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Autoestima Negra

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL ENLAÇANDO SEXUALIDADES 
Educação, Saúde, Movimentos Sociais, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos 
20 a 31 de Julho de 2009 
Salvador - BA 
1 
AUTO-ESTIMA NEGRA: UM DEMARCADOR DA COMPETÊNCIA RACIAL 
 
Ana Luiza dos Santos Julio1 
Marlene N. Strey2 
 
INTRODUÇÃO 
 
 Este trabalho faz parte de um estudo maior, entitulado “Vida de mulher”; neste, abarcamos a 
questão do feminino a partir de dois recortes: o étnico, trata-se de mulheres negras; e etário, 
referindo-nos a mulheres na faixa etária dos 40 aos 60 anos. Nele intensionamos apreender como 
estas mulheres vivem, a partir de muitos viéses, tais como familia, trabalho, atividades sociais, lazer 
e enfim, poder entender como estas mulheres negras, acima dos quarenta, vivenciam o feminino, 
amando a si mesmas, amando aos demais e sendo amadas, assim como de que maneira todas essas 
histórias pessoais contribuem para o seu ser étnico, que sobremaneira, é seu jeito de ser e de estar 
no mundo. 
Utilizamos para tal, o depoimento de três mulheres. Todas elas têm uma história de 
militância no movimento negro, ainda que este tenha sido mera coincidência, uma vez que, dentre 
as entrevistadas, existem as que não fazem este tipo de militância. No entanto, o ordenamento da 
degravação para fins deste trabalho, ficou a cargo do bolsista que, por livre escolha, optou por 
apurar este material. Portanto, coincidentemente, todas elas fazem parte, ou fizeram, na história de 
suas vidas, uma inserção na militancia politica através do movimento negro. Não há dúvidas, de que 
suas contribuições são a partir da ótica da militância. Trazem um engajamento político diferenciado. 
Porém, em nada isto diminue a importância da maneira como vêem a vida de mulher negra. Antes 
pelo contrário, pode-se questionar o quê, as fez buscar o caminho da militância politíca, como um 
fiel que as tenha guiado na construção de suas vidas. 
Três foram as questões norteadoras do depoimento destas mulheres, quais sejam: o passado, 
o presente e o futuro, considerando os aspectos mais importantes, levando em contas as satisfações 
e as frustrações assim como aquilo que contribuiu ou que dificultou a vida de cada uma. É 
importante apontar que realizamos as entrevistas com a distância de tempo de, no mínimo, uma 
 
1 Doutoranda em Psicologia, PUCRS 
 
2 Professora titular da PUCRS, pesquisadora CNPq 
 
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semana entre uma e outra, para permitir que a entrevistada pudesse entrar em contato com suas 
experiências de vida, podendo elaborar a temática que tenha sido proposta. Desta forma a entrevista 
total com cada mulher durou um tempo minimo de 21 dias. 
Nosso entendimento é o de que para as mulheres negras, assumir sua negritude é uma 
maneira de propor uma transformação social. Este entendimento é elaborado a partir dos estudos da 
branquitude (Bento,2002), nos quais ficam evidentes que há uma cultura nacional brasileira 
privilegiando os valores brancos como sendo o modelo universal da humanidade.Aqui vale lembar 
a sigla WASP3, que siginifica que o poder é branco, masculino, anglo-saxão e protestante. Neste 
sentido questiona-se: e as outras pessoas que não estão dentro destas categorias, ou seja, e nós, que 
não somos homem, que não somos brancos (as); e que também não somos protestantes? 
Fadadamente estamos de fora e devemos nos conformar e acomodar com isto, ou há que se 
questionar tal valoração, uma vez que ela exclui, deliberadamente, pondo em xeque os conceitos 
democráticos. 
Asumir-se negro (a) é imprimir uma ética da diversidade, ética da aceitação, da tolerância e 
da conviência com os outros, na medida daquilo que se é, enquanto negro (a), com todos os jeitos, 
tipos, maneiras e valores de ser o que se é. Este “jeito” de ser negro (a) não deveria estar associado 
aos preconceitos socialmente construídos(Hasenbalg,2005). A título de exemplo, um maneirismo do 
estilo de caminhar de jovens negros, não precisa estar associado à marginalidade, no sentido de 
bandidagem ou criminalidade. Há que se fazer as diferenças cabíveis, sem que se construam 
preconceitos sociais, ao ponto de, ao olharmos um “jeito”, atribuirmos, automáticamente, 
substantivos qualificadores do mal. Portanto há comportamentos ou maneirismos que podem ser 
tributados ao jeito negro de ser sem que isto signifique, necessariamente algo pejorativo. 
Estas considerações são basais para que se possa entender a importância do que é o 
pertencimento racial e o porquê da necessidade de que as pessoas negras possam fazer este 
descolamento. Por que, vejamos, como no exemplo acima: nem todo o malandro é negro; nem todo 
o bandido é negro. Nestes casos porque associa-se, um jeito do negro movimentar-se, como sendo 
algo pejorativo? Esta argumentação é no sentido de fazer-se então, o deslocamento, do que é racial, 
do que não é racial. Portanto, um jeito ( estilo) de caminhar, um jeito de usar os cabelos, um tipo de 
nariz ou um tipo de nádegas, nada mais são do que isto: um jeito dê. Por isso que se faz necessário 
pensarmos em como a auto-estima das mulheres negras vai sendo construida ao longo de suas vidas. 
 
