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ENCARTE DO PROFESSOR Reflexão e prática 90 Com curadoria de Carolina Desoti Fernandes Carolina Desoti Fernandes é graduada em Filosofi a pela PUC-Campinas e pesquisa o feminismo vinculado às manifestações tradicionais brasileiras. É professora, editora, redatora e produtora cultural. Direitos humano para quem? Será que eles realmente colaboram com a vida humana e com a garantia das especificidades históricas, culturais e políticas de um determinado país ou região? Direitos humanos para os “humanos direitos” Elaborada há mais de 60 anos, a Declaração universal dos direitos humanos ainda provoca controvérsias 36 • ciência&vida 10 de dezembro é o Dia Interna- cional dos Direitos Humanos. A data foi instituída em 1950, dois anos após a Organização das Nações Unidas (ONU) adotar a Declara- ção iniversal do direitos humanos como marco legal regulador das relações entre governos e pessoas. Com esse ato, a ONU pretendeu destacar o longo caminho a ser percorrido na efetivação dos preceitos da declaração. Este encarte pretende auxiliar os professores de Fi- loso� a a revisar os discursos idealistas sobre os direitos humanos e transmitir aos alunos um conhecimento breve da história, do conceito e da caracterização dos direitos fundamentais da pessoa humana. Objetiva, também, re� e- tir sobre o papel desses direitos na vida do ser humano, fundamentando-se nos pensamentos de Boaventura de Sousa Santos e de Norber- to Bobbio (1909-2004). Estes dois pensadores possuem algumas posições divergentes sobre o fundamento dos direitos humanos, mas se assemelham no fato de analisarem, de modo crítico, a formulação e a reivindicação desses direitos, além de almejarem que sejam real- mente efetivados. Todavia, é preciso levar em consideração as intenções por trás da formu- lação desses direitos. A HISTORICIDADE DOS DIREITOS HUMANOS Adriano São João é mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma, na Itália. asaojoao@yahoo.com.br João Henrique da Silva é bacharel e licenciado em Filoso� a, mestre em Educação pela UFGD e doutorando em Educação Especial pela UFSCar. jhsilva1@yahoo.com.br Por: Adriano São João e João Henrique da Silva www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 37 ETAPA I: DIREITOS HUMANOS EM PAUTA ATIVIDADE I: HISTÓRICO, CONCEITUAÇÃO E CARACTERIZAÇÃO O Direito refere-se a uma atitude, a um modo de pensar e de abordar as instituições humanas em termos ideais. Consiste na exigência de que as instituições sociais coloquem em práti- ca certos princípios que não dependem da existência humana. Ao estabelecer regras para organizar a sociedade, o Direito protege o homem do poder ar- bitrário, exercido à margem de toda re- gulamentação, salvando-o da maioria caótica e do tirano ditatorial. Ele tam- bém busca equalizar as relações sociais para realizar a justiça. Contudo, atra- vés de técnicas de controle e domina- ção que desumanizam a vida humana, pode acabar sendo um instrumento de manipulação e alienação.1 Mas existe também o direito que se reveste de garantias para o cidadão. Trata-se dos direitos humanos, que ga- rantem o respeito à dignidade das pes- soas por meio de sua proteção contra o abuso do poder estatal e do estabeleci- mento de condições de vida e desen- volvimento da personalidade humana minimamente dignas. Os direitos fundamentais da pessoa humana são constituídos de direitos políticos, civis, sociais, eco- nômicos e culturais garantidos pelo Estado a todos os cidadãos. Os di- reitos políticos e civis são relativos às liberdades do ser humano (liberdade de locomoção, de pensamento, de reunião, de associação, de pro� ssão, de ação, sindical, de greve, etc.) Já os direitos sociais, culturais e econômi- cos dizem respeito à igualdade das pessoas (em setores como educação, saúde, lazer, trabalho, previdência social, entre outros). 