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<p>/</p><p>i</p><p>F</p><p>,</p><p>, .</p><p>CoordenaÇllo Geral</p><p>Ir . . Elvira Milani</p><p>Cooederlt1fiJo Editorial</p><p>Ir. Jacinta"Throlo Garcia</p><p>Coordenaf./Jo Executivn</p><p>Luzia Bianchi</p><p>Comitê Eilitorial Acadêmico</p><p>Ir. Elvira Milani - PresidCtlte</p><p>Glória Maria Palma</p><p>ir. Jacinta Turolo Garcia _</p><p>José lobson de Andrade Arruda</p><p>~ . Marcos Virmond</p><p>Maria Arminda ,do Nascimento Arruda</p><p>. ~JiJJ</p><p>~ (6~O~ .</p><p>... , . .0, ti\</p><p>, HIITÓRIA!</p><p>,</p><p>I . I</p><p>I</p><p>"</p><p>1</p><p>I</p><p>t</p><p>I</p><p>1</p><p>1</p><p>,</p><p>1</p><p>I:</p><p>As mulheres ou ~Os</p><p>• • • • • • • • •</p><p>silêncios da história :</p><p>Michelle Perrot .</p><p>Tradução</p><p>Viviane Ribeiro</p><p>OEDUSC</p><p>P7à1f, I!)eb ?(2k~</p><p>• • • • • • • • • • • • • • • • • • • •</p><p>P461m</p><p>,</p><p>,</p><p>eEDUSC</p><p>" /</p><p>.,</p><p>.. ,</p><p>Pc:rrpt, MicheUt. .</p><p>A3 mulherts o~ 0$ siltnaos da história I Michdle Pc:rrot i traduçAo</p><p>Viviane Ribdro .•• Bauru, SP; EDUSC, 2005.</p><p>520 p. ; 23 'em: •• (Colrçio História)</p><p>Inclui bibliografia.</p><p>Traduçjo de: 1,.($ ftmrnts oula silencu de I'hisloirc:. cl998 ..</p><p>ISBN' 85-7460-251-5</p><p>1. Mulheres - CondiÇ'Õnsodai. - Evoluçto hist6rka.I:1l1UIo. 1I.Série.</p><p>",1.</p><p>ISBN (original) 2..Q8.08.0010-8 I</p><p>Copyrighte Flrimmarion, 1998</p><p>Copyrighte ( lr3duçâo) EDUSC. 2005</p><p>- "</p><p>fuduÇiO realizada a p.ulir da tdiçdo de 1998.</p><p>Direitos aelusivos dI! publicação cRl,lingua portuguesa</p><p>M 'O Brasil adquiridç.s pela</p><p>CDO 3010412</p><p>EDITQRA DA UNlVERsIDAD6 DO SAGRADO CORAçAÓ</p><p>, Rua Irmã Arminda, lO-50</p><p>CEP 17011 - 160 - Bauru - $P</p><p>Fone: (I4)32l~-7) II~- Fax (14) 3235-7219</p><p>;.m:H' ~",,:~ed~rm.b'</p><p>I</p><p>I</p><p>:'1</p><p>. \</p><p>"',</p><p>T</p><p>"-</p><p>'-</p><p>J.</p><p>,</p><p>I</p><p>I</p><p>I</p><p>~.</p><p>9 lNTRODUçAO</p><p>PARTE 1</p><p>Traços</p><p>CApITULO I</p><p>33 Práticas da memóriá feminina</p><p>CAPITULO 2</p><p>. "</p><p>45 . As filha s de K.r1 Marx: cartas inéditás</p><p>CAPITULO. 3</p><p>89 Coroline reencontrado</p><p>CAPITULO 4</p><p>SUMÃRlO*</p><p>,</p><p>i~/Jle/'!~</p><p>.-</p><p>93 Caroline, uma jovem do Faubourg -Saipt-Germain durante o Segundo - , Império .</p><p>,</p><p>A ediÇão original francesa da presente obra traz dois capltulos que não se encontram</p><p>aqui traduridos - os artigos Ma filie Ma"ie e.Le.s !emme.s elleurs imagcs ou le regam</p><p>des femme.s. Esta aus!ncia deve-se ao' fato de as editoras responSáveis pelos originais</p><p>não terem cedido os direitos de: publicação para esta edjç40 traduz.ida. (N.E. )</p><p>, .</p><p>,</p><p>,-</p><p>r ,</p><p>,<</p><p>I</p><p>PARTE 2</p><p>Mulheres no trabalho</p><p>( CAPITOL0 5</p><p>155 Greves femininas .... /</p><p>CAPiTULO 6</p><p>/</p><p>/</p><p>5u"itlrio</p><p>. .171 O elogio!áa dona-de-casa" no discurso dos operárioS-franceses no ~cuJo 19,</p><p>CAPtruLO 7</p><p>197 A mulher popular rebelde</p><p>CAPiTULO 8 _</p><p>,223 'Mulheres e m'áquinas no s,éculo 19</p><p>CAPITULO 9 ,</p><p>241 Da ama-de-leite à funciOJlária 'de escritório ... Trabalhos de mullleres na .</p><p>França do sétulo 19 \</p><p>CAPiTULO l O</p><p>251 O qtle é um trabalho de mulher?</p><p>' PARTE 3</p><p>Mulheresna cidade</p><p>I CAPITULO li</p><p>263 ' Poq.r dos ho'mens, força das mulheres? O exemplo do século 19</p><p>Q CAPITULO J2</p><p>, , \~:/salf '</p><p>.'</p><p>CAPiTULO 13</p><p>\3 A palavra piíblica das m'ulh~res</p><p>,,' 1</p><p>- --</p><p>,</p><p>I</p><p>,)</p><p>i</p><p>I</p><p>1</p><p>I</p><p>!</p><p>I</p><p>I</p><p>I</p><p>'j</p><p>I</p><p>~,</p><p>I</p><p>5umdrio</p><p>CAPiTULO 14</p><p>3~7 As mulheres e a cid~dania na França: história de u;11a exclusão '.. ,</p><p>CAPITULO '15</p><p>343 O gênero na cidade</p><p>PARTE 4,</p><p>Figuras</p><p>CAPITUro 16</p><p>365 Flora Tristan, pesquisadora</p><p>r CAPITU,-,? 17</p><p>38 1 Sand: uma mulher na política</p><p>PARTE 5</p><p>Debates</p><p>CAPITULO 18</p><p>435 No front dos sexos: um combate duvidoso</p><p>e CAPITULo 'I 9</p><p>_ 447 Corpos s~bjugados</p><p>,</p><p>n CApiTULO 20 ' ,,'</p><p>~ Público; privado e re~açõ~s entre os _sexos</p><p>CApiTULO 2 1</p><p>, .</p><p>467 Jdentidade;-i~aldade;- rillerença:'o olhar da Hisr6ria</p><p>CAPITULO 22</p><p>481 Uma históri or sem afrontamentos</p><p>~ CAI!ITULO 23 '</p><p>~ Michel Fou,cault ~ a h~st6ria . das ~ulheres.'-</p><p>,-,</p><p>;</p><p>~ ,</p><p>• • • • • " • .' , .', • • e, . •</p><p>" " ,</p><p>e</p><p>" ,.</p><p>• " :</p><p>;,,\~</p><p>E</p><p>" •</p><p>I ,</p><p>/ -.</p><p>,.j I</p><p>.' (</p><p>'"</p><p>!</p><p>~</p><p>/'</p><p>>,</p><p>" '</p><p>• f. ~</p><p>I,</p><p>"</p><p>•</p><p>'.</p><p>~</p><p>-T· "</p><p>I</p><p>I, I , ,</p><p>. Capitulo 7</p><p>A MULHER POPULAR REBELDE"-</p><p>" Da HislPria, a mulher é diyersas vezes excluída. Ela o é,. inicialmente, na . - - ,.</p><p>narrativa, que, passadas as efusões românticas, cnnstitui-se corno encenação</p><p>dos acontecimentos poHticos. O positivismo opera um verdadeiro refluxo no</p><p>tema feminino e l mais amplamente, no cotidiano. à austero Seignob~~, gran</p><p>de mestre dos estudõs históricos na Universidade, expulsa Eva, ao passo que as</p><p>paredes da Sorbonne ~obrem-se de afrescos em que flutuam diáfanas alegorias</p><p>femininas. "Santa Genoveva vela por Paris'~ "o Arqueólogo contempla a Gré-</p><p>.. -<:ia", Ele, abótoado até o ~larinho estreito de seu redingote, ela, vaporosa em</p><p>seus véus -,. A "profissão de historiadoc"'é um trabalho de homens que escre-</p><p>vem a história no masculino_ Os campos que .eles abordam são os da ação e do</p><p>poder masculinos, até mesmo~ quando eles se aventuram pqr nQvos territórios.</p><p>Econômica, a história ignora a mulhe~ improdutiva. Social, . ela privilegia as</p><p>classes e n~gHgenci~ os sexos: Cultural ou "mental': ela fala do Homem .em ge</p><p>ral, que não tem mais sexo do que a Hum;mi,la.de, Célebres - devotas ou es.</p><p>candalosas - as mplheres aliment;am as crônicas da "pequenaJ~ história, b?as</p><p>apenas para a revista Historia.J J1</p><p>• la femme populaire rebelle. ln: UHistoire sans qualité5. Essais. Sous la direction de</p><p>Pascale Werner: Paris: Galilée. 1979. p. 125-156 (artigo traduzido em inglh, alemão,</p><p>italiano. espanhol. portuguh). -</p><p>l21 Observa~mos como um fato sintomático que o primeiro número de uma nova</p><p>revista L'Hisfo;re (Seuil) seja aberto por um artig~ de Georges Ouby sobre OCA mU-</p><p>lher medie.val" ( 1978). '</p><p>)</p><p>. ~ 197</p><p>r</p><p>f</p><p>'</p><p>"</p><p>,</p><p>Pane 2</p><p>Mulheres no fml'alho</p><p>Tamb~m - e esta é a segunda volta da chave - os materiais utiEzados pe</p><p>los historiadores (arquivos diplomáticos ou administrativos, d'ocumentos par</p><p>lamentares, biografias ou publicações periódicas ... ) são o prdduto de homens</p><p>/</p><p>que. têm O monopólio: da escrita ~to quanto da coisa pública. Observamos_</p><p>muitas vezes que a história "das classes populares era difieil de fazer a partir de</p><p>/</p><p>arquivos que emanam do olhar dos mestres - prefeitos, magistrados, padres,</p><p>yoliciais ... Ora, a exclusão feminina é ainda mais forte. Q uantitativamente pe</p><p>quena, a escrita feminina é estreitamente específica: livros de cozinha, manuais .</p><p>' de educação..., contos recreativos ou morais constituem sua maiori·a. Trabalha</p><p>dora ou ociosa, doente~ manifestant~, a mulher é observada e descrita pelo ho</p><p>mem. Militante, ela tem dificuldé.lde em se fazer_ouvir por seus camarada's mas</p><p>culinos que consideram como normal ser seus porta·vozes. A carência de fon·</p><p>tes diretas ligacfa a esta perpétua e' indiscreta" mediação forma" um qu~dro te~'</p><p>mível. Mulheres e~paredadas, c?m'o e.ncontrar~vos? " r</p><p>Esta exclusão é, aliás, apenas a tradução, redobrada, de uma outra ex~.</p><p>c1usão: a das mulheres da vida-e do espaço público na Europa Ocidental no sé</p><p>enIo 19. 1\. política - a direção e a administração do Estado - const.it~em-s~ de</p><p>imediato, como um ap"3nágio masculino. A burguesia, faJocrata- de nascimen</p><p>to, impõe aqui a sua concepção dos papé.is, esta rigorosa separação dos sexos</p><p>que leva a um imenso abismo," este C<deserto do amor" que Mauriac descreveu:</p><p>"Apenas isso~ o sexo nos separa mais do que dois planetas". lU Ass[m, o si lêncio</p><p>sobre a hist6t:,ia-das mulheres vem também de seu mutismo de fato nas.esferas</p><p>. políticas, por muito tempo privilegiadas como os únicos lugares do poder.</p><p>O século 19-1evou a divisão das tarefas e a segregação sexual dos espa- -</p><p>'ços a seu ponto máximo. Seu "racion;Úsmo procurou definir estritamente o lu</p><p>gar" de ~ada um : Lugar das mulheres: a Mqter.nidade e o Lar a delimitan~ total:.- -</p><p>- m"ente. A participação no trabalho assálariado é temp~rárja, ritmad; pelas ne-·</p><p>cessidades da familia, que' comanda, remunerada c~m um salário complel'pen</p><p>tar/ condicionada às tarefas chamadas de nãoMgualificadas, subórrunadas ,e tec~</p><p>,llologicamente especificas. "Ao hOlllem, as madehas e os metais. À mulher; a</p><p>fa~üia e o~ tecidos", diz um texto .operári~· (l8~7). A lista</p><p>avec Jean Lebrun, Paris: Textuel ,</p><p>1997. ' . .</p><p>OELEUZE, Gilles, Écrivain, non: W1e no~veau cartographe, Critique, Xli, p. 1.207-</p><p>1.227,1975 .</p><p>RAFFESTIN; Claude. Foucault aurait-il pJ révolutionner la géographie? In: Au</p><p>risqué de Foucault. Paris: Centre- Michel fi,ucault et Centre Georges Pompidou,</p><p>1997. p. 141-151; Géopolitiqlle et Histo;,e (avec Dario Lopreno et Yvan Pasteur).</p><p>·Paris: Payot,)995. I'</p><p>"</p><p>~ .... , .</p><p>.;</p><p>- I</p><p>,</p><p>,</p><p>f</p><p>I</p><p>i' ,-</p><p>I</p><p>. f</p><p>!</p><p>i</p><p>I</p><p>1</p><p>/</p><p>,</p><p>Capitulo 11</p><p>PODER DOS HOMENS, FORÇA</p><p>DAS MULHERES?</p><p>.0 EXEMPLO DO SÉCULO 19*</p><p>A questão do poder está. no centro da reflexão contemporânea, Ob!as,</p><p>como a 'de Hanna Arendt ou de; Michel Foucault, são inteiramente, consagra</p><p>das ~ ela. Filósofos, antropólogos, sociólogos chegam a um~ visão complexa e</p><p>nuançada c;io poder, de sua artic~lação e de seu JuncÍonamento. Não há ape</p><p>nas um, fi.as diversos poderes m.u1tiplicados no corpo social. O poder não tem .</p><p>sua se~e apenas no centrb, no Estado: existe todo um sistema de mic'ropodé</p><p>res, de relações. e de revezamento. Por outro Ia.do, o exercício do poder não pas</p><p>sa :somente pela repressão, mas - sobretudo nas sociedades democráticas ~</p><p>' pela regulamentação do ÍJlfi~no, pela organização ,dos espaços, pel~ m..ediaçã~, ·</p><p>pela persuasão, pela sedução, pelo cOJ)sentimento. Além dissô, O exercício do</p><p>(ou dos) poder(es) não se resume ao-constrangimento e à tomada de decisão; . - .</p><p>ele consiste mais ainda na produção dos pensamentos, ?OS seres e das coisas</p><p>por todo um conjunto de estratégias e de táticas em que a educação, a discipli~</p><p>na, as formas de repr~sentãção revestem-se de üma importância maior. O po</p><p>der é' uma maquinaria cujas fontes'de energi~, C\ljos moto,res e as engrenageI1s</p><p>variam ao longo do tempo, No século 19, a distinção lio público e do privado</p><p>é uma de suas modalidades; e a higiene tem um lugar central em uma polÜiq~.</p><p>. ·. que é freqüentement.e uma "biopolítica" (M. Foucault)._</p><p>* Pouvoir des hommes, puissance des fenunes? L'exemple du XIXC siecle. In: Femmes .</p><p>el Pouvoirs. Sous la direction de L. Courtois. J. Pirotte. F. Rosart. Colóquio de . , .</p><p>Louvain, Nauwelaerts. 1992. p, 131-143.</p><p>263</p><p>P""'f J</p><p>MilU'nd FI" t idntk</p><p>A esta representação complexa do poder superpõe~ se uma visão igual ~</p><p>mente mais 'complicada das relações entre os sexos que atravessa o conjunto do</p><p>campo dos estudos feministas e, conseqüentemente, a história. das mulheres.</p><p>Seguindo as americanas/ distingue~se o sexo, ~bioI6gico, e O gênero ( tradução</p><p>na verdade. insu6ciente.qe Gender), construção sociocultural, produto das re~</p><p>lações sociais desenv~l~jdas no tempo ~ ~ue se pode, conseqüentemente, des~ "'"</p><p>construir. Tomar este ponto de vista, a meu ver muito fecundo, é interrogar-se</p><p>. sobre a evolução das relações entre os sexos, ao longo da l:ustória, em todos os</p><p>ruveis da t<;oria e 4a prática, das 'maQeiras de pensar, de dizer, no nível da lin</p><p>guagem qué é talvez (esta é ao luenos a ~pinião de· }oali Scott) ; :instância de~'</p><p>cisiv~. ~ tentar refletir enl termos de front.eiras, de partilhas, de equilíbrio; de</p><p>sedução e de amor; mas também de conflitos e de concessões, de deslocame~~</p><p>tos, de poderes e de contra~oderes. São todas palavras-chave para estud..ar as</p><p>relações dos homens e das m.ulher~s nos sistemas históricos çe poderes, de ma</p><p>neira 'não des~ritiva e estatística, mas problemática c dinâmica. A tarefa é</p><p>imensa, provavelmente interminável. Ela parece tentar cada vez maior núme</p><p>ro de hjstoriadores" .A:presentarernQs como sem pretensão as observações que</p><p>se seguem, que se baseiam no século 19.' .</p><p>DA FORÇA DAS MULHERES: OS TEMORES DO</p><p>SÉCULO -19-</p><p>,</p><p>"As niulheres: que .força!': exclama Michelet, traduzindo uma repres.en</p><p>t ~ç.:i.O comumente cómp~rtilhada segundo a qual se as mulheres não têm o po-: _</p><p>/</p><p>, 264</p><p>7 SCOTI. J03n W. S;etlder and the Politics of History. New York: Columbia University</p><p>Press, I ~88.</p><p>8 A titulo de exemplo, CHAUSSlNAND-NOGARET, Guy. La Vie quotidietlne des</p><p>femmes dll roi. D'Agtlts Sord ~ Marie-Atlroillette. Paris: Hachette~ 1990. "',</p><p>9 Este breve rel~to lnscreve~se em uma ref]e.x3p iniciada em Une histoire des femmes</p><p>t.Sl~ e.l1e Possib\e? &I. par M. Perrot. Marsdlle: Rivages. 1984; cf. Id., Les femmes, le</p><p>pouvoir, I'histoire. Ibid., p. 206-222; e el1\ um artigo das Annales, março/abril de</p><p>1986; Cécile Dal~phin, Arlette ·Farge et aI. ; "Culture el pouvoir de~ femmes. ESsai</p><p>d'historiog.r:.lphie~ p. 271-295. 1</p><p>"</p><p>/</p><p>"</p><p>.:.j</p><p>'i</p><p>l</p><p>I</p><p>I _</p><p>"</p><p>',;'1 ' ,</p><p>~</p><p>C.ylfllJo 11</p><p>pg.;kr OOJ ""tI~lU, forra dll$ IIIwlhtrtl'</p><p>O~lIIploJo Jicu/o 19</p><p>der no sentido r~trito do termo, e~as t!m a influência muito mais difusa e efi</p><p>caz dos costumes. Em todos os tempos, os hom~ns tiveram medo das mulhe~</p><p>res. A Mulher .é a Outra, a e5lJangeira, a sombra, a noite, a armadilha, a inimi</p><p>ga. A Mulher é }udite ou Dalila, que se aproveita do son,o do homem para cor</p><p>tar-lhe os cabelos': a sua força. Este medo ancêstral, primitivo, ligado talvez à'</p><p>sexualidade (e que a: psicanálise tanto expressa' quanto tenta elucid'ar), encon</p><p>tra, em cada época, sua expressa0 própria. 10</p><p>Do século 17 ao século 19, tais discursos são recorrentes. A idade barro</p><p>ca representa as mulheres triunfantes, e~ apoteose na pintura. 11 Celebra.::se o</p><p>c'mérilo das Damas", como Saint-Gabriel (1640) que em seu livro defende a</p><p>tese da superioridade do sexo feminino e o mal-estar senti~o pelos homens.u</p><p>No século 19, a idéia segundo â quat as mulheres têm o "verdadeiro" po</p><p>der é m~ito difundida, sobretudo na França. "Embora legalmente as mulheres ,</p><p>ocupem uma P9sição muito inferior aos homens, elas constituem, na prática~</p><p>o sexo superior. Elas são o poder que se esconde atrás do trono", segundo.um</p><p>viajante inglês de 1830.13 Segundo Balza~ "nas classes inferiores, a mulher é</p><p>não somente superior ao home~, mas ainda, ela governà -sempre':u Barbey</p><p>d'Aurevilly diz das mulheres do povos, das comadres da rua, que elas são jCpoe_</p><p>tizas em miniatura ( ... )" matronas da invenção humana que modelam, à sua</p><p>. maneira, as reaHdades da histÓ"r;ia'~.u Poderíamos multipliCar as citações de au- ,</p><p>tores, conhecidos ou obscuros, geralmente muito próximos, quando se trata da</p><p>diferença dos sexos. Todas traduzem a idéia de que as mullleres controlam os .</p><p>I ' .... .</p><p>'-- 10 Sobre o medos das mulheres, cf. LEDERER. W. GytlOpllobia ou In .peur des femmes.</p><p>Paris: Payot, 1970. Sobre o pensamento filosófico da djferença dos sexos,l~remos,</p><p>em breve; os estudos de Genevieve Fraisse e de Françoise Collin respectivamente</p><p>nos t. IV (si<;ulo 19) e V (skulo 20) da Storia deUe DO/lne. Roma: Laterza, ~91 e</p><p>Paris: Plon, 1991 ~ 1 ?92. .... ~ ,</p><p>1 t MOSIUS, Heiga. La Fetwne à I'dge barroque, Paris: PUF, 1985.</p><p>12 Comunicação de Dominique Bertrand no colóquio' de Reid HalI , Paris, dezembro</p><p>1989 sobre NLe pouvoir des femmes~ ' - ,</p><p>13 Apud ZELDIN, Th~odore. Lo FranÇaUes. Paris: Laffont, 1933. p. 403.</p><p>14 OEAUCOURT. Jean-Louis. Les' concierges d· Paris ' au XW sitcle. Th~se de</p><p>I'Universilé de Paris VII, 1989, U. p. 492:</p><p>lS Ibid" 11 , p, 804, '\</p><p>265</p><p>I ;</p><p>,</p><p>" i</p><p>I ,</p><p>f "</p><p>Ptlrtt: J</p><p>. MIj/I,uil 1111 ddad~ .</p><p>fios do poder político e da vida doméstica. Ein suas mãos, os homens seriam</p><p>outra coisa além de marionetes?</p><p>Mas qual é, então, a natureza deste poder feminino? Ele é oculto, escon</p><p>dido, s~cre lo, encoberto pelas sO,mbras, na noite, doce ou maléfiço, é da ordem</p><p>da astúcia que envolve e surpreende. A mulher é a água que dorme, o pântano</p><p>no qual o guerreiro se .... áfunda, o silêncio que dissimula. Um mundo do mis'té- -</p><p>" (</p><p>rio, do desconhecido, angustiante, terrificante. Os homens do sêculo 19 so-</p><p>nham c~m a idéia de enclausurar as mulheres; mas ao mesmo tempo, eles se</p><p>interrogam: o que se trama 'no m~ndo das mulheres? Até mesmo <> rumor dos</p><p>lavadouros suscita inquietação. I'</p><p>Este poder das mulheres é, ao ~esmo tempo, ligado à Natureza e liga</p><p>do aos "costumes'~ A primeira ~rdem, pei'ú:nce a</p><p>imagem da força da mãe re</p><p>produtora, assustador poder de vida escondido naquele ventre fecundo, mais ·</p><p>temivel ainda se ele recusa procriar. Junta-se a ele o temor dos estranhos sabe</p><p>res da mulher feiticeira que escapam à cultura solar dos homens. Além disso,</p><p>quanto mais um grupo social está próximo da natureza, mais o poder das mu</p><p>Uleres afirma-se ali. Ass im como o Po,,:,o, selvagem e feminino - '" selvagem por</p><p>que feminino. l</p><p>?</p><p>No que se refere aos costumes, é por meio deles que as mulheres, so</p><p>bretudo as mães~ "seguram os destinos do g~nero humano': segundo Louis</p><p>Aimé Martin . l</p><p>' Os homens do século 19 apóiam-se sobre uma dupla expe</p><p>riência: a do poder dos costumes, mais,fortes do que as le is~ e contra os quais</p><p>se chocam as Vontades revolucionárias mais afirmadas, e a decisão poHtica vi</p><p>ril tropeça na socieaade civil repleta de feminilidade. A outra experiência re</p><p>side na resistência da família, na eficiência da educação, e, conseqüentemen</p><p>te, n~ tç)ln ~da de co'nsciên~ia qo p;ôder das mães. O ~~cu lo 19 acredita nas 2a</p><p>·. pacidaáes morais das mulheres; por um lado ele as exalta, como uma força de</p><p>regen~ração, uma trama de continuidade; por outro lado, cle as teme como</p><p>um bloco de inércia que freia a modernidade. Da missão civilizadora das mu-</p><p>16</p><p>17</p><p>18</p><p>266</p><p>SEGALEN. Ma rtine. Mar; et femme dans la société paysantlt~. Paris: FlammariOl1,</p><p>1980, ' ,</p><p>RANO~ Jacques. Couru·voyages au pay~ du Peuple. Paris: Seuil, 1990.</p><p>MARTIN, L. A. De. ,'édllcarion des meres de famille. 011 de la civilisarion _du'genre</p><p>illlmain par les femmes. Paris: Gosselin, 1834-</p><p>" - ' : ' ,</p><p>~</p><p>:r ,</p><p>J</p><p>1-</p><p>Cnp{tlllo 11</p><p>Poder dor /romem, forra deu nmllrtrt:"</p><p>O exemplo 110 liculo 19-</p><p>Iheres ao pesado obscurantismo tão contrário ao progresso, o século 19 fan- J</p><p>tasia I) poder feminino.</p><p>Ele lhe. confere também ur:na historicidade através do Matriarcado des</p><p>crito pelos antropÓlogos: Bachofen, Morgan, inspirando Engels. As sociedades</p><p>bárbaras eram matriarcais e matrilineares; elas'eram quietas, felizes, mas estag</p><p>nantes. A irrupção da violencia na História - a "grande derrota do sexo fem i</p><p>nino" - é também O in ic io, o progresso: A virilidade é guerreira, mas produti</p><p>va. A feminilidade é doçura lânguida: E sempre a afeminação ameaça enviscar</p><p>as sociedades. I' Esta representação reproduz a forma mais tradicional do olhar</p><p>sobre a diferença dos sexos. Mas, ao mesmo tempo; ela os projeta em um tem</p><p>po histórico ricó em evoluções possíveis.