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MÃOS
by
Felipe Correa
Felipe Correa
Versão 01 -
23/07/2024
1
MÃOS
FADE IN:
1 INT. SALA - NOITE
Mãos trêmulas de GARCIA se abrem a sua frente. Mãos trêmulas
de MARIA LUIZA tricotam. Mãos firmes de FORTUNATO seguram o
cigarro enquanto ele se balança levemente na cadeira de
balanço no centro da sala próximo a lareira, única luz do
recinto. A esquerda da sala GARCIA de pé percebe o quão
trêmulas estão suas mãos. A direita da sala MARIA LUZIA
sentada próxima a janela olha apenas para seu tricô.
2 INT. CENTRO CIRÚRGICO - NOITE
Tela escura, no centro: "CINCO ANOS ANTES"
Mãos de GARCIA [25] com instrumentos cirúrgicos realizam uma
sutura onde não aparece sangue. Suas mãos fazem o
procedimento com rapidez e segurança. O trabalho é
completado. Na sala não há pacientes, apenas uma pele falsa
onde o procedimento é realizado, junto a ele estão cinco
outros estudantes de medicina tão jovens quanto GARCIA e um
médico com aparência mais velha, o PROFESSOR [50], que fala
com eles enquanto retira as luvas e o restante das
vestimentas hospitalares.
PROFESSOR
Muito bem Garcia, é assim que se
faz uma sutura.
GARCIA
Com pele falsa é mais fácil.
2
PROFESSOR
Espero que seja assim até sua
aposentadoria. Isso me lembra
de algo que estava querendo
falar com vocês. Logo vocês
começarão efetivamente a
carreira de vocês. No começo há
medo, há ansiedade, e também há
empolgação. A prática melhora
nossas habilidades, seja no
centro cirúrgico ou no
diagnóstico. A experiência nos
ajuda a enxergar nossa profissão
com mais naturalidade, e isso
nos esfria. Como eu já disse a
vocês, é necessário ser frio
para fazer o que fazemos, mas
vocês não podem esquecer que
pacientes não são só carne, são
gente, são pessoas, e enquanto
vocês conseguirem sentir a vida
que está do outro lado, vocês
serão bons médicos. Aquele que
não sente nada diferente entre
suturar essa pele falsa e a de
um ser humano e ainda tem prazer
no exercício de nossa profissão
é apenas um sádico. Não estou
aqui para formar sádicos e sim
profissionais humanos que irão
tratar humanos. Bom, vejo vocês
amanhã no hospital, não quero
ninguém fugindo do PS. Boa
noite.
3
3 INT. SALA DE CINEMA - NOITE
Na entrada da sala de Cinema aparece um cartaz do filme
"Jogos Mortais 3". Lá dentro GARCIA está sentado ao lado da
GAROTA com quem assiste o filme. A GAROTA esconde o rosto
com medo no braços de GARCIA enquanto fortes sons de gritos
agonizantes e de engrenagens metálicas se movendo se misturam
na sala. GARCIA volta os olhos para ela com cara de
arrependimento.
GARCIA
Me desculpe, eu achei que você
gostasse de terror.
GAROTA
Isso não é terror! É loucura!
GARCIA
[o som de uma serra elétrica
inunda a sala e o interrompe,
seguido de novos gritos de dor]
Não é tão terrível assim.
A GAROTA faz uma careta de "é disso que eu estou falando"para
GARCIA e volta se esconder. GARCIA retoma sua atenção ao
filme, mas uma figura sentada a poucos bancos a frente chama
sua atenção. FORTUNATO (40), um homem com um balde de pipoca
e uma tatuagem de um machado no canto direito do pescoço
assiste o filme como se fosse uma comédia. Ele ri alto de
cenas que GARCIA tem dificuldade de assistir.
4
4 INT. QUARTO - NOITE
GARCIA dorme profundamente em sua cama quando é acordado por
batidas em sua porta e a voz de seu VIZINHO gritando.
VIZINHO
Garcia! Garcia! Tem um homem
ferido lá em embaixo, ele
precisa de ajuda
GARCIA se levanta veste as primeiras peças de roupa que vê
pela frente e abre a porta. O VIZINHO o encara com olhos
arregalados
VIZINHO
Você é médico nao é?
