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<p>"7º MAR" RPG UM OFERECIMENTO DE JOHN WICK E NEW ORDER EDITORA</p><p>BASEADO EM "7TH SEA, FIRST EDITION"</p><p>CRIADO POR JENNIFER MAHR E JOHN WICK</p><p>ARTE</p><p>DE GIORGIO BARONI MANUEL CASTAÑÓN GUERRERO EL TIO DRAKE SHEN FEI YOUNG YI LEE DIEGO RODRIGUEZ</p><p>DESIGNER E AUTOR</p><p>PRINCIPAL JOHN WICK DIRETOR DE</p><p>PROJETO MARK DIAZ TRUMAN DESIGN DE</p><p>REGRAS MICHAEL CURRY E ROB JUSTICE</p><p>PREPARAÇÃO BRENDAN CONWAY SALLY CHRISTENSEN AMANDA VALENTINE PROJETO GRÁFICO THOMAS DEENY</p><p>BETH SOBEL MEAGAN TROTT ARABESCOS DOS BRASÕES</p><p>INSPIRADOS NA ARTE DE SYRYA' PROJETO CARTOGRÁFICO</p><p>E MAPA MARK RICHARDSON MAPAS</p><p>ADICIONAIS STENTOR DANIELSON</p><p>ASSISTÊNCIA TARA ZUBER ANDRÉ LA ROCHE J. DERRICK KAPCHINSKY</p><p>DIREÇÃO DE</p><p>ARTE MARISSA KELLY ESCRITORES</p><p>COADJUVANTES MICHAEL CURRY JESSE HEINIG ROB JUSTICE MARK DIAZ TRUMAN</p><p>REVISÃO DE</p><p>PROVAS SHELLEY HARLAN J. DERRICK KAPCHINSKY CARRIE ULRICH AMANDA VALENTINE</p><p>DIAGRAMAÇÃO THOMAS DEENY HAL MANGOLD GUILHERME NASCIMENTOTRADUÇÃO MARIA DO CARMO ZANINI</p><p>VERSÃO BRASILEIRA LICENCIADA E PRODUZIDA POR NEW ORDER EDITORA</p><p>EDITORES</p><p>CHEFES</p><p>TRADUÇÃOALEXANDRE MANJUBA E ANESIO VARGAS MARIA DO CARMO ZANINI</p><p>DIAGRAMAÇÃO FÁBIO SILVA E GUILHERME NASCIMENTO VIA GEEK TRANSLATE</p><p>REVISÃO E</p><p>COTEJO ALEXANDRE MANJUBA ANESIO VARGAS CAIO CALVIM DOMINGUES CÁSSIO FERNANDES DAN CRUZ</p><p>ERIK DIEGO FÁBIO SILVA GLAUCO LESSA HEYDER ALMEIDA HUGO REBONATO JOÃO TRINDADE</p><p>KHERIAN GRACHER LUCAS LOPES PEDRO CÉSAR STEFANE SOLER TACIO ARIEL TULIO LOURES</p><p>Dados internacionais de catalogação na publicação</p><p>Bibliotecário responsável: Cristiano Motta Antunes CRB14/1194</p><p>W636s</p><p>Wick, John</p><p>7º Mar / John Wick ; tradução de Maria do Carmo</p><p>Zanine. – Rio de Janeiro : New Order, 2017.</p><p>316 p. : il., color.</p><p>Tradução de: 7th Sea.</p><p>ISBN: 978-85-68458-25-9</p><p>1. Jogos de fantasia. 2. Jogos de aventura. 3.</p><p>“Roleplaying games”. I. Título.</p><p>CDD – 793.93</p><p>CDU - 794:792.028</p><p>COLABORADORES DA 1ª EDIÇÃO NOS EUA</p><p>Este livro contém traduções de textos ligeiramente modificados de “7th Sea 1st Edition”.</p><p>Marcelo Figueroa, Patrick Kapera, Jennifer Mahr, Jim Pinto, Ree Soesbee, Rob Vaux, Dave Williams, Kevin Wilson</p><p>JOGADORES DA FASE DE TESTES</p><p>A Tripulação da Serendipidade</p><p>Brandon Stapleton, Rob Helton, Justin Kreft, Logan Burke</p><p>Os Cavaleiros da Música</p><p>Andrew Peregrine, James Holman, Mark Welham,</p><p>Kat Welham, Simon Hornby</p><p>Cavaleiros Etéreos de Challis</p><p>Declan Feeney, Matthew Grant, Remi Fayomi, Richard Lowe</p><p>Os Heróis de “Viver pela Espada”</p><p>Artemis Knight, Jeremy Elder, Bryan Bowman, Eric Husemann</p><p>A Tripulação da Luminar</p><p>Steven Skidmore, Mike McMullan, Chris Colbath</p><p>Os Heróis das Lendas</p><p>Brett Zeiler, Elisha Zeiler, Darryl Loyd, Robin Arnall,</p><p>Zachary Gourley</p><p>Antro de Piratas Canalhas, Errantes e Excêntricos</p><p>Nick Burtner, Casey DiFabbio, Holly Butterfield,</p><p>Dylan Smith, Brandon Coleman, Kimberly Coleman</p><p>Náufragos</p><p>Anne Gegg, Joshua Gegg, Kathryn Sian DeWitt,</p><p>Dominque Corneau, Curt Moore</p><p>O Artifício do Gato</p><p>Fabien Badilla, Jessica Kauspedas, Ryan Moore, JB Todd,</p><p>Dan Waszkiewicz, Ben Woerner</p><p>La Esperanza azuL</p><p>J. Derrick Kapchinsky, Marissa Kelly, Justin Rogers,</p><p>Katherine Fackrell</p><p>Os Aventureiros de Cascádia</p><p>Jess L. Allen, Jordan Bouray, Danielle M. Harada,</p><p>Katie Kemker, Kevin C. Krupp, A/C Witheren</p><p>AGRADECIMENTOS ESPECIAIS</p><p>Rob Justice gostaria de agradecer a Nicole, sua esposa, por encorajar e apoiar seu sonho de escrever RPGs. A Sophia, sua</p><p>primogênita, por ser sua maior fã e defensora mais entusiástica. A Eleanor, a caçula, por ser uma fonte constante de alegria</p><p>em sua vida. A Mike, seu amigo, por topar criar com ele, em 2008, o podcast que acabaria envolvendo os dois com este livro.</p><p>A Tony Todd, o ator que interpretava o vilão da série de filmes Candyman. Por quê? É só perguntar ao Mike. Ele sabe por quê.</p><p>E, por fim, à tripulação de 7oMar, presente edição, por trazê-lo a bordo para esta viagem histórica.</p><p>Mike Curry gostaria de agradecer à sua mãe, Robin, por sempre ter estimulado seu interesse pela escrita. A seu amigo Rob J,</p><p>por ajudar a expandir seus horizontes no mundo dos RPGs e mecanismos de jogo. A John, por lhe dar a oportunidade de se</p><p>dedicar a uma carreira à qual vários de seus amigos se referem como “um sonho realizado”. A seus amigos mais antigos: Rob</p><p>H, Justin e Brandon, por todos os anos de tortura emocional e dramática em volta de uma mesa de RPG. E, por último, mas</p><p>não menos importante, aos fãs de 7oMar, por demonstrar tamanha paixão por um projeto a ponto de tornar tudo isto possível.</p><p>John Wick agradece a MDT por confiar nele. A Mike e Rob, que fizeram sua insanidade funcionar no papel. Jess Heinig é o</p><p>responsável pela criação de Hexenwerk e Sandėris (agradeçam assim que botarem os olhos nele). A Marissa e aos artistas</p><p>que deram vida a Théah. E para Jessica: Rah. John adora todos vocês.</p><p>E, por último, um grande OBRIGADO aos 11.483 apoiadores do Kickstarter que possibilitaram tudo isto.</p><p>COPYRIGHT</p><p>7th Sea e todas as marcas relacionadas são © e ™ 2016 John Wick Presents. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte</p><p>desta obra pode ser reproduzida sem a permissão expressa do autor. Esta é uma obra de ficção. Todos os personagens e</p><p>lugares são obras da imaginação.</p><p>Sumário</p><p>Ossos do Ofício 4</p><p>Capítulo 1: Bem-vindos ao 7° Mar 14</p><p>Capítulo 2: Théah 20</p><p>Avalon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24</p><p>Castilha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29</p><p>Comunidade Sermática . . . . . . . . . . . . . . . . . 35</p><p>Eisen. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 43</p><p>Inismore . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52</p><p>Montaigne . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58</p><p>Terras Altas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68</p><p>Ussura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73</p><p>Vestenmennavenjar . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81</p><p>Vodacce. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 88</p><p>Os Sete Mares . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 97</p><p>As Cortes de Théah . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98</p><p>A Guilda dos Duelistas . . . . . . . . . . . . . . . . . 99</p><p>A Igreja Vaticinista dos Profetas. . . . . . . . . . . 101</p><p>Conhecimento. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 108</p><p>Piratas e Corsários . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 110</p><p>Sociedades Secretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 113</p><p>Ruínas de Syrneth em Théah . . . . . . . . . . . . . 114</p><p>Monstros de Théah. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116</p><p>Capítulo 3: Criação de um Herói 118</p><p>Heróis Teanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 120</p><p>Avalon . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121</p><p>Inismore . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 122</p><p>as Terras Altas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 123</p><p>Castilha . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 124</p><p>Eisen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126</p><p>Montaigne. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 126</p><p>A Comunidade Sarmática . . . . . . . . . . . . . . 129</p><p>Ussura . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 131</p><p>Vestenmennavenjar . . . . . . . . . . . . . . . . . 132</p><p>Vodacce . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134</p><p>Criação de Heróis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 135</p><p>Passo 0: Conceito . . . . . . . . . . . . . . . . . . 136</p><p>Passo 1: Atributos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 139</p><p>Passo 2: Bônus da Nação . . . . . . . . . . . . . . 139</p><p>Passo 3: Formações . . . . . . . . . . . . . . . . . 139</p><p>Passo 4: Perícias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 148</p><p>Passo 5: Vantagens. . . . . . . . . . . . . . . . . . 150</p><p>Passo 6: Arcanos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 158</p><p>Passo 7: Histórias . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161</p><p>Passo 8:</p><p>olhos</p><p>azuis e cabelos ruivos —, mas há exceções em toda</p><p>parte. O mais importante é que os teanos não as veem</p><p>como exceções. Você nasceu e foi criado em Inismore?</p><p>Então é inismorita. Nasceu e cresceu em Ussura? Então</p><p>é ussurana.</p><p>Théah está longe de ser um cadinho cultural, mas</p><p>gerações e gerações de pessoas descendentes de povos</p><p>de terras distantes viveram e ainda vivem em seus países.</p><p>É possível encontrar todos os tons de pele em todas</p><p>as nações.</p><p>As Nações</p><p>Théah é formada por várias nações, e cada uma delas</p><p>tem caráter e personalidade próprios. O conceito</p><p>de “nação” é uma novidade que só surgiu em Théah</p><p>no último século. A identidade nacional também</p><p>começou a se disseminar entre as pessoas, fazendo</p><p>da cultura mais que uma mera expressão dos gostos</p><p>particulares de um monarca.</p><p>THÉAH</p><p>ç</p><p>24 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>“Neste país, a imortalidade é real.</p><p>Crie uma história para si e você viverá para sempre.”</p><p>— Jeremiah Berek</p><p>Ao norte e oeste da Théah continental ficam as Ilhas</p><p>do Glamour, os Reinos Unidos de Avalon. Três coroas</p><p>ligadas por um mesmo destino e dever, Avalon é um</p><p>lugar misterioso e de realidade fantástica. Quem visita</p><p>as ilhas jamais se esquece do orvalho que faz a relva</p><p>cintilar feito esmeralda, das nuvens brancas como</p><p>algodão que se estendem pelo céu azul-cobalto e das</p><p>florestas altas, escuras e ameaçadoras.</p><p>Os visitantes dão a entender que Avalon poderia muito</p><p>bem ser um conto de fadas que ganhou vida. Quando</p><p>questionados, os avalonianos sorriem, dão uma piscadela</p><p>e não nos deixam esquecer que não é bom andar sozinho à</p><p>noite... não sem uma cruz de ferro como pingente ou sem</p><p>um trevo de quatro folhas no bolso.