3 Wasp – white anglo-saxão, protestant. 
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(não só das mulheres como dos homens negros também, mas aqui estamos trazendo as mulheres 
como carro-chefe da questão). 
Não há como dissociar-se o estabelecimento da auto-estima negra, da consciência de 
negritude e, portanto, de sua valoração étnica. Entendemos, portanto, que o primeiro passo para a 
construção de uma competência pessoal passe, necessariamente pelo reconhecimento de seu 
pertencimento racial. Assim é que, neste estudo, averiguamos o processo da aquisição da auto-
estima e da consequente competência racial, através da forma como essas mulheres se incluem 
socialmente, a partir da educação, do trabalho , das relações familiares e extra-familiares, enfim, 
como e a partir do quê, essas mulheres se constróem socialmente. 
 
APRESENTAÇÃO DOS RELATOS 
 
 As mulheres: Amanda ,Batista e Guerreira são três nomes fictícos com os quais nos refirimos as 
entrevistadas. 
 
 Amanda, (53 anos, separada, três filhos adultos; atriz; estudante universitária; funcionária pública). 
 
Amanda está apaixonada. Seu primeiro neto está a caminho e ela refere a importância da 
capacidade de amarmos, de nos mantermos apaixonados, por pessoas, pela vida, pelo trabalho, por 
coisas novas, por lugares. Mas também tem coisa difícil na vida: está vivendo à espera da partida de 
dois grandes amigos: um amigo de fé, o outro um namorado. Acha que está na faixa etária das 
despedidas e se angustia por estar vivendo intensamente dois extremos: amigos em fase terminal de 
vida e a chegada do neto: fase inicial da vida. Amanda, sendo atriz, comenta que vivencia o limite 
possível entre o teatro, para o qual empresta as emoções das quais pode-se afastar depois, e o 
drama da vida real, onde: “tem que poder organizar a tua vida dentro dele, para pode tocar em 
frente...” Na infância teve perdas: tornou-se órfã de mãe muito cedo, passando a morar com os avós. 
Gente muito pobre, mas rica em valores morais. Amanda fala que tinha uma estrutura familiar, que 
estava acima de qualquer necessidade material. O avô, descendente de africanos, e a avó de origem 
indígena. Ambos eram sabedores, com muita propriedade, da importância de valores como 
honestidade e verdade. Nenhum dos dois frequentou escola, mas sabiam com muita clareza, o valor 
moral das coisas. Amanda repete uma das frases da avó: “Vocês vão sertestados; não esqueçam 
nunca que vocês sempre serão testados. Então, se tiver algo ali, que não é de vocês, que não 
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pertence a vocês, não peguem”. Amanda diz ter crescido com este tipo de orientação e que achou 
isto muito bom. É um limite, um rumo, uma orientação. Era clara a noção que a avó passava quanto 
ao cuidado que eles, como crianças negras deviam ter, para não ser discriminadas. Diz que os avós 
tinham estes valores, que não tem como mensurá-los, mas que foram introduzidos neles, nela e nos 
primos. Diz que não tinham televisão; usavam o rádio para saber as coisas do mundo. E que foi ali, 
no rádio, que ela descobriu sua paixão pelo teatro, ouvindo rádio-novela. Não que a avó, evangélica, 
deixasse, mas esta foi uma das regras burladas. Diz que ouvia os textos no rádio, e depois ia para o 
espelho repetí-los. Assim começaram seus ensaios. Os avós são agricultores, tinham um 
conhecimento das coisas da natureza que despertou nela, curiosidade pelo saber, por conhecer. 
Amanda diz que o avô os exercitava em matemátíca, inventado problemas do tipo: “temos tantos 
cavalos, tantos fugiram, outros estão no pasto, com quantos ficamos?”; tinha uma noção do quando 
plantar, de que jeito colher, enfim, demonstrava um conhecimento nato da vida, e isto a deixou 
curiosa para conhecer. Aos 23 anos apaixona-se pelo movimento negro e passa a entender melhor 
como a sociedade brasileira está estruturada; qual seu funcionamento, e como o racismo vai se 
estabelecendo na sociedade. Passou a perceber como as restrições acontecem no trabalho, o de 
porque muitas vezes tem menos oferta de trabalho, mesmo quando tem sua competência 
profissional reconhecida. Amanda refere que quando começou a entender a origem destas negativas, 
tornou-se uma pessoa mais paciente, mais tolerante, menos ansiosa, posto saber a origem das 
recusas. Para ela um final feliz significa uma vida numa praia, com uma boa companhia. Deseja ter 
o reconhecimento profissional que lhe faça justiça, pelo nível de atriz que é. Pretende, com a 
formação acadêmica, trabalhar com o viés racial. Teme a solidão, a velhice, a doença. 
 