</p><p>Sobre o que repousa este temor do poder das mulheres, na família, na</p><p>história , na sociedade? Ao colocar a sexualidade no centro de sua pesquisa, a</p><p>psicanálise tenta responder a esta pergunta.</p><p>O senti.mento, tão angustiante, da ~alteridade feminina , fato funda·</p><p>mental, foi reforçado no século 19, pela própria vontade de divisã.o sexual</p><p>dos papéis, das tarefas, dos espaços, pela recusa do 'trabalho misro que leva a</p><p>uma segregação sexuàl mais viva. O distanciamento aumenta O sentimento</p><p>de estranheza.</p><p>Enfim. este medo se alimenta das conquistas femininas do século 19,</p><p>deste ilnpulso continuo que as mulheres exercem em iodos os domínios e d,?</p><p>qual o feminismo é apenas a expressão mais aguda. Segue-se uma cr ise de</p><p>identidade sexual dos homens ~despossuídos de suas prerrogativas, crise ce- .</p><p>corrente, mas que atinge. sem dúvida, um paroxismo no iníCio do século-</p><p>20.M Ela pr.ovoca uma dupla reação: de misoginia tradicional (obscenidade,</p><p>derri&ão, sarcasmo, caricatura são suas formas mais banais) e de anti-femi-</p><p>nism~ pond~ra.do. .</p><p>' Século de ruptura ede modernidade quanto à diferença dos sexos, o sé- o</p><p>culo 19 é também oséculo de seu m~l-estar.</p><p>19 GEORGOUDI, Stella. Bachofen. te ;natriarcat et le monde anlique. Réflaion sur</p><p>la création d'un mythe. in: Sloria delle. Don"elHistoire. des Fe.mmes. Sous la .direc</p><p>tion de Pauline Scbmitt-Pantel. Paris: Plon, 1991. t. 1 (Antiquité).</p><p>20 MAUGUE, Anne-Lise. L'idenlilé masculine e.n crise. Marseille: Rivages, 1987.</p><p>267</p><p>~</p><p>,</p><p>Part' J</p><p>Mull'tru "" ,Idade</p><p>LIMITAR :g CANALIZAR OS PODERES DAS</p><p>MULHERES. EXALTAR A MULHER</p><p>o ~ue fazer diante deJal força das mulheres? Ouçamos o Parsifal de</p><p>Wagner: "A salvação ~o.nsiste em exorcizar a ameaça que a mulher representa</p><p>pa~a que uma ordem dos homens triunfe)~</p><p>Duas soluções: impor silêncio às mulheres; ou bem torná-las cúmplices</p><p>dos hOlnens.exaltando a Mulher. "A Mulher é uma escrava que é preciso fre</p><p>qUentemente colocar no trono" (Balzac).</p><p>Convém limitar seus poderes, sua ascendência; ~onter sua influência;</p><p>mas tambélTl usar o imenso potencial que das representam, não somente no</p><p>domínio doméstico; mas cada vez mais no social, pela filantropia, e depois, pelo</p><p>trabalho social. Dai todo um arsenal, juridico, educativo, e umaorg~zação ra</p><p>cional da sociedade do qual a teoria das esferas (pública/privada) é \lma das for</p><p>mas mais el aborada~, Nestas soti~dades em vias de demoçratização, não é mais</p><p>possível usar somente da violência (ainda que as mulheres continuem a ser um</p><p>alvo privilegiado da violência);21 entre os homens e as mulheres, um novo equi</p><p>líbrio dos poderes se instaura. Por meio de quais discursos, de quais práticas se</p><p>operam estas novas partilhas, esboçam-se estas fronteiras diferentes? São neces</p><p>sárias .ainda muitas pesquisas de detalhe, até mesmo de micro-história (qllal é,</p><p>por exemplo, o novo papel do Salão, cada vez mais feminizado .no século 19 e,</p><p>ao que parec~.t. despolitizado?) para chegar a um'a visão de conju~to. .</p><p>Não se pode dizer que a divisão sexual dos papéiS, das tarefas e dos es</p><p>paços esteja veédadeiramente teorizadíl. O pensamento filosófico da diferença"</p><p>dos sexos é rela~ivamen te. pobre;ll e o ctisc'urso erudito se aproxima, sobre este</p><p>ponto, do discurso popuJar. Ambos repetern ql;1e existem, em suma, duas "es</p><p>pécies" dotadas de qualidades diferentes e de aptidões particulares. Os homens</p><p>/21 SOHN. Anne-M.uie. Les attentats ~ la pudcur sur les fillettes tt la sexualiti quotidi</p><p>emlf! ell France (1870-1939). ln: Mentalités. Paris: lmago, 1989. n. 3: Violences sex-</p><p>• ueUes. p. 71 -113; de LOUIS. Mari~-Victoire. Le droit de cuissnge en France (111 ~</p><p>sikle. Paris: L'Atelier, 1995.</p><p>22 Cf. os estudos de Genevi~~e Praisse e FrnnÇfise..~l1in. Histoire d~ Ftmmts, op. cit. ,</p><p>t. IV e V; LE DEUFF, Mich~le. L'étude et It rouet. Paris: Seuil, 1989. t. . - I</p><p>. i</p><p>268</p><p>,</p><p>,</p><p>,</p><p>I</p><p>!</p><p>Cupl1U11I lJ</p><p>PoMr tlllslfOmtll.l, fll'flJ das mllU~tr</p><p>O ClttlllpW tio Jkuw J9</p><p>estão do lado da razão e da inteligênda que fundam a cultura; a eles cabe a de</p><p>cisão, a ação e, conseqO'cnternente, a esfeu pública. A$ mulheres se enraízam</p><p>na Natureza; elas têm o coração. a sensibilidade, a fraqueza também. A sombra</p><p>da casa lhes pertç.nce. f: O que dizem - à maneira dos Antigos - os maiores _</p><p>Hegel, Fichte ou Cornte - e, num tom mais alto, o coro barulhento dos epígo</p><p>nos. Marca de um século 19 mwto medi~jzado: a referência ao biológico. As</p><p>mulheres são doentes em seus corpos, em sua matriz, em seú cérebro, cuja prÓ</p><p>pria estrutura as exclui da criação. Estas afirmações são retomadas pelos orga</p><p>'nizadores da sociedade: políticos como Guizot, escritores ~omo Ruskin ..</p><p>, A direção da Cidade s6 pode ser masculina, e, conseqüentemente, a po-</p><p>- lítica, A Revolução Francesa reconhece a mulher civil, mas não a cidadã. Ao ex</p><p>cluir as mulheres das novas formas de representação, ela provoca, em certos (3- '</p><p>sos, uma regressão de $ua situação em relação às sociedades do Antigo Regime. lJ</p><p>O privado, do qual os homens continuam a ser os senhores em última</p><p>instância, é, no entanto. deixado mais para as mulheres, cujo papel doméstico</p><p>.g.familia: se vê revalorizado e até mesmo exaltado. O século 19 não nega o va</p><p>lor das mulheres, bem ao contrário; 'apeJa-se para suas qualidades específicas</p><p>no interesse de todos. Na segunda metade do século, sobretudo. elas são exor</p><p>tadas a exercer seu poder fora de casa: a controlar os bons costumes e as desi</p><p>guãldades por meio da filantropia, gestão privada da "questão so~ial", Certos</p><p>setores lhes são destinados: as crianças. os doéntes, os pobres.,. Elas serão ,!-s __</p><p>pioreiras do trabalho social. A casa burguesa não é nem um barém nem um</p><p>ginecf1u. Ela se abre para o mundo. E é .conveniente sair. dela.</p><p>A separação das esferas é muito mais sutil do que pareCI;. Não SOmente</p><p>, exclusão, enclausura'mento. fechamento; mas também distinção, utilização, li</p><p>. mites. Por outro lado, não há adequação 'entre os sexds e as esferas, Nem todo</p><p>o público é mascUlino, ou o privado ~ feminino. A,espacialização' faz fortemen</p><p>te o seu papel, no entanto, ela não comanda tudo. O exercício do poder não se</p><p>reduz evidentemente a uma geografia,</p><p>23 FAUAA'christine. La dimocrotie sans It:s femmes. Essni sur le libiralismt: t:1I Filmei .</p><p>Paris: PUF, 1985; FRAlSSE, Genevieve. Muse dt: la RaUou. LA dimocmlie exclusivt:</p><p>ou la diffirenct: des sues. MarseiLle: Alinéa. 1989.,</p><p>"</p><p>-. 269</p><p>I</p><p>I</p><p>I</p><p>I</p><p>i ,</p><p>I·' ,</p><p>~</p><p>Pllrte J</p><p>Mu/ITerd na cidtlrle</p><p>A lei, expressão de um poder patriarcal cada vez mais condenado à con</p><p>cessão, faz do Direito urn terreno maior de afrontamento dós sexos. No inicip</p><p>do século 19, após as turbulênciàs e as modificações da Revolução, os Códigos,</p><p>em toda a Europa, de"finem a ordem civil e cívica. Recusan do a mulher ávica,·</p><p>a Revolução Fran cesa reconhecera a existência de uma .... !l1u1her civil que pode</p><p>herdar, contratar, casat;se livremente (casamento ;:;:; c~ntrato civil), divorciar</p><p>se. O Código Cle Napoleão col6ca restrições em toda a parte, a tal ponto que</p><p>para certas questões e par~ certas categorias sociais)o,..o Antigo Regime eca me</p><p>lhor.l~ B sobretudo o casamento 9ue faz a diferença. A mulher solteira é uma</p><p>"mulher maior" que dis'põe de direitos iguais. A mulher casada é uma menor,</p><p>submissa a s~u marido até no segredo de sua correspondência. Se ela trabalha}</p><p>ela não recebe nem mesmõ o seu salário.-E a··lei de 1907 que, na Fran ça, reco</p><p>nhece enfim este seu 4ireito tom a como argumento a sallde da economia do- ,</p><p>' méstica e o cuidado dos filhos, que, ao"menos, poderão se beneficiar do salá</p><p>rio de sua mãe, no caso de incúria do pai. Segundo o C6digç, Civil , a ord~m .</p><p>pública repousa sobre o "bom cidadqo': a ordem doméstica, sobre "o bom es</p><p>poso, ° bom pai': de que nos fala Portalis. Ao proib'i/o divórcio, a maioria dos</p><p>Restauradores Cna França, léi Bonald de 1816) agr~va ainda a suj~ição femini</p><p>na. Nestas condições, compreend~-se a dimensão jurídica do feminismo: nos</p><p>sos "direitos': Dizem as mulheres.</p><p>I ' Outros tipos delimites: o acesso ao trab~lho assalariado, submetido, na</p><p>prática, às vezes no ~1ireito (sobretudo nos países germânicos) à condição p,a</p><p>trir~lOnial e ao-poder do pai. Na Alemanha, por ext:mplo, o celibato é exigido</p><p>no ensino. Vastos campos profissionais são praticamente proibidos às mulhe</p><p>res . Saber o que elas podem fazer é, aliás, Um debate da econom i ~ política que</p><p>constr6i, através de seú discurso,_ a noção de " trab~dhos" femininos, de "profi,s-</p><p>'_sões" femininas, que se baseiam em supostas '.<qualidades inatas", dissimulan</p><p>do. de' fatb~' aptidões' adquir~das.n</p><p>I' (</p><p>~4 Ponto polêmico: cf. Centre: Georges Pompidou/Centre de Recherches</p><p>lnterdiscipli'naires de VaucreSson. La ràmilfe, la Loi; rEtat. De la Révolutiofl mi Code</p><p>Óyi!. Testes réunis et présentés par lrene Thery et Christi3n Biet, P3,-is: lrnprimerie</p><p>-Nãtionale. 1989. '</p><p>25 J030 W. Scott,, '~La tr3vailleuse", t. IV (~cul~ XIX) da Storia delle Domle/Hütoire des</p><p>Fe~"lIIes, estuda particulamlente como o d!scurso da economia poUtica constrói a</p><p>noção de "trabalhq feminino" e COl)10 a dir isão sexual, ~o trabal~o é inici;.llmente</p><p>umyefeito de linguag~m.: Paris: Plon. 1991, p. 419-422. ' '''-</p><p>" '1</p><p>270</p><p>..</p><p>I</p><p>I</p><p>Ctlp(flllo 1/</p><p>Podu dOI Jlllltlem, força das lIlulhenJl</p><p>O rJCtmplo do sklllo 19 .</p><p>O âcesso à escrita, domínio sagrado, é também uma zona de an-onta</p><p>mentos e de controvérsias . Se não é mais possível "proibir q\!e as mulheres</p><p>'aprendam a ler e a escrever", como desejava Sylvain Maréchal, em um projeto ,</p><p>de lei apenas ~l1aginá~io/f> ao menos pode-se i solá-l~s em modos de escrita~</p><p>privada Cá correspondência familiar, por exemplo) e formas públicas especifi</p><p>cas (obras de educação). A «mulher autora': esta "pre'tensa literata" qetestada,</p><p>atra i para ~ i todos os sarcasmos.v Uma mulher que escreve, e sobretudo que</p><p>publica. é uma f!1ulher desnaturada que prefere abrigar-s~ sob um pseudôni</p><p>mo masculmo. Seu sucesso provoca escândalo: ele é depreciado. Vejamos</p><p>George Sand e seus "romances rústicos", Relegados à prateleira da Biblioteca</p><p>",' ,</p><p>Verde para adolescentes (La Petite Fadette, La mare all Diable), eles fizeram es""</p><p>~uecer a obra niultifonhe de unla escritora imens~, que redescobrimos apenas</p><p>nos dias de hoje.</p><p>Os limit~s ao que as mulheres podem fazer não são somen~e de ordetp</p><p>jurídica, evi?entemente. Eles repousam sobre 'a, opinião pública, amplamente</p><p>modelada pelo sexo dominante, vigilante en:t ~efinir A Mulher-como,-deve~ser</p><p>(A Mulher corume-il-faut). ,O interesse do sé~ulo 19, sua moderi'lidade, é que</p><p>estes limites mudaram:-</p><p>Fazer mulheres adaptadas a suas tarefas Un; turais" - esposas, mães, do</p><p>nas-de-casa - é o papel de uma educação que continuou por muito tempo pri</p><p>vada. questão familiar e maternal, questão das Igrejas. A instrução propria:"</p><p>mente dita ocupa inicialmente, e por muito tempo, um lugar Il'ienor, ao lado</p><p>das práticas 'domésticas, morais e caritativas. Os vínculos entre mulheres e re</p><p>ligíão são antigos, poderosos, ambivalentes. Sujeição e liberação, opressão e</p><p>poder estão ali imbricados de maneira quase indiss·olúvel. Os primeiros te>..'tos</p><p>- a primeira tomadá da palavra das mulheres na hist6ria ocidental - pIovê~1</p><p>das mártires ~ristãs: 'como a carta de Santa Perpétua que ence,rra o primeiro</p><p>volume da Storia ... delIe DontJe.i• Se sua voz infla-se na Idade Média, ê graçafl às</p><p>2,6 ,FRAISSE, Genevieve, Muse de la Raisotl. La détllocmtie exclusive ou la différence des</p><p>sexes, Marseille: A1inéa, 1989, eStuda longamente esta história. '</p><p>27 PLANT~ Christine.LA petite soellr de Balzac. Essa; sur lafemllle alllellr au)([)(t sie</p><p>c1e, Paris: $euil. 1989.</p><p>1</p><p>28 T. I. L'arrtiquité. Sous la direction de Pauline Schmitt-Panel. Roma: Laterza, 1990;</p><p>..Paris: Plon, 1991. -</p><p>271</p><p>)</p><p>PAr1C J</p><p>MIIUleft:l ti .. cidade</p><p>Ordens e aos convent~s.u Eles não abrigam apenas a sua resignação e sua fugai</p><p>eles lhes conferem poder, encarnado em fortes figuras de santas ou de abades-</p><p>sas. A Igreja trabalha pela proteção das solitárias e dás viúvas, pelo reconheci</p><p>mento da dignidade fe~inina, pela necessidade do consentimento no casa- , ' ,"</p><p>menta de uma mulher)ndividualiza-da. Tudo isto não poderia ser su~estima-.</p><p>do. Mesmo no séculá 19, em que a religião tende para O lado da submissão das</p><p>mulheres, as coisas são complexas, com muitas nuanças e diferenças segundo _</p><p>os credos, ricos em modelos educativos variado~ :</p><p>\. Entre os católicos inflexíveis contra o plUndo moderno, o chalnado</p><p>constante das· mulheres para seus deveres de guardiãs da ordem patriarcal é o :</p><p>mais forte. Às mulheres devem renunciar, obedecer e consentir a sua própria</p><p>sujeição. N~ entanto, a exaltação. da diferença, do feminino (figura da Virgem</p><p>Maria) pôde alimentar uma for te consciência de gênero e, com isso, um. femi</p><p>nismo cr-istão, às ve~s missionário ~ combativo, base-;do na promÇ>ção elos va:"</p><p>la res femininos como forma de· salvação.)!) .</p><p>O protestantismo oferece mai~ brechás. Sua concepção da diferenç~ do's</p><p>sexos é profundamente diferente .... Por' exemplo, em, nome da Bíblia, ~le faVO!~</p><p>ceu " alfabetização ·das men'inas mais precocemente do que nos países católl-</p><p>. coso Os Reyjya/s (Alvoradas), tanto na América quanto n~ Grã-Bretanha, fo</p><p>r,aro muito propícios à influência das mulheres devotas. De uma certa manei-</p><p>o , o</p><p>ca, as mulheres de pastores participa'm</p><p>do ministérioi em pleno florescimento • .</p><p>as diaconisas Jambém. A i'nfluência das protestantes no desenyolvimento de</p><p>numerosos mevimentos feministas (sobretudo os que lutam contra a'prosti-..</p><p>tuição) foi considel:ável. ,--</p><p>Na França, o protestantismo, sustentáculo da República~ contribuiu for- "</p><p>temente para o estabelecimento de um modelo laico que não pode ser visto</p><p>como á simples recondução de modelos religiosos nem como o equivalen te da</p><p>libef~ção feminina. A e'sco) ~ laica permitia às menipas reais po.ssibillçlades de</p><p>I '</p><p>~</p><p>29 Daniê:le ~égnier-B.ohler, Voix de femmes, no 1. U (Idade Média)' da Staria delle</p><p>D'cmne/Histoire des Femmes, Roma: [s.n.). 1990; Paris: Plon, 1991. Organizado por</p><p>Christiane Klapisch-Zuber. " '</p><p>.. 30 SMITH, Bonpie G. 111C ladi~s of th~ Lei4ure 'Class, TlJe Bourg~o.iSes of NortlJelí1l</p><p>Fr~.Jlie in theXlxr" century. Prmceton: Pri llteton University Press. 198 1; tr. fr. Paris:</p><p>Perrin, 19890 I o.</p><p>'o</p><p>'"</p><p>o'</p><p>272</p><p>"</p><p>o,</p><p>r</p><p>o,</p><p>,</p><p>,</p><p>(</p><p>c .."rtllJlI JI</p><p>Podu d OI homttll. forf" dtu mul/,eres? .</p><p>o enmplo do IkIlJo 19</p><p>. integração, apesar de._um ensil!o. não misto reafirmado sem cessar, para man</p><p>ter as diferenças. Ela substitUía ""3 religião pela mor~l , de maneira-constrange-</p><p>o "-</p><p>dora. Mas ela contribuía também para a consciência..crescente da impoitânciã</p><p>d:as mu.lheres. Ainda que yalles escreves; e: "Esta Universida.de! - Ela é tão ca~</p><p>·rola ,9,uanto a Igreja, e mais covarde! Prisão por prisãq, prefuo o convento io</p><p>liceu ~11fa meilinas;·Professores por professores, gosto mais,das religiosas ·tta-.</p><p>dicionais do que as peonas envifldas pelo ministério'~3 1 Um espaço de indepen</p><p>·dência - ou até de liberdade - era, sem dúvida, aber to às mulheres. Professo</p><p>.. ras primá;ias e ;ecundárias forneceriam um gqmde'número de pioneiras do</p><p>femmismo.J!</p><p>As relaç?es entre relig.iões, laicidade e relações entre os sexos são, em</p><p>todo caso, um grande tema de reflexão e de pesquisa.</p><p>AS MULHERES: EXERCI CIO .a CONQUISTA</p><p>DOS PQDERES</p><p>J</p><p>Em uma sociedade globalmente dominada pelo poder masculino, as</p><p>-mulheres exerceram, en.tr~tanto, todo o podei p9ssível. As mulheres do século</p><p>19 - e provavelmente em todos os te~pos - não foram soment~ vitimas ou su~</p><p>jeitos passivos. qiilizando os espaços e as tarefas que lhes eram ·deixados o·u</p><p>confiados. elas claboraram; às vezes, contrap9deres que po<,iiam subverter os</p><p>papéis apArentes. Há abunda~tes irragens de mulheres resplandecentes, de</p><p>avós reinando sobre sua linhagem, de mães "abusivas", de donas-de-casa áuto</p><p>ritárias que dirigem seus empregados, donas-de~casa populares que os homens</p><p>chamam de "a burguesa" porque eles lhe~ entregam seu pagamet:lto e elas con</p><p>trolam seus lazeres, mulheres cotidianas ou excepcionais que investem SO,~re a</p><p>vida diária ou o social. 0 , reforço da image1n da mãe e de seus poderes domés-</p><p>o o I</p><p>, o</p><p>31 Jules Vallê:s, 1e Révcil, 24 novo 1881 . reproduzido e~ CEuvres. Sous la directiori de</p><p>Roger BeBet. Paris: Pléiade, 1989. t. n, p. 727~731 (a respeito da lei Camille Sé.e</p><p>organizando os liceus de meninas e o ensino secundário feminino). .</p><p>32 Cf. estudo recente de MARGADANT, Jo ~urr. Madame le Pr~fesseur. Womcn</p><p>Educators in, ·the Third 'Re/JUblie. Princétoo: Princeton University Press. 1990;</p><p>OZ6UF, Jacques et Mona. La Rép",blique des institutCII;.s, Paris: EHESS, .1992.</p><p>,.</p><p>273</p><p>•</p><p>~</p><p>-\</p><p>Parte J</p><p>MulhueJ lia cidadc</p><p>ticos é um dos temas do antifeminismo do inicio do século 20. "As Mães!", es</p><p>creve André Breton; "Encontr'!mos o horror de Fausto, somos tom"!-dos, como</p><p>, ele, por uma c0Il1:0ção elétrica unicamente com o som destas síJabas nas quais</p><p>se ~sc~ndem -as poderosas de~sas que escapam ao tempo e ao lugar".)) ~as</p><p>como distinguir o que constitui justamente fantasia masculina, medo da mu-</p><p>/' dança, mutação real?..... . - ,</p><p>. As observ~ções que se seguem não dão nenhuma resposta mas procu-, ..</p><p>ram esboçar um programa.</p><p>A organização do cotidiaDo continua a ser o grande teatro da vida das</p><p>mulheres e a base de seu poder, o local de seu trabalho, de seus sofrimentos,</p><p>mas também de seus.. prazeres. Elas encontram ali compensações cuja nature</p><p>za deve ser questionada . . Pois se a massa das. mulheres consente em seu papel,</p><p>encontra nele justificativa e freqüentemente felicidade, sentido de sua existên</p><p>cia e até mesmo sentin~ento de superioridade em relação às independe~tes que</p><p>recusam a sujeição ao casan1ento, o destino _mais comum (90% das mulheres</p><p>e"ainda mais dos homens cas~m'l'se~l)o sé~u lo 19), não é unicamente pela fo~</p><p>ça das coisas.jAo menos, esta força da~ coisas reveste-se, nas socie4a~e mais de- .</p><p>mocráticas do século 19, de formas mais doéês e mais sutis. '</p><p>À maneira de Baudrihard,~ seria necessário fazer a história dos prazeres</p><p>e das servidões da sedução: a galantaria, a coqueteria, a recusa e o dom de si· nas</p><p>relações entre os sexoSi o papel do corpo e das aparências nas estratégias de ca</p><p>,sarnento em que a beleza faz cada vez mai; parte dos termos da trocaj o poder</p><p>sexual das mulheres no casal. Fazer a história dos poderes do amor e no amor.