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Prévia do material em texto

Os cristãos sempre tiveram muitos inimigos, desde o Império Romano nos
séculos iniciais da história da igreja cristã até a mentalidade anticristã que
caracteriza a sociedade moderna secularizada. Nenhum, porém, é mais
perigoso e destrutivo à fé cristã que o inimigo interior, que se aloja no
íntimo de nosso ser, que se esconde nas trevas e calabouços de nosso
coração. Neste livro, Filipe Fontes dá o nome desse inimigo: os ídolos de
nosso coração. Após defini-los como tudo aquilo que toma o lugar de Deus,
Filipe Fontes nos conduz pela Escritura e experiência ao caminho da vitória
contra a idolatria. Este livro vai te mostrar que você é o seu pior inimigo e
que em Cristo encontramos plena superação. Recomendo com entusiasmo.
Augustus Nicodemus, pastor auxiliar da Primeira Igreja
Presbiteriana de Recife
Eis um livro muito útil. Filipe Fontes está nos mostrando um mapa para um
tesouro: a tarefa complexa e recompensadora de lidarmos com nossa
próprio idolatria. Neste livro introdutório sobre o riquíssimo tema da
idolatria, o autor habilmente nos insere numa discussão profundamente
pertinente para todas as eras, lidando com a raiz do problema do pecado.
Filipe é sempre bíblico e claro, e a leitura é muito fluída e instigante. Pelo
tamanho do livro, daria para ler numa sentada só, mas o tema é tão
perscrutador que doses menores se fazem necessárias. Filipe volta os
canhões das Escrituras para si mesmo e para cada um de seus leitores,
mostrando que todos nós somos idólatras. Um autor de precioso
entendimento teológico e de grande capacidade comunicativa. Filipe Fontes
sempre me encoraja e me desafia. A leitura será útil para ajudar o leitor na
tarefa de construir pontes evangelísticas e apologéticas e para andarmos
mais fielmente diante de nosso Senhor. Recomendo tanto para leitura
individual como para estudos em grupo.
Emilio Garofalo Neto, pastor efetivo da Igreja Presbiteriana
Semear, em Brasília-DF
Não se engane com a brevidade deste estudo. Munida de uma teologia fiel à
Escritura, a obra Idolatria do coração expõe verdades fundamentais acerca
da idolatria e, ao mesmo tempo, comunica-nos essas verdades com uma
evidente sensibilidade pastoral, deixando sempre visível diante do leitor o
entrelaçamento entre as três perspectivas: diretrizes bíblicas, contexto de
aplicação e significado existencial. Com uma clareza e uma organização
incríveis, vista a complexidade do tema, esta é a melhor introdução ao
assunto que tive o prazer de ler e um sólido ponto de partida para
investigações futuras. Recomendo com alegria!
Norma Braga, doutora em literatura pela UFRJ e mestre em
teologia filosófica pelo CPAJ (Mackenzie). Escreve em seu site
normabraga.com.br
Idolatria do coração: um inimigo ignorado
© 2019 by Filipe Fontes
Publicado por Editora 371
www.editora371.com
Edição
João Guilherme Anjos
Revisão
Adalberto Nunes
Capa e diagramação
Diego Martins
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
Índice para Catálogo Sistemático: 1. Cristandade: Teologia prática: Teologia Moral: Pecados
específicos: Idolatria 27-423-57
Bibliotecário responsável: Jônathas Rafael Camacho Teixeira dos Santos (CRB-1/2951)
Nenhum trecho desta obra poderá ser reproduzido ou transmitido por quaisquer meios existentes sem
autorização prévia, por escrito, da editora. Todos os direitos reservados e protegidos conforme Lei
9.610/98.
Texto inclui acordo ortográfico conforme Decreto 6.583/08.
Impressão e acabamento: Gráfica Promove
F682i
Fontes, Filipe
Idolatria do coração: um inimigo ignorado / Filipe
Fontes. - Brasília, DF: Editora 371, 2019.
84 p. ; 14x21 cm.
Bibliografia: p. 81-82.
ISBN : 978-85-529-0022-1
1. Teologia prática - Pecado - Idolatria. 2. Vida cristã.
3. Aconselhamento Bíblico. I. Título.
CDU 27-423-57
...ainda pleitearei convosco, diz o Senhor, e até com os filhos de vossos
filhos pleitearei. Passai às terras do mar de Chipre e vede; mandai
mensageiros a Quedar, e atentai bem, e vede se jamais sucedeu coisa
semelhante. Houve alguma nação que trocasse os seus deuses, posto que
não eram deuses? Todavia, o meu povo trocou a sua Glória por aquilo que é
de nenhum proveito. Espantai-vos disto, ó céus, e horrorizai-vos! Ficai
estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu o meu povo: a mim
me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram cisternas, cisternas
rotas, que não retêm as águas.
Jeremias 2.9-13
Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua
carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne; para que andem nos
meus estatutos, e guardem os meus juízos, e os executem; eles serão o meu
povo, e eu serei o seu Deus.
Ezequiel 11.19-20
SUMÁRIO
Apresentação...............................................................9
Prefácio........................................................................11
Introdução..................................................................15
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PARTE UM
CONHECENDO A IDOLATRIA
Idolatria: como a entendemos?................................21
A origem e as raízes da idolatria...............................33
A dinâmica e os efeitos da idolatria.........................43
file:///tmp/calibre_4.99.4_tmp_yam17p4_/paba3p64_pdf_out/text/part0000_split_001.html
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PARTE DOIS
ENFRENTANDO A IDOLATRIA
Discernindo a idolatria..............................................53
Combatendo a idolatria............................................63
Conclusão..................................................................77
Bibliografia..................................................................81
APRESENTAÇÃO
As Escrituras Sagradas são uma fonte inesgotável. Tanto pelo seu tamanho,
diversidade e riqueza literárias, quanto por ser Palavra de Deus inspirada,
inerrante e infalível. O nosso guia de fé e prática realmente nos auxilia nas
mais diversas áreas da vida. Além disso, cada texto pode ter uma aplicação
específica para um determinado contexto. É admirável que tantos
pregadores ao redor do mundo estejam pregando os mesmos textos há tanto
tempo e a fonte de confronto, conforto e ensino aos crentes não esgota.
A Bíblia é mesmo um livro maravilhoso. Acontece que nossa limitação
nos impede de focar no que verdadeiramente importa. Não foi sem razão
que Paulo advertiu Timóteo a prestar atenção e evitar fábulas de velhas
caducas que não levam a nada. Não ignoro que algumas discussões focadas
são relevantes, desde o combate ao arianismo no século 4 até o combate à
Teologia da Libertação em nossos dias.
O fato é que diante da riqueza de ensinamentos revelados por Deus e da
nossa limitação em nos exercitarmos no que verdadeiramente importa, que
é a piedade, assuntos muito importantes podem passar desapercebidos de
algumas gerações e/ou localidades.
Estando no bojo do nosso correto relacionamento com Deus, o assunto
central deste livro, Idolatria do coração, é um desses assuntos ignorados ou
não devidamente considerados e debatidos. Deus sempre levanta servos
para alertar sua igreja acerca da importância de vigiar o coração, desde
Agostinho percebendo que a solução para nossa inquietude existencial é
Deus até Calvino reconhecendo que somos verdadeiras fábricas de ídolos.
Esta geração da igreja brasileira é muito feliz nesse sentido, pois
aprouve a Deus capacitar o Rev. Filipe Fontes e incomodá-lo para
contribuir com o crescimento da igreja propondo estudar a idolatria do
coração de forma didática, profunda, bíblica e propositiva. Os valores deste
livro seamontoam entre tantas justificativas que é possível apenas
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mencionar algumas exemplificativas, destacadamente, o impressionante
rigor lógico no desencadeamento de ideias e argumentos proposto pelo
autor, a sensível interpretação de passagens bíblicas que interessam ao
assunto e a facilidade com que assuntos complexos são apresentados. Este
livro não deve ser apenas lido, deve ser estudado e compartilhado.
Não se deixe enganar pelo tamanho. Apenas para ficar em dois
exemplos, A morte da razão e Lições aos jovens teólogos e pastores não nos
deixam desprezar os pequenos livros carregados de grande conteúdo. O
presente trabalho com certeza tem todos os méritos para integrar essa lista.
Esteja por este livro alertado sobre o que é a idolatria e como combatê-
la. O que resta ao leitor após concluir a leitura desta obra é seguir a
recomendação que o autor faz ao reverberar as palavras de Tiago: “Tornai-
vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes, enganando-vos a
vós mesmos”.
João Guilherme Anjos, Editor
PREFÁCIO
O ser humano é um adorador por natureza. Tendo sido criado à imagem de
Deus, ele somente encontra significado para sua existência ao adorar e
refletir corretamente o Criador. Contudo, em seu estado de rebeldia o ser
humano se afastou de Deus e procurou encontrar sentido para a vida
adorando a si mesmo, seus desejos e sonhos, bem como alguns outros
elementos da criação, ao invés de cultuar o Criador. Ao fazer isso, ele se
revelou um idólatra e sua vida passou a se conformar à imagem do objeto
de sua adoração.
Idolatria talvez seja um dos temas mais profusos nas Escrituras
Sagradas. De fato, um dos assuntos centrais da Bíblia é a refutação da
idolatria. Tanto o Antigo quanto o Novo Testamentos denunciam essa
prática como uma fonte explicativa do comportamento e procedimento
pecaminoso das pessoas. O apóstolo Paulo definiu idolatria como o ato de
mudar “a glória do Deus incorruptível em semelhança da imagem de
homem corruptível, bem como de aves, quadrúpedes e répteis” (Rm 1.23).
O Catecismo de Heidelberg elabora sobre esse conceito e explica que a
dinâmica dessa práxis consiste em “ter ou inventar algo em que colocar a
nossa confiança em lugar ou ao lado do único e verdadeiro Deus que se
revelou em Sua Palavra” (Resposta à pergunta 95). Em outras palavras, o
ídolo acaba sendo um substituto de Deus, e o idólatra espera que ele
conceda aquilo que somente o verdadeiro Deus pode dar.
O mais sutil de tudo é que um ídolo não é formado apenas de coisas
más, mas até mesmo aquilo que é bom pode competir com Deus se
dedicamos a isso o amor que deveria ser direcionado ao Bendito Senhor.
Por exemplo, filhos são bênçãos de Deus para seus pais (cf. Sl 127.3), mas
é possível que eles se transformem em ídolos se forem mais amados do que
Aquele que os concedeu. Semelhantemente, o trabalho é uma dádiva do
Criador e um sucesso um alvo a ser perseguido, mas se alguém se revela um
workaholic, a dedicação se transformou em adoração e o que era bom se
transformou em um objeto de idolatria. Enfim, idolatria é um “amor
desordenado”: a devoção que deveria ser dirigida a Deus é direcionada a
outra pessoa, desejo, elemento, atividade, e assim por diante.
A verdade é que a adoração muda as pessoas, pois cada adorador é
conformado àquilo que adora. Se o alvo de nossa adoração é o Senhor,
seremos conformados a ele e nos pareceremos mais com ele, pois “todos
nós, com o rosto desvendado, contemplando, como por espelho, a glória do
Senhor, somos transformados, de glória em glória, na sua própria imagem,
como pelo Senhor, o Espírito” (2Co 3.18). No entanto, se os objetos de
nossa adoração são os ídolos, “como eles se tornam os que os fazem, e
todos os que neles confiam” (Sl 135.18). Por isso, é possível que alguém
que adora a tecnologia se acostume ao relacionamento mecânico e distante,
ao invés da aproximação mais pessoal. O fato é que nenhum ato de
adoração é, em si mesmo, neutro, pois o que é adorado reflete a devoção de
quem lhe presta culto e lhe atribui valor e dignidade. Por essa razão,
idolatria não é um assunto periférico, mas central tanto nas Escrituras como
na vida cotidiana.
A compreensão do conceito bíblico de idolatria é extremamente
relevante para o ministério pastoral, interações filosóficas e abordagens
evangelísticas. Por exemplo, como conselheiro bíblico, desejo saber quais
são as motivações do meu aconselhado e o que faz com que ele aja da
maneira como o faz. Em outras palavras, desejo compreender não apenas
suas ações, mas as razões do seu coração (cf. Pv 20.5). Nesse sentido,
identificar o que ele adora é altamente relevante para que eu compreenda
sua pessoa e entenda as inclinações do seu coração. Também, como
conselheiro, apologeta e evangelista, desejo compreender melhor a cultura e
as subculturas ao meu redor. Para isso, necessito identificar os principais
objetos de adoração das pessoas, pois as mudanças e ênfases culturais
certamente refletirão seus valores e devoções.
Dito isso, a obra do Dr. Filipe Fontes é valiosa e muito aguardada pela
igreja contemporânea. Seus argumentos são construídos em harmonia com a
tradição reformada que, seguindo Calvino, compreende a imaginação
humana como uma “fábrica de ídolos”. Segundo esse legado, o ser humano,
afastado de Deus, acaba produzindo deuses para atender suas necessidades
e algumas especificações do seu coração. Portanto, compreender o que as
pessoas adoram é essencial para a evangelização, interação e ajuda àqueles
com quem interagimos. Por outro lado, a identificação dos principais ídolos
culturas nos auxilia a compreender melhor o ser humano, pois cada
indivíduo é influenciado e conformado àquilo que adora. Essa relação de
fabricar ídolos e ser conformados a eles é claramente apresentada pelo autor
neste livro.
As páginas seguintes apresentam uma reflexão bíblica sobre o pecado da
idolatria, usando uma linguagem clara e uma interação dinâmica com o
leitor. Nelas, o autor estabelece os principais elementos por meio dos quais
é possível identificar e compreender melhor a dinâmica idólatra, bem como
os recursos bíblicos que o crente possui para lutar contra essa distorção da
verdadeira adoração. Certamente o leitor será beneficiado pelo estudo
cuidadoso dessa obra. Mais uma vez, o autor revela seu compromisso com a
autoridade das Escrituras, bem como sua análise profunda, prudente e
relevante com a qual aborda diferentes temas para a edificação da igreja de
Cristo.
