipologia suficientemente complexa e nos fornece 
instrumentos de análise capazes de deslindar um pouco a 
inextricável contextura do mundo micro-sociológico. 
AP�NDICE 
A SOCIOMETRIA 
A sociometria pode ser entendida 'como um método de 
análise e interpretaçãodo plano micro-sociológico. 
J . L . MORENO, criador da. sociometria e sua escola, em­
preendeu uma vasta obra de análise das infra-estruturas 
sociais, munido de métodos e instrumental novos. 
Não é nosso intento dar uma visão completa. de tudo que 
se realiza em 8ociometria, mas apenas destacar alguns te­
mas de maior utilidade, e mais cabíveis numa introdução à 
sociologia. 
A intuição germinal do fundador da escola foi a se­
guinte : as relações de atração e repulsão, que se estabele­
cem no seio de um grupo, não obedecem a uma compartimen­
tação oficial, previsível, Seguem linhas inesperadas que 
transcendem as fronteiras de classes, de idades, de condi·· 
ções sociais, e se constituem em sistemas mais ou menos 
está veis. Assim, por exemplo, observou que as relações de 
simpatia entre as crianças de um grupo não se fazian1 neces­
sàriamente entre as do mesmo nível social, ou da mesma 
idade, mas seguiam direções inesperadas e se estruturavam 
segundo esquemas típicos. Cedo, MORENO convenceu-se de que 
estas relações e êstes sistemas de relações dentro dos gru­
pos são os decisivos para compreensão do seu comportamen­
to. O plano macro-sociológico só pode ser compreendido em 
função do plano micro-sociológico. 
• 
i . 1 . ' • 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 151 
A partir destas observações, como hipótese de traba­
.lho, MORENO decidiu-se a proceder uma verificação cientí­
fica das mesmas, e em 1932 começou as suas investigações .. 
Os testes sociométricos. 
M-ORENO partia da idéia de que existe uma lei de gra­
vitação social pela qual os indivíduos estão sujeitos a fôrças 
de atração e repulsão que os unem em sistemas chamados 
áto1nos sociais, unidade de análise. A energia gravitacional 
dêste microcosmos social é o tele, unidade de medida, a mais 
simples unidade de sentimento transmissível de um indiví­
duo a outro. Para descobrir a estrutura dos átomos sociais 
que se formam no interior dos grupos, l\iORENO ideou uma 
série de testes sociométricos que aplicou em meio,:; estudan­
tis ; interrogava os membros do grupo com relação a seus 
camaradas ; com que companheiros prefer�am j ogar. passear, 
morar, notando as reações de atração, repulsá.o ou indife­
rença. Convidava a escrever postais de sau<lnGões aos outros 
membros do grupo, e a escrever um �6 postal que seria 
naturalmente endereçado ao melhor amigo. 11 
Configurações sociométricas. 
Utilizando êsses processos, MORENO verificou que exis­
tem inúmeras configurações associativas ou relações socio­
métricas, mas que tôdas podem reduzir-se a alguns esque­
mas típicos simples e fàcilmente complicáveis por um mero 
processo de combinação. 
1 - Correntes associativas ou Associações lineares : os 
indivíduos se transn1item um a outro, sem reciprocidade, 
suas simpatias. A gosta de B, B gosta de C, e assim por 
diante. 
11 G . GURVITCH propõe testes complementares para a utiliza­
ção da Sociometria na análise das formas de sociabilidade. Ver ob. 
cit . , vol. I, 2.ª ed., págs , 273 e segs . 
. . · ···-.. -·� .... " ..... ....... , . . ..... ··----·-�------·--
Jo'ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
2 - A ssociações nodulares : as correntes sentimentais 
eonHtituem um circuito fechado, com ou selJl reciprocidade. 
A� associações nodulares podem adquirir as expressões grá­
fil�as mais variadas, desde os circuitos simples sem recipro­
cidade de A a B, de B a C e de C a A, até as formas poligo­
nais mais· complexas, reversiveis ou não. 
3 - Associaç9es de polarização de primeiro grau : as 
preferências se concentram sôbre um ou alguns indivíduos, 
que são os tipos populares. O mesmo se passa com as re­
pulsões, que definem os tipos isolados que têm preferências, 
mas não são objeto de simpatias. 
4 - Associações de polarização de segundo grau � apa­
recem indivíduos que são os preferidos dos preferidos. São 
os tipos de líderes, que, dominando os tipos populares, exer­
cem um contrôle oculto, mas decisivo sôbre o grupo. 
A combinação destas formas simples permite a confi­
guração de um socwgram,a, que é a representação gráfica 
da estrutura sociométrica de um átomo social. A utilização 
de convenções gráficas enriquece o valor expressivo de um 
sociograma, por exemplo, dar às linhas que unem os mem­
bros do grupo uma significação vetorial, indicando pelo com­
primento a intensidade da relação ; utilizar linha� azuis para 
significar as relações de simpatia e vermelhas para as re­
lações de repulsão. 12 
Contribuição da socwmetria. 
1 - MORENO revelou de modo sensivel a realidade de 
uma gravitação social no interior do grupo e a existência 
de átomos sociais, como sistemas relativamente estáveis de 
afinidades entre os membros do grupo. 
12 Ver J'. L. MORENO, Fondements de la. Sociometrie, Paris. 
P . U . F., 1954. Um bom resumo encontra-se em P. MAUCORPS. 
"Plr'Jlckologie des mouvements socia�", Paris, P . U. F . Co_luction 
qu1 saiB-je vol. 425. A revista Sociometry pode manter o leitor em 
dia com o 
'
progresso desta nova dimensão das Ciências Sociais. 
. . 
� 
í 
' ' 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 153 
· 2 - Mostrou como os processos dinâmicos, no interior 
do grupo, se desenvolvem segundo as linhas sociométricaR, 
p·or exemplo, a difusão de um boato, de um movimento de 
resistência ou de rebelião. São êstes processos dinâmicos <1ue 
decidem do comportamento macro-sociológico do grupo. 
3 - Criando os sociogramas, ofereceu um instrumento 
de orientação para uma ação sôbre o grupo, seja êle um co .. 
légio, uma organização sindical ou o operariado de uma fá­
brica. Qualquer ação destinada a levar o grupo a assumir 
uma atitude ou empreender uma tarefa deve orientar-se. 
antes de mais nada, para a conquista dos líderes, sob pena 
de se ver frustrada. 
--
LEITURAS COMPLEMENTARES 
l - PJERSUN, DONALD, Teoria e pesquisa em Soc,iologia, São Pab.­
lo, Edições Melhoramentos, 1955 . Especialmente a parte II. 
2 - KRECH, DAVID e CRUTCH.f"IELD, R. S., Theory and problems o/ 
Social Psycholo011, New York, Me. Graw-Hill Book Co., 1948, 
capítulos V e VI . 
8 - MORENO, JACOB L., Soc-iometry 'li psfoodrama, Buenos Aires, 
Editorial Deucalión, 1954. · 
4 - PARK, ROBERT EZRA e BURGESS, ERNEST w;, "Four greal f;ypes 
of social process", in Readings in Sociology, New York, Barnes 
and Noble, 1951, págs. 267 e segs. 
5 - HAESEART, JEAN, Sociol<>gie générale, Bruxelas-Paris; Editions 
Érasme, 19·56. Especialmente o livro III, cap. 1 : "La Zangue; 
l' icriture,,. 
6 - BoGARDus, E MORY S., Sociology, New York, MacMillan Co., 3.ª 
ed., 1953. Especialmente o cap. 1 5 : "Group processes". 
7 - N<>RTHWAY, MARY L . e WELD, LINDSAY, Sociometric testing ; a 
uuide for teachers, Toronto, University of Toronto Press, 1957. 
8 - SUTHERLAND, ROBERT L . e WOODWARD, JULIAN L . , Introductory 
Sociology, New York, J . B . Lippincott Co., 2.ª ed., 1937. Es­
pecialmente a parte V: "Social inte-raction". 
"' 
9 - GILLIN, JOHN LEWIS e GILLIN, JOHN PHILLIP, An introduction 
to Soc-iol.ogy, New York, l\facMillan, 1942. Especialmente a 
parte VI : "Social Process". 
10 - Gunv1Tcu, G1-XmGES, LaR forma., de la sor.iabilidad, Buenos Aires, 
Editorial Losada, 1941. 
11 - MORENO, J. L . , "Contrib utions of soc-iometry to researeh me­
tkodology in. SoC'iol,ogy'', in A m.erican Sociological Review, YO­
lume 12, n.0 3, junho de 1947, págs. 287-292. 
12 - LEE, ALFRED Me CLUNG, "Snr,iolog.foal Theor,y in Public opinion 
and Attitude Studies", in Amer·ican Soc-iological Review, vol. 12, 
n.0 S, junho de 1947, págs. 812-322. 
13 - ZAzzo, RENÉ, "Sociométm et psycAf>logie'', in Cahiers Interna­
. tionaux de Sociologie, vol. 7, 1949, págs. 43-61. 
14 - VÁRIOS AUTORES : "Estudio contribucúrnal de las rela,ciones •n­
ciométriccu. Su influencia, en la sugestion ef er6ida por el 
uru'J#o", in Soci.ologia, vol. 20, n.0 1, março de 1958, págs. 18-26. 
/ 
CAPÍTULO VI 
A DIMENSÃO MACRO-SOCIOLóGICA. 
OS GRUPOS FO·RMAIS 
Se procurarmos emergir do intrincado de relações e no­
dulações que constituem a trama microscópica da realidadesocial, poderemos observar conjuntos sociais de maiores di­
mensões, visíveis como um todo, e como tal dotado de um 
comportamento específico : os grupos. Continuando a pro­
curar atingir um ponto-<le-vista mais panorâmico, verifica­
remos que êstes mesmos grupo6 se inserem e1n contexto� -
sociais muito mais a.mplos : as sociedades glulJais. São estas 
as duas grandes categorias com as quais analisamos o fe­
nômeno social na sua dimensão macro-sociológ·fon. 
Ocorre-nos desde logo unia questão pr(.'via : qual a dis­
tinção precisa entre grupos e sociedades globais ? 
·É bom notar que não se trata de uma questão de núme­
ro, de um critério puramente quantitativo - a classe prole­
tária - grupo de um país populoso, pode contar com um 
efetivo maior que o de uma pequena nação (sociedade glo­
bal ) . Adotamos aqui o critério de GURVITCH : o critério da 
soberania social, jurídica e eventualmente também econô­
mwa. 1 Os grupos são conj untos sociais que vivem na de­
pendência de um conjunto mais amplo que lhes delimita a 
competência, no qual encontram suas garantias econômicas, 
1 G. GURVITCH, Tra·ité de Sociowgie, Paris, P. U. F. , 1958, 
pág. 216. 
156 FERNANDO BAS'lOS DE ÁVILA, S. J. 
e que lhes oferece um denominador comum, por exemplo .. 
unidade de língua e tradições históricas. A sociedade glo­
bal é um macrocosmos de macrocosmos, os grupos. Em prin­
cípio, elas gozam de uma condição de soberania interna, com 
relação aos grupos que as constituem, e externa, com relação 
às outras sociedades globais. Assim podemos dizer que hoje 
a família, as classes, são grupos ; as nações são sociedades 
globais. Entretanto, para que nossa conceituação tenha um 
valor intemporal, isto é, para que possa ser aplicada a diver·· 
SOS períodos da evolução histórica, importa tomá-la unica­
mente nos seus elementos formais, sem identificá-la com 
realidades sociais concretas. Com efeito, se recuarmos ao 
passado, vemos que a família patriarcal teve de fato tôdas 
as características de uma sociedade global ; e se nos permi­
tirmos uma antecipação sôbre o futuro, não seria infun­
dado prever que as nações virão a ter tôdas as caracterís­
ticas de grupos de uma única sociedade global, a sociedade 
humana. Por esta razão, damos a essa conceituação um va­
Jor puramente didático, que não nos impedirá de estudar, 
por exemplo, a família nos diversos momentos de sua evo­
lução. 2 
Procederemos neste capítulo a um estudo formal dos 
grupos, tendente à elaboração de uma tipologia ..dos grupos 
sociais e da sua dinâmica. Passaremos, a seguir, a uma apli­
cação desta tipologia ao estudo dos grupos concretos, entre 
os quais, a título de exemplo, examinaremos a família e a 
classe social. 
* * * 
§ 1) NOMINALISMO OU REALISMO SOCIOLóGICO? 
Ao abordar o estudo dos f enômen.os macro-sociológicos, 
importa preliminarmente assumir uma posição ante a velha 
querela entre o nominalismo e o realismo sociológico. 
2 Consultar o Cap. VII. 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 157 
I) O realisrno. 
O realismo considera o fato social cerno dotado de uma 
especificidade própria, isto é, como irredutível aos fenôme­
nos que o constituem e mesmo à soma dêles. 
Dentro da corrente realista podemos distinguir três 
grandes escolas : o sociologismo, o biologismo e o mecani­
�ismo. 
A) O sociologismo. 
As origens do sociologismo encontram-se em A UGUST-O 
COMTE que, como vimos, intuiu a existência de constâncias 
e regularidades nos fenômenos humanos coletivos, regulari­
dades exprimíveis em leis, tão válidas como as leis da Fí­
sica, e cuja síntese seria uma nova ciência : a Física Social. 
Intuiu ainda que o fato social, dotado destas regularidades, 
era um fenômeno irredutível a outros fenômenos. Com isto 
COMTE dotava a nova ciência de um objeto próprio, e in­
troduzia a Sociologia como ciência autônoma, no quadro das 
Ciências Humanas. 
O grande continuador do pensamento e da tendência de 
COMTE foi ÉMILE DURKHEIM. 3 
8 ÉMILE DURKHEIM (1858-1917 ) ' sociólogo e filósofo francês, 
nasceu em Epinal. Cursou a Escola Normal Superior de Paris quando 
FusTEL DE CoUL.A.KGES era diretor. Viajou pela Alemanha, onde es-­
tudou Economia, Psicologia Social e Antropologia Cultural; na Fa­
culdade de Bordeaux dirigiu um curso de Ciências Sociais e Peda­
gogia. Em 1893 apareceu â sua tese De la Divüri.on du Tra:vail Soc-ial, 
e em 1898 iniciou a publicação da Année Sociologique. Foi cm França 
o sucessor de AUGUSTE COMTE no campo da pesquisa cientlfic&. Se­
guindo a tradição de MONTEsQUIF.U, a quem dedicou sua se�unda tese, 
distinguiu os vários tipos de organização social com seus sistemas 
pr6prios. Fêz reflexões sôbre a divisão do trabalho, estudando a fun­
ção moral antes da econômica, distinguindo duas formas principais: 
u'a mecânica e outra orgânica. Considerava o progresso obtido pela 
divisão do trabalho o resultado do aumento crescente das sociedades 
modernas nas quais predominava a industrialização ; acentuou a im­
portância da personalidade, evoluindo para um regime liberal e con­
tratual. DURKHEIM não era partidário do laissez faire, e deíendia a 
divisão do trabalho como resultado favorável da união de indivíduos 
l<'El,NAND-0 BASTOS DE ÃVILA, �. J. 
1 HJ ttKIIEIM levou o sociolog1smo à 8ua ple11a fv1·u1ulaç&v ; 
nno i-16 o �ocial é um fenômeno autônomo, não só não pode 
H<'r explicado por outros fenômenos, sejam êles demográfi­
<·o�, psicológicos, religiosos ou culturais, como é êle que os 
t�x plica a todos. Sirva de exemplo o fenômeno moral. Para 
DURKHEIM, uma norma não é coletiva porque é imperativa, 
mas é imperativa porque é coletiva. Por outras palavras : 
um determinado comportamento é comum a um grupo hu­
mano - fenômeno social - não porque seja imperativo, 
isto é, ditado por uma norma transcendente que se imponha 
à consciência dos indivíduos - fenômeno moral. Muito ao 
contrário : tal comportamento é imperativo porque praticado 
normalmente pelos membros do grúpo. O fato social, cole­
tivo, cria a idéia da obrigação moral que vai, a seguir, pau­
tar o comportamento dos indivíduos. 
A categoria fundamental do sociologismo de DURKHEIM 
é a consciência coletiva, que difere especificamente da cons­
ciência individual e mesmo da sorna das consciências indivi­
duajs do grupo. Prova esta subsistência da consciência co­
letiva, pelos critérios' da exterioridade e da capacidade de 
pressão ou de contrainte exercida por ela sôbre os indiví­
duos. Todo grupo dispõe de um conteúdo comum de idéias 
e valôres, que cada um experimenta como exterior JJ, si e 
como se impondo sob a forma de normas morais, religiosas, 
jurídicas, lógicas ou consuetudinárias. Se é possível fazer a 
experiência desta consciência como algo exterior ao indiví­
duo e dominando o seu comportamento, é forçoso admitir, 
diz DURKHEIM, que existe uma consciência coletiva, indepen­
dentemente das consciências individuais. 
Não há dúvida que o sociologismo de DURKHEIM com­
porta uma idéia fecunda. Foi ela que deu à Sociologia uma 
preocupação decisiva de objetividade e lançou os fundamen-
habili.tados a eRcolher ocupações, de ncôrdo com suas capacidades. A 
teoria de DURKHEIM é a da consciência coletiva, que atua sôbre a 
t·onsciêncin. individual, e explica\ as crenças religiosas, a autoridade dos 
j11 í�os de valor, a tendência. dos �ist!'mas educacionais e a forro.ação 
11:-w �úmcnte da consciência, mas das categorias de razão. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1ú9 
tos de uma ciência dos costumes, Science des Moenr.'i. O êrro 
do sociólogo francês foi supor que esta nova ciência vinha 
excluir definitivamente a Moral, ciência normativa. Seu ê1·ro 
foi nio perceber que também esta se baseia numa observa­
ção imediata do homem. As normas morais não são elabo­
radas num Olimpo distante, onde os deuses resolvem arbi­
tràriamente o que deve ser permitido ou proibido aos mor­
tais. Elas contêm apenas o que é prejudicial ou conducente 
à plena realização do homem como animal racional e social. 
E foram precisamente a observação e a experiência queensinaram ao homem o que é prejudicial ou favorável à sua 
natureza. 
Por outro lado, todo grupo dispõe de um conteúdo de 
idéias comuns, universalmente aceitas. Neste sentido, todo­
grupo tem uma consciência coletiva. Entretanto, DURKHEIM 
deu a esta consciência uma tal consistência, a ponto de fazer 
dela um ser à parte. Por uma curiosa ironia, de�cambou para 
um certo idealismo, êle que f ôra sempre o defenRor do rea­
lismo sociológico. 4 
B) O biologismo 
Por biologismo sociológico entendemos o movimento de 
idéias que utiliza categorias e r.onceitos elaborados pelas 
ciências biológicas, para a interpretação dos fenômenos so­
ciais. 
A tendência biologista ou organicista é muito antiga. 
A idéia de explorar a comparação do corpo biológico para 
explicar fatos sociais foi utilizada por PLATÃO, foi empre .. 
gada por SÃO PAULO para a definição da Igreja como Corpo 
Místico, e, enfim, por muitos pensadores anteriores à socio· 
logia contemporânea, que poderiam assim ser classificados 
como organicistas. is 
4 Cf. TALCOTT PARSONS, The structure o/ social action, Glenco-, 
Illinois, The Free Press, 1949, pág. 468. 
G Consultar a respeito, PITIRIM SORQKIN, Contcmporary Socfo­
logical Theorles, N ew York, Harper & Brothers, 1928, págs. 195 e segs. 
·-·-· ---------· 
160 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
Aludimos porém, aqui, aos biologistas em senso estri­
to, que levaram a analogia biológica a ponto de considerar 
·O grupo social como um organismo no sentido unívoco do 
têrmo, isto é, no mesmo sentido em que o têrmo é aplicado 
ao organismo vegetal ou animal. 
Foi HERBERT SPENCER 6 o primeiro a tentar fazer do 
organicismo a síntese da sua interpretação da sociedade. 
Como o organismo biológico, também os grupos nascem e 
.crescem, segundo a mesma lei geral da evolução, passando 
(\ HERBERT SPENCER (1820-1903) ' :filósofo social inglês . Recebeu 
educação liberal, livre de disciplinas coc.vencionais. Sua independên­
cia de idéias, decon·ente do clima de radicali�mo filosófico em que 
vivia, se opôs a tôdas as formas de autoridade, sendo a felicidade 
individual adquirida pelo exercício livre das faculdades o principal ob­
jetivo da vida. Desde menino interessou-se por História Natural, 
Biologia e ciência mecânica, e dedicou-se na mocidade à Engenharia. 
