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<p>A PALAVRA QUE</p><p>TRANSFORMA</p><p>A PALAVRA QUE TRANSFORMA</p><p>© 2022, Editora Vida</p><p>Todos os direitos desta edição em língua portuguesa</p><p>reservados e protegidos por Editora Vida pela</p><p>Lei 9.610, de 19/02/1998.</p><p>É proibida a reprodução desta obra por quaisquer meios</p><p>(físicos, eletrônicos ou digitais), salvo em breves citações,</p><p>com indicação da fonte.</p><p>Exceto em caso de indicação em contrário,</p><p>todas as citações bíblicas foram extraídas de</p><p>Nova Versão Internacional (NVI)</p><p>© 1993, 2000, 2011 by International Bible Society, edição</p><p>publicada por Editora Vida.Todos os direitos reservados.</p><p>Todas as citações bíblicas e de terceiros foram adaptadas</p><p>segundo o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa,</p><p>assinado em 1990, em vigor desde janeiro de 2009.</p><p>As opiniões expressas nesta obra refletem o ponto de vista</p><p>de seus autores e não são necessariamente equivalentes às</p><p>da Editora Vida ou de sua equipe editorial.</p><p>Os nomes das pessoas citadas na obra foram alterados nos</p><p>casos em que poderia surgir alguma situação embaraçosa.</p><p>Todos os grifos são do autor, exceto indicação em contrário.</p><p>Editora Vida</p><p>Rua Conde de Sarzedas, 246 — Liberdade</p><p>CEP 01512-070 — São Paulo, SP</p><p>Tel.: 0 xx 11 2618 7000</p><p>atendimento@editoravida.com.br</p><p>www.editoravida.com.br</p><p>@editora_vida /editoravida</p><p>Editor responsável: Gisele Romão da Cruz</p><p>Editor-assistente: Aline Lisboa M. Canuto</p><p>Preparação e padronização: Emanuelle Giandeli Malecka</p><p>Projeto gráfico e Diagramação: Vanessa S. Marine</p><p>Capa: Willians Rentz</p><p>1. edição: out. 2022</p><p>APRESENTAÇÃO ----------------------------------------------------------- 08</p><p>Lourenço Stelio Rega</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA -------------------------------- 12</p><p>COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>Adriano Sousa Lima</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: ------------------- 17</p><p>DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>André Anéas</p><p>O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA ----------------------- 31</p><p>Davi Lago</p><p>O QUE É A FÉ BÍBLICA? --------------------------------------------------- 37</p><p>Esdras Savioli</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS ------------- 43</p><p>Filipe Breder</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS ------------------ 50</p><p>Gabriele Greggersen</p><p>SUMÁRIO</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS ------------------------- 57</p><p>DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>Jorge Henrique Barro</p><p>O VALOR DE TER VALORES ---------------------------------------------- 68</p><p>Lourenço Stelio Rega</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO --------------------- 77</p><p>NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>Magno Paganelli</p><p>EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE ---------------------------------------- 86</p><p>Raul Bolota Filho</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE -------------- 92</p><p>Ricardo Bitun</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: ----------- 100</p><p>REFLEXÕES SOBRE 15 DE OUTUBRO</p><p>Wander de Lara Proença</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ------------------------------------- 117</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Lourenço Stelio Rega</p><p>Lourenço Stelio Rega, ph.D</p><p>Consultor Acadêmico</p><p>Editora Vida</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>8</p><p>O</p><p>Dia do Professor nos remete à valorização da</p><p>atuação docente para além da formação do</p><p>conhecimento ou no locus privilegiado da</p><p>sala de aula, mesmo porque, com a virtualiza-</p><p>ção da vida e dos relacionamentos, a sala de</p><p>aula não se limita a um espaço localizado. Hoje, a aula</p><p>pode ocorrer em um movimento síncrono (ao vivo) ou</p><p>assíncrono, que possibilita que professor e alunos es-</p><p>tejam em diferentes ambientes. Na modalidade a dis-</p><p>tância, já tive alunos que participavam da aula, fazendo</p><p>perguntas e contribuindo com seus comentários, en-</p><p>quanto dirigiam seu veículo.</p><p>O ato de lecionar envolve muito mais do que for-</p><p>mar sujeitos produtivos e preparados para o mercado</p><p>de trabalho, mesmo porque a educação não é uma “li-</p><p>nha de produção em escala”. Certamente, será necessá-</p><p>rio desenvolver um processo de ensino-aprendizagem</p><p>que considere o desenvolvimento de competências e</p><p>habilidades. Aliás, em um cenário de Quarta Revolução</p><p>Industrial e pós-pandemia, já se fala no desenvolvimen-</p><p>to de soft skills, que são um conjunto de habilidades e</p><p>9</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>competências relacionadas ao comportamento humano</p><p>e vão além das hard skills, competências ou habilidades</p><p>técnicas. Entre as soft skills, podemos citar:</p><p>• Comunicação, que inclui a habilidade de dia-</p><p>logar, evitar conflitos e resolver divergências.</p><p>• Liderança, a habilidade de inspirar e moti-</p><p>var equipes a entregar resultados.</p><p>• Flexibilidade e resiliência, relacionadas à ca-</p><p>pacidade de adaptação e busca de novos ca-</p><p>minhos diante de mudanças de cenários ou</p><p>mesmo de situações de crise.</p><p>• Criatividade, a capacidade de inovação, de</p><p>pensar “fora da caixa” e de buscar soluções</p><p>mediante novos caminhos.</p><p>• Proatividade, que inclui a avaliação de ce-</p><p>nários, busca antecipada de soluções e res-</p><p>postas a situações que ainda surgirão.</p><p>• Empatia, que envolve o exercício da alteridade</p><p>a fim de facilitar a compreensão relacional.</p><p>Diante disso, é perceptível que o ensino abrange</p><p>também a formação da pessoa como sujeito histórico,</p><p>de modo que o aprendiz torne-se capaz de transfor-</p><p>mar não somente a sua realidade, mas também a so-</p><p>ciedade na qual está inserido. A prática docente deve</p><p>10</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>preparar os indivíduos para a superação dos desafios,</p><p>o exercício dos direitos e deveres e para a compreen-</p><p>são de suas funções individual e social.</p><p>E, quando falamos no ensino da Bíblia, avançamos</p><p>também para a formação integral da pessoa. Essa for-</p><p>mação requer uma pedagogia integral que leve a pes-</p><p>soa não apenas a conhecer (cognição), mas também a</p><p>fazer (ação), conviver (comunhão), sentir (afeição) e ser</p><p>(desenvolvimento do caráter). Levando em conta os</p><p>cinco verbos de ação pedagógica, temos um modelo de</p><p>educação que busca a formação do indivíduo de forma</p><p>ampla e abrangente, conforme a visão de Lausanne I</p><p>(1974), que tem como objetivo a compreensão do evan-</p><p>gelho todo, para toda a pessoa e a pessoa toda, trazen-</p><p>do qualidade e dignidade de vida à luz do plano divino.</p><p>Considerando esses referenciais, a Editora Vida,</p><p>por meio do Selo Vida Acadêmica, traz ao público este</p><p>pequeno e-book para despertar em cada um o desejo</p><p>de ser participante da construção de sua história pes-</p><p>soal à luz dos valores cristãos, de modo a ter uma vida</p><p>transformada e transformadora e para que o leitor se</p><p>coloque como instrumento de Deus no cumprimento</p><p>da missão que ele tem de restaurar toda a criatura e a</p><p>criação por meio do evangelho (missĭo Dei).</p><p>Este e-book é composto por diversos artigos que</p><p>foram escritos por parceiros, colaboradores e mem-</p><p>bros do Conselho Editorial do selo Vida Acadêmica.</p><p>11</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>São textos diversificados em tamanho, conteúdo e</p><p>complexidade, mas todos escritos com muito carinho</p><p>e dedicação.</p><p>Esperamos que você cada texto o ajude a ser sal e</p><p>luz do mundo, embaixador do Reino de Deus no am-</p><p>biente em que vive, e que sua vida seja um testemunho</p><p>do plano de Deus.</p><p>30 de setembro de 2022</p><p>12</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE</p><p>HUMANA COMO PARADIGMA NO</p><p>EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>Adriano Sousa Lima</p><p>13</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>Graduado em Teologia e Direito, mes-</p><p>tre em Teologia, doutor em Teologia.</p><p>Professor no programa de pós-gra-</p><p>duação em Teologia da Faculdade</p><p>Batista do Paraná e no Centro Uni-</p><p>versitário Internacional UNINTER.</p><p>Membro do Conselho Editorial do</p><p>selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>14</p><p>A</p><p>dignidade humana está estabelecida como fun-</p><p>damento do Estado Democrático de Direito,</p><p>nos termos do artigo 1º, inciso III da Consti-</p><p>tuição Federal. Trata-se de um princípio nor-</p><p>teador de toda interpretação jurídica. Não é</p><p>possível pensar uma democracia saudável, se a digni-</p><p>dade humana não for efetiva e concreta na sociedade.</p><p>Nesse sentido, todos devemos estar comprometidos</p><p>com a promoção da dignidade da pessoa humana.</p><p>Para fazer uma delimitação conceitual, quando fa-</p><p>lamos em dignidade humana, pensamos basicamente</p><p>em três elementos</p><p>PÓS-MODERNO</p><p>Individualismo</p><p>Em Juízes 21.25, lemos que o mal daquele período,</p><p>um dos piores da história dos hebreus, era que “cada</p><p>um fazia o que achava mais reto”. Isso decorre da fal-</p><p>ta de uma estrutura moral, sem a qual a sociedade</p><p>se desintegra em facções que guerreiam entre si e</p><p>contra indivíduos isolados. Essa é uma evidência do</p><p>relativismo moral que se pronuncia hoje e um sinal</p><p>do retorno ao barbarismo, à perversão e à anarquia</p><p>como nos tempos mais rudimentares da humanidade.</p><p>Paulo, quando escreveu aos Coríntios, enfrenta-</p><p>va esse problema. O texto “eu sou de Paulo”, “eu sou</p><p>de Apolo” revela o embrião do comportamento pós-</p><p>-moderno há 2 mil anos. Ele orientou que o ser indi-</p><p>vidual fosse absorvido naquele que verdadeiramente</p><p>é, no Deus Todo-poderoso. Nós não somos, mas ele é</p><p>tudo em todos.</p><p>Na pós-modernidade, a afirmação é que o sentido</p><p>da linguagem só pode ser determinado dentro da</p><p>“comunidade interpretativa”. Para os cristãos, a igreja é</p><p>a sua comunidade interpretativa, e a síntese de unidade</p><p>e pluralismo no Corpo de Cristo, como vemos no Novo</p><p>Testamento, quase soa como afirmação pós-moderna.</p><p>Pessoas pós-modernas são voltadas para o grupo.</p><p>Reside aí um forte apelo aos pequenos grupos, grupos</p><p>de comunhão, grupos de estudo etc. Por outro lado,</p><p>84</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>o Senhor respeita a individualidade (vide a analogia da</p><p>Igreja como um corpo formado por diversos membros</p><p>individualmente em Romanos, 1Coríntios e Efésios) e</p><p>até a usa para seus próprios fins.</p><p>Testemunho vivo</p><p>Para Leith Anderson existe a compreensão de</p><p>que as pessoas de hoje tendem a não pensar de for-</p><p>ma sistemática nem dar atenção a uma argumentação</p><p>racional. Assim, as ideias podem ser melhor abordadas</p><p>de questão em questão e pela influência de relaciona-</p><p>mentos. Pessoas que servem como modelo, mentores</p><p>e amigos moldam o pensamento das pessoas, para me-</p><p>lhor ou para pior, mais do que uma lógica objetiva.</p><p>Jesus se comunicava por meio de parábolas, não</p><p>por meio de tratados abstratos. A nossa vida, observada</p><p>pelas pessoas, se torna, assim, um eloquente modo de</p><p>comunicar conceitos e virtudes a uma sociedade con-</p><p>fusa e desorientada. As barreiras para a comunicação</p><p>de conteúdos como o que educadores e palestran-</p><p>tes cristãos precisam enfrentar podem, portanto, ser</p><p>superadas, quando compreendemos a natureza e o</p><p>espírito do nosso tempo e quando consideramos fiel-</p><p>mente que tais valores, advindos da matriz milenar</p><p>das Escrituras, estão enfrentando apenas mais um de</p><p>85</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>muitos embates e ataques ao longo de toda a história</p><p>da Igreja. Até aqui, ela superou a todos e certamente</p><p>não serão as dificuldades do nosso tempo que inibi-</p><p>rão a propagação dessa mensagem com seus valores</p><p>e conceitos.</p><p>EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE</p><p>Raul Bolota Filho</p><p>Formado em Teologia e em Design Gráfico,</p><p>com especialização em Branding. Coor-</p><p>denador do Seminário Teológico Nascido</p><p>de Novo, com quase 60 mil seguidores no</p><p>canal do YouTube/canalnascidodenovo.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>https://www.youtube.com/canalnascidodenovo</p><p>88</p><p>C</p><p>ostumo dizer que fui uma criança muito aben-</p><p>çoada. Tive uma família que sempre teve como</p><p>objetivo proporcionar uma firme formação de</p><p>valores e princípios. Sei que esforços não fo-</p><p>ram poupados, pois tenho a nítida lembrança</p><p>de acordar para tomar água em plena madrugada e ver</p><p>aminha mãe ainda acordada, bordando para custear</p><p>meus estudos. E a querida tia Mara da Escola Diálogo,</p><p>a mulher que me alfabetizou, está em minhas lembran-</p><p>ças mais felizes.</p><p>Por ter acesso aos melhores livros, escolas e pro-</p><p>fessores particulares, sempre fui cobrado, tanto por</p><p>estes como por minha família. Não posso esquecer-me</p><p>dos bilhetes no meu caderno que os meus queridos pro-</p><p>fessores mandavam sempre que eu aprontava na escola</p><p>(e aprontava muito). Quando chegava em casa, “a cinta</p><p>cantava”! Mas, mesmo assim, sou grato por minha mãe</p><p>não ter aceitado uma nota abaixo de 9 ou até mesmo 10.</p><p>A questão é que a fidedignidade de meus profes-</p><p>sores no que tange ao conteúdo e à forma, somada à</p><p>89</p><p>EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE</p><p>maneira como exigiam minha atenção, aprendizagem e</p><p>dedicação, resultou em uma aprendizagem proficiente.</p><p>A minha inspiração para ser dedicado e exigente com</p><p>meus alunos é fruto disso.</p><p>Em contrapartida, a escola “moderna” não tem en-</p><p>sinado o que lhe cabe ensinar, nem exigido que o aluno</p><p>cumpra com as suas responsabilidades. Desta forma,</p><p>o caminho que o aluno deve seguir para ser bem-</p><p>-sucedido não tem figurado como objetivo norteador</p><p>da instituição. Esse tipo de situação não deveria nos</p><p>espantar, pois estamos falando de uma educação se-</p><p>cular, e aquilo que é secular nem sempre vai ao encon-</p><p>tro dos valores cristãos ou daquilo que é correto.</p><p>O problema é a educação moderna tem influenciado</p><p>também na formação teológica, fazendo que não se en-</p><p>sine mais a Palavra de Deus usando a Palavra de Deus,</p><p>mas que se adicione a ela todo tipo de filosofia e ideolo-</p><p>gia humanas que contaminam os princípios cristãos.</p><p>A teologia deve ser o estudo de Deus, ou o estudo</p><p>da Palavra de Deus. Esta é o instrumento do próprio</p><p>Deus para revelar-se a si e a sua vontade para nós!</p><p>Mas, como seres caídos que somos, em vez de olhar-</p><p>mos para aquilo que o Senhor realmente disse por</p><p>meio de sua Palavra, somos inclinados a olhar para</p><p>qualquer tipo de modernidade ou qualquer tipo de fi-</p><p>losofia barata. Por isso, temos visto um ensino de teo-</p><p>logia sem Deus, sem Cristo, cujo alvo é o ser humano.