1 FERRAZ JÚNIOR, 2003, págs. 31-32 Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a Organização das Na- ções Unidas (ONU) promulgou a De- claração universal dos direitos do homem, no dia 10 de dezembro de 1948. Esse documento determinou a existência, para qualquer ser humano, de um le- que de direitos que devem ser preser- vados e garantidos por todos os países. E quando houver violação, o Estado deve intervir com a prática da justiça. O século XXI estabelece novas condições para os direitos humanos. O mundo globalizado alterou signi� - cativamente as estruturas das relações sociais. O transporte, a Ciência, a Po- lítica, a Economia e as Tecnologias se transformaram rapidamente, aceleran- do o modo de vida de todo e qualquer indivíduo. A política neoliberal rede- senhou a situação política, econômica, social e cultural dos países (em especial, do Brasil), gerando também problemas para a própria sociedade. A desigualda- de social se tornou um grande empeci- lho para a efetivação dos direitos funda- mentais da pessoa humana, acarretando, consequentemente, perda da dignidade. O Estado social democrático, balizado na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, procura garantir às pessoas todos os direitos inerentes à condição humana, para que o cidadão tenha uma vida dig- na. Em vista disso, a Carta Política de 1988 apresenta os direitos funda- mentais do cidadão como garantias indispensáveis, interdependentes e universais para a realização humana. A Constituição de 1988 é, fun- damentalmente, em muitas das suas dimensões essenciais, uma Constituição do Estado social. As- sim, os problemas constitucionais referentes às relações de poderes e ao exercício de direitos subjetivos têm que ser examinados e também resol- vidos à luz dos conceitos derivados daquela modalidade de ordenamen- IM A G EN S: S H U TT ER ST O C K Os direitos fundamentais caracte- rizam-se pelos seguintes atributos: a) históricos, porque são criados em de- terminado contexto histórico; b) ina- lienáveis, pois não podem ser negocia- dos nem vendidos; c) imprescritíveis, uma vez que não perdem a validade e é possível reivindicá-los a qualquer tem- po; d) irrenunciáveis, pois não pode- mos abrir mão deles de forma alguma. Esses direitos também são universais, interdependentes e inter-relacionados. Os primeiros direitos humanos surgiram nos séculos XVII e o XVIII. Eram civis: estavam associados a um cidadão que seria também proprie- tário. Depois, já nos séculos XVIII e XIX, as pessoas comuns conquis- taram direitos políticos, o direito de poder decidir o que o Estado devia fazer em prol da sociedade. Tratava- -se do direito de voto, de expressão do pensamento, de organização política. No século XIX também apareceram os direitos sociais, relacionados ao direito de livre organização sindical e às leis trabalhistas. Alguns autores falam de mais um tipo de direito, que seriam os direitos difusos. Estes foram reivindicados no decorrer do século XX. O Dia Internacional dos direitos humanos é uma data para todos relembrarem que a garantia dos direitos humanos, a todos os povos e nações, requer vigilância contínua e participação coletiva 38 • ciência&vida reito. O direito da igualdade se re- fere “aos direitos sociais, culturais e econômicos, bem como aos direitos coletivos ou de coletividades”.7 O direito de fraternidade diz respeito ao “direito ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito ao meio am- biente, o direito de propriedade so- bre o patrimônio comum da huma- nidade e o direito de comunicação”.8 E o direito à liberdade concerne aos direitos civis e políticos.9 Todos esses direitos são valores que complementam outros direi- tos.10 São direitos que objetivam a dignidade, sem distinção de raça, sexo, cor, pro� ssão, nacionalidade, etc., pois todos são iguais perante a lei. Aliás, a dignidade é um funda- mento do Estado (art. 1o, Inciso III). Assim, todos devem ter seus direitos garantidos e legitimados para que a dignidade seja resgatada, em vez de realizar barbaridades na vida social.A dignidade também é garan- tida no artigo 6o da Constituição brasileira, que reza: “São direitos sociais a educação, a saúde, o traba- lho, a moradia, o lazer, a seguran- ça, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assis- tência aos desamparados, na forma desta Constituição”. São assim, “di- reitos de créditos diante do Estado que demandam direcionamento dos governos para o cumprimento de necessidades sociais através do de- senvolvimento de políticas públicas. Tais políticas têm como foco a redis- tribuição de bens numa sociedade, tendo como meta a igualização de condições de vida assimétricas”.11 O Estado deve prover e efetivar todos os direitos, sob a pena de des- legitimar a cidadania das pessoas. A cidadania, na conjectura política atual, abarca o “acesso à educação, à saúde e à alimentação dignas, par- ticipação real nas decisões