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Depois de mais ou 
menos três décadas, o 
diretor Terry Gilliam, 
um dos responsáveis 
pelo grupo de humor 
Monty Python e longas 
como “12 Macacos” e 
“Brazil: o Filme”, final-
mente conseguiu trazer 
à superfície da sétima 
arte uma da produções 
mais amaldiçoadas de 
todos os tempos. Talvez 
mais até que “Apoca-
lipse Now”, de Francis 
Ford Coppola. Estreia 
no dia 30 de maio o 
filme “O Homem que 
Matou Dom Quixote”.
MAS ACONTECE sexta-feira, 17 de setembro de 2021 E1
Cultura
Delírio de La Mancha
Chega às telas uma das produções mais amaldiçoadas de todos os tempos
Para começo de con-
versa, iniciado em 1957, 
o diretor Orson Welles 
(1915-1985) desenvol-
veu um projeto dedi-
cado ao personagem 
de Cervantes durante 
20 anos, verdadeira 
obsessão criativa, e 
morreu sem comple-
tá-lo. Já Gilliam tentou 
produzir o filme em 
Hollywood sete vezes 
antes de decidir rodar 
na Europa com um dos 
maiores orçamentos 
do continente para um 
produto audiovisual.
Estrelado por Adam 
Driver e Jonatahn Pry-
ce, o filme transpira po-
esia, nostalgia, loucura 
e alucinação ao retratar 
um cineasta que volta 
à Espanha, local onde 
realizou o primeiro 
curta-metragem base-
ada no livro de Miguel 
de Cervantes, após dez 
anos. Arrogante e de-
siludido, o publicitário 
se vê rodeado de cobras 
e ainda descobre que 
sua primeira passagem 
pelo país deixou estra-
gos no vilarejo ao rea-
lizar o filme. Como se 
não fosse o suficiente, 
o protagonista precisa 
lidar com a presença 
de uma sapateiro local 
que enlouqueceu e re-
almente acredita que é 
o tal Quixote. O misto 
de drama, comédia e 
fantasia não transparece 
a saga astronômica pela 
qual passou Gilliam ao 
tentar tirar o filme do 
papel. O diretor teve 
a ideia do longa em 
1989 e inicialmente 
Johnny Depp seria o 
ator principal quando 
a produção terminou 
já em 1999.
Quando as filmagens 
começaram ao norte de 
Madrid, perto de uma 
base da aeronáutica, 
o barulho dos aviões 
detonou uma série de 
takes e inundações des-
truíram equipamentos 
e sets. Para piorar, Jean 
Rochefort, ator francês 
que faria Quixote, teve 
uma hérnia de disco 
dupla que o afastou da 
produção. A única coisa 
que os dias de filmagem 
renderam foi o docu-
mentário “Lost in La 
Mancha”, que mostra os 
percalços das gravações. 
Em 2009, Robert Duvall 
foi escalado para fazer 
o velho que luta con-
tra moinhos de vento 
e Ewan McGregor pe-
gou o papel de Depp, 
imerso em piratarias no 
período. Mas no ano se-
guinte, Gilliam perdeu o 
financiamento que cus-
tearia toda a produção. 
Se no começo o diretor 
tinha um orçamento de 
U$ 30 milhões, o valor 
caiu para U$ 18 milhões 
quando um português 
decidiu subsidiar o fil-
me, mas houve atrasos 
no pagamento e isso 
apenas postergou ainda 
mais o início de filma-
gens nos idos de 2016.
Quem é Terry Gilliam 
©
A
ssociated Press
©
A
ssociated Press
Terry Gilliam brinca com conceitos do cinema 
e faz um paralelo com sua própria jornada 
Foi membro da 
trupe inglesa de co-
média Monty Python, 
tendo obtido notorie-
dade dentro do grupo 
por ser o responsável 
pelas sequências de 
animação do progra-
ma televisivo Monty 
Python’s Flying Cir-
cus. Gilliam também 
é conhecido pelos ele-
mentos surrealistas 
empregados em seus 
filmes.
Nascido em Medi-
cine Lake, Minnesota, 
seu pai era um ven-
dedor ambulante de 
café Folgers antes de 
se tornar carpinteiro. 
Gilliam tem uma irmã 
dois anos mais nova 
e um irmão dez anos 
mais novo.
A família mudou-
-se para a Califórnia 
devido aos proble-
mas de pneumonia da 
irmã de Gilliam. Terry 
entrou no Birmingham 
High School onde se 
tornou Director de Tur-
ma e, mais tarde, rei 
do baile de finalistas. 
Também foi o eleito 
como o que mais prova-
velmente teria sucesso. 
Durante o liceu, Terry 
tomou conhecimento 
da Mad Magazine que 
mais tarde influenciou 
o seu trabalho.
Quando Gilliam ter-
minou o liceu, foi para a 
Occidental College, ao 
princípio para estudar 
Física, mas depois mu-
dou para Belas Artes. 
Contudo formou-se em 
Ciências Políticas.
Gilliam contribuiu 
para a revista da Uni-
versidade, Fang, tor-
nando-se editor durante 
o seu primeiro ano. Ter-
ry tornou a revista num 
tributo a Kurtzman, a 
quem enviou cópias 
mais tarde. Enquanto 
estava na Universida-
de, Terry era membro 
da fraternidade Sigma 
Alpha Epsilon. Quando 
terminou a Universida-
de, trabalhou durante 
algum tempo para uma 
agência publicitária an-
tes de Kurtzman lhe 
oferecer um emprego 
na revista Help!