GARCIA
ESTUDANTE
VIZINHO
Um homem foi esfaqueado na
barriga e está sangrando lá no
térreo.
GARCIA
Chamaram a emergência?
VIZINHO
Chamamos, mas ambulância mais
próxima está do outro lado da
cidade, nunca vão chegar a
tempo, vai ter que ser você.
GARCIA
Pega uns panos limpos e me
encontra lá embaixo.
GARCIA busca seu seu kit de sutura e de primeiros socorros,
coloca-os embaixo do braço, sai, fecha a porta do quarto e
desce correndo pelas escadas.
5
5 INT. HALL DE ENTRADA - NOITE
Eles chegam no térreo do prédio. No chão na frente da
portaria está o PORTEIRO sentado com o ferido(40) deitado
apoiando a cabeça em seu colo. Há sangue no chão, o rosto de
GARCIA se contorce com a visão do ferido no colo do PORTEIRO.
PORTEIRO
O senhor é médico? Por favor o
ajude!
GARCIA
Sou estudante. Precisamos
pressionar bem a ferida para
parar o sangramento.
GARCIA se abaixa para observar melhor a cena: o PORTEIRO
está tentando segurar o sangramento no canto direito da
barriga com um pequeno lenço, o ferido, de olhos fechados,
quase inconsciente, se contorce e geme de dor.
GARCIA
Qual o nome dele?
PORTEIRO
Não sei, ele estava passando
aqui em frente, alguém atacou
ele com uma faca, ele deu um
grito e caiu no chão, eu só
consegui puxar ele pra dentro.
O VIZINHO chega com toalhas grandes e limpas, entrega ao
PORTEIRO.
GARCIA
Me ajudem a mantê-lo parado e
pressione bem a ferida com os
panos.
Com uma das mãos GARCIA tenta abrir um dos olhos do ferido,
em seguida segura seu rosto levantando do colo do PORTEIRO.
6
GARCIA
Moço, você precisa ficar
acordado.
GARCIA se ajoelha ao lado, abre seu kit, coloca luvas, pega
álcool e gaze e olha para suas mãos, elas tremem, ele respira
fundo, olha para o rosto do ferido, olha para o rosto do
PORTEIRO, que o responde com um olhar desesperado, olha
novamente para as mãos trêmulas segurando o álcool e a gaze,
respira fundo novamente, mas não consegue se mover.
FORTUNATO
Precisa de ajuda doutor?
GARCIA arregala os olhos assustado e olha para trás
procurando entender de onde vinha aquela voz. FORTUNATO está
de pé com as mãos nos bolsos e um cigarro na boca olhando
para eles. GARCIA vira para ele, repara na tatuagem no
pescoço, mas não se move. FORTUNATO se ajoelha ao seu lado.
FORTUNATO
Posso usar seu kit, doutor?
GARCIA faz lentamente sim com a cabeça ainda com olhos
arregalados e mãos trêmulas. GARCIA se levanta lentamente
para dar espaço a FORTUNATO. O PORTEIRO e o VIZINHO começam a
explicar a FORTUNATO em desespero, gritando, tudo que
ocorrera até então. GARCIA de pé olha para os dois que
gritam mas não ouve nada. (Silêncio) GARCIA observa as mãos
de FORTUNADO. Mãos ágeis, mãos firmes, mãos que se movem do
ferimento ao kit com naturalidade, buscando os instrumentos e
utilizando-os para fechar a ferida. GARCIA senta no chão
encostando as costas na parede, no canto da entrada no
prédio, olha para as suas mãos ainda com as luvas, elas ainda
estão tremendo. GARCIA coloca a cabeça entre os joelhos e as
mãos por cima da cabeça enquanto FORTUNATO trabalha no
ferimento e o VIZINHO e o PORTEIRO o auxiliam.
7
6 INT. HALL DE ENTRADA - MANHÃ
GARCIA abre os olhos. O rosto de FORTUNATO está sorridente e
inclinado ao seu e é escurecido pela luz do dia que surge
atrás dele. Ele ainda segura as luvas sujas de sangue.
GARCIA volta a si e olha para o centro do Hall e vê o
porteiro com um pano de chão e um rodo limpando o sangue do
chão. Nenhum sinal do ferido.