</p><p>O exerdcio do poder doméstico, do qual Frédéric Le Play foi um dos pri--</p><p>, meiros observadores em ~uas famosas' monografias de fumilia, ~ol o objeto de</p><p>nUfl:1erosos trabalhos que seria preciso recolocar em perspectiva sob o' ângujo~_</p><p>. _ das relações de poder. Yvonne Verdier e Martine Segalen estudarám as campo</p><p>nesa~l; Arlne Martin-Fugier, Genevieve Fraisse, Bonnie Smith sobretudo (pára ~.:..</p><p>lar apenas da França) acompanharam as donas-de-casa burgue~si eu me inte.:</p><p>res/ei pelas donas-de-casa populares." Ver 'como as mUlheres tomam posse do</p><p>33 Histoire de ·la yje privée. t. IV: Século XIX, dtad<! p. l 55.</p><p>34 J. B~'udrillar~, De la séductiorl. _ 1_</p><p>35 Além das publicações já citadas de M. ~egal~n e Bonnie Smith, lcf. MARTIN</p><p>FlJGIER, Anne. Lp Bourgeoise. Fel1lllle arl temps de PtIUI Botlrget .. Paris: Crasset, ......</p><p>, -</p><p>·v·</p><p>274</p><p>.. . ,</p><p>\</p><p>.~ I</p><p>,</p><p>,</p><p>-'</p><p>I</p><p>Capllulo J 1.</p><p>Pode,. dOI homcus.j<>rça das mullrc''Cl r</p><p>O exemplo do J«lIlo 19</p><p>'espaço da casa, da rua ou da vizinhança, como elas mantêm ali redes de solida</p><p>riedade que excedem amplamente a família, para estruturar às vezes o vilarejo</p><p>ou o bairro, como elas organizam o"{cmpo do trabalho doméstico, tanto sobre</p><p>carregado q~anto .frouxo, que pode lhes deixar liberdades, sempre wn pouco</p><p>furtivas: a leitura, por exemplo, flgura por muito tempo como um gozo rouba</p><p>do. Tais pesquisas esclarecem as modalidades do poder cotidiano das mulheres.:'6</p><p>Essencial, a gestão econômif.a do lar, a relação com o dinheiro e, conse</p><p>qüentemente, nos lares populares, cpm o pagamento. As burguesas gerem o - .</p><p>que o seu marido lhes dá para o funcionamento da casa cuja contabilidade lhes</p><p>é atribuída. As mulheres do povo, ao menos n(l França, exigem e geralmente</p><p>obtêJ.TI que seus esposos lhes confiem seus sa~ários, sem muito desconto, no dia</p><p>do pagamento, dia pe alegria mas também de conflito nos bairros operários;</p><p>elas lhes devolvem a ~e~ada que lh~ é necessária. Ao menos, este $eri~ um</p><p>ideal, longe de ser respeitad~ e, de quaJquer maneira, cheio de conflitos. No en-</p><p>- . tanto; esle poder de Uministro das finanças" - as donas-de-casa são chamadas</p><p>. assim - é menos brilhante do ·que parece. Responsáveis pelo ' orçamellto. as</p><p>lnulher!~ també~ são culpadas por 'ele; ~m caso de restrições, as privações as</p><p>atingem em primeiro lugar. Elas são fr'eqüentemente subnutridas. Ao contrá</p><p>rio, quando tudo vai bem, elas se empanturram e engordam. A relação das mu</p><p>lheres com a comida é assim atravessada por relações de poder.</p><p>. Na área dOf!1éstica, as mulheres - a~ esposas sobretudo -= exercem pode</p><p>reS, delegados e compensadore§, sobre seus subordinados: ascendentes, geral</p><p>'mente maltratados, filhos repreendidos, empregadas domésticas, mulheres go</p><p>veJ;nadas por outras mulber;es, O que coloca de maneira ruidosa a relação</p><p>sexo/classe. No caso de família ampliada--e de coabitação das</p><p>gerações, rn'uito</p><p>praticada ainda em certas zonas rurais, a autoridade das sogras .sobre seus gen</p><p>ros é gerall'hente inflexível. Assim se reconstroem bjerarquias, .pirâmides orlde</p><p>o poder patriarcal, sobredeterrninante, aparece, no entanto, como diluído, ex~</p><p>terior, longínquo. ~</p><p>1983; FRAlSSE, Gencviêve. Femmes toutes mains. Essai sur le service domestique.</p><p>Pnr'is: Seuil, 1989; Michelle Perrot, Histoire de la vie privée, t. IV, p. l43-J46 e diver</p><p>sos artigos.</p><p>36 Encontraremos uma notável análise das relações masculinas-femininas no mundo</p><p>operário contempor~neo em SCHWARTZ. Olivier. te Monde privé. des ouvriers.</p><p>Hom/!Ics ef femmes du.Nord .. Paris: PUF, 1990.</p><p>- -. 275</p><p>.'</p><p>Ptlrlc J</p><p>Mulhtrn IUI titltJd,:</p><p>Tem-se o costume de opora artimanha feminina à violência masculina.</p><p>Provavelmente se,ria necessário d~sconstruir a parte de estereótipo nestes dois</p><p>aspectos. A violência física e sexual exercida sobre as mulheres é, certamente,'</p><p>cada vez mais reprovada no século 19j menos, no entanto, do que a violência</p><p>'Sobre as crianças, para as quais .se esboça Uln3 proteção legal (na França, leis</p><p>de 1889 sobre a perãa' do poder pate,rnQ ,e de 1898 sobre as crianças maltrata</p><p>das). Um silêncio cúmplice envolve as mulheres agredidas (sobretudo nos</p><p>meios populn.res, mas não somente). violadas, violentadas. Os pedidos de se</p><p>paração de corpos (em 80% de origem feminina) e de divórcio (quando ele é</p><p>legai: na França, entre 179 1 e 1816 ~ 'desde 1884) alegam, no entanto, majori</p><p>tariamente as sevícias corporais, Uma reflexão sobre o poder não poderia eco</p><p>nomizar pesquisas sobre as mulheres vitimas cujo corpo dolorido é a exata an-</p><p>títese do corpo glorioso e etéreo da Musa e da Madona." '</p><p>I -,</p><p>A constituição de uma esfera privada autônoma foi uma outra tática.</p><p>Eln uma carta a Madame Swetchine (1856), TocquevilJe deplorava que</p><p>a educação, e sobretudo a religião, ; tenham contribuído p~ra enclausurar as</p><p>,mulheres de seu tempo unicamente I)a esfera privada:</p><p>Vejo um grande número de mulheres que t~m mil virtudes privadas nas ql.Jais</p><p>a ação direta e benfazeja da religião se deix3 perceber. Que, graças a elas, são espo</p><p>sas muito fiéis, excelentes mães, que se most.ram justas e indulgentes com seus em·</p><p>pregados, cariêlosas com os pobres, .. Mas quanto a esta parte dos deveres que se re·</p><p>fere à vida pública, elas não parecem ler a' mesma idéia . Não somente elas nllo as</p><p>praticam pará:si mesmas, o que é bastante natural, mas elas não parecem nem mes·</p><p>mo ter o pensamento de inculcá-Ias àqueles sobre qúem elas têm uma inAuência, t </p><p>uma face ... da educaçã~ que lhes é invislvel.M •</p><p>Muitas ~ulh~es ratificam, de fala, sua exclusão por seu desinteresst ou</p><p>pela , &esv~íorização das questões ijúblicas e da políticai a preocupação dos bo-'</p><p>mens, desinteressante, até mesmo fútil , não é para as mulheres.</p><p>37 Além dos estudos de A, M, $ohn e de M. V.:Loois. citados cf. CLAVERlE, tlisabeth:</p><p>lAMAlSON. Pierre. L'/",possiblt m!,ria$t.~Violt;"e tI parenté en Gbaudan. Paris:</p><p>Hachette, 1982. . 1-' . .</p><p>38 (Ellvres completes de Tocqu.c-~ille. Sous la'· direction de Pierre Gibert. Pâris:</p><p>Gallimard, 1983. t. XV, p, 292 (carta ~e IO je novembro de 1856),</p><p>" ,</p><p>276 "</p><p>'-</p><p>• i</p><p>.(</p><p>j</p><p>,</p><p>/</p><p>-,</p><p>C~p("4 '~ II</p><p>Pcdtr do. ha.J1lt.nlofotr~ dQJ nllln'n'Uf</p><p>O eumplo do mula 19</p><p>Elas investiram todas as suas energias na construção de wna esfera pri</p><p>, vada, autÔnoma, geralmente àlegre, que dava coerência à sua ,vida, que elas eri</p><p>giam em wn sistema de valores, até mesmo em uma verdadeua.mfstica femini</p><p>na e fundamento de úma cultura feminina e de uma "consciência de gênero~")t</p><p>Com isso, elas edificaram um poder social muitas vezes conquistador e</p><p>asswnuam uma missão morá1 da qual a filantropia foi a forma ma~s corrente. ..</p><p>No sentido inverso', o exercido da mantropia as iniciava às questões da Cida</p><p>de. Nos Estados Unidos, assim çomo na Grã-Bretanha, as matronas e damas de ,</p><p>caridade das décadas de 1830-1840 fo,ram.freqüentemente as miles das femi-</p><p>nistas da geração seguinte.</p><p>Hav:ia aí uma forma de femin1sll)0 menos preocupado em reivindicar a</p><p>igualdade com os homens, vistos às vezes COm uma certa pena condescenden~</p><p>te, do que em promover uma óutra visão do mundo,·apoiada n~s ideais femi</p><p>ninos{quase uma alternativa, critico da sociedade tal como os homens a fize</p><p>ram.40 Isto podia chegar até a uma cultura .separatista, ao sonho de um' univer</p><p>so feminino sem os homens, que encontram.os em diversos palses, particular</p><p>,mente na Alemanha. O poder feminino como contrapoder e como poder mo_ o</p><p>delo, Ao mulheres como fermento de regeneração da humanidade. Não há</p><p>nada.Q.e espantoso no fato de que tal modelo tenha raizes e influências forte</p><p>.mente religiosas,</p><p>, Enf~, last but ,10t [east, é toda a história das lutas feministas pela igual</p><p>dade dos dois sexos, tornadas possíveis pelas contradições da Revolução Fran</p><p>cesa e da democracia nascente (mas excludellte): história imensa, relativamen</p><p>te pem conhecída, devido à multiplicação dos trabalhos"1.Seria prtciso reler</p><p>"</p><p>':\ 39 Entre os estudos e;c:emplares, o de Bonnie Smith, já citado, de corr, Nancy. n,e</p><p>Bonds of Womattllood. \1'oman's Sphere in New Englalld, 1780-1835. New Haven:</p><p>,Yale University Press, 1977; VARfKAS, Eleni. 'La Rtvolte des dames. Genbe d'une</p><p>cotlscience féministe dans la Grece duJUXt siecle. These (Doctorat), Paris V1I, 1982.</p><p>40 ~ muito senslvel no feminismo saint·simonista, por exemplo: cf. RIOT.SAR~EY,</p><p>Mjeh!le. ParcoJlrs de femmts dam I'apprentis.sage de la dbllocratit (1830· 1870) . .</p><p>Désirée Gay. !ean;ft Deroi", Eugénie Niboyet. The5e de l'Université -de Paris I, 1990,</p><p>41 Vis10 de conjunto no"'t. IV da Storia delle Donne/Histoirt des Femmes. por Anne</p><p>Mar ie K!ippelli, Scenes fémitfis re$; citemos também KLEIMAN, Laurenct;</p><p>ROÇHEFORT, Florenee. L'Sgalité en marche. Histo;re du fbnini$me $O IlS la</p><p>Trois;eme Rt!publique. Paris: Fondation nationale des Sciences PoÚti<fues/~itions</p><p>des Femmes, 1989. .</p><p>277</p><p>li</p><p>cI</p><p>II</p><p>[, '.</p><p>• 1'</p><p>Pllrtc J</p><p>MulllcrN 1111 cillndc</p><p>es ta história sob o ângulo do(dos) poder(es). Que poderes reivindicam as mu</p><p>lheres? Que concepções elas têm da pol.ítica, ~sobret\ldo? Porque há ~nanirni</p><p>dade sobre os ~ireitos civis, em 'matéria de educaçao e até me~mo de trabalho,</p><p>e divergências sobre os direitos cívicos? Como compreender - por exemplo</p><p>o conflito que opõe as feministas de 1848 ~ como Eugénie Niboyet, Jeanne De</p><p>roin, Désirée Gay - a George: Sand, grande figura de mulher emancipada, que</p><p>faz da igualdade civil o preâmbulo absoluto para a jgualdade poütica: "As mu</p><p>lheres devem participar um dia ga vida polít.ica? Sim, acre~ito que sirp [ ... ]Mas</p><p>este dia está próximo? Acredito.que não, e para que a condição das mulheres</p><p>seja assim transfonnada, é preciso que a sociedade seja transformada radical</p><p>mente", De~e-se fazer os escravos votar? Ma~ as mulheres são escravas? Juridi</p><p>cam ente sim, socialmente, não:</p><p>Como os costumes chegaram a este ponto em que a mulher reina no maior nú</p><p>mero de famílias, e que há abuso (festa autoridade conquistada pela habilidade, pela</p><p>tenacidade e pela astúcia, não há nada a temer que a lei se encontre à frente dos cos</p><p>tlnnes. Ao contrário. para mim. ela se encontra atrasada em rela}ão a eles. U , -</p><p>Então? Recoloca~ os relógios' na hora e agir por etapas: esta é a posição</p><p>de Sand, ilustrando um do~ grandes debates do século'sobre a força e o poder</p><p>dos dois sexos.</p><p>A modernidade do século '19 foi ter colocado estes problemas que, de</p><p>certa maneira, ainda são os n.9ssos, nos djas de hoje.</p><p>r</p><p>I</p><p>42 G~rge Sand, Á propos de la fetllme dam la société politique. LeNTe tUa membres du</p><p>Comité central, em 1848, Souven;rs et idéd( , ,</p><p>. , ,</p><p>278</p><p>. I</p><p>,</p><p>CapItulo 12</p><p>j</p><p>SAIR*</p><p>"Uma mulher não deve sair do ((rculo estreito traçado em torno dela",</p><p>• diz Marie-Reine Guindorf, operária saint-simo.nista , obstinada em quebrar</p><p>este cerco e qu~ se suicidará com seu fracasso,~l Os homens</p><p>~o século 1~ eu</p><p>ropeu tentaram, de filto, isolar a força crescente das mu.llieres, tão fortemente</p><p>sentida na era das Luzes e nas Revoluções, cujas infelicidades lhes seriam mui</p><p>tas vezes atribuídas. não somente enclausurando-as em casa, e excluindo-as ,</p><p>de certos domínios de atividade - a criação literária e artística, a produção in</p><p>dustrial e as trocas, a política e a hlst6da - mas também, e ainda mais. cana</p><p>)izando sua energia para D doméstico revalorizado, e até mesmo para O socia!</p><p>domesticado. A teoria das "esferas", de que Ruskin se faz o intérprete (O!</p><p>Queen's Gardens, 1864L é uma maneira de pensar a divisão sexual do mundo ,</p><p>e de organizar racionalmente, na harmoniosa complementaridbde dos papéis,</p><p>das tarefas e dos espaços, reconciliando assim a vocação "natural" cOm a uti</p><p>lidade social.</p><p>As-mulheres souberam apossar-s~ dos espaços que lhes eram deixados</p><p>ou ccinfiados , 'para desenvolver sua inAuência junto às portas do poder. Elas</p><p>\ enconlraram ali os contornos de uma cultura, matriz de uma "consdênci., de</p><p>,. Sortir. In: Histoire des femmes en O«ident. Sous la dir«tion de G. Duby et M.</p><p>PerroL Paris: Plon, 1991-l992. t. IV: Le XIXe sikle, p. 467-494 .</p><p>43 La Tribune des Fcmmcs, 2° ano, apud RJOT-SARCEY, Michêle. ParcouN de femmes '</p><p>dans l'apprentissage de la d~mocratie. Th~se, Paris I, 1990. . \</p><p>279</p><p>PllTt, J</p><p>Mulll~rts 1111 cidildc</p><p>este sucesso a pec~urba. E 'como Emma ~oldman , ela se lança na peregrinação</p><p>militante e oratória. Sua família, sobretudo sua mãe, jnquieta-se com suas ex-,</p><p>cursões em bairros distantes e suas voltas para casa muito tardias.IA cidade, a</p><p>noite não são para as jovet;s mulheres. Ela adquire uma reputação por' sua fa</p><p>dl.idade oratória, tão .excepcional que os operários se interrogam sobre sua</p><p>identidade. Os mü~eiros de Styrie a véem como uma arquiduquesai os tecelães</p><p>dizem que ela é provavelmente um homem fantasiado de mulher: "Pois so-</p><p>mente os bonie~s sabem falar assim'~ ~ :.</p><p>Bem entendido, pode:se perguntar: por que este desejo de palavra públi</p><p>ca? Por que esta vontade de s,ublr à tribuna para se dirigir aos outros? Por 'que</p><p>preferir a arte oratória à arte dã conversa, à troca, ao jogo mais igualitário .da</p><p>palavrã privada? P):ovavelmente, existe aí.~ triunfo de uma concepção masculi</p><p>na, e assimilacionista, em ,detrimento de uma via alternativa fia ~ociabilidade.</p><p>Talvez: Mas o uso da palavra pública significa outra coisa. Ele é símbolo do po</p><p>der.e forma o acesso à 'esfera pública da 'qual as mulheres são e..xcluidas, segun</p><p>do consta, devido à sua voz fraca, rouca, aguda e sua incontinêncià verbal.</p><p>Apropriarjse do discUrso e dominá-lo era apropriar-se do mWldó e ten</p><p>tar o esboço de uma revÇ>l~ção si~bólica inacabada - interminável? - qlte está . .</p><p>no centro do m'ovimento das mulheres. Uma grandf7 aventura, em suma.</p><p>/ •</p><p>326</p><p>'.</p><p>,- . .""'</p><p>I</p><p>I</p><p>, !</p><p>(</p><p>.-</p><p>'-</p><p>Capltlllo) 4</p><p>As MULHERES E A CIDADANLA NA</p><p>FRANÇA: HISTORIA DE ÚMA EXCLUSÃ0*</p><p>A cidadania é uma noção complexa. polêmica, plural.' No sentidp am</p><p>plo, ela significa participação na vida da Cidade (ela própria definida como o</p><p>conjunto dos cidadãos), ~ozo dos direitos que são ligados a ela, exercício dos</p><p>deveres que lhe são itribuídos. Poderíamos distinguir. também uma cidadania</p><p>civil, uma cida4ania social, uma cidadania política, e, todas, colocaram proble</p><p>mas de acesso para as mulheres. Entrar na Cidade, com direitos reconhecidos</p><p>e iguais, sempre foi um problema para das. Mas entre estes direitos. os direi</p><p>tos ~vicos e polítioos constituir!lm um drculo de cidadania particularmente</p><p>resistente e fechado. E, na França mais!do q.ue em outros lugares.</p><p>Na história contem~orânea da democracia ocidental, il França se distin- -</p><p>gue, de fato, pel~ altura do 'obstáculo oposto às mulheres no triplo nível do di</p><p>reito de voto, "outorgado" de certa maneira por um decreto de De Gaulle. de</p><p>1944; da representação, q~er seja local ou ainda mais Jegisla.tiva, que continua</p><p>a ser uma da m<!is fracas da Europai enfim, dã participação no executivo. Esta</p><p>última sempr~ foi a "escolha do principe" quer este príncipe se chame Léon</p><p>Bluffi, Valéiy Giscard d'Estaing, François Mitterránd ou Jacques Chicac, como</p><p>se fosse preciso um .talismã particular para abrir as portas do templo, ;'um'</p><p>~bre-te sésamo" para fazer separarem-se aS paredes da gruta misteriosa. E os</p><p>'contrastados episódios, dos quais Édith CreSson ou as "Jupettes" (apelido dad~</p><p>lt" Les femmes e:t la citofenneté en France. Histoire d'une: exclusion. ln: ú.s Femmes et</p><p>la politique. Sous la direction de Armelle I..c Bras-Chopard et Janine Mossuz-Lavau,</p><p>Paris: L'l-!.armattan, 1997. p. 23-39.</p><p>327</p><p>"''''' Mullltrts na cid","</p><p>,</p><p>, às ministras e secretárias de Estado do primeiro gabinete Juppé depois de sua</p><p>destituiçãorforam as infelizes protagonistas. ilustram a fragilidade do acess?</p><p>(ia mulheres a este último núcleo do poder poütico.</p><p>Esta situação intriga por ocorrer em um pais pioneiro na proclamação</p><p>dos Direitos do Homem e do Cidadão e no estabelecimento da democracia e da , . .</p><p>República. "Enigóia", dizia Madeleine Rebérioux em uma troca com Pierre Ro-</p><p>sanvallon (a respeito do Sacredu Citore", i992). Convém falar somente de "atra</p><p>w" de uma França q~e se ar~asta e em seguida resigna-se a admitir as 'mulheres</p><p>no mei~ dos Santos? Genevihe Fraisse reeus,:, esta expressão que lhe parece ne</p><p>gligent,\ demais (1995). COnvém então fui ar de "singularidade" (OZOUF, 1995),</p><p>ou até meSfllO de "especificidade" francesa? Mas então. ligadas a quê?</p><p>Pareçe que numerosos trabalhos realizados há'illguns anos permitem</p><p>ver esta questão mais claro. Observemos como eles s㺠recentes. Por um</p><p>lado, ~ãQ das mulheres da poli.tica parecia tão natural Ql!e não..J:e.pre</p><p>stntava um problema e que nossos manuais escolares citaram trangüilamen</p><p>~Q "sufrágio uniyersal" implantado em 1848, sem preocupar-se com o fato</p><p>~ q!1e ele e.rã apenas masculino. Por outro lado, nem a política, nem mesmo</p><p>o poder, foram a primeira inquietação de uma história das mulheres desen-,</p><p>volvida nos anos 1970, na dependência de um movimento mais preocupado</p><p>COIJ'I o corpo, com os costumes ou a cultura. As mulheres como "sujeitos po</p><p>líticos" não era o: a preocupação maior. A primeira incitação veio, é lógico,</p><p>dos polit610gos (MOSSUZ-LAVAL, SINEAU, 1983). A atualidade teve sua</p><p>contribuição: as comemorações (da Revoiução Francesa, da Liberação) e os</p><p>debates, recentes e atuais, sobre a paridade, estimulo maior. Porém, houve</p><p>também a influência do desenvolvimento próprio de uma reflexão sobre po</p><p>der e relações entre os sexos (poder e gênero) da qual a política é sOlpeote</p><p>tim caso particular. Os trabalhos são atualmente numerosos e até mesmo</p><p>abu~d~ntes,-sobretudo no que se refere a dois pontos: a-'Revolução Francesa,</p><p>l ena 'p.rimitiva, exemplar, sem ce)sar revisitada; as lutas de mulheres e o fe</p><p>minii~o, de. que "temos agora um conhecimento quase panorâmico, graças</p><p>aos tnibalh~s das jovens hiítoriadoras que restituíram às-prQtagonistas da</p><p>peça toda a·sua estatura. ,</p><p>. .Mas é tempo de começar o eSPftác.ulo. inicialmente, para lembrar os , .</p><p>prin<::ipais epis6dios,. Em seguida, para tentar compreender o n6 da' intriga e o</p><p>jogo das interações. ! . . ,</p><p>,</p><p>328</p><p>-</p><p>CIlP/wlo J4</p><p>AI ",ulhe," e <I tidadm,w n<l Fru/lf4;</p><p>história tU! umll crduJil/)</p><p>A DEMOCRACIA SEM.AS MULHERES</p><p>'\</p><p>g.,te foi O título de um livro pioneiro de Christine Fauré (1985). Obser</p><p>vemos, d'e imeruato, a dificuldade, a ambigüidade do vocabulário. Trata-se de</p><p>excluir as nlulhtresJ definitiva ou provisoriamente? Trata-se de uma inclusão</p><p>progressiva, ligada à sua obtenção de capacidade prévia? Os debates· não faltam</p><p>sobre todas estaS questões.