Recomendo essa obra como grande prazer e me sinto privilegiado por
ter Filipe como amigo e colega de ministério. Após a leitura deste livro,
você compreenderá algumas de minhas razões para tanto.
 
Valdeci Santos, pastor da Igreja Presbiteriana do Campo Belo,
em São Paulo-SP; professor do Departamento de Aconselhamento
Bíblico CPAJ e Secretário de Assistência Pastoral da Igreja
Presbiteriana do Brasil
INTRODUÇÃO
O assunto deste livro tem me chamado a atenção há algum tempo. Desde
que tive contato com ele pela primeira vez, experimentei uma espécie de
aprofundamento em meu entendimento da relação com Deus e da vida
cristã e não parei mais de ensinar sobre ele.
Esta articulação, agora publicada textualmente, foi apresentada pela
primeira vez no carnaval de 2016, em uma série de palestras ministrada à
Igreja Presbiteriana da Ilha dos Araújos, em Governador Valadares. E,
depois disso, foi repetida, no todo ou em parte, em outras ocasiões e
lugares. Trata-se de algumas de minhas reflexões a respeito do pecado da
idolatria, e tem como objetivo oferecer uma definição desse pecado e
algumas sugestões para o seu enfrentamento.
Na medida do possível, procurei manter a identidade original de texto
falado, evitando inclusive citações diretas. Mas isso não significa que as
ideias expostas aqui sejam originais. Elassão o resultado de minhas leituras
bíblicas, de minha interação com a elaboração doutrinária da tradição
reformada, principalmente tal qual expressa em movimentos como o
Neocalvinismo Holandês, a Apologética Reformada e o movimento de
Aconselhamento Bíblico, bem como de aulas e conversas com amigos que,
como eu, tem interesse no assunto. Algumas das obras que mais
influenciaram essas ideias serão apresentadas em uma pequena bibliografia
ao final do livro. O leitor poderá valer-se dela para continuar os seus
estudos.
O livro se divide em duas partes. A primeira, composta de 3 capítulos,
tem como objetivo definir o conceito de idolatria. Alguém poderia
perguntar: por que tanto espaço para a definição? A principal razão é que o
conhecimento de um inimigo é condição fundamental para o seu
enfrentamento. Se não tivermos clareza a respeito do que é o pecado da
idolatria, teremos dificuldades para enfrentá-lo. Além disso, a idolatria é um
pecado mal compreendido. Na maioria das vezes, ele é definido de maneira
superficial, como se tocássemos a ponta do iceberg, sem ter a real
compreensão da sua profundidade. Rastrear as razões dessa superficialidade
ainda é um desafio. Minha suspeita é a de que ela resguarda alguma relação
com nossa tendência a uma visão legalista da vida cristã, que reduz a
espiritualidade ao comportamento externo, e também com a história do
protestantismo, especialmente no Brasil.
No capítulo primeiro, estabelecemos um contraste entre a maneira como
costumamos entender a idolatria e a maneira como ela deveria ser entendida
à luz da Bíblia, fechando o capítulo com uma definição preliminar. No
segundo, refletimos sobre a origem da idolatria e procuramos explicar por
que ela nunca mais nos deixou depois que começou a fazer parte de nossa
experiência. E no terceiro – o último da primeira parte – discutimos o
funcionamento da idolatria e apresentamos alguns de seus efeitos.
A segunda parte do livro trata sobre o enfrentamento da idolatria. Ela
tem dois capítulos. No primeiro (capítulo 4) discutimos como é possível
discernir nosso envolvimento com a idolatria, e no segundo (capítulo 5)
procuramos apresentar algumas sugestões para o combate deste pecado.
Nosso objetivo final é que o leitor tenha um entendimento mais bíblico a
respeito da idolatria e de seu enfrentamento e seja conduzido, através do
entendimento dessas coisas, a uma visão mais aprofundada da relação com
Deus e da vida cristã.
Não poderia encerrar esta introdução sem manifestar minha gratidão aos
mestres que me apresentaram à perspectiva de idolatria assumida neste
livro. São muitos, e eu espero que todos se sintam honrados na menção ao
Dr. Davi Charles Gomes. Agradeço também aos colegas que me
convidaram para falar sobre este assunto em suas igrejas, dando-me a
oportunidade de organizar essas ideias. Menciono, especificamente, o Rev.
Silvino da Cunha Dias, instrumento da primeira oportunidade. Devo
também agradecer aos colegas com quem, no dia a dia, tenho conversado
sobre essas coisas. Na pessoa do Dr. Valdeci da Silva Santos, me lembro de
todos eles. Por fim, sou grato a Deus, sem o qual nada tem sentido, e para a
glória de quem tudo deve existir, exclusivamente.
PARTE UM
CONHECENDO
A IDOLATRIA
IDOLATRIA:
COMO A ENTENDEMOS?
COMO DEVERÍAMOS
ENTENDÊ-LA?
Os capítulos desta primeira parte se propõem a oferecer um entendimento
adequado do pecado da idolatria. Este, participa deste esforço cumprindo
dois objetivos: a) mostrar que existe um contraste entre a maneira como
costumamos entender este pecado e a maneira como a Bíblia o concebe; e
b) oferecer uma definição preliminar.
O entendimento comum
Geralmente, quando pensamos no pecado da idolatria, o que vem à nossa
mente é um pecado exterior. Imagine que, no meio de uma conversa,
alguém te perguntasse: você conhece um idólatra? Provavelmente, você
responderia que sim. E se ele emendasse outra pergunta, sobre como você
pode chegar à conclusão de que alguém é um idólatra, é bem provável que
você a respondesse apontando algo que ele faz. A razão pela qual isso teria
grandes chances de acontecer é simples: nós costumamos conceber a
idolatria como um pecado exterior; que tem a ver, exclusivamente, com as
nossas ações.
Nosso entendimento comum de idolatria também é o de um pecado
específico ou particular. Pense em que atitudes levariam você a definir
alguém como idólatra? É bem provável que elas não escapem muito a ações
como: a adoração a uma imagem, a participação em procissões ou algo
semelhante. Nada anormal! É assim mesmo que costumamos definir
idolatria: um pecado particular, tal como a mentira, o furto, o adultério, a
explosão violenta de ira, ou outro qualquer.
Nós também costumamos pensar na idolatria como um pecado dos
outros. Se, ao invés de perguntar se você conhece um idólatra, alguém te
perguntasse: você é um idólatra? Com maior ou menor irritação, você seria
tentado a dizer que não. Ironicamente, a razão maior pela qual isso tende a
acontece é a nossa idolatria (esperamos que isso fique mais claro ao longo
do livro). Mas outra é que, historicamente, nós costumamos conceber a
idolatria como um pecado típico do paganismo, e, na tradição cristã,
exclusivo do catolicismo romano. Desde o início, a tradição protestante se
desenvolveu em contraste com o catolicismo romano. E, no Brasil, isso
aconteceu de modo bastante radical. Um dos efeitos colaterais disso é que
nós, protestantes brasileiros, temos dificuldade de pensar na solidariedade
entre protestantes e católicos; para o bem ou para o mal. Em parte, isso é o
que explica a resistência que o uso litúrgico do Credo Apostólico encontra
em grande parte das igrejas evangélicas de nosso país; e pode ajudar
também a explicar a nossa dificuldade de encarar a idolatria como um
pecado que é nosso.
Por fim, nós costumamos conceber a idolatria como um pecado litúrgico
– que é cometido, exclusivamente, por ocasião do culto público ou da
devoção particular. Se, ao invés de responder às perguntas anteriores, você
fosse solicitado a pintar uma cena em que o pecado da idolatria pode ser
visualizado, possivelmente você pintaria a de um grupo de pessoas numa
cerimônia de adoração a uma imagem de escultura, ou a de um indivíduo
curvado diante de uma algo semelhante. Isso, porque nós concebemos a
idolatria como um pecado tipicamente litúrgico, relacionado, tão somente,
ao culto público ou à devoção particular. Sempre que lemos imperativos
bíblicos, tais como: “não terás outros deuses diante de mim” (Êx 20.3); ou,
“guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.21), é na proibição de atitudes como essas
que costumamos pensar.
Mas seria essa a maneira como a Bíblia apresenta o pecado da idolatria?
O entendimento bíblico
O entendimento bíblico de idolatria não exclui esses aspectos que compõem
o nosso entendimento comum. A Bíblia não ignora que a idolatria
frequentemente se apresenta como um pecado específico, evidenciado
externamente em nossa vida litúrgica, e que se torna característico de
determinados grupos de pessoas. O problema de nosso entendimento
comum não é afirmar essas coisas, mas reduzir a ideia de idolatria a elas.
A Bíblia apresenta a idolatria como um pecado, primariamente, interno,
que tem a ver não apenas com aquilo que fazemos, mas fundamentalmente,
com as razões (os motivos) pelo que fazemos as coisas. Considere a
passagem a seguir:
Então, vieram ter comigo alguns dos anciãos de Israel e se assentaram
diante de mim. Veio a mim a palavra do Senhor, dizendo: Filho do
homem, estes homens levantaram os seus ídolos dentro do seu coração,
tropeço para a iniquidade que sempre têm eles diante de si; acaso,
permitirei que eles me interroguem? Portanto, fala com eles e dize-lhes:
Assim diz o Senhor Deus: Qualquer homem da casa de Israel que
levantar os seus ídolos dentro do seu coração, e tem tal tropeço para a
sua iniquidade, e vier ao profeta, eu, o Senhor, vindo ele, lhe
responderei segundo a multidão dos seus ídolos; para que eu possa
apanhar a casa de Israel no seu próprio coração, porquanto todos se
apartaram de mimpara seguirem os seus ídolos. (Ez 14.1-5).
 
Esta passagem bíblica apresenta uma acusação de Deus contra a
idolatria dos líderes do povo de Israel (v. 1). De início, o que nos interessa
perceber nela é que ao fazer essa acusação Deus se refere, principalmente, a
algo que acontecia na dimensão interior das pessoas. Ele não acusa os
líderes do povo de Israel por terem se curvado fisicamente perante outros
deuses – ainda que eles tenham feito isso em várias ocasiões no passado –
mas por terem levantado ídolos no coração (v. 3).
Além disso, a Bíblia apresenta a idolatria como um pecado radical, isto
é: um pecado que está na raiz de todos os demais. Neste ponto, a passagem
que acabamos de mencionar pode ser útil mais uma vez. Ela mostra,
claramente, que a idolatria é um pecado reprodutor, que dá origem a outros
pecados, dentre os quais estão muitos que tomam ocasião em nossa
dimensão externa. Isso fica claro, na passagem, quando Deus denuncia que
os ídolos que os líderes do povo de Israel haviam levantado no coração os
levaram a cometer iniquidades (v.3-4), a afastar-se da obediência ao Senhor
(v.5).
Aqui, é importante lembrar que um princípio básico da antropologia
bíblica é o de que funcionamos de dentro para fora. Nós fomos criados para
funcionar desta maneira. Aquilo que acontece em nossa dimensão interior
(no coração), determina o que acontece em nossa dimensão exterior. Jesus
ensinou essa verdade a nosso respeito, quando afirmou, por exemplo:
Não há árvore boa que dê mau fruto; nem tampouco árvore má que dê
bom fruto. Porquanto cada árvore é conhecida pelo seu próprio fruto.
Porque não se colhem figos de espinheiros, nem dos abrolhos se
vindimam uvas. O homem bom do bom tesouro do coração tira o bem, e
o mau do mau tesouro tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o
coração (Lc 6.43-45).
Ou ainda:
Não compreendeis que tudo o que entra pela boca desce para o ventre e,
depois, é lançado em lugar escuso? Mas o que sai da boca vem do
coração, e é isso que contamina o homem. Porque do coração procedem
maus desígnios, homicídios, adultérios, prostituição, furtos, falsos
testemunhos, blasfêmias. São estas as coisas que contaminam o homem;
mas o comer sem lavar as mãos não o contamina (Mt 15.17-20).
Quando nos lembramos deste princípio, entendemos melhor porque a
idolatria é um pecado reprodutor. Ela acontece em nossa dimensão interna.
Mais especificamente em nosso coração, que é a dimensão controladora de
nossa existência, de onde, segundo a sabedoria bíblica, procedem as fontes
da vida (Pv 4.23).
A Bíblia ensina também que a idolatria é um pecado universal. É o que
sugere o apóstolo Paulo quando escreve aos Romanos e apresenta a
idolatria como uma consequência natural da queda: “...inculcando-se por
sábios, tornaram-se loucos e mudaram a glória do Deus incorruptível em
semelhança da imagem de homem corruptível, bem como de aves,
quadrúpedes e répteis (...) eles mudaram a verdade de Deus em mentira,
adorando e servindo a criatura em lugar do Criador...” (Rm 1.22-23,25).
Como consequência natural da queda em pecado, ao contrário da
maneira como costumamos pensar, a idolatria não é algo exclusivo de
determinadas pessoas ou grupos, mas um pecado comum a todos os seres
humanos.