FORTUNATO
Ei doutor! Bom dia!
GARCIA
Onde está o homem ferido?
FORTUNATO
Ele tá bem, eu o enviei pra
casa, e pedi pra voltar aqui uma
vez por dia para checar seu
curativo.
GARCIA
Você mora aqui no prédio?
FORTUNATO
Não, mas você mora, disse pra
procurar você. Garcia seu nome
né? Perguntei pro porteiro. Me
chamo Fortunato.
GARCIA
Procurar por mim? Ele precisa
ir para um hospital!
8
FORTUNATO
Calma! Calma! Dei uma olhada e
aparentemente aquele ferimento
não prejudicou nada interno.
Mandei ele manter aquilo limpo,
e se ele tiver algum sintoma de
febre ou inchaço pra ele ir sim
para algum hospital. Você só
precisa dar uma olhada e trocar
o curativo, tenho certeza que
você consegue.
GARCIA
Eu não consegui nem te ajudar
ontem, por quê não pediu pra ele
ir para sua casa?
FORTUNATO
Eu sei que você é estudante, é
normal travar nas primeiras
vezes que você fica responsável
por algoassim. Agora não tem
mais risco de vida, você
consegue sim. Eu não consigo,
vou viajar amanhã, só estava de
passagem para visitar uns
familiares.
GARCIA
Como pode ter tanta certeza de
que não tem ferimentos internos?
Você é médico?
9
FORTUNATO
Passei um tempo servindo o
exercito americano no
Afeganistão, meu pai era
americano, passei boa parte da
vida lá. Não vivo disso, mas me
acostumei com esse tipo de
ferimento, dá pra saber. Eu
tenho que ir, mas fica com meu
cartão. Me manda umas fotos pra
me atualizar do ferido.
GARCIA
Farei isso, qual era o nome
dele?
FORTUNATO
Sei lá, não perguntei, o
porteiro deve saber. Até a
próxima Garcia, espero
encontrá-lo novamente.
Os homens se cumprimentaram e FORTUNATO se foi. GARCIA ficou
parado de pé, olhando para seu cartão e depois olhando para a
figura de FORTUNATO que se distanciava.
10
7 INT. ENTRADA DO CINEMA - NOITE
Na entrada do cinema de rua o cartaz mostra o título "Jogos
Mortais 5". GARCIA está pronto para entrar, sozinho e avista
um homem com uma tatuagem de machado no pescoço, seu rosto
demonstra o reconhecimento de FORTUNATO e caminha até ele.
GARCIA
Quanto tempo! Fortunato, certo?
FORTUNATO
Doutoooor! Quanto tempo! Isso
mesmo, e você é o Doutor Garcia
né?
GARCIA
Exatamente, fico feliz de te
encontrar, há muito tempo penso
que te devo um pedido de
desculpas, e claro um obrigado.
FORTUNATO
Você não me deve nada doutor.
GARCIA
Devo sim, você salvou a vida
daquele homem aquele dia, se
dependesse de mim ele estaria
morto, e eu desnorteado que
fiquei acabei sendo bem rude.
FORTUNATO
Vamos fazer assim, se quer tanto
me agradecer venha em casa
domingo, estou morando aqui no
Brasil agora, aqui na cidade,
você precisa conhecer a minha
esposa.
GARCIA
Domingo? Esse domingo?
11
FORTUNATO
Esse domingo, não comece a
forjar desculpas, não admito
desculpas, vou te enviar o
endereço no Instagram. E bom
filme! Acredito que esse é
ainda melhor que aquele que
vimos quase juntos.
FORTUNATO termina de falar e entra imediatamente na sala de
cinema junto com dezenas de pessoas. GARCIA fica parado sem
reação enquanto as pessoas entram esbarrando nele.
8 INT. SALA DE ESTAR DE FORTUNATO - DIA
A sala de estar de FORTUNATO é ao mesmo tempo clássica e
moderna, Uma sala grande com um grande tapete de estampa
discreta embaixo de móveis bonitos organizados em torno de
uma lareira. Acima da lareira o quadro "A queda de Ícaro"de
Pieter Bruegel. O tom de marrom claro em partes das paredes
combinam com a tonalidade da cor da madeira dos móveis, das
almofadas muito bem organizadas no sofá e do piano no canto.
