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Assunto
Curso GDE
Curso GDE
Apresentação Módulo V - Tutores
Apresentação Módulo V - Alunos
Profa. Cynthia Cassoni Apresentação Módulo VI - Tutores
Profa. Cynthia Cassoni Apresentação Módulo VI - Alunos
http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4eg4z9i0f4/
http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5p8ky9y4ar/
http://webconferencia.sead.ufscar.br/p5acmf2gac1/
Prof. Paulo Alberto dos Santos Vieira http://webconferencia.sead.ufscar.br/p9sp4po4ptc/
WebConferências Gênero e Diversidade na Escola - GDE
Nome Professor Link
Etapa 3
http://webconferencia.sead.ufscar.br/p4b9ag1vlln/Prof. Paulo Alberto dos Santos Vieira
Prof. Jorge Leite Júnior
Prof. Jorge Leite Júnior
http://webconferencia.sead.ufscar.br/p92tkyszjei/
DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO: 
OUTROS APRENDIZADOS
UFSCar – Universidade Federal de São Carlos
Reitor
Targino de Araújo Filho
Vice-Reitor
Adilson J. A. de Oliveira
Pró-Reitora de Graduação
Claudia Raimundo Reyes
SEaD – Secretaria de Educação a Distância
Secretária de Educação a Distância – SEaD
Aline Maria de Medeiros Rodrigues Reali
Coordenação UAB-UFSCar
Daniel Mill
Coordenação SEaD-UFSCar
Daniel Mill
Glauber Lúcio Alves Santiago
Joice Otsuka
Marcia Rozenfeld G. de Oliveira
Sandra Abib
EdUFSCar – Editora da Universidade Federal de São Carlos
Conselho Editorial
Ana Claudia Lessinger
José Eduardo dos Santos
Marco Giulietti
Nivaldo Nale
Roseli Rodrigues de Mello
Rubismar Stolf
Sergio Pripas
Vanice Maria Oliveira Sargentini
Oswaldo Mário Serra Truzzi (Presidente)
Richard Miskolci
Jorge Leite Júnior
(organizadores)
São Carlos, 2014
DIFERENÇAS NA EDUCAÇÃO: 
OUTROS APRENDIZADOS
© 2014, Secadi/MEC, dos autores
Supervisão
Douglas Henrique Perez Pino
Revisão Linguística
Clarissa Galvão Bengtson
Daniel William Ferreira de Camargo
Paloma Argemira da Silva
Paula Sayuri Yanagiwara
Rebeca Aparecida Mega
Editoração Eletrônica
Izis Cavalcanti
Ilustração
Vagner Serikawa
Capa e Projeto Gráfico
Izis Cavalcanti
Apoio
Secadi/MEC
O objetivo desta obra é o de servir como apoio didático aos cursos oferecidos pela UFSCar. 
Seu conteúdo está reproduzido conforme solicitado pelo(s) autor(es), sem nenhuma interfe-
rência do Conselho Editorial da EdUFSCar.
Universidade Federal de São Carlos
Editora da Universidade Federal de São Carlos
Telefax: (16) 3351-8137
Via Washington Luís, km 235 . CEP: 13565-905 . São Carlos, SP . Brasil
http://www.editora.ufscar.br . E-mail: edufscar@ufscar.br . Twitter: @EdUFSCar
SUMÁRIO
CAPÍTULO 1: Diferenças na Escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Anna Paula Vencato
 Unidade 1 – Diferenças na sociedade e na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 2 – O respeito às diferenças . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 3 – Bullying ou assédio escolar: um problema que afeta todo mundo . . .
 Unidade 4 – Como lidar com as diferenças no cotidiano escolar? . . . . . . . . . . . . .
 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO 2: Religiosidades e Educação Pública . . . . . . . . . . . . . .
 Tiago Duque
 Unidade 1 – Estabelecendo o diálogo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 2 – Viva a nossa diferença cultural religiosa! . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 3 – Se somos diversos, por que não aceitar as nossas diferenças? . . . . . . .
 Unidade 4 – E agora? Por onde começar? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO 3: Desfazendo o gênero . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Larissa Pelúcio
 Unidade 1 – Gênero ou gêneros? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 2 – Gênero na escola . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 3 – Gênero na mídia – e a escola com isso? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 4 – Atividades propostas – dicas, sugestões e mais questões . . . . . . . . . .
 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO 4: Escola e sexualidades: uma visão crítica à 
normalização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Fernando de Figueiredo Balieiro
 Eduardo Name Risk
 Unidade 1 – O regime de (in)visibilidade da sexualidade na 
educação escolar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 2 – Casa-grande & senzala: o modelo heterorreprodutivo 
nacional e suas dimensões históricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 3 – Aspectos da heteronormatividade contemporânea . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 4 – Por uma pedagogia questionadora e democrática . . . . . . . . . . . . . . .
 Rerefências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
CAPÍTULO 5: Pela desracialização da experiência: discurso 
nacional e educação para as relações étnico-raciais . . . . . . . . . .
 Paulo Alberto dos Santos Vieira
 Priscila Martins Medeiros
 Unidade 1 – Primeiras aproximações ao tema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 2 – Raça e a questão nacional no Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Unidade 3 – Educação para as relações étnico-raciais: os marcos legais 
e os resultados de uma década . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
 Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Agradecimentos
Diferenças na Educação: outros aprendizados surgiu graças à experiên-
cia acumulada no oferecimento de três edições do curso Gênero e Diversi-
dade na Escola, na modalidade a distância, pela SEaD-UFSCar em parceria 
com o MEC, a SECADI e o grupo de pesquisa Corpo, Identidades e Subjeti-
vações do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Sociologia. 
Agradecemos às(aos) companheiras(os) que coordenaram os módulos 
durante as últimas edições: Anna Paula Vencato, Karla Bessa, Larissa Pelúcio, 
Paulo Alberto Santos Vieira, Priscila Martins Medeiros e Cynthia Cassoni. 
Além deles, um conjunto grande de pessoas contribuiu para o sucesso do 
curso em suas sucessivas edições, e, ainda que não tenhamos como men-
cioná-las uma a uma, sublinhamos nossa gratidão ao trabalho de todos(as) 
os(as) tutores(as) e técnicos(as) administrativos(as).
 Agradecemos em especial ao trabalho de Thamara Jurado na coordena-
ção executiva das duas últimas edições, uma profissional séria, sagaz e cujo 
talento como educadora ainda lhe trará grandes conquistas. Nossa gratidão 
se estende a Josiane Peruci, cuja competência exemplar frente à secretaria 
– desde a primeira vez que ofertamos o curso – foi fundamental também 
para a existência deste livro, um material de referência que pretende ser um 
legado para intentoseducacionais futuros.
Agradecemos à Secretaria Geral de Educação a Distância da UFSCar 
(SEaD – UFSCar), ao Ministério da Educação (MEC) e à Secretaria de Educação 
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi) por toda estrutura 
e apoio ao curso Gênero e Diversidade na Escola (GDE).
Por fim, dedicamos este livro às(aos) educadoras(es) brasileiras(os) que têm 
se dedicado ao aprimoramento em questões que envolvem as diferenças e os 
direitos humanos. O comprometimento político dessas mulheres e homens na 
construção de uma sociedade mais democrática e justa nos inspirou.
Richard Miskolci e Jorge Leite Júnior
 Departamento de Sociologia da UFSCar 
Introdução: outros aprendizados
Richard Miskolci
Jorge Leite Júnior
Thamara Jurado
Diferenças na Educação: outros aprendizados originou-se da experiência 
acumulada no oferecimento de três edições do curso Gênero e Diversidade 
na Escola (GDE) da UFSCar. Trata-se, portanto, de um livro originado da prá-
tica e da experiência e que pretende ser um guia claro para compreender o 
que são diferenças religiosas, de gênero, sexuais e étnico-raciais. Compre-
ender para atuar profissionalmente, daí prover, além de teoria, exemplos e 
reflexões, também propostas de atividades em sala de aula. 
O objetivo da obra é ser referência para a formação de educadores(as) 
do ensino básico e médio – ou mesmo para seu aperfeiçoamento – em temas 
fundamentais para o ensino e a escola contemporâneos. Historicamente, o 
que hoje chamamos de diferenças e reconhecemos como parte importante 
da vida social já foi encarado como algo a suprimir, corrigir ou normalizar. A 
prática do assédio moral escolar, também conhecido como bullying, era a 
marca da experiência educacional para a maioria das pessoas até recente-
mente. Faz poucos anos que passamos a reconhecer que o assédio escolar 
é uma violência, porque também faz poucos anos que nossa sociedade se 
tornou democrática.
Em termos internacionais, a preocupação em como lidar com diferenças 
sociais gerou uma corrente teórica e política conhecida como multiculturalis-
mo. Ele surgiu a partir de fins da década de 1980 e encontrou suas principais 
formulações na seguinte, dentre as quais estão o conceito de diversidade 
cultural e a problemática do reconhecimento. Nessa perspectiva, as socie-
dades poderiam reconhecer sua heterogeneidade desde que mantivessem 
10 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
as diferenças em harmonia. O multiculturalismo e o conceito de diversidade 
sofreram fortes críticas por se basearem em uma concepção de cultura frágil 
e sem dinamismo. Tais críticas também denunciaram como a diversidade 
busca mascarar os conflitos por meio de uma compreensão horizontal das 
relações de poder. Sim, cara leitora e caro leitor, nessa perspectiva todos 
podem ser aceitos desde que “cada um em seu quadrado”. 
Como pessoas diferentes poderiam ser reconhecidas em suas singula-
ridades culturais e viver sem modificar umas as vidas das outras? Isso não é 
possível, daí as abordagens críticas do multiculturalismo e da diversidade 
proporem o conceito de diferenças, uma compreensão de que elas modi-
ficam (positivamente) a vida social assim como sua existência pode gerar 
conflitos (já que as relações de poder se dão entre pessoas com acesso dife-
rencial ao poder), mas também diálogos enriquecedores e a democratização 
da vida social.
Conscientes sobre esse debate, desde a primeira edição do GDE-UFS-
Car em 2009, nossa abordagem buscou superar a perspectiva da diversida-
de pela da diferença. Ou seja, buscamos ir além da visão multiculturalista 
centrada na tolerância da diversidade e aprimorar a perspectiva crítica das 
diferenças e seu poder de transformação social. Acreditamos que mais do 
que tolerar a diversidade podemos reconhecer e aceitar a diferença em um 
diálogo aberto e criativo. 
Na perspectiva das diferenças, compreendem-se as relações de poder 
de forma mais dinâmica e a sociedade como inerentemente um espaço de 
divergência entre diferentes perspectivas e valores. Surge assim o principal 
desafio de lidar com as diferenças: compreender que isso é uma das carac-
terísticas das sociedades democráticas e que as divergências podem tanto 
apontar para o conflito como para um diálogo criativo e transformador. No 
contato com as diferenças podemos – inicialmente – estranhar alguém, mas 
também reconhecer nesse encontro algo positivo: a chance de aprender. 
Apostamos na possibilidade de fazer do encontro com a alteridade uma ex-
periência positiva e transformadora para todos(as).
Um pouco sobre o GDE/UFSCar e sua importância para a criação deste livro
O curso Gênero e Diversidade na Escola na UFSCar começou com uma 
edição em 2009 que formou mais de 900 professores(as), coordenadores(as) 
pedagógicos(as) e gestores(as). Nessa edição, o objetivo foi desenvolver um 
projeto de sensibilização desses(as) profissionais da educação para o tema 
Introdução: outros aprendizados | 11 
das diferenças no espaço escolar, e as atividades priorizaram debates reali-
zados em fóruns de interação e a confecção de produções individuais. 
Na edição seguinte, em 2012, foram feitas algumas alterações, e, além de 
sensibilizar o público-alvo para a importância da temática, o curso tornou-se 
avaliativo. Como na oferta anterior as atividades planejadas ficaram centra-
das em ferramentas de fórum e tarefa individual, em 2012 a proposta inicial 
para todos os módulos era diversificar as ferramentas, utilizando todas as 
possibilidades do ambiente virtual de aprendizagem. 
Os problemas enfrentados no curso foram identificados durante as reu-
niões periódicas que eram realizadas com os(as) professores(as) do módulo 
em curso, tutores(as) virtuais, coordenação de tutoria e supervisão acadê-
mica, com objetivo de dialogar a respeito das dificuldades encontradas na 
aplicação do curso. Questões como o excesso de ferramentas, leituras e ati-
vidades foram observadas e discutidas nesses encontros, de tal modo que 
as observações a respeito de cada módulo serviram para propor alterações 
no módulo seguinte, quando necessário. 
Essa experiência demonstrou a importância do diálogo frequente en-
tre todos(as) os(as) envolvidos(as) no processo de ensino e aprendizagem. 
Como os(as) tutores(as) permanecem em contato direto com os(as) cursistas, 
acompanhando o desenvolvimento de cada atividade, identificam as suas 
dificuldades rapidamente e podem trazer contribuições contundentes para 
que professores(as) coordenadores(as) dos módulos revejam o conteúdo 
proposto e promovam alterações, quando necessário. Esse diálogo foi fun-
damental para a execução de um curso mais dinâmico e atento às necessi-
dades e expectativas dos(as) estudantes, considerando suas dificuldades na 
realização do planejamento elaborado. 
Esses encontros periódicos auxiliaram a construção de uma proposta 
pedagógica participativa, capaz de reconsiderar o objetivo de cada módu-
lo, rever o planejamento de atividades a partir de discussões coletivas. Ao 
compartilhar os resultados de cada etapa, foi possível abordar e identificar 
os problemas que estavam sendo enfrentados e as possibilidades de solu-
ção, dividindo as experiências de todos(as) os(as) envolvidos(as) e, ao mes-
mo tempo, definindo as responsabilidades individuais e coletivas a serem 
assumidas para que fosse possível chegar ao objetivo comum. Na edição de 
2013, a mesma estrutura dialógica foi mantida com as reuniões periódicas 
realizadas no início e no fechamento de cada módulo. As situações enfrenta-
das na edição anterior contribuíram para a elaboração de um planejamento 
12 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
mais condensado e objetivo, priorizando ferramentas que os(as) cursistas 
demonstraram mais domínio.
Nas três edições do GDE, os(as) professores(as), coordenadores(as) 
pedagógicos(as) e gestores(as) que participaram do curso como cursistas 
apresentaram várias questões que evidenciaram, primeiro, uma dificuldade 
em relacionar os textosdiscutidos nos módulos com o cotidiano em sala 
de aula, não sabiam como aplicar aquele conteúdo e, segundo, uma re-
sistência para discutir alguns temas. Por isso, as estratégias pedagógicas 
utilizadas no curso foram tão importantes para lidar com as dificuldades 
apresentadas. 
O curso abre espaço para o questionamento e a problematização de 
comportamentos, falas e gestos naturalizados e que perpetuam as desigual-
dades instituídas na escola. Longe de ser um espaço neutro, é também na 
instituição escolar que o apagamento das diferenças se concretiza nessas 
falas e gestos discriminatórios e excludentes. Uma concretização presente 
não apenas nas conversas informais entre estudantes, mas também na for-
malidade das regras e normas escolares, do currículo utilizado, da proposta 
pedagógica, dos planejamentos das aulas etc. 
Ao problematizar todo esse cenário, reações diversas vieram à tona, e, 
nesse processo, muitas vezes o tom do(a) estudante demonstrava a dificul-
dade em falar de algo que exigia uma transformação interna. Docentes e 
tutores(as) trabalharam incansavelmente propondo novas questões e pro-
blematizando a partir de situações vivenciadas no cotidiano escolar trazidas 
pelos(as) cursistas. 
As indicações audiovisuais, artísticas e literárias representaram uma 
possibilidade de sensibilização dos(as) estudantes muito importante, des-
pertando para questões imperceptíveis até então. Os filmes, especialmente, 
foram recursos riquíssimos, que não apenas proporcionaram inquietações, 
mas foram capazes de estabelecer uma relação entre a prática docente e as 
discussões teóricas realizadas. 
A sensibilização como estratégia de formação para professores(as), 
coordenadores(as) e gestores(as) proporcionou questionamentos e reflexão 
a respeito de como as diferenças estavam sendo vivenciadas em sala de aula; 
professores(as) chegaram a relatar como essas discussões tinham modifica-
do desde pequenos gestos com seus(suas) alunos(as) até o planejamento de 
atividades e suas propostas em reuniões da escola.
Introdução: outros aprendizados | 13 
Os aportes teóricos de cada módulo representaram uma das dificulda-
des enfrentadas pelos(as) cursistas que não estavam familiarizados(as) com 
esse arcabouço teórico. Além do livro Marcas da Diferença no Ensino Esco-
lar, edição de 2010, resultado do GDE-2009, outras bibliografias foram utili-
zadas nas atividades propostas, propiciando uma discussão teórica capaz 
de problematizar como as diferenças foram constituídas, institucionalizadas, 
negadas ou reconhecidas.
Sem dúvida, a primeira edição do Marcas da Diferença no Ensino Esco-
lar condensou uma discussão muito próxima da realidade escolar e, desse 
modo, contribuiu para estabelecer a relação entre o cotidiano e a discussão 
teórica. As propostas de atividades apresentadas no livro, assim como as in-
dicações audiovisuais, artísticas e literárias de cada capítulo, demonstraram 
a concretização de algumas das questões discutidas ao longo dos módulos. 
Ainda assim, durante o curso, no momento de problematizar essa dimen-
são histórica, cultural e social discutida teoricamente nas referências utiliza-
das, muitos(as) cursistas apresentavam uma certa resistência e dificuldade. 
Nesse percurso, surgiram trechos retirados das mais diferentes referências 
bibliográficas encontradas em rápidas pesquisas na internet, frases cons-
truídas com palavras-chave que eram recortadas dos textos de referência e 
repetidas em todas as postagens etc. 
Por isso, estabelecer a relação entre a prática docente e os recursos 
teórico-metodológicos apresentados aos(às) professores(as) nesses textos 
era uma das tarefas mais importantes da equipe de tutoria virtual tanto na 
mediação das atividades de discussão quanto na elaboração do feedback 
das atividades individuais. 
A grande questão na mediação dos fóruns era como propiciar uma am-
pla discussão capaz de levar a uma modificação significativa da prática do-
cente, considerando os desafios da escola nesse processo. E, nesse ponto, 
as estratégias pedagógicas debatidas nas reuniões periódicas auxiliaram a 
condução de modo que fosse possível contribuir para o aprofundamento 
das leituras teóricas e, ainda, propor questões capazes de fomentar a rela-
ção com a prática docente, tão solicitada pelos(as) professores(as). Com um 
acompanhamento diário, os fóruns foram mediados com postagens diárias 
dos(as) tutores(as), procurando problematizar os textos e trazendo novas 
questões que auxiliassem a reflexão de cada tema.
Outro aspecto fundamental foi o surgimento de argumentos religiosos 
para justificar muitas postagens. A discussão da religião permeou o curso 
14 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
todo, especialmente nas edições de 2012 e 2013. Em todos os módulos, 
apareceram posicionamentos religiosos fundamentando as argumentações 
dos(as) cursistas. Diante do volume das questões que surgiram, este novo 
livro traz um capítulo para discutir a questão da religião.
Sem dúvida, não foi uma tarefa fácil para professores(as), gestores(as) e 
coordenadores(as) pedagógicos(as) repensarem suas falas, gestos e ativida-
des pedagógicas já tão sedimentadas no universo escolar. Mas todo esse 
trabalho demonstrou que esse caminho foi possível, e é possível. Os(as) cur-
sistas concluem o curso com outro olhar, mais crítico, mais atento e disposto 
a repensar. Tornam-se multiplicadores por apresentarem aos(às) seus(suas) 
alunos(as) gestos e falas que contribuem para a desconstrução de hierar-
quias e desigualdades no que se refere a gênero e sexualidade, raça e etnia. 
E munidos desse novo olhar voltam para as salas de aula e para as escolas 
em que atuam levando novas propostas, mesmo sabendo que nem sempre 
serão acolhidas. São tímidas as propostas de intervenção, seja na sala de aula 
ou na escola como um todo, mas, ao colocarem um por que?, mas e se fosse 
assim?, ao questionarem precisa mesmo fazer fila de meninas e meninos? em 
reuniões pedagógicas, nos corredores da escola, nas conversas com outros(as) 
professores(as) e em sua prática diária, já estão, de alguma maneira, proble-
matizando esse universo e multiplicando o que o GDE semeou.
É dessa experiência que surgiu a necessidade de um novo livro-base 
para o GDE, mais atualizado conceitualmente e, principalmente, mais em-
basado nas vivências tanto da equipe do GDE quanto na dos(as) cursistas. 
Um livro que, esperamos, também sirva para outras iniciativas didáticas por 
todo o Brasil.
Estrutura do livro
Diferenças na Educação: outros aprendizados se inicia com um capítu-
lo sobre Diferenças que esmiuçará esse conceito, apresentará exemplos, 
discutirá com muito cuidado e em detalhe as dificuldades, mas também os 
ganhos indiscutíveis que uma educação mais democrática e transformado-
ra traz para educadores(as) e educandos(as). Anna Paula Vencato mostra 
como a própria ideia do que pode ou não ser considerado “diferença” é 
uma criação cultural que não apenas pode variar de época para época e 
de grupo para grupo como, principalmente, está envolta em relações de 
poder. Que forças e valores sociais definem o que é ou não “diferente”? 
Introdução: outros aprendizados | 15 
Como isso ocorre? Por que muitas vezes a escola transforma diferenças em 
desigualdades? 
Aqui também é tratada a questão do bullying, mostrando como ele não 
é apenas um caso isolado de algum “aluno problema”, mas que o bullying 
pertence antes de tudo a uma dinâmica escolar específica que propicia 
seu surgimento e garante sua continuidade, tanto através da violência de 
“brincadeiras” ofensivas por parte dos(as) alunos(as) quanto da vista grossa 
ou mesmo descaso por parte dos(as) professores(as) e funcionários(as) da 
escola.
Como já afirmado anteriormente, durante esses anos de GDE, todas as 
pessoas envolvidas no curso (tutores(as), professores(as), supervisores(as) e 
coordenadores(as)) perceberam que o tema da religião estava não apenas 
presente, mas, a cada edição, aumentava a demanda por suadiscussão. 
Dessa forma, resolvemos incluir neste livro o cada vez mais importante de-
bate sobre religião e suas interfaces com as diferenças, especialmente em 
relação a gênero, sexualidade e relações étnico-raciais. Tiago Duque, autor 
desse segundo capítulo, discute questões como a pluralidade religiosa, a 
religião na sala de aula em um Estado laico e o contínuo cuidado que deve-
mos ter para que a religiosidade de cada um não se transforme em opressão 
e discriminação do outro. 
Afinal, dentro de nossa perspectiva de direitos humanos e respeito às 
diferenças, devemos lembrar que não existem religiões “superiores” ou 
“verdadeiras” e que o Estado laico é aquele que não deve se associar a 
ou privilegiar alguma religião específica, para poder garantir, assim, a livre 
expressão de qualquer credo religioso. Como o tema deste capítulo (a reli-
giosidade) perpassa todos os outros eixos do livro (diferenças, gênero, se-
xualidade e relações étnico-raciais), as atividades nele sugeridas podem ser 
usadas também com as atividades dos demais capítulos.
No terceiro capítulo, Larissa Pelúcio nos leva a problematizar o conceito 
de gênero. Além de historicizá-lo, a autora nos mostra que, se o gênero 
é uma construção cultural variável, que diz o que significa ser “homem” 
ou “mulher” e como devemos nos portar e literalmente “encarnar” o tal 
“masculino” e o “feminino” através de jeitos e trejeitos – ou seja, se esta-
mos constantemente “fazendo gênero” –, também podemos “desfazer” o 
gênero, pois as construções sociais não são eternas nem têm a obrigação 
ou necessidade de ser. Se determinados aspectos do que chamamos de 
gênero são (ainda) hoje causas de desigualdade e preconceito, podemos – e 
16 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
devemos – desconstruir isso que causa opressão e discriminação. É nesse 
sentido que não podemos nos esquecer de que, se determinadas visões de 
gênero consideram o feminino e o masculino como “opostos complemen-
tares”, muitas vezes essas visões suprimem o quanto essa relação é hierar-
quizada e desigual, com o polo feminino ainda hoje sendo tratado como 
subalterno, inferior e mais vulnerável à violência do masculino. 
Pelúcio também nos mostra como essas visões estereotipadas sobre o ho-
mem e a mulher, o masculino e o feminino estão presentes na mídia, gerando 
uma pedagogia de gênero que se estende muito além dos muros e discursos 
escolares (essa temática da mídia também será trabalhada no capítulo se-
guinte). Afinal, a escola que queremos é aquela que reproduz irrefletidamente 
valores opressores ou aquela que questiona e ajuda a mudar esses valores? 
As sugestões de atividades deste capítulo são amplas e instigantes, podendo 
ser usadas em sala para discutir não apenas gênero, mas também sexualida-
de (tema aprofundado no capítulo seguinte), graças ao íntimo diálogo entre 
esses dois temas.
Fernando de Figueiredo Balieiro e Eduardo Name Risk apresentam o 
quarto capítulo, sobre sexualidade. Ressaltando a importância de não se so-
brepor gênero e sexualidade, é apresentado o caráter histórico da noção de 
heterossexualidade como algo “normal”, “natural” e “neutro”, em cima da 
qual as outras orientações, práticas ou desejos sexuais seriam vistos como 
“desvios”. Outro ponto importante trabalhado é o descaso com que a nossa 
sociedade em geral – e a escola brasileira em particular – lida com a vio-
lência direta e indireta sofrida por pessoas que não se encaixam no padrão 
heteronormativo, muitas vezes culpabilizando a vítima pelos ataques so-
fridos. Aqui, tocamos em um dos objetivos centrais deste livro: ajudar a 
sensibilizar e mudar as atitudes (quase de descaso) frente a essas situações 
cotidianas de violência, através da reflexão escolar.
Paulo Alberto dos Santos Vieira e Priscila Martins Medeiros, ao discutirem 
relações étnico-raciais no quinto capítulo, nos apresentam um importante 
foco sobre esse tema: como o processo de racialização criou a “questão do 
negro” ou a “questão do índio” enquanto a branquitude foi tomada como um 
elemento “neutro” e não problematizado. Nesse sentido, não apenas o ne-
gro, o branco ou o índio devem ser discutidos mas, principalmente, o proces-
so ideológico de branqueamento, que mesmo indiretamente ainda persiste 
em nossa sociedade. Paulo e Priscila também nos mostram os avanços des-
sas discussões na educação brasileira, através da Lei 10.639/03.
Introdução: outros aprendizados | 17 
Todos os capítulos trazem as discussões para a realidade da sala de aula 
brasileira. Eles se iniciam com uma "visão geral" do que será apresentado 
e estão divididos em unidades que, gradualmente, vão se aprofundando 
em cada tema trabalhado. Todos também possuem boxes explicativos dos 
conceitos mais importantes e dão indicações fílmicas e bibliográficas, tan-
to para se aprofundar no assunto quanto para serem trabalhadas em sala. 
Da mesma forma, os capítulos podem ser lidos em sequência ou separada-
mente, pois a estrutura do livro permite que os temas sejam trabalhados em 
conjunto ou de maneira independente.
Desejamos a todos(as) uma ótima leitura e boa aula!
1
Diferenças na Escola
Anna Paula Vencato
A proposta deste capítulo é operacionalizar a problemática das diferen-
ças no contexto escolar. Ou seja, na construção de uma escola que esteja 
aberta a todas as pessoas e que garanta não apenas o acesso, mas a per-
manência e a garantia de aprendizagem a todas as pessoas. Uma educação 
para a igualdade deve se pautar pela construção de relações de respeito 
entre aqueles(as) que estão nesse espaço, as quais devem primar pelo re-
conhecimento do outro como agente e sujeito de uma prática pedagógica 
transformadora.
Nesse sentido, propomos aqui deixar de lado nossas verdades e pre-
conceitos e ver o outro com um olhar que o perceba, assim como às suas 
histórias de vida e lógicas culturais como fundamentais para o processo de 
construção coletiva do conhecimento a que a escola se propõe a fazer.
Para atingir o objetivo deste texto, optamos por encadear a discussão 
a partir dos seguintes temas: (1) Diferenças na sociedade e na escola; (2) 
O respeito às diferenças; (3) Bullying ou assédio escolar: um problema que 
afeta todo mundo; e (4) Como lidar com as diferenças no cotidiano escolar?
Nessas unidades contaremos com uma discussão acerca do conceito de 
diferenças e como ele impacta a vida social e a escola, discutimos a ques-
tão das desigualdades e violências, pensando em especial na questão do 
bullying, algo que hoje permeia muitos dos discursos sociais preocupados 
com o cotidiano escolar, e, por fim, nos dedicamos a pensar em estratégias 
de como abordar as diferenças no cotidiano escolar.
20 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
UNIDADE 1
Diferenças na sociedade e na escola
Se alguém nos perguntar, podemos nos deter por muitas horas contando 
várias coisas sobre a escola ou nossas vidas escolares. Algumas memórias de 
nossas escolarizações são alegres, outras não. Todos(as) nós temos histórias 
para contar acerca dos anos em que passamos em sala de aula, sobre cole-
gas, professores(as), o recreio, a educação física. De fato, passamos muito 
tempo na escola. Ela faz parte do cotidiano de nossa infância e adolescência, 
e, quando professores(as) ou pais e mães, da vida adulta. Assim, é possível 
afirmar que a escola suscita muitas memórias à maioria de nós.
Em geral, as memórias que temos da escola contemplam tanto aspec-
tos positivos quanto negativos desta experiência: ao mesmo tempo, essa 
instituição nos traz memórias da construção de amizades, de descobertas 
e aprendizagens, assim como de alegrias e, por outro lado, de violências, 
exclusões, autoritarismo e desapontamento. 
Sabemos que a escola é uma instituição e que está inserida em um dado 
contexto social. Isso implica dizer que muitas das regras não explícitas e 
explícitas dos comportamentos, dos conteúdos, das avaliações etc. que en-
contramos dentro de uma escola refletem questões sociais mais amplas queencontramos no mundo, no país, estado, cidade, bairro e no entorno do 
prédio/terreno em que ela funciona.
Contraditoriamente, essa mesma instituição que se molda a partir das 
regras sociais, ou seja, de regras que emanam da sociedade e nela circulam, 
é pouco ou nada permeável às diferenças sociais e culturais que são trazidas 
para dentro de seus recintos por alunos e alunas, professoras e professores, 
funcionários e funcionárias, gestoras e gestores, pais e mães. 
Reconhece-se que há uma série de singularidades trazidas de fora para 
dentro junto com diferentes pessoas que por ali circulam, mas estas, em 
geral, são tidas como exóticas e/ou inapropriadas ao contexto escolar e, por-
tanto, como algo que não pode pertencer àquele espaço.
É possível afirmar que a escola, o sistema de ensino e todas as pesso-
as que fazem parte dele têm historicamente dificuldades em lidar com a 
questão das diferenças. Essa dificuldade é reflexo da sociedade a que per-
tencemos e de sua lógica cultural excludente. Ao mesmo tempo, também 
é possível afirmar que a exclusão da pauta das diferenças ou da vivência 
Diferenças na Escola | 21 
dentro das escolas se constitui igualmente a partir da falta de formação 
de professores(as) e funcionários(as) da instituição para lidar com essas 
questões. 
As diferenças são parte da cultura, ou ao menos do convívio entre di-
versos grupos sociais. É a cultura que as informa, e elas também constituem 
a cultura. Mas o que é cultura? Para começar, partamos do pressuposto, 
seguindo a pista de Clifford Geertz (1989) de que a cultura diz respeito a 
todo comportamento aprendido, que independe de transmissão genética. 
Outro autor, Roberto DaMatta (1986), destrincha esta noção ao afirmar que 
a cultura é
um mapa, um receituário, um código através do qual as pessoas de um 
dado grupo pensam, classificam, estudam e modificam o mundo e a si 
mesmas. É justamente porque compartilham de parcelas importantes 
deste código (a cultura) que um conjunto de indivíduos com interesses e 
capacidades distintas, e até mesmo opostas, transformam-se num grupo 
e podem viver juntos, sentindo-se parte de uma mesma totalidade. Po-
dem, assim, desenvolver relações entre si porque a cultura lhes forneceu 
normas que dizem respeito aos modos, mais (ou menos) apropriados de 
comportamento diante de certas situações (DAMATTA, 1986, p. 123).
Assim, pessoas que têm origens culturais diversas percebem e experi-
mentam o mundo de modos diferentes, pautadas nesses aprendizados das 
regras sociais. É justamente o fato de pertencermos a uma dada cultura – 
e, portanto, não pertencermos às demais – que produz as diferenças entre 
nós. Como a cultura nos é ensinada a partir de um processo sutil e contínuo 
de aprendizagem cultural chamado de socialização, com muita frequência 
atribuímos a ela o caráter de natureza (como quando se afirma “é natural”, 
“está no sangue”) ou de imutabilidade (“isto nunca vai mudar, pois sempre 
foi assim”). 
É comum ouvirmos na escola frases como “filho de peixe, peixinho é”, 
“o papel do professor não é resolver conflitos” ou “ele não aprende porque 
a família é desestruturada”. Muitas vezes, nós mesmos reproduzimos estes 
discursos, para o qual precisamos estar atentos, contudo são os perigos 
deles, sua falácia e como autorizam o preconceito e a exclusão de certas 
pessoas ou grupos sociais na escola. Não pensamos, em geral, que também 
somos produzidos pela cultura e por um dado tempo histórico e que isso 
que interpretamos como “nossa natureza” é algo produzido socialmente. 
22 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Tendemos a interpretar aquilo que não (re)conhecemos como que perten-
cente à ordem do estranho, do esquisito, do inadequado, do errado, e que 
pode e deve ser excluído, afastado ou, mesmo, eliminado.
Mas o que a escola tem com isso tudo? Como sabemos, a escola abri-
ga dentro de seus recintos pessoas muito diferentes entre si, e que essas 
diferenças podem ser da ordem do individual ou do social. Mas é sobre as 
diferenças de ordem social que vamos conversar aqui, até porque, sem des-
considerar outras instâncias da vida de uma pessoa, é na vida social que a 
hierarquização entre diferenças é produzida.
Figura 1 Esta imagem, publicada no livro “Cuidado, escola!”, ilustra como o processo 
de ensino e aprendizagem tenta colocar dentro de um mesmo molde pessoas que são 
muito diferentes entre si. 
A escola, historicamente, tem se pautado pela ideia de que se tratar a 
todas as pessoas que por ali passam a partir dos mesmos critérios formais 
(avaliações, currículos, práticas pedagógicas etc.) é o melhor método para 
ensinar e incluir. A escola se pretende democrática pela lógica da padroniza-
ção e não pela inclusão das diferenças culturais em suas práticas, conteúdos 
e cotidianos. Nesse sentido, busca-se internamente dar unidade de trata-
mento a pessoas muito diferentes entre si, com histórias de vida e inserções 
sociais que não poderiam ser contempladas dentro desta visão mais tradi-
cional de ensino-aprendizagem. 
Diferenças na Escola | 23 
Figura 2 Por esta ilustração do livro “Cuidado, escola!” podemos refletir sobre qual 
o lugar das diferenças nas vivências escolares, ou seja, como a escola busca deixá-las 
de fora de seus debates e espaços porque não as considera como fator importante 
dentro dos processos de ensino-aprendizagem.
Quando as diferenças surgem no contexto da escola, elas em geral são 
percebidas como “fora de lugar”. Isso acontece na escola e na vida social o 
tempo todo – e é sempre bom lembrarmos que a escola é uma instituição 
social, ou seja, está sempre inserida em um contexto sócio-histórico e dialo-
ga com ele em suas práticas cotidianas. 
A escola não diz respeito apenas à sua estrutura formal/institucional, 
mas depende também das interações sociais entre as pessoas que ali estão. 
Na escola, os conflitos resultantes dos diferentes comportamentos, valores 
e modos de vida tornam-se muito evidentes, até mesmo em razão desta 
tradição secular de que é uma instituição que deveria ensinar valores univer-
sais – ou a cultura, num sentido nada antropológico do termo. A instituição 
escola, ao cabo, tem dificuldade de lidar com as diferenças porque há uma 
contradição interna que se explicita na forma como ela foi criada e permane-
ce até os dias atuais: não é fácil que uma instituição criada para padronizar 
e dar unidade a indivíduos por vezes muito diferentes se torne democrática e 
aberta às diferenças. 
24 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Embora a existência de diferenças possa ocasionar conflitos na escola, 
é preciso que tenhamos claro que o problema a ser enfrentado não são as 
diferenças, mas as desigualdades. Diferenças devem ser entendidas como 
um sinônimo de riqueza, e devem ser valorizadas dentro da escola e das 
práticas pedagógicas. É importante que estejam incluídas nos conteúdos, 
currículos, debates e nas relações entre os diferentes sujeitos que circulam 
nesse ambiente. É preciso compreendê-las, conhecê-las e respeitá-las.
Mas vale a pena pensar aqui em uma ideia de diferença que vai além de 
seus significados de hierarquia e opressão – e aqui retomamos a ideia de 
riqueza de que já havíamos falado. A diferença, a depender do contexto em 
que opera, pode levar sim a estados de opressão, mas em outros contextos 
leva também a estados de igualitarismo, diversidade e a modos democráti-
cos que informam a ação política de um grupo ou indivíduo. Por isso, deve 
ser valorizada, e é importante que falemos um pouco também sobre a ideia 
de marcadores sociais da diferença e de interseccionalidades.
Os marcadores sociais das diferenças estão presentes na escola e 
atuam no cotidiano escolar
No final dos anos 1960 e durante os anos 1970, conforme Maria Alice 
Nogueira (1990), a sociologia francesa encontrou-se fortemente preocupada 
com a forma como se reproduziam as desigualdades sociais naquela socie-
dade e denunciavam que a escola – enquanto instituição social –reproduzia 
as desigualdades existentes nela. Este debate era particularmente impor-
tante na época, uma vez que naquele período se acreditava que o acesso 
à educação, per se, impactava positivamente a vida das pessoas de classes 
baixas, fazendo com que, a partir da escolarização, a mobilidade social se 
tornasse realidade. 
Conforme a autora, Pierre Bourdieu (1992), Jean-Claude Passeron, entre 
outros pesquisadores(as), dedicaram-se a investigar cientificamente as traje-
tórias de escolarização de indivíduos que tinham origens familiares tantos 
nas classes abastadas quanto nas classes trabalhadoras. Embora sejam iden-
tificadas como pessimistas, as teorias reprodutivistas em educação contribu-
íram neste debate para desvelar que a escola, enquanto instituição social, 
também funcionava a partir da lógica da sociedade em que estava inserida. 
Nesse contexto, estes autores – criticados hoje por seu pessimismo peda-
gógico – denunciaram que a lógica escolar dividia, ao longo dos processos 
Diferenças na Escola | 25 
de escolarização, os(as) alunos(as) entre as carreiras técnicas e científicas, 
às quais as classes populares e médias/altas, respectivamente, estavam 
destinadas.
De lá para cá, este debate, que primeiro se debruçou sobre a proble-
mática das classes sociais, se ampliou, se modificou e se aprofundou. Hoje, 
vários autores e autoras argumentam que a escola não apenas reproduz, 
mas também produz as desigualdades existentes na sociedade (LOURO, 
1999; SILVA, 2000). Essa ampliação do debate passou, nas últimas décadas, 
a englobar a ideia de que era preciso que se trouxessem para as análises 
outras diferenças para além das de classe social. Atualmente também se 
discute que as teorias de Bourdieu e outros autores contemporâneos a ele 
são marcadas por certo eurocentrismo. No Brasil, há pesquisas que indicam 
que o maior acesso à educação muda positivamente as condições de vida, 
acesso a emprego e renda. Nesse contexto, pode-se dizer que, por ser um 
cenário muito diferente do francês, ao se falar sobre o contexto brasileiro é 
preciso que sejam observadas as especificidades locais.
Celi Scalon (2011) argumenta que se por um lado é preciso compreender 
a incompletude das teorias, que por décadas defenderam que haveria uma 
associação direta entre o aumento dos níveis educacionais da população e a 
eliminação da pobreza – para a autora, não se pode negar que a educação 
se constitui em importante fator na socialização dos indivíduos e na trans-
missão do sentimento de pertencimento a uma dada cultura –, por outro 
lado, afirma também não ser possível negar que a elevação da escolaridade 
incide diretamente sobre “a capacidade de participação, de organização 
social e de disposição para a reivindicação de direitos – componentes in-
dispensáveis para a geração de solidariedade, no sentido de ‘reciprocidade 
generalizada’” (SCALON, 2011, p. 62).
Gênero, geração, raça/etnia, sexualidade e religião entram em cena nes-
te debate, e são o que hoje chamamos de “marcadores sociais da diferença” 
(BRAH, 2006). A noção de marcadores sociais da diferença diz respeito à ar-
ticulação dos diferentes pertencimentos sociais de um indivíduo e de como 
eles produzem lugares diferenciados socialmente a eles, dependendo de 
diversos níveis de participação na vida social. Os “marcadores sociais da di-
ferença”, em suas combinações variadas, estabelecem lugares diferenciados 
para indivíduos diversos. Assim, inserem as diferenças num jogo complexo 
de hierarquias que, em alguns momentos, podem contribuir para a constru-
ção de enormes desigualdades.
26 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
A abordagem das interseccionalidades – que implica em reconhecer as 
intersecções variadas que os marcadores sociais da diferença possam ter 
em dado contexto ou momento na sociedade – vai além da ideia de que as 
diferenças se adicionam de modo a somar ou subtrair vantagens e desvanta-
gens a uma ou outra pessoa. Esta noção questiona, por conseguinte, a ideia 
de que quanto mais atributos positivados socialmente um indivíduo, mais 
sucesso este terá, ou, ao contrário, quanto menos deles um indivíduo tiver, 
mais fadado ao fracasso social (e escolar) será.
Segundo Adriana Piscitelli (2008), trabalhar a noção de interseccionali-
dades e/ou categorias de articulação é oferecer um instrumental que ajude 
a pensar como múltiplas diferenças e desigualdades se articulam na vida 
social. Para a autora, “é importante destacar que já não se trata da diferença 
sexual, nem da relação entre gênero e raça ou gênero e sexualidade, mas da 
diferença, em sentido amplo, para dar cabida às interações entre possíveis 
diferenças presentes em contextos específicos” (PISCITELLI, 2008, p. 266). 
Por exemplo, Laura Moutinho (2006), ao pesquisar a relação entre 
raça/cor, homossexualidade e desigualdade em uma comunidade do Rio de 
Janeiro marcada pela violência e pelo tráfico de drogas, percebeu que os 
homens homossexuais “‘mais escuros’ que moram nos subúrbios e nas fave-
las do Rio de Janeiro possuem um campo de manobra mais amplo do que 
aqueles nos quais se inserem rapazes e moças heterossexuais da região, e, 
mesmo, as lésbicas e travestis de diferentes cores que habitam essas áreas” 
(MOUTINHO, 2006, p. 103). Justamente em razão da homossexualidade, es-
tão “fora” dos padrões de masculinidade locais requeridos para a atividade 
do tráfico, podendo, eles, circularem mais livremente dentro da própria co-
munidade, nas comunidades onde há traficantes rivais e também nos bairros 
turísticos de classe média cariocas, uma vez que a cor/raça, nesses contex-
tos, atua como um fator que os torna “mais desejáveis” para homens homos-
sexuais brancos e/ou estrangeiros do que os rapazes gays “mais brancos”. 
Assim, para esses rapazes, a articulação entre os marcadores sexualidade e 
raça/cor não produz subordinações em todos os contextos pelos quais circu-
lam. Isso implica em reconhecer que, para além das categorias que marcam 
as diferenças, é preciso fazer uma leitura do contexto em que as diferenças 
acontecem e qual seu impacto na produção ou não das desigualdades em 
dado espaço ou contexto.
Assim, adotar uma perspectiva interseccional é, ao invés de tentar com-
preender a realidade a partir de um ou outro conceito isoladamente, tentar 
Diferenças na Escola | 27 
pensar como gênero, raça/etnia, sexualidade, geração, classes que se articu-
lam em diferentes contextos produzindo igualdade ou desigualdade. Assim, 
trata-se menos de se pensar em uma soma ou subtração, mas de entender 
que uma boa compreensão da problemática das diferenças deve levar em 
conta como estes marcadores se articulam na produção de diferenciações 
e impactam os cotidianos das pessoas conforme vivem suas vidas. Ou seja, 
para além dos marcadores e pertencimentos, é preciso observá-los no 
modo como aparecem em diferentes contextos. Evidentemente, para que 
este debate faça sentido, o ponto de partida da análise deve ser o respeito 
às diferenças e sua valorização. 
Conforme Guacira Lopes Louro (1999), a escola produz diferenças, de-
sigualdades e distinções o tempo todo. Aliás, opera basicamente neste 
registro, pois desde sempre separa em seus espaços: protestantes de católi-
cos; meninos de meninas; ricos de pobres; mais novos de mais velhos etc. A 
questão é, apesar de pensada inicialmente para contemplar apenas alguns 
poucos “escolhidos”, a escola foi sendo solicitada cada vez com mais frequ-
ência por aqueles a quem havia sido inicialmente negada. E assim, com a 
abertura de seus portões para indivíduos de origens e inserções sociais cada 
vez mais díspares, foi obrigada a lidar com – ou mais comumente, passou a 
renegar e expulsar – as diferenças que emergiam dentro de seus espaços.
Cabe aqui fazer a pergunta: se as diferenças desestabilizam tanto, por 
que devem ser respeitadas e valorizadas na educação escolar? Não seria 
mais fácil reprimi-las? Deixá-las de fora dos currículos, debates e práticas? A 
resposta é não, e é justamentepara refletir sobre o modo como a escola lida 
(ou não lida) com as diferenças – em especial o gênero, as sexualidades e a 
raça/etnia – que aqui estamos.
A pauta do direito à diferença e do combate à desigualdade vem ten-
sionando a cena pública. Os Direitos Humanos1 e o direito à diferença, ao 
1 A noção de Direitos Humanos refere-se, conforme explicitado pelos documentos da 
ONU, ao conjunto de leis que contemplam o direito à vida e à proteção a uma pessoa ou 
a um conjunto de pessoas em relação às diversas formas de abusos, tanto físicos quanto 
psicológicos. Norberto Bobbio define direitos humanos como direitos que cabem a 
homens e mulheres pela razão de serem homens e mulheres. Pertencem ou deveriam 
pertencer, deste modo, a todas as pessoas; assim, ninguém pode ou deve ser privado 
deles. Ainda, o autor afirma que direitos humanos “são aqueles cujo reconhecimento 
é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desen-
volvimento da civilização etc.” (BOBBIO, 1992, p. 17). Para Samuel Antonio Merbach de 
Oliveira (2007), “devemos analisar que a dignidade do ser humano enquanto membro 
vivente de uma sociedade está situada num contexto político atualmente marcado por 
28 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
contrário do que se poderia pressupor, causam polêmica e estranhamento 
sobretudo em contextos conservadores. Esta tensão aumenta significati-
vamente se o direito humano em questão estiver relacionado à seara dos 
direitos sexuais e reprodutivos.2 Mesmo em âmbitos regulatórios internacio-
nais que definem como os direitos humanos devem ser compreendidos na 
esfera global (CORREA, 2009), não é raro perceber que quando o direito das 
mulheres e os direitos sexuais e reprodutivos emergem no debate há setores 
conservadores que se contrapõem, mesmo, à inserção da pauta e do debate 
nesses organismos. 