·sua formação científica é baseada num ponto-de-vista impessoal, que 
preserva sua obra. Dos estudos de Biologia intuiu a idéia da evolu­
ção orgânica : o progresso da vida das formas mais simples às mais 
,complexas, da homogeneidade à heterogeneidade. Entre os mais im­
portantes trabalhos de SPENCER, encontram-se : Social Statics, Prin­
·ciples of Sociology, Tke Man Versus the State. Social Sta.tios é \ 
·descrição dos conceitos de SPENCER sôbre as condições ideais da or­
ganização política considerada em repouso estático, no qual há per­
feito equilíbrio entre o homem, o organismo individual e o contexto 
·.em que vive. SPENCER concebeu a idéia da seleção natural e a sobre­
vivência, cêrca de seis anos antes de DARWJN publicar seu famoso tra­
·balho, mas com a seguinte diferença : SPENCER se firma na adaptação 
deliberada, enquanto que DARWIN nas acidentais. As teorias sociais e 
políticas de SPENCER estão evidentemente sujeitas a críticas . A so­
ciedade nunca poderá alcançar um estado de utopia concebida em têr· 
mos de repouso estático ; enquanto o organismo do indivíduo pode 
.. atingir uma perfeita adaptação ao ambiente. O ideal utópico de SPEN­
'CElR repousa num antagonismo irracional com referência às institui-
ções governamentais: viveu numa época em que o ideal era o comér­
·cio livre, quando o homem encarava a pr.o�peridadc bdustrial resul­
·tado da remoção de restrições comerciais ; SPENCER foi muito além, 
afirmou que a felicidade universal seria atingida automàticamente 
pela redução do contrôle governamental ao mini mo necessário : man-
· ter a ordem e reforçar oi! contratos comerciais. Segundo as pl'emissas 
de SPENCER, o Estado era considerado como Organismo Social, evo­
luindo de uma primitiva simplicidade a uma crescente complexidade 
e diferenciação . Deduzidas as objeÇtÕes feitas a SPENCER, sua obra 
foi rfoa em hipóteses estimulantes ; foi grande sua influência no de­
·senvolvimento da teoria política, salientando-se o valor intrinseco e 
-Original de suas idéias. 
. 
1 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 161 
do homogêneo ao heterogêneo, do mais simples ao mais com­
plexo, estrutural e funcionalmente. Como o organismo bio­
lógico, também o organismo social, de início, consta a penas 
de órgãos muito simples, que se vão diferenciando. Como 
o organismo biológico, também a sociedade possui inicial­
mente funções extremamente simples, que se vão especiali­
zando até chegar à imensa complexidade de funções de uma 
sociedade contemporânea. 
Além destas duas semelhanças, nascer e crescer, segun­
do uma lei comum, o organismo biológico e o social revelam 
ainda uma outra : a interdependência das partes, que cons­
piram tôdas para o bem comum do todo e para seu desen­
volvimento harmônico. O que num é o sistema de sustenta­
ção, no outro são os sistemas de produção e de defesa ; ao 
sistema circulatório, correspondem os órgãos de distribui­
ção de rendas ; ao sistema nervoso corresponde o sistema de 
govêrno. Como o organismo biológico, o organismo social se 
reproduz : os grupos, os povos, dão origem a noYos grupos 
e novos povos. Enfi� segundo a mesma sorte do ciclo bio­
lógico, o organismo social se de�.!Etegra e morre. 
SPENCER, entretanto, não se deixou seduzir a tal ponto 
pela idéia organicista, que não reconhecesse algumas dife­
renças entre organismos físicos e sociais : o primeiro é si­
métrico, o segundo, não ; o primeiro é um agregado contínuo, 
o segundo, descontínuo; no primeiro, enfim, a consciência 
é um fenômeno localizado, no segundo é um fenômeno difuso 
e disperso. O organicismo de SPENCER ainda conserva uma 
certa moderação, desconhecida por LILIENFELD, pensador, 
que daria ao biologismo sociológico a sua formulação mais 
radical. 
O extremismo de ldLIENFELD já vem expresso no título 
mesmo de sua obra principal : Die menschliche Gesellschaft 
a'ls realer Organismus (A 8ociedade humana como organis­
mo real) (1873). A sociedade é não só um organismo, mas 
é mesmo o organismo mais perfeito. 
1''ERNANDO B.'..STOS DE ÁVILA, S. J. 
Os organismos, segff.ldo LILlENFELD, s� JiviJt:m en1 .cu<>­
nocelulares e pluricelulares. �stes últimos se distinguem em 
organismos vegetais, animais e sociais. Como se vê, o têrmo 
organismo aplicado às células, a plantas, a animais, à socie­
dade, tem para LILIENFELD uma significação rigorosamente 
unívoca. É curioso observar como responde às objeções que 
impugnam esta unívocidade. 
1) A sociedade é um agregado descontínuo, enquanto 
o organismo é um agregado contínuo. Para LILIENFELD, a 
objeção não é consistente. É uma simples questão de ponto­
de-vista. Se nos situarmos de um ponto-de-vista micro�có­
pico, uma célula dista proporcion�lmente da outra tanto 
quanto um indivíduo de outro num grande agrupamento hu­
mano. Se, ao contrário, nos situarmos a grande altura, um 
agregado humano oferece a aparência exata de um agrega­
do celular continuo. 
2) Assimetria. Também não constitui problema para 
LILIENFELD. Para êle, o fenômeno da simetria aparece, na 
sociedade, sob a forma da hierarquia, dos níveis de autori­
dade e das posições dos indivíduos com relação aos mesmos. 
3) Objeção relativa à consciência. Responde o sociólo­
go russo : a consciência individual é apenas um mosaico de 
imagens, impressões e recordações do passado. Ora também, 
a consciência coletiva não passa de um mosaico de impres­
sões, de opiniões dos diversos indivíduos que compõem o 
grupo. 
LILIENFELD conclui a sua síntese afirmando que não é 
possível uma Sociologia cientifica, fora do organicismo : 
'�Nemo Sociologus, ni8i Biolo{A11>8". 
Apesar da tese organicista não passar de uma compara­
ção, e de ter apenas o valor de uma analogia cômoda, para 
interpretar certos fatossociais, a verdade foi que ela ha­
veria de inspirar os grandes movimentos totalitários de nossa 
época� Uma idéia tem sempre uma fôrça. As t.eses da Es-
' .. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 163 
cola Organicista, que pareciam meras elocubrações acadê­
micas, haveriam de impressionar os homens de ação posterio­
res à Primeira Guerra Mundial, e haveriam de minis­
trar-lhes a base ideológica para seus grandes· movimentos. 
Se a sociedade é um organismo, um indivíduo não tem em 
si a sua razão de ser. Tôda a sua razão de ser é o grupo hu­
mano, seja êle considerado <'orno a raça, o racismo, seja 
êle considerado como o Estado, o fase ismo. 
O sociólogo OTMAR SPANN 7 daria expressão mais vi­
gorosa a essa tendência organicista, dizendo : O indivíduo 
fora da sociedade não tem sentido algum, da mesma forma 
que a rima não tem sentido destacada do verso. 
C) O mecanismo sociológico 
Entre os sociólogos que tentaram uma interpretação fí­
sica da sociedade, podemos distinguir aquêles que se ins­
piraram mais nas descobertas da mecânica, especialmente na. 
lei de Newton, da Gravitação Universal, e aquêles que se. 
inspiraram mais na dinâmica, esp.!!_f'.ialmente na Lei de Con-. 
servação da Energia. 
7 OTMAR SPANN (1878-1 950 ) . Nasceu perto de Viena. Formou-s�r 
em Economia, Sociologia, Filosofia e Ciência Politiea, na qual se· 
doutorou em Tübingen (1903). Depois de ocupar as cadeiras de E<.'0-· 
nomia e Sociologia em várias universidades, foi chamado a Viena para" 
reger estas mesmas cátedras. Em 1938 foi levado para um camp<1 
de concentt·açl!o nazista, onde permaneceu até 1945. SPANN foi um 
�scritor incansável. Da sua abundante literatura revelamos: Unter;s·u­
chckun,gen ·übcr den Gcsellschaftsbegriff zur Einleitung in die Sozio. 
logie ( Especul.ar;ões sôl>re o conceito de soC'icdade como introdução à. 
SociologiaQ (1904) ; Soziologie (1926) ; Univer1w.lismus (1928.) . Ocupou­
�e dos mais variados problemas: da Sociologia da guerra ; da 
1·cf orma ag1·ária ; das teorias econômicas de seu tempo ; das classes 
sociais. Não os tratou superficialmente, mas com a fôrça renovadora 
de quem era portador de uma sólida formação filosó.fica inspirada 
em PLATÃO, ARISTÓTELES e na tradição escolástica de SANTO TOMÁS 
DE AQmNO. Empolgou-se pela idóia do Universalismo, que elaborou 
num plano metafísico, e aplicou aos campos da Economia e da Socio­
logia. Foi esta sua teoria mal-entendida pelo nacional-socialismo, quo 
lhe valeu a prisão, e pouco depois a morte. 
1 f i - 1 l•'El{N ANOO BASTOS DE ÁVILA, .S. J. 
l1! 1 1trc os primeiros, focalizemos a obra de HENRY CHAR· 
LEs CAUBY. 8 IIoje, quando a descoberta de NEWTON de que 
" o corpo atrai o corpo na razão direta das massas e na in­
versa do quadrado das distâncias" é uma lei conhecida de 
todos e estudada em cursos elementares, não nos podemos 
fazer uma idéia precisa do que representou para a humani­
dade essa grandiosa síntese. A humanidade experimentou a 
sensação de uma verdadeira euforia intelectual. E é, pois, 
perfeitamente compreensível que os sociólogos tenham que­
rido transportar os conceitos da Física para tentar na So­
ciologia uma síntese tão grandiosa como a realizada por 
NEWTON nas Ciências Naturais. 
Entre os que empreenderam esta tentativa, referimo-nos 
en1 especial ao sociólogo americano CARE.Y., cuja obra prin­
cipal é : Principles of Social Science., 3 vols. (1857-1859 ) . 
8 HENRY CHARLES CAREY ( 1793-1879) ; publicista e economista 
americano, foi chefe da Imprensa de Filadélfia, depois, dedicando-se 
aos estudos dé Economia, tornou-se notável antagonh;ta da corrente 
inglêsa de economia política. Seu postulado fundamental foi a uni­
dade das leis da natureza. A sua concepçã-0 de ciência social baseia-se 
no melhoramento das condições pelo desenvolvimento da associação 
humana e da individualidade. A teoria do valor de CAREY é substan� 
cialmcnte uma teoria do custo do trabalho ( labor-cost) . Pela pressão 
do melhoramento dinâmico no poder do homem sôbre a natureza, i>le 
explica a razão da troca advinda de uma reciprocidade de serviços 
eomo expressão de custo de trabalho, Aplicada como lei universal a 
todo valor (excluindo o trabalho) , inclui a terra, fazendo do aluguel 
caso exclusivo de interêsse. CAREY negou as doutrinas maltusianas e 
procurou estabelecer um princípio de remuneração relativa,_ crescen. 
te, ao trabalho comparado com a do capital. Em seu conjunto, o sis­
tema de CAREY foi de harmonia econômica, tendo acusado BASTIAT de 
plágio. Filosõficarnente, representou uma volta a ADAM SMITH, mas 
advoga11do um sistema de proteção de tarifas. As assoeiações intelec­
tuais de CAREY são muito diversas, sendo seu pensamento mais uma 
tendência intelectual do que demonstração de inadequação da econo­
mia de RICARDO às circunstâncias americanas, onde via abundantes 
fontes e perspectivas esperançosas. A filosofia econômica de CAREY 
é essencialmente agrária, embora manifeste no seu sistema um pro­
tecionismo à indústria nascente. A obra de CAREY perfaz 13 volumes 
e grande número de panfletos e artigos. Foi o primeiro economista 
americano que se impôs no estrangeiro, tornando-se centro de con­
trovérsia, chegando mesmo a ter maior influência fora dos Esta.dos 
Unidos. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 165 
CAREY é talvez o representante mais típico do Mecanismo 
Social. Levou-o aos seus extremos com a perfeita deRenvol­
tura de quem ainda se sente seduzido pelos grandes progres­
sos realizados nas ciências físicas. Assim é que êle afirma, 
. e -esta é a idéia central de sua .síntese : "as leis que gover­
nam a matéria, em tôdas as suas formas, sejam as leis do 
carvão, do ferro, das árvores, dos cavalos, dos homens, são 
rigorosamente as· mesmas". A síntese de CAREY se caracte­
riza pelo seu materialismo, que era o mal da época, reduzin­
do as leis que regem o comportamento humano às leis físi­
cas, ao determinismo mecânico, e, a seguir, pelo seu monis­
mo mecanicista. O homem é a molécula da sociedade. O f e­
nômeno social fundamental é o fenômeno da associação, e 
êste se reduz, em última análise, a uma simples variedade 
da grande lei da Gravitação Universal. Os fenômenos da 
centralização ou descentralização política não são mais que 
uma resultante de fôrças centrípetas e centrífugas opo8tas, 
fôrças submetidas às mesmas lew· que regem o mundo n1e-
. cânico. O fenômeno das migraç.ões humanas é perfeitamen­
te explicável pela lei da gravitação. 
Eritre os sociólogos que mais se deixaram seduzir pelo 
progresso da dinâmica, e criaram o que podemos chamar 
o Dinamicismo .Social, devemos referir-nos em especiaI a 
WILHELM ÜSTW ALD. Sua síntese é admiràvelmente bem es­
truturada, de tal maneira que é possível resumi-la a série 
de itens seguintes : 
1 ) Todo fenômeno social se reduz, em última análise, 
a um fenô'Tieno de transformação de energia. 
2 ) Tôdas as criações culturais são apenas fenômenos 
de transformação de energia bruta ( rohe Energie) em ener­
gia útil (Nutz-Energie ) ; quanto maior é o coeficiente de 
transformação de energia bruta em útil, tanto maior é o ní­
vel de progresso de um grupo humano. 
FERNANDO B1'.STOS DF. ÁVILA, S J. 
..Pela expressão, cri:-ições cn lturai8, 0STW ALD ent·��de 
tôdas as manifestações de cultura : máquinas, técnicas de 
construção, instituições Jurídicas, religiosas, políticas. Um 
exemplo permite elucidar sua idéia : uma locomotiva a vapor, 
primitiva, como as do interior do nosso Brasil, consegue 
transformar apenas 10% de energia calorífica do carvão em 
energia mecânica. As grandes locomotivas modernas, a va­
por, têm um coeficiente de utilização superior a 50o/o. Se­
gundo o critério de OSTWALD, um grupo humano, portanto. 
que dispõe de locomotivas do segundo tipo, possui um índice 
revelador de um nível de progresso superior ao do grupo 
humano que utiliza locomotivas do primeiro tipo. 
O homem é um aparelho apto -a operar tôdas as trans­
formações de energia. O homem é um transformador. Assi­
mila a energia latentenos alimentos e a transforma em 
ações, em pensamentos, em obras e empreendimentos. 
3) A sociedade, por sua vez, é uma combinação racio­
nal dêstes aparelhos de transformação de energia, que são 
os indivíduos·. Por outras palavras, a sociedade é uma espé­
cie de bateria destinada à mais perfeita transformação de 
energia bruta em útil. Quanto mais elevado é o coeficiente 
de utilização de energia, tanto mais alto é o nível cultural 
de um povo. Antes, num passado remoto, obtinha-se pela 
violência, isto é, com enorme esfôrço e desgaste, o que hoje 
se pode obter através da organização econômica, j urídica ou 
política, com muito menos perda de energia. 
4) Tudo na sociedade recebe sua justificação final dês­
te critério supremo : utilização da energia. Entre duas for­
mas de gov�rno, é preferível aquela que propicia um mais 
alto coeficiente de utilização de energia. O mesmo se diga 
de um regime de propriedade, de uma determinada organi­
zação e-conômica ou financeira. 
Aplicando ainda ao mundo social as descobertas e as leis 
da f Ísica. ÜSTW ALD conclui que o mundo social, como o mun-
.l 
l 
l 
l 
' 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 167 
do físico, caminha para uma situação final de entropia, na 
qual tôda energia será degradada à forma mais elementar. 
Será uma situação final de absoluto nivelamento social. 
OsTW ALD vê no Socialismo, que tende a formar homens em 
série, homens perfeitamente iguais, o prenúncio desta si­
tuação final de entropia social. Assi� a obra de OsTW ALD 
t.ermina num tom profundamente pessimista. 
E fácil ver o dinamismo social de ÜSTW ALD, como o me­
canicismo de CAREY, são apenas. analogias que permitem ex­
primir de modo figurado alguns fenômenos sociais. Não 
constftuem de maneira alguma uma síntese sociológica. Na 
realidade, o fenômeno social é muito mais complexo do _que 
pensava ÜSTWALD. Não se reduz a um simples fenômeno de 
transformação de energia. O homem não é um simples trans­
formador, e a sociedade não é uma bateria. Mesmo o critério 
sociológico para a opção entre diversas formas culturais, 
baseado nos seus índices respectivos de transformação de 
energia, é de aplicação pràticarnente- impossível. Como cal­
cular, se é a monarquia ou a república, a economia planifi­
eada ou a livre concorrência que dispõem de mais alto índi­
ee de transformação? 
II) O nominalismo. 
Para o nominalismo, o fato social não tem uma especifi­
eidade própria, mas se reduz a simples fenômeno psicoló­
gico, interindividual. O social é, em última análise, um nome 
eômodo para exprimir certas configurações típicas de re­
lações que não correspondem, porém, a nenhuma realidade 
específica. 
A) O psicologismo. 
O psicologismo foi talvez a expressão mais caracteris· 
}tica do nominalismo sociológico, e a expressão clássica do 
- - -
lc'EltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
J>Kicologismo foi formulada por GABRIEL TARDE. A obra de 
( ; ABRIEL TARDE que mais nos interessa chama-se : Les Lois 
tlc l' l mitati<>n ( 1890) . GABRIEL TARDE foi, certamente, um 
espírito dotado do grande dom da admiração. Sabia admi .. 
rar-se ante fenômenos banais que nos passam despercebidos, 
partindo dos quais, foi capaz de construir sua síntese. Não 
podemos aceitá-la como síntese, mas nos oferece, certamen­
te, elementos fecundos de reflexão e material analítico ain­
da hoje válido em sociologia. O ponto de partida das refle­
xões de GABRIEL TARDE foi um fenômeno banal : o fenôme-. 
no da repetição. Tudo para êle, no un_iverso, é repetição. 
Esta constitui a grande lei do Cosmos. No mundo físico, a 
repetição aparece sob a forma ondulatória. A ondulação, à 
qual, para TARDE, se reduzem todos os fenômenos físicos, 
é essencialmente um fenômeno de repetição. No mundo bio­
lógico, a repetição aparece sob a forma de hereditariedade. 
Esta repete, através das gerações, as caracteristicas dos pro­
genitores. No mun�o p�i�?,lógi�C?�-e��!�_a 
- -��P��!Ç,�O _ 
ap_� 
���e_ s�� -�--��r�� _d�_i_��ação.! 
O indivíduo começa por imitar-se a si próprio. É assim 
que TARDE concebe os hábitos e a memória. O hábito é a re­
petição de um comportamento anterior ; a memória é a re­
petição de uma impressão ou de um estado interior passa­
do, casos todos nos quais o individuo se imita a si próprio. 
Pouco a pouco o individuo vai aprendendo a imitar os 
outros e então penetramos propriamente no terreno social. 
Aqui TARDE introduz uma reflexão que, à primeira vis­
ta, pode parecer absurda� mas que, na realidade, contém 
alguma coisa de verdade e constitui uma hipótese fecunda 
para a investigação da realidade social. Os homens, segundo 
êle, vivem normalmente numa espécie de estado semiletár­
gico, uma espécie de sonambulismo, no qual, inconsciente­
mente, captam os modelos de comportamentos, atitudes, ges­
tos, modas, emitidos pelo meio social, e os imitam sem sub­
metê-los a uma deliberação racional. 
- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - -
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 169 
É bem verdade, e nisto TARDE tem razão, que nós, em 
muitos de nossos comportamentos estamos simplesmente imi­
tando tipos sociais, modelos impostos pelo ambiente. O que 
não é tão exato, é que· façamos isto num estado habitual­
mente semiletárgico, tomando a expressão com um certo ri­
gor psicológico. Bastaria substituir o têrmo de sonambulis­
mo pelo de inconsciência para que sua tese se tornasse acei­
tável. Com efeito.,L_se examinamos com um pouco mais de· 
--- --... · - - - -·
·
· - ·
- .. . ·
-- . .. ... .. . . 