Essa afirmação levanta uma pergunta: seria a idolatria uma experiência
possível para aqueles que já foram salvos em Cristo? Ao responder a essa
pergunta, devemos considerar, primeiramente, que, em Romanos 1, Paulo
tem em mente o homem em seu estado natural pós-queda e que esse já não
é o estado daqueles que foram salvos em Jesus. Ao mesmo tempo, devemos
considerar que a salvação possui uma dimensão processual, e isso significa
que, em algum nível, a condição dos salvos ainda resguarda algumas
semelhanças com a condição dos ímpios. Para sermos mais claros, podemos
dizer que a condição dos salvos se difere da condição dos ímpios, por
exemplo, no que diz respeito à condenação do pecado. Jesus afirmou que
“quem nele crê não é julgado; o que não crê já está julgado, porquanto não
crê no nome do unigênito Filho de Deus” (Jo 3.18). Paulo afirmou
categoricamente que “nenhuma condenação há para aqueles que estão em
Cristo Jesus” (Rm 8.1). Também podemos dizer que, num certo sentido, a
condição desses dois grupos também se difere quanto à corrupção do
pecado. Os ímpios são escravos, e não desfrutam de qualquer possibilidade
de vitória sobre o mal, como esclarece Efésios 2.1-3. Aqueles que estão em
Cristo não são mais escravos do pecado. Eles desfrutam de liberdade e
poder da parte do Redentor, e isso lhes habilita a lutar contra o mal e obter
vitória sobre ele. Para usar as palavras de Paulo uma vez mais: “foi
crucificado com ele o nosso velho homem, para que o corpo do pecado seja
destruído, e não sirvamos o pecado como escravos” (Rm 6.6).
Apesar disso, os salvos ainda lutam contra as forças de resistência do
pecado, que insistem em se levantar contra o senhorio de Cristo em sua
vida, e, enquanto aguardam a consumação, permanecem tendo a
experiência do mal. Por essa razão, embora o verdadeiro cristão já não seja
mais um escravo dos ídolos, o risco da idolatria ainda é real para ele. É por
isso que a Bíblia direciona aos cristãos imperativos contra a idolatria. Os
dez mandamentos, cujo primeiro é: “não terás outros deuses diante de mim”
(Êx 20.3), não foi entregue aos povos pagãos, mas a Israel, o povo de Deus
no período do Antigo Testamento. No Novo Testamento, Paulo, orienta a
igreja em Corinto, dizendo: “...meus amados, fugi da idolatria” (1Co
10.14); e João faz o mesmo apelo no final de sua primeira carta, quando
escreve: “Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.21). Os destinatários
desses dois apóstolos não eram ímpios, mas salvos, o que fica claro no fato
de que eles são chamados, textualmente, de irmãos (1Co 10.1; 1Jo 3.13).
Por que Deus inseriria entre as leis entregues a seu povo um
mandamento contra a idolatria se esse não fosse um risco real para ele? E,
por que Paulo e João inseririam em suas cartas os imperativos que
acabamos de mencionar, se esse pecado fosse impossível para a igreja? Há
somente uma explicação: a idolatria é um risco real para o povo de Deus.
A Bíblia, na verdade, vai além; ela não se limita a dizer que a idolatria é
um risco para as pessoas que estão envolvidas em um relacionamento com
Deus, mas revela que, frequentemente, ela se torna realidade na vida dessas
pessoas. A história de Israel, narrada pelo Antigo Testamento, é muito
ilustrativa do que acabamos de afirmar. Se você está familiarizado com ela,
pode se lembrar de como, ao pé do Monte Sinai, o povo cedeu à idolatria
construindo um bezerro de ouro (Êx 32); ou então, de como a adoração a
Baal foi institucionalizada entre os israelitas nos dias do rei Acabe (1Rs 18).
Tudo isso mostra que a idolatria não é um pecado exclusivo de
determinadas pessoas ou grupos, mas um pecado universal, ao qual até
mesmo o povo de Deus está sujeito.
Finalmente, a Bíblia não ensina que a idolatria é um pecado que está
restrito ao ambiente do culto público ou da devoção particular, mas ela é um
pecado que tem a ver com a vida como um todo. No texto bíblico,
pincipalmente o do Antigo Testamento, dentre os verbos mais comumente
relacionados à idolatria, estão: servir e andar (Dt 29.26; Jr 11.10, 16.11; Ez
20.16). O uso desses verbos mostra que a idolatria tem a ver, antes de tudo,
com a obediência; com as escolhas que fazemos e as decisões que tomamos.
Não se trata de um pecado cometido apenas nos templos ou salas de oração,
mas na vida como um todo, em cada uma de suas dimensões.
Uma definição preliminar
Tendo contrastado o nosso entendimento comum de idolatria com o ensino
bíblico, podemos, então, nos perguntar: afinal, o que é idolatria? Como
podemos defini-la? Uma boa resposta é a de que idolatria é a substituição
do Deus verdadeiro por um falso deus. É desta maneira que o apóstolo
Paulo a define na passagem da carta aos Romanos que citamos
anteriormente.
Por causa de nosso entendimento comum, quando lemos em Romanos 1
sobre a substituiçãode Deus, tendemos sempre a pensar na substituição
descarada que acontece nas religiões pagãs, como: a adoração a um
imperador (Dn 3), a veneração a determinados animais em alguns ramos do
hinduísmo ou a intercessão aos santos no catolicismo romano. Mas há dois
detalhes nessa passagem que devem chamar a nossa atenção para o fato de
que ele pressupõe uma concepção mais abrangente desta possibilidade de
substituição. O primeiro é que Paulo trabalha com dois verbos diferentes:
adorando e servindo. Ainda que entendamos o primeiro (adorar) como uma
referência à prática litúrgica, o segundo (servir), necessariamente, deve ser
entendido em referência a algo mais. O segundo é que o que está em jogo
na idolatria é uma questão essencial (da essência das coisas). A idolatria é a
substituição do Criador pela criatura, o que implica que qualquer coisa é um
ídolo em potencial; uma pessoa, um objeto, uma ideia, uma relação, um
evento, um grupo social, ou qualquer outra coisa em que você possa pensar.
Esses dois detalhes nos ajudam a entender que ao falar da idolatria como
substituição de Deus, Paulo não tem em mente apenas aquela que acontece
no contexto da liturgia ou da vida devocional, mas também a que se dá no
contexto de nossas decisões, escolhas e atitudes; qualquer circunstância em
que tratamos algo temporal como se fosse eterno; terreno como se fosse
celestial; humano como se fosse divino; relativo como se fosse absoluto;
criado como se fosse o Criador.
Isso acontece, por exemplo, quando CONFIAMOS em algo qualquer
como deveríamos confiar em Deus. Fé também é um conceito que precisa
ser melhor compreendido. Geralmente, pensamos nela como uma dádiva
concedida a algumas pessoas em particular, e que é ativada em momentos
específicos da vida: o da conversão e o da tribulação. Um entendimento
mais preciso, no entanto, deve levar em conta que a fé é uma função
estrutural humana, como a racionalidade, as emoções e a vontade. Todas as
pessoas possuem fé, e ela está sempre ativa, nas decisões mais corriqueiras
que tomamos em nosso dia a dia. Sempre que fazemos escolhas, as
fazemos, dentre outras coisas, como um exercício de fé, crendo que elas são
as melhores para nós e nos trarão aquilo de que tanto precisamos.
A diferença entre o cristão e o não cristão é que o primeiro está
habilitado a fazer escolhas a partir da crença de que o Deus revelado em
Cristo é a fonte de suprimento de suas necessidades espirituais, enquanto o
segundo toma decisões crendo que essas necessidades serão supridas por
outra coisa qualquer. São as duas únicas formas de escolher e agir, como
revela o Salmo 146:
Aleluia! Louva, ó minha alma, ao SENHOR. Louvarei ao SENHOR
durante a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus, enquanto eu viver.
Não confieis em príncipes, nem nos filhos dos homens, em quem não há
salvação. Sai-lhes o espírito, e eles tornam ao pó; nesse mesmo dia,
perecem todos os seus desígnios. Bem-aventurado aquele que tem o
Deus de Jacó por seu auxílio, cuja esperança está no SENHOR, seu
Deus, que fez os céus e a terra, o mar e tudo o que neles há e mantém
para sempre a sua fidelidade. Que faz justiça aos oprimidos e dá pão aos
que têm fome. O SENHOR liberta os encarcerados. O SENHOR abre os
olhos aos cegos, o SENHOR levanta os abatidos, o SENHOR ama os
justos. O SENHOR guarda o peregrino, ampara o órfão e a viúva, porém
transtorna o caminho dos ímpios. O SENHOR reina para sempre; o teu
Deus, ó Sião, reina de geração em geração. Aleluia!
O autor e o contexto do Salmo 146 são desconhecidos, mas parece claro
que ele tem em mente uma de nossas carências espirituais: a segurança; e
pressupõe a existência de dois caminhos através dos quais podemos tentar
encontrá-la: o da confiança no Criador e o da confiança nas criaturas.
Sempre que optamos pelo segundo, incorremos no pecado da idolatria.
O mesmo acontece quando AMAMOS [desejamos] algo qualquer como
deveríamos amar [desejar] a Deus. Sempre que confiamos em algo como a
fonte de satisfação de nossas necessidades espirituais, passamos a amar e a
desejar este algo. Se cremos que segurança é aquilo de que mais
necessitamos e que uma boa condição econômica é o caminho para adquiri-
la, então começamos a desejar uma boa condição econômica mais do que a
tudo, inclusive, Deus. Se cremos que sermos valorizados é o que nos fará
ser plenamente humanos, e que o nosso valor é derivado do reconhecimento
das pessoas, então passamos a desejar o reconhecimento das pessoas mais
do que a tudo, inclusive, Deus. Como Jesus afirmou em um de seus ditos
mais conhecidos: “onde está o nosso tesouro, aí estará também o nosso
coração” (Mt 6.21). Ou seja: a direção fundamental de nosso coração (a
nossa confiança) é evidenciada por aquilo que desejamos. Fomos criados
para amar a Deus de todo o coração (Mt 22.37), e quando amamos e
desejamos qualquer coisa mais do que a Ele, estamos sendo tomados pelo
pecado da idolatria.
Por fim, isto também acontece quando OBEDECEMOS [nos
devotamos] a algo qualquer como deveríamos obedecer [nos devotar] a
Deus. Não fomos criados apenas para a confiança e o desejo, fomos criados
também para a obediência. Para nós, obedecer não é opção; nós sempre
obedeceremos a alguém. A questão é: a quem haveremos de obedecer?
Deus também pode ser substituído neste particular. Fomos criados para
ouvir a voz de Deus e atendê-la, e todas as vezes que atendemos os
comandos de outro que não Ele, incorremos em idolatria.
Essas três coisas – confiança, amor e obediência – geralmente estão
juntas em nossa vida. Mas é possível verificar uma ordem lógica nessas três
etapas. Tudo começa com a confiança de que algo pode ser a fonte de nossa
plena satisfação. Essa confiança nos leva a desejar este algo mais do que
tudo (inclusive Deus), e na esperança de alcançá-lo, passamos a atender às
suas exigências. As nossas ações pecaminosas, portanto, não são o todo de
nosso pecado. Elas são, em última instância, o atendimento às exigências de
um ídolo a quem passamos a amar e a desejar por termos depositado nele a
nossa confiança.
A ORIGEM E AS
RAÍZES DA IDOLATRIA
No capítulo anterior vimos que nós tendemos a uma compreensão
superficial de idolatria. Geralmente, nós a compreendemos como um
pecado particular (específico), exterior, exclusivo de algumas pessoas ou
grupos, relacionado exclusivamente ao culto público e à devoção particular.
A Bíblia, porém, descreve a idolatria como um pecado primariamente
interior, que está na base de todos os outros pecados, se relaciona a todos os
aspectos da nossa vida e com o qual, de alguma forma, todos podemos estar
envolvidos. A idolatria é a substituição do Deus verdadeiro por um falso
deus; o que acontece sempre que confiamos, desejamos e obedecemos a
qualquer coisa como deveríamos confiar, amar e obedecer ao Senhor.
Agora que já temos essa definição preliminar, podemos aprofundar o
nosso entendimento de idolatria. Os dois próximos capítulos se propõem a
isso. Este, em particular, procura responder a duas perguntas importantes,
relacionadas à origem e à natureza da idolatria, respectivamente: Quando a
idolatria surgiu? E, por que, desde então, ela continua fazendo parte de
nossa experiência?
A origem da idolatria
A idolatria é um pecado antigo. Sua origem remonta ao Éden, mais
especificamente, ao pecado de Adão e Eva.
Sempre que nos referimos ao pecado de nossos primeiros pais, temos a
tendência de identificá-lo, imediatamente, ao ato de tomar e comer do fruto
proibido. Isso não está, necessariamente, errado. Mas uma leitura atenta de
Gênesis 3 mostra que este ato foi, na verdade, o resultado de um processo
que se iniciou com a idolatria. Usando as categorias do capítulo anterior,
podemos dizer que tomar e comer do fruto proibido foi um ato de
obediência a um ídolo, precedido por desejo e confiança.
A narrativa da queda diz que a razão pela qual a mulher tomou do fruto
e comeu foi a percepção de que a árvore era “boa para se comer, agradável
aos olhos e desejável para dar entendimento” (Gn 3.6). Essas palavras são
reveladoras e mostram que Eva comeudo fruto proibido porque o desejou
intensamente (o amou), tendo confiado que ele poderia suprir uma de suas
necessidades espirituais básicas: a necessidade de direção (conhecimento).
A tentação à qual ela foi submetida tinha a ver, exatamente, com isto:
“...no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus,
sereis conhecedores do bem e do mal” (Gn 3.5). Tudo isso mostra que o ato
de comer do fruto proibido foi, na verdade, a expressão mais visível de um
processo que começou com a substituição de Deus como fonte de
conhecimento seguro sobre a realidade pelo próprio homem (vocês serão
como Deus!).
Depois que adentrou a experiência humana, a idolatria jamais a deixou.
Muitos acontecimentos e textos bíblicos poderiam fundamentar essa
afirmação. Aqui, nos limitaremos a considerar Gênesis 3 e 4; aquilo que a
Bíblia revela sobre os efeitos do pecado na vida de Adão e Eva e de seus
descendentes mais imediatos.