Assim, conforme Claudia Fonseca (1999), pode-se falar que mesmo no 
âmbito do que se convencionou chamar de direitos humanos hoje há ca-
tegorias que são priorizadas em detrimento de outras, o que desvela lutas 
simbólicas e critérios particulares de legitimação de diferenças e indivíduos 
que, quando se reivindicam direitos, determinam quem é mais e quem é 
menos humano, e, nesse sentido, humanos com mais chance de estarem 
contemplados nas políticas públicas e de acessarem os bens de cidadania3 e 
terem sua humanidade reconhecida do que outros. 
grandes injustiças sociais, profundas diferenças socioeconômicas e pelas não menos 
trágicas disparidades de distribuição de renda. Para que um ser humano tenha direitos 
e possa exercê-los, é indispensável que seja reconhecido e tratado como pessoa, o 
que vale para todos os seres humanos. Reconhecer e tratar alguém como pessoa é res-
peitar sua vida, mas exige que também seja respeitada a dignidade, própria de todos 
os seres humanos. Nenhum homem [ou mulher] deve ser humilhado ou agredido por 
outro, ninguém deve ser obrigado a viver em situação de que se envergonhe perante 
os demais, ou que os outros considerem indigna ou imoral” (OLIVEIRA, 2007, p. 363). A 
Declaração Universal dos Direitos Humanos pode ser encontrada no endereço <http://
portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm>.
2 Podemos definir Direitos Sexuais como “direitos a uma vida sexual com prazer e livre de 
discriminação” e Direitos Reprodutivos como aqueles que dizem respeito ao “direito 
básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o 
número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos(as) e de ter a informação e os 
meios de assim o fazer, gozando do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodu-
tiva”. Fonte: Reprolatina. Para a definição ampliada dos conceitos, veja o site: <http://
www.reprolatina.org.br/site/html/areas/sexualidade.asp>. Acesso em: 18 maio 2014.
3 Conforme José Murilo de Carvalho (2001), a noção de cidadania contempla os direitos 
civis (direitos fundamentais à vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade perante a 
lei, que garantem a vida em sociedade), os direitos políticos (participação do cidadão 
no governo da sociedade) e os direitos sociais (direitos coletivos como à educação, ao 
trabalho, ao salário justo, à saúde, à aposentadoria, à moradia, ao transporte público de 
qualidade etc.).
Diferenças na Escola | 29 
O mesmo pode ser percebido nas escolas e universidades, pois não é 
novidade nos cursos de licenciatura a ausência, para a formação de docen-
tes, de subsídios que lhes proporcionem a construção de um arcabouço teó-
rico-metodológico que lhes ajude a lidar com as diferenças. Essa ausência se 
amplia ainda mais quando a diferença refere-se a questões de gênero, das 
sexualidades – ou orientações sexuais, termo mais comumente (re)conhecido 
na arena das políticas públicas – e da raça/etnia. No caso específico dos de-
bates sobre raça/etnia, nem mesmo a regulamentação no âmbito Federal,4 
que institui, nos diversos níveis de ensino, a obrigatoriedade da inclusão da 
temática “História e Cultura Afro-brasileira”, tornou concreta a inclusão e 
o debate das diferenças étnicas para além dos estereótipos acerca delas, 
assim como do combate ao racismo no cotidiano das escolas.
Deste modo, embora haja iniciativas e até mesmo políticas de governo 
e de Estado5 que indiquem que esta abordagem deve estar presente nas 
práticas cotidianas escolares, a inserção efetiva nas escolas é incipiente. Os 
Parâmetros Curriculares Nacionais, para dar um exemplo, publicados no final 
da década de 1990, propõem este debate, mesmo que de forma transver-
sal, na prática docente e escolar, o que deveria ter tido também reflexo nos 
cursos de formação de professores e professoras. Independentemente des-
sas iniciativas, não é incomum nos depararmos com a ausência do debate 
na maior parte das licenciaturas e das escolas. Em alguns lugares, escolas 
e também universidades, há experiências de abordagem da temática, em 
geral vinculadas a professores e professoras que tenham afinidade com o 
tema, mas ainda são raros espaços (especialmente oficial ou, se oficiais, re-
conhecidos e levados a sério) para que o debate seja realizado efetivamente.
Nesse contexto, nosso desafio passa não apenas por reconhecer, mas 
também por falar sobre a diferença, entendê-la como um princípio estru-
turante da boa prática pedagógica e deixar de lado a visão de que ela só 
traz problemas para o interior da escola. Ainda, é preciso que deixemos de 
4 Notadamente, a Lei no 9.394 de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e 
bases da educação nacional para se incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obri-
gatoriedade da temática “História e Cultura Afro-brasileira”. Disponível em: <http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acesso em: 17 fev. 2014.
5 Em linhas gerais, uma política de Estado é aquela que extrapola os limites de uma 
gestão e deve ser acatada independentemente de quem está no governo no momento 
atual. Uma política de governo é aquela que só tem garantias de ser efetivada e execu-
tada durante a gestão de quem a implantou. Assim, pode-se dizer que as políticas de 
Estado têm caráter (mais) permanente que as de governo, que seriam (mais) transitórias.
30 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
lado ideias de que a escola não tem de lidar com a sexualidade e com ou-
tros marcadores sociais da diferença. A escola é um espaço importante da 
sociabilidade de crianças e adolescentes, e limar a instância dos desejos e 
afetividades desse espaço é uma forma de exclusão. Além disso, o mesmo 
silêncio que exclui também deixa a porta aberta para as discriminações e 
violências diversas. Faz parte de nossa função como educadores e educado-
ras garantir uma escola de qualidade para todas as pessoas, na qual todas 
elas estejam representadas.
Como nos lembra Rogerio Diniz Junqueira (2007), ao invés de nos contra-
pormos à existência das diferenças no ambiente escolar, deveríamos valori-
zá-las, porque elas constituem fator dequalidade na educação. Conforme o 
autor, não é a qualidade do ensino que acarreta uma coexistência pacífica e 
um convívio democrático com as diferenças. O que se passa é justamente o 
contrário: o respeito às diferenças é que viabiliza uma educação de qualida-
de e, adicionaria aqui, a produção de uma escola e sociedade pautadas nos 
princípios de igualdade e justiça social.
BOX 1
“O conceito de diferença [...] se refere à variedade de maneiras como dis-
cursos específicos da diferença são constituídos, contestados, reproduzidos 
e ressignificados. Algumas construções da diferença, como o racismo, pos-
tulam fronteiras fixas e imutáveis entre grupos tidos como inerentemente 
diferentes. Outras construções podem apresentar a diferença como rela-
cional, contingente e variável. Em outras palavras, a diferença não é sempre 
um marcador de hierarquia e opressão. Portanto, é uma questão contextu-
almente contingente saber se a diferença resulta em desigualdade, explora-
ção e opressão ou em igualitarismo, diversidade e formas democráticas de 
agência política” (AVTAR BRAH, 2006, p. 374).
Diferenças na Escola | 31 
UNIDADE 2
O respeito às diferenças
A escola é um espaço importante da sociabilidade de crianças e ado-
lescentes, e tornar invisíveis as diferenças desse espaço é uma forma de 
exclusão. Além disso, o mesmo silêncio que exclui também deixa a porta 
aberta para as discriminações e violências diversas, e é nossa função como 
educadores e educadoras garantir uma escola de qualidade para todas as 
pessoas, na qual todas as pessoas estejam representadas. Mas, antes de 
qualquer coisa, é preciso que entendamos o que são as diferenças e suas 
implicações nas escolas e na vida social.
Diferença e diversidade, respeito e tolerância: discutindo conceitos
Faço, neste texto, a opção teórica de utilizar o termo diferença ao in-
vés de diversidade. Opto também por lançar mão da ideia de respeito às 
diferenças ao invés da tolerância às diferenças. Atualmente, é comum que 
tenhamos contato com estes termos e, por vezes, os utilizemos sem saber 
muito a que se referem. Muitas vezes, pela forma como aparecem nos dis-
cursos sociais e, mesmo, acadêmicos, parece que diferença e diversidade 
falam da mesma coisa, assim como tolerância e respeito são usados como 
se dissessem respeito à mesma coisa. É comum, inclusive, que as pessoas 
tenham dificuldades em lançar mão do conceito de diferença e respeito, já 
que diversidade e tolerância circulam também como alternativas que, por 
vezes, parecem se vender como mais inclusivas. Dito isto, é valido explicitar 
porque faço a opção por usar os termos diferença e respeito ao invés dos 
dois outros, que parecem ter o mesmo sentido, mas não têm.
Tendo a seguir, neste debate, às pistas fornecidas por alguns autores. 
Para Richard Miskolci (2012), 
o termo “diversidade” é ligado à ideia de tolerância ou de convivência, 
e o termo “diferença” é mais ligado à ideia de reconhecimento como 
transformação social, transformação nas relações de poder, do lugar 
que o Outro ocupa nelas. Quando você lida com o diferente, você 
também se transforma, se coloca em questão. Diversidade é “cada um 
no seu quadrado”, uma perspectiva que compreende o Outro como 
32 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
incomensuravelmente distinto de nós e com o qual podemos conviver, 
mas sem nos misturarmos a ele. Na perspectiva da diferença, estamos 
todos implicados(as) na criação desse Outro, e quanto mais nos rela-
cionamos com ele, mais o reconhecemos como parte de nós mesmos, 
não apenas o toleramos, mas dialogamos com ele sabendo que essa 
relação nos transformará (MISKOLCI, 2012, p. 15-16).
Tomaz Tadeu da Silva (2007) também questiona o uso do termo diversi-
dade, e argumenta que as palavras “diferença” e “multiculturalismo” apa-
recem na teoria educacional com alguma ênfase nos últimos tempos, sem 
muita reflexão acerca de suas implicações. Para o autor, é preciso pensar 
acerca delas de forma crítica, já que hoje são, inclusive, utilizadas pelos dis-
cursos oficiais (inclua-se neles os governamentais) como “legítimas questões 
de conhecimento”. Para Silva, deve-se estar atento ao fato de que essas te-
orias sobre a diversidade e o multiculturalismo, assim como as discussões 
que dela emanam, sofrem da ausência de uma teoria da identidade e da 
diferença. Em suas palavras,
em geral, o chamado “multiculturalismo” apoia-se em um vago e be-
nevolente apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade e 
a diferença. É particularmente problemática, nessas perspectivas, a 
ideia de diversidade. Parece difícil que uma perspectiva que se limita 
a proclamar a existência da diversidade possa servir de base para uma 
pedagogia que coloque no seu centro a crítica política da identidade e 
da diferença. Na perspectiva da diversidade, a diferença e a identidade 
tendem a ser naturalizadas, cristalizadas, essencializadas. São tomadas 
como dados ou fatos da vida social diante dos quais se deve tomar 
posição. Em geral, a posição socialmente aceita e pedagogicamente 
recomendada é de respeito e tolerância para com a diversidade e a 
diferença. Mas será que as questões da identidade e da diferença se 
esgotam nessa posição liberal? E, sobretudo: essa perspectiva é sufi-
ciente para servir de base para uma pedagogia crítica e questionadora? 
Não deveríamos, antes de mais nada, ter uma teoria sobre a produção 
da identidade e da diferença? Quais as implicações políticas de concei-
tos como diferença, identidade, diversidade, alteridade? O que está em 
jogo na identidade? Como se configuraria uma pedagogia e um currí-
culo que estivessem centrados não na diversidade, mas na diferença, 
concebida como processo, uma pedagogia e um currículo que não se 
limitassem a celebrar a identidade e a diferença, mas que buscassem 
problematizá-las? (SILVA, 2007, p. 73-74).
Diferenças na Escola | 33 
A opção pelo termo diferença busca, nesse contexto, positivar a dife-
rença como parte importante da experiência social. Ao contrário do termo 
diversidade, que indica apenas que a diferença está posta na vida social, a 
ideia de diferença contempla a ideia de que a produção das diferenças é um 
processo contínuo no interior da vida social e se estabelece na relação com 
o outro. 
Figura 3 Tela “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), que contempla a diferença 
étnico-racial da sociedade brasileira. As expressões austeras, de olhar fixo, nos lem-
bram das dificuldades inerentes ao trabalho fabril. Com outro cenário ao fundo, a 
imagem poderia fazer também se referir à pluralidade de sujeitos presentes nas esco-
las brasileiras, pluralidade esta raramente representada nos materiais didáticos e nas 
práticas escolares cotidianas.
Precisamos também, conforme apontado pelos autores, pensar acerca 
das implicações políticas dos usos dos termos respeito e tolerância. Enquan-
to tolerar pressupõe uma relação de superioridade e inferioridade, em que 
quem tolera pode ser juiz do outro e usar de benevolência para conviver 
com ele, apesar das diferenças, a noção de respeito pressupõe igualdade 
na forma de se entender a diferença dentro da hierarquia social. Isso por-
que, quando respeitamos alguém, reconhecemos que a diferença está dada, 
apesar do que pensamos dela, e que ela é tão significativa dentro de um 
contexto sociológico como qualquer um de seus elementos.
34 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Dito isto, podemos debater outra ideia importante aqui: a de que a di-
ferença – e consequentemente o respeito – se estabelece na relação social. 
Disso, depreende-se que o reconhecimento das diferenças na sociedade 
e na escola não implica em tratá-las de modo desigual e/ou com inferiori-
dade. Conforme venho argumentando, é justamente o reconhecimento das 
diferenças que pode propiciar que a educação escolar seja efetivamente 
igualitária e democrática.
Diferença não é um atributo inerente dos outros, mas da relação 
social estabelecida
Tomaz Tadeu da Silva (2007) nosalerta que é fácil reconhecer a identida-
de quando a pensamos como aquilo que se é ou, de forma autorreferencial, 
como aquilo que somos. Nesta linha de raciocínio, questiona Silva,
a identidade é simplesmente aquilo que se é: “sou brasileiro”, “sou ne-
gro”, “sou heterossexual”, “sou jovem”, “sou homem”. A identidade assim 
concebida parece ser uma positividade (“aquilo que sou”) [...] Nessa pers-
pectiva, a identidade só tem como referência a si própria: ela é autocontida 
e autossuficiente. Na mesma linha de raciocínio, também a diferença é 
concebida como uma entidade independente. Apenas, neste caso, em 
oposição à identidade, a diferença é aquilo que o outro é: “ela é italiana”, 
“ela é branca”, “ela é homossexual”, “ela é velha”, “ela é mulher”. Da mes-
ma forma que a identidade, a diferença é, nesta perspectiva, concebida 
como autorreferenciada, como algo que remete a si própria. A diferença, 
tal como a identidade, simplesmente existe (SILVA, 2007, p. 74).
Contudo, a proposição da diferença não se esgota na categorização de 
si ou do outro. Quando dizemos que somos brasileiras, estamos dizendo 
que não somos de uma ampla lista de outros pertencimentos nacionais, ou 
seja, ao afirmarmos o que somos, também renegamos a aquilo que não so-
mos. O que é proposto pelo autor, então, é uma (re)significação do conceito 
de diferença, provocando a ruptura com a visão cristalizada da identidade 
como norma. Deste modo, a inclusão das diferenças seria um pressuposto 
para uma boa prática pedagógica, e não seu resultado deste. Podemos afir-
mar, então, em consonância com a proposta por ele apresentada, que 
assim como a definição da identidade depende da diferença, a defini-
ção do normal depende da definição do anormal. Aquilo que é deixado 
Diferenças na Escola | 35 
de fora é sempre parte da definição e da constituição do “dentro”. A 
definição daquilo que é considerado aceitável, desejável, natural, é in-
teiramente dependente da definição daquilo que é considerado abjeto, 
rejeitável, antinatural. A identidade hegemônica é permanentemente 
assombrada pelo seu Outro, sem cuja existência ela não faria sentido 
(SILVA, 2007, p. 84).
Esse tipo de atitude é visível, por exemplo, quando um homem conta 
uma piada ridicularizando um homossexual como forma de afirmar sua mas-
culinidade ou, ainda, quando se faz brincadeiras como “mulher feia tem que 
agradecer o estupro”, ou em comentários sobre uma suposta incapacidade 
“natural” das mulheres de dirigir bem, para as ciências exatas ou para exer-
cer cargos de chefia.
Para um debate sobre as diferenças, é preciso que reconheçamos que 
tanto a identidade quanto a diferença são produzidas nas interações entre 
indivíduos no interior da vida social. Nós nos identificamos com diversos mo-
delos e práticas que existem, estão disponíveis no mundo, e os rejeitamos 
(ou na sociedade em que fomos socializados). Ambas se desvelam a partir 
do (re)conhecimento de si perante o outro.
A identidade e a diferença são produzidas durante o processo de so-
cialização, um processo permanente de aprendizado cultural, que se es-
tende desde o nascimento até à morte de um indivíduo. Assim, é a partir 
do processo de socialização que aprendemos e assimilamos os valores e 
experiências de uma cultura (no caso, a nossa). À medida que nascemos, 
crescemos e nos desenvolvemos, vamos incorporando as normas sociais e 
agimos cada vez mais de acordo com a forma como fomos ensinados. Este 
processo não se dá de forma consciente, e, em geral, essas regras nos são 
ensinadas a partir das experiências sociais ao longo de nossas vidas. Em 
resumo, a socialização consiste em um processo de aprendizado cultural 
que (in)forma os comportamentos de todos indivíduos e permite que per-
tençam a uma dada sociedade.
Um desses aprendizados diz respeito ao gênero e às sexualidades. 
Nesse contexto, podemos afirmar que meninos e meninas possuem com-
portamentos diferentes, não em função de transmissão genética ou do 
ambiente em que vivem, mas pela educação diferenciada que cada um 
recebeu.
Voltando à ideia de que mulheres “naturalmente” dirigem pior que os ho-
mens, é preciso considerar que, desde muito cedo, separam-se brincadeiras 
36 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
para meninos e meninas, e com isso estimula-se o desenvolvimento de 
aptidões específicas para cada um dos sexos. Enquanto meninos são esti-
mulados a atividades que permitem o desenvolvimento da lateralidade e 
da noção de espaço, como a prática de esportes, às mulheres são reserva-
das brincadeiras e brinquedos que estimulam mais outras aptidões, como 
a coordenação motora fina (requerida para, por exemplo, desenvolver uma 
escrita “mais bonita”) ou relativa aos futuros cuidados maternais (como as 
brincadeiras com bonecas(os)). Assim, vai-se produzindo a “falta de jeito” 
dos homens de lidarem com seus filhos quando bebês, a caligrafia “feia” 
dos meninos, a falta de aptidão para dirigir e para a localização espacial das 
meninas, entre outras coisas, que nada têm de “naturais”. 
Em geral, quando nos colocamos em comparação com o outro e o julga-
mos diferentes de nós, tendemos a tomar nossos próprios hábitos, costumes 
e modos de vida como verdadeiros, e os demais como inadequados, falsos. 
Assim, categorizamos a humanidade a partir da nossa experiência e descar-
tamos outras formas de ser e estar no mundo como menos humanas. É preci-
so que reconheçamos, contudo, que a diferença não é um atributo exclusivo 
do outro, que tendemos a perceber como atrasados, errados, estranhos etc. 
Um primeiro passo aqui é justamente reconhecer que, do ponto de vista dos 
outros, também somos diferentes; assim, só é possível estabelecer diferença 
a partir do contato com o outro, diferente de nós, e, ao mesmo tempo, é só a 
partir desse contato que nos é possível perceber que nos identificamos ou 
não com ele.
Concluímos que a cultura – entendida como todo o complexo que inclui 
conhecimentos, crenças, arte, moral, leis, costumes ou qualquer hábito ad-
quirido pelo homem enquanto membro de uma sociedade – é que determi-
na a diferença de comportamento entre indivíduos ou grupos sociais. 
Diferença não é uma questão de opinião
Sabemos que as diferenças, assim como é a identidade, são produzidas 
nas interações entre indivíduos no interior da vida social. Como já discuti-
mos, quando falamos em cultura, estamos nos referindo a tudo aquilo que 
caracteriza a existência social de um povo ou de grupos no interior de uma 
sociedade. Estamos falando também dos códigos e comportamentos com-
partilhados por indivíduos que constituem um grupo, ou seja, as regras so-
ciais que se seguem. As culturas não são genéticas: elas são aprendidas ao 
Diferenças na Escola | 37 
longo do processo de socialização do indivíduo. Também não são estáticas, 
e se modificam no curso da história. Para Roberto DaMatta (1986), “a cultura 
não é um código que se escolhe simplesmente” (DAMATTA, 1986, p. 123). 
Quando apreciamos negativamente, distinguimos a cultura do “eu” 
daquelas diferentes da nossa, podemos dizer que estamos tendo um com-
portamento etnocêntrico. Etnocentrismo é um termo amplamente utiliza-
do nas ciências sociais para definir julgamentos de valor acerca da cultura 
do outro quando a observamos vestindo as lentes da cultura do eu. É fato 
que todos(as) vemos o mundo através das lentes da cultura em que fomos 
socializados(as). Mas no comportamento etnocêntrico isso resulta sempre 
num julgamento valorativo em que a cultura do “eu” é vista como a “verda-
deira”, “correta”, “adequada”, “certa” etc., e a do outro, em oposição, não.
Um exemplo de etnocentrismo relacionado aos conteúdos escolares é 
quando se toma apenas a história do continente europeu como referência 
histórica para toda a humanidade. Assim, deixa-se de lado toda a história de 
povos com culturas tão ricas e complexas quanto as da Europa e exclui-se 
esta discussão dos currículos escolares e discussões em sala de aula. Nessa 
situação, a referênciade humanidade centra-se na história dos povos que 
colonizaram a América e não se dá a devida importância para a influência 
dos povos africanos e indígenas na história deste continente. O mesmo 
acontece quando, nas aulas de ensino religioso, se privilegia a tradição reli-
giosa judaico-cristã como se fosse a única existente e não se fala sobre ou-
tras formas de experiência religiosa, consideradas então menos importantes 
ou legítimas.
Roque de Barros Laraia (2009) nos alerta sobre os riscos do etnocentris-
mo, ao afirmar que o fato de vermos o mundo através de nossa cultura
tem como consequência a propensão em considerar o seu modo de 
vida como o mais correto e o mais natural. Tal tendência, denominada 
etnocentrismo, é responsável em seus casos extremos pela ocorrência 
de numerosos conflitos sociais. O etnocentrismo, de fato, é um fenôme-
no universal. É comum a crença de que a própria sociedade é o centro 
da humanidade, ou mesmo a sua única expressão. [...] A dicotomia 
“nós e os outros” expressa em níveis diferentes essa tendência. Dentro 
de uma mesma sociedade, a divisão ocorre sob a forma de parentes 
e não parentes. Os primeiros são melhores por definição e recebem 
um tratamento diferenciado. A projeção desta dicotomia para o plano 
extragrupal resulta nas manifestações nacionalistas ou formas mais 
38 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
extremadas de xenofobia. O ponto fundamental de referência não é a 
humanidade, mas o grupo. Daí a reação, ou pelo menos a estranheza, 
em relação aos estrangeiros (LARAIA, 2009, p. 72-73).
Se comportamentos etnocêntricos resultam em apreciações negativas 
aos padrões culturais diferentes dos do grupo de origem de dado indivíduo, 
podemos dizer que implicam sempre numa construção de legitimidades di-
ferenciadas para o grupo do “eu” e do “outro”, em que o grupo do “eu” – de 
quem julga ou observa – estará sempre colocado de modo hierarquicamen-
te superior ao do “outro” (ROCHA, 1991).
É comum encontrarmos na vida cotidiana pessoas com falas como “de-
vemos respeitar as diferenças porque cada um tem a sua opinião”. O que 
gostaria de pontuar aqui é que, nesse momento, já sabemos que a produção 
social das diferenças extrapola a ideia de que elas são uma questão indivi-
dual. As diferenças são parte da cultura, ou ao menos do convívio entre di-
versos grupos sociais. É a cultura que as informa, e elas também constituem 
a cultura. Dessa forma, podemos percebê-las mais a partir de uma noção de 
que elas constituem outra possibilidade de existência, de viver a vida, e me-
nos como uma forma inferior, atrasada ou equivocada de estar no mundo.
Diferença não é o mesmo que desigualdade
Conforme bell hooks (2013, p. 235), “desde o ensino fundamental, somos 
todos encorajados a cruzar o limiar da sala de aula acreditando que estamos 
entrando em um espaço democrático – uma zona livre onde o desejo de 
estudar e aprender nos torna todos iguais”. Assim, as diferenças (de clas-
se, conforme discute a autora, mas também todas as outras) tendem a ser 
apagadas, silenciadas, dando amplo espaço a todas as formas de exclusão. 
Para a autora, mesmo que entremos em classe aceitando que há diferenças 
postas entre os sujeitos que ali estão, ainda acreditamos que o conhecimen-
to ali será distribuído em partes iguais e justas. Mas, ao cabo, não é isso que 
ocorre.
De acordo com Ione Ribeiro Valle (2013), em termos legais é dado que a 
igualdade em relação ao direito à educação é fundamental para a consolida-
ção dos projetos políticos de democratização em nível mundial e, podemos 
dizer, também no Brasil. Apesar disso, e de esse discurso ter ampla aceita-
ção social, também é preciso dizer que a escola “nunca garantiu que, em 
nível igual de talento, motivação e competência, todos tenham as mesmas 
Diferenças na Escola | 39 
perspectivas de sucesso, independentemente do meio social, da educação 
familiar e dos processos de socialização que marcam, de forma distinta, a 
trajetória de cada um” (VALLE, 2013, p. 295). Isso acontece de forma mais 
aprofundada nas sociedades com maior índice de desigualdade social, 
como a brasileira.
Assim, quanto mais desigual uma sociedade, maior a dificuldade de 
acesso e garantia dos direitos fundamentais6 a todas as pessoas. Apesar da 
diversificação das ações voltadas à democratização do acesso e à inclusão 
escolar na sociedade contemporânea a partir de políticas de ação afirmativa 
ou do desenho de políticas públicas que visem modificar o quadro vigen-
te de exclusões sociais, “as desigualdades fracionam-se, multiplicam-se e 
diversificam-se no âmbito da escola, do mundo do trabalho, das hierarquias 
sociais, sem que se consiga desmontar o mecanismo e a lógica que elas 
ocultam” (VALLE, 2013, p. 296). A persistência das desigualdades, conforme 
a autora, tem incentivado a abordagem de novas perspectivas analíticas 
“que procuram analisar as múltiplas dimensões das desigualdades sociais, 
caracterizando-as como um sistema que se articula na ordem do ter, do po-
der e do saber” (VALLE, 2013, p. 296).
De acordo com a autora, é preciso, para a manutenção da ordem social 
vigente, que os sistemas de escolarização se pautem pela lógica do mérito. 
Dentro dessa lógica, cada um, individualmente, ao adentrar nos quadros da 
escola, poderá ascender socialmente e acessar os bens de cidadania, e seu 
sucesso dependerá apenas de esforçar-se o suficiente para tal. O que se 
passa é que, dentro dessa lógica, as diferenças aparecem como empecilho 
para a produção de uma escola, pois impediria que a todas as pessoas ali 
fosse dada igualdade de tratamento. Este discurso, falacioso, porém entra-
nhado na lógica escolar, justifica cotidianamente a exclusão das diferenças 
como fator importante para o ensino e a aprendizagem. 
O sistema de ensino que leva em conta essa lógica tenta pasteurizar 
as diferenças e padronizar os conteúdos e formas de ensinar. Ele aspira 
dar uma escolarização única a todas as pessoas, ignorando suas especi-
ficidades. O que ocorre, ao cabo, é que justamente ao desconsiderar as 
diferenças e padronizar pessoas, conteúdos, metodologias de ensino etc., 
6 Grosso modo, aqueles previstos como direitos individuais na Carta Magna de um país. 
De acordo com Michelli Pfaffenseller (2007, s/p.), “os Direitos Fundamentais, sob uma 
perspectiva clássica, consistem em instrumentos de proteção do indivíduo frente à 
atuação do Estado”.
40 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
a escola perpetua as desigualdades existentes na sociedade por descon-
siderar que aquilo que não faz parte do status quo da sociedade não per-
tence ao universo escolar.
Figura 4 Ilustração do cartunista Ziraldo para a cartilha do Ministério da Justiça “Os 
direitos humanos”.
Nesse contexto, nosso desafio é passar por reconhecer e falar sobre as 
diferenças e entendê-las como um princípio estruturante da boa prática pe-
dagógica, assim como deixar de lado a visão de que ela só traz problemas 
para o interior da escola. Ainda, é preciso que deixemos de lado ideias de 
que a escola não tem de lidar com gênero, sexualidade, raça ou com outros 
marcadores sociais da diferença. 
O relatório da “Pesquisa sobre preconceito e discriminação no ambiente 
escolar”, publicado pela Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) 
em 2009, observou que, nas escolas em que há um maior índice de precon-
ceito e discriminações, há um aprendizado pior. Essa pesquisa cruzou dados 
sobre preconceito e discriminação no ambiente escolar com o desempenho 
de alunos(as) na Prova Brasil 2007.7 O relatório também demonstrou que nas 
7 A “Prova Brasil” ou Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (ANRESC)" é uma ava-
liação censitária envolvendo os alunos da 4a série/5o ano e 8a série/9o ano do Ensino 
Diferenças na Escola | 41 
escolas em que há maior preponderância de atitudes que enfatizem o res-
peito às diferenças, o resultado das provas dos(as) alunos(as) apresentou uma 
melhora significativa. As variações nas médias de alunos(as)na Prova Brasil 
mostraram-se diretamente relacionadas a maior ou menor discriminação e 
preconceito, que vitimam tanto discentes quanto docentes e funcionários(as).8
Não é a existência das diferenças que institui as desigualdades entre 
indivíduos, mas a hierarquização delas (legitimação de algumas e exclusão 
de outras). O desrespeito às diferenças produz as intolerâncias, discrimi-
nações e violências (simbólicas e físicas) que encontramos nas escolas e, 
também, amplamente na vida social. O preconceito e a discriminação não 
se constituem em um problema que afeta apenas aqueles indivíduos que 
são discriminados. São fatores que impactam a vida de todas as pessoas 
que se encontram nos espaços onde há processos discriminatórios.
Não se trata aqui de responsabilizar exclusivamente docentes, estu-
dantes ou quaisquer outras pessoas pelos males do mundo. O que preci-
samos compreender é que a desigualdade é estrutura na vida social e afeta 
a todos(as) nós, indiscriminadamente. Assim, cabe a nós, profissionais da 
educação, tomarmos como nosso o projeto de produção de uma escola 
democrática e pautada na noção de respeito a todas as pessoas. Cabe aqui 
a proposta de que devemos pautar no cotidiano escolar (mas não apenas 
nele) o debate em que o combate aos preconceitos e discriminações passa 
inicialmente pelo reconhecimento de nossos próprios preconceitos e limites 
de lidar de forma democrática e inclusiva com a diferença.
Antes de seguirmos para uma proposta de como fazer isto, gostaria de 
propor um debate sobre as formas de violência e discriminação que mais 
têm afetado o debate sobre a escola hoje: as histórias sobre o bullying e 
como impactam as vivências de todos(as) no ambiente escolar.
Fundamental das escolas públicas das redes municipais, estaduais e federal, com o 
objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas públicas. Participam 
desta avaliação as escolas que possuem, no mínimo, 20 alunos matriculados nas séries/
anos avaliados, sendo os resultados disponibilizados por escola e por ente federativo”. 
Fonte: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). 
Disponível em: <http://provabrasil.inep.gov.br/>. Acesso em: 16 jan. 2014.
8 Para mais informações, veja FIPE ([2009] 2013, p. 11).
42 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
UNIDADE 3
Bullying ou assédio escolar: um problema que afeta todo 
mundo
O termo bullying é uma expressão em língua inglesa que se origina do 
termo bully, que quer dizer “valentão/valentona”. Não há uma tradução exa-
ta para o termo em português, que hoje é amplamente difundido e reconhe-
cido como algo presente nas escolas em seus vários níveis de ensino. Alguns 
textos trazem como alternativa à expressão em inglês o termo “assédio es-
colar”, muito embora se reconheça que esta prática extrapola os limites da 
(con)vivência nas escolas. 
Um exemplo de bullying fora das escolas é o cyberbullying, que se reali-
za na rede mundial de computadores (internet). No contexto escolar, muito 
embora o tipo mais comum da prática seja aquele feito por alunos(as) con-
tra outros(as) alunos(as), esta também pode ser executada ou sofrida por 
professores(as) e/ou funcionários(as) da escola e impacta de forma violenta 
a experiência de quem é vítima deste tipo de atitude, assim como afeta a 
quem a executa e todo o entorno. 
O termo bullying tem sido amplamente designado para se referir a 
comportamentos agressivos, atos de violência física e/ou psicológica per-
petuados por crianças e adolescentes em idade escolar contra colegas de 
mesma idade ou idade inferior. Conforme a Cartilha Bullying,9 publicada 
pelo Conselho Nacional de Justiça, em 2010, o termo “é utilizado para qua-
lificar comportamentos agressivos no âmbito escolar, praticados tanto por 
meninos quanto por meninas” (p. 7). Ainda, estes “atos de violência (física ou 
não) ocorrem de forma intencional e repetitiva contra um ou mais alunos que 
se encontram impossibilitados de fazer frente às agressões sofridas” (p. 7).
Assim, sem alguma razão específica, alunos(as) considerados(as) mais 
frágeis são tomados como objetos de diversão, prazer e poder, com o pro-
pósito maltratar, intimidar, humilhar e amedrontar as vítimas. Também, de 
acordo com a Cartilha, bullyings praticados por meninos tendem a ser mais 
visíveis pelo uso frequente da força física. Já aquele praticado pelas meninas 
9 Cartilha Bullying, Conselho Nacional de Justiça, 2010. Disponível em: <http://www.cnj.
jus.br/images/programas/justica-escolas/cartilha_bullying.pdf. Acesso em: 25 jan. 2014.
Diferenças na Escola | 43 
tende a ser menos visível, uma vez que envolve mais fatores como intrigas, 
fofocas e isolamento da vítima. 
Uma pesquisa publicada em 2010 pelo Instituto Plan Brasil sobre bullying 
no contexto escolar nos traz dados acerca dos números de incidência de 
maus-tratos em escolas de todas as regiões do Brasil. O relatório afirma que 
a violência se constitui em fenômeno relevante nas escolas brasileiras, uma 
vez que 70% dos(as) alunos(as) pesquisados informaram terem visto colegas 
serem maltratados(as) ao menos uma vez. Cerca de 9% também afirmaram 
que assistiram a colegas sofrerem maus-tratos várias vezes por semana, e 
10% dizem ter presenciado este tipo de cena todos os dias.
Tabela 1 Número de alunos que relataram ter visto colegas serem maltratados no ano 
de 2009 e frequência dos maus-tratos observados.
Quantas vezes viu o 
colega ser maltratado Quantidade Percentual
Não vi 1468 28,4%
Vi 1 ou 2 vezes 1834 35,5%
Vi de 3 a 6 vezes 531 10,3%
1 vez por semana 262 5,1%
Vários por semana 461 8,9%
Todos os dias 522 10,1%
Em branco 90 1,7%
Total geral 5168 100%
Os dados dessa pesquisa também demonstram que 28% da amostra 
total de alunos(as) afirmam ter sido vítimas de maus-tratos por parte de co-
legas pelo menos uma vez durante 2009, cerca de 10% afirmam ter sofrido 
maus-tratos três ou mais vezes durante o mesmo período. O número parece 
baixo, embora relevante se comparado ao percentual de 71% de alunos(as) 
que relataram não terem sofrido maus-tratos. Contudo, conforme análise 
contida no próprio relatório, o número obtido durante a pesquisa pode estar 
subestimado, uma vez que o fenômeno investigado é passível de provocar 
constrangimento na vítima quando do relato. Ainda, respostas posteriores 
dadas à etapa quantitativa da pesquisa revelaram frequências maiores tanto 
de bullying quanto de maus-tratos, o que reforça a hipótese de que o per-
centual de vítimas é superior aos 10% identificados inicialmente.
44 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Tabela 2 Número de alunos que relataram ter sofrido maus-tratos e frequência com 
que isso teria ocorrido.
Frequência dos 
maus-tratos Quantidade de alunos Percentual
Não fui maltratado 3666 70,9%
Fui 1 ou 2 vezes 940 18,2%
Fui 3 a 6 vezes 198 3,8%
1 vez por semana 71 1,4%
Várias vezes por semana 140 2,7%
Todos os dias 90 1,7%
Em branco 63 1,2%
Total geral 5168 100%
Isso se explica, em parte, pela dificuldade de se reconhecer no frágil 
lugar de vítima. Quanto à subnotificação dos dados de violência sofrida, é 
possível também tecer paralelos com a dificuldade com que vítimas de gol-
pes ou crimes têm em denunciar a violência sofrida às autoridades policiais, 
por exemplo. Conforme Silvia Ramos, há pessoas que acumulam atributos 
sociais que são desvalorizados dentro da lógica cultural vigente, e, por esta 
razão, com muita frequência, são tidas como “menos vítimas” quando sujei-
tas a violências diversas. Para exemplificar, ela menciona o caso da juventude 
negra nos atendimentos policiais. Em suas palavras, 
frequentemente, a população negra, especialmente os jovens, é vítima 
de tratamento desrespeitoso e inadequado pela própria polícia, seja 
numa revista policial, seja numa delegacia. O que é acionado nas cenas 
comuns de seletividade da suspeita é uma combinação explosiva de es-
tereótipos, violência simbólica, às vezes violência física, e racismo, que 
sófaz aumentar o abismo entre polícia e juventude e que derrota todas 
as tentativas de produção da paz e da segurança com a cooperação e o 
engajamento criativo da juventude (RAMOS, 2002, p. 2). 
Podemos fazer o mesmo tipo de analogia quando pensamos no bullying 
escolar e na manipulação das identidades nesse contexto. É possível que 
bullys se valham de todo um conhecimento social das desvantagens que 
um(a) colega possa ter, não apenas para escolhê-lo(a) como vítima, mas 
também para se manter insuspeito(a) se for acusado de abuso. Assim, são 
as desigualdades manifestas na vida social que interferem nas interações 
escolares, legitimam ou deslegitimam crianças e adolescentes no contexto 
Diferenças na Escola | 45 
escolar e fazem com que alguns indivíduos vitimizem outros com certa pos-
sibilidade de não serem pegos(as) desde que não extrapolem limites tolerá-
veis (como aqueles enquadrados nos discursos do “foi sem querer” ou “foi 
apenas uma brincadeira”).
BOX 2
Saiba mais:
Para saber mais dados sobre o bullying no contexto brasileiro, busque o rela-
tório final da pesquisa Bullying escolar no Brasil, publicado em 2010 pela Or-
ganização Não Governamental Plan Brasil. A pesquisa foi realizada com 5.168 
estudantes de todas as regiões do país, e o relatório encontra-se disponível 
em: <http://escoladafamilia.fde.sp.gov.br/v2/Arquivos/pesquisa-bullying_es-
colar_no_brasil.pdf>.
Vale lembrar aqui que se enquadram como formas de bullying os aspec-
tos físicos e materiais (bater, empurrar, beliscar, roubar, furtar ou destruir 
pertences da vítima), verbais (insultar, ofender, falar mal, colocar apelidos 
pejorativos, “zoar” etc.), psicológicos e morais (humilhar, excluir, discrimi-
nar, chantagear, intimidar, difamar etc.), sexuais (abusar, violentar, assediar, 
insinuar etc.) e virtuais/cyberbullying (bullying realizado por meio de ferra-
mentas tecnológicas: celulares, filmadoras, internet etc.).
46 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
BOX 3
Tipos comuns de Bullying:
•	 Insultar a vítima.
•	 Acusar sistematicamente a vítima de não servir para nada.
•	 Cometer ataques físicos repetidos contra uma pessoa, tanto contra o cor-
po dela quanto algo de sua propriedade.
•	 Interferir com a propriedade pessoal de uma pessoa, livros ou material 
escolar, roupas etc., danificando-os.
•	 Espalhar rumores negativos sobre a vítima.
•	 Depreciar a vítima sem nenhum motivo aparente.
•	 Fazer com que a vítima faça o que ela não quer, ameaçando-a para seguir 
as ordens.
•	 Colocar a vítima em situação problemática com alguém (geralmente uma 
autoridade) ou conseguir uma ação disciplinar contra a vítima, alegando 
algo que ela não cometeu ou que foi exagerado pelo bully.
•	 Fazer comentários depreciativos sobre a família de uma pessoa (particu-
larmente a mãe), sobre o local de moradia de alguém, aparência pessoal, 
orientação sexual, religião, etnia, nível de renda, nacionalidade ou qual-
quer outro aspecto entendido como inferioridade pelo(a) bully.
•	 Causar isolamento social da vítima.
•	 Usar as tecnologias de informação para praticar o cyberbullying (criar 
páginas falsas, comunidades ou perfis sobre a vítima em sites de relacio-
namento com publicação de fotos etc.).
•	 Fazer chantagem.
•	 Usar expressões ameaçadoras.
•	 Fazer grafitagem depreciativa.
•	 Usar de sarcasmo evidente para se passar por amigo (para alguém de 
fora) enquanto assegura o controle e a posição em relação à vítima (isso 
ocorre com frequência logo após o bully avaliar que a pessoa é uma “ví-
tima perfeita”).
•	 Fazer a vítima passar vergonha na frente de várias pessoas.
Fonte: Eco4U (2011, com adaptações): <https://eco4u.wordpress.com/2011/04/06/
bullying-casos-famosos-entenda-o-que-e-e-combata-esta-pratica/>.
Diferenças na Escola | 47 
É comum nos depararmos com relatos de casos e notícias de casos de 
bullying nas conversas do cotidiano ou na mídia hoje. Alguns exemplos são 
mais ou menos intensos quanto ao grau de violência – que pode ser simbólica 
ou física. É comum, em uma busca rápida na internet, nos depararmos com 
informações sobre bullying. Muitas vezes estes são praticados com base na 
discriminação de alguns atributos físicos da vítima, os quais são acionados de 
modo a fazê-la indesejável na escola e na sociedade.10 Acusações acerca da 
beleza ou feiura, da gordura ou magreza, entre outras coisas, impactam signi-
ficativamente a experiência de diversas crianças e adolescentes nas escolas. 
Outros atributos que aparecem no rol de rejeições são gênero, sexualidade, 
classe, raça/etnia e religião. A omissão por parte da escola e comunidade es-
colar aparece frequentemente nos relatos e pode contribuir como um fator 
que permite a existência e reprodução dos abusos em seu cotidiano.11 
Assim, não é raro nos depararmos com relatos trágicos sobre as con-
sequências do bullying e da omissão quanto a ele. Em um caso recente, 
ocorrido no Brasil, uma adolescente de dezesseis anos matou com facadas 
uma colega de quinze anos na saída da escola. De acordo com relatos de 
colegas, ambas se desentenderam por causa do perfume usado pela vítima. 
O desentendimento deveria ser “resolvido” na saída da aula.12
Em outro caso famoso, que ocorreu no Canadá, uma jovem de quinze 
anos suicidou-se em razão de um cyberbullying que se tornou, também, 
inspiração para a prática de bullying contra ela por parte de colegas de es-
cola. Quando tinha doze anos, Amanda foi convencida a mostrar partes de 
seu corpo em uma conversa na internet. Depois disso, passou a ser chan-
tageada e exposta em páginas da internet e redes sociais, as quais foram 
acessadas por inúmeras pessoas, incluindo-se colegas de escola. As reações 
na escola foram do isolamento à violência física. Pouco antes de cometer 
suicídio, Amanda publicou um vídeo relatando o que se passara com ela 
10 Menina sofre bullying e apanha na saída da escola em Piracicaba, SP. EPTV. Disponível 
em: <http://g1.globo.com/sp/piracicaba-regiao/noticia/2013/09/menina-sofre-bullying-
-e-apanha-na-saida-da-escola-em-piracicaba-sp.html>. Acesso em: 03 mar. 2014.
11 JACINTO, Daniela. Caso de bullying faz mãe transferir criança de 11 anos de escola. Jornal 
Cruzeiro do Sul. Disponível em: <http://www.cruzeirodosul.inf.br/materia/457156/caso-
-de-bullying-faz-mae-transferir-crianca-11-anos-de-escola>. Acesso em: 03 mar 2014.
12 Estudante de 15 anos é morta com facada dada por colega na saída da escola. Hoje em 
Dia. Disponível em: <http://www.hojeemdia.com.br/noticias/brasil/estudante-de-15-
-anos-e-morta-com-facada-dada-por-colega-na-saida-da-escola-1.168909>. Acesso 
em: 03 mar. 2014.
48 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
no Youtube,13 no qual afirmava: “Eu não tenho ninguém... Eu preciso de 
alguém”.14
Figura 5 Amanda Todd, em cena do vídeo que publicou pouco antes de cometer 
suicídio.
No caso do bullying executado pelo(a) docente contra o(a) discente, as 
formas mais comuns são ações como a intimidação em voz alta que rebai-
xe sua autoestima e/ou o(a) intimide. Outras formas de se praticar bullying 
contra estudantes é usar critérios mais severos de avaliação, com aqueles(as) 
que são seus desafetos, do que os utilizados com o resto da classe, chegan-
do a atribuir propositalmente notas baixas a eles (prática conhecida como 
“perseguição”) ou os ameaçando de reprovação. Outra forma de assédio 
escolar executado por docentes é a negação do direito de ir ao banheiro 
ou beber água (tortura psicológica). Ainda faz parte deste tipo de atitude a 
difamação do(a) aluno(a) em reuniões pedagógicas ou junto à coordenação/
direção da escola; acusações (falsas) sobre coisas que este(a) não fez; puxões 
de orelha, tapas e outras torturas físicas (que afetam com mais frequência 
crianças pequenas).
13 O vídeo publicado por Amanda Todd, com legendas em português, pode ser acessado 
no endereço: <https://www.youtube.com/watch?v=gikbgGOE5II&feature=youtu.be>.
14 MARQUES, Melissa. Entenda o caso de Amanda Todd, a adolescente que cometeusui-
cídio por sofrer bullying. Revista TodaTeen. Disponível em: <http://todateen.uol.com.br/
souassimtt/entenda-o-caso-de-amanda-todd-a-adolescente-que-cometeu-suicidio-
-por-sofrer-bullying/>. Acesso em: 15 mar 2014.