</p><p>De início) a Revolução Francesa define uma cidada;nia seletiva em seu</p><p>conteúdo e</p><p>i</p><p>em seus protagonistas. A cidadania .civil é distinta da cidadania po-</p><p>, litica; As mulheres ·têm acesso à primeira, em 4ma certa medida e até certo</p><p>ponto, mas que não pode</p><p>ser negligenc;ávei. A igualdade na herança rom"e</p><p>com costumes antigos, freqilentemente nada igualitários. Assim, a abolição do</p><p>direj to normando, particularmente machista, está.na origem do crime de Pier</p><p>re Riviere: ele mata sua mãe porque "as mulheres tomaram o poder", escreve</p><p>ele em sua célebre confis.são (FOUCAULT, 1973). O estabelecimento do casa</p><p>mento como contrato civil, suscetível de ser rompido pelo divórcio, inclusive</p><p>por consentimento mútuo, é um avanço considerávef sobre o qual o Córugo</p><p>Civil .napolcônico voltará atrás, fazendo do casamento patriarcal a pedra an</p><p>gular/da família e da sociedade. A partir de então, vai se fazer a dlstinção e~tre</p><p>as "moças maioresu</p><p>, solteiras relatiyamente iguais em direitos e as mulheres ca</p><p>sadas, submetidas à autoridade do marido, chefe de família, como as menores.</p><p>j</p><p>Mais uma brecha foi criada.</p><p>Em contrapa.x:tida, as mulheres são excluídas do ~ercícioJ do direito de</p><p>cidadania. Elas são cidadãs passivas como as CÍianças, os pobres e os'estrangei</p><p>ros. Siéyts, principal organizador do voto em 1789, isso dizia claramente: CI Ta_</p><p>dos têm direito à proteção de sua 'pessoa, de-.sua propriedade, de sua liberda</p><p>de, etc. Mas nem todos têm direito a tornar parte ativa na formação dos pode</p><p>res-públicos; nem todos são cidadãos ativos. As mulheres, aomcpos no cstndQ</p><p>.â!!!ãl-as crianças, os estrange~os, agueles ainda ql.le não coniribuirem iem</p><p>, nada para manter o estabelecimento público; não devem in.fluenciar ~tivam~~</p><p>.: te a coisà pública". O enunciado é claro. Ele instaura um-a ruptura entre sbcie-</p><p>dade civil e sociedade politica, sublinha a especificidade da ação pública e po</p><p>lítica e exclui dela as mulheres, presentemente incap~zes de ter acesso a e,la. S~</p><p>gundo Portalis, redator do Código Civil, deve-se a elas "uma proteção perpé</p><p>tua em ,troca de um sacriflcio irrevogável".</p><p>329~</p><p>, Parte J</p><p>Mulllrrti lia âdad~</p><p>Esta exclusão seria evidente, natural? Siri"l. para o conjunto dos homens</p><p>e para grande parte das mulheres que continuam a ser, em sua maioria, cam</p><p>ponesas e afastadas desta nova cena. Somente uma minoria reivindica o sufrá</p><p>gio para as mulheres; Co~dorcet (De ['administrariaM des femmes QU drait de.</p><p>Cité. 1790), que contesta todos os argumentos opostos voto das mulheres,</p><p>. - ou Guyomar (Sr:ÉOZlEWSKI; 1989,1991). Enquant OI m de Gou es, m</p><p>Ol~~ sua Declaração dos direitos da mulher e da cidadã (1791), em dezessete artig~s,</p><p>J. reivindica claramente a total igualdade politicl. Es~a girondina seria guilhoti-</p><p>\AI. r na~a e seu processo é rico em ensi,~ame~tos quanto à desqualificação das mu-</p><p>':</p><p>lheres na politica. Chaumette declara: "Lembre-se desta virago, desta mulher</p><p>homem, a-impudente Olympe d~ Gouges, que abandt:mou todos os cuidados</p><p>de sua casa porque 'queria .engajai-se na'~olitica e cometer crimes· {. .. ] Este es</p><p>quecimento,das virtudes de seu sexo levou·a ao cadafalso" (SCOP, 1996). Os</p><p>clubes de mulheres serão fechàdos, bem como a Sociedade das Cidadãs Repu</p><p>blicanas Revolucionárias, que serviam de locais de expressão e çle aprendiza</p><p>dos políticos para as mulheres (GOOINEAU, 1989; FRAISSE, 1995):</p><p>J</p><p>UMA EXCLUSÀO ACENTUADA PELAS SEGUNDA</p><p>E TERCEIRA REPÚBLICAS</p><p>Hti. um abismo cada vez mais p~ofundo entre cidadania social e cidada</p><p>nia poUtica, por um lado, entre homens e mulheres por outro lado, no exer:.:cí</p><p>cio da cidadania, por diversas razões:</p><p>330</p><p>pelo fato de qu'e o sufrágio ~amado de "universal" se torna o critério ·</p><p>da soberania e que ele é concedido ao conjunto dos homens em 1848, .</p><p>fazendo as mulher~ se sentirem ainda mais rejeitaqas.</p><p>no entanto, o,papel social da,s mulheres-é mais reconhecido; sua-educa</p><p>ção se dçsenvolve-e se apela cada vez mais para a sua caridade o,u para a</p><p>sua filantropia, e até mesmo pa~a' a sua experiênci~.</p><p>a lei de 1848, criando a liberdade sindical, reconhece esta liberdade para I . ,</p><p>todos, homens e mulheres. As ;mulheres casadas podiam aderir a um</p><p>sindi~ato sem a permissão de ~u marido (ao passo que ela não pode</p><p>1 • • _. '-.,</p><p>.' .,</p><p>,</p><p>'\</p><p>Cap/lulp 14</p><p>N mu/hut$ e li âdadUlrill lU'! Frllllfa;</p><p>IrÍJIÓ';O deY'"1l exdllsdo</p><p>nem trabalhar' sem sua autorização), contradição sobre a qual não se re</p><p>fletiu suficientemente.</p><p>A revolução de 1848 é, sob este ângulo, uma etapa decisiva. A despeito</p><p>de um feminismo excepcionalmente: ativo, expresso em jornais. clubes, na can</p><p>didatura de Jeann'e Oeroin (RIOT-SARCEY, 1994), ela opera uma ruptura de</p><p>. cisiva entre socialismo, movimento operário e feminismo, unidos pelo saint</p><p>simonismo que fazia dos profetários e das mulheres os dois pilares da mudan</p><p>ça. Doravante o feminismo será chamado de j'burg~ês" e o movimento operá</p><p>rio funda sua identidade sobre a virilidade. Em seu curso no CoUege de Fran</p><p>ce (1850), Michelet t'en'de até mesmo a acusar as mulheres pela fracasso da Re</p><p>pública, incriminando su~s ligações com os padres, tese clássica. Daí. acre.scen</p><p>ta ele, a necessidade de educá-Ias.</p><p>O $egundo Império aprofunda ainda um pouco mais o abismo políti</p><p>, co entre os sexos. Por um lado, a Igreja acentua a sua influência sob(e as mu</p><p>lheres, por outro, Proudhorl retifica a divisão se.xual dos papéis • .fundruldo-os</p><p>na natureza; a dona-de-casa é, a seus olhos, como aliás aos olhos de Michelet,</p><p>a única identidade possível para uma mulher, o que será repetido à saciedade</p><p>pelo movimento operário. Todavia, o debate continua, amplia-se e progressos</p><p>consideráve.is são realizadqs sobretudo no dominio da instrução. Em 1861, Ju</p><p>lie Daubié torna-se a primeira francesa a passar no exame do baccalauréat .... ·</p><p>não sem amargas contestações, ant~ de fazer também uma licenciatura e pu</p><p>blicar La Femme pallvre. Enquanto isso, O ministro Victor Duruy obrjgava as</p><p>comunas de mais de mil habitantes a abrir wna escola primária para meninas , .</p><p>e criava os pr~meiros ucursos secundários" para as moçaS". .</p><p>A Terceira República amplia consideràvelmente este esboço de igualda</p><p>de na instrução. A Escola de Jules .Ferry não é mista, mas é resolutamente igua</p><p>litária (OZOUF, 1992) e Paul Bert abre os primeiros liceus de moças (lei de</p><p>1880). O que responde ao desejo republicano de ter "companheiras inteligen· ~</p><p>tes': capaze.s de barrar o caminho da Igreja; mas responde também a uma for</p><p>te demanda de uma pequena t uma média burguesias preocupadas com o</p><p>Eume realizado 'ao fim dos estudos secundários. (N.T.)</p><p>,</p><p>331</p><p>, I'IIrtc J</p><p>MjjUII~m ,,/I tiJMf!</p><p>acesso de Suas filhas ao trabalho assalariado (ISAMBERT-jAMAT1, (995). Os</p><p>tempos mud~:</p><p>A Terceira...República vai enfim reconhecer a cidadania política das mu</p><p>llieres? Muitos eSperam que)sto aconteç.a, como Hubertine Audert no Con</p><p>gresso Operário de Marselha (1879) e em seu jo~nallA Ciroyemle, ond$ ela de</p><p>senvolve 'uma argU~entação sólida e arrazoada (KLEJMAN, ROCHEFORT,</p><p>1989j SCOTT, 1996). Muitos, homens, mesmo democratas, hesitam ainda</p><p>(como Léon Ricber, que era porém feminista ~e maçom. Entretanto, é verdade</p><p>que a maçonaria nao estava ~3. vanguarda do combate sufragista).</p><p>Por vólta de 1900, eminentes juristas - Duguit, Hauriau, Esmein - in</p><p>terrogall1":'se. Ele's não vêem r011..1,o jurfd.ica válida para recusar o sufrágio pàra</p><p>as mulheres, a partir de 1906, alguns se declaram até mesmo favoráveis a ele.</p><p>Mas para eles,. a Nação excede a Cidadania, As mulheres pertencem à primei</p><p>ra, não necessar.iarnente à segunda, O direito de sufrágio é uma função, não</p><p>um direito (o que já dizia Siéyes). Eles insistem na complementaridade dos se</p><p>xos, Hauriou pensá que as multteres não podem governar: <lemine,ntemente</p><p>discontínuas, elas se dobrarão dificilmente ao trabalho dos poHricosi nem elas</p><p>desejarão exercê-lo, nem os eleitores desejarão confiá-lo a elas" (ORTlZ, 1995).</p><p>Durante este tempo se desenvolve um feminismo sufragista que, mes</p><p>mo sem ter o brilho do movimento britânico, não deixa de ser vigoroso. A</p><p>opinião publica evolui: a das mulheres, cada vez inai,s aesejosas de votar,</p><p>como mostra a rapidez de quinhentas mil dentre elas a ,responder positiva</p><p>mente a IDn referendo organiZ<1do s9br~ esta questão, por um grande jornal.</p><p>"As mulheres (ou as 'Francesas) querem votar" torna-se um slogan repetido ·"</p><p>ent~e as duas guerras~ A opinião dos deputados evolui também, pois,' em</p><p>1914, uma maioria se declara favorável ao sufrágio feminino. O Senadoíaz</p><p>fr&cassar este projeto de lei, em um cenário que se reproduzirá seis vezes du-, .</p><p>r,ante o entreguerras,</p><p>j Durante a gu~rra de 1914-1918, as.feministas d~põ~rr). as armas e se alis-</p><p>. (tam, em s~a maioria,. no esforço de guerra, Mas, enquanto em clivçrsos países</p><p>eurôpe.usi o direito de voto é reconhecido p'ara as mulheres ao fim do conflito,</p><p>a França política de após o armisticio é resolutamente hostil às mulheres,~</p><p>jejtadas jl seu papel de mãe e dOQª-dc-~asíl às q"ais §e solicita que deixem os -,</p><p>locais de traballio. Elas resistirão firmeIVente a estas injunções tanto para o as-</p><p>. salariámento quanto para a natalidade. ~ as m~ças começam a afluir nas uni-</p><p>- , "</p><p>332</p><p>,</p><p>ClIpírulo 14</p><p>I\J ",ulllua'!II (~lill fIQ FtUl1(4:</p><p>ltiJUJn' .. de unJQ cu/wao</p><p>. versidad~s, aclimatando resolutamente a figura da universitáJ'ia enquanto, com</p><p>os cabelos cortados curtos e as saias nos joelh~s, a figura feminina se libera dos</p><p>constrangimentos do pré-guerra. Belo exemplo de força de obstrução das mu</p><p>lheres que seguem obstinadamente selt cami~o na sociedade civil. .</p><p>Mas o domínio político continuou a se fechar, Rapidamente reorgani</p><p>zado, geralmente com os mesmos dirigentes. renovado, no entanto. pelo apoio</p><p>das primeiras gerações de "mulheres intelectuais" (professoras primárias, se</p><p>cundárias, advogadas), o feminismo faz do direito de voto seu objetivo princi</p><p>pal, brandindo'bandeirolas e car~azes e cantando o famoso "as mulheres que-</p><p>/ .</p><p>rem votar", Desfiles e passeatas se sucedem, sobretudo diante do Senado, tem-</p><p>plo da virilidade onde algumas delas se acorrentam para mostrar sua determi- .</p><p>nação (BARD, (995). Mas ao desdenho da direita ,(excetuando Louis Marin),</p><p>junta-se a hostilidade decJarada do Partido Radical e a relativa indiferença da</p><p>SFIO (Seção Francesa da Internacional Operária) que não faz desta questão</p><p>uma de suas prioridades, Decorre daI a decepção causada pelo Front Popular.</p><p>Evidentemente, Léon Blum nomeia pela primeira vez três mulheres (Cécile</p><p>Bruncschvicg~ Irene Joliot-Curie e Suzanne Lacorre) como subsecretárias de</p><p>Estado. Mas a quest.~o do sufrágio das mulheres' não figura no programa do</p><p>Rassemblement Populaire (Reunião Popular) e nenhum projeto de lei foi en</p><p>viado neste sentido (BARD, 1996). Ao passo. que. nas manifestações de ruas e</p><p>nas fábricas ocupadas. ve-se cada vez mais mulheres, /"</p><p>En"l nQme do "eterno' feminino" e da ordem familiar, o regime de Vichy</p><p>pre~oniza uma representação das mulheres nos co.nselhos munkipais (MUEL-</p><p>DREYFUS, 1996), não como indivíduos, mas como mães, r •</p><p>A Assembléia Consultiva de Argel, pelo decreto de 21 de abril de \9,44</p><p>(artigo 17), define a questão: "As mulheres são eleitor~s e elegiveis nas mesmas</p><p>condições que os homens'~ Enfjm, Não sem as últimas objeções relativas à au</p><p>sência dos homens erisioneiros que poderiam tornar aventureiros os votos de ,</p><p>esposas privadas de "seus educadores naturais" (DU ROY. 19.94). Argumento</p><p>repetido da incapacidade "natural" das mulheres para exercer a vida dvica, que , .</p><p>, encontramos ainda subjacente nas últimas propostas do governo JuPpÇ (mar-</p><p>ço de 1997): Antes de pretender obter "cotas" aceitáveis nas eleições legislati ,</p><p>vas, as mulheres devem ser testad~s _nas eleições européias, nas\eleições regio</p><p>nais e locais,</p><p>, .</p><p>333</p><p>fi</p><p>I·</p><p>'.</p><p>P/u1a.3</p><p>, Mulllerd na cidade</p><p>Em todo caso, em 1945, as mulheres francesas votavam pela primeira</p><p>vez em sua história. 5,6% delas elegeram-se deputadas. proporção quase idên·</p><p>tica à de hoje (6%). Mas um quarto dentre elas 'eram viú~as. Deputada~ sim;</p><p>m~s como substitutas de um homem ausente.</p><p>/'</p><p>G!NERO E POLíTICA. ELEMENTOS DE UMA</p><p>ESPECIFICIDADE FRANCESA</p><p>É impor-tante lembrar um~ vez mais: o acesso das mulheres ao poder. e,</p><p>singularmente aQ poder p0lítico, foi sempre difícil em toda a parte. A Cidade</p><p>Grega, primeiro modelo da democracia,' ~ão freqüenten:ente invocada pelÇ>s</p><p>republicanos e peios revolucioo,ários franceses, as excluía radi:almente. E qua- .</p><p>. se tanto quanto a república romana. No mundo contempor~eo. damos fre</p><p>qüentemente .como exemplo a lndia ou o .?aqujstão:Mas convém sublinhar o</p><p>papel da família em tais acessões:, as mulheres sub"Stituem um pai, um esposo</p><p>falecidos, de môrte violenta ger,!-lmente. li1as perpetuam sua presença e seu</p><p>corpo. E quando elas se recusam a fazê-Io l são criticadas, como a nor,~:de In</p><p>dira Ganclhi, 50nia, pouco entusiasmada em suc~dh seu-marido assassinado. . ,</p><p>Nada de i.ndividual nestes casos, bem ao contrário. Citamos igualmente o caso</p><p>Thatcher, primeira mulher a tornar-se Primeira Ministr~ (1979) na Europa'</p><p>Ocidental. Más além do fato que bfetival)1ente a tradição anglo-saxã é"mais .</p><p>aberta ao p"ode~ das mulheres~ Margaret Thatcher, devido à crise, consegue im</p><p>por-se em seu partido, e por meiC? dele, na Inglaterra. A «dama d.e ferro" ins</p><p>creve-se no mito da muUler salvadora, tão perigoso quanto seu contr~rio. a</p><p>m~lh~r feiticei,ra ou' d~moiúaca).e baseada nunla ~déia simétrica da naturalida</p><p>de /do feminino.</p><p>I . Éntretanto, ~s bloqueio,s .parecem particularmente fortes na França.</p><p>~oda uma série de: fatores foram identificados e podem pe.CI'p.itir a compreen-</p><p>tão dest'a idenllificação, teórica e prática, do político aos hOrriens~' , .. .</p><p>Ipkialinente o peso 4o'passado, tão pres,ente neste "caro e velho paísl</p><p>: ci</p><p>mentado.por su~ hÍstóri~. A herança dos Fráncos exclui as mulheres da s,uces</p><p>são ao .trono, elas podem' ser apenas ' regerites. Toda regência é apreendida</p><p>como um m.omento peiigoso.,propicio ~ todas as' intrigas e a todos os desre:</p><p>graméntos. Nas duas extremidades do dpectro: Blandle de 'CastiJha', ao mes-</p><p>, . , : ~</p><p>'.</p><p>,</p><p>'334</p><p>,</p><p>,</p><p>Cnp/tllU, 14</p><p>AI mulhueJ e a cidndnl1in /In Fmnfn:</p><p>hist6ria de uma .:uIIlJilo</p><p>mo tempo devota e virago (LE GOFF, 1996), e Catarina de Médicis, para Mi-</p><p>. ~ ,</p><p>c~elet, o exemplo encarnado da catástrofe que representa o poder transforma-</p><p>do em mullier. A tradição ,britânica é, sob este ~specto bCl1"l ·diferente (ZER</p><p>MON-DAVIS, 1991 ). Ora, a Revolução, por um_decreto de}' de· outubro de</p><p>1789. reconduz a lei sálica, transformando-a assim em uma lej ·constitucional</p><p>da nova monarquia (FRAlSSE; 1995).</p><p>Da mesma forma. as mulheres não detêm feudos. elo essencial do f6W,:</p><p>~dalismo, Elas não exercem a suserania sobre um território e sobre ho'mens. O</p><p>modelo do feudo informa e for~ata a representação política moderna em CUf-</p><p>o so no sistema das circunscrições e do escrutlnio majoritário uninominal. Elas</p><p>aparecem aí. uma vez mais, somente como substitutas de um membro de sua</p><p>família. Aliás l I notável que este . .sistema ~cione particularmente bem para o</p><p>Front National.* Na ideologia de extrema direita, as mulheres não têm indivi</p><p>~ualidade e prolonga.m a família ou o casal que as incorporam. A "queda de</p><p>pára-quedas~ ' de candidatas, na França, é muito mal vista, principalme~lte pe</p><p>las próprias mulheres.</p><p>Outra herança do passado: o modelo de 'Corte que form,atou de manei</p><p>ra eficaz a "civilizaÇão dos costumes" (Elias) e instaurou um certo tipo de re</p><p>lações, insinuando, entre homens 6 millheres, a relação de cortesia (DUBY. . ,</p><p>19~1 ) , de galantaria (HEPP, 1992) cujo aparente ,encanto recobre uma m~nei-</p><p>ra de colocar as mulheres a distância das coisas sérias, em órbita em volta dos ·</p><p>homens que, como astros incandescentes. estariaJ!1 fora do alcance delas, para</p><p>sempre, A galantaria afasta-as mulheres das lutas políticas onde sua frágil be</p><p>leza não tem nada a fazer. EJa~ são fei,tas para o amor e para o repouso do guer- '</p><p>reir~, não p~ra a guerra. A galantaria, tão elogiada,</p><p>de uma doce frança des</p><p>provida assim· de guerrp. entre 'OS sexos, ao con?"ário do 'detestável modelo ,</p><p>americano, é~ de fato, profundamente discri.n1inatória. Yvette Roudy contava a</p><p>Mariette Sineau que Lhe era "impossi.vel falar de política com François Mitter</p><p>rand, devido à sua goilantaria instintiva" (5IN~U, 1988), Ela dissimula igual</p><p>mente u~la grande desconfiança quanto à influência política d~s mulheres</p><p>cuja figura sÚllbolo foi Maria Antonieta. e que é colocada em evidência pelos</p><p>revolucionários e pelos organizadores da Cidade, para justificar o distancia-</p><p>, .</p><p>Fronl National- partido fr,ancês de extrema direita., (N.T.)</p><p>335</p><p>,</p><p>Pune J</p><p>Mulhnn lI" ridlUk</p><p>mento das mulheres da prática politica: elas a perverteriam. A política é, deci·</p><p>_ didamente, coisa séria demais para ser abandonada aos salões e à conversa das</p><p>mulheres, dizia Guizot, que, assim com_o Barante, Rémusat ou Royer-Collard,</p><p>in.stauradores da política moderna, recusa a «frivolidade" de ~um século 18 .</p><p>muito feminino (R9SANVALLON, 1985). O "grande homem" com o qual eles</p><p>sonham decididá~l.ente toma distância em relação à mulher que não pode set</p><p>"grande>~ apenas "um.a mulherzinha" (de Paris).</p><p>~Segundo conjunto de fatores: a maneira fomo se operou a ruptura eo·</p><p>lírica eotrs Q Antigo Regimee a modernidade é igualmente esclarecedora. Ela</p><p>contribuiu para sacralizar o po~er poUt..ico. O Cidadão toma 'o lugar do Rei,</p><p>decapita:do. Ele recebe, por me'io deste 'sacrificio, ° batismo de sangue. Este</p><p>processo vitimário e dramático impede qualquer banalízação e coloca a poU:·</p><p>ticá sobre o altar dos grandes ritos. O Cidadão veste os tributos e a majestade</p><p>do monarca "imolado. Objeto de urna conquista, o poderl'olítico tem algo do</p><p>santuário e da fortaleza, como, mais tarde} o É.ysée* será wn palácio. Tal trans</p><p>ferência de sacralidade opera-se soinente em beneficio do mam,o, único digno</p><p>da Sagração do cidadão (ROSANVALLON, 1992). Nesta complexa tradição</p><p>francesa, feita de uma mistura de Antigo Regime e de Revolução, com caracte</p><p>rísticas de Tocqueville, a atividade mais nobre e ~ serviço público pertencem a</p><p>este substitut? dos príncipes, que são os_homens.</p><p>A.guestão da lareja e da cultura católica vêm ainda acabar de rnasculi</p><p>~ nizar o npYº poder poHtiCS). Suspeitas de aliança com a Igreja, que efeti~1·</p><p>mente aposta nelas no século 19, suspeitas de sujeição em relação aos padres,-. , -</p><p>qUi, supõem-se, manipulam-nas pela confissão, as mulheres aparecem como ,</p><p>tr~idoras em potencial: É todo o tema'do poder oculto e noturno das mulhe</p><p>res que rC!:"UIge. Michelet, convencido da importância estratégica das mulne·</p><p>/. ,</p><p>-rrs) torna-se o intérprete de~ta tese (cf. La Femme et le prêtre). Ele "atribui a</p><p>élas o' fracasso da .Revolu~~~ e da" República de 1848. Mais razão ainda p.ra</p><p>'que ele pregue a sua educação, atr.lindo para o College de. france, em 1850,</p><p>"um auditório feminino nUJ)1eroso e fervente (Michelet, 1995). O argumento</p><p>da catolicidade continua a ser iovocado para recusar o direito ao sufrágio. Ra</p><p>dicais e maçons, vigias 'do Livre pensamento, eram particularmente r~ticentes</p><p>~ .. ·0 t:lysée é a r~sidência oficial e local d~ trabalho do Presidente: da Re~Í1blica. (N.T.) , , ,</p><p>':</p><p>. 