</p><p>90</p><p>EDUCAR À MODA ANTIGA HOJE</p><p>Nessa teologia, o alvo é a satisfação humana. Alian-</p><p>do a isso alunos acostumados a uma progressão</p><p>continuada, como a que tiveram em suas escolas</p><p>seculares, obtemos uma fórmula para o desastre.</p><p>O resultado tem sido um ensino que forma pessoas</p><p>cheias de si, preocupadas com suas posições, status e</p><p>títulos. Sendo assim, esquecemos completamente da-</p><p>quele filho do carpinteiro, o Rei dos Reis, que se deixou</p><p>crucificar para pagar o nosso pecado.</p><p>A escola teológica moderna, que deveria ensinar</p><p>a Bíblia como Palavra de Deus em sua integralida-</p><p>de, perde tempo discutindo se a Bíblia realmente é a</p><p>Palavra de Deus.</p><p>Por isso, humildemente apelo para que cada um</p><p>de nós não deixe morrer as lembranças daqueles que</p><p>contribuíram e lutaram para que nós tivéssemos uma</p><p>boa educação. Que possamos lembrar do esforço dos</p><p>nossos professores que nos incentivaram para desen-</p><p>volvermos, ao máximo, nosso potencial. E que, arrai-</p><p>gados nessas lembranças, nos sintamos desafiados</p><p>a ensinar a verdadeira Palavra de Deus aos futuros</p><p>líderes chamados por Deus. Vamos dispensar qualquer</p><p>modismo, filosofia ou modernidade que não vá de en-</p><p>contro às Sagradas Escrituras. Por fim, culminamos no</p><p>entendimento de que precisamos exigir das próximas</p><p>gerações o que de nós foi exigido.</p><p>www.editoravida.com.br</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA</p><p>REFORMA PROTESTANTE</p><p>Ricardo Bitun</p><p>Graduado em Teologia e em Ciências</p><p>Sociais, mestre em Ciências da Religião</p><p>e doutor em Ciências Sociais. Professor</p><p>do Seminário Servo de Cristo. Mem-</p><p>bro do Conselho Editorial do selo Vida</p><p>Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>94</p><p>A</p><p>o afixar suas 95 teses, em 31 de outubro de 1517,</p><p>na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg,</p><p>Martinho Lutero fez que a rachadura no inte-</p><p>rior da Igreja católica romana, que perdurou</p><p>por décadas, fosse finalmente rompida.</p><p>A Reforma não aconteceu de uma hora para outra.</p><p>A Europa já vivia um momento bastante delicado, em</p><p>um contexto social extremamente conturbado. O mo-</p><p>vimento reformista cristão irrompeu com os reforma-</p><p>dores no século XVI, todavia, encontramos as marcas</p><p>da Reforma na história da própria Igreja.</p><p>No século XII, por exemplo, temos o movimento</p><p>dos valdenses, seguidores de Pedro Valdo, comer-</p><p>ciante de Lyon convertido ao cristianismo por volta de</p><p>1174. Pedro Valdo decidiu encomendar uma tradução</p><p>da Bíblia para a linguagem popular e começou a pre-</p><p>gá-la ao povo sem ser sacerdote.</p><p>Valdo renunciou seu</p><p>trabalho e repartiu seus bens aos pobres. Os valden-</p><p>ses apregoavam o direito de cada fiel de ter a Bíblia em</p><p>sua própria língua. Reuniam-se em casas de famílias</p><p>95</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>ou mesmo em grutas, clandestinamente, devido à per-</p><p>seguição da Igreja católica romana.</p><p>Na Inglaterra, no século XIV, John Wycliffe apontou</p><p>diversas questões sobre controvérsias que envolviam</p><p>a Igreja católica romana. Ele queria o retorno da Igreja</p><p>à primitiva pobreza dos tempos dos evangelistas, algo</p><p>que, na sua visão, era incompatível com o poder po-</p><p>lítico do papa e dos cardeais, e que o poder da Igreja</p><p>fosse limitado às questões espirituais, sendo o poder</p><p>político exercido pelo Estado, representado pelo rei.</p><p>Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe</p><p>organiza grupos de padres conhecidos como “lolardos”,</p><p>que pregavam a obediência a Deus, a confiança na</p><p>Bíblia como guia para uma vida cristã e a simplicidade</p><p>de culto. Rejeitavam a riqueza da missa, a maioria dos</p><p>sacramentos e a supremacia papal. Vestígios claros da</p><p>Reforma em andamento.</p><p>Mais tarde, surgiria outra figura importante desse</p><p>período: Jan Huss. Pensador tcheco que deu início a um</p><p>movimento religioso baseado nas ideias de John Wycliffe.</p><p>Seus seguidores ficaram conhecidos como hussitas.</p><p>No Concílio de Constança, em 1415, as ideias de</p><p>Jan Huss foram condenadas, porém, Huss manteve</p><p>uma posição muito crítica perante o poder eclesiástico.</p><p>Em 1420, foram escritos os chamados Artigos de Praga,</p><p>nos quais os hussitas exigiam do poder real o reconhe-</p><p>cimento da:</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Cat%C3%B3lica_Romana</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Igreja_Cat%C3%B3lica_Romana</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Evangelistas</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Lolardos</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Conc%C3%ADlio_de_Constan%C3%A7a</p><p>96</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>• Comunhão sob as duas espécies (os comun-</p><p>gantes deveriam comer a hóstia e beber vinho);</p><p>• Liberdade de pregação;</p><p>• Pobreza da Igreja;</p><p>• Punição dos pecados mortais sem distinção</p><p>da posição de nascimento do pecador.</p><p>Percebe-se, assim, um certo alinhamento nas po-</p><p>sições de Huss, Valdo e Wycliffe que muito influencia-</p><p>ram Martinho Lutero.</p><p>Tendo em vista o espaço disponível para este en-</p><p>saio, vamos destacar João Calvino (nascido em Noyon,</p><p>em 10 de julho de 1509 — morreu em Genebra, no dia</p><p>27 de maio de 1564), teólogo cristão francês que mui-</p><p>to influenciou a Reforma Protestante. Calvino nunca foi</p><p>ordenado sacerdote católico. Ao afastar-se da doutrina</p><p>e da comunhão católica romana, ele passou a ser visto,</p><p>gradualmente, como a voz do movimento protestante.</p><p>Porque ensinou em igrejas, acabou por ser reconhecido</p><p>por muitos como “padre”. Vítima das perseguições aos</p><p>huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1536, e</p><p>ficou lá até a sua morte, em 1564. Genebra tornou-se</p><p>definitivamente um centro do protestantismo europeu,</p><p>e João Calvino permanece até hoje uma figura central da</p><p>história da cidade e da Suíça.</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Noyon</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/10_de_julho</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/1509</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Genebra</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/27_de_maio</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/1564</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Teologia</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Cristianismo</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Fran%C3%A7a</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Reforma_Protestante</p><p>https://pt.wikipedia.org/wiki/Huguenote</p><p>97</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>Sendo assim, existe um certo consenso entre os his-</p><p>toriadores sobre o modo como a Reforma foi decisiva na</p><p>construção da mentalidade ocidental e do pensamen-</p><p>to do homem moderno. A Reforma foi muito mais am-</p><p>pla do que simplesmente um “racha” no seio da Igreja.</p><p>Ela é muito mais complexa do que simplesmente uma</p><p>divergência entre opiniões e doutrinas.</p><p>O que se nota é a existência de um espírito contesta-</p><p>dor entre esses homens, um aroma forte de desconfor-</p><p>midade com o seu século, um “cheiro” de inquietação que</p><p>lhes sobe às narinas e os faz não se amoldar ao presen-</p><p>te século. Essa desconformidade culmina na Reforma.</p><p>Na mudança de toda a estrutura de poder, da sociedade</p><p>e da maneira de encarar e reagir a vida. A história da</p><p>Reforma já é bem conhecida, mas o destaque aqui é para</p><p>focalizar o espírito da Reforma para os dias de hoje.</p><p>Os reformadores, imbuídos pela fé cristã, se recusam</p><p>a trilhar qualquer doutrina, qualquer teologia contrária</p><p>àquela ensinada pelas próprias Escrituras. São inconfor-</p><p>mados com a sua geração, com a organização da suposta</p><p>“ordem” que diziam ser divina, mas que interessava</p><p>apenas a um grupo, inconformados com o jeito que as</p><p>coisas aconteciam. Eles olham ao seu redor, são sensí-</p><p>veis em perceber sua gente, seu tempo e sua geração,</p><p>além de contestar e propor mudanças.</p><p>Ao olharmos para os cristãos reformados e a ma-</p><p>neira como se portaram e agiram diante dos desafios</p><p>98</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>de sua geração, surgem algumas inquietações a respei-</p><p>to da nossa geração e da sociedade em que vivemos.</p><p>Que reforma eles proporiam em nossos dias? Quais</p><p>mudanças realizariam no Brasil? O que lhes inquietaria</p><p>a alma em nossos dias?</p><p>Num primeiro momento, cremos ser necessário</p><p>começar com a proposta em questão: “Comemora-</p><p>ríamos 505 anos de Reforma da Igreja Cristã, ou 505 anos</p><p>do início da Reforma Cristã?”. Celebraremos 505 anos de</p><p>uma Igreja que está em constante reforma, dinâmica e</p><p>como organismo vivo, transformando-se dia após dia à</p><p>imagem e semelhança do Filho ou apenas celebraremos</p><p>pouco mais de cinco centenas de anos de um evento his-</p><p>tórico ocorrido no século XVI?</p><p>Trazendo a reflexão sobre o mundo, a igreja</p><p>da qual fazemos parte e o nosso papel como Igreja de</p><p>Cristo, devemos questionar se a Igreja tem se confor-</p><p>mado com a situação de nossos dias. Ela tem estado</p><p>inquieta com relação aos problemas que afligem nos-</p><p>so próximo?</p><p>Temos sido como os reformadores daquela época,</p><p>cristãos inconformados com as notícias que circulam</p><p>diariamente pela mídia?</p><p>Quanto a nós, professores cristãos, qual seria a</p><p>reforma que proporíamos? O Espírito “inquieto” ain-</p><p>da se move em nossas classes quando falamos acerca</p><p>dos princípios e valores do evangelho? Ainda somos</p><p>99</p><p>O ESPÍRITO “INQUIETO” DA REFORMA PROTESTANTE</p><p>provocados por esse Espírito ao olhar o mundo ao</p><p>nosso redor?</p><p>Que Deus nos ajude a perpetuar essa inquietação</p><p>do Espírito Santo, que atuou nos reformadores pro-</p><p>testantes, a fim de que seu Reino e sua justiça sejam</p><p>estabelecidos para a glória daquele que é digno e me-</p><p>recedor de todo o louvor.</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO</p><p>TRANSCORRER DO TEMPO:</p><p>REFLEXÕES SOBRE O</p><p>15 DE OUTUBRO</p><p>Wander de Lara Proença</p><p>Graduado em História e Teologia, mestre</p><p>em História Social, doutor em História,</p><p>pós-doutor em História. Professor da Fa-</p><p>culdade Teológica Sul Americana (FTSA).</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>102</p><p>A</p><p>data de 15 de outubro possibilita reflexões sobre</p><p>o papel daqueles que cumpriram a função de</p><p>ensinar no decorrer do tempo. O presente ar-</p><p>tigo traz apontamentos sobre algumas práticas</p><p>educativas em diversos contextos e lugares.</p><p>O ato de ensinar em diferentes</p><p>temporalidades</p><p>Os primeiros registros sobre formas de ensinar</p><p>são encontrados entre os sumérios, na antiga Mesopo-</p><p>tâmia, por volta de 4000 a.C. Naquela região do Antigo</p><p>Oriente se desenvolveu a escrita cuneiforme, conside-</p><p>rada um dos primeiros tipos de grafia. O saber escre-</p><p>ver era ali ensinado em casa, pela transmissão feita do</p><p>pai para o filho, com exclusividade para meninos.</p><p>Entre os hebreus, o ato de ensinar percorreu eta-</p><p>pas demarcadas pelas funções familiares e religiosas.</p><p>103</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>Era um método executado no cotidiano, tendo como</p><p>conteúdo prioritário os saberes da Torá (a Lei): “Ensine-</p><p>-as [as palavras] com persistência a seus filhos. Conver-</p><p>se sobre elas quando estiver sentado em casa, quando</p><p>estiver</p><p>andando pelo caminho, quando se deitar e quan-</p><p>do se levantar” (Deuteronômio 6.7). Também nas datas</p><p>festivas, como a Páscoa, era papel do pai reunir a famí-</p><p>lia e, ao redor da mesa posta para a refeição, ensinar</p><p>aos filhos os significados daquela tradição. Outro marco</p><p>simbólico se deu durante o exílio babilônico, no século</p><p>VI a.C., quando nasceu a sinagoga (palavra que etimolo-</p><p>gicamente significa “casa do livro” ou “casa do ensino”).</p><p>Além de atividades religiosas ali praticadas, como leitu-</p><p>ra da Lei, orações e atividades assistenciais, as centenas</p><p>de sinagogas que se espalharam com a diáspora judaica,</p><p>no mundo pós-exílico, tiveram um papel preponderan-</p><p>te na área do ensino: nelas atuavam pedagogos para a</p><p>alfabetização e a formação educacional de crianças até</p><p>a idade de 12 anos, prevalecendo aí também a exclusivi-</p><p>dade aos meninos.</p><p>Entre os gregos, a partir do século IV a.C., surgiu</p><p>o termo “escola”, do grego scholé, que significa, “lugar</p><p>do ócio”, isso porque as pessoas iam à escola em seu</p><p>tempo livre para desenvolver a reflexão. Vários centros</p><p>de ensino foram ali criados por iniciativa de diferentes</p><p>filósofos. Cada um valorizava uma área do conheci-</p><p>mento. Platão, por exemplo, criou uma escola que utili-</p><p>zava como método a prática de questionamentos, para</p><p>104</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>estudos de disciplinas como filosofia e matemática.</p><p>Inclusive, o uso do termo “academia” surge nesse con-</p><p>texto, devido ao lugar onde funcionavam as aulas mi-</p><p>nistradas por esse filósofo, nos jardins de Academos,</p><p>em Atenas. Com a morte dos mestres, as escolas ge-</p><p>ralmente eram levadas adiante pelos discípulos do filó-</p><p>sofo fundador. Também na Grécia, entre famílias mais</p><p>ricas, era comum se pagar um pedagogo, um mestre</p><p>com mais conhecimento, para que guiasse as crianças</p><p>nos estudos, prevalecendo aí também, com poucas</p><p>exceções, o gênero masculino. Com o tempo, a for-</p><p>ma individualizada deu lugar a um modo mais coleti-</p><p>vo, configurando-se no que se pode comparar com os</p><p>modelos de escola que conhecemos hoje: locais onde</p><p>mestres ensinavam gramática, física, música, poesia e</p><p>eloquência. Não havia divisão em séries ou salas, mas</p><p>se constituía ali um protótipo das salas de aula no sen-</p><p>tido atual (FUJITA, 2008).</p><p>Entre africanos, hoje Marrocos, no século IX d.C.,</p><p>surgiu uma instituição que é considerada a primeira</p><p>universidade do mundo, no sentido moderno do ter-</p><p>mo, dividida em departamentos com especialidade de</p><p>conhecimentos em diferentes áreas: a Universidade</p><p>de Karueein, em Fez, que existe até hoje (FUJITA,</p><p>2008). Inaugurava-se, desse modo, um modelo de</p><p>ensino que iria se desenvolver também na Europa, na</p><p>Idade Média, já a partir do século XII. Estas univer-</p><p>sidades, inicialmente sob controle da Igreja Católica,</p><p>105</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>mais tarde seriam lugares promotores de novos sabe-</p><p>res, como o pensamento humanista ou renascentista,</p><p>gestores do mundo moderno. Também na Europa, no</p><p>século XII, seriam formadas as primeiras escolas nos</p><p>moldes das atuais, com crianças nas carteiras e pro-</p><p>fessores em salas de aula. Eram obras de instituições</p><p>de caridade católicas que ensinavam a ler, escrever,</p><p>contar e, junto, transmitiam as lições do catecismo.3</p><p>No Brasil, foi fundada a primeira escola, em 1549,</p><p>pela iniciativa da missão jesuítica. Ato seguido em</p><p>1554, quando foi construído o colégio jesuíta em São</p><p>Paulo, ano também de fundação daquela cidade, pela</p><p>liderança de padres jesuítas, dentre eles, destacam-se</p><p>Manuel da Nóbrega e José de Anchieta. Nesses colégios</p><p>ensinava-se a ler, escrever, matemática e catequese da</p><p>doutrina católica. De igual modo, foram os jesuítas</p><p>que criaram na América portuguesa e hispânica</p><p>as chamadas “missões” — lugares nos quais popula-</p><p>ções indígenas eram aldeadas, para um trabalho que</p><p>conjugava catequese religiosa e educação por meio de</p><p>escolas criadas no interior daquelas unidades. Quando,</p><p>em meados do século XVIII, os jesuítas foram retira-</p><p>dos forçosamente das colônias, por tensões políticas,</p><p>o Novo Mundo ficou órfão de projetos educacionais.