</p><p>O que os teanos chamam coloquialmente de “Avalon”</p><p>se trata, na verdade, de três reinos: Avalon, Inismore</p><p>e as Terras Altas ou Terras Altas. Cada ilha tem suas</p><p>peculiaridades. Avalon propriamente dita não é lá</p><p>muito montanhosa, mas tem seus mares de morros,</p><p>bocainas, charnecas e brejos. As ilhas recebem uma boa</p><p>quantidade de precipitação, e a chuva intensa e o clima</p><p>ameno permitem boas colheitas. As manhãs e tardinhas</p><p>de Avalon sempre se cobrem com um nevoeiro denso</p><p>que perdura durante toda a noite, uma cerração que nem</p><p>sequer as geladas brisas oceânicas conseguem dissipar.</p><p>A ilha principal e capital dos três reinos é Avalon,</p><p>governada pela rainha Elaine, guardiã do Santo Graal.</p><p>Tanto Inismore quanto as Terras Altas juraram lealdade</p><p>à sua coroa.</p><p>Mas os seres humanos não são os únicos habitantes de</p><p>Avalon. Os sidhe (CHI), uma raça antiga e poderosa,</p><p>também moram lá. Tempos atrás, os sidhe fizeram um</p><p>sacrifício para conceder aos habitantes das ilhas a magia</p><p>do Glamour: a faculdade de conjurar o poder das lendas.</p><p>Tanto os seres humanos quanto os sidhe têm esse poder,</p><p>mas só quando fazem um voto sagrado de proteger Avalon</p><p>de inimigos internos e externos.</p><p>Tecnicamente, os reinos insulares estão unidos, mas</p><p>persistem as tensões políticas. Durante séculos, os</p><p>monarcas de Avalon exploraram Inismore e as Terras</p><p>Altas, subjugando o povo sob o ferro de suas botas. Mas</p><p>aí, do caos da guerra civil, surgiu Elaine, portando o Graal.</p><p>Mas como ela o obteve? Quem o entregou a ela? E será que</p><p>ela realmente é digna de portar o Graal e usar a coroa? Só</p><p>o tempo dirá.</p><p>Por outro lado, o rei de Inismore, Jack O’Bannon, talvez</p><p>seja um semideus imortal ou um louco. Talvez as duas</p><p>coisas. Ele jurou ser leal a Elaine enquanto ela continuar</p><p>fiel a Avalon. E, no norte, o rei das Terras Altas, James</p><p>MacDuff, também jurou lealdade a Elaine, mas muita</p><p>gente se pergunta se ele não vem colocando seus próprios</p><p>desejos acima dos interesses de seu povo.</p><p>Avalon</p><p>Avalon</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 25</p><p>ç</p><p>Cultura</p><p>Em nenhum outro país a nobreza mantém uma</p><p>proximidade tão grande com as pessoas comuns</p><p>quanto em Avalon. Elaine costuma passear a cavalo</p><p>pelos campos, detendo-se nos vilarejos e nas aldeias,</p><p>onde se diz que o mero contato de suas mãos brancas</p><p>e imaculadas é capaz de curar qualquer doença. As</p><p>pessoas conhecem, identificam e amam sua rainha. Da</p><p>mesma maneira, os nobres bons e imaculados podem</p><p>esperar grande devoção e lealdade de seus súditos.</p><p>Por outro lado, o nobre que se revelar um vilão cruel</p><p>sentirá de longe o ódio de seus vassalos.</p><p>A estrutura social de Avalon — campesinato, clero e</p><p>nobreza — é quase idêntica à do resto de Théah, mas duas</p><p>novas classes — a dos mercadores e a dos marinheiros — se</p><p>imiscuíram recentemente na hierarquia.</p><p>Nos últimos dois séculos, as guildas mercantis fizeram</p><p>grande fortuna em Avalon, mas, como dirá qualquer</p><p>acadêmico teano, de nada vale o dinheiro sem a propriedade</p><p>da terra. Sabendo disso, os mercadores procuraram a nobreza</p><p>que tinha terras, mas pouco dinheiro nas mãos, para fazer</p><p>um acordo. A nobreza trocou títulos e terras por dinheiro,</p><p>inserindo a classe mercantil nos escalões intermediários da</p><p>hierarquia social.</p><p>O segundo novo patamar na pirâmide social de Avalon só</p><p>encontrou seu lugar recentemente. Quando Elaine assumiu</p><p>o trono, a necessidade de ter uma Marinha foi mais forte que</p><p>as formalidades. Ela anunciou que todos que navegassem sob</p><p>a bandeira avaloniana seriam nomeados “nobres navegadores”,</p><p>um título equivalente ao de um cavaleiro de Avalon. Além</p><p>dessa honraria, todos os nobres navegadores ficam com uma</p><p>porcentagem do saque adquirido sob a bandeira avaloniana,</p><p>não importando como esse saque tenha sido obtido. Nem</p><p>é preciso dizer que a Marinha de Avalon não demorou a</p><p>superar todas as metas ambiciosas de Elaine.</p><p>Nomes</p><p>Durante a ocupação montenha de Avalon, ninguém falava</p><p>a língua aborígene da ilha, o cymru (KIM-ri). As palavras</p><p>e os nomes avalonianos foram substituídos por equivalentes</p><p>montenhos. “Dyffd” virou “David,” “Ieuan” virou “Ian” e</p><p>“Gwillim”, “William.” Até mesmo a comida mudou de nome:</p><p>a carne bovina passou a ser tratada por “boif ”, a suína por</p><p>“pork”, e a carne de gamo passou a se chamar “venison”.</p><p>A nostalgia é grande em Avalon desde que Elaine subiu</p><p>ao trono, e as mudanças no idioma são as que mais</p><p>refletem esse saudosismo. Homens e mulheres estão</p><p>revertendo seus nomes para as versões mais tradicionais e as</p><p>crianças são batizadas com os nomes dos grandes heróis da</p><p>história de Avalon.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Aidan, Alan, Bran,</p><p>Dwyer, Edward, Finn, Harold, Jerome, Keith, Liam, Luke,</p><p>Malcolm, Michael, Morgan, Ossian, Quinn, Richard,</p><p>Shawn, Thomas, Walter</p><p>Nomes Femininos Comuns: Aileen, Alison, Bridgit,</p><p>Caroline, Denise, Elaine, Grace, Helen, Jane, Karen, Leila,</p><p>Maeve, Mary, Pamela, Sabbina, Sybil, Teresa, Veronica</p><p>Vestuário</p><p>Espera-se que um camponês vista calças simples,</p><p>camisa, cinto e chapéu. Presa ao cinto vai uma bolsa</p><p>com as ferramentas que o camponês ou artesão queira</p><p>levar consigo, entre as quais sempre há uma faca.</p><p>Os sapatos têm solado macio e são feitos de couro.</p><p>Calças e camisas são feitas de lã e às vezes levam por</p><p>cima uma bata</p><p>mais pesada, um</p><p>avental de couro</p><p>ou, se estiver</p><p>ao alcance do</p><p>camponês, uma</p><p>boa túnica.</p><p>O chapéu</p><p>ç</p><p>26 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>geralmente tem abas largas e uma delas vai presa à</p><p>copa por um alfinete. Os avalonianos costumam</p><p>cultivar bigodes finos e barbas ralas e deixam crescer</p><p>os cabelos. Não são muitos os que usam maquiagem</p><p>e perucas, e aqueles que o fazem são conside-</p><p>rados efeminados.</p><p>Os marinheiros avalonianos introduziram uma</p><p>inovação na indumentária: os “bolsos”. São algibeiras</p><p>costuradas por dentro das calças que livram o cinto</p><p>do marinheiro de ferramentas que, penduradas ali,</p><p>poderiam se enroscar no cordame. Os marinheiros</p><p>costumam andar descalços e preferem a bata à túnica.</p><p>Tanto as calças quanto a bata são feitas quase sempre</p><p>de lona.</p><p>As mulheres geralmente usam duas saias (uma delas</p><p>presa sob o cinto), uma blusa de lã, corpete justo e chapéu.</p><p>Os cabelos das mulheres são mantidos sob o chapéu,</p><p>quando elas são casadas, ou em tranças, quando solteiras.</p><p>Moeda</p><p>A economia de Avalon tem como base a libra esterlina (“£”).</p><p>Cada libra se divide em</p><p>vinte shillings (“s”). Todo dinheiro</p><p>avaloniano se apresenta em forma de moedas, embora os</p><p>bancos já usem notas de papel para transações de grande</p><p>valor. Elaine aceitou introduzir o guilder vestenês em sua</p><p>economia — malgrado a vontade de seus conselheiros —</p><p>para manter boas relações com o vizinho oriental. Nos</p><p>últimos anos, o guilder vem ganhando terreno de pouco</p><p>em pouco, tornando-se quase tão comum quanto a moeda</p><p>de Avalon.</p><p>Costumes</p><p>Os avalonianos são famosos por sua hospitalidade,</p><p>porém ainda mais por suas superstições. Longe das</p><p>universidades castilhanas, é fácil para os avalonianos</p><p>zombar das “provas científicas”, pois escutam o lamento</p><p>da banesidhe ecoar sobre as colinas. Os avalonianos se</p><p>aferram às suas superstições, pois sabem que o menor</p><p>deslize pode lhes custar muito caro. Toda vez que o</p><p>sal é derramado, eles jogam uma pitada por cima do</p><p>ombro. Os pais penduram uma tesoura de ferro sobre</p><p>o berço dos recém-nascidos. Sempre fecham muito</p><p>bem as janelas antes do sol se pôr, cobrem a boca ao</p><p>bocejar e nunca deixam de levar um penny de cobre</p><p>dentro do salto do sapato esquerdo.</p><p>Todas essas crenças derivam da relação concreta de Avalon</p><p>com o Bom Povo, os sidhe. Os sidhe são semelhantes a</p><p>uma tempestade de verão: belos, terríveis, coléricos e livres</p><p>de culpa. Com esse tipo de poder vagando por Avalon</p><p>e exigindo respeito, é fácil ver por que os avalonianos</p><p>são tão educados com os desconhecidos: nunca se sabe</p><p>quando alguém vai topar com um nobre sidhe disfarçado e</p><p>disposto a transformar em árvore qualquer um que venha a</p><p>ameaçá-lo ou tratá-lo de maneira desrespeitosa.</p><p>Arte e Música</p><p>Os avalonianos adoram cantar e contar histórias.</p><p>Nos últimos quatrocentos anos, a Igreja reprimiu</p><p>a religião nativa. Em vez de desaparecer, porém, as</p><p>crenças e tradições se transformaram em baladas e</p><p>contos populares. Deuses antigos viraram reis, heróis</p><p>tornaram-se cavaleiros, vilões transformaram-se em</p><p>monstros e ritos antigos do plantio e da colheita, em</p><p>danças. As tradições podem ter perdido uma parte de</p><p>seu significado, mas ainda estão presentes para quem</p><p>se dispõe a procurá-las.</p><p>Existem padrões nas histórias narradas pelas cantigas,</p><p>e quem conhece esses padrões geralmente consegue</p><p>acompanhar o estribilho, mesmo que nunca tenha ouvido</p><p>a canção antes. As melodias sempre parecem familiares e</p><p>levam as pessoas marcar o ritmo com os pés. As canções</p><p>são obscenas e desregradas, falam de donzelas que, de bom</p><p>grado, abrem mão da virtude, como se esta fosse um peso, e de</p><p>rapazes que confiam nessas moças e acabam desgostosos. As</p><p>cantigas lembram os autos moralistas, mas, nas entrelinhas,</p><p>o intérprete parece rir da moral que prega. É uma dicotomia</p><p>estranha que torna ímpar a música popular avaloniana.