Diferenças na Escola | 49 
Há um caso ocorrido em 2012 nos EUA, em que um professor foi filmado 
incentivando a classe a agir contra um menino de treze anos, que durante 
quinze minutos foi arrastado e humilhado. O professor recebeu uma suspen-
são de dez dias e foi transferido para outro colégio. Ele se desculpou pelo 
acontecimento, apesar de ter declarado que “o caso não foi diferente ou 
mais nocivo do que qualquer outra brincadeira feita por crianças”.15
Em outro caso, ocorrido no Brasil, um estudante de uma escola pública 
estadual, de dezessete anos, manteve-se em silêncio quando sua professora 
de geografia iniciou a aula com a oração “Pai-Nosso”. A professora reagiu 
dizendo que “jovem que não tem Deus no coração nunca vai ser nada na 
vida”, uma vez que é de amplo conhecimento que ele é ateu. Em outra aula, 
o aluno argumentou com a professora que ela estaria desrespeitando o prin-
cípio de laicidade do Estado, defendida na Constituição Federal.16 A profes-
sora reagiu afirmando que não há lei que a impeça de rezar, algo que faz há 
25 anos, e não deixaria de realiza-lo mesmo que o aluno levasse um juiz à 
sala de aula. Na aula seguinte, o aluno chegou quando a oração estava co-
meçando e percebeu que ele tinha sido incluído na oração. Alguns/algumas 
estudantes, aparentemente com a concordância da professora, substituíram 
a frase “livrai-nos do mal” por “livrar-nos do Ciel” (seu prenome).17
Todos os casos relatados impactaram negativamente as vidas das vítimas 
e da comunidade escolar a que pertenciam. A escola, muitas vezes, entra 
como o locus privilegiado das agressões e violências, mas tende a ausentar-
-se de qualquer envolvimento ou responsabilidade com relação ao bullying. 
Nos casos em que isto acontece na relação entre discentes ou em outras 
relações, a regra que parece permear a atitude quanto a piadas, agressões, 
xingamentos ou violências físicas é manter-se distante ou em silêncio.
O silêncio e a distância, nesses casos, são preocupantes em vários senti-
dos, pois ajudam as violências do cotidiano a se perpetuarem e autorizam os 
15 NISZ, Charles. Nos EUA, aluno sofre bullying de colegas e do professor na sala de aula. Blog 
Vi na internet. Disponível em: <http://br.noticias.yahoo.com/blogs/vi-na-internet/nos-eua-
-aluno-sofre-bullying-colegas-e-professor-201450161.html>. Acesso em: 20 jan. 2014.
16 De acordo com Joana Zylbersztajn (2012), a Constituição Federal não declara que o 
Brasil é laico, mas suas leis trazem elementos que formam este entendimento. Alguns 
desses elementos estão expressos pela garantia da democracia, igualdade, liberdade e 
a separação institucional entre Estado e religião. No entanto, a existência desses prin-
cípios na Constituição não garante per se a laicidade na prática.
17 Reação de aluno ateu a bullying acaba com pai-nosso na escola. Revista Fórum. 
Disponível em: <http://www.revistaforum.com.br/blog/2013/04/reacao-de-aluno-ateu-
-a-bullying-acaba-com-pai-nosso-na-escola/>. Acesso em: 14 fev. 2014.
50 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
perpetradores do assédio a seguirem com a prática, já que ninguém interfere. 
É como se fosse aplicada à escola a lógica que permeia os casos de violência 
contra a mulher, em que se diz com frequência “em briga de marido e mulher 
não se mete a colher”. Esta lógica, como sabemos, serve apenas para legitimar 
o(a) agressor(a) e deslegitimar a vítima, e tende a submetê-la a mais violências, 
uma vez que a ela não é dado o direito de ser ouvida e nem protegida.
Violências e agressões, preconceitos e discriminações, conforme discu-
timos, são fruto da desigualdade social, do desrespeito às diferenças e da 
deslegitimação do outro enquanto sujeito de direitos humanos e sociais. Ao 
cabo, com a violência, se deslegitima seu modo de vida, seu jeito de ser e 
sua existência.
Os resultados desse tipo de discriminação são danosos: baixa autoes-
tima, exclusão, medo, depressão clínica, isolamento social, adoecimentos, 
suicídios ou, mesmo, mais violência. Os resultados do silêncio sobre as vio-
lências, as discriminações e o bullying são suas perpetuações.
Para evitar o assédio escolar é preciso que se faça um trabalho preventivo 
e continuado, assim como demanda abertura para o diálogo e uma escuta 
aberta para problemas e questões trazidas pelos(as) alunos(as). O mesmo 
vale para filhos(as) ou quaisquer outras pessoas que possam estar submeti-
das a agressões verbais e não verbais. Não se trata de investir em medidas 
punitivas ou criminalizadoras, mas de reconhecer que a lógica por detrás do 
bullying é a mesma que se estabelece a partir de todas as outras violências 
da vida social. A desigualdade, o desrespeito e/ou exclusão das diferenças 
está intimamente conectada no bullying, como na vida social, com a produ-
ção da violência.
Ainda, é preciso que todas as pessoas que fazem parte da comunidade 
escolar estejam envolvidas no processo de discussão das estratégias de com-
bate aos preconceitos e discriminações. Não é incomum, na vida social, que 
uma criança ou adolescente seja incentivada(o) a ser violenta(o). Em certos 
contextos, a violência é até motivo de orgulho, pois denota que, por exem-
plo, um menino se adequa ao perfil de masculinidade e, consequentemente, 
se afasta do fantasma da homossexualidade. Também não é incomum que 
crianças e adolescentes sejam incentivadas(os) a revidar agressões ou se si-
lenciar, de modo a evitar sua perpetuação. Assim, alunos(as), professores(as), 
familiares e funcionários(as) da escola devem ser chamados para participar 
deste diálogo. O bullying atinge todas as pessoas que fazem parte do con-
texto em que acontece. Por isso, todos(as) devem estar envolvidos(as) nos 
Diferenças na Escola | 51 
debates sobre sua prevenção e empenhados(as) em evitar a reprodução 
desta prática.
O silêncio acerca da importância da valorização das diferenças e o silen-
ciamento acerca dos problemas trazidos até nós pelos(as) outros(as) mem-
bros da comunidade escolar constituem-se, por fim, em mais uma violência 
contra quem já está vitimizado, e a falta de espaço de diálogo e debates, de 
fala e de escuta impulsiona a reprodução das desigualdades e exclusões, 
que fundamentam as práticas de bullying.
UNIDADE 4
Como lidar com as diferenças no cotidiano escolar?
Figura 6 Os conteúdos escolares são, há muito, criticados pela falta de relação com a 
realidade social e dos(as) alunos(as). Apesar das críticas, eles ainda são reproduzidos 
sem se dar atenção à questão das diferenças, e as aulas continuam a ser ministradas 
sem trazer o cotidiano dos sujeitos da escola para a sala de aula. Como uma escola 
que não valoriza a experiência de seus sujeitos, não as relaciona com os conteúdos 
escolares, pode ensinar e ser democrática? 
“Se fosse possível embarcar em uma máquina do tempo, viajar mil anos 
até o futuro e pousar em uma sala de aula, teríamos dificuldades em reco-
nhecer que não estaríamos no presente”. Quando fazia minha graduação em 
Pedagogia, não era incomum ouvir, de um(a) ou outro(a) professor(a), esta 
anedota que falava acerca da dificuldade histórica da escola de se reinventar 
frente aos novos desafios presentes na dinâmica da sociedade atual. Não 
me lembro mais das exatas palavras usadas para a conta, mas me lembro do 
que queria dizer, até porque, de forma ilustrativa, ela era sempre comple-
mentada com um comentário: “A escola é a instituição que é menos afeita a 
52 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
mudanças em seu modo de funcionamento e visões de mundo. A educação 
escolar é conservadora e retrógrada”.
Hoje, passados quase vinte anos da conclusão de minha graduação, 
tornei-me professora e me vejo refletindo acerca dessas mesmas questões. 
E os sentidos da anedota parecem atuais, quase fadadosà permanência, 
nas escolas e nos processos de escolarização. Por esta razão, o debate pro-
posto neste texto (e nos que virão a seguir) torna-se importante e também 
fundamental, problematizando este sistema de verdades preestabelecidas 
e seguidas, quase que às cegas, nas rotinas de escolas de muitos lugares do 
país e do mundo.
Ao final deste texto, espero que tenhamos chegado à compreensão de 
que diferença e desigualdade não são sinônimos. Somos apresentados na 
escola à noção de que as diferenças são um problema, um empecilho ao 
ensino, e que, por este motivo, devem ficar de fora da sala de aula, do re-
creio, da vida social como um todo (a escola, afinal, faz parte da sociedade). 
Tendemos a pensar de modo binário em nossa sociedade. Isso quer dizer 
que dividimos o mundo em bom e mau, masculino e feminino, homem e 
mulher, certo e errado. Todos(as) aprendemos isto, mas podemos também 
aprender a questionar estas verdades.
Podemos, inclusive, usar o pensamento binário para questionar falsas 
dicotomias. Dentro da lógica binária, o conceito de Diferença se opõe ao 
de Identidade. Já o conceito de Desigualdade se contrapõe ao de Igual-
dade. Assim, mesmo dentro da lógica binária (que tende a ser excludente), 
diferença e desigualdades não constituem um par; assim, o problema não é 
que as diferenças existam e sejam reconhecidas, o problema não é sermos 
diferentes, não é a diferença: é sermos tratados com desigualdade, termos 
acessos desiguais a bens sociais como a cidadania.
É este quadro, composto no espaço da escola pelas tintas da desigualda-
de de acesso, da não garantia de permanência e da não aprendizagem, que 
precisa ser modificado. Para tanto, nossa prática dentro das escolas deve se 
pautar pela desconstrução de pré-conceitos e estereótipos. Também se faz 
necessário formar professores que entendam melhor as diferenças e lidem 
melhor com ela no cotidiano da escola, e é fundamental discutir por que a 
escola hoje não é um lugar para as diferenças e de que modo isso fomenta 
as desigualdades e exclusões. Ainda, é preciso fomentar o diálogo sobre 
aquilo que não é oficialmente conteúdo da escola, mas que está nela, como 
Diferenças na Escola | 53 
o gênero, a sexualidade, a raça/etnia, as diversas religiosidades etc., de 
modo a compreender as diferenças e incluí-las ao nosso fazer pedagógico.
Precisamos continuamente nos fazer algumas questões, como: Realmen-
te, não devemos educar para além de “repassar conteúdos”? Não é mesmo 
nosso papel, enquanto educadores(as), resolver conflitos e disputas entre 
alunos(as)? Se somos mediadores(as) de conhecimentos e os conflitos por 
vezes são decorrentes de conhecimentos diferentes trazidos à escola, por 
que não seria nosso papel, enquanto docentes, mediá-los? Hoje em dia, 
quase todas as famílias, pais e mães, trabalham fora e as famílias depen-
dem da renda dos dois cônjuges. Em outros modelos de família, há apenas 
um(a) adulto(a) responsável pelas crianças, que pode ou não trabalhar fora 
em período integral. Se não há alguém “em casa” (homem ou mulher) que 
as “eduque”, as crianças não devem ser educadas por mais ninguém porque 
educá-las “não é papel da escola”? Ao cabo, estas questões nos remetem 
a outras, sobre as quais convido vocês a refletir ao longo de todo este livro: 
Qual o papel da escola? Qual o papel do(a) docente? Não seria hora de a es-
cola parar de resistir às mudanças dos tempos e adequar-se aos seus novos 
papéis em nossa sociedade?
Precisamos repensar conteúdos, práticas, ações, se quisermos produ-
zir uma escola realmente justa, e trocar o silêncio e a ausência confortável 
dos diálogos pelo desconforto de falar sobre as coisas do cotidiano escolar. 
É preciso transformar cada comentário jocoso, cada julgamento de valor, 
cada intervenção agressiva ou preconceituosa em uma oportunidade de 
desconstruir velhos preconceitos, estereótipos e exclusões e construir uma 
nova forma de lidar com o conhecimento, com as histórias de vida de todas 
as pessoas que transitam pela escola, com seu entorno e a vida social. 
Matérias jornalísticas, livros de literatura, filmes, seriados e desenhos po-
dem ser boas fontes de inspiração para um início de conversa, até como for-
ma de “quebrar o gelo”. Em algumas situações, será preciso lançar mão de 
materiais que não falem diretamente de fatos que aconteceram na escola, 
ou com pessoas que circulam por ela, como estratégia de abordar assuntos 
delicados sem causar constrangimento. Assim, é importante também que 
se tomem os cuidados necessários para não expor as partes envolvidas nos 
casos de discriminação ou bullying publicamente. A ideia é desconstruir vio-
lências e preconceitos de forma ética, não criar ou reforçar estigmas dentro 
das redes de relação social existentes na escola.
54 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Contudo, não expor as partes envolvidas não implica em manter o silên-
cio. Para mudar a realidade, precisamos deixar de lado a omissão e enfrentar 
o diálogo. É só a partir do (re)conhecimento das diferenças como ponto fun-
damental de mediação e diálogo que podemos, efetivamente, construir uma 
prática pedagógica que se paute pela autonomia, pelo respeito, e que seja 
efetivamente para todos(as).
BOX 4
Sugestão de materiais para o trabalho em sala de aula
•	 Mauricio de Souza – Turma da Mônica “Viva as diferenças”. Disponível em: 
<http://www.cmdca-sl.org.br/wp-content/uploads/2012/10/REVISTA_VIVA_
AS_DIFERENCAS.pdf>.
•	 Ziraldo – Cartilha sobre o trabalho infantil. Disponível em: <http://portal.mte.
gov.br/data/files/8A7C812D307400CA013075FBD51D3F2A/trabalhoinfantil-
-mte-web.pdf>.
•	 Ziraldo – Cartilha Os Direitos Humanos. Disponível em: <http://portal.
mj.gov.br/sedh/documentos/CartilhaZiraldo.pdf>.
•	 HELPLINE.BR – Página gratuita para crianças e adolescentes que oferece 
orientação sobre como proceder em casos de cyberbullying. Disponível 
em: <http://www.safernet.org.br/site/webline>.
•	 Cartilha Helpline.br, para crianças e adolescentes. Disponível em: <http://
www.safernet.org.br/divulgue/banners/cartilha2012-web-150.pdf>.
•	 Documentário “O riso dos outros”, de Pedro Arantes (2012, 52 min) – O 
documentário trata da questão do Stand Up Comedy, um tipo específico 
de humor, para discutir a linha tênue entre o que é comédia e ofensa, 
discutindo a questão da liberdade de expressão e do (des)respeito às 
diferenças. Disponível em: <http://youtu.be/rRMsLIY2Qhw>.
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FIGURAS
Figura 1 Esta imagem, publicada no livro “Cuidado, escola!”, ilustra como o processo de ensino 
e aprendizagem tenta colocar dentro de um mesmo molde pessoas que são muito diferentes en-
tre si. Fonte: <http://www.uniriotec.br/~pimentel/disciplinas/ie2/infoeduc/escdiferencas.html>. 
Acesso em: 14 jul. 2013.
Figura 2 Por esta ilustração do livro “Cuidado, escola!” podemos refletir sobre qual o lugar das 
diferenças nas vivências escolares, ou seja, como a escola busca deixá-las de fora de seus deba-
tes e espaços porque não as considera como fator importante dentro dos processos de ensino-
-aprendizagem. Fonte: <http://gepepi.net/2011/10/24/o-mundo-nao-e-esta-sendo/>. Acesso em: 
14 jul. 2013.
Figura 3 Tela “Operários”, de Tarsila do Amaral (1933), que contempla a diferença étnico-racial 
da sociedade brasileira. As expressões austeras, de olhar fixo, nos lembram das dificuldades 
inerentes ao trabalho fabril. Com outro cenário ao fundo, a imagem poderia fazer também se 
referir à pluralidade de sujeitos presentes nas escolas brasileiras, pluralidade esta raramente 
representada nos materiais didáticos e nas práticas escolares cotidianas. Fonte: <http://2.
bp.blogspot.com/-J4Ar1955lUo/TbYvvOsWauI/AAAAAAAABXI/fxdTkyCB7ig/s1600/opera-
rios.jpg>. Acesso em: 17 mar. 2014.
Figura 4 Ilustração do cartunista Ziraldo para a cartilha do Ministério da Justiça “Os direitos 
humanos”. Fonte: <http://portal.mj.gov.br/sedh/documento>. Acesso em: 17 mar. 2014.
Figura 5 Amanda Todd, em cena do vídeo que publicou pouco antes de cometer suicídio. Fonte: 
<http://todateen.uol.com.br/tt/wp-content/uploads/2012/10/Video-Amanda-Todd.jpg>. Acesso 
em: 15 mar. 2014.
Figura 6 Os conteúdos escolares são, há muito, criticados pela falta de relação com a realidade 
social e dos(as) alunos(as). Apesar das críticas, eles ainda são reproduzidos sem se dar atenção 
à questão das diferenças, e as aulas continuam a ser ministradas sem trazer o cotidiano dos 
sujeitos da escola para a sala de aula. Como uma escola que não valoriza a experiência de seus 
sujeitos, não as relaciona com os conteúdos escolares, pode ensinar e ser democrática? Fonte: 
<https://arquivopublicors.files.wordpress.com/2013/08/2013-08-14-xaxado-a-cedraz.jpg>. Acesso 
em: 14 jul. 2013.
 
TABELAS
Tabela 1 Número de alunos que relataram ter visto colegas serem maltratados no ano de 2009 
e frequência dos maus-tratos observados. Fonte: tabela sobre “Alunos que viram colegas serem 
maltratados no ano de 2009” do relatório final da pesquisa Bullying escolar no Brasil” (2010, p. 24).
Tabela 2 Número de alunos que relataram ter sofrido maus-tratos e frequência com que isso 
teria ocorrido. Fonte: tabela sobre a “Frequência dos maus-tratos no ano de 2009 (vítimas)” do 
relatório final da pesquisa Bullying escolar no Brasil” (2010, p. 27).
2
Religiosidades e Educação Pública
Tiago Duque
 
Figura 1 A diversidade humana e as múltiplas expressões do sagrado.
“Religiosidades e educação” é uma temática instigante e envolve opi-
niões muito diversas. Aqui nos propomos discuti-la no viés da valorização 
da diferença cultural religiosa e na busca do fortalecimento da laicidade do 
Estado. Nossa reflexão está dividida da seguinte maneira:
Unidade 1: Estabelecendo o diálogo
Introduzimos o tema partindo do reconhecimento da importância da 
religião para a maior parte da população brasileira. Em seguida, apresenta-
mos dois conceitos importantes para que possamos atingir o nosso objetivo: 
etnocentrismo e relativismo. Dessa maneira, estabelecemos o diálogo com 
você no sentido de problematizar a temática em um viés socioantropológico.
60 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Unidade 2: Viva a nossa diferença cultural religiosa!
Partirmos, nessa segunda parte, de um documento histórico importante 
para pensar, desde o século XVI, as tentativas de reconhecimento da dife-
rença cultural religiosa no Brasil. Deixando clara a nossa intencionalidade 
em facilitar a promoção da “justiça religiosa”, destacamos as origens da 
liberdade religiosa e a laicidade no país. Discutimos o sincretismo religioso e 
a realidade de desigualdade em que se deu o fenômeno religioso no Brasil.
Unidade 3: Se somos diversos, por que não aceitar as nossas 
diferenças?
A partir de dados estatísticos, demonstramos a diferença religiosa na 
contemporaneidade e damos destaque aos discursos contrários ao embate 
e à disputa religiosa. Citamos o movimento ecumênico e macroecumênico 
no sentido de apresentar direcionamentos para uma perspectiva de abor-
dagem do tema religiosidades na escola. Finalizamos essa parte do capítulo 
com o contexto do Ensino Religioso no Brasil atual.
Unidade 4: E agora? Por onde começar?
Apresentamos sugestões de como atuar em sala de aula com a temáti-
ca da religiosidade em uma perspectivalaica, no sentido de desconstruir a 
ideia “religião não se discute”. São apresentados possíveis recursos didáti-
cos e algumas orientações práticas (metodológicas) para facilitar o trabalho.
Finalizamos o capítulo com várias dicas de fontes e materiais que podem 
ser usados para aprofundar o tema. Nossa torcida é para que a leitura do 
capítulo motive a continuidade das buscas por mais informações.
Boa leitura!
Religiosidades e Educação Pública | 61 
UNIDADE 1
Estabelecendo o diálogo
No Brasil, metade da população frequenta cultos religiosos de algum 
credo e 89% dela considera a religião como algo importante, colocando o 
país em 60o lugar em uma lista de 156 nações. Esses dados estão na pesqui-
sa “Novo mapa da religião”,18 organizada pela Fundação Getulio Vargas. A 
mesma pesquisa aponta as mulheres como as maiores frequentadoras dos 
cultos religiosos no Brasil (57%). No que se refere à classe social, os extremos 
são os que aparecem com maior porcentagem em relação a não ter religião, 
sendo 7,72% da classe E e 6,91% das classes A e B. Em termos de idade, são 
as pessoas com mais de 50 anos (58%) que mais vão aos espaços e atividades 
religiosas no país. No entanto, é alto o número de jovens entre 15 e 24 anos 
que frequentam essas atividades (41%) e/ou que avaliam a religião como 
algo importante (83%).
Em um país com essas características, não podemos concordar com 
pensamentos generalizantes do tipo: “A religião deixou de ser importante 
para as pessoas” ou “A juventude não se importa com a religião”. É preciso, 
cada vez mais, compreender o fenômeno religioso e o quanto ele está impli-
cado em questões que envolvem tantas outras dimensões da nossa cultura 
na contemporaneidade.
Evidentemente que essa dimensão religiosa da cultura não se afasta das 
instituições, sejam elas de deliberações políticas (municipais, estaduais e 
federais), de práticas educacionais (formais e não formais), ou até mesmo 
do cuidado com a saúde (dos costumes populares aos grandes hospitais 
especializados). 
No que se refere ao espaço escolar, que é o nosso foco neste livro, a reli-
gião está além das aulas de Ensino Religioso. Por exemplo, o espaço escolar 
não é neutro em termos religiosos. As práticas envolvendo religiosidade 
estão naturalizadas de diferentes formas em muitas escolas, e isso, como 
sabemos, faz parte da “nossa cultura”.
Contudo, as expressões de fé são inumeráveis em um contexto tão 
diversificado religiosamente como o nosso e, certamente, jamais caberão 
18 Essa pesquisa foi divulgada em 2011, utilizando-se de dados do Censo Demográfico 
de 2000, realizado pelo IBGE, Pesquisa de Orçamento Familiares de 2003 – também de 
responsabilidade do IBGE e do Gallup World Poll.
62 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
todas representadas no espaço escolar. Então, a quais experiências culturais 
estamos nos referindo quando identificamos e reconhecemos a presença de 
elementos e práticas religiosas nas escolas públicas brasileiras? E quais são 
as expressões culturais religiosas que ficam invisibilizadas ou marginalizadas 
quando apenas algumas são valorizadas e defendidas? 
Normalmente o que se identifica com facilidade nas escolas são as ori-
gens culturais religiosas que estão diretamente ligadas à história de colo-
nização cristão-europeia que demarcou a formação da nossa experiência 
enquanto nação. Pela própria forma de evangelização que se constituiu ao 
longo dos séculos em terras brasileiras, as expressões de fé na escola estão 
comumente ligadas às práticas valorizadas ao longo do tempo como as mais 
adequadas, legítimas, apropriadas ou mesmo difundidas enquanto univer-
sais, como é o caso da oração do Pai-Nosso, frequentemente associada a 
“uma oração que todo o mundo reza”, “neutra” ou “que está em todas as 
religiões”.
Além das práticas propriamente ditas, há também toda uma simbologia 
religiosa que comumente se encontra nas escolas. Façamos um exercício 
imaginativo para que possamos ver o que alguns símbolos representam 
quando estão presentes no espaço escolar. Vamos nos colocar no lugar de 
uma pessoa que irá visitar uma escola, mas que, de modo algum, está fami-
liarizada com o ambiente escolar. 
Ao chegar, pode avistar a coleção de troféus, que durante décadas foi 
sendo formada pela conquista de várias gerações de alunos e professores 
empenhados e vitoriosos na prática e competição esportiva. Essa pessoa 
pode pensar: “Nossa, aqui tem muitos campeões” ou “Que legal, o pessoal 
é muito dedicado à prática esportiva”. 
Ela também pode se deparar com uma série de quadros com fotogra-
fias antigas, dos primeiros diretores, deixando exposto um período histo-
ricamente importante para aquela instituição, e pensaria: “O pessoal aqui 
valoriza bastante a sua história” ou “As pessoas respeitam aqueles que co-
meçaram a administrar esta escola”.
Podemos imaginar ainda, no lugar dessa pessoa, que vamos encontrar 
assim que chegarmos à escola um enorme quadro com a patrona, aquela 
autoridade que deu nome ao local, demarcando quanto a identidade da es-
cola tem a ver com as ações e história de vida daquela personagem histórica. 
Essa pessoa poderia então chegar à seguinte conclusão: “Eles se identificam 
Religiosidades e Educação Pública | 63 
com ela, ensinam sobre quem ela foi” ou “Ela deve ser uma mulher exemplar 
para os alunos”.
Há também a possibilidade de se avistar uma série de cartazes ou ma-
quetes feitas pelos alunos de determinado período, cuidadosamente expos-
tos para que qualquer visitante possa ver o que se produziu naquela semana 
ou naquele mês. Esse visitante imaginário pensaria: “As professoras traba-
lham bastante com os alunos” ou “Os alunos daqui são criativos, dedicados 
e caprichosos”. 
Se tudo isso informa e dá significado ao espaço, mostrando caracterís-
ticas importantes daquele lugar, bem como de parte das pessoas que ali 
estão trabalhando ou estudando, ocorre o mesmo com os elementos re-
ligiosos, como imagens sacras, crucifixos, frases bíblicas ou com a própria 
Bíblia. Agora, e se essa pessoa que estamos nos imaginando no lugar dela 
não se identificar com nenhum dos símbolos religiosos que estão na escola? 
Se esses símbolos não lhe significasse o mesmo que significa para os fun-
cionários que os colocaram ali ou os mantiveram carinhosamente expostos? 
Qual o sentimento e a quais conclusões você, no lugar dessa pessoa, pode-
ria chegar?
Um exercício importante para todo educador é este da situação imagi-
nária acima, o de se colocar no lugar do outro. Mas aqui não é um apelo para 
que se procure sentir a dor do outro, se compadecer dele, tentar passar pelo 
que ele passa. Não se trata de um exercício espiritual, defendido em várias 
religiões como uma prática que nos levaria a sentir mais compaixão. Não, 
não se trata disso. O colocar-se no lugar do outro aqui é algo que nos leva a 
importantes estranhamentos em termos culturais, mas ao revés, partindo do 
que supostamente o outro viveria sendo diferente de você. É o se perceber 
outro, deslocado, meio sem jeito, diferente de uma suposta maioria. 
Nas ciências sociais, há uma crítica importante para nos alertar do quanto 
é fundamental para compreendermos e reconhecermos a diferença cultural, 
mudarmos de posição: a crítica ao etnocentrismo.19 Essa palavra significa o 
que não se deve ser, isto é, julgar sempre a partir da sua experiência, do seu 
próprio conjunto de valores e supostas verdades, aquele que não é do seu 
grupo ou como você.
Everardo P. Guimarães Rocha afirma que o etnocentrismo pode ser visto 
tanto no plano intelectual como no afetivo. No primeiro, pode ser entendido 
19 Anna Paula Vencato apresenta essa crítica no primeiro capítulo deste livro.
64 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
como a dificuldade de pensarmos a diferença; já no segundo, é o sentimento 
de medo, hostilidade etc. Muitas vezes, essa postura leva à violência, e, pa-
ralelamente a isso, há o “pressuposto de que o ‘outro’ deva ser alguma coisa 
que não disfruteda palavra para dizer algo de si mesmo”.20
Durante muitos anos, de forma diferente das de hoje, alguns grupos 
religiosos não tiveram o direito à palavra para se referirem a si mesmos. No 
período da escravidão no Brasil, por exemplo, os negros não estavam autori-
zados a professarem suas práticas e ritos sagrados de raízes africanas. 
Hoje, apesar de todas as transformações sociais e culturais, sabemos que 
muitas pessoas também têm dificuldades em se assumirem publicamente 
de uma religião que tem o histórico de não ser reconhecida com respeito, 
ou mesmo de se assumirem enquanto ateias por temerem rechaços e discri-
minações. Logo, ainda existe, do ponto de vista de quem tem uma prática 
religiosa tida como menos valiosa ou por quem não tem religião, uma não 
autonomia – se não do ponto de vista legal, agora por constrangimento – 
para se referir a si mesmo em espaços públicos.
Não ser etnocêntricos nos ajuda muito a lidar com o tema da religião 
nos espaços escolares. As posturas não etnocêntricas devem ser ensinadas, 
aprendidas e exercitadas na escola, porque, como sabemos, ela é um lugar 
de convívio com as diferenças, inclusive religiosas. 
A prática não etnocêntrica nos aproxima de outra contrária a ela e bas-
tante importante, que nem sempre é bem compreendida: o relativismo. 
Quando vemos que as verdades são menos uma questão de essência 
das coisas e mais uma questão de posição: estamos relativizando. 
Quando o significado de um ato é visto não na sua dimensão absoluta, 
mas no contexto em que acontece: estamos relativizando. Quando 
compreendemos o “outro” nos seus próprios valores e não nos nossos: 
estamos relativizando. [...] Relativizar é não transformar a diferença em 
hierarquia, em superiores e inferiores ou em bem e mal, mas vê-la na sua 
dimensão de riqueza por ser diferente.21
Alguns criticam o relativismo pensado que “com ele nada é proibido”, 
“ninguém pode criticar ninguém”, “temos que aceitar tudo para não sermos 
etnocêntricos”. Isso não é verdade. O relativismo não é a ausência de críti-
cas, ou a negação dos valores do grupo de quem está relativizando, nem 
20 Rocha (2006, p. 10).
21 Rocha (2006, p. 20).
Religiosidades e Educação Pública | 65 
mesmo é um deixar de pensar como se pensa para pensar do jeito que o 
outro pensa. Mas, sem dúvida, se soubermos nos colocar no lugar do outro 
para procurar compreendê-lo sob suas próprias lógicas, além de compre-
ender as diferenças humanas, saberemos ponderar as críticas aos costumes 
do “outro”, assim como seremos capazes de olhar de forma mais crítica aos 
nossos próprios hábitos. Passaremos a nos compreender melhor pelo enten-
dimento da diferença, estaremos mais próximos do desafio de conviver com 
o diferente compreendendo-o criticamente, de forma contextualizada e sem 
nos tomarmos como detentores da única verdade.
Assim, etnocentrismo e relativismo são conceitos importantes para um 
tema como “Religiosidades e Educação Pública”. Mas, é claro, aqui são usa-
dos na perspectiva de crítica à prática etnocêntrica em buscar de um relati-
vismo que nos faça pensar a realidade cultural religiosa e o espaço escolar 
de maneira a valorizar e reconhecer as diferenças. Isso não deve ser visto 
como uma ameaça ao grupo do “eu”, isto é, de quem está se propondo a 
não ser etnocêntrico, a relativizar. Nem mesmo pode ser tomado como um 
perigo aos valores já estabelecidos, desde que esses valores não estejam 
acomodados a ideias excludentes ou ameaçadoras à valorização da dife-
rença cultura religiosa. Relativizar não significa abandonar aqueles valores 
religiosos que em muito têm contribuído para a vivência dos direitos hu-
manos e também para a convivência com o diferente. Em última instância, 
não podemos entender relativismo como algo necessariamente oposto ao 
fenômeno religioso, mas como uma oportunidade de melhor compreensão 
e valorização do direito de todos terem (ou negarem ter) uma religião.
Neste capítulo, a crítica ao etnocentrismo e o apelo relativista são enten-
didos como ferramentas para a abordagem da questão religiosa na escola, 
são entendidos como uma possibilidade de visibilizar e enfrentar as desi-
gualdades culturais construídas historicamente, que são ameaçadoras à va-
lorização das religiões, especialmente as não hegemônicas. Além disso, con-
tribuem para a compreensão da dimensão cultural a partir da constituição 
das diferenças religiosas como uma característica da própria humanidade.
Essa perspectiva se faz necessária porque sabemos que 
crispações fundamentalistas, comunitarismos identitários exacerbados, 
intolerâncias advindas da autoatribuição de um “povo eleito” a um 
segmento humano ou até mesmo a autoafirmação de uma versão “verda-
deira”, concepções de liames intrínsecos entre religião e nação e/ou etnias, 
66 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
já conduziram a inúmeras formas de violência e de guerras religiosas.22
Essas violências e guerras religiosas, e o que historicamente herdamos 
desses processos que hoje nos fazem menos acolhedores da diferença 
cultural religiosa na Escola (e também fora dela), são o oposto da própria 
noção da origem etimológica da palavra “religião”, que vem do verbo latino 
religare (re-ligare). 
Para uns, a religação é um retorno ampliado a uma comunhão cósmica e 
telúrica. Para outros, o surgimento da vida, o encantamento com o céu 
estrelado e com a consciência interior de cada qual inspiraram postular 
a passagem do universo terreno ao universo da transcendência ou, em 
outros termos, no encontro do outro com o Outro. Esta passagem – 
para uns, uma questão de argumento lógico, para outros um salto na 
fé – significou o aparecimento de múltiplas modalidades de expressar 
a religação do homem com o Transcendente. Ao mesmo tempo, tal 
religação foi a oportunidade para que muitos também expressassem 
um humanismo radical no âmbito exclusivo da terrenalidade e da 
temporalidade.23
Assim, pretendemos aqui refletir criticamente não no sentido de negar 
a importância da religião, mas, antes, de problematizar o quanto podemos, 
a partir dela, garantir espaços mais democráticos e valorativos da diferença 
cultural religiosa no contexto escolar. 
Para isso, precisamos compreender a realidade cultural religiosa como 
passível de ser intencionalmente transformada, afinal, caberia, em muitos 
contextos, intervenções para mudar o rumo excludente ou marginalizador 
das histórias das religiões não hegemônicas. Essa transformação intencional 
nos parece importante ser abordada porque, de qualquer modo, mudanças 
continuarão ocorrendo, como tem sido desde sempre, inclusive para além 
da própria questão religiosa. Dito de outro modo, não podemos, de forma 
alguma, evitar mudanças e transformações, porque, afinal, é próprio das ex-
periências culturais a não fixidez e a dinamicidade dos acontecimentos, dos 
significados e das definições sobre todas as dimensões da experiência huma-
na. Sendo assim, que as mudanças possam ser minimamente direcionadas 
22 Cury (2004, p. 188).
23 Cury (2004, p. 188).
Religiosidades e Educação Pública | 67 
a uma realidade menos excludente e opressora em termos religiosos, espe-
cialmente no espaço escolar.
Ficamos totalmente à vontade para nos posicionar nessa direção por-
que, como veremos, está dado que é esse o respaldo legal que um Estado 
laico, como o nosso, nos coloca. Aí também se encontra a motivação para 
a valorização do nosso tema, afinal, é preciso reconhecer que o Estado é 
laico, mas as pessoas são religiosas. E, sendo a religião uma dimensão da 
vida das pessoas, algo que não se tira e guarda em casa e sai para ir à escola 
(seja por parte de quem ensina ou por parte de quem aprende), portanto, 
um elemento cultural, é possível de ser refletido e estudado no sentido de 
pensarmos intervenções críticas e ao mesmo tempo valorativas das suas di-
ferentes expressões.
UNIDADE 2
Viva a nossa diferença cultural religiosa!
Muitos podem pensar que a questão religiosa no Brasil se deu sempre einegavelmente de maneira etnocêntrica e nada relativista. Mas, em termos 
de religião, sempre precisamos ficar atentos aos sinais de rupturas e contes-
tação, ou, em contexto de pouca radicalidade, às posturas menos alinhadas 
às práticas e valores tidos como mais hegemônicos ou centrais.
A reflexão sobre os registros históricos sempre nos ajudam a olhar para 
a religião, como para outras dimensões da nossa experiência cultural, de 
maneira menos ingênua e ao mesmo tempo mais crítica. Se voltarmos ao 
tempo dos encontros dos europeus com os indígenas brasileiros, temos 
um importante documento que nos faz entender que, desde o século XVI, 
é possível praticar ou, pelo menos, nos aproximar de uma postura menos 
etnocêntrica e mais relativista em termos de religião e cultura, neste caso 
levando em consideração uma pessoa assumidamente religiosa.
O francês Jean de Léry (1534-1613), pastor calvinista, chegou ao Brasil 
bastante jovem. Saiu de Paris em novembro de 1556 e aportou na Baía de 
Guanabara, Rio de Janeiro, com 21 anos. Devido a conflitos político-religiosos 
com um grupo que aqui estava, foi obrigado a se refugiar junto aos índios 
Tupinambá. Da experiência com os índios frutificou um diário, onde anotou 
68 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
detalhadamente parte dos comportamentos dos Tupinambá, especialmente 
o que se referiria a um tema que até os nossos dias se torna um desafio ao 
exercício relativista: o canibalismo – que trataremos mais adiante.
Ele voltou à França menos de um ano depois de ter chegado ao Brasil, 
iniciando sua viagem de volta à Europa em janeiro de 1558. Lá, os conflitos 
entre católicos e protestantes haviam aumentado ao ponto de viverem em 
uma guerra. Parte dos conhecimentos sobre sobrevivência que Léry apren-
deu com os Tupinambá na floresta foram ensinados por ele a outros france-
ses, considerando o contexto de conflito religioso da época, como a sobre-
vivência com alimento em escassez. Mas o que parece historicamente de 
maior valor é a maneira como ele apresenta a cultura indígena aos europeus. 
Em um período em que os europeus tinham dificuldades em reconhecer 
a humanidade (logo, a cultura) dos povos indígenas (como de outros povos 
diferentes deles), a forma diferenciada como Léry observou e registrou o 
comportamento dos indígenas brasileiros, ainda que em alguns momentos 
tenha reproduzido o vocabulário etnocêntrico, facilitou a compreensão na-
quela época do quanto diversa é a experiência cultural humana. 
Os relatos sobre o que havia vivido e observado junto aos Tupinambá 
foram publicados pela primeira vez, depois de certa insistência dos amigos e 
alguns percalços, em 1578. O momento da publicação desse documento foi 
importante porque nesse período também circulavam pela Europa relatos 
de religiosos católicos bem diferentes desses de Léry, ou seja, levantando 
informações nada favoráveis ao reconhecimento da experiência cultural indí-
gena brasileira, isto é, bem longe de qualquer interpretação supostamente 
relativista. 
O jovem pastor relatou, entre outras façanhas, a forma como os indí-
genas capturavam vivo o inimigo mais forte, o levavam para a aldeia deles 
e o tratavam muito bem (com comidas, bebidas e também mulheres), mas 
tanto o capturado como os que o capturavam sabiam o que estava por vir. 
Léry relata o ritual, cheio de detalhes, que se passava dias após a prisão do 
inimigo: a forma de matá-lo, de cortar os pedaços, de preparar a carne e 
de se alimentar dela são descritos em meio a provocações do tipo: “Não se 
esqueçam os leitores do que se pratica entre nós”, ou “O que se passou na 
França não foi horrendo, pior do que trato aqui?”. 
Léry fez referência à forma como se assassinava nos conflitos na Europa 
do seu tempo, contrapondo os valores dos violentos assassinos europeus 
com informações sobre o significado cultural da antropofagia indígena. Eles 
Religiosidades e Educação Pública | 69 
se alimentavam da carne do inimigo capturado e a devoravam porque este 
também tinha feito o mesmo com os mais fortes dos seus. Sendo assim, 
não era só um gesto de ódio e vingança, mas também de realimentação da 
força dos seus antepassados contida naquela carne que agora lhes servia 
de alimento. O que Léry percebeu e relatou é que essa prática também de-
monstrava parte das crenças dos indígenas, a ligação que buscavam ter com 
os seus antepassados mais guerreiros.
Ele termina o capítulo referente a esses rituais da seguinte maneira:
Não abominemos portanto demasiado a crueldade dos selvagens an-
tropófagos. Existem entre nós criaturas tão abomináveis, se não mais, 
e mais detestáveis do que aquelas que só investem contra nações ini-
migas de que têm vingança a tomar. Não é preciso ir à América, nem 
mesmo sair de nosso país, para ver coisas tão monstruosas.24
Figura 2 Publicação de 1586 dos registros de Jean de Léry em Genebra.
24 Léry (1961, p. 184).
70 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
A intencionalidade de Léry em publicar seu diário depois dos vários anos 
que viveu suas experiências junto aos indígenas, e o estilo de escrita utiliza-
do, estava demarcada pelo contexto político-religioso da sua época. Esse 
religioso era, como nós, uma pessoa historicamente situada, ainda que com 
posturas que muitos apontam como diferente das do seu tempo exatamente 
por ter podido se aproximar do que chamamos hoje de relativismo cultural. 
Por isso, não se trata de apostar em um jovem calvinista desprendido de 
interesses políticos ou fora das relações de poder e tensão que sua época o 
permitia viver.
Isso é importante de ser destacado porque reconhecemos que hoje 
também temos os nossos interesses, tanto nós que escrevemos este livro 
como vocês leitores, especialmente diante de temas tão envolventes e 
mobilizadores de polêmicas como estes vinculados à diferença e ao seu 
reconhecimento.
Aqui, portanto, nossa intencionalidade é promover uma reflexão crítica 
que em última análise garanta a igualdade entre as religiões, especialmente 
no que se refere ao campo da educação.
A busca pela igualdade religiosa parte do princípio de que a liberdade 
de crença é um direito fundamental. No entanto, o direito de não ado-
tar religião alguma ou de seguir religiões minoritárias é desigualmente 
distribuído. A liberdade de crença deve vir acompanhada de um sério 
compromisso político com a igualdade religiosa entre os grupos, em 
uma determinada sociedade, a fim de que não haja privilégios injustos 
por razões históricas, demográficas ou culturais. Não se trata apenas 
de uma questão de quais direitos são justos (e o direito à liberdade de 
consciência é um deles), mas também de igualdade de direitos entre os 
grupos religiosos.25
A liberdade de crença se constituiu no Brasil à luz dos valores republi-
canos no final do século XIX. Nessa mesma época ocorreu legalmente a 
laicidade do Estado, isto é, a separação entre Igreja e Estado, neste caso, 
a Igreja Católica – que era a religião oficial da Constituição Imperial. Desde 
então, o Estado brasileiro se caracteriza oficialmente pela pluriconfessiona-
lidade e, até os dias atuais, busca-se vencer o desafio de garantir a justiça 
entre as religiões para o igual direito à representação cultural.
25 Diniz & Lionço (2010, p. 25).
Religiosidades e Educação Pública | 71 
Para conquistar essa representação igualitária, precisamos problemati-
zar a forma como comumente alguns pensam o tratamento igualitário. Er-
roneamente pode-se pensar que tratar igual é não dar mais atenção a um 
em detrimento do outro, ou, no caso da escola, muitos acreditam que o 
contexto cultural religioso não deve sequer ser abordado em sala de aula. 
Mas se estamos vivendo em uma realidade desigual para religiões não reco-
nhecidas ao longo da nossa história como legítimas, e sequer “verdadeiras”, 
como podemos não discutir esse assunto se pretendemos construir uma 
educação e um país mais igualitário? 
Em um contexto de desigualdade cultural religiosa como o nosso, nãonos cabe nos silenciar diante dos processos de marginalização da fé de gru-
pos minoritários ou tidos como “muito diferentes”. Não se trata de buscar 
culpados e tecer julgamentos históricos que impeçam o diálogo e a valoriza-
ção também dos grupos majoritários, ou mais bem avaliados em termos de 
cultura religiosa, mas é preciso estudar a história e os processos de exclusão 
e inclusão dos segmentos religiosos e avaliar criticamente a realidade para 
que possamos educar em prol da diferença cultural religiosa. Uma educa-
ção crítica e comprometida com as diferenças pode gerar atitudes menos 
discriminatórias, logo mais justas e democráticas. Então, frequentemente, 
precisaremos visibilizar determinados grupos subalternos em detrimentos 
de outros, porque a forma como as relações religiosas se deram no país 
invisibilizou e desclassificou alguns em detrimento de outros.
Antes da criação da laicidade enquanto um dispositivo jurídico no país, 
usou-se do “artifício do domínio”, aquilo que aparece concretamente sob 
disfarce no encontro de povos diferentes, isto é, o trabalho de tornar o outro 
mais igual a mim para colocá-lo melhor a meu serviço. Segundo Antônio 
Carlos Rodrigues Brandão,
ao escravo trazido nas caravelas se batizava no porto de chegada. A 
consciência ingênua acreditava com isso salvá-lo. Mas o senhor que 
atribuía ao negro servo um nome de branco, cristão, em troca do nome 
tribal do lugar de origem, sabia que a água do batismo era apenas uma 
porta líquida de entrada na redução necessária das diferenças que tor-
nam eficazes os usos da desigualdade. É importante que o escravo fale 
a língua do senhor para compreendê-lo e saber obedecer. É preciso 
que possua a mesma fé, para que no mesmo templo faça e refaça as 
mesmas promessas de obediência e submissão aos poderes ocultos da 
ordem social consagrada. Promessas que o senhor paga com a festa e 
72 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
o servo com o trabalho.26
Esse histórico nos faz valorizar o quão importante foi a transformação do 
país em um Estado laico; afinal, trouxe ganhos significativos para a diferen-
ça cultural religiosa. Ter a legislação como grande alicerce pró-diferenças 
é algo precioso para a multiplicidade das práticas religiosas, assim como 
para a proteção dos direitos daqueles sem religião. Afinal, a laicidade nos 
permite organizar as instituições públicas (da saúde, da educação, cultural 
etc.) separadas dos valores religiosos dessa ou daquela crença. 
No entanto, os conflitos e as tensões, assim como as desigualdades, não 
se resolvem exclusivamente via legislações, e, além disso, as transformações 
radicais que mudam as posições dos grupos que têm ou não o poder hege-
mônico não acontecem da noite para o dia. Aí está mais uma vez a neces-
sidade de construirmos espaços de ensino e aprendizagem para que essa 
legislação de fato se cumpra. 
Visibilizar essa história, pensando em como valorizar as experiências re-
ligiosas tidas como não hegemônicas, e ao mesmo tempo mostrar como as 
religiões que estão em situação de maior poder ou legitimidade se consti-
tuíram em contextos nacionais, é uma forma de fazer com quem crianças e 
jovens compreendam a importância da necessidade de valorizar a diferença 
religiosa nos dias atuais. 
A história de escravidão do povo africano em terras brasileiras e o con-
tato com os povos indígenas que sobreviveram à dizimação nos contextos 
coloniais demarcaram a nossa experiência cultural, inclusive na dimensão 
religiosa. Para entendermos o quanto somos diversos e o quanto é preciso 
visibilizar e reconhecer essa diferença, tomemos o caso do cristianismo, es-
pecialmente o católico.