O restante é branco, enfatizando a claridade do dia que entra
pelas cortinas também brancas na imensa janela. GARCIA entra
na sala guiado por FORTUNADO, GARCIA se acomoda no sofá
voltado de frente para lareira e FORTUNATO na cadeira de
balanço bem próxima a lareira.
FORTUNATO
Fico feliz que tenha vindo.
Peço desculpas por MARIA LUIZA,
ela não veio recebê-lo porque
está terminando de preparar a
mesa para o almoço.
GARCIA
Pelo cheiro, deve estar muito
bom.
12
FORTUNATO
Você vai adorar a comida dela,
falando nela, olha ela aí.
Por uma entrada no canto direito da sala aparece MARIA LUIZA
(30). Uma jovem de baixa estatura, magra, parada na porta
sem saber onde colocar sua mãos. Ela força um sorriso tímido
para GARCIA e evita olhar diretamente em seus olhos.
FORTUNATO
Pare de ser tão caipira e venha
cumprimentar GARCIA direito
MARIA LUIZA
Muito prazer, perdão pelo
atraso, mas já podemos comer.
GARCIA
O prazer é todo meu.
FORTUNATO
Você vai ver, ainda tem muita
coisa que ela precisa aprender,
mas ela tem sido muito útil pra
mim.
9 INT. SALA DE JANTAR DE FORTUNATO - DIA
Os três sentam em uma mesa de oito lugares. FORTUNATO em uma
das extremidades e os outros dois a seu lado. A sala de
jantar bem iluminada com luz natural possui a mesma decoração
do restante da casa e uma grande quantidade de comida com
pratos de diferentes tipos e tamanhos preenchem a superfície
da mesa com um perfeito aparelho de jantar. GARCIA acaba de
experimentar um dos pratos.
GARCIA
Você que fez tudo isso? A
comida está perfeita.
13
MARIA LUIZA
Muito gentil, obrigada.
FORTUNATO
O assado poderia ter chegado em
um ponto melhor, e o molho
poderia ter um pouco mais de
sal, o restante está OK, algumas
coisas ela ainta tá aprendendo,
mas eu vou ensinar direitinho,
ela chega lá. Mas me diga,
Garcia, você gostou do filme?
GARCIA
Não tanto quanto os anteriores,
mas foi um bom divertimento.
FORTUNATO
Um ótimo divertimento, mas
fiquei curioso, como pode ter
sido entretenimento para alguém,
que, pelo que eu me lembre não
tem tanto estômago para sangue?
14
GARCIA
Não consigo relacionar nada
disso com minha prática
profissional, quando eu sei que
o sofrimento é real o sinto em
outra parte do meu ser, e então
sempre espero que meu senso de
urgência, minha ânsia por
ajudar, meus estudos e agora
minha pequena experiência
prevaleçam a todo o resto que me
congelou como quando nos
conhecemos. Para mim o
entretenimento aqui é exatamente
o horror que sinto, vivenciar
sentimentos fortes sabendo que
ninguém está realmente sofrendo
é o que vale o ingresso.
Inclusive, MARIA LUÍZA,
FORTUNATO já te contou sobre
quando nos conhecemos?
FORTUNATO
Ah não, não precisamos disso.
GARCIA
(Vira-se para
MARIA LUIZA)
Precisamos sim. Um homem
apareceu ferido no prédio onde
eu vivia, me chamaram para
acudi-lo, mas eu estudante na
época, na hora congelei. Graças
a Deus FORTUNATO estava na
região, viu a cena e foi ajudar.
Se não fosse por ele uma vida
teria sido perdida aquele dia.
O rosto de MARIA LUIZA se ilumina em alegria e surpresa, ela
vira para FORTUNATO e toca em sua mão com carinho. FORTUNATO
15
sorri para ela com um certo desconforto.
FORTUNATO
Aquilo provavelmente era bandido
doutor, não seria grande perda
para o mundo.
MARIA LUIZA solta sua mão e olha para baixo descontente.
GARCIA
De qualquer forma, fiquei
impressionado com suas
habilidades. Ele voltou no dia
seguinte e vi o curativo, estava
perfeito. Se eu abrisse uma
clínica, com certeza o
contrataria como enfermeiro.