As folhas de figueira
A primeira das novas experiências de Adão e Eva após a queda foi a de
exposição. Segundo Gênesis 3, depois que comeram do fruto proibido
nossos primeiros pais perceberam que estavam nus (v. 7). A nudez, nessa
passagem, deve ser entendida em referência a algo que está para além da
dimensão física. A percepção de um estado físico no qual eles sempre
haviam estado antes, sem, contudo, experimentar qualquer incômodo,
evidencia que, após a queda, o homem e a mulher passaram a experimentar
a sensação de que já não desfrutavam da santidade que antes os cobria
diante de Deus. Eles se perceberam expostos, e a reação imediata que
tiveram foi coser folhas de figueira e fazer cintas para si (v. 7).
Assim como a nudez, a tentativa de vestir-se tem um sentido que está
para além da dimensão física. Ao se cobrirem com as folhas de figueira,
Adão e Eva estavam tentando mais do que cobrir o corpo; estavam tentando
cobrir a culpa. E o texto faz uma revelação grandiosa ao final: Deus os
despiu, para vesti-los, Ele mesmo, com roupas de pele, o que naturalmente
implicou a morte de um animal. Essa foi a primeira proclamação dramática
do evangelho na história da humanidade. Através deste ato divino a verdade
de que o sacrifício de um cordeiro haveria de cobrir a culpa do homem
pecador é anunciada silenciosamente. Para o nosso ponto, porém, o que
mais importa perceber neste ato divino é que ele implicou desfazer a
tentativa humana de resolver por si mesmo o problema.
Quando eu era criança, não sei exatamente por que, eu identifiquei o
estar bem arrumado para sair com o ato de colocar a camiseta para dentro
da calça. Às vezes, eu estava brincando no quintal de casa, quando meus
pais me chamavam para ir a algum lugar com eles. Então eu me colocava na
frente deles todo sujo de terra, colocava a camiseta para dentro da calça e
dizia: estou pronto, podemos ir! Eles caíam na gargalhada e, então,
desfaziam minha tentativa inútil para fazer, eles próprios, o que eu não
podia fazer sozinho. Como eu nestes casos, Adão e Eva foram levados a
imaginar que pureza era apenas uma questão de aparência, porque estavam
tomados pela ideia de que os seus problemas eram coisas das quais eles
próprios haveriam de dar conta. Era a idolatria dando as primeiras amostras
de que continuaria presente, na tentativa de autoafirmação do homem diante
de Deus, quando o assunto é santidade e justiça.
A transferência de responsabilidade
A queda causou também uma significativa mudança no relacionamento que
homem e mulher mantinham entre si. Essa mudança pode ser percebida na
diferença que existe entre as palavras que Adão disse em relação a Eva,
antes e depois daquele fatídico acontecimento.
Quando Deus criou a mulher, o que o homem disse em resposta ao ato
divino foi: “esta, afinal, é osso dos meus ossos e carne da minha carne;
chamar-se-á varoa, porquanto do varão foi tomada” (Gn 2.22). Essas
palavras são boas; expressam gratidão, e mostram que quando o coração do
homem está no lugar, Deus é adorado e o valor de nosso semelhante é
reconhecido.
Depois da queda, Adão falou mais uma vez em relação à mulher.
Quando Deus o questionou, perguntando: “Comeste da árvore de que te
ordenei que não comesses?, ele respondeu, dizendo: “a mulher que me deste
por esposa, ela me deu da árvore, e eu comi” (Gn 3.11-12). Essas palavras
foram completamente diferentes. Enquanto as primeiras expressavam
gratidão a Deus, essas possuem um tom acusatório. E enquanto as primeiras
reconheciam o valor do próximo e o espaço para a singularidade dele, essas
são palavras de confronto e de transferência de responsabilidade. Elas
mostram que após a queda já não há mais espaço para a convivência
harmônica entre o EU de um indivíduo e de seu semelhante, pois o EU
tornado deus exige ser servido (protegido) mesmo às custas do semelhante
mais próximo. Era a idolatria dando sinais de permanência mais uma vez.
 
A descendência de Adão
Em Gênesis 4 somos apresentados aos primeiros descendentes de Adão.
Logo no início do capítulo encontramos a narrativa do primeiro homicídio.
Nós conhecemos a história. Caim e Abel ofereceram sacrifícios. Deus
aceitou o sacrifício de Abel e rejeitou o de Caim. Este, então, armou uma
cilada para o seu irmão e o matou.
Quando lidamos com essa história costumamos dizer que Caim matou
Abel por inveja. E estamos corretos ao dizer isso. O que nem sempre
conseguimos perceber é a relação que existe entre inveja e idolatria. Em
última instância o atentado de Caim contra o seu irmão aconteceu porque
ele se tornara o seu próprio deus. E, quando o Deus verdadeiro não deu a
ele, o que ele achava que merecia – o reconhecimento pelo sacrifício
oferecido – ele sacrificou a vida daquele a quem Deus recebeu.
Esse episódio na vida de Caim e Abel é tenebroso porque mostra o
poder de infiltração da idolatria. Mostra que ela pode se infiltrar até mesmo
em nosso relacionamento mais significativo, que é o relacionamento com
Deus. Algumas vezes, nós o substituímos por outro deus; mas outras vezes
o substituímos por uma falsa imagem dele próprio, que nos permite
relacionarmos com Ele como se ele fosse servo e nós os senhores.
A partir de Gênesis 4.17 somos apresentados aos descendentes de Caim.
E, dentre eles está aquele que, talvez, seja o ícone da idolatria nestes
capítulos iniciais da Bíblia. Trata-se de Lameque, a quem a narrativa bíblica
atribui o seguinte discurso: “Ada e Zilá, ouvi-me; vós, mulheres de
Lameque, escutai o que passo a dizer-vos: Matei um homem porque ele me
feriu; e um rapaz porque me pisou. Sete vezes se tomará vingança de Caim,
de Lameque, porém, setenta vezes sete” (Gn 4.23-24). A idolatria salta aos
nossos olhos quando lemos essas palavras. Lameque era um homem
violento, e que não se contentava com os atos de violência que cometia. Ele
fazia questão de publicá-los, o que evidencia a sua busca por
reconhecimento. Este homem é, talvez, o exemplo maior, nesses capítulos
iniciais, de que depois que a idolatria adentrou a experiência humana,
jamais se apartou dela.
As raízes da idolatria
Mas por que a idolatria é algo permanente? Compreenderemos melhor essa
questão se considerarmos algumas verdades a respeito da natureza humana.
a) O homem é um ser criado (Gn 1.26). A origem criacional do
homem é uma verdade que possui inúmeras implicações. Para o nosso
propósito imediato, há duas que são importantes. A primeira é a de que
somos carentes por natureza. Ao contrário de Deus, que é absoluto e
autossuficiente, nós somos seres relativos, e que possuem inúmeras
necessidades. Possuímos necessidades físicas, como a de reposição de
energia, por exemplo; e necessidades espirituais, como a de sermos
valorizados, nos sentirmos seguros, desfrutarmos de um propósito
existencial, dentre outras. Às vezes a Bíblia estabelece uma relação literária
entre esses dois tipos de necessidade, quando, por exemplo, se vale da
figura da alimentação para descrever as nossas carências espirituais (Sl
42.1-2; Mt 5.6). A segunda implicação é a de que somos
religiosos/adoradores por natureza. Na qualidade de criaturas, não
possuímos apenas carências,mas também a necessidade de as suprir.
Através da alimentação e do descanso, por exemplo, suprimos a carência de
energia para a manutenção de nossa vida física. Mas, e as carências
espirituais? Como nós as suprimos? Com isso tem a ver a religião, esta
tendência natural que todo homem possui de estabelecer uma relação de
confiança, amor e obediência com algo ou alguém, para desta relação
derivar a satisfação espiritual de que tanto necessita.
b) O homem é um ser originalmente teocêntrico. Temos poucas
informações sobre o tempo em que o mundo existiu sem a experiência do
pecado. Somente dois capítulos na Bíblia tratam da vida nesta condição (Gn
1 e 2). Mas é possível afirmar que, originalmente, o homem era
religiosamente orientado para Deus. Ou seja, ele procurava satisfazer as
suas necessidades espirituais confiando, amando e obedecendo ao Criador.
O texto de Gênesis sugere isso ao relacionar a desarmonia da realidade ao
fato de o homem ter dado ouvidos à voz do tentador. Voz, aliás, é um dos
temas centrais de Gênesis 1-3. Os dois primeiros capítulos apresentam um
Deus que fala, e cuja voz estabelece a harmonia da criação. Gênesis 3
apresenta outra voz – a voz do tentador – que convida o homem a fazer
valer a sua própria voz, introduzindo assim a desarmonia no mundo criado.
Essa ideia de que a desarmonia adentrou a realidade criada a partir do
momento em que o homem deu ouvidos a outra voz sugere que,
originalmente, a voz de Deus era crida, amada e obedecida pelo homem, no
jardim do Éden. Isso também pode ser inferido da sugestão textual de que,
no jardim, havia um cultivo frequente da relação entre Deus e o homem. Os
primeiros capítulos da Bíblia não afirmam categoricamente que Deus se
encontrava diariamente com Adão e Eva, mas eles sugerem que isto
acontecia. Genesis 3 afirma que depois do pecado, quando eles (Adão e
Eva) “ouviram a voz do Senhor Deus, que andava no jardim pela viração do
dia, esconderam-se da presença do SENHOR Deus”. (Gn 3.8). O impacto
narrativo dessa afirmação se encontra no fato de que ela descreve uma
reação antinatural. E isso, por sua vez, depende de que o encontro com
Deus fosse comum. Se Deus nunca tivesse estado com eles antes, a fuga
seria, até certo ponto, “natural”, e o impacto da narrativa se perderia. Ele
está, exatamente, no fato de que eles fugiram de algo do qual não deveriam,
a princípio, fugir. Originalmente, portanto, o homem era um ser
positivamente teocêntrico, que supria em Deus suas carências espirituais.
c) Depois da queda o homem se tornou um ser egocêntrico. A
queda não eliminou o impulso religioso do ser humano. Até, porque, como
vimos, ele é essencial à nossa natureza. Nós simplesmente deixaríamos de
ser o que somos (humanos) caso isso tivesse acontecido. O que a queda fez
foi redirecionar esse impulso religioso – de Deus para o próprio homem. A
partir dela, Deus foi destronado de nosso coração e nós mesmos passamos a
ocupar o lugar que pertencia a Ele.
Esse redirecionamento existencial não aconteceu sem consequências, e
aqui está a razão pela qual a idolatria é uma realidade permanente. Ao
substituirmos, no coração, o Criador (o absoluto) pela criatura (o relativo),
fomos privados da fonte de saciedade de nossas carências espirituais. A
queda nos separou daquele que, por ser tudo em todos (Cl 3.11), origem
meio e fim de todas as coisas (Rm 11.36) é suficiente para suprir todas as
nossas necessidades espirituais. O resultado foi que entramos numa
tentativa sem fim de satisfazer nossas necessidades espirituais por meio de
tudo aquilo que, na realidade criada, parece ser capaz de satisfazê-las.
Como afirmava João Calvino, nossa imaginação se tornou uma perpétua
fábrica de ídolos (CALVINO, Institutas, I. 11,8). Usando uma metáfora
bíblica, podemos dizer que a queda nos distancia da fonte que sacia a nossa
sede (Jo 4.13-12). O resultado é o vazio e a tendência de tentar preenchê-lo
com o que não tem a capacidade de fazê-lo. “Espantai-vos disto, ó céus, e
horrorizai-vos! Ficai estupefatos, diz o Senhor. Porque dois males cometeu
o meu povo: a mim me deixaram, o manancial de águas vivas, e cavaram
cisternas, cisternas rotas, que não retêm as águas” (Jr 2.12-13).
A DINÂMICA E OS EFEITOS
DA IDOLATRIA
A idolatria é um pecado antigo. Ela adentrou a experiência humana no
jardim do Éden, e desde então, jamais nos deixou. A razão disso é que a
Queda não eliminou o nosso impulso adorador, mas o redirecionou a um
objeto insuficiente de satisfação de nossas necessidades espirituais, gerando
em nós a maldita tendência de tentar satisfazê-las nas coisas criadas. Em
resumo, foi o que vimos no capítulo anterior. Neste, que é o último
destinado ao entendimento da idolatria, veremos que ela é um pecado
complexo e extremamente prejudicial.
A dinâmica da idolatria
A idolatria nunca se apresenta no singular, sempre no plural. Correndo o
risco de ainda sermos simplistas, podemos afirmar que a idolatria é um
pecado tridimensional. Na primeira e mais profunda dimensão, a idolatria é
sempre idolatria de si mesmo; o nosso EU é sempre o nosso ídolo maior. A
razão estrutural disso é que a adoração possui uma natureza essencialmente
pessoal. Nós fomos criados para adorar a uma pessoa (Deus), e, quando a
rejeitamos, é a outra pessoa que passamos a adorar (a nós mesmos). Neste
sentido, podemos dizer que a experiência da idolatria é idêntica para todos
os indivíduos.
Quando estamos envolvidos pela idolatria estamos sempre na busca de
suprir carências espirituais; saciar necessidades que deixaram de ser
saciadas a partir do momento em que substituímos o absoluto (Deus) pelo
relativo (o EU) no trono de nossa existência. Carências como segurança,
reconhecimento, prazer, e muitas outras, constituem, então, a segunda
dimensão da idolatria. Elas são os nossos ídolos intermediários. É
importante destacar que essas coisas não são ruins em si mesmas. O
problema não é que buscamos essas coisas, mas que costumamos fazer isso
como se elas fossem a nossa necessidade principal. A idolatria é um pecado
sutil, que funciona como um parasita, alimentando-se de desejos legítimos.
Ela não se define apenas pelo o que desejamos, mas também pelo como – a
maneira, a ocasião, a intensidade com a qual desejamos algo.
Os ídolos intermediários são variáveis. Primeiro, eles costumam variar
de pessoa para pessoa. Todo idólatra está a serviço de si mesmo, mas cada
um está na busca de suprir uma carência espiritual particular. Depois, eles
também costumam variar em nossa própria experiência individual. Em
algumas circunstâncias da vida vivemos em função de suprir nossa
necessidade de segurança, enquanto em outras vivemos em função da
necessidade de sermos valorizados.