</p><p>Religião</p><p>As políticas públicas de Elaine levaram ao</p><p>ressurgimento das Tradições nos lares avalonianos,</p><p>uma tendência que a rainha parece feliz em ver</p><p>florescer. “Ignoramos o Bom Povo há demasiado</p><p>tempo”, ela disse. “Vamos convidá-los a voltar ao nosso</p><p>país de braços e corações abertos.” Apesar da reforma</p><p>religiosa de Elaine, os fiéis avalonianos ainda estão</p><p>apreensivos. Os tradicionalistas tentam completar a</p><p>transformação de Avalon, removendo inteiramente</p><p>a influência da Igreja, ao passo que a Igreja procura</p><p>fazer a mesma coisa com seus colegas tradicionalistas.</p><p>Muitos vaticinistas leais abandonaram Avalon, mas</p><p>restam alguns fiéis. As universidades da Igreja também</p><p>permaneceram. Elaine ofereceu aos acadêmicos a</p><p>oportunidade de ficar, garantindo-lhes que ela não tinha</p><p>a intenção de monitorar cada um de seus passos como</p><p>a Inquisição vinha fazendo havia anos. Os estudiosos</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 27</p><p>ç</p><p>concordaram e quase todos eles hoje são seguidores devotos</p><p>da Igreja de Avalon.</p><p>Governo</p><p>O governo avaloniano começa com a rainha. Sua</p><p>soberania é quase absoluta, a não ser pelo Parlamento,</p><p>que só pode se reunir com a permissão da monarca.</p><p>Os parlamentares representam as diversas regiões</p><p>da ilha.</p><p>A rainha não pode declarar guerra sem a permissão do</p><p>Parlamento. Ela também precisa da permissão deles para</p><p>aprovar algumas leis. Sendo essa a sua vontade, a rainha</p><p>convoca o Parlamento, apresenta sua proposta e pede que</p><p>os representantes votem.</p><p>Apesar de o Parlamento só poder se reunir com a permissão</p><p>da rainha, seus membros ainda se encontram informalmente,</p><p>desde que essas conferências não reúnam representantes</p><p>suficientes para uma votação. Elaine permite essa brecha,</p><p>chegando até mesmo a fazer vista grossa quando necessário.</p><p>Ela entende que a nobreza de Avalon detém um bocado</p><p>de poder e não tem vontade alguma de enfurecer essa</p><p>camada social. Do mesmo modo, uma parte significativa</p><p>do Parlamento respeita a autoridade da rainha — que se</p><p>fundamenta na posse do Graal — e a mantém no poder.</p><p>Forças Armadas</p><p>Uma das primeiras preocupações de Elaine ao subir</p><p>ao trono foi reconstruir as forças armadas de Avalon.</p><p>Anos de guerra civil haviam diluído seus exércitos,</p><p>deixando a ilha vulnerável a invasões. Em vez de</p><p>recrutar os jovens avalonianos para derramar seu</p><p>sangue pela Nação, ela procurou a corte e ordenou</p><p>que construíssem navios. “Se tivermos a Marinha mais</p><p>poderosa do mundo, não precisaremos temer exército</p><p>algum.” Além disso, ela prometeu que todo nobre que</p><p>contribuísse com uma nau à sua Marinha ficaria com</p><p>uma parte do lucro que a embarcação angariasse. Nem</p><p>é preciso dizer que a nobreza acossada de Avalon</p><p>agarrou a oportunidade de renovar suas fontes de</p><p>renda. Construíram a nova frota avaloniana em</p><p>tempo recorde.</p><p>Garantida a segurança das costas avalonianas, Elaine</p><p>voltou sua atenção para o interior. Mandou mensageiros</p><p>a Eisen, instando os líderes guerreiros e sem terra</p><p>de lá a vir para Avalon e ensinar sua gente a lutar.</p><p>Muitos aisenianos eram orgulhosos (ou supersticiosos)</p><p>demais para ir à “Ilha do Glamour” e servir uma</p><p>coroa estrangeira, mas alguns objecionistas não viram</p><p>ç</p><p>28 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>problema algum em abandonar seu país devastado</p><p>pela guerra e recomeçar em outro lugar. Ela estendeu o</p><p>convite aos guerreiros altivos de Numa e, em menos de</p><p>um ano, rostos inusitados agraciaram as costas de Avalon</p><p>pela primeira vez. De pele escura e costumes estranhos,</p><p>eles enfrentaram dificuldades para viver em Avalon no</p><p>começo, mas, passados alguns anos, foram acolhidos</p><p>como todo mundo.</p><p>Com os aisenianos e numanari no país, ela ordenou o</p><p>desmantelamento de todos os exércitos permanentes de</p><p>Avalon, tirando das mãos da nobreza a possibilidade de um</p><p>golpe militar. O único exército permanente em Avalon seria</p><p>o dela, mas a nobreza poderia manter pequenas guarnições</p><p>— dez a vinte soldados — para proteger suas propriedades</p><p>rurais. Quando os nobres reclamaram, ela voltou a lhes</p><p>garantir que, com uma Marinha forte, não havia a necessidade</p><p>de manter um Exército. Ela também afirmou que o tesouro</p><p>real conseguiria manter um Exército ou uma Marinha, mas</p><p>não ambos. Diante da opção de perder os lucros que a frota</p><p>trazia para Avalon, a nobreza logo desistiu de argumentar.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Se quiser entender o que os avalonianos pensam de outros</p><p>teanos, o melhor a fazer é consultar diretamente a rainha</p><p>Elaine. Eis algumas declarações seletas de Sua Majestadade</p><p>sobre as outras nações teanas e suas relações com Avalon.</p><p>Castilha</p><p>“Graças a Theus, o coração da Igreja dos Vaticínios ainda</p><p>está se recuperando da invasão montenha, do contrário</p><p>estaria fazendo de tudo para que nosso coração lhe fosse</p><p>servido numa bandeja de prata. Sabemos que tramam</p><p>contra nós, mas eles não têm como implementar seus</p><p>planos. Que continuem tramando. Quanto mais</p><p>dividirem sua atenção, menos vão se concentrar em nós.”</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>“Estão muito longe de nós para que sejam considerados</p><p>inimigos, mas também estão longe demais para serem</p><p>considerados amigos. Sua monarquia é como a nossa:</p><p>centrada na vontade e no bem do povo. Se estivessem</p><p>mais próximos, talvez tivéssemos laços mais fortes.”</p><p>Eisen</p><p>“O deserto que foi outrora</p><p>o altivo reino de Eisen nos</p><p>propiciou uma milícia para defender nossas fronteiras.</p><p>Concordamos apenas com metade do que pensam,</p><p>mas em nada discordamos. Alguém terá de ajudá-los a</p><p>recuperar o poder, mas, infelizmente, não seremos nós.”</p><p>Montaigne</p><p>“Durante mais tempo do que nos sentimos à vontade</p><p>para discutir, nosso país foi governado pelos montenhos.</p><p>Não voltará a se repetir. Nós os conhecemos bem, e</p><p>seus truques de hematomancia não funcionam mais</p><p>aqui. Contudo, enquanto estiverem focados no sul,</p><p>manteremos uma relação cordial com nossos vistosos</p><p>irmãos.”</p><p>Nações Piratas</p><p>“A Irmandade da Costa é só um pretexto para</p><p>criminosos se alastrarem por nossos mares. La Bucca,</p><p>porém, já provou ser um lugar promissor para o</p><p>recrutamento de bons Lobos do Mar.”</p><p>Ussura</p><p>“Distante e calada, Ussura é um mistério para</p><p>nós. Pouco vimos ou escutamos falar deles, mas</p><p>entendemos que há uma forma de magia enraizada</p><p>em seu sangue e ligada à sua terra. Um de nossos</p><p>exploradores nos disse que sua magia é muito</p><p>parecida com o Glamour, e a mulher que eles veneram</p><p>apresenta várias características semelhantes às dos</p><p>sidhe. Talvez sejamos parentes, afinal. Será?”</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>“Pode parecer que o povo das terras geladas mudou,</p><p>mas eles continuam iguais. Ainda são saqueadores...</p><p>Só encontraram uma nova maneira de roubar o</p><p>dinheiro de nossos cofres. Em vez de invadir nosso</p><p>país com espadas e tochas nas mãos, agora o fazem</p><p>com sorrisos e contratos. Mas ainda são o que sempre</p><p>foram.”</p><p>Vodacce</p><p>“Traição é a palavra de ordem para os vodatianos. Falar com</p><p>qualquer um dos príncipes vodatianos é como percorrer</p><p>uma exibição de vasos de vidro, todos cheios até a borda e</p><p>equilibrados no alto de pilares finos, com o chão coberto de</p><p>ovos. São treinados desde o berço para desvelar qualquer</p><p>segredo, por mais bem guardado que seja, e aguardam,</p><p>com seus olhos feiticeiros, o momento certo de fazê-lo. São</p><p>vilões talentosos, mas vilões mesmo assim.”</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 29</p><p>ç</p><p>“Os castilhanos levam a vida como se tocassem seus violões:</p><p>com uma paixão desenfreada e uma precisão implacável.”</p><p>— Dame Sophie du Lac</p><p>Erigida por uma das famílias mais venerandas do</p><p>Antigo Império, Castilha tomou forma graças a várias</p><p>forças. Já fez aliança com o Império do Crescente,</p><p>travou guerras com Avalon e Montaigne, e, no</p><p>momento, abriga o âmago da Igreja dos Vaticínios.</p><p>Contudo, apesar de centenas de anos de invasões</p><p>— militares ou não —, o coração de Castilha nunca</p><p>mudou. Foi, é e sempre será uma Nação dedicada a</p><p>seu povo.</p><p>O fato recente e mais importante na história de</p><p>Castilha foi a inesperada invasão montenha em 1664.</p><p>Castilha conseguiu rechaçar as forças de Montaigne,</p><p>mas esse êxito saiu bem caro. Lavouras foram destruídas,</p><p>vidas se perderam. Metade de uma geração de jovens foi</p><p>morta, mutilada e aleijada na luta contra as ambições</p><p>do autointitulado “imperador” de Montaigne. Castilha</p><p>balança e está prestes a tombar.</p><p>Geograficamente falando, Castilha encontra-se em terras</p><p>de ótima qualidade. Tem minas produtivas, solo fértil e</p><p>oceanos bem providos; seu povo nunca se viu privado de</p><p>comida e suprimentos. Até recentemente. Os invernos são</p><p>breves e tépidos, os verões são longos e temperados. As</p><p>primeiras tentativas de Castilha de promover a agricultura</p><p>tolhiam a produtividade das lavouras, mas o conhecimento</p><p>da Igreja mudou tudo. Na verdade, o afã da Igreja em</p><p>organizar as coisas transformou Castilha numa potência</p><p>econômica. Até recentemente.</p><p>A família Sandoval detém o trono de Castilha, e o</p><p>campo se divide em condados governados pela aristocracia</p><p>castilhana, os chamados Grandes de Castilha. Um Grande</p><p>governa uma concessão de terras, ou concesión, em nome</p><p>do rei, recolhendo impostos e ministrando a justiça. Com</p><p>a aprovação da Igreja, as concesiones são distribuídas</p><p>equitativamente, e cada um dos Grandes se responsabiliza</p><p>por abrigar e sustentar uma parte igual do exército do</p><p>monarca. O rei de Castilha faleceu recentemente, deixando</p><p>no trono seu filho de doze anos. Apelidado de o “Bom Rei</p><p>Sandoval” por um dos poetas mais famosos da corte, o</p><p>garoto mantém o país unido há quatro anos, um período</p><p>que já ultrapassou todas as previsões de seus detratores.