</p><p>A exceção se deu com os filhos de famílias mais abas-</p><p>tadas ou vinculadas às elites de mando, que puderam</p><p>3 Escolas com ensino multidisciplinar, que contemplam as disciplinas básicas que</p><p>temos hoje, como matemática, ciências, história e geografia, dentre outras, orga-</p><p>nizadas em séries, só surgiram entre os séculos XIX e XX.</p><p>106</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>nesse tempo se deslocar para a Europa para fins de</p><p>estudos. Expressivos estratos da população perma-</p><p>neceriam, desse modo, privados do ensino formal,</p><p>dado evidenciado pelo primeiro grande censo demo-</p><p>gráfico realizado no Brasil, em 1872, que indicou mais</p><p>de 86% da população, de 11 milhões de habitantes,</p><p>constituída de analfabetos.</p><p>É preciso também lembrar que, na América pré-</p><p>-colombiana, quando formada apenas por povos</p><p>ameríndios, o papel dos que ensinavam estava social-</p><p>mente estabelecido e reconhecido como distinção,</p><p>quando europeus, estabeleceram os primeiros con-</p><p>tatos com o Novo Mundo no século XVI. A condição</p><p>ágrafa dessas populações originárias não impediu</p><p>que desenvolvessem outras formas de transmissão</p><p>do conhecimento. Os Astecas, hoje México, em sua</p><p>capital, Tenochtitlán — cidade com mais de 500 mil</p><p>habitantes quando, em 1519, lá chegaram os coloni-</p><p>zadores espanhóis — já haviam desenvolvido cen-</p><p>tros de conhecimento nos quais mestres ensinavam</p><p>de forma oralizada as gerações mais novas conhe-</p><p>cimentos de arquitetura, matemática, astronomia,</p><p>tratamentos médicos, dentre outros. No mesmo pe-</p><p>ríodo, entre os Maias, hoje Guatemala, havia também</p><p>desenvolvimento na área da astronomia, cultivo da</p><p>terra e saberes medicinais, assim como em relação</p><p>aos Incas, hoje Peru, que criaram um instrumento em</p><p>códices, em forma de tiras, para registros contábeis</p><p>107</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>e matemáticos, o kipu, por meio do qual sábios es-</p><p>pecializados transmitiam conhecimentos capazes de</p><p>impressionar aos europeus quando estabeleceram os</p><p>primeiros contatos no intuito de colonização.</p><p>Também é imprescindível ressaltar o papel de</p><p>educadores afrodescendentes na história de forma-</p><p>ção do Brasil. O processo de escravização ocorri-</p><p>do no mundo colonial, entre os séculos XVI e XIX,</p><p>trouxe para a América levas de africanos para abas-</p><p>tecimento de mão de obra, que trouxeram consigo</p><p>saberes especializados sobre agricultura, mineração,</p><p>arquitetura, saúde e educação. Gilberto Freyre, em</p><p>sua obra clássica Casa-grande e senzala, destaca o</p><p>papel que os negros tiveram também como educa-</p><p>dores naquele período:</p><p>Os pretos e pardos no Brasil não foram apenas com-</p><p>panheiros dos meninos brancos nas aulas das casas-</p><p>-grandes e até dos colégios; houve também meninos</p><p>brancos que aprenderam a ler com professores</p><p>negros [...] E felizes dos meninos que aprenderam</p><p>a ler e a escrever com professores negros, doces e</p><p>bons. (FREYRE, 2006, p. 415, 417).</p><p>Também houve trabalho educacional no interior</p><p>do maior território de resistência à escravidão, forma-</p><p>do por negros fugitivos entre os séculos XVI e XVII — o</p><p>Quilombo dos Palmares. Ali, sob liderança de Aqualtune</p><p>108</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>(uma princesa africana escravizada no Brasil, que</p><p>também era educadora) e de Zumbi (que foi retirado</p><p>do quilombo na infância e educado em alto nível por</p><p>um padre e professor até a juventude), foram criadas</p><p>escolas, nas quais educadores formados na cultura</p><p>de matriz africana ensinaram e construíram visões de</p><p>liberdade que repercutiriam ao longo do tempo pelo</p><p>fim do sistema escravocrata.</p><p>O ensino para formação de</p><p>liderança religiosa</p><p>A palavra vocação está quase que automatica-</p><p>mente associada no imaginário à ideia de “seminário”.</p><p>Esse termo tem origem no latim seminariu, significan-</p><p>do originalmente “viveiro de plantas onde se fazem as</p><p>sementeiras”. Seu emprego passou a designar institui-</p><p>ção de ensino teológico no século XVI, entre 1545 e</p><p>1563, por ocasião do Concílio de Trento, para identifi-</p><p>car os cursos de formação eclesiástica sob controle da</p><p>Igreja Católica Romana. A ideia original era de que, se-</p><p>melhantemente às plantas dos viveiros e herbários, os</p><p>candidatos às funções clericais também ficassem se-</p><p>parados sob cuidados especiais e protegidos durante</p><p>o seu processo de formação. Especificamente, naquele</p><p>momento, deveriam tais estudantes ficar protegidos</p><p>109</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>das “tentações do mundo” e da influência das “ideias</p><p>perigosas”, no caso específico, os ensinos propagados</p><p>pelo protestantismo.</p><p>Ainda que a aplicação etimológica desse termo</p><p>corresponda à era moderna, a ideia de preparar, de</p><p>maneira específica, líderes para atividades religio-</p><p>sas se reporta aos tempos da antiguidade. No Antigo</p><p>Testamento, a expressão “casa de profetas” está as-</p><p>sociada à formação e ao treinamento de novos líderes</p><p>para o exercício dessas atividades. Na tradição judai-</p><p>ca, a preparação de um novo profeta passou a ocor-</p><p>rer com determinados encaminhamentos e critérios.</p><p>Um desses era de que o futuro líder espiritual se tor-</p><p>nasse discípulo (um tipo de aluno) de um outro pro-</p><p>feta com reconhecida autoridade para ensiná-lo. É o</p><p>caso descrito em 1Reis 19.19, quando Eliseu passou a</p><p>conviver com Elias e a seguir os seus ensinamentos,</p><p>recebendo assim específico treinamento para exer-</p><p>cer tal ofício (2Reis 2.9-14). Também o texto de 2Reis</p><p>4.38 descreve o caráter sucessório dessa função:</p><p>Eliseu passou a ter também alunos aprendizes de tal</p><p>atividade. Existiam, pois, casas de profetas destinadas</p><p>exclusivamente para essa formação, em um sistema de</p><p>internato (2Reis 4.38). Essas casas poderiam ser a pró-</p><p>pria residência dos profetas. Caso semelhante ocor-</p><p>ria em relação aos sacerdotes, como aconteceu com</p><p>Samuel, que ainda menino foi levado por seus pais</p><p>para residir na casa do sacerdote Eli, com a finalidade</p><p>110</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>de ser educado e preparado para uma missão especial</p><p>(1Samuel 1.19-28).</p><p>No contexto do Novo Testamento, também o após-</p><p>tolo Paulo, ao fixar residência na cidade de Éfeso, fez da-</p><p>quela cidade uma base de treinamento de novos líderes.</p><p>Para isso, criou um centro de treinamento, inicialmente</p><p>alugando o espaço, depois comprando, de uma antiga</p><p>escola de Filosofia, a “escola de Tirano” (Atos 19.9,10).</p><p>Ali estudaram e se formaram, por exemplo, líderes in-</p><p>fluentes como Timóteo, Tito e Epafras. Após a partida</p><p>do apóstolo daquela cidade, a direção da escola ficou</p><p>sob cuidados de outros líderes, que mantiveram ali três</p><p>principais funções: estudo e formação de liderança;</p><p>sede de supervisão administrativa das comunidades</p><p>nascentes; escrita e cópias de textos paulinos. “Quem</p><p>teria reunido um corpus de epístolas paulinas se não</p><p>fosse essa escola?” (COMBLIN, 1993, p.171).</p><p>Ainda no âmbito do cristianismo antigo, outro as-</p><p>pecto educacional importante está relacionado à cidade</p><p>de Alexandria do Egito, que era um grande centro de</p><p>cultura e de saber, em diferentes áreas, havendo ali</p><p>uma das maiores bibliotecas do mundo antigo. Não de-</p><p>morou para que, sob influência de escolas de filosofia,</p><p>surgissem escolas de pensamento teológico nas quais</p><p>atuaram influentes mestres da igreja, responsáveis por</p><p>ajudar o cristianismo a construir ou reafirmar a sua</p><p>identidade frente aos intensos questionamentos doutri-</p><p>nários que passaram a interpolar a fé cristã na chamada</p><p>111</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>era patrística. Foram ali treinados teologicamente inú-</p><p>meros líderes e missionários responsáveis por propa-</p><p>gar a fé cristã nos mais diferentes lugares. Também se</p><p>destacou naquele período uma escola de Teologia em</p><p>Antioquia, da Síria. Dentre os alunos que essa escola</p><p>formou, destaca-se Jerônimo, que, no século IV, reali-</p><p>zou a primeira tradução dos textos bíblicos para o latim,</p><p>trabalho imortalizado com o nome de Vulgata. A escola</p><p>teológica de Antioquia continuava a preservar a visão</p><p>missionária, desde os tempos de Paulo e Barnabé.</p><p>Conforme mencionado, também em Genebra, com a</p><p>criação da Academia, houve especial atenção na forma-</p><p>ção dos que eram chamados ao trabalho pastoral ou mis-</p><p>sionário. Houve preocupação com o preparo teológico,</p><p>cultural e acadêmico dos líderes da Reforma. Também</p><p>havia o objetivo de formar líderes para o governo civil</p><p>da cidade. Além de Calvino, cinco professores formavam</p><p>o quadro: dois de teologia, um de hebraico, outro de</p><p>grego e outro de filosofia. Em pouco tempo, a escola</p><p>lançou profundas raízes, totalizando 900 alunos.</p><p>Genebra tornou-se um estratégico centro de prepara-</p><p>ção teológica responsável pela formação de pastores e</p><p>missionários que propagaram a mensagem da Reforma</p><p>em diferentes países, como França, Alemanha, Itália,</p><p>Holanda, Inglaterra, Boêmia e Escócia. Como destaca</p><p>Antonio Carlos Barro:</p><p>112</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>Esta [Academia] foi uma das grandes realizações de</p><p>Calvino e por ela ele demonstrava um grande entu-</p><p>siasmo. [...] o estabelecimento da academia foi em</p><p>parte realizado por causa do desejo de suprir e trei-</p><p>nar missionários evangélicos. [...] Desde o princípio a</p><p>academia esteve cheia de estudantes. A maioria veio</p><p>de outros países, e de todos os lugares onde havia</p><p>comunidade de língua francesa chegavam pedidos de</p><p>pastores professores. O desejo de Calvino era preen-</p><p>cher essas necessidades e espalhar os princípios da</p><p>Reforma (BARRO, 1998, p.44).</p><p>Barro observa ainda o cuidado que havia para com</p><p>a visão ministerial e a excelência acadêmica na forma-</p><p>ção dos futuros líderes:</p><p>Com o fim de cumprir o seu propósito, Calvino im-</p><p>pôs uma rigorosa disciplina acadêmica. Os estudan-</p><p>tes recebiam uma educação humanista bem ampla,</p><p>com ênfase em línguas e efetiva comunicação escrita</p><p>e verbal. A ideia de Calvino era de que, quando pro-</p><p>priamente treinados, os estudantes poderiam voltar</p><p>a seus próprios países e espalhar o evangelho como</p><p>missionários. Nesse sentido, ele procurou tornar</p><p>Genebra um centro missionário para espalhar a</p><p>Reforma e os seus ensinos por toda a Europa e outras</p><p>partes do mundo (BARRO, 1998, p.44,45).</p><p>113</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>O modelo protestante da Academia, criado em Ge-</p><p>nebra, logo se associou ao conceito de “seminário” apli-</p><p>cado à formação teológica. Daí nasceriam dois modelos</p><p>principais de instituições de ensino teológico, poste-</p><p>riormente consolidados nos Estados Unidos e daí tra-</p><p>zidos ao Brasil: o seminário e a faculdade de Teologia.</p><p>Nesse sentido, no contexto brasileiro, destaca-</p><p>-se a criação do primeiro seminário teológico para</p><p>preparação vocacional com o trabalho missionário</p><p>de Ashbel Green Simonton. Até então, todos os pas-</p><p>tores que haviam atuado no país, na primeira metade</p><p>do século XIX, acompanhando o processo de inserção</p><p>do chamado protestantismo de imigração, eram es-</p><p>trangeiros, com formação teológica nos seus respec-</p><p>tivos países de origem. Desde sua chegada na cidade</p><p>do Rio de Janeiro, em 12 de agosto de 1859, Simonton</p><p>já demonstrava o apreço pela educação: inicialmente,</p><p>alugou uma sala para dar aula de inglês com o intuito</p><p>também de conseguir pessoas para ministrar cursos</p><p>bíblicos. Logo depois, lançou a visão de ensino teoló-</p><p>gico, inaugurando no Rio de Janeiro, em 14 de maio de</p><p>1867, o primeiro seminário teológico do país. Foram</p><p>constituídos três professores; a primeira turma tam-</p><p>bém formada por três alunos. Além de matérias mais</p><p>específicas do campo teológico, como grego e homi-</p><p>lética, os estudantes tinham aulas de álgebra, aritmé-</p><p>tica, inglês, latim e gramática da língua portuguesa.</p><p>114</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO:</p><p>REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>O projeto pedagógico definiu o curso completo com</p><p>duração de seis anos (FERREIRA, 1959, p.85)4.</p><p>Considerações finais</p><p>É importante finalizar destacando o papel do en-</p><p>sino e da educação na vida de Jesus. O menino que</p><p>frequentou a escola anexada à sinagoga da pequena</p><p>Nazaré — um vilarejo com cerca de 300 moradores</p><p>—, onde foi alfabetizado e desenvolveu conhecimen-</p><p>tos que, aos 12 anos, impressionaram os mestres do</p><p>Templo: “Depois de três dias o encontraram no templo,</p><p>sentado entre os mestres, ouvindo-os e fazendo-lhes</p><p>perguntas. Todos os que o ouviam ficavam maravilha-</p><p>dos com o seu entendimento e com as suas respostas”</p><p>(Lucas 2.46,47). O jovem que, para uma formação mais</p><p>avançada e em busca de reconhecimento legal, teria</p><p>provavelmente frequentado uma escola de profetas,</p><p>nas regiões do Mar Morto. Os achados arqueológicos</p><p>de 1947, referentes à comunidade de Qumran, denotam</p><p>que nela havia sido criada uma escola para a formação</p><p>de novos profetas. Pais costumavam levar seus filhos</p><p>4 Já em seguida, os seus dirigentes, Simonton e Blackford, providenciaram para</p><p>que viessem ao Brasil livros que comporiam a primeira biblioteca para estudos</p><p>e pesquisas. Foi assim que, em 1868, sob encomenda de Simonton, não vieram</p><p>apenas obras teológicas, mas também de Física e Astronomia. Segundo o histo-</p><p>riador Júlio Andrade Ferreira (FERREIRA, 1989, p.85)</p><p>115</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>ainda crianças ou adolescentes para serem educados</p><p>pelos mestres naquele lugar. Os que demonstravam</p><p>vocação, após longo período de estudos e prepara-</p><p>ção, poderiam iniciar o exercício de tal função aos 30</p><p>anos. Parece ter sido esse o caso de João Batista, cria-</p><p>do desde a orfandade naquela comunidade, na qual,</p><p>enquanto aluno daquela escola, adquiriu credencial e</p><p>legitimidade para o exercício da profecia, obtendo até</p><p>mesmo o reconhecimento dos mais exigentes líderes</p><p>do templo de Jerusalém (Mateus 21.23,27). O minis-</p><p>tério de Jesus, iniciado aos 30 anos, parece evidenciar</p><p>um reconhecimento público também por essa via de</p><p>formação educacional.