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<p>como foi contado a</p><p>ANGIE SAGE</p><p>Ilustrações</p><p>JIMMY PICKERING</p><p>Tradução</p><p>RITA SUSSEKIND</p><p>SUMÁRIO</p><p>~ 1 ~ O CAPACETE DO CAVALEIRO HORÁCIO</p><p>~ 2 ~ ESTA CASA ESTÁ A VENDA</p><p>~ 3 ~ HOTÉIS ENORMES</p><p>~ 4 ~ CAVALEIRO HORÁCIO</p><p>~5 ~ A PASSAGEM SECRETA</p><p>~6 ~ EDMUNDO</p><p>~7 ~ A VARANDA</p><p>~8 ~ CAVALEIRO HORÁCIO</p><p>~9 ~ KIT-EMBOSCADA</p><p>~10 ~ A TERRÍVEL EMBOSCADA DE ARAMINTA</p><p>~11 ~ VÁO EMBORA!</p><p>~12 ~ O PLANO B</p><p>~13 ~ VANDA E ARAMINTA</p><p>Tudo começou quando eu estava no meu quarto de</p><p>quinta-feira realizando meu ensaio de fantasma. Eu sem-</p><p>pre fiz ensaios de fantasma regularmente, já que tinha a</p><p>certeza de que seria mais fácil encontrar um fantasma se</p><p>ele pensasse que eu também era um. Sempre quis encon-</p><p>trar um fantasma, mas sabe que, apesar de a nossa casa se</p><p>chamar Casa Fantasmim, eu nunca, nunca vi um único</p><p>fantasma, nem um pequenininho. Imaginei que a tia Tatá</p><p>os tivesse espantado — ela teria me espantado se eu fosse</p><p>um fantasma.</p><p>Então, eu estava ocupada ensaiando com o meu</p><p>lençol de fantasma sobre a cabeça, por isso tropecei no pé</p><p>esquerdo do Cavaleiro Horácio. Coisa estúpida. E, em</p><p>seguida, seu pé esquerdo caiu, e o Cavaleiro Horácio</p><p>desmoronou em centenas de pedaços. Estúpido Cavaleiro</p><p>Horácio. Todas as partes do estúpido Cavaleiro Horácio</p><p>rolaram pelo chão, e eu pisei em sua cabeça e meu pé fi-</p><p>cou preso nela. Não se preocupe, não era uma cabeça de</p><p>verdade. O Cavaleiro Horácio era apenas uma velha ar-</p><p>madura malfeita que estava sempre pelo caminho, se es-</p><p>condendo em diversos cantos escuros.</p><p>Eu gritava com ela para que saísse e pulava sacu-</p><p>dindo o pé como uma louca, mas a cabeça estúpida do</p><p>Cavaleiro Horácio estava presa. Em seguida, no momento</p><p>perfeito, tia Tatá gritou: “Café da manhã!” naquele tom de</p><p>se-você-não-descer-agora-mesmo-eu-vou-dar-seu-café-pa-</p><p>ra-o-gato — não que a gente tenha um gato, mas é o que</p><p>ela faria se tivéssemos, eu sei que faria.</p><p>Então dei a sacudida mais forte do mundo com o</p><p>pé — aliás, estou surpresa por a perna toda não ter se sol-</p><p>tado —, e o capacete do Cavaleiro Horácio voou para</p><p>longe, saiu pela porta do quarto e caiu pelas escadas do</p><p>sótão. Fez um barulho fantástico. Poderia ter ouvido lá do</p><p>porão. O som se propaga muito bem nesta casa, por isso</p><p>eu também pude ouvir o grito da tia Tatá muito bem.</p><p>Achei melhor ir andando, então escorreguei pelo</p><p>corrimão e desci no patamar. Queria ver se o tio Drac já</p><p>tinha ido dormir — ele trabalha à noite —, pois, se já ti-</p><p>vesse, eu iria acordá-lo para que ele descesse comigo, caso</p><p>tia Tatá desse um ataque. A porta do seu quarto é a ver-</p><p>melha pequena, no fim do corredor de cima, o que leva</p><p>até a torre.</p><p>Fui muito cuidadosa ao abrir a porta, já que ela dá</p><p>numa queda quilométrica. Tio Drac retirou todo o piso da</p><p>torre para que seus morcegos pudessem voar para onde</p><p>quisessem. Tio Drac adora seus morcegos; faria qualquer</p><p>coisa por eles. Eu também adoro morcegos, eles são tão</p><p>dóceis.</p><p>Empurrei o Morcegão do caminho, e ele caiu lá pa-</p><p>ra baixo da torre. Mas não tem importância, já que o chão</p><p>da torre tem mais ou menos uns três metros de cocô de</p><p>morcego, então é bem macio.</p><p>Sem o Morcegão no meio da porta, eu podia ver o</p><p>saco de dormir do tio Drac com facilidade. Estava pen-</p><p>durado numa viga como um grande morcego em forma de</p><p>flor — e estava vazio. Ótimo, pensei, ele ainda está lá</p><p>embaixo com a tia Tatá. Então, para poupar tempo, es-</p><p>correguei pelo corrimão da escadaria principal e também</p><p>pelo corrimão da escada do porão — o que eu não deveria</p><p>fazer, já que ele se solta e cai constantemente — e, num</p><p>segundo, já estava do lado de fora da segunda-cozi-</p><p>nha-à-esquerda-logo-depois-da-despensa. Estava suspei-</p><p>tamente quieto lá. Oops, pensei, problemas!</p><p>Empurrei a porta com muito cuidado, e fiquei feliz</p><p>por tê-lo feito, já que tia Tatá estava sentada na ponta da</p><p>longa mesa, passando manteiga numa torrada de uma</p><p>maneira que parecia que a torrada tinha dito alguma coisa</p><p>muito pessoal e muito grosseira. Não parecia um café da</p><p>manhã divertido, pensei. Os sinais não eram bons.</p><p>Primeiro sinal não-bom: no meio da mesa estava o</p><p>capacete do Cavaleiro Horácio. Ele tinha bem mais enta-</p><p>lhes do que quando o vi pela última vez, mas obviamente</p><p>não era minha culpa, já que ele estava direitinho quando</p><p>saiu do meu pé.</p><p>Segundo, terceiro, quarto e quinto sinais não-bons:</p><p>tia Tatá estava toda coberta de fuligem — menos as duas</p><p>janelinhas em seus óculos, que ela tinha limpado bem para</p><p>que pudesse atacar a torrada. Tia Tatá coberta de fuligem</p><p>é o pior dos sinais. Significa que ela lutou contra o aque-</p><p>cedor de água, e ele venceu. Sentei na minha cadeira de</p><p>maneira atenciosa e solidária. Tio Drac parecia muito ali-</p><p>viado em me ver. Veja bem, eu moro com meus tios, pois</p><p>meus pais foram caçar vampiros na Transilvânia quando</p><p>eu era pequena e nunca mais voltaram.</p><p>Tio Drac estava ocupado comendo o restinho de</p><p>seu ovo cozido e tinha fuligem na boca por causa da tor-</p><p>rada cheia de cinzas que tia Tatá preparou para ele.</p><p>— Olá, Pimentinha — disse ele.</p><p>— Olá, tio Drac — respondi. Tentei pensar em al-</p><p>go gentil para dizer à tia Tatá, mas era difícil pensar em</p><p>qualquer coisa com o capacete do Cavaleiro Horácio me</p><p>encarando com seus olhinhos redondos e lustrosos. O</p><p>capacete não tem olhos de verdade, é claro, mas eu sem-</p><p>pre achava que estava me olhando, apesar de saber que</p><p>não passava de uma lata vazia.</p><p>Tia Tatá jogou minha tigela de mingau de aveia na</p><p>minha direção, então eu disse:</p><p>— Obrigada, tia Tatá. — E depois, já que tia Tatá</p><p>gosta de conversas educadas durante o café, continuei: —</p><p>Andou tendo problemas com o aquecedor de água nova-</p><p>mente, tia Tatá?</p><p>— Sim, querida, mas não por muito tempo — disse</p><p>ela, mal mexendo os lábios. Antigamente, quando tia Tatá</p><p>falava assim, eu achava que ela estava treinando para ser</p><p>ventríloqua, mas agora sei que é porque ela está decidida</p><p>em relação a alguma coisa e não se importa se você con-</p><p>corda ou não com ela.</p><p>— Ah, por que, tia Tatá? — perguntei de forma</p><p>especialmente gentil enquanto cobria meu mingau de a-</p><p>veia com açúcar mascavo e misturava bem depressa, dei-</p><p>xando tudo com uma bela cor de lama.</p><p>Tia Tatá rangeu os dentes e disse:</p><p>— Não faça isso com o açúcar, querida. Porque</p><p>vamos nos mudar, por isso.</p><p>Pouca coisa faz com que eu pare de cavar buracos</p><p>de lama no meu mingau de aveia — você sabe, aqueles em</p><p>que você abre um canal que se enche de açúcar mascavo,</p><p>que eu acho que parece com lama —, mas isso fez.</p><p>Mudar? O que ela estava dizendo? Não podíamos</p><p>nos mudar de jeito nenhum, não antes que eu encontrasse</p><p>pelo menos um fantasma. E eu também queria encontrar</p><p>um vampiro e um lobisomem. Tinha certeza de que deve-</p><p>ria haver alguns na adega.</p><p>— Não fique de boca aberta quando ela estiver</p><p>cheia, querida — disse tia Tatá, o que não me parecia jus-</p><p>to, já que o tio Drac estava com a sua boca aberta tam-</p><p>bém, e estava cheia de torrada com fuligem, o que era no-</p><p>jento.</p><p>Em seguida, tia Tatá lançou ao tio Drac seu olhar</p><p>diabólico (que é quase tão bom quanto o meu) e disse:</p><p>— Drac, esta casa é grande demais para nós. É</p><p>empoeirada e é suja, é muito fria e cheia de aranhas. O</p><p>aquecedor é uma ameaça. Nós vamos nos mudar para um</p><p>apartamento charmoso, pequeno, limpo e moderno, que</p><p>não tenha aquecedor.</p><p>— Mas... — tentei interromper, mas não adiantou</p><p>nada. Tia Tatá continuou falando.</p><p>— E quando tivermos nos mudado para um apar-</p><p>tamento, capacetes de velhas armaduras enferrujadas não</p><p>vão mais cair nos meus dedos dos pés, porque não tere-</p><p>mos velhas armaduras enferrujadas, O Cavaleiro Horácio</p><p>pode ir para a reciclagem. Você pode levá-lo, Drac.</p><p>— O quê? — disse tio Drac, com o rosto parecido</p><p>com o de um de meus peixinhos quando a água do aquá-</p><p>rio ficava muito baixa.</p><p>Finalmente consegui falar uma palavra, apesar</p><p>o efeito que isso causaria</p><p>nas pessoas estranhas, mas elas apenas olharam para Ed-</p><p>mundo e pareceram ainda mais empolgadas.</p><p>— Mas que maravilhai — cacarejou a mulher de ó-</p><p>culos escuros. — Um menininho fantasma. Ele é tão boni-</p><p>tinho. Olá, Edmundo querido.</p><p>— Olá — sussurrou Edmundo.</p><p>— Ouça, Edmundo — sussurrei. — “Olá” não é</p><p>bom o suficiente. Será que você pode soltar um uivo de</p><p>gelar o sangue ou coisa parecida?</p><p>Mas Edmundo não fez nada; apenas ficou na porta</p><p>de um jeito chato e nada assustador, com um sorrisinho</p><p>tolo no rosto. Edmundo ser um fantasma era um verda-</p><p>deiro desperdício, pensei.</p><p>Se eu fosse um fantasma, estaria uivando pela co-</p><p>zinha, gritando e jogando tudo para fora da mesa — e isso</p><p>seria só o começo.</p><p>A pequena pessoa Magórica estava sorrindo para</p><p>Edmundo, então fiz minha cara-de-sapo-com-boca-</p><p>grande-larga para ela. Mas ela só deu uma risadinha. E</p><p>depois uma coisa muito estranha aconteceu. Ela pegou o</p><p>copo de suco de laranja que tia Tatá servira para ela e de</p><p>repente o suco começou a efervescer e ficou azul. Por um</p><p>instante tive esperanças de que, de repente, tia Tatá tivesse</p><p>mudado de idéia e estivesse tentando envenená-la, mas o</p><p>homem Magórica disse:</p><p>— Pare de brincar com sua bebida, Vanda.</p><p>Vanda estalou os dedos, e a bebida voltou a ser su-</p><p>co de laranja laranja. Exibicionismo. Depois ela pegou</p><p>quatro ratos de estimação do bolso e os colocou em cima</p><p>da mesa, à sua frente. Os ratos plantaram bananeira e de-</p><p>ram saltos-mortais em volta do copo. Duplo exibi-</p><p>cionismo.</p><p>Tio Drac passou através de Edmundo, e tia Tatá</p><p>fez com que ele sentasse ao seu lado.</p><p>— Drac, querido — disse tia Tatá —, estes são</p><p>Brenda, Barry e Vanda Magórica, e eles vão comprar nos-</p><p>sa casa. Não é ótimo?</p><p>Tio Drac não disse nada. Ele estava olhando para</p><p>mim — aliás, todos estavam olhando para mim — então</p><p>minha cara-de-sapo-com-boca-grande se transformou em</p><p>cara-de-sapo-com-boca-grande-larga-confuso.</p><p>Tia Tatá suspirou.