</p><p>Apesar de, em título e nome, o rei de Castilha ser o</p><p>soberano supremo do reino, não é segredo que suas</p><p>decisões são afetadas substancialmente por uma junta de</p><p>conselheiros ligados à Igreja. Alguns traidores já tramaram</p><p>contra o Bom Rei, mas três tentativas de assassinato</p><p>fracassaram, graças, em grande parte, ao empenho do</p><p>personagem misterioso conhecido apenas como El</p><p>Vagabundo. O justiceiro mascarado provou ser mais do que</p><p>páreo para aqueles que tramam contra a coroa de Castilha,</p><p>mas ainda é possível que todo seu esforço seja em vão.</p><p>Com o rei cercado de padres e conselheiros —</p><p>impossibilitado de conversar com os Grandes —, a</p><p>hierarquia está se desfazendo. Autoridades corruptas</p><p>desviam mais impostos para as próprias bolsas, investindo</p><p>Castilha</p><p>Castille</p><p>ç</p><p>30 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>menos na manutenção da Nação. Os sistemas fundamentais</p><p>estão se esfacelando. E o Bom Rei Sandoval se vê</p><p>praticamente impotente para impedir a derrocada.</p><p>Os castilhanos são práticos. Viram que seria benéfico</p><p>aceitar a Igreja e incorporá-la à cultura de sua Nação.</p><p>Castilha é a única Nação a ter aquedutos em todas</p><p>as cidades importantes. Tem educação pública e</p><p>gratuita. Sua água é pura e as safras nunca foram</p><p>tão produtivas. Até mesmo o vilarejo mais simples</p><p>de Castilha tem uma igreja abastecida com</p><p>suprimentos médicos, uma pequena biblioteca</p><p>e um acadêmico versado em ciência e</p><p>medicina. Em geral, os castilhanos são o</p><p>povo mais instruído de Théah.</p><p>Os castilhanos são ardorosos. Adoram</p><p>a música, a dança e a comida. A família</p><p>tem como centro a mãe que trouxe</p><p>as crianças ao mundo, e a veneração</p><p>castilhana pela figura materna é</p><p>profunda. As danças tradicionais</p><p>castilhanas são impetuosas —</p><p>lascivas até, diriam alguns — e</p><p>sua música é viva e sentida. A</p><p>influência da Igreja sobre a</p><p>música castilhana produziu o</p><p>que algumas pessoas chamam</p><p>de “paixão pela precisão”, uma</p><p>sonoridade que o violão castilhano</p><p>resume perfeitamente.</p><p>A Guerra da Cruz esfacelou Castilha.</p><p>A inesperada invasão montenha</p><p>e a destruição do país prejudicou</p><p>profundamente a economia castilhana.</p><p>Com a economia em ruínas e a nobreza</p><p>despojada de suas propriedades, outras</p><p>nações começaram a rondar suas fronteiras</p><p>feito abutres. O Bom Rei Sandoval está</p><p>tentando manter a integridade do reino, mas</p><p>é só uma questão de tempo até os tronos</p><p>ambiciosos de Théah se lançarem sobre</p><p>a carcaça.</p><p>O castilhano médio é alto e esbelto,</p><p>com cabelos predominantemente</p><p>lisos e negros e olhos escuros. A pele trigueira, os malares</p><p>altos e os narizes arredondados são resquícios da influência</p><p>do Império do Crescente na história castilhana. São bem</p><p>conhecidos por terem dedos ágeis e mãos finas.</p><p>Camadas Sociais</p><p>No ápice da pirâmide social castilhana ficam o rei e a</p><p>Igreja, que são considerados iguais, embora o assunto</p><p>seja algo polêmico no seio da nobreza, pois muitos</p><p>se recusam a reconhecer o poder de um menino</p><p>sobre a Igreja. Em seguida, temos os Grandes que</p><p>ainda detêm a propriedade da terra — e, portanto,</p><p>contribuem com a economia do país — e aqueles que</p><p>não têm terras.</p><p>Os Grandes se dividem em três classes. Os nobres mais</p><p>ilustres são aqueles que têm laços diretos de parentesco</p><p>com o rei. A segunda camada é formada pelos nobres</p><p>que detêm terras e títulos. Por fim, a terceira camada,</p><p>os hidalgos, abrange aqueles que têm títulos, mas não as</p><p>terras. Desde o fim da Guerra da Cruz, há vinte anos, são</p><p>inúmeros os nobres destituídos que vivem em Castilha.</p><p>Eles ainda não se recuperaram.</p><p>Desde a Guerra da Cruz e a inesperada invasão montenha,</p><p>uma parte considerável da nobreza de Castilha perdeu a</p><p>posição e a propriedade da terra. Boa parte foi tomada</p><p>pela Igreja. Por causa desses fatores, os castilhanos não se</p><p>preocupam muito com a</p><p>condição social, a não ser com os</p><p>títulos de grande rei ou hierofante. Ver um nobre trocar sua</p><p>espada por dinheiro, embriagado numa taverna qualquer,</p><p>diminui a mística do título associado à propriedade da terra.</p><p>Há gerações, a vida de um plebeu em Castilha tem sido</p><p>mais fácil do que em boa parte das outras nações. Escolas,</p><p>hospitais e outros serviços oferecidos em abundância pela</p><p>Igreja fizeram da classe campesina castilhana uma das mais</p><p>privilegiadas de toda a Théah. Mas isso foi antes da Guerra</p><p>da Cruz. Antes de a semente da corrupção se transformar</p><p>na erva daninha que estrangulou o país.</p><p>O aspecto mais importante da hierarquia social de</p><p>Castilha é a família. Não existe o conceito de “família</p><p>nuclear” em Castilha. Os primos são da família. Os tios</p><p>são da família. Primos em segundo grau são da família.</p><p>A família remonta sua linhagem a uma única fundadora</p><p>— quase sempre uma matriarca — e mantém um retrato</p><p>dela dentro de casa. As pessoas de posses geralmente</p><p>adquirem retratos menores e os usam como pingentes</p><p>em volta do pescoço.</p><p>No fundo de seus corações, os castilhanos sabem que,</p><p>enquanto alguém tiver seu sangue nas veias, essa pessoa</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 31</p><p>ç</p><p>será um membro da família. Por piores que sejam seus</p><p>pecados, ela sempre terá um lugar na família. Somente</p><p>os pecados mais imperdoáveis — matar um parente ou</p><p>algo assim — obrigam uma família a recorrer ao castigo</p><p>mais temido: o ostracismo.</p><p>Vestuário</p><p>O preto e as cores quentes formam a paleta básica da</p><p>indumentária castilhana. O resultado é um cor básica</p><p>escura e atavios, sinetes e outros adornos em tons</p><p>vivos de amarelo, laranja e vermelho. Os castilhanos</p><p>consideram o vestuário um sinal de honra e conduta;</p><p>portanto, o estilo e a padronagem tendem a mudar de</p><p>uma finca para outra. Até mesmo os pobres costumam</p><p>adquirir pequenas quantidades de tecido colorido e</p><p>costurá-las em seus trajes. Nesses casos, a ideia não</p><p>é implicar que sejam da realeza ou requintados,</p><p>mas simplesmente mostrar que têm orgulho de</p><p>ser castilhanos.</p><p>O tradicional traje masculino castilhano inclui o sombrero</p><p>(um chapéu, geralmente de abas largas), um colete curto e</p><p>justo, pantalonas e uma faixa na cintura. Na finca, onde</p><p>é preciso proteger melhor as pernas, eles costumam usar</p><p>perneiras. Em viagem ou durante eventos sociais, também</p><p>são usados lenços, luvas, punhos e colarinhos. Bordados,</p><p>abotoaduras, botões e fivelas de metal são os principais</p><p>adornos. As moças solteiras tendem a se destacar em Castilha</p><p>— suas roupas, em geral, são brancas ou cor de creme —,</p><p>mas muitas vezes usam lenços coloridos. À medida que as</p><p>mulheres vão amadurecendo e sossegando, a moda feminina</p><p>passa a adotar uma miscelânea de modelitos alegres.</p><p>As mulheres casadas usam várias cores. Carmesim, azul-</p><p>claro e verde-escuro são comuns, reforçados — no caso da</p><p>nobreza — pelo preto. As saias são drapejadas com fieiras</p><p>de contas coloridas. As mulheres prendem os cabelos em</p><p>toucas elaboradas, deixando voltas e voltas de tranças finas</p><p>ou médias penderem sobre a nuca.</p><p>Costumes</p><p>Até a invasão montenha, as duas classes de pessoas em</p><p>Castilha, os camponeses e os nobres, portavam-se de</p><p>maneiras bem diferentes. Os camponeses geralmente</p><p>são alegres e extrovertidos, algo que fica patente na</p><p>vivacidade de suas festas cotidianas. A menos que</p><p>recebam ordens de seus patrões para agir de outra</p><p>maneira, eles só trabalham de quatro a cinco horas</p><p>seguidas, fazendo uma longa pausa entre um turno</p><p>e outro para a siesta, um período de descanso e</p><p>passatempos cordiais. Muita gente em Théah aponta</p><p>esse costume como um sinal de indolência, mas são</p><p>poucos os que duvidam do entusiasmo castilhano.</p><p>Passeatas a cavalo, bailes, sermões, bandas e disputas</p><p>de habilidade e intrepidez salpicam as ruas das vilas e</p><p>cidades de Castilha durante a siesta.</p><p>Os nobres sempre consideraram toda essa atividade indigna</p><p>de sua posição, mas é o mesmo sangue castilhano que corre</p><p>em suas veias. São famosos por seu decoro, autocontrole e</p><p>zelo pelas aparências. São muito cultos e costumam passar</p><p>o tempo apreciando as belas artes e escutando boa música.</p><p>Apesar de já terem se unido aos camponeses em outras</p><p>ocasiões, eles não participavam das festividades plebeias.</p><p>Não até agora.</p><p>Os inúmeros Grandes destituídos de Castilha, expulsos de</p><p>suas terras natais pela guerra, têm dificuldade para se adaptar</p><p>à nova situação, e muitos deles se veem atraídos pelo estilo</p><p>de vida das classes inferiores. Aqueles que ainda estão nas</p><p>boas graças de seus irmãos e irmãs proprietários de terras</p><p>organizam reuniões privativas da nobreza, mas outros já</p><p>foram flagrados desfrutando a companhia das classes baixas</p><p>em suas próprias casas.</p><p>A Igreja, por ora, continua calada no que diz respeito a essa</p><p>estranha situação. Graças, em boa parte, ao fato de que o clero</p><p>não sabe ao certo como isso afeta a população castilhana em</p><p>geral. A história vem cultivando a ideia instintiva de que a</p><p>mistura de classes é um erro, mas o ânimo das pessoas parece</p><p>estar mais elevado do que nunca desde a invasão, como se esta</p><p>fosse uma bênção disfarçada.</p><p>Religião</p><p>Desde que a sede da Igreja dos Profetas se mudou</p><p>para Castilha em 1257, o país tem sido um exemplo de</p><p>devoção na Théah contemporânea. Propicia a Castilha</p><p>um bocado de influência política, angariando-lhe</p><p>postos diplomáticos adicionais em todas as cidades</p><p>importantes do mundo. Esses benefícios são</p><p>acompanhados por uma grande responsabilidade:</p><p>preservar a imagem sagrada dos Profetas e agir de</p><p>acordo com os vários ditames de sua Igreja.