 
 Batista (59 anos, separada, três filhos, adultos; professora, especialista, mestre, aposentada; 
continua trabalhando.) 
 
Batista trabalha, segundo ela, como mulher negra, como professora negra, na orientação de 
estudantes negros (as). Trabalha num Programa Anti-racismo, com a Lei 10.639, orientando os 
estudantes negros (as) nesta temática. Quando fez mestrado, deparou-se com a sua história de vida 
enquanto menina negra numa escola pública em Porto Alegre e “ tive que abrir o baú das 
recordações e foi dolorido”. Ainda que atualmente considera que as coisas estão muito mudadas, os 
negros falam mais, posicionam-se, reclamam; atualmente tem mais negros estudando que em outros 
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tempos. Percebe que as mulheres estão muito diferenciadas dos homens negros. Estes ainda estão 
“lá na senzala cobiçando a sinhazinha” Estas são questões de identidade que as pessoas não 
percebem. Ela se dá conta da falta dos negros na pós-graduação. Na graduação tem muita gente 
procurando orientador para os seus trabalhos. “Os brancos não sabem fazer este olhar, porque não é 
da ótica deles.” Conta que ficou orfã de pai muito cedo, e que tem a lembrança de que ele era um 
homem muito inteligente. Herdou um dicionário dele. Ele fazia os discursos dos políticos do RGS. 
Batista casa cedo. Ganha uma bolsa de estudos para estagiar na Inglaterra, mas seu marido diz para 
escolher entre a bolsa e ele. Optou por ele, mas não se arrependo. Suas escolhas foram moldadas 
por ter tido um pai muito inteligente e pela avó que sempre a apoiou muito. Considera que existe 
pouco espaço para os (as) negros (as) neste mundo. Batista acha que cada pessoa deve ser o que é 
em seu trabalho. Então, em sua vivência nas escolas, acha importante o fato de eu ser uma mulher 
negra, para que os alunos possam ter este referencial. Teve uma experiência com um aluno negro, 
filho de carroceiro. Ele não parava sentado muito tempo; não era do tipo quietinho, nos preceitos 
europeus. Ele era agitado, inquieto. Mas este dinamismo dele, era dentro das dimensões da diáspora 
negra de dinamicidade, por exemplo; e a conversa, é porque quer trocar, não guardar só pra si. 
Percebe-se aí o cooperativismo enquanto outra dimensão. É o capitalismo que propõe diferente. 
Tem ainda a dimensão da oralidade; então para que a gente possa trabalhar com essa gente tem que 
considerar estes valores. Porque os estudantes percebem o self verdadeiro do professor. Desta forma 
só fica na escola quem se vê respeitado em seus valores. Porque, mesmo que o estudante seja 
brasileiro e não seja estudioso desses valores, tá no sangue dele. Na origem dele. “Dai, como eu 
fazia este tipo de orientação, fui fazer pedagogia para ser orientadora oficialmente”. 
 