</p><p>— Mas como você pode perceber, Drac, Araminta</p><p>está sendo um pouco... difícil.</p><p>— Espere um instante, Tatá — resmungou tio</p><p>Drac, piscando um pouco. Tio Drac tem dificuldades para</p><p>enxergar na claridade, e às vezes acho que ele é um grande</p><p>morcego. — Nós realmente precisamos vender a casa? —</p><p>disse ele. — A Pimentinha está muito chateada, e meus</p><p>morcegos estão com um comportamento muito estranho.</p><p>— Assim como o aquecedor — tia Tatá lhe disse.</p><p>— Como sempre. E eu não vou mais aturar esse aquecedor,</p><p>Drac, estou falando sério.</p><p>— Ah, querida — resmungou tio Drac. Dava para</p><p>perceber que o tio Drac ia deixar a tia Tatá ganhar —</p><p>como sempre — então eu disse:</p><p>— Tio Drac, você tem que fazer alguma coisa. Por</p><p>favor.</p><p>—Tenho? — disse ele, parecendo preocupado.</p><p>— Sim — eu lhe disse. — Você tem! — Sentei em</p><p>frente a ele e o olhei. Eu nem fiz cara-de-sa-</p><p>po-com-boca-grande-larga e nem lancei meu olhar diabó-</p><p>lico. Apenas olhei para ele como se aquilo fosse muito</p><p>importante. O que de fato era.</p><p>Tio Drac tossiu um pouco e depois disse:</p><p>— Tatá, querida, eu sinto muito pelo aquecedor.</p><p>Eu sei que deixei todo o trabalho para você; sei que não</p><p>foi justo e prometo que, de hoje em diante, vou dividir a</p><p>tarefa de limpar o aquecedor...</p><p>— E cortar gravetos e buscar carvão — acres-</p><p>centou tia Tatá.</p><p>— Bem, sim, isso também.</p><p>— E esvaziar e acender...</p><p>— Sim, eu faço isso também.</p><p>— Promete?</p><p>— Prometo — disse o bom e velho tio Drac. Tia</p><p>Tatá sentou-se repentinamente.</p><p>— Bem — disse ela —, sofri alguns choques hoje,</p><p>Drac, mas ouvir você oferecer ajuda com o aquecedor foi</p><p>o maior até agora.</p><p>— Isso significa que você não vai vender a casa? —</p><p>perguntei à tia Tatá.</p><p>— Sim, tudo bem, Araminta — suspirou tia Tatá.</p><p>— Não vou vender a casa.</p><p>— Oba! — gritei.</p><p>— Puxa — resmungaram os Magórica.</p><p>— Sinto muito — tia Tatá disse a eles —, mas a</p><p>casa não está mais á venda. Vocês gostariam de outra xí-</p><p>cara de chá?</p><p>— Não, obrigada — disse a mulher Magórica, sus-</p><p>pirando. — Acho melhor irmos.</p><p>Já não era sem tempo, também pensei — mas ela</p><p>não se levantou. Em vez disso ela disse:</p><p>— Bem, eu não pude deixar de perceber que você</p><p>tem um modelo três com duplas latas de cinza e peneira</p><p>invertida. Aliás, este é um dos modelos mais raros da sé-</p><p>rie.</p><p>— O que é sério? — perguntou tia Tatá.</p><p>— Seu aquecedor. Será que eu poderia dar uma o-</p><p>lhada nele antes de ir? Eles são muito incomuns hoje em</p><p>dia. — Tia Tatá olhou para a mulher Magórica como se</p><p>ela fosse louca, mas a levou para a sala do aquecedor as-</p><p>sim mesmo.</p><p>Quando elas saíram, tio Drac levantou-se da cadei-</p><p>ra.</p><p>— Preciso encontrar meus morcegos — disse ele.</p><p>— Precisa de ajuda? — perguntou o homem Ma-</p><p>górica. — Pode ser complicado capturá-los sozinho.</p><p>— Obrigado — disse o tio Drac, e ele e o homem</p><p>Magórica saíram para procurar os morcegos.</p><p>— Eu também preciso ir — disse Edmundo, e flu-</p><p>tuou através da parede da cozinha.</p><p>— Tchau, Edmundo — disse a garota Magórica</p><p>exibida.</p><p>— Até logo, Vanda — disse a voz de Edmundo de</p><p>algum lugar dentro da parede.</p><p>Assim eu e a menina Vanda Magórica ficamos jun-</p><p>tas.</p><p>— Posso te mostrar como transformar seu suco de</p><p>laranja em azul se você quiser — ofereceu ela.</p><p>Achei uma boa idéia. Afinal de contas, você nunca</p><p>sabe quando um truque desses pode ser útil, sabe?</p><p>Então eu disse:</p><p>— Tudo bem.</p><p>Vanda não era tão ruim quanto parecia. Ela me en-</p><p>sinou a fazer a efervescência azul do suco de laranja, e eu</p><p>logo transformei o chá e o café do tio Drac em azul, e eles</p><p>estavam efervescendo por todo lugar. Mas depois Vanda</p><p>disse que deveria ir. Eu disse que ela podia ficar mais um</p><p>pouco e me mostrar seus ratos plantando bananeira se ela</p><p>quisesse, então ficamos observando os ratos formarem a</p><p>Incrível Pirâmide de Ratos, que era muito boa. Depois</p><p>ouvimos um barulhão lá em cima e corremos para ver o</p><p>que estava acontecendo.</p><p>Foi muito engraçado. O pai da Vanda, Barry, ba-</p><p>lançava na cortina tentando pegar o Morcegão enquanto o</p><p>tio Drac segurava uma rede enorme. O melhor vaso da tia</p><p>Tatá estava em cacos pelo chão. Oops!</p><p>— Ei, Morcegão! — gritava o tio Drac. — Venha</p><p>cá, Morcegão, bom morcego!</p><p>Morcegão voou, e Barry caiu na rede.</p><p>Vanda e eu rimos tanto que até desabamos no</p><p>chão, mas Barry e tio Drac pareciam muito contrariados,</p><p>então levei Vanda lá para cima para ver todos os meus</p><p>quartos. Vanda achou todos muito legais, já que ela só ti-</p><p>nha um quarto na sua casa, e ele era muito, muito peque-</p><p>no.</p><p>Depois disso, já que Barry ainda estava ajudando o</p><p>tio Drac a capturar o Morcegão, e Brenda ainda estava o-</p><p>lhando o aquecedor com a tia Tatá, Vanda me ajudou a</p><p>remontar o Cavaleiro Horácio novamente. Limpamos to-</p><p>da a gelatina e farinha e o polimos com um pouco do</p><p>produto de polir o aquecedor da tia Tatá. E pusemos seu</p><p>pé esquerdo de volta no lugar.</p><p>Assim que estava completamente montado, o Ca-</p><p>valeiro Horácio se levantou e se espreguiçou.</p><p>— Nossa, isso foi muito bom para a minha coluna</p><p>— disse ele, enquanto partia barulhentamente e se colo-</p><p>cava numa esquina do vestíbulo.</p><p>— Seria bom se a gente passasse um pouco de óleo</p><p>nele — disse Vanda. — Tenho algumas coisas para a mi-</p><p>nha bicicleta que funcionariam muito bem.</p><p>— Você sabe andar de bicicleta? — perguntei a ela.</p><p>Sempre quis ter uma bicicleta, mas tia Tatá diz que elas</p><p>são perigosas.</p><p>— Claro que sei — disse Vanda. — Posso te ensi-</p><p>nar se você quiser.</p><p>Achei que Vanda estava se revelando muito inte-</p><p>ressante, considerando tudo.</p><p>Por isso, quando a mãe dela anunciou:</p><p>— Vamos, querida, nós realmente precisamos ir</p><p>agora.</p><p>Eu disse:</p><p>— A Vanda pode dormir aqui, tia Tatá? Pode? Por</p><p>favor, por favor, por favor, por favor, por favor?</p><p>Então Vanda dormiu lá em casa. Barry e Brenda</p><p>também. Brenda queria fazer o aquecedor funcionar ade-</p><p>quadamente, e Barry ainda estava ajudando o tio Drac a</p><p>capturar o Morcegão.</p><p>Eles dormiram lá na noite seguinte também. E na</p><p>outra, e na outra, e na outra. E então, hoje de manhã, tia</p><p>Tatá disse a eles que seria bobagem se eles voltassem para</p><p>casa, a não ser que eles quisessem, e Brenda, Barry e Van-</p><p>da disseram que não, que não queriam ir embora.</p><p>Eu não me importo que tia Tatá tenha decidido</p><p>vender a casa, porque é muito mais divertido com a Van-</p><p>da aqui, e encontrei dois fantasmas, então agora sei que</p><p>realmente moro em uma casa mal-assombrada, como eu</p><p>sempre quis.</p><p>FIM</p><p>Digitalização: Lene</p><p>Revisão: Yuna</p><p>de</p><p>ainda estar com a boca cheia de mingau de aveia —, esta-</p><p>va chocada demais para engolir.</p><p>— Mas nós não podemos sair desta casa — eu dis-</p><p>se a tia Tatá. — Lugar nenhum vai ser igual a esta casa!</p><p>— Exatamente — disse tia Tatá, como se eu tivesse</p><p>concordado com ela ou coisa do tipo. — Lugar nenhum</p><p>pode ser como esta casa.</p><p>Olhei para o tio Drac — eu precisava de ajuda. Tio</p><p>Drac entendeu a indireta.</p><p>— Calma, calma, Tatá, querida — murmurou ele,</p><p>com sua voz de acalme-se-tia-Tatá —, você não está fa-</p><p>lando sério.</p><p>— Eu estou falando sério, Drac — disse tia Tatá.</p><p>Em seguida ela tentou me atrair para o seu lado. — E,</p><p>Araminta, querida, você sempre diz que se sente só aqui.</p><p>Pense um pouquinho, você teria muitos amigos num bom</p><p>condomínio.</p><p>Ela não foi bem-sucedida em sua tentativa.</p><p>— Não me importo — eu disse a ela. — Prefiro</p><p>ficar aqui a ter um monte de amigos idiotas.</p><p>— Bem, isso é o que veremos — disse tia Tatá,</p><p>com seu olhar de ventríloqua maluca.</p><p>Mais tarde naquela manhã, eu estava olhando pela</p><p>janela do meu quarto de quinta-feira e pensando a respeito</p><p>do que tia Tatá dissera. Sempre acho mais fácil pensar en-</p><p>quanto faço outra coisa, então estava ocupada arrancando</p><p>pedacinhos de tinta preta dos contornos da janela e arre-</p><p>messando-os nas estátuas monstruosas do parapeito.</p><p>Foi sorte eu ter olhado lá para baixo e percebido o</p><p>homem parado na frente da entrada. Ele vestia um terno</p><p>azul-brilhante e estava encarando a casa enquanto fazia</p><p>anotações em seu bloco. Soube o que ele era na hora —</p><p>um corretor de imóveis. Dava para perceber que tia Tatá</p><p>estava falando sério. Bem, eu também.</p><p>Então desci da janela e cantarolei uma canção ale-</p><p>gre para mim mesma: “La-di-da, la-di-da, hora de limpar o</p><p>meu aquário.” Encontrei o velho aquário num canto es-</p><p>curo, onde o guardei depois que o Brian, meu último pei-</p><p>xinho, fugiu. Não sei para onde ele foi, mas nunca mais</p><p>voltou. Por motivos sentimentais, conservei o aquário do</p><p>jeito que o Brian deixou, então estava cheio de lodo, algas</p><p>velhas e uma água verde e fedorenta.</p><p>O corretor de imóveis estava de pé logo abaixo da</p><p>minha janela. Equilibrei o aquário no peitoril e o derrubei.</p><p>Caiu bem em cima dele. Na mosca!</p><p>O corretor de imóveis ficou coberto de meleca</p><p>verde na cabeça e em seu terno azul-brilhante. Ele ficou</p><p>parado por alguns instantes — como se estivesse muito</p><p>surpreso — e cuspiu uns pedaços de algas escorregadias.</p><p>Em seguida olhou para cima, e direcionei meu olhar dia-</p><p>bólico a ele. Ele emitiu um barulho estranho, explosivo,</p><p>como um ganido, e saiu correndo pela trilha. Bons ventos</p><p>o levem.</p><p>Na hora do almoço na terceira-cozinha-à-direi-</p><p>ta-logo-depois-da-sala-do-aquece-</p><p>dor, não me surpreendi ao ver tia</p><p>Tatá com uma cara tão enfezada</p><p>quanto a do café da manhã.</p><p>— Estes corretores de</p><p>imóveis não são nada confiáveis</p><p>— disse ela, enquanto espetava</p><p>uma batata indefesa e a colocava</p><p>no meu prato. — Passei a manhã</p><p>inteira esperando um, mas ele</p><p>nem se incomodou em aparecer.</p><p>Eu não disse nada. Tia Ta-</p><p>tá olhou para mim por um ins-</p><p>tante e, em seguida, disse:</p><p>— Vou colocar minha</p><p>própria placa esta tarde. Você vai</p><p>adorar me ajudar a pintá-la, Ara-</p><p>minta.</p><p>— Não vou — eu disse a</p><p>ela.</p><p>Tentei evitar tia Tatá durante a tarde, mas ela me</p><p>encontrou na adega procurando por vampiros e me arras-</p><p>tou até o jardim.