Terry Gilliam casou-
-se com Maggie Wes-
ton (a maquilhadora 
da série Monty Python’s 
Flying Circus) em 1973. 
Os dois têm três filhos, 
Amy (n. 1978), Holly (n. 
1980) e Harry (n. 1988), 
que apareceram em vá-
rios filmes de Gilliam.
Em 1968, Gilliam 
obteve a cidadania 
britânica e manteve a 
dupla-nacionalidade 
durante 38 anos. Em 
Janeiro de 2006, re-
nunciou à cidadania 
Americana. Numa 
entrevista, descre-
veu esta acção como 
um protesto contra o 
presidente americano 
George W. Bush, mas 
noutras entrevistas 
também revelou preo-
cupações com futuros 
impostos para a sua 
mulher e filhos. Como 
resultado, Gilliam só 
pode permanecer nos 
Estados Unidos 30 
dias por ano, menos 
do que cidadãos britâ-
nicos comuns. Gilliam 
também mantém resi-
dência na Itália.
A produção de O 
Homem que Matou 
Dom Quixote foi uma 
das mais conturbadas 
da história do cinema. 
Terry Gilliam lutou du-
rante décadas contra 
problemas de produção, 
orçamento e até mesmo 
elementos da nature-
za que destruíram o 
set de filmagens. Logo, 
quando a produção foi 
finalmente finalizada e 
exibida em festivais, ela 
chegou cheia de expec-
tativas, que Gilliam não 
poderia ter preenchido 
de forma melhor.
É difícil imaginar 
como era O Homem 
que Matou Dom Quixo-
te antes de todos esses 
problemas, porque o 
diretor reflete na tela 
parte de sua jornada. 
Na trama, o cineasta 
Toby (Adam Driver) 
está fazendo seu próprio 
filme de Dom Quixote, 
quando redescobre uma 
fita da época da facul-
dade, quando juntou 
alguns atores amadores 
e filmou uma versão 
da história. Ele fica ob-
cecado em encontrar 
o elenco novamente e 
percebe que sua ob-
sessão também tomou 
conta deles.
No meio disso, há 
muita brincadeira com 
vários conceitos do ci-
nema: o diretor que é 
um gênio, porém muito 
excêntrico; o executivo 
do estúdio que dá sinal 
verde para tudo, desde 
que o lucro seja garan-
tido, etc. Na juventude, 
Toby era um cineasta 
inexperiente, cuja maior 
vontade ao fazer um 
filme era se conectar 
com pessoas. Ele tinha 
um sonho e ficou feliz 
ao unir um grupo que 
sonhou junto com ele. 
No presente, porém, o 
diretor vive cheio de 
mimos no set e sua rela-
ção com os atores é fria 
e apenas profissional. 
Nesse ponto, Gilliam 
parece colocar muito 
da própria experiência 
em forma de crítica. É 
incrível se tornar um 
diretor de sucesso e ser 
“reconhecido”, mas a 
indústria que entrega 
fama também é capaz 
de corromper o mais 
sonhador dos profis-
sionais.
Se esse paralelo en-
tre Gilliam e Toby já 
entrega muita metalin-
guagem, isso alcança 
outro nível quando o 
diretor mostra um ter-
ceiro paralelo: a história 
do próprio Dom Quixo-
te. Jonathan Pryce, que 
atuou no filme amador 
de Toby e acredita ser 
de fato o personagem 
de Miguel de Cervantes, 
muitas vezes define sua 
jornada como um fardo. 
Ele precisa encarar os 
temíveis moinhos de 
vento e ficar atento com 
a chegada dos gigantes. 
Essa é sua missão e nin-
guém mais pode con-
cluí-la. Assim também 
é a realidade de Toby. 
Após descobrir que o 
senhor simples que mo-
rava na aldeia perdeu 
a razão por fazer seu 
filme, o agora diretor 
renomado acredita que 
apenas ele pode conser-
tar isso. Incrivelmente, 
essa também foi a jor-
nada de Gilliam: apenas 
ele poderia carregar o 
fardo de finalizar O Ho-
mem que Matou Dom 
Quixote.
No caminho para 
mostrar isso ao público, 
o longa embarca em um 
questionamento sobre o 
que é real e o que é fic-
ção. Absorto pela ideia 
de Dom Quixote, Toby 
começa sua aventura e 
muitasvezes não sabe se 
o que vê existe realmen-
te ou não. Sua cabeça 
por Janara Lopes
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inventa personagens e 
vilões, e ele termina se 
tornando uma versão 
do próprio Quixote. É 
fácil imaginar que isso 
tenha acontecido com 
Gilliam. Entre décadas 
vendo seu projeto en-
frentar os mais diversos 
problemas, não seria 
surpresa se ele também 
tiver começado a te-
mer pelos gigantes por 
aí. Até mesmo o título 
carrega isso. Se Terry 
Gilliam antes queria 
adaptar Dom Quixo-
te, ele terminou como 
aquele que o matou.
Acima de tudo, O 
Homem que Matou 
Dom Quixote fala so-
bre erros e como é fácil 
viver assombrado por 
eles. Toby se tornou 
vaidoso e olhar para os 
problemas do passado 
o fez questionar qual é 
o papel que ele quer ter 
na própria história. Será 
ele o vilão pelos erros 
que cometeu? Ou ainda 
pode ter a redenção de 
um herói? Em seu cami-
nho para finalizar este 
filme, Gilliam passou 
por muitas personas, 
mas ao transmitir toda 
essa angústia e luta em 
pouco mais de duas ho-
ras, ele definitivamente 
conseguiu uma vitória 
diante dos moinhos de 
vento.
Critica por Camila Souza

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