políticas, meio ambiente equilibrado, pleno emprego, ausência de qualquer tipo 7 BONAVIDES, 2008, pág. 564 8 Idem, pág. 569 9 Idem, pág. 563 10 HORTA, 2007, pág. 185 11 HADDAD; GRACIANO, 2006, pág. 131 EXERCÍCIO I: OS DIREITOS HUMANOS NA VIDA DOS BRASILEIROS O objetivo deste exercício é que os alunos saibam identi� car os tipos de direitos humanos, bem como relatar possíveis violações sofridas em âmbito escolar, familiar e social. Peça aos alunos que, em duplas, leiam o texto e respondam às per- guntas abaixo: “Todo homem – e toda mulher! – tem o direito de ser, em todos os luga- res, reconhecido como pessoa perante a lei. Independentemente do sexo, da cor, da idade, do credo, do país, do grau de escolaridade ou até de grande ci- dadania, santos ou criminosos, nenéns ou vovozinhos, sendo gente – apenas gente, todo homem e toda mulher são pessoas. E devem ser reconhecidos como tais na vida de casa e da rua, na família e na sociedade, no trabalho e no lazer, na política e na religião. Também nos canaviais e nas carvoa- rias. Também nas penitenciárias e sob os viadutos. Diante dos olhos dos transeuntes e ante as câmeras de televisão. Em todos os lugares, pois, deste redondo planeta azul que é a Terra […]. Não é um cara; é uma pessoa. Não é uma vagabunda; é uma pessoa. Não é um estrangeiro; é uma pessoa; não é um mendigo (para brincar de fogo com ele!); é uma pessoa. (Uma pessoa, senhora juíza!).” (Dom Pedro Casaldáliga, Art. 6o, 2002). QUESTÕES: • Dê três exemplos de violação de direitos humanos no ambiente es- colar, familiar e comunitário. A que tipo de direitos essas violações estão relacionadas? Por que os direitos devem ser garantidos? • Os direitos podem ser divididos em: civis, políticos, sociais, econô- micos e culturais. Auxilie os alunos a montar um quadro contendo trinta palavras que se re� ram a direitos ou situações do cotidiano. A partir do material elaborado, estimule-os a classi� car as palavras do quadro conforme a divisão anteriormente proposta. to. Por isso, o Brasil precisou estabe- lecer direitos e garantias fundamen- tais para que se � rmasse a ideia de um Estado que busca o bem comum. Neste contexto, o artigo 5o prescreve: “Todos são iguais peran- te a lei; sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasi- leiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.2 Este artigo signi� ca o “conjunto de nor- mas pertinentes à organização do poder, à distribuição da competên- cia, ao exercício da autoridade, à forma de governo, aos direitos da pessoa humana, tanto individuais como sociais”.3 Também consis- te em direitos fundamentais, cujo 2 BRASIL, 1988 3 BONAVIDES, 2008, pág. 80 objetivo é a proteção dos direitos individuais e coletivos da pessoa humana, preservando-a de lesões ou violações. Na verdade, o artigo 5o garan- te todos os direitos consagrados na Constituição.4 Também “efetiva o prin cípio geral do reconhecimento de todos os seres humanos como pes- soas e dá consequência jurídica a esse reconhe cimento”.5 En� m, ele a� rma que as pessoas possuem direitos re- lacionados intrinsecamente com os ideais revolucionários: a liberdade, a igualdade e a fraternidade, em busca da preservação da dignidade huma- na. Assim, é um direito protetivo, pois garante os direitos do homem.6 Tais ideais são princípios de di- 4 HORTA, 2007, pág. 184 5 HERKENHOFF, 2010 6 BITTAR; ALMEIDA, 2009, pág. 616 www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 39 IM A G EN S: S H U TT ER ST O C K de discriminação”.12 Ela é o funda- mento do Estado democrático brasi- leiro. Inclui direitos coletivos e difu- sos, além dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Por isso, é importante que os di- reitos humanos sejam efetivados para que se realize a cidadania, porque eles e a democracia estão “intima- mente ligados, um remete ao outro, seus conteúdos interpenetram-se: a cidadania não é constatável sem a realização dos direitos humanos, da mesma forma que os direitos huma- nos não se concretizam sem o exer- cício da democracia”.13 12 CÉSAR, 2002, pág. 24 13 MELO, 1998, pág. 81 Sociedade justa é aquela em que o Estado garante liberdade e igualdade aos indivíduos ETAPA II: OS DIREITOS NA VISÃO DE BOAVENTURA ATIVIDADE II: AS CRISES DO PARADIGMA CIENTÍFICO Boaventura de Sousa Santos é um crítico português que discute temas na área da Filoso� a, Sociologia, An- tropologia, Direito e Teoria do