</p><p>Não tem sido nada fácil. Desde a época do Terceiro</p><p>Profeta, a postura da Igreja em relação ao perdão e à</p><p>clemência mudou. Com o passar dos anos, essa postura</p><p>foi mudando ainda mais. Por fim, nos últimos dez anos,</p><p>ç</p><p>32 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>as nuvens ameaçadoras da Inquisição se reuniram para</p><p>formar uma tempestade. Castilha segue firme nas garras</p><p>dessa organização, uma situação que o inquisidor-mor</p><p>Verdugo não tem a menor vontade de mudar tão cedo.</p><p>Governo</p><p>O estado atual do governo de Castilha é, na melhor</p><p>das hipóteses, fragmentário. No pior dos casos,</p><p>encontra-se a caminho do caos absoluto. Com a morte</p><p>do rei Salvador Aldana em 1664, o único herdeiro</p><p>do trono — hoje um garoto de dezesseis anos —</p><p>dificilmente está preparado para conduzir os negócios</p><p>de uma potência mundial.</p><p>Pela primeira vez desde que toda a família real foi</p><p>abatida pela peste em 1386, o soberano de Castilha</p><p>não teve seu devido título de Rex Castilium (“Rei de</p><p>Castilha”) concedido por El Concilio de la Razón, a</p><p>assembleia dos cardeais que atuam como conselheiros do</p><p>rei. Todo e qualquer decreto de Sandoval é examinado e</p><p>reescrito pelos cardeais, uma tentativa de manter a ilusão</p><p>de que a liderança de Castilha continua forte. Instituíram</p><p>uma monarquia condicional no país, ignorando o</p><p>poder absoluto de seu rei em favor de suas próprias</p><p>deliberações e, para todos os efeitos, são eles quem hoje</p><p>dirigem Castilha.</p><p>Isso em nada ajudou a organização soberana já</p><p>sobrecarregada da Nação, atolada na burocracia</p><p>remanescente da Velha República e complicada ainda</p><p>mais pela influência precoce da Igreja dos Vaticínios.</p><p>Várias batalhas com as forças de Montaigne foram</p><p>perdidas graças a falhas de comunicação: os chefes</p><p>militares exigiam ordens que, no passado, sempre</p><p>partiram diretamente do rei. Mas, nesse caso, havia</p><p>muitos comandantes para poucos soldados. Castilha</p><p>quase perdeu sua soberania diante de Montaigne, e</p><p>só venceu no fim por pura sorte e graças ao fato de</p><p>o imperador ter voltado sua atenção para outra coisa.</p><p>É muita gente palpitando na “liderança” de Castilha,</p><p>e as decisões tomadas por El Concilio são o reflexo</p><p>de uma corrupção arraigada. Os impostos não estão</p><p>construindo hospitais, escolas nem igrejas, e sim</p><p>enchendo a burra dos gananciosos. O Concílio isolou</p><p>o rei dentro da Cidade dos Vaticínios e conduz os</p><p>negócios em nome dele. Com o Concílio firme no</p><p>comando e ninguém em condição de contestá-lo,</p><p>parece</p><p>que o estado lamentável do governo castilhano não vai</p><p>melhorar tão cedo.</p><p>Moeda</p><p>A economia castilhana é sustentada principalmente</p><p>pelas prolíficas atividades agropecuária, madeireira e</p><p>mineradora. Juntas, representam mais de noventa por</p><p>cento da receita das exportações do país e fornecem</p><p>praticamente todos os recursos exigidos pela demanda</p><p>interna. O excedente é oferecido como dízimo à Igreja,</p><p>guardado no tesouro do rei ou dedicado a projetos de</p><p>interesse nacional.</p><p>Essa situação de alta produtividade deve-se, em grande</p><p>parte, à Igreja dos Profetas e sua administração metódica dos</p><p>recursos naturais de Castilha. Todas as terras são estudadas</p><p>e todos os recursos, catalogados: monitoram a flora, a fauna</p><p>e os depósitos minerais com uma precisão esmerada.</p><p>Os recaudadores, ou “coletores de impostos”, interagem</p><p>diretamente com os Grandes. Se um deles</p><p>não contribuir com o mínimo exigido, os</p><p>recaudadores devem tanto informar o fato</p><p>ao rei (ou, dadas as atuais circunstâncias, à</p><p>Igreja) quanto fazer o Grande pagar algum</p><p>tipo de indenização. Esta pode ser uma</p><p>porcentagem das terras do Grande ou</p><p>uma doação de igual valor à Coroa,</p><p>como conceder em casamento a mão</p><p>de um filho estimado ou de uma filha</p><p>querida, ou prestar um serviço ao rei</p><p>ou à Igreja. É raro um dos Grandes</p><p>se recusar a aceitar os termos de</p><p>um contrato não cumprido</p><p>com os recaudadores, mas,</p><p>quando isso acontece,</p><p>pode-se recorrer a uma</p><p>“reconciliação pelas</p><p>armas”: soldados vão</p><p>à finca do Grande e</p><p>exigem compensação</p><p>ou a capitulação</p><p>imediata de suas terras.</p><p>Por fim, mais de um</p><p>terço do país e de suas</p><p>férteis terras cultiváveis foi</p><p>completamente destruído</p><p>pelas forças armadas de</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 33</p><p>ç</p><p>Montaigne nos últimos quatro anos. A previdência da</p><p>Igreja tem protelado a crise, mas ela não traçou planos</p><p>para lidar com o aumento repentino na quantidade de</p><p>Grandes destituídos cujas terras e propriedades hoje nada</p><p>valem. Muita gente em Castilha ainda sonha em ver esses</p><p>nobres compensados pelo estrago provocado pelas forças</p><p>do imperador, mas há pouca esperança de que o Rei-Sol</p><p>vá se arrepender de suas aventuras militares de uma hora</p><p>para outra.</p><p>A moeda nacional é o dobrão, muito estimado pelas casas</p><p>de câmbio de todos os países limítrofes. O guilder também</p><p>começa a se tornar a moeda padrão no país, para desgosto</p><p>dos mercadores da vizinha Vodacce.</p><p>Forças Armadas</p><p>Quando Montaigne invadiu Castilha há quatro anos, uma</p><p>quantidade nunca vista de voluntários correu se juntar ao</p><p>Exército castilhano, mas suas fileiras sofreram provações</p><p>terríveis nos anos de intenso combate que se seguiram. Hoje,</p><p>Castilha luta para manter uma força permanente que seja</p><p>suficiente, sobretudo em áreas cruciais ao sul das Montanhas</p><p>de Dracheneisen e a leste da Baía de Espuma. A Marinha</p><p>de Castilha, devastada pela perda da Armada Castilhana, se</p><p>esforça para patrulhar e defender suas águas. É fato conhecido</p><p>que os castilhanos lutam com o coração e a alma tanto quanto</p><p>com o corpo e a mente, mas muitos militares estão perdendo</p><p>aos poucos a esperança de defender adequadamente seu país</p><p>caso o imperador decida retomar a ofensiva.</p><p>Além de seus soldados capacitados, os castilhanos</p><p>dependem bastante da tecnologia militar. As fortalezas</p><p>castilhanas são equipadas com canhões montados sobre</p><p>rodas e trilhos semicirculares, usados para mudar a</p><p>direção da boca de fogo, uma tecnologia que torna o</p><p>reposicionamento das armas bem mais ágil do que seria</p><p>possível caso fossem erguidas e carregadas. Os progressos</p><p>no campo da química levaram ao desenvolvimento de uma</p><p>pólvora de qualidade superior que possibilita uma carga</p><p>explosiva maior com uma quantidade menor de material.</p><p>Mas, de longe, a maior inovação militar foi o uso recente de</p><p>cargas de pólvora pré-embaladas para os mosquetes. Essas</p><p>cargas permitem aos mosqueteiros castilhanos deixar de</p><p>lado os desajeitados polvorinhos de chifre. Eles são capazes</p><p>de carregar e disparar bem mais rápido que outros soldados</p><p>teanos. Outras experiências estão em andamento para criar</p><p>cargas de pólvora sob medida para os canhões.</p><p>Nomes</p><p>Além do primeiro nome, como Rodrigo ou Estrella,</p><p>o(a) castilhano(a) também tem uma ou mais</p><p>“alcunhas”, e qualquer uma delas pode ser usada</p><p>ou abandonada.</p><p>O primeiro tipo de alcunha é o patronímico: um nome</p><p>derivado do pai, da mãe ou de outro parente. Por exemplo,</p><p>se seu nome for Selena e o nome do seu pai for Gustavo,</p><p>você talvez seja conhecida como Selena Gustavez.</p><p>ç</p><p>34 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>O segundo tipo de alcunha é o locativo: um nome</p><p>derivado do lugar onde você nasceu. Você poderia ser</p><p>Estrella del Río ou Rodrigo de Alamilla, quer dizer,</p><p>“Rodrigo da vila de Alamilla”.</p><p>Os nomes castilhanos podem ficar bem longos</p><p>com o acréscimo de alcunhas. Os nomes castilhanos</p><p>tradicionais podem ter até três ou quatro alcunhas. Por</p><p>exemplo, uma castilhana poderia se chamar “Estrella</p><p>Carmela Fernández del Río”.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Alonso, Andrés, Baltasar,</p><p>Benito, Carlos, Diego, Domingo, Esteban, Felipe, Gaspar,</p><p>Héctor, Jaime, Juan, Lucas, Miguel, Rodrigo, Sancho,</p><p>Sebastián, Tomás</p><p>Nomes Femininos Comuns: Andrea, Ángela, Beatriz,</p><p>Catalina, Clara, Constantina, Cristina, Floriana, Francisca,</p><p>Inés, Isabel, Juliana, Lucía, Luisa, María, Quiteria, Sancha,</p><p>Susana, Úrsula, Yolanda</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>Graças às práticas “pagãs” da atual rainha de Avalon,</p><p>Elaine, é grande a animosidade entre Castilha e o</p><p>reino insular. Mas nem mesmo o malicioso Concilio</p><p>de la Razón tem disposição para se levantar contra ela</p><p>no momento, contentando-se em apoiar os inimigos</p><p>de Elaine e esperar que ela caia em desgraça.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>Muita gente em Castilha encara a recente promulgação</p><p>da Liberdade Dourada como um progresso. Algumas</p><p>pessoas chegaram a mencionar que Castilha deveria</p><p>seguir os passos da Comunidade Sarmática. Mas os</p><p>poderes de fato em Castilha rejeitaram essa ideia</p><p>risível. A Comunidade é retrógrada — como a</p><p>maioria das nações da Théah Oriental — e não faz</p><p>ideia do que é o progresso. Estão tentando voltar aos</p><p>tempos áureos da República Numanari…tempos que,</p><p>nitidamente, não passam de mito. E correr atrás de</p><p>um mito é inútil.</p><p>Eisen</p><p>Os lunáticos blindados de Eisen já demonstraram</p><p>ser um perigo no passado, mas basta ver suas terras</p><p>arruinadas e seu governo vacilante para se descartar a</p><p>possibilidade de uma nova invasão pelo norte.</p><p>Montaigne</p><p>Atualmente, os montenhos são o grande alvo</p><p>do desdém que Castilha nutre por toda sorte de</p><p>estrangeiros. Antes da invasão montenha, fazia</p><p>seiscentos anos que uma força militar não controlada</p><p>por um nativo colocara os pés em Castilha. Esse</p><p>longo intervalo ajudou a cultivar um ódio que muitos</p><p>soldados montenhos que lutaram nas linhas de frente</p><p>podem confirmar.