 Guerreira, (50 anos, casada , tem um filho adolescente). 
 
Guerreira tem duas faculdades e é militante ativa das questões raciais. Diz não ter um sonho 
nem projetou seu futuro: vive o presente. Uma característica marcante sua é um tempo grande de 
indecisão diante das coisas. Após tomar uma decisão, porém, não a desfaz, nunca. Percebe-se como 
uma pessoa muito segura de si, desde criança. Teve uma infância muito desprovida de bens 
materiais, mas plena em orientação. A vida interna e os valores, muito bem definidos. Por isso, diz 
não ter tido problemas na infância. Adquiriu estabilidade financeira aos 30 anos. Diz ter tido uma 
vida muito centrada e que não fez nada que tivesse que correr atrás para dar cobertura. Fez muitos 
amigos e se preparou para a vida profissional e familiar. Encontrou seu atual marido e não se 
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separaram mais desde então. Costumam fazer tudo juntos, desde a militância política até a vida 
pessoal, familiar. Dirigem uma ONG que lida com questões de negritude, há cerca de 20 anos. 
Afirma não ter sonhos: “nem dormindo”. Acha que isto é uma espécie de controle, porque sente 
medo da frustração. Não ter sonho, é uma espécie de garantia de que não haverá frustrações. Tem 
como metáfora a idéia do caminhante: “o caminhante só vai até onde o pé alcança”. 
 
ANÁLISE DOS RELATOS: 
 
Será o amor, o estado do apaixonamento uma propriedade negra? Claro que não, entre todos 
os povos a paixão acontece. O amor ainda é universal. E quanto aos temores: solidão, doença, 
velhice, é algo eminentemente negro? Claro que não. Em todos os povos e em todas as etnias tal 
temor pode se fazer presente. E quanto aos ditos “testes” que a avó de Amanda refere que ela 
passaria, acaso crinças não-negras não são também desta forma testadas? Creio que não. Caso 
sejam, não seria o caso de trabalharmos mais, e de forma mais geral, aspectos morais e educacionais 
de todas as crianças? Contudo, o que se quer aqui pontuar, é o quanto o racismo e, em seu nome, a 
discriminação racial são socialmente construídos, nas mais ínfimas relações, nos mais 
permenorizados detalhes. É ali, no dia a dia, que esta estrutura perversa vai sendo construída, 
quando “espera-se” que um comportamento social desviante seja próprio, ou advenha de um 
determinado grupo social e não de outro. Assim, acaba-se tolerando muito mais quando as falhas 
vem de um grupo, socialmente aceito, do que quando vem de outro, estigmatizado. Claro que 
também as crianças não negras devam ser orientadas a não pegar o que não lhes pertence. O que 
aqui se aponta é a intensidadecorretiva diante da falha de um ou outro grupo. Assim, quando uma 
criança não-negra erra, é apenas um erro. Quando se trata de uma criança negra ela, nos dizeres da 
avó de Amanda “não passou no teste”, e, portanto, ou vai ser mais severamente observada, ou posta 
de fora, afinal demonstrou incapacidade diante dos testes. E toda criança negra sabe quando está 
sendo observada, não no intuito da promoção, mas da remoção. Como é possível o estabelecimento 
da auto-estima quando a pessoa se apercebe assim, vigiada, espinonada, as espreitas, sob o olhar 
daquele que não a quer por perto. Não será, portanto, esta a razão de tantas crianças negras 
evadirem da escola, que não as quer, que não as reconhece e não as respeita na medida do que são. 
Estas são as finas malhas de um processo discriminatório racial. É desta maneira que o racismo vai 
sendo elaborado: as qualidades, que são brancas, podem ser de todos, são universais; os problemas 
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ou os defeitos são daqueles que são considerados inferiores e que estão, talvez por isso, maculados 
na pele. 
 Batista leva este nome porque, na verdadeira acepção da palavra, ela está batizada pelo 
conceito do que é ser negro, e da relevância de se fazer um trabalho para a auto-identificação e para 
que a auto-estima das pessoas negras possa ser melhor desenvolvida. Atua desde sempre com as 
questões da negritude, porque soube, desde sua própria experiência estudantil, o que significa ser 
negra, numa sociedade como a riograndense, que traz o preconceito racial arraigado em suas 
entranhas. Em seu discurso, dá para se perceber que ela até tentou passar incólume pelas questões 
da discriminação da negritude, mas, quando foi ao mestrado, “abriu o baú das lembranças 
infantís...”. E é ai, justamente que faz o gancho para que, através do que a inquieta, transformar 
isso em algo em prol da comunidade negra. É quando o segundo valor da diáspora negra aparece: o 
cooperatismo, do qual ela não tem como escapar, porque está dentro de si. 
 Em Guerreira percebe-se uma espécie de “retidão”, traduzida por ela própria como um 
temor à frustração. Refere como bem máximo, a orientação que recebeu quando criança, com a qual 
segue orientando seu filho. Contudo, Guerreira diz não sonhar. Este talvez seja seu pequeno 
engano: ela sonha e sonhou muito. E é do fruto deste seu sonho que muitos negros e negras se 
beneficiam hoje, em poder realizar-se na formação de nivel superior. Guerreira tem sido 
protagonista, através da ONG que dirige, do acesso e , fundamentalmente da permanencia de muitos 
destes estudantes que, através da ONG alcançam bolsa de estudos na modalidade AFRO. É 
portanto, deste seu sonho que muitos negros e negras concretizam suas esperanças e que, de uma 
maneira indireta, a comunidade negra gaúcha, vai ajustando as arestas da desigualdade racial. 
CONCLUSÃO 
 