·- ·- ._ ... - .. atenção nossa vida, verificamos, talvez com espanto, a m��=-
.8:��-_eii�<?.�iii�·- _ ����ç�s _ _ ·�-�- -s�� . º
·
·-·_ siJ.liple·s - _i;eÊful�adp_.�(le -- �Eia. 
imitaç_ão mais ou menos inconsciente daquilo que nos cerca • 
... ... - ·-·- - .
.
. " 
. 
---
-
- - .
.
. · ·- . 
. . . ... .. . ... . - . '" Para TARDE, o fenômeno social se reduz, em última aná-
lise, a essa transmissão de modelos de comportamentos e· 
atitudes, a es(a recepção dos mesmos, por parte de outros 
indivíduos, que os retransmitem, por sua vez, no seio social.. 
A realidade social, portanto, se reduz a um simples fenô­
meno interpsicológico de imitação. 
TARDE, entretanto, encoi;itrou em sua carreira um ad­
versário intelectual, digno d�)e, na pessoa de ÉMILE DuR-­
KHEIM, com o qual terçou armas. numa polêmica que se 
tornou célebre. DURKHElM, com razão, chamava-lhe a aten­
ção para o fato que, se tôda a vida social se reduzisse fun­
damentalmente a um fenômeno de imitação, muito cedo tor­
nar-se-ia de u'a monotonia insuportável. Ao choque desta. 
polêmica, TARDE foi obrigado a introduzir na sua síntese, 
além da categoria de imitação, taml>ém uma nova categoria,. 
a da invenção. Esta vinha permitir-lhe explicar os progres­
sos e as transformações sociais. Porém, a própria invençãor 
segundo êle, não passa de uma nova combinação de elemen­
tos imitados. Assim, pretendia ainda, por um esfôrço de 
síntese, reduzir tudo, fundamentalmente, à imitação. 
Partindo destas idéias gerais, formulam as célebres leis 
da imitação, que ainda hoje são clássicas �m .Sociologia. Não 
voltamos sôbre o assunto, que já foi exposto anteriormente 
a propósito da conduta de imitação. 
1 'iO J.'gRNANDO BASTOS :JE 1VI! ... A., S. J. 
B) Formas modernas do nominalismo. 9 
O nominalismo pode ser encontrado em três correntes 
ttiuais, sob aspectos e intensidade diversos : 
1) Nominalismo puro : a única realidade é a pessoa­
humana. O grupo é uma coleção de pessoas, podendo no má­
ximo ser estendido o conceito de grupo aos fenômenos· inte­
rindividuais. O nominalismo é a atitude característica da 
psicologia de tipo mecanicista, segundo a qual o indivíduo 
reage de um modo ou de outro, conforme estej a sozinho, ou 
em grupo. 
2) Interacionismo : aqui, prescinde-se da existência ou 
.subsistência de grupos. Fixa-se a atenção sôbre a relação 
evidente do indivíduo para o grupo e do grupo para o indi­
víduo. Numa tentativa de escapar à dicotomia : "a realidade 
última deve ser conferida ao indivíduo" ou deve "ser con­
feridaao grupo", a Escola Interacionista exagerou o aspec­
to de relação, chegando a afirmar que o grupo existe para 
o indivíduo, e o indivíduo, para o grupo. 
O interacionismo, entretanto, é um disfarce ainda do 
nominalismo puro, pois na literatura interacionista, perce­
be-se a predominância do indivíduo, enquanto base biológica 
e psicológica dos1 fenômenos de interdependência. 
3) Neo-nominalismo : o interêsse crescente pela Psi­
cologia continuou, entretanto, a influenciar e dirigir os es-
• 
tudiosos. Os neo-nominalistas, não negando realidade ao 
grupo, declaram entretanto que a realidade do grupo é me­
nor que a da pessoa. O neo-nominalismo é reducionista, isto 
é, reduz os fenômenos sociais à pessoa, porque, afirma atra­
vés de ALLPüRT que é insustentável a concepção de uma ciên­
cia sociológica com base não psicológica, apenas social. É 
' 
!> Consultar, a respeito, CHARLES K. WARRINER, "Groups are 
rP-<1.l; a reaffirmation'', in A;merican Sociological Review, vol. 21, n.º 5, 
outuhro de 1956, págs. 549_:554, 
. .. 
. ' 
. . 
' ' 
t 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 7 J 
preciso encontrar-se um plano mais elementar, parn hmH� 
desta ciênc:la. A Sociologia só poderá subsistir quando co­
locar �ua base no estudo do comportamento 8ocial do indi­
víduo socializa.do. Em outras palavras, a Sociologia reduz-Ac 
à Psicologia Social. 
En1 que argumentos se baseiam essas tendências para 
combater o realismo do grupo ? 
Entenda-se aqui por realismo a concepção modernamen­
te adotada, segundo a qual o grupo é tão real quanto a pes­
soa e o grupo é explicável apenas em têrmos de grupo, e não 
• 
por redução à pessoa. 
a) Argumentos contra o realismo. 
Pode-se ver as pessoas, mas não se vê o grupo, a não 
ser que se observem as pessoas ; 
os· grupos são compostos por pessoas ; 
OS fenômenos Bociais têm a suarealidade SÓ nas pes­
soas ; essa é a única localização possível, location, de tais 
fenômenos ; 
a finalidade do estudo dos grupos é facilitar as expli­
cações e previsões do comportamento individual. 
Nesses argumentos 'contra o realismo, é preciso distin-• 1 
guir e precisar algumas noções : 
1.0 argumento : vemos pessoas e não ve1nos grupos . 
• 
Rigorosamente falando, não vemos pessoas. Vemos indivíduos 
que conhecemos serem pessoas. Percebemos, diretamente 
pelos sentidos, os indivíduos, isto é, aquela unidade biológi­
ca que ocupa um lugar no espaço. A pessoa é a substância 
permanente, idêntica a si mesma através do tempo, e que se 
manifesta por via de raciocínio. E, note-se, são as pessoas, 
não os1 indivíduos, que compõem o grupo social. A pessoa 
está para o fenômeno social, como o indivíduo está para o 
fenômeno gregário. 
'· 
172 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
2.0 e 3.0 argumentos : os grupos são compostos por pes­
soas. É preciso distinguir bem a noção de componentes. Numa 
primeira acepção, refere-se aos elementos materiais de uma 
entidade, em última análise, à causa material da mesma .. 
Numa segunda acepção, refere-se àquilo que faz com que 
um ser seja tal - causa formal, - isto é, à estrutura par­
ticular formal de uma realidade, que lhe dá sua estrutura 
particular. 
Ora, o fato do grupo ser composto de pessoas, isto é, 
ser a soma de componentes que em última análise são pes­
soas, não explica o fato social do grupo como realidade. 
O êrro aqui consiste em supor 
º
que um fenômeno social 
para ser verdadeiro deve ser interiorizado pela pes'Soa. Dis­
tingamos, porém : um determinado sujeito, em determina.do 
grupo, pode assumir ou representar um papel, sem entre­
tanto, ser igual a êsse papel ; por motivos diversos, pode 
constatar a conveniência de adotar uma atitude, sem se dei­
xar .revestir por ela e sem interiorizá-la. É o caso de um hós­
peàe, ·que para seus anfitriões representa um papel, deixan­
do de lado suas idéias pessoais . . . 
Existem, portanto, fenômenos sociais que não se locali­
zam realmente na pessoa. 
O 4.0 argumento envolve, na realidade, um julgamento 
de valor. Saber se vale a pena ou não estudar os grupos. 
Ora, parece-nos que, existindo o grupo como uma realidade,, 
deve ser estudado par� sua maior compreensão, sem ser re­
duzido à psicologia individual. 
• • • 
Nominalismo ou realismo? É enfim a questão que for­
mulamos, antes de passarmos ao estudo dos grupos. 
Não podemoe subscrever a tese do nominalismo. A rea­
lidade social tem 'de fato especificidade própria, que não se 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 173 
reduz à soma dos comportamentos de seus membros. A fa­
mília, por exemplo, não é a soma de seus integrantes e das 
relações que os unem. Tem uma densidade própria, forma 
e plasma os seus membros. E se age, existe. 
Não podemos, porém, tampouco admitir a tese do rea­
lismo, no sentido de dar ao social uma subsistência indepen­
dente, a ponto de concebê-lo como um organismo ou um me­
canismo, no sentido unívoco do têrmo. 
O social possui uma realidade -própria, é um todo que 
• não é igual à simples soma dos componentes, mas um todo 
sui generis, no qual os componentes, mesmo submetidos aos 
relativos determinismos sociais, são dotados de consciência 
� de liberdade. Temos a convicçã.o que só na linha do soli­
·darismo, tal como foi elaborado por HEINRICH PESCH, 'º é 
10 HEINRICH PESCH (1854-1926) , economista alemão, estudou Di­
reito e-Ciências Sociais em Bonn, e em 1876 entrou para a Companhia 
de Jesus. Teve seu primch·o contato com problemas sociais e indus­
triais quando estudante em Lancashirc, durante o Kulturkampf. Es­
creveu Liberalismus, Sozialismus und christische Gesselschaftsordnung, 
estudo histórico e sistemático das relações do pensamento católico 
oom as duas correntes dominantes do século XIX, e publicou depois 
Lehrbuch der Nationawkonomie. Para PESCH, a função de economis­
ta não era apenas estudar a ativida<lP econômica, mas avaliá-la Cill 
têrmos. de bem-estar. PEscn rejeitou o princípio do liberalismo como 
base ina<jequada da organização social e encara o marxismo como 
mera projeção da doutrina liberal. O Solidari8mo Ori.stão de PESCH 
representa uma concepção moral e orgânica da sociedade, baseada 110 
princípio de que C> homem governa o mundo sob o comando de Deus, 
e que a solidariedade preserva tôda a organização social. V olkswirta­
chaf t é a economia do povo como unidade social de interêsses comuna 
e tem sua expressão no Estado ; rejeitou o internacionalismo, repudiou 
o nacionalismo estrito, exaltando as virtudes e amor por tôdas aa 
nações. A · base fundamental do sistema de PESCH é ser o traba,ho 
a fonte de rique�a e superior aos fatôres não humanos de produçio, 
sendo os interêsses da economia privada subordinados ao bem-estar 
coletivo do povo. O bem-estar surge da ordem em que participam 
fatôres individuais, sociais e políticos, harmonizando o trabalho com 
a direção, liberdade individual com o bem-estar geral. PESCH viu a 
garantia dessa ordem de um lado, na razão e consciência individual, e 
de outro, na economia organizada e integrada em grupos vocacionaia 
no Estado. 
Ic'El<.NA NDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
q 1 u� 8erá possível superar definitivamente a querela do no­
minalismo e do realismo sociológicos. • 
§ 2) TIPOLOGIA DOS GRUPOS 
Tencionamos, neste parágrafo, propor un1 estudo for­
mal, abstrato, dos grupos, prescindindo de sua realização 
concreta em tal ou qual grupo. Orienta-nos aqui a mesma 
distinção entre forma e conteúdo do fato social, a que nos 
referimos a propósito dos comportamentos. Se atentássemos 
a tôdas as variantes que reveste cada grupo na sua realida­
de concreta, não seria possível · um estudo sistemático dos 
mesmos. Já dizia a velha escolástica : "de individuis non 
est scientia". Para a elaboração de uma tipologia dos grupos, 
é mister situar-nos num nível mais ou menos elevado de 
abstração, para prescindir das conotações individuais· de. 
cada um e poder traçar esquemas formais aplicáveis a mui­
tos dêles. 
O interêsse da elaboração de uma tal tipologia reside 
no fato que ela constituiria uma sistemática ou taxionomia 
dosgrupos. Cada grupo seria classificado em um tipo deter­
minado, e cada tipo, de certo modo, é urna lei. As Ciências 
Naturais realizaram, em matéria de sistemática, um admi­
rável trabalho de ordenação. Manipulando um pequeno nú­
mero de critérios diferenciais, a Zoologia, por exemplo, con­
seguiu classificar todos os animais em tipos definidos : basta 
conhecer a que tipo pertence tal animal, para poder indi­
car as leis de sua morfologia ou de seu comportamento. 
A realização da mesma tarefa em Sociologia seduziu a 
muitos pensadores : utilizar poucos critérios, compreender, 
tôda a complexidade e variedade dos grupos. Podemos se­
guir o esfôrço para a elaboração de uma tipologia, tomando 
• Sôbre o prot>lema do solidarismo, tomamos a liberdade de re­
meter o leitor para o nosso trabalha: Neo-capitalismo, Socialismo e 
S"lidarismw. Rio de Janeiro, Editôra AGIR, 2.ª edição, 1968. 
• 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 1 75 
eomo fio condutor a multiplicidade crescente de criti! rios 
adotados. 
I) Tipologia à base de um só critério. 
FERDINAND TÕNNIES 1 1 propôs, em sua obra : Gemeines­
chaft und GeseUschaft (Comunidade e sociedade) , uma ti­
pologia baseada em um único critério diferencial : o desejo. 
O social é essencialmente um fenômeno de aproximação, de 
convivência, de relações, que os indivíduos realizam entre 
si, movidos por uma atração, por um desejo mútuo. �ste de­
sejo é, pois, o que há de mais radical na realidade social e 
é nêle que deveremos buscar o critério primeiro para a di­
ferenciação desta realidade. 
Ora, existem duas categorias fundamentais de desejo : 
A) o desejo, inerente ao próprio ser (Wsenswille) ; 
- ---B) o desejo que segue uma deliberação refletida 
(K·urwille) . �sses dois tipos fundamentais de desejo discri­
minam os dois tipos fundamentais de grupo : a comunidade 
e a sociedade. Sob o impulso do primeiro, realiza-se a comu-
u FERDINAND TôNNID:J (1855-1935), filósofo alemão, seguiu o 
curso · de Filologia, História e Filosofia em várias universidades, es­
tudando ainda Sociologia e Economia Política. Devem-se a TôNNIES 
importantes estudos sôbre THOMAS HOBBE.S ; em 1888 publicou Elemen­
tos da Lei Natural e Polítiea., cujo apêndice trazia o manuscrito iné­
dito atnlmído a HOBBES. A orientação filosófica de TõNNIES é o po­
sitivismo, ao qual chega tanto pelo estudo das Ciências Sociais, como 
pelo caminho da investigação histórica. Sua posição em Sociologia 
baseia-se na ideologia do século XVIII e na chamada Escola His­
tórica do século XIX, seguindo a doutrina especulativa de SC1IOPPE­
NIJAUER. Admite uma subestrutura metafísica, segundo a qual a 
comunidade orgânica é o resultado de uma vontade de caráter uni­
versal e genérico, enquanto que a sociedade, uma vez convertida em 
mecanismo, é produto da vontade dirigida pelo entendimento. O pro­
cesso histórico-sociológico se apresenta segundo TõNNIES pela suces­
siva substituição da comunidade pela sociedade, o progresso se carac­
ter1za por u'a marcha da comunidade à sociedade. A obra que lhe 
granjeou maior notoriedade foi : Gtm&6imeheft und Guellsehaf t. 
1 7() FERNANDO BASTOS l>B ÁVILA, S. J. 
nidade, enquanto que a sociedade é o resultado de um desej o 
deliberado. 
A comunidade seria, pois·, uma forma de associação que 
se aglutina, graças a um impulso espontâneo, riatural dos 
membros, e que, além disto, cria um clima de intimidade 
e de convergência de interêsses. Exemplos típicos de comu­
nidade seriam a comunidade de sangue, constituída pelo con­
junto de relações conjugais, parenta is, filiais e fraternais ; 
a comunidade de vizinhança, tal como se realiza nas peque­
nas comunidades rurais. 
. 
A socieda.de seria uma forma de asso.ciação que se cons-
titui a partir de uma deliberação explícita dos membros. 
Nela não se realiza o grau de intimidade que caracteriza a 
·comunidade, e os interêsses dos membros são, de certo modo, 
divergentes, isto é, criando a sociedade, os membros visam 
.a defesa dos interêsses de cada um. É neste sentido que se 
pode dizer que a comunidade, de certo modo, preexiste aos 
membros, enquanto que a sociedade é constituída por êles. 
Com efeito, integrando-se a uma comunidade, o indivíduo 
entra a participar de um esquema de relações naturais ; não 
inventa, por exemplo, as relações que se processam no seio 
de uma família. Essas obedecem a um esquema formal q u � 
transcende os casos concretos. Pelo contrário, criando uma 
sociedade, podem os indivíduos estipular livremente as con­
dições e as relações que os unirão. 
A comunidade é uma associação que se realiza na linha 
do ser, isto é, por uma participação total dos membros no or­
·ganismo comunitário ; a sociedade é uma associação que se 
·faz na linha do haver1 isto é, os membros põem em comum, 
não o próprio ser, a própria vida, mas algo de seu, algo do 
.que possuem, por exemplo, seu dinheiro, sua fôrça, sua ca­
-paci dade técnica. "-..... 
Como se vê, comunidade e sociedade são, para TõNNIES, 
,categorias formais, esquemas típicos que prescindem do con­
teúdo existencial e que podem, portanto, realizar-se sob as 
• 
INTRODUÇÃO À SOCIOL-OGIA 177 
mais variadas modalidades, como, por exemplo, associações 
religiosas, culturais, profissionais ou esportivas. 
São categorias fundamentais irredutíveis como irredu-, 
tíveis são os dois tipos de desej o que lhes dão origem. Todo 
grupo humano é fundamentalmente de caráter comunitário 
ou societário. 
São categorias irreversíveis, neste sentido que, segun­
do TÕNNIES, todo grupo humano tende a evoluir de um tipo 
comunitário para um tipo societário. A família, por exemplo, 
que se constituía sob o impulso de um instinto natural, hoje 
se funda sôbre uma base contratual. 
Não há dúvida que as categorias de comunidade e so­
eiedade constituem instrumentos de análise que permitiram 
u'a melhor compreensão, uma primeira distinção da comple­
xidade da realidade social. Utilizando-as como instrumentos 
·conceituais, distinguimos melhor, por exemplo, os grupos 
rurame urbanos. 
Nos primeiros, todos se conhecem, prestam-se mutua­
mente serviços gratuitos, participam mais intimamente da 
vida uns dos outros, há entre todos uma solidariedade qua­
se ao nível puramente gregário. Nos grupos urbanos, as r 
lações são formais, vive-se cercado de desconhecidos. há mui­
to mais competição e concorrência do que colaboração e so­
lidariedade. Os primeiros são as comunidades rurais, os se­
gundos constituem as sociedades dos grandes centros. 
Entretanto, por outro lado, a tipologia de TõNNIES é 
extremamente simplista. Por pouco que se participa da rea­
lidade viva dos grupos, percebe-se a variedade enorme de 
outros modos de se associarem os indivíduos além das co­
·munidades e sociedades, variedades que são impossíveis de 
dominar a partir de um só critério. Aliás, o mesmo TõNNIES, 
em obra ulterior : Einführung in die Soziologie (Introdução 
à Sociologia) ( 1931), procurou enriquecer sua tipologia ela­
·borando novas categorias : Sistemas relacionais ( V erhiilt­
misse) , Conjuntos sociais (Santschaft) , e Corporações 
(Korperschaft) . Conjugando-as com as categorias de comu-
f''J.:ltNANOO BASTQS DE ÁVILA, S. J. 
1 1 i c ladt> t• Hocicdade, já se chega a uma tipologia bem mais 
"ºmpl(�xa, que, entreta�1to, pcl& própria lm_v1·ecisão dos con­
c·e•ilo:-1 correspondentes, dificilmente pode ser utilizada como 
i n�trumento de análise. 
Enfim, a tese da evolução dos grupos de um tipo comu­
nitário para um tipo societário parece-nos acadêmica. Não 
explica a realidade, na qual observamos muitas vêzes um 
desenvolvimento paralelo dos aspectos comunitários e socie­
tários de um mesmo grupo. Na família, por exemplo, a pre­
cisão crescente do direito familiar acentuou, por um lado, 
o seu aspecto societário, contratual. Por outro lado, porém, 
a própria evolução cultural, transf erirido para o Estado uma 
série de funções elementares que absorviam grande parte 
da vida dos cônjuges, permitiu que a família enriquecesse 
muito seus aspectos comunitários,ensejando maior intimi­
dade e maior participação dos membros no próprio ser fa­
miliar. 
II) Tipologia pluralista. 