Co- nhecimento. Uma das suas principais ideias está relacionada à crise do pa- radigma cientí� co dominante, que encontra-se no livro Um discurso sobre as Ciências. Essa crise decorre do fato de que o paradigma dominante é um modelo totalitário de se fazer ciên- cia, porque “nega o carácter racional a todas as formas de conhecimen- to que não se pautarem pelos seus princípios epistemológicos e pelas suas regras metodológicas”.14 Diante dessa crise, Boaventura de Sousa Santos propõe o paradig- ma emergente, que defende uma “Ciência empenhada na a� rmação dos valores da democracia, da cida- dania, da igualdade e do reconhe- 14 SANTOS, 2009, pág. 21 cimento da diferença, uma Ciência que se pretende objetiva e indepen- dente, mas não neutra e socialmente opaca ou irresponsável”.15 Dessa de� nição faz parte tam- bém o direito, porque o autor de� ne as regras para o coletivo. Boaventu- ra re� ete que o direito caracteriza-se por um aspecto regulador que, na verdade, não emancipa o cidadão, mas confere uma ordem exigida pelo capitalismo e não ajuda a supe- rar as situações de desigualdades so- ciais reais. O direito se submeteu à racionalidade cognitivo-instrumen- tal da Ciência moderna e tornou-se ele próprio cientí� co. Essa cienti� - cação levou à estatização do direito, fazendo com que ele passasse a ser parte do Estado. Para Boaventura, o direito é, po- tencial e simultaneamente, vontade do soberano, manifestação de con- sentimento e prescrição. É um exer- cício da regulação em nome da eman- cipação. Ele pode ser com preendido como um “corpo de procedimentos 15 Idem, 2004, págs. 53-54 regularizados e de padrões norma- tivos, considerados justi� cáveis num dado grupo social, que contribui para a criação e prevenção de litígios e para a sua resolução através de um discurso argumentativo, articulado com a ameaça de força. Dizem-se justi� cáveis os procedimentos e os padrões normativos com base nos quais se fundamentam pretensões contraditórias e se geram litígios susceptíveis de serem resolvidos por terceiras partes não diretamente en- volvidas neles”.16 Os direitos foram criados por algumas pessoas com alguma � - nalidade. Daí a necessidade de re- pensarmos os direitos humanos. Por quem e por que eles foram criados? A quem se destinam? Quais são os seus objetivos? Boaventura nos instiga a pensar que eles possuem um caráter racional e regulador da vida humana. Esses direitos não colaboram para eliminar as assi- metrias políticas, culturais, sociais e econômicas existentes nos países, 16 Idem, 2009,pág. 290 40 • ciência&vida EXERCÍCIO II: O CASO “MÁRIO”, DE GABRIEL, O PENSADOR O direito à educação é uma garantia de todas as pessoas. Mas sob quais interesses ele foi criado? De que forma acontece a efetivação desse direito? Ele diz respeito à qualidade do ensino? É condizente às demandas de cada escola do país ou às realidades étnico-raciais? especialmente nos periféricos. Es- ses países são cotidianamente palco de diversas formas de opressão, que podem ser sexual, racial, étnica, de orientação sexual, de renda, etc. Os direitos humanos, num plano uni- versalista e aberto a todos, não mo- di� cam as estruturas desiguais, mas rati� cam a ordenação normativa para comandar uma sociedade. É importante dizer que Boa- ventura não está deslegitimando os direitos humanos. O pensador está questionando os discursos que agra- dam a todos, sem pensar nas interfe- rências que podem ocorrer nos paí- ses periféricos (como Brasil, Índia, China, Argentina). Cada país tem sua História e peculiaridades cultu- rais, econômicas, políticas e sociais, que não são levadas em considera- ção no discurso normativo desses direitos. Sem contar que os direitos humanos estão revestidos de uma base liberal de vida humana. Muitos dos princípios se a� nam com a teo- ria do capital humano, que objetiva a formação de um cidadão comum, trabalhador e consumidor. Quanto a Educação, Boaventura entende que não pode haver exclusão no interior das escolas. Os oprimidos precisam ter seus anseios contemplados na política. Os direitos humanos pre- cisam respeitar as identidades das comunidades e as outras formas de constelação dos direitos. O pensador português também visa uma descolonização do saber, do poder e do ser. En� m, almeja um processo de descolonização epistê- mica e socialização do conhecimen- to, eliminando uma visão masculina (machista), branca (racial) e