336</p><p>\</p><p>,</p><p>.C"pllll lo 14</p><p>ÁJ 1I1I.U~1't1 e 11 cidada"ia /'111 FNllf":</p><p>hjlrória d~ 1111111 ac/11S46</p><p>a este direito por estas razões. principalmente entre as duas guerras e mesmo</p><p>na Assembléia de Argel de 1944. Sua desconfiança era reforçada então pela .</p><p>construção de um feminismo cristão adept? do voto das mulheres (BARO,</p><p>1995). As mulheres foram uma questão do jogo de poder constante entre a</p><p>Igreja e a laicidade.</p><p>Enfim, a construção de uma cidada~a universalista e individualista</p><p>" criou, para as mulheres, uma situação inextricável. As mlllheres não são reÇQ</p><p>nnecidas como indivíduos l nem Ror sua natureza. nem p~r sua função. Elas</p><p>.não têm as capacidades física s para sê-lo. Thomas L.1queur mostrou como, no</p><p>século 18, o desenvolvimento das ciências naturais e médicas deu um caráter</p><p>se...xual aos 'gêneros, pensados, desde a Renascença, de maneira mais abstrata e</p><p>ontológica. Neste esquema, as mulheres são, mais do que nunca, marcadas por</p><p>seu corpo .. ancoradas em uma feminilidade limitadora. Destinadas à ~eprodu</p><p>ção, elas são o útero vazio que recebe"a semente. O excesso de seu 'sangue as</p><p>torna doentes e até mesmo histéricas. No século 19, descobre-se que ,das tem</p><p>~nervos especialmente irritáveis, um c~rebro menos bem organizado. O espaço</p><p>público' não é para elas; elas são feita~ para "çsconder SUa vida" (Jules Simon)</p><p>e vag;lC na sombra protetora do lar.</p><p>Pois a famUia é a parte que lhes cabe. seu lugar e seu d.ever. Desta fami</p><p>li~ , elas são os membros indispens~veis, mas submetidos à autoridade do pai</p><p>~que, ao mesmo tempo. govern~ e representa a familia. Ora, a famUia é o prin</p><p>cipal interlocutor do Estado. Anne Verjus mostra o quanto o sistema censitá</p><p>rio "de ~frágiQ eÍ"a farnj1ia!j5la; até mesmo a exclusã~)dos empregados domé$</p><p>!icos se justificava a~sim por pertencerem à· ,criadagem de uma famUia, ~ao me</p><p>·nos até 1848 que, deste ponto de vista também, constitui um corte. Esta con</p><p>cepção fan\ilialista dura muito tempo e é a"este título que se encara a po~</p><p>lid;tdes das mulheres chegarem ao "eleitorado: como viúvas ou substitutas de '</p><p>um,marido ausente (cf. Vichy).</p><p>Pierre Rosanvallon insistiu muito nesta dificuldade política e estrutural</p><p>(1992). ,Ele opOs, sobre esta questão, o feminismo ~ancês, obrigado a <lefender</p><p>a capacidade individual ~as mullieres, ~e o fçminismo inglês, capaz de reivindi</p><p>car o acesso .010 político em termos de identidade. «Na abordagem utiljtária da</p><p><kmOcraÇla...qUe domina nos palses anglo-saxãos, as mulheres conguistam os'</p><p>direitos 'políticos em razão de sua especificidade. Con~jdera'-se que e)as intro</p><p>duzem na es~ra política preocupações e uma, c.1pacidade de avaliaçã.o própria</p><p>- 337</p><p>I</p><p>1</p><p>J</p><p>,I ,</p><p>F'!Jrtc J</p><p>Mulheres 11<1 ddatlc</p><p>[ .. ·1· f: na condição de mulheres, e não como indivíduos, que elas são chama</p><p>das às urnas", Porque as mulheres representam as mulheres; sem sua presença.</p><p>a metade da humanidade não está representada. Estes eram os argumentos</p><p>eI"l:unciados por 1vlrs. Fawcett. M.rs . Pan.khurst e seu aliado, John Stuart Mill. Na</p><p>Grã-Bretanha, as femioistã s.reivindicam a política em nome do sexo, ao passo</p><p>que na França, estéÍnesrno sexo é um elemento que-desqualifica. A "consciên</p><p>cia de gênero" é. do mesmo modo fucjljtada Da Grã-Bretanha enquanto "!</p><p>França ela é constan temente ameaçada pela atomizacão. A atitude de George</p><p>Sand, que considerava prem~turo. em 1848, dar o direito de voto às mulheres</p><p>porque elas "não tinham individualidade própria" e fazia da aquisição dos di</p><p>reitos civis um pré-requisito absoluto, fortaleceria esta tese,argumentada e se</p><p>dutora que tem o mérito de atacar diretamente o problelna e de tratá-lo em</p><p>termos de lógica política. Pode-se, no entanto, objetar que o argumento indi</p><p>vidualista também é empregado.pelas anglo-saxãs, e que, ao contrário, as fran</p><p>cesas 'não se pdvam de colocar em primeiro lugar o j'nós, ~s mulhere~" do gê</p><p>nero (cf. Si.n Fran"ce Reynolds, qomunicação inédita), Enfun, "a fraqueza ·do</p><p>~ , ,~</p><p>feminismo francês': tão freqüentemente invocada, vem em parte da ignorân-'</p><p>cia historiográfi~a que se tinha a este respeito, e que os trabalhos das jovens</p><p>historiadoras dissiparam amplamente. A densidade mais forte da s~ciabiljda- ,</p><p>de feminina no mundo anglo-saxão explica, por outro lado, uma identidade</p><p>mais afirmada.</p><p>Sobre estes fu,ndamentos, a política se define e se organiza como um do</p><p>mínio masculino e excludente das mulheres.</p><p>~a definição se baseia DO século 19 sobre a teoria das esferas, tentativa</p><p>européia de racional ização da sociedade em que os papéis, as tarefas e os espa</p><p>ços são equival,~ntes dos sexos. O público, cujo C?tação é ocupado pela políti</p><p>ca/ pertence aos homens. 'O privado, cujo centro é ocupado pela</p><p>casa, é delega- '</p><p>d9 às mulheres (sob o controle dos homens). A família opera a junção entre os.</p><p>dois. O Código Civil atesta seu caráter patriarcal.</p><p>f</p><p>i Esta defini ão é funda ell ' o 'da Natureza, de</p><p>que já falamos, e o da utilidade socia ,que or coisas muito mais aceItá-</p><p>veis. Este século, que compreendeu a dinâmica dos costumes, mais fortes.do</p><p>que a lei, segundo alguns, e da equéação, chave da produção dos humanos,ce</p><p>lebra a importância das mulheres e sua cidadania. social. Não teriam elãs o</p><p>"verdadeiro" p~der? Qual o pr~b}ema e~ deix:á-Ias ter acesso à política? .",</p><p>.'</p><p>338</p><p>Ctlpltll/o 14</p><p>AJ mll/llCrtl e a til/adania na Frunfrl:</p><p>Ilist6ria de uma exduloo</p><p>Desde el?tào, a política se organiza como um ~ i stel11a masculino em que</p><p>as mulheres são totalmente desq~alificàdas, visto que elas não podem escolher,</p><p>nem governar, e ainda menos representar (FRAISSE, 1995). Pode-se tornar a</p><p>feminilidade como emblem~, saturar o espaço público de símbolos femini~os</p><p>(AGULHON, 1979. e 1989), Mas as mulheres não podem ser nem eleitoras</p><p>nem deputadas.</p><p>A poHtica é uma pQbre atividade, um trabalho de homens. ligado à cul</p><p>tura viril, à cultura das qualidades inatas (a abstração, a vontade da d~cisão, a</p><p>coragem) e cada vez mais a competênciás adquiridas por Grandes Escolas, fe</p><p>chadas às mulheres. ~ um local de exe~dcio da palavra pú\>lica, do afronta</p><p>mento, eventualmente brutal. Ela se apóia nos Círculos, equivalentes franceses</p><p>d os clubes ingleses e ig4a1mente masculinos (AGULHON, 1977), onde se for</p><p>talecem e se soldam as fratrias freqüentemente nascida,s no colégio ou no liceu.</p><p>Ult~riorJ11ente, os pal'tidos,politicos retomam o modelo da fratria masculina</p><p>de uma sociedade monossexual onde as mulheres s30, inicialmente, impensá-.. '</p><p>veis, em se~ui'da, deslocadas, vistas como uma dolorosa intrusão, uma estra</p><p>nheza incongruente.</p><p>O que dizer do "look" político? Ele tampouco foi elaborado para as mu</p><p>~ femininas demai" elas suscitam O desejo,que as transforma em objeto.</p><p>Mais masculinas, elas atraem para si o sarcasmo. ~ preferível ter uma cer ta ida-o</p><p>de e uma aparência maternal. Na cena política, a mulher é um_objeto desloca</p><p>'do. oferecido aos olhares masculinos.</p><p>A política supõe tempo, horários i1imitado's, ~m lazer oposto ao tempo</p><p>doméstico das mulheres (GASPARD, 1995),</p><p>Enfun, a própria doncepção da poHtica como competição sem miseri</p><p>córdia, batalha e execução (ao menos simbólica) é distanciada dos cha,inados</p><p>valores femininos. Há, na política, uma singular violência que não atrai neces</p><p>sariamente as mulheres:</p><p>Estas condições podem cOl1tdbuir para· explicar Q engajamento relati</p><p>vamente fraco ~as mulheres na política. No século 19, ex'!.. ur.na situação inad</p><p>missível. E a experiência) ao mesmo tem'po e.xcepCional e paradoxal, de Gçor</p><p>ge Sand, é sigriific,!tiva em 'sua originalidade. George Sand que estava implica</p><p>'da pro~dam·ente com o Governo Provisório da República de 1848, cujos Bo</p><p>letins ela redigia, distancia-se quando as circunstâncias - no caso as jornadas</p><p>339</p><p>, Pun, J</p><p>Mulhertl na mMt</p><p>de junho - enfraquecem a posição de seus amigais, para um-a posição de rela</p><p>ti-9a exterioridade Iigada- à cidadania da mulher.</p><p>A dificuldade é tão grand~ para se aventurar neste campo que muitas'</p><p>mulheres desistem. Campo em que s6 se recebem golpes, como dizem todas as</p><p>mulheres públicas', co~o mostram as dificuldades de Nicole Notat (Secretária</p><p>Geral da CFDT) ~l'f novembro de 1995 e novan;ente no outono de 1996, em</p><p>. que se vê ressurgir as atitudes m.ais misóginas, referindo-se às mulheres de ca</p><p>belos raspados da Liberação. Coloca-se também 9 problema 90 consentjmen</p><p>to ou da aquiescênda di[ mulhereS a seU papel. ai~da mais por 9ue ele ~ cele</p><p>brado e magnificado por um 'discurso mais ou menos ambíguo, invocando os</p><p>. costumes mais fortes do que a lei 'e celebrando a força das mulheres. Por outro</p><p>' lado, as mulberet desenvolveram, com a caridade e a fLiantropia, transforma</p><p>das geralmente em trábalho social mais profissional, upla intervenção na Ci</p><p>dade que lhes conferiu um verd~deiro conhecimento de peritas e o sentimen</p><p>to de uma cidadania social eficaz. Ao lado do ~stado providência, não .havia</p><p>uma maternidade 'sodaJ, paralela, .complementar? Porque a política era inaces</p><p>sível para elas, as mulheres puder~ desvalorizá~a, negligenciá-la, até ~esmo</p><p>em seu alcance simbólic? e sua especificidade. A politica? Jogos masculinos,</p><p>fúteis e bastante Vãos. As mulheres não têm nada melhor a fazer?</p><p>Epflm. as mulheres investiram, na França - e esta é realmente uma es</p><p>pecificidade - um esforço consideráyel para ter acesso ao assalariarnento, des</p><p>de a metade do século 19, servidas pelas nec~ssidades de mão-de-obra do' n1er-"</p><p>cado francê,s e pelas necessidades econômicas de uma pequena burguesia em</p><p>pobrecida e desejosa de instrução e de emprego para as suas filhas. Assim, des::. . ,</p><p>de-às vésperas do primeiro conflito mundial, o nível de atividade das mulhe- .</p><p>res na França, inclusive das mulheres casadas, era um dos mais altos da Euro</p><p>pa. Ele continua a ser, ainda hoje: aproximadamente igual ao da Dinam~rca.</p><p>Es~ integ'ração ~aciça das mulh~res ao assaJatiament?, com perfis de' carrei-' .</p><p>rap permanentes ao longo de toda a vida, é o acontecimento ~aior dos últimos</p><p>~inta anos, que a crise estimujou~ 'em vez de frear. A independência e>a auto-o</p><p>nomia das mulheres, confrontadas, por outro lado, à profunda mod~cação</p><p>das formas da familia (familias rnonoparentai's com grande dominação femi</p><p>nina; por' exemplo), a partir de agora, pas~am por estàs questões.</p><p>ConseqÜentemente pão é fácil de k.pcootrar tempo livre para a polfu</p><p>oca. Ainda mais que a clivisão das tarefas domésticas e familiares evoluiu rela- I , ,</p><p>. ,.</p><p>340</p><p>,. ,</p><p>CapttlllQ 14</p><p>NIIIIIU,nu c 11 d dlldllll i .. fUI Fnl~:</p><p>hilt6rill rk IINJQ t.XrlllJ~</p><p>tivamente pouco e que a dupla jornada de trabalho, o peso e a preocupação</p><p>das responsabilidades cotidianas continuam a s.er o habitual, pru;.a a majoria</p><p>das mulheres.</p><p>Em suma, existe?1 dois empecilhos principais à entrada das m"lheres</p><p>n~ca: os panjdos e..o..La.t..</p><p>Estes empecilhos estão ligados aO sjstema de yalorçs que cimenta a so</p><p>siedaqç. Em um livro recente, MasculiJtIFéminin. La pensée de la dilférence</p><p>(1996), Françoise Héritier, co~o antrçpóloga, mostra as raIzes da desigualda</p><p>de n.o pensamento simb61ico e a exist.ência, ernJodas as sociedades, de um do</p><p>m1nio reSerV3?0 masculino, considerado como instância superior de prestíg~o</p><p>e ç:le poder. Este domínio não é imuta~e1; mas ele se recompõe e se reoefipe em</p><p>função ·das hierarquias próprias às diferentes épocas, Nas sociedades democrá</p><p>ticas, a politica é uma destas instâncias superiores, e. mais ainda na França,</p><p>onde, por todas as razões históricas inc;!icadas, ele é objeto de uma valorização ·</p><p>específica. DaI a resi.stência dos home.!ls neste n6 gó~dio do poder, <lpanágiQ vi</p><p>ril tão contrário à doçura de uma feminilidade erigida em mito. Não é sur</p><p>preendente que a~ mulheres encontrem tais dificuldades-para chegar ali.</p><p>Os atuais d~bates e combates pela paridade na política mostram ta:lto</p><p>a evbluçãO dos espíritos quanto a força da crispação.</p><p>Neste fim de século - e de milênio - novas divisões se esboçam entre</p><p>os sexos.</p><p>E para que Cidade?</p><p>"</p><p>("</p><p>341</p><p>I</p><p>I</p><p>I,</p><p>dos C<trabalhos de</p><p>mulheres" é codificada e limitáda. A-iconografia, a pintura, reproduzem à sa-</p><p>I</p><p>! ,</p><p>122 Lc Désert de l'ilmour, La PLéiade, p. 769. t</p><p>198</p><p>,</p><p>••</p><p>,-</p><p>I</p><p>Copftulo .,</p><p>A mulher popular rebelde</p><p>ciedade, esta imagem tranqüilizadora da mulher sentada, ~m sua janela ou sob</p><p>uma lâmpada, eterna Penélope, costurando inte~minavelmente. Rendeira ou</p><p>remendeira, eis oS arquétipos femininos. Destinadas ao universo da repetição,</p><p>do ínfimo, as mulheres têm uma história?</p><p>Elas não pertenceriam mais à etnologia, tã? apta a descrever oS' fatos e</p><p>os gestos da vida" comum? t verdade que existe ai uma cO,ntribuição, um pro~</p><p>cedimento indispensáveis. Mas O risco é também grande dê se fechar mais uma</p><p>vez as mulheres na imobilidade dos usos e costumes, estruturando o cotidiano</p><p>na fatalidade dos papéis e na_ fixi~ez dos espaços, Visão tranqüilizadora de um</p><p>mundo rural serl1 conflitos, O folclore é, em certos aspectos, a negação da hi s~</p><p>t6ria, uma certa ~aneira de transformar em ritos tranqüilos as tensões e as lu</p><p>t~s. No entanto, são.as muUleres em ação que interessa encontrar, inovando em</p><p>suas práticas, mulheres ~njmadas e não mais autômatos, mas <:riando elas mes.</p><p>mils o movimento da históri<;l . ,</p><p>AS MULHEI3ES, ÁGUAS DORMENTES</p><p>Tarefa difícil, pois os mitos e as imagens cobrem esta história com uma</p><p>espessa mortalha tecida pelo desejo e pelo medo dos homens.1lJ N? sécuJo 19, .</p><p>a mulher 'está no centro de um.a discurso abundante, repetitivo:. obsessivo, am~</p><p>piamente fantasit?so, que toma çmprestado aos eJementos as suas dimensões .</p><p>As vezes é. a mulher fogo) devastadora das rotinas familiares e da ordem</p><p>burguesa, devoradora, calcinando as energias viris, muUler das febres e das</p><p>paixões românticas, que a psicanálise, guardiã da paz das famílias, .colocará na</p><p>categoria de neuróticasi 'fiUlas do 'diabo, mulher louca, histérica, herdeira das - ,</p><p>feiticeiras de antanho. A ruiva heroína dos romances de folhetim, a~uel a mu-</p><p>lher cujo calor do sangue ilumina a .cabeleira e a pele, e p,gr meio de quem a</p><p>infelicidade chega, é a encarnação popular desta mulher de chamas que deLxa</p><p>apenas cinzas" e fumaça.</p><p>123 Ver M~hes et Représe.ntations de la Femnte ali XJXt siêcle. In:' Ronltmtisme. Paris:</p><p>Champion, 1976, e: a re(]o:ilo de C. Clément e H. Cixous, La Jeune Nêe, Paris, IOMI8,</p><p>1975,</p><p>, 199 -</p><p>" Pfll'tel</p><p>Mlllhcrr:. rIO lrahllJlw</p><p>. Outra imagêm. contrária: a mulher água .. fonte de frescor para O ?uer</p><p>ceiro, de 'Ínspiração para o poeta, rio sombreado e tranqüilo onde podemos</p><p>nos banhar, onda lânguida cúmplice dos almoços sobre a relva; ~as támbém.</p><p>água dormente, lisa corno um espelho, estagnada como.um ~elo lago submis-</p><p>- 50; mulher doce, p~ssi"9' an~oIosa, quieta, instintiva e paciente, misteriosa, um</p><p>tanto traidora: sonh'ó dos pintore.s impressionis~as.#.</p><p>Mulher. terra, enfim, aquela que alimenta, a fecunda, planície que se âe~</p><p>xa apalpar e fustigar, penetrar e semear, onde se fixam e se enraizam os gran</p><p>des caçadores nômades e pr~dadores; mulher estab~izadora, . ?vilizadora,</p><p>apoio dos poderes fundadores, soclo da moral; mulher entranha que sua lon</p><p>gevidade excepcional transforma em amortalhadora, mulher das agonias, dqs</p><p>titos m'ortuários, guardiã das \umbas e dos grandes cemitérios's~b a lua, mu</p><p>lher negra do dia dos mortos ...</p><p>J Cesia. Podmnos amar sua beleza, mas recusamos ?ua pretensão de con':</p><p>tar também a história das mulheres, mascarada sob os traç?s de uma drama</p><p>turgia eterna - e~ algum lugar, sempre, o coro das mulheres "7, e de uma sim</p><p>bologia fixa no jogo dos papéis e das alegorias. t preciso se libertar destas ima</p><p>gens porque elas modelam a história em uma visão dkotómka do masculino e</p><p>do feminino: ~ homem criador I a mulher conservadora. O homem revoltado</p><p>t a mulher submissa, etc. Por exemplo, a visão das mulheres eQmo substitptivo</p><p>do poder que seria, no século 19, amplamente responsável pela instauração 'de</p><p>uma "poUcia aa ~amília" (Jacques Donzelot), U4 mulheres-policiais da sociedade,</p><p>parece-me my.ito contestável. Ao menos pode-se ver o outro la~~ do .aegumen': ":'" .</p><p>to: se·as mulhere~ eram tal alvo para o poder, por um lado, era devido à sua im</p><p>portância verdade~amente axial 'na família e, p6r conseguinte, na sociedade;-:"'</p><p>- mas rmbém, pro~velmente, em raz..'io de s~a opacidade. à cult'ura do alto, da</p><p>inérda ou da resistência que elas opunham às estratégias de dominação do</p><p>por. Mais do que os homens,. tragados pel; fábrica e pelos imperativos d? pro</p><p>dução, pegos nas malhas da modernidade, produzidos pelas instituições disci- J</p><p>plinares - a escolâ, o ex~rcito. - que os concernem inicialmente. fascinados pelo</p><p>"progresso": a escrita e a democraciaj as maravilhas das ciências e da técnica, as - I . .</p><p>--1-24-' D-O-'-N-Z-E-W---'~~, ~J~Cques. lA P~liC: des fa"'iII~. Paris: Minuit, 1977. "</p><p>" .-</p><p>200 .'</p><p>,</p><p>.</p><p>1</p><p>I</p><p>I,</p><p>.i</p><p>t-</p><p>,</p><p>,</p><p>.1</p><p>( ~pltulD 7</p><p>A mu/ht:r populAr ubtUk</p><p>virilidades do esporte e da guerra -, 3S mulheres, cimento do povo, sangue das</p><p>cidades, foram ,rebeldes à chegada da ordem industrial .</p><p>" r</p><p>A DONA-DE-CASA E SEUS PODERES</p><p>Diferente da "fazendeira" (rural) e da "patroa" (burguesa),.a Dana-de</p><p>casa é, n,:, cidade do século 19, um tipo de mulher importante e relativ~mente</p><p>recente. Sua. relevância está ligada à importância fundamental da fàmilia, ve</p><p>lha realidade investida de múltiplas missões, entre as quais a gestão da vida co-</p><p>. ~-- tidjana. Sua novidade reside em sua vocaç..10 quase exclusiva, para os "traba</p><p>lhos domésticos" no sentido mais amplo do termo. Na chamada sociedade tra</p><p>diciona!, a fan;tília é um.a empresa e todos os me~bros colaboram, juntos. na</p><p>medida de suas possibiHdades, para a sua prosperidade. Ainda que haja uma,</p><p>divisão freqüentemente muito definida dos papéis e das tarefas, continua a ha-,</p><p>ver UJÍ1a certa fluidez dos empregos. Os trab~lhos da casa não são o apanágio</p><p>exclusivo das mulheres e os homens podem colaborar neles: por exemplo. a</p><p>-preparação de certos alimentos·é suá tarefa. A indústria têxtil em domicilio te</p><p>ria acentuado esta fluidez: testemunllOs e imagens mostram trocas de papel em</p><p>quê (j homem cozinhava ou varria e a mulher terminava a sua peça. A unida- i</p><p>de de lugar, associando em um mesmQ espaço domicilio e trabalho, produção ·</p><p>e consumo. é favorável a esta alternância) de resto, limitada. Por outro lado, O</p><p>chefe da família ~o homem. O "dono-de- casa" - o "termo aparece no século 16</p><p>- designa o chefe desta empresa que é a família.</p><p>A dona-de-casa herda suas funções. A novidade d~ sua situação, no sé</p><p>culo 191 reside na acentuação da divisão do trabalho ~ na separaÇão dos locais</p><p>de produção e d~ consumo. O hom~m na fábrica,' a mulhe~ em casa, ocupan- ~ ,</p><p>do-se de sua familia . Este 'é o esquema tfpico, ainda que no détalhe de se com-</p><p>plique e se mi~ture. O 'vocabulário não se confunde: a "dona-de:.casa" 'n~ fim</p><p>do sécuJo 18 ofusca définitivamente o "dono-de-casa", que cai em desuso ~o</p><p>- século 19. h às "boas donas-de-casa" que Par';;entier se dirige, em i789, para</p><p>aconselhar "a melhor maneira de fazer seu pão". No- mesmo momento, ei-Ia à</p><p>. 