A) LEOP<>LD VON WIESE. 12 
Sob a designação geral de Sozia'len Gebilde, formas so­
ciais, VON WIESE elaborou uma tipologia que iria exercei .. 
uma evidente influência nas tipologias ulteriores, inclusive 
de GURVITCH. 
Para uma primeira divisão das formas sociais, utiliza 
o critério da influência do comportamento individual s�rire 
12 LEOPOLD VON WIESE, sociólogo e economista alemão, nasceu 
em 1876 e desde o ano de 1919 regeu a cátedra de Sociologia na 
Universidade de Colônia. Foi um dos sociólogos que mais desenvolveu 
a linha da Sociologia formal relacionista de G. SIMMEL. O objeto da 
Sociologia é, para êle, o estudo das relaçi>es inter-humanas que se 
realizam segundo processos especiais suscetíveis de serem expressos 
em esquemas formais precisos. �stes, pouco a pouco, se cristalizaram 
em estruturas sociais. S�s principais obras foram: AUgemeine So-­
riolog� ( 1924-1929) , e Daa Sozial.6 im Lebm unà De'Ytken, 1956. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLO<HA 179 
o comportamento coletivo. Distingue, assim, três tipos fun­
tlamm1tais de formas sociais : 
1) As 1nassas : formas socuus que refletem imedi2.­
tarnente o comportamento dos indivíduos que a constituem. 
( > modo de portar-se das massas é a resultante das ações dos 
indivíduos que a compõem. É uma reação em cadeia, per 
exemplo : a manifestação de ódio de um indivíduo presente 
a um comício deflagra uma explosão progressiva e todo povo 
ncaba vibrando de ódio e pronto a qualquer ação destrutiva. 
Ne:-1te sentido, as massas são a forma social cujo modo de 
• ag-ir é mais próximo, mais acessível à influência do compor­
f amento do indivíduo. 
2) Os coletivos abstratos : constituem o outro· extre­
mo� São as formas sociais menos influenciáveis, mais dis­
tantes, mais inacessíveis à ação dos indivíduos. Para que 
<1�ta, com efeito. venha a modificar o coletivo abstrato, deve 
t•n f rentar um pesado mecanismo burocrático, e abalar uma 
imponente estrutura jurídica, munida de leis e de sanções. 
<h; coletivos abstratos, por excelência, são o Estado e a lgre� 
jn. Podemos, por exemplo, julgar que o sistema de previ­
dência social no Brasil deva ser reformado no sentido de 
permitir maior participação dos interessados na gestão dos 
fundos, no sentido de uma despolitização dos institutos. l\1as 
JW:\sa ação reformista só com certo atraso chega a tradu-
1-i r-se nu:ma reforma concreta. o coletivo abstrato não s6 
{· pouco acessível à ação dos membros, como ainda exerc·.e 
�t,bre êles um prestígio reverencial. 
Entre êstes dois extremos· da tipologia de VON '\VIESE, 
('twontramos a forma social que chamou propriamente de 
arupos, cujo comportamento nem é tão próximo da ação de 
ind ividual, como o da massa, nem tão distante, como o do co­
lc•t.i vo abstrato. 
Para o enriquecimento desta tipologia fundamental em 
novas categorias, VON WIESE introduziu novos critérios, prin­
t' i paimente o da du1·ação e da organização. Assim, utilizando 
---.- - ·-... � � ·- · 
•4• ... ,-----·•w ... ..---·-- · .,- . �..=. ... :.-. ---... _ _ _ .._ .....,...._. __ _ 
1 80 J:o'Jo�ltNANDO BASTOS DE • .\VILA, S. J. 
o primeiro dêstes, distingue as massas em concreta.s, aglo­
merados efêmeros, nos quais se deflagra uma cadeia de ações 
coletivas ; e abstratas, que são formas sociais mais duráveis, 
constituídas pela apreensão, a consciência de uma caracte .. 
rística, de um interêsse comum, por exemplo : os ouvintes 
habituais de tal cantor de rádio, os torcedores do Flamengo. 
· Da mesma forma, o critério da organização, manifestando-se 
especialmente pela divisão de funções, permitirá a subdivi­
são dos grupos, desde aquêles nos quais a organização é ape­
nas esboçada, até aquêles onde se exprime numa estrutura 
rígida. 
B) MAX WEBER. 13 
MAX WEBER inaugura um método inteiramente nôvo 
para a análise dos fenômenos sociais, a que êle chamará de 
Verstehende Soziologie, Sociologia com]Yreensiva. 
1.3 MAX WEBER (1864-1920 ) , economista e sociólogo alemão, es­
tudou Direito. Publicou um trabalho sôbrc a história aefaria ro­
mana. Estabeleceu-se em Berlim como jurista em 1891. WEBER foi 
um dos fundadores da Deutsche für Soziol.ogi.e e editor do Arquivo 
de Sozialwissenschaf t und Sozialpolitik no qual publicou todos os seus 
artigos sociológicos. Definiu a Sociologia como o estudo das ativi­
dades sociais de sêres humanos : se as formas estruturais como o 
Estado, a Igreja, juntas comerciais, podem ser reduzidas a seus 
elementos, elas são o centro da atividade social. A Sociologia é uma 
eiência de compreensão e como tal deve-lhe ser aplicado um método 
peculiar diferente das demais ciências. Paralelamente a seus estudos 
políticos e sociais da sociedade contemporânea, encontram-se traba­
lhos sôbre condições agrárias da antigüidade, história de associações 
do comércio medieval, psicologia do trabalho industrial e tratados 
de crítica metodológica. Sua obra-prima foi Wirtscho,f t und Gesels­
chaf t, obra póstuma, abordando a Sociologia da Economia e uma 
série de trabalhos relativos à Sociologia Histórica da cidade, classe, 
estado, nação e partido. Entre seus estudos de tipologia referente 
às formas de soberania política, realça a análise magistral d a buro­
cracia, feudalismo e autoridade carismática. Em seu famoso ensaio 
Die Pro testantische Ethik und der Geist des Kapita.lismu.<f, êle chegou 
à conclusão de que o calvinismo leva um ideal que identifica a sal­
vação espiritual com o êxito nos negócios criando o espírito capita­
lista. O amor patriótico é para WEBER a honra e poder nacional, po­
der não como fim, mas meio de promover interêsses de grupos eco­
nômicos, a fim de salvaguardar a cultura alemã e européia. Embora 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 1 81 
A s tipologias examinadas até agora foram elaboradas 
por um 1nétodo indutivo. Partindo da observação dos fntos 
pa rticulares, seus autores chegaram a definir tipos univer­
sa ii-<, atribuíveis a todos os fenômenos da mesma cateº'oria. o 
< ' processo indutivo, portanto, permitiu a elaboração de es-
si• ricias formais. A massa, o grupo, por exemplo, abstra��m 
do:-: .fenômenos singulares, de tal massa ou tal grupo. Suas 
('araeterísticas são comuns a todos os fenômenos de inassa 
ou de grupos. O processo supõe uma distância, uma alte­
r idatle entre o observador e a realidade social que observa e 
da qual abstrai as essências formais. 
MAX WEBER foi mais atento às limitações do rílétodo 
i nclutivo. Percebeu o que tal alteridade pode ter de i lusório 
1 1 0 que diz respeito à realidade social neste ponto radical­
mente distinta da realidade física. Se é impossível u:na to-
1 ai i��nção do observador com relação à realidade social, da 
cpml é parte integrante, não é possível conhecê-la por in­
d1H:.�ão ; só é po8sível atingi-la por um processo-compreensi-
110, a partir de urna referência a uma v ivência pessoal, me­
diante o que poderíamos chamar de um argumento de ana­
ioJ.da. Não podem os ter uma idéia exata do que se passa. no 
íntimo de nosso vizinho quando o vemos rir, porque não nos 
1 u1demos substituir a êle para experimentar o que experi­
rrwnta. Podemos, porém, verificar que manifesta os mesmos 
:-ii nai8 exteriores que nós manifestamos quando ouvimos uma 
:u1rdota engraiada. Argüindo, assim, por analogia, podemos 
••compreenda·" o que se passa no seu íntimo, referindo-nos 
no que Expe.rirhentamos quando externamos os me�mos si-
1miH de alegria . 
Da mesn1<t forma não é possível conhecer diretam€nte o 
f<'11ê)meno social porque não nos podemos substituir ao gru-
c•ont(iderado como representante intelectual da burguesia, tinha pouca 
"impatia por esta classe. A influência de WEBF.R como educador é de 
1fifkil alcance, talvez mais intangível do que sua importfu_icia nas 
C'iêtndas morais e sociais na Alemanha, que tem ainda a utilizar ao 
mftximo problemas que êle suscitou e conhecimentos que armazenou. 
1 82 FERNANDO BAE ros J)E .\VIL.\, s.J. 
JlO; mas podemos "compreendê-lo", referindo-nos a vivên­
cias pessoais, cujas manifestações exteriores· sejam análogas 
ao comportamento do grupo. Cabia assim a MAX WEBER des­
crever estas vivências pessoais, a partir das quais seria pos­
sível definir um fenômeno social, como aquêle em que pre­
domina ora uma, ora outra. Elaborou, pois, quatro tipos 
ideais de vivências, ou de ações (Erlebnis). 
1) Ação racional : na qual o agente se propõe delibe­
radamente um fim e combinà'Tacionalmente os meios' para 
sua consecução. 
2) Ação axio-raciona,l : W ertiational, na qual o fim 
não é escolhido racionalmente, isto é, após uma deliberação 
consciente, mas é simplesmente aceito como um valor. En­
tretanto, uma vez intuído o objeto como um valor, o agente 
combina racionalmente os meios em vista de conquistá-lo. 
Constituir família, por exemplo, é para a maior parte dos 
homens uma ação dêste tipo. Aceita-se êsse fim como um 
valor ; não é pôsto em problema ; mas, a seguir, cogita-se 
nas medidas indicadas para a realização do intento. 
3) Ação afetiva : na qual o fim e os meios são sugeri­
dos por estados afetivos, por situações' emocionais, como, por 
exemplo, um crime passional, no qual o indivíduo age total­
mente sob o impulso da paixão. 
4) Ação tradwional : na qual os fins e meios obedecem 
a costumes e imposições tradicionais enraizadas. na vida do 
grupo, por exemplo, assistir a um casamento. 
Trata-se, em todos os quatro casos, de tipos ideais de 
ação, neste sentido que raramente se encontram na realida­
de em tôda a sua pureza típica : a ação racional é contami­
nada de emotividade, como a ação afetiva, na vida real, é 
penetrada de racionalidade. 
O que é mais interessante e original em MAX WEBER, 
não é tanto a aplicação do método na elaboração de uma ti­
pologia, quanto o próprio método que vinha de fato abrir 
uma nova dimensão na metodologia sociológica. Os grupos 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 183 
nos quais predominam as vivências de tipo afetivo e tradi­
cional são grupos de caráter comunitário ; aquêles nos quais 
predominam as vivências racionais ou axio-racionais são 
, 
societários. Como tipologia não traz novidade, mas oferece 
um nôvo modo de conhecimento da realidade social, não mais 
por unia simples indução de essências formais, mas por uma 
compreensão de vivências concretas : comunidade é aquêle 
tipo de grupo no qual se processam as vivências que expe­
rimentamos quando nos sentimos sob um impulso afetivo . 
• 
Acontece que as vivências, na realidade concreta, são 
de infinita variedade. O sociólogo que procura sintonizar 
com elas, para compreender o fenômeno social, cedo dar-se-á 
conta da sua infinita complexidade, e será arrastado pela 
preocupação de multiplicar as categorias e os critérios para 
não simplificar, não trair esta complexi<lade. Será arrastado 
pelo pluralismo. Foi neste sentido que se orientou GURVITCH. 
Entretanto, a escola que hoje em dia prolonga a tradição 
sociológica de M . WEBER é a escola que assume, como ca­
tegoria básica de seu sistema, a ação social (social action ) . 
Seu Chefe de fila é TALCOTT PARSONS. 
' 
e) Plitralismo tipowgico de GURVITCH. 
Um grupo é um fenômeno social total. Tem múltiplas 
dimensões. Somente dispondo de um sistema de coordenadas, 
de um sistema de critérios, extremamente complexo, é pos­
sível defini-lo na sua grande variedade. GURVITCH elaborou 
assim os 15 critérios seguintes, cuja aplicação conj unta per­
mitirá uma definição exaustiva de cada grupo concreto. 14 
Os grupos podem ser : 
1 ) quanto a seu conteúdo : grupos uni, multi, e supra­
f uncionais. 
A funcionalidade refere-se ao N óS, que se atualiza pre­
dominan\emente dentro de um grupo, de tal modo que pode-
H Cf. G. GURVI'l'CH, La, vocation actuells d6 la Sociowgie, Paris, 
P. U. F., 1950, cap. V, págs. 269 e segs. 
F'El:tNANOO BASTOS DE ÁVIL.\, S. J. 
n10H ter grupos uni, multi e suprafuncionais, conforme o pre­
domínio do NóS, uni, multi ou suprafuncional. 
Assim, teríamos que um grupo esportivo é unifuncio-
11al : o N óS que predomina tem uma função, a <1f competi­
ção esportiva. 
São grupos multif'uncionais os grupos econômicos com 
suas funções de equilíbrio da produção, de distribuição, de 
trocas ; os grupos locais, com suas funções de contrôle so­
cial, de administração, com suas funções recreativas; os 
grupos de parentesco, com suas funções de reprodução, edu-
cação, transmissão de tradições. . 
A noção de grupo suprafu,ncional não se realiza apenas 
nas sociedades globais, como a Nação e a Igreja. Refere-se 
a todos os tipos de grupos que criam para seus membros o 
quadro que condiciona o desempenho de tôdas as suas fun-· 
ções. A classe social, as minorias étnicas são grupos supra­
funcionais. 
A classe interpreta a seu modo, num resumo próprio, 
tôdas as funções· da nação. Tôda classe contém, em estado 
atual, quando se acha no poder, ou em estado virtual, quan­
do aspira ao poder, um modo particular de desempenho das 
funções de uma nação. 
As minorias étnicas constituem uma nação dentro da 
nação onde se integram, e por si tendem a absorver em si 
as diferenças entre elas' e a sociedade global que lhes serve 
de quadro. 
2) quanto à sua amplitude : grupos reduzidos, médios 
e extensos. 
O número de membros de um grupo contribui para a 
sua consolidação e influencia sua natureza. 
a) Grupos reduzidos : tendem a se tornar grupos ín­
timos. Exemplo : familia doméstica. 
b) Grupos · extensos : tendem a constituir grupos de 
reunião difícil, ou mesmo nunca realizada - o que não im­
pede que o grupo seja grupo. Exemplo : as classes. 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 185 
�) Grupos médios : exemplo : organizações econômicas ; 
profissões. 
De modo geral, os grupos reduzidos favorecem a predo­
minância do N óS-Comunhão ; e os grupos extensos, em ge­
ral, favorecem o NóS-mass.a. 
Para que bem se estude êsse aspecto de extensão do 
grupo, é necessário verificar o efetivo real de seus mem­
bros, e compará-lo ao efetivo possível : o número de parti­
cipantes que o deveriam integrar, de acôrdo com a confi­
guração própria do grupo. 
As discordâncias entre êsses dois efetivos devem ser 
relacionadas às sociedades globais onde se insere o grupo. 
Os estudos de Ecologia humana, urbana e rural muito têm 
ajudado neste ponto. 
3) quanto à sua duração : grupos temporários, durá­
veis e permanentes. 
a) Grupos temporários : aquêles que se dissolvem no 
momento em que é realizada a tarefa, em vista da qual ha­
viam sido constituídos. Exemplos : u'a multidão, os bandei­
rantes· do Brasil, equipe temporária de exploração, ban­
quetes. 
b) Grwpos duráveis : aquêles que são dissolvidos em 
condições particulares, como : morte, acôrdo dos interessa­
dos, dissolução compulsória. Exemplos : a família domésti­
ca, dissolvida pela morte ou divórcio ; um grupo de idade, 
dissolvido pela maturidade de seus ·membros ; uma emprêsa 
comercial, ou · uma usina, dissolV'ida pelo patrão, ou por 
acôrdo dos interessados. 
e) Grupos permanentes : pela sua natureza não impli­
cam em nenhuma limitação natural. Exemplos : classes so­
ciais, profissões, as Igrej as, os Estados. itsses grupos inde­
pendem da vontade dos membros quanto à sua permanência . • 
4) quanto a seu ritmo : grupos de cadência lenta, mé� 
dia ou precipitada. 
FERNANDO BASTOS JE Á,_'!LA, S. J. 
Antes de mais nada, para entender a noção de ritmo 
de vida de um grupo, é necessário admitir, além de uma 
temporalidade quantitativa, mensurável, contínua, uma tem­
poralidade qualitativa, descontínua, incomensµrável. 
Entretanto, a realidade social não se processa nem num, 
nem noutro tempo. A sua temporalidade é quantitativa-qua­
litativa. Cada fenômeno social ou histórico tem o seu tempo 
quantitativo-qualitativo, com sua especificidade própria, e 
que depende da proporção entre os diversos determinismos 
de seus elemntos, e das liberdades que nêle agem. 
Assim, também, os grupos possuem ·um tempo que lhes 
é próprio, e que é medido de modo específicono seio dêle 
mesmo. É o que chamamos de ritmo dos grupos, seguindo a 
terminologia de HALBW ACHS. 
Esta diferença de ritmos de vida ou de tempos, ima­
nente a cada grupo, pode ser atingida numa experiência 
pessoal. Todos os que deixam a agitação da grande cidade 
e vão passar alguns dias no interior, percebem fàcilmente 
que o tempo no campo é mais lento. A vida do homem do 
campo não é cronometrada com o rigor da vida citadina ; é 
apenas escondida pelas grandes variações dos ciclos �os fe­
nômenos naturais. No campo, não tem sentido dizer-se que 
se vai fazer uma visita às 14,15 minutos. Faz-se uma visita 
ou pela manhã ou pela tarde. 
De modo geral, podemos dizer : 
a) os grupos de localidades e os de parentesco tendem 
a viver num ritmo bem mais lento do que os grupos econô­
micos ou de atividades juvenis ; 
b) as Igrejas Universais são mais lentas que as Fra­
ternidades e as seitas; 
e) as classes sociais têm seu ritmo particular : as clas­
ses feudais são mais lentas do que as burguesas, e o prole­
tariado tem um ritmo precipitado. 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 187 
O estudo dos ritmos dos grupos é complexo e nunca pode 
ser Classificado num modo absoluto. Poderá indicar as ten­
dências e relações de um grupo para com os outros, e para 
com a sociedade global. As variações no ritmo normal de 
um grupo servem de indício para constatar fenômenos anô­
malos nas sociedades globais onde se inserem. 
5) Quanto à sua dispersão : grupos à distância ; de 
contato artificial; reunidos periodicamente ; reunidos de 
modo permanente. 
É falsa A idéia de que não pode existir grupo social onde 
não há reunião periódica dos membros. Podemos distinguir, 
assim, tipos diversos de grupos, conforme a medida de dis­
persão. 
a) Grwpos à distância : exemplo : os produtores, con­
sumidores, os desempregados, e os diversos públfr.os quan­
do constituem uma unidade coletiva real. Tambf>m as clas­
ses e as profissões, muitas vêzes constituem grupos à dis­
tância. Para averiguar a validez dêsse conceito, seria indi­
cado aplicar a noção de grupo a cada um dêsses exemplos. 
b) Gritpos de contato artificial : hoje em dia. êsse tipo 
de grupo tende a se multiplicar devido à facilidade de comu­
nicações. Exemplo : os assinantes de uma revista, que se in­
fluenciam pelo seu pensamento e que agem conj untamente 
no sentido de continuar a mantê-la e a propagar suas idéias ; 
os membros de um partido que, não freqüentando as reu­
niões, estão a par de suas deliberações através da literatu­
ra que lhes é devida. 
e) Grupos reunidos periodicamente : enquanto grupos 
são os mais numerosos, e podem ser subdivididos, segundo 
uma escala que compreenderia desde os grupos que se reú­
nem mais freqüçntemente, até aquêles que se reúnem co111 
pouca assiduidade. E jâ aqui, é interessante notar as in­
fluências exercidas pelas formas de sociabilidade que co­
meçam a predominar dentro do grupo. Assim, quando em 
I HX 1''ERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
(•poca de perseguição, se sobreleva a forma de "Comunhão", 
o grupo tende a se reunir com mais freqüência. 
d) Grupos íntimos reunidos permanenterYi:ente : exem­
plos : família doméstica, pensionatos, conventos. É preciso 
distinguir se essa reunião tem um caráter provisório, como 
nos internatos, ou permanentes como famílias·, convento�·-
6 ) Quanto a seu modo de formação : grupos de fato, 
voluntários, impostos. 
a) Grupos de fato são grupos dos quais os membros 
participam, sem que isto seja explicitamente querido por 
êles, ou sem que êles obedeçam às inj unç�es de uma orga­
nização precisa. Tais são as classes, os grupos étnicos, os 
desempregados, os consumidores. 