tota- litária (hegemônica) sobre outras pessoas, conhecimentos e poderes.17 Trata-se de seguir muitos caminhos pluriversais, partindo daquilo que a modernidade negou ou repudiou. Refere-se a um desa� o de “re-ima- ginar o mundo, construir futuros justos e democráticos, socializar o poder em todos os níveis da socie- dade a partir da perspectiva da colo- nialidade, isto é, da perspectiva do que tem sido e do que continua a ser negado em nome do conhecimento cientí� co, do desenvolvimento eco- nômico, do progresso histórico, da democracia (aplicada e administra- da), etc.”18 17 MIGNOLO, 2004 18 Idem, pág. 683 Apresente a letra da música “Mário”, de Gabriel, o Pensador aos alunos e organize um debate com as se- guintes perguntas. Perguntas disparadoras: • Quais os principais aspectos da biogra� a de Mário? • Quais foram os direitos violados na trajetória da vida de Mário? • Como Mário reagiu às violações? • Como se classi� cam os tipos de direitos viola- dos no caso de Mário? • Seria importante reivindicar os direitos hu- manos? Quais deles vocês pensam que seja fundamental na vida dos seres humanos? • Casos como o de Mário são recorrentes na vida dos brasileiros? Por quê? • Quais são as omissões ou negligências do poder público na garantia dos direitos hu- manos? • Quais seriam as ações sociais e judiciais ne- cessárias para ter os direitos garantidos ou não permitir a sua violação? • Quais direitos humanos previstos na Declara- ção universal são muito difíceis de ser efetiva- dos no Brasil? • Se vocês � zessem parte do poder legislati- vo, quais direitos e garantias criariam para o povo? Após esse debate, peça aos alunos que elaborem individualmente um texto dissertativo descrevendo as di� culdades enfrentadas pelos brasileiros. www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 41 Os direitos humanos precisam ser revisados pela sociedade civil e política. Devem contemplar outras experiências de conhecimentos, de desenvolvimento, de trabalho e de produção, de democracia, de comunicação e de informação e, definitivamente, precisam aprender a valorizar as diferentes experiências, saberes, agentes e práticas sociais Por exemplo, a primeira geração dos direitos diz respeito à liberda- de: busca um não agir do Estado. A segunda geração corresponde aos direitos sociais: almeja uma ação positiva do Estado. Entre outras gerações ou fases dos direitos do homem, o Estado e o cidadão re- lacionam-se apenas de duas formas especiais: impedir os malefícios dos poderes do Estado ou obter benefí- cios fornecidos pelo Estado. Bobbio entende que os direitos do homem não têm um funda- mento absoluto, porque é ilusó- rio acreditar que ele esteja com- pletamente dado e construído. A expressão “direitos do homem” é muito vaga e possibilita diversas interpretações: eles são de� nidos a partir das preferências pessoais, as opções políticas e orientações ideo lógicas de cada um. Os direitos do homem modi� ca- ram-se, e continuam modi� cando- -se, nas mudanças das condições históricas, ou seja, “dos carecimen- tos e dos interesses, das classes do poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das trans- formações técnicas”.21 Desse modo, “não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fun- damental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas”.22 Além de os direitos do homem não possuírem um fundamento ab- soluto, a sua classe também é hete- rogênea. “Entre os direitos compre- endidos na própria Declaração, há pretensões muito diversas entre si e, o que é pior, até mesmo incompatí- veis. Portanto, as razões que valem para sustentar umas não valem para sustentar outras. Nesse caso, não se deveria falar de fundamento, mas de fundamentos dos direitos do ho- mem, de diversos fundamentos con- forme o direito cujas boas razões se deseja defender.”23 Assim, numa determinada situ- ação podem existir con� itos entre os próprios direitos, até entre os direi- tos fundamentais. Dentre esses, há muito poucos que não concorrem ou 21Idem, pág. 38 22 Idem, pág. 38 23Idem, pág. 39 ETAPA III: OS DIREITOS DO HOMEM ATIVIDADE III: OS DIREITOS HUMANOS EM NORBERTO BOBBIO O livro A era dos direitos, de Nor- berto Bobbio, é o resultado das con- ferências proferidas pelo autor no mundo afora e apresenta uma fun- damentação profunda sobre a noção de direitos humanos. Bobbio é um grande teórico do Direito, da Políti- ca e das Relações