Finalmente, a idolatria envolve a deificação de coisas que,
supostamente, poderiam suprir a carência deificada pelo EU. Esta é a
terceira dimensão da idolatria, na qual experimentamos os ídolos menores,
também chamados por alguns autores de ídolos funcionais. Aqui, nossa
experiência da idolatria é bastante geral, e pode incluir uma pessoa, um
objeto, um relacionamento, uma ideia, um objetivo, um grupo social, ou
qualquer outra coisa que constitui a realidade criada. Alguém que está
envolvido no processo de idolatria, servindo ao EU na busca de aceitação
por exemplo, pode eleger como ídolo funcional o dinheiro; pode idolatrar
um determinado modo de se vestir; ou ainda, uma ideia socialmente
estabelecida e aceita. Os ídolos menores ou funcionais são altamente
variáveis, bem mais do que os ídolos intermediários. Na verdade, pode-se
dizer até que eles são descartáveis, uma vez que podem ser substituídos
sempre que se mostram incapazes de suprir a carência deificada pelo EU.
Essa dimensão da idolatria mostra que ela possui uma natureza
pervertedora. Ela, frequentemente, se alimenta das dádivas que Deus nos
concede. E quanto maior é a dádiva, maior é o risco de substituirmos, por
ela, o doador.
Em resumo, esta é a dinâmica da idolatria: ela é um ato de serviço a nós
mesmos, que consiste na tentativa de suprir carências espirituais tratadascomo necessidades finais, através do apego desmedido e sujeição definitiva
a elementos criados.
Os efeitos da idolatria
Pelo menos três imperativos contra a idolatria são encontrados na Bíblia. O
primeiro e mais conhecido deles está no Antigo Testamento (Êx 20.2 – o
primeiro mandamento); e os outros dois, no Novo (1Co 10.14 e 1Jo 5.21).
Esses imperativos são exemplo de que a Bíblia nos estimula textualmente a
fugir da idolatria. Ela faz isso, principalmente, com base na singularidade
de Deus. Mas ela também o faz com base nos efeitos danosos que este
pecado possui. Isso significa que conhecer esses efeitos é importante e pode
nos estimular a obedecer a Escritura neste particular.
O efeito mais básico da idolatria é que ela impede o cumprimento de
nosso propósito original. Ela faz isso, inicialmente, sendo um atentado à
glória de Deus.
Em Efésios 1.12, Paulo faz uma afirmação importante sobre a razão pela
qual existimos: fomos feitos para o louvor da glória de Deus. Com essa
afirmação, ele está dizendo que existimos para que as perfeiçoes divinas
sejam vistas através de nós. A idolatria impede que isso aconteça. Primeiro,
por que a identificação de Deus com algo qualquer é sempre uma
diminuição de sua glória. E, depois, por que quando substituímos Deus, ao
invés de vivermos para expressar a glória dele, nos tornamos expressão da
imagem falsamente gloriosa do deus substituto.
A idolatria também impede o cumprimento de nosso propósito original,
sendo um atentado à nossa própria realização. Deus nos criou para a sua
glória, mas também para que fôssemos plenamente realizados nele. A
primeira pergunta do Breve Catecismo de Westminster questiona: “Qual é o
fim principal do homem?” E sua resposta declara: “Glorificar a Deus e
gozá-lo para sempre”, reverberando o ensino bíblico que descreve os efeitos
da relação com Deus em termos de vida eterna (Jo 4.4; 6.40; 10.28) e bem-
aventurança (Sl 1; Mt 5.1-11). Deus nos criou para a realização, mas a
idolatria impede que sejamos realizados.
A razão pela qual isso acontece é que ela possui uma natureza
prejudicial que se manifesta em pelo menos três diferentes níveis. O
primeiro prejudicado pela idolatria é o próprio idólatra. Ídolos escravizam.
Eles são substitutos de Deus, e como tal, são colocados no lugar de
autoridade que pertence a Ele. Como Deus, os ídolos exigem obediência. A
diferença é que, enquanto Deus é um Senhor amoroso, cujo jugo é suave e o
fardo é leve (Mt 11-28-30), os ídolos são senhores tiranos que anulam a
nossa liberdade.
Um dos maiores exemplos bíblicos da natureza escravizadora dos ídolos
é a história do povo de Israel. O Antigo Testamento mostra que, quando a
verdadeira adoração estava estabelecida, o povo experimentava tempos de
paz e liberdade. Mas sempre que a falsa adoração e a idolatria começavam a
fazer parte da vida do povo, ele experimentava guerras, e, frequentemente,
invasão e exílio. Outro exemplo bíblico dessa natureza escravizadora da
idolatria pode ser encontrado no ministério de Jesus, no episódio em que ele
se encontra com o jovem rico (Mc 10.17-22). Essa passagem pode nos
ensinar várias lições sobre a adoração e a idolatria. Por exemplo: que o
conhecimento racional das verdades da fé não é, necessariamente, sinal de
um coração adorador; e que nem mesmo a obediência ritual pode ser
considerada sinal definitivo da verdadeira adoração. Mas a lição que nos
importa agora é a de que a idolatria escraviza. O jovem rico foi convidado
por Jesus para segui-lo, mas o texto revela que ele foi incapaz de fazer isso
porque estava dominado pelos bens materiais que possuía (v.21-22).
A idolatria também prejudica o entorno do idólatra. Quando estamos
tomados pelo pecado da idolatria, nós vivemos em função dos ídolos. O
problema é que, na qualidade de relativos tratados como absoluto, eles são
insuficientes na sustentação do equilíbrio de nossa existência. A
consequência é uma vida desequilibrada, repleta de problemas para os que
estão próximos daquele que é envolvido por ela. Os ídolos exigem
sacrifícios. O dinheiro tornado deus frequentemente exige que a vida
familiar de um homem – o relacionamento com sua esposa e filhos – seja
sacrificada no altar do trabalho. O reconhecimento tornado deus pode levar
um pastor a sacrificar o cuidado para com os membros de sua igreja local
no altar de sua visibilidade pública. O sexo tornado deus pode levar uma
mulher a abandonar seu marido e filhos no altar de uma noite de prazer.
Não é apenas o idólatra que sofre com a sua idolatria, mas seu cônjuge,
filhos, familiares, amigos, colegas de trabalho, e as demais pessoas que
convivem com ele.
Finalmente, a idolatria prejudica a sociedade de um modo geral. A
idolatria não é um pecado somente individual, mas também coletivo. Num
certo sentido, a idolatria de uma pessoa nunca é apenas a sua idolatria.
Afinal, quando assumimos um ídolo e oferecemos a ele os nossos
sacrifícios, reforçamos o seu papel supostamente divino diante de nosso
grupo social e contribuímos para ele seja culturalmente estabelecido e
adorado, o que deságua em problemas de natureza comunitária como os
vícios, a corrupção, a imoralidade, a desestruturação familiar, e muitos
outros mais.
Idolatria na prática
Exemplos pessoais são sempre perigosos. Mas neste caso não dá pra ser
diferente. A experiência da idolatria é bastante pessoal, e isso significa que
as experiências que podemos descrever com alguma exatidão e segurança
são apenas as nossas.
Era 2006 ou 2007. Minha esposa e eu estávamos começando a vida de
casados quando decidimos dar uma ajeitada no apartamento em que
morávamos e tornar o ambiente um pouco mais agradável. Naquela época, a
moda era fazer texturas nas paredes, e nós resolvemos segui-la. Eu plantava
uma igreja e realizava um trabalho de evangelização e capelania em uma
casa de recuperação para pessoas que lutavam contra a dependência
química, na qual havia um interno que tinha experiência com o serviço que
queríamos fazer. Combinei com o coordenador da casa e busquei o interno
um dia da semana para fazer o serviço. Passamos o dia trabalhando juntos –
ele mais do que eu, obviamente – e do meio para o fim da tarde a sala de
nosso apartamento era outra.
Minha esposa passara o dia no trabalho, e ainda não tinha visto o
resultado, quando eu tive uma “brilhante ideia” – sugiro aos maridos que a
tiverem que nunca a coloquem em prática! Percebendo que a velha cortina
parecia não mais combinar com a nova parede, corri a uma loja, comprei
uma cortina nova e a troquei antes mesmo de minha esposa chegar, sob a
declaração de que queria surpreendê-la e agradá-la. Levei o meu
companheiro de trabalho de volta à casa de recuperação e fui ao metrô
buscar a minha esposa.
Quando chegamos em casa, ela foi diretamente à parede. Demonstrou
satisfação e expressou com palavras que o serviço havia ficado bem feito.
Obviamente, ela também percebeu que a cortina tinha sido trocada, e, com
menor satisfação, perguntou: você trocou a cortina? Ao que respondi
positivamente, emendando um questionamento: sim, você gostou? Ela
passou os dedos sobre cortina, como se sentisse a textura dela, e com a
docilidade que lhe é peculiar, me olhou e perguntou: não tinha outras cores,
não? Minha resposta foi imediata: indignação e uns dois dias de silêncio
absoluto.
Esse acontecimento é bem ilustrativo da natureza dissimulada, dinâmica
e dos efeitos do pecado da idolatria. Se, naquele dia, alguém me
perguntasse por que eu estava comprando uma nova cortina, muito
provavelmente eu responderia que meu desejo era fazer um bem à minha
esposa; um ato de amor. Mas a minha reação mostra que isso não era
verdade. Se, de fato, eu desejasse agradá-la, minha resposta ao desejo dela
de escolher uma cor diferente deveria ter sido, simplesmente, a de tirar a
cortina e levá-la para trocar. Mas não foi o que eu fiz. E não fiz porque, no
fundo, meu interesse era outro: ser reconhecido como um bom marido.
Segundo a dinâmica descrita no tópico anterior, podemos dizer que, embora
pudesse parecer que eu estava servindoà minha esposa, eu estava servindo
a mim mesmo (ídolo maior), na busca de reconhecimento (ídolo
intermediário), através dos elogios de minha esposa (ídolo menor). E como
ela não me deu o que eu queria, eu sacrifiquei a nossa comunhão por dois
dias.
Situações semelhantes podem ter acontecido com você. E se você deseja
saber como pode discerni-las e enfrentá-las, poderá encontrar alguma ajuda
a seguir.
ENFRENTANDO
A IDOLATRIA
PARTE DOIS
DISCERNINDO A IDOLATRIA
Agora que conhecemos mais profundamente o pecado da idolatria,
podemos refletir a respeito da maneira como devemos enfrentá-lo. Nesta
reflexão, nosso primeiro passo tem a ver com o discernimento ou o
diagnóstico da idolatria. Afinal, é possível saber quando estamos sendo
tomados por este pecado? E se é possível, como podemos fazer isso?
A dificuldade da tarefa
De início, é preciso saber que discernir a idolatria está longe de ser uma
tarefa simples. Primeiro, porque a idolatria acontece numa dimensão de
existência à qual não temos acesso direto e imediato. Como vimos na
primeira parte deste livro, a idolatria é um pecado primariamente interno.
Ela tem a ver com os propósitos de nosso coração, e a Bíblia afirma,
categoricamente, que “os propósitos do coração do homem são como águas
profundas...” (Pv 20.5a). Além disso, a idolatria possui uma natureza
enganadora. O ensino bíblico sobre o coração não é apenas o de que ele é
uma dimensão profunda e imediatamente inacessível, mas também o de que
ele é enganoso e desesperadamente corrupto (Jr 17.9). Essa não é,
obviamente, a condição original do nosso coração; mas é a sua condição
atual, exatamente por causa da presença do pecado, definido por nós aqui,
em termos de idolatria. Uma das descrições bíblicas mais impactantes da
idolatria, encontrada em Isaias 44, destaca exatamente a natureza
dissimulada que esse pecado possui. Ela apresenta aqueles que estão
tomados pela idolatria, como pessoas que:
Nada sabem, nem entendem; porque se lhes grudaram os olhos, para que
não vejam, e o seu coração já não pode entender. Nenhum deles cai em
si, já não há conhecimento nem compreensão para dizer: Metade
queimei e cozi pão sobre as suas brasas, assei sobre elas carne e a comi;
e faria eu do resto uma abominação? Ajoelhar-me-ia eu diante de um
pedaço de árvore? Tal homem se apascenta de cinza; o seu coração
enganado o iludiu, de maneira que não pode livrar a sua alma, nem
dizer: Não é mentira aquilo em que confio? (Is 44.18-20)
Por essas duas razões, portanto, – a profundidade da dimensão de
existência na qual ela acontece e a sua natureza enganadora – discernir a
idolatria não é uma tarefa simples.
A possibilidade da tarefa
Apesar disso, a Bíblia ensina que esta é uma tarefa possível. O provérbio
bíblico mencionado no tópico anterior, que afirma que os propósitos do
coração do homem são como águas profundas, termina com a seguinte
adversativa: “mas o homem de inteligência sabe descobri-los” (Pv 20.5b).
Além de esclarecer que discernir a idolatria é uma tarefa possível, essa
segunda afirmação revela que essa tarefa exige, basicamente, duas
condições.
A primeira é a nossa atividade responsável. O provérbio deixa claro que
quem deve descobrir os propósitos do nosso coração somos nós mesmos.
Isso significa que, neste desafio, existe alguma coisa que nós devemos
fazer. A segunda é a atividade de Deus. O homem capaz de discernir os
propósitos do coração é apresentado por este provérbio como um homem de
inteligência. Talvez, essa qualificação não nos remeta, de modo tão
imediato, à necessidade da atividade divina. Isso, porque temos a tendência
de identificar, muito apressadamente, inteligência e conhecimento racional,
e tratar essa virtude como algo que depende exclusivamente de esforço
humano. Entretanto, essa não é uma visão consistentemente cristã do
conhecimento, assim como a identificação apressada entre inteligência e
mero conhecimento racional não faz justiça ao ensino bíblico. Na Bíblia,
inteligência é sinônimo de sabedoria, da qual o princípio é o temor do
Senhor (Pv 9.10). E sabedoria não é algo que adquirimos, simplesmente,
por meio de esforço pessoal, mas, acima de tudo, dádiva de Deus, como
percebemos na orientação de Tiago: “Se, porém, algum de vós necessita de
sabedoria, peça-a a Deus, que a todos dá liberalmente e nada lhes
impropera; e ser-lhe-á concedida” (Tg 1.5).