Parece que este seja o ponto que torna estas mulheres tão semelhantes em sua estrutura 
pessoal e que as torna assim com competência racial. Competência racial é ter noção da importância 
de que se tenham claramente definidas as questões referentes ao pertencimento racial e ao 
preconceito racial. Ora, os preconceitos se firmam quando se atribui valoração negativa ao 
comportamento ou até mesmo à presença de uma pessoa da raça negra em determinados ambientes. 
Uma pessoa tem atributos positivos e / ou negativos, porque isto é próprio do ser humano, para 
além da questão racial. Porém, o preconceito faz com que consideremos que tais valores sejam 
atributos raciais. Este estigma é tão fortemente construido no Brasil, que acaba-se associando 
atributos negativos a uma inferioridade da raça negra. Estas mulheres são o exemplo de que, quando 
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isto acontece de forma diferente, no ambiente familiar, isto é, quando se é criado com clareza do 
que é e o que significa o pertencimento racial , se adquire resistência para lidar de forma diferente 
com esta realidade. Portanto, estas mulheres, que tiveram a orientação fortemente guiada para as 
questões raciais, percebem as relações sociais sob outra ótica e isto lhes dá substância para a lida 
com esta perversidade social. 
Sem dúvida, estas mulheres ainda fazem parte da minoria negra. São mulheres de sucesso, 
por assim dizer, porque aprenderam a triblar, desde criança, o estigma racial. Neste drible, nesta 
estrutura que privilegiadamente lhes foi propiciada pelos seus, elas constróem uma vida plena de 
amor e de respeito para consigo próprias, em primeiro lugar e, consequentemente para com aqueles 
que têm o privilégio de compartilhar de sua compahia. Estas são mulheres negras, profissionais 
negras e mães negras. Como mães todas referem certo orgulho de seus filhos. Estes filhos são 
privilegiados por terem estas mães. Em verdade é a sociedade gaúcha que ganha, posto serem 
pessoas que contribuem diariamente na transformação dos preconceitos socio-racial. Quanto mais 
negros racialmente orientados, isto é, plenos da noção do que é racial e do que é social, melhor será 
o desenvolvimento de toda a sociedade. Estas mulheres, com competência racial, são mulheres que, 
essencialmente aprenderam a se amar pelo que são e que amam aos seus pelo que eles são e que, 
portanto, em função desta auto-estima estabelecida, propõem que o respeito e a tolerância sejam 
pilares construtores da vida em sociedade, onde o auto-respeito assim como o respeito pelo outro se 
completam. 
 
REFERÊNCIA 
 
BENTO, M.P.S. Branqueamento e branquitude no Brasil. Psicologia Social do Racismo: Estudos 
sobre branquitude e branqueamento.Petropolis, Vozes, 2002. 
 
HASENBALG, C. Discriminação e desigualdades raciais no Brasil. Belo Horizonte, Ed.UFMG; 
Rio de Janeiro, IUPERJ, 2005.

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