A prática de muitos fiéis católicos traz como legado a influência das 
religiões dos indígenas e também dos negros, além de religiosidades que 
surgiram da mistura ao longo do tempo entre colonizadores, indígenas e 
escravos, e não para de ser influenciada por outras religiões cristãs e pela 
própria cultura secular, isto é, pelos valores e interesses não religiosos tão 
frequentes na modernidade. 
O que se percebe no presente, e desde muito tempo, é que o cristia-
nismo à brasileira é sincrético. Ele não somente disseminou, mas também 
incorporou elementos culturais das outras religiões presentes aqui ao longo 
26 Rodrigues (1985, s/p).
Religiosidades e Educação Pública | 73 
do tempo. Até hoje pode-se pertencer a alguma religião de matriz africana e 
ir à missa ou se assumir católico, mas participar de rituais reconhecidos como 
não cristãos. Esse processo de trocas marca a nossa experiência religiosa, 
e isso porque os elementos culturais não são simplesmente disseminados, 
mas ressignificados no contexto em que está sendo divulgado. 
Vejamos também o caso da Pajelança Cabocla, muito popular na Ama-
zônia rural, constituída por um conjunto de práticas de cura xamanística que 
tem origem em crenças e costumes dos antigos índios Tupinambá, sincreti-
zados pelo contato com o branco e o negro desde pelo menos a segunda 
metade do século XVIII. Segundo o pesquisador Raymundo Heraldo Mauiés, 
“seus praticantes, entretanto, não se veem como adeptos de uma religião 
diferente, considerando-se ‘bons católicos’, inclusive os pajés ou curadores 
que presidem as sessões xamanísticas”.27
A pajelança, na região onde é praticada, tem importantes contribuições 
para o campo da saúde, nos ensinando o quanto a questão da fé não é 
isolada de outras dimensões cotidianas da nossa experiência cultural.
Ao contrário do que ocorre no caso da medicina ocidental, forjada dentro 
da tradição individualizante, a pajelança, como outras medicinas popu-
lares da Amazônia e de outras partes do mundo, assume, através dos 
métodos de tratamento do pajé, um caráter “holístico”, totalizante, que 
também é condizente com a ideologia dos sujeitos populares que a pro-
curam para tratar-se de seus males físicos e tentar resolver seus conflitos 
psíquicos, assim como seus problemas nas relações interpessoais.28 
Portanto, os elementos culturais não chegam a um lugar vazio de sig-
nificação; logo, são interpretados conforme as tensões, os interesses, as 
necessidades e as relações estabelecidas no novo ambiente. Essa lógica 
cultural serve para entender as nossas diferenças, em sua riqueza simbólica 
e ritualística, mas também nos ajuda a compreender sob quais convenções 
de poder e hierarquização as religiões aqui se estabeleceram e aqui mantêm 
suas práticas: afinal, o sincretismo se deu a partir de contextos de violência 
religiosa, de não reconhecimento das diferenças e da necessidade de manu-
tenção criativa da fé das pessoas.
O espiritismo kardecista é outro exemplo disso, e, mais, nos indica o 
quanto determinadas religiões não foram simplesmente modificadas em 
27 Maués (1994, p. 75).
28 Id. ibid., p. 80.
74 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
nossos contextos nacionais, mas, no processo de internacionalização dos 
elementos culturais, se tornaram referência importante a partir do nosso 
jeito de praticá-las. 
O espiritismo de Allan Kardec foi introduzido no Brasil por modismo 
importado da França, na segunda metade do século XIX, ainda durante o 
Império, mas logo se tornou uma alternativa religiosa de vanguarda
cujo charme estava em sua singular conjugação entre ciência experi-
mental e fé revelada, associada a um anticlericalismo que agradava a 
um público de opositores ilustrados do Império, notadamente os aboli-
cionistas e republicanos.29
Seus praticantes se reuniram de forma associativa, dando origem à 
Federação Espírita Brasileira, que é a responsável hoje pela transnacionali-
zação das práticas espíritas brasileiras em comunidades latino-americanas, 
hispânicas, portuguesas e na diáspora brasileira no exterior. 
O que podemos compreender do que pesquisou Lewgoy é que o suces-
so dessa prática não é só o teor nacionalista – de oposição à Igreja Católica, 
logo, contra o Império e pró-valores republicanos –, considerando a origem 
da sua vivência em terras brasileiras,como já citado no parágrafo anterior, 
mas, sobretudo, o resultado do sincretismo com a Igreja Católica, especial-
mente no que se refere: 1 – à valorização da caridade; 2 – ao atendimento 
assistencialista aos pobres; 3 – à ênfase numa “religiosidade interior” acima 
de “rituais vazios”; e 4 – à implantação de alguns cultos familiares.
Assim, se quisermos entender o fenômeno religioso para pensar uma 
educação democrática e verdadeiramente laica em contextos nacionais, 
precisaremos partir de uma noção de cultura religiosa construída em con-
textos de hierarquias e desigualdades que se fundamente na ideia de não 
fixidez, que valorize as mudanças e não avalie os elementos culturais como 
simples reproduções. 
29 Lewgoy (2008, p. 86-87).
Religiosidades e Educação Pública | 75 
BOX 1
O que é e o que não é Estado laico
Durante o X Seminário LGBT do Congresso Nacional, realizado em Brasília 
em maio de 2013, Débora Diniz apresentou dez afirmações sobre o que é e 
o que não é Estado laico. O objetivo foi abordar tensões teóricas e práticas 
sobre a questão da laicidade. A seguir, as afirmações da autora:
O que não é o Estado laico:
•	 O Estado laico não é um Estado ateu.
•	 O Estado laico não persegue as religiões.
•	 O Estado laico não delega o cumprimento de seus deveres para as 
comunidades religiosas.
•	 O Estado laico não é um Estado pluralmente teocrático.
•	 O Estado laico não financia comunidades religiosas para atos de 
proselitismo religioso.
O que é Estado Laico:
•	 O Estado laico é que nos garante a liberdade de pensamento.
•	 O Estado laico é que nos protege da perseguição religiosa.
•	 O Estado laico é que nos protege do discurso do ódio.
•	 O Estado laico é que nos protege da hegemonia moral da maioria.
•	 O Estado laico é que demarca a fronteira entre religiões e funcionamento 
do Estado.
O texto completo da autora pode ser conferido em: <http://www.sertao.ufg.br/
uploads/16/original_Dez_palavras_sobre_laicidade_Diniz.pdf?1371953970>.
76 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
BOX 2
Constituição Federal de 1988
Art. 5o
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado 
o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a prote-
ção aos locais de culto e a suas liturgias;
VII – é assegurada, nos termos da lei, a prestação de assistência religiosa 
nas entidades civis e militares de internação coletiva;
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de 
convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obri-
gação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, 
fixada em lei.
Art. 19
É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes 
o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de 
dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de in-
teresse público;
UNIDADE 3
Se somos diversos, por que não aceitar as nossas diferenças?
Júlia tem 11 anos e surpreendeu a todos quando chegou à escola em 
uma segunda-feira de manhã com a cabeça raspada. Contou, sem muitos 
detalhes aos amigos que estava doente e que o tratamento a fazia perder os 
cabelos. Todos se comoveram. A professora ficou preocupada e procurou os 
pais de Júlia para conversar. Descobriu que a garota estava sem os cabelos 
devido à sua religião, raspou a cabeça por estar em uma fase importante no 
processo de crescimento na fé no Candomblé. Júlia, apesar de muito feliz 
com a nova fase religiosa, preferiu não contar a verdade por temer precon-
ceitos dos colegas. 
Religiosidades e Educação Pública | 77 
Algo diferente ocorreu com Vanessa, também de 11 anos, que devido ao 
comprimento de seus cabelos e de suas saias – muito longos comparados 
aos das outras meninas da sua nova escola –, não teve como não ser notada 
como sendo adepta de uma igreja pentecostal bastante tradicional, que va-
loriza esse estilo de penteado e de roupa. Logo, o professor percebeu que 
ela era motivo de piadas e risos de várias crianças da sala. 
As experiências de Júlia e Vanessa não são situações isoladas. Elas se 
repetem, considerando a variação de detalhes, em diferentes contextos es-
colares no Brasil. Isso significa que, se por um lado, atualmente, o país vem 
se caracterizando por uma gama de diferentes religiões, por outro, ainda há 
distintos tipos de preconceitos contra adeptos de tradições religiosas tidas 
como “minoritárias” ou “muito diferentes”. 
Apesar do número de católicos prevalecer no Brasil, sabe-se pelas últi-
mas pesquisas da queda na quantidade desses fiéis (dados do Censo mos-
tram que passaram de 73,6% em 2000 para 64,6% em 2010) e do crescimento 
do grupo de evangélicos (em 30 anos, o percentual de evangélicos passou 
de 6,6% para 22,2%) e de novas denominações, assim como os que declaram 
como não tendo religião alguma (8,0% dos brasileiros se declararam sem 
religião no Censo de 2010). 
Os dados de cor, sexo, faixa etária e grau de instrução revelam que 
os católicos romanos e o grupo dos sem-religião são os que apresen-
taram percentagens mais elevadas de pessoas do sexo masculino. Os 
espíritas apresentaram os mais elevados indicadores de educação e de 
rendimentos.30
Sabemos também o quanto é grande o número de religiões no país. Os 
dados apontam para essa multiplicidade. No Censo de 2000, foi perguntado 
de forma aberta “Qual é a sua religião?”. Os recenseadores se surpreende-
ram com 35 mil respostas diferentes. 
Alguns dados já citados aqui podem ser conferidos na tabela abaixo, 
referente ao Censo de 2010. Também podem ser observadas outras informa-
ções, como números referentes à população religiosa residente no espaço 
urbano e no rural. Retomaremos as informações desta tabela no próximo 
item deste capítulo, apresentando possibilidades de usá-la em sala de aula. 
30 Dados do Censo de 2010.
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80 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
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Continuação Tabela 1...
82 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Inegavelmente, o país segue diverso em termos de fé e religiosidade. 
Isso não é necessariamente uma informação nova, afinal, antes mesmo da 
chegada dos europeus cristãos nessas terras, a população indígena já man-
tinha uma multiplicidade étnico-religiosa incrível. 
No entanto, segundo o sociólogo Antônio Flávio Pierucci, atualmente 
a diversidade religiosa está sendo valorizada não só como consequên-
cia, mas também e ao mesmo tempo como uma causa, mola propulsora 
de uma liberdade religiosa cada vez mais sustentada, afirmativamente 
reclamada e defendida.31
Figura 3 Imagem divulgada em campanhas e protestos nas redes sociais, vinculada 
aos atos de diferentes movimentos sociais pró-laicidade do Estado, em busca da 
liberdade religiosa.
A constatação de Pierucci é correta, e a cada dia aparece com mais 
clareza. Estamos em tempos de discursos inflamados em prol da liberdade 
religiosa. Contudo, é possível analisar que em boa parte desses discursos, 
por exemplo, aqueles transmitidos por canais ou programas religiosos na TV, 
a liberdade religiosa tem sido entendida de forma equivocada. A liberdade 
religiosa é constitucional no sentido de garantir o direto de livre demons-
tração de fé e de adesão, ou não, a instituições ou grupos religiosos. Foi 
pensada, como vimos anteriormente, em contextos republicanos de busca 
de valorização das diferenças, não de enfrentamento a elas!
31 Pierucci (2011, p. 473-474).
Religiosidades e Educação Pública | 83 
Mas não existem discursos que se contrapõem aos discursos religiosos 
que são contrários ao convívio com os diferentes? Há caminhos que poderiam 
ser abordados na escola que contrapõem os discursos contrários à valoriza-
ção da diferença religiosa? Evidentemente que ao longo da história ocorreram 
parcerias das mais variadas no sentido de diferentes grupos e denominações 
religiosas se reunirem ou serem solidários uns com os outros, ou trabalharem 
em causas comuns. Dentro do grande grupo de cristãos, o movimento ecu-
mênico é um bom exemplo de como se pode conviver na diferença. 
No Brasil, por exemplo, a partir de reuniões iniciadas em 1975, no ano de 
1982 foi fundado o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), 
envolvendo nos dias atuais as seguintes denominações religiosas: Igreja Ca-
tólica Apostólica Romana, Igreja Episcopal Anglicana do Brasil, Igreja Evan-
gélica de Confissão Luterana no Brasil, Igreja Sirian Ortodoxa de Antioquia e 
a Igreja Presbiteriana Unida.
A contemporânea celebração do ecumenismo, dentro e fora das 
religiões, repudia o dogmatismo e a intolerância, além de se bater 
pelo respeito recíproco, pela liberdade de consciência, de crença, de 
expressão e de culto, tende à busca de uma efetivação histórica do re-
conhecimento da igualdade essencial entre todos os seres humanos.32
Figura 4 Cartaz da primeira Campanha da Fraternidade realizada de forma ecumênica, 
pelo CONIC. Esse tipo de atividade ecumênica ocorre a cada cinco anos. 
32 Cury (2004, p. 188).
84 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Mas também existem movimentos de diálogo e ações formados por 
grupos que não são exclusivamente cristãos, como é o caso do macroecu-
menismo. Um grande nome é o de Mãe Menininha do Gantois, que atuou de 
forma exemplar no que se refere ao diálogo inter-religioso. Esse diálogo, na 
perspectiva tanto da aproximação ecumênica entre algumas igrejas cristãs 
como em uma perspectiva mais macro de relações entre distintas expres-
sões de fé, garante ainda hoje atividades que estão na contramão da disputa 
religiosa ou dos discursos contrários à diferença de crenças.
A aproximação e a união entre religiões não pode ser entendida como 
um prejuízo das especificidades de cada uma delas. O diálogo em nada 
pretende fazer com que as diferenças não sejam reconhecidas ou sejam 
negadas. Ao invés disso, o que se busca são os pontos em comum, ou que 
não são conflitantes, para que os projetos e ações possam ser traçados e 
executados. É uma atuação pela e na diferença, em busca de uma unidade 
sempre combinada e constantemente negociada. 
No que se refere ao campo da educação pública, há uma luta constan-
te para que o Ensino Religioso nas escolas siga a perspectiva ecumênica e 
macroecumênica. Muitos apontam essa perspectiva para a garantia da con-
cretização de uma educação que seja democrática, que respeite a liberdade 
religiosa e não faça proselitismo. No entanto, ainda há grandes desafios para 
que, de fato, haja um controle e uma diretriz que, também de fato, estabele-
çam verdadeiramente essa perspectiva nas escolas públicas do país. 
BOX 3
Ensino Religioso e escola pública no Brasil
“O ensino religioso é problemático, visto que envolve o necessário distancia-
mento do Estado Laico ante o particularismo próprio dos credos religiosos. 
Cada vez que este problema compareceu à cena dos projetos educacionais, 
sempre veio carregado de uma discussão intensa em torno de sua presença 
e factibilidade em um país laico e multicultural”. Quem faz essa afirmação é 
o professor Carlos Roberto Jamil Cury, da Universidade Católica de Minas 
Gerais. 
Na história recente do nosso país, a Constituição de 1988, dando sequência 
ao que já havia sido aprovado em todas as outras constituições federais 
desde 1934, sob a articulação e pressão dos grupos religiosos, garante o 
oferecimento do Ensino Religioso – de oferecimento obrigatório desde as
Religiosidades e Educação Pública | 85 
BOX 3
leis orgânicas do Estado Novo de 1946. No entanto, a matrícula dos alunos 
é facultativa (inclusive nas redes privadas), no sentido de salvaguardar a 
laicidade do Estado. 
Buscando também a garantia do ensino laico, não é permitida nenhuma 
prática de proselitismo religioso na aplicabilidade dessa disciplina, assim 
como está garantido legalmente o respeito à diferença cultural religiosa. 
Mas como não há definição do que é proselitismo em nenhum documento 
federal nesse campo, conforme apontam Debora Diniz e Tatiana Lionço, 
entendemos por proselitismo qualquer expressão de dogmatismo que re-
sulte em discriminação social, cultural ou religiosa. “O proselitismo parte da 
certeza de uma verdade única no campo religioso e ignora a diversidade. É, 
portanto, uma ameaça à igualdade religiosa”.*
Essa compreensão sobre qual papel não é o do Ensino Religioso é funda-
mental, considerando que é de responsabilidade dos sistemas de ensino 
definir conteúdos e formas de habilitação de professores para essa discipli-
na, e, pelo fato de a legislação atual ser omissa quanto ao ônus do ofereci-
mento do Ensino Religioso no ensino fundamental, abre a possibilidade de 
se ter recursos públicos voltados para essa oferta. 
Em outras palavras, se, por um lado,é proibida qualquer forma de prose-
litismo e é garantido o respeito à diferença cultural religiosa, por outro, o 
Ministério da Educação não possui editais próprios para a avaliação e sele-
ção dos materiais didáticos que serão utilizados nas escolas públicas nessa 
disciplina, isto é, não há parâmetro curricular específico para a disciplina de 
Ensino Religioso.
Segundo as duas autoras citadas anteriormente, “esse vácuo normativo e 
de definição de conteúdos dificulta ações de avaliação das práticas edu-
cacionais e de cumprimento da norma constitucional que determina ser o 
objetivo da educação fundamental a formação básica comum e o respeito 
à diversidade”.**
* Diniz & Lionço (2010, p. 29). ** Id. ibid., p. 18.
86 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
UNIDADE 4
E agora? Por onde começar?
“Religião não se discute”. Essa máxima, amplamente divulgada como 
uma orientação para um suposto bem viver, é o primeiro pensamento sobre 
o nosso tema a ser desconstruído em sala de aula. Para isso, precisamos 
entender seu significado em nossa experiência cultural.
Uma ideia que compõe o “modelo cultural” brasileiro é que nós, dife-
rentes de outros, não vivemos conflitos religiosos e somos “por natureza” 
acolhedores das nossas próprias diferenças. Pelo que já refletimos nas pá-
ginas anteriores, está claro que isso não é bem assim. A realidade nos ajuda 
a questionar a construção de qualquer “modelo cultural” para um país tão 
grande e múltiplo, como a nos perguntar: qual o interesse de deixarmos as 
coisas como estão, sem serem discutidas?
Aqui não se trata de propor que se anuncie na lousa uma lista de religiões 
a serem discutidas e problematizadas, mas apontamos para a necessidade, 
caso queiramos um ensino mais democrático e justo com a nossa diferença 
cultural religiosa, de discutirmos religião no contexto sócio-histórico-antro-
pológico da formação do povo brasileiro, inclusive sem deixar de lado os 
acontecimentos atuais.
Não existe outro caminho possível para pensarmos nas transformações 
que nos levarão a contextos de igualdade e valorização das diferenças que 
não passe pela reflexão bem-orientada. Se não discutirmos religião na esco-
la, nesta perspectiva não etnocêntrica e aberta ao relativismo, as coisas se 
manterão de forma desigual porque não conseguiremos pensar em ideias e 
ações para tornar a escola e a sociedade menos desiguais e excludentes com 
quem tem uma fé diferente da maioria ou com quem não tem fé nenhuma.
Entendida essa necessidade de desconstruirmos a ideia de que o tema 
da religião é um tema proibido nas rodas de conversa ou na sala de aula, 
apontamos a seguir algumas possibilidades para começar a discutir o tema.
Crie a oportunidade caso você não tenha percebido nenhuma chance
Religião pode ser discutida em qualquer disciplina, por qualquer profes-
sor. Não é necessário nem mudar o programa temático das aulas para incluir 
essa temática. Muitas vezes, o assunto surge em conversas paralelas à lição 
Religiosidades e Educação Pública | 87 
sugerida ou em comentários entre estudantes fora da sala de aula, aos quais 
o professor acaba tendo acesso. Ou tem relação com o feriado da semana. 
Há também casos em que não se fala, mas o professor percebe que há situ-
ações discriminatórias com esse ou aquele estudante sabidamente religioso 
e adepto de alguma religião diferente da esperada.
Na web, encontramos um site com muitos quadrinhos sobre a temática 
religiosa. Alguns podem ser entendidos como polêmicos, mas outros são, 
sem dúvida, bem ingênuos. Refiro-me ao blog <www.umsabadoqualquer.
com>, criado por Carlos Ruas, em que seus quadrinhos são vistos por alguns 
como algo equivocado, por estarem brincando com Deus. Mas o sucesso 
pedagógico pode ser grande se encararmos a arte dos quadrinhos como 
algo usado de forma crítica, irônica e humorística.
A discussão pode ser levada para as aulas de língua portuguesa, mas 
também para a aula de Filosofia, Física, Matemática, Educação Física, Ci-
ências Naturais e Química, porque há uma série de imagens de Sócrates, 
Darwin, Einstein, Niemeyer e Freud em diálogos com Deus. Há também uma 
série de personagens símbolos de religiões não cristãs e não ocidentais, o 
que também pode levar às reflexões no campo da História e da Geografia. 
Parte desses personagens aparece na imagem escolhida para ilustrar o início 
deste capítulo. Escolham bem o quadrinho que melhor contribuirá para o 
momento da discussão.
Figura 5 Quadrinho de Carlos Ruas ilustrando o encontro de Einstein, Deus e Adão.
Evidentemente que a nossa aposta é que esse material disponível online 
seja usado na perspectiva que discutimos neste livro, no sentido de fazer 
com que os alunos, em diferentes disciplinas, possam refletir sobre o tema 
da religião para valorizar as diferenças, e isso deve garantir, inclusive, que 
os quadrinhos sejam usados no sentido de serem eles próprios também 
criticados. 
88 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Outros materiais, especialmente notícias de jornais e revistas, também 
podem servir como objeto de análise e reflexão. Se for utilizar textos reti-
rados da Internet, normalmente nos sites de notícias existe a possibilidade 
de as pessoas opinarem logo abaixo da notícia. Os comentários e opiniões 
dos leitores da notícia sempre trazem depoimentos que podem ajudar na 
discussão sobre o tema. Vale a pena selecionar aqueles mais produtivos para 
a reflexão a que se objetiva com a notícia.
Caso você tenha facilidade em poder levar música para a sala de aula, 
por ter acesso a equipamento para tal, não deixe de pensar na hipótese 
de apresentar algumas letras para os estudantes. Além de lhes facilitar o 
acesso à letra, é fundamental que se ouça a música ou se assista ao clipe na 
sala de aula para tornar a atividade mais convidativa. Nossa dica é a música 
Invocação, de Chico César (há versões no site Youtube cantada por ele e, 
entre outras, por Maria Bethânia). 
BOX 4
Invocação (Chico César)
Deus dos sem deuses 
deus do céu sem Deus 
Deus dos ateus 
Rogo a ti cem vezes 
Responde quem és?
Serás Deus ou Deusa? 
Que sexo terás? 
Mostra teu dedo, tua língua, tua face 
Deus dos sem deuses
O importante é você, professor, especialmente se não é o responsável 
pela disciplina Ensino Religioso, perceber que é possível criar boas oportu-
nidades para discutir o tema. 
Veja outro exemplo considerando a tabela que usamos neste capítulo, 
referente à população residente, por situação do domicílio e sexo, segundo 
os grupos de religião formada a partir dos dados do Censo de 2010. A ideia é 
trabalhá-la em aulas de geografia, sociologia, história ou matemática. É pos-
sível elaborar perguntas que motivem os alunos a encontrarem as respostas 
na tabela, ensinando-os a ler esses tipos de dados, além de entenderem e 
valorizarem a diversidade cultural-religiosa.
Religiosidades e Educação Pública | 89 
Algumas dessas perguntas, partindo da realidade do budismo no país, 
poderiam ser: “Considerando o contexto brasileiro atual, existem mais re-
ligiosos adeptos do budismo ou do candomblé?”, “E se compararmos o 
budismo com outras religiões como hinduísmo e judaísmo, ele tem maior 
ou menor número de adeptos do que essas outras duas religiões?”, “Esses 
fiéis são do sexo masculino ou feminino?”, “É correto afirmar, observando a 
tabela, que o budismo é uma religião predominantemente rural?”. 
No final da atividade, chegar à conclusão que o budismo tem maior nú-
mero de adeptos do que o candomblé, o hinduísmo e o judaísmo pode pa-
recer muito interessante para a interpretação da realidade brasileira, ainda 
mais considerando que essa é uma religião predominantemente urbana e 
composta de pessoas, em sua maioria, do sexo feminino. Se associarmos 
esses dados com textos sobre o assunto, chegaremos a conclusões ainda 
mais úteis para uma discussão sobre nossa forma histórica de ter o território 
ocupado: afinal, o budismo é relativamente “forte” somente nos Estados an-
tigamente preferidos pelosimigrantes asiáticos; fora desses “núcleos”, sua 
situação numérica é tão limitada que é possível dizer que, na maior parte do 
vasto território brasileiro, o budismo é praticamente inexistente.33
Em sala, com esses dados, pode-se refletir ainda sobre como os pesqui-
sadores chegaram a tal resultado e o que isso significa para a nossa leitura 
a respeito da realidade das religiões no país, e, claro, as possíveis ideias do 
senso comum que podem ser reforçadas ou desmentidas com esse tipo de 
informação. Frank Usarski é uma boa referência para compreendermos esses 
dados e os seus significados para o budismo:
Embora a metodologia usada pelo IBGE não seja isenta de problemas 
epistemológicos, ela é um avanço do ponto de vista empírico por con-
siderar somente como seguidores do budismo aqueles brasileiros que 
se manifestaram explicitamente como budistas de acordo com uma 
identidade religiosa correspondente. Por outro lado, foram automati-
camente excluídas das estatísticas aquelas pessoas cuja religiosidade 
substancialmente mais ampla apropria-se de maneira seletiva e às vezes 
de maneira passageira de alguns elementos doutrinários ou práticas 
budistas, sem que isso resulte em um autorreconhecimento do indiví-
duo como seguidor do budismo.34
33 Usarski (2004, p. 310).
34 Id. ibid., p. 308.
90 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Esse exercício envolvendo os dados da referida tabela e o budismo pode 
e deve ser tomado como uma dica de atividade, sendo possível envolver 
outras denominações ou tomar como foco dados de outras religiões. 
Além disso, um jogo interessante a ser desenvolvido é oferecer a possi-
bilidade de a turma se dividir em grupos e eles mesmos criarem perguntas 
e as trocarem entre si. O ideal é que o grupo, ao criar a pergunta, tenha a 
resposta certa corrigida pelo professor antes de passar a questão adiante, 
para que quando os amigos responderem, eles possam corrigir possíveis 
erros de interpretação dos colegas quando as respostas dadas pelos outros 
grupos retornarem ao grupo de criação/partida da pergunta. O tom de de-
safio pode ser um atrativo para os alunos conhecerem melhor essas informa-
ções e responder às perguntas uns dos outros. Nesse processo, não devem 
circular apenas as informações restritas à tabela, mas o professor deve ficar 
atento aos comentários e dúvidas que possam surgir em relação às religi-
ões. Durante o exercício, não faltará oportunidade de o professor valorizar a 
diferença religiosa brasileira, os valores laicos e a postura macroecumênica 
como diretriz de convívio em sala de aula e fora da escola.
Gaste bem o tempo com o assunto
Caso haja tempo para se dedicar ao tema, ou você tenha conseguido re-
adequar as atividades já definidas para incorporá-las à temática da religião, 
planeje bem as ações e defina aonde quer chegar. 
Essa dica serve para tantas outras temáticas, mas, considerando que a 
discussão sobre religiosidades na Escola pode envolver os estudantes em 
debates polêmicos (o que em si não é ruim) e acabar levando a reflexão 
para objetivos que não são os que você imaginou, principalmente para um 
contexto oposto ao que nós desejamos, que é a valorização da diferença 
cultural religiosa, é imprescindível planejar. 
Inspirados em uma metodologia bastante usada pelas pastorais sociais 
da Igreja Católica, o “ver-julgar-agir”, apostamos no emprego do método 
“ver-analisar-agir-avaliar”, mas, aqui, claro, em uma perspectiva absoluta-
mente laica. 
VER: olhar a realidade a ser estudada, neste caso, a diferença religiosa. 
É o momento para ouvir os estudantes (suas opiniões e conhecimento 
prévio sobre o tema) e o de motivá-los a irem atrás de mais informações, 
especialmente em fontes laicas. Fatos, causas e consequências do tema es-
colhido precisam ficar claros no final dessa primeira parte do método. 
Religiosidades e Educação Pública | 91 
Sobre o tema, vale a pena propor recortes, considerando a realidade do 
contexto escolar onde você se encontra. Os subtemas podem ser: Religião 
e poder; Violência e religião; Democracia e religiosidade; Direitos e religio-
sidades; Preconceitos e religiosidades; Religiosidades e educação; Cultura 
e religião; Fé e política; Diferenças e religião; Ciência e religião; Corpo e 
religiosidades etc.
ANALISAR: é hora de refletir e analisar as informações reunidas. 
A base para a análise é o material previamente organizado ou sugerido 
por você, professor. O momento da busca dos estudantes, caso encontrem 
algum material para complementar a análise, será o momento de valorizar 
o que foi encontrado por eles e incorporá-lo nesse conjunto que você pre-
parou. Não se deve tomar aqui nenhum material confessional (de nenhuma 
religião), mas textos explicitamente ecumênicos podem ajudar. 
Nossa aposta é que, por exemplo, este livro e sua perspectiva de valo-
rização das diferenças seja empregado (pelo menos no momento em que 
você professor vai se preparar para a atividade). Além disso, documentos no 
campo dos Direitos Humanos e a própria Constituição Federal podem ser 
muito utilizados. 
O importante é definir quais são as perspectivas para direcionar a refle-
xão e a análise dos estudantes. O “analisar”, aqui na nossa proposta laica, 
não é estabelecer uma hierarquia e nem definir o que é necessariamente 
certo e errado de cada religião, isto é, não se trata de um “julgar” propria-
mente dito, mas de pensar, decidir, concluir (ainda que temporariamente) 
sobre o que foi discutido. 
AGIR: realizar alguma ação a partir do que foi estudado.
Considerando que a história de desigualdade e preconceito em rela-
ção aos grupos religiosos, ou até mesmo aos sem-religião, virá à tona nos 
momentos anteriores, o importante é propor tomadas de posições aos es-
tudantes quanto à temática, no sentido de garantir uma vivência na escola 
que preze pela visibilidade e reconhecimento da diferença cultural religiosa. 
Ações do tipo “contratos e combinados” são bem-vindas, isto é, pode-
-se combinar, por exemplo, que sempre se cuidará para que não existam 
julgamentos preconceituosos entre os colegas quando o assunto for 
religiosidades. 
Outra atitude a ser tomada pode ser a escrita coletiva de uma carta a 
uma possível editora que não contemplou a diferença cultural religiosa em 
92 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
algum livro didático, ou, ainda, promover uma exposição na escola com tra-
balhos de diferentes ordens (poemas, maquetes, desenhos etc.) retratando 
a diferença cultural religiosa do Brasil ou da própria comunidade. 
Seja qual for a ação, é bom lembrar os estudantes que uma longa his-
tória de discriminação e hierarquização das religiões não se resolve do dia 
para a noite; ao mesmo tempo, é fundamental valorizar as ações que serão 
resultadas desse processo; afinal, a transformação de algo que não é bom 
em alguma coisa melhor depende de atitudes pequenas e grandes, mas 
tudo começa com a organização do coletivo para se conquistar algo comum.
AVALIAR: no final de tudo, depois de algum tempo, conforme a ação 
realizada, é fundamental rever o que foi feito. Avaliar o processo, especial-
mente o resultado da ação escolhida pelo grupo, valoriza o envolvimento 
dos estudantes em todas as etapas do método e ajuda a dar possível conti-
nuidade ao processo.
Ouça pacientemente todas as opiniões
Não acredite que o grupo religioso é homogêneo e que todos os fiéis de 
determinada crença pensam da mesma forma, nem mesmo que pensam de 
acordo com os seus líderes ou adotam todos os dogmas da religião que pro-
fessam. Para o trabalho com o tema da religião na perspectiva que estamos 
propondo, essa percepção é fundamental. Então, ouvir todas as opiniões em 
sala é um bom exercício para entender de fato o que os estudantes estão 
pensando não somente sobre a religião do outro, mas sobre a sua própria. 
Um exemplo é o resultado da pesquisa encomendada pela organização 
não governamental e feminista Católicas pelos Direito de Decidir ao Insti-
tuto Brasileiro de OpiniãoPública e Estatística (IBOPE), realizada no Brasil 
entre novembro de 2006 e janeiro de 2007. A pesquisa mostrou que a maior 
parte da juventude que se declara católica não acha que o fato de não seguir 
algumas orientações da Igreja quanto a sua saúde sexual e reprodutiva a faz 
um mau fiel.35
Nas atividades em sala de aula, as respostas à pergunta sobre o que 
poderia mudar ou manter na sua própria religião pode nos ajudar a com-
preender se os estudantes têm ou não uma visão crítica da própria fé. Isso 
contribui para você conhecer melhor a forma como sua turma pensa e até 
35 IBOPE (2007).
Religiosidades e Educação Pública | 93 
vive as experiências religiosas e, com isso, traçar estratégias para abordar e 
discutir o tema.
Outra dica importante é saber ouvir, em um primeiro momento, sem ex-
pressar reprovação ou estranhamento, valorizando todas as opiniões, para 
que todos, dos mais tímidos aos mais polêmicos, possam sentir confiança 
em contar sobre o que pensam. Esse cuidado envolve silenciamentos de 
sua parte até o momento em que poderá conduzir uma reflexão mais crítica 
e ser ouvido e compreendido, mas, também, envolve certa atenção com 
as expressões faciais, que muitas vezes denunciam o que o professor está 
pensando.
O embasamento histórico e socioantropológico sempre ajuda a, depois 
de se ter acesso às opiniões, dialogar com os estudantes, mostrando a eles 
que é possível, via os dados científicos, reforçar/fundamentar o que estão 
pensando ou criticar/reformular suas opiniões. O ambiente tem de ser de 
respeito e diálogo entre professor e estudantes para que eles não se sin-
tam mal com as novas informações sobre aquilo que ele “sempre achou” ou 
“sempre aprendeu”.
O exercício da escuta é fundamental também para ser destacado entre 
os próprios estudantes. O tema será mais bem desenvolvido se a turma con-
seguir criar um ambiente de escuta atenta às opiniões diferentes, se estiver 
disposta a aprender coisas novas sobre o assunto e, acima de tudo, conse-
guir chegar a conclusões comuns, se não em uma totalidade, pelo menos em 
alguns aspectos, que garantam o reconhecimento das diferenças religiosas 
presentes na sala e na sociedade onde vivem.
Estude a perspectiva laica para ensiná-la
Não há como o professor estar seguro diante de qualquer tema que possa 
gerar polêmicas se ele não conhecer bem o assunto. É fundamental estudar a 
questão para se colocar de maneira adequada diante dos posicionamentos a 
serem valorizados, desconstruídos ou criticados. Quanto melhor a formação 
do professor, menores serão as dificuldades em abordar a temática. 
Evidentemente que a formação religiosa, comumente desenvolvida sob 
várias experiências de reflexões nas igrejas ou grupos religiosos, pode fazer 
a diferença, mas, realmente, o fato de ser um religioso assíduo às atividades 
da sua denominação religiosa não o fará ter a abordagem adequada para a 
sala de aula. 
94 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
As práticas religiosas em muitos contextos também são importantes 
para a formação das pessoas e a atuação delas em diferentes áreas, mas o 
que propomos aqui é que é preciso aprender a abordar a religião na sala de 
aula em uma perspectiva laica, fundamentada em ciências como a história, 
filosofia e as ciências sociais. São raros os espaços de formação confessionais 
que se propõem a isso: eles têm outros objetivos e atingem outros resulta-
dos. Por isso, informe-se, estude e busque informações para fundamentar 
a sua abordagem no sentido de possuir elementos teóricos, pedagógicos 
e metodológicos para a discussão dessa temática na escola. O próximo 
capítulo tem esse objetivo, de oferecer indicações que podem facilitar o 
aprofundamento no tema.
Por fim, o que precisa ficar claro é que não existem receitas prontas para 
a discussão que nos propomos fazer. As dicas, sugestões e indicações, se-
jam as referentes a leituras ou às práticas pedagógicas, não são para serem 
tomadas como um fim em si mesmas. Elas precisam ser lidas ou executadas a 
partir da realidade de cada turma, assim como devem ser pensadas de acor-
do com a necessidade e a habilidade que você tem ou está conquistando 
diante do tema.
Atividades sugeridas – mergulhando em águas mais profundas...
O convite para mergulhar em águas mais profundas é aqui um chamado 
para o aprofundamento do tema, mas, claro, não se deseja esgotar a discus-
são ou limitá-la até onde pode ir com as indicações que se seguirão: elas 
devem ser tomadas como um início de caminho para se avançar na reflexão. 
Nossa torcida é para que elas se tornem motivadoras de novas buscas e des-
cobertas no sentido de qualificá-lo cada vez mais para a abordagem dessa 
temática na sala de aula. 
Começamos por "sites" que lhe permitirão se manter atualizado em re-
lação aos acontecimentos, nacionais e internacionais, que envolvem o tema. 
Você também encontrará artigos, entrevistas, agenda de eventos (de todo o 
tipo – acadêmicos, religiosos, de formação de lideranças, eventos do movi-
mento social e do terceiro setor), e, além disso, poderá encontrar materiais 
para serem adaptados e usados em sala de aula em diferentes disciplinas, 
considerando a diversidade temática de cada um dos endereços eletrônicos 
a seguir.
Religiosidades e Educação Pública | 95 
•	 Koinonia36 é uma entidade ecumênica de serviço formada por pesso-
as de diferentes tradições religiosas, reunidas em associação civil sem 
fins lucrativos. Neste site você encontrará informações referentes a do-
cumentos, eventos, publicações, projetos e outras coisas vinculadas ao 
ou produzidas pelo movimento ecumênico no Brasil e no mundo. Vale a 
pena conferir!
•	 Católicas pelo Direito de Decidir (CDD)37 é uma organização não gover-
namental feminista empenhada no diálogo inter-religioso e na busca da 
justiça social. Comumente, tem produzido materiais educativos e reali-
zado encontros com o intuito de capacitar lideranças de comunidades 
religiosas e movimentos sociais, no que se refere à temática da religião e 
dos direitos humanos, especialmente dos direitos sexuais e reprodutivos.
Existem também boas pesquisas que nos ajudam a melhor compreender 
a realidade da diferença cultural religiosa a partir de diferentes focos e obje-
tivos. Uma delas é a tese intitulada O movimento ecumênico no Brasil (1954-
1994): a serviço da Igreja e dos movimentos populares, defendida, em 2007, 
por Agemir de Carvalho Dias, resultado de doutoramento em História pela 
Universidade Federal do Paraná. No texto, o autor trata dos acontecimentos 
históricos que constituíram o ecumenismo, mas também cita o legado des-
se movimento para os movimentos populares. Está disponível em: <http://
www.poshistoria.ufpr.br/documentos/2007/Agemirdecarvalhodias.pdf>.
A tese Educação nos terreiros e como a escola se relaciona com crianças 
que praticam o candomblé é outra dica. Escrita por Stela Guedes, entre ou-
tras questões, a pesquisa discute discriminações, a relação da escola com 
crianças do candomblé e também o Ensino Religioso. Ela é fruto de estudos 
que duraram 13 anos, o que permitiu à autora acompanhar o crescimento 
das crianças com quem conviveu nos terreiros. A tese foi defendida na Fa-
culdade de Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro 
em 2005. Disponível em: <http://www2.dbd.puc-rio.br/pergamum/tesesa-
bertas/0114346_05_pretextual.pdf>.
Também vale a pena conferir a bibliografia deste capítulo, com dife-
rentes pesquisadores citados. Destaque especial para o livro organizado 
por Debora Diniz, Tatiana Lionço e Vanessa Carrião, intitulado Laicidade e 
Ensino Religioso no Brasil, lançado em 2010. O conteúdo aborda temáticas 
36 Disponível em: <http://www.koinonia.org.br/>
37 Disponível em: <http://www.catolicasonline.org.br/>
96 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
referentes à “Justiça Religiosa” e à diversidade cultural nos livros de Ensino 
Religioso. 
A revista Religião e Sociedade, em cada uma de suas edições, traz artigos 
científicossobre a temática. Chamamos a atenção para a edição 32, volume 
1, que contém um dossiê temático intitulado “Religião e espaço público”, de 
2012. Todos os artigos, dessa e de outras edições, estão disponíveis no site 
Scielo. A revista é editada pelo Instituto de Estudos da Religião (ISER).
Para quem gosta de vídeos, sugerimos alguns. O primeiro é uma produ-
ção da Fundação Oswaldo Cruz, cujo título é Estado laico [sala de convida-
dos] (59 min), que aborda o Estado laico conforme o próprio título informa, e 
em formato de debate discute se esta legislação é obedecida na prática. A 
discussão abarca outros temas, como a interferência das religiões nas políti-
cas públicas. Você o encontra para baixar em: <http://objetoseducacionais2.
mec.gov.br/handle/mec/13980>.
Todos os demais são produções da TV Câmara. Dentro da categoria 
“Educação – documentários”, selecionamos o Carta Mãe (50 min), que tra-
ta do papel da Constituição para a organização do País, as principais con-
quistas trazidas por esta legislação, a história das constituições anteriores e 
os exemplos de outros países. Já na categoria “Humanidade interprogra-
mas” você encontra dois vídeos bastante curtos intitulados Estado laico e 
religiões nas escolas (5 min) e Religião aproxima ou afasta? (5 min). O en-
foque do primeiro é o que discutimos neste capítulo; o segundo aborda 
os conflitos religiosos do passado e do presente. Todos estes vídeos são 
encontrados no site da TV Câmara: <http://www.camara.leg.br/internet/
tvcamara/?lnk=BAIXE-E-USE&selecao=BAIXEUSE>.
Por último, indicamos uma entrevista com Marcelo Neri, realizada na oca-
sião do lançamento da pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas, citada 
no início deste capítulo. O vídeo (de aproximadamente 7 minutos) apresenta 
comentários sobre os principais dados levantados em relação às religiões 
no Brasil contemporâneo, disponível em: <http://cps.fgv.br/video_ren>. No 
mesmo site você encontra a pesquisa na íntegra e sua repercussão na mídia 
nacional e internacional, com arquivos de vídeos de programas de TV, rádio e 
textos divulgados em jornais e revistas: <http://www.cps.fgv.br/cps/religiao/>.
Religiosidades e Educação Pública | 97 
REFERÊNCIAS 
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FIGURAS
Figura 1 A diversidade humana e as múltiplas expressões do sagrado. Fonte: <https://www.
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402236689793548/?type=1&theater>. Acesso em: 10 ago. 2014.
Figura 2 Publicação de 1586 dos registros de Jean de Léry em Genebra. Fonte: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/Jean_de_L%C3%A9ry>. Acesso em: 10 ago. 2014.
Figura 3 Imagem divulgada em campanhas e protestos nas redes sociais, vincula-
da aos atos de diferentes movimentos sociais pró-laicidade do Estado, em busca da 
liberdade religiosa. Fonte: <https://www.facebook.com/estado.laicoja.9?fref=ts>. Acesso em: 10 
ago. 2014.
98 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Figura 4 Cartaz da primeira Campanha da Fraternidade realizada de forma ecumênica, pelo CO-
NIC. Esse tipo de atividade ecumênica ocorre a cada cinco anos. Fonte: <http://www.conic.org.br/
cms/cf-ecumenica>. Acesso em: 10 ago. 2014.
Figura 5 Quadrinho de Carlos Ruas ilustrando o encontro de Einstein, Deus e Adão. Fonte: 
<http://www.umsabadoqualquer.com/category/eisntein/>. Acesso em: 10 ago. 2014.
TABELA
Tabela 1 População residente, por situação do domicílio e sexo, segundo os grupos de religião 
– Brasil, 2010. Fonte: IBGE, Censo Demográfico de 2010. Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/
Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais_Religiao_Deficiencia/tab1_4.pdf>. 
Acesso em: 10 ago. 2014.
3
Desfazendo o gênero
Larissa Pelúcio
Gênero é um conceito que permeia e organiza a vida de todo mundo; 
é tão presente que já naturalizamos seus efeitos. Nosso esforço, neste ca-
pítulo, é justamente o de desnaturalizar nosso olhar e problematizar estas 
relações. Para isso, organizamos este capítulo em quatro unidades:
1. Iniciaremos com discussões conceituais sobre o conceito de gênero, 
situando o debate que nasceu em estreito diálogo com os estudos femi-
nistas, isto é, com as primeiras sistematizações teóricas e políticas que 
questionavam a opressão feminina como sendo algo natural, quer dizer, 
instituído por supostos determinantes biológicos;
2. Vamos trazer esta discussão para dentro da escola. Sabemos que o que 
acontece na escola reflete o que se passa em muitas outras esferas da 
sociedade; então, quando falamos de sala de aula, do pátio do recreio, 
dos banheiros, também estamos falando de pedagogias de gênero que 
circulam informando nosso olhar, moldam nosso comportamento, edu-
cam nossos corpos.
3. Momento de aprofundar nossas reflexões sobre gênero na arena pú-
blica. Talvez uma das formas mais eficientes e sedutoras de transmitir 
mensagens e pedagogizar nossos sentidos sejam as mídias, que não só 
reproduzem convenções e normas sociais sobre masculino, feminino, 
classe, raça, orientação sexual, geração, mas também criam “verdades” 
sobre esses temas.
4. Finalmente, apresentaremos um conjunto de proposta de atividades 
diversas para serem trabalhadas em sala de aula ou em momentos de 
102 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
formação continuada. São dicas de filmes e documentários; propostas 
de trabalho com imagens; dinâmicas paraa sensibilização e problemati-
zação dos temas tratados aqui, além de um box com questões pontuais 
que podem ajudá-l@s a sistematizar ideias e estimular debates.
Boa leitura e boas ideias a todas e todos!
UNIDADE 1
Gênero ou gêneros?
Desnaturalizar é preciso
Como escreveu a historiadora feminista Joan Scott: 
Gênero é um saber que estabelece significados para as diferenças cor-
porais. Esses significados variam de acordo com as culturas, os grupos 
sociais e no tempo, já que nada no corpo, incluídos aí os órgãos repro-
dutivos femininos, determina univocamente como a divisão social será 
definida (SCOTT, 2009, p. 12-13).
Neste capítulo, vamos pensar gênero nesta chave: ele é construído social 
e culturalmente, tem marcas históricas e, portanto, varia. Está relacionado 
com os corpos, mas nem por isso é natural, pois os corpos, para adquirirem 
seu significado pleno, precisam das lentes da cultura. Ainda que existam 
necessidades fisiológicas universais (excreção, fome, sede, cansaço, dor), 
elas não são resolvidas da mesma forma, nem mesmo dentro de uma mes-
ma sociedade. Sendo assim, gênero, como os corpos, é plural! Quer dizer, 
temos de pensar em masculinidades e feminilidades e em diversidades de 
gêneros. Tirar do singular nossa percepção sobre este tema é alargar nosso 
olhar sobre nossas relações cotidianas. Perceber que não existe A MULHER 
e O HOMEM de forma absoluta. Pois se é mulher, mas ao mesmo tempo se 
é professora, mãe, de classe média, na casa dos trinta anos, católica, mas 
adepta também ao kardecismo, morena, mas entendida socialmente como 
branca... ou seja, todos estes outros elementos se enfeixam de forma singu-
lar e contextual dando espessura humana e complexa a quem somos. 