Discernir a idolatria, portanto, embora seja difícil, é uma tarefa possível
desde que estejamos dispostos a agir de maneira responsável, na
dependência do Senhor. Nada diferente de nosso chamado geral para a
santificação, apresentado pelo apóstolo Paulo também com a consideração
desses dois aspectos, em Filipenses 2.12-13: ...desenvolvei a vossa salvação
com temor e tremor (nossa atividade responsável); porque Deus é quem
efetua em vós tanto o querer como o realizar, segundo a sua boa vontade
(atividade de Deus).
O discernimento da idolatria
e nossa atividade responsável
Podemos descrever a nossa atividade responsável no processo de
discernimento da idolatria como um movimento de autorreflexão. Ao
utilizar essa palavra, o que temos em mente é um movimento intencional
constante em direção à nossa interioridade, que tem como objetivo a
verificação das motivações do nosso coração. A pergunta que devemos
fazer a esta altura é: como isso é possível, se o coração é a dimensão mais
profunda de nosso ser, e é imediatamente inacessível, como vimos a pouco?
Outro provérbio bíblico nos ajuda a responder a essa pergunta. Ele diz:
“Como na água o rosto corresponde ao rosto, assim, o coração do homem,
ao homem” (Pv 27.19). O ensino deste provérbio é o de que, embora o
coração seja imediatamente inacessível, ele se revela. De fato, não podemos
ter acesso imediato ao coração, mas, uma vez que ele é o núcleo diretivo de
nossa existência, os nossos pensamentos, sensações, palavras e atitudes
funcionam como janelas através das quais podemos enxergar a sua
condição. A autorreflexão, então, é um movimento de investigação de nossa
interioridade, que se vale das pistas deixadas em nossa existência exterior.
De alguma forma, todos os aspectos de nossa existência são reveladores
de nosso coração. Mas alguns deles fazem isso de maneira especial. O
primeiro é o nosso pensamento (Mt 9.4; 15.19). Aqui, tomamos pensamento
como um termo abrangente, que inclui a diversidade de funções humanas
relacionadas à mente, como a racionalidade, a memória, etc. Todas essas
funções revelam o estado de nosso coração. As relações lógicas que
estabelecemos para explicar as nossas ações e as lembranças que insistimos
em manter em nossa memória, por exemplo, dizem muito sobre ele. Mas,
talvez, a função de nossa humanidade, relacionada ao pensamento, através
da qual seja mais fácil visualizar a nossa adoração ou idolatria seja a
imaginação. Os sonhos que acalentamos e as imagens que elaboramos
quando os levamos em conta, dizem muito sobre aquele ou aquilo a que
estamos adorando.
Outro aspecto de nossa existência, muito significativo na revelação de
nosso coração, é a nossa fala. Jesus afirmou com todas as letras que “a boca
fala do que está cheio o coração (Mt 12.34). Da mesma forma, isso,
certamente, tem a ver com tudo o que falamos. Mas existem algumas
palavras que dizemos que simplesmente escancaram o nosso coração. É o
que acontece, por exemplo, nas palavras ditas em circunstâncias de crise,
que são mais imediatas e estão menos sujeitas à manipulação.
Circunstâncias de crise são, principalmente, situações imprevistas que
nos infligem algum sofrimento. Os discípulos de Jesus vivenciaram
situações assim, e numa delas proferiram palavras que exemplificam o que
estamos afirmando neste tópico. Era uma travessia de barco no Mar da
Galileia e Jesus dormia na popa, tranquilamente, sobre um travesseiro. De
repente, eles foram apanhados de surpresa por uma tempestade e acordaram
Jesus com as seguintes palavras: “Mestre, não te importas que
pereçamos?”(Mc 4.38). Geralmente, interpretamos essas palavras como
expressão de desespero, o que não está errado, por que, de fato,elas são.
Mas elas também possuem um forte tom de questionamento, que expressa
dúvida do amor de Jesus, e revelam que eles, muito provavelmente, nutriam
certa visão exagerada a respeito de si mesmos. Não te importas significa
deverias te importares!
Pense nas palavras de um pai ou uma mãe, que ao ser informado do
péssimo desempenho escolar de seu filho, esbraveja: “pagamos escola cara
para você, e é isso que recebemos em troca? O que dirão de nós se você for
reprovado mais uma vez!” Quando proferem palavras semelhantes a essas,
os pais revelam que, embora possam estar verdadeiramente preocupados
com o seu filho, têm o coração dividido; e estão mais preocupados consigo
mesmos (com sua reputação e recursos) do que, propriamente, com ele.
Também são muito reveladoras do nosso coração as palavras que
expressam desejo. Na Bíblia, há pelo menos dois acontecimentos bastante
ilustrativos deste ponto em particular. O pedido de Raquel a Jacó: “Dá-me
filhos, senão morrerei” (Gn 30.1); e o pedido de Tiago e João: “Permite-nos
que, na tua glória, nos assentemos um à tua direita e o outro à tua esquerda”
(Mc 10.37). Ambos revelam o apego idólatra do coração desses
personagens bíblicos a algo que não o Senhor. No primeiro, este apego é
revelado pela intensidade (...senão morrerei), e no segundo, pela disposição
que os discípulos demonstram de fazer o pedido, apesar dos constantes
anúncios de Jesus a respeito de sua morte.
Além de ser revelado por nossos pensamentos e palavras, nosso coração
também costuma ser revelado pelos nossos sentimentos. Talvez, sejam duas
as sensações mais reveladoras de nossa idolatria. A primeira é a de ausência
ou incompletude. Trata-se daquela sensação de que falta algo para que
nossa experiência do mundo seja mais completa, e que pode ser expressa
em palavras em declarações como: “se eu tivesse isto ou aquilo, então eu
estaria satisfeito”; ou: “agora que estou quase conseguindo isto ou aquilo,
me sinto plenamente realizado”. A segunda é o medo. A sensação de que a
possível perda de algo poderá tirar o sentido de nossa existência, expressa
geralmente na seguinte declaração: “Se eu perder isto ou aquilo, então
perco a razão de viver”.
Por último, nossas ações e reações também revelam o nosso coração.
Outra vez, isso diz respeito a tudo o que fazemos. Mas um tipo de ação ou
reação que merece destaque é o que costumamos chamar de compensação.
Trata-se daquela atitude de recompensar-nos através da satisfação de nossos
desejos, premiando-nos por eventuais vitórias alcançadas ou consolando-
nos por derrotas obtidas. Você sabe do que estou falando, porque, muito
provavelmente, já experimentou e até verbalizou essa sensação, através de
palavras como: depois disto, eu mereço aquilo! Ações desse tipo são
altamente reveladoras de nossa idolatria. No primeiro caso, elas costumam
evidenciar a nossa crença pessoal de que somos os maiores responsáveis
por nossas vitórias; e no segundo caso, a nossa convicção de que é possível
encontrar consolo e descanso em alguma outra coisa, à parte de Deus e de
nossa relação com ele. Não queremos dizer com isso que providenciar o
atendimento de nossos desejos temporais seja sempre pecaminoso, mas sim
que as razões pelas quais os atendemos revelam o estado de nosso coração.
A questão fundamental é se atendemos a esses desejos como meio de
serviço a Deus ou a nós mesmos, o que se revela pela maneira, a ocasião, a
intensidade com os quais os damos provimento a eles.
O discernimento da idolatria e a atividade de Deus
Por mais importante que seja, a nossa atitude responsável não é suficiente
para nos conduzir ao discernimento da idolatria. Jamais poderemos ter
sucesso nessa tarefa à parte da atividade de Deus. Afinal, sem a atividade
dele, o processo de autorreflexão é um círculo vicioso.
Considere a seguinte questão: um juiz injusto poderia condenar-se por
sua injustiça? É claro que não! Primeiro, por uma questão de critério. Um
juiz injusto trabalha com critérios injustos, e está impossibilitado de
interpretar adequadamente a sua condição. Depois, por uma questão de
natureza. Mesmo que conseguisse fazer uma interpretação adequada,
porque é injusto, ele não agiria de acordo com ela. Transporte o raciocínio
para o desafio de discernimento da idolatria. Poderíamos, a partir do nosso
coração idólatra (corrupto e enganoso), discernir a nossa própria idolatria?
Óbvio que não! E mesmo que ela fosse escancarada diante de nossos olhos,
de forma que não pudéssemos deixar de enxergá-la – o que às vezes, de
fato, acontece – fecharíamos os olhos e encontraríamos subterfúgios para
não pronunciar nossa própria condenação. Estamos em um círculo vicioso e
precisamos de uma intervenção externa que nos possibilite ter uma
avaliação não viciada; um novo entendimento, novos valores, novos
critérios; novas disposições. À parte dessa intervenção, continuamos na
condição do homem natural, que “não aceita as coisas do Espírito de Deus,
porque lhe são loucura; e não pode entendê-las, porque elas se discernem
espiritualmente” (1Co 2.14).
A boa notícia (evangelho), aqui, é que Deus age. Ele faz isso por meio
de seu Espírito, através de sua Palavra, que segundo o autor da epístola aos
Hebreus:
...é viva, e eficaz, e mais cortante do que qualquer espada de dois
gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e
medulas, e é apta para discernir os pensamentos e propósitos do coração.
E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário,
todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a quem
temos de prestar contas (Hb 4.12-13).
A Palavra de Deus, portanto, é o instrumento através do qual o Espírito
Santo nos conduz ao discernimento da idolatria. De um lado, essa Palavra
nos beneficia objetivamente, fornecendo os critérios por meio do quais
interpretamos nossas manifestações exteriores no movimento de
autorreflexão. De outro, ela nos beneficia subjetivamente, modelando em
nós a mente de Cristo, direcionando o nosso entendimento e impulsionando
nossas disposições. Daí, a importância de nos submetermos de forma
frequente e responsável ao ensino da Palavra de Deus, e nos disciplinarmos
para que essa submissão seja acompanhada de tudo aquilo que contribui
para que esse ensino se torne efetivo em nossa vida: a oração, a humildade,
a obediência, a vida comunitária etc.
O discernimento da idolatria é uma tarefa difícil, mas possível. Ele
acontece quando nos dispomos a uma vida marcada por um constante e
intencional movimento de autorreflexão radical, do qual a Palavra de Deus
é o mapa e o Espírito Santo, o guia.
COMBATENDO A IDOLATRIA
O segundo passo no enfrentamento da idolatria, assunto deste último
capítulo, é a batalha propriamente dita. O que dissemos no capítulo anterior,
a respeito do primeiro passo (o discernimento), pode ser repetido agora a
respeito deste segundo: lutar contra a idolatria não é uma tarefa fácil, mas
possível. Não fosse assim, a Bíblia não nos faria esta exigência.
Mas as semelhanças entre os dois passos não param por aí. Como
acontece no caso do discernimento, a batalha contra a idolatria também
envolve algo que nós fazemos e algo que Deus faz. Pretendemos mostrar
isso nas páginas seguintes. Mas para deixar mais clara a natureza da relação
que existe entre as nossas ações e as ações de Deus, optamos por inverter a
ordem neste caso. Trataremos, inicialmente, daquilo que Deus faz e
somente em seguida daquilo que nós precisamos fazer.
A ação de Deus e as condições
para o combate à idolatria
Acabamos de afirmar que combater a idolatria é uma tarefa possível! É uma
afirmação verdadeira, mas que não pode ser aplicada sem distinções. Há
uma condição fundamental para que alguém lute contra a idolatria: ser um
verdadeiro cristão.
Os imperativos bíblicos contra a idolatria já mencionados neste livro
confirmam o que acabamos de dizer. Eles possuem uma característica que é
comum à maioria dos imperativos contidos na Escritura: eles são
precedidos por afirmações que descrevem as ações de Deus em favor
daqueles a quemse destinam, e que constituem a base para o cumprimento
deles. Os teólogos costumam se referir a isso como a relação entre os
imperativos e os indicativos bíblicos.
O primeiro mandamento, “não terás outros deuses diante de mim” (Êx
20.3), é precedido pela afirmação da existência de uma relação entre Deus e
o povo de Israel (“eu sou o Senhor, teu Deus”), e da libertação do cativeiro
egípcio (“que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão”) (v.2). O
imperativo paulino fugi da idolatria (1Co 10.14) é precedido e relacionado
por uma conjunção conclusiva (portanto), aos versos iniciais do capítulo,
que afirmam a verdade de que Cristo é nosso sustento espiritual: “Ora,
irmãos, não quero que ignoreis que nossos pais estiveram todos sob a
nuvem, e todos passaram pelo mar, tendo sido todos batizados, assim na
nuvem como no mar, com respeito a Moisés. Todos eles comeram de um só
manjar espiritual e beberam da mesma fonte espiritual; porque bebiam de
uma pedra espiritual que os seguia. E a pedra era Cristo (v.1-5). E o
imperativo joanino, “guardai-vos dos ídolos” (1Jo 5.21), é precedido pela
afirmação da encarnação e de seus efeitos subjetivos: “...sabemos que o
Filho de Deus é vindo e nos tem dado entendimento para reconhecermos o
verdadeiro; e estamos no verdadeiro, em seu Filho, Jesus Cristo. Este é o
verdadeiro Deus e a vida eterna” (1Jo 5.20).