</p><p>Nações Piratas</p><p>Com a destruição da Armada Castilhana e a esperança</p><p>ínfima de que a Nação consiga lançar outra frota ao</p><p>mar, a Irmandade da Costa e os Bucaneiros podem</p><p>oferecer alguma defesa contra as naus do Rei-Sol.</p><p>Ussura</p><p>Os castilhanos viajam muito pouco, comparativamente</p><p>falando, e aqueles que o fazem raras vezes se</p><p>interessam pelas planícies vastas e as florestas</p><p>densas dos ussuranos. Fora as relações diplomáticas</p><p>de praxe, as peregrinações religiosas e questões</p><p>envolvendo guerras continentais, os dois países pouco</p><p>tiveram contato.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>“Dentre todos os vigaristas desonestos do mundo, os</p><p>vesteneses são os que detestamos menos.” Fora essa</p><p>declaração — feita pelo falecido rei de Castilha —,</p><p>nada mais se depreende das relações entre essas duas</p><p>nações distantes.</p><p>Vodacce</p><p>Com a hostilidade das divisões da Igreja e as rixas</p><p>constantes entre os nobres pomposos dos dois países,</p><p>as relações de Castilha com Vodacce nunca foram tão</p><p>ruins. As exigências mais recentes dos mercadores</p><p>vodatianos e as declarações sediciosas de seus cardeais</p><p>só fizeram acirrar a tensão no Golfo dos Vaticínios, e</p><p>os Grandes começaram a pedir mais patrulhas para</p><p>garantir sua segurança.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 35</p><p>ç</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>“Todos são iguais. Até mesmo os reis.”</p><p>— Lucjan Wyrzyk</p><p>No extremo sul e ao leste ficam dois reinos unidos por</p><p>uma mesma coroa: aquilo que a maioria dos teanos</p><p>chama de “a Comunidade Sarmática”. Em meados do</p><p>século XVI, o rei de Rzeczpospolita (mais conhecida</p><p>como “Rzeplita”) também era o grão-duque da vizinha</p><p>Curônia. Ele uniu os dois reinos, o que também uniu</p><p>a aristocracia, levando a uma série de concessões que</p><p>limitaram o poder do rei e criaram um parlamento:</p><p>o Sejm (que se pronuncia como “same” em inglês, ou</p><p>seja, SEIM).</p><p>Por volta de 1667, o Concílio Real de dezesseis nobres</p><p>e bispos vaticinistas havia se atolado em corrupção e</p><p>politicagem. O rei idoso e agonizante tinha pouco poder.</p><p>A Comunidade estava morrendo. Mas o filho do rei</p><p>encontrou uma maneira de debelar o mal que corria nas</p><p>veias dos dois reinos: dar a todos os cidadãos a condição</p><p>de nobre. E foi assim que a Comunidade se tornou o País</p><p>da Liberdade Dourada.</p><p>A Liberdade Dourada deu a todos os cidadãos da</p><p>Comunidade o direito ao voto no Sejm. Essa alteração</p><p>provocou uma mudança dramática no poder dentro da</p><p>Comunidade, elevando os camponeses plebeus à mesma</p><p>importância da nobreza. Todas as pessoas têm direito à</p><p>mesma voz, à mesma autoridade.</p><p>Entretanto, nas regiões mais obscuras da Comunidade,</p><p>ouvem-se os sussurros de vozes antigas. Os dievai —</p><p>entidades poderosas que se escondem nas sombras das</p><p>florestas, encruzilhadas e cemitérios — prometem poder</p><p>àqueles que estão dispostos a selar um pacto.</p><p>O País</p><p>O clima da Rzeczpospolita (re-ZÉKS-pos-PO-li-ta)</p><p>geralmente é temperado. Os verões são quentes e os</p><p>invernos, gelados, mas sempre parece haver um vento</p><p>frio vindo do norte. A chuva é uma companheira</p><p>constante durante o verão; no inverno, é a neve.</p><p>Em virtude de seu tamanho, a Comunidade</p><p>tem várias características geográficas diferentes.</p><p>Politicamente, o país se divide em duas nações: a</p><p>Rzeczpospolita no sudoeste e a Curônia a nordeste.</p><p>Boa parte da Rzeczpospolita é formada por planícies</p><p>e brejos, além das florestas que juncam os campos.</p><p>O maior rio do país, o Sejm (rebatizado em</p><p>homenagem ao corpo governante por votação</p><p>unânime cinquenta anos atrás), percorre a Nação</p><p>inteira. Começa perto de Suzdal em Ussura, desce</p><p>até Bodorigum, segue rumo sul até Wawelec e</p><p>entra em Vodacce, propiciando uma rota comercial</p><p>veloz até os mares do sul. Daí o Sejm se volta para</p><p>o leste e segue na direção da baía. Ussura utiliza o</p><p>rio para transportar mercadorias pelo território da</p><p>Comunidade, pagando taxas exorbitantes a cada</p><p>parada. No nordeste, Curônia é praticamente um</p><p>brejo só, a não ser pela floresta de Sandaras, um</p><p>The Sarmatian Commonwealth</p><p>ç</p><p>36 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>lugar mal assombrado onde só os mais valentes se</p><p>atrevem a entrar.</p><p>Cultura</p><p>A Comunidade é regida por uma coroa unificada</p><p>e uma espécie de parlamento chamado “Sejm”. Até</p><p>recentemente, o Sejm era composto de dezesseis</p><p>nobres e bispos vaticinistas que chegaram ao poder</p><p>por meio de manobras políticas, comércio e ameaças</p><p>de se rebelar contra o soberano. O rei acabou</p><p>abrindo mão de vários de seus direitos e, por decreto,</p><p>concedeu-os aos membros do Sejm. Mas tudo isso</p><p>já mudou.</p><p>O fato mais importante na história da Comunidade — e</p><p>um dos mais importantes na história teana — se deu há</p><p>apenas dezoito meses. A república estava à beira do colapso</p><p>político por dois motivos. Primeiramente, o Sejm se achava</p><p>paralisado por uma norma conhecida como liberum veto, que</p><p>permitia a qualquer poseł (“emissário”, “representante”; plural:</p><p>“posłowie”) vetar qualquer projeto de lei e, dessa maneira,</p><p>anular toda a discussão e a votação. Qualquer poseł podia</p><p>simplesmente anunciar “Nie pozwalam!” (“Não permito tal</p><p>coisa!”) e a discussão era encerrada. Os posłowie criaram essa</p><p>regra para mostrar que todos os integrantes do Sejm eram</p><p>iguais, que suas opiniões teriam o mesmo peso em todas as</p><p>matérias. Infelizmente, o cinismo e as manobras políticas</p><p>impediam qualquer progresso no Sejm.</p><p>O rei doente da Comunidade — Stanisław I — jazia em</p><p>seu leito de morte. Seu filho, Stanisław II, o suposto herdeiro,</p><p>procurava uma maneira de salvar o reino. Trancou-se na</p><p>Biblioteca Real, em busca de alguma coisa — qualquer coisa</p><p>— que pudesse romper a paralisia do Sejm. Pouco depois da</p><p>meia-noite, ele a encontrou.</p><p>Todo decreto real podia ser vetado pelo Sejm, exceto um.</p><p>Diversos acordos e tratados haviam privado o rei de muitas</p><p>de suas liberdades, menos uma: o direito de conceder um</p><p>título de nobreza. O Sejm não tinha o direito de vetar tal</p><p>decreto. E, portanto, o filho leal levou o pai agonizante</p><p>ao Sejm — transportado em sua própria cama por meia</p><p>dúzia de criados — para emitir um último decreto antes</p><p>de morrer. O pai se pronunciou e os secretários escreveram</p><p>as derradeiras palavras do rei.</p><p>O decreto? Ele anunciou que todos os cidadãos da</p><p>Comunidade passavam a ser considerados nobres, por terem</p><p>recebido o título de “dom” ou “dona”. E, com isso, todo cidadão</p><p>da Comunidade passava a ter o direito ao voto no Sejm.</p><p>Com seu último decreto, o rei transformou a Comunidade</p><p>numa verdadeira democracia. O Sejm tinha trinta dias</p><p>até o decreto final do rei entrar em vigor. Não havia como</p><p>impedi-lo. E, só de cogitar a possibilidade de todo cidadão</p><p>deter o poder de vetar qualquer projeto de lei, o Sejm rápida</p><p>e unanimemente aprovou a remoção do liberum veto.</p><p>Horas depois, o rei Stanisław sobreviveria a um atentado</p><p>graças a seu filho e, na ocasião, a noiva do rapaz, uma sortílega</p><p>de Vodacce. O rei ainda está vivo, mas por muito pouco, e seu</p><p>filho tenta angariar apoio político suficiente para sucedê-lo.</p><p>Agora todo cidadão da Comunidade pode ir ao Sejm e votar</p><p>como bem entender. Nem todos o fazem, mas eles sabem que</p><p>podem. Se o Sejm decidir declarar guerra, o Exército poderá</p><p>se apresentar e votar contra. Se o Sejm resolver aumentar</p><p>os impostos, todos os membros das guildas sarmáticas</p><p>poderão se apresentar e votar contra. Théah não sabe o que</p><p>é uma democracia verdadeira desde os primeiros tempos do</p><p>Império. E o povo da Comunidade não disfarça seu orgulho.</p><p>Camadas Sociais</p><p>A Comunidade ainda tem uma nobreza, mas a linha</p><p>que separa o berço nobre do plebeu não é mais nítida.</p><p>Não desapareceu, ainda se pode enxergá-la, mas</p><p>dar aos camponeses o poder de votar mudou muita</p><p>coisa na Comunidade. A nobreza ainda é poderosa, o</p><p>campesinato ainda é pobre e os mercadores ainda têm</p><p>dinheiro, mas a perda do direito exclusivo de legislar</p><p>comprometeu o status da classe nobre.</p><p>Qualquer um pode entrar no Sejm e convocar uma</p><p>votação. Qualquer um. Está certo que boa parte dessas</p><p>“votações plebeias” é derrubada, mas, quando um vilarejo</p><p>inteiro aparece para votar, aí é que a política de verdade</p><p>começa. De pouco em pouco, todos os privilégios e poderes</p><p>que a nobreza tinha estão começando a ruir, mês a mês,</p><p>semana a semana. De pouco em pouco.</p><p>As duas nações da Comunidade têm muito em comum,</p><p>mas ainda são culturas diferentes. Contudo, com o</p><p>amadurecimento de sua união, as duas culturas se fundiram,</p><p>formando uma espécie de voz uníssona.</p><p>A maior diferença entre os dois países é a religião. A</p><p>Rzeczpospolita é vaticinista devota — até demais, em</p><p>certos casos —, ao passo que os curonianos adotam uma</p><p>fé mais antiga e adoram espíritos e deuses ancestrais.</p><p>Tanto os rezequispospolitanos quanto os curonianos se</p><p>veem como guerreiros divinos e abençoados, mas a origem</p><p>dessa divindade é diferente.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 37</p><p>ç</p><p>Alguns rezequispospolitanos acham que os curonianos</p><p>são gentios. Por sua vez, alguns curonianos acham que os</p><p>rezequis traíram os deuses antigos para adotar uma nova</p><p>religião. As duas nações, porém, são tolerantes em relação</p><p>às suas diferenças, pelo bem da Comunidade.</p><p>Ambas são muito influenciadas pelo vizinho Império do</p><p>Crescente. A moda, o estilo, a comida e a filosofia desse</p><p>país estrangeiro afetam profundamente a Comunidade.</p><p>A adoção das tendências</p><p>crescentinas, como as túnicas</p><p>compridas e os casacos, os turbantes e cintos elaborados,</p><p>insinuou-se igualmente entre nobres e plebeus. O szabla —</p><p>a espada mais comum na região — é muito parecido com a</p><p>cimitarra crescentina.