</p><p>— O dia está lindo, Araminta — disse, animada. —</p><p>Um pouco de sol lhe fará muito bem. Você está muito pá-</p><p>lida.</p><p>Bem, é claro que eu estava pálida. Era por causa da</p><p>poeira de giz no meu rosto. Caçar vampiros é como caçar</p><p>fantasmas — você tem que parecer um deles para ter</p><p>chance de encontrar algum. Acho que fico muito bem de</p><p>vampira e gostaria que meus dentes crescessem também</p><p>(mas, quando eu perguntei á dentista como poderia fazer</p><p>isso, ela não ajudou nem um pouco).</p><p>Tia Tatá havia limpado um terreno de urtiga — ur-</p><p>tiga é o que melhor cresce em nosso jardim — e posto</p><p>uma tábua e umas tintas em seu lugar. Minha tia pensa que</p><p>é artista, mas eu tenho minhas dúvidas.</p><p>—Venha, querida — disse ela, dando tapinhas no</p><p>chão ao seu lado como se fôssemos fazer um piquenique</p><p>ou coisa parecida —, você sabe que adora pintar.</p><p>— Não — eu disse a ela.</p><p>Então, sentei nos degraus e os chutei, o que é bem</p><p>divertido, já que eles são muito deformados, e você fre-</p><p>qüentemente consegue arrancar grandes pedaços de pedra.</p><p>Observei enquanto tia Tatá se concentrava na pintura, até</p><p>que ela estava tão coberta de tinta quanto a tábua. Quando</p><p>a tinta acabou, ela prendeu a tábua num pequeno poste e</p><p>o fixou na cerca viva. A placa dizia:</p><p>Tia Tatá parecia satisfeita. Esfregou suas mãos sujas</p><p>de tinta na parte da frente do vestido e disse:</p><p>— Nada mal. Não perdi o jeito. O que você achou,</p><p>Araminta?</p><p>Eu não disse o que se passava pela minha cabeça, já</p><p>que não teria sido educado de minha parte. Além disso,</p><p>estava ocupada pensando. Precisava desesperadamente de</p><p>um plano — tia Tatá não conseguiria assim tão facilmen-</p><p>te. Então, quando ela entrou em casa para brigar com o</p><p>aquecedor, pensei a respeito do meu plano. Não demorou</p><p>muito para que eu elaborasse um. Logo a placa dizia:</p><p>Simples.</p><p>Na manhã seguinte, acordei cedo. Sabia que tia Ta-</p><p>tá não desistiria facilmente e eu queria vigiá-la, então de-</p><p>pois do café da manhã fiquei pelo vestíbulo, fingindo que</p><p>estava contando as aranhas. Tudo (inclusive a tia Tatá) es-</p><p>tava suspeitamente quieto — até que bateram à porta.</p><p>Corri para abrir, mas tia Tatá, que estava de tocaia</p><p>atrás do relógio, chegou primeiro. Tirou-me do caminho</p><p>com o cotovelo (tia Tatá tem cotovelos muito afiados) e</p><p>abriu a porta.</p><p>Em pé na entrada havia uma mulher muito estilosa</p><p>carregando uma pasta. Não gostei nem um pouquinho</p><p>dela, então lancei meu melhor olhar diabólico. Percebi que</p><p>funcionou — ela logo ficou pálida e engoliu em seco, um</p><p>pouco como Brian fazia. Abriu e fechou a boca como se</p><p>tivesse esquecido como se falava e, em seguida, disse com</p><p>a voz trêmula e aguda:</p><p>— Eu... eu vim ver a casa. Em nome da Cor-</p><p>poração Hotéis Enormes.</p><p>Tia Tatá parecia felicíssima.</p><p>Que droga, pensei. Que falta de sorte que essa tal</p><p>sra. Corporação Hotéis Enormes não soubesse ler. Fui lá</p><p>fora verificar a placa, mas agora dizia:</p><p>Hummm... Tia Tatá estava se mostrando mais es-</p><p>perta do que eu esperava.</p><p>Ela estava ocupada mostrando o vestíbulo para a</p><p>Hotéis Enormes quando voltei para dentro da casa.</p><p>— Foi muito estranho, querida — disse tia Tatá,</p><p>com um sorriso engraçado. — Alguém alterou a placa</p><p>ontem à noite. Percebi quando o tio Drac saiu para traba-</p><p>lhar. Não me surpreenderia se descobrisse que foi um</p><p>desses corretores de imóveis. Seja como for, já consertei,</p><p>não acha?</p><p>Não respondi — não havia tempo a perder. Corri</p><p>para o andar de cima, para meu quarto de sexta-feira, e</p><p>peguei meu kit de fantasma. Abri a caixa depressa, tirei</p><p>meu lençol de fantasma branco e esvaziei um saco de fa-</p><p>rinha sobre ele. Logo depois, enchi um balão enorme e</p><p>peguei uma buzina do tipo surpreenda-seus-ami-</p><p>gos-com-um-fantasma-sufocado.</p><p>Segurei a ponta do balão para que o ar não esca-</p><p>passe, em seguida pus o lençol cheio de farinha sobre mi-</p><p>nha cabeça para que cobrisse a mim e ao balão. Eu estava</p><p>pronta.</p><p>Logo ouvi tia Tatá subindo as escadas com suas</p><p>enormes botas, seguida pelo som assustado dos sapatos da</p><p>Hotéis Enormes.</p><p>Estava na hora.</p><p>Abri a porta do meu quarto e, no velho espelho do</p><p>fim da escada, pude ver o reflexo de um fantasma empo-</p><p>eirado aparecendo. Não estava tão assustadora quanto</p><p>queria, mas estava bom. Era muito difícil descer pelas es-</p><p>cadas do sótão, mas consegui chegar lá embaixo.</p><p>Então, subi no baú perto da janela e me escondi a-</p><p>trás da cortina.</p><p>Isso! A emboscada estava pronta.</p><p>Eu podia ouvir tia Tatá e a Hotéis Enormes logo</p><p>no corredor. Tia Tatá falava</p><p>sobre como adorava as pias</p><p>gotejantes do banheiro, e a Hotéis Enormes falava consi-</p><p>go mesma:</p><p>— Grande potencial... Charme antigo... Hotel te-</p><p>mático...</p><p>Isso é o que veremos, pensei. Pulei do baú e buzi-</p><p>nei.</p><p>Aiiieeeeeeeeeeeeee!</p><p>Foi maravilhoso. A Hotéis Enormes ficou comple-</p><p>tamente pálida. Dava para perceber que ela sabia que tinha</p><p>cometido um grave erro. Ela girou e gritou. Gritou mes-</p><p>mo. Enquanto ela gritava, segurei a cortina e sacudi bas-</p><p>tante meus braços para que a farinha voasse por todos os</p><p>lados criando uma névoa branca. A buzina do fantasma</p><p>sufocado foi ótima continuou tocando e tocando — mas</p><p>só para garantir fiz uns barulhos horríveis também.</p><p>A Hotéis Enormes não estava desistindo com faci-</p><p>lidade. Seus gritos eram incríveis — realmente lancinantes</p><p>—, e ela não parava nem para respirar. Tia Tatá agarrou a</p><p>Hotéis Enormes para tentar acalmá-la, mas ela não queria</p><p>se acalmar. De jeito nenhum.</p><p>Foi então que um pouco de farinha ficou preso na</p><p>minha garganta e me fez engasgar um pouco — bem,</p><p>muito, na verdade — e foi quando a Hotéis Enormes pa-</p><p>rou de gritar e ficou me encarando, apesar de ainda estar</p><p>com a boca aberta como se quisesse gritar.</p><p>Devagarzinho ela começou a caminhar para trás</p><p>pelo corredor e passou direto por uma das teias de aranha</p><p>mais antigas, na qual a maior e mais peluda aranha morava</p><p>— e eu vi a maior e mais peluda aranha de todas cair na</p><p>sua frente. A Hotéis Enormes soltou um grito agudo que</p><p>fez com que meus ouvidos apitassem. Ela correu escada</p><p>abaixo em dois segundos.</p><p>Fiquei impressionada.</p><p>— Foi rápido — eu disse, retirando meu lençol e</p><p>respirando um pouco de ar puro sem farinha.</p><p>Tia Tatá me olhou furiosa.</p><p>— Sério, Araminta, o que você está fazendo? —</p><p>perguntou ela. — Não sei o que deu em você. É a minha</p><p>melhor farinha que você está usando?</p><p>— É — eu disse. — Mas não funcionou. Meus pés</p><p>não saíram do chão nem uma vez.</p><p>Tia Tatá reclamou e catou as aranhas que caíram de</p><p>suas teias e ficaram cobertas de farinha. Em seguida car-</p><p>regou-as para baixo e limpou-as.</p><p>Sentei perto das cortinas mofadas em meio a uma</p><p>pilha de farinha e desembrulhei meu lençol de fantasma.</p><p>As coisas estavam dando certo, pensei, mas eu sabia que</p><p>tia Tatá não desistiria com tanta facilidade.</p><p>Naquela noite, depois que tia Tatá me contou uma</p><p>história do Livro cor-de-rosa de histórias para dormir de</p><p>espíritos e fantasmas e desceu para encher o aquecedor de</p><p>água, me levantei. Desci sorrateiramente pelas escadas do</p><p>sótão e esperei nas sombras do lado de fora da torre do</p><p>tio Drac.</p><p>Quando a lua se levantou, a porta vermelha se a-</p><p>briu, e o tio Drac saiu. Eu o observei andando devagar</p><p>pelas escadas até o vestíbulo, onde tia Tatá esperava por</p><p>ele com sua garrafa térmica e seus sanduíches. Ela deu-lhe</p><p>um beijinho de despedida e um tchau enquanto ele saía</p><p>para trabalhar. A porta da frente se fechou silen-</p><p>ciosamente atrás dele, e tia Tatá desapareceu de volta para</p><p>o porão.</p><p>Fui escondida lá para fora e alterei a placa mais uma</p><p>vez. Agora dizia:</p><p>Isso daria certo. Quem compraria uma casa</p><p>mal-assombrada?</p><p>Amanhã de sábado não foi uma boa manhã. Tia</p><p>Tatá estava limpando o aquecedor — outra vez. Sempre</p><p>fico longe quando tia Tatá se aproxima do aquecedor, mas</p><p>hoje foi diferente. Queria reabastecer de farinha a minha</p><p>caixa de fantasma, já que achava que, em breve, fosse pre-</p><p>cisar, e tia Tatá guarda toda sua farinha na tercei-</p><p>ra-dispensa à-esquerda-logo-depois-da-sala-do-aquecedor.</p><p>Já tinha quase passado em segurança pela sala do</p><p>aquecedor quando tia Tatá olhou para cima e me viu.</p><p>Droga. Dava para perceber que ia arrumar problemas. Ela</p><p>estava com uma escova enorme nas mãos e tinha acabado</p><p>de chutar um balde d’água.</p><p>Eu tinha razão; ela arrumou problemas.</p><p>— Araminta, querida — disse ela — Você pode,</p><p>por favor, remontar o Cavaleiro Horácio? Ele passou dois</p><p>dias inteiros aos pedaços.</p><p>Cavaleiro Horácio? Desde quando tia Tatá se im-</p><p>portava com o Cavaleiro Horácio?</p><p>— Eu preciso? — perguntei, irritada. Tinha coisas</p><p>melhores para fazer do que remontar um lixo enferrujado.</p><p>Por que a tia Tatá sempre aparece quando você menos</p><p>quer vê-la?</p><p>— Sim, você precisa. — Tia Tatá chutou a lataria.</p><p>— Algumas pessoas interessadas em comprar a casa estão</p><p>vindo, e eu acho que uma bela armadura no vestíbulo</p><p>causará uma boa impressão. As pessoas gostam de arma-</p><p>duras. E, Araminta...</p><p>— O quê? — eu disse.</p><p>— Quero tudo arrumado e bonito, por favor! As</p><p>pessoas vêm esta tarde.</p><p>— Esta tarde? — engasguei. — Mas isso não me</p><p>deixa tempo para... Oops!</p><p>— Para quê? — perguntou tia Tatá, desconfiada,</p><p>me olhando através dos óculos fuliginosos.</p><p>— Para... bem... arrumar meu quarto — eu disse,</p><p>com minha voz mais gentil.</p><p>— Bem, é melhor você se apressar, não é querida?</p><p>disse tia Tatá. — E leve este capacete horroroso com vo-</p><p>cê.</p><p>Peguei o capacete do Cavaleiro Horácio e saí do</p><p>caminho da tia Tatá. Não podia haver mais pessoas que-</p><p>rendo ver a casa, pensei. Será que eles não conseguiam ler</p><p>a placa lá fora?</p><p>Fui para o jardim ver se tia Tatá tinha mudado mais</p><p>uma vez, mas não. Ainda dizia:</p><p>Eu não conseguia entender. Por que alguém com-</p><p>praria uma casa mal-assombrada? Mas, só para me certifi-</p><p>car, acrescentei um pouco mais à placa:</p><p>Joguei o capacete do Cavaleiro Horácio no chão do</p><p>meu quarto de sábado — que é o meu preferido, já que</p><p>você só consegue chegar até ele subindo por uma escada</p><p>de corda e depois passando espremido por uma pequena</p><p>porta, o que mantém tia Tatá longe. O problema era que o</p><p>resto do Cavaleiro Horácio ainda estava pelo chão do meu</p><p>quarto de quinta-feira, então demorei horas para trazer os</p><p>pedaços pelo corredor e jogá-los pela porta. Tenho ótima</p><p>mira, mas devo admitir que nem todos os pedaços passa-</p><p>ram pela porta de primeira.