As profissões constituem um grupo intermediário en­
tre os grupos de fato e os voluntários, porque o indivíduo 
escolhe a profissão, de acôrdo com a vocação, mas, uma vez 
escolhida, é êle integrado, queira ou não, num grupo profis­
sional j á constituído. 
b ) Grupos voluntários : grupos dos quais os membros 
participam de pleno acôrdo e aos quais foram admitidos por 
vontade própria. Exemplos : partidos políticos, sociedades 
filantrópicas, sociedades comerciais. Note-se que a entrada 
voluntária para um determinado grupo não significa que a 
saída do mesmo seja igualmente livre. Muitas vêzes existem 
coações morais ou materiais que tornam pràticamente com­
pulsória a permanência no grupo, como o abandono de um 
partido político, acarretando a designação de traidor, e o 
abandono de uma emprêsa comercial, acarretando a ruína 
material. 
Na terminologia corrente, a respeito de grupos, muita 
discussão existe sôbre o têrmo associação. Talvez pudésse­
mos reseryar o qualificativo de associação para os grupos 
voluntários constitu ídos democràticamente, cujo abandono 
seja facultativo. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 189 
e) Grupos impostos : são aquêles dos quais é obrigató­
rio fazer parte. O Estado, a lgrej a, as castas, os três estados 
da Idade Média : nobreza, clero e povo. 
7) Quanto ao modo de acesso : grupos abertos, condi-
cionais, fechados. 
a) Só os grupos de fato são sempre abertos. 
Grupos abertos de fato : as classes sociais. 
Grupos abertos voluntários : reuniões, equipes de sal­
vação, companheiros de viagem. 
Grupos ab�tos impostos : sindicatos obrigatórios, esco­
las primárias. 
b) Os grupos fechados eram mais freqüentes em so­
ciedades· antigas. 
Fechados, de fato : castas, gens. 
Fechados voluntários : corporações da Idade Média, so­
ciedades secretas, grupos de conspiradores. 
e) Grupos de acesso condicional : naturalmente as con­
dições de acesso são variadas. Podem ser ou muito rigoro­
sas, como no caso da Cavalaria Andante, ou pouco exigen­
tes, por exemplo, uma pequena cota a ser paga. 
Naturalmente que o modo de acesso a um grupo influir.ti 
sôbre sua natureza. Os grupos fechados ou de acesso difícil 
tendem a ser pouco numerosos, facilitam a existência da 
comunhão dentro dêles e não raramente se transformam em 
oligarquias dominantes. 
8) Quanto ao grau de exteriorização : grupos não or­
ganizados, estruturados ou não e grupos parcial ou comple­
tamente organizados. 
Entenda-se aqui por exteriorização o modo como apare­
ce o grupo, como se situa e delimita. Naturalmente, um gru­
po não é essencialmente a sua estrutura. Sua realidade não 
se confunde com a de sua estrutura, muito menos, portanto, 
com a de sua organização. É possível, mesmo, que aconteça 
• 
• 
Fto:ltNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
1nn conflito entre o grupo, fenômeno social total e sua es­
trutura. Nesse caso, ou o grupo se aniquila, ou então sua 
hasc total própria de grupo predomina sôbre suas exterio­
J'izações parciais. 
..__ 
a) Grupos inorganizados e não estruturados : os de-
sempregados, produtores e consumidores, os diferentes pú­
blicos. 
�ases grupos não só são desprovidos de organização, 
como também os modelos, símbolos, valôres, idéias que se 
prendem a suas atitudes coletivas permanecem indefiníveis. 
Dêste modo, permanece também indefinivel o papel e situa­
ção dos grupos dentro da sociedade global: Possuem apenas 
uma estrutura virtual. Em determinadas condições, podem 
tornar-se perfeitamente estruturados, e.orno no caso dos pro­
dutores e consumidores, que, em certas sociedades, adquirem 
mesmo organização própria. 
b ) Grupos estruturados, mas não organizados : as clas­
ses sociais, grupos de idade - juventude, veteranos, - al­
guns grupos profissionais. A maioria dêsses grupos pode 
vir a ser organizada eventualmente, como no caso do gru­
po profissional. Outros, como a classe social, não podem ser 
organizados, a não ser por uma imposição exterior, que lhes 
rouba afinal o verdadeiro sentido. Todavia, uma classe so­
cial pode geralmente se exprimir através de diversas orga­
nizações mais ou menos equivalentes entre si. 
e) Grupos estruturados·, organizados incompletamen­
te : nota-se nêles um esbôço de hierarquização de funções. 
Exemplo : família, seitas religiosas, confrarias. De modo 
geral, observamos que os grupos temporários são mais difí­ceis de se organizarem do que os permanentes ou duráveis. 
Também os grupos de parentesco e de afinidade são mais 
dificilmente organizáveis do que os de atividade econômica. 
d) Grupos completamente organizados. Dependem da 
relação que comanda a sua essência mesma de grupo-fenô­
meno total, os elementos não-estruturáveis, e sua organiza-
.. . 
( \ 
. 
� 
l 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 191 
ção. O princípio que rege essa organização é muito impor­
tante, pois deve permitir que haja permuta, que haja per­
meabilidade entre as infra-estruturas espontâneas e as su­
per-organizações. Caso contrãrio, a própria organização do 
grupo pode sufocá-lo. Exemplo : a organização estatal. 
9 ) Quanto a suas funções. São os mais variados, con­
forme as funções a que se destinam : grupos de parentesco, 
de afinidade fraternal, de localidade, de atividade econômi­
ca, grupos mistos de afinidade fraternal e atividade econô­
mica, grupos de atividade não lucrativa. 
Essa distinção �elo critério das funções não pode se re­
ferir aos grupos suprafuncionais, que englobam tôda e qual­
quer espécie de função. É êste equívoco que tem prejudicado 
muitas definições de classe social, que procuram caracteri­
zá-la em função de atividades, sobretudo econômicas. 
10) Quanto à sua orientação : grupos de divisão e gru-
pos de união. 
Os grupos· de divisão têm uma orientação combativa. 
Os grupos de união são conciliadores. 
Exemplos dos primeiros : grupos de afinidade frater­
nal, profissões, sindicatos. Exemplos dos segundos : grupos 
de parentesco, usinas, emprêsas. 
Os grupos de divisão têm em geral um ritmo mais ace­
lerado, e não raro favorecem o elemento comunhão. Os gru­
pos de união são mais fàcilmente estruturados e propiciam 
o predomínio das comunidades. _ 
Note-se, entretanto, que num grupo, que de per si é 
grupo de divisão, pode haver predomínio de um N óS con­
ciliador e que lhe mude, portanto, a orientação. O mesmo 
pode acontecer com um grupo de união, que, realizado em 
·certas circull!stâncias, seja orientado pelo predomínio de 
um NóS combativo, de divisão. Seria o caso das usinas, 
grupos de união, mas que, num regime de propriedade pri­
vada, seguem a orientação combativa do NóS, dos que a 
possuem. 
- -- --
. . . · - . ·--.. -· ------
1 
1''gRNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
1 1 ) Quanto ao modo de penetração pe!a sociedade glo­
bal : grupos refratários, grupos parcial ou totalmente sujei­
tm; à. penetração pela sociedade global. 
Via de regra, os grupos fechados são sempre refratá­
rios à sociedade global, salvo os casos onde se encont�em no 
ápice da hierarquia desta sociedade. 
a) Grupos refratários : os que, conscientemente ou in­
conscientemente, resistem ao regime da sociedade global, ou 
porque se julgam excluidos da hierarquia vigente, ou por­
que aspiram ao poder, ou porque consideram possuir quali­
dades que a sociedade global não lhes reconhece. Entram 
nesta categoria as minorias étnicas, as minorias nacionais 
que não se integraram, os imigrados, a quem se dificulta 
o trabalho, os desempregados por muito tempo, verdadeiros 
marginais, os escravos ; os grupos religiosos, políticos, que 
tiveram poder em tempos idos, e depois foram destituídos ; 
grupos de juventude e classes' sociais revolucionárias, Aqui 
o elemento de resistência é a aspiração à renovação da so­
ciedade global, ou pela modificação de seus princípios ideo­
lógicos, como é comum na juventude, ou pela posse do poder 
e revolta contra a hierarquia econômica vigente. 
b) Grupos mais ou menos abertos à penetração. Tais 
grupos· constituem um setor importante da própria socieda­
de global. Em períodos normais, de paz, aceitam seus mode­
los, símbolos, idéias, reservando-se, porém, o direito de cri­
ticá-los. Exemplos : famílias, grupos de atividade econômica, 
de fins não lucrativos. 
e) Grupos inteiramente submissos à penetração pela 
sociedade global. Exemplos : universidades e escolas públicas, 
sociedades, centros e organizações estatais. 
12) Quanto ao grau de compatibilidade : grupos com­
patíveis, parcialmente compatíveis, incompatíveis e exclu­
sivos. 
-- -- -- - - - - -- - - - - -- - - - - ---- --
1 
1 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 193 
De modo geral, os grupos de espécie diversa, isto é, com 
fun�ões diversas, são compatíveis entre si, seja qual fôr a 
�ociedade global ou o regime em que estejam inseridos. 
a) Grupos da mesma espécie, inteiramente compatí­
veis : grupos de atividade não lucrativa, como sociedades 
científicas ou filantrópicas. É perfeitamente possível a uma 
JWRsoa pertencer a mais de uma dessas sociedades. 
b) Grupos da mesma espécie, parcialmente compatí­
veis : São muito freqüentes, sobretudo na sua realização con­
creta, isto é, certos grupos que, . em princípio, se afirmam 
i ncompatíveis, na realidade se tornam parcialmente compa­
tíveis, como os grupos profissionais para aquêles que exer­
cem duas profissões. 
e) Grupos da mesma espécie incompatíveis entre si : 
(�lasses, grupos de sexo, grupos de afinidade com base na 
.situação econômica, grupos de idade. São incompatíveis, por­
que uma pessoa não pode ter senão um sexo e não pode ter 
também senão a sua idade. Todavia, nota-se que uma pessoa 
de 40 anos, por exemplo, pela juventude de espírito, se agru­
pe muitas vêzes com os adolescentes. Uma pessoa não pode 
.�er rico e pobre ao mesmo tempo. Entretanto, a mobilidade 
�ocial, as circunstâncias fortuitas de fortuna permit<'.?m a 
uma pessoa pertencer, na realidade, a mais de um grupo de 
afinidade econômica. Também a incompatibilidade total, 
presumida pelas crenças religiosas, na prática encontra mais 
de uma exceção, no entrecruzamento de religiões, na infil­
tração, por exemplo, da macumba, na religião católica po­
pular, nas Igrejas Unionistas protestantes, onde se esboça 
u m movimento de aproximação das seitas. A incompatibi­
l idade do E·stado, vai, hoje em dia, cada vez mais se ali­
_g-eirando, graças aos movimentos de migração internacional, 
<1ue trazem o espírito e cultura <:fe um povo para outra na­
çflo, permitindo assim que seus membros sejam membros es­
Jlirituais de Qutro povo. As famílias modernas. são, de si, 
1 . : 1 
�ERNANDO BASTOS DE Á VILA, S. J. 
\ 
grupos incompatíveis. Mas " divórcio, a::; ligaçooij extracon­
jugais, na realidade, permitem que um indivíduo pertença 
a mais de um grupo familiar. Os partidos políticos, se, de 
per si, são grupos incompatíveis, a união que se faz entre 
· êles, na prática, por motivos de interêsse, permite uma in­
compatibilidade parcial. 
d) Grupos exclusivos, que absorvem seus membros a 
ponto de lhes interditar a participação a qualquer outro 
grupo, ainda que de espécie diversa. São êles : certas ordens 
religiosas, sobretudo na Idade Média, certas seitas mágicas,. 
células de prisão e grupos de escravos. Se êsses grupos, es­
sencialmente são exclusivos, muitas �êzes a realidade vem 
abrir exceções, naturalmente que não legais, dentro da cons­
tituição do grupo. De qualquer modo, a infiltração de outros 
grupos é comum, inclusive nas células de prisioneiros ou 
· grupos de escravos. 
13) Quanto ao modo de coação : grupos dispondo de 
coação condicional e grupos dispondo de coação incondicio­
nal. O têrmo coação implica aqui a idéia de sanções j uridi'­
cas, isto é, de medidas precisas, previamente estabelecidas, 
que o grupo adotará contra os eventpais delinqüentes. A in­
tensidade da coação é proporcional à resistência que os gru­
pos encontram na sua realização. O tipo da coação se rela­
ciona mais diretamente com a natureza mesma do grupo, 
que adota coações físicas, econômicas, ou outras modalidades 
de coações. 
Só os grupos exclusivos são sempre grupos de coação 
incondicional. A maioria dos grupos dispõe de sanção con­
dicional, porque os membros podem se retirar do grupo, e, 
dês te modo, fugir à sanção. Entretanto, a.s coações condi­
cionais assumem por vêzes formas violentas : boicotagem 
nos sindicatos modernos, castigos corporais nas corporações 
medievais, vendetta para certosgrupos de revolucionários 
e, muitas vêzes, grupos que dispõem de coação incondicional, 
aplicam sanções muito mais brandas. São em gera:l grupos 
"--·· 
INTRODUÇÃO Ã SOCIOLOGIA 195 
dt� locnlidadc, baseados na vizinhança, os que dispõem de coa­
t;i10 im·ondicional : não se pode deixar de ser dêste grupo, 
mH1unnto se vive forçosamente neste lugar. As sanções às 
vi��t!� são taxas, impostos, multas. 
14) Quanto ao princípio que rege as estruturas e or­
gn n i zações : grupos de domínio e grupos de colaboração. 
O problema aqui não depende apenas de uma tipologia 
de grupos. É um problema que se refere à microsociologia 
das formas de sociabilidade. Entretanto, já que um grupo 
não pode existir sem um certo equilíbrio destas formas, o 
caráter do NóS predominante já será um forte indício para 
averiguarmos o princípio que rege a estrutura do grupo. 
O caráter autoritário ou democrático de um gTupo de­
pende de dois fatôres. 
a) Relação da estrutura e organização de um grupo, 
com o grupo-fenômeno-social-total. Quanto mais profunda­
mente enraizada estiver a sua superestrutura organizada na 
própria infraestrutura espontânea, mais fàcilrnente se fará 
o intercâmbio entre a superestrutura e a infraestrutura, sen­
do, portanto, mais leve, menos violento o princípio que rege 
• 
êsse grupo. Com bastante probabilidade, teremos um grupo 
democrático. Inversamente, quanto mais fechada estiver uma 
superestrutura em relação à sua infra-estrutura, portanto, 
quanto mais imposta fôr essa superestrutura, mais tirânico 
e autoritário será êsse grupo. 
b) O segundo fator é independente do fato de o grupo 
ser ou não organizado. 1;sse fator é o próprio caráter místico 
ou racional do poder, que se desprende do grupo. Trata-se 
aqui de um caráter próprio à estrut\1rai mesma do grupo, ou 
até de um caráter relativo ao próprio grupo-fenômeno total. 
Se o grupo está fundado sôbre um poder carismático, ou 
sôbre uma autoridade declaradamente superior, como no caso 
da família doméstica, o grupo será autoritário. Natura} .. 
mente que o regime vigente e a sociedade global onde se 
196 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
situa o grupo influem no caráter autoritário ou democrático 
do mesmo. 
15) Quanto ao grau de unidad� : grupos unitários, fe .. 
der alistas, conf ederalistas. 
Essa distinção é fundada sôbre a medida de unificação 
que existe num grupo. Só pode se referir, portanto, aos gru­
pos já estruturados e organizados, porque apenas nesses é 
possível estudar-se um grau de unificação fixado de ante­
mão, segundo e qual se estab�lece a hierarquia própria do 
grupo. 
Unitário : é o grupo constituído por uma hierarquia di­
reta das formas de sociabilidade ou pela preponderância de 
um grupo central sôbre os subgrupos, que, no conj unto, 
têm papel subalterno, e desempenham as atribuições co.. 
In{\ndadas pelo grupo central. 
:F�cderalista : o grupo organização é fundada sôbre uma 
síntese de subgrupos, de tal modo que o grupo central e 03 
subgrupos se afirmem como equivalentes na formação do 
grupo. 
Confederalista : o grupo cuja organização está fundada 
sobre uma síntese de subgrupos, de tal modo que os subgru-
• 
pos se afirmem como predominantes·, nessa síntese, ao pró-
prio grupo central. 
Se admitirmos que todo grupo, cuja estrutura e orga­
nização estão tão enraizados em sua infra-estrutura, a pon­
to de se poder constituir como "uma personalidade coletiva 
complexa" - ou como "equilibrio entre personalidade cenN 
trai e personalidades parciais", poderíamos dizer que: 
a) no grupo unitário, o equilíbrio entre pessoa cen­
tral e as personalidades parciais se estabelece com o predo. 
mínio da personalidade central ; 
b) no grupo federalista, o equilíbrio se estabelece en­
tre as pes�oas parciais e a pessoa central ; 
e) no grupo confederalista, o equilíbrio é atingido com 
a preponderância das pessoas parciais sôbre a pessoa central. 
! 
INTRODUÇÃO À SOCl-OLO(;IA I H7 
O exame das diversas tipologias nos possibilitou uma 
visão da estrutura formal dos grupos e de uma critel'iolog-ia 
para a sua classificação racional. Poderemos passar depois 
à análise de grupos concretos, que permitirá perceber a ri­
queza existencial, a densidade humana, na qual se incarnam 
as tipologias abstratas até agora estudadas. Antes, porém, 
faremos uma referência ao estudo da dinâmica dos grupos. 
§ 3) A DINÂMICA DOS GRlTPOS 
Esta elaboração áe tipos não serve apenas a uni inten­
to de sistematização sociológica. Os tipos podem ser consi­
derados também como variáveis para o estudo da dinâmica 
dos grupos. Assim, um determinado fator, atuando sôbre um 
grupo ou no interior de um grupo, pode ter por efeito au­
mentar a sua coesão interna, em se tratando de um grupo fe­
chado ou diminuí-la se o grupo fôr aberto. Entretanto, se 
pretendemos conhecer os diversos efeitos possíveis da in­
fluência dêste fator, é indispensável aplicá-lo a outros sis­
temas de variáveis. 
Isto nos permite uma referência à dinâmica do� grupos 
a qual tem por objeto, não mais os processos que se podem 
desenvolver no interior dos grupos, os que se podem desen­
cadear entre diversos grupos, mas sim o próprio comporta­
mento global dos grupos. 
O estudo da dinâmica dos grupos é hoje o setor da So­
ciologia no qual mais proliferam estudos analíticos basea­
dos· tanto na observação como na · experimentação de labo­
ratório, e o qual mais se ressente ainda da falta de uma ela­
boração teórica. Por isto mesmo, é o setor da Sociologia em 
que a curiosidade analítica mais vem estimulando o trabalho 
de teorização. 
Por enquanto, êste trabalho se concentra em dois es­
forços. O primeiro consiste em fixar as grandes· linhas de 
investigação que permitam aos estudos monográficos asdu-
198 FERNANDO BASTOS LE ÁVILA, S. J. 
mir um caráter cumulativo do .!Onhecimento, e não óe per­
derem em tentativas paralelas ou divergentes. Os editôres 
da mais importante obra no as'Sunto .u> distinguem cinco li­
nhas de investigação : o estudo da coesão dos grupos, de sua 
uniformidade, da sua eficiência, do problema da liderança e 
da estruturação dos grupos. O segundo esfôrço se aplica à 
elaboração de conceitos com valor operacional, que propiciem 
a formação de um vocabulário co·mum, e possibilitem aos : 
sociólogos falar a mesma língua, exprimindo, pelos mesmos · 
conceitos, as mesmas realidades. 
Não cabe numa Introdução à Sociologia um estudo por­
menorizado da dinâmica dos gru];>os. Podemos aqui apenas 
apontar para os grandes temas de que sé ocupa. 