Desfazendo o gênero | 103 
Ser uma mulher com as características descritas acima é muito distinto 
de ser uma mulher indígena, que vive no Mato Grosso do Sul, professora em 
uma escola indígena, na faixa dos 20 e tantos anos, bilíngue, evangelizada. 
Em alguns contextos, para esta professora o mais importante seja reafirmar 
e dar relevo à sua etnia. Assim como para a professora do exemplo anterior, 
em alguns momentos será mais relevante sublinhar justamente sua marca 
profissional. 
Ambas só são fruto de um determinado momento histórico, pois até me-
ados do século XX seria pouco provável que ambas tivessem uma profissão 
em comum, aliás, que tivessem uma profissão! Esta perspectiva histórica é 
fundamental para trabalharmos no sentido de desnaturalizar conceitos e ideias. 
Esta perspectiva ficou conhecida dentro do campo dos estudos de gênero 
como Construcionismo, opondo-se ao que foi denominado Essencialismo.
Um quadro sintético nos ajuda a aclarar a forma como cada uma destas 
vertentes enfoca as relações de gênero, e, assim, fica mais evidente quais 
são suas diferenças:
Quadro 1 Matrizes teóricas dos estudos de gênero.
Essencialista Construcionista
 - Naturaliza os gêneros vinculando-os a 
um determinante biológico;
 - É, portanto, determinista e 
biologizante;
 - O que faz que tenha um enfoque a-
-histórico e transcultural.
 - Propõe que os gêneros são produto 
de relações históricas e sociais;
 - Sendo assim, são simbolicamente 
constituídos;
 - O que faz com que tenham dimensões 
culturais.
A vertente essencialista é aquela com a qual estamos mais 
acostumados(as) a lidar porque somos ensinados desde pequeninos que 
temos uma essência imutável; repetimos ditos como “pau que nasce torto 
não tem jeito, morre torto”, ou seja, essa suposta essência que já vem pronta 
não sofreria influências do meio no qual cada pessoa vive, nem seria marca-
da pelo momento histórico no qual desenvolve suas experiências. Quando 
falamos de gênero, pela matriz essencialista, o associamos diretamente ao 
sexo genital, e o tomamos também como um definidor absoluto da nossa 
forma de viver, perceber, sentir, desejar. Acabamos por desconsiderar que 
há uma boa dose de aprendizado nisso tudo, que ser homem ou mulher é 
algo que varia de sociedade para sociedade, e, mesmo em uma dada socie-
dade, temos variações.
104 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
A segunda matriz é a construtivista, que vai ficar mais clara a partir de 
exemplos. Então vamos a eles.
Vamos dar uma olhada na bela pintura que retrata o filósofo iluminista 
Voltaire.
Figura 1 Retrato do filósofo François-Marie Arouet de Voltaire.
Vamos em frente, partindo daí, da figura do filósofo iluminista, a qual, 
para nós, não parece lá muito masculina. Julgamos isso pelo corpo, pelo 
gestual e fazemos isso sempre, porque nosso corpo é simbólico, é todo ins-
crito culturalmente e aprendemos a ler estes signos.
Para ler os signos, temos de nos valer das referências de nossa cultura, 
de nosso tempo. Quando agimos assim, estamos desnaturalizando, deses-
sencializando, pois estamos inserindo o debate no campo móvel e dinâmico 
das relações sociais.
Desnaturalizar é pensar que gênero, esta marca fundamental da nossa 
existência, não é um dado biológico e pronto, mas varia de sociedade, ao 
longo da história, e só pode ser entendido na sua dimensão política, sim, 
política, porque tem a ver com relações de poder: quem manda, quem obe-
dece, o que é verdade, o que não é. Enfim, para a gente poder entender 
o gênero em toda a sua dimensão social, é preciso relacionar gênero com 
Desfazendo o gênero | 105 
raça/etnia, classe social, pertencimento de geração, entre outras marcas de 
diferenciação social.
Buscar os referentes históricos dessas formações discursivas nos ajuda a 
entender como chegamos a estabelecer certas definições sobre determina-
dos temas, no caso sobre as marcas de diferença entre feminino e masculino, 
assim como instiga nossa imaginação e provoca perguntas novas: Quais sa-
beres contribuem para instituir verdades sobre diversos assuntos? Em que 
contexto nasceram certas ideias? Por que algumas destas se estabeleceram 
como referentes seguros e outras sequer foram consideradas? Procurando 
responder questões como estas foi que, nos anos 1960, os movimentos fe-
ministas e os estudos acadêmicos sobre mulheres criaram um sujeito políti-
co e coletivo, sintetizado na categoria “mulher”. Esta não tardou a mostrar 
seus limites, como vim discutindo até aqui. Porém, o debate não minguou; 
ao contrário, se tornou mais denso teoricamente, alimentado sempre pela 
realidade vibrante das ruas. Neste cenário de reivindicação por direitos iden-
titários, civis, culturais e de estimulantes debates teóricos nasce o conceito 
de gênero.
Gênero tem história
Até a década de 1980, o conceito de gênero não era muito usado, mes-
mo dentro do campo dos estudos feministas. Trabalhava-se muito mais com 
a categoria “mulher”. Isto porque as feministas, desde Simone de Beauvoir, 
perceberam que havia um grande silêncio político, social e científico em tor-
no dos temas e questões que envolviam as experiências das mulheres. Era 
preciso, então, falar sobre mulheres, sobre sua participação na história, na 
literatura, na filosofia e nas ciências em geral. Mais do que isso, era preciso 
dar voz às mulheres para que elas falassem de si e por si. 
Podemos dizer que desde 1949, quando foram publicados na França os 
dois volumes de O segundo sexo, de Beauvoir, as discussões políticas e te-
óricas em torno da opressão feminina e da exclusão das mulheres da cena 
pública se avolumaram e mexeram profundamente com as dinâmicas das 
relações sociais, sobretudo nas sociedades ocidentais e naquelas influencia-
das por este modelo.
Todo este debate em torno do tema “mulher” acabou, algumas dé-
cadas mais tarde, criando um extenso cabedal teórico, gerando inúmeras 
pesquisas, muitas delas inspiradas nas demandas políticas dos movimentos 
106 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
feministas (sim, no plural, pois como todo movimento político e social este 
também se dividiu em diferentes tendências). Toda esta discussão provocou 
novas questões e aprofundou o debate teórico e conceitual, de maneira que 
a categoria centraldo feminismo como movimento social, bem como campo 
de estudos, “mulher”, passou a ser desafiada na sua potencialidade expli-
cativa. Em outras palavras, a questão que começou a ser colocada cada vez 
mais fortemente interrogava sobre quem era esta “mulher” da qual falavam 
as feministas? Era negra, branca, indígena, jovem, velha, mãe, filha, avó, hete-
rossexual, homossexual, bissexual, operária, burguesa, patroa, empregada, 
desempregada, ateia, católica, protestante? 
Se, como escreveu Simone de Beauvoir, “não se nasce mulher, torna-
-se”, como chegamos a sê-la? Seria possível pensar nessa construção do 
feminino sem pensar em sua relação com o masculino? Ao responder estas 
poucas, mas profundas, questões, ficava claro que ao discutirmos a relação 
entre feminino e masculino teríamos de pensar em relações de poder que 
hierarquizavam pessoas a partir de seu gênero, com clara predominância do 
masculino sobre o feminino. Quer dizer, gênero era uma questão política, 
pois implicava em acessos desiguais a bens públicos, na participação em 
arenas decisórias ou em silêncio; em privilégios para os homens também no 
plano doméstico como o direto quase soberano sobre os filhos e a esposa 
garantido por lei (no Brasil, até a mudança do Código Civil, em 2003, não 
havia igualdade garantida para homens e mulheres relativas ao casamento 
e constituição de família. Por exemplo, o Código Civil Brasileiro, antes da 
reforma de 2003, ainda permitia a anulação do casamento pelo fato de a 
noiva não ser virgem).
Se a desigualdade entre os gêneros era flagrante, em meados dos anos 
de 1980, essas diferenças já não pareciam suficientemente mobilizadoras; 
afinal, estava cada vez mais claro que a experiência de ser mulher não era a 
mesma para todas. 
Desde o final do século XIX, com o movimento sufragista, a questão 
mobilizadora central dos feminismos era a busca por diretos iguais aos dos 
homens. Assim, ser mulher era mais que uma questão de gênero, e sim o 
ponto de convergência de luta, pois era a marca da desigualdade. Na meta-
de do século XX, este ainda era um mote forte e mobilizador. Mas, como já 
comentei, o crescimento dos movimentos e dos estudos feministas provo-
cou também uma sofisticação nas demandas e nas reflexões, o que levou a 
profundas discussões em torno de outras marcas de desigualdades sociais, 
Desfazendo o gênero | 107 
pois era evidente que as opressões atravessam também as relações entre as 
mulheres. 
Ficava patente, no aguçamento das lutas sociais e das demandas políti-
cas das mulheres, que ser mulher não se resumia a ter um corpo com útero e 
ovários, que o biológico não era assim tão determinante dessa experiência. 
Havia muito mais a ser considerado nesse campo de disputas e de recons-
trução de modelos sociais que a categoria “mulher” parecia não dar conta. 
É assim que o conceito de “gênero” vai se firmando como um instrumento 
importante de reflexão e luta, não sem provocar reações de alguns setores 
do feminismo que seguiram apostando no termo “mulher” como termo polí-
tico. Aqui, trabalharemos com o conceito de gênero dada a sua abrangência 
e contribuições para as discussões sobre diretos, igualdade e desigualdade, 
entre outras.
Como escreve a antropóloga Adriana Piscitelli, “é importante perceber 
que o conceito de gênero, desenvolvido no seio do pensamento feminista, 
foi inovador em diversos sentidos. Perceber o alcance dessa inovação exige 
prestar atenção às formulações desse pensamento” (2002, p. 2). Entre estas 
formulações e inovações pontuo as que se seguem:
•	 Ir além da categoria “mulher” é considerar que homens, tanto quanto 
mulheres, têm gênero, que não nascem prontos;
•	 Pensar em gênero como elemento organizador das relações sociais, ao 
invés de operar com os termos “homem” e “mulher”, é ampliar para 
além do corpo, da anatomia e do biológico, as experiências femininas e 
masculinas;
•	 Construímos nosso gênero e o fazemos de forma relacional, ou seja, nas 
relações sociais, o que implica em fazê-lo em relação aos homens, às ins-
tituições pedagogizantes (família, escola, igrejas), enfim, orientados(as) 
pelos valores hegemônicos de cada tempo e lugar, seja para reiterar 
estes valores ou para enfrentá-los;
•	 Em outras palavras, gênero tem pouco a ver com natureza, sendo sim 
um conceito atravessado por ideias políticas (pois envolvem relações de 
poder), sociais (pois são determinadas nas relações entre os indivíduos 
vivendo em sociedade), culturais (estão marcadas por valores, moralida-
des e crenças relativas a um conjunto amplo de significações);
•	 Este conceito de gênero significa que aquilo que acontece em nossas 
vidas privadas, nas nossas casas, no interior de nossos quartos, está 
108 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
superinformado e moldado por essas formas públicas de se entender 
o que é próprio do feminino e do masculino, da mulher e do homem, 
adequado para meninas ou para meninos;
•	 Dentro dessa concepção fica evidente que “o pessoal é político”. Esta 
curta frase se tornou mais que um slogan do feminismo no final da déca-
da de 1960, provocando também uma profunda mudança na forma de se 
fazer ciência e de se construir conhecimentos;
•	 A ideia de que "o pessoal é político" conferiu dimensão política à 
constituição das nossas subjetividades, mostrando que o aprendizado 
de gênero passa por uma série persistente de normatizações que são 
constantemente reiteradas no sentido de adequar nosso corpo às ex-
pectativas sociais sobre como devemos usá-lo, adorná-lo, apresentá-lo, 
enfim, o corpo como aquilo que nos é mais próprio e particular também 
se mostra um território de inscrições simbólicas em disputa;
•	 Os corpos voltam a ter centralidade, mas não apenas como corpos re-
produtores, mas corpos desejantes. Assim como há muitas formas de 
ser mulher ou homem, há muitas formas de se viver as feminilidades e 
masculinidades;
•	 Estas formas não estão aprisionadas em corpos marcados por genitálias 
(vagina/pênis). Considera-se que corpos nascidos com vagina podem bus-
car/desejar viver experiências relativas às masculinidades e vice-versa;
•	 Tal conceito de gênero nos aproxima das discussões sobre sexualidade, 
pois a experiência de ultrapassar os limites sociais binários do masculino 
e feminino pode estar relacionada com o desejo de amar, sentir e se 
expressar fora das normas impostas pela heterossexualidade;
•	 Gênero não é igual a orientação sexual, mas são termos relacionados, o 
que leva muitas pessoas a associarem, com frequência, comportamentos 
de gênero (um menino mais delicado, uma menina que gosta de futebol, 
por exemplo) com homossexualidade.
Afinal, o que é gênero?
Já vimos que gênero não é sexo; não é dado pela natureza; não é imu-
tável, mas precisamos defini-lo pelo que é. A educadora e pesquisadora 
Guacira Lopes Louro nos oferece uma excelente síntese do conceito a partir 
do diálogo com diferentes autoras e autores. Vamos a esta definição que, 
mesmo sendo longa, vale ser reproduzida pela sua densidade:
Desfazendo o gênero | 109 
[...] o conceito afirma o caráter social do feminino e do masculino, obri-
ga aquelas(es) que o empregam a levar em consideração as distintas 
sociedades e os distintos momentos históricos de que estão tratando. 
Afasta-se (ou se tem a intenção de afastar) proposições essencialistas 
sobre os gêneros; a ótica está dirigida para um processo, para uma 
construção, e não para algo que exista a priori. O conceito passa a 
exigir que se pense de modo plural, acentuando que os projetos e as 
representações sobre mulheres e homens são diversos. Observa-se que 
as concepções de gênero diferem não apenas entre as sociedades ou 
os momentos históricos, mas no interior de uma dada sociedade, ao se 
considerar os diversos grupos (étnicos, religiosos, raciais, de classe) que 
a constituem (LOURO, 1997, p. 23). 
Sendo assim, gênero deve ser entendido fundamentalmente como uma 
construção social, daí seu caráter histórico e plural. 
A ideia de pluralidadeimplicaria admitir não apenas que sociedades 
diferentes teriam diferentes concepções de homem e de mulher, como 
também que no interior de uma sociedade tais concepções seriam 
diversificadas, conforme a classe, a religião, a raça, a idade etc.; além 
disso, implicaria admitir que os conceitos de masculino e feminino se 
transformam ao longo do tempo (LOURO, 1996, p. 10).
Em outras palavras: 
Por gênero entende-se a condição social por meio da qual nos identifi-
camos como masculinos e femininos. É diferente de sexo, termo usado 
para identificar as características anatômicas que diferenciam os homens 
das mulheres e vice-versa. O gênero, portanto, não é algo que está dado, 
mas é construído social e culturalmente e envolve um conjunto de pro-
cessos que vão marcando os corpos, a partir daquilo que se identifica ser 
masculino e/ou feminino. Em outras palavras, o corpo é generificado, o 
que implica dizer que as marcas de gênero se inscrevem nele.
Se estamos cientes de que o gênero é a construção social do sexo, 
precisamos considerar que aquilo que no corpo indica ser masculino 
ou feminino não existe naturalmente. Foi construído assim e por esse 
motivo não é, desde sempre, a mesma coisa (GOELLNER, 2010, p. 75).
A escola tem tido um importante lugar nessa construção dos gêne-
ros. Ainda que não percebamos, aqueles são espaços profundamente 
110 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
generificados e orientados por uma silenciosa, mas persistente pedagogia 
de gênero. É sobre esta questão que versa a próxima unidade.
UNIDADE 2
Gênero na escola
Lembranças de um aprendizado tenaz
Ainda recordo como, ao acordar, colocava meu uniforme e seguia para 
a escola. Era o final da década de 1970, e vivíamos sob a presidência 
do general Figueiredo, a última do regime militar. No pátio, tínhamos 
que formar filas: duas para cada sala de aula, uma de meninos e outra 
de meninas. Começavam aí as “brincadeiras”, nas quais os meninos 
mais robustos empurravam os mais frágeis para a fila feminina, espaço 
desqualificado em si mesmo (MISKOLCI, 2012, p. 9).
As memórias escolares acima são do sociólogo Richard Miskolci, relata-
das nas primeiras páginas de seu livro Teoria Queer: um aprendizado pela 
Diferença, no qual ele discute, entre outras temas, como temos reproduzido 
de forma naturalizada as relações de gênero pautadas pelo reforço das de-
sigualdades entre meninos e meninas no espaço escolar. Miskolci relembra 
seu receio em relação à forma como meninos de sua sala eram estimulados 
a serem violentos, exercendo a força sobre outros, humilhando os considera-
dos mais fracos, ao mesmo tempo em que desqualificavam as meninas, pois 
aqueles que não se ajustavam ao modelo hegemônico de masculinidade, 
isto é, viris, agressivos e competitivos, eram logo alocados no lugar “des-
prestigiado” do feminino. “Mulherzinha”, “florzinha”, entre outros adjetivos, 
eram de fato xingamentos que pretendiam, ainda que sem a intenção clara 
dos ofensores, dizer aos ofendidos que deveriam reproduzir um único estilo 
de masculinidade, posto que ser mulher ou agir como uma não era algo 
bom. O mundo feminino era (e é) assim constituído como avesso ao dos 
homens, além de inferior.
Desfazendo o gênero | 111 
Lembro-me de uma piadinha muito comum entre professores de cur-
sinho. Sempre que havia um conjunto de meninos conversando e “zoando 
a aula no fundão”, vinha a intervenção jocosa: “O que as mocinhas estão 
fofocando aí? É hora do tricô, é?”. Sempre funcionava e provocava risos 
debochados da sala toda. Por quê? Porque desde pequeninos aqueles me-
ninos aprenderam que não é bom ser comparado com mulheres, com moci-
nhas. E por quê? Porque elas fofocam, são, portanto, levianas, fúteis, não se 
preocupam com assuntos grandiosos e se ocupam de atividades manuais e 
mecânicas, como o tricô. Não aprenderam a valorizar o feminino como uma 
condição comparável à do masculino, como forças complementares, e não 
hierárquicas. Foram reprimidos, quando não ridicularizados, todas as vezes 
que fizeram coisas associadas socialmente às mulheres, ao feminino.
Não raro, segue narrando Miskolci, reavivando suas lembranças, esses 
comportamentos eram aceitos e até mesmo estimulados por professores(as) 
e funcionários(as) da escola, por acharem “natural” que as crianças agissem 
daquela forma. Da mesma maneira que, hoje em dia, achamos natural, leia-
-se “correto”, que meninas sejam menos ágeis nos esportes, assim como 
em raciocínio matemático. Ainda fazemos filhas exclusivas para meninos, 
separados das filas das meninas. Reproduzimos este procedimento, muitas 
vezes sem grande crítica, exatamente porque os naturalizamos, não vemos 
problemas nele. E haverá problemas nessa divisão? 
A pergunta é simples, mas sua reposta não, pois nos obriga a imergir em 
um rol de outros questionamentos sobre nossas práticas diárias, seja na sala 
de aula, no pátio do recreio, na sala de professores ou durante reuniões com 
pais. Convido vocês a enfrentar estes questionamentos, pois, como escreve 
Guacira Lopes Louro e, creio, vocês têm percebido,
[a]s possibilidades de viver os gêneros e as sexualidades ampliaram-se. 
As certezas acabaram. Tudo isso pode ser fascinante, rico e também de-
sestabilizador. Mas não há como escapar a esse desafio. O único modo 
de lidar com a contemporaneidade é, precisamente, não se recusar a 
vivê-la (LOURO, 2008, p. 23).
Então, vamos viver nossos desafios. Comecemos pelas filas, assumindo 
que elas expressam, na verdade, uma separação profunda e durável pela 
qual aprendemos que meninos e meninas, homens e mulheres são absoluta-
mente diferentes. Mencionei que responder àquela pergunta lá de cima nos 
levaria a uma série de outras interrogações; então, pergunto, reproduzindo 
112 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
a interrogação de uma importante pensadora: o que pode ser mais parecido 
com uma mulher do que um homem? Como trabalhamos a fim de acentuar 
ou de atenuar essas diferenças? A anatomia é destino? A biologia explica 
essas diferenças? Explica também as semelhanças? Estas são perguntas 
provocativas. Mais do que respostas, gostaria que parássemos um pouco 
para pensar em nossas próprias atitudes no espaço escolar. O desafio vai 
se tornando mais profundo, pois isso nos obriga a rever valores que nos 
alicerçam e orientam, mexe com nossas convicções e adentra o terreno das 
moralidades e dos segredos, mas educar é também estar abertos(as) para 
esses constantes processos de aprendizado.
Sem pretensão de dar respostas conclusivas ou oferecer receitas, ensaio 
a seguir algumas respostas às questões que lancei há pouco, e trago novas 
interrogações, a maior parte delas suscitadas em discussões ocorridas nos 
fóruns de debates do Módulo Gênero do curso de formação continuada 
para professores(as) do Ensino Básico, o GDE – Gênero e Diversidade na 
Escola.38
•	 Homens e mulheres são absolutamente diferentes? 
A construção dos gêneros e das sexualidades dá-se através de inúme-
ras aprendizagens e práticas, insinua-se nas mais distintas situações, é 
empreendida de modo explícito ou dissimulado por um conjunto ines-
gotável de instâncias sociais e culturais. É um processo minucioso, sutil, 
sempre inacabado. Família, escola, igreja, instituições legais e médicas 
mantêm-se, por certo, como instâncias importantes nesse processo 
constitutivo (LOURO, 2008, p. 8). 
Assim, não há sociedade que deixe de considerar as singularidades 
corporais dos corpos femininos e masculinos, constituindo a partir destas 
percepções diferenças, sem que isso implique necessariamente em desi-
gualdades ou em incomensurabilidade entre os gêneros. As diferenças são 
construídas como tal, assim como as semelhanças. Acentuamos aquilo que 
parece fazer sentido para ordenamento dos lugares sociais, dos valores mo-
rais vigentes, segundo normas estabelecidas. “A norma não emana de um 
38 O GDE compõe um conjunto extenso de programas coordenados pelo Ministério da 
Educação e Cultura (MEC), a partir dediversas secretarias especiais incumbidas de im-
plementar políticas públicas voltadas para a diversidade cultural e sexual. Integro, até o 
momento desta escrita, o quadro de coordenadoras(es) de módulos do GDE ofertado 
pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). 
Desfazendo o gênero | 113 
único lugar, não é enunciada por um soberano, mas, em vez disso, está em 
toda parte. Expressa-se por meio de recomendações repetidas e observa-
das cotidianamente, que servem de referência a todos. Daí por que a norma 
se faz penetrante, daí por que ela é capaz de se ‘naturalizar’” (LOURO, 2008, 
p. 22). Atualmente, não por acaso, temos vivido um processo intenso e sis-
temático de acentuação das diferenças entre homens e mulheres. Nunca o 
mundo de nossas meninas foi tão rosa e de nossos meninos, absolutamente 
azul a tal ponto de termos situações como a citada por uma professora que 
cursou uma das ofertas do GDE:
“As próprias crianças estão tão obcecadas por determinados estereó-
tipos (ano passado, tomada pela raiva, cheguei a retirar as canetinhas 
cor-de-rosa da caixa, só pra ver a reação das meninas, elas usaram as 
outras cores, mas desenharam bem menos, duas delas, ao perceber, 
escolheram fazer outra atividade).”
Quer dizer, ao mesmo tempo em que participamos de mudanças cul-
turais significativas nas quais as convenções e normas de gênero binárias e 
hierárquicas vêm sendo questionadas e desafiadas, temos, em contraparti-
da, discursos sutis mas muito eficientes que reforçam a diferença como inco-
mensurabilidade, como quase impossibilidade de se viver juntos, um gênero 
“poluindo” o outro. Trago mais um depoimento gerado no mesmo contexto 
de discussão, para em seguida partir para outras questões:
“Nas minhas turmas sempre surgem conversas, onde as crianças in-
terrogam, isso é de menino? Ou, isso é de menina? Essa semana, uma 
menina, mostrando um lápis de time, me perguntou: Pro [professora], 
é de menino? Enquanto algumas crianças riam, e então eu respondi 
com perguntas, ou seja, problematizando: O que vocês acham? Só os 
meninos podem ser torcedores de time? As meninas não podem ser 
torcedoras, por quê?”
O reforço dessas divisões polares (meninas de um lado, meninos de 
outro) é uma maneira sutil, mas eficiente, de enfrentar as transformações 
sociais e culturais pelas quais nossa sociedade está passando, uma forma de 
“naturalizar” esses lugares, reiterando incessantemente o binarismo quase 
de forma inconciliável, do tipo “mulheres são de Vênus e homens são de 
Marte”. O que ganhamos com isso em termos concretos para a qualidade 
das relações sociais? Creio que nada!
114 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
•	 Como podemos enfrentar essas reiterações excludentes dos lugares 
de gênero?
Mais uma vez: não existem fórmulas prontas para isso, pois estas ques-
tões surgem e se resolvem contextual e coletivamente. Ainda que como 
professoras e professores possamos tomar iniciativas individuais, elas só se 
efetivarão pedagogicamente quando incluídas em um projeto abrangente 
no qual a escola, como um todo (incluindo pais, mães, funcionárias e fun-
cionários, assim como o pessoal técnico-burocrático), estiver envolvida. Isso 
não implica em imobilismos, claro, mas em busca por parcerias que possam 
tornar nossas intervenções mais amparadas e fundamentadas.
Uma das experiências possíveis para quem trabalha com educação in-
fantil é mudar o critério de organização das filas. A cada semana poderíamos 
adotar um sistema: quem faz aniversário nos seis primeiros meses do ano fica 
de um lado, e quem faz nos outros seis, de outro; quem prefere gato fica em 
uma fila e os que preferem cachorro, em outra, por exemplo. Sim, corremos 
o risco de ficarmos com filas desiguais, mas também criamos a possibilidade 
de as crianças se socializarem mais com outras a partir de diferenças que as 
singularizam, mas não as desvalorizam. Provocamos novos encontros dentro 
da mesma turma, abrimos espaço para que as próprias crianças sugiram cri-
térios de organização, além de criar um espaço para se pensar na separação 
entre meninos e meninas como um critério único e válido.
Como estamos ainda falando de memórias e experiências, cito o que 
ocorreu com uma professora de História em uma turma de primeiro ano do 
Ensino Médio, pois creio que o exemplo traz estratégias interessantes para 
tratarmos das questões de gênero que, como logo ficará mais evidente, não 
se desvinculam facilmente das de sexualidade. Narra a professora que um 
grupo que se sentava mais à frente na sala de aula começou a rir baixo e 
olhar para ela. Então, essa minha aluna, professora da turma, perguntou o 
que estava acontecendo. Uma aluna teve a coragem de dizer: 
•	 Estamos rindo porque a gente estava curiosa para saber se você namora. 
E aí uma pessoa aqui, que eu não vou dizer quem é, disse que você joga 
em outro time.
•	 Bem, vocês não estão falando de esportes, né? Acho que estão interessa-
das em minha vida pessoal e em meus interesses sexuais. E o que seria in-
teressante para vocês na minha vida? Talvez vocês se sentissem desconfor-
táveis se eu quisesse saber da de vocês, não é? Mas não tenho problemas 
para falar disso, aliás, a gente deveria falar sobre o que é jogar no outro 
Desfazendo o gênero | 115 
time, né? Mas hoje, como não havia planejado e temos um conteúdo a 
cumprir, não vamos discutir isso, mas na próxima aula vamos tirar um tem-
po para essa conversa, mas com a sala inteira. Eu quero que até lá vocês 
me digam o que é jogar no outro time, e por que isso pode ser engraçado.
Ela saiu de lá tremendo que nem vara verde. Foi falar com a diretora 
sobre o ocorrido e disse que seria muito importante que o debate fosse feito 
de forma aberta, honesta e horizontalizada, e que ela se sentia preparada 
para tal. Anunciou ainda que iria mostrar o material para a direção antes de 
trabalhar com ele em sala e que se sentiria melhor com a turma se levasse 
essa discussão não para o lado pessoal, mas para uma reflexão sobre normas 
e convenções sociais que instituem que há, por exemplo, “um time” no qual 
a maioria joga, e quem está “jogando” em outro é uma pessoa “suspeita”, o 
que autoriza que seja inquerida por outras. 
Ao invés de “abafar o caso”, de silenciar os sussurros, a professora deu a 
devida importância à questão, buscando respaldo da coordenação para tal 
e procurando enfrentar temas fundamentais para a formação de suas alunas 
e alunos, que, ao invés de ficarem com conjecturas muitas vezes atravessa-
das por estereótipos sobre gêneros e sexualidade, tiveram a oportunidade 
de fazer, por meio de dinâmicas (vejam na unidade 4, no item Dinâmicas – 
brincando com os gêneros, levando a sério nossas questões) uma discussão 
orientada e qualificada destas questões.
Silêncios e sussurros: arquitetando os gêneros
Michel Foucault, filósofo francês com uma vasta obra sobre construção de 
conhecimento, sexualidade, formas de se educar corpos e subjetividade, es-
creve que os silêncios são discursos poderosos. Sobre o que calamos? O que 
não é digno de se estudar? Por que não discutimos, por exemplo, a Guerra 
do Chaco, que se estendeu entre os anos de 1932 a 1935, aqui na América do 
Sul, envolvendo Paraguai e Bolívia e grandes trustes de petróleo? Este conflito 
deixou quase 1 milhão de mortos! Passou-se em países fronteiriços e, ainda 
assim, nada consta em nosso material didático sobre o tema. Por quê? Quem 
eram aqueles mortos? Corpos que “não importavam”, de indígenas, de pes-
soas simples, aquelas que não têm o privilégio de escreverem suas próprias 
histórias. Daí o silêncio. Este artifício do “calar sobre algo” nos ensina sobre 
poder, política, prestígio pela invisibilização de determinadas versões dos fa-
tos e, mais grave, de determinados grupos sociais, criando um círculo vicioso: 
quanto menos sabemos sobre eles, mas o desprezamos.
116 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Este exemplo pouco tem a ver com gênero, mas está estreitamente re-
lacionado às nossasvivências escolares e nos provoca ainda mais interroga-
ções. Sobre o que falamos e sobre o que calamos? Quando fazemos estas 
perguntas, acabamos por perceber que invisibilizamos o que não nos parece 
importante. Talvez, por isso, algumas experiências de nosso cotidiano es-
colar sejam silenciadas ou apenas sussurradas. Entre elas estão aquelas em 
que os gêneros nos desafiam. Creio que a maioria de nós tem um exemplo 
neste sentido: o aluninho que queria brincar de bonecas; a menina que não 
abria mão do boné como parte de sua indumentária diária; o adolescente 
que começou a mudar sua maneira de andar e se adornar, até o dia em que 
apareceu na escola com unhas pintadas e sobrancelhas feitas... Em todos os 
casos temos bastantes dificuldades em saber como agir, e não poderia ser 
diferente, pois em nossa própria formação não tivemos discussões qualifica-
das sobre relações de gênero e sexualidade, como se esses fossem temas 
menores, secundários ou pouco relacionados à vida escolar. Vamos buscan-
do nos qualificar em cursos de formação continuada, em leituras autodidatas 
ou participando de oficinas e palestras que versam sobre essa temática. Foi 
ao ministrar cursos assim que a psicóloga e doutora em Educação Elizabete 
Cruz se deparou com eloquentes “silêncios”.
Entre 2005 e 2006, Cruz foi professora do módulo “O cotidiano da Esco-
la” em um curso de especialização em gestão educacional para diretores de 
escolas da rede estadual de São Paulo, realizado pela Universidade Estadual 
de Campinas (UNICAMP). Foi nesta função que começou a se dar conta que 
uma das questões que mais desafiava suas turmas era relativa aos gêneros 
não binários, quer dizer, sobre alunos e alunas que vivem nas fronteiras do 
masculino e do feminino, aqueles e aquelas que por motivos diversos não 
estão conformes aos rígidos padrões que ditam como deve ser e agir um 
homem e como deve se comportar e ser uma mulher, a partir de modelos 
que pregam que há um homem e uma mulher absolutos. De alguma forma, 
pensem bem, todas nós, todos nós violamos a rigidez binária. Vou adiar um 
pouco mais esta discussão para poder entrar logo na problemática que nos 
apresenta Elizabete Cruz. 
Em seu livro Banheiros, travestis, relações de gênero e diferenças no co-
tidiano da escola (2011), Cruz procura discutir sua experiência 
[a] partir de situações concretas e cotidianas para criar problematizações 
sobre a construção de identidades de gênero e suas possíveis implica-
ções para a educação. O que interessa aqui, portanto, é pensar, refletir 
Desfazendo o gênero | 117 
que nestas experiências identitárias há algo em comum: o rompimento 
de uma visão binária dos gêneros estabelecida a partir do biológico e a 
reinvenção das possibilidades masculino-feminino [...]. Nesta experiên-
cia docente observei que a presença de travestis na escola provoca uma 
grande inquietação. Em uma das primeiras turmas, uma aluna/diretora 
trouxe uma questão:
Tem um aluno, o João, que se veste como uma menina e disse que agora 
é Joana. Desde então, surgiu uma questão. Qual banheiro ele deve usar? 
O dos meninos ou das meninas? Deu a maior confusão! As meninas não 
querem que ele use o banheiro delas, os meninos também não. Como 
resolvemos? Ele usa o banheiro da diretora. Mas agora, a partir de sua 
aula, estou pensando: Será que resolvemos a questão? Será que demos 
o melhor encaminhamento? (CRUZ, 2011, p. 75-76, grifos do original).
Eu mesma adotei este texto em um curso de formação continuada a 
distância, o GDE, por duas ofertas consecutivas. Em ambas, a leitura fazia 
parte de uma atividade on-line chamada “Fórum de debates”, na qual seria 
necessário, ainda, assistir ao vídeo Encontrando Bianca,39 que compunha 
o chamado Kit anti-homofobia produzido pelo Ministério da Educação e 
Cultura, mas que foi vetado pela Presidência da República e, portanto, não 
distribuído (ver box de dicas de material audiovisual ao final deste capítu-
lo). O enunciado do Fórum orientava a atividade que tinha como objetivo 
“promover interação e troca de ideias” entre a turma, além de “estimular 
o debate articulado e refletido” acerca de dois materiais que deveriam ser 
colocados em diálogo. 
O tom geral do debate, em todas as salas virtuais, era de empatia em re-
lação a Bianca, a jovem travesti que protagoniza o vídeo. Muitos comentários 
traduziam a admiração pela persistência suave daquela aluna fictícia, mas 
possível, em ser aceita no ambiente escolar. Havia muitas Biancas, reconhe-
ciam as(os) cursistas, como também identificavam no cotidiano exigente de 
suas escolas dificuldades para lidar com temas como aquele. Afinal, discutir 
relações de gênero, sexualidade e convívio com as diferenças é entrar no 
39 Encontrando Bianca é o terceiro vídeo do conjunto de produções audiovisuais que es-
tava sendo formulado pelo MEC como material para subsidiar o combate à homofobia 
nas escolas. Em maio de 2011, o chamado “Kit anti-homofobia”, que ainda estava em 
elaboração pelo MEC, teve sua elaboração e distribuição suspensas por veto da presi-
denta Dilma Rousseff.
118 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
delicado terreno das intimidades, é mexer com moralidades, desestabilizar 
certezas, provocar incômodos que podem gerar insatisfação por parte de 
pais e dos próprios pares, ao mesmo tempo que demandavam da tutoria do 
curso, bem como da coordenação, respostas mais efetivas que pudessem 
ser aplicadas na prática docente. Mostravam-se, por vezes, incomodadas 
e incomodados por não saberem como deveriam nomear estas outras ex-
pressões de gênero e de sexualidade fora da heteronormatividade, pois não 
haviam sido formad@s para tal.
[E]sse “incômodo” com as ferramentas educacionais incapazes de fazer 
frente à realidade de pessoas fora da norma, essa vontade de acolhê-las 
ao invés de julgá-las, frequentemente se expressa em questões como: 
Como chamo tal pessoa? O que é tal aluno? Ele é travesti? Ele é transe-
xual? E foi um desafio lidar com estas questões, foi muito difícil explicar 
que era justamente isso que a gente não queria, não queríamos embar-
car no processo de criar um escaninho das espécies sexuais alocando 
cada uma em uma caixa ou identidade. Evitar esse tipo de abordagem 
classificatória é uma forma de realmente transformar a experiência edu-
cacional (MISKOLCI, 2012, p. 17-18).
O desafio de se trabalhar fora dos marcos identitários e das referências 
binárias relativas aos gêneros e à orientação sexual é exigente, pois demanda 
torções na nossa forma de perceber as dinâmicas sociais que oferecem esses 
termos classificatórios capazes de definir e fixar identidade, de maneira que 
a pergunta crucial deixa de ser “o que é Bianca?” e se desdobra em muitas 
outras questões importantes: “Por que não sabemos dizer quem ela é, sem 
acionar termos desprestigiosos ou patologizadores?”; “Como esses termos 
foram entrando em nosso vocabulário?”; “Quem tem autoridade para dizer 
quem ela é, e por que conferimos a determinados saberes esses poderes?”. 
Quando deslocamos nosso olhar do indivíduo para as normas e convenções 
sociais que o conformam, criamos um campo complexo de tensões, eviden-
ciando que sexo e gênero são, antes, questões de Estado, e, portanto, públi-
cas, não de foro privado. São antes políticas do que biológicas.
Então, vou mais uma vez lançar algumas perguntas, que são de fato pro-
vocações, quer dizer, convites para pensarmos sobre estes desafios. Começo 
pela tensão entre privado e público (mais um dos binarismos que nos [des]
orientam, posto que estes limites são muitos mais borrados do que querem 
nos fazer acreditar).
Desfazendo o gênero | 119 
•	 O uso dos banheiros é um problema de foro íntimo ou um problema 
político?
Muitas vezes, em nosso dia a dia, ouvimos expressões do tipo “cada 
cabeça uma sentença”, “em briga de marido e mulher não se mete a colher”, 
“gosto não se discute”, sugerindo que se trata de assuntos pessoais, indivi-
duais e que, portanto, não devem ser discutidos, tampouco sofrer interfe-rências externas. Bem, muitas questões tidas pelo senso comum como de 
foro íntimo e privado são na verdade públicas, por isso, políticas (a origem 
da palavra política, não custa lembrar, é polis = cidade-estado).
Vou me demorar pensando nos ditados citados acima. Não tenho dúvidas 
que somos seres autônomos, e somos capazes de formular nossas opiniões 
de maneira resoluta. Mas “cada cabeça uma sentença” não considera que 
não “fazemos nossa cabeça” sozinhos, sem influências de inúmeras ideias e 
valores que são coletivos, que trazem marcas de classe, religiosas geracio-
nais. Assim, ocorre também com o gosto. Claro que se discute, caso contrá-
rio nem teríamos necessidade de um ditado que afirma o contrário. Gosto 
tem a ver com o momento histórico (basta olharmos nossas fotos antigas 
para rirmos de nossos penteados de anos atrás), com pertencimento de clas-
se (daí expressões como “brega”), com valores culturais (não aprendemos a 
achar pessoas negras bonitas); relaciona-se ainda com as mídias capazes de 
estabelecer padrões rígidos de beleza moldando corpos e subjetividades. 
Aliás, o corpo, este espaço que percebemos como exclusivamente indi-
vidual, é também um espaço político. Vejam que hoje temos leis que coíbem 
e punem ações “privadas” sobre os corpos de mulheres e crianças, procu-
rando protegê-las da agressão doméstica (quer dizer, daquele que ocorre 
no âmbito privado). Temos na Constituição brasileira leis que procuram pro-
teger pessoas a partir das suas marcas corporais, sejam étnicas, raciais ou 
por alguma deficiência física. 
Essa maneira de olhar para o corpo implica entendê-lo não apenas 
como um dado natural e biológico, mas, sobretudo, como produto de 
um intrínseco inter-relacionamento entre natureza e cultura. Em outras 
palavras: o corpo não é algo que está dado a priori. Ele resulta de uma 
construção cultural sobre a qual são conferidas diferentes marcas em 
diferentes tempos, espaços, conjunturas econômicas, grupos sociais, 
étnicos etc. (GOELLNER, 2010, p. 72).
120 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Estas marcas, ainda que naturais, só ganham significado pela linguagem. 
A forma como adjetivamos, ironizamos, respeitamos, nomeamos esses sinais 
diacríticos que os corpos trazem carregam as marcas da cultura, do social e, 
assim, do político.
•	 Gênero é político?
Os diferentes movimentos feministas provaram que sim. Ao lutarem por 
direitos iguais aos dos homens, muitas mulheres mostraram que as diferen-
ças naturais não justificavam as opressões sociais. Questionaram também 
determinados campos de saber, como a psiquiatria, a medicina social, que, 
entre outras ciências, asseveravam que as mulheres eram emocional e fisi-
camente mais fracas do que os homens. Bem, podemos nos perguntar: que 
mulher? Será que uma mulher negra, escrava, um dia foi vista por aqueles 
mesmos cientistas como pertencendo ao “sexo frágil”? 
A terrível prática dos estupros de guerra prova de maneira cruel o quan-
to o gênero pode se transformar em uma arma. Não é o fato de terem pênis, 
e mulheres, vaginas, que se justifica essa violência, mas a forma como de-
terminados homens entendem sua relação com o seu próprio corpo e como 
são ensinados a perceberem as mulheres.
Nosso próprio vocabulário de palavrões evidencia como aprendemos a 
entender a genitália masculina como legitimamente opressora e violadora. 
Basta fazermos uma lista de apelidos populares dados ao pênis para que o 
desnaturalizemos como mero órgão reprodutor para dar a ele o seu sentido 
cultural e social nas relações de gênero. Muitos destes termos estão associa-
dos a armas, a instrumentos de combate.
Enfim, a maneira como devemos performar o gênero que nos foi atribu-
ído não é uma questão pessoal; basta observarmos nossas reações diante 
de alunos e alunas que parecem não atender às expectativas relativas ao 
seu gênero. Não é raro ouvirmos que aquel@ jovem ou criança é “estranha”, 
“esquisita”, “suspeita”. Esta última atribuição normalmente está relacionada 
à sexualidade. Quando ouvimos (ou pensamos) que fulaninho ou fulaninha 
são suspeitos, do que exatamente estamos duvidando? Suspeitar é, neste 
contexto, desconfiar de uma possível falha. Qual seria ela? Arrisco dizer que 
duvidamos da heterossexualidade daquelas pessoas. Essa suspeita, não raro, 
desencadeia uma série de processos de exclusão social bastantes sensíveis 
dentro da escola. Em alguns casos, a violência simbólica deriva em violência 
física, o que, no limite, pode levar à “evasão involuntária”. Este é um conceito 
Desfazendo o gênero | 121 
cunhado por Luma Andrade, doutora em Educação e a primeira travesti bra-
sileira a ingressar como docente em uma Universidade Federal (Universida-
de da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira – UNILAB). 
Ou seja, não atender às expectativas de gênero pode derivar em uma 
série de exclusões sociais que são em si políticas, pois estamos no campo 
das relações de poder, considerando quem “pode” ser incluído na nossa 
sala de aula, quem não merece estar ali. Quem “pode” ser respeitad@ e 
quem não terá este direito.
Onde devemos defecar ou urinar, com quem podemos nos casar, qual 
nome estamos autorizados a usar, quem pode ter quantos filhos desejar e 
quem não pode? (caso da classe média, julgando o número de filhos que as 
classes populares têm). Ao respondermos estas perguntas, nos damos conta 
que todos esses temas relativos à sexualidade e ao gênero são antes ques-
tões de Estado que questões da biologia ou da conta de cada um, ou seja, 
o que ocorre no espaço privado e individualizado por excelência, o nosso 
próprio corpo, não escapa às normas coletivas e aos enunciados de poder.
Sendo assim, a discussão sobre o uso dos banheiros na escola não se 
trata de atender a “caprichos” de algumas pessoas, mas de um profundo de-
bate pedagógico suficientemente complexo para exigir que, antes de tomar 
posições taxativas ou propor receitas, precisamos refinar conceitualmente 
nossas percepções sobre gênero e sexualidade.
•	 Genitália define o gênero? 
Bem, aprendemos que sim, que se alguém tem vagina é menina/mulher e 
se tem pênis é menino/homem. Simples, como algumas/alguns de vocês co-
mentaram, só que não. O sexo genital não define gênero, até porque gênero 
é um construto social, ou não? Se muda de sociedade para sociedade, se se 
transforma ao longo da história, se tem conotações distintas dependendo 
da cultura, me parece, sim, que se trata de um construto. Será que somos 
sempre 100% mulheres ou 100% homens? Em alguns momentos, temos que 
agir a partir de referentes que são socialmente vistos como masculinos, por 
exemplo, sendo fortes e até violentas. O mesmo se passa com os homens. 
Bem, se gênero fosse uma derivação absolutamente natural da genitália, 
não precisaríamos reiterar constantemente os ensinamentos de gênero: 
“menino não chora”; “se senta como uma menina”; “menino não brinca de 
casinha”; “menina não faz estas coisas”... E como fica o caso, nada raro (mas 
122 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
muito silenciado), das crianças que nascem com genitália ambígua? (aquelas 
que eram chamadas de hermafroditas, mas que hoje são nominadas de in-
tersexuadas). Como elas podem até mesmo ter uma certidão de nascimento 
quando nascem com a genitália ambígua? Os médicos definem, mas nem 
sempre “acertam”, o que causa muitos problemas para as famílias, pois nosso 
corpo é bastante complexo e não ganha seu significado completo só por meio 
dos hormônios, genes, órgãos, mas também, e sobretudo, socialmente.
•	 Arquitetura tem gênero? 
Nossa arquitetura, por si só, é generificada e marcada por relações de 
poder. Assim, a instituição escolar não seria diferente. As salas de aula gri-
tam autoridade (basta ver como estão organizadas); anfiteatros explicitam 
a quem pertence a fala e quem deve apenas escutar; a ausência de rampas 
nas ruas dizem em silêncio a quem o espaço público deve pertencer. Os 
banheiros expressam materialmente nossa visão degênero. 
Nossa pedagogia de gênero insiste que banheiros precisam ser sepa-
rados porque ensinamos às meninas que meninos são perigosos e elas são 
presas fáceis; e ensinamos aos meninos que eles devem ser perigosos e 
ousados sexualmente. Portanto, a discussão sobre banheiros não é sobre 
banheiros para homo e heterossexuais, mas sobre como ocupamos os espa-
ços públicos a partir de um lugar de gênero. 