</p><p>Comecei a remontar o Cavaleiro Horácio e, en-</p><p>quanto descobria qual braço ficava onde, tentava decidir</p><p>qual seria o meu plano para a tarde. Pensei em tentar o</p><p>Plano do Melaço na Maçaneta com o Arame Invisível para</p><p>Tropeço, apesar de também precisar do balde de Lodo</p><p>Surpresa, só para garantir. Mas, fosse o que fosse que eu</p><p>fizesse, tinha que acabar de remontar o Cavaleiro Horácio</p><p>depressa, pois tia Tatá com certeza apareceria para verifi-</p><p>car o trabalho.</p><p>Era muito difícil montar o Cavaleiro Horário. Ha-</p><p>via ainda mais pinos nele agora, e muitos pedaços não se</p><p>encaixavam onde deveriam, não importava o quanto eu</p><p>forçasse. Era muito irritante.</p><p>Já era quase hora do almoço quando consegui aca-</p><p>bar de remontar o Cavaleiro Horácio — todinho, quer di-</p><p>zer, exceto pelo seu pé esquerdo. Seu pé esquerdo é o pé</p><p>esquerdo mais idiota que já vi.</p><p>Eu estava muito irritada, então disse ao Cavaleiro</p><p>Horácio exatamente o que deveria acontecer.</p><p>— Está tudo bem para você, Cavaleiro Horácio,</p><p>sua velha lata enferrujada — eu disse —, mas tenho coisas</p><p>mais importantes a fazer. Se eu não preparar meus planos,</p><p>pessoas muito idiotas que sequer sabem ler uma placa</p><p>perfeitamente óbvia vão comprar esta casa, e nós teremos</p><p>que nos mudar. E, quando nos mudarmos, tia Tatá vai te</p><p>jogar na lata de lixo reciclável. E, em seguida, você vai ser</p><p>amassado como uma panqueca e derretido, e vai se trans-</p><p>formar em centenas de latas... que provavelmente vão ser</p><p>preenchidas por comida de gato. Rá-rá!</p><p>Neste momento eu já estava extremamente irritada</p><p>com seu pé esquerdo. Bati com ele de cabeça para baixo</p><p>no chão e ouvi um barulho. Sacudi novamente, e então</p><p>algo muito legal aconteceu — uma pequena chave de</p><p>bronze caiu.</p><p>Dava para perceber que era uma chave muito velha,</p><p>já que estava bem gasta, como se tivesse ficado no bolso</p><p>de alguém por centenas de anos. Mas a melhor parte era</p><p>que havia uma velha etiqueta marrom presa a ela, e, na eti-</p><p>queta, uma inscrição meio apagada em letras muito anti-</p><p>gas. Dava para ler o que dizia:</p><p>Esta é a chave da Varanda</p><p>(Abre todas as portas)</p><p>“Varanda” era uma palavra engraçada, e eu imaginei</p><p>o que poderia significar. Parecia o nome de uma terra dis-</p><p>tante ou de alguma antiga cidade: subterrânea. Talvez,</p><p>pensei, esta chave pertencesse a um baú do tesouro de</p><p>uma ilha deserta chamada Varanda — Repeti a palavra em</p><p>voz dita para mim mesma, imaginando as palmeiras ba-</p><p>lançando e a água batendo nos meus pés, e então percebi</p><p>o que Varanda significava. Era só a velha varanda chata</p><p>que ficava em cima do vestíbulo. E quem iria querer ir lá?</p><p>Eu! Eu iria querer ir lá. De repente soube que era o</p><p>lugar perfeito. Poderia preparar minha Terrível Embosca-</p><p>da lá. E eu sempre quis preparar uma Terrível Embosca-</p><p>da. Nela tem de tudo, e faria o balde de lodo parecer um</p><p>piquenique de domingo. Qualquer um que viesse comprar</p><p>a casa não duraria nem cinco segundos.</p><p>Dei uma última batida no pé esquerdo do Cavaleiro</p><p>Horácio e — isso! — se encaixou novamente na ponta de</p><p>sua perna — E daí que estava virado ao contrário? Não</p><p>parecia incomodar o Cavaleiro Horácio, e, certamente,</p><p>não incomodava a mim. Eu tinha coisas mais importantes</p><p>para pensar. Como de que forma chegar até a varanda. É</p><p>claro, eu sabia que só havia uma resposta para isso — por</p><p>uma passagem secreta.</p><p>Eu tenho um kit-passagem secreta, igual ao meu</p><p>kit-fantasma. Sempre quis encontrar uma passagem secre-</p><p>ta e agora sabia que finalmente tinha a chave para uma.</p><p>Primeiro, abri a caixa do meu kit-passagem secreta</p><p>e retirei uma lanterna, um rolo de barbante e uns supri-</p><p>mentos emergenciais de salgadinhos de queijo e cebola.</p><p>Você precisa de uma lanterna, pois passagens se-</p><p>cretas são sempre escuras, e também de um rolo de bar-</p><p>bante para conseguir achar o caminho de volta — eu</p><p>conto como isso funciona daqui a pouco. Você precisa de</p><p>suprimentos emergenciais de comida, já que nunca sabe</p><p>quanto tempo vai ficar em uma passagem secreta, sabe?</p><p>Quer dizer, pode ser que demore muito, e você te-</p><p>nha que ficar lá durante dias. Semanas até.</p><p>Eu estava pronta para procurar a porta secreta.</p><p>Achei que o lugar mais provável era no painel de</p><p>madeira debaixo da escada. Ele parece oco quando você</p><p>chuta. Mas encontrar a porta não estava sendo tão fácil</p><p>quanto eu imaginei que seria, já que tudo estava coberto</p><p>pela tinta grossa marrom preferida de tia Tatá. Quando</p><p>olhei com mais atenção, tive certeza de ter visto uma de-</p><p>pressão era forma de fechadura. Raspei a tinta com a</p><p>ponta da chave, e, lá estava — uma pequena fechadura de</p><p>bronze do tamanho exato da pequena chave de bronze.</p><p>Encaixou perfeitamente. Girei a chave, e a melhor coisa</p><p>do mundo aconteceu uma porta secreta se abriu.</p><p>Acendi minha lanterna e iluminei o espaço através</p><p>da entrada. Era exatamente como uma passagem secreta</p><p>deveria ser — escura, empoeirada e muito, muito secreta.</p><p>Dava para perceber que ninguém tinha estado lá em anos.</p><p>Estranho, pensei, porque agora eu estava entrando. Sozi-</p><p>nha. Não estou dizendo que queria que tia Tatá estivesse</p><p>lá comigo agora, já que ela era a última pessoa que eu gos-</p><p>taria de ver, mas não me importaria de ter um amigo ou</p><p>alguém assim. Não quero que você pense que eu estava</p><p>com medo de entrar sozinha, pois já estou muito acostu-</p><p>mada a fazer coisas sozinha e é ótimo.Não tem problema</p><p>nenhum.</p><p>Agora me deixe explicar a história do barbante.</p><p>Quando você entra em uma passagem secreta, tem que</p><p>amarrar a ponta do rolo em alguma coisa e ir desenrolan-</p><p>do enquanto anda, para que você possa achar o caminho</p><p>de volta.</p><p>Havia um prego atrás da porta secreta, então foi</p><p>nele que amarrei o barbante. Perfeito.</p><p>Depois fechei a porta para que a tia Tatá não per-</p><p>cebesse nada de estranho, acendi minha lanterna e fui an-</p><p>dando pela passagem, desenrolando o barbante enquanto</p><p>andava.</p><p>A passagem secreta era muito estranha. Muito es-</p><p>treita, e cheia de teias de aranha, e tinha um cheiro esqui-</p><p>sito, meio úmido e mofado. Acho que ficava atrás do pai-</p><p>nel de madeira da casa, já que tinha paredes de madeira</p><p>bem arranhadas. Apesar de ser estreita, era bem alta e fácil</p><p>de andar, apesar de eu ter que continuar tirando teias</p><p>muito grossas do caminho. Ainda bem que não me inco-</p><p>modo com aranhas, já que havia dúzias delas. Algumas</p><p>bem gordas.</p><p>Eu não estava com medo. Não de verdade. Afinal</p><p>de contas, ainda estava na minha casa, não estava? Mas foi</p><p>um pouco estranho quando a passagem acabou repenti-</p><p>namente numa plataforma de madeira. Eu não tinha cer-</p><p>teza se subia ou não na plataforma. Qualquer um que sai-</p><p>ba sobre passagens secretas já ouviu falar em armadilhas e</p><p>coisas do tipo, então parei e pensei sobre o que deveria</p><p>fazer. Iluminei o ambiente com minha lanterna, mas não</p><p>ajudou muito. Quando olhei mais de perto, vi que a pla-</p><p>taforma tinha lados, como caixas de madeira, e havia cor-</p><p>das em ambos os lados. Parecia com alguma coisa, mas eu</p><p>não sabia o quê. E depois me lembrei!</p><p>Era um minielevador.</p><p>Não, não estou brincando, eles de fato existem. Sa-</p><p>bia disso, pois nós tínhamos um igualzinho na primei-</p><p>ra-cozinha-à-direita-depois-da-lavanderia, e era assim que</p><p>tia Tatá o chamava. Eu me lembro de um dia chuvoso em</p><p>que estava tão entediada que entrei no elevador e fui dire-</p><p>to para a sala de jantar. Foi a coisa mais divertida do</p><p>mundo, e passei a tarde inteira subindo e descendo até que</p><p>tia Tatá me pegou no flagra. Depois disso ela pregou vá-</p><p>rias tábuas na por tinha, e não pude mais entrar, o que</p><p>achei muita maldade.</p><p>Então pisei na plataforma e puxei a corda. A plata-</p><p>forma rangeu um pouquinho, mas nada aconteceu. Colo-</p><p>quei minha lanterna no chão e usei as duas mãos para pu-</p><p>xar a corda com muita força — e a plataforma se moveu!</p><p>Acho que essa parte foi um pouco assustadora, já que a</p><p>plataforma começou a descer pelo que parecia uma cha-</p><p>miné escura, e eu não sabia para onde estava indo. Fiquei</p><p>muito feliz quando vi que o topo de uma velha porta apa-</p><p>receu.</p><p>Parei a plataforma do lado de fora da porta. Dava</p><p>para perceber que era uma porta bem velha, já que tinha</p><p>dobradiças de ferro e parecia fazer parte de um castelo ou</p><p>coisa parecida. Mas eu não vi nenhuma maçaneta; quando</p><p>empurrei, ela não se mexeu. Porta idiota. Dei um empur-</p><p>rão bem forte, até chutei, mas nada aconteceu.</p><p>Ela nem se mexia.</p><p>Então me lembrei do que</p><p>dizia a etiqueta da chave de</p><p>bronze: “Abre todas as portas”.</p><p>Eu não acreditava real-</p><p>mente que a chave fosse caber,</p><p>já que era tão pequena em rela-</p><p>ção à porta, mas quando olhei com</p><p>cautela vi uma pequena fechadura</p><p>de bronze, igual à que havia na porta</p><p>que levava á passagem secreta.</p><p>A chave girou com muita facilidade, e a</p><p>porta abriu.</p><p>Iluminei o caminho com minha</p><p>lanterna, que clareou uma pequena sali-</p><p>nha. Havia uma pequena lareira, alguns</p><p>quadros muito escuros e empoeirados e</p><p>enormes velas em castiçais de bronze presos</p><p>á parede. No canto estava uma velha cadei-</p><p>ra quebrada com alguns livros carcomidos</p><p>empilhados sobre ela, e no chão em frente à lareira havia</p><p>uma velha colcha. Simplesmente fiquei ali parada por um</p><p>momento, quase prendendo a respiração. Era tão quieto</p><p>que eu mal ousei entrar.</p><p>Mas eu entrei.</p><p>Fui na ponta dos pés e passei a lanterna pelas pare-</p><p>des, procurando por uma porta que levasse à varanda. E é</p><p>claro que não havia janelas, mas você não pode esperar</p><p>que uma sala secreta tenha janelas com vista para o meio</p><p>da casa, pode? Mas, como certamente haveria, achei uma</p><p>porta. Ótimo, pensei. Só precisei de três passos para atra-</p><p>vessar a sala. Pus a chave na fechadura da porta, e ela se</p><p>abriu. Quase passei direto, já que a essa altura eu estava</p><p>louca para chegar à varanda, pois o tempo estava passan-</p><p>do, mas eu sabia que você sempre tem que olhar para on-</p><p>de está indo numa passagem secreta. Ainda bem que olhei,</p><p>porque a porta abria e levava a nada. Aliás, a um grande e</p><p>profundo buraco.