Internacionais. Por isso, expomos as principais ideias do autor sobre os direitos humanos, ou, como ele prefere chamá-los, “direitos do homem”. Para Bobbio, os “direitos do homem, democracia e paz são três momentos necessários do mesmo movimento histórico: sem direitos do homem reconhecidos e prote- gidos, não há democracia; sem de- mocracia, não existem as condições mínimas para a solução pací� ca dos con� itos”.19 A democracia existe numa sociedade de cidadãos que têm seus direitos fundamentais re- conhecidos, possibilitando assim uma paz estável na sociedade. O autor apresenta três teses sobre os direitos do homem: a) os direitos naturais são direitos históricos; b) nascem no início da era moderna, juntamente com a concepção indivi- dualista da sociedade; c) tornam-se um dos principais indicadores do progresso histórico.20 Assim, os di- reitos do homem envolvem os con- textos históricos que possibilitaram seu surgimento e também as suas relações com o Estado moderno. Eles surgem a partir das lutas que almejam novas liberdades contra velhos poderes. Também nascem de modo gradual, não sendo conquis- tados todos de uma vez. 19BOBBIO, 2004, pág. 21 20 Idem, pág. 22 IM A G EN S: S H U TT ER ST O C K 42 • ciência&vida disputam com outros direitos, pro- curando não impor uma decisão in- dividualizada e motivada pelos inte- resses de quem irá julgar o caso. Isso reforça a ideia de que os direitos do homem não podem ter um funda- mento absoluto. Buscar um funda- mento absoluto “não é apenas uma ilusão; em alguns casos, é também um pretextopara defender posições conservadoras”.24 Um exemplo foi a política internacional dos Estados Unidos de intervenção no Oriente Médio em nome dos direitos à vida e da democracia. Bobbio compreende que o re- conhecimento e a realização dos direitos do homem possuem um dogma do racionalismo ético. Mas, para ele, esse racionalismo não é possível porque os direitos do homem não foram respeitados da mesma forma ou conquistados numa mesma época. Os direitos não derivam da natureza do ho- mem. E esse racionalismo tam- bém não previa que a Declaração universal dos direitos humanos pu- desse conseguir uma concordância 24 Idem, pág. 42 A Declaração universal constitui um sistema de valores universais, porque obteve consenso de vários governantes. Mas não é isso o que observamos no cenário político internacional entre os governos e surgir diante dos novos contextos inseridos após a Segunda Grande Guerra. O pensador italiano também fala que existe uma crise de fundamen- tos: é preciso que se busque os vá- rios fundamentos possíveis para os direitos do homem. Trata-se de uma tarefa para as Ciências históricas e sociais; consequentemente, cabe ao � lósofo fazer parte dessa conjectura. Ademais, Bobbio considera que “o problema fundamental em rela- ção aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justi� cá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um pro- blema não � losó� co, mas político”.25 É importante procurar meios se- guros para garantir esses direitos e impedir, apesar das declarações, que eles sejam continuamente violados. Isso não signi� ca resolver de uma vez o problema do fundamento. Mas sua solução atual foi possível com a Declaração universal dos direitos hu- manos, de 1948, que “representa a manifestação da única prova atra- vés da qual um sistema de valores pode ser considerado humanamente fundado e, portanto, reconhecido: e essa prova é o consenso geral acerca da sua validade”.26 Este documento foi aprovado por 48 Estados e “aco- lhido como inspiração internacional e orientação no sentido de uma co- munidade não só de Estado, mas de indivíduos livres e iguais”.27 Entretanto, vamos pensar um pouco sobre a intervenção de certos Estados em outras regiões do país, 25 Idem, pág. 43 26 Idem, pág. 46 27 Idem, pág. 47 EXERCÍCIO III: BULLYING E A DISCUSSÃO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS Juntamente com os alunos, elabore pistas para os problemas atuais enfrentados no mundo virtual, buscando maneiras de assegurar os di- reitos do ser humano. Para isso, passe o � lme Cyberbully (EUA, 2011) na sala de aula e promova um debate com base nas seguintes perguntas: • O que mais lhe chamou a atenção no � lme? Por quê? • Qual deveria ser a atitude da personagem principal? • Quais os efeitos do cyberbullying na vida do estudante? • Como resolvê-los social e