'margem dO$ ass~lariados"Seu trabalho não é remun~l'ado (supõe-se q~e este</p><p>o seja pelo tr~balho do pai d~ familia). Ela tem acesso ao dirlheiro apenas por</p><p>melo dos trabalhos complementares que se esfo~ça sempre em coloca~ nos in- .</p><p>"\</p><p>261</p><p>,,"</p><p>r</p><p>L</p><p>Pm1e2</p><p>Mulhcrei'no rrulHllho</p><p>te.rsticios de tempo deixados pela família:_ atividades mercantis - venda em \</p><p>uma barraca ou com uma cesta, à maneira <tas camponesas, persistente apesar</p><p>de todas as re~]amentaçõeS que exigiam cada vez mais patentes e autorizações</p><p>- mas também, ainda mais horas de limpeza., de lavagem de roupas, trabalhos , .</p><p>de costura, cuidado de crianças, compras ê entregas domésticasj a carregadora</p><p>/</p><p>de pão, silhueta familiár. é quase sempre uma mulher casada. As mulheres em-</p><p>pregam uma extrema engenhosidade para encontrar nos múltiplos tráficos</p><p>das</p><p>.... cida,des, das quais ~as conhecem todos os recantos~ recursos complementares</p><p>que elas empregam para fechar o orçamento da família ou para dar-lhes alguns</p><p>pequenos prazeres, ou ainda que ~Ias separam como reserva para os dhls difi</p><p>ceis que as estações mortas trazem periodkamente. Em tempos.de crise, 'ou de</p><p>guerra, est~ contribuição marginal torna-se essencial. As mulheres ativam-se,</p><p>então, em todos tis sentidos. Elas , nu~ca trabalham tanto quanto' nas situações</p><p>em que os homens estão sem trabalh·o. Há uma vivência das crises, e das guer</p><p>ras,'diferente Pilra cada sexo. Um tempo economicamente diferente.</p><p>. Apesa., de· tudo, a dona-de-casà depende çlo salário de seu homem. Ela</p><p>sofre CQm isso e recrimina, 'Chegando até a ser agredida. No sé!=ulo 18, ~s mu:'</p><p>lheres que vão se queixar aÚ\comissário de policia - Arlet!e Farge encontrou</p><p>seus de,poimentos nos registros do Châtelet - deploram que seus maridos não</p><p>dão O necessário para manter os, filhos. E quando, em 1831, a prefeitura muni</p><p>cipal de Paris, em plena crise, fecha às mulheres e às crianças as oficinas de so-.. ' ( ,</p><p>corro, para res"ervá-Ias aos homens, ~ mães saem efl.1 passeata nas ruas com</p><p>seus filhos: com o quê elas vão viver? Elas reivindicam 'receber e gerir o paga-</p><p>'\. mento, e parece qu~/obtêm sua reivindicação. Po.r voltá da metade do século</p><p>19, a maioria dos C?perá~ios entrega seus pagamentos a suas mulhe'res. Em suas</p><p>monografias de famflia, Le Play insiste na'extensão desta prática na França, que</p><p>el,e opfe • . ~:este ~onto de vista, à Grã 'Bretan'ba. 1l5 Aquela que os minéiros de</p><p>Montceau; antes de 1914, chamam de '~a patroa", deixa para seu marido uma</p><p>I .</p><p>peq~ena soma para beber. Tu~o isto não se faz sem conflitos cujos estilhaços</p><p>125. Le Play, Le.s Ollvriers européens, segunda s~ri~. t.l, 1879. p. 270 d seq.: "Les travaux</p><p>des femmes': As monografias de fam11ia cohtidas em Les Ouvriers ellropúlIS e us</p><p>, Ouvr;ers des Dw;c·Motlde5, a ~e$~ito de Slf ideologia conservadora, 5<10 uma das .</p><p>raras descrições sobre o trabalho dombllco e os poderes da dona-de-casa na</p><p>202</p><p>França do século 19. I . ,</p><p>.'</p><p>"</p><p>I</p><p>f.</p><p>,</p><p>CÀpftulo 7</p><p>Ao mulher popular rebelde</p><p>animam perio.dicamente os bairros da periferia, se o maddo demora mais do</p><p>que o. necessário no. bar. Em Saint-Quentin, por volta de 1860, os donos de ca</p><p>baré construíram hangares diante do.s cabarés para as mulheres que .. no sába</p><p>do de pagamento., esperam cho.rando. '~ Em Paris, "as donas-de-casa colocam- '</p><p>se à janela, descem para as soleiras das portas, e. às vezes, impacientes, com o.</p><p>coração angustiado, pode-se vê-Ias saindo ao encontro dos maridos, no cami</p><p>nho do ateliê. Elas conhecem bem os seus exageros, desde 0.. momento em que</p><p>eles sa~em que têm a}guns to.stões no bo.lso! ( ... ) E, na rua, vozes retum~atn;</p><p>nas casas, injúrias voam, sujas e cheias de cólera, mães se levantam'~m O dia de</p><p>pagamento, acontecimento da vida popular, dia de júbilo em que a dona-de</p><p>casa paga suas dividas e presenteia seu mundo, dia de cólera contra os patrões</p><p>injustos e os descontos arbitrários que COI'rOem o salário, dia em que freqi;en</p><p>temente se decidem as gt:eves - munidos de dinheiro, pode-se ' agüentar - é</p><p>também um dia de afrontamento dos sexos, em que a dona-de-casa se rebela</p><p>contra sua impossível tarefa: sem "gran~': encher as panelas.</p><p>A gestão do pagamento é, sem dúvida, uma difícil conquista das mulhe</p><p>res, o resultado de uma luta cheia de emboscadas, em que o patronato, preo</p><p>cupado em favorecer' um "bom" uso do salário, estendeu completamente, para</p><p>as mulheres, a mão generosamente caridosa. Assim como naquela sociedade</p><p>industrial do S,oisonnais, descrita por Le Play, por volta de 1850: '~E.xercendo</p><p>há dois ~nos um patronato benevolente sobre a população que ela emp~ega, (a</p><p>empresa) ad?tou o. costume de pagar cada semana às mulheres o salário ganho.</p><p>por seus maridos':I~ ,Estas são as armadilha~ do. salário familiar: a mulher está</p><p>sempre sem saída. Em todo caso, a mulher do povo mostrou-semais comba</p><p>tiva, mais informada do que a burguesa a quem o marido dá uma mesada para</p><p>a manutenção 'da casa, reservando para' si a direção do orçamento, no caso, fre</p><p>qüente, de comunhão n13trimoniaJ. Em suma, a dona-d~-casa conquistou o.</p><p>"direito ao pagamento". Atualmente ainda, as operárias apegam-se ao que cha</p><p>. mamos de "matriarcado. orçamentário':m Ele lhes impõe encargos, preocupa~</p><p>126 SIMON, Jules. L'Ouvriere. Paris: [s.n.l. 1861 .</p><p>127 LEYRET. Henry. En piei" faubourgtMreurs oflvritres). Paris: Charpentier, 1895. p. 50.</p><p>128 Le Play, Le.s Ouvritrs europétns, t, VI, "Bordier du Laonnais", p. 110.</p><p>129 MICHEL. Andr~e. Acriviré professiotlnelle de la fel1lllle tt vie cotljugale. Paris: CNRS,</p><p>1974. p. 84.</p><p>. '.</p><p>203</p><p>• ..</p><p>• • • · . • • • • • , • , .. • • • • • , •</p><p>~ • • .. • • .' • • • • ,</p><p>• • • , • • , • I.</p><p>., • ., • " •</p><p>• • .. • • 'I • 'I : , • í • ;</p><p>• • • .' • " ~ ~ ,</p><p>• • :</p><p>" • •</p><p>PIlf'fe 2</p><p>MulJ.~rtl"" 'mb41hel</p><p>, .</p><p>ções, até mesmo privações: sendo obrigadas a "fechar" o mês, a mãe de famf</p><p>Lia - é clássico - -retira o dinh_eiro que falta de sua parte. Ela reserva ao pai -</p><p>trabalhador' "forçado" - o vinho, bebida quase exclusivamente masculina, os</p><p>melliores pedaços de carne, e às crianças, o leite e o açúcar. Solteira ou casada,</p><p>a mulher é, no século ~9, uma subaJimentada cr4nica. E, em valores médios,</p><p>sua despesa com roúpas é menor do que a de seu marido, e~, que é chamada</p><p>de frfvala! Gerir a penúria é, iniciahnente, sac.rificar-se. Apesar de tudo? é tam</p><p>bém a base do poder das donas-d~-casa, O fundamento de suas intervenções,</p><p>geralmente barulhentas, na cid;lde.</p><p>A DONA-DE-CASA, TIÇAO DA PERIFERIA</p><p>"</p><p>_ Se n:'lo há pão em caS3, a mulher se inlromete,</p><p>- Mais perto das coisas, ma,is violenta, mais raivosa, ela</p><p>traz ClT) suas cóleras muito mais paix!l.o do que seu</p><p>marido: "Ah! Se eu fo~ o homem, eles veriam,</p><p>As mulheres são o ti~o':</p><p>Henry Leyret, En pleitJ faubourg, Paris. 1895,</p><p>As dona~-de-casa não fazem um orçamento propriamente dito, A que</p><p>serve fazer contas, num déficit perp'étuo? Os ritmos do pagamentp - a se'ma</p><p>n'a, a quinzena":' eis o seu horizonte. Mas elas observam os preços, atentas à</p><p>menor varia'çãe, aceitando apenas as al~as sazonais, ligadas às fatalidades da</p><p>·natureza. Em caso de carestia excessiva, elas se revoltam. As revoltas de 'subsis ___</p><p>tência, grande ·forma · de tumultos -populares áinda no séc-ulo 19, são quase</p><p>sempre desenc~deadas e a.nima~<ls pelas mulheres. A insuficiênci<l de meios -d~</p><p>comunicação, que torna cada região exclusivamente tributária de seus pró</p><p>prids' réc~rsos, cria pontos de estrangulamento, rigidez geradora de altas. Bas-</p><p>I •</p><p>ta que uma intempérie - chuvas, seca excessiva, gelo precoce ou tardio - acon-</p><p>I ' .</p><p>teça e eis a rari~ade dos produtos, logo explorada pelos mercadores, campone-</p><p>ses ricos, ri-roJeitos e até mesmo' padeiros, bastante fortes para esperar, qu~ es</p><p>peculam. estocando seus grãos ou seu pão" mais raramente. suas batat"as, como</p><p>valores da bolsa~ .. E;ltãO as mulheres íntenfm. . '</p><p>Sua vigilãilêia se exerce n&~ feiras, g~ande local das mulheres. Em perma</p><p>nêocia; elas vigiam a qualidade e as qua~dades. a regularidade do abasteci': - ,</p><p>--</p><p>204</p><p>\</p><p>\</p><p>\</p><p>. ~,.,'. .1</p><p>.. /</p><p>Capíw lo 7</p><p>J!. "1II111~r pqpWIIr rr:bdtU</p><p>mento e o nível dos preços. Quando uma penúria se anuncia - mercadorias</p><p>muito rapidamente esgotadaS, começo de filas - ei-Ias em alerta. Quando uma</p><p>alta se esboça, elas.murmuram. O boato infla-se nas r.uas, nos pátios, nos bair</p><p>ros, e~lre as vizinhas. Na feira seguinte, os preços disparam. Então as _mulheres \"</p><p>intimam seus fornecedores de grãos ao preço costumeiro; se ele~ recusam, elas</p><p>tomam os grãos, fixam o pre~o e os vendem sozinhas. Se o cometciante ,escon</p><p>de seus sacos d~ grãos, elas atacam o açarnbarcad~r, reviram as bancas, perse</p><p>guem-no com grit01 e chegam a golpeá-lo, até os fundos das lojas dos padeiros</p><p>cÚlnpliçes. Na madrugada, elas</p><p>se aglomeram nas po;tas da gdade, para espiar</p><p>a chegada das charretes e tomam os sacos ·que dividem perto da fontê ondF as</p><p>mulheres se reúnem . Quando as feiras se esvaziam. elas espiam o movimento</p><p>dos grãos; se corre O boato que uma carroça circula em direção a certo local, .</p><p>elas saem, colocando-se nas. estradas ou junto aos canais. Estão sempre prontàs</p><p>a ~e amotinar então. a passar a palavra de ordem que põe em movimento a co-:.</p><p>munidade das mulheres! Elas levam freqUentemente s~us filhos, atribuindo</p><p>lhes um papel: ficar à espreita, levar uma mensagem, tocar o alarme . .As mães</p><p>de família, as'donas-de-casa mais carregadas de filhos, aleitando, às vezes grávi</p><p>das, ahiruam estas tropas revolt"das, mas pode-se também ver ali jVClhas mulhe</p><p>res, guardiãs da feira, jovens solteiras que mantêm pais idosos ou solitários, dia</p><p>ristas, remendeiras, lavadeiras de salário magro para quem a carestia do pão é</p><p>miséria. Du.rant~ os grandes tumultos de 1817, diversas d~enas d~ mulheres fo:'</p><p>ram condenadas à prisão, aos trabalhos forçados e .at~ mesmo à I!l0rte, a des</p><p>peito da indulgência ansiosa dos tribunais pejas mães de familia. L)O</p><p>N~stas revoltas, as m~lheres intervêm 'coletivamenfe. Jamais armadas, é</p><p>. CO~l seus corpos que elas hitam, com o \rosto· ~escobertó, as mãos para a fren</p><p>te. buscando rasgar as r,oupas, suprema devastação para estas costureiras, agar</p><p>rando-se aos sinais da autoridade - as insígnias dos uniformes dos 'policiais _</p><p>mais preocupadas com a derrisão do que com os fer'imentos. Mas, sobretudo,</p><p>elas usam sua VOZi ruas "vocif~rações" soam das' multidões famintas. Qual~do</p><p>elas lançam projéteis, são os produtos da feira, ou pedras com as quais elas ~n-</p><p>130 O estudo do pa~1 das mulheres nas revoltas de subsistf!ncia nunca foi feito siste·</p><p>maticamente. Baseio-me aqui em um processamento parcial dôs dadol dos dossies</p><p>de arquivos que concernem as revoltas de 1816-1817, Arcllive5 nationalcs, F 11 n2-</p><p>736 e diversos dóssi~s de BS 18.</p><p>-, 205 ,</p><p>></p><p>i</p><p>I</p><p>,</p><p>I</p><p>PQrtc2</p><p>Mu"hc,~s no Imbàll,o</p><p>chem seus aventais, em casos extremos. Comumente, das não destroem nem</p><p>pilham, preferindo a venda taxada. Impedindo-se de roubar, elas exigem ape</p><p>nas o tCp!eço justo': impondo-o. elas mesma~ diante da carência das autorida</p><p>des. U1 .~ntra os açambarcadores e os poderes inertes\ elas encarnam o direito</p><p>do povo ao pão cotidiano.</p><p>/ .</p><p>! Este é o roteiró clássico, - com varia,ntes, deslocamentos cuja trajetória</p><p>diria provavel~ente muito sobre a evolução ~o papel das mulheres no seio do</p><p>povo - comum às r~voltas de subsistência cuja ressaca enfraquecida dá o rit</p><p>m!, do século: 1816-1817, 1828, 1831, 1839-1840, (sobretudo na Oeste), 1847-</p><p>1848. 1868,1897; últimos tumultos ~m que a carestia do pão está no centro do</p><p>protesto popular. O aumento da produção,. O desenvolvimento dos meios de</p><p>comunicação e singularmente das estradas de ferro, as fa~ilidades de importa</p><p>ção puseram fim às velhas penúrias. Com .elas, desaparece um t.erreno privile-·</p><p>giado ,de intervenção direta das mulheres: a luta pelo pão, O grande conflito</p><p>moderno é a greve, mais viril do que feminina. Porque ligada aos assalaria9.os</p><p>entre os quais a mulher, inici(llmente. tem apenas um papel secundário.</p><p>CONTRA O SENHOR VAUTOUR</p><p>Guarcüãs do viver, as mulheres tambéil?' são as guardiãs da casa. Nas</p><p>cidades popu!osas do século 19, pouco' equipadas para receber as ondas de</p><p>migrantes, o problema da moradia nunca foi resolvido. Solteiros, os recém</p><p>chegados se aglutiiia~ em -quartos ou aparta,mentos n'}obiliados alugados às -</p><p>-vezes por uma noite. Cas~dos, ele,s se ap~rtam 11.9s pequenos apartamentos</p><p>d~ um~ ou duas peças nas velhas casas, ~ mais tarde, praguejando, nos con--C-</p><p>. I</p><p>. -junt~s resid.enciais ,que eles execra.m. 9 alojamento, não é uma hábitação,</p><p>mas um lugar de agrupamento diário da família, um abrigo mutável, pois a~ .</p><p>partidas são freqüentes. As classes populares ainda não lutam 'pela moradia,</p><p>m,as pelo a~ugu el, sempre caro demais para aqueles habitantes rurais acostu,</p><p>mados a não pagar na~ pelo fogo e pelo local.~E o dia de vencimento é um</p><p>131 Juntamo-nos aqui às observações de THOMPSON. E. P. 'PIle moral economy of the</p><p>En~ish crowd in the eighteenth century. Ppstand Present, 1971, (71-136) .</p><p>I ~</p><p>206</p><p>I</p><p>Cap{lulo 7</p><p>A mulher poP"lul' n:~ldc</p><p>momento de confljto com os proprietários, os zeladores" seus representantes.</p><p>e a polícia.</p><p>Nestes afrontamentos com Pipele~ e Vautour, a~ donas-de-casa têm um</p><p>papel de primeiro plano, feito de astúc.ia e de fuga. Quando a família não pode</p><p>pagar, elas organizam mudanças clandestinas chamadas de "com sino de ma</p><p>deira" porque eles não fazem barulho (diz-se em Lille "à São Pedro"). As pro</p><p>cissões de charretes puxadas manualmente, sobre as quais ~e empilham os far</p><p>rapos da famUia, animam periodicamente as ruas das grandes cidades.</p><p>A intervenção feminina, em tempos de revolução. pode tomar formas</p><p>. mais agudas. Assim, em 1848. em Paris. o povo pede a revogação dos venci</p><p>mentos. As mudanças tornam-se menos numerosas, menos furtivas e fre- ')</p><p>qüentes incidentes ocorrem nos bairros pobres, de La Villette a Charonne e na</p><p>Rue Mouffetard. Na maior parte dõ tempo, eles têm a forma de falatórios em</p><p>que as mulheres, al iadas aos marginais - os trapeiros. por exemplo - estão na</p><p>vanguarda. Aos· gritos de "os recibos ou a morte;', batendo panêlas e ~aldei</p><p>rões, barulhentos agrupa'mentos se formam sob as janelas dos proprietár,ios,</p><p>para exigir os recibos sem pagamento. Homens e ,?perários parecem hesitar</p><p>diante desta ilegalidade: as mulheres os chamam de "vagabundos", suprema</p><p>injúria, e entregam-se de, coração à luta, insultando. ameaçando o Vautour e</p><p>seu Pipelet. ainda mais detestado porque mais quotidianamente presente. "Se</p><p>vós não quiséreis,'queu:naremos vossa casa, depois a pilharen];os.e a demolire- .</p><p>mos. Quanto a vós, nós vos faremos comer feno, e vos enforcaremos." "Os</p><p>proprietários são todos patifes e canalhas. Os porteiros são vCIhacos ta~\bém. , .</p><p>~ preciso matá-los e incendiar os Mestres". Por tais fatos. diversas donas-de</p><p>casa vão para a prisão.</p><p>No fim do ' século 19, os companheiros anarquistas transfonnnm est~</p><p>tipo de ação em suá especialidade. Ao apelo das donas-de-casa ~m dificuldade,</p><p>os Cavaleiros do Sino realizam .a mudança cland~stina. Tímidos esboços des</p><p>tas lutas urbanas cujo terreno são o bairro e o consumo. O espaço da cidade</p><p>pertence às mulheres e aos que, áe resto ainda muito numerosos, não ficam fe</p><p>chados doze horas por dia no ateliê ou na fábric~ e que .conhecem a rua ryão</p><p>apenas superficialmente.</p><p>Personagens de "us Mysttres de Paris" de Eugene Sue. (N.T. )</p><p>207</p><p>I.</p><p>;</p><p>~ • • • • •</p><p>• • I :</p><p>I' .' : • I· • • .' • • ••• iI' J • • • i '</p><p>• •</p><p>PIlrfe2</p><p>MI4fJlem no trabAUICl</p><p>AS MULHERE$ CONTRA AS MÁQUINAS'"</p><p>Na luta contra a introdução das máquinas, destruidoras do modo de ,</p><p>trabalho tradicional c portadoras de novas disciplinas, as mulheres trouxe-</p><p>ram também toda a ,S}1{l ..... energia. EhiS animam as multidões vingadoras que,</p><p>na primeira metade do século, assaltam as "máquinas inglesas", ainda com</p><p>mais ardor porque, às vezes, revóltas de subsistência e luddismo (expressão</p><p>inglesa para a quebra das máquinas) se misturam em u'ma mesma conjuntu</p><p>ra de cri~e. Em Vienne, e~ l819, quando chegou a "Grande Tosadora" desti:- .</p><p>nada a substituir os tosadores de.lã à mão, as donas-cle-casa dão o ~inal de ,</p><p>destruição; gritando: "Abaixo a tosadora!." "A filha de Claude Tonnegnieux,</p><p>açougueiro, jogava pedras nos dragões e excitava as operárias com gritos:</p><p><Quebremos, quebremos, audácia!' Margperite Dupont, fiandeira de Saint</p><p>Freny, tratou o tenente-coronel d'e 'safa~o', A mulher de Garanda gritava: '~</p><p>preciso quebrar ~a tosadora'. Um dragão ruzia ao povo: <Vamos~ meus amig~s,</p><p>, nós .somos todos franceses, retirem-se!' e. às mulheres: 'Vamos, Senhoras, r~</p><p>tirem-se, não é O seu lugar. As Senhoras deveriam estar junto .a seus filbos'.</p><p>Elas responderam: 'Sim,</p><p>é o nosso lugar', e retiraram-se resmungando': Em</p><p>Saint-etienne, em 183 1, elas-ajudam os operários da manufatura de armas a</p><p>destruir uma nova máquina de perfurar automa'ticamente os_canhões de fu</p><p>zil, c o procurador do rei deplora: "E o que é penoso de dizer é que entre os , .</p><p>mais obstinados contra a guarda nacional se faziam sobretudo notar as mu</p><p>lheres que, c'Om seus aventais cheios de pedTas, jogavam-nas .el~s ,mesmas ou</p><p>as davam para sere1!l jogadas",</p><p>Não contentes de ser auxiliares, elas mesmas se insurgem contra os ata</p><p>ques às formas de produção doméstica às quais e-s~ão particularm~nte Iigadas_</p><p>Bem a~tes das máquinas, no tempo de CQlbert, as mulheres 'de Alençon, de</p><p>Bourges, de Issoudun levantaram-se contra o monopólio das manufaturas</p><p>\</p><p>reais e a ameaça de um ilppossível enclausuramento. Aquelas. mulheres, ocu':"</p><p>padas com suas famUias, recusavaIn~se a ficar nas manufaturas, paSsado'o tem~</p><p>po de aprendizado, Elas queriam fazer em;suas próprias casas a preciosa ren-</p><p>~ , ' J</p><p>132 Para mais detalhes, ver PERROT, M, Les ~uvtic rs ct les o~achines co France dans la</p><p>premiere moitié du ~X( siede. Rcchercl'fl.' Le solJat dll travail, oct. 1978. de que</p><p>'me sirw aqui. I'</p><p>"</p><p>208</p><p>Clpltulo 7</p><p>A. mulher popular rebelde</p><p>da, fonte de dinheiro fresco, ne~essário para pagar os impostos. As revoltas "</p><p>maiores ocorreram em Alençon. em 1665, quando um certo Leprevost decidiu</p><p>forçar a mão. "Ele agiu com toda a insolência de um novo rico, declarou que</p><p>de saberia como triunfar sobre suas resistências, e que as moças da região_</p><p>' e~am muito felizes de vir ganhar dois tostões por rua na fábricll. Mllis de mil</p><p>mulheres se revoltaram, perseguiram-no e o teriam matadó se ele não tivesse</p><p>imed.iatamente procurado refúgio na casa' do intendente."Ul Foi preciso nego</p><p>,dar e compor com aquelas "boas mulheres'~</p><p>Em Rouen, em novembro de 1788, suas netas boico_tam a máquina de</p><p>, Barneville, instalada no claustro Saint-Macou, sob o patronato do pároco e d'as '</p><p>, ~ - idnãs e que, segun'do elas, provocam jornadas incompat[veis com os cuidados</p><p>da famUia. Em 1791, 'l.uando se quis introduzir jellllys (máquinas de fiaI algo;</p><p>dão) em Troyes, "as' fiand<;iras se revoltaram-contra elas: elas foram então ins-</p><p>, taladas nos campos~ Em Paris, dUrante a Revolução, as mulheres brigam para "</p><p>obter trabalho em domicilio, e são tão barulhentas que às vezes eles acabam ce</p><p>dendo: "Há, e":tre as mulheres, sobretudo, aquelas que são terriveis, e vós sa</p><p>be~s, com'o eu, que temos diversos ,exemplos de revoltas executadas por mulhe ....