</p><p>Em seu ministério público, Jesus constituiu uma</p><p>escola para preparo teológico e ministerial dos seus</p><p>discípulos, constituídos em um tipo de classe com</p><p>doze estudantes, sendo treinados por três anos. Quan-</p><p>do estendeu seus ensinos a um público maior, usava,</p><p>como educador e mestre, a estratégia pedagógica que</p><p>partia do contexto e da realidade vivencial, articulan-</p><p>do profundidade com simplicidade e aprendizagem</p><p>com demonstração prática. Em um contexto de cam-</p><p>poneses, usava como recursos didáticos os exemplos</p><p>do semeador, do trigo e do joio, dos lírios do campo,</p><p>dos pássaros, do mar e a pesca... “Todos ficavam ma-</p><p>ravilhados com seu ensino, porque falava com auto-</p><p>ridade” (Lucas 4.32). Um ensino comprometido com</p><p>a vida, com o contexto e a libertação. Princípios que</p><p>116</p><p>O PAPEL DE ENSINAR NO TRANSCORRER DO TEMPO: REFLEXÕES SOBRE O 15 DE OUTUBRO</p><p>continuaram ressoando pelo tempo, sendo apropria-</p><p>dos e ressignificados como diretrizes por um educador</p><p>contemporâneo:</p><p>“Quando a educação não é libertadora, o sonho</p><p>do oprimido é ser o opressor”</p><p>Paulo Freire.</p><p>117</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>Alves, Rubem. Protestantismo e repressão. São Paulo:</p><p>Edições Loyola, 1979.</p><p>Amit, Y. “Narrative Art of Israel’s Historians” em</p><p>Dicionary of Old Testament: Historical Books.</p><p>Downers Grove: InterVarsity, 2005.</p><p>AnéAs, André. Caminhos para uma teologia encarnada:</p><p>diálogo sobre espiritualidade, práxis e poesia. In:</p><p>III Congresso Internacional de Doutrina Social</p><p>da Igreja, 2018, São Paulo. Os Direitos Humanos à</p><p>luz da Doutrina Social da Igreja. São Paulo: Coleção.</p><p>Interseção, 2018. v. 1. p. 61-67.</p><p>BArro, Antonio Carlos. Fides Reformata, São Paulo, v. 3,</p><p>n.1, jan./jun., 1998.</p><p>Bíblia Sagrada. Nova Versão Internacional. São Paulo:</p><p>Editora Vida, 2003.</p><p>Bonhoeffer, Dietrich. Reflexões sobre a Bíblia a respos-</p><p>ta às nossas perguntas. São Paulo: Edições Loyola,</p><p>2008.</p><p>CAldAs, Carlos. Milton Nascimento: poesia e profecia.</p><p>2012. Disponível em: <https://bit.ly/2pl7KQn>.</p><p>Acesso em: 19 de set. 2018.</p><p>https://bit.ly/2pl7KQn</p><p>118</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>ComBlin, José. O Espírito Santo e a tradição de Jesus.</p><p>São Paulo: Handuti Editora, 2012.</p><p>; Paulo Apóstolo de Jesus Cristo. Pe-</p><p>trópolis: Vozes, 1993.</p><p>ferreirA, Júlio A. História da Igreja Presbiteriana do</p><p>Brasil. 2 ed. São Paulo: Cultura Cristã, 1989.</p><p>filho, Isaltino. Jovens santificados fazendo a</p><p>obra num mundo pós-moderno. Isaltino Gomes</p><p>Coelho Filho, 2009. Disponível em: <https://www.</p><p>isaltino.com.br/2009/12/jovens-santificados-fa</p><p>zendo-a-obra-num-mundo-pos-moderno/>. Aces-</p><p>so em: 06 de out. 2022.</p><p>frAnCisCo. Evangelii Gaudium: a alegria do Evangelho;</p><p>sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual.</p><p>Disponível em: <https://bit.ly/2QKdEGZ> Acesso</p><p>em: 19 set. 2018.</p><p>freyre, Gilberto. Casa-grande & senzala. Formação da</p><p>família brasileira sob o regime da economia patriar-</p><p>cal. São Paulo: Global, 2006.</p><p>fujitA, Luiz. Qual foi a primeira escola? Disponível em:</p><p><https://super.abril.com.br/mundo-estranho/</p><p>qual-foi-a-primeira-escola/>. Acesso em: set.</p><p>2022.</p><p>KAiser, Walter. Introdução à hermenêutica bíblica. Cultura</p><p>Cristã: São Paulo, 2002.</p><p>lewis, C.S. A abolição do homem. Trad. Gabriele</p><p>Greggersen. São Paulo: Thomas Nelson, 2017.</p><p>limA, Sebastião I. O protagonismo feminino nos primór-</p><p>dios do protestantismo brasileiro. Multidiscipli-</p><p>nary Scientific Journal. Núcleo do Conhecimento.</p><p>Disponível em: <https://www.nucleodoconheci</p><p>mento.com.br/cienciassociais/protagonismo-fe</p><p>minino>. Acesso em: set. 2022.</p><p>https://www.isaltino.com.br/2009/12/jovens-santificados-fazendo-a-obra-num-mundo-pos-moderno/</p><p>https://www.isaltino.com.br/2009/12/jovens-santificados-fazendo-a-obra-num-mundo-pos-moderno/</p><p>https://www.isaltino.com.br/2009/12/jovens-santificados-fazendo-a-obra-num-mundo-pos-moderno/</p><p>https://bit.ly/2QKdEGZ</p><p>https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-foi-a-primeira-escola/</p><p>https://super.abril.com.br/mundo-estranho/qual-foi-a-primeira-escola/</p><p>https://www.nucleodoconhecimento.com.br/cienciassociais/protagonismo-feminino</p><p>https://www.nucleodoconhecimento.com.br/cienciassociais/protagonismo-feminino</p><p>https://www.nucleodoconhecimento.com.br/cienciassociais/protagonismo-feminino</p><p>119</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>livro de orAção Comum. Porto Alegre: Igreja Episcopal</p><p>Anglicana do Brasil, 2015.</p><p>lutero, Martinho. Aos Conselhos de todas as cidades da</p><p>Alemanha para que criem e mantenham escolas cris-</p><p>tãs. In: . Obras selecionadas. V.5. São</p><p>Leopoldo: Sinodal; Porto Alegre: Concórdia, 1995.</p><p>mAtos, Alderi de S. “Para memória sua”: a participação</p><p>da mulher nos primórdios do presbiterianismo no</p><p>Brasil”. Fides Reformata, São Paulo, 1998.</p><p>ProençA, Wander de Lara. De “casa de profetas” a semi-</p><p>nários teológicos: a preparação vocaciona em pers-</p><p>pectiva histórica. In: BArro, Antonio Carlos; Kohl,</p><p>Manfred W. (Orgs.). Educação teológica transfor-</p><p>madora. Londrina: Descoberta, 2004. p.7-42.</p><p>; Leituras da Reforma e (re)formas da</p><p>leitura. Práxis Evangélica, FTSA, n. 29, 2018. p.11-</p><p>25.</p><p>ryKen, Leland. How to read the bible as literature. Grand</p><p>Rapids: Zondervan, 1984.</p><p>sAntos, Boaventura de Sousa. Se Deus fosse um ativista</p><p>dos direitos humanos. 2. ed. São Paulo: Cortez,</p><p>2014.</p><p>vAnhoozer, Kevin. Discipulado para a glória de Deus.</p><p>Thomas Nelson, São Paulo, 2022</p><p>villAs BoAs, Alex. Teologia em diálogo com a literatura.</p><p>São Paulo: Paulus, 2016.</p><p>wright, Christopher. Como pregar e ensinar com base no</p><p>Antigo Testamento. São Paulo: Mundo Cristão, 2018.</p><p>wright, N.T. As Escrituras e a autoridade de Deus. Tho-</p><p>mas Nelson: São Paulo, 2021</p><p>selovidaacademica</p><p>Catálogo</p><p>Vida Acadêmica</p><p>ACESSE NOSSO</p><p>CATÁLOGO</p><p>A Editora Vida, como resultado de sua dinâmica e</p><p>constante sintonia com as necessidades do meio</p><p>editorial, tem o privilégio de apresentar este catálogo</p><p>ao público acadêmico, que se dedica ao aprofundamento</p><p>do estudo da Palavra de Deus.</p><p>“Conheçamos e</p><p>prossigamos em</p><p>conhecer ao SENHOR.”</p><p>Oseias 6.3a</p><p>https://issuu.com/editoravida/docs/cat_logo_acad_mico_2</p><p>_Hlk115938267</p><p>fundamentais, quais sejam, o valor</p><p>intrínseco do ser humano, a autonomia e o mínimo</p><p>existencial. O ser humano precisa ser tratado a partir</p><p>do seu valor intrínseco, como sujeito e não como ob-</p><p>jeto. Independentemente do que fazemos, da religião</p><p>que professamos ou da nossa perspectiva política,</p><p>precisamos ser tratados com dignidade. A autono-</p><p>mia diz respeito à nossa liberdade para fazer escolhas</p><p>existenciais. Podemos eleger o sentido da nossa vida</p><p>e viver de acordo com isso, desde que não haja uma</p><p>15</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>interferência no direito de outras pessoas. O mínimo</p><p>existencial é o básico, essencial para a sobrevivência</p><p>humana. O ser humano precisa ter garantido basica-</p><p>mente a saúde, educação, moradia, alimentação etc.</p><p>A dignidade da pessoa humana é elemento essen-</p><p>cial numa sociedade democrática, razão pela qual nós,</p><p>professores, precisamos assumir absoluto compromis-</p><p>so com a promoção da dignidade humana. A missão</p><p>de ensinar exige comprometimento com o valor intrín-</p><p>seco de cada ser humano. No exercício do magistério,</p><p>devemos fomentar o respeito às pessoas, pelo simples</p><p>fato de serem humanos, independentemente de suas</p><p>escolhas existenciais. Como professores, precisamos</p><p>promover uma sociedade que respeita as diferenças e</p><p>promove a autonomia existencial. O compromisso com</p><p>a educação deve nos mover a lutar por uma sociedade</p><p>na qual todos tenham a garantia do mínimo existencial.</p><p>Nessa perspectiva, a dignidade da pessoa humana</p><p>não é apenas um princípio constitucional, mas tam-</p><p>bém um paradigma do labor docente. Todo o trabalho</p><p>do professor deve ser iluminado pelo princípio da dig-</p><p>nidade da pessoa humana. Esse princípio deve estar</p><p>na base da pedagogia, filosofia, teologia e das demais</p><p>ciências. O professor deve ser um defensor incansável</p><p>da dignidade humana.</p><p>No contexto teológico, o princípio da dignida-</p><p>de humana está expresso na revelação de Deus, que</p><p>fez o homem conforme a sua imagem e semelhança.</p><p>16</p><p>O PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA COMO PARADIGMA NO EXERCÍCIO DA DOCÊNCIA</p><p>No Evangelho de João, Jesus afirma que veio para dar</p><p>vida e vida em abundância. A vida humana tem va-</p><p>lor absoluto para o Criador. O primado da vida não</p><p>é um aspecto relativo, mas constitutivo da fé cristã.</p><p>Ser comprometido com a promoção da vida é um pres-</p><p>suposto da identidade cristã. Nesse sentido, teologi-</p><p>camente não é possível ser cristão e não promover a</p><p>vida, a vida com dignidade, a vida em abundância.</p><p>Professores, estamos a serviço do Reino de Deus,</p><p>razão pela qual seguiremos o nosso ofício, defenden-</p><p>do e promovendo a dignidade da pessoa humana, na</p><p>certeza de que estamos dando continuidade à missão</p><p>de Jesus de Nazaré. Que o Deus da vida continue ilu-</p><p>minando a nossa caminhada espiritual e intelectual e</p><p>abençoando o nosso magistério.</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA</p><p>ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE</p><p>ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS</p><p>E POESIA</p><p>André Anéas</p><p>Graduado e mestre em Teologia; doutoran-</p><p>do em Teologia. Coordenador do grupo de</p><p>pesquisa “Teologia Cristã e Religião Con-</p><p>temporânea” no Laboratório de Política,</p><p>Comportamento e Mídia da Fundação São</p><p>Paulo/PUC-SP – LABÔ. Idealizador e diretor</p><p>do Laboratório de Teologia, Espiritualidade</p><p>e Mística (LabTEM). Membro do Conselho</p><p>Editorial do selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>19</p><p>Q</p><p>uando a experiência de Deus é submetida a</p><p>um processo de racionalização por parte da</p><p>religião instituída corre-se o risco de a re-</p><p>ligião tornar-se irrelevante. Esse processo</p><p>de racionalização está presente em todas as</p><p>religiões e pode ser detectado no Protestantismo da</p><p>Reta Doutrina, tipo-ideal definido por Rubem Alves</p><p>que representa um protestantismo com forte ênfase</p><p>na Confissão Doutrinária (ALVES, 1979, passim). A</p><p>“espiritualidade” torna-se artificial e cheia de orgulho</p><p>espiritual, não existe comprometimento com uma prá-</p><p>xis cristã que responda às demandas sociais – direitos</p><p>humanos – e falta poesia na vida do religioso e do teó-</p><p>logo, que só sabem ler e não escrever. O objetivo aqui é</p><p>sugerir caminhos para uma teologia encarnada, a qual</p><p>toca o ser humano em sua integralidade e que atinja</p><p>a sensibilidade de toda sociedade – inclusive dos não</p><p>religiosos –, comunicando, sentindo e transformando</p><p>os desafios da contemporaneidade.</p><p>Tendo em vista esse objetivo, o caminho para esta</p><p>proposta será construído em três eixos intercambiáveis,</p><p>20</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>que abordam três sintomas da racionalização da expe-</p><p>riência de Deus: a relação do leitor com as Sagradas</p><p>Escrituras; a forma como o religioso reage diante da</p><p>necessidade de luta pelos direitos humanos; e a sensi-</p><p>bilidade diante da beleza estética da poesia brasileira,</p><p>representada em canções de Milton Nascimento.</p><p>A relação do leitor com as</p><p>Sagradas Escrituras</p><p>José Comblin (1923-2011) discorre a respeito da</p><p>teologia cristã, colocando um olhar crítico em relação</p><p>à possibilidade de sua esterilidade.</p><p>A teologia cristã é a história das manifestações da</p><p>vinda de Deus. São fatos reais, fatos vividos. Esses</p><p>fatos falam mais do que qualquer filosofia ou sistema</p><p>de conceitos. No passado, sobretudo desde o século</p><p>XIII, deu-se muita importância a uma teologia escrita,</p><p>pensada em forma de filosofia com os recursos da fi-</p><p>losofia. Essa teologia pode ter o seu valor, mas não é o</p><p>anúncio do evangelho, não é mostrar a vinda de Deus</p><p>na realidade humana. (COMBLIN, 2012, p. 43.)</p><p>O que se nota de forma explícita é a possibilidade</p><p>de se ter filosofias, conceitos e produção escrita e não</p><p>“encarnar” o Cristo na vida. Por isso, Comblin coloca</p><p>21</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>como superior uma teologia cristã como história, que</p><p>narra manifestações e fatos em que o anúncio do</p><p>evangelho acontece na realidade humana.</p><p>De forma semelhante, o teólogo alemão Dietrich</p><p>Bonhoeffer (1906-1945), ao discorrer a respeito da-</p><p>quilo que ele chama de “distinção inadequada” en-</p><p>tre textos “doutrinários” e textos históricos, ressalta</p><p>a importância da Bíblia como livro de testemunho e</p><p>critica a ideia de se obter na Bíblia uma “doutrina váli-</p><p>da para todo o sempre” (BONHOEFFER, 2008, p. 79).</p><p>Para Bonhoeffer, a revelação neotestamentária não</p><p>é “um livro cheio de verdades eternas, doutrinas,</p><p>normas ou mitos, antes deve ser visto como um</p><p>único testemunho do Homem-Deus Jesus Cristo”</p><p>(BONHOEFFER, 2008, p. 78).</p><p>Vemos que tanto o teólogo católico como o pro-</p><p>testante concordam que, quando nos aproximamos</p><p>do passado por meio dos textos sagrados com inten-</p><p>ção sistematizadora e legalista, não só perdemos opor-</p><p>tunidades de compreender a função do texto como</p><p>testemunho a respeito de quem teve experiência de</p><p>Deus, mas deixamos de lado a essência da revelação,</p><p>que é, antes de mais nada, testemunhar Jesus Cristo ao</p><p>ser humano do presente, local da experiência de Deus.</p><p>Em outras palavras, a relação entre leitor e texto sa-</p><p>grado, caso seja desprezada a primazia da experiência</p><p>de Deus em decorrência de uma busca incessante por</p><p>verdades doutrinárias absolutas, torna-se estéril e não</p><p>22</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>revela Cristo ao leitor e, consequentemente, ao mundo.</p><p>Ou seja, o leitor que não encara a Bíblia como fonte de</p><p>testemunhos que inspiram o ser humano do presente</p><p>não tem como encarnar as verdades testemunhadas</p><p>no passado.