juridicamente? • Como podemos resolver os crimes virtuais? Eles violam os di- reitos humanos? Quais deles? • Precisamos de novos direitos na sociedade tecnológica e da in- formação? Quais? Por quê? • Como as escolas podem garantir a consolidação dos direitos hu- manos na sua administração, nas práticas pedagógicas em salas de aula, e nas relações com a família e a sociedade envolvente? Depois, divida os alunos em duplas e peça que elaborem uma resenha crítica que abranja uma síntese do � lme e as discussões rea- lizadas em sala. www.portalcienciaevida.com.br • ciência&vida • 43 IM A G EN S: D IV U LG A Ç Ã O BITTAR, Eduardo C. B.; ALMEIDA, Guilherme Assis de. Curso de Filosofia do Direito. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2009. BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Tradução de Carlos N. Coutinho. 3. reimp. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. CÉSAR, Alexandre. Acesso à justiça e cidadania. Cuiabá: EdUFMT, 2002. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2003. HADDAD, Sérgio; GRACIANO, Mariângela. A educação entre direitos humanos. São Paulo: Ação Educativa, 2006. HERKENHOFF, João Baptista. A Constituição brasileira de 1988 à face da tortura e o reconhecimento de todo ser humano como pessoa. Disponível em: <http://www.dhnet.org.br/direitos/ militantes/herkenhoff/livro3/c22.html>. Acesso em: 17 jun. 2010. HORTA, José Luiz Borges. Direito constitucional da educação. Belo Horizonte: Decálogo, 2007. MELO, Milena Petters. Cidadania: subsídios teóricos para uma nova práxis. 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A indisciplina e a violência escolar: uma perspectiva pedagógica e jurídica para a construção da cidadania. Monografia (Especialização em Direito Educacional), Centro Universitário Claretiano, São Paulo, 2010.RE FE RÊ N C IA S como a invasão dos Estados Unidos no Iraque, em 2001; os ataques de Israel na faixa de Gaza; a crise po- lítica na Ucrânia, entre outras cenas de intervenção militar frequentes no século XXI. Será que os direitos humanos foram contemplados nes- sas ações? Será que alguns direitos foram violados? Quais? A Declaração universal signi� ca a partilha de alguns valores co- muns e foi acolhida subjetivamente pelos homens. Assim, a a� rmação dos direitos do homem é o ponto de partida para a instituição de um autêntico sistema de direitos – di- reitos positivos ou efetivos. Eles ganham concretude e são protegi- dos, mas somente no âmbito do Es- tado que os reconhece. A a� rmação dos direitos do homem é universal, inclusive, porque abrange todos os homens e é positiva, pois efetiva- mente protege os direitos até mes- mo contra o próprio Estado que os tenha violado. Mas como os Esta- dos estão trabalhando para prote- ger esses direitos? Para Bobbio, a Declaração uni- versal é um ideal a ser alcançado e o início de um longo processo, cujos resultados ainda não podemos ver. Os conteúdos da Declaração (quan- tidade e qualidade dos direitos) não podem apresentar nenhuma pre- tensão de ser de� nitivos, tendo em vista que os direitos do homem são históricos, “emergem gradualmente das lutas que o homem trava por sua própria emancipação e das transfor- mações das condições de vida que essas lutas produzem”.28 O italiano também relata uma das di� culdades para a realização dos direitos do homem. Estes “não dependem da boa vontade dos que os proclama, bem como das boas disposições dos que possuem os meios para protegê-los […]. O pro- blema da sua realização não é nem � losó� co nem moral. Tampouco é um problema jurídico. É um pro- blema cuja solução depende de um certo desenvolvimento da socieda- de, e como tal, desa� a até mesmo a Constituição mais evoluída e põe em crise até mesmo o mais perfeito mecanismo da garantia jurídica”.29 Portanto, Bobbio assinala que a “doutrina dos direitos do homem já evoluiu muito, ainda que entre con- tradições, refutações, limitações”.30 E a discussão sobre esses direitos envolve di� culdades, procedimen- tos e substantivas. Inclusive, “a efetivação de uma maior proteçãodos direitos humanos está ligada ao desenvolvimento global da ci- vilização humana”.31 28 Idem, pág. 51 29 Idem, págs. 63-64 30 Idem, pág. 78 31 Idem, pág. 64 Cyberbully, do direitor Charles Binamé, retrata a vida de uma adolescente que, após ganhar seu primeiro computador, se torna vítima do cyberbullying e vê como única opção o suicídio