</p><p>res': I\4 escreve um administrador, traumatizado pela lembrança dos dias 5 e 6</p><p>de outubro de 1789, dias em que as donas-de-casa de Les HaUes (o Mercado)</p><p>forarp a Versalhes, buscar o "Padeiro, a Padeira e o pequen'o Aprendiz'~ E um</p><p>outro: "~ preferível deixar as m~eres isoladas ~ o~upá-Ias lem suas Casas do.</p><p>que reuni-Ias em aglQmerfições, pois as pessoa~ deste estado são como as plan</p><p>tãs ,que fermentam quando agrupadas'~m</p><p>Graves tUmultos eclodem em maio de1846, em Elbeuf (a fábrica e a casa</p><p>do fabricante são que,imadas), qu'ando um indústrial quer introduzir uma má</p><p>quina de triar lã ingleSa, destina,da a substituir as mulheres que, até então, fa</p><p>ziam este trabalho em suas casas e pretendiam conservá-lo. Em 1848, as mu</p><p>,lheres reivindicam a abolição do trabalho 'concoHente nas comunidades reli-</p><p>l giosas. Na r'egião de Lyon, onde se multiplicam os internatos de: seda que, spb</p><p>a direção de congregações religiosas especialízadas, recrutam as jovens campb-</p><p>133 Segundo LEVASSEUR, E. Histoirt da classes ouvrihes en Franceovtlnt la Rtvolmion.</p><p>Paris: Guillaumin, 1859. t.1, p. 203 et seq.</p><p>'134 Thetey, L'Auistatlct publiqu,e d ~ris pelldant la R~ollltion, t . lI, p, 401. '</p><p>135 Id ., t. II, p. 594. juil. 1790.</p><p>2'q9</p><p>~</p><p>I</p><p>I '</p><p>I</p><p>I</p><p>, ,</p><p>Purte 2</p><p>MulllcrtlllO "'ablllho .</p><p>nesas, a revolta é particularmente violenta. Em Lyon, em Saint-~tienne sobre</p><p>tudo, as mullieres assumem a lid~rança dos cortejos tumultuosos que 'assaltam</p><p>. as beneficências ~ os conventos, aos gritos de "Abaixo os padres! Abaixo oS'con</p><p>ventos!", elas queimam máquinas de ilidir e teares mecânicos.</p><p>As mulheres pressentem nas máqvinas, não somente as concorrentes de</p><p>seus homens, mas também as suas concorrentes, inimigas diretas dos trabalhos</p><p>manuais em domicílio que lhes permitem fechar seu orçamento conservando.</p><p>um certo controle de seu tempo. Elas percebem ali o caminho de seu enclau</p><p>sura~ento. A fábrica é muito pouco apreciada pelas donas-~e-casa. Elas co</p><p>nhecem sua servidão. E a qualidade de operária somenle será revalorizada no</p><p>início do séçulo 20, como contragolpe aos abusos do '(sweating system" (traba</p><p>lhp em domicilio enquadrado na indústria da confecção), ligados em grande .</p><p>parre aos ritmos impostos pel~ máquina de costura. E a relação com a máqui</p><p>na de costura é uma outra rustória,'a histór ia de.um sonho subvertido. Inicial</p><p>mente objeto do desejo das mulheres que vêem nela o meio de conciliar suas</p><p>tarefas e talvez de ganhar tempo - a Singer fez mu~tos corações baterem - a</p><p>máquina de costura t?rno\u-s~ assiih. o instrumento de s'ua servidão: ·a fábrica</p><p>em domicílio. Neste caso, a outra é preferível. ' . ,~</p><p>lniciádoras de revoltas, as mulheres estão, aléin disso, presentes na</p><p>maioria dos tumultos popWares na primeira metade do século: revoltas flores</p><p>tais em que as mulheres defendem o direito à' lenha, tão importante quanto o</p><p>pão, para os pobres; revoltas fiscais, tumultos urbanos de tO'do tipo, pequenos</p><p>choques com"a jurisdição dos Marecllais de França ou com a policia nas gran</p><p>des revoltas que pontuam o século. t verdade que a forma de sua participação </p><p>muda: de iniciadoras, elas passam a ser auxiliares. Ao se militarizar, a revolu</p><p>Ção t<?rna-se masculina e relega as mulheres à cos~ura e ao (orno. D~rante~ <L-</p><p>- Com~na, por exemplo, elas são toleradas· apenas como enfermeiras ou cantÍ- ·</p><p>neiris: ÉI;s devem vestir-se como homens St; quiserem portar armas. A frente</p><p>das /manifestações ou.dos cortejos, elas aparecem como símbolos. E se a Repú</p><p>blita é encarnada na Marianne, esta é talvez uma última maneira de transfor</p><p>,m~ar a mulher em obj~to. '"</p><p>136</p><p>210</p><p>,</p><p>AGULHON, M. Un usage de la femme aulXLXc siecle: )'allégorie de la République.</p><p>In: Mythes et Reprhentatjons 4e la Fem~t. op. cit., e seu livro publicado atual</p><p>mente: Marianne ali comMt. Paris: Flamn1arion, 1979.</p><p>/ ....</p><p>'-</p><p>"\"</p><p>,</p><p>I</p><p>, ,</p><p>._--._.~</p><p>CÀp{"j/O 7</p><p>A mulher popular rdxldc</p><p>A natureza da participação da mulher é o. refie.:<o, está em correspon</p><p>dência com O seu lugar real na cidade. Em toda a parte onde há o "povo", a mu</p><p>lher está vigorosamente presente. Michelet o sentira. :t-!0 conceito das classes,</p><p>entretanto) ela tem mais dificuldade em encontrar seu status,'porque as classes</p><p>são estruturadas em torno de elementos que não lhe são familiares: a produ</p><p>ção, o salário) a fábrica. Na cidade· dos bairros, elas são surpreendentemente</p><p>presentes.</p><p>A DONA-DE-CASA NO ESPAÇO DA CIDADE</p><p>A.estreiteza da moradia urbana reduz a muito pouco o que se pode fa</p><p>zer ali. Qs "trab·alhos de casa'Lnão são (Carrumar a casa", mas sim fazer ~s com</p><p>pras, preparar as refeições - cozinhar é um meio de tirar partido de matérias</p><p>primas baratas e dificeis - ocupar-se com a roupa, cuidar das crianças. ~ isto</p><p>que desenha o tempo das mulheres - um tempo fraglllentado, mas variado e</p><p>rei<itivamente autônomo, nos antípodas do tempo industrial - e seu espaço:</p><p>nãQ o,"interior" que, para elas, ainda não existe~ mas o exterior. Quando os ho</p><p>mens partem para' o canteiro de obras, para o ateliê, a rua lhes pertence. Ela</p><p>tem o barulho de seus passos e de ~eus rumores.</p><p>O que chama a aten.ção, inicialmente, é a sW'preendente fluidez das mu- .</p><p>. lheres do povo naquelas cidades a\nda pouco compartimentadas. "A mulher</p><p>·como é preciso ser (com me iI faut)': que Balzac descreve, espectador fascinado</p><p>e nostálgico dos limites que a conveniência burguesa estabelece na cidade,</p><p>é</p><p>uma muUler afetada em seus cuidados,. canalizada ·em seu itinerário.1J1 Ela co~</p><p>bre seu corpo -segunda_um çódigo estrito que a aperta em espartilhos, a cobre</p><p>de véys, a enluva· da cabeça aos pés. E a lista é longa dos lugares em que uma</p><p>mulher "honesta" não poderia se mostrar sem decair. A suspeita a pers~gue em</p><p>seus deslocamentos: a. vizinhança, espiã de sua reputação, até mesmo seus em</p><p>pregados a espreitam; ela é escrava até em sua moradb na qual o salão lhe é atri</p><p>buído. Ela tenta conquistar sua liberdade na s0l11bra e em um código de sinais</p><p>sofisticados - cartas dobrad;s, mensagens levad-as, lenços caídos, lâmpadas ace</p><p>sas - que cl\amamos de astúcia feminina. Eis a.. mais prisioneira das mulheres.</p><p>137 Balzac, Scenes de la vie pri\'ée, t.JI, 1842, "Autre étude de femme~ .</p><p>21l</p><p>PolrlC 2</p><p>Mullluu n" 'rab,,/Jw</p><p>A mulher do povo tem mais independência gestual. Seu corpo continua</p><p>livre, sem espa;tilho: suas amplas s'~ias prestam-se à fIaude: no passado, as mu</p><p>lheres simulavam a gravidez para passar sal ~ob o nariz dos guardas da alfân-'</p><p>dega, como o fazem em seguida, nas barIeiras de pagamento de impostos, nas</p><p>fronteins. Arquétipo da mulher-esconderijo: a ancestraJ que, nas primeiras</p><p>páginas do romance·de Günther Grass, O Tambor, abrigà sob seu vestido um</p><p>fugitivo procurado pela policia. A dona-de-casa vai, com os cabelos à mostra</p><p>(as damas do~ Mercado lançam às clientes mais iinpertinentes: "não. ~ porque</p><p>tu tens um chapéu" insígnia de. burguesia), indiferente à moda e a seus man</p><p>damentos que tiranizam as mulheres da "classe de lazer" lll preocupada apenas</p><p>c~m a limp,eza' que-as dificuldades para a obtenção de águ,a complicam .singu</p><p>larmente. Ela tem o gesto pronto, assim como a resposta. Esta mulher é. um ar</p><p>tigo inflamável cujas reações são temidas pelas autoridades.</p><p>Para aquela eterna apanhadeira de ervas do campo. a cidade ê uma flo</p><p>resta onde ela mani~esta sua. incansável atividade, sempre em busca de. uma</p><p>oferta de comJda ou d~ combustível (as crianças tarn~éin passam muito tem</p><p>-po juntando esterco). Ela bisbilhota. junta aqui e acolá, revende, rainha das ~e</p><p>quenas profissões e do pequeno comércio parisiense que, de resto, se masculi</p><p>niza progressivan:tente ao I~ngo do século. A margem do Mercado, vêndedoras</p><p>de frutas e legumes, com suas cestas, vendedoras de'ervas, de buquês.,. atraves</p><p>sam a cidade, apresentando, em cada canto, em cada esquina, sua "coleção" de</p><p>legumes, de frutas, de flores, de nada. Em tempos de crise, as mulheres buscam</p><p>algum recur~o vendendo até mesmo suas roupas usadas e defendem com</p><p>unhas e dentes seus direitos de feirantes ~ontra as regulamentações cada vez</p><p>mais draconi"amisldos d~legados de polrcia que ficam inquietos_com ~stas reu-. " '</p><p>niões sem contrqle. As mulheres deslizam, insinuam-!e em tod~ a parte, com_</p><p>_" densrdade~ mais fortes em torno dos mercados e dos pontos de água, uma pre-</p><p>_ dile1ãopelas bordas dos rios, populosos e populares, ao sabor de suãs co~pras"</p><p>e de uma geografia ainda ba,stante flutuante. Para elas, nada é sagrado; elas não</p><p>heJitam, por exemplo, em atravessar as igrejas em roupas matinais com suas</p><p>cestas. A' tal, porito que, em 1835, o .regulamento da paróquia de Saint-Eusta-'</p><p>138</p><p>212</p><p>Veb~en, Thé~r!e de la classe de loisir, IS;9:;uceleptes observações sobre o papel do</p><p>consumo "ostentatório" dà es.posa na burguesia e sobre seu papel, em suma, de</p><p>"mulher enfeite': i .</p><p>"\</p><p>,;</p><p>'-</p><p>,</p><p>1</p><p>'I</p><p>r</p><p>'j</p><p>1</p><p>I</p><p>!</p><p>~ ,</p><p>I</p><p>1</p><p>'I</p><p>I</p><p>OplhJ10 1</p><p>A ltIull,ftr I>OPIlIIl' r<t:#tcIdc</p><p>~he, ~m pl~no coração das-Halles (região dos mercádos), ordena ao~ sacristãos</p><p>"que reprimam aqueles que causam tumulto na igreja; que impeçam que se .</p><p>entre ali com pacotes e compras; que não sofram com a presença de pessoas</p><p>que usam papelotes, a quem eles devem advertir calmamente para que saiam</p><p>alguns minutos para se apresentar com major decência':'" Calmamente, pois</p><p>'se teme muito as explosões de suas vozes!</p><p>Elas correm, as mulheres, como elas correm. Mas elas esperam também,</p><p>em uma série de locais obrigatórios cuja Iista,crescerá ao longo do século, com '</p><p>" /</p><p>o ~umento dos deveres maternos - a escola, div~rsas vezes por dia, quando se</p><p>tôrna imoral deixar as crianças irem sozinhas - e a complicação dos equipa</p><p>'mentos urbanos. Pouco a pouco, as a~ambulações das donas-de-càsa'deixarão</p><p>de divagar para se mover em 'itinerários mais rígidos, canalizados pelas lojas,</p><p>pelos equipamentos coletivos, pelos horários da escola e da fábrica, unanime</p><p>' mente 'harmonizaclos pela "hora certa'~ a hora-da estação ferroviária. A tudo</p><p>isto, aS donas-de-casa serão por muito tempo rebeldes.</p><p>MULHERES NO LAVADOURO</p><p>Paremos, por um instante, neste local privilegiado da sociabilidade fe</p><p>minina, que desempenha um papel tão grande na vida do bairro. Local ambi- .</p><p>valente, rico em incidentes entre as próprias hiulheres, cuja violênàa freqüen</p><p>temente ganha livre curso; rico em escânda-los daqueles 'que, em nome da res</p><p>R~ta.bi1idade, recusam às mulher~s o direito à cól~ra, aos gritos e à confusão;</p><p>lócal de conflitos) igualmente, eri~e 'as muUleres e (, poder que se irrita com es</p><p>tas explos?es e ainda mais com o tempo perctido p~las mulheres,. Quando, sob</p><p>o Segundo Império, são instalados lavadouros _co~partimentados para evitar</p><p>as brigas entre as mulheres e a tagarel.ice, as donas-de-casa protestam e boico</p><p>tam. E acaba-se então renunciãndo a es tes lavadouros. '</p><p>I</p><p>G lavadou~o é, para elas, muito mais do que um local funcional onde</p><p>lavar a roupa: é um centro de encontro onde se trocam as novidades do bair</p><p>. ro, os bons endereços, receitas e re·médios. dicas de todo tipo. Cadinhos do em -</p><p>139 LA BED0LLlmE. Les lndustriels. Métiers et P}o!essiolls1 en' France. Paris: (s.n .].</p><p>1842, p. 3,</p><p>21J</p><p>,</p><p>,</p><p>I . '</p><p>• I .',</p><p>l.</p><p>Pllrfel ..</p><p>Mulhcr.:$ 110 Imbll!!JO</p><p>pirismo popular, os layadouros são também uma sociedade aberta de socerro</p><p>mútuo: se uma mulher está em apu.ros, é acolhida, faz·se uma' coleta para ela.</p><p>A mulher abandonada por ~eu homem, no lavadouro, onde a presença mascu</p><p>lina é reduzida aos meninos irrequietos. goza de uma simpatia particular. Uma</p><p>criança abandonada certamente encontrará ali uma mãe, como conta o ro</p><p>mance popuhir de Cardóze. La Reille du Lavoir (1893). Os lavadouros são lo</p><p>cais de feminismo prático. As mulheres os freqüentam djversas· vezes por se</p><p>mana, duas ou três, ~m média, geralmente muitas vezes por dia, no caminho</p><p>da escola. A cada ano, a mj-,arêm~ festa das lavadeiras, atrai toda a população</p><p>do bairro para a eleição da rainha. Seria o triunfo da lavadeira sobre a peixei</p><p>ra, soberana do CarnavaJ? Na metade do século, a m;-caréme sobrepõe-se à</p><p>Terça-feira Gorda na o.rdem das festas urbanas .. "O</p><p>No lavadouro. enfim, esboçam-se formas de organização origin-ais. As</p><p>lavadeiras profissionais estão entre as mais turbulentas assalariadas, prontas</p><p>para a coalizão e a greve, tanto em Paris quanto ~o interior, profundamente li</p><p>. gadas às febres da cidade. Em 1848, ~s lavadeiras parisienses formaram uma</p><p>sociedade, lançaram cooperativas e. em Bondy sobretudo; acolheram· em suas</p><p>fileiras as mulheres - prostitutas geraJmente -liberadas de Saint-Lazare, assim</p><p>comd os militares fugidos da prisão militar de Saint.:Germa.in-en-Laye que,</p><p>graças à Revolução, tentam viver de outra maneira. Apaixonante e breve expe·</p><p>riência. Experiência que tem razões para suscitar a cólera do poder.</p><p>Napoleão IH, que fugira da prisão em wn veiculo de la~adeira) sabe</p><p>quanto estes lugares são perigosos? Seu reino começa o grande .desmantela:</p><p>menta dos barcos-Iayadouros que usurpam o espaço da circulação fluvial e a</p><p>implantação dos lavadouros em terra, cada vez mais distantes do centro d'a ca-</p><p>. pital , como a clientela popular, expulsa para a periferia pelas modi(icações ur· ._</p><p>banas liromovidas por Haussmann.</p><p>- IMais~'~umerosos, mais r~gulamentados, os lavadouros tornam-se as 01101-</p><p>van c,s d.e Uma campanha.d.e higiene, em que a limpeza ~ apresentada</p><p>como a</p><p>irmã,- da moral: "A limpeza não.é ~omenle uma condição de saúde, ela auxilia</p><p>também a dignida'de, a rTloralidade humana, ela saneia, emb'eleza o mais pobre</p><p>r~ca'nto, a mansarda mais miserável, e supõç,~nas famílias, mesmo -as mais in-</p><p>. I</p><p>FAURE. AJain. Paris Car~me-p,.ellant: Du <:;"arnavalll Paris ali XIX! sitele. Paris:</p><p>Hathette, 1978. p. 133 et seq. !</p><p>1'40</p><p>"</p><p>2í4'</p><p>"</p><p>r</p><p>Úlpfllllo 7</p><p>'" I/III/lttr poplllllr rtbc:ldc</p><p>digentes, O sentimento de ordem, o amor pela regularidade e Ul1"'la luta enérgica</p><p>contra a ação dissolvente da miséria~ul Trélat, o a.lienista, o célebre autor de La</p><p>Folie /ucide (1861) é um aos relatores.</p><p>. Lavar, lavar-se. sempre mais. Mas também ganhar tempo, este tempo do</p><p>qual as donas-de·casa são pródigas, mas que "elas poderiam empregar alhures</p><p>mais proveitosamente'~ escreve Barberet que calcula o número d; horas passa</p><p>das e seu equivalente monetário: em Paris, trinta a trinta e cinco milbões d.e</p><p>irancoJ por ano. Começo de uma repexão sobre o tempo e o valor do trabalho</p><p>doméstico, o lavadouro é também o canal de .sua mecanização. Depois de</p><p>1880, cria·se·u.ma verdadeira indústria do lavar, com grandes lavanderias mo</p><p>dernas a vapor, onde o trabalho é concentrado, dividido, ordenado, hierarqui</p><p>zado, o pessoal reduzido e masculinizado. Os homens controlam as máquinas</p><p>e as mulheres conservam os empregos O1a~ua i s subordinados. Provavelmen~e</p><p>O sofrimento do corpo é dim inuído. mas, COntO sempre, esta diminuição é</p><p>paga com O aU.I1} ento do controle. O lavaaouro torna-se menos acessivel, me~</p><p>nos feminino, menos engraçado. As donas-de·casa .são bombardeadas com</p><p>prescrições. têm suas práticas criticadas: é preciso deixar dê lado a escova e o</p><p>batedor, lavár cientificamente. O que era às vezes um prazer, pretext~ para en</p><p>contros, torna-se um dever pesado, uma. necessidade codificada. Decidida-</p><p>mente, o lavadouro não é mais o que era!</p><p>,</p><p>A DONA-DE-CASA, GUARDIà DA PERIFERIA</p><p>A dona-de·casa é a alma do bairro e,'por isso, o ,nó ·de uma cultura po-</p><p>. pul~r original que se· opõe a.o modernismo unificador. Mui!as vez.es, fe·i-se das</p><p>nuilh.eres·os agentes plásticos das novas moqas. Em nossos dias, a publicidade</p><p>as assalta e tenta agradá-las para melhor governá- Ias. No passado, as seduções</p><p>do vendedor ambulant~· ou da loja' não tinham o poder de envolvimento da</p><p>mídia. Bem ao contrário, a mulher do povo urbano aparece' como a trama das</p><p>tradições dos migrantes e, na medida em que a autonomia cultural é uma ga-</p><p>rantia de independência, como fermento de um c~ntra-poder. . . . . , \</p><p>141 BARBERET, 1. Monograpl1ies professiomrelles. Paris: Ikrge(· Levrault, 1886. t. 1, p. 280.</p><p>\. .</p><p>2))</p><p>• • I • • • • • • • •• • . . • • , • .. • • • • • • • • • • • , . • ,. •</p><p>,.</p><p>Ame 2</p><p>MuI/lera no tnWlIlIlO</p><p>·'</p><p>Na Paris do século 19, os que chegam agrupam-se por bairros cuja uni ..</p><p>dade é a casa-pátio, sobrevivência da fazenda do vilarejo. As mulheres reinam ~</p><p>sobre estes pátios superpovoados onde, nos dias de fes ta , paira o odor dalj'co</p><p>unhas regionais. As refeições familiares são o momento de "falar da região'~ A</p><p>corporação de operários manuais devou à dignidade de "mães" estas mulhe</p><p>res estalajadeiras qu-e ~bergam os "passantes", informam-nos sobre as possibi</p><p>lidades de emprego, servem-lhes de secretárias, de tesoureir.as, única mulher</p><p>é verdade - ;dmitida no banquete corporativo anual. Enquanto se cria uma</p><p>"grande culjnáriaOl burguesa, n~asculina, açucarada e gordurosa, preocupada</p><p>em afirmar por sua riqueza a ruptura co"m o rústico, as mulheres cozinham as</p><p>receitas.prQvinciais. Os "chefs" zonlbam do conservadorismo das cozinheiras.</p><p>O confli to das cozinhas é tanto cultural quanto sexual.</p><p>Mestras das panelas, as mulheres também são as mestras das palavras.</p><p>Boatos, rumores, notícias são trocadas nas escadas, nos pátios, na fonte, no la</p><p>vadouro, em todos os locais dê mercado espalhados ~o longo'das ruas antes de</p><p>serem fechados nas lojas. Por volta de 1840, 'a.5' leiteiras instalam-se a cada ma</p><p>nhã sob os portais. "Enquanto o mercador de vinho vê a chegada de uma muI:</p><p>tiôão de clientes freqOentes, homens, aliciados pela isca de um copo de vinho</p><p>branco, de uma gota de aguardente, ou de um jornal, a população feminina se</p><p>aperta em tor'no da leiteira. Lá eSLí estabelecido o entreposto, das notícias do</p><p>dia e dós mexericos do bairro. A mulhçr do primeiro andar apanhou do mari</p><p>do; o vendedor de refrigerantes foi à falênfia; a filha dos locatários do, quinto</p><p>andar está sehdo cortejada por um estu'dante; o gato da porteira morreu de in-</p><p>~ digestão; o padein? vendia com o peso errado; 'o serralheiro voltou para c~sa</p><p>bêbado .. .'