</p><p>Assustador.</p><p>Um sopro de vento morno e mofado veio do bu-</p><p>raco. Tinha um cheiro fuliginoso e pegajoso ao mesmo</p><p>tempo. Apontei minha lanterna e vi que havia uma velha</p><p>escada de madeira levando a... onde?</p><p>Mas eu não queria descer as escadas; queria encon-</p><p>trar uma varanda. Então voltei à sala e fiz tudo o que você</p><p>deve fazer para que uma porta secreta apareça. Tentei gi-</p><p>rar os castiçais, mas eles não se mexiam. Olhei atrás de</p><p>todos os quadros, mas não havia nada. Até dei um chute</p><p>na velha lareira, mas era dura como uma pedra. Não havia</p><p>nenhum caminho que levasse á varanda — isso era certo.</p><p>Então decidi descer a escada.</p><p>Descê-la foi um pouco assustador, ela sacudia e fa-</p><p>zia muitos barulhos, mas isso é coisa que devemos esperar</p><p>numa passagem secreta. Em seguida a porta bateu, e eu</p><p>quase caí. Foi aterrorizante.</p><p>Desci pelas escadas, o que foi bastante difícil, já que</p><p>eu só podia me segurar com uma das mãos, pois a outra</p><p>estava com a lanterna — o rolo de barbante eu segurei</p><p>com os dentes.</p><p>Não gosto do sabor de barbante. Outra coisa de</p><p>que não estava gostando muito era que o ar estava ficando</p><p>cada vez mais quente. Eu me lembrei de como o calor</p><p>aumenta à medida que você se aproxima do centro da</p><p>Terra, e quanto mais eu descia as escadas, mais eu imagi-</p><p>nava se estava me aproximando daquela parte do centro</p><p>da Terra em que pedras derretem. Mas, enquanto imagi-</p><p>nava se deveria voltar para cima ou não, o fim da escada</p><p>surgiu. Parecia sólido o suficiente, então concluí que ainda</p><p>não tinha chegado às pedras derretidas.</p><p>Estava num verdadeiro túnel agora, com lados de</p><p>tijolos e um chão arenoso. Decidi seguir o túnel um pou-</p><p>co, caso a varanda estivesse na próxima esquina. O túnel</p><p>ziguezagueava em todas as direções, e o ar ficou ainda</p><p>mais quente, o que não fazia o menor sentido para mim, já</p><p>que não estava descendo mais.</p><p>E então eu ouvi — um barulho metálico horrível,</p><p>de fazer ranger os dentes e dar calafrios nos dedos dos</p><p>pés. O exato tipo de barulho que você ouve quando um</p><p>fantasma arrasta uma bola com uma corrente. Ouvi dizer</p><p>que estes fantasmas que carregam bolas e correntes não</p><p>são fantasmas legais de se encontrar. Imagino que eles se-</p><p>jam rabugentos por terem que arrastar todas aquelas coi-</p><p>sas para todo lugar que vão. Parei onde estava e desliguei</p><p>minha lanterna para que o fantasma das correntes não me</p><p>visse, mas ficar no escuro não me fez sentir nem um</p><p>pouco melhor. Aliás, me fez sentir muito pior, então a-</p><p>cendi a lanterna novamente.</p><p>Foi então que a gritaria começou. Gritos horríveis,</p><p>de provocar frio na espinha. Eles preencheram a passa-</p><p>gem secreta e ecoaram através de mim. Foi o som mais</p><p>assustador que já ouvi na vida.</p><p>E o pior de tudo, eu sabia exatamente o que signi-</p><p>ficava — que o fantasma das correntes estava vindo me</p><p>pegar.</p><p>Tia Tatá pode pensar que é muito engraçado sair</p><p>por aí assustando pessoas que estão explorando passagens</p><p>secretas, mas eu não acho. Aliás, eu acho que é de muito</p><p>mau gosto, como diria o tio Drac.</p><p>Não demorei muito para perceber que fantasmas de</p><p>correntes não gritam “PORCARIA DE AQUECE-</p><p>DOR!”. Aliás, não acho que fantasmas de correntes te-</p><p>nham qualquer interesse em aquecedores.</p><p>PORCARIA DE AQUECEDOR! EU ODEIO</p><p>ESTA DROGA! — Eu podia ouvir tia Tatá gritando a-</p><p>través da parede da passagem secreta com tanta clareza</p><p>quanto se estivesse ao lado dela. Ainda bem que não esta-</p><p>va, já que também dava para ouvi-la chutar o comparti-</p><p>mento de carvão e jogar a pá contra a parede.</p><p>Mas o tempo estava se esgotando. Logo um monte</p><p>de pessoas que gostava de lugares mal-assombrados esta-</p><p>ria andando pela minha casa, resolvendo que eles vão</p><p>morar nela em vez de mim. E, se eu não tomasse cuidado,</p><p>ficaria presa numa passagem secreta e não poderia fazer</p><p>nada a respeito. Decidi que tinha que desistir da idéia da</p><p>varanda e voltar para planejar uma surpresa com o balde</p><p>de lodo. Era melhor que nada.</p><p>Já que tia Tatá tinha me dado um tremendo susto,</p><p>queria dar um nela antes de ir. Procurei algum buraquinho</p><p>na parede por onde apontar minha lanterna para que ela</p><p>pensasse que havia um fantasma na sala do aquecedor —</p><p>e foi quando o vi.</p><p>Eu vi um fantasma.</p><p>Ele estava sentado num canto escuro, um pouco</p><p>abaixo da passagem secreta. Primeiro fiquei tão surpresa</p><p>que pensei que ele fosse apenas um menino comum; então</p><p>eu disse:</p><p>— Ei! O que você está fazendo aqui?</p><p>Mas, quando ele olhou para mim, havia algo em seu</p><p>rosto que me deu calafrios, e eu soube que ele era um</p><p>fantasma. Ele tinha olhos molhados e fantasmagóricos, e</p><p>seu rosto era meio transparente e brilhava com uma luz</p><p>clara. Imaginei que ele fosse um fantasma de tempos an-</p><p>tigos, já que tinha um corte de cabelo de cuia e vestia uma</p><p>túnica com um grande capuz. Ele também tinha uma ada-</p><p>ga presa em seu cinto, o que achei muito legal — tia Tatá</p><p>não me deixa ter uma adaga, não importa o quanto eu pe-</p><p>ça. Aliás, achei que já o tinha visto antes — ele parecia</p><p>com as ilustrações medievais do meu livro de história dos</p><p>tempos dos cavaleiros.</p><p>Fiquei satisfeita por ele não ser um fantasma de</p><p>correntes rabugento. Fui até ele e perguntei, só para ter</p><p>certeza:</p><p>— Você é um fantasma de verdade?</p><p>Ele não respondeu — aliás, parecia um pouco as-</p><p>sustado, como se ele tivesse visto um fantasma. Era um</p><p>pouco decepcionante, na verdade, já que estava tudo às</p><p>avessas. Eu é que deveria me assustar com ele.</p><p>— Então, qual é o seu nome? — perguntei.</p><p>Ele continuou sem</p><p>responder, o que eu achei uma</p><p>grosseria. Tia Tatá também teria</p><p>dito que era rude da parte dele.</p><p>O menino desviou o olhar e ficou</p><p>encarando o chão, e dava para</p><p>perceber que ele estava torcendo para</p><p>que eu fosse embora. Mas eu não ia aban-</p><p>donar o primeiro fantasma que encontrei de jeito</p><p>nenhum, principalmente porque já fazia muito tempo que</p><p>eu procurava por um.</p><p>— Você deve ter um nome — eu disse. Sempre</p><p>imaginei que um fantasma fosse ser mais divertido do que</p><p>este demonstrava ser. Mas em seguida ouvi um barulho</p><p>que fez com que os cabelos da minha nuca se arrepiassem.</p><p>Um sussurro estranho, oco, preencheu o ar a minha volta.</p><p>— Edmundo... — dizia o sussurro. Era ele, o me-</p><p>nino-fantasma, falando. E era assustador.</p><p>Edmundo flutuou do chão e veio em minha dire-</p><p>ção. Dei um passo para trás, já que de repente não tinha</p><p>mais tanta certeza de que queria conversar com um fan-</p><p>tasma. E então Edmundo disse algo muito estranho — ele</p><p>disse:</p><p>— Você é a Tábita?</p><p>Ele falou com um sotaque estranho que lembrava</p><p>uns franceses que apareceram em casa uma vez, achando</p><p>que era uma pousada. Eles não ficaram muito tempo.</p><p>— Não — eu disse a ele. — Eu sou... Eu sou Ara-</p><p>minta.</p><p>— Ótimo — disse Edmundo, e meio que subiu</p><p>pelas paredes novamente e começou a andar de cabeça</p><p>para baixo no teto. — Eu não gosto da Tábita — disse</p><p>ele, com seu sotaque estranho. — A Tábita é barulhenta.</p><p>Ele tinha razão, pensei. Havia momentos em que</p><p>eu também não gostava da Tábita, e Tábita era definitiva-</p><p>mente barulhenta. Aliás, na hora em que Edmundo disse</p><p>isso, eu podia ouvir tia Tatá jogando carvão no aquecedor</p><p>furiosamente e batendo a porta com um barulhão. Percebi</p><p>que Edmundo devia ter ouvido muitos dos ataques de</p><p>raiva de tia Tatá ao longo dos anos.</p><p>Então, quando eu estava começando a gostar de</p><p>Edmundo, ele disse:</p><p>— Você precisa ir agora.</p><p>— O quê? — perguntei a ele.</p><p>— Você precisa ir. Não pode se aproximar mais.</p><p>— Por quê?</p><p>Ele não respondeu. Simplesmente flutuou para ci-</p><p>ma e para baixo na minha frente, com os braços esticados,</p><p>como se ele pudesse me impedir de passar por ele. Ele</p><p>nem precisava ter se incomodado, já que eu não passaria</p><p>por um fantasma de jeito nenhum. Brrr. De jeito nenhum.</p><p>— Bem, eu não quero me aproximar mais, mesmo</p><p>— disse a ele. — Eu só vim para procurar o caminho para</p><p>a varanda.</p><p>— A varanda não fica aqui embaixo — disse</p><p>Edmundo, que tinha começado a girar lentamente</p><p>por alguma razão estranha, não me pergunte por quê. —</p><p>Então você deve ir. Adeus.</p><p>Pareceu que Edmundo sabia onde a varanda ficava,</p><p>então perguntei se ele me levaria até lá.</p><p>— Se eu te levar até a varanda, você vai embora?</p><p>— perguntou ele.</p><p>— Não fico onde não me querem. Tenho coisas</p><p>melhores para fazer.</p><p>— Bem, não quero ficar aqui embaixo — disse a</p><p>ele.</p><p>— Você não quer? — disse Edmundo. — Ótimo.</p><p>Siga-me.</p><p>Então o segui.</p><p>Edmundo brilhava muito, então desliguei minha</p><p>lanterna para economizar as pilhas. Essa é uma preocupa-</p><p>ção que você sempre deve ter numa passagem secreta, já</p><p>que nunca se sabe quanto tempo vai ficar nela, e o pior</p><p>desastre que pode acontecer é estar numa passagem se-</p><p>creta sem nenhuma luz. Seguia Edmundo enquanto ele</p><p>flutuava pela passagem, e pensei na tia Tatá do outro lado</p><p>da parede e no ataque que ela daria se soubesse o que eu</p><p>estava fazendo naquele momento — mas não seria um</p><p>ataque tão forte quanto o que daria quando eu completas-</p><p>se minha Terrível Emboscada na varanda.</p><p>Logo eu estava subindo novamente a velha escada,</p><p>com Edmundo levitando à minha frente. Pensei no quan-</p><p>to era mais fácil para um fantasma do que para uma pes-</p><p>soa subir escadas. De alguma forma não parecia justo,</p><p>principalmente porque eu tinha que carregar minha lan-</p><p>terna e desenrolar meu rolo de barbante enquanto ia.</p><p>Quando chegamos ao topo, Edmundo parou do</p><p>lado de fora da porta.</p><p>— Vá em frente — disse a ele. Eu não sabia por</p><p>que ele havia parado, já que todo mundo sabe que fan-</p><p>tasmas podem atravessar portas.</p><p>— Esta porta é difícil — disse ele. — Eu não devo</p><p>vir aqui. Não é meu quarto.