Todo grupo tende a se estruturar ou informalmente, 
isto é, por uma deliberação reflexa fixada habitualmente em 
regimentos, estatutos e organogramas, ou por uma simples 
vivência aglutinante que resulta das mesmas fôrças em pre­
sença no grupo, ou atuantes sôbre o grupo. Vários métodos 
e critérios são adotados para desco�rir e classificar as di­
versas estruturas dos grupos. Uma linha metodológica se 
orienta mais no sentido de conceber as estruturas como· sis­
temas mais ou menos estáveis de relações, definidas pelo 
status e pelos papéis desempenhados por cada membro. 
Statu.� é o conjunto de direitos e deveres que cabe a cada 
indivíduo dentro do grupo. Papel é a maneira concreta pela 
qual cada indivíduo procura efetivar o seu status. Outra 
linha metodológica, utilizando as contribuições da Sociome­
tria, se orienta mais no sentido de conceber as estruturas 
como esquemas de relações entre os membros do grupo, in­
dependentemente de seu status ou dos papéis assumidos. 
f!ste método permite a elaboração de matrizes sociométrica� 
e oferece a possibilidade de um tratamento matemático, mas 
15 0 trabalho de síntese mais completo a respeito da dinâmica 
dos grupos é: Group Dynamics: Research and Theory, editado por 
Dorwin Cartwright & Alvin Zander, Row Peterson, N. Y., 2.ª ed.� 
1000, 826 págs. 
·• 
1 
1 
1 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 199 
é menos sensível às tendências empíricas que se podem de­
sencadear dentro dos· grupos. 
O grupo, formal ou informalmenteestruturado, goza de 
um certo grau de coesão interna, entendida como sua va­
lência em atrair os membros, seja para o grupo concebido 
como um fim em si mesmo, seja concebido como um meio 
para a . satisfação de determina.das necessidades ou realiza­
ções de determinados valôres. Utilizando esta conceituação, 
a dinâmica de grupos vem revelando através de estudos 
analíticos os fatôres tendentes a aumentar ou reduzir a va­
lência do grupo sôbre seus membros, bem como a favorecer 
a formação de subgrupos. 
Os grupos para sua própria permanência tendem a uma 
certa uniformidade, isto é, a impor aos membros uma sé­
rie de valôres e atitudes comuns ou, falando mais geralmen­
te, padrões comuns. O grupo exerce pressões sôbre seus 
membros. As condições de emergência destas pressões, e os 
fatôres qu.e as intensificam ou diminuem, constituem cam­
pos de pesquisa, onde mesmo as experiências de laboratório, 
apesar de sua inevitável artificialidade, vêm revelando a 
existência de certos determinismos e regularidades, que of e­
recem estimulantes hipóteses de trabalho para a análise do 
fenômeno social em sua realidade nativa. 
Um grupo só pode manter sua vitalidade na medida em 
que goza de eficiência, isto é, da capacidade de atingir um 
objetivo. Um objetivo sublime, de longo alcance, só man­
tém unidos os membros do grupo na medida em que êstes 
conservam um nível elevado de idealismo e são capazes de 
desdobrar o objetivo último em objetivos intermediários, es­
calonados e progressivamente acessíveis. O problema da efi­
ciência do grupo em função dos seus objetivos atinge a área 
da motivação individual dos membros e das relações desta 
com os objetivos do grupo. É a problemática das relações 
do finis operis e do finis operantis. Como se formam êstes 
objetivos no interior dos grupos, conjugando-se com as fôr­
ças das motivações individuais ; como se definem, no grupo, 
�ºº FERNANDO BASTOf; DE .\VTLA, �- J. 
as linhas de decisão, pelas quais os objetivos almejados pas­
sam de um plano ideal para o plano executivo, são temas 
que abrem para o sociólogo um campo imenso de investiga­
ção, com alto valor de praticidade. 
O problema da liderança, enfim, foi o que mais cedo in­
teressou os pesquisadores da dinâmica dos grupos, e é o se­
tor que ainda hoje mais se ressente da falta de elucidaçõe$ 
teóricas. 16 Uma escola sócio-dinâmica prefere conceber a 11"'." 
derança. como uma propriedade do indivíduo, e se ocupa em 
definir as qualidades do líder através da utilização de testes 
e das observações diretas. Outra._ escola .concebe a liderança 
como uma propriedade do grupo, como uma capacidade in1a.­
nente do grupo de prover ao exercício das funções indispen­'sáveis, seja para atingir seu objetivo, seja para manter-se 
como grupo. Ambas as escolas elaboraram um precioso ma­
terial analítico e chegaram a verdadeiras descobertas socio­
lógicas de grande valor operacional. 
16 Ver GERAI.4>0 SEMENZATO, SPES (Síntese Política, Econômiea. 
Social) , "A Liderança : Informações sôbre Algumas Investigações'", 
ano II, abril-junho de 1960, n.º 6. 
LEITURAS COMPLEMENTARES 
1 - BRIEFS, GOE·TZ, "Pesch and his contemporaries'', in Social Order;. 
abril de 1951, págs. 153-160. 
2 - GUNDLACH, S. J. GUSTAV, "Solidarist Economics ; Philosophy an<Ji 
SoeüJ-economi� theory in Pe8ch", in Social Order, abril de 1951,. 
páginas 18'1-185. 
3 - ABEL, THEODORE, "The contributi.on of Georg Símniel; a reapprai-­
sal", in American Sociological Review, vol. 24, n.0 4, agôsto de: 
1959, páginas 474-481. 
4 - HEBERLE, RUDOLF, "The Sociology of Ferdi-nand T-õnnies", in 
American Sociological Review, vol. 2, n.º 1, fevereiro de 1937,. 
págs. 9-25. 
5 - KLEIN, JOSEPHINE, The St·udy o/ Groups, Londres, Routledge e· 
Kegan Paul, 1956. 
6 - CARTWRIGHT, D. e ZANDER, A., Group d:J/namics, Londres, Taxis­
tock Publications, 195'3. 
7 - HoMANS, G. C., The Human group, New York, Harcourt e­
Brace Co., 1950. 
8 - Rios, José ARTUR, A educação dcs grupos, Rio de Janeiro, Ser· 
viço Nacional de Educação Sanitária, do Ministério da Saúde,. 
1957. Consultar, especialmente, o Cap. II. 
9 - FREYRE, GILBERTO, Sociologia, Rio de Janeiro, .José Olímpio Ed.,. 
1945. .. ' 
r 
CAP1TULO VII 
OS GRUPOS CONCRETOS. A. F AMfLIA 
A família é um �enômeno social cuja observação é aces­
sível a fõâos. É um fato social que constitui, para cada um, 
uma experiência quotidiana. Entretanto, a família que po­
'<iemos observar e em que vivemos é a família conjugal, a 
pequena unidade familiar composta de pais e filhos. A fa­
mília foi sempre assim? Qual a origem, qual a evolução do 
fenômeno familiar, que o conduziu a sua forma atual ? 
Examinaremos neste capítulo, em primeiro lugar, al­
,gumas teorias relativas à origem e à evolução da família. 
Em seg-undo lugar, fixaremos a atenção sôbre a fami­
lia contemporânea : suas funções, seus tipos fundamentais. 
E�m terceiro lugar, examinaremos alguns aspectos da 
:família no B raRil. 
Ji�m apêndice, introduzimos algumas reflexões relativas 
;à doutrina da Igreja sôbre a família, e à formação desta 
·doutrina. 
• • * 
'§ 1) TEORIAS SôBRE A EVOLUÇÃO DA FA�IíLIA 
Dentre as diversas Escolas que se interessaram pelo 
J)roblema, referimo-nos, em especial, a três : 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 
I) A tese da promiscuidade primitiva. 
203 
O primeiro autor que procurou dar a esta tese urna fun­
damentação cientifica foi o suíço JOHANN JACOB BACHOFEN, 
na sua obra I>as },futterrecht (1861). 1 
BACHOFEN seduziu-se pela idéia de um paralelismo en­
tre a · evolução das formas pelas quais o homem se procura 
os meios de subsistência e a evolução da família . . Ao ..Jongo 
d{\_H_�Yº�-�ç.ão -��-pumanidade, a cada tipo de produção corres­
ponde um determinado tipo de organização familiar. 
De início, o homem, vivendo em meio a uma vegetação 
espontânea, sustentava-se por um regime de colheita. Uti­
lizava os meios de sub�stência que a natureza inculta lhe 
proporcionava. Rigorosamente falando, não existia ainda ne­
nhuma forma de produção do hq.mem, e, por conseguinte, 
não existia ainda nenhuma forma de organização da famí­
lia. Foi o período do hetairismo afrodisíaco, companheiris­
mo sexual, de promiscuidade total, no qual as relações se­
xuais se processariam por ocasião dos encontros fortuitos 
no exercício da colheita. O homem, aliás, não tinha a me­
nor noção da eficâcia generativa do ato sexual. A prole fi­
cava a cargo exclusivo da mã.e, até o momento de poder pro­
ver à própria subsistência. 
O segundo período é marcado pela descoberta da agri­
cultura, que se torna a fonte principal e regular da subsis­
tência. A agricultura, feita especialmente pela mulher, dá 
1 JOHANN JACOB BACHOFEN (1815-18'87) . Antropólogo e histo­
riador suíço. Ocupou-se com a História da Arte e do Direito da anti­
gi.iidade clássica, e daí passou a int{ 'ssar-se por problemas hoje 
�bjeto dos estudos da Antropologia Cuh.ural. Neste setor, sua prin­
cipal obra, que lhe granjeou maior reputação, foi Das Mutterrecht: 
.eine Un.tersunchung ii.ber die (hrnaikocratie der alten W elt, na.eh 
ihrer religiOsen und rechtlichen Natur ( 1 861) (0 direito materno; 
investigaçii-0 sôbre a gi·necocracia do mundo antigo, segundo sua na­
tureza religiosa e jurídica) . Acumulou um abundante repertório de 
dados colhidos em sua vasta cultura do pensamento antjgo, que pro­
eurou interpretar em sua teoria da promiscuidade primitiva. Sua 
obra valo hoje mais pela sua riqueza informativa, do que pelas teo­
rias, agora consideradas demasiadamente unilaterais. 
204 FERNANDO BASTQS DE ÁVILA, S. J. 
uma importância preponderante ao elemento feminino, e 
enseja o aparecimento das primeiras formas, mais ou menos 
estáveis, de organização familiar sob o tipo de matriarcado. 
A importância econômica da mulher dá origem à família 
sob o signo da ginecocracia. 
Num terceiro período, a grande fonte da subsistência 
vem a ser a caça e pesca. Estas atividades produtivas tipi­
camente masculinas, fazendo a pêlo a qualidades mais varo­
nise reclamando a cooperação do grupo - clã ou tribo -
iam dar uma importância crescente à organização tribal sob 
o comando do varã.o e propiciar a fermação da família pa­
triarcal. 
Já na nossa era, enfim, na qual os meios de subsistên­
cia são principalmente garantidos pelo trabalho remunerado 
do chefe da família, desintegra-se a grande família patriar­
cal em favor da pequena sociedade conjugal, sob a autori­
dade do homem. 
O autor americano LEWIS MORGAN :? adotou as linhas 
gerais da evolução da família traçadas por BACHOFEN, e 
procurou determinar os estágios intermediários dos grandes 
períodos por êle definidos. 
MORGAN conviveu entre tribos de índios iroqueses nor­
te-americanos e observou-lhes os costumes. Notou que as 
crianças chamavam indistintamente mães a tôdas as mulhe­
res da geração de �ua mãe, e pais, a todos os homens da ge­
ração de seu pai. Viu neste fato a remaniscência de un1 pe-
2 LEWIS HENRY MORGAN ( 1818-1881 ) ' antropúlogo, nascido em 
Nova York. AdYogado por profissão, defendeu os índios iroqueses con­
tra pretensões injustas de colonos. Foi recebido na tribo e interessou-se 
por estudar-lhes os costumes, principalmente seus sistemas de rela­
ções familiares. Conheceu os trabalhos de BACHOFEN, que exerceram 
sôbre êle forte influência. Suas conclusões foram citadas por MARX e 
ENGELS em apoio da tese do determinismo materialista na evolução 
dos fenômenos humanos. Daí o fato de ser muito conhecido no mundo 
marxista. A antropologia moderna superou as teorias de MORGAN, 
baseadas num ·esquema linear de evolução. Suas principais obras 
foram: Systems of Consanguinity and AffinitJy o/ the lluman Fa­
mily (1870) e Ancient Socief!JJ (1877). 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOG IA 205 
ríodo de promiscuidade, no qual a paternidade era desco­
nhecida, e sugeriu a hipótese de que a evolução da família 
tenha seguido as seguintes etapas : promiscuidade esporá­
dica, absoluta ; aparecimento da idéia de incesto, que exclui 
a promiscuidade entre pais e filhos ; extensão da idêia de in­
·cesto, proibindo a promiscuidade também entre irmãos ; apa­
recimento da família matriarca} poliândrica, com paternida­
de, portanto, incerta ; família patriarcal poligâmica e, enfim, 
família monogâmica. 
Para BACH01'"BN, como para MORGAN, :portanto, a famí­
lia monogâmica, inexistente no início, é o têrmo de uma evo­
luçã.o multissecular comandada pela e_volução das exigências 
das diversas formas de produção . 
• 
Não parece haver dúvida sôbre o fato que esta.s últimas 
exerçam influência sôbre o tipo de família, e esta é a con­
tribuição, aliás não original, que se pode aproveitar da es­
�ola que estudamos. Mas contra a teoria, ou a hipótese mes­
ma dos autores em aprêço, temos a observar : 
A ) A hipótese se funda sôbre uma base de fatos muito 
dispersos, muito fragmentários, arranjados artificialmente 
numa construção cerebral mais verossímil que real. Tratan­
do-se da evolução de um fato social, elevemo-nos precaver 
contra qualquer teoria simplista. O fato social é uma rea­
lidade complexa, e sua evolução dificilmente se acomoda a 
um esquema linear. A hipótese de BACHOFEN e i\i.IORGAN nos 
diz como as coisas poderiam ter-se passado. Pouco nos diz 
eomo as coisas de fato se passaram. 
B) As escolas da Antropologia social contemporânea 
que se dedicaram, com rigo�· '\de métodos científicos, ao es­
tudo dos primitivos, nunca encontraram traços sequer de um 
estado original de promiscuidade e, ao contrário, quanto 
mais remotos são os dados sôbre a estrutura da família, tan­
to mais convincentes são em favor da tese de que o tipo da 
família biológica, monogâmica, tenha sido a sua forma mais 
primitiva. 
206 FERNANDO BASTOS DE ÁVILJ'., S. J. 
II) A tese do sociologismo de DURKHEIM. 
DURKHEIM distingue o casal, a união conjugal de fat<> 
- le couple conjugal de f ait - e a família, como instituição 
ou sociedade cujos membros são unidos por vínculos religio­
sos, juridicos e morais. O casal não realiza ainda a noção 
de família ; é a simples convivência de indivíduos de sexos 
diferentes. A família como tal é uma instituição social ; mais. 
claramente, é uma instituição, uma criação da sociedade. 
Neste sentido, não é a família que dá origem à sociedade, 
mas a sociedade que dá origem à família. Fora de um con­
texto social, pode haver o couple conjugal de fait; mas a fa-
. mília, no sentido pleno do têrmo, só existe na sociedade e 
pela sociedade. E esta que, através da contrainte soc'iale, cria 
o conjunto de círculos religiosos, jurídicos e morais, que· . 
transformam a simples uniã-0 de fato numa família. Apa� 
rece aqui, como vemos, o tema fundamental do sociologis­
mo durkheimiano : tudo explicar pelo social concebido como 
uma realidade exterior ao conjunto dos indivíduos. 
A partir desta premissa, DURKHEIM elaborou sua teo­
ria relativa à evolução da família. Segundo êle, a forma pri­
mitiva da organização familiar teria sido a família clânica 
tolêmir.a, a qual encontrou nos seus estudos sôbre os povos 
primit.ivoR dn AuRtráJia. O clã era a menor unidade social, 
ou o elemento 8ocial irredutível. pescobriu, no interior do 
clíL nuHtrulinno, a unidade conjugal monogâmica. Entretan­
to, Hegundo êlc, c1-1ta unidade era uma simples união de fato,. 
nflo era uma realidade social com suas funções· específicas. 
A família clânica sucedeu o matriarcado o qual, por 
sua vez, evoluiu para o tipo da família patriarcal, entre os 
povos mediterrâneos, e para o tipo da família paternal entre 
os povos nórdicos. 
A família patriarcal se caracteri'zou pelo absolutismo 
masculino. O patriarca, a cuja sombra e sob cuja autoridade 
permaneciam os filhos casados e suas famílias respectivas, 
detinha a plenitude dos podêres. A mulher era considerada 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 207 
8(�1u 1u·c menor, incapaz de possuir, de tutelar os filhos em 
(�aso de viuvez. 
Na família paterrial, a autoridade do marido era mais 
mitigada e a mulher como os filhos maiores gozavam de 
certos direitos e de maior independência. 
A família ocidental contemporânea conserva traços dês­
tcs dois tipos de familia que a precederam. Ambos marcaram 
profundamente o direito familiar contemporâneo. 
É certo que DURKHEIM teve uma idéia muito mais clara 
da complexidade do problema da evolução da família. 
Entretanto, nem o próprio DURKHEIM superou total­
mente a sedução dos esquemas simplistas quando retraçou 
a evolução da família desde o clã à família contemporânea. 
Além distot não Jfodemos deixar de observar uma certa 
arbitrariedade na posição do grande sociólogo. Depois de 
definir a família como uma instituição social, nega a famí­
lia monogâmica, como forma primitiva da família, por cons-
. ti tu ir apenas uma união de fato, não uma família, no sen­
tido em que a define. Foi a preocupação do sociologismo, com 
sua pretensão de explicar tudo pelo social, que o fêz incidir 
nesta petição de princípio, relativamente ao problema em 
foco. 3 
III) A tese da escol,a antropológica. 
A tese que estudaremos a seguir foi exposta pela Escola 
de Viena, de P . W. ScHMIDT O . V . D . , • na sua série de 
estudos intitulados : "Die Ursprung der Gottesidee" (A ori­
gem da idéia de Deus) . No me�\º sentido, vão as conclu-
3 E. DURKHEIM, "Sur l'organisati<ni matrimoniale deR société8 
australiennes'
,
, Année Sociologique, 19'05. Consultar, também, a res­
peito: G. DAVY, SocÜ>logues d'hier et d'aujourd'hui, Paris, P.U.F., 
1950 : "La f amille et la parenté l' apres Dur.kheim", págs. 79 e segs. 
" P. W. SCHMIDT, .Die Ursprung der Gotfe8idee, Viena, Anthro­
pos, iniciada a publicação em 1912; edição definitiva em cinco vo­
lumes, 1926-1935. 
I · 
1 · 
: ! 
. , : 1 
! 
., 
l 
� 1 1 
l 
t 
� :' . 
1 ' 
:208 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . 
.sões da escola antropológica americana moderna, que, -como 
.a Escola de Viena, afirma : 
a) nunca ter sido encontrada a existência de um esta­
do primitivo de promiscuidade ; 
b) a família monogâmica parece ter sido a forma ori­
ginal da familia,pois é a forma encontradiça entre os gru­
pos humanos mais primitivos ; 
e) á hipótese de ser a família monogâmica o têrmo de 
uma longa evolução foi inspirada no postulado corrente no 
.século passado, pelo qual se supunha gratuitamente que a hu .. 
manidade, em todos os setores culturais, evoluiu de formas 
menos perfeitas para mais perfeitas. 
Ocupar-nos-emos aqui tão-somente da Escola de Viena, 
.que, pelo rigor de métodos de trabalho e pela riqueza de 
material monográfico acumulado, merece maior atenção. 
1) O método da Escola de Viena. 
A primeira preocupação metodológica da escola foi a 
delimitação geográfica das áreas culturais, utilizando, para 
tanto, as linhas iséticas. Uma linha isética é a linha que 
une os diversos pontos· geÕiráficos onde se verifica a pre-
, sença de um determinado fato cultural : um tipo de flecha, 
uma técnica de pescaria, uma determinada forma de cons­
trução, um determinado rito ou crença. Por sua vez, uma 
área cultural é a área geográfica compreendida por uma li­
nha que passa pelos diversos pontos terminais de diversas 
linhas iséticas. 
Foi possível assim à escola constatar a existência de 
áreas culturais puras e mistas, caracterizadas pela contami­
nação de influências de várias áreas puras, áreas culturais 
isoladas e irradiantes, conforme difundiram ou não sôbre 
outras áreas suas próprias influências culturais. 