</p><p>A forma como o religioso reage</p><p>diante da necessidade de luta</p><p>pelos direitos humanos</p><p>Se tratando da experiência de Deus, não se pre-</p><p>tende identificar um tipo de experiência que aliene o</p><p>ser humano do mundo real. Como questiona Boaven-</p><p>tura Souza,</p><p>A intensidade da experiência religiosa é importante,</p><p>mas o mais importante é a sua orientação existen-</p><p>cial. É vivenciada como um propósito individual sem</p><p>qualquer ligação relevante com as coisas do mundo</p><p>ou, pelo contrário, é vivenciada como uma forma de</p><p>partilhar</p><p>com os outros a visão transcendental de um</p><p>Deus sofredor que se manifesta nos povos sofredores</p><p>desde mundo injusto? (SANTOS, 2014, p. 143)</p><p>A experiência de Deus, se tratando do Deus reve-</p><p>lado nas Sagradas Escrituras, move o fiel em direção</p><p>a uma relação com o próximo de forma a identificar</p><p>23</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>os sofrimentos de um mundo injusto com os sofrimen-</p><p>tos do Deus encarnado: Jesus Cristo. A experiência</p><p>de Deus, neste sentido, produz na vida do crente uma</p><p>identificação nata com o Cristo. Como um cristão que</p><p>experimenta a realidade transcendente de um Deus</p><p>que encana e sofre no mundo não se identificaria com</p><p>a dor do próximo? Essa incoerência é denunciada por</p><p>Francisco, que, ao se posicionar contra os privilégios e</p><p>os privilegiados, fala aos cristãos sobre a necessidade</p><p>de uma voz profética.</p><p>As reivindicações sociais, que têm a ver com a distri-</p><p>buição das entradas, a inclusão social dos pobres e</p><p>os direitos humanos não podem ser sufocados com</p><p>o pretexto de construir um consenso de escritório</p><p>ou uma paz efémera para uma minoria feliz. A digni-</p><p>dade da pessoa humana e o bem comum estão por</p><p>cima da tranquilidade de alguns que não querem</p><p>renunciar aos seus privilégios. Quando estes valo-</p><p>res são afetados, é necessária uma voz profética.</p><p>(FRANCISCO, p. 169)</p><p>Portanto, lutar pelos direitos humanos, encarar a</p><p>dor e o sofrimento do próximo e sofrer a dor do mun-</p><p>do é o que se espera de cristãos. Não se trata de uma</p><p>expectativa simplesmente moral do crente. Mais do</p><p>que isso, é a consequência natural daquele que teve</p><p>uma experiência de Deus, cuja orientação existencial</p><p>foi ressignificada tendo como eixo norteador o Deus</p><p>24</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>sofredor, que não é indiferente à dor dos homens.</p><p>É neste sentido que a sensibilidade diante da beleza</p><p>estética da poesia brasileira tem uma contribuição</p><p>imensa para que a teologia encarne na vida e atinja</p><p>os sentimentos.</p><p>A sensibilidade diante da</p><p>beleza estética da poesia brasileira</p><p>Alex Villas Boas, fala do modo como Jesus Cristo</p><p>se expressa em seu ministério terreno:</p><p>Sua “paixão” pelo Reino de Deus é que o faz anunciar</p><p>uma “notícia que queima por dentro”, tornando-o um</p><p>“profeta apaixonado por uma vida mais digna para to-</p><p>dos”. Essa “paixão” “anima toda a sua atividade”, seu</p><p>“verdadeiro significado e força apaixonante”, e assim</p><p>assume a “linguagem dos poetas” para ser “profe-</p><p>ta do Reino de Deus” como “poeta da compaixão”.</p><p>(BOAS, 2016, p. 270)</p><p>Jesus, utilizando aquilo que Villas Boas chama de</p><p>“linguagem de poeta”, é o modelo perfeito para o tipo</p><p>de espiritualidade que se defende neste pequeno ar-</p><p>tigo. Não há frieza. Há paixão. A paixão não é fruto</p><p>de mera intelectualidade, leitura contextualizada ou</p><p>referenciais teóricos pertinentes para aquela época.</p><p>É fruto de um sentimento que “queima por dentro”,</p><p>25</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>impulsionando Jesus de Nazaré em cada passo, cada</p><p>olhar e cada relacionamento. O profeta é poeta, pois</p><p>toca não apenas os problemas teológicos dos mes-</p><p>tres da lei, mas o coração, os sentimentos e alma do</p><p>povo. Villas Boas comenta a respeito das parábolas</p><p>de Jesus:</p><p>Em suas parábolas, “sucede” algo performativo, que</p><p>não se produz nas minuciosas explicações informa-</p><p>tivas dos mestres da lei, mas “comovem e fazem</p><p>pensar, tocam o coração e os convida a abrir-se a</p><p>Deus, mexem na vida convencional e criam um novo</p><p>horizonte para acolhê-lo e vivê-lo de modo diferente”.</p><p>A performance parabólica visa “captar” a presença</p><p>salvadora de Deus de modo que “entrar na parábola”</p><p>e se deixar transformar por sua força já é entrar no</p><p>Reino de Deus. (BOAS, 2016, p. 270-271)</p><p>Jesus se comunica com o povo sem dificulda-</p><p>de, pois conta poesias parabólicas. Em suas poesias</p><p>“encarna” o Pai, participando da vida humana em ple-</p><p>nitude, junto dos sofrimentos e alegrias do povo. É o</p><p>“poeta da Torá”, como diz Villas Boas:</p><p>Jesus é um poeta da Torá, e assim o faz porque a “en-</p><p>carna” no seu modo de ser com o Pai, de modo que</p><p>sua vontade é fazer a vontade do Pai, ao mesmo tem-</p><p>po que participa empaticamente, em sua kenosis, para</p><p>lembrar Paulo, da condição humana, dos sofrimentos e</p><p>das alegrias de seu povo. (BOAS, 2016, p. 271)</p><p>26</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>As parábolas do “poeta da Torá” no primeiro sécu-</p><p>lo não são elaboradas com a linguagem dos brasileiros</p><p>sofredores do século XXI. Neste sentido, aquele que se</p><p>relaciona com as Escrituras e se identifica com Cristo</p><p>na dor do próximo tem grande aliada na poesia bra-</p><p>sileira, especialmente na música. A poesia brasileira,</p><p>especificamente duas canções de Milton Nascimento, é</p><p>inspirada pelos poetas das Escrituras, pois falam para</p><p>brasileiros a respeito de valores pertinentes ao Reino</p><p>de Deus.</p><p>Carlos Caldas identifica Milton Nascimento como</p><p>poeta e profeta:</p><p>[…] algumas músicas de Milton Nascimento combinam</p><p>maravilhosamente bem profecia e poesia. Profecia</p><p>no sentido bíblico, de denúncia do mal e da injustiça,</p><p>não no sentido ‘nostradâmico’ de predição do futuro</p><p>como o senso comum entende. […]</p><p>De maneira leve e artisticamente refinada Milton Nas-</p><p>cimento é um poeta e profeta que canta e encanta,</p><p>ensina e edifica.” (CALDAS, 2012)</p><p>De forma pertinente, Caldas critica a falta de poe-</p><p>sia na teologia cristã, denunciando uma grande con-</p><p>tradição: grande parte das Escrituras é poesia.</p><p>27</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>A teologia cristã tem uma estreita ligação com a poe-</p><p>sia. É verdade que a teologia tradicionalmente tem</p><p>sido construída em forma de proposição lógica, com</p><p>argumentações dedutivas e indutivas, enfim, com fer-</p><p>ramentas da lógica aristotélica. Quase todos os teó-</p><p>logos precisam se lembrar do óbvio: a maior parte</p><p>da Bíblia, fonte e origem da teologia cristã, foi escrita</p><p>em forma de poesia. Neste sentido é estranho que os</p><p>pensadores cristãos tenham se afastado tanto da for-</p><p>ma com que o conteúdo da revelação nos foi dado.</p><p>(CALDAS, 2012)</p><p>Na sequência, alguns trechos de “Coração Civil”</p><p>e “Maria, Maria” serão colocados frente a frente com</p><p>passagens bíblicas. Embora não haja espaço para</p><p>uma análise profunda de cada correlação, espera-se</p><p>do leitor que aprecie com sensibilidade as aproxima-</p><p>ções das canções de Milton Nascimento com o texto</p><p>sagrado. De fato, como Caldas sinaliza, poeta e pro-</p><p>feta se confundem.</p><p>Em “Coração Civil”, se fala do desejo do poe-</p><p>ta pela “utopia”, que pode ter aproximações com o</p><p>“Reino de Deus”, que, conforme Lucas 17:20-21, “não</p><p>vem de modo visível”, “mas está entre vocês”. Trata-se</p><p>do “já, mas ainda não”, um dos grandes paradoxos da</p><p>caminhada cristã, pois o Reino é sinalizado, mas ain-</p><p>da não de modo pleno. O desejo pela “felicidade nos</p><p>olhos de um pai”, pela “alegria”, “muita gente feliz” e</p><p>pela “justiça” que “reine em meu país” são totalmente</p><p>28</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>condizentes com os valores do Reino de Deus, que,</p><p>conforme Romanos 14:17, não se trata de “comida nem</p><p>bebida, mas justiça, paz e alegria no Espírito Santo”.</p><p>O poeta brasileiro, ainda manifestando seus dese-</p><p>jos, diz: “Quero a liberdade, quero o vinho e o pão”.</p><p>O apóstolo Paulo, se dirigindo aos gálatas (5:1), men-</p><p>ciona que Jesus os libertou para a liberdade. No mesmo</p><p>capítulo, no verso 13, Paulo ressalta aos seus destina-</p><p>tários que eles foram chamados para o serviço mútuo</p><p>em amor. Certamente não há momento mais impor-</p><p>tante para uma comunidade cristã do que o beber do</p><p>vinho e o partir do pão. Os cristãos são chamados para</p><p>estar nesta mesa eucarística, para o servir o próximo,</p><p>partilhar e ser um só corpo com aquele que chama:</p><p>Jesus. Milton Nascimento quer “amor”. Escrevendo aos</p><p>coríntios, Paulo escreve seu emblemático capítulo</p><p>13</p><p>de 1Coríntios, em que, dentre outras coisas, deixa a</p><p>pérola do verso 13: “[...] permanecem agora estes três:</p><p>a fé, a esperança e o amor. O maior deles, porém, é o</p><p>amor.” Encerrando as correlações de “Coração Civil”,</p><p>o desejo do poeta por uma “cidade sempre ensolarada”</p><p>soa o escatológico livro do Apocalipse de João, que, no</p><p>capítulo 21, verso 23, anuncia o fim da necessidade de</p><p>iluminação solar, pois a glória de Deus, tendo como can-</p><p>deia o Cordeiro, Jesus Cristo, iluminaria toda a cidade.</p><p>Em “Maria, Maria”, o Bituca (apelido de Milton Nas-</p><p>cimento) nos conta a história de muitas brasileiras, que</p><p>lutam, insistem e persistem. Diante do sofrimento das</p><p>29</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>“Marias” que existem em todo o Brasil, o poeta é feliz</p><p>ao dizer que elas possuem uma “estranha mania de ter</p><p>fé na vida”. É estranho mesmo, pois, diante das injusti-</p><p>ças e do sofrimento residentes no Brasil, em que mui-</p><p>tos certamente se renderiam ao completo ceticismo, as</p><p>Marias têm “força”, “raça” e “gana”. Essas Marias le-</p><p>vam em suas peles “marcas” que remetem novamente a</p><p>Paulo de Tarso, que, escrevendo aos colossos (Co-</p><p>lossenses 1:24) e aos gálatas (Gálatas 6:17), tem em</p><p>seu corpo “o que resta das aflições de Cristo” e traz</p><p>“as marcas de Jesus”. Certamente a “estranha mania</p><p>de ter fé na vida” das Marias tem muito a ver com a</p><p>esperança cristã que moveu o apóstolo Paulo e outros</p><p>cristãos com testemunho semelhante em suas vidas de</p><p>lutas e tribulações. É estranho quando Paulo diz que “[...]</p><p>Embora exteriormente estejamos a desgastar-nos, inte-</p><p>riormente estamos sendo renovados dia após dia” (2 Co</p><p>4:16b), e ainda, “[...] mas também nos gloriamos nas tri-</p><p>bulações, porque sabemos que a tribulação produz per-</p><p>severança” (Romanos 5:3). Maria, Maria. Paulo, Paulo.</p><p>Considerações finais</p><p>A forma como o leitor se aproxima das Escrituras</p><p>precisa superar a interpretação puramente indicativa e</p><p>se tornar imperativa. O texto testemunha experiências</p><p>30</p><p>CAMINHOS PARA UMA TEOLOGIA ENCARNADA: DIÁLOGO SOBRE ESPIRITUALIDADE, PRÁXIS E POESIA</p><p>de Deus e, consequentemente, deve inspirar as expe-</p><p>riências de Deus aos leitores no presente, tornando</p><p>visível o Pai de Jesus de Nazaré para aqueles que o</p><p>desconhecem. O papel do cristão na sociedade precisa</p><p>superar paradigmas que tornam o presente cristaliza-</p><p>do, imutável e “predestinado”. Dessa forma, o cristão</p><p>não é alguém inerte aos problemas sociais que afligem</p><p>o mundo. Muito pelo contrário, é agente ativo e que</p><p>percebe na dor do mundo o privilégio de se identifi-</p><p>car com o seu Deus, que sofre as dores do mundo em</p><p>Cristo Jesus. Por fim, a sensibilidade do religioso e do</p><p>teólogo poderia estar mais apta para captar os “sinais</p><p>dos tempos” na poesia e se permitir ser sensibilizado</p><p>pela realidade da vida concreta e menos “teologizada”.</p><p>Como o fez o próprio Cristo, que canalizou toda sua</p><p>compaixão pelo povo e desenvolveu seu ministério</p><p>lendo a Torá com olhos poéticos, capazes de parabolizar</p><p>as verdades do Reino, o povo pobre e sofrido do Brasil</p><p>do século XXI espera profetas-poetas, que encantem,</p><p>que sejam apaixonados e que anunciem com autoridade</p><p>que o Reino de Deus chegou. Com o diálogo sobre espi-</p><p>ritualidade, práxis cristã e poesia, espera-se que a teo-</p><p>logia se aproxime da vida, da carne e dos sentimentos</p><p>humanos. Em outras palavras, que a teologia encarne.</p><p>Somente esse tipo de espiritualidade encarnada pode</p><p>produzir “a estranha mania de ter fé na vida”.</p><p>O VALOR DA LEITURA PARA</p><p>A DEMOCRACIA</p><p>Davi Lago</p><p>Mestre em Teoria do Direito pela PUC Minas.</p><p>Professor e coordenador de pesquisa no La-</p><p>boratório de Política, Comportamento e Mídia</p><p>da Fundação São Paulo/PUC-SP. Membro do</p><p>Conselho Editorial do selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>33</p><p>O</p><p>incentivo à leitura é chave na construção de</p><p>sociedades livres, democráticas e solidárias.</p><p>Martha Nussbaum, em sua célebre crítica</p><p>à educação americana na administração do</p><p>presidente Obama, afirmou que os Estados</p><p>Unidos não deveriam menosprezar as humanidades</p><p>nos currículos escolares. Segundo a filósofa, as letras</p><p>ampliam as capacidades empáticas dos jovens, um</p><p>atributo vital para sociedades democráticas desen-</p><p>volvidas, que pressupõem empatia dos cidadãos em</p><p>algum grau.</p><p>Uma democracia cheia de cidadãos sem empa-</p><p>tia gera novas formas de marginalização, piorando</p><p>os problemas já existentes. Interessante notar que</p><p>a quantidade de livrarias e a diversidade de jornais</p><p>impressos diários são dois dos critérios de avaliação</p><p>da qualidade de vida em uma cidade para a pesquisa</p><p>de qualidade de vida da revista Monocle. A lógica é</p><p>simples: cidades com ampla oferta de livros, jornais e</p><p>revistas possuem público leitor educado, maior plura-</p><p>lidade e intercâmbio de ideias e índices superiores de</p><p>34</p><p>O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA</p><p>bem-estar social. No outro extremo, os totalitarismos</p><p>tremem diante das letras, por isso queimam livros,</p><p>censuram opiniões, distorcem fatos, inculcam narra-</p><p>tivas. Foi Roland Barthes quem afirmou que o fascis-</p><p>mo não é nos impedir de dizer, é obrigar-nos a dizer.</p><p>Portanto, ler é preciso, incentivar a leitura, necessário.</p><p>Ler é um exercício de empatia, porque ler implica</p><p>encontrar o outro. Na leitura, está implícito quem es-</p><p>creve e quem lê. No ato de ler, o leitor ressuscita a voz</p><p>do escritor em sua própria mente. Portanto, a leitura</p><p>é a intersecção de, pelo menos, duas subjetividades.</p><p>Esse encontro é sempre fecundo, porque a leitura da</p><p>palavra é precedida e acompanhada pela leitura do</p><p>mundo. Ler é mais que mera decodificação de signos,</p><p>é uma experiência humana integral. A genuína leitu-</p><p>ra leva a perceber, conhecer e interpretar o outro. Ler</p><p>é ainda um exercício de empatia porque leva tempo,</p><p>assim como digerir. Não por acaso, observou John</p><p>Miedema que a leitura lenta leva o leitor a subvocali-</p><p>zar as palavras lidas, de modo semelhante à atividade</p><p>motora da língua enquanto deglute alimentos. Leitura</p><p>e lentidão seguem juntas, daí o fracasso das mídias</p><p>sociais para o amadurecimento dos debates públicos</p><p>– sempre afoitas, apressadas, precipitadas. Na leitura</p><p>refletida, o cidadão se abre à experiência dos outros,</p><p>considera opiniões diferentes e evita juízos prematu-</p><p>ros que levam ao erro.