Por exemplo, uma mulher que decide à noite sentar-se à mesa de um 
bar para beber sozinha uma cerveja será vista como “disponível”, em busca 
de uma aventura, e pode ser, assim, assediada, ter seu espaço invadido por 
homens que supõem que é isso que ela quer e busca. O mesmo pode se 
passar com uma mulher que deseja sentar-se sozinha em um banco de praça 
em plena tarde de domingo para desfrutar do prazer de estar ao sol, lendo 
uma revista ou um livro. Ou seja, o espaço público não pode ser usufruído 
da mesma forma por homens e mulheres. Sabemos que se por um acaso 
alguma dessas mulheres dos exemplos que usei forem agredidas não será 
difícil que elas sejam vistas como culpadas pela violência sofrida e não como 
vítimas de um regime machista que restringe o uso do espaço público às 
mulheres. E pior, o faz em completo silêncio. Não há leis que proíbam mu-
lheres de se ir a bares ou bancos de praça sozinhas.
Os meios de comunicação de massa têm sido canais potentes de 
reafirmação de lugares de gênero essencializados, como também de 
Desfazendo o gênero | 123 
transformação de nosso olhar. Uma série como “Malu Mulher”, que foi ao ar 
pela Rede Globo no final dos anos 1970, foi capaz de pautar na cena pública 
uma série de discussões que acreditávamos serem privadas e individuais 
relativas às relações de gênero, tais como o direto das mulheres ao prazer 
sexual, de terem seu trabalho doméstico reconhecido e valorizado, de po-
derem trabalhar fora sem sofrer represálias em casa, de serem reconhecidas 
profissionalmente e, talvez o mais polêmico para a época, de poderem se 
separar sem ter sua moral destruída socialmente. 
Hoje em dia esta influência se intensificou graças ao aumento de acesso 
e à proliferação de canais midiáticos, de maneira que não podemos des-
considerar esse influente campo de pedagogização de gênero e a maneira 
como ele entra nas nossas salas de aula. Podemos tê-los como aliados, ao 
invés de apenas demonizá-los, acionando a já gasta frase que prega ser 
“tudo culpa da mídia”, como se esta não fosse produto de nossas próprias 
relações. É sobre essa maquinaria sedutora e sua relação com nosso tema 
neste capítulo que versa a próxima unidade.
UNIDADE 3
Gênero na mídia – e a escola com isso?
Mocinhas e heróis: a vida em preto e branco
No documentário intitulado Filmes ruins, árabes malvados: como 
Hollywood vilificou um povo (ver referência no box de dicas de material au-
diovisual), o diretor Sut Jhally40 mostra como o cinema norte-americano foi 
capaz de, ao longo de 100 anos de produções, fixar no imaginário ocidental 
uma visão estereotipada dos povos árabes como sendo, sobretudo, com-
posto de homens barbudos, um tanto sujos, malvados, ardilosos e violentos, 
inclusive com suas próprias mulheres, que são tratadas de forma submissa 
e aviltante. 
40 O documentário é baseado em livro homônimo escrito por Jack Shaheen, professor da 
Universidade de Ilinois e estudioso do assunto.
124 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Os estereótipos são descritores potentes, mas perigosamente simplifi-
cadores, que acabam por fomentar visões preconceituosas sobre aquele de 
quem se fala. Nas palavras de Janaína Damasceno,
produzir estereótipos serve para a manutenção tanto da ordem social 
quanto da ordem simbólica de nossa sociedade. As dificuldades im-
postas pelo seu uso se referem ao seu caráter de reduzir, essencializar, 
naturalizar e fixar a diferença do Outro. Para tanto, o estereótipo usa a 
“cisão” como estratégia. Ele divide o normal e o aceitável do anormal 
e do inaceitável. Então exclui ou expele tudo aquilo que não se adapta, 
que é diferente (HALL apud DAMASCENO, 2008, p. 3).
Logo nos primeiros momentos do documentário de Jhally vemos as ce-
nas de um dos clássicos da Disney, Aladim (1992). O desenho começa com 
uma canção que diz: “Venho de um país, de uma terra longínqua, onde va-
gam as caravanas de camelos, de onde cortam sua orelha, se não gostam 
de sua cara. É bárbaro, eu sei, mas, hey, esse é meu lar”. O apresentador do 
documentário, o professor Jack Shaheen, então nos interroga: “como um 
produtor com o mínimo de inteligência, com uma sensibilidade mínima, per-
mite que uma canção assim inicie um filme?”.
Esses exemplos iniciais, aparentemente descolados da questão de gê-
nero, nos ajudam a dar uma dimensão crítica e abrangente aos produtos cul-
tuais, sejam desenhos animados, contos de fadas, filmes diversos, romances, 
novelas, e até propagandas de TV. Trouxe-os a fim de propor que agucemos 
nosso olhar, que aprendamos a ler as várias camadas de significados que 
compõem e conferem sentido a essas produções. Assim, podemos pensá-
-las não apenas como nocivas, mas nos aproveitarmos delas para fazer pen-
sar. Afinal, atualmente não temos como
esquecer [...] a sedução e o impacto da mídia, das novelas e da publi-
cidade, das revistas e da internet, dos sites de relacionamento e dos 
blogs? Como esquecer o cinema e a televisão, os shopping centers 
ou a música popular? Como esquecer as pesquisas de opinião e as de 
consumo? E, ainda, como escapar das câmeras e monitores de vídeo e 
das inúmeras máquinas que nos vigiam e nos “atendem” nos bancos, 
nos supermercados e nos postos de gasolina? Vivemos mergulhados 
em seus conselhos e ordens, somos controlados por seus mecanismos, 
sofremos suas censuras. As proposições e os contornos delineados por 
essas múltiplas instâncias nem sempre são coerentes ou igualmente 
Desfazendo o gênero | 125 
autorizados, mas estão, inegavelmente, espalhados por toda a parte e 
acabam por constituir-se como potentes pedagogias culturais (LOURO, 
2008, p. 19).
Quero que vocês se concentrem bastante na ilustração que escolhi para 
pensarmos sobre essas formas quase “inocentes” de pedagogizar os gêne-
ros. As imagens também são textos e precisamos treinar esta leitura, assim 
como ensinar essas leituras para nossas alunas e nossos alunos.
Figura 2 Montagem de Bruno Braga.
O que eu leio nesta imagem, que deve ter recebido umas 100 curtidas 
no Facebook, é que o homem fala; o homem é ativo; homem que é homem 
é dono de si e de uma mulher e usa violência legitimamente se for preciso 
para garantir estas posses. 
Mas, vejam, não é qualquer projeto de masculinidade que vemos aí (por 
isso eu dizia mais acima que aqueles filmes não falam só de regimes políticos 
ou de pertencimento racial, mas também de projetos de gênero). Trata-se 
de uma masculinidade branca, burguesa, classe média, engravatada, com 
poder de consumo... Uma masculinidade que está acostumada a oprimir 
outras masculinidades e muitas feminilidades. Gênero, sexualidade, classe 
e raça são marcadores sociais que estão sempre relacionados, ainda que 
muitas vezes não os percebamos assim.
Essa imagem nos ajuda a entender que gênero é algo que se aprende a 
partir de pedagogias domésticas, escolares e midiáticas. Vocês sabem que 
aprendemos a sonhar, a desejar, a recusar, vendo filmes, novelas, propagan-
das. Claro que nossas alunas e nossos alunos também agem desta forma. 
Aprendem, por exemplo, que rosa é cor de menina e azul de menino vendo 
as persistentes propagandas de brinquedos. Sonham em serem mais bem 
126 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
aceitas ou aceitos se conseguirem se parecer com ídolos da música pop, as-
sim como aprendem que ser igual ao “gay da novela” ou à “piriguete” é algo 
ruim. Quase sempre, personagens assim funcionam a partir de estereótipos, 
são tipos e não seres humanos complexos, como, aliás, somos tod@s nós. 
Os materiais didáticos são também importantes fontes de referências.Orientam nosso olhar e moldam nossos valores a partir de mensagens apa-
rentemente simples e inocentes. Quando, por exemplo, trabalhamos com 
uma cartilha na qual a família é toda branca, mora em uma casa de alvenaria, 
é formada por pai, mãe e por um casal de filhos e a lição se chama “A família 
feliz”, @s alun@s vão aprendendo que esse é o modelo desejável, e que nem 
sempre ele se parece com a sua própria família. Ao desconsiderarmos outros 
arranjos domésticos, os desprestigiamos também, vamos construindo silen-
ciosamente fronteiras entre o norma = desejável e o anormal = desprezível.
Uma das professoras que participou do curso de formação continuada 
GDE, ofertado pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), trouxe um 
exemplo que nos ajuda a seguir com essa reflexão. Escreveu ela em um dos 
fóruns de debates:
[...] Hoje, durante uma capacitação de determinado sistema de ensino 
(que o município em que atuo como profª e coordenadora vai adotar), 
estive diante de uma situação de claro equívoco. Numa apostila (para 
crianças de Pré II – 5 anos) havia a imagem de um quarto, com cama, ta-
pete, abajur, boneca, ursinho etc. No rodapé havia uma pergunta: “Este 
quarto é de menina ou menino?”.
A cursista e professora, autora da postagem acima, levou em frente essa 
discussão com as(os) colegas, que não sabiam exatamente como conduzir a 
turma para a resolução “correta” do exercício.
Bem, a primeira questão que aparentemente está posta nesse treina-
mento é a de educar para exercer “corretamente” os lugares de gênero: 
coisas de menino X coisas de menina; comportamento de menino X com-
portamento de menina; do que gostam (ou devem gostar) meninos X os 
gostos de meninas. 
Mas se mudarmos nosso olhar, mudamos também a pergunta, ou melhor, 
vamos elencar uma série de outras perguntas que estão silenciadas pelo 
enunciado desse exercício proposto no curso de “capacitação” (permitam-
-me colocar entre aspas, pois tenho dúvidas sinceras sobre para o que e 
como se está capacitando com este tipo de dinâmica). 
Desfazendo o gênero | 127 
Creio que a primeira pergunta sobre a ilustração do quarto pouco tem 
a ver com gênero, mas com outro importante marcador das diferenças so-
cialmente impostas: a diferença de classe social. Creio que a pergunta que 
mais faria sentido para nossas alunas e nossos alunos seria se aquele quarto 
é de “rico” ou de “pobre”, para usarmos a linguagem do senso comum. 
Quantas crianças que estão hoje nas escolas públicas têm um quarto indi-
vidual e inteiramente decorado? Quantas dormem em uma cama sozinhas, 
sem ter de dividi-la com a mãe, a tia, algum dos irmãos? Podemos continuar 
perguntando, mas não quero ser exaustiva. Voltemos ao ponto de torção 
que considero importante. 
Em um exercício como o proposto àquelas professoras e aqui narrado 
pela cursista, estamos aprendendo a ver, a ler imagens, mas também esta-
mos aprendendo (e posteriormente ensinando) sobre silêncios. Silenciamos 
sobre as diferenças de classe em uma atividade como esta, mas também 
silenciamos sobre as inúmeras possibilidades de se viver em família, de se 
experienciar o gênero e mesmo a raça e a etnia. Ensinamos que existe um 
modelo “certo” de se viver, morar, dormir, organizar a vida doméstica e de 
enfeitar o ambiente. Quer dizer, quem não consegue enxergar ali um quarto 
de menina, errou, pois aquele quarto tem muitas outras informações. NÃO 
é um quarto de uma criança das classes populares, NÃO é um quarto de 
uma criança indígena, NÃO é um quarto onde dormem meninos e meninas, 
NÃO é um quarto de uma criança católica... e por aí vai. De quem será então 
este quarto? De uma hipotética menina perfeitamente ajustada ao modelo 
hegemônico de gênero, classe e raça, como costumam ser as princesas dos 
desenhos da Disney. 
Quando oferecemos às nossas crianças e adolescentes uma pluralidade 
de estórias, estamos também ofertando um mundo mais diverso de possibi-
lidades de verem o mundo e de se verem nele. Vejam, a única princesa negra 
da Disney nem sequer era uma princesa, mas uma jovem empreendedora 
que sofreu um encanto e se transformou em sapa, voltando à forma huma-
na com a ajuda de encantamentos e, claro, de um sapo/príncipe fanfarão e 
meio falido, proveniente de uma país “exótico”. Nada de príncipes europeus 
e heroicos para a humilde e batalhadora Tiana de A Princesa e o Sapo (2009). 
Sim, pela primeira vez meninas negras puderam se ver como heroínas 
de contos de fada – não podemos desprezar este fato –, mas quando essa 
possibilidade apareceu, lá estavam elas como mulheres submetidas ao tra-
balho árduo e à condescendência dos brancos. Pelo menos saímos do clichê 
128 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
mocinha cordata e meiga, à la Cinderela, e mocinhos galantes e valentes, do 
tipo que monta cavalos brancos e parece não ter uma mácula, nem em suas 
roupas, nem em sua vida, para uma trama mais nuançada.
Em um vídeo imperdível gravado a partir de uma palestra que realizou, 
a escritora nigeriana Chimamanda Adichie nos alerta para os perigos das 
estórias/histórias únicas (ver a referência nas dicas de materiais audiovisuais 
no final deste capítulo). Ela conta que foi uma leitora e uma escritora preco-
ce. Filha de profissionais liberais, lia avidamente livros ingleses, herança dos 
anos de colonização britânica em seu país, a Nigéria, leituras que impregna-
vam sua imaginação infantil e a estimulavam a contar, ela também, estórias. 
Mas como só lia livros que falavam da realidade britânica, suas narrativas 
ficcionais falavam de neve, frutas europeias e de pessoas que nada tinham 
que ver com a realidade dela; porém, era bom poder viajar por meio dos 
livros. “Eu escrevia exatamente sobre o que lia”, revela a escritora. Essa ex-
periência foi tão significativa que, para ela, livros eram sempre estrangeiros. 
Por isso ficou gratamente surpresa quando descobriu diferentes escritoras e 
escritores african@s e assim encontrou a si mesma nas páginas que antes só 
tinham pessoas de olhos azuis e peles brancas. Isso mudou sua mentalidade, 
pois aqueles livros a salvaram “de uma história única”, de ser invisível para a 
literatura, de não poder ler ou escrever sobre pessoas e coisas nas quais se 
reconhecia.
Adichie conta, ainda, que aos 19 anos foi estudar em uma universidade 
norte-americana e que lá sua colega de quarto logo a olhou com imensa 
compaixão, pois imaginou a fome que Chimamanda Adichie havia passado, 
de como deveria ter tido uma vida precária longe da “civilização” (que pelo 
menos desde as Grandes Navegações está associada à branquitude). Quis 
saber onde sua colega africana havia aprendido a falar tão bem inglês, como 
tinha conseguido estudar e se preocupou se ela saberia usar um fogão. 
Interessante é que não aprendemos a ver a moça norte-americana como 
ignorante (no sentido lato de ignorar fatos), pois ela nem sequer sabia que a 
Nigéria havia sido colônia britânica, daí o inglês de Adichie, ou que se trata 
de um país que tem hoje uma das economias que mais cresce no mundo, 
que é o mais populoso da África, onde é uma potência regional. Mais fácil 
para nós seria reproduzir a “arrogância bem intencionada” (palavras de Adi-
chie) da estudante branca, pois, como ela, nós também só tivemos acesso à 
história única, aquela que trabalha com os estereótipos, que é unidimensio-
nal, maniqueísta, aquela que deixa a vida monocromática.
Desfazendo o gênero | 129 
Como Chimamanda Adichie, não creio que ler livros estrangeiros ou ver 
novelas das oito ou ler estórias de princesas loiras seja um problema por si. 
Como ela, penso que o problema se dá justamente quando ficamos limita-
das e limitados a um único tipo de mensagem, não importa o meio pelo qual 
esta seja veiculada. 
Mariana Barros, psicóloga e antropóloga, inicia sua tese de doutorado 
contando sobre seu trabalho em uma Escola Municipal infantil em um bair-
ro da periferia da cidade de Ribeirão Preto (SP). Como estagiária cabia-lhe, 
entre outras atribuições, reunir-se coma criançada no pátio para contar estó-
rias. Mariana ficava um tanto frustrada por não conseguir toda a atenção das 
crianças, mas se sentia acolhida por elas, que logo começaram chamá-la de 
“tia sereia”. Ela ficou intrigada com o apelido e argumentou, certa feita, que 
não tinha cabelos ruivos como os de Ariel, a pequena sereia dos filmes de 
Disney; além disso, ela tem pernas. Intrigada com o novo apelido, resolveu 
perguntar ao seu supervisor de estágio o que aquilo poderia significar. “Ma-
riana, esta sereia está mais para Iemanjá do que para outra coisa” (BARROS, 
2010, p. 22). 
A curiosidade de Barros só aumentou. Foi então que ela procurou saber 
mais do universo mitológico das religiões de matriz africana. Percebeu logo 
que não havia livros infantis que contassem estes contos. Teve que usar a 
imaginação, pois percebeu que ali havia todo um mundo rico e imaginativo 
que parecia falar mais de perto às crianças do que suas estorinhas, que não 
prendiam muito a atenção. Fez fantoches representando as figuras dos ori-
xás e passou a contar seus mitos. 
Na primeira apresentação, estava rodeada de nada mais, nada menos, 
do que quarenta crianças. Para chamar-lhes a escuta em minha direção, 
iniciei com um sonoro “Cabrum!”, e mais outro e mais outro, simulando 
o barulho do trovão evocado por Xangô. Todos silenciaram e abriu-se 
espaço para a primeira história: “Xangô, o rei trovão”. 
[...] 
Mal comecei a história, um dos meninos perguntou: “Tia, Xangô era 
preto?”. Quando afirmei que sim, ele repetiu: “Preto assim, tia? Preto 
que nem eu?”, apontando para sua pele. Reafirmei. O menino levantou 
apressado, saiu correndo com os braços para o alto e o sorriso nos lá-
bios, encarnando legitimamente um rei-herói: “Eu sou rei! Eu sou o rei 
do trovão!” (BARROS, 2010, p. 23).
130 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Talvez, aquela tenha sido a primeira vez que o aluno de Mariana Barros 
pode se orgulhar de ser negro e de ter referências positivas relacionadas à 
negritude. A psicóloga não pretendia converter-se nem converter ninguém 
com suas estórias de orixás, mas ampliar a imaginação da garotada. Não 
foi propriamente fácil fazer isso, pois logo deparou-se com a escassez de 
material didático e, por sorte, não se deparou com resistências religiosas 
dentro da escola ou vinda dos pais. Mas se tivesse se deparado, como ela 
poderia proceder?
Não há uma única resposta para esta pergunta, mas existem condutas 
para as quais devemos estar atentas e atentos. Uma delas é levar nossos 
projetos ao conhecimento da coordenação/direção, defendê-los e pedir 
respaldo e apoio. Convidar pais e mães para vir eles mesmos, ler as estórias 
ou ouvi-las. Mesmo que não venham, serão comunicados do que estamos 
fazendo e do por que o fazemos, além de se sentirem mais integrados. Não 
estou afirmando que isso resolve o problema, apenas sugerindo que são 
passos que podem evitar desentendimentos. 
Gênero na mídia, diálogos possíveis e tensões necessárias
As estórias infantis alimentam nossa imaginação tanto quanto nos forne-
cem modelos morais, éticos e identitários, não só de gênero, mas também 
relativo a outros lugares sociais: como ser uma boa criança; o que é uma boa 
mãe ou um bom pai; como devemos nos comportar como alunos(as), a ser 
mulher e a ser homem.
Vamos aprendendo a ser sujeitos generificados desde o momento em 
que nascemos, e essa aprendizagem ocorre não somente nas institui-
ções sociais formais como a família e a escola. Ela acontece também 
através da mídia, dos brinquedos, das músicas e dos desenhos anima-
dos que integram este universo infantil (RAEL apud BELELI, 2010, p. 65).
Contemporaneamente, talvez as mensagens que mais eficazmente atu-
am como referentes morais, valorativos e identitários venham do campo da 
publicidade. A linguagem conotativa e apelativa da propaganda é, além de 
sedutora, ligeira, rápida, mas impregnada de significados, cheia de signos 
que nos permitem, como educador@s, explorá-la grandemente. Afinal, 
como afirma Ruth Sabat, 
[a] publicidade é um dos artefatos que estão inseridos em um conjunto 
Desfazendo o gênero | 131 
de instâncias culturais e como tal funciona como mecanismo de re-
presentação, ao mesmo tempo em que opera como constituidora de 
identidades culturais. Muito mais do que seduzir o(a) consumidor(a), ou 
induzi-lo(a) a consumir determinado produto, tais pedagogias e currícu-
los culturais, entre outras coisas, produzem valores e saberes; regulam 
condutas e modos de ser; fabricam identidades e representações; 
constituem certas relações de poder (SABAT, 2001, p. 10).
A análise que nos oferece Iara Beleli, a partir de uma peça publicitária, 
nos ajuda a perceber como, mesmo sem sermos consumidor@s das merca-
dorias postas à venda pelos anúncios, somos consumidores de suas mensa-
gens e nos orientamos, em maior ou menor grau, por elas.
Figura 3 “Um sujeito careca e desdentado me convenceu a fazer um 
seguro”.
As fotografias apontam para diferentes enquadramentos – a primeira 
centrada na bunda, a segunda na face. Se ambas as imagens mostram 
bebês desnudos, a nudez quando vinculada à “mulher” transforma a 
ausência de vestimenta (uma primeira definição do substantivo nudez) 
em adjetivo. Na segunda imagem, essa mesma nudez não é mencio-
nada, em seu lugar aparece o “sujeito” que faz a ação. As imagens, 
sozinhas, não permitem afirmar o sexo dos bebês, a diferença sexual 
é explicitada quando articulada ao texto, ecoando as afirmações de 
Judith Butler (2002), que o sexo adquire sua materialidade através de 
um discurso engendrado [de gênero] (BELELI, 2010, p. 66).
Judith Butler, autora citada por Beleli, afirma que o gênero é discursivo, 
quer dizer, vai sendo construído por distintas linguagens que, mais do que 
descrevê-los, formam o que ele é. Vejamos. Quando o médico diz “é uma 
menina”, mais do que descrever o que viu no ultrassom, ele está oferecendo 
132 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
todo um roteiro cultural aos pais daquela criança. Provavelmente, saíram do 
consultório em busca de ornamentos rosados para o quarto do bebê, ima-
ginaram um futuro no quais profissões tidas como femininas serão elenca-
das, imagina-se um rapaz em seu futuro amoroso..., de forma que o gênero 
da criança já aparece estreitamente vinculado à sua genitália, como se ele, 
o gênero, derivasse da vagina ou do pênis e não destes tantos discursos 
normativos que nos ensinam persistentemente o que é ser uma “mulher de 
verdade” ou um “homem de verdade” (BUTLER, 2003).
A publicidade, mais do que nos manipular como se fosse uma força ma-
ligna e externa à sociedade, dialoga com as percepções coletivas, por isso 
seduz, pois não questiona ou entra em conflito, ao contrário, via de regra, 
reitera o senso comum, tratando as posições dominantes como se elas fos-
sem as únicas, as normais, as desejáveis. Isto se dá não só no campo das 
relações de gênero, mas são estas que nos ocupam neste capítulo, por isso 
nos concentraremos nelas. 
O cinema também é um canal potente e sedutor nesse sentido. Lembrei-
-me de uma comédia de grande sucesso do cinema brasileiro contemporâ-
neo, Se eu fosse você (2006), na qual os protagonistas (atores globais) trocam 
de corpo, revivendo uma clássica fórmula do cinema americano, na qual um 
ardente desejo conjugado com algum fenômeno meteorológico ou sobre-
natural faz com que as personagens passem a habitar uma o corpo da outra.
Assim, Cláudio (Tony Ramos) passa a ter o corpo de Helena (Glória Pi-
res) e vice-versa. A partir daí, uma série de situações confrontam os dois 
com os “papéis de gênero” (ver no box Questões persistentes um pouco 
mais a fundo este conceito) estabelecidos socialmente, criando situações 
embaraçosas e cômicas. O filme é divertido, mas absolutamente reiterador 
e naturalizador das relações sociais e de gênero. O fato de ser leve e cômico 
ajuda imensamente essa naturalização conservadora. 
Em uma das cenas finais, Helena e Cláudio, ainda com as almas trocadas(ou seriam os corpos?) conversam após a apresentação bem-sucedida do 
coral infantil regido por Helena, quer dizer, naquele momento foi ensaiado e 
regido por Cláudio. O sucesso da apresentação do coral se deveu pela ino-
vação e criatividade que Cláudio-Helena levou para o grupo. Helena-Cláu-
dio reconhece que o marido foi criativo. Tony Ramos, encarnando Helena, 
argumenta que mulheres são mais sensíveis e que isso ajuda na criatividade. 
Glória Pires, no papel de marido, fala da força dos homens. 
Desfazendo o gênero | 133 
•	 Depende o que você chama de força – retruca a esposa, ainda no corpo 
masculino.
•	 Estou falando de músculos! – enfatiza o marido de forma taxativa; vira-se 
e começa a subir as escadas da bela casa do casal.
•	 Só que você se esqueceu que agora os seus músculos agora estão co-
migo! – retruca Tony Ramos-Helena, subindo as escadas e entrando na 
suíte matrimonial.
•	 Na verdade, só músculos não quer dizer nada. O importante é saber 
usá-los – ensina com autoridade Glória Pires-Cláudio. 
Aí, faz uso de seus músculos: derruba a esposa na cama, gira sobre o seu 
próprio corpo quase que como um ninja e prende Tony Ramos-Helena entre 
suas pernas. Começa, então, a passar o cabelo de forma sensual, mas domi-
nadora sobre o rosto da esposa entregue. Terminam a “guerra dos sexos” 
fazendo sexo.
Claro que ao final, após muitas trapalhadas, o casal consegue desfazer 
a troca. O filme termina com tudo em seu “devido lugar”: ele dirigindo seu 
carro potente, utilitário e moderno; ela no banco de carona, concordando 
com as coisas que ele diz, como quem não quer assentir completamente. 
A voz em off é de Glória Pires e conclui o seguinte: “Mulher e homem são 
dois bichos estranhos”. Corta. Agora vemos o interior do carro, Cláudio, ao 
volante, completa: “Vênus e Marte, dois planetas diferentes”. E ela:
•	 É! – concorda, dando de ombros como quem constata uma verdade 
definitiva.
•	 Este é um problema que nunca vai se resolver – completa ele, divertido.
•	 É, concorda ela novamente, emendando: não é um problema que tenha 
solução.
•	 Porque, na verdade, não é nem mesmo um problema!
•	 É!! – concordam em uníssono.
•	 É a vida! – falam outra vez, juntos.
Ou seja, o mundo das relações de gênero é assim, não muda! Não há 
o que fazer, aliás, para mudá-lo, pois “é a vida”! Uma vida na qual homens 
e mulheres são criados para se perceberem como absolutamente distintos 
e não parceiros. São até mesmo de planetas diferentes. O homem, sempre 
superior e mais centrado do que a mulher, veio do planeta Marte, deus mito-
lógico da guerra. A mulher, de Vênus, deusa do amor, seria aquela mais frágil 
134 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
emocionalmente, por isso mesmo preocupada com questões menores e um 
tanto egoístas. Quer dizer, a falta de compreensão entre homens e mulheres 
pouco tem a ver com a forma como somos educadas e educados, mas pelo 
fato de virmos de mundos diferentes e hierarquizados. Custo a entender 
como isso pode contribuir para que tenhamos casais heterossexuais mais 
felizes, famílias com menos violência doméstica, homens mais solidários e 
mulheres mais maduras. Ou não é isso que queremos?
O irônico é que ao biologizar e naturalizar o que é social e político, 
como o gênero, a direção do filme (Daniel Filho) mostra também o quanto o 
gênero é performativo: quer dizer, um aprendizado constante que faz com 
que incorporemos, literalmente, discursos, normas e convenções sobre os 
gêneros. Isso fica claro na forma como ambos os atores (sem querer tirar-
-lhes o mérito profissional) são capazes de incorporar outro gênero, mesmo 
mantendo-se com os seus próprios corpos.
O interessante é que quando, em uma das ofertas do curso de forma-
ção continuada GDE, pedi uma resenha d@s cursistas a partir do filme em 
questão, o que se passou, apesar das muitas leituras e discussões já feitas, 
foi uma comemoração à produção global. As pessoas acharam o filme di-
vertidíssimo, riram o riso conservador, sem nenhum momento rir do esforço 
que se fez o filme inteiro para provar que homens são de Marte e mulheres 
de Vênus. 
Menciono esse fato porque acho que nos ajuda a pensar como estamos 
lidando com estes produtos culturais. Como estamos contribuindo (ou não) 
para que nossas alunas e nossos alunos sejam capazes de duvidar do riso 
conservador. O quanto acabamos sendo cúmplices de processos pedago-
gizadores que fomentam violências simbólicas enquanto fingem só querer 
nos divertir.
Ninguém, naquele grupo, atentou para o fato de que o filme não fala-
va só de gênero, mas também de classe social. As mulheres e os homens 
ali eram todos brancos, com filhos e filhas estudando em escolas privadas, 
residindo em casas com piscina, dirigindo carros caros e vivendo em uma 
grande cidade. Mas isto também não foi observado: o fato de que mulhe-
res das áreas rurais talvez tenham os mesmos “músculos” que Cláudio, pois 
precisam deles desde muito novas, não parece ser relevante. Mais fácil é 
pensarmos como presas, todas, a uma anatomia que traça destinos iguais, 
tampouco se observou que homens pobres e não brancos são muitas ve-
zes feminilizados por serem vistos como inferiores e menos racionais. Ou 
Desfazendo o gênero | 135 
seja, o filme deu visibilidade apenas a um segmento pequeno da sociedade 
brasileira, mas não o tratou como minoria, ao contrário, o apresentou como 
sendo a norma.
Vocês podem achar que estou forçando a barra, mas quero convencê-
-l@s de que não. O humor, elemento central do filme descrito, é um potente 
elemento de reiteração da ordem. Pode também funcionar como transgres-
sor, mas, no nosso cotidiano, o temos acionado muito mais com o primeiro 
propósito. Basta que prestemos atenção em nossas piadas. Quais são os 
temas mais recorrentes? Pensaram? Há um vasto arsenal de chistes sobre 
negros, pobres, mulheres, gays. “Coincidentemente”, grupos sociais que 
foram historicamente subalternizados pelos saberes dominantes. 
O riso funciona, no filme em questão, como uma espécie de distencio-
nador dos conflitos entre mulheres e homens, mas também como um rei-
terador desses lugares apresentados como antagônicos e cristalizados no 
tempo. Mas nós, educadoras e educadores, precisamos, sim, levar o humor 
muito a sério. Por exemplo, como lidar com as piadinhas desqualificadoras 
em sala de aula? Sabemos que reprimi-las, fazer “sermões”, tendem apenas 
a reforçá-las. Talvez um bom caminho seja usar a própria mídia para descons-
truir algumas posições naturalizadas, transgredir o riso conservador. 
Beijo de novela, do que temos medo quando a sexualidade entra em sala?
Uma professora, cursista do GDE, conta que, juntamente com um colega 
de trabalho, resolveu aproveitar o furor estabelecido em sala com o último 
capítulo da novela Amor à vida (Rede Globo, 2013) e fazer uma discussão so-
bre a cena motivadora daquela falação toda. Tratava-se do badalado “beijo 
gay”. Na cena, um casal de rapazes, que está vivendo maritalmente já há al-
gum tempo, se beija na boca (de boca fechada, nada de beijo de língua). No 
momento do beijo, os relógios, acertados pela hora de Brasília, marcavam 
mais de 22 horas. Acho importante registrar esse dado, pois sabemos das 
restrições jurídicas para a transmissão de determinados programas e cenas 
por meio televisivo. Assim, se as crianças viram não foi porque passou em 
horário de programação livre, mas porque suas famílias permitiram.
A turma em questão era composta de meninos e meninas na faixa dos 
9 anos de idade, mas com claras posições relativas à cena do beijo. A crian-
çada se mostrava avessa àquela manifestação de afeto entre dois homens. 
Tanto meninas quanto meninos usaram adjetivos desqualificadores para se 
referirem aos personagens gays e mostraram asco pelo beijo. A professora 
136 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
e o colega que a acompanhava naquele dia perguntaram por que aquele 
beijo, que era uma demonstração de amor, parecia nojento e o beijo dado 
pela atriz BárbaraPaz em um rapaz, que encarnava um personagem de ín-
dole duvidosa, não o era? Ela e ele queriam apenas prosseguir a discussão, 
interrogando a turma, tão afoita diante do desfecho da trama, sobre o por-
quê de um ato de carinho ser recusado e o outro ser recebido com quase 
indiferença.
A professora remontou a cena em que cada beijo foi dado. Na primeira, 
os rapazes se olham com ternura, trocam palavras doces e desejam um ao 
outro um dia feliz. Então, se beijam (de boca fechada) e se separam para que 
cada um assumisse seus afazeres. Um deles cuidava de um restaurante de sua 
propriedade, e o outro cuidava da sua própria pousada e do pai inválido. Um 
pai que o recusou a vida toda, justamente por conta da sexualidade do filho. 
O beijo “hétero” se deu quando a protagonista da cena abandona o 
noivo no altar, pois iria se casar com ele por interesse financeiro. Foge do 
cartório levando pela mão o rapaz que diz amar. Na cena seguinte, o ca-
sal aparece em um espaço público da cidade de São Paulo, beijando-se, 
abraçando-se com furor sexual. Ela tem a maquiagem borrada e o vestido 
de noiva rasgado, ele está sem camisa. Ambos correm, param, se beijam 
novamente, de modo voraz. Parecem alterados. Mas talvez seja o amor, não?
Ao descrever as cenas com palavras que deslocavam valorativamente 
cada uma das manifestações de afeto, a professora também as ressignificou, 
o que fez com que a turma tivesse a oportunidade de “ver” a mesma cena 
de novo, mas por outro prisma. Não interessava àquela professora promover 
o beijo gay ou o hétero, mas sim promover uma outra reflexão para as formas 
como nos relacionamos, como vemos a diferença e a tratamos. Por que a 
diferença se tornará, no burburinho da sala, um defeito? Ela deu a eles a 
oportunidade de não ficarem com a “estória única”.
Porém, há ainda uma pergunta que não quer calar: por que foi o beijo 
entre rapazes aquele que causou nojo e críticas severas das crianças? A per-
gunta é retórica, pois sabemos a resposta. Ela tem a ver com gênero, mas 
também com sexualidade. 
Ainda que a sexualidade seja tema para o próximo capítulo, creio que 
vale a pena antecipar algumas discussões aqui, mesmo porque gênero e se-
xualidade, já disse diversas vezes aqui, ainda que não sejam a mesma coisa, 
são temas extremamente relacionados. 
Desfazendo o gênero | 137 
Vamos começar pela cena do beijo do casal heterossexual. Creio que a 
(não) reação das crianças diante da cena relaciona-se com a visibilidade le-
gítima e prestigiosa pela qual aprendemos a respeitar a heterossexualidade. 
Os produtos culturais (filmes, romances, novelas, propagandas), as 
reuniões familiares, os espaços de lazer, promovem e cultuam as parcerias 
heterossexuais e os corpos bem-conformados aos padrões binários, raciais 
e estéticos, de maneira que naturalizamos esses privilégios entendendo-os 
como normais e naturais, e não como construções políticas que relegam às 
margens aqueles e aquelas que não se adéquam, não se conformam, não 
conseguem ou mesmo recusam esses limites. Assim, os transformamos em 
“MINORIAS”, quer dizer, minoramos suas reivindicações, seus problemas, 
suas angústias (lembram-se que Helena e Cláudio, mesmo fazendo parte de 
uma minoria social, foram tratados como maioria cultural?).
Assim, fomos aprendendo a ver homossexualidade como anormal. A 
primeira pergunta talvez seja: Como chegamos a considerar alguma coisa 
normal? Por que certos comportamentos são entendidos e classificados 
como anormais? Por meio de quais saberes, de quais discursos, formamos 
esses conceitos? Como crianças de 9 anos de idade aprenderam que um 
beijo entre dois homens que se amam é asqueroso e um entre uma mulher e 
um homem é bom, permitido e, até, bonito? 
No caso dos comportamentos sexuais, pelo menos desde o século XIX, 
as sociedades ocidentais, ou as que seguem seu modelo, alocaram a sexua-
lidade no terreno da psicologia e da medicina, deslocando-a do campo mo-
ral da religião. Se neste último campo as práticas sexuais entre pessoas do 
mesmo sexo podiam implicar em pecado, no campo científico elas se trans-
formaram em anormalidade, em patologia, podendo, assim, ser curadas. O 
campo jurídico também deu sua contribuição no sentido de penalizar as se-
xualidades dissidentes da norma burguesa, leia-se: heterossexual, monogâ-
mica (pelo menos em tese), procriativa e monitorada por saberes médicos. 
Assim, não só homossexuais corriam risco de serem processados, presos 
e submetidos a intervenções cirúrgicas como a lobotomia, mas prostitutas, 
crianças “masturbadoras” e pessoas da classe operária (considerada promís-
cua pela burguesia) podiam ser igualmente punidas, vigiadas, esterilizadas.
Desse modo, a sexualidade passou a constituir-se cada vez mais a pró-
pria verdade do sujeito. Ele (sujeito) era o que ela (sexualidade) o transfor-
mara. Desde então, heterossexualidade e normalidade estão profundamen-
te associadas, de maneira que tendemos a não saber como lidar com os 
138 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
gêneros que escapam ao binário e/ou com as sexualidades dissidentes da 
norma heterossexual. A tendência é recusarmos em nós e/ou nos outros es-
ses “desvios”, percebendo-os como anomalias, erros, falhas que só podem 
acarretar em infelicidade. E acabam acarretando mesmo, como uma profecia 
autorrealizada, uma vez que passamos a tratar essas questões como proble-
ma, e não como uma possibilidade outra de vida, de amar, de se relacionar. 
Não sabemos sonhar, idealizar, educar fora desse registro heterossexualida-
de, a qual, por sua vez, associamos a uma perfeita conformidade entre sexo 
genital, gênero social e desejo sexual. 
Há, assim, um grande mito de que pessoas homossexuais são vorazes 
sexualmente (mesmo quando ainda são crianças). Há também a crença 
difundida de que estas pessoas não são normais ou sanas, que são con-
traventoras. Assim, muit@s de noss@s alun@s não querem se associar a 
ninguém que tenham estas marcas com receio de serem confundidos como 
sendo também homossexuais. Cabe a nós ressaltar o que noss@s alun@s 
que escapam à norma heterossexual têm de positivo, valorizar o que fazem 
bem, incluí-l@s em atividades prestigiosas, mas sem vitimizar estas pessoas. 
Tratar os diferentes como iguais pode ser injusto (por exemplo, querer que 
um aluno com paralisia infantil jogue futebol com os demais), mas tratar a 
diferença como parte da realidade da escola e da vida, mostrando que há 
espaço para ela (por exemplo, o aluno com paralisia pode não ter o mesmo 
desempenho que os outros na hora do drible, mas pode ser um ótimo go-
leiro, para tanto é preciso que a chance seja dada, ou pode se destacar em 
outras modalidades).
Trabalhar com produtos midiáticos pode nos dar uma excelente oportu-
nidade para adentrar nestes temas, o que não diminui o desafio, mas, cer-
tamente, aumenta o prazer e o interesse de quem ensina e aprende. Pode 
nos ajudar, inclusive, a tirar a sexualidade do marco do perigo, da doença 
e do risco, porque é quase sempre assim que ela entra na escola, seja para 
falar de aids e doenças sexualmente transmissíveis, seja para falar dos peri-
gos da gravidez na adolescência. Quase nunca falamos de sexo como fonte 
de prazer e de estabelecimentos de vínculos. Perdemos a oportunidade de 
falar com nossas alunas e alunos sobre algo que acontece todos os dias sob 
nossos narizes: os encontros, os beijos, o desejo, os namoros. Abordando-os 
como questões sérias, porque delicadas, pois envolvem sentimentos e afe-
tos, mas também aprendizados, dos quais, por despreparo ou moralismos, 
deixamos de participar.
Desfazendo o gênero | 139 
Também deixamos de problematizar, como assunto digno de figurar no 
currículo, as chacotas que minoram marcas de classe, raça e gênero ou as 
violências ocorridas nos portões da escola, nos banheiros e pátios. Natu-
ralizar ou assumir uma postura de pretensa neutralidade não faz com que 
os problemas desapareçam ou diminuam, mas podem nos fazer cúmplices 
involuntári@s de violênciasque podem terminar em evasão escolar.
Por fim, aposto grandemente no trabalho com mídias diversas em sala de 
aula, pois nos valendo dos diversos produtos culturais temos mais chances 
de provocar as turmas a também contarem suas histórias com protagonismo 
e criatividade. Podemos, assim, lidar com linguagens distintas e estimulan-
tes e nos surpreender positivamente com os produtos que noss@s alun@s 
podem elaborar. 
Trazer o cotidiano vibrante e colorido da publicidade para dentro da sala 
de aula pode ser um excelente mote para pensarmos criticamente sobre po-
breza e riqueza, e assim sobre desigualdades sociais e direitos civis, além de 
oferecer material estimulante para pensarmos questões de gênero, raciais, 
geracionais, religiosas. A música também pode ser um eficaz disparador de 
discussões. Pensei no clássico Paula e Bebeto, de Milton Nascimento (dá 
para acessar a letra por: <http://www.vagalume.com.br/milton-nascimento/
paula-e-bebeto.html>), como trilha para as cenas dos beijos narradas acima. 
Podemos pedir que a própria turma traga suas músicas preferidas para que, 
assim, comecemos um diálogo mais horizontal, no qual também aprende-
mos com nossas alunas e alunos. 
Tod@s nós, que já nos deixamos, algum dia, impactar por um filme, sabe-
mos que a magia do cinema pode ser suficientemente sensibilizadora para 
motivar projetos coletivos dentro da escola, nos levando a oferecer uma edu-
cação na qual a práxis seja o motor das ações. Práxis diz respeito à atividade 
livre, universal, criativa e autocriativa, pela qual o ser humano cria (faz, produz) 
e transforma (conforma) seu mundo e a si mesmo (BOTTOMORE, 1997).
Com o intuito de proporcionar algumas ideias mais e deixar dicas para o 
trabalho de vocês, apresento a seguir quadros com sugestões de materiais 
audiovisuais, além de um quadro com questões persistentes, quer dizer, 
aquelas que apareceram sempre no meu trabalho com a temática de gêne-
ro. Sugiro, ainda, dinâmicas em grupo que podem ser excelentes ferramen-
tas de trabalho.
140 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
UNIDADE 4
Atividades propostas – dicas, sugestões e mais questões
Nas diversas ocasiões em que trabalhei com professoras e professores 
sobre a temática de gênero, algumas questões se fizeram sempre presen-
tes. Acredito que esta persistência se deva ao fato de elas sintetizarem per-
cepções bastante arraigadas sobre o tema, mas também mostram o quão 
desafiante tem sido trabalhar com e no ensino básico neste País. Acredito 
que muitas daquelas questões sejam também questões de vocês, por isso 
as pontuo a seguir:
•	 Qual escola sonhamos? Qual a escola queremos para noss@s filh@s? Responder 
a estas perguntas exige que façamos um exercício fantástico, que é o de se co-
locar no lugar do outro. Este movimento não é fácil, mas nos ajuda a conferir ao 
outro sua dimensão humana. A escola que queremos está em construção, e por 
vezes nos sentimos impotentes. Escola tem que repensar práticas – o que fazer? 
Essa é uma pergunta que nos angustia quando imergimos nestas reflexões. Bem, 
já estamos fazendo quando estamos aqui, lendo, nos qualificando, debatendo 
e nos deixando provocar. Creio que uma leitura provocativa, uma formação es-
timulante faz de cada um(a) de nós “multiplicador@s”, pois nosso olhar muda 
mesmo. Senti isso intensamente em minha experiência como professora do En-
sino Fundamental e Médio, como professora universitária, mas também como 
mãe, amiga, esposa... Esse processo, mesmo lento, pode ser significativamente 
transformador da nossa atuação nas diferentes esferas sociais. Sugiro a leitura 
de um texto delicioso de Silvana Goellner, que vocês encontram nas referências.
•	 Como trabalhar estes temas em escolas que estão situadas em áreas onde os 
problemas sociais são tão profundos que parece não haver espaço para essas 
reflexões? Este é um desafio mesmo! Sempre trabalhei com a classe média e 
entendo que, de certa forma, isso foi um privilégio, pois lidei com pessoas que 
tinham muitas coisas materiais e emocionais resolvidas. Um caminho que tem 
dado certo em comunidades onde há muita violência tem sido buscar parcerias, 
seja com outras escolas, com o Estado ou com o chamado Terceiro Setor. Há, por 
exemplo, fundações e ONGs que trabalham com arte, teatro, dança, capoeira e 
música junto a populações imersas em conflitos múltiplos e carências variadas. 
Desfazendo o gênero | 141 
O importante é que o projeto não seja um movimento de cima para baixo, quer 
dizer, que não considere as particularidades de cada localidade, que seja alheio 
às questões locais mais prementes. Projetos são mais eficientes quando conse-
guimos partir de algo que seja de interesse da galera, da comunidade, intervindo 
também no entorno da escola. Se ficamos só do muro para dentro, a possibilida-
de de o projeto se consolidar e gerar transformações diminui significativamente. 
Uma professora de Brasília, que atua em uma das áreas mais violentas da cidade 
(uma cidade-satélite), tem um projeto muito bacana de pintura de muros e revi-
talização de espaços ao redor da escola, e o faz com intensa participação de um 
grupo de alunas e alunos. A atividade envolve mais do que arte, grafites e ur-
banismos (o que por si só já seria muita coisa), fala também de ética, de relação 
com o espaço público, obriga a pensar sobre direitos, entre outras provocações 
transformadoras. Tem dado certo. Provavelmente não foi fácil e nem deve ser 
algo sem desafios de toda ordem, inclusive em termos burocráticos, logísticos e 
financeiros. Mas eu aposto muito nesse caminho de sensibilização, de interven-
ção que cria laços de confiança entre nós e a comunidade que atendemos. Com 
meninas que se prostituem já vi trabalhos lindos com recuperação de bonecas 
para doá-las a creches e orfanatos. É incrível como as meninas, cuidando de 
recuperar bonecas, pensam em si mesmas, refletem sobre seus corpos, suas 
vidas, suas famílias. Recuperar a boneca acaba funcionando muitas vezes em um 
processo de reencontro com suas próprias belezas, com seu valor como mulher, 
como pessoa, como artesã. Claro que estas oficinas têm metodologias, têm es-
tratégias de ação. Estou apenas mencionando algumas experiências que vi dar 
certo. Deixo aqui uma dica de livro que pode ser estimulante: Gangues, gênero 
e juventudes: donas de rocha e sujeitos cabulosos. Disponível em: <http://portal.
mj.gov.br/sedh/biblioteca/livro_gangues_sem_a_marca.pdf>.