· A segunda preocupação metodológica da escola foi a de­
terminação da cronologia das diversas áreas. A intenção pri-
·1 
1 
l NTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 209 
n1�ira da J·�scola de SCHMIDT e seus continuadores GRAEBNER 
� A N K •:itMANN foi a de retraçar a evolução da idéia de Deus. 
Neste intuito, era-lhes necessário não só delimitar as áreas 
cl.1lturais, mas ainda classificá-las segundo sua prioridade 
no tempo. 
Foram assim obrigados a definir um certo número de 
critérios de prioridade temporal, entre os quais citarnos : 
a) 9 critério do pressuposto necessário : um fato cul­
tural que aparece, como resposta a, ou como reação contra, 
um outro fato cultural, pressupõe evidentemente êste e lhe é 
portanto posterior. _,Assim, por exemplo, um determinado mo­
vimento religioso de caráter reformi�ta pressupõe a existên­
cia de um movimento religioso anterior ao qual vem re­
f orrnar . 
. b) O critério da remanescência cultural. um fato cul­
tural, que não tem sua razão de ser no contexto em que é 
identifi<!ado, deve ser interpretado como remanescência de 
um outro contexto anterior e é, portanto, mais antigo que o 
seu quadro cultural atual. A técnica de construção sôbre 
pilo tis ou estacas de madeira foi empregada originàriamen­
te em regiões lacustres como meio de defesa de populações 
ameaçadas. Assim, êste modo de construção encontrado em 
regiões não lacustres e pacíficas é mais primitivo que os 
demais fatos culturais desta região. 
e) O critério da simplicidade : de modo geral, um fato 
cultural mais simples do que outros do mesmo gênero é pro­
và velmente anterior aos mesmos : uma religião simples é 
anterior a uma religião complexa, uma técnica de pesca mais 
�imples é anterior a outra mais complicada. 
É a aplicação combinada dêstes e de outros critérios 
t1ue permite uma classificação cronológica dos diversos fatos 
culturais. É excusado lembrar que, se, teoricamente, os cri­
térios em si são claros, sua aplicação prática é sumamente 
delicada. 
210 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
A Escola de Viena, com tal 111étodo, vô<le Lentar ã da::;­
sificação e descrição das diversas culturas. É nesta descri-: 
ção que vamos encontrar os elementos da sua tese coip. re­
lação à evolução da família. 
2) A tese da Escola de Viena. 
A Escola constatou a existência de três grandes grupos 
de cultura : as culturas primitivas, primárias e secundãrias .. 
• 
a) As culturas P')�imitivas. 
Foram identificadas em três grupos : o grupo central,. 
compreendendo os pigmeus da África Equatorial e os negros 
da Nova Guiné ; o grupo meridional, com os povos primiti­
vos da Austrália Central, da Tasmânia, os bosquimanos da 
África e os habitantes da Terra do Fogo ; o grupo ártico: 
com as tribos árticas da América e da Ásia. 
Entre êstes povos mais· primitivos, a família apar_ece 
como uma organização bastante estável, baseado no matrimô­
nio monogâmico, e com impedimento de consangüinidade� 
Os pais revelam grande apêgo aos filhos. As relações de au-­
toridade entre o homem e a mulher não têm nada de tirâ­
nico ; são bem equilibradas. Ambos contribuem para a sub­
sistência: ela com a colheita, êle, com a caça, utilizando o 
bumerangue, como entre os povos australianos, ou com a 
pesca. 
b) As culturas primárias . 
.São divididas, pela Escola, em três subgrupos : da pe­
quena a:&tura, que se desenvolve na Melanésia, na região dos 
grandes lagos da América do Norte, na África do Sul e na 
Guiné Oriental. Apareceu a agricultura sob os encargos da 
mulher. A agricultura, ainda que rudimentar, impõe uma 
fixação mai� estável ao solo, em oposição ao nomadismo da 
fase anterior e o aparecimento da noção de propriedade. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 211 
Dada a importância econômica da mulher, a família é mar­
cada pela preponderância feminina. A família matriarca} se 
apresenta sob diversas formas, que sublinham tôda a infe­
rioridade do homem : regime sem coabitação permanente, 
forma mais feminista, deixando plena liberdade à mulher, 
maR, com o matrimônio ainda monogâmico ; regime com coa­
bitação, mas no qual a ascendência é definida por linha ma­
terna. O feminismo vigente neste subgrupo desperta as rea­
ções do elemento masculino que se organiza em sociedades 
secretas e cria por vêzes um regime de poligamia, no qual 
um homem explora o trabalho de várias mulheres. l\.iesmo 
neste caso, porém, a sucessão ainda é feita por ascendência 
feminina. 
O subgrupo dos caçadores, que se localizou na Austrália 
Central e Setentrional, na África Oriental e em algumas tri­
bos da América do Norte. O homem inventa vários instru­
mentos e artifícios para capturar animais. Cresce a impor­
tância da caça como fonte de subsistência e com ela à im-
• portância do homem sôbre a mulher. A família se organiza 
sob a forma poligâmica, debaixo da autoridade tirânica do 
homem. Entretanto, a própria organização familiar tende a 
se dissolver dentro da organização tribal, porque a caça, 
a grande fonte de subsistência, é feita pela tribo, coletiva­
mente. Aparecem os clãs totêmicos. 
O subgrupo dos pastores nômades, que parece ter-se ori­
g-inado nas regiões centro-oeste da Ásia, Sibéria, região dos 
Urais, de onde se difundiram para a Europa Oriental e 
Oriente Próximo. 
O homem consegue domesticar alguns animais e cria 
a pecuária. A manutenção dos rebanhos ia obrigar êste sub­
grupo a invadir regiões sempre mais extensas e a entre· 
gar-se ao nomadismo. 
Aparece a família patriarcal, constituindo a unidade 
econômico-social. Os filhos casados permanecem sob a au­
toridade do pai. Herança por direito de primogenitura mas­
culina. Vínculo familiar muito rígido. Supremacia do ho--
212 FERNANDO BAST'ÜS DE ÁVILA, S. J, 
mem, mas sem a brutalidade do subgrupo anterior. A mu-
lher, mesmo encarregada das tarefas menos pobres, não é � 
desprezada, devido à grande importância atribuída à des- , 
cendência. 
e) As culturas secundárias. 
Nasceram da contammação mútua das culturas prece-. 
dentes, e deram origem a tipos. de organização familiar, nos 
quais as características das organizações anteriores se mis­
turam e se atenuam. 
Como se pode observar da exposição acima referida, 
para a Escola de Viena, a. evolução da familia segue um ro­
teiro inverso ao descrito por outras escolas. A forma primi­
tiva da família teria sido a monogâmica. Tõdas as mais for­
mas seriam degenerescências aparecidas sob a influência de 
fatôres predominantemente econômicos, relacionados com o 
tipo de produção. • 
Não há dúvida que, pelo rigor do método adotado, é a 
Escola de Viena que, entre tôdas, concilia mais a confiança 
num assunto tão obscuro e aindatão controvertido da ori­
gem da família. 
Alguns autores consideram superada a Escola de Viena 
pelo fato de basear-se ela exclusivamente numa hipótese 
difusionista, parecendo desconhecer a possibilidade de um 
parale1ismo cultural. .Segundo êles, fatos culturais idênticos 
podem ser explicados não s6 pela sua difusão no espaço, 
quanto também pela invenção paralela em diversos pontos do 
espaço, nos y_uais necessidades idênticas teriam sugerido in­
venções parecidas. Não negamos a possibilidade do parale-.. 
lismo cultural. Cremos porém que a multiplicidade dos fatos 
culturais idênticos descobertos pela Escola e a própria iden­
tidade dos detalhes dêstes fatos encontram sua explicação 
mais ·óbvia em um dif usionismo suficientemente preciso para 
justificar a delimitação das áreas culturais. 
\ .. 
INTRODUÇÃO Á SOCIOL-OGIA 213 
§ 2) . A · FAMíLIA CONTEMPORÂNEA 
I) Funções da família. 
A família conserva ainda hoje quatro grandes funções : 
a procriativa, a da educação e treinamento social da prole, 
a econômica e a emocional. 
O modo pelo qual a família se desempenha destas f un­
ções varia segundo seu próprio tipo; sempre, porém, de um 
modo ou de outro, ela se incumbe das mesmas tarefas. 
· 
A função procriativa garante a permanência e a expan­
são do grupo e é ao mesmo tempo um fator de promoção 
dos cônjuges. No plano natural, a paternidade a maternida­
constituem a via normal pela qual o homem e a mulhei· atin­
gem a sua plenitude biológica e psíquica. 
Pela função educativa, a família proporciona à sua pro­
le os meios necessários para participar da vida 80cial : en­
sina-lhe os rudimentos da língua, inculca-lhe oR hábitos in­
dispensáveis para poder viver em sociedade. A vida social 
requer um longo aprendizado, que só pode ser ministrado 
através de uma ação perseverante, que desce aos mínimos 
detalhes. É a f amUia que nos ensina a assumir com natu­
ralidade inúmeros comportamentos e atitudes, sem os quais 
-. ,s�ríamos uns desajustados e .tornariamos insuportável a 
vida em grupo. 
Pela função econômica, a. família procura os meios d e 
subsistência e d e confôrto, a base material necessária ao 
desempenho das demais funções. Esta tarefa é realizável 
normalmente pela divisã.o do trabalho entre os diversos com­
ponentes da família. A tendência, ainda hoje predominan­
te, confere aos elementos masculinos os trabalhos fora 
do lar, e aos elementos femininos os trabalhos domésticos. 
Esta lei, entretanto, não é absoluta e mesmo na fan1ília 
ocidental, ao menos nos países em vias de desenvolvimento, 
j á se notam tendências marcantes que solicitam a mulher 
para fora do lar e distribuem a todos' os membros da fa .. 
mília as tarefas domésticas. 
214 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
A função emocioual, enfim,. baseada na própria com­
plementaridade dos sexos, garante aos membros da família 
o equilíbrio emotivo. Não é 1'enor a importância desta fun­
ção. E'la se afirma pela vivência do amor. A família é o 
lugar natural onde esta profunda exigência humana se rea­
liza e se expande : amor mútuo do homem e da mulher, 
amor de ambos pelos· filhos que são a sintese viva dêles 
mesmos e a garantia de sua prolongação no tempo, amor dos 
filhos aos pais e dos irmãos entre si. Quando a família fa­
lha nesta função, os reflexos desta falência podem trauma­
tizar profundamente os seus membros· e dar origem a desa­
justes psíquicos que repercutem em tôda. a sua vida, mes­
mo a profissional e pública. 
II) Tipos da família contemporânea. 
Abstraindo de certas formas de famílias ma triarcais e 
poligâmicas que ainda se encontram no Oriente, podemos 
distinguir dois grandes tipos de famílias : 
A) A família extensa e a família bio16gica--conj ugal. 
A primeira é uma forma atenuada do patriarcado, pela 
qual casais unidos por laços de consangüinidade e de afi­
nidade mantêm relações mais ou menos constantes no de­
sempenho das funções educativa, econômica e emocional. 
::S.:ste tipo de família é ainda vigoroso em nossos meios ru­
rais e mesmo nos meios urbanos a sua permanência causa 
estranheza a estrangeiros vindos de meios onde predomina 
a família conjugal. O americano, por exemplo, que visita o 
Brasil, fica surprêso quando, convidado para uma "festa de 
família", se vê en-volvido por uma verdadeira tribo de pa­
rentes do festejado. 
B) A família conjugal é a constituída pelo pai, mãe 
e filhos, pequena unidade que assume ela mesma o desem­
penho das funções essenciais da família, sem recurso nor­
mal aos casais consangüíneos ou afins. 
.. 
• 
INTRODUÇÃO Á SOCIOLOGIA 215 
Note-se que se trata de dois tipos de família sociolõgi­
camente distintos. A primeira compõe-se de casais ; a se­
gunda compõe-se de indivíduos. No primeiro caso, as fun­
ções são distrib�ídas normalmente pelos diversos casais ; no 
segundo, são assumidas pelos pais e filhos. No primeiro 
caso, quando u'a mãe não pode atender a seus filhos, man­
da-os para casa de uma irmã ou de uma tia ; no segundo 
.caso, manda-os para uma instituição pública ou privada. 
III) Características da faniília contemporânea. 
A) A família tende a diminuir de dimensões. O ritmo 
dessa redução de dimensões, porém, é diverso, segundo vá­
rios f atôres, por exemplo : mais acelerado em meios urba­
nos do que em meios rurais, menos acelerado em meios ca­
tólicos. 6 
O fenômeno já é sensível em certos meios urbanos do 
Brasil. Entretanto, a redução se faz lentamente, porque su­
põe a adoção de métodos anticoncepcionais, os quais nem 
sempre são aceitos fàcilmente pela con�ciência individual e 
requerem, na sua aplicação, uma certa evolução cultural 
pouco acessível à massa. 
Esta redução das dimensões da família é mais obser­
vável nos· meios urbanos, por motivos já ponderados ante­
riormente. e 
B) A família perde a estabilidade. �ste fenômeno é 
parcialmente resultante do precedente. Com efeito, a famí­
lia, de bases cada vez mais reduzidas, é cada vez mais ins­
tável. E estatisticamente certo que a freqüência de desqui­
tes e divórcio é maior em famílias pequenas do que em fa­
mílias numero8as. Contudo, como já anotamos em capitulo 
� Consultar, a respeito, o abundante material analítico do no­
tável trabalho de PEDRO CALDERAN BELTRÃO, S. J ., Vers une poli tique 
de bien-être f amilial - Eléments d' une norma tive économique et · so­
cial e th la politique familiale, Roma, Università Gregoriana, 1957. 
� Ver o Cap. III, págs. 77-78. 
216 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
anterior, cremos que o principal fator da crescente instabi-
lidade da família é de ordem ideológica. Reside, por outras. n· 
palavras, na concepção hedonista do matrimônio e da famí-
lia, pela qual um número cada vez maior de jovens nuben-
tes vê no matrimônio apenas uma oportunidade de prazer. 
Quando, na vida conjugal, o prazer não compensa mais os 
sacrifícios, o vínculo se rompe, e cada um vai tentar por 
sua conta novas aventuras. 
C ) A família sofre uma interferência cada vez maior 
do Estado, que se atribui sempre mais funç·ões, antes desem­
penhadas pela própria família. Esta interferência, a nosso 
• 
ver, é ambivalente. Até certo ponto é benéfic�, a partir d<> 
qual se torna malfazeja. É benéfica, eJ].quanto o Estado as­
sume tarefas de base e deixa à família maiores possibilida­
des de realizar melhor sua própria essência de intimidade 
fecunda. Antes, a família devia búscar água, lenha. Hoje,. 
o Estado introduz em casa a água, o gás e a luz elétrica. 
Esta interferência se torna maléfica e injustificável, quando 
o Estado ameaça a substituir-se à mesma família em fun­
ções que são seus direitos inalienáveis, e para cujo desem­
penho ela tem qualificações naturais insubstituíveis, princi­
palmente quando, por circunstâncias por êle criadas, a f a­
mília perde sua independência econômica e seus direitos de 
educar a prole. 
D) A emancipaçã.o crescente da mulher. Hoje, a mu­
lher ou antes ou depois do matrimônio, é sempre mais soli­
citada a viver fora do seu lar. A causa dêsse fenômeno deve 
ser investigada, seja no planodos fatôres econômicos, seja 
no plano dos fatôres ideológicos. 
Os fatôres econômicos que atraem a mulher fora de seu 
lar são representados pelas transformações institucionais e 
estruturais por que passa a sociedade contemporânea. Prin­
cipalmente. nos meios urbanos, para poder sustentar a pr6-· 
pria família, ou para poder acumular algum capital, a fim 
de constituir seu futuro lar, a mulher é chamada a desem'-
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 217 
penhar funções não apenas domésticas. Tanto mais que, para 
.. . o exercício de muitas profissões, a mulher é especialmente 
qualificada. É assim um dado estatístico fácil de se verifi­
car nos anuários de 'qualquer país em via de desenvolvimen­
to o número crescente de mulheres com ocupação fora de 
casa. O fenômeno é tanto mais curioso quanto se faz sen­
tir em um tempo no qual muitos países lutam com o proble­
ma do desemprêgo da população masculina. 
Entre os fatôres de caráter ideológico, devemos assina­
lar principalmente a tendência feminista que procura a. 
emancipação da mulher e a sua perfeita igualdade com re­
lação ao homem. 
O feminismo, como fenômeno sociológico, merece de 
nossa parte um pouco mais de atençã.o. 
Desde seus inícios, o Cristianismo atuou �ôbre as estru­
turas sociais como um fator de promoção da mulher. Entre·­
tanto, durante tôda a Idade Mé.dia a mulher desaparece ante 
:J o homem na vida pública. Ela constitui apenas um sir:.al de 
beleza e de nobreza : o ideal cavalheiresco da dama. Na vida 
particular, entretanto, dispõe de uma autoridade moral que 
lhe permite igualar-se ao homem. O caldeamento entre êsses 
dois elementos, autoridade jurídica do homem e autoridade 
moral da mulher, depende naturalmente dos casos, das re­
giões e das diversas classes sociais. 
Com o Renascimento e o início do processo da laiciza­
ção da cultura ocidental, a Igreja foi perdendo pouco a pou­
co a tutela que exercia sôbre as consciências. Quando, em 
fins do século XVIII e início do século XIX, começam a 
se elaborar os grandes códigos• do direito civil contempo­
râneo e especialmente o de Napoleão, esta influência moral 
da Igreja .t-3Ôbre as consciências, e em particular sôbre a 
consciência dos juristas, já se encontrava bem atenuada. 
Os juristas vão legislar um direito matrimonial já sem 
a influência benéfica da Igreja na reabilitação da mulher. 
Ora, como os juristas geralmente são homens, o Direito Ma­
trimonial elaborado então levará a marca do desejo mas-
2.18 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
eulino de dominação. É então fixada em lei a teoria da in­
capacidade jurídica da mulher. 
Como reação contra a situação de inferioridade em que 
ela se encontrava, aparece o movimento feminista, que nos 
seus inícios haveria de levar as suas exigências a extremos 
de reclamar para a mulher absoluta emancipação política, 
social, econômica e sexual. 
Entre as pioneiras do movimento feminista, devemos 
enumerar em França OLIMPIA DE GOUGES, 7 que publica em 
1971 a Declaração dos direitos da mulher e da cidadã. No 
ano seguinte, 1792, MARY WOLLSTONECRAFT 8 publica na In­
glaterra a sua defesa dos Direitos' da mulher. 
No mesmo ano, aparece na Alemanha o trabalho de 
THEODOR VON HIPPEL � sôbre a Melhoria da Vida Cívica da 
7 OLIMPIA DE G<>UGES ( 1 7 48-1793 ) , pioneira, na França, sua pá­
tria, do movimento feminista. Tomou parte ativa nas crises da Re­
volução francesa, escrevendo numerosos trabalhos sôbre problemas 
sociais. Iniciou um movimento de participação da mulher na recons­
trução nacional e elaborou suas toorias de um feminismo extremado 
em dois panfletos : Droits de la f emme, 1791, e Le bonheur primitif 
de l'homme, 1789. Morreu condenada à guilhotina. 
s MARY WOLLS1'0NECRAFT, escritora e feminista inglêsa, nascida 
em 1759. Os sofrimentos que teve de suportar, desde menina, vítima 
de um pai irresponsável, muito influíram sôbre seu pensamento. Con­
seguiu instruir-se e chegar a um apreciável nível de cultura, lutando 
sozinha contra a pobreza e a adversidade, abandonada pelo homem 
com quem convivera e do qual tivera sua primeira filha Fanny. Es­
creveu A vindication of the rights of woman, 1792, que lhe granjeou 
a notoriedade. Visitou a França revolucionária, e de volta à In­
glaterra uniu-se ao socialista WILl.JAM GODWIN, o mesmo contra o 
qual MALTHUS escrevera seu ensaio sôbre a população. Desta segnnda 
união, nasceu-lhe a filha Mary. Morreu em 1797, depois de ter tentado 
o suicídio atirando-se ao Tâmisa. 
9 T:HEODOR GOTI'LIEB VON HIPPEL, escritor alemão, nascido em 
Kõnigsberg, em 1741. Entrou na carreira administrativa, ocupando 
altos cargos em sua terra natal. Escreveu peças teatrais e obras de 
ficção, que revelam um fino espírito humorista. Foi amigo de KANT, 
cujas idéias procurou difundir em seus escritos. Combateu com vigor 
a exclusão da mulher das atividades civis e científicas, em suas obras : 
über die Ehe, 177 4, Ober die bürgerliche Verbes.�erung der W eiber, 
1792, e über Weibliche Bildung, obra póstuma, publicada em 1801 . 