</p><p>— Tudo bem — eu disse. — Tenho a chave.</p><p>Edmundo pareceu surpreso.</p><p>— Você tem a chave? — ele disse, numa espécie de</p><p>murmúrio, e em seguida começou a perder brilho e estre-</p><p>mecer. Então de repente ele se foi, direto pela porta. E</p><p>fiquei ali, no topo da terrível escada velha no escuro. Ó-</p><p>timo. Depois de ficar horas procurando a chave, destran-</p><p>quei a porta e caí dentro da sala. Edmundo estava flutu-</p><p>ando por lá, apenas me olhando de uma maneira que não</p><p>ajudava em nada.</p><p>— Então, onde exatamente fica a varanda? — per-</p><p>guntei enquanto me levantava.</p><p>Edmundo apontou para a lareira.</p><p>— É por ali.</p><p>— Bem, isso é uma burrice — eu lhe disse. —</p><p>Como é que eu vou passar por uma lareira? É tudo muito</p><p>fácil para você. Você é um fantasma, mas eu não posso</p><p>simplesmente atravessar uma velha lareira cheia de fuli-</p><p>gem...</p><p>— Você fala igual à Tábita — disse Edmundo. —</p><p>Você faz meus ouvidos doerem. Onde está a chave?</p><p>— Que chave? — perguntei confusa.</p><p>— A chave da varanda — respondeu ele, como se</p><p>eu fosse muito burra ou coisa do tipo. — A que você car-</p><p>rega com sua pessoa.</p><p>— Com minha o quê? — eu disse, e em seguida</p><p>percebi o que ele queria dizer e peguei a chave do meu</p><p>bolso. — Aqui está — disse e entreguei a ele. É claro que</p><p>ela atravessou diretamente sua mão e caiu no chão. Dããã.</p><p>Por um momento esqueci que ele era um fantasma —</p><p>Edmundo podia ser tão irritante quanto um menino de</p><p>verdade.</p><p>— Ponha a chave na fechadura — disse ele, e mos-</p><p>trou uma pequena fechadura no meio da lareira que eu</p><p>não tinha notado antes. — Ela abre o caminho para a va-</p><p>randa. Adeus. — Então ele partiu como uma bala através</p><p>da porta e desapareceu.</p><p>Pus a chave na fechadura e girei. Funcionou! A la-</p><p>reira deslizou de lado e um brilhante raio de luz cortou a</p><p>escuridão da sala. Passei espremida pela abertura e final-</p><p>mente cheguei... à varanda.</p><p>Era estranho estar a metros do vestíbulo. Tudo pa-</p><p>recia tão pequeno e distante. Deve ser assim que os pás-</p><p>saros se sentem o tempo todo quando estão nas enormes</p><p>e velhas árvores do jardim. Eu me sentia tão feliz por fi-</p><p>nalmente estar na varanda que quase gritei para que tia</p><p>Tatá viesse ver onde eu estava — por sorte, segurei-me a</p><p>tempo.</p><p>Mas a melhor coisa de todas foi quando olhei para</p><p>baixo e percebi que a varanda era bem acima do chão em</p><p>frente à porta principal, onde as pessoas que nunca vieram</p><p>a casa sempre param e ficam olhando. Elas também quase</p><p>sempre ficam de boca aberta, apesar de não parecerem fa-</p><p>lar muito — e eu sei que elas ficam desse jeito por um</p><p>bom tempo.</p><p>Era perfeito. A Terrível Emboscada de Araminta ia</p><p>ser fantástica.</p><p>Voltei pelo minielevador e pela passagem secreta,</p><p>mas, quando abri a pequena porta debaixo das escadas,</p><p>alguém me esperava.</p><p>Adivinha quem era? Não, não era a tia Tatá. Não,</p><p>também não era o tio Drac. Era o Cavaleiro Horácio.</p><p>— Bom-dia! — disse ele com uma estranha voz</p><p>explosiva, que vinha de algum lugar dentro da sua arma-</p><p>dura. Era tão fantasmagórica que fiquei toda arrepiada e</p><p>meus joelhos ficaram esquisitos.</p><p>— B-bom-dia, Cavaleiro Horácio — engasguei.</p><p>Pensei em fugir pela passagem secreta, mas não achei que</p><p>minhas pernas fossem funcionar bem.</p><p>O Cavaleiro Horácio se aproximou e pareceu cam-</p><p>baleante. Eu me afastei; não apostava em suas chances de</p><p>permanecer montado por muito tempo — já que eu é que</p><p>o tinha remontado — e adoraria que um pedaço de lata</p><p>enferrujada não caísse em cima de mim naquele momento.</p><p>Achei que talvez devesse explicar as coisas. Sei que</p><p>explicações nem sempre ajudam, principalmente se a pes-</p><p>soa para quem você for explicar for a tia Tatá, mas eu i-</p><p>maginei que o Cavaleiro Horácio pudesse ser diferente.</p><p>Então, disse com minha melhor voz educada:</p><p>— E... eu sinto muito, Cavaleiro Horácio. Mas eu...</p><p>ãã... pensei que você fosse apenas... hum...</p><p>— Uma lata velha, mofada e enferrujada. — O Ca-</p><p>valeiro Horácio completou a frase para mim, o que tia</p><p>Tatá diz que é grosseiro.</p><p>— Ah... — resmunguei enquanto tentava me lem-</p><p>brar do que mais eu chamara o Cavaleiro Horácio en-</p><p>quanto o remontava. Aliás, para mim, ele era uma lata ve-</p><p>lha mofada e enferrujada, mas não esperava que fosse uma</p><p>lata enferrujada falante.</p><p>Achei melhor verificar a situação do fantasma com</p><p>o Cavaleiro Horácio, então perguntei:</p><p>— Você também é um fantasma?</p><p>— Também por quê? — protestou ele. — Ah, além</p><p>de ser um Cavaleiro Real, você quer dizer. Sim, Senhorita</p><p>Fantasmim, de fato sou um fantasma. O fantasma do Ca-</p><p>valeiro Horácio Harbinger de Hérnia Vestíbulo, a seu</p><p>dispor. — E fez uma reverência. Três pinos pularam de</p><p>seu pescoço e rolaram pela escada.</p><p>Uau. Isso significava que ele era meu segundo fan-</p><p>tasma da manhã — qual a probabilidade de isso aconte-</p><p>cer? Obviamente, era típico, pensei. Passei anos procu-</p><p>rando por um fantasma e aparecerem dois de uma vez, e</p><p>logo quando tia Tatá estava prestes a tirar a mim e ao tio</p><p>Drac da casa.</p><p>Mas tudo fazia sentido agora. O Cavaleiro Horácio</p><p>nunca ficou muito tempo no mesmo lugar, e eu sempre</p><p>pensei que tia Tatá o movesse durante a noite só por farra.</p><p>Era o tipo de brincadeira boba que tia Tatá gostava. Mas</p><p>agora eu entendia — o Cavaleiro Horácio andava sozinho.</p><p>— Sinto muito pelo seu capacete... bem... quero</p><p>dizer, pela sua cabeça — disse eu, tentando não lembrar</p><p>de que a havia chutado escada abaixo. Esperava que ele</p><p>também não se lembrasse.</p><p>— Deu-me uma dor de cabeça horrível — disse o</p><p>Cavaleiro Horácio.</p><p>— Oh! Bem, eu imagino que sim — respondi em</p><p>apoio.</p><p>— Andar também não tem sido fácil — disse ele.</p><p>Nós dois olhamos para o seu pé esquerdo, que ainda es-</p><p>tava ao contrário.</p><p>— É... Vejo que não — disse com minha melhor</p><p>voz de solidariedade.</p><p>— Mas — disse ele, de forma súbita e, ao mesmo</p><p>tempo, tagarela — não é ISSO que me interessa. O que</p><p>está me preocupando é essa história de vender a casa.</p><p>— Ah, que bom — disse a ele —, porque isso</p><p>também está me deixando aflita.</p><p>O Cavaleiro Horácio balançou um pouco, e me</p><p>desviei de uma mola que voou de seu pescoço e foi parar</p><p>no chão.</p><p>— E esta história de... bicicletagem — disse ele.</p><p>Por um momento fiquei</p><p>confusa, já que eu tinha</p><p>certeza de que jamais havia visto o Cavaleiro Horácio nu-</p><p>ma bicicleta. E então entendi o que ele queria dizer.</p><p>— Você quer dizer reciclagem — disse a ele.</p><p>— Quero? — disse ele. — Bem, eu não gosto nada</p><p>desse assunto, seja qual for o nome. Jamais gostei de latas.</p><p>Impossíveis de abrir. Não suporto comida de gato.</p><p>E então, com um barulho horroroso,</p><p>o Cavaleiro Horácio se levantou o mais reto</p><p>que podia, o que não era tão reto assim, — e</p><p>respirou fundo.</p><p>— Algo — disse tão alto que tive medo de que a</p><p>tia Tatá escutasse — algo deve ser feito. Esta casa não</p><p>pode ser vendida!</p><p>— Exatamente! — concordei. — E eu tenho uma</p><p>ótima idéia. Vou preparar minha Terrível Emboscada da</p><p>varanda e...</p><p>— Da minha varanda? — interrompeu ele. — No</p><p>meu quarto?</p><p>Opa — então era o quarto do Cavaleiro Horácio. E,</p><p>pelo jeito, ele não gostava que ninguém entrasse lá. Eu</p><p>entendia como ele se sentia, já que também não gosto que</p><p>tia Tatá entre nos meus quartos. Ela sempre dá um jeito</p><p>de bagunçar alguma coisa.</p><p>Achei que devesse explicar.</p><p>— Perdão, Cavaleiro Horácio, mas eu encontrei a</p><p>chave no seu pé, e...</p><p>Mas ele interrompeu novamente.</p><p>— Eu Sei — disse ele, sacudindo seu pé esquerdo</p><p>como se houvesse pinos e agulhas nele, o que eu sabia que</p><p>não tinha, pois eu já tinha esvaziado aquele pé; só encon-</p><p>trara a chave. — Eu me lembro muito bem. Já estava com</p><p>minha cabeça a essa altura.</p><p>— Eu sinto muito — eu disse. — Você quer sua</p><p>chave de volta?</p><p>O Cavaleiro Horácio balançou a cabeça lentamente</p><p>e fez um barulho horrível, como um moedor de pimenta.</p><p>— Por favor, fique com a chave, srta. Fantasmim</p><p>— disse ele. — Eu ficaria muito satisfeito se você utili-</p><p>zasse minha varanda para a sua Terrível Emboscada. Eu</p><p>mesmo já realizei terríveis emboscadas lá ao longo dos</p><p>anos. Elas podem ser muito eficientes. Vou pedir que meu</p><p>fiel escudeiro, Edmundo, ajude-a.</p><p>A-há. Então era isso que Edmundo era, pensei.</p><p>— Muito obrigada, Cavaleiro Horácio — disse.</p><p>— De nada, srta. Fantasmim — respondeu ele e se</p><p>curvou.</p><p>— Cuidado! — gritei, mas era tarde demais. A ca-</p><p>beça do Cavaleiro Horácio caiu e rolou pelo corredor.</p><p>Consegui pegar logo que começou a descer pela escada,</p><p>mas infelizmente tia Tatá me viu enquanto atacava algu-</p><p>mas teias de aranha logo ao pé da escada.</p><p>— Você ainda não acabou de montar o Cavaleiro</p><p>Horácio, Araminta? — gritou ela ao mesmo tempo em</p><p>que deixava centenas de aranhas sem ter onde morar. Tia</p><p>Tatá gosta de deixar aranhas e pessoas sem ter onde mo-</p><p>rar.</p><p>— Estou quase acabando, tia Tatá — respondi, e</p><p>me apressei para encontrar o Cavaleiro Horácio. Ele esta-</p><p>va sentado no degrau debaixo, parecendo surpreso. Bem,</p><p>eu acho que era como ele estava parecendo, apesar de ser</p><p>difícil dizer. Botei sua cabeça no lugar. Fui mais cuidadosa</p><p>desta vez e deu para saber que tinha encaixado direitinho</p><p>quando ouvi um pequeno clique ao pôr a cabeça sobre</p><p>seus ombros.</p><p>— Ah, assim é melhor — disse ele. — Meu torci-</p><p>colo sumiu completamente. — Ele mexeu a cabeça de um</p><p>lado para o outro, e dessa vez não fez nenhum barulho de</p><p>moedor de pimenta. Fiquei satisfeita.</p><p>Depois ele se apoiou no corrimão, se levantou, de</p><p>uma forma quase ereta, e disse:</p><p>— Bem, tudo certo, então, srta. Fantasmim. Prepa-</p><p>re sua emboscada e deixe o resto comigo.</p><p>— Ótimo — respondi.</p><p>— Perfeitamente. E diga ao jovem Edmundo que</p><p>mandei que lhe desse toda assistência necessária. Até nos</p><p>encontrarmos novamente, Srta. Fantasmim. — Ele co-</p><p>meçou a se curvar, mas depois mudou de ideia. Afas-</p><p>tou-se, meio sorrateiramente, andando de um lado para</p><p>outro até chegar a um canto escuro ao pé da escada, onde</p><p>ficou.