•	 Se a sociedade é a grande vilã, o que nós, como indivíduos, podemos fazer? 
Bem, a gente está atribuindo à ‘sociedade’ todas as culpas. Mas o que é a 
sociedade se não um produto das relações sociais estabelecidas entre nós? A 
sociedade é resultado das relações sociais, das instituições que criamos, das 
normas e convenções que estabelecemos. Claro, nascemos e ela está aí, mas 
somos nós também que damos continuidade a ela, questionamos, desafiamos 
“verdades”, lutamos por outros modos de classificar e significar a vida. São pro-
jetos coletivos que transformam, mas são angústias sentidas individualmente 
que nos motivam muitas vezes. Digo tudo isso para que saiamos desse lugar 
paralisante, que é o de atribuir à sociedade (como uma entidade poderosa e 
142 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
que nos domina) a culpa pelos males, como o preconceito, nos sentindo assim 
impotentes. Pelo que experenciei nos cursos de formação continuada, não vi 
letargia, ao contrário, vi pessoas pensando, se desafiando, confrontando suas 
verdades, procurando caminhos para a transformação. A questão é que estes 
caminhos não são fáceis, pois as resistências estão aí aparecendo em diferentes 
discursos. Muitos deles têm a ver com a completa ignorância, no sentido de 
ignorar, de não ter conhecimento relativo a questões de gênero e sexualidade. 
No primeiro caso, naturalizamos tanto o gênero que já o vemos como algo que 
vem pronto, é imutável e determinante até mesmo da nossa capacidadede sen-
tir (homens não choram) ou de aprender (mulheres não têm raciocínio lógico). 
Aprendemos também que gênero determina sexualidade e que esta, quando 
não corresponde ao modelo heterossexual, é perigosa. Tratamos sexualidade 
sempre no marco do risco (cuidado com a aids! Cuidado para não engravidar!) 
ou do perigo (você vai ficar falada! Você vai acabar pegando uma doença!). Não 
falamos de prazer, de escolhas, não ensinamos noss@s filh@s ou alun@s a pensa-
rem sobre sexo para poderem fazer escolhas conscientes, por exemplo, na hora 
da primeira transa. 
•	 Podemos falar em papéis sociais de gênero? Podemos, mas eu tenho cá minhas 
críticas ao conceito, justamente por sua tendência a se cristalizar e se transfor-
mar em estereótipo. Temos posições de gênero para as quais somos convoca-
das e convocados. Performamos, à medida que colocamos em atos, normas, 
convenções, padrões estéticos de gênero que são largamente aceitos como 
sendo femininos ou masculinos. Mas temos desafiado constantemente as ideias 
de papéis, pois a vida não é roteirizada como uma peça de teatro, e estas analo-
gias com palco, teatro, papéis e máscaras, apesar de sedutoras, são insuficientes 
para levarmos a fundo as discussões nesse campo, que está atravessado por 
relações de poder que a analogia teatral não revela. 
 ▫ O comentado acima se relaciona com outra questão: a identidade é algo 
dado? Como se relaciona com gênero? A recorrência da ideia de “identida-
de” como algo que o sujeito traz consigo, um tanto pronta, está presente 
em muitos momentos de nossas conversas. É importante a gente perceber 
que se gênero é tão central para a formação de nossa identidade (e acho 
que ninguém tem dúvidas disso) e que se gênero é construção social, por 
que identidade seria algo que vem pronto com o sujeito? É legal mostrar 
que vamos nos constituindo com nossas experiências, que têm tudo a ver 
como o momento histórico no qual estamos inserid@s, com a sociedade 
Desfazendo o gênero | 143 
onde vivemos, com os ambientes de convívio cotidiano. Pensar a identidade 
fora dos marcos essencialistas é difícil; dissemos, muitas vezes, que somos 
assim e não vamos mudar, que pau que nasce torto não tem jeito, morre tor-
to... Quando a questão toca na orientação sexual, nas questões de gênero, a 
perspectiva essencialista se acentua. A pessoa, no fundo, sempre foi assim, 
reprime, esconde aquela verdade dos demais, até que um dia não suporta 
mais e revela sua “verdadeira identidade” que estava ali, no âmago do seu 
ser, prontinha. Por isso, mulheres, que vieram de Vênus, nunca serão iguais 
em direitos a homens, porque Marte é um planeta que gera guerreiros (iro-
nias, claro).
 ▫ Quais as implicações de pensarmos que identidade não se muda, e muito 
menos quando estamos falando de gênero e sexualidade? Primeiro, a ideia 
de que esta verdade é unicamente do indivíduo, e não parte de uma cons-
trução coletiva que oferece a cada um de nós os termos para pensarmos as 
nossas experiências, inclusive as sexuais. Segundo, isso confere uma respon-
sabilidade extra a cada um frente a suas “escolhas”, entre assumir ou não, 
quando esta “escolha” pode significar perdas profundas, dramas pesados 
para serem encarados por pessoas ainda tão jovens. 
 ▫ Por que tantas arrobas ou tantas barras (a/o, as/os), tanto esforço para se 
escrever sobre gênero? É interessante perceber que nosso vocabulário de 
gênero é restrito e, para piorar, se confunde com o das sexualidades, igual-
mente escasso. Por isso, ficamos tão confus@s quando temos de lidar com 
gêneros fronteiriços porque estamos presos em um binarismo que pode ser 
bem confortável para muitos, mas é também aprisionador, limitador para 
outros tantos. Então, como uma travesti arruma termos para se autodefinir? 
Como nós fazemos isso? Pensar fora desses limites do pensável nos atordoa, 
nos incomoda e nos desafia, porém estamos neste movimento, por isso as 
palavras importam sim! Não se trata de “politicamente correto”, ou se trata 
exatamente disso, de entrar na disputa linguística por termos capazes de 
contemplar um número maior de experiências, de vidas, e que possam fazê-
-lo de forma positivada.
Há mais uma infinidade de questões, certamente, mas nos limites que 
temos aqui, reuni apenas as mais recorrentes. Passo, então, às sugestões de 
dinâmicas de grupos que podem ser válidas e importantes nos trabalhos 
com gênero e sexualidade.
144 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Dinâmicas – brincando com os gêneros, levando a sério nossas 
questões
As dinâmicas são formas muito eficientes de se promover discussões, 
mas sobretudo de nos sensibilizarmos para o debate, muitas vezes de ma-
neira mais eficiente, justamente por promover o aprendizado de um jeito 
lúdico, porém sério e comprometido.
A seguir encontram-se algumas sugestões para se tratar em espaços 
escolares a temática das relações de gênero. Mas, antes de prosseguir, re-
produzo algumas orientações presentes do livro Gênero fora da caixa, um 
projeto do Instituto Sou da Paz, publicado em 2011, acessível neste link: 
<http://www.soudapaz.org/upload/pdf/genero_fora_da_caixa_web.pdf>.
As atividades sugeridas podem ser realizadas por qualquer educador(a), 
seja em escola e projetos sociais, seja em organizações não governamentais. 
Como a questão de gênero é complexa e exige certa reflexão e sensibilida-
de por parte dos educadores, é preciso que o(a) educador(a) tenha alguma 
afinidade pelo tema e experiência de trabalho com jovens.
Além de se sentir confortável com o conteúdo abordado nas oficinas, o(a) 
educador(a) deve se preocupar com sua postura em sala de aula, pois isso 
também contribui para um ambiente mais participativo e de respeito entre 
as pessoas. É importante o(a) profissional estar atento para garantir espaço 
para que as jovens mulheres tenham voz, para estimular a diversidade, não 
tolerar falas preconceituosas e machistas, estabelecer regras de convivência 
e não reforçar estereótipos de gênero. O importante é manter uma postura 
condizente com os conteúdos que estão sendo trabalhados. Não adianta, 
por exemplo, o(a) educador(a) debater com os(as) alunos(as) sobre respeito à 
diversidade e fazer brincadeiras ou colocações preconceituosas.
Recomendamos que as atividades sejam realizadas em grupos mistos 
(homens e mulheres), com a participação de 10 a 20 jovens. O facilitador 
pode ser homem ou mulher, o que conta é a afinidade com o tema e o 
comprometimento.
Para receber os(as) alunos(as), reserve um espaço agradável para deixá-
-los(as) confortáveis. Caso o grupo ainda não se conheça, comece os primei-
ros encontros realizando algumas dinâmicas de apresentação e integração. 
Desfazendo o gênero | 145 
Reserve tempo para uma pausa nas atividades, estabelecendo um momen-
to de descontração. Nesse caso, se possível, ofereça um lanche para os(as) 
jovens.
Finalmente, é importante preparar as oficinas com antecedência, sepa-
rando os materiais necessários e lendo os textos de apoio. Se possível, vale 
a pena registrar os encontros, pontuando as discussões que foram proveito-
sas, os temas mais candentes para o grupo, os pontos de vista dos(as) jovens 
e as atividades nas quais o grupo se envolveu mais. Isso ajuda a planejar as 
próximas atividades e a ter um registro de todo o processo educativo (Gê-
nero fora da caixa, Elaboração do Manual: Gabriel Di Pierro e Marília Ortiz, 
2011, p. 24)
Dinâmica “Brincadeiras de gênero”
Público sugerido: Crianças e adolescentes
Objetivos: A ideia é mostrar como os brinquedos têm funcionado 
como “próteses de gênero”, ou seja, moldando de forma às vezes violenta 
os aprendizados que se valem da ludicidade, uma vez que brinquedos e 
brincadeiras, que deveriam ser antes de tudo elementos lúdicos, criativos, 
prazerosos, são usados (mesmo inconscientemente) como modeladores de 
gênero. Quer dizer, como vamos aprendendo a excluir, classificar, julgar, a 
partir do brinquedo. 
Etapas:
1.A dinâmica deve ser antecedida de um debate breve, suscitado por al-
gum episódio envolvendo a turma na qual surjam questões de gênero 
e sexualidade. A partir dele, podemos lançar algumas perguntas, por 
exemplo, a divisão na hora do recreio, de se formar grupos de traba-
lho ou ainda na aula de Educação Física, e lançar uma questão do tipo: 
Por que algumas atividades têm de ser feitas separadamente? Será que 
sempre foi assim? Será que é assim entre outras populações, em outras 
culturas? Meninos e meninas são totalmente diferentes ou meninas e 
meninos são muito parecidos? Como aprendemos a ser meninos e me-
ninas? Esta deve ser a última questão, para suscitar a discussão sobre os 
brinquedos e as brincadeiras.
Neste momento, é importante deixar a turma se expressar, e anotar 
na lousa algumas palavras-chave para incrementar a discussão. É preciso 
146 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
pactuar com a turma que não pode haver ofensas, palavras de baixo calão, 
piadas preconceituosas nem comentários desrespeitosos durante toda a 
roda de conversa e ao longo da dinâmica.
2. Peça para que, na próxima aula, levem os brinquedos que marcaram sua 
vida.
3. Peça para que os(as) alunos(as) formem um círculo no chão. Para quebrar 
o gelo, a dinâmica pode ser iniciada pelo(a) professor(a) que a estiver con-
duzindo. Ele(a), por exemplo, gira uma garrafa no centro do círculo, e a 
dinâmica se iniciará pela pessoa para a qual o gargalo da garrafa apontar.
4. É importante anotar o que cada alun@ elencou como sendo significativo 
no brinquedo que levou para a sala, pois é a partir dessas expressões 
que iremos aprofundar as relações de gênero e os brinquedos.
5. Peça que meninos troquem seus brinquedos com meninas e vice e versa. 
6. Observe como essas trocas ocorrem e como cada um brinca ou não 
com o brinquedo recebido (de 2 a 3 minutos de brincadeira a sós com o 
brinquedo).
7. Em seguida, peça para que formem duplas ou trios mistos para que 
brinquem junt@s com os brinquedos que receberam durante a troca (5 
minutos para brincar).
8. Observe e anote as reações da brincadeira a sós e em grupo, para depois 
problematizá-los na roda de discussão que deve ser formada em seguida.
9. Formada a roda, lance novamente as perguntas sobre o significado dos 
brinquedos para si e como eles foram vistos pelo(a) colega de outro gê-
nero. Como cada um se sentiu brincando a sós com o brinquedo trocado. 
Como foi brincar em grupo? Questione a pedagogia de gênero, mostre 
como esses aprendizados são culturais, históricos, e não essências de-
finitivas. Mostre a importância de aprender com o outro, de fruir prazer 
com a brincadeira e de como os brinquedos nos ensinam muitas coisas; 
sendo assim, é importante brincar com diferentes jogos e brinquedos 
para aprender a ser plural. 
Dica de leitura: <http://www.faeb.com.br/livro/Comunicacoes/brinca-
deiras%20genero%20e%20sexualidade.pdf>.
Dinâmica “Tudo tá relacionado”
Criação: Prof. Dr. Felipe Bruno Martins Fernandes (PPGICH/NIGS/UFSC); 
Profa. Dra. Miriam Pillar Grossi (NIGS/UFSC)
Desfazendo o gênero | 147 
Público sugerido: Crianças e adolescentes
Orientações: Esta oficina visa problematizar as inter-relações entre gê-
nero, raça e sexualidade mostrando como a transversalidade entre estes 
marcadores sociais pode ser produtiva no combate às violências e discrimi-
nações nas instituições educacionais. Ao iniciar os trabalhos com os temas 
divididos por “eixo de opressão” e fechá-los com uma discussão coletiva, a 
oficina busca ser um espaço de reflexão em que @s participantes possam se 
posicionar, explicitar suas questões e discutir coletivamente seus conceitos e 
pré-conceitos. O diálogo e a desconstrução devem ser o princípio norteador 
da oficina, em que as diferentes posições não devem ser carregadas dos 
juízos de valor do mediador, mas, sim, problematizadas por este. Problema-
tizar, categoria presente no pensamento de Michel Foucault, é uma forma de 
reflexão que busca colocar determinados discursos no centro do pensamen-
to. Não é, pois, uma forma de disseminação de enunciados “politicamente 
corretos”, mas, conforme sugerimos, é uma forma de refletir sobre o enun-
ciado e suas condições de possibilidade. Para isso, é necessário exercitar a 
escuta, intervir e mediar o debate que surge d@s participantes.
Objetivo: refletir sobre a importância em se discutir gênero, raça e sexu-
alidade na Educação Infantil.
Material necessário: livros infantis que abordem as temáticas de gênero, 
raça e sexualidade; cartolina e canetão.
Etapas: 
1. Pequena apresentação teórica do papel em se discutir gênero, raça e 
sexualidade na Educação Infantil.
2. Pequena apresentação de cada livro infantil a ser apresentado. Os li-
vros devem ser mostrados e as ilustrações (perspectiva imagética) de 
cada um, discutidas. Mostre o quanto a literatura infantil contemporânea 
pode contribuir na discussão dos temas nas instituições escolares.
3. Desenvolvimento: A turma deve ser dividida, por sorteio, em nove grupos. 
O grupo deve eleger um@ “contador@ da história”. @ contador@ deve 
fazer uma leitura em voz alta do livro e @s outr@s integrantes devem tomar 
notas e levantar questões sobre o enredo.
4. Cada um desses grupos deve produzir um “cartaz” com as principais 
ideias e questões sobre o livro.
148 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
5. Em equipe, cada grupo deve apresentar o cartaz com um quadro sinóti-
co (que possa dar uma visão do todo) ao grande grupo.
6. Em círculo, o grande grupo deve discutir os cartazes dos colegas, cabendo 
“ao mediador” estabelecer links que possibilitem @s participantes trans-
versalizarem as temáticas como tendo ocorrência ordinária na dinâmica 
escolar.
7. Tod@s @s participantes da oficina devem avaliar a atividade.
8. Tempo de duração: 240 minutos, divididos em: apresentação da atividade; 
apresentação dos livros infantis; reunião em pequenos grupos para leitura 
coletiva; construção de cartaz com quadro sinótico do enredo; e apresenta-
ção dos quadros sinóticos para o grande grupo (8 min para cada).
9. Discussão e avaliação.
Dinâmica “Etiquete-me”
Público sugerido: crianças com mais de 10 anos e adolescentes.
Material: fita-crepe e pedaços pequenos de papéis ou post-it; caneta 
pilot ou canetinhas esferográficas.
Objetivos: perceber como lidamos, no dia a dia, com uma série de pres-
crições de gênero que vão sendo literalmente “incorporadas”, de maneira 
que, muito mais do que fruto da biologia ou meras expressões da natureza, 
os gêneros são inscrições culturais que “colam” em nossos corpos.
Tempo de duração: de 60 a 90 minutos.
Recomendações: se houver muitas pessoas, forme grupos pequenos 
com cerca de 5 pessoas; em cada grupo, peça que um menino e uma menina 
se voluntariem. Peça respeito, consideração pelo corpo do(a) colega e que 
não sejam usados termos ofensivos como palavrões.
Etapas: 
1. Divididos os grupos, peça que @s alun@s escrevam frases que expres-
sem recomendações, normas, orientações e/ou imposições sobre como 
meninas devem usar cada parte do corpo. O mesmo deve ser feito para 
Desfazendo o gênero | 149 
o corpo do menino voluntário. Escreva no papel ou post-it para colar 
a frase na parte do corpo sobre a qual a sentença se refere. Exemplo: 
cabelos (para meninas): use sempre longos e bem penteados; (para 
meninos): nada de ser cabeludo!; ou orelha: (para meninas) use brincos; 
(para meninos): um alargador fica da hora. Voluntári@s devem também 
participar desta etapa. SOLICITE A ESCOLHA DE VOLUNTÁRIOS SÓ 
DEPOIS DESTE MOMENTO.
2. Voluntári@s de todos os grupos (um casal por grupo) devem se posicio-
nar mais ao centro da sala. O casal do grupo 1 irá para o grupo 2, o do 2 
para o grupo 3, assim sucessivamente.
3. Posicionados nos grupos novos, o casal voluntário será etiquetado. 
Sugere-se que se inicie da cabeça para os pés.
4. Depois de cada grupo ter feito sua “etiquetação”, peça aos casais que 
se posicionem novamente ao centro. Os grupos devem passarpelos de-
mais casais para ver o que há escrito nas outras etiquetas, que não as do 
seu próprio grupo.
5. Todas as pessoas, com exceção dos casais, devem se sentar em círculo 
em volta d@s voluntárias, os quais serão as primeiras pessoas a falar. O(a) 
professor(a) mediador(a) deve solicitar que cada casal fale brevemente 
sobre a sensação de serem etiquetados.
6. Em seguida, o(a) professor(a) deve solicitar que as demais pessoas comen-
tem sobre as frases-recomendações escritas, avaliando como chegaram 
a elas; o que pensam sobre estas recomendações; se as seguem e como 
estas prescrições incidem em suas vidas. É preciso assegurar a fala de 
todos(as) e, ao final, fazer uma avaliação sobre estes aprendizados e como 
eles nos marcam, também avaliando como estes usos corporais recomen-
dados podem criar hierarquias e desigualdades de gêneros.
150 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
BOX 1
Dicas de material audiovisual
•	 Documentário Encontrando Bianca (disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=4Eb9UCT1138>): trata-se do terceiro vídeo do 
conjunto de produções audiovisuais que estava sendo formulado pelo 
MEC como material para subsidiar o combate à homofobia nas escolas. 
Sua elaboração e distribuição foi suspensa por veto da presidenta Dilma 
Rousseff em maio de 2011.
•	 Os perigos de uma história única: vídeo gravado a partir de uma palestra 
realizada pela escritora nigeriana Chimamanda Adichie (disponível em: 
<https://www.youtube.com/watch?v=ZUtLR1ZWtEY>).
•	 Documentário Filmes ruins, árabes malvados: como Hollywood vilificou 
um povo (disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Im5qQ9s-
-ohA>): produzido por Sut Jhally, mostra como o cinema norte-americano 
foi capaz de, ao longo de 100 anos de produções, fixar no imaginário 
ocidental uma visão estereotipada dos povos árabes.
•	 Videoaula Corpo, gênero e sexualidade (disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=bI-Qr5leFPk>): apresentada pela educadora e 
doutora em Educação Silvana Goellner (Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul).
•	 Documentário Re-ensinando gênero e sexualidade (Reteaching 
gender and sexuality, disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=r3QstJDidjQ>): produzido em 2008 por um grupo de jovens 
do subúrbio de Seattle. Em 2010, criaram um programa de formação 
para profissionais da área de saúde, educação e direitos humanos e lan-
çaram o documentário.
•	 Documentário Não gosto de meninos (disponível em: https://www.
youtube.com/watch?v=ij9baks8i64>): um projeto que reuniu 40 pessoas 
com histórias de vida diferentes, com o objetivo de mostrar a realidade 
da homossexualidade.
•	 Minha vida em cor de rosa (disponível em: <https://www.youtube.com/
watch?v=CnOAQDrlmxs>): é um filme de ficção europeu (produção 
cooperativa entre a Bélgica, França e o Reino Unido) delicioso, dirigido 
pelo belga Alain Berliner e lançado em 1997. Trata da história de um 
menino, chamado Ludovic, que imagina que deveria ter nascido meni-
na. O filme mostra os preconceitos que a personagem principal e seus 
familiares enfrentam em relação a sua “identidade de gênero”.
Desfazendo o gênero | 151 
REFERÊNCIAS 
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PISCITELLI, A. Recriando a (categoria) mulher? In: ALGRANTI, L. (Org.). A prática feminista e 
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SABAT, R. Pedagogia cultural, gênero e sexualidade. Revista Estudos Feministas, 9(1), p. 4-21, 
2001. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/ref/v9n1/8601.pdf>.
FIGURAS
Figura 1 Retrato do filósofo François-Marie Arouet de Voltaire. Fonte: <http://2.bp.blogspot.
com/-u6RF4xL5SjI/TlYS_CF24nI/AAAAAAAAAu8/4OaZslALs8Q/s1600/VOLTAIRE_
Fran%25C3%25A7ois-Marie-Arouet_Mr-de_1735.JPG>. Acesso em: 26 jul. 2014.
Figura 2 Montagem de Bruno Braga. Fonte: <http://opreh.com.br/tira-o-olho-da-minha-mina-
-rapaz/>. Acesso em: 26 jul. 2014. 
Figura 3 “Um sujeito careca e desdentado me convenceu a fazer um seguro”. Fonte: Miskolci 
(2010). 
QUADRO
Quadro 1 Matrizes teóricas dos estudos de gênero. Fonte: autoria própria.
4
Escola e sexualidades: uma visão crítica à 
normalização
Fernando de Figueiredo Balieiro
Eduardo Name Risk
Como vimos nos capítulos anteriores, a atuação da escola não se limi-
ta ao aprendizado formal ou à transmissão do conhecimento. Explícita ou 
implicitamente, ela se baseia em certas normas e convenções sociais, ao 
mesmo tempo em que as perpetua ou as coloca em questão. 
No capítulo anterior, Larissa Pelúcio tratou das relações de gênero no 
espaço escolar, mas cabe a pergunta: como abordar o tópico da sexualida-
de? Veremos que antes de se constituir como um espaço neutro, no qual a 
sexualidade pouco ou nada aparece, as práticas pedagógicas, as relações 
entre alunos e representações compartilhadas entre os muros da escola são 
permeadas, direta ou indiretamente, pela temática da sexualidade. O es-
paço escolar é palco de demandas sociais que, como veremos, baseiam-se 
em uma pedagogia da (in)visibilidade que conforma a heterossexualidade 
como padrão único e esperado para orientação do desejo e das práticas 
afetivo-sexuais. Por outro lado, atualmente, os educadores são chamados a 
questionar essas convenções e a buscar formas de lidar com a sexualidade, 
segundo proposições mais abrangentes. Para discutirmos essas questões, 
este capítulo está organizado em quatro unidades:
1. Na primeira unidade, discutiremos o regime de (in)visibilidade que 
configura a sexualidade no espaço escolar. Abordaremos como a 
heterossexualidade é instituída como norma implícita às relações 
154 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
escolares, embora essa instituição se apresente como “neutra” com rela-
ção à temática, o que acaba perpetuando preconceitos e discriminações. 
2. Na segunda unidade, exploraremos o aspecto histórico da forma como 
nossa sexualidade foi construída, abordando como uma ordem sexual se 
relaciona com as configurações mais amplas da sociedade e levando em 
conta seus vínculos com as relações raciais e de gênero. 
3.Na terceira, discutiremos de que modo a heteronormatividade molda as 
relações sociais, mesmo com mudanças significativas na contemporaneida-
de e diante de discursos e movimentos questionadores das normas sociais.
4. Por fim, partindo da experiência acumulada do curso de GDE da UFSCar, 
na quarta unidade proporemos reflexões práticas sobre o tema da sexu-
alidade no contexto escolar, recuperando o debate com professores(as) 
que participaram das primeiras ofertas do curso.
Desejamos bons estudos e bom trabalho a todos(as)!
UNIDADE 1
O regime de (in)visibilidade da sexualidade na educação 
escolar
Em abril de 2011, foi amplamente divulgado o caso de agressão física 
sofrida por um estudante secundário no interior de uma escola pública do 
município de Mata Grande (AL). O caso chegou ao Conselho Tutelar e à 
Justiça depois da gravação ter sido veiculada na internet. O vídeo registra a 
perseguição à vítima dentro da escola e, em seguida, o ato de violência físi-
ca. O agressor justificou sua conduta como desagravo a um boato segundo 
o qual os dois supostamente teriam um caso amoroso. No vídeo, a vítima, 
apelidada de Lady Gaga, sofre as consequências sem responder à agressão. 
A despeito da movimentação de alunos da escola em busca de assistir e 
filmar as cenas de violência, nenhum funcionário ou professor apareceu na 
filmagem na tentativa de conter o agressor, que, por sua vez, não encontrou 
dificuldade em agir violentamente contra seu colega. Dessa forma, distan-
ciou-se da pecha de ser chamado de “bicha” por seus colegas, afirmando 
sua virilidade e reafirmando a inferioridade moral da vítima. 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 155 
Não cabe aqui averiguar se os boatos se referiam a um caso amoroso 
que realmente existiu, se foi criado por outros colegas de sala com o objetivo 
de fomentar a humilhação da vítima ou se foi inventado pelo próprio aluno 
em busca de se divertir à custa do sofrimento alheio. O que nos interessa é 
compreender a relação entre a violência dentro da escola e seu vínculo com 
a temática homossexualidade. Cabe perguntar: O que a escola tem a ver 
com a agressão motivada por orientação sexual? O caso apresentado é um 
ato isolado ou um ato conhecido por cada um de nós em nossas vivências no 
cotidiano escolar? A escola deve conceber a sexualidade como um assunto 
digno de ser apresentado e debatido dentro de seus muros? Como essas 
violências se relacionam com o currículo escolar de forma mais abrangente? 
Nesta unidade, veremos que a vulnerabilidade ao bullying ou ao cha-
mado assédio escolar está diretamente ligada à não correspondência a 
padrões de gênero e sexualidade, entre outros fatores. Em outros termos, 
alunos(as), funcionários(as) e professores(as), com destaque para os primei-
ros, que não correspondam ao padrão “ideal” de comportamento estimado 
pela sociedade, estão mais vulneráveis a sofrerem variadas modalidades de 
violência em sua passagem pelo espaço escolar. Muito embora apresente 
configurações diferentes de acordo com os contextos nacionais, o bullying 
homofóbico é reconhecido como um problema global pela Organização das 
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2013). 
A respeito de depreciações sofridas no ambiente escolar em virtude da 
orientação sexual, o relatório Resposta do setor de educação ao bullying 
homofóbico (UNESCO, 2013), baseado em pesquisas efetuadas no mun-
do todo, mostra que alguns alunos estão mais vulneráveis a situações de 
bullying por conta de sua inadequação aos valores e padrões calcados na 
heterossexualidade como norma. 
As recorrentes situações de bullying homofóbico manifestadas dentro 
da escola levam a refletir sobre a necessidade de responsabilização dos 
agentes escolares a respeito dessa temática. Mas como lidar com evidên-
cias de que a escola é espaço de expressão de violências, preconceitos e 
discriminações se a concebemos como espaço fomentador da cidadania? 
Os livros escolares não tratam dos direitos e deveres imprescindíveis para 
uma sociedade democrática em que a discriminação é inaceitável? Diante 
desses questionamentos, alguém poderia ainda afirmar que a escola nada 
tem a ver com situações que envolvem discriminações baseadas em gênero 
e sexualidade, visto que ela se apresenta como instituição “neutra” no que 
156 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
tange a essas diferenças. Segundo essa perspectiva, a sexualidade não é um 
tópico que deve ser levado em conta pela educação escolar. Portanto, não 
seria um equívoco responsabilizá-la pelas situações descritas? 
Figura 1 A maneira como os(as) alunos(as) estão dispostos(as) nesta imagem de uma 
escola apresenta vários aspectos das relações de gênero. O que é possível refletir a 
respeito das relações de gênero e sexualidade a partir desta imagem? 
É preciso salientar que a escola, por ser uma instituição social, não se 
situa em um vácuo, muito pelo contrário, ela exerce influência na, e é influen-
ciada pela, sociedade em que está. As modalidades de violência e hierar-
quias sociais, isto é, de diferenças, encontradas na escola podem ser pen-
sadas como reflexo da forma como a sociedade se concebe e se organiza. 
Além disso, cabe analisar como a escola contribui para reproduzir violências 
e hierarquias próprias da sociedade.
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 157 
BOX 1
Com o intuito de recuperar a discussão sobre o fenômeno assédio esco-
lar, apresentada no capítulo Diferenças, podemos redefinir o conceito de 
bullying conforme a citação a seguir:
O termo designa situações, primordialmente entre jovens, que levam uma 
pessoa ou grupo a usar atos repetidos de violência simbólica, psicológica 
e/ou física contra um terceiro para isolá-lo, humilhá-lo e/ou depreciá-lo. 
Apesar de ocorrer entre pares, a vítima é supostamente inferior em uma 
relação assimétrica de poder, na qual não possui meios de se defender. Ao 
mesmo tempo, o agressor não considera a vítima um sujeito, podendo ser 
utilizado contra ele(a) força física, agressão simbólica ou atos de incivilidade 
(ABRAMOVAY & CALAF, 2010, p. 34). 
A escola e a reprodução das normas sociais
Normalmente, pensamos na escola como um ambiente igualitário, onde 
todas as crianças e jovens que lá estão têm a mesma oportunidade de apren-
dizagem e gozam da mesma forma dos recursos oferecidos. Mas será que em 
uma sociedade marcada por desigualdades abissais, pelo preconceito e por 
discriminações de “raça”, gênero e sexualidade, a escola não ofereceria con-
dições diferenciais a seus estudantes? Será que a instituição escolar, quando 
não leva em conta as desigualdades e não problematiza a subalternização 
das diferenças sociais, não acaba contribuindo para a exclusão social? As 
discussões contemporâneas da área de sociologia da educação passaram a 
apontar justamente para esses questionamentos, permitindo que
as visões encantadas acerca do papel transformador e redentor da 
escola têm sido fortemente desmistificadas. Temos visto consolidar-se 
uma visão segundo a qual a escola não apenas transmite ou constrói 
conhecimento, mas o faz reproduzindo padrões sociais, perpetuando 
concepções, valores e clivagens sociais, fabricando sujeitos (seus cor-
pos e suas identidades), legitimando relações de poder, hierarquias e 
processos de acumulação (JUNQUEIRA, 2009, p. 14).
Em outras palavras, as desigualdades sociais não necessariamente 
são mitigadas ou minimizadas pela ação escolar. Ao contrário, é bastante 
comum que o sucesso escolar tenha relação direta com o pertencimento 
158 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
aos estratos superiores da pirâmide social, na medida em que seus mem-
bros herdam não apenas bens econômicos, mas também recursos culturais 
e dispõem de tempo livre para se dedicar a uma formação diferenciada. 
Quando pensamos a partir dessas evidências, matizamos os ideais contidos 
na concepção de que a escola efetiva um poder redentor e transformador 
da sociedadee passamos a pensar na escola como espaço de reprodução 
social, ou seja, como instituição que muitas vezes referenda desigualdades 
e hierarquias sociais. 
O impacto das desigualdades e hierarquias sociais na educação não se 
limita à esfera socioeconômica. O racismo, o machismo e a homofobia es-
tão associados à perpetuação de desigualdades no desempenho escolar, 
notadamente vinculados à evasão escolar, à redução da frequência escolar 
e à queda no rendimento. Quando nos referimos especificamente a essas 
dimensões que se relacionam a normas e convenções sociais, devemos nos 
perguntar: Como a escola contribui e reforça tais aspectos? Como seus 
agentes podem atuar para minimizar tais impactos e, dessa maneira, se en-
gajar na construção da escola como espaço efetivamente democrático? 
Em primeiro lugar, é preciso pontuar que a escola representa o primeiro 
contato dos indivíduos com uma série de ideais coletivos e com demandas 
sociais de enquadramento a esses referenciais. Anterior à ação da escola, no 
locus familiar, as demandas exteriores são conhecidas pelos novos membros 
da sociedade, em geral, no interior de um ambiente potencialmente protetor, 
mas cujos cuidados exclusivos logo se romperão quando a criança ingressar 
no ensino básico. Na escola, muitos alunos passam a perceber quando não 
correspondem a ideais coletivos, vendo-se como gordos, efeminados, ga-
gos etc., na medida em que seus ideais correspondentes tendem a aparecer 
como demandas ou imposições, muitas vezes na forma de chacota e, em 
casos limite, sob a forma de violência (MISKOLCI, 2012, p. 37-38). 
Abordagens teóricas mais atentas às diferenças permitem analisar as-
pectos mais nuançados e escamoteados das práticas pedagógicas, que, 
em geral, não se limitam apenas à transmissão do conhecimento formal e 
do patrimônio cultural de uma sociedade. Cabe-nos atentar para como, na 
vivência escolar, são repassadas convenções culturais e modelos de com-
portamento que vão muito além do conteúdo formal dos livros e das aulas. 
Entramos no terreno das normas sociais, que muitas vezes se caracterizam 
por serem pouco explícitas, mas ainda assim extremamente fortes.
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 159 
Discutir as normas sociais reproduzidas na escola inclui tratar da relação 
entre as práticas e omissões constituintes do sistema escolar. Para tanto, é 
necessário considerar o currículo escolar de forma mais abrangente, incluin-
do os conteúdos e valores explícitos e implícitos das práticas pedagógicas. 
De que modo abordar a temática da sexualidade pode contribuir para a 
fomentação de um ambiente mais acolhedor e democrático? 
A suposta neutralidade das práticas pedagógicas escolares em relação 
à sexualidade esbarra em uma série de resultados de pesquisas orientadas 
pela UNESCO, nas quais se revelou que boa parte dos professores brasi-
leiros não sabe como abordar temas relativos à homossexualidade na sala 
de aula. Aliado a isso, parte deles acredita que a homossexualidade é uma 
doença,41 e expressiva parcela de estudantes alega que não gostaria de ter 
colegas homossexuais. Como mostra Rogério Junqueira (2009, p. 17), a pes-
quisa Perfil dos professores brasileiros, realizada entre abril e maio de 2002, 
revelou um comportamento intolerante em relação à homossexualidade 
entre esses profissionais, quando 59,7% afirmaram ser inadmissível que uma 
pessoa tenha relações homossexuais e 21,2% declararam que não gostariam 
de ter vizinhos homossexuais.
Diante desses dados, compreendemos porque questões relaciona-
das à sexualidade e à educação comumente encontram resistências a se-
rem enfrentadas de forma comprometida. É patente ainda que muitos(as) 
professores(as), movidos(as) de boa vontade e desejo de se engajar em 
práticas que combatem o preconceito relacionado à orientação sexual, não 
se sentem à vontade ou não se consideram portadores de conhecimento 
suficiente para abordá-las.
A despeito das limitações apresentadas, a escola não permaneceu imu-
ne às discussões sobre sexualidade, em especial com a evidência da epide-
mia de aids e a urgência de abordá-la com o público adolescente. Nesse 
sentido, assistiu-se nas últimas décadas a um crescimento de iniciativas liga-
das à temática, muitas vezes incorporando até mesmo a disciplina Educação 
sexual ou Orientação sexual no currículo formal. Assim, a sexualidade foi 
incorporada nos currículos escolares sob o prisma biológico, voltado a dis-
cussões sobre a prevenção às DSTs (Doenças Sexualmente Transmissíveis) e 
41 Desde 1973, a homossexualidade não é considerada algo patológico, portanto há mais 
de quarenta anos que os órgãos médicos internacionais reconhecem que o desejo por 
pessoas do mesmo sexo é normal e não pode ser “tratado”. Abordaremos isso em mais 
detalhes, adiante.
160 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
à gravidez na adolescência. Em outros termos, o foco restringiu-se a abordar 
a temática no âmbito de práticas relacionadas à saúde pública. 
Embora tais temas sejam importantes, deixam de fora aspectos socio-
culturais relacionados à sexualidade. Quando mal abordadas, tais iniciativas 
correm o risco de reforçar uma naturalização da relação sexual com pessoas 
do sexo oposto, tornando invisíveis outras formas de expressão afetivas e se-
xuais, ou mesmo reiterando uma vinculação supostamente necessária entre 
relações sexuais e reprodução. Além disso, acabam por associar, em geral, 
a sexualidade à doença e a ameaças coletivas, em especial no que tange 
às experiências sexuais que não correspondem aos padrões normativos. 
Torna-se, pois, importante caminhar para abordagens mais aprofundadas, 
com o cuidado de não reforçar pressupostos que incentivem preconceitos e 
discriminações na escola. 
Compreender a sexualidade de forma mais abrangente significa consi-
derar que não apenas as práticas, mas também as omissões da escola são 
parte constituinte da forma como a sexualidade é aprendida entre os alunos. 
Não debater as convenções sociais que produzem formas de hierarquização 
impacta na própria relação que se constitui dentro dos muros da escola. 
O depoimento de um jovem francês a uma pesquisa sobre o tema ilustra a 
relação entre a violência na escola e seus silêncios: “Eu sofri insultos homofóbi-
cos durante todo o ensino médio... Poderia ter falado a respeito com o diretor 
ou com os professores, mas como eles já sabiam da situação e não tinham 
feito nada a respeito, eu não podia esperar nada deles” (UNESCO, 2013, p. 17). 
A suposta neutralidade da escola com relação à sexualidade manifesta-
-se de fato em um padrão heterossexual oculto nas concepções e nos va-
lores presentes no currículo escolar, condição que leva à invisibilidade das 
sexualidades divergentes. Nas palavras de Richard Miskolci (2010, p. 80), 
perpetua-se o “silêncio diante da emergência de uma sexualidade diferente 
e, assim, [os agentes educacionais] tornam-se cúmplices da ridicularização e 
do insulto público de alguns estudantes”. Ao lado do silenciamento em rela-
ção às diferenças, há, portanto, a cumplicidade com as violências cotidianas. 
Os casos de violência, como o que abriu nossas reflexões neste capítulo, 
devem ser vinculados à configuração mais ampla da escola, que, por sua vez, 
consente outros tipos de violência simbólica, anteriores à violência física. 
Como afirma Richard Miskolci (2012):
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 161 
Atos isolados de violência emergem quando formas anteriores, invisí-
veis de violência, se revelaram ineficientes na imposição de normas ou 
convenções culturais. Estes atos chamam mais nossa atenção, mas não 
podem nos iludir como sendo as únicas formas de violência que se pas-
sam no convívio social. Na verdade, ironias, piadas, injúrias e ameaças 
costumam preceder tapas, socos ou surras (MISKOLCI, 2012, p. 34).
As formas “invisíveis” de violência constituem, no fundo, intervenções 
contínuas que perpetuam ideais morais baseados no pressupostode que 
a heterossexualidade é a única forma de expressão da sexualidade natu-
ral e desejável. Estes aspectos, em geral, não são notados pelos agentes 
educacionais, pois não só eles, como vários outros profissionais, tendem a 
incorporar as normas sociais como se fossem naturais e permanentes. 
A heteronormatividade e suas implicações na educação
A percepção de que o ambiente escolar contém um currículo oculto, 
fundamentado na norma heterossexual, foi possível mediante a realização 
de pesquisas que desnaturalizam a heterossexualidade ao compreendê-la 
como compulsória, isto é, constituída socialmente segundo relações históri-
cas de poder. 
162 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
BOX 2
Heterossexualidade compulsória
Os primeiros estudos acadêmicos sobre homossexualidade baseavam-
-se na observação e análise de subculturas homossexuais, examinando 
cenários marcados por determinado tipo de sociabilidade e perpassados 
socialmente pelo estigma. Ainda que importantes, estas pesquisas não co-
locavam em questão o pressuposto socialmente aceito de que a heteros-
sexualidade é natural, pois não problematizavam a concepção socialmente 
constituída da homossexualidade como desvio. 
Os estudos avançaram e passaram a compreender a heterossexualidade 
como compulsória, ou seja, como uma imposição socialmente instituída, 
algo que foi abordado em alguns textos seminais, como no clássico artigo 
“A troca de mulheres” (1975) da antropóloga Gayle Rubin e explicitado no 
texto da feminista Adrienne Rich (1983) “Powers of desire: the politics of 
sexuality”. 
Heteronormatividade
Anos depois, teóricos ligados à vertente denominada Teoria Queer passa-
ram a conceber que as sociedades contemporâneas são heteronormativas. 
Michael Warner criou o conceito de heteronormatividade em 1991 para se 
referir à forma como apreendemos as relações sociais, inserindo-as sempre 
no binário interdependente da hetero-homossexualidade. Nesse padrão 
hierárquico, atribui-se à heterossexualidade a qualidade de saudável, nor-
mal e adequada e, ao mesmo tempo, associa-se a homossexualidade à pa-
tologia ou ao desvio, subalternizando-a. Segundo Larissa Pelúcio e Richard 
Miskolci (2009), a heteronormatividade configura até mesmo a gramática 
das relações entre pessoas do mesmo sexo, compondo uma série de ideais 
que têm como modelo o casal heterossexual. 
Atualmente, nas sociedades contemporâneas, nota-se que a sexualida-
de configura-se com base na heteronormatividade, ou seja, segundo um 
conjunto de valores e normas culturais que representam ideais sociais. Esta 
nova forma de conceber a sexualidade é fruto de transformações políticas 
e culturais que passaram a colocar em xeque certas convenções produto-
ras de desigualdades e subalternizações de sujeitos e grupos sociais. Em 
suma, a produção acadêmica passou a ser decisivamente influenciada pelas 
mobilizações das décadas de 1960 e 1970, entre as quais podemos citar o 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 163 
feminismo e o nascente movimento homossexual, marcados não apenas pela 
busca de direitos e reconhecimento, mas também pelo questionamento de 
padrões morais opressivos, tendo amplo impacto na produção científica das 
décadas seguintes. Tais mobilizações produziram
demandas em um cenário político em que as instituições tradicionais 
como o Estado e os partidos passavam a ver questionada sua repre-
sentatividade e/ou autoridade. De forma geral, esses movimentos 
afirmavam que o privado era político e que a desigualdade ia além do 
econômico. Alguns, mais ousados e de forma vanguardista, também 
começaram a apontar que o corpo, o desejo e a sexualidade, tópicos 
antes ignorados, eram alvo e veículo pelo qual se expressavam relações 
de poder (MISKOLCI, 2012, p. 22).
A segunda onda do movimento feminista, ao longo do referido período, 
centrava-se no questionamento do privilégio masculino sistematicamen-
te reiterado por meio da subordinação de mulheres e gays, entre outros 
grupos. Com as conhecidas palavras de ordem “o privado é político”, as 
feministas questionavam a suposta não existência de relações de poder no 
âmbito privado, abrindo a possibilidade para diversas contestações políticas 
no âmbito da família, da sexualidade e do trabalho doméstico.
Os feminismos insurgentes passaram a desnaturalizar privilégios que os 
homens obtinham dentro de casa, além de denunciar o controle moral que a 
sociedade sustentava em relação ao prazer sexual feminino, limitando a pos-
sibilidade de escolhas de parceiros e as formas de relacionamento sempre 
vinculadas às expectativas de matrimônio. 
Ao lado dos feminismos, surgiram também movimentos homossexuais 
que buscavam lutar contra a rotulação da homossexualidade como “desvio 
psiquiátrico”, além de exigir o reconhecimento de suas especificidades, a 
ampliação de seus direitos de cidadania e o acesso igualitário ao espaço 
público e ao mercado de trabalho. 
As manifestações tiveram forte impacto no âmbito acadêmico, sendo as 
décadas de 1970 e 1980 marcadas pela introdução da temática de gênero 
e sexualidade nas universidades. No campo teórico, ressalta-se a obra im-
portante de Mary McIntosh, publicada em 1968, chamada The homossexual 
role (O papel homossexual), na qual a autora abre caminho para superar 
explicações biologizantes relativas à temática da sexualidade. Entre tantas 
obras do período, a mais impactante e ainda hoje referência é a obra de 
164 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Michel Foucault, em especial seu livro História da sexualidade: a vontade de 
saber (volume I). Neste, Foucault estuda o que denominou de dispositivo de 
sexualidade.
Em sua rica pesquisa histórica, o filósofo francês chegou à conclusão de 
que a formação das sociedades modernas, industriais e baseadas na conso-
lidação dos Estados Nacionais operou um exaustivo e inédito controle das 
formas pelas quais a população se relacionava sexualmente. Conhecimentos 
científicos e discursos médicos “alertavam” para os supostos perigos que 
práticas sexuais consideradas não convencionais, como o sexo inter-racial, 
o prazer sexual feminino, além das relações entre pessoas do mesmo sexo, 
poderiam oferecer à coletividade. 
Diante do exposto, formou-se uma rede de discursos científicos e peda-
gógicos, além de práticas, que visavam a “pedagogização do sexo da crian-
ça”. Isto é, uma série de valores, recursos e teorias passaram a defender o 
disciplinamento do corpo infantil no interior de instituições escolares, tendo 
em vista uma suposta ameaça de perigos físicos e morais, com consequ-
ências individuais e coletivas caso a sexualidade infantil se desenvolvesse 
de forma não normativa. Ao lado do foco nas crianças, consolidava-se na 
literatura psiquiátrica a imagem do homossexual: 
A invenção do termo homossexual deu-se em uma carta-protesto do 
jornalista e escritor austro-húngaro Karl Maria Kertbeny (1824-1882) 
contra a provável criminalização das relações entre pessoas do mesmo 
sexo nos estados alemães do Norte, em 1869. No ano seguinte, o então 
chamado “homossexualismo” foi “medicalizado” no texto As sensações 
sexuais contrárias do psiquiatra alemão Karl Friedrich Otto Westphal 
(1833-1890). No eixo crime-patologia, formas muito diversas de relações 
entre pessoas do mesmo sexo e maneiras heterodoxas de manipular 
os gêneros foram sintetizadas sob uma mesma identidade socialmente 
perseguida (MISKOLCI, 2010, p. 94).