FORTUNATO abre um grande sorriso.
FORTUNATO
É isso então, vamos abrir uma
clínica. Eu tenho o espaço
perfeito no centro.
GARCIA
Você não pode estar falando
sério.
FORTUNATO
Falo muito sério, todos os casos
mais feios, lido eu, você pode
ficar só com a parte chata e com
os casos chatos, nunca mais vai
ter que se preocupar com ter
estômago pra prática. Não
precisa responder ago...
GARCIA
(Com a mão
esticada para um
aperto de mão)
Fechado.
16
Os dois apertam as mãos enquanto MARIA LUIZA olha para baixo
um tanto confusa e come sua refeição.
10 INT. ESCRITÓRIO DE FORTUNATO - DIA
GARCIA e FORTUNATO conversam enquanto apontam para o desenho
de uma planta na tela de um notebook no escritório de
FORTUNATO. MARIA LUIZA passa para trazer uma garrafa térmica
com café e xícaras, GARCIA agradece, ela sorri, FORTUNATO
pega a xícara sem notar a presença dela.
11 INT. HOSPITAL - DIA
GARCIA e FORTUNATO com capacetes de proteção andam por
corredores de paredes brancas e cumprimentam o empreiteiro da
obra. FORTUNATO, sozinho, leva o empreiteiro por um
corredor, desce escadas e aponta para uma porta fechada. O
empreiteiro vê, concorda, e sublinha uma palavra na folha em
sua prancheta: LABORATÓRIO AVANÇADO.
12 INT. SALA DE JANTAR - DIA
GARCIA e FORTUNATO riem juntos sentados a mesa de jantar,
enquanto brindam com champagne com muita comida pela mesa.
MARIA LUIZA chega trazendo mais um prato. FORTUNATO olha
para ela e aponta para a garrafa quase vazia com um olhar de
repreensão e se retira para atender o celular. MARIA LUIZA
pega a garrafa, alguns pratos sujos e se dirige para a
cozinha. GARCIA segura um de seus braços, lhe entrega uma
taça com champagne e faz sinal para brinda com ele. Ela
sorri, larga os pratos e olha nos seus olhos enquanto bebe o
champagne. GARCIAvai até o piano e se senta.
17
GARCIA
Posso?
MARIA LUIZA
PoR favor, acho que nunca vi
isso ser usado.
GARCIA começa a tocar The Blower’s Daughter de Damien Rice.
Ele não canta, apenas olha para MARIA LUIZA com uma
interrogação em sua expressão. MARIA LUIZA assente com a
cabeça indicando que conhece a música e dá mais um gole no
champagne. GARCIA volta os olhos para o piano enquanto MARIA
LUZIA assiste em pé parada ao seu lado. Uma lágrima cai do
olho dela, ela rapidamente enxuga.
13 INT. SALA DE ESTAR - DIA
Tela escura com os dizeres: 1 ANO DEPOIS
GARCIA chega entra na sala de estar e não há ninguém lá,
apenas um saco plástico grande no chão no meio da sala. Ele
abre. Dentro do saco há o corpo de um pequeno cachorro em
estados avançados de decomposição, rapidamente ele fecha o
saco e levanta a cabeça.
(
Parada na entrada oposta do
recinto)MARIA LUIZA Por isso eu
te chamei aqui hoje.
GARCIA
O que significa isso?
MARIA LUIZA
Eu encontrei no lixo da casa
ontem, o cheiro me levou até
isso. Desculpa te assustar
assim, mas foi a forma que eu
achei de fazer alguém acreditar
em mim.
18
GARCIA
Acreditar no que exatamente?
MARIA LUIZA
Sobre FORTUNATO, ele se fecha no
escritório e no porão e eu ouço
coisas. Gritos. De cães,
gatos, e outras coisas que eu
nem consigo identificar.
GARCIA
Desde quando acontece isso?
MARIA LUIZA
Desde de sempre. Antigamente
era bem de vez em quando, e
parou por um tempo depois que
vocês abriram a clínica. Mas
agora voltou e está muito mais
frequente e o sons estão mais
terríveis.
GARCIA
Seria stress pós traumático
talvez?
MARIA LUIZA
Mas pós traumático de que?