</p><p>Aquele estava se tornando um ótimo dia, no fim</p><p>das contas — uma passagem secreta, dois fantasmas e</p><p>uma Terrível Emboscada a caminho. O que poderia ser</p><p>melhor?</p><p>Uma pessoa precisa de muitas coisas para uma Ter-</p><p>rível Emboscada. E a maioria das coisas de que eu preci-</p><p>sava era — morcegos. Muitos e muitos morcegos.</p><p>Então fui até a torre do tio Drac para pegar o má-</p><p>ximo que conseguisse. Sou muito boa em capturar mor-</p><p>cegos, já que sempre ajudo tio Drac com eles quando es-</p><p>capam. Tia Tatá detesta morcegos; acha que eles vão que-</p><p>rer fazer ninhos no seu cabelo, mas nenhum morcego que</p><p>se dê ao respeito jamais iria querer sequer chegar perto do</p><p>cabelo da tia Tatá: ele é cheio de grampos. Eles iam virar</p><p>espetinhos de morcegos em cinco segundos.</p><p>Enfim, encontrei meu saco de morcegos e logo es-</p><p>tava me arrastando cuidadosamente por uma viga no alto</p><p>da torre. Tio Drac dormia profundamente, roncando em</p><p>seu saco de dormir, que ficava pendurado e balançava a</p><p>cada ronco. Havia uma multidão de morcegos em volta</p><p>dele, mas eu não acho que os morcegos estavam roncan-</p><p>do. Ou talvez eu apenas não pudesse escutá-los. Talvez o</p><p>ronco dos morcegos seja grave demais para que os hu-</p><p>manos escutem.</p><p>Aqui, morcegos sussurrei c botei o máximo possí-</p><p>vel no saco. Os morcegos não se importavam; eles gosta-</p><p>vam do meu saco de morcegos. Bom, menos o Morcegão,</p><p>que não gosta de nada, já que é um morcego velho e ra-</p><p>bugento. Mas eu queria muito ter o Morcegão na embos-</p><p>cada — imagino que ele poderia ser bastante assustador.</p><p>Peguei-o quando ele não estava olhando, mas ele gritou</p><p>muito alto.</p><p>Tio Drac parou de roncar e se mexeu um pouco em</p><p>seu saco de dormir; congelei. Não queria que ele acordasse</p><p>de jeito nenhum, pois sabia que ele não deixaria eu pegar</p><p>nenhum de seus preciosos morcegos, ainda que eles fos-</p><p>sem salvar a casa de um bando de pessoas idiotas que</p><p>queriam tirá-la de nós. Os morcegos do tio Drac são mais</p><p>importantes para ele do que qualquer coisa no mundo.</p><p>Quando havia morcegos o suficiente, levei todos</p><p>para o quarto do Cavaleiro Horácio e os deixei dependu-</p><p>rados no escuro. Eles pareciam muito felizes.</p><p>A próxima coisa que precisava para minha Terrível</p><p>Emboscada era... gelatina de morango. Isso era mais difí-</p><p>cil, porque teria que cruzar o território da tia Tatá para</p><p>chegar à quarta-cozinha-à-direita-depois-da-sala-do-aque-</p><p>cedor. Passei pela sala do aquecedor a toda velocidade e</p><p>não vi a tia Tatá em lugar nenhum — apesar de que havia</p><p>um enorme monte de fuligem no canto, então eu sabia</p><p>que ela apareceria logo para varrer.</p><p>Em poucos segundos, eu estava na quarta — cozi-</p><p>nha-à-direita-depois-da-sala-do-aquecedor e encontrei o</p><p>que estava procurando: uma caixa enorme de mistura para</p><p>gelatina de morango extragrudenta. Enchi dois baldes e</p><p>voltava devagarzinho pelo corredor do porão com eles</p><p>quando, obviamente, ouvi tia Tatá.</p><p>— É você, querida? — gritou ela. Detesto quando</p><p>a tia Tatá diz “querida” desse jeito, através de dentes cer-</p><p>rados. Sempre significa problema. Acelerei o máximo pos-</p><p>sível, mas era tarde demais. É impossível escapar da tia</p><p>Tatá, não importa o quanto você tente. Enquanto eu pa-</p><p>tinava através da porta aberta da sala do aquecedor, a</p><p>montanha de fuligem falou comigo.</p><p>— Muito bem, querida — disse o monte de cinzas.</p><p>— É muito bonito de sua parte limpar seus quartos. Faz</p><p>muita diferença se as pessoas virem uma casa bonita e</p><p>limpa. Só espero que eles também vejam um aquecedor</p><p>limpo.</p><p>O monte de fuligem se sacudiu e deu para ver que,</p><p>na verdade, era tia Tatá com uma vassoura.</p><p>— Sabe, estou sentindo que essas pessoas serão</p><p>perfeitas para a casa — disse ela.</p><p>Escapuli com meus baldes.</p><p>— Sentindo... — murmurei. — Vou fazer eles sen-</p><p>tirem uma coisa.</p><p>Logo, tinha tudo que precisaria para a Terrível</p><p>Emboscada. Eu tinha:</p><p>uma bolsa grande de aranhas variadas</p><p>uma pilha enorme de fronhas</p><p>um barril enorme de buzinas de fantasmas sufocados</p><p>uma caixa enorme de balões um saco gigante de fari-</p><p>nha</p><p>Levei o material para o quarto do Cavaleiro Horá-</p><p>cio e despejei tudo no chão, formando uma enorme pilha.</p><p>Ufa. E em seguida alguém tossiu. Dei um salto de uns três</p><p>metros no ar e quase caí dentro de um balde de gelatina de</p><p>morango extragrudenta.</p><p>— Olá — disse Edmundo.</p><p>— Não se deve andar por aí assustando as pessoas</p><p>desse jeito — eu disse a ele —, principalmente, se você</p><p>for um fantasma. Alguém pode acabar se machucando.</p><p>— Mas o Cavaleiro Horácio mandou que eu a aju-</p><p>dasse — disse Edmundo. — Ele disse que algumas pes-</p><p>soas estavam vindo, e que iam colocá-lo em uma lata de</p><p>lixo com algumas bicicletas e transformá-lo em comida de</p><p>gato. Mas eu não entendo por que alguém faria isso.</p><p>— É por causa da Tábita — eu disse a ele.</p><p>— Ah — disse Edmundo —, entendi.</p><p>Depois disso Edmundo ajudou bastante. Primeiro</p><p>preparamos os “fantasmas” — Edmundo encheu os ba-</p><p>lões, e eu coloquei as buzinas. Amarrei um nó corrediço</p><p>nas pontas para ativá-los mais depressa. Botei os balões</p><p>nas fronhas e joguei farinha em cima deles; em seguida,</p><p>abri a lareira, e Edmundo transportou os “fantasmas” até</p><p>a varanda. Era perfeito — eles oscilavam logo acima do</p><p>local onde as pessoas sempre pa-</p><p>ravam de boca aberta. Por último, carreguei</p><p>os baldes de gelatina de morango extragru-</p><p>denta e os alinhei no limite da varanda. Dei-</p><p>xamos os morcegos dormindo no</p><p>quarto do Cavaleiro Horácio até que</p><p>eles se tornassem necessários. Em seguida, Ed-</p><p>mundo e eu sentamos atrás dos baldes e espe-</p><p>ramos. Estávamos prontos para qualquer coisa.</p><p>Não precisamos esperar muito — logo alguém es-</p><p>tava batendo à porta da frente com tanta força que fiquei</p><p>surpresa por a porta não ter caído, como aconteceu na</p><p>semana passada.</p><p>Em poucos segundos, tia Tatá já estava no topo da</p><p>escada do porão. Ela ainda estava coberta de fuligem e</p><p>olhava em volta para ver se eu ia tentar apostar corrida</p><p>com ela até a porta primeiro, como eu sempre faço. Ela</p><p>pareceu muito satisfeita quando percebeu que eu não es-</p><p>tava lá; partiu em disparada pelo vestíbulo como se fosse a</p><p>maior aranha que já se viu e abriu a porta da frente com</p><p>um golpe violento, espalhando fuligem por todo lugar.</p><p>Esperando na entrada estavam as pessoas mais es-</p><p>tranhas. Edmundo olhou para elas como se jamais tivesse</p><p>visto coisa igual na vida — o que eu imagino que não te-</p><p>nha visto mesmo, já que a última vez que ele tinha vivido</p><p>tinha sido há uns quinhentos anos.</p><p>A primeira pessoa na entrada era uma mulher baixa</p><p>e redonda, de óculos escuros e com um vestido rosa bri-</p><p>lhante. Ela segurava um gato preto extremamente gordo.</p><p>Quem leva o gato para ver uma casa? Estranho.</p><p>Depois, havia um homem magro e muito alto. Ele</p><p>vestia um casaco verde brilhante e longas botas amarelas e</p><p>pontudas. Na cabeça, tinha um chapéu-coco azul com um</p><p>pequeno sapo verde em cima. Achei que fosse um sapo</p><p>empalhado até que ele pulou da cabeça do homem e caiu</p><p>na menor pessoa na entrada. A menina parecia muito</p><p>chata, na verdade. Tinha cabelo castanho curto e vestia</p><p>uma camisa azul de uniforme de escola e uma saia cinza.</p><p>A única coisa minimamente interessante a seu respeito era</p><p>que, agora, o sapo estava em cima da sua cabeça. Mas ele</p><p>também logo se encheu e pulou de volta para o chapéu</p><p>azul.</p><p>Tia Tatá olhou para as pessoas estranhas como se</p><p>fossem as melhores coisas que ela tinha visto o dia todo.</p><p>— Que bom vê-los! — disse ela, com sua melhor</p><p>voz educada. — Entrem.</p><p>— Obrigada — disse a mulher de óculos escuros.</p><p>— É um prazer conhecê-la, senhora... ah?</p><p>— Fantasmim — disse tia Tatá. — Tábita Fantas-</p><p>mim.</p><p>— Eu sou Brenda Magórica — disse a mulher de</p><p>óculos escuros. — Este é o meu marido, Barry, e minha</p><p>filha, Vanda. Nós vimos seu belo sinal e adoraríamos com-</p><p>prar sua casa.</p><p>— Ótimo — disse tia Tatá. — Entrem.</p><p>As pessoas estranhas que queriam roubar minha</p><p>casa entraram pelo vestíbulo e pararam bem onde eu es-</p><p>perava que parassem — logo abaixo da varanda. Perfeito.</p><p>E então fizeram exatamente o que eu esperava que fizes-</p><p>sem — olharam em volta impressionados, com as bocas</p><p>abertas. Fantástico!</p><p>— Preparado? — pergun-</p><p>tei a Edmundo. Ele fez que sim com a cabeça.</p><p>Então soltei os “fantasmas”.</p><p>UHEEEEEEEEEEEEEE!</p><p>EEEEEEEIIIIIIIIIIIIII!</p><p>IOOOOOOOOOEEEEEE!</p><p>EEEEEEEEEEE!</p><p>Foi perfeito! Um enxame de fronhas brancas</p><p>berrantes voou e rodou. Nuvens espessas de farinha</p><p>caíram em cima das pessoas estranhas, seguidas pelas</p><p>fronhas. Uma delas caiu bem em cima da pe-</p><p>quena chata de um jeito que ela também ficou</p><p>parecendo um fantasma. Só dava para ver suas perninhas</p><p>magricelas.</p><p>Em seguida, empurrei os baldes de gelatina de mo-</p><p>rango extragrudenta.</p><p>SPLATTTTTTTT!</p><p>Foi perfeito. A gelatina estava no ponto. Pedaços</p><p>horríveis e grudentos de meleca vermelha caíram bem em</p><p>cima deles. Deslizaram por seus pescoços e entraram em</p><p>suas roupas.</p><p>Então veio a melhor parte. Edmundo acordou os</p><p>morcegos e os expulsou do quarto do Cavaleiro Horácio.</p><p>Eles saíram de lá como uma enorme nuvem preta e foram</p><p>para todo lugar. Todo o vestíbulo virou uma tempestade de</p><p>morcegos voando. Foi fantástico. Tia Tatá gritou quase</p><p>tão alto quanto a Hotéis Enormes tinha gritado. E, en-</p><p>quanto ela gritava, cortei as teias de aranha.</p><p>Choveram aranhas. Aranhas bem gordas. Centenas</p><p>delas cobriram as pessoas estranhas. Elas ficaram presas</p><p>nos cabelos, desceram pelos pescoços e ficaram cobertas</p><p>de gelatina de morango extragrudenta. Entraram pelas</p><p>mangas das blusas e pelas bainhas das calças, tentando</p><p>encontrar um lugar seguro para se esconder. Uma família</p><p>de quinze aranhas particularmente peludas dependurou-se</p><p>nos óculos da mulher. Acho que ela não gostava muito de</p><p>aranhas. Ela também gritou, e o gato voou do seu colo e</p><p>foi parar na cabeça da tia Tatá. Foi a melhor coisa que vi o</p><p>dia todo.</p><p>Mas as coisas ficaram ainda melhores porque, veja</p><p>bem, tia Tatá é alérgica a gatos. Muito alérgica. Eles a fa-</p><p>zem espirrar os maiores espirros que já ouvi e provocam</p><p>coceiras enormes e muito vermelhas. Não é nada bonito.