Morreu em 1796. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 219 
Mulher. Entretanto, é ELLEN KEY, 1º ql_le, com sua intensa 
atividade publicitária, é considerada a verd��eira mãe do .. 
��Y.�!!:1:�nt9··---��!!J:Üli§.t� __ __ç2ntemi>.QJâneo. 
O feminismo aparece sob dupla forma : uma forma ex-
tremista e outra moderada. As principais reivindicações da 
tendência extremista são : 
J.) emancipação sexual da mulher. Esta tendência vi­
sav
·
a desligar a sexualidade da fecundidade, e a fecundidade 
do matrimônio. Fecundidade era considerada um instinto 
que a mulher tinha o direito de satisfazer. Da mesma forma, 
a sexualidade. O feminismo reclamava a favor da mulher 
a mesma complacência com que a sociedade considerava as 
faltas congêneres do homem ; 
2) emancipação juríàica da mulher. A tendência re­
jeitava qualquer sujeição ao homem e propugnava a per­
feita igualdade entre o homem e a mulher. tanto na vida 
particular como na vida pública ; 
3) emancipação econômica, considerada como a basü 
indispensável para a emancipação absoluta da mulher. A 
mulher só seria realmente livre e emancipada quando dis­
pusesse de poder aquisitivo próprio. .Segundo esta tendên­
cia, a mulher durante a maior parte de sua vida seria uma 
produtora como o homem e episodicamente reprodutora, em 
benefício do Estado. Daí a simpatia que o môvimento en­
controu por parte das tendências socialistas. 
10 ELLEN KDY, feminista, nascida na Suécia, em 1849. Profes­
sôra em Estocolmo, interessou-se pela literatura íemi.nista da época, 
que propugnava igualdade de direitos para a mulher. Via, entretanto, 
o êrro da tese feminista, e a impossibilidade para a mulher compe­
tir com o homem. Para KEY, a mulher é essencialmente destinada à 
maternidade. Foi por isto violentamente atacada pelas feministas ex­
tremadas. Muitas 4as, i_�éias P9_!. �la pela primeira v� defendidas 
�êm hoje e�pressão c_orrente no direito social, como : seguros de ma­
ternidade, disp�nsa do tralialho das mulheres meses.-�..!!!.�.�--- e depois do J) rtõ Suas prmcipais obras foram: The century o/ the Child, W09, 
ie Frauenbewegung, também vindo à luz no mesmo ano. KEY morreu 
em 192.6, depois de participar de movimentos pacifistas. 
220 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
É curioso observar que, na Rússia, imediatamente após 
a revolução de 1917, procurou-se legalizar esta situação ab­
solutamente emancipada da mulher. Tôdas as tendências 
contrárias eram designadas como preconceito burguês. As 
conseqüências sociais, porém, desta liberdade acarretaram 
uma tal decadência moral, que o próprio govêrno soviético 
foi obrigado a retroceder nas suas concessões. Hoje, a le­
gislação familiar soviética é, no tocante à liberdade da mu­
lher, extremamente austera. 
P. ... tendência feminista moderada, sem cair nos exageros. 
da tendência extremista, reconhece a inadequação do Direi-
. to Civil atual, no que concerne à posição r€spectiva da n1u­
lher na família com relação ao homem. Rtclama por ist<> 
uma revisão do Direito Civil. Asupressão das incapncida· 
des legais e da potência marital visa organizar a vida da 
família mais sob a forma de colaboracão entre o homem e a .. 
mulher, do que sob a forma de subordinação desta àquele. 
Esta tendência moderada reclama também a igualdade de 
instrução do homem e da mulher, porque a possibilidade de 
acesso a profissões compatíveis con1 seu sexo depende inui­
tas vêzes do nível de instrução. Tal movimento j á desperta 
interêsse no Brasil e suscita mesas-redondas e debates enÍ 
tôrno do problema. 
Se pretendermos formular um juízo de valor sôbre n 
feminismo, notaremos que a tendência extremista, visando 
à absoluta. emancipação da mulher e à sua perfeita igual­
dade para com o homem, parte de um equívoco. Na reali­
dade, a mulher não é igual ao homem por natureza, tanto 
biológica, quanto psicologicamente falando. Assim, não é 
possível conceder-lhe as mesmas atribuições na vida públi­
ca. A tendência extremista não só parte de um equívoco, 
mas conduziu a um equívoco maior. Visando a dar maior 
liberdade à mulher, na realidade veio expô-la a um grande 
número de ·servidões. A mulher só é livre e soberana na in­
timidade do seu lar, criado por ela e da qual ela é a verda­
deira artífice. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 221 
A êste propósito, ocorre-nos aqui o dito de CHESTERTON : 
"as mulheres disseram: não ouviremos nunca mais ordens 
ditadas pelos hon1ens. No dia seguinte, havia. no mundo dois 
milhões de estenógrafas". 
A tendência extremista, além disso, pretende libertar 
· a mulher do complexo de inferioridade que sofria diante do 
homem. De fato, agravou êste complexo. Insinuou que a 
mulher só poderia superá-lo fazendo.se igual ao homem. 
Nunca, porém, ela poderá conseguir identificar-se ao ho­
mem, porque não dispõe das mesmas qualidades biológicas 
e psíquicas. Enquanto desejar ser homem, só poderá ser 
um homem frustrado. 
Quanto ao feminismo moderado, pode-se dizer, cre­
mos, que se insere na linha do Cristianismo, que, desde os 
seus inícios, reabilitava a mulher. 
Parece-nos perfeitamente justo que sejam dadas à mu­
lher as mesmas possibilidades de promoção cultural que a 
sociedade oferece ao homem. Dizia.se, com efeito, que a 
mulher é intelectualmente menos dotada que o homem, mas 
não se lhe ofereciam as mesmas possibilidades de cultura. 
É sabido que . o fenômeno do acesso das mulheres às univer­
sidades é um fato relativamente recente. Uma vez conse­
guidas as mesmas oportunidades de formação cultural, a 
capacidade feminina revelou.se perfeitamente idêntica à 
mascu1ina em suas habilitações intelectuais. 
§ 3) A FAM1Ll1' ... NO BRASIL 
1) Mesmo sem nos filiarmos ao Sociologismo do tipo 
. durkheimiano, e inantendo-nos no ponto·de-vista da obser­
vação puramente sociológica, devemos admitir a existência 
de um ser familiar, que não é igual à simples soma dos 
membros da família, mas que os transcende e envolve. 
Não damos a êste ser familiar, como faria DURKHEIM, 
uma consistência própria, independentemente dos membros. 
222 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
da família ; mas reconhecemos que êste ser não desaparece, 
mesmo quando vão desaparecendo os seus componentes. A 
verificação mais inequívoca da existência dêste ser familiar 
se encontra no fato de ser êle dotado de um potencial de 
ação, como notávamos antes. O ser familiar cria, educa e 
plasma os seus membros. Dá a cada um o seu relêvo e a 
sua função própria. Nem se pense que esta eficácia criadora 
e formadora da família se processa apenas no sentido da 
ação dos pais sôbre os filhos. É ela, ao contrário, constituí­
da por uma rêde de relações que se trança em todos os sen­
tidos : dos pais entre si, dos filhos entre si, dos pais aos fi­
lhos e também dos filhos aos pais. É· o que ilustra a expres­
são tão rica de OTMAR SPANN : "se é a mulher que faz da 
criança um homem, é a criança que faz da mulher u'a mãe". 
Aliás, a existência do ser familiar é comprovada diària­
mente por uma verificação empírica. Cada vez que, voltan­
do do torvelinho da cidade, nos acolhemos ao seio da famí­
lia, experimentamos uma diferença de densidade. Sen­
timo-nos envolvidos por um ambiente diverso que nos acolhe 
numa atmosfera de confôrto, de carinho, ou de preocupações 
e tensões. Êste ser familiar atua de tal maneira sôbre seus 
membros, que é bem diverso o comportamento público e 
profissional de quem vive numa família harmoniosa1nente 
integrada, do daquele cuja família atravessa uma crise qual­
quer. 
II) Ora, a família brasileira, como tal, atravessa uma 
crise. A pequena família biológica-conjugal, a pequena uni­
dade familiar composta dos pais e dos filhos, fazia parte 
de uma unidade maior, a família extensa, que poderemos 
chamar a f arnília patriarcal. 11 A família conjugal nascia 
e crescia dentro do contexto patriarcal, no qual tinha uma 
11 . A :formação e evolução da família patriarcal brasileira foram 
estudadas por GILBERTO FREYRE, nas suas duas grandes obras: Casa 
Grande e Senzala, Rio de Janeiro, José Olímpio Ed., 1950, e Sobra­
dos e Mucambos, ibid., 1951. 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 223 
garantia ffnanceira e uma garantia de estabilidade emocio­
nal. Entretanto, o patriarcalismo ainda vivo entre nós, em 
algumas regiões, nos meios urbanos, conserva apenas alguns. 
elementos residuais,. de cuja existência temos consciência 
apenas em alguns' momentos da vida : uma data festiva, um 
casamento, um funeral, que reúnem por algumas horas. 
a grande unidade patriarcal. 
Acontece, pois, que destruída essa solidariedade inter· 
na da família patriarcal, nada veio substituir os mecanis­
mos de defesa da pequena unidade conjugal, que se encon·· 
tra exposta a fôrças de desintegração, típicas de uma socie­
dade em transformação de estrutura como a nossa. Sozinha,. 
esta família é envolvida e muitas vêzes esmagada na luta. 
pela existência. 
III) A família conjugal não tem defesas. Nosso di­
reito civil não toma conhecimento da realidade do ser fami­
liar. Nossos civilistas de 1916 eram herdeiros de uma tradi­
ção liberal, eivada de individualismo e sem o menor senso· 
comunitário. Nosso Código Civil, por tantos títulos aliás, 
uma obra notável, tratando do Direito Familiar, limita-se de 
fato a legislar sôbre os direitos e deveres das' partes em pre-· 
sença e sôbre o patrimônio. Não deu uma defesa jurídica à. 
família como tal. Não lhe deu mecanismos de proteção que .. 
f ôssem sucedâneos dos que ela tinha no seio da família l)a­
triarcal. Temos assim uma situação paradoxal : os interêsses. 
políticos dos indivíduos se aglutinam e reúnem em partidos. 
aos quais a lei reconhece e defende ; os interêsses econômi­
cos e profissionais se constituem em sindicatos, que também� 
têm o reconhecimento legal. Só os interêsses familiares, que 
são tanto ou mais profundos que os precedentes, não são prà· 
ticamente reconhecidos e não têm uma garantia jurídica. 
Assim desprotegida, nossa família se encontra exposta .. 
a fôrças de desintegração, que examinamos mais acima. 
Se a familia corresponde a interêsses fundamentais do· 
homem e se ela, dada à conjuntura de nossa evolução só-
224 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J . 
.cio-econômica, sofre o impacto crescente de fôrças de desin­
tegração, o mínimo que se poderia pedir ao Estado seria o 
reconhecimento legal do ser familiar como sujeito de direi­
tos e deveres. 
Uma das expressões j urídicas dêste reconhecime_nto se­
ria, por exemplo, a criação no Legislativo de uma Comissão 
da família, que representasse e defendesse os seus interês­
.ses específicos. A idéia é propugnada por um ilustre jurista 
·brasileiro, o Prof. CELESTINO DE SA FREIRE· BASÍLIO. Qual­
·quer projeto que interessa à família como tal vai para a 
Comissão de Justiça ou para a Comissão de Finanças. A 
·primeira j u1gá-lo-á à 1uz de um direioo familiar obsoleto ; a 
.segunda, dentro das possibilidades orçamentárias. Nem uma 
·nem outra está em condições de apreciar o assunto no seu 
·verdadeiro contexto : à luz dos supremos interêssesda pró­
.:pria família brasileira. 
A P � N D I C E 
• 
DOUTRINA DA IGREJA RELAl'lVA À FAMíLIA 
A Igreja, conciente de sua missão essencialmente reli­
giosa, recebe do Direito Romano as estruturas da família, e 
não pretende reformá-las por uma ação direta no plano civil. 
Pouco a pouco, porém, com sua preocupação moral, haveria 
de introduzir os elementos capazes de atenuar o acentuado 
patriarcalismo da família romana. 
Na formação da Doutrina da Igreja, com relação à fa­
mília e ao matrimônio, podemos distinguir doi� aspectos : o 
aspecto moral e o aspecto canônico. 
I ) O aspecto moral do matrimônio e da família. 
De início, a lgrej a preocupa-se pelo matrimônio e pela 
família do ponto-de-vista moral : por outras palavras, intro­
duz a preocupação moral no matrimônio. Qualquer fàlta con­
tra o matrimônio, que em Direito Romano tinha um valor 
quase que exclusivamente social ou político, recebe, num cli­
ma cristão, uma conotação moral. Não é apenas um ato 
anti-social, mas um ato imoral, com tôdas as referências 
teológicas que um tal ato implica. 
Com esta preocupação, a Igreja introduz exigências qua­
se in�eiramente ignoradas e estranhas ao paganismo. Co­
meça a pregar a castidade pré-nupcial e nupcial. Exalta o 
226 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
ideal da castidade e o dever da fidelidade, considerando-os 
absolutamente iguais para o homem como para a mulher. 
Temos, a êste respeito, o testemunho de SANTO AMBRÓ­
SIO, no século V : "apud nos, quod mulieribus non licet neque 
viris fas est". Era ainda a preocupação moral que levava a 
Igreja a conferir o matrimônio a tôda união moralmente 
honesta, mesmo entre escravos, como entre um escravo e 
uma pessoa livre. 
Desde os. seus inícios, a tradição cristã prega o matri­
mônio como união una e indissolúvel. E interessante notar 
que ela defende sempre a indissolubilidade, apesar de conhe-
. cer um texto evangélico que, aparéntemente, poderia forne­
cer argumento à tese da dissolução do matrimônio, em caso 
de infidelidade de um dos cônjuges. Referimo-nos ao texto 
do capítulo XIX do Evangelho de SÃO MATEUS - versículo 
3 e seguintes. Respondendo a uma pergunta dos fariseus 
sôbre o direito que assiste ao homem de repudiar a sua es­
pôsa, Nosso Senhor diz : "aquilo que Deus uniu, que o ho­
mem não separe'' ; e acrescenta : "digo-vos que quem quer 
que repudiar a sua espôsa, a não ser por causa de fornica­
ção, e casar-se com outra, comete _adultério". 
O inciso, que durante muito tempo preocupou os exege­
tas, é precisamente o nisi ob f ornwationem. 
Exegetas protestantes vêem neste inciso a possibilida­
de de repudiar a espôsa infiel. Entretanto, apesar da exis­
tência dêste texto, a tradição da Igreja foi sempre unânime 
em considerar como adultério as segundas núpcias de uma 
pessoa que repudiasse o cônjuge infiel. Esta permanência 
da prática eclesiástica hauriu da própria tradição o senti­
do autêntico do texto, que deu origem a tantas controvér­
sias entre os exegetas. 
Hoje, a interpretação mais aceita entre os herrneneutas 
católicos foi elaborada por JOSEPH DE BONSIRVEN, 12 após de-
12 JOSEPH Dl!I BONSIRVEN, S. J., Le divorce da.ns le Nou'V6at1 
Teata.ment, Paris, Desclée, 1948. 
. .. : 
• 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 227 
morados estudos históricos e lingüísticos. Segundo o refe­
rido autor, .o têrmo aramaico do Evangelho de SÃO MATEUS, 
trnduzido em latim, pelo vocábulo de fornlcatio, na realidade 
�e referia a uma prática muito corrente entre os judeus 
contemporâneos de Cristo : a prática do concubinato. No tem­
po de Cristo, a poligamia patriarcal não era mais reconhe­
cida nem admitida. Entretanto, sobrevivia sob a forma de 
um concubinato n1ais ou menos clandestino, e a palavra ara­
maica empregada por SÃO MATEUS, não só tinha a significa­
ção de um ato contrário à castidade conjugal, como também 
se referia a esta prática do concubinato. Assim, a frase de 
Nosso Senhor, esclarecida pelos estudos etnológicos da Pa .. 
lestina dos primeiros séculos recebe êste sentido : não é lí­
cito ao homem repudiar a mulher, a não ser que se trate 
daquela com a qual vive em concubinato. 
Para entender a Doutrina Moral Católica relativa ao 
matrimônio e à vida conjugal, é mister colocar-nos, de iní­
cio, na perspectiva de uma análise fenomenológica do amor 
humano. 
O movimento do amor começa sempre pela intuição de 
um valor, de algo que é um bem para nós, que desejamos 
possuir. Na sua primeira vibração, o amor é assim, um de­
sejo de posse, um projetar .. se da vontade e de todo o ser sô­
bre aquilo que se intuiu como um bem. No caso do amor 
humano, entretanto, quando êsse bem é uma pessoa, aquêle 
que ama percebe, num segundo momento, que não o poderá. 
possuir como se possui uma coisa. A coisa se entrega total­
mente. A pessoa não cede a plenitude do ser, a um gesto 
de posse. Aquêle que ama, intui que para possuí-la, s6 há 
um gesto : é o gesto do dom. Só cedendo a plenitude do pró­
prio ser, é possível possuir a plenitude do ser do outro. :msse 
o paradoxo e a dialética do amor, que na sua essência é, 
portanto, um dom total. 
Insistimos em que não estamos fazendo aqui uma lógica 
verbal, uma simples manipulação de frases, mas procurando 
fixar o processo de uma vivência íntima que só pode ser com-
• 
• 
228 FERNANDO BASTOS DE ÁVILA, S. J. 
preendida através de uma referência contínua à própria ex-­
periência interior. É o caso de repetir com SANTO AGOSTI­
NHO : "da amantem et scit quid dicam - dá-me alguém que 
ame, e entenderá o que digo". 
O amor, na sua autenticidade incontaminada, é, assim, 
_dom, e dom total. Dom total diz plenitude e irreversibili­
dade do gesto de entrega. Não admite reserva. Não admite 
condições. "C'est à laisser ou à prendre". Qualquer reserva 
ou condição afetaria essencialmente a natureza da vivência 
em aprêço. Não seria mais amor, penetraria no plano do 
cálculo. Note-se, porém, e é importante que fique bem claro, 
não estamos confundindo amor-humano, com amor-paixão, 
com paixão cega. 
A plenitude e a irreversibilidade do dom de maneira 
nenhuma comprometem a lucidez no conhecimento da pessoa 
amada. Também aqui, só uma referência a uma experiência 
interior, só um processo de redução fenomenológica, permi­
tem ver a diferença entre amor-dom total e amor··paixão 
cega. ·:e:ste último é um amor que não ultrapassa o primeiro 
momento do processo acima descrito : é um amor que per­
manece desejo de posse. É um amor egoíAtico. O amor-dom é 
o têrmo de um processo no qual se descobriu a dignidade da­
quele ou daquela a quem se faz a entrega total. 
É nessa perspectiva que se deve inserir o problema do 
divórcio . 
.A,s estatísticas revelam que a possibilidade legal do di­
vórcio tende a multiplicá-lo. Mas não nos interessa tanto 
aqui o dado estatístico, quanto à sua causa profunda. E esta 
reside no fato que a Rimples possibilidade legal do divórcio 
introduz um equívoco na natureza mesma do amor. Não é 
mais dom total, mas dom com reserva. 
Em todo matrimônio, ela segreda sub-repticiamente aos 
cônjuges uma reserva que não ousariam formular-se : "uni­
dos ! . . ·enquanto der certo". Ora, a psicologia conjugal re­
vela que� em dado momento, a vida a dois passa por uma 
fase quase inevitável, aquela em que parece que nada dá 
• 
' 
.... 
INTRODUÇÃO À SOCIOLOGIA 229' 
certo. Com efeito, o amor-humano entre o homem e a mulht·r 
evolui segundo uma lei que obedece ao esquema dialétieo he­
geliano. 
Na primeira fase, a tese, de duração variável, tudo vai 
bem. É a fase que chamaríamos do amor ingênuo. A inten­
sidade das experiências humanas, a descoberta da vida em 
comum, as alegrias primeiras da paternidade e da materni­
dade, tudo, enfim, facilita o curso das coisas. Tudo se des­
culpa sem sacrifícios, numa atmosfera de euforia. 
Normalmente, porém, essa fase não dura sempre. Con-­
d uz a uma antítese, na qual os cônj uges já se conhecem me­
lhor em seus defeitos e limitações. As novidades tornam-se 
monótonas. As alegrias tornam-se responsabilidades.

Mais conteúdos dessa disciplina