GARCIA
Da guerra oras, isso é muito
comum?
MARIA LUIZA
Que guerra? Fortunato nunca foi
a guerra nenhuma.
GARCIA
Então como ele conseguiu suas
habilidades de enfermeiro?
19
MARIA LUIZA
Eu não sei. Eu não sei. Eu
tenho medo de perguntar. Mas de
qualquer forma, eu não aguento
mais. Isso tem de parar. Eu
vou enlouquecer. Você é médico,
diga que está me fazendo mal, e
não é mentira, está mesmo. Por
favor Garcia.
GARCIA
Eu vou falar com ele, a gente
vai resolver isso
GARCIA põe pega a mão dela enquanto fala. Ela repara no
gesto, olha para mão dele segurando a dela, dá um sorriso
triste e retira a mão da dele.
MARIA LUIZA
Obrigada, você tem feito muito
bem pro meu marido. Agora...
Eu... Preciso fazer alguma
coisas da casa, me desculpe.
GARCIA
Claro, claro, eu preciso ir pra
clínica mesmo, a noite volto
para falar com Fortunato, na
clínica é mais difícil. Bom,
nos vemos em breve. Até mais
MARIA LUIZA
Até.
GARCIA fala já se direcionando a porta e saindo.
20
14 INT. HALL DE ENTRADA/ESCRITÓRIO -
NOITE
GARCIA toca a campainha da casa e ninguém atende. Ele ouve
gritos de MARIA LUIZA. Ele tenta a maçaneta. Como está
aberta ele entra correndo pelo Hall. Os gritos vêm do
escritório, ele corre nessa direção. Encontra MARIA LUIZA
chorando com as mãos no rosto na porta do escritório.
MARIA LUIZA
[gritando] O rato! O rato!
Ela corre para a sala de estar e fica de pé na direção oposta
olhando para FORTUNATO. Com olhos arregalados ela aponta para
a porta do escritório. Ele se direciona até a porta e abre
com cuidado. Ele vê FORTUNATO segurando um saco branco de
pano grosso. O saco se mexe violentamente. FORTUNATO ri.
Ri a mesma risada do cinema de anos atrás.
FORTUNATO
GARCIA meu amigo! Finalmente
peguei esse desgraçado. Ah ha.
Com uma das mãos FORTUNATO segura o saco com a outra ele
segura uma tesoura. Ele coloca a mão com a tesoura dentro do
saco e corta alguma coisa. Suas mãos se movem firmes e
seguras. Gritos do animal inundam a casa e divertem mais
ainda FORTUNATO. MARIA LUIZA senta-se ao chão com as mãos nos
ouvidos. O saco fica manchado de vermelho, assim como a
tesoura.
GARCIA
Mate-o de uma vez.
FORTUNATO pareceu não ouvi-lo, em um transe de alegria ele
repete o ato com a tesoura. Mais gritos do animal inundam a
casa. GARCIA aumenta o tom e o volume de sua voz.
21
GARCIA
Fortunato, por favor, você está
assustando Maria Luiza. Por
Deus homem, você está me
assustando.
Sem demonstrar outro sentimento que não fosse êxtase,
FORTUNATO coloca a tesoura mais uma vez dentro do saco e
calmamente a aperta, com mais força dessa vez. Os gritos
cessam. O saco fica imóvel e a mancha vermelha aumenta.
FORTUNATO fecha o saco com um nó, leva-o até o pequeno lixo
do escritório e o joga dentro. Levanta a cabeça e diz
olhando nos olhos de GARCIA.
FORTUNATO
Fracotes.
15 INT. SALA DE ESTAR - NOITE
Mãos trêmulas de GARCIA se abrem a sua frente. Mãos trêmulas
de MARIA LUIZA tricotam. Mãos firmes de FORTUNATO seguram o
cigarro enquanto ele se balança levemente na cadeira de
balanço no centro da sala próximo a lareira, única luz do
recinto. A esquerda da sala GARCIA de pé percebe o quão
trêmulas estão suas mãos. A direita da sala MARIA LUZIA
sentada próxima a janela olha apenas para seu tricô.
FORTUNATO
E o jantar Maria Luiza? Está
pronto?
MARIA LUIZA
Sim, só preciso esquentar.
FORTUNATO
Vamos comer então, o que acham?