Essa relação entre imperativos e indicativos mostra que existe uma
relação fundamental entre aquilo que Deus requer de nós e aquilo que Ele
faz por nós. Trata-se de uma relação de natureza condicional; nós somente
podemos fazer o que Deus requer por causa daquilo que Ele faz. E se não
formos atingidos pelo que Ele faz, simplesmente não podemos fazer o que
Ele requer. É por isso que a condição para o combate à idolatria é que
sejamos verdadeiramente cristãos.
Isso poderá ser mais bem compreendido se considerarmos o que
significa ser um cristão verdadeiro. Primeiramente, o verdadeiro cristão é
aquele que foi liberto por Jesus. Como o próprio nome revela, o cristão é
aquele que é definido por sua relação com Cristo. Para usar uma expressão
comum ao Apóstolo Paulo: é aquele que está em Cristo (2Co 5.17), e por
isso desfruta das bênçãos espirituais conquistadas por Ele (Ef 1.3). Uma
dessas bênçãos é a redenção (Ef 1.7; Cl 1.14); uma palavra extraída do
contexto comercial do período neotestamentário, no qual a escravidão
estava socialmente estabelecida, que significava, literalmente, libertar [um
escravo] por meio do pagamento de um preço, e que passou a fazer parte do
vocabulário dos autores do Novo Testamento, em referência à libertação da
escravidão do pecado experimentada por aqueles que são atingidos pela
obra de Jesus.
Não é difícil entender por que essa libertação é uma condição
fundamental para o combate à idolatria. Como vimos nos capítulos
anteriores, a razão mais fundamental pela qual a idolatria acontece é que,
por ocasião da queda em pecado, houve um redirecionamento de nosso
senso de adoração – de Deus para nós mesmos. Criamos ídolos,
fundamentalmente, porque somos escravos de nós mesmos e vivemos para
a satisfação de nosso EU. Isso significa que, a menos que sejamos libertos
dessa condição, a nossa vida se resumirá a um constante serviço aos ídolos,
e nada poderemos fazer contra eles. Libertar-nos desta condição, foi
exatamente um dos objetivos da obra de Cristo. “Ele morreu por todos para
que aqueles que vivem já não vivam mais para si mesmos, mas para aquele
que por eles morreu e ressuscitou” (2Co 5.15).
Além disso, o verdadeiro cristão é habitação do Espírito Santo. Uma
batalha exige duas coisas: condições de possibilidade e condições de
enfrentamento. A redenção oferece ao cristão a condição de possibilidade;
éramos escravos e nos tornamos livres. Mas imagine que fossemos
redimidos e deixados entregues a nós mesmos. Se isso acontecesse, não
teríamos qualquer condição de obter sucesso no combate à idolatria.
Bastaria um novo encontro com os ídolos para que fossemos escravizados
novamente, por que somos carentes de entendimento e de poder.
Mas o ensino bíblico sobre o verdadeiro cristão não é o de que ele foi
liberto e depois lançado à própria sorte, mas o de que ele é constantemente
amparado por Deus, na pessoa do Espírito Santo. Paulo afirma,
categoricamente: “vós, porém, não estais na carne, mas no Espírito, se, de
fato, o Espírito de Deus habita em vós”. (Rm 8.9). Esse Espírito que em nós
habita é a fonte daquilo que necessitamos para combater a idolatria. Se
precisamos de discernimento para perceber quando estamos sendo tomados
por este pecado, ele é Espírito de revelação, que a todas as coisas perscruta,
até mesmo as profundezas de Deus (1Co 2.10). E se precisamos de força
para a batalha, Ele é Espírito de poder; aquele que habilita os homens a
andar nos estatutos de Deus, a guardar e a cumprir os seus juízos (Ez 11.19-
20).
A ação de Deus e as situações
de combate à idolatria
Além de agir, criando as condições para lutarmos contra a idolatria, Deus
também age criando oportunidades para que a luta aconteça. Dois eventos
bíblicos ilustram bem este fato.
O primeiro aconteceu na vida de Abraão. Você já parou para pensar
porque Deus pediu a Abraão o seu filho Isaque em sacrifício? Olhando da
perspectiva da soberania de Deus, uma resposta possível é que Deus o fez
porque sabia que o menino não seria sacrificado. Para ser mais preciso, Ele
mesmo determinou que isso não aconteceria. Da perspectiva da história da
redenção, pode-se dizer que Ele o fez porque tinha um propósito profético:
oferecer uma proclamação dramática do evangelho. A substituição de
Isaque pelo cordeiro no Moriá prefigura o sacrifício substitutivo de Cristo
pelos pecadores no Calvário. Mas, e da perspectiva pessoal de Abraão, por
que Deus exigira o sacrifício? Uma resposta possível é que Deus queria
combater o risco da idolatria no coração dele. Percebemos isso na maneira
como Deus fala com Abraão, duas vezes, naquela ocasião. Quando
proclama a ordem inicial, Ele diz: “Toma teu filho, teu único filho, Isaque, a
quem amas, e vai-te à terra de Moriá; oferece-o ali em holocausto, sobre um
dos montes, que eu te mostrarei” (Gn 22.2) . E quando o impede de
sacrificar Isaque, Ele ordena: “Não estendas a mão sobre o rapaz e nada lhe
faças; pois agora sei que temes a Deus, porquanto não me negaste o filho, o
teu único filho” (Gn 22.12). Os elementos destacados da passagem sugerem
que, através daquele episódio, Deus estava tratando da relação de Abraão
com Ele, e de como a relação de Abraão com Isaque poderia prejudicá-la.
Isaque tinha um significado especial para Abraão. Era o filho da promessa,
por meio de quem, de alguma forma, dependiam: a continuidade da aliança,
a posse da terra e a descendência numerosa. Abraão amava muito a Isaque e
estava sempre sujeito ao risco de amá-lo mais do que amava a Deus. Deus o
deu, então, uma oportunidade para que ele refletisse e testificasse seu amor
maior e adoração.
O segundo evento aconteceu na vida do Apóstolo Paulo, e foi descrito
por ele próprio com as seguintes palavras:
E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi-
me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me
esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi
ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça
te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. (2Co 12.7-9a).
Deus havia dado a Paulo revelações grandiosas e incomuns (2Co 7.1-6).
E um dos riscos que ele corria, em virtude de ter recebido essas revelações,
era o de ceder ao orgulho, substituindo o doador pela dádiva. Deus, então, o
colocou em uma circunstância desconfortável e incômoda, comparada por
ele a um espinho na carne. O que chama a nossa atenção é o propósito dessa
circunstância: “...para que eu não me ensoberbecesse”. Segundo Paulo, o
objetivo daquela situação difícil era ser um antídoto contra o orgulho e a
idolatria. Ele pediu livramento três vezes, mas, ao que tudo indica, jamais
se viu livre dela. Deus a utilizou paradar ao Apóstolo uma experiência de
sua graça.
Eventos como esses mostram que Deus age na história de seus filhos
providenciando oportunidades para que eles enfrentem a idolatria. Por
consequência, nos alertam quanto ao fato de que, embora tenhamos a
tendência de encarar circunstâncias difíceis (crises, perdas, frustrações,
sofrimentos) como se elas revelassem que Deus não nos ama – como os
discípulos no meio do mar da Galileia – elas revelam exatamente o
contrário. Circunstâncias assim também são manifestações do amor de
Deus por nós. Elas servem para expor o nosso coração, revelar o nosso
amor maior e dar-nos a oportunidade de desfrutar da graça que Ele mesmo
oferece em meio à batalha espiritual; graça que, segundo o salmista, é
melhor do que a vida (Sl 63.3).
A nossa atividade responsável
no combate à idolatria
Sem a atividade de Deus nós não podemos lutar contra a idolatria. Mas a
atividade de Deus não anula a necessidade de nossa atividade. Ao contrário
do que acontece na regeneração (o novo nascimento), na qual somos
completamente passivos, a santificação (a luta contra o pecado) não
acontece à parte de nossa participação responsável. Habilitados pelas ações
de Deus, precisamos agir responsavelmente para que o crescimento em
santidade aconteça.
Certamente, há muitas coisas que devemos fazer na luta contra a
idolatria. A seguir mencionaremos algumas delas, tendo como base dois
critérios: o da importância da atividade e o de nossa negligência em relação
a algumas delas.
De início, se queremos ter sucesso no combate à idolatria, é preciso que
sejamos constantes e responsáveis no uso dos meios de graça. Lutar contra
a idolatria não é algo que podemos fazer sem a graça de Deus. E Ele nos
comunica a sua graça através de alguns instrumentos ordinários que nos
foram entregues por Ele mesmo. Quanto mais constante e responsável for a
nossa relação com esses instrumentos (os meios de graça), maior é a
possibilidade de obtermos sucesso no enfrentamento da idolatria.
O primeiro dos meios de graça é a Bíblia, a Palavra de Deus. Qualquer
tentativa de exagerar na importância da Bíblia para o combate ainda a
deixará aquém de sua real importância. A Bíblia é, simplesmente, essencial.
Ela é a espada do Espírito (Ef 6.17), o instrumento que Ele utiliza para nos
conduzir ao discernimento da idolatria. Sem ela, ninguém pode tomar
consciência de que está sendo tomado por este pecado. Ela também é o
poder de Deus, o instrumento através do qual nossas disposições internas
são modificadas. Foi, por exemplo, através da pregação da Bíblia que
fomos convertidos das trevas para a luz (Rm 10.17), e continua sendo
através dela que somos novamente convertidos quando nos desviamos (Sl
119.105; 2Tm 3.16-17). Se desejamos combater a idolatria, é urgente
ampliarmos a nossa exposição à Palavra de Deus, seja através da leitura
devocional, do estudo comunitário, da pregação no culto público, ou de
outras maneiras.
O segundo meio de graça é a oração. Pode parecer estranho incluir a
oração aqui. Afinal, ela parece mais um movimento nosso em direção a
Deus do que um movimento dele em direção a nós. Muitas pessoas
concebem a oração nesses termos, como se ela existisse para o benefício de
Deus – o meio através do qual informamos a Ele aquilo que se passa
conosco. Isso, no entanto, é um equívoco. A oração não existe para o
benefício de Deus, mas para o nosso benefício. Deus não precisa de
informantes; afinal, conhece todas as coisas que se passam conosco, antes
mesmo delas acontecerem (Sl 139). A oração existe como meio através do
qual nos derramamos diante de Deus, expomos o nosso coração e nos
esvaziamos de nós mesmos a fim de ouvi-lo falar por meio da Palavra.
Dois benefícios que experimentamos pela oração estão profundamente
relacionados ao combate à idolatria. O primeiro é a oportunidade da
confissão e do desabafo. Quando estamos lutando contra a idolatria somos
confrontados com os efeitos mais cruéis do pecado em nossa vida, e não
poucas vezes, enxergamos em nós mesmos coisas que não teríamos
coragem, e, talvez, nem seria sábio, compartilhar com qualquer pessoa. A
oração nos dá a oportunidade de compartilhá-las com Deus. Ela permite que
nos desnudemos sem temor, como fez o salmista no Salmo 139: “Sonda-
me, ó Deus, e conhece o meu coração, prova-me e conhece os meus
pensamentos; vê se há em mim algum caminho mau e guia-me pelo
caminho eterno” (Sl 139.23-24). O segundo benefício é a experiência da
paz em circunstâncias adversas. A luta contra a idolatria inclui
circunstâncias difíceis, de quedas eventuais, exposição e sofrimento, e
nesses momentos, facilmente perdemos a paz. Por isso também, a oração é
importante. Quando nos derramamos diante de Deus através da oração, a
sua paz nos alcança, como Ele mesmo promete nas palavras do Apóstolo
Paulo: “Não andeis ansiosos de coisa alguma; em tudo, porém, sejam
conhecidas, diante de Deus, as vossas petições, pela oração e pela súplica,
com ações de graças. E a paz de Deus, que excede todo o entendimento,
guardará o vosso coração e a vossa mente em Cristo Jesus” (Fp 4.6-7).
O terceiro e último dos meios de graça são os sacramentos (o batismo e
a Ceia do Senhor). Como no caso da oração, pode parecer estranho falar dos
sacramentos como meios de graça, mas isso também é resultado de uma
compreensão inadequada. Frequentemente, concebemos os sacramentos
como meras encenações de acontecimentos e verdades bíblicas. Admitimos
que eles têm algum benefício intelectual ou afetivo, mas nem sempre
estamos conscientes de seus benefícios espirituais diretos. Essa, contudo,
não é uma boa compreensão. Quando Jesus instituiu a Ceia do Senhor, ele
afirmou acerca dos elementos que a compõem, o pão e o vinho: “isto é o
meu corpo” (Mc 14.22) e “isto é o meu sangue” (Mc 14.24). O que Jesus
estava dizendo ao identificar esses elementos consigo, é que existe uma
comunhão real e verdadeira do crente com Ele por ocasião da participação
na Ceia do Senhor. Neste sacramento, recebemos do próprio Cristo e somos
verdadeiramente alimentados da Palavra de Deus, de forma semelhante ao
que acontece quando recebemos a pregação. Por isso, se desejamos
enfrentar a idolatria, é urgente que sejamos constantes e responsáveis em
nossa participação nos sacramentos.
Em segundo lugar, para lutarmos contra a idolatria, precisamos cultivar
uma visão adequada de nós mesmos. Na Carta aos Romanos, a primeira
exigência prática específica que Paulo faz, depois de ter exposto o
evangelho, tem a ver com a maneira como devemos pensar a nosso respeito.
Ele escreveu: “...pela graça que me foi dada, digo a cada um dentre vós que
não pense de si mesmo além do que convém; antes, pense com moderação,
segundo a medida da fé que Deus repartiu a cada um” (Rm 12.3). Embora o
contexto dessa exigência seja, mais especificamente, o do exercício dos
dons espirituais, ela tem como pano de fundo a idolatria, visto que é feita
com base na mudança que o evangelho deve causar na compreensão de
nossa identidade, e tem como objetivo evitar os problemas relacionais
causados pelo egocentrismo que costuma vir à tona, por ocasião do serviço
eclesiástico.