</p><p>Então tia Tatá espirrou — e quando tia Tatá espir-</p><p>ra, ela vai com tudo.</p><p>— A-a-a-aaaaaaaaaaaa... TCHIIIMMMMMM!</p><p>Ela perdeu o equilíbrio, escorregou num montinho</p><p>de gelatina e se chocou com a mulher de óculos escuros a</p><p>toda velocidade. A mulher de óculos escuros se inclinou</p><p>como uma árvore prestes a cair e grudou na tia Tatá en-</p><p>quanto caía. Em seguida, as duas deslizaram juntas pelo</p><p>vestíbulo e com o gato, que ainda estava na cabeça da tia</p><p>Tatá, completando o trio.</p><p>Tia Tatá espirrou novamente.</p><p>— A-a-a-aaaaaaaaaaaa... TCHIIIMMMMMM!</p><p>O gato soltou uma espécie de uivo e pulou no ar.</p><p>Foi incrível; ainda posso ver agora, em câmera lenta. A-</p><p>quele gato gordo, voando pelo ar com seu pelo arrepiado,</p><p>suas garras para fora, caindo graciosamente numa enorme</p><p>poça de gelatina de morango extragrudenta. Ele caiu no</p><p>chão lindamente, depois passou como um raio pelo vestí-</p><p>bulo, rodando como um patinador de gelo — e colidiu</p><p>com o Cavaleiro Horácio.</p><p>Edmundo me contou mais tarde que o Cavaleiro</p><p>Horácio havia preparado um discurso e planejava pronun-</p><p>ciá-lo á tia Tatá, para que ela percebesse o erro que estava</p><p>cometendo. Ele vinha tilintando cautelosamente pelas es-</p><p>cadas desde que havia escutado os estranhos chegarem,</p><p>mas ninguém notou sua presença com tantas coisas acon-</p><p>tecendo.</p><p>Mas todos o notaram naquele momento.</p><p>O gato bateu como uma bala de canhão em seu pé</p><p>esquerdo, que voou e deslizou pelo chão. Depois, lenta-</p><p>mente e provocando um barulho horroroso, peça por pe-</p><p>ça — como uma torre de latinhas de comida de gato num</p><p>supermercado — o Cavaleiro Horácio desmoronou, for-</p><p>mando uma pilha enferrujada.</p><p>Dei uma olhadinha da varanda para ver como as</p><p>pessoas estranhas estavam reagindo a isso tudo. Parecia</p><p>promissor. A menor ainda estava lutando para se livrar da</p><p>fronha. O homem do sapo estava coberto por morcegos,</p><p>e a mulher dos óculos escuros</p><p>continuava caída de costas</p><p>como um besouro encalhado, olhando para o teto.</p><p>Tia Tatá parecia muito, muito irritada. Ela levan-</p><p>tou-se, limpou-se um pouco e, em seguida, olhou direto</p><p>para a varanda e disse:</p><p>— Sério, Araminta. Você foi longe demais desta vez.</p><p>Não respondi; estava muito ocupada olhando a</p><p>mulher de óculos escuros tentando se levantar. Ela fez e-</p><p>xatamente o que besouros encalhados fazem — sacudiu as</p><p>pernas sem direção, rolou e se levantou. Depois remexeu</p><p>os restos do Cavaleiro Horácio e pescou seu gato, que</p><p>pulou e grudou nela como um pedaço de velcro.</p><p>Cutuquei Edmundo, mas meu cotovelo passou di-</p><p>retamente através dele e bateu na mureta da varanda. Ai.</p><p>— Espera só — eu disse a ele. — Ela vai sair pela</p><p>porta da frente em cinco segundos.</p><p>Mas ela não saiu. Simplesmente ficou em pé no</p><p>meio do vestíbulo, olhando em volta.</p><p>— Maravilhoso — disse ela. — Esta é a casa dos</p><p>nossos sonhos!</p><p>Eu não podia acreditar. Lá estava a mulher de ócu-</p><p>los escuros olhando para o espaço como se seu maior so-</p><p>nho tivesse acabado de se realizar.</p><p>Depois o homem do sapo se levantou, espantou</p><p>alguns dos morcegos e então ele disse: — Perfeito! É ainda</p><p>melhor do que esperávamos, não é, querida?</p><p>— É sim — concordou a mulher de óculos escu-</p><p>ros. Ela virou para tia Tatá e apertou sua mão. — Que re-</p><p>cepção maravilhosa — disse ela. — Muito obrigada.</p><p>E então a pequena chata se libertou da fronha e</p><p>disse com uma voz esganiçada e idiota:</p><p>— Eu adoraria morar aqui; é tão empolgante! —</p><p>Ela puxou a manga grudenta da mulher e ficou atormen-</p><p>tando. — Podemos morar aqui, mamãe? Por favor, por</p><p>favor, por favor, podemos, mamãe?</p><p>— É claro, querida — sorriu a mulher de óculos</p><p>escuros.</p><p>Humpf. Eu não acho que seja bom ceder a crianças</p><p>que importunam, principalmente se elas forem irritantes e</p><p>tiverem vozes esganiçadas.</p><p>Mas a mulher de óculos escuros foi logo dizendo</p><p>para a tia Tatá:</p><p>— Esta casa é perfeita. Nós vamos comprar. Po-</p><p>demos nos mudar amanhã!</p><p>O quê? Agora eu realmente não podia acreditar. Ti-</p><p>nha sido a melhor Terrível Emboscada que eu poderia ter</p><p>feito. Tudo tinha funcionado perfeitamente — até o Ca-</p><p>valeiro Horácio apareceu.</p><p>Mas não só as pessoas estra-</p><p>nhas gostaram dela como</p><p>queriam comprar a casa.</p><p>O que mais eu poderia</p><p>fazer? Então berrei com eles.</p><p>— Vão embora! — gritei o mais alto que podia. Era</p><p>ótimo gritar tão alto; minha voz ecoou pelo vestíbulo, e</p><p>todo mundo olhou para cima. Três pessoas pareciam im-</p><p>pressionadas e uma, irritada. — Vocês não podem morar</p><p>aqui — gritei a plenos pulmões. — Esta é a minha casa e eu</p><p>moro aqui. VÃO EMBORA!</p><p>A irritada abriu a boca para dizer alguma coisa, mas</p><p>falei primeiro:</p><p>— É tudo culpa sua, tia Tatá! — eu disse a ela. —</p><p>Você nunca me perguntou se eu queria que vendesse a</p><p>casa, e você também nunca perguntou ao tio Drac. Você</p><p>simplesmente nos avisou o que decidiu. E não é justo. Todos</p><p>nós moramos aqui, não é só você. E eu quero continuar mo-</p><p>rando aqui e não vou sair, NÃO vou!</p><p>Tia Tatá tirou a fuligem, a farinha, a gelatina de</p><p>morango e as aranhas da cara.</p><p>— Bem — disse ela —, fazer uma bagunça nojenta</p><p>destas não faz exatamente com que eu queira ficar aqui,</p><p>Araminta. Este lugar já é difícil o suficiente de limpar. Su-</p><p>giro que nós todos tomemos um chá e conversemos sobre</p><p>o assunto. Tenho certeza de que você se sentirá melhor</p><p>depois que conversar com o sr. e a sra. Magórica.</p><p>As pessoas estranhas seguiram tia Tatá pelas esca-</p><p>das em direção às cozinhas. Logo antes de desaparecerem,</p><p>a pequena idiota olhou para a varanda. Dei a língua para</p><p>ela e lancei meu melhor olhar diabólico.</p><p>— Que bobalhona — eu disse a Edmundo.</p><p>E você pode adivinhar o que Edmundo disse? Foi</p><p>completamente idiota. Ele disse:</p><p>— Ela me parece legal.</p><p>Ela me parece legal! Eu não podia acreditar no que</p><p>estava ouvindo. Lancei meu olhar diabólico a Edmundo</p><p>também, e ele partiu em disparada para o quarto do Cava-</p><p>leiro Horácio. Fui atrás dele. Eu tinha um Plano B e pre-</p><p>cisava da ajuda de Edmundo.</p><p>— Você tem que vir até a cozinha comigo — disse</p><p>a ele, que tinha se encolhido num canto. — Se eles vissem</p><p>um fantasma de verdade, não durariam nem cinco segundos.</p><p>— Foi o que você disse antes — disse Edmundo,</p><p>de um jeito irritante —, e eles continuam aqui. De</p><p>qualquer jeito, acho que eles são legais. Eu gostaria que</p><p>eles ficassem.</p><p>— Edmundo, veja bem — expliquei, já que obvia-</p><p>mente ele não tinha entendido —, se eles ficarem, eu vou</p><p>ter que ir. Você não gostaria que isso acontecesse, gostari-</p><p>a?</p><p>Bem, isso o colocou em seu lugar. Ele não disse</p><p>nada; apenas flutuou e foi para a velha escada. Mas eu não</p><p>ia deixá-lo escapar de jeito nenhum.</p><p>— Edmundo! — gritei.</p><p>— O quê? — disse ele, com a voz zangada.</p><p>— Você é escudeiro do Cavaleiro Horácio,</p><p>não é? — perguntei.</p><p>— Sou... — respondeu ele.</p><p>— Então... você deve fazer o que ele manda,</p><p>certo?</p><p>— S-sim.</p><p>— E o Cavaleiro Horácio mandou que você me</p><p>ajudasse, não foi?</p><p>— Foi... — Ele suspirou exatamente como a tia</p><p>Tatá quando o aquecedor faz alguma coisa muito irritante.</p><p>— Bem, preciso que você me ajude a me livrar</p><p>dessas pessoas horríveis. Agora. Quero que você venha</p><p>comigo e os espante.</p><p>— Tudo bem — disse Edmundo, com a voz irrita-</p><p>da.</p><p>Mas eu não estava nem aí para a irritação dele. Este</p><p>era meu Plano B e tinha que dar certo.</p><p>Tio Drac também faria parte do Plano B. Dava pa-</p><p>ra perceber que Edmundo provavelmente não daria conta</p><p>do recado. Ele flutuaria na hora errada ou não seria assus-</p><p>tador o suficiente. Então eu também precisava do tio</p><p>Drac, pois sabia que ele estava do meu lado.</p><p>Estava prestes a abrir a portinhola para a torre do</p><p>morcego quando o tio Drac caiu no chão.</p><p>— Ah, Pimentinha, Pimentinha — lamentou ele</p><p>—, algo terrível aconteceu. Todos os meus morcegos se</p><p>foram.</p><p>— Não, eles não se foram — eu disse a ele.</p><p>— Sim, eles se foram. Eles...</p><p>— Tio Drac — eu disse severamente —, enquanto</p><p>você estava pendurado, dormindo, sem fazer nada além de</p><p>roncar, tia Tatá vendeu nossa casa!</p><p>Tio Drac parecia confuso. Ele não gosta de ser a-</p><p>cordado durante o dia.</p><p>— O quê? — resmungou ele.</p><p>— Tem três pessoas esquisitas aqui, tio Drac, e</p><p>uma delas é muito chata, você não acreditaria, ela é tão idi-</p><p>ota... e a tia Tatá está vendendo nossa casa para eles!</p><p>— Ahn? — Tio Drac é muito lento às vezes. Ape-</p><p>nas o agarrei e o puxei junto comigo.</p><p>— Você pode sair agora! — gritei para Edmundo,</p><p>que estava emburrado na passagem secreta. Ele flutuou</p><p>para fora.</p><p>— Quem é esse, Pimentinha? — tio Drac per-</p><p>guntou quando viu Edmundo.</p><p>— Esse é Edmundo, tio Drac. E se você não con-</p><p>seguir convencer tia Tatá a mudar de idéia quanto a ven-</p><p>der a nossa casa, ele vai espantar aquelas pessoas.</p><p>Tio Drac continuava olhando para trás enquanto</p><p>Edmundo nos seguia pelas escadas.</p><p>— Ele não parece muito bem, Pimentinha. O que</p><p>há de errado com ele? — sussurrou tio Drac.</p><p>— Ele está morto, tio Drac.</p><p>— Morto? — Tio Drac de repente ficou tão pálido</p><p>quanto Edmundo.</p><p>— Ele é um fantasma — eu disse a ele pacien-</p><p>temente. — Agora venha depressa antes que tia Tatá venda</p><p>a casa e você tenha que começar a empacotar todos os</p><p>morcegos.</p><p>— Meus morcegos. Onde você disse que meus</p><p>morcegos estavam, Pimentinha?</p><p>— Eu não disse nada, tio Drac. Andem logo, por</p><p>favor. Vocês dois.</p><p>Como levei o Edmundo e o tio Drac para a ter-</p><p>ceira-cozinha-à-direita-logo-após-a-esquina-depois-da-sa-</p><p>la-do-aquecedor eu não sei. Mas levei.</p><p>Todos estavam sentados em volta da mesa, e tia</p><p>Tatá servia chá.</p><p>— Ah, Drac — disse tia Tatá, desviando o olhar da</p><p>chaleira. — Que bom que você está aqui. E Araminta. E,</p><p>hum... quem é o seu amigo, Araminta? Ele está muito pá-</p><p>lido. Será que ele gostaria de uma bebida quente?</p><p>— Este é Edmundo — eu disse a ela. — E ele não</p><p>gostaria de nada, obrigada. Ele é um fantasma.</p><p>Olhei em volta para ver</p>