~ Id La Bédollier.e esboça aqui a duaHdade dos espaços; de um ladoJ no</p><p>cabaré, os homens, o vinho, a política (o jornal); de outro lado, na rua, as ~u._</p><p>lh'?res, o leite ... as histórias dó dia-a-dia. Mas, por trás do insignificante, esta pa-</p><p>'" lavr~ das ~nl1lheres mantém toda uma rede de comunicações ho(izonta~s que</p><p>escapa aos ouvidos do poder. Por terem sido os primeiros alfabetizados, os ho·</p><p>m~ns são capturados pelas ·redes de' uma escrita que, para começar, ve~' de</p><p>' cima, e pouco a pouco os modela e os normaliza, ao passo que as mulheres ..I</p><p>màntêm, com seus murmúrios, a independência do povo.</p><p>----o -'--, I .</p><p>142 l0- ae:OOLLlt:RE.,1,es lndustriels. 'Méri1s el Professions en Francc. Paris: ls:n,l. '</p><p>1842. p. 27. • ,,' _\" ....</p><p><</p><p>"</p><p>2 16</p><p>"</p><p>.'</p><p>,</p><p>,</p><p>Olp(h/Jo ,</p><p>Ao !tU/li/o- pop •• ~r rclldde</p><p>A palavra das mulheres co,{,Serva muita liberdade de expressão; ela ~e</p><p>siste à polidez, à beatice de Louis-Philippe. A sexualidade não lhe faz medo,</p><p>tampouco a escatologia. As h.istórias de lavadouros enfurecem os filantropo;.</p><p>Contida nos bairros da periferi~, reguiada pelas feitas, 'esta palavra livre, rude</p><p>e abundánte, explode nas cidades nos dias de Carnaval, festa da zombaria e da</p><p>i~júria. \U Descrevendo. por volta de 1846, a sala comum das mulheres no De</p><p>pósito de Paris, Alhoy e Lurine 'se surpreendem: "Todas aquelas ciganas (eles</p><p>falam em sentido figurado) cantam com vozes roucas, juram com vozes char</p><p>mosas, dançam com seus tamancos, falam de amor blasfeman~o, traduzem a</p><p>p,~esia 'em gíria, parodiam a justiça, "Zombam da p'olícia cor.recional, brincam</p><p>,-alegremente com a caddra de rélJ, com a golilha, com a guilhotina, cantando</p><p>a ária de urna ' nova romança. Comparada à .sala das mulheres, a sala dos ho</p><p>mens mereceria um certificado de boas maneiras e bons costumes~144</p><p>Por sua falta 'de respeito, sua ironia, sua espo~taneidade, a palavra das</p><p>mulheres é cheia de subversões. Ela mantém esta reserva, esta dhtância que</p><p>,perriiite aos humildes preservar a sua identidade. Salvar sua memória. ~ tam</p><p>bém pelas mulheres - mulheres crepuscuiare$ - que se transmite, e geralmen</p><p>te de mãe para ' fUha, a longa cadeia das histórias de ou dos vilarejos. Enquan</p><p>to a escola, as formas modernas de organização, o próprio sindicãlismo, cons</p><p>troem histórias oficiais, depuradas e finalizadas, as mulheres conservall,1 o tra</p><p>ç<rdo que se gostaria de 'rejeitar. Para escrever a h~stória popular da Revolução</p><p>Francesa, Michelet interrogava as mulheres. Através delas, sobretudo, conser</p><p>vou-se, no coração das Cévennes, os gestos dos Camisards ( protest~.ntes calvi</p><p>nistas). As lembranças da escravid50, a~olida somente em 1888, pers:istem no</p><p>póvo brasileiro pelas velhas ancestrais_E os pesq"uisadores d,e história oral sa</p><p>bem, por sua experiência, que diferença de relações homens e ,mulheres ali-, .</p><p>menlam com o passado: homens mudos, que esqueceram quase tudo o que</p><p>'não tem relação cóm a vida" do trabalh?; mulhe~es falantes, que devem apenas</p><p>deixar brotar as lembranças, desde que as interroguemos sozinhas: o homem</p><p>tem de~~js o hábjto de impor o silêncio às mulheres, de taxar s'uas afirmações</p><p>como bobagens, para que as mulheres õusem faJar e,m sua presença.</p><p>143 FAURE, Alain. Paris Carlme-Prenant. Du Carnaval d Paris</p><p>au )(J)(,e silcle. Paris:</p><p>Hachette, 1978, sobre' a linguagem das pe'iXeiras, p .. 65 et seq. ' ,</p><p>144 .AJhoye Lurine, Les PrisOIlS de Paris, 1846, p. 5. . '</p><p>217</p><p>. ,</p><p>Ptlrt.: 2</p><p>Mul/,cres 110 rrllbll/lra</p><p>RESIST~NCLA DO IMAGINÁRIO , '</p><p>Fazer as mulheres se calarem. -Civilizá-Ias_ Ensinar-lhes a ler. Mas·o ima</p><p>ginár:io feminino foge,. recusa"7se a deixar-se colonizar pela via da ciência e da</p><p>razão. L:eitoras de rom;ances populares, as mulheres fazem o .... sucesso de Euge</p><p>ne Sue e de todos a'q~eles autores baratos cuja libertinagem e a persistente in</p><p>disciplina são deploradas por Alfred Nettement e Charles Nissard.'~s Da-r boas</p><p>leituras às mU,lheres torna-se wu tema do regime imperial. A cr,iação do Perir</p><p>JoumqJ, em 1863, as facilidades que Ule são concedidas (dispensa do controle</p><p>prévio) para pennitir, servido pelos servjços de mensagens Hachette e pela es-,</p><p>trada de ferro, que ele chegasse antes de todos os outros, são uma tentativa</p><p>bem-·sucedida para colonizar o imaginário do povo. Trata-se de substituir pelo</p><p>charme do folhetim regular -1! decente ":' as broch'uras aleatórias dp vendedor</p><p>,ambulante submetido aos riscos da viagem a pé. O fulgurante sucesso do Petit</p><p>JOllrnal (um milhão de exemplares por volta de 1900) repousa, em grande par,:,</p><p>te,/na atraç��o de ~eus folhetins sobre suas "fiéis leitoras". No entanto~ ao olhar</p><p>mos de pe~to, ele só pôde ter sucesso ao-se adaptar a seus gostos. Definitiva-'</p><p>mente, o folheti~l , é ~bral\apen",~ por seu fim que exclui os ca~amentos com</p><p>pessoas de classe inferior, faz morrer os usurpadores, devolve o filho a seus pais .</p><p>legítimôs e desmascara os falsár ios. Suas peripécias,.cheias de barulho e de fu</p><p>ror, refletem uma violência singular. I'"</p><p>É ainda de cultura do corpo que convém falar: Antes de serem as au.u</p><p>Bares reverentes, ansiosas e sempre culpadas dos médicos, as mulher~s do po,:,~</p><p>foram , ao contrari'o, suas principais rivais e as continuadoras de uma medici-</p><p>na popular cujas virtudes se tende a reavaliar nos dias de hoje._Elas usam to</p><p>dos o,s recursos de uma farmacopéia multissecular, çophecem cem maneiras de~</p><p>- aliviar a.s pequenas dores cotic!.ianas que deixam tantas vezes a me'dicrna eru'"</p><p>dit~desarmada . Analisando de perto, estes "remédios de mulhú" revelariam,</p><p>prd~avelmente um real saber sobre o~ sofrimentos do povo, pl,"eocupado em</p><p>ev{tar a despes~ .. rn.~s tainbém em conser:var ' su~ autonomia corporal e 'sub-</p><p>145 A. Nettement, Srudes critiques Sllr le feuilleton-roman, 1847, sobretudo t. li. p. 442,</p><p>car;ta a "La femme d'intérieur': .</p><p>146 'Segundo as 'Pesquisas de tvelyne Oiéboit e sua tese sobre os folhetins do Petit</p><p>Journal. '</p><p>"</p><p>'" ,</p><p>218 '.</p><p>Cnpltulo 7</p><p>Ao "'lll/tU papu/nr r~bcMc</p><p>trair-se ao ol~ar médico, este ol.har que ausculta, mede, classifica, elimina e,</p><p>para terminar, envia a pessoa ao hospital maldito. I.'</p><p>. FAZER AS MULHERES SE CALAREM</p><p>Esta cultura cobre o povo como uma carapaça isolante e protet,ora ao</p><p>· me~mo tempo. Dissonante em ,relação ;0 djscurso do p'rogresso, ela é perigo</p><p>sa não 'SOmente pó~ ser sempr~ s~scetível de alimentar uma resistência, mas</p><p>ainda mah por manter na dissidência um povo ";e1vagem:', escondido dos</p><p>olhos do ,poder. Daí a irritaçjio que se manifesta cada vez mais contra o "atra-</p><p>so" das ' donas-de-c~sa e,a vontade de educá-Ias. '</p><p>A separação dos sexos na cidade, o recuo da convivência mista são um "</p><p>dos caminhos da ordem que suspeita das promiscuidades duvidosas. 00-</p><p>rothy,Thompson mostro,u como, no fim do século 18, as mulheres inglesas</p><p>ficam junto do'S homens, seus companheiros) nas tavernas) inns ou ale hotl</p><p>ses, bebe~do ou cantando com eles, e..toman·dQ parte das discussões p~líticas.</p><p>~ voz das mulheres explode nos tumultos radicais do início do.século. D~</p><p>pois, 'elas são observadas, olhadas, fazem-nas sentar,se. auto.rizam-nas a to.</p><p>!..mar a' palavra: como nas primeiras assembléias cartistas: Enfim, por volta de</p><p>1850, os Pllbs tornam-se locais purament~masculinos, onq,e as ,mulheres não</p><p>são "dmitidas, excluídas, ao mesrt;lo tempo, das trade-ulIio/15 que fazem ali</p><p>-seus encontros. lU</p><p>147 Numerosas anotações sobre este tema em Le Play, A mulher do carpinteiro de Paris</p><p>"acredha se r experiente em certas prátiéas da medicina usual, e trata eJa mesma as</p><p>indisposições que acontecem na família. Confiante nas idéias higiênicas' de um</p><p>pr.itico popular, ela faz grande uso de água sedativa e dC" preparações C<lnforadas</p><p>( .. . ) A maioria de suas práticas de higient'. muito habituais em outras regiões, são</p><p>encontradas comumente ent re as mulheres dos operários parisienses que têm, (re...,</p><p>qUentemente, na família a atribuição das (unçOes de médico e, transmitem, entre</p><p>si, também. um certo número de receitas tradicionais": Ouvriers des Deux-Mondes,</p><p>t. I, p. 31, li158. . ,</p><p>148 Dorothy Thompson, "The missing presenc<. The withdrawal of Women (rom</p><p>\ working dass organization in the Early Nineteenth CenturY.', inédito, parcialmente</p><p>retomado em MITCHELl ... l.; OAKLEY. A_ Tlle Rig/lt5 and Wrongs ofWomen, New</p><p>York.: Penguin Books, 1976.</p><p>, 219 .</p><p>"""" ' Mulheres no ImOOlllO</p><p>Com as modalidades cliferentes, o mesmo movimento de retirada dese-</p><p>.',</p><p>nhau-se na França. A alegre liberdade das festas e dos bailes de barreiras com</p><p>. suas damas despenteadas - "ali, dançam sem sapatos e rodopiando sem cessar,</p><p>homens e mulheres que, ao cabo de uma hora, levantam tanta poeira que no</p><p>fim, não se pode maiS vê-los", escreve Sebastien Mercier, a respeito do baile de</p><p>Vaugirard10</p><p>- dá lugar a composturas mais afetadas em que se inscreve a his-</p><p>I " .</p><p>tória' da dança. A rigorosa separação dos sexos do círculo burguês irn'põe"'seu</p><p>mo'delo às associações populares. Na Baixa Provença, por exemplo, as Cham</p><p>brées~ antigo modo de reuniõe~ plebéias. expulsam pouco a P?UCO as muUle</p><p>res pois elas não votam. O sufrágio universal acentuou a tendência à separação</p><p>dos sexos, Q.3 medida em que a e~:hicação política do povo pelo direito de' votO</p><p>dirigiu-se por muito tempo ao homem, e apenas a e1e. no Ora, o sindicalismo</p><p>funciona segundo o modelo parlamentar. Em Roubaix, em Lille, por volta de</p><p>1880, os estatutos das' câm;\ras sindicais estipulam que qualquer mulher que</p><p>quiser tomar a palavra deve apresentar um pedido escrito por intermédio de</p><p>um membro de sua família! Mesmo nos sindicatos mais feminiza'dos, como o</p><p>dos Tabacos, que contam com excelep.tes oradoras, é muito raro ver uma mu</p><p>lher ocupar a tribuna.</p><p>Um exemplo ainda~ tirádo das Memórias de UOflard, de Martin Na</p><p>daud, levará a 'compreender este silenciamento dãs mulheres, até nos vilarejos,</p><p>peja modernidade masculina e urbana. Quando, no início do iriverno, ós pe</p><p>dreiros da Creuse voltam à região, aureolados do prestígio de Paris, a visão de</p><p>sua bolsa ~eia de dinheiro n'ovo, faz chorar as mães, seus presehtes encantam</p><p>as moças, seus relatos fascinam os que ficaram: quer-se saber ·mais. E sua jo-_.</p><p>vem e máscula palavra, onde brilham os fogos da Capital , ;eduz ao mutismo</p><p>as velhas mulheres guardiãs da memória - como a Fouissounei parteira e mé=</p><p>dica do vilarejo - cujos contos embalavam as vigüias. Elas se retiram, aos pou-</p><p>cos, parà a sombra, tristes e silencÍosas. ' .</p><p>149</p><p>15(></p><p>220</p><p>-</p><p>,</p><p>Tableaux de Prlris, ' 1783. sobre as festas. "Ver o estudo de RÂNCItRE. Jacq;es. te</p><p>bom temps ou 13 barriere ~es plaisirs. Réfltet logiqutS. n. 7, printempslétt 1978.</p><p>AGULHOM, Maurice. Histoire et ethnolpgie: les Chambrtei en Basse Provence.</p><p>Revue Iristorique, àvril/juin 1971. 1</p><p>. ~</p><p>....</p><p>,</p><p>l</p><p>,</p><p>Ctpltulo-'</p><p>Ao mulher popultlr rebcld.</p><p>PRÁTICAS FEMININAS E SINDICALISMO</p><p>o movimento operário, mesmo fazendo o elogio da dona-de-casa, prefe</p><p>re que ela fique em casa e desconfia de suas intervenções intempestivas. Pode-se</p><p>ver"'in\1ito bem esta posição, nos tumultos de carestia de 1911. QuaI?do, no verão</p><p>c!e Í911, os laticínios e cettos produtos secos começam a subir, as donas-de-casa</p><p>do Norte da França se agitam como</p><p>o faziam outrora para o pão. Os incidentes</p><p>coriieçam nas feiras da região de Maubeuge, estendem-s~para todo o Norte mi~</p><p>neiro e têxtil, e multiplicam-se um pouco em toda parte, de Saint-Quentin .a Le</p><p>Creusot, para terminar , nos portos industriais do Oeste. De ·maneira geral, o</p><p>mapa dos t\lmultos é industrial: as mulheres de operários são o motor do movi</p><p>mento. Elas manifestam ·cantando a "lnternacional da manteiga a quinze tos</p><p>tões" e se organizam em. "Ligas de Donas~d~-C~sa" para obter. das l'refeituras</p><p>municipais a taxação dos produtos. Em segwda, greves edodem em toda a par</p><p>te, os operári·os - seus maridos - seguem os seus passos; há afrontamentos vio</p><p>lentos e mortes. Diante delas, no entanto, O sindicalismo se ctivide. Alguns vêem</p><p>na ação m~ciça e "espontânea" das mulheres um "l1].ovimento. soberb·o': exemplo</p><p>de ação concreta, popular. democrática, capaz de sacudir os operários "indolen</p><p>tes" efatalistas diante da alta dos preços. Mas a maioria teme a vil>l!ncia daque</p><p>l~l<movimento CUIioso': a fugacidade de tais irrupções de cólera, a efemerid;de</p><p>das Liga~ ,e sonha em tra~"Sfdrmá .. Jas em movimento I\viril': consciente e orga</p><p>.nizado: "o sindicalismo deve alçar o povo à possibilidade de uma revolta mascu</p><p>lina': Em diversos locais, os militantes tentam transformar as ~gas em I<sindica</p><p>tos de donas-de~casa'~ ensinar às mulhéres os méritos da organização permanen</p><p>t~, tomar o movimento nas mãos para educ:.\-Io, canalizá-lo. No ano seguinte, no</p><p>congresso da CGTJ na cida~e qe Le Havre, preoon.iz.i-~e a "educação _da Dona</p><p>de-Casa para a melhor. utilizaçãQ de seu orçamento e para a aquisiçãÚ\de noções</p><p>de higiene alimentar'~UI Este episódio ilustra um dos n\l~erosos mal-entendidos , ,.</p><p>que..naquela aUrora do sécu1~, separavam sincticalismo e movimento das ~ulbe-t</p><p>res. O sincticalismo retusa as. formas de expreSSão das rrlUlheres como selvagens,</p><p>)51 Sobre estes tumulíos, o livro de h-mile W3te1et, Les rkenteJ. troubles du Nord de la</p><p>France. e sobretudo l.-M. Flonneau, .. Crise.de·vie chere. Rlamons populairtS el ~hzc</p><p>tions syndicales. Dissertação (Mestraçlo), Paris, 1966 (inédita), resumida em "Crise</p><p>de vie jchere et mouvement syndical~ ?e MOll l/ement social. juiJ./sept. 1970. '</p><p>221</p><p>. ,</p><p>--</p><p>I' . ,</p><p>·1 , .</p><p>Pane 1</p><p>Mul/IUCJ no tr'tlba/ho</p><p>irresponsáveis, pouco adequa~as à dignidade dos trabalhadores. Em Montceau</p><p>les-Mines, durant~ a grande greve de 1899, as mulheres vão em passeata a Chã</p><p>lons para pedir audiência ao sub-prefeito e quando ele, pouco preocupado em'</p><p>recebê-las, aparece na sacada, elas se voltam e, num perfeito movimento de con</p><p>junto. que supõe conivência, elas lhe mostram os fundilhos. lnversãe,-derrisão:</p><p>armas clássicas das mulheres. Este traço, transmitido pela tradição local, chocou</p><p>a respeitabilidade sindical que _o apagou de seus relatos. Ainda um outro exem</p><p>plo: em Vizille. durante a longa greve das tecelãs de seda (cem dias de 1905). as</p><p>mulheres organizam algazarras .noturnas; armadas de panelas e de utensílios de</p><p>cozinha, elas apupam os patrões, o prefeito municipal e seus assistentes, por di</p><p>versos dias seguidos, na mais franca alegria, como outrora, na companhia dos jo</p><p>vens do vilarejo, elas faziam para os velhotes que se casavam com jovenzinhas.</p><p>Até o dia em que ~s);ocialistas da cidade, temendo tanto os afrontamentOs com _'</p><p>as forças da.ordem quanto o ridículo, pediram-lhes para abster-se e utilizar ou-</p><p>lras formas de ação, mais decen~es, A greve não poderi;" ser uma festa, ,</p><p>Um ideal conjugado de viriljdade e çle respeitabilidade rejeitou a rusti</p><p>cidade camponesa, as truculências populares e a~ formas de expressão femini</p><p>nas que geralmente as prolongam. Entre o sindica.1ismo e as mulheres, há ~ais</p><p>do que um problema de desorganização: um conflito sobre os modÇ>s de inter</p><p>venção e de expressão enc?brindo uma diferença de,cultura e de ~stên(;ia.</p><p>Neste momento da história, os homens são mais políticos, as muUleres mais</p><p>"folclóricas" no sentido mais profundo do termo e, por isso, rejeitadas, recusa- .</p><p>das pela -modernidacje.</p><p>As mulher~s não são nem passivas nem submissas. A mis~ria, a opres:...;.</p><p>são, a dominação, por mais reais que sejam, não bastam para contar a sua his</p><p>tória. ·Elas estão presentes aqui e acolá. Elas são diferentes. Afirmam-se por ou</p><p>tras palavras, por outros gestos. Na Gidade: até mesmo na fábrica, elas_têm o~-=-:.</p><p>\. . '</p><p>tras' prâtieas cotidianas, formas concretas de resistêllcia - à hierarquia, à disci-</p><p>p~ra - que frustram ~ ~acionaíidade do poder e estão·diretamente enxertadas</p><p>em seu uso próprio do espaço e do tempo. Elas traçam um caminho que seria</p><p>preciso reencontrar. Urpa história diferente.</p><p>Uma outra história. ,</p><p>'.</p><p>.I . ...</p><p>,</p><p>-'</p><p>222</p><p>\</p><p>.,</p><p>Capitulo 8</p><p>,</p><p>-MULHERES E MÁQUINAS NO SÉCULO 19*</p><p>Segundo uma lenda tenaz, a m~quina seria , no século 19, a grande alia</p><p>da das mulheres, abri'ndo-llies, com'o Moisés, a terra prometida do assa'laria</p><p>men,to e, com isso, a igualdade e a promoção. Tecnicista, ou mais sutiln,l ente</p><p>marxista p~r ser mediatizada pela dialética social, esta tese vê na industrilliza</p><p>ção a chave do progresso feminino, em que a máquina conjura a inferioridade</p><p>biológica e fisica.</p><p>MÁQUINAS LI~GENDÁRIA~</p><p>Na primeir;a metade do século, a mecanização do setor têxtil provoca o</p><p>afluxo' das mulheres nas fábri cas mistas, pivÔ de sua soci~lização e de sua</p><p>emancipaçijo. Na segunda metade, a máquira de c?stura lhes permite a impos</p><p>sível conciliação entre as tarefas domésticas e o assalariamento. Por meio des</p><p>ta inovação, "a mais inlportante na produção dos bens de consumo desde ·a in</p><p>venção do tear mecânico ( ... ) ,as mulheres podiam Liberar~se de uma longa es</p><p>cr,avidão", escreve David Lmdes"s2 A "costureira de ferro" coloca, de certa for</p><p>ma, a fábri ca a seu,s pés e as consagra como rainhas da técnica. "Parece que a</p><p>'* Femmes et Mach ines au XIXe siecle. ROllullltisme, "1..'\ Machine fin·de·siecle~ 4!J,</p><p>p. 6- t7. t983. · •</p><p>152 -bANDES. David. L'Europe tecluticienlle. Paris: Gallirriard, 1975.</p><p>223</p><p>~</p><p>.1 . ,</p><p>>,</p><p>I</p><p>I</p><p>L</p><p>Parte J'</p><p>Mulheres nll cidad~</p><p>inscrevem-se neste cal'npq.l Ao publiqlI os escritos ppHticos de George Sand</p><p>(1843:.1850)' e Femmes publiques,~ participei desta renovação h istoriográfica.</p><p>, Os textos que se segu'em são Influenciados por U!TIa dimeqsão; presen</p><p>te "desde a origem. mas singular!Dente intensificada há dez anO$. Cidade tem</p><p>aqui duas acepções: úm sentido jürídico e-político relativo à existencia dos di</p><p>reitos e mais amplam-ente à <Cpubliada~eJ>, no sentido entendido por .]ürgen</p><p>Habern:.as: a construção de uma esfera pública ~as mulheres, ou sua participa</p><p>ção no espaço'; na opinião. na comunicação públicos .. Em segundo lugar. um</p><p>sentido espadaJ que toca O espaç~ urbano. Esta probl~mátic..'\ do 'espaço deve</p><p>muito a Foucault, este "novo cartógrafo",! tão sens,ível à inscrição dos poderes</p><p>na materialid.ade dos lugares e dos olhares, a ponto de' ter suscitado um' ques</p><p>tionamento geográfico.'</p><p>A publicidade das mulheres, 'a saber, seu lugar, sua função, seu papel ·no ;</p><p>espaço público, na formaç~o di!.. opinião e do imaginário publicos incitam a</p><p>cruzar mais vigorosatnente o Gênero e a C)pâde.</p><p>"</p><p>2 FAUru:.. Christine. <'Di r,). Encyc10pédie flistorique ef po/itique des femtlles. P~fis:</p><p>3</p><p>"</p><p>;4</p><p>5 ,</p><p>• 1</p><p>6</p><p>262 '</p><p>,. I""</p><p>PUF, 19~7; LE BRA5-CHOPARD, Armelle; MOSSUZ-LAVAU, ),nine (Dir.). Les _</p><p>femmes et la poJitique. Paris: I'Harmattan, 1997; CORBIN, Alaio;' LALOUETTE.</p><p>Jac'queline; RlOT-SARCEY, Mic'htle. Les Femmes dans 'la Çité au XIX! siec1e. Paris:</p><p>Créaphis, 1997; PISANO, Laura; VEAUVY, Christiane. Les Femmes Cf la cotlstruc·</p><p>! tio" de l'êtat-natiol1 e/fi Fraricc et Cf! Ifalie. Paris: . A. CoIU;, 1997; "Femmes eo</p><p>.Politique;', n. esp. de Pouvoirs, 82,lX- 1997.</p><p>SANO. George, Po/itique ct Polémiqllcs (1843-1850). Présenté'par Michelle Perrot.</p><p>Paris: Imprimerie Nationale. 1997, ...</p><p>PERROT, Michelle. Felllt1les publiques. Entretiens</p>