</p><p>35</p><p>O VALOR DA LEITURA PARA A DEMOCRACIA</p><p>A leitura tem retorno a longo prazo. As crianças</p><p>leitoras de hoje construirão uma sociedade melhor</p><p>amanhã. Nosso contexto, infelizmente, não é o melhor.</p><p>De acordo com o relatório de perspectivas econômicas</p><p>globais do Banco Mundial, mais de 90% de 183 eco-</p><p>nomias analisadas enfrentarão retração econômica</p><p>por causa da pandemia da COVID-19. Confirmados os</p><p>prognósticos, a amplitude da crise será maior que a</p><p>recessão de 1930, quando 85% das economias retraí-</p><p>ram. Evidente que a consequência imediata e inevitá-</p><p>vel desse cenário é o aumento das tensões políticas e</p><p>sociais em diversas dimensões. Segundo Paul Collier,</p><p>professor de Economia e Políticas Públicas da Univer-</p><p>sidade de Oxford, levantamentos atuais revelam “um</p><p>nível de pessimismo sem precedentes entre a juven-</p><p>tude: inúmeros jovens estimam que terão um padrão</p><p>de vida inferior ao dos pais”. No difícil cenário atual,</p><p>não podemos renunciar às poderosas ferramentas da</p><p>leitura e da educação.</p><p>é pastor e escritor de destaque, além de ser internacionalmente</p><p>conhecido como professor e conferencista. Recebeu o título de ph.D</p><p>com especialidade em História pelo Seminário Teológico Batista</p><p>Southwestern. Autor de mais de 70 livros, várias traduções e</p><p>inúmeros artigos em dicionários, enciclopédias e revistas cristãs.</p><p>PABLO A. DEIROS</p><p>CONHEÇA O</p><p>EVANGELHO</p><p>DO AMOR</p><p>O QUE É A FÉ BÍBLICA?</p><p>Esdras Savioli</p><p>Graduado em Teologia Idealizador e</p><p>coordenador do ministério de trei-</p><p>namento “Vai na Bíblia”, com mais</p><p>de 900 mil seguidores no canal do</p><p>YouTube.</p><p>Veja no site: vainabiblia.com</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>http://vainabiblia.com</p><p>39</p><p>D</p><p>iferentemente do que muitos pensam, a fé ensi-</p><p>nada pela Bíblia</p><p>não é uma crença ilógica na</p><p>ocorrência do impossível. Muito pelo contrá-</p><p>rio, trata-se de uma crença sólida e racional,</p><p>com base em algo confiável e eterno (Hebreus</p><p>11.3, Lucas 21.33). Podemos dizer que, além de uma</p><p>convicção concreta, a fé bíblica é uma certeza absolu-</p><p>ta, uma confiança sem espaço para dúvida (2Coríntios</p><p>4.18, Tiago 1.6,7).</p><p>Somente essa fé pode nos levar a obedecer incondi-</p><p>cionalmente à Palavra de Deus e estabelecer a verdade</p><p>bíblica como fundamento para todas as nossas decisões</p><p>(Romanos 1.5, Salmos 119.105). Veja que não se trata de</p><p>um sentimento, trata-se de uma ação que não depende</p><p>da emoção (Tiago 2.14-18). Essa é a fé bíblica!</p><p>Como funciona a fé bíblica?</p><p>Deus fala por meio de sua Palavra, nós ouvimos, con-</p><p>fiamos e agimos de acordo com ela, independentemente</p><p>40</p><p>O QUE É A FÉ BÍBLICA?</p><p>das circunstâncias ou consequências (Hebreus 11.8).</p><p>Mesmo quando não compreendemos por que Deus está</p><p>nos pedindo algo, se a ordem for clara, devemos sim-</p><p>plesmente obedecer (Hebreus11.7,30).</p><p>Muitas coisas podem não fazer sentido em um</p><p>primeiro momento, mas é a obediência que nos dará</p><p>a devida compreensão (Hebreus 11.17,29). Enquanto</p><p>muitos esperam ver para crer, a Bíblia nos convida a</p><p>crer para ver (João 20.29, 1Pedro 1.8,9). E, quando cre-</p><p>mos, provamos o amor, a justiça e a fidelidade de Deus</p><p>(João 11.40), o que nos impede de temer pelo futuro</p><p>(Hebreus 11.27, 1Pedro 1.5, Provérbios 1.33, 1João 5.4).</p><p>Afinal, fé é a certeza daquilo que esperamos e a prova</p><p>das coisas que não vemos (Hebreus 11.1, 2Coríntios 5.7).</p><p>Como ter fé?</p><p>Mas, se essa fé é tudo o que precisamos, como po-</p><p>demos obtê-la? A Bíblia ensina que essa fé não vem de</p><p>nós, é um dom de Deus (Efésios 2.8,9, 2Pedro 1.1); não</p><p>é algo que aprendemos ao longo da vida, nem a recebe-</p><p>mos por intermédio de outras pessoas (Romanos 12.3).</p><p>O único que pode gerar essa fé em nosso coração é o</p><p>Espírito Santo, por meio da Palavra de Deus (Romanos</p><p>10.17, 2Coríntios 2.12). Inclusive, também é ele quem</p><p>nos capacita a praticá-la (Romanos 8.8,9, João 16.13).</p><p>41</p><p>O QUE É A FÉ BÍBLICA?</p><p>A primeira vez que essa fé se manifesta em nos-</p><p>sa vida é quando cremos em Jesus Cristo (João 3.18;</p><p>12.44), na sua vida sem pecado, na sua morte em nos-</p><p>so lugar e na ressurreição dentre mortos (Filipenses</p><p>3.10, Romanos 10.9,10). Neste exato momento, desco-</p><p>brimos que a verdadeira fé habita em nós e, a partir de</p><p>agora, precisamos desenvolvê-la.</p><p>Como desenvolver nossa fé?</p><p>E, para que isso aconteça, é necessário entender</p><p>que esse desenvolvimento jamais acontecerá por meio</p><p>da ignorância ou da passividade (Oseias 6.3, Tiago 1.5,</p><p>Mateus 7.7). A única forma de desenvolver a fé bíblica</p><p>é buscando o conhecimento de Deus (1João 4.6). À me-</p><p>dida em que esse conhecimento aumenta, a nossa fé</p><p>também aumenta (Mateus 17.20, 2Pedro 1.5-7).</p><p>Contudo, não se trata de um conhecimento teó-</p><p>rico. Conhecer Deus é buscar intimidade com ele por</p><p>meio da obediência (Tito 1.16, João 14.21). Afinal, da</p><p>mesma forma como é impossível obedecer a Deus sem</p><p>conhecê-lo, também é impossível desenvolver nossa</p><p>fé sem obediência à sua Palavra (1João 2.4).</p><p>O que fazemos revela o que verdadeiramente</p><p>conhecemos (Efésios 2.10, Tiago 2.19-26). Somente</p><p>42</p><p>O QUE É A FÉ BÍBLICA?</p><p>pela fé podemos conhecer e permanecer em Deus</p><p>(João 17.3, Romanos 8.38,39), desfrutando do seu</p><p>amor, da sua justiça, do seu poder e da sua fidelida-</p><p>de (1João 4.16, 2Tessalonicenses 3.3, Salmos 85.9,10).</p><p>A fé nos permite ser amigo íntimo do Criador do Uni-</p><p>verso (João 15.13-15, Hebreus 11.6), algo que muitos</p><p>sequer imaginam que seja possível.</p><p>Como disse Paulo: “[...] os nossos sofrimentos le-</p><p>ves e momentâneos estão produzindo para nós uma</p><p>glória eterna que pesa mais do que todos eles. Assim,</p><p>fixamos os olhos, não naquilo que se vê, mas no que</p><p>não se vê, pois o que se vê é transitório, mas o que não</p><p>se vê é eterno” (2Coríntios 4.17,18).</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS</p><p>NAS NARRATIVAS</p><p>Filipe Breder</p><p>Graduado em Teologia; Graduado em</p><p>Análise e Desenvolvimento de Sis-</p><p>temas; Mestre em Teologia. Um dos</p><p>criadores e é coordenador da Escola</p><p>do Discípulo com mais de 400 mil se-</p><p>guidores no YouTube</p><p>(https://escoladodiscipulo.com.br)</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>https://escoladodiscipulo.com.br</p><p>45</p><p>Todos amam ouvir boas histórias. Elas possuem</p><p>o poder de capturar a imaginação e interes-</p><p>se das pessoas. Deus dotou o ser humano de</p><p>imaginação, com uma capacidade incrível de</p><p>criar uma realidade alternativa completamente</p><p>diferente da realidade em que vivem. Por essa razão as</p><p>histórias são tão importantes. Elas envolvem e cativam</p><p>de tal forma que o ouvinte fica desesperado para saber</p><p>o que virá em seguida, como a história se desenrolará,</p><p>ainda que a história seja fictícia, como as parábolas, elas</p><p>possuem o mesmo poder de envolver a imaginação.</p><p>Os escritores da Bíblia também valorizavam uma</p><p>boa história, tanto que as narrativas são o gênero literá-</p><p>rio mais comum das escrituras, formando um terço de</p><p>todo o Antigo Testamento (AMIT, 2005, p.708). Se as</p><p>narrativas compõem a maior parte da bíblia, certamen-</p><p>te saber como aplicar essas histórias na vida da igreja</p><p>hoje é de suma importância. Como afirma Ryken, quan-</p><p>to mais os leitores souberem sobre o modo pelo qual as</p><p>histórias funcionam, mais eles desfrutarão em entende-</p><p>rão as vastas porções da Bíblia (198, p.33). As histórias</p><p>poderão transformar vidas.</p><p>46</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS</p><p>Grande parte das narrativas bíblicas são bem co-</p><p>nhecidas pelos membros das igrejas, porém, da mesma</p><p>forma as narrativas também são mal compreendidas e</p><p>mal interpretadas. Como nos alerta Kaiser, muitos se</p><p>envolvem tanto com os personagens e a trama da nar-</p><p>rativa que se esquecem de considerar qual é a mensa-</p><p>gem de Deus para a igreja contemporânea (2002, p.66).</p><p>As histórias acabam se tornando um fim em si mesma.</p><p>De igual modo, muitos se enveredam pelo erro</p><p>oposto. Os leitores projetam uma verdade moral ou es-</p><p>piritual sobre um personagem bíblico ou acontecimen-</p><p>to, se apegando mais a lição moral do que a história em</p><p>si. Kaiser segue alertando que interpretar as narrativas</p><p>de forma moralista, tirando exemplos de cada passa-</p><p>gem, destrói a unidade da mensagem da Bíblia. O pro-</p><p>pósito das narrativas não é ensinar lições morais, mas</p><p>narrar os atos de Deus na história. Pregadores poderão</p><p>por exemplo, extrais lições morais do tipo “faça como</p><p>Josué” ou “não faça como Davi”. De forma correta, po-</p><p>demos aprender aspectos positivos e negativos dessas</p><p>histórias, no entanto, não podemos forçar lições que</p><p>o próprio autor não estava preocupado. As narrativas</p><p>possuem um valor maior, de narrar os atos de Deus na</p><p>história. Quando a história é diminuída a simples lições</p><p>morais, o intérprete está sendo desonesto com o texto.</p><p>Muito frequentemente, ao estudar a Bíblia, o leitor</p><p>procura descobrir como a história da Bíblia se encaixa</p><p>em sua própria história, quando, de fato, deveria fazer</p><p>47</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS</p><p>o oposto: tentar ler o próprio mundo à luz da histó-</p><p>ria da Bíblia. Vanhoozer argumenta que as histórias da</p><p>Bíblia precisam ser entendidas como um todo, cano-</p><p>nicamente, e somente assim a Bíblia poderá ser lida</p><p>como uma história controladora, que capture por com-</p><p>pleto a imaginação de seus leitores (2022, p.148).</p><p>A grande história de Deus</p><p>Muito além de extrair lições morais de narrativas</p><p>isoladas, o intérprete precisa ter em mente que todas as</p><p>narrativas bíblicas fazem parte de uma grande história.</p><p>Na Bíblia, Deus revelou apenas uma grande história que</p><p>abrange todas as coisas. Essa única grande história,</p><p>que aqui será denominada de metanarrativa, está repar-</p><p>tida e é formada por muitas histórias menores dentro</p><p>da Bíblia. Assim, faz-se necessário que o leitor possua</p><p>a habilidade de interpretar passagens específicas da</p><p>Escritura à luz do fluxo da história da redenção.</p><p>N.T. Wright ilustrou bem a metanarrativa bíblica</p><p>comparando-a com uma grande peça de teatro de</p><p>5 atos: Criação, queda,</p><p>Israel, Jesus e a igreja (2021,</p><p>p.150). Vanhoozer também faz a mesma analogia, po-</p><p>rém, ele insere um ato final, a consumação de todas</p><p>as coisas (2022, p.148). De forma resumida o drama</p><p>de Deus é narrado da seguinte forma: No primeiro ato</p><p>48</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS</p><p>Deus cria todas as coisas e vê que tudo é muito bom,</p><p>cria o ser humano a sua imagem e semelhança e o</p><p>comissiona com o dever de cultivar a terra e se mul-</p><p>tiplicar. Deus habitava com eles todos os dias. No se-</p><p>gundo ato ocorre a queda, por causa do pecado o ser</p><p>humano é expulso da presença de Deus e não há mais</p><p>comunhão entre o homem e Deus. No terceiro ato,</p><p>Deus promete corrigir todas as coisas e inicia um gran-</p><p>de projeto de restauração por meio de Abraão e sua</p><p>descendência, escolhendo Israel como nação Santa e</p><p>sacerdócio real. No quarto ato Jesus se revela como</p><p>Deus encarnado e corrige o problema do pecado mor-</p><p>rendo na cruz e ressuscitando ao terceiro dia. No quinto</p><p>ato a igreja é formada e comissionada a anunciar o Reino</p><p>de Jesus Cristo a todos os povos da terra. No ato final,</p><p>Jesus estabelece seu reino em plenitude onde já não ha-</p><p>verá choro nem dor, todas as coisas serão restauradas.</p><p>N.T. Wright propõe que entender o drama de Deus</p><p>é fundamental para que o leitor possa interpretar as</p><p>narrativas e sua relação com elas como um tipo de</p><p>narrativa abrangente que dá sentido aos textos. “Não</p><p>se pode limitar a Bíblia por um lado a um conjunto de</p><p>verdades eternas ou a uma simples inspiração devo-</p><p>cional por outro, sem se tornar profundamente de-</p><p>sonesto com a própria escritura em nível estrutural”</p><p>(2021, p.151).</p><p>Dentro do drama de Deus, o leitor vive atualmente</p><p>no quinto ato, na era da igreja. Vivendo no quinto ato,</p><p>49</p><p>A GRANDE HISTÓRIA DE DEUS NAS NARRATIVAS</p><p>o leitor cultiva uma relação com os quatro atos ante-</p><p>riores, justamente por serem fiéis a eles como parte da</p><p>narrativa. N.T. Wright ilustra que se alguém no quinto</p><p>ato começasse a repetir as falas dos atos anteriores,</p><p>em vez de encenar o próprio ato em que se encontra,</p><p>acabaria estragando todo o espetáculo (2021, p.151).</p><p>O intérprete tem de agir de forma adequada ao momen-</p><p>to presente da narrativa; o leitor não pode pular repen-</p><p>tinamente para outra narrativa ou para outra peça.</p><p>Quando o leitor não faz nada além de tirar algumas</p><p>ideias de uma única história, sem levar em conta o con-</p><p>texto mais amplo do grande drama de Deus, pode aca-</p><p>bar perdendo o fundamento da história. O intérprete</p><p>pode correr o risco de distorcer o que o escritor gosta-</p><p>ria de dizer, concentrando-se em detalhes secundários</p><p>da história, sem levar em conta seu contexto maior.</p><p>Christopher Wright conclui dizendo:</p><p>Não leia uma história bíblica sem pensar na narrativa</p><p>mais ampla da qual ela faz parte e no lugar dela dentro</p><p>da grande história das Escrituras como um todo. Na</p><p>verdade, isso não é diferente daquilo que você já sabe</p><p>sobre a interpretação da Bíblia: Leia todos os textos</p><p>em seu contexto. A única coisa que estamos fazen-</p><p>do aqui é expandir esse pensamento de um versículo</p><p>ou uma passagem curta para as histórias bíblicas.</p><p>Faça o mesmo. Leia de maneira contextualizada</p><p>(2018, p.81).</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR:</p><p>IRRIGANDO DESERTOS</p><p>Gabriele Greggersen</p><p>Graduada em Pedagogia, mestre em</p><p>História e Filosofia da Educação, douto-</p><p>ra em História e Filosofia da Educação</p><p>e em Estudos da Tradução, pós douto-</p><p>ra em História. Membro do Conselho</p><p>Editorial do selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>52</p><p>R</p><p>ecentemente, na coleta domiciliar do IBGE, o</p><p>recenseador fez a pergunta inevitável: “Qual</p><p>é a sua profissão?”. Previamente, eu havia</p><p>dito que era pedagoga, mas a resposta po-</p><p>deria ser “professora”. Muitos professores</p><p>preferem dizer que são pedagogos, um termo mais</p><p>técnico; ou educadores, o que é mais romântico e tem</p><p>os seus méritos. Mas por que o nome professor está</p><p>tão desgastado?