GARCIA e MARIA LUIZA fazem sim com a cabeça, os três se
levantam em direção a sala de jantar.
22
16 INT. SALA DE JANTAR - NOITE
Os três comem em silêncio. MARIA LUIZA tosse alto, para de
comer e continua a tossir.
FORTUNATO
O vinho acabou, pega outra
garrafa pra gente Maria Luiza?
Talvez te ajude com a tosse.
Ela concorda com a cabeça, se levanta e vai até a cozinha
tentando conter a tosse. Ela volta com outra garrafa na mão,
para na entrada e olha para GARCIA.
GARCIA
Você não parece bem, o que está
sentindo?
MARIA LUIZA
Eu...
Ela cai com a garrafa no chão perdendo os sentidos. Os dois
homens se levantam imediatamente para ajudá-la.
17 INT. CLÍNICA - DIA
Tela escura: 6 meses depois
GARCIA sai de seu escritório, cumprimenta as pessoas na sala
de espera, vai até a recepção. A recepcionista JOYCE lhe
pergunta
JOYCE
Alguma notícia de Fortunato
doutor?
23
GARCIA
Ele acabou de me ligar, pediu
desculpas, disse que vai ter que
ficar com a esposa a semana toda
outra vez.
JOYCE
Ele falou alguma coisa sobre
como ela está?
GARCIA
Nada bem. Vou tentar passar lá
hoje a noite pra ver direito
como estão.
JOYCE
Diga que eu mandei melhoras pra
ela. Apesar de tudo MARIA LUIZA
tem muita sorte. Se um dia eu
ficar tão doente espero ter
alguém como FORTUNATO pra cuidar
de mim também. Ele não a deixa,
dia ou noite. Deve amar muito
ela.
GARCIA
Ama sim. Do jeito dele, mas ama
sim. Ok, quantos agendamentos
temos pra hoje a tarde?
18 INT. HALL DE ENTRADA/SALA DE ESTAR -
NOITE
FORTUNATO abre a porta, seu cabela está bagunçado, ele está
segurando alguns lençóis dobrados de qualquer forma.
24
FORTUNATO
Entre meu amigo, por favor.
(ele vira enquanto fala e vai
andando para dentro da casa) Ela
está na sala, vai fazer bem pra
ela conversar com você.
FORTUNATO desaparece pelos corredores, GARCIA entra na sala
de estar. O ambiente está iluminado pela lareira. No sofá
no meio da sala está deitada MARIA LUIZA. Ela não tem mais
seus cabelos. Com muitos cobertores, um balde no chão ao seu
lado e lenços na mão ela abre o melhor sorriso que consegue
ao ver GARCIA.
MARIA LUIZA
Meu amigo, que bom que veio,
sente-se por favor, me perdoe
por não levantar.
Ela faz o movimento para sentar-se, mas GARCIA a impede, ele
se agacha ao lado se sua cabeça.
GARCIA
Tem algo que eu possa fazer?
MARIA LUIZA
Sim, você tocaria um pouco pra
mim?
GARCIA
Claro.
GARCIA senta-se ao piano, no canto da sala, e toca uma versão
de The blower’s daughter de Damien Rice.
FADE OUT:
FIM
	INT. SALA - NOITE
	INT. CENTRO CIRÚRGICO - NOITE
	INT. SALA DE CINEMA - NOITE
	INT. QUARTO - NOITE
	INT. HALL DE ENTRADA - NOITE
	INT. HALL DE ENTRADA - MANHÃ 
	INT. ENTRADA DO CINEMA - NOITE 
	INT. SALA DE ESTAR DE FORTUNATO - DIA 
	INT. SALA DE JANTAR DE FORTUNATO - DIA 
	INT. ESCRITÓRIO DE FORTUNATO - DIA 
	INT. HOSPITAL - DIA 
	INT. SALA DE JANTAR - DIA 
	INT. SALA DE ESTAR - DIA 
	INT. HALL DE ENTRADA/ESCRITÓRIO- NOITE 
	INT. SALA DE ESTAR - NOITE 
	INT. SALA DE JANTAR - NOITE 
	INT. CLÍNICA - DIA
	INT. HALL DE ENTRADA/SALA DE ESTAR - NOITE

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