As relações afetivas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo existem 
em qualquer sociedade humana, no entanto são compreendidas de forma 
distinta de acordo com cada contexto sociocultural. As sociedades moder-
nas criaram originalmente uma forma de compreensão da homossexualida-
de como doença, e, por muito tempo, perseguida como crime. A obra de 
Michel Foucault, entre outras, forneceu subsídios para se pensar a origem 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 165 
histórica desta compreensão e abriu caminho para muitas pesquisasvolta-
das à temática nas décadas de 1970 e 1980, das quais se destacam a obra do 
francês Guy Hocquenghem intitulada Le désir homossexuel, Thinking sex da 
norte-americana Gayle Rubin e O negócio do michê, do argentino radicado 
no Brasil Néstor Perlongher.
As referidas obras, dentre outras, criaram as bases para a constituição de 
uma nova abordagem da sexualidade que ficou conhecida como Teoria Que-
er, baseada na perspectiva sócio-histórica e na análise das relações de poder. 
No contexto norte-americano, são consideradas obras fundadoras dos 
estudos queer o livro Problemas de gênero: feminismo e subversão da iden-
tidade, de Judith Butler, e Epistemology of the closet, de Eve K. Sedgwi-
ck, ambos publicados em 1990. Essas obras foram produzidas no ápice da 
epidemia da aids, em um contexto que se caracterizava pela culpabilização 
de homens gays pela epidemia, tendo a mídia desenvolvido papel crucial 
nesse processo devido a reportagens sensacionalistas que enfatizavam a 
relação entre homossexuais e práticas sexuais não convencionais, colocan-
do a opinião pública contra este segmento. Trata-se de uma visão moralista 
que associava a ideia de que práticas sexuais não voltadas ao casamento 
e entre pessoas do mesmo sexo não eram apenas imorais, mas resultavam 
em ameaças à coletividade. Um dos primeiros nomes pelos quais a aids foi 
conhecida para o público leigo em geral se deu pela rotulação equivocada e 
preconceituosa de “câncer gay”. 
Há nesse contexto, portanto, uma inflexão de um movimento histórico 
que, como vimos, passava a questionar os padrões morais aceitos, algo 
que havia repercutido amplamente na produção acadêmica. Na década de 
1970, importantes eventos marcaram o processo de despatologização e de 
descriminalização da homossexualidade – tendo a Associação Americana de 
Psiquiatria retirado, em 1973, a homossexualidade do Manual Diagnóstico e 
Estatístico de Transtornos Mentais. Com a epidemia de aids na década de 
1980, configurou-se uma nova associação entre aids e homossexualidade, 
rotulando novamente certas práticas sexuais e afetivas à doença. Em outros 
termos, a despatologização da homossexualidade deu lugar à repatologiza-
ção em termos epidemiológicos (PELÚCIO & MISKOLCI, 2009). 
Todo esse contexto fomentou estudos críticos e mais aprofundados 
sobre a sexualidade que passaram a conceber a perpetuação, a despeito 
de toda a mudança trazida pelos movimentos sociais, do que se chamou 
de heteronormatividade. Nesta perspectiva, assume-se que a sexualidade é 
166 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
vivida enquanto uma construção social e histórica. Somos, portanto, frutos 
do nosso próprio tempo na forma pela qual concebemos e vivenciamos a 
sexualidade, que, por sua vez, é constituída em meio a relações de poder. 
A heteronormatividade é um sistema complexo que diferencia aquilo que é 
“bom”, apropriado e saudável do que é moralmente condenável, inapropria-
do, e deve ser evitado socialmente. Trata-se de um sistema de normas que
não faz mais do que descrever como as pessoas vivem ou devem vi-
ver, como definem um horizonte de expectativas para a vida humana, 
um conjunto de ideais para os quais as pessoas aspiram e contra os 
quais elas medem o valor delas próprias e da vida de outras pessoas 
(HALPERIN, 2012, p. 450, tradução nossa).
Em termos gerais, tais ideais se centram no modelo do casal heteros-
sexual reprodutivo. Estabelecido como a forma mais elevada moralmente, 
o modelo heterorreprodutivo influenciou e influencia até hoje as expectati-
vas de vida afetiva e sexual, até mesmo de pessoas que se relacionam com 
pessoas do mesmo sexo, servindo para desqualificar qualquer outra escolha 
individual no que tange às possibilidades de vida privada e afetiva. Eve K. 
Sedgwick (2007) compreende a heteronormatividade a partir de um regime 
de visibilidade que se constitui com base no binário hétero/homo, dois ter-
mos contemporâneos que não apenas dizem respeito a formas de expres-
são afetiva e sexual, mas são categorias estruturantes da sociedade como 
um todo. Trata-se do que ela concebeu como um regime de visibilidade 
heterossexual (regime do armário) que se configura alocando a homossexu-
alidade ao privado, ao segredo, enquanto resguarda o espaço público à he-
terossexualidade. Não se trata apenas de proibir certas expressões públicas 
de amor entre iguais, frequentemente alvo de violência, mas também de um 
complexo controle de expressões de gênero. 
Judith Butler (2003) considera que as sociedades contemporâneas são 
caracterizadas pela construção de gênero baseada em uma matriz heteros-
sexual na qual se exige uma coerência entre sexo anatômico, gênero, dese-
jos e práticas sexuais. Em outros termos, exige-se que meninos se portem 
de forma masculina e desejem se relacionar com meninas ou que meninas se 
portem de forma feminina e desejem se relacionar com meninos. 
Gêneros socialmente aceitos são aqueles que se baseiam nesta coerên-
cia, enquanto aqueles que rompem o continuum socialmente imposto, como 
travestis, transexuais e transgêneros, são alocados à esfera da abjeção, ou 
seja, daquilo que está socialmente associado à repugnância, ao desprezo e à 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 167 
vulnerabilidade. Nesse sentido, é possível compreender o regime de visibili-
dade heterossexual como aquele que inviabiliza pessoas que rompem com a 
norma não apenas de se expressarem afetivamente, mas de se portarem de 
forma espontânea, sendo frequentemente alvo de violência verbal ou física. 
De um lado, por exemplo, tal regime constrange casais de mulheres que 
se relacionam amorosamente a não expressarem sua afetividade em públi-
co. De outro lado, transforma, muitas vezes, espaços públicos em lugares 
hostis a expressões de gênero dissidentes, como para travestis, transexuais 
e transgêneros, que frequentemente se transformam em alvo de insultos ou 
mesmo de violência física. 
Figura 2 Muriel/Hugo é uma personagem d@ Laerte, cartunista reconhecid@ que 
passou a se identificar publicamente enquanto transgênero. Os quadrinhos desta 
personagem lidam de forma descontraída e questionadora com a ordem sexual que 
subalterniza transgêneros, transexuais e travestis.
A escola contemporânea, em geral, atua como instituição normalizado-
ra, atualizando pedagogias de gênero e sexualidade que contribuem para 
deixar intocada a ordem heterossexual, alocando ao segredo e à vergonha 
outras formas de viver a sexualidade e o gênero. Neste sentido, um dos 
aspectos centrais de sua caracterização é a perpetuação do regime de vi-
sibilidade heterossexual que aloca à vulnerabilidade aqueles(as) que não 
se adéquam à norma heterossexual. Em outros termos, não se reconhece 
a existência da homossexualidade, transexualidade e transgeneridade, ao 
mesmo tempo que se reproduz a heterossexualidade como padrão.
Ignorar a existência do interesse por pessoas do mesmo sexo é uma das 
formas que a escola utiliza para construir identidades de gênero tradi-
cionais, mas vale sublinhar que essa ignorância é intencional e ativa. 
168 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Os educadores e educadoras partem de uma desvalorização de formas 
alternativas de compreensão dos gêneros e de vivência da afetividade 
para que as identidades esperadas sejam construídas em cada menino 
ou menina (MISKOLCI, 2010, p. 100-101). 
O que está em jogo não é apenas a vivência de sujeitos homossexuais 
dentro dos muros da escola. No decorrer da infância, há mecanismos hete-
ronormativos muito antes de qualquer autorreconhecimento identitário. No 
contato com as violências visíveis e invisíveis, com os silêncios e modelos, 
com as ações e omissões da escola, os alunos aprendem o que é social-
mente prescrito e como devem se portar diante das diferenças da norma 
heterossexual. A partir do exposto, podemos repensar e propor uma “outra 
escola”, que dialogue com experiências abertas às diferenças e que debata 
de que forma a violência está presentena sociedade e na escola, propician-
do reflexões transformadoras aos alunos e às alunas. 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 169 
BOX 3
Já afirmamos que a forma de se compreender a sexualidade varia social 
e historicamente, bem como os termos que a designam. Em outras épo-
cas e sociedades, as relações sexuais com pessoas do mesmo sexo eram 
compreendidas de forma amplamente distinta da nossa sociedade. Como 
exemplo, na Grécia e Roma antigas, homens relacionavam-se com outros 
homens sexualmente, e, desde que cumprissem certos códigos morais, 
sua masculinidade não era posta em questão. Na sociedade contemporâ-
nea, algo distinto ocorre à medida que, para um homem ser reconhecido 
enquanto tal, se exige uma orientação sexual específica: a heterossexuali-
dade. Em outros termos, os homens que mantêm relação afetiva e sexual 
entre si convivem com a consideração preconceituosa de que apresentam 
uma “falha” em sua masculinidade. 
Alguns termos são importantes para compreendermos essas questões. 
Segue um pequeno glossário simplificado.
Orientação sexual: escolha sexual e afetiva segundo o gênero. Deste 
modo, algumas pessoas se definem como heterossexuais, elegendo pes-
soas do gênero oposto, outras se definem como homossexuais, elegendo 
pessoas do mesmo sexo, e, ainda, outras se definem como bissexuais, ele-
gendo tanto pessoas do sexo oposto quanto do mesmo sexo. O termo 
homossexualidade é preferível em relação a homossexualismo, cujo prefixo 
ismo carrega uma conotação de doença. É importante pensar que essas 
categorias não são tão fechadas e podem não dar conta da totalidade das 
experiências afetivas e sexuais de uma mesma pessoa.
Identidade de gênero: identificação da pessoa segundo o gênero base-
ada no argumento de que o sexo anatômico não determina diretamente 
a masculinidade ou a feminilidade. A identidade de gênero é nomeada a 
partir da congruência ou divergência em relação às expectativas que de-
terminam causalidade direta entre a anatomia biológica e as dimensões 
culturais da masculinidade ou da feminilidade. Transgeneridade refere-se à 
identificação de uma pessoa com o gênero oposto ao do seu “sexo bioló-
gico”. Transexualidade é comumente definida da mesma forma, havendo a 
possibilidade de que as pessoas realizem cirurgias corporais de modo a se 
adequarem à anatomia sexual correspondente à sua identidade de gênero. 
170 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
BOX 3
Travestilidade refere-se à outra forma de expressão de gênero discordante 
da anatomia sexual original. É importante ressaltar que a não conformidade 
em relação ao gênero não necessariamente se relaciona com a orientação 
sexual, ou seja, há pessoas trans que se relacionam com pessoas do mesmo 
gênero, por exemplo. 
BOX 4
Assista ao curta-metragem Eu não quero voltar sozinho (Brasil, 2010), diri-
gido por Daniel Ribeiro. A produção fílmica é uma boa oportunidade para 
debater a presença de outras sexualidades no contexto escolar, além de 
abordar o exercício da sexualidade entre pessoas com deficiências. O filme 
narra o convívio entre dois adolescentes, sendo um deles deficiente visual, 
e suas primeiras vivências afetivo-sexuais. Acesse o link: <https://www.you-
tube.com/watch?v=1Wav5KjBHbI>.
UNIDADE 2
Casa-grande & senzala: o modelo heterorreprodutivo 
nacional e suas dimensões históricas
Após termos apresentado o conceito de heteronormatividade e sua in-
fluência no modo como as relações sociais se organizam, em especial no 
interior da escola, nesta unidade discutiremos os aspectos singularmente 
brasileiros da construção histórica e social da sexualidade. Ou seja, aborda-
remos de que modo fatores políticos, econômicos e históricos configuraram 
as manifestações da sexualidade no Brasil. Para tanto, apresentaremos as 
ideias de Gilberto Freyre, influente teórico das Ciências Sociais brasileiras. 
Freyre é frequentemente associado à ideia de que haveria uma “demo-
cracia racial” no país. Segundo esse mito, o Brasil seria um país mestiço e, 
diferentemente de outros contextos nacionais, marcado por relações mais 
harmônicas entre as “raças”. Embora as críticas baseadas em pesquisas 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 171 
sociológicas e históricas tenham apontado que a configuração social brasi-
leira, ao contrário do que Freyre apontava, é marcada pelo racismo, vários 
autores realizaram uma leitura original de sua obra, aproveitando-se da com-
plexidade com a qual lidava com aspetos macrossociais relacionados à vida 
privada e íntima do Brasil colonial. 
Freyre analisou as bases históricas da sociedade brasileira de forma so-
fisticada, ao integrar em sua análise aspectos socioeconômicos abrangen-
tes, como as históricas plantations baseadas no trabalho escravo, os sistemas 
políticos patriarcalistas, além das características prosaicas dos costumes 
privados dessa época. Em uma leitura crítica de seu livro mais famoso, Casa-
-grande & senzala, publicado em 1933, é possível notar as íntimas e não me-
nos violentas relações entre a casa-grande e a senzala, que deixaram marcas 
profundas em nossa configuração social presente. Um dos aspectos analisa-
dos pelo autor, bem lembrados por Laura Moutinho (2004), diz respeito ao 
patriarcalismo poligâmico, no qual o pai de família e proprietário de terras 
tinha assegurado para si uma dupla moral sexual que lhe permitia ter rela-
ções sexuais dentro e fora do casamento, aproveitando-se de suas escravas. 
Desta origem histórica herdamos um modelo de sexualidade que articu-
la dominação masculina e racismo. No período colonial e escravista de nossa 
história, às mulheres brancas e da elite cabia o recato sexual, a reprodução e 
o cuidado do lar e dos filhos. As mulheres negras e escravizadas, por sua vez, 
frequentemente serviam, mediante coação, aos prazeres dos proprietários 
de terras e homens livres. No Brasil, a relação sexual inter-racial constituiu-se 
saturada de poder com base na história de hierarquias raciais próprias de 
uma sociedade de origem colonial e escravocrata. Deste cenário surgiu a 
representação da mulher negra ou mulata como supostamente mais sensual 
e acessível sexualmente, bem como marcada pela falta de moralidade. Em 
outros termos, além de coagidas ao ato sexual, eram tratadas como se esti-
vessem sempre predispostas ao sexo. 
Sueann Caulfield (2000) aborda a continuidade desse padrão moral ba-
seado na hegemonia masculina durante as décadas de 1930 e 1940. A mora-
lidade da época compreendia a honra sexual da mulher, também concebida 
como “honestidade sexual”, como base da família, por sua vez, sustentáculo 
da nação. O controle moral da sexualidade tinha óbvios contornos de gê-
nero. Aos homens, permitia-se o uso do espaço público e não se cobrava 
recato sexual, às mulheres exigia-se domesticidade e “proteção” de sua 
“honra”. Honestidade, neste caso, significava submissão à vigilância dos pais 
172 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
e do marido, ao passo que seu oposto poderia ser constatado na presença 
da mulher na esfera pública andando em bondes, em atividades de entre-
tenimento, como a dança desacompanhada, entre outras que denotavam 
autonomia. As leis e os direitos sexuais da época eram concebidos a partir 
de uma suposta missão reprodutiva e moralizadora da mulher, em vez da 
defesa de sua liberdade e da garantia de seus direitos individuais. 
Estamos diante da caracterização de uma ordem sexual que, se na pri-
meira unidade assinalamos sua relação com a heteronormatividade, aqui 
enfatizamos sua vinculação com aspectos raciais e de gênero. 
É possível conceber, para fins didáticos, um sistema de classificações so-
ciais que hierarquiza certas práticas sexuais como moralmente mais dignas 
do que outras. As análises de Gayle Rubin (1984) permitem formular uma 
representação gráfica de uma pirâmide sexual em que no topo constam 
heterossexuais casados do mesmo grupo racial, logo abaixo homens hete-
rossexuais solteiros,seguidos por casais heterossexuais de grupos raciais 
distintos e mulheres heterossexuais solteiras. Pouco acima dos grupos da 
base da pirâmide estão os casais estáveis de lésbicas e gays, mais abaixo os 
mesmos grupos solteiros, e na base constam os transgêneros e transexuais, 
os(as) profissionais do sexo e, por fim, travestis que vivem da prostituição. 
Temos, portanto, um modelo de estratificação social segundo a respeitabili-
dade social, ancorado em pressupostos morais e relações de poder. 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 173 
Figura 3 Gráfico ilustrativo da pirâmide sexual brasileira. Adaptado com base na dis-
cussão da antropóloga norte-americana Gayle Rubin. 
A pirâmide sexual descrita auxilia na compreensão de como a sociedade 
vincula respeitabilidade com a maneira pela qual os indivíduos lidam com 
a esfera dos afetos, da sexualidade, das formas de identificação de gênero 
e das relações raciais, considerando que todas essas dimensões atuam de 
forma simultânea. Nessa perspectiva, o argumento segundo o qual a sexua-
lidade se restringe às questões pessoais e à esfera do privado cai por terra. 
Uma ordem sexual se configura socialmente e a sociedade conta com instru-
mentos sofisticados para controlá-la, perpetuando assimetrias, hierarquias e 
desigualdades tal como apresentado na referida pirâmide. 
Os grupos sociais presentes no topo da pirâmide, representativos da 
respeitabilidade social, têm garantida sua circulação na esfera pública, além 
da livre expressão de seus afetos, pois não se deparam com restrições à ma-
nifestação afetiva (beijos, abraços, carícias) nas ruas, restaurantes, shoppin-
gs centers etc. Além disso, esses grupos têm maior possibilidade de serem 
respeitados e recrutados pelo mercado de trabalho. No entanto, os grupos 
174 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
sociais localizados na base da pirâmide, representativos da abjeção social,42 
encontram inúmeros obstáculos em sua circulação pública, sendo alvo de 
manifestações violentas e discriminatórias, além de terem dificuldade de 
acesso ao mercado de trabalho. As desigualdades não se restringem aos 
empecilhos para circular nos espaços abertos, mas também têm efeito nos 
rendimentos financeiros, pois o mercado de trabalho atua a partir de prin-
cípios normativos, discriminando, portanto, os grupos sociais estabelecidos 
na base da pirâmide. Mais profundo do que isso, a base da pirâmide atesta a 
consideração de um grau menor de humanidade aos seus ocupantes. Como 
exemplo, 
são corriqueiras as notícias de pessoas transexuais e travestis assassi-
nadas no Brasil sem que haja apuração e punição dos(as) culpados(as). 
Acaba-se produzindo uma hierarquia das mortes: algumas merecem 
mais atenção do que outras. De modo geral, na lógica jurídica, um dos 
critérios para se definir a posição que cada assassinato deve ocupar na 
hierarquia dos operadores do Direito parece ser a conduta da vítima em 
vida. Nessa cruel taxonomia, casos de pessoas transexuais assassina-
das ocupam a posição mais inferior. É como se houvesse um subtexto: 
“quem mandou se comportar assim”. Essa taxonomia acaba (re)produ-
zindo uma pedagogia da intolerância. A vítima é metamorfoseada em 
ré em um processo perverso de esvaziá-la de qualquer humanidade 
(BENTO, 2011, p. 554). 
O entremeio é caracterizado por julgamentos coletivos que, embora não 
aloquem os sujeitos à abjeção, recusam o reconhecimento integral de suas 
experiências, da mesma forma que cobram sua adequação às normas. Às 
mulheres heterossexuais, solteiras, na faixa dos 30 anos, por exemplo, recai a 
“cobrança” de se casarem ou de pelo menos manterem um namoro estável 
de forma mais acentuada do que aos homens. O sentimento de adequação 
e reconhecimento social alcançado por aqueles que estão no topo da pi-
râmide se revela na mesma medida em que a inadequação dos que estão 
abaixo se apresenta em situações cotidianas, mesmo que de forma sutil. 
42 Abjeção social refere-se às manifestações de repugnância e temor da qual são objeto 
aqueles(as) que não se enquadram nos rígidos padrões heteronormativos. Nessas oca-
siões, por expressarem sexualidades e performances de gênero não enquadradas no 
padrão “esperado”, gays, lésbicas, travestis, entre outros, são alvo de desprezo e temor 
por grupos sociais refratários a qualquer padrão que não manifeste explicitamente as 
demandas heterossexuais.
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 175 
Os casais gays e lésbicos, especialmente aqueles cujos pares não apre-
sentam performance de gênero discordante das normas sociais, ou seja, no 
qual os homens são masculinos e as mulheres femininas – preferencialmente 
brancos e das classes altas –, estão em um patamar acima na pirâmide de 
respeitabilidade social quando comparados a gays e lésbicas solteiras, dado 
que reproduzem, ainda que de forma avessa, o modelo heterossexual funda-
do no vínculo conjugal estável. 
Mídia e sexualidade: o que é incentivado a ser veiculado e o que 
causa polêmica? 
Além do prestígio social e da respeitabilidade de que gozam os grupos 
sociais localizados nos estratos superiores da pirâmide e das experiências 
de abjeção social a que são submetidos(as) aqueles(as) cuja sexualidade não 
corresponde ao padrão heteronormativo, é importante discutir o papel da 
mídia na veiculação de representações sobre gênero e sexualidade. É possí-
vel dizer que, atualmente, a televisão, o cinema e a internet são importantes 
fontes de significados da cultura que acabam repercutindo na forma como 
nos vemos e vemos os outros. 
Atualmente, as mídias televisivas, ao atuarem em convergência com as 
mídias digitais, produzem e transmitem diversos tipos de valores à socieda-
de. O que vemos nos canais televisivos nunca é o reflexo imediato da reali-
dade, independentemente se estamos nos referindo às ficções das teleno-
velas ou aos programas jornalísticos. Uma representação é sempre seletiva 
em termos do que abordar e de como atribuir significado. O que pode ser 
visto na televisão? Como os diversos grupos sociais são abordados? Esses 
questionamentos são importantes caso concebamos que a relação entre es-
pectadores e o conteúdo midiático ocorre por meio da produção de identifi-
cações e referências. Em outros termos, o modo pelo qual compreendemos 
a nós mesmos e aos outros depende de modelos que são, cada vez mais, 
fornecidos pelas mídias. 
Por exemplo, no início de 2014, pela primeira vez um beijo entre homens 
foi veiculado na telenovela Amor à vida, produzida pela maior emissora de 
televisão brasileira, conforme abordado no capítulo anterior deste livro. O 
que explica tamanho intervalo de tempo na representação da afetividade 
entre homens na televisão? Por que uma forma de afeto e de expressão 
da sexualidade representativa na sociedade não pode ser abordada em 
176 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
programas televisivos? O receio é resultado do controle das emissoras 
que buscam se adequar aos valores sociais normativos definidores de sua 
audiência, mas também é revelador da norma heterossexual, presente nas 
decisões corporativas da mídia e no mercado de anúncios publicitários que 
mantêm a programação. 
Setores mais conservadores da sociedade assumem que a televisão é 
influente no que se refere à transmissão de padrões de comportamentos 
e consideram que práticas sexuais divergentes às normas não devem ser 
veiculadas em público. A despeito dessas manifestações, de modo geral, 
a cena do beijo teve uma repercussão positiva na imprensa escrita e nas 
redes sociais, embora seja patente que ela se pautou pela discrição afeti-
va e foi circunscrita a homens brancos e de classe alta, com privilégios e 
reconhecimento que minimizam o preconceito em relação à homossexua-
lidade, conforme aludido na pirâmide de respeitabilidade social segundo a 
sexualidade. 
Enquanto as relações afetivas entre homens não encontram espaço na 
mídia, no carnaval, mulheres seminuas ocupam astelas durante todo o ho-
rário da programação. Em especial, as mulatas, atualizando a representação 
que associa negritude e sensualidade natural, cuja história remonta a nosso 
passado colonial e escravista, conforme já discutido. 
As representações midiáticas, portanto, não são neutras, pois carre-
gam valores culturais e difundem normas sociais que reatualizam o modelo 
heterorreprodutivo da sociedade brasileira, calcado na hegemonia mascu-
lina e influenciado por fatores raciais, entre outros. Vemos, portanto, que 
as dimensões de raça, gênero e sexualidade se encontram entrelaçadas 
na configuração de uma ordem sexual brasileira, conforme discutido no 
primeiro capítulo do presente livro, quando foi apresentado o conceito de 
interseccionalidade. 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 177 
Figura 4 Aline Prado, “Globeleza” entre 2006 e 2013, representa a figura da mulata 
sensual, bastante abordada pela mídia brasileira.
A matriz heterossexual de gênero e a homofobia na escola 
Quando falamos de uma ordem sexual devemos compreender como 
os elementos que se referem à sexualidade se unem a outras dimensões, 
por exemplo, às relações de gênero. Sexualidade e gênero se entrecruzam 
quando consideramos que a construção social da masculinidade se baseia 
na negação do feminino, incluindo a dominação simbólica das mulheres e a 
homofobia. Para Rogério Junqueira (2009), o processo de se constituir en-
quanto homem passa por se diferenciar do feminino encarnado nas mulhe-
res e nos homossexuais, muitas vezes a partir da violência: o “‘outro’ passa a 
ser principalmente as mulheres e os gays e, para merecerem suas identida-
des masculinas e heterossexuais, [os homens] deverão dar mostras contínuas 
de terem exorcizado de si mesmos a feminilidade e a homossexualidade” 
(JUNQUEIRA, 2009, p. 19).
Considerando que a masculinidade se constitui na homossociabilidade, 
ou seja, ela é aprendida e reforçada nas relações de sociabilidade entre ho-
mens nas práticas esportivas, nos grupos de amizade, no contato com cole-
gas de trabalho, um aspecto fundamental destas relações é a necessidade 
178 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
de se espantar a “ameaça” da homossexualidade. Em outros termos, na ho-
mossociabilidade, a homossexualidade atua como um elemento simbólico 
especial: 
Tanto o medo como a forma de agressão mais comum se fazem na 
linguagem da homossexualidade, enquanto categoria passiva, simboli-
zada na imagem da penetração anal, feminizando assim o homem. Este 
recurso retórico é usado em todas as relações competitivas e conflitu-
osas entre homens, seja no trabalho, nos negócios ou no jogo. Por sua 
vez, a homofobia situa e exorciza o perigo homossexual da homossocia-
lidade (ALMEIDA, 2000, p. 68).
A homofobia se refere, em termos simples, à internalização da negação 
da homossexualidade como aspecto constitutivo da identidade heterosse-
xual. Os termos heterossexual e homossexual são categorias contemporâ-
neas, criadas na passagem do século XIX para o XX, e se caracterizam por 
sua interdependência. Apenas se concebe o que é heterossexual referindo-
-se ao seu contraste, o homossexual. Em outras palavras, a homossexuali-
dade é a alteridade definidora da heterossexualidade. Essa constatação é 
facilmente notada nas piadas contadas por homens e nas relações jocosas 
(“zombarias”) típicas desse grupo, cujo conteúdo, em geral, alude de forma 
pejorativa à homossexualidade e sistematicamente coloca em xeque a “he-
terossexualidade” de algum membro do grupo. Basta nos lembramos das 
piadas contadas sobre gays, taxados nessas ocasiões como “viados/bichas”, 
e nas gargalhadas que extraem dos comparsas. Por meio do escárnio, os ho-
mens procuram se diferenciar dos gays e rejeitar qualquer forma de desejo 
ou prática homossexual e, ao mesmo tempo, reafirmam publicamente sua 
virilidade.
A homofobia não se limita às piadas ou às relações jocosas estabelecidas 
entre homens, pois sua expressão talvez assuma contornos de repulsa que 
podem culminar em atos de agressão física, por exemplo. A violência homo-
fóbica não se limita a um ato isolado que diz respeito apenas à personalida-
de do agressor, pois ela coincide com um sistema de valores que caracteriza 
a heterossexualidade como manifestação da normalidade, do saudável e do 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 179 
adequado, ao mesmo tempo que classifica a homossexualidade como anor-
mal, desviante, inadequada e doentia. Aqueles que não se identificam com 
as normas habitam a esfera da abjeção e, portanto, encarnam justamente a 
alteridade a ser socialmente repugnada. Segundo Richard Miskolci (2012), “a 
abjeção, em termos sociais, constitui a experiência de ser temido e recusado 
com repugnância, pois sua própria existência ameaça uma visão homogênea e 
estável do que é a comunidade” (MISKOLCI, 2012, p. 24). 
BOX 5
A matriz heterossexual de gênero
Segundo Judith Butler (2003), a construção das relações de gênero em con-
textos heteronormativos fundamenta-se na coerência socialmente imposta 
entre anatomia sexual, gênero, desejo e práticas sexuais. Assim, pessoas 
dotadas de um pênis devem se portar de forma masculina, se interessar 
por mulheres e se relacionar com elas. De forma inversa, o mesmo vale 
para pessoas que nasceram com a anatomia feminina. Baseando-se nessas 
argumentações, cria-se a ideia de complementaridade de gênero, isto é, a 
pressuposição de que homens e mulheres são naturalmente condicionados 
para formar casais heterossexuais. O heterossexismo organiza-se conforme 
o pressuposto de que todos são naturalmente heterossexuais até que se 
prove o contrário, em vez de conceber as relações de gênero e afetivo-
-sexuais como constituições sociais e históricas. 
Aqueles que não se adéquam às normas de gênero e sexualidade são 
vistos como desviantes ou como portadores de alguma patologia. Os valo-
res e as ideias difundidas por família, religiões, mídias, escola, entre outras 
instituições, tendem a naturalizar as normas sociais não levando em conta 
que, no cotidiano, as crianças, por exemplo, ultrapassam ou misturam os 
universos masculinos e femininos. Segundo Berenice Bento (2011), “o pro-
cesso de naturalização das identidades e a patologização fazem parte desse 
processo de produção das margens, local habitado pelos seres abjetos” 
(BENTO, 2011, p. 553). A expressão “isso não é coisa de menino!” revela 
muito como as fronteiras entre os gêneros são constantemente vigiadas. Em 
síntese, questiona a autora, 
depois de uma minuciosa e contínua engenharia social para produzir 
180 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
corpos sexuados que tenham na heterossexualidade a única possibilida-
de humana de viver a sexualidade, como se pode continuar atribuindo 
à natureza a responsabilidade daquilo que é o resultado de tecnologias 
gerenciadas e produzidas pelas instituições sociais? (BENTO, 2011, p. 552).
A título de exemplo, Berenice Bento (2011) analisa narrativas de transe-
xuais que na infância deixaram a escola depois de serem alvo de sucessivas 
agressões por conta de sua inadequação às normas de gênero, sem que 
a escola atuasse para inibir tais atitudes. Esses casos acabam compondo 
as estatísticas de evasão escolar; no entanto, como o tema não é levado a 
sério pela maior parte das escolas, não se sabe nem mesmo qual percentual 
dessas evasões decorre do bullying homofóbico. Segundo a autora, em vez 
de serem tipificados como “evasão”, esses casos deveriam ser classificados 
como “expulsão”, pois são fruto, entre outros aspectos, das práticas e omis-
sões da pedagogia escolar alinhada às normas de gênero hegemônicas. 
Diante do panorama apresentado nesta unidade, deve-se questionar a 
neutralidade das práticas pedagógicas e do currículo escolar convencional. 
Nesse sentido, é importante propor uma nova abordagem pedagógica que 
leve em conta os aspectos discutidos e que busque problematizá-los em 
prol da transformação do espaçoescolar. Uma pedagogia que leva em conta 
o reconhecimento das diferenças deve tornar explícito o conteúdo muitas 
vezes imperceptível, mas violento, de alguns tipos de interação, valores e 
práticas presentes na instituição escolar, com o propósito de intervir para 
que esse ambiente se torne mais receptivo e democrático.
Neste sentido, torna-se importante dar visibilidade às injustiças e à vio-
lência decorrentes do cumprimento de regras e convenções culturais que 
subdividem grupos sociais segundo critérios de “normalidade” e “anor-
malidade”. É necessário reconhecer que tanto aqueles que são “adapta-
dos” e “respeitados socialmente” quanto os estigmatizados e humilhados 
sofrem ação dessas mesmas normas e convenções e detêm recursos para 
reconhecê-las.
O senso comum muitas vezes compreende as diferenças como “des-
vio” e, desta forma, naturaliza as identidades socialmente reconhecidas e 
as identidades abjetas. Em uma perspectiva mais crítica e atenta, devem-se 
refutar as concepções essencialistas da diferença, ou seja, que a concebem 
como natural e imutável, visto que ela só pode ser compreendida com base 
no contexto social que a circunscreve.
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 181 
Além disso, as diferenças embasam elementos dos hábitos e costumes 
de uma sociedade e, assim, moldam o “jeito de ser”, os gostos, as carac-
terísticas de cada um. Neste sentido, uma abordagem questionadora das 
normas não se limita à aceitação da “diferença”, pois busca transformar as 
relações cotidianas da escola de modo a eliminar hierarquias de gênero 
e sexualidade. Nessa perspectiva, recusa-se um modelo de pensamento 
que se baseie em valores binários e redutores, tais como “normalidade” ou 
“anormalidade”, “castidade” ou “promiscuidade”, “garanhão” ou “viado”, 
“moça de família” ou “piriguete”, pois o modo de se relacionar com o outro, 
de se portar, o desejo, são expressões possíveis da sexualidade no contexto 
ocidental e devem ser vistos como elementos possíveis do “jeito de ser” de 
cada um. 
A abordagem queer atenta para como as normas da sociedade moldam 
tanto aqueles que se adaptam a elas quanto os que delas divergem. A escola 
fornece exemplos por meio das imagens dos livros didáticos e das falas dos 
professores e colegas sobre o que é esperado socialmente em relação aos 
padrões de gênero e sexualidade, como também perpetua a invisibilidade 
das diferenças em relação aos padrões. Há uma pedagogia de gênero e se-
xualidade no espaço escolar que opera por meio da violência e da omissão, 
conformando um horizonte de expectativas aos alunos sobre o que é ou 
não é aceitável/esperado nos comportamentos sociais. Essas constatações 
são evidentes em casos de bullying homofóbico, em que o agressor justifica 
suas motivações em razão da “defesa” das normas sociais “esperadas”, ao 
passo que aqueles que discordam da atitude tomada muitas vezes silenciam 
suas argumentações e tornam-se “cúmplices” da covardia por se sentirem 
ameaçados ou por receio de sofrerem tal como a vítima.
Tanto os casos de bullying quanto a sutileza das práticas escolares que 
dividem rigidamente comportamentos típicos de “meninos” e típicos de 
“meninas” perpetuam a “pedagogia da (in)visibilidade” da sexualidade, com 
consequências pessoais para diversos sujeitos no espaço escolar. No início 
da adolescência, quando alguns estudantes passam a se reconhecer como 
não heterossexuais, em geral, não encontram acolhimento para expressar 
seus sentimentos e identificações. Muitas vezes, reconhecem a própria ho-
mossexualidade a partir da experiência do xingamento e da abjeção. Veem 
a escola como um ambiente no qual a homossexualidade não encontra outra 
posição que não a da abjeção, do silêncio e do medo, que tendem a ser a 
dimensão subjetiva predominante. 
182 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Desse modo, a instituição escolar paulatinamente incute nos chama-
dos “estranhos” a ideia de que devem manter em silêncio seus desejos e 
sentimentos, pois, aos olhos da sociedade, são “errados”, “sujos” e “abje-
tos”. A escola, que em tese deveria socializar as novas gerações de forma 
democrática e reconhecer suas peculiaridades, acaba por obrigá-los não 
apenas a esconder, mas também a rejeitar qualquer aspecto, seja nos tra-
jes, no modo de pentear os cabelos, no modo de andar, na expressão dos 
sentimentos, que sutil ou abertamente “denunciem” oposição ao padrão 
heteronormativo. Ou seja, a instituição escolar ensina meninos e meninas 
a rejeitarem seus desejos e gostos, alocando-os à esfera da abjeção e do 
segredo “vergonhoso”.
O silêncio é, portanto, o espaço no qual se escapa da violência física ou 
do assédio moral, muito embora com custos pessoais e psicológicos. Desta 
forma, a homossexualidade é preservada em seus vínculos com o segredo e 
com a vergonha, enquanto a esfera pública persevera sua associação com a 
heterossexualidade. Neste sentido, o “armário”, isto é, manter em segredo 
os sentimentos e desejos homossexuais, não pode ser concebido como es-
colha individual. Trata-se, antes, de um dispositivo de controle que naturaliza 
a heterossexualidade e não permite a expressão pública de comportamen-
tos que dela divirjam. Embora seja comum a culpabilização daqueles que 
não “assumem” sua sexualidade, em muitos casos, “esconder” a própria 
orientação sexual é uma forma de evitar maior vulnerabilidade às situações 
de violência. Em contraste ao racismo, que, em geral, é marcado pela visibi-
lidade do estigma, o armário se caracteriza pela instabilidade e pela vulne-
rabilidade na manipulação do conhecimento sobre a sexualidade de alguém 
cuja “verdade” passa pelo controle do julgamento coletivo. 
Nos casos em que a discordância dos padrões de gênero e sexualidade são 
mais acentuados, como entre meninos que se identificam com meninas desde 
cedo, transgêneros e transexuais, o silenciamento não se apresenta como “op-
ção”, pois o assédio moral e a violência física atuam de forma evidente, espe-
cialmente em espaços liminares, nos quais inspetores, professores e diretores 
não supervisionam o comportamento dos alunos, tais como os corredores, os 
pátios, as quadras, os banheiros e, principalmente, a saída da escola. 
Como profissionais da educação costumam testemunhar, são meninos 
femininos e meninas masculinas, pessoas andróginas ou que adotam um 
gênero distinto do esperado socialmente, que costumam sofrer injúrias 
e outras formas de violência no ambiente escolar. Será mero acaso que 
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 183 
homens e mulheres que constroem um perfil de gênero esperado e escon-
dem seu desejo por pessoas do mesmo sexo sofram menos perseguição? 
A sociedade incentiva essa forma “comportada”, no fundo, reprimida 
e conformista, de lidar com o desejo, inclusive por meio da forma como 
persegue e maltrata aqueles que são cotidianamente humilhados sendo 
xingados de afeminados, bichas, viados, termos que lembram o sentido 
original de queer na língua inglesa (MISKOLCI, 2012, p. 32).
Para os homens, qualquer ocasião que os associem à feminilidade é con-
siderada aviltante, pois a virilidade depende da rejeição de características 
femininas ou que coloquem em xeque sua heterossexualidade. Por outro 
lado, na infância, quando um menino eventualmente se comporta, ou tem 
gostos, de modo considerado não normativo, em geral, é chamado de “bi-
cha” ou “marica”, fato que o leva cada vez mais a se sentir rejeitado e pe-
jorativamente diferente. Para os meninos, tornar-se homem é diferenciar-se 
do feminino, o que muitas vezes significa virilizar-se a partir da dominação 
masculina e da homofobia. Essa situação é agravada durante a adolescência 
quando o maior número de parceiras sexuais atesta a virilidade do jovem e 
exclui a suspeita de que ele seja homossexual.
No caso das mulheres, o senso comum considera que elas devem zelar 
por sua honra, o que significa não apenas comportar-se de modo delicado, 
mas também engajar-se em escolherexclusivamente os relacionamentos 
estáveis e, dessa forma, evitar contato com vários parceiros sexuais ou com 
qualquer situação que deponha contra a sua moralidade, condutas não 
esperadas para “mulheres respeitáveis”. Desse modo, concluímos que a 
ordem sexual e de gênero é constituída por valores morais que asseguram 
privilégios para os homens e desigualdades para as mulheres, padrão reper-
cutido não apenas nas relações afetivo-sexuais e familiares, como também 
nas relações de trabalho, no interior das escolas, dos serviços de saúde, en-
tre outros espaços públicos. 
184 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
UNIDADE 3 
Aspectos da heteronormatividade contemporânea
Nas novelas, nos telejornais, nas revistas e nas redes sociais, cotidiana-
mente nos deparamos com discursos e opiniões divergentes relacionados à 
sexualidade. O roteiro das telenovelas, vez ou outra, contempla o romance 
entre homens e entre mulheres; questiona se é legítimo ou não o uso de tec-
nologias reprodutivas para que casais gays possam ser pais ou mães; além 
de levar o público ao frisson diante do beijo entre dois homens, constatação 
que selaria a suposta “liberdade” de costumes e de normas nunca antes 
vista no Brasil. As forças sociais estariam avançando de modo a fazer da 
diferença motivo genuíno de transformação das relações familiares, conju-
gais e sexuais ou apenas estariam aprendendo a tolerar o “diferente” e a 
“aceitá-lo” como tal?
A esse respeito, José Alves e Sônia Corrêa (2009) afirmam que cada vez 
mais as sociedades têm se individualizado e expandido a autonomia pes-
soal, sobretudo das mulheres. Além disso, os autores mencionam modifica-
ções no modo de organização da família e da conjugalidade em virtude da 
separação entre reprodução e exercício da sexualidade. Durante boa parte 
do século XX, considerava-se que as práticas sexuais deveriam estar vincu-
ladas ao matrimônio, pelo menos para as mulheres, ao passo que, hoje em 
dia, é amplamente aceito que o início da vida sexual ocorra na adolescência, 
com maior possibilidade de os jovens experimentarem relações sexuais com 
mais parceiros durante a vida. A invenção da pílula anticoncepcional e o uso 
disseminado de preservativos foram elementos que contribuíram para uma 
nova forma de se exercer a sexualidade, não tendo em vista necessariamen-
te a formação de uma família. 
Esses fatores redundam em transformações importantes na fecundidade 
e na contestação de padrões “tradicionais” das relações de gênero e das re-
lações familiares, além da reconfiguração da heteronormatividade. A despeito 
das mudanças, “mecanismos legais e culturais de subordinação das mulheres 
[...] continuam vigentes em muitos países” (ALVES & CORRÊA, 2009, p. 125). 
Mesmo nas sociedades marcadas por mudanças contundentes no plano das 
sexualidades e das relações de gênero, o privilégio disponível aos homens 
segue orientando a sociabilidade cotidiana, entre outros domínios.
Escola e sexualidades: uma visão crítica à normalização | 185 
De um lado, de acordo com Jeffrey Weeks (2009), atualmente, as forças 
sociais perfazem uma longa e profunda revolução nos parâmetros da vida 
sexual e íntima. Desde a década de 1990, verificam-se mudanças dramáticas 
na família e na vida conjugal, no erotismo, nas identidades sexuais, nas rela-
ções entre homens e mulheres, homens/homens e mulheres/mulheres. Estas 
transformações ocorrem de forma desigual nos países, pois dependem de 
configurações sociais específicas e da condição histórica e cultural de cada 
um. Mas é preciso ressaltar que as referidas modificações se deram sem o 
questionamento das normas que reconhecem certas experiências, identida-
des e formas de organizar a vida afetiva como superiores a outras. Em outras 
palavras, a heteronormatividade segue vigente, ainda que reconfigurada.
A heteronormatividade expressa as expectativas, as demandas e as 
obrigações sociais que derivam do pressuposto da heterossexualidade 
como natural e, portanto, fundamento da sociedade. Muito mais do que 
o aperçu de que as relações com pessoas do sexo oposto são compul-
sórias, a heteronormatividade sublinha um conjunto de prescrições que 
fundamenta processos sociais de regulação e controle até mesmo da-
queles que se relacionam com pessoas do mesmo sexo. Assim, ela não 
se refere apenas aos sujeitos legítimos e normalizados, mas é uma de-
nominação contemporânea para o dispositivo histórico da sexualidade 
que evidencia seu objetivo: formar a todos para a heterossexualidade 
ou para organizarem suas vidas a partir de seu modelo supostamente 
coerente, superior e “natural” (MISKOLCI, 2009, p. 8).
O questionamento das normas heteronormativas não se faz com a “aceita-
ção” ou “tolerância” às diferentes formas de orientação sexual e identidades 
de gênero. Para isso, seguindo as considerações de Miskolci (2012), é preciso 
“tornar visíveis as injustiças e violências implicadas na disseminação e na de-
manda do cumprimento das normas e das convenções culturais, violências 
e injustiças envolvidas tanto na criação dos ‘normais’ quanto dos ‘anormais’” 
(MISKOLCI, 2012, p. 26). Para o autor, as normas e convenções expressam-se 
tanto no reconhecimento social dos indivíduos considerados ajustados(as) 
como nas ofensas dirigidas aos que não as seguem plenamente. Portanto, 
é importante refletirmos sobre como, ainda na contemporaneidade, as rela-
ções de poder tendem a normalizar e a disciplinar as relações de gênero e 
as próprias sexualidades segundo mecanismos que distinguem aqueles(as) 
que expressam suas convenções daqueles(as) que não as expressam.
186 | Diferenças na Educação: outros aprendizados 
Com base no que foi discutido nas unidades 1 e 2 deste capítulo, são apre-
sentadas a seguir temáticas atuais no cenário brasileiro que desvelam trans-
formações e resistências com relação à heteronormatividade e suas injunções. 
Discutiremos o projeto que visava legitimar práticas psicológicas destinadas a 
curar e a tratar a homossexualidade; aspectos do movimento social intitulado 
“marcha das vadias”, além de temas intrincados a estes, como sexualidade, 
ciência e religião; a medicalização do aborto e o movimento LGBT (Lésbicas, 
Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros). Os temas apresen-
tados podem ser utilizados de forma ampla e livre pelo(a) professor(a) em 
atividades didáticas e oficinas com alunos(as) na faixa etária da adolescência.
A contenda entre a “cura” da homossexualidade e os direitos sexuais
Conforme citado na primeira unidade, em 1973, a homossexualidade 
deixou de ser elencada como transtorno mental pela Associação Americana 
de Psiquiatria, fato que reformula a definição da própria associação, datada 
de 1952. Em 1975, a Associação Americana de Psicologia adota a mesma 
resolução, e, em 1990, com a atualização da Classificação Internacional de 
Doenças (CID), a Organização Mundial de Saúde (OMS) retira a classificação 
da homossexualidade como doença mental. 
No Brasil, em 1999, por meio da Resolução 1/99, o Conselho Federal de 
Psicologia deliberou que psicólogos não colaborarão com serviços de “cura” 
ou “tratamento” da homossexualidade. Mudanças culturais e políticas, decor-
rentes dos movimentos sociais das décadas de 1960 e 1970, pareciam ter ques-
tionado de forma definitiva a vinculação de longa data entre homossexualidade 
e doença. No entanto, alguns acontecimentos recentes mostram a persistência 
de definições culturais preconceituosas, mesmo quando repudiadas no âmbito 
científico, podendo ser reavivadas por grupos políticos conservadores. 
Nos anos iniciais da década de 2010, a Comissão de Direitos Humanos 
e Minorias da Câmara Federal, entre outras, foi alvo de debate sobre a le-
gitimidade da Resolução 1/99 do Conselho Federal de Psicologia (CFP). O 
projeto, inicialmente apresentado no plenário, contra-argumentava que o 
referido Conselho havia extrapolado seus dispositivos regulamentares, in-
correndo em abuso de poder, e, portanto, propunha que dois parágrafos

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