</p><p>É claro que um dos motivos é o sucateamento da</p><p>profissão de professor. A outra razão é que o professor</p><p>tem pouco prestígio social. Algumas pessoas dizem</p><p>que têm profissões e também são professores, como</p><p>se fosse uma categoria à parte ou de segundo escalão,</p><p>um “bico”, por assim dizer.</p><p>Se pesquisarmos mais a fundo o sentido da pa-</p><p>lavra professor, logo se nos apresenta a proximidade</p><p>com a própria palavra profissão. Ou seja, o professor é</p><p>o profissional por excelência, aquele em quem todas as</p><p>demais profissões se inspiram.</p><p>53</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS</p><p>Por isso, ser professor sem ser profissional é uma</p><p>contradição em termos. Isso tem consequências para</p><p>a multidão de professores leigos que ainda lecionam</p><p>neste vasto país, no qual os “professores profissio-</p><p>nais” muitas vezes são escassos. Essa escassez se dá</p><p>por diversos motivos, como: os locais de difícil acesso,</p><p>como a Amazônia e as comunidades ribeirinhas; as</p><p>condições sociais precárias de algumas cidades e</p><p>escolas; e o perigo de vida que alguns locais repre-</p><p>sentam por causa da violência, principalmente nas</p><p>grandes cidades.</p><p>Entretanto, mesmo esses professores e professo-</p><p>ras sem formação apropriada que se dedicam ao ofício</p><p>podem ser considerados profissionais pelo mérito de</p><p>seu empenho e dedicação nas coisas que fazem por</p><p>seus alunos. E o que eles fazem? A resposta mais ób-</p><p>via é que eles ensinam. Ensinam o quê? Teoricamen-</p><p>te ensinam o que a direção da escola, os Parâmetros</p><p>ou Diretrizes Curriculares Nacionais (PCNs e DCNs,</p><p>respectivamente) e, no caso do Ensino Fundamental e</p><p>Médio, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e</p><p>determinam que deve ser ensinado.</p><p>Quem define esses documentos, se não os buro-</p><p>cratas do Estado? C.S. Lewis escreveu em seu único</p><p>livro sobre educação, Abolição do Homem, que “a an-</p><p>tiga [educação] era uma espécie de difusão — homens</p><p>transmitindo humanidade para outros homens; a nova</p><p>não passa de propaganda” (LEWIS, 2017, p. 27).</p><p>54</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS</p><p>E essa propaganda é feita pelos manipuladores, ou</p><p>seja, aqueles que ditam os critérios de bem e de mal e,</p><p>assim, dominam o mundo, levando a sociedade para a</p><p>sua abolição ou extermínio.</p><p>Se não é mera propaganda, que humanidade é essa</p><p>que a educação deve propagar? O que é que realmente</p><p>ensina o professor quando fecha a porta da sala de aula?</p><p>Certamente é tudo aquilo que ele crê que seja humano.</p><p>Daí a outra filiação da palavra professor com o verbo</p><p>professar. O professor e a professora ensinam aquilo</p><p>que professam, consciente ou inconscientemente.</p><p>Falamos em professar mais no contexto religioso,</p><p>quando nos lembramos da confissão de fé no Credo</p><p>Apostólico, que começa com: “Creio em Deus Pai, todo</p><p>poderoso, criador do céu e da terra” (Livro de oração</p><p>comum, 2015, p. 358) e termina em “Cremos no Espí-</p><p>rito Santo, na Santa Igreja Católica1, na comunhão dos</p><p>santos, na remissão dos pecados, na ressurreição do</p><p>corpo e na vida eterna, amém” (2015, p. 359). Se os</p><p>professores se ativessem a tal profissão de fé, certa-</p><p>mente teriam muito a ganhar. Todavia, esquecemo-nos</p><p>de que toda profissão professa algo, o que é normal-</p><p>mente lembrado nas formaturas, com o juramento, os</p><p>votos e as promessas relativos a cada profissão.</p><p>Então, o professor, além de profissional por exce-</p><p>lência, é aquele que não escapa de fazer uma profissão</p><p>1 A confissão não se refere à Igreja católica romana, mas no sentido original, de</p><p>“Igreja universal”.</p><p>55</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS</p><p>de seu ofício, jurando... jurando... jurando o quê? Estes</p><p>são alguns exemplos de juramentos que um professor</p><p>poderia fazer:</p><p>• Respeitar o seu aluno, independentemente</p><p>de cor, orientação sexual, condição social,</p><p>se tem necessidades educacionais específi-</p><p>cas ou não etc.</p><p>• Preparar as suas aulas com carinho e dedi-</p><p>cação para que tudo transcorra de forma a</p><p>alcançar os objetivos traçados.</p><p>• Estipular objetivos que condizem com uma</p><p>humanidade mais justa, verdadeira e boa.</p><p>• Dar conta dos conteúdos sugeridos pela di-</p><p>reção e pelos documentos oficiais.</p><p>• Respeitar o estilo de aprendizagem</p><p>de cada</p><p>aluno, preparando aulas diversificadas que</p><p>os alcancem e facilitem seu aprendizado.</p><p>• Propor avaliações que não tenham a inten-</p><p>ção de prejudicar e que sejam mais apre-</p><p>ciativas do que punitivas e que realmente</p><p>retratem o que o aluno aprendeu e o recom-</p><p>pensem pelo seu progresso.</p><p>Todos esses juramentos e mais são fruto de uma</p><p>visão do ser humano que se quer formar. Assim, todo</p><p>56</p><p>PROFISSÃO PROFESSOR: IRRIGANDO DESERTOS</p><p>professor assume uma antropologia2 filosófica, uma</p><p>concepção de humanidade implícita nas suas ações.</p><p>Cabe ao professor que realmente vive a sua profissão</p><p>conscientizar-se dessa antropologia e perguntar-se</p><p>qual é o perfil dessa pessoa que ele pretende formar.</p><p>Só assim ele terá uma profissão de professor ade-</p><p>quada e, se ela for condizente com os princípios do</p><p>cristianismo, o resultado será ainda melhor. Pois só as-</p><p>sim ele poderá, como diz Lewis no mesmo livro, deixar</p><p>de “derrubar florestas” e passar a “irrigar desertos”.</p><p>(2017, p. 20).</p><p>2 Lembrando que antropos significa “ser humano” em grego.</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES,</p><p>PRECISAMOS DE PROFESSORES</p><p>FASCINANTES</p><p>Jorge Henrique Barro</p><p>Mestre e doutor em Teologia. Diretor</p><p>Executivo e professor da Faculdade</p><p>Teológica Sul Americana. Membro</p><p>do Conselho Editorial do selo Vida</p><p>Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>59</p><p>Professores brilhantes ensinam para uma profissão.</p><p>Professores fascinantes ensinam para a vida.</p><p>Augusto Cury</p><p>T</p><p>odo dia é dia de ensino e educação! Os países</p><p>escolhem seus dias diferentes para honrar e</p><p>celebrar seus professores, de acordo com al-</p><p>guma situação marcante. No caso do Brasil,</p><p>o dia escolhido como Dia do Professor é 15</p><p>de outubro. E por quê? A primeira lei educacional do</p><p>Brasil, Lei Geral, foi sancionada por Dom Pedro I no</p><p>dia 15 de outubro de 1827, contendo 17 artigos. Em</p><p>1947, Salomão Becker, que lecionava na escola Ginásio</p><p>Caetano de Campos, situada na Rua Augusta, em</p><p>São Paulo, teve a ideia de organizar uma confraterni-</p><p>zação entre professores e alunos, e decidiu utilizar a</p><p>data 15 de outubro como o momento oportuno para</p><p>60</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>estabelecer um dia de folga a esses profissionais tão</p><p>atarefados. Assim, em 1948, o Governador Ademar</p><p>de Barros declarou feriado escolar no Estado de São</p><p>Paulo, oficializando a celebração do professor no dia</p><p>15 de outubro. A nível federal, o Ministério da Educa-</p><p>ção, no governo do presidente João Goulart, instituiu</p><p>a semana do professor em 14 de outubro de 1963, por</p><p>meio Decreto Federal nº 52.682. Dessa forma, o dia</p><p>15 de outubro passou a ser reconhecido nacionalmen-</p><p>te como o Dia do Professor(a).</p><p>“A educação exige os maiores cuidados,</p><p>porque influi sobre toda a vida”</p><p>Sêneca</p><p>O ensino de Jesus foi exatamente assim, influia</p><p>sobre toda a vida! É impressionante o número de</p><p>vezes que a palavra mestre é mencionada nas qua-</p><p>tro narrativas do Evangelho. Conforme a tradução da</p><p>Bíblia, a palavra é escrita em maiúsculo (Mestre), em</p><p>geral, quando fizer referência exclusiva a Jesus e, para</p><p>o uso comum, em minúsculo (mestre). Duas palavras</p><p>gregas são utilizadas para a tradução “mestre” no</p><p>Novo Testamento. Nos Evangelhos, temos as seguin-</p><p>tes ocorrências:</p><p>61</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>• διδάσκαλος (didáskalos), 41 ocorrências</p><p>para referir-se a Jesus, e 9 casos do uso co-</p><p>mum para outros mestres;</p><p>• ῥαββί (rabbi), transliteração para o grego</p><p>da palavra hebraica ַר que significa (rabbi) יבִּ</p><p>“mestre”; ocorre 13 vezes nos Evangelhos,</p><p>referindo-se diretamente a Jesus.</p><p>Evangelho Jesus Outros Subtotal</p><p>Mateus 10 3 13</p><p>Marcos 12 0 12</p><p>Lucas 14 3 17</p><p>João 5 3 8</p><p>Subtotal 41 9 50</p><p>Tabela 1 – ocorrências da palavra διδάσκαλος</p><p>O ministério público foi marcado pelo ensino</p><p>(διδάσκω), como aquele que instruía seus discípulos</p><p>como também não discípulos. No livro de Mateus,</p><p>está escrito: “Quando acabou de instruir seus doze</p><p>discípulos, Jesus saiu para ensinar [...]” (11.1, grifo do</p><p>autor). Ele ensinava nas sinagogas (Marcos 1.21; 6.2),</p><p>à beira-mar (Marcos 4.4), nas aldeias circunvizinhas</p><p>(Marcos 6.6), para as multidões (Marcos 2.13), no</p><p>templo (Marcos 11.17; Lucas 19.47; 21.37; João7.14;</p><p>8.2,20) e até mesmo no sábado (Marcos 6.6; 13.10).</p><p>62</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>O ensino de Jesus provocava reações nas pessoas.</p><p>Uns “ficavam maravilhados com o seu ensino, porque</p><p>lhes ensinava como alguém que tem autoridade e não</p><p>como os mestres da lei” (Marcos 1.22), e outros se</p><p>enchiam de ira por causa do tom de seu ensino com</p><p>recorte profético (Lucas 4.28,29). Jesus também de-</p><p>monstra como o discípulo deve ter seu mestre como</p><p>espelho, sem aspirar ser maior que ele (Mateus 10.24</p><p>e Lucas 6.40).</p><p>O ministério de Jesus foi marcado por uma tríade</p><p>missional que incluía o ensino: Jesus ia passando por</p><p>todas as cidades e povoados, ensinando nas sinagogas,</p><p>pregando as boas-novas do Reino e curando todas as</p><p>enfermidades e doenças” (Mateus 9.35, grifo do autor).</p><p>Quando lemos as quatro narrativas do Evangelho, vemos</p><p>registrado tudo o que Jesus fazia (obras) e dizia (pala-</p><p>vras) (v. Lucas 24.19) essa tríade missional-ministerial.</p><p>Essa tríade é a síntese da vida e do ministério de Jesus.</p><p>Importante destacar a integralidade da missão em</p><p>pregar</p><p>en</p><p>si</p><p>nar</p><p>servir</p><p>63</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>Jesus, pois não o vemos priorizando uma ação em de-</p><p>trimento da outra. Ou seja, enquanto Jesus ensinava,</p><p>ele pregava e servia. Jesus não priorizou uma em de-</p><p>trimento da outra. Muitas pessoas perguntam qual</p><p>dessas três ênfases missionais vem primeiro. Jesus</p><p>responderia: “pergunta irrelevante”. Por quê? Porque</p><p>a missão de Deus é realizada por meio do ensino-pro-</p><p>clamação-serviço! Trata-se da missão de pregar, a mis-</p><p>são de ensinar e a missão de servir, revelando assim as</p><p>boas-novas do Reino de Deus!</p><p>O ensino é uma das agendas da missão, confor-</p><p>me nos confiou Jesus: “[...] ensinando-os a obedecer a</p><p>tudo o que eu ordenei a vocês [...]” (Mateus 28.20).</p><p>A palavra ensinando-os, no grego, é a conhecida pa-</p><p>lavra διδάσκω (didásko), que possui as seguintes</p><p>possibilidades: ensinar alguém a fim de instruir e pro-</p><p>nunciar discursos didáticos como um professor deve</p><p>fazer, ensinando, explicando ou expondo algo.</p><p>A instrução é uma condição necessária para a</p><p>missão e o discipulado. Todos os novos seguidores</p><p>de Jesus devem ser ensinados/instruídos sobre a fé e</p><p>o dever cristãos, e como obter a ajuda de Deus para</p><p>ser capacitado e, assim, agradá-lo. Essa tarefa de dis-</p><p>cipulado implica em ensinar os novos seguidores a</p><p>guardar/obedecer a todas as coisas que Jesus ordenou.</p><p>Ou seja, tudo o que Jesus ensinou e ordenou durante</p><p>os seus três anos de ministério. Jesus era (e continua</p><p>sendo) o livro-texto obrigatório dos novos estudantes</p><p>64</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>(discípulos = matetes), bem como de sua igreja. Note a</p><p>fidelidade de Lucas em relação a “tudo o que eu ensinei</p><p>a vocês”: “Em meu livro anterior, Teófilo, escrevi a res-</p><p>peito de tudo o que Jesus começou a fazer e a ensinar,</p><p>até o dia em que foi elevado aos céus, depois de ter</p><p>dado instruções por meio do Espírito Santo aos após-</p><p>tolos que havia escolhido” (Atos 1.1,2).</p><p>Veja que Lucas faz questão de mostrar que en-</p><p>tregará um livro para Teófilo (ou seja, o Evangelho)</p><p>relatando tudo o que Jesus ensinou “até ao dia em que</p><p>foi elevado aos céus”. Impressionante! Ele registra os</p><p>ensinos de Jesus até aquele último segundo que ante-</p><p>cedeu sua ascensão.</p><p>E ainda tem mais! No prólogo do Evangelho nar-</p><p>rado por Lucas, ele assim diz: “Eu mesmo investiguei</p><p>tudo cuidadosamente, desde o começo, e decidi es-</p><p>crever-te um relato ordenado, ó excelentíssimo Teó-</p><p>filo, para que tenhas a certeza das coisas que te foram</p><p>ensinadas”. (1.3,4).</p><p>Só faz isso quem tem um coração e uma preocu-</p><p>pação pastoral-missional! Aqui está um homem, cha-</p><p>mado Teófilo, que estava em dúvida se Jesus de fato</p><p>era o único</p><p>caminho. Se, de fato, ele deveria crer na</p><p>descrição do relato daqueles que foram discípulos.</p><p>O que iria trazer a Teófilo essa “certeza”? Lucas nos diz</p><p>que seria por meio de um livro – “decidi escrever-te</p><p>um relato ordenado, ó excelentíssimo Teófilo” –, e esse</p><p>65</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>livro era o próprio Jesus! Esse livro era a própria vida</p><p>de Jesus, ou seja, todas as coisas que Jesus começou a</p><p>fazer e a ensinar.</p><p>Trata-se da missão didático-pedagógica de ensi-</p><p>nar a obedecer (não apenas saber) todas as coisas que</p><p>Jesus ensinou. Ou seja, ensinar as pessoas tudo o</p><p>que está escrito a respeito de Jesus em Mateus,</p><p>Marcos, Lucas e João. Que tal?</p><p>A tarefa do ensino é árdua, imensa e desafiado-</p><p>ra. Por isso, fica a advertência do apóstolo Paulo que</p><p>“Se o seu dom é [...] ensinar, ensine” (Romanos 12.7).</p><p>Tal esforço muitas vezes implica em dores – “Meus</p><p>filhos, novamente estou sofrendo dores de parto por</p><p>sua causa [...]”, cujo alvo é “[...] até que Cristo seja for-</p><p>mado em vocês” (Gálatas 4.19).</p><p>Espero que, por meio dessa breve e singela refle-</p><p>xão, sejamos nós, professores, encorajados a manter o</p><p>foco dessa maravilhosa e abençoada missão de ensinar.</p><p>Essa missão nem sempre será reconhecida e valoriza-</p><p>da, especialmente no que diz respeito ao aspecto fi-</p><p>nanceiro, missão essa que o apóstolo Paulo disse que</p><p>“Os presbíteros que lideram bem a igreja são dignos</p><p>de dupla honra, especialmente aqueles cujo trabalho</p><p>é a pregação e o ensino” (1Timóteo 5.17). E que Deus</p><p>nos sustente nessa missão de ensinar para que, como</p><p>disse Salomão, as instruções ajudem as pessoas a “ex-</p><p>perimentar a sabedoria e a disciplina; a compreender</p><p>66</p><p>MAIS DO QUE BRILHANTES, PRECISAMOS DE PROFESSORES FASCINANTES</p><p>as palavras que dão entendimento; a viver com sensa-</p><p>tez, fazendo o que é justo, direito e correto”. Que nobre</p><p>missão é essa de ensinar para influir sobre toda a vida!</p><p>Dedico assim, com carinhos essa singela refle-</p><p>xão, aos mestres do ensino que transforma. Parabéns!