</p><p>Sarmatismo</p><p>A influência cultural mais significativa na</p><p>Comunidade tem sido a ascensão do “sarmatismo”,</p><p>uma espécie de código de cavalaria que se inspira nas</p><p>histórias sobre as pessoas nobres e corajosas que um</p><p>dia governaram a Rzeczpospolita. Muitos acharam</p><p>que seria apenas uma coqueluche passageira entre</p><p>os nobres, mas o movimento criou raízes, motivado</p><p>pela necessidade repentina da nobreza de se distinguir</p><p>dos camponeses. Os nobres começaram a vestir trajes</p><p>que eram a moda séculos atrás. Casacos compridos</p><p>e arrematados com peles, chamados “żupan”, botas</p><p>altas de equitação, um cinto largo de tecido, chamado</p><p>“pas kontuszowy”, bigodes cerrados para os homens e</p><p>cabelos compridos e trançados para as mulheres, e o</p><p>szabla: um sabre longo e recurvo. Complete o visual</p><p>com um chapéu enorme e uma pluma exuberante, e</p><p>pronto: eis o nobre sármata ideal.</p><p>Mas acontece que a coqueluche não foi passageira.</p><p>A tendência não demorou a ser adotada também por</p><p>mercadores e camponeses. Se a pessoa só tem dinheiro</p><p>para uma peça, esta costuma ser o pas kontuszowy, o</p><p>vistoso cinto de pano.</p><p>Os nobres continuaram a usar os trajes sarmáticos</p><p>pela mesma razão que os senadores numanari vestiam</p><p>as togas brancas: para se destacarem como pessoas</p><p>honradas e justas. “Não sou um proprietário de terras</p><p>egoísta e corrupto; sou um nobre íntegro.”</p><p>E o resto da Rzeczpospolita seguiu o exemplo.</p><p>A moda sarmática contaminou até mesmo os mais</p><p>humildes e pobres habitantes da Comunidade. No</p><p>entanto, para aqueles que não conseguem arcar com</p><p>tamanha extravagância, a bata e as calças comuns de</p><p>algodão e lã são as vestes tradicionais.</p><p>O sarmatismo também se insinuou na Curônia, mas só</p><p>inspirou a nobreza. Os plebeus não se deixaram impressionar</p><p>por esse costume e se ativeram a suas tradições.</p><p>Nomes</p><p>As duas nações da Comunidade têm os próprios idiomas</p><p>e nomes distintos.</p><p>Nomes Femininos Rezequispos-politanos:</p><p>Adelajda, Agnieszka, Aleksandra, Barbara, Beata,</p><p>Czesława, Dorota, Danuta, Eligia, Elżbieta, Gracja,</p><p>Grażyna, Hanna, Helena, Ignacja, Janina,</p><p>Józefa, Katarzyna, Karolina, Lidia, Łucja,</p><p>Magdalena, Małgorzata, Marianna,</p><p>Mirosława, Nadzieja, Natalia, Pelagia,</p><p>Radomiła, Ruta, Sabina, Teodozja, Urszula,</p><p>Władysława, Zofia, Zyta</p><p>Nomes Masculinos</p><p>Rezequispospolitanos: Aleksander,</p><p>Anastazy, Andrzej, Bartłomiej, Błażej,</p><p>Bogumił, Cezary, Czesław, Dariusz,</p><p>Dawid, Dobromir, Eligiusz, Franciszek,</p><p>Gaweł, Gracjan, Grzegorz, Henryk,</p><p>Herakliusz, Ignacy, Ireneusz, Iwo,</p><p>Izydor, Janusz, Jan, Jarosław, Jerzy,</p><p>Jeremi, Kajetan, Konrad, Lesław,</p><p>Maciej, Marceli, Marek, Mirosław,</p><p>Michał, Piotr, Przemysław, Roch,</p><p>Seweryn, Teofil, Wacław, Walery,</p><p>Wielisław, Wojciech, Ziemowit,</p><p>Zygmunt</p><p>Nomes Femininos</p><p>Curonianos: Agnė, Aldona,</p><p>Amalija, Audra, Daina, Daiva,</p><p>Dalia, Danutė, Emilija, Estera, Gabija,</p><p>Giedrė, Gintarė, Ieva, Ilona, Jadvyga,</p><p>Janina, Jelena, Kamilė, Katrė, Laima,</p><p>Lėja, Lilija, Lina, Liucija, Miglė, Milda,</p><p>Rasa, Rožė, Rūta, Saulė, Solveiga, Svajonė,</p><p>Ugnė, Urtė, Valerija, Viltautė</p><p>Nomes Masculinos Curonianos: Adomas,</p><p>Albertas, Andrius, Antanas, Aras, Ąžuolas,</p><p>Bronislovas, Bronius, Darijus,</p><p>Daumantas, Erikas, Gabrielius,</p><p>Giedrius, Gintaras, Gvidas, Herkus,</p><p>Ignas, Juozapas, Juozas, Jurgis, Kasparas, Kęstutis,</p><p>ç</p><p>38 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Leonas, Matas, Mindaugas, Modestas, Mykolas, Nojus,</p><p>Petras, Pilypas, Pranciškus, Raimondas, Ramūnas,</p><p>Valdas, Valdemaras, Viltautas, Visvaldas, Žydrūnas</p><p>Moeda</p><p>Tanto em Rzeczpospolita quanto em Curônia, a</p><p>moeda corrente é o złoty. Cunhado na capital, o złoty</p><p>pode se dividir em cem groszy [singular: grosz]. Com</p><p>a Liberdade Dourada, porém, o guilder vestenês</p><p>tem caído nas graças das pessoas e vai aos poucos</p><p>suprimindo o złoty e os groszy.</p><p>Alimentação</p><p>As refeições servidas nas mesas rezequis — nobres ou</p><p>plebeias — são uma estranha miscelânea de sabores</p><p>e texturas, graças à adoção de diferentes culturas.</p><p>Existem pratos tradicionais das duas nações, receitas</p><p>do Império do Crescente e de Vodacce, e alguns</p><p>quitutes de Eisen.</p><p>Os pratos mais tradicionais utilizam nata e ovos,</p><p>além de uma fartura de linguiças especiais chamadas</p><p>de kiełbasa. O bigos, um guisado à caçadora, é feito</p><p>de carne (no caso dos plebeus, geralmente uma</p><p>dobradinha), chucrute e repolho. Uma sopa à base de</p><p>levedura de centeio, chamada de żurek, também é</p><p>popular. Na verdade, as sopas são um componente</p><p>muito importante da tradicional refeição rezequi. E</p><p>aí temos os pierożki:: pasteizinhos fritos e recheados</p><p>ao gosto do freguês, geralmente com carne temperada.</p><p>Ganhou bastante popularidade em Castilha</p><p>e Montaigne.</p><p>A culinária curoniana tem muito em comum com</p><p>a da Nação vizinha, mas um sabor todo seu. Os</p><p>ingredientes mais comuns são a batata, a carne de</p><p>porco e os pasteizinhos. O cepelinai é um dos pastéis</p><p>mais apreciados, geralmente recheado com carne</p><p>moída, queijo cottage e cogumelos.</p><p>As frutinhas do oxicoco são produto de exportação</p><p>e uma novidade para o paladar teano. A geleia de</p><p>vacínio tornou-se tão popular nas cortes e no interior</p><p>de Avalon que a rainha Elaine tem mandado navios</p><p>para a Comunidade com o único propósito de trazer</p><p>o máximo possível dessas compotas.</p><p>Religião</p><p>A Igreja dos Vaticínios é uma das grandes forças</p><p>atuantes na Rzeczpospolita desde o século XIV.</p><p>Contudo, apesar de todo o seu esforço, não foi</p><p>capaz de eliminar a “bobagem supersticiosa” das</p><p>antigas crenças do país. Mas a Comunidade se apega</p><p>vigorosamente a essas tradições antigas. São muitas</p><p>as igrejas, e todas tentam fazer a boa obra e espalhar</p><p>a palavra, mas a maioria das pessoas continua a</p><p>acreditar em entidades ancestrais e poderosas.</p><p>E, por conta disso, a Comunidade mantém um</p><p>estranho sincretismo. Por um lado, as pessoas são</p><p>vaticinistas devotas. Mas, por outro, ainda conservam</p><p>sua velha religião. O motivo? Seus deuses ainda</p><p>circulam entre elas. Não no sentido abstrato, nem de</p><p>maneira simbólica.</p><p>Um deles poderia muito bem entrar por aquela</p><p>porta uma tarde dessas.</p><p>Os Dievai</p><p>Os sacerdotes e as sacerdotisas vaticinistas da</p><p>Rzeczpospolita os chamam de czorts, palavra que</p><p>pode ser traduzida como “demônios”. Mas a maioria</p><p>dos habitantes da Comunidade emprega o termo</p><p>curoniano, dievai, uma palavra que poderia ser</p><p>traduzida como “deuses”.</p><p>(O singular é dievas.)</p><p>A Igreja tentou converter esses “deuses” em santos ou</p><p>demônios, dependendo da índole da entidade, e teve</p><p>êxito até certo ponto. Mas, fora das paredes seguras da</p><p>catedral, todos sabem que essas coisas não são santos</p><p>nem demônios.</p><p>Ambrose Davidson, um acadêmico avaloniano</p><p>que visitou a Comunidade, ficou pasmo diante da</p><p>semelhança entre os dievai e os sidhe. “Não pode ser</p><p>mera coincidência”, escreveu. “As lendas avalonianas</p><p>falam de uma corte ‘unseelie’ (ímpia) e perdida de</p><p>sidhe. Talvez tenha sido aqui que eles se perderam.”</p><p>Observadas de perto, as entidades lembram os sidhe</p><p>de Avalon, mas a diferença está nos detalhes. Muitos</p><p>sidhe são semelhantes a uma tempestade de verão:</p><p>destrutivos, mas impessoais. Os dievai nada têm</p><p>de impessoais. Passam-se por mortais, tornam-se</p><p>companheiros e amantes de heróis e heroínas,</p><p>revelando-se apenas depois que são descobertos.</p><p>Andam pelas estradas, entram em lares e castelos,</p><p>dividem o pão, bebem e convivem com os mortais</p><p>o tempo todo. Nunca se sabe se um desconhecido</p><p>é humano ou alguma outra coisa. Melhor tomar</p><p>cuidado e mostrar educação.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 39</p><p>ç</p><p>Paganismo Curoniano</p><p>Os curonianos não chegam a adorar os dievai, mas</p><p>reconhecem que eles são entidades poderosas e</p><p>capazes de mudar a vida de alguém por mero capricho.</p><p>A religião curoniana não tem uma hierarquia oficial.</p><p>Não existe sumo sacerdotisa nem hierofante. Toda</p><p>vila ou aldeia tem um sacerdote ou uma sacerdotisa:</p><p>alguém que conhece os rituais</p><p>e procedimentos</p><p>adequados para lidar com o mundo espiritual. O</p><p>sacerdote ou a sacerdotisa mantém sua posição por</p><p>causa do conhecimento que possui, e não por ter</p><p>poderes sobrenaturais.</p><p>No entanto, por causa desse conhecimento, é mais</p><p>provável que o clero tenha dons sobrenaturais obtidos</p><p>por meio de acordos feitos com os dievai. E essa é a</p><p>interação mais comum com os dievai: os acordos. (A</p><p>palavra curoniana é sandėris.) “Pactos com demônios”,</p><p>como costuma chamá-los a Igreja dos Vaticínios. Por</p><p>algum motivo, mesmo que seja só por diversão, os</p><p>dievai estão sempre em busca de uma oportunidade</p><p>para apostar, barganhar ou negociar poderes</p><p>extraordinários com os seres humanos... mas isso</p><p>sempre tem um preço. O pacto com um dievas pode</p><p>envolver a perda de algo tão simples quanto os cabelos</p><p>ou tão precioso quanto o filho primogênito. Talvez</p><p>você tenha de servir o dievas durante um ano e um dia</p><p>ou pode ser que seja obrigado a portar uma espada de</p><p>prata que tem vontade própria... e um objetivo.</p><p>A Igreja considera extremamente perigoso para</p><p>o corpo e para a alma tratar com essas entidades,</p><p>mas pouco pode fazer. As pessoas já lidavam com</p><p>os dievai havia centenas de anos antes de a Igreja</p><p>aparecer e declará-los pecaminosos. Os vilarejos têm</p><p>relações e tradições com os dievai que remontam há</p><p>várias gerações. Acabar com essa tradição leva tempo.</p><p>Bem mais do que a Igreja está disposta a investir. E,</p><p>por isso, os sacerdotes e as sacerdotisas aceitaram</p><p>relutantemente os dievai em suas vidas. O clero pode</p><p>não gostar, mas não lhe resta muita coisa a fazer a</p><p>esse respeito.