A orientação apostólica é a de que devemos pensar a nosso respeito com
moderação. Isso significa pensar de modo equilibrado, de acordo com a
realidade; nem mais, nem menos. É importante sermos lembrados disso
porque no combate à idolatria estamos diante de dois riscos. O primeiro é o
de pensarmos menos de nós mesmos e ficarmos desestimulados e abatidos.
Para que isso não aconteça, não podemos nos esquecer de quem somos, por
Criação e por Redenção. Somos imagem de Deus, e, a partir da obra de
Cristo em nós, habitação do Espírito Santo e herdeiros das bênçãos
celestiais. A lembrança de verdades como essas são fundamentais para não
nos abatermos naqueles momentos da luta em que o inimigo se agiganta
diante de nós. O segundo risco é o de pensarmos mais de nós mesmos e
cedermos ao orgulho que nos cega para a realidade da idolatria. Para o
evitarmos, não podemos nos esquecer de quem nos tornamos depoisda
Queda, e do potencial destruidor do mal que em nós habita. É significativo
que, embora Paulo trabalhe com a moderação como critério, ele tenha
escolhido mencionar especificamente o “pensar mais”, e não o “pensar
menos”. Talvez, seja essa a nossa maior tendência.
O sucesso no combate à idolatria passa também pelo cultivo de
relacionamentos redentivos. Você já pensou sobre o propósito com o qual
estabelecemos relacionamentos? É provável que não, e não é de se
estranhar. Afinal, a construção de relacionamentos está entre aquelas
atividades que costumamos realizar de modo pouco intencional, o que não é
bom. A falta de intencionalidade implica a dificuldade em saber se estamos
seguindo ou não a vontade de Deus neste aspecto particular.
De acordo com a Escritura, no plano de Deus, relacionamentos possuem
um propósito redentivo. Eles existem como instrumentos de Deus para a
nossa santificação; são meios através dos quais somos aperfeiçoados e
contribuímos para o aperfeiçoamento espiritual de nossos irmãos. Isso
inclui os mais variados relacionamentos que estabelecemos; o casamento,
como percebemos na orientação do apóstolo Paulo aos maridos: “...amai
vossa mulher, como também Cristo amou a igreja e a si mesmo se entregou
por ela, para que a santificasse, tendo-a purificado por meio da lavagem de
água pela palavra, para a apresentar a si mesmo igreja gloriosa, sem mácula,
nem ruga, nem coisa semelhante, porém santa e sem defeito. Assim também
os maridos devem amar a sua mulher como ao próprio corpo” (Efésios
5.25-28); as amizades, como demonstra a sabedoria proverbial: “Como o
ferro com o ferro se afia, assim, o homem, ao seu amigo” (Provérbios
27.17); e os relacionamentos eclesiásticos, como ensina o autor da epístola
aos Hebreus: “Consideremo-nos também uns aos outros, para nos
estimularmos ao amor e às boas obras” (Hebreus 10.24); ou ainda, o
apóstolo Paulo, escrevendo aos Colossenses: “Habite, ricamente, em vós a
palavra de Cristo; instruí-vos e aconselhai-vos mutuamente em toda a
sabedoria, louvando a Deus, com salmos, e hinos, e cânticos espirituais,
com gratidão, em vosso coração” (Cl 3.16).
Relacionamentos, portanto, existem como instrumentos de Deus para o
nosso aperfeiçoamento, e eles podem ser muito importantes no
enfrentamento da idolatria. Podem ser úteis, por exemplo, no processo de
discernimento. Afinal, não temos facilidade para enxergar-nos como
idólatras, e, na maioria das vezes, outras pessoas interpretam melhor do que
nós os sinais externos de nosso coração (Pv 27.6). Também podem ser úteis
no combate, já que lutar contra a idolatria, frequentemente, envolve
decisões difíceis, e relacionamentos redentivos oferecem oportunidades de
aconselhamento que nos ajudam a tomar decisões sábias (Pv 15.22; 19.20;
27.9). Além disso, a luta contra os ídolos pode requerer a necessidade de
sermos vigiados, e uma boa forma de pessoas adultas fazerem isso é prestar
contas a pessoas de sua confiança. Nisso também relacionamentos
redentivos podem ajudar.
Por último, se desejamos combater a idolatria, precisamos levar a sério
os mandamentos de Deus, considerando a sua dimensão preventiva. Nós
não costumamos ter apreço por mandamentos. Somos frutos de uma cultura
libertária, que tende a ver a lei como um impedimento à nossa realização. E
essa mentalidade tem adentrado a igreja contemporânea e gerado uma
espécie de menosprezo para com a dimensão normativa da fé cristã.
Não é incomum encontrarmos cristãos que interpretam os mandamentos
de Deus como ordens de um senhor rabugento contrário à nossa realização
e procuram esvaziar a fé cristã de sua dimensão normativa, reduzindo-a ao
reino das sensações. A Bíblia, porém, está repleta de mandamentos. E muito
longe de apresentá-los como instrumentos que Deus usa contra nós, ela os
apresenta como instrumentos que Deus usa a nosso favor. A lei de Deus é
um conjunto de limites estabelecidos por um pai amoroso que deseja
conduzir os seus filhos em segurança e livrá-los dos caminhos que os
conduziriam à destruição. Como alertou Moisés ao povo de Israel, às portas
da terra prometida:
Eis que vos tenho ensinado estatutos e juízos, como me mandou o
Senhor, meu Deus, para que assim façais no meio da terra que passais a
possuir. Guardai-os, pois, e cumpri-os, porque isto será a vossa
sabedoria e o vosso entendimento perante os olhos dos povos que,
ouvindo todos estes estatutos, dirão: Certamente, este grande povo é
gente sábia e inteligente. Pois que grande nação há que tenha deuses tão
chegados a si como o Senhor, nosso Deus, todas as vezes que o
invocamos? E que grande nação há que tenha estatutos e juízos tão
justos como toda esta lei que eu hoje vos proponho? (Dt 4.5-8)
Quando enxergamos os mandamentos de Deus nessa perspectiva
percebemos que eles possuem uma dimensão preventiva. Um dos
propósitos de Deus ao entregar-nos os mandamentos é evitar que nosso
coração seja enredado pelo pecado, dentre os quais está o pecado da
idolatria. É o que acontece, por exemplo, no caso dos mandamentos
relativos à liberalidade financeira e à assistência aos necessitados. Atitudes
como essas são, em última instância, meios de adoração que, de um lado,
nos lembra de que tudo pertence a Deus (2Cr 29.11-13) e de outro, nos
vacina contra a avareza (Cl 3.5). É também o que acontece no caso do
mandamento relativo à guarda do dia do Senhor. Você já se perguntou por
que Deus exigiu que separássemos um dia em sete para a dedicação
exclusiva a Ele? Ele não precisa de nosso tempo e, em última instância,
nem de nossa adoração. O dia do Senhor foi instituído como uma lembrança
de nossa dependência dele. Existe para nos obrigar a tirar os olhos de nosso
envolvimento com as coisas deste mundo e nos lembrar de que o sentido de
nossa existência, embora experimentada em nossa relação com as coisas
que estão no mundo, está fora dele. Se queremos combater a idolatria,
devemos levar mais a sério os mandamentos de Deus, considerando a sua
natureza preventiva.
CONCLUSÃO
Neste livro procuramos discutir a natureza da idolatria e o enfrentamento
deste pecado. Na primeira parte, definimos a idolatria e descrevemos sua
origem, raízes, dinâmica e efeitos. Na segunda, verificamos que, embora
difíceis, o discernimento e o combate à idolatria são tarefas possíveis,
estando condicionadas à atividade de Deus e à nossa. Ao longo dessa
caminhada, passamos por ideias de antropologia, aspectos de hermenêutica
e conceitos teológicos diversos como: redenção, regeneração, santificação,
dentre outros. E é bem provável que tenhamos adquirido conhecimentos
que não tínhamos antes.
Por essa razão, as últimas palavras deste livro tratarão exatamente sobre
este assunto: o conhecimento; mais especificamente, o conhecimento
racional, aquele que costumamos adquirir com os livros. E elas têm um
único objetivo: lembrar-nos de algumas verdades importantes sobre a
relação entre esse tipo de conhecimento e o nosso crescimento espiritual,
visto que, promover este crescimento, é o alvo maior deste livro.
São quatro. A primeira é a de que o conhecimento é fundamental para o
nosso crescimento espiritual. Deus nos fez seres racionais, à sua imagem e
semelhança. Essa já seria razão suficiente para que levássemos a sério a
nossa racionalidade, e buscássemos com afinco o conhecimento. Como
seres criados à imagem e semelhança de Deus, com o propósito de refletir
as suas perfeições, não temos o direito de fazer pouco caso do desafio de
conhecer.
A Bíblia, no entanto, oferece mais razões. Uma das mais importantes é a
de que Deus se revelou a nós de maneira proposicional, ou seja, Ele
escolheu falar conosco através de um conjunto de proposições que foram
registradas em um livro: a Bíblia Sagrada. Ainda que o universo criado
esteja repleto de informações sobre Deus (como afirmam Davi no Salmo 19
e o apóstolo Paulo em Romanos 1.18ss), Deus não pode ser
verdadeiramente conhecido à parte do que Ele revela nas Escrituras. O
conhecimento pessoal de Deus passa pelo conhecimento racional da Bíblia.
Isso é verdade para a conversão: “a fé vempela pregação, e a pregação,
pela palavra de Cristo” (Rm 10.17); e também para a santificação:
“santifica-os na verdade; a tua palavra é a verdade” (Jo 17.17).
Devemos saber, porém, que: embora fundamental, o conhecimento não é
suficiente. No capítulo 3, para ilustrar a verdade de que os ídolos
escravizam, mencionamos o episódio de um jovem rico que se encontrou
com Jesus, foi convidado a segui-lo, mas foi incapaz de fazer isso, porque
estava escravizado pelos bens materiais. É interessante perceber que o
problema daquele jovem não era falta de conhecimento. Quando se
encontrou com Jesus, ele fez a seguinte pergunta: “Bom mestre, que farei
para herdar a vida eterna?” (Mc 10.17). Como fez outras vezes, Jesus
respondeu com outra: “Sabes os mandamentos?”; à qual o jovem respondeu
sem titubear: “Não matarás, não adulterarás, não furtarás, não dirás falso
testemunho, não defraudarás ninguém, honra a teu pai e tua mãe” (Mc 10.
17-19). Isso mostra que o conhecimento racional estava lá. Ele estava
correto. Mas ele não foi suficiente. Judas é outro exemplo disso. Ele esteve
entre as pessoas que, possivelmente, tiveram mais informações a respeito de
Jesus. Mas isso não foi suficiente para que ele deixasse de receber o título
de filho da perdição (Jo 17.12).
Talvez, poucas coisas sejam tão eloquentes como argumento em favor
deste tópico do que a nossa própria experiência pessoal. Se formos
honestos, concordaremos que há muitas coisas que sabemos que
deveríamos fazer, mas não fazemos; ler mais a Bíblia, orar com maior
frequência, usar palavras brandas, contribuir, perdoar. E, semelhantemente,
tantas que sabemos que não deveríamos fazer, mas ainda assim fazemos,
como: mentir, maldizer, vingar, cobiçar, roubar. A nossa experiência pessoal
ensina que o conhecimento não é suficiente.
Aprofundando este ponto, é preciso dizer que, além de não ser
suficiente, o conhecimento pode se tornar um empecilho para o nosso
crescimento espiritual. Quando aprendemos sobre a dinâmica da idolatria,
vimos que ela tem uma natureza pervertedora, e que quanto maior é a
dádiva, maior é o risco de substituirmos, por ela, o doador. Isso é verdade
para o conhecimento. Ele é uma grande dádiva, e, consequentemente, pode
se tornar um grande ídolo. Quando isso acontece, ele deixa de ser um
instrumento para o nosso crescimento espiritual, e se torna um empecilho
para esse crescimento, dentre outras razões, porque fecha nossos ouvidos
para a vontade de Deus e nos coloca em rota de colisão com o próximo. O
saber ensoberbece, mas o amor edifica (1Co 8.1).
Finalmente, devemos saber que, para que o conhecimento contribua com
o nosso crescimento espiritual, ele precisa ser conhecimento sujeito ao
Senhor. Dois aspectos são importantes nesta última verdade. O primeiro é
que o conhecimento que implica o nosso crescimento espiritual não é
qualquer conhecimento, mas aquele que procede de Jesus. Por isso, se ao ler
este livro, você ouviu apenas a minha voz, você pode ter tido algum
benefício, mas não terá tido crescimento espiritual. Mas, se enquanto lia,
você conseguiu, de alguma forma, ouvir a voz de Jesus, então, você poderá
ter se tornado espiritualmente mais maduro. A questão não é apenas o que
aprendemos, mas, principalmente, de quem aprendemos. O segundo tem a
ver com a sujeição. É possível que ao ler sobre a necessidade de conhecer
em sujeição ao Senhor, você tenha considerado a necessidade de submeter a
sua forma de pensar a Jesus. Certamente, isso é parte do significado dessa
expressão, mas não é tudo. Conhecer em sujeição ao Senhor significa
submeter a Ele toda a forma de viver. O conhecimento que implica o nosso
crescimento espiritual é aquele que se faz acompanhado de humildade e
obediência, como diz Tiago:
Tornai-vos, pois, praticantes da palavra e não somente ouvintes,
enganando-vos a vós mesmos. Porque, se alguém é ouvinte da palavra e
não praticante, assemelha-se ao homem que contempla, num espelho, o
seu rosto natural; pois a si mesmo se contempla, e se retira, e para logo
se esquece de como era a sua aparência. Mas aquele que considera,
atentamente, na lei perfeita, lei da liberdade, e nela persevera, não sendo
ouvinte negligente, mas operoso praticante, esse será bem-aventurado
no que realizar (Tg 1.22-25).
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	Apresentação...............................................................

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