</p><p>Celebre sua vocação a serviço do Reino de Deus onde</p><p>e quando você estiver!</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>Lourenço Stelio Rega</p><p>Graduado em Filosofia e Teologia, mes-</p><p>tre em Teologia e Educação, doutor em</p><p>Ciências da Religião, especialista em</p><p>Administração de Empresas (Análise</p><p>de Sistemas), especialista em Bioética.</p><p>Professor da FABAPAR e da Faculda-</p><p>de Teológica Sul Americana. Consultor</p><p>Acadêmico do selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>70</p><p>A</p><p>palavra “valor” tem sido empregada usual-</p><p>mente no campo financeiro quando nos refe-</p><p>rimos ao valor de pagamento de alguma coisa</p><p>ou algum serviço, bem como a valorização de</p><p>um bem ou patrimônio.</p><p>Mas, aqui neste artigo, a palavra “valor” tem a ver</p><p>com princípio e fundamento éticos, ponto de partida</p><p>para a tomada de decisões, para que se façam esco-</p><p>lhas. Nossa existência é permeada por escolhas, ainda</p><p>que decidamos nos abster ou isentar de um posiciona-</p><p>mento; optar por não decidir também é uma decisão.</p><p>Há decisões estéticas que estão ligadas à beleza,</p><p>à combinação de cores, ao corte de cabelo etc. Temos</p><p>nisso a noção do que seja o belo ou não. Não é esse</p><p>tipo de decisão a que me refiro, mas a decisões no</p><p>campo da ética, isto é, decisões que se referem ao cer-</p><p>to e errado em relação a algum referencial ou valor que</p><p>assumimos como legítimo e justificável. Decisões</p><p>que envolvem escolhas, portanto, não do que seja</p><p>belo ou estético, mas do que seja bem ou mal, certo ou</p><p>71</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>errado, tanto em relação à vida quanto aos relacionamen-</p><p>tos em geral, ao trato das pessoas, às atitudes, à cidada-</p><p>nia, à honestidade, à valorização do próximo, à gestão</p><p>do tempo e da saúde em seus mais variados aspectos,</p><p>entre outros.</p><p>Como ponto de partida, é necessário questionar</p><p>como vemos a vida e o mundo, qual é a nossa cosmo-</p><p>visão. Se o nosso olhar está voltado à valorização da</p><p>utilidade dos relacionamentos, ou das escolhas que</p><p>fazemos, então temos como fundamento a busca por</p><p>ações que venham a nos dar resultados. O fundamen-</p><p>to aqui é o pragmatismo (do grego πράγμα, ação) ou</p><p>mesmo o utilitarismo. Assim, só valorizaremos e legi-</p><p>timaremos as decisões e os relacionamentos que nos</p><p>deem algum retorno. Não há dúvida que resultados são</p><p>importantes, mas aqui podemos cair na busca por in-</p><p>teresse ou benefício pessoal. Amaremos alguém, uma</p><p>profissão ou um emprego se colocarmos em primeiro</p><p>lugar os benefícios que pudermos obter disso. Seremos</p><p>benéficos, bondosos ou pacientes se pudermos obter</p><p>alguma vantagem nisso. Essa visão toma um caminho</p><p>bem oposto aos ensinos de Jesus, quenos convida a</p><p>exercer o amor em condições em que nada poderemos</p><p>obter de benefício, como amar um inimigo ou quem nos</p><p>faz mal (Lucas 6.27ss). Então, a “lei do talião” – olho por</p><p>olho, dente por dente– é revogada diante dos valores</p><p>éticos ensinados por Jesus. A busca por recompensas</p><p>será natural, não a prioridade. A nossa prioridade será</p><p>seguir os valores do evangelho.</p><p>72</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>Se a nossa prioridade for baseada naquilo que ve-</p><p>nha a nos dar bem-estar e satisfação imediatos, nos-</p><p>sas decisões serão naturalmente imediatistas, sem</p><p>perspectiva de investir no futuro. É um tipo de exis-</p><p>tencialismo em que o que vale é a nossa existência no</p><p>agora. O ensinamento de Jesus de que não devemos</p><p>nos preocupar com o amanhã (cf. Mateus 6.34 e Lucas</p><p>14.28) não foi nesse sentido. Temos de construir hoje</p><p>um futuro sólido, evitando a ansiedade por um futuro</p><p>sobre o qual não teremos o controle. Posso lembrar</p><p>que muita gente se vale do «verbo» depois. Na reali-</p><p>dade, depois é um advérbio, mas quero enfatizar aqui</p><p>a ação de deixar tudo para depois e adiar as decisões</p><p>para aproveitar o máximo de sensações de cada mo-</p><p>mento. Se Deus planejou a criação do Universo de</p><p>forma sincronizada, será necessário que deixemos</p><p>de ser consumidores da realidade e assumamos o</p><p>papel de participantes de sua construção. Será ne-</p><p>cessário assumirmos uma ética consequencialista,</p><p>prudencial. Chamamos de ética teleológica (do grego</p><p>τέλος, completar, chegar ao fim), considerando quais</p><p>consequências nossas escolhas e decisões éticas pro-</p><p>duzirão. Talvez você possa perguntar qual a diferença</p><p>entre os fundamentos consequencialista e pragmáti-</p><p>co. Aqui, em nosso ensaio, o pragmático é como a “lei</p><p>de Gerson” – obter resultados que nos proporcio-</p><p>nem vantagens –, e aqui reside a colocação de minha</p><p>vontade e desejo como fontes de legitimação. A ética</p><p>73</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>consequencialista ou teleológica, neste artigo, significa</p><p>que os resultados serão considerados quando compa-</p><p>tíveis e à luz dos valores éticos do evangelho.</p><p>Poderemos também valorizar nossa imagem ou,</p><p>como se diz popularmente, como ficaremos “na fita”.</p><p>Aqui entram inúmeros exemplos, como o desejo que</p><p>as pessoas têm de parecer bem diante dos outros</p><p>e até demonstrar uma figuração que não importa se é</p><p>verdadeira ou não. Uma pessoa pode demostrar ter</p><p>títulos sem necessariamente os ter ou demonstrar</p><p>que é conhecedora de um determinado assunto sem ir</p><p>além de sua superficialidade. Ou mesmo mostrar que</p><p>possui poder ao impor argumentos persuasivos</p><p>que não são necessariamente corretos. Temos, hoje,</p><p>um claro exemplo da necessidade de viver por apa-</p><p>rências, graças à ascensão da relevância das redes so-</p><p>ciais. Postar fotos demonstrando satisfação e alegria,</p><p>não significa necessariamente que a pessoa se sinta</p><p>dessa forma, mas o importante é que os outros supo-</p><p>nham que está tudo bem. Selfies e mais selfies são re-</p><p>produzidas a todo tempo nas redes sociais, podendo</p><p>mostrar um cenário compatível com o narcisismo e o</p><p>impulso de ser aquilo que não somos. A cada dia é for-</p><p>talecida a face “Prozac” nos meios sociais e digitais.</p><p>Frequentemente, quando a realidade é colocada à</p><p>mostra, as pessoas ficam decepcionadas. Jesus nos</p><p>ensina a transparência e sinceridade, que devem ser</p><p>para nós, cristãos, um valor ético: “Seja o seu ‘sim’,</p><p>74</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>‘sim’, e</p><p>o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do</p><p>Maligno (Mateus 5.37).</p><p>Como consequência disso, ainda poderíamos</p><p>mostrar um fenômeno que hoje está ocorrendo, a era</p><p>da “pós-verdade». Não que a verdade esteja neces-</p><p>sariamente desaparecendo, é algo pior do que isso.</p><p>Na era da “pós-verdade”, não importa se algo é com-</p><p>patível com a realidade, mas o que se tornou aceitável</p><p>e propagado como verdade entre as pessoas. E, com</p><p>as redes sociais, isso é amplificado, seja porque mui-</p><p>ta gente se vê no direito de dizer o que quer – uma</p><p>equivocada democracia digital –, seja porque a disse-</p><p>minação e circulação das informações se tornou veloz.</p><p>Assim surgem as “fake news”, as opiniões infunda-</p><p>das etc., sem que haja preocupação com a busca pela</p><p>verdade. Quantos cristãos se tornam propagadores</p><p>inconsequentes de “fake news” sem se preocupar</p><p>em compreender o que é de fato compatível com a ver-</p><p>dade? O texto de Mateus 5.37 que citei acima é plena-</p><p>mente cabível aqui também.</p><p>Muitos outros fundamentos existem, esses são al-</p><p>guns exemplos que já podem nos mostrar que ter va-</p><p>lores é importante especialmente em um cenário em</p><p>que o relativismo é o padrão do mundo, cada um com</p><p>seus valores, com sua verdade. Mas, para nós, cristãos,</p><p>é necessário ter valores que sejam compatíveis com</p><p>a verdade de Deus, com a Palavra de Deus, com</p><p>os ideais do evangelho. Para isso, precisamos nos</p><p>75</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>aprofundar em estudo sério da ética e doutrina</p><p>bíblicas, refletir sobre as motivações humanas, seus</p><p>pressupostos e condicionamentos, colocando tudo</p><p>em uma mesa de aprendizagem e diálogo. Também</p><p>devemos desenvolver comunidades e igrejas orienta-</p><p>das pela verdade da Palavra de Deus, nas quais ele</p><p>seja o centro de tudo.</p><p>O valor de ter valores é isso mesmo - seguir a</p><p>verdade, custe o que custar, ajudar as pessoas a se</p><p>engajar na busca de um mundo em que nossa vida</p><p>pessoal seja pleno testemunho da verdade de Deus,</p><p>pois o mundo conhecerá Deus e seus valores por meio</p><p>de nossas escolhas, nossos atos e relacionamentos.</p><p>Este é o desafio de Atos 1.8: sermos testemunhas.</p><p>Isso é mais do que apresentar apenas o plano da sal-</p><p>vação para as pessoas. É, antes disso, mostrar a sal-</p><p>vação que recebemos por intermédio de Jesus Cristo</p><p>nas nossas decisões e atos e tornar a mensagem de</p><p>nossa vida em atrativo perfume de Deus. Saímos da</p><p>cidade nos rendendo aos pés de Jesus, e, para apren-</p><p>der o evangelho em nossa igreja, é necessário que</p><p>sejamos devolvidos para a cidade, para atuar como</p><p>embaixadores do Reino de Deus (2Coríntios 5.20) e</p><p>ser sal e luz (Mateus 5.13ss), revelando na prática os</p><p>valores do evangelho.</p><p>Termino com uma frase de John Stott: “Não pre-</p><p>cisamos indagar ‘O que há de errado com o mundo?’</p><p>76</p><p>O VALOR DE TER VALORES</p><p>Esse diagnóstico já foi dado. Em vez disso, devemos</p><p>perguntar: ‘O que aconteceu com o sal e com a luz’?”</p><p>Originalmente publicado em O Jornal Batista, 10/04/2022, p. 15.</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A</p><p>COMUNICAÇÃO NUM MUNDO</p><p>PÓS-MODERNO</p><p>Magno Paganelli</p><p>Jornalista com formação em publicidade,</p><p>licenciado em pedagogia, mestre em</p><p>Ciências da Religião e doutor em História</p><p>Social. Professor da Faculdade Evangélica</p><p>de São Paulo (FAESP). Membro do Conse-</p><p>lho Editorial do selo Vida Acadêmica.</p><p>SOBRE O AUTOR</p><p>79</p><p>A</p><p>percepção de professores e demais comunica-</p><p>dores de que os nossos ouvintes pertencem a</p><p>uma geração cuja linguagem e base epistemo-</p><p>lógica são radicalmente diferentes das nossas</p><p>assustou a muitos nos últimos anos, especial-</p><p>mente no período de isolamento social causado pela</p><p>pandemia. Além do meio, a “mídia” digital da Internet,</p><p>que, em si, provocou estranheza para a interação, a</p><p>mensagem e a linguagem em que ela é transmitida im-</p><p>pôs barreiras para serem superadas. Para tornar isso</p><p>aparente, olhemos mais detidamente os pontos a seguir.</p><p>Na pós-modernidade existe farta</p><p>abertura para a espiritualidade</p><p>O ser humano é um ser espiritual: “Mas é o</p><p>espírito dentro do homem que lhe dá entendimento;</p><p>o sopro do Todo-poderoso”. (Jó 32.8. RC: “Na verdade,</p><p>há um espírito no ser humano pessoa, e a inspiração</p><p>80</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>do Todo-poderoso os faz entendidos”). “[...] Também</p><p>pôs no coração do ser humano o anseio pela eternida-</p><p>de [...]” (Eclesiastes 3.11). Na Modernidade, a razão e</p><p>o conhecimento científico eram exaltados, admitia-se</p><p>aquilo que poderia ser provado.</p><p>“Antigamente, o que estava sendo dito não era ques-</p><p>tionado. [Galileu] questionou o saber constituído e</p><p>criou a cultura moderna [...] em que a verdade não</p><p>é questão de autoridade, mas de comprovação. Nasce</p><p>com esta atitude de Galileu o ser humano moderno,</p><p>que pode ser mostrado assim: não é o que a Igreja</p><p>diz, o que Aristóteles (cuja autoridade era indiscutí-</p><p>vel) diz, mas o que se pode provar” (FILHO, 2009).</p><p>Com isso, esfriou-se a convicção em relação aos</p><p>postulados da religião e da fé e houve descrença na</p><p>Palavra de Deus associada às “promessas não cumpri-</p><p>das” feitas por setores da cristandade.</p><p>Já na pós-modernidade, há uma renovada explo-</p><p>são de espiritualidade. O ser humano, sufocado pelo</p><p>racionalismo, enfrentou duas Grandes Guerras e a</p><p>Modernidade, e, mesmo assim, o avanço tecnológico,</p><p>bem como as promessas da Ciência, não melhoraram</p><p>a vida das pessoas. Hoje, até as grandes corporações</p><p>investem em espiritualidade, e livros sobre o tema</p><p>se tornam best-sellers, muitas vezes exaltando diferen-</p><p>tes qualidade de Jesus.</p><p>81</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>Os absolutos</p><p>Na pós-modernidade não há absolutos. O que é</p><p>verdade/absoluto para uns pode não ser para outros,</p><p>mas isso é meramente discurso desconstrutivista.</p><p>Não corresponde à verdade, pois:</p><p>a) Todos lutamos por um mundo melhor (se não</p><p>há absolutos, o que seria esse mundo melhor?);</p><p>b) Experimente agredir alguém e receberá uma</p><p>reação igualmente agressiva (mas, se não há</p><p>absolutos, o que é agressão para um, pode</p><p>não ser para outro!);</p><p>c) Fiodor Dostoievski (1821-1881) chegou a con-</p><p>cluir a indagação de que, se Deus está morto,</p><p>então tudo é permitido. Vamos roubar e matar</p><p>à vontade? Não, porque de fato ainda há ab-</p><p>solutos e as pessoas aceitam isso. Boa parte</p><p>da população (se não toda ela) concorda com</p><p>esses absolutos, entre os quais roubar, matar</p><p>e provocar violência não é algo desejável.</p><p>O conteúdo essencial da Bíblia é supra cultural,</p><p>embora revele traços profundos de determinadas</p><p>culturas e épocas. A sua aplicação cabe a qualquer</p><p>grupo, de modo que qualquer distinção social, étnica,</p><p>82</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO PÓS-MODERNO</p><p>econômica ou outra não seja impeditiva, pois os prin-</p><p>cípios revelados não são a minha verdade, nem a ver-</p><p>dade da verificação científica, mas a verdade perma-</p><p>nente de Deus; não é a verdade de uma instituição</p><p>que importa, mas os princípios eternos do Criador, que</p><p>precisam ser conhecidos, cridos e adotados.</p><p>O historiador Arnold Toynbee buscou expli-</p><p>car que alguns dos nossos especialistas-sacerdotes</p><p>são chamados de psiquiatras, outros de psicólogos,</p><p>de sociólogos ou de estatísticos. Chamam pecado de</p><p>“desvio social”, que é um conceito estatístico, e chamam</p><p>o mal de “psicopatologia”, que é um conceito médico.</p><p>Isso significa dizer que os problemas do homem, con-</p><p>forme apontados pela Escritura, permanecem atuais,</p><p>mas foram sensivelmente alterados por um recurso</p><p>retórico para se parecerem outros e novos problemas.</p><p>Educadores e palestrantes que precisam comuni-</p><p>car valores a essa geração e querem obter êxito nisso</p><p>devem enfatizar dois conceitos fortemente atacados:</p><p>a moralidade e a verdade. Martinho Lutero entendeu</p><p>que a prova definitiva do pecador é que ele não conhe-</p><p>ce seu próprio pecado e a nossa tarefa será levá-lo a</p><p>ver essa realidade. Proclamar a o evangelho de Jesus</p><p>Cristo leva à convicção do pecado, o que facilita a pos-</p><p>sibilidade de uma decisão por mudanças e melhorias</p><p>individuais e sociais.</p><p>83</p><p>PONTOS DE CONTATO PARA A COMUNICAÇÃO NUM MUNDO</p>