</p><p>Governo</p><p>O Sejm é formado por nobres e clérigos capazes</p><p>de definir o destino da Comunidade. Contudo,</p><p>depois da Liberdade Dourada, todo cidadão passou</p><p>a ter a mesma capacidade. Foi um choque para os</p><p>nobres, algo que os obrigou a levar em consideração</p><p>todas as votações propostas pelo povo. E, de fato,</p><p>surgiu um novo cargo na sede do governo: o stróż</p><p>(“vigia”). O stróż é um plebeu que fica dentro do</p><p>Sejm, sentado, de olho nos procedimentos. Se for</p><p>convocada uma votação, ele correrá lá para fora e</p><p>tocará um sino, informando a todos os cidadãos que</p><p>a votação começou. O stróż é um cargo extraoficial,</p><p>mas, depois de duas tentativas de aprovar resoluções</p><p>sorrateiramente no meio da noite, o povo da capital</p><p>achou que a função seria necessária. Os plebeus se</p><p>alternam para garantir que haja sempre um stróż na</p><p>sede do governo. Só por via das dúvidas.</p><p>O Rei</p><p>O rei da Comunidade é o monarca menos</p><p>poderoso de Théah. Ele é o embaixador da Nação,</p><p>estabelecendo embaixadas no estrangeiro,</p><p>ao passo que seu castelo serve como a</p><p>principal residência para os embaixadores</p><p>de outros países. Ele pode legislar, mas o</p><p>Sejm pode vetar essas leis com maioria</p><p>simples. Naturalmente, conseguir a</p><p>“maioria simples” hoje é um pouco</p><p>mais complicado do que na época</p><p>em que o Sejm só tinha dezesseis</p><p>membros. (Mais detalhes na</p><p>seção “O Sejm”.) O rei também</p><p>tem o poder de conceder</p><p>um título de nobreza, mas,</p><p>já que todos os cidadãos</p><p>têm um, esse poder se</p><p>tornou irrelevante.</p><p>O poder do rei é limitado</p><p>pelos Artigos de Walezy,</p><p>assinados pelo rei e pelo</p><p>Sejm em meados do</p><p>século XVI. Afirmam</p><p>o seguinte:</p><p>40 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>O rei é escolhido pelo Sejm: seus</p><p>descendentes não herdam o trono.</p><p>O rei não pode criar novas leis e impostos</p><p>sem a aprovação do Sejm.</p><p>Os casamentos reais devem ser aprovados pelo Sejm.</p><p>O rei não pode dissolver o Sejm.</p><p>O rei fica obrigado a criar um concílio real que estará</p><p>sempre presente para supervisionar suas decisões.</p><p>O rei não pode declarar guerra</p><p>sem a aprovação do Sejm.</p><p>O rei tem de providenciar um exército permanente.</p><p>O rei tem de proteger a liberdade</p><p>religiosa de todos os cidadãos.</p><p>O rei poderá ser removido do cargo se a maioria</p><p>do Sejm assim decidir por votação.</p><p>O Velho Rei é um homem bom e um soberano justo,</p><p>mas sua vida está quase no fim. O povo adora o filho</p><p>dele, o príncipe da Comunidade, e já começou a chamá-lo</p><p>de Stanisław II, antecipando-se à sua eleição pelo Sejm.</p><p>Mas poucas coisas são dadas como certas nestes tempos</p><p>conturbados, e o príncipe tem muitos inimigos.</p><p>Stanisław II casou-se recentemente com uma mulher</p><p>vodatiana de nome Domenica Vespucci. Domenica fez</p><p>parte do grupo responsável por salvar a vida do Velho</p><p>Rei logo depois que seu decreto estabeleceu a Liberdade</p><p>Dourada. Ela é uma sortílega e, apesar de algumas</p><p>pessoas na Comunidade duvidarem de seus motivos para</p><p>se casar com o príncipe, pai e filho confiariam a ela suas</p><p>vidas e as vidas de seu povo.</p><p>O Sejm</p><p>O Sejm é um parlamento formado por duas câmaras:</p><p>a alta (o Senat, ou “Senado”) e a baixa (a Izba Poselska,</p><p>ou “Câmara dos Deputados”). A câmara alta é</p><p>formada pelo Sejm original de antes da promulgação</p><p>da Liberdade Dourada. São os “antigos nobres” que</p><p>controlavam a Comunidade e, falando com franqueza,</p><p>muitos deles veem a câmara baixa como “a câmara</p><p>inferior”. e chegam de fato a chamá-la assim.</p><p>A Izba Poselska é formada pela “nova nobreza”, as</p><p>pessoas que receberam títulos por causa da Liberdade</p><p>Dourada. Não tem um número oficial de integrantes</p><p>e deve ser convocada pelo rei. Além disso, o rei é o</p><p>moderador da câmara baixa e reconhece o direito de</p><p>cada pessoa a se pronunciar. O Velho Rei acreditava</p><p>que morreria logo depois de promulgar o decreto,</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 41</p><p>ç</p><p>deixando a cargo do rei seguinte presidir a câmara baixa.</p><p>Muitos estão contentes porque o rei ainda vive, mas ele</p><p>geralmente se vê incapaz de convocar e presidir a câmara.</p><p>Os projetos de lei podem ser apresentados por qualquer</p><p>uma das câmaras, mas as duas têm de aprovar a lei por</p><p>maioria. Isso complica as coisas. Geralmente, a câmara</p><p>baixa não gosta de aprovar leis propostas pela câmara</p><p>alta, e vice-versa. Para aprovar uma nova lei, a câmara</p><p>que faz oposição costuma reescrever o projeto e anexar</p><p>nova legislação para garantir que as duas casas consigam</p><p>o que querem.</p><p>Szlachta</p><p>Depois do atentado à vida do Velho Rei, os senadores</p><p>insistiram para que eles mesmos e o soberano tivessem</p><p>guarda-costas. A princípio, Stanisław recusou. “Não</p><p>somos diferentes de ninguém”, ele disse. “E nossa</p><p>posição não nos coloca acima dos direitos alheios.”</p><p>Depois de uma longa discussão, o rei cedeu e</p><p>concordou com a ideia, mas com algumas condições.</p><p>E foi assim que o Senat e Stanisław ressuscitaram a</p><p>ideia dos szlachta.</p><p>Na antiga Rzeczpospolita, os szlachta eram uma</p><p>ordem de cavaleiros dedicados à honra e à proteção</p><p>do rei e do Sejm. Aqueles que hoje detêm esse título</p><p>juram agir de acordo com esses ideais antigos, e não</p><p>só proteger a Coroa e o Sejm, como também toda</p><p>a Rzeczpospolita.</p><p>A ordem antiga renasceu primeiro dentro do próprio</p><p>Sejm, transformando autoridades em cavaleiros com</p><p>deveres sagrados. Dentre os cavaleiros do Sejm, o rei</p><p>escolhe seis para sua guarda pessoal. Hoje o Sejm</p><p>emprega os szlachta como embaixadores da boa</p><p>vontade, promovendo a justiça e a Liberdade Dourada</p><p>fora das fronteiras da Rzeczpospolita.</p><p>Forças Armadas</p><p>As duas nações contribuem com as forças armadas da</p><p>Comunidade, mas Curônia é responsável por um terço</p><p>das fileiras do exército. O Exército, uma força nada</p><p>comum, é formado principalmente por voluntários</p><p>que protegem a Comunidade de seus inimigos. É o</p><p>maior exército permanente de Théah. Em virtude</p><p>de seus vários confrontos com as forças do Império</p><p>do Crescente e de Ussura, também é um dos menos</p><p>convencionais, contando mais com a velocidade e a</p><p>movimentação do que com a força bruta.</p><p>O regimento mais famoso do Exército é a cavalaria: os</p><p>hussardos alados (husaria). Os hussardos são, sem dúvida</p><p>alguma, a força montada mais temida de Théah. Munidos</p><p>de lanças de cavalaria, sabres e os característicos peitorais</p><p>blindados dotados de asas, eles se atiram na batalha com</p><p>total destemor. Com plumas, flâmulas e asas formadas por</p><p>penas de verdade, uma fileira de hussardos é uma aparição</p><p>assustadora. Tão assustadora que eles já investiram contra</p><p>exércitos</p><p>cinco vezes maiores e botaram os inimigos para</p><p>correr, fugindo aos berros do campo de batalha.</p><p>A arma mais comum utilizada pelos oficiais é o szabla,</p><p>também conhecido como o sabre rezeplitano. Inspirado</p><p>na cimitarra do Crescente, trata-se de uma arma recurva</p><p>e de fio simples, projetada para ser veloz. A ponta,</p><p>chamada de pióro (“pena”), tem gume duplo. O szabla</p><p>é um símbolo de honra e distinção na Comunidade.</p><p>Usado originalmente apenas pela nobreza, tornou-se</p><p>o emblema da solidariedade nacional e é carregado por</p><p>nobres e plebeus. O povo, porém, não acha que portar o</p><p>szabla seja um direito. É uma distinção a ser conquistada.</p><p>Uma distinção que precisa ser mantida. Não é qualquer</p><p>um que pode usá-lo. Somente aqueles que demonstram</p><p>a verdadeira coragem, fidelidade e honra.</p><p>Relações Exteriores</p><p>As relações da Comunidade com seus vizinhos é delicada,</p><p>para dizer o mínimo. Uma reforma política repentina e</p><p>conturbada é de deixar os vizinhos preocupados.</p><p>Avalon</p><p>Por causa da distância geográfica, a Comunidade</p><p>pouco interage com as Ilhas do Glamour, mas isso</p><p>só incentivou os corsários de Elaine, dando-lhes a</p><p>coragem de que precisavam para atacar os mares do</p><p>sul. O rei idoso deu pouca atenção a esses ataques,</p><p>mas Stanisław II contratou navios mercenários</p><p>para proteger as rotas comerciais da Comunidade,</p><p>garantindo que os Lobos do Mar deparassem com</p><p>as salvas dos canhões quando tentassem capturar</p><p>embarcações mercantes.</p><p>Chegou-se a sugerir que o príncipe da Comunidade</p><p>pedisse a mão de Elaine em casamento. Teria sido uma</p><p>união e tanto: duas grandes nações reunidas. Stanisław</p><p>II cogitou essa opção, mas fez a vontade de seu pai,</p><p>casando-se com uma vodatiana. O príncipe sabe que a</p><p>situação de Elaine é tão perigosa quanto a sua e espera</p><p>convencê-la a fazer nem que seja uma aliança política,</p><p>ç</p><p>42 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>agora que o casamento está fora de questão. No</p><p>entanto, o príncipe já desconfiou mais de uma vez que o</p><p>matrimônio nunca foi seriamente cogitado.</p><p>Castilha</p><p>Castilha, em muitos aspectos, está mais próxima da</p><p>Comunidade do que Avalon. Metade da Comunidade</p><p>é vaticinista devota, talvez mais carola que qualquer</p><p>outra Nação teana. O comércio entre os dois países</p><p>é robusto, reforçado pelo acesso fácil pelos mares do</p><p>sul. O rei Stanisław apoiou publicamente a Igreja em</p><p>várias ocasiões, embora mesmo ele relute em respaldar</p><p>abertamente a Inquisição. As atividades mais recentes</p><p>da Igreja já o deixaram pensativo mais de uma vez.</p><p>Eisen</p><p>A Comunidade recusou-se a participar da Guerra da Cruz...</p><p>até que esta atravessou suas fronteiras. Aí os soldados</p><p>curonianos e rezeplitanos combateram os exércitos invasores,</p><p>empurrando-os para o norte e para o oeste, de volta a</p><p>Eisen. Não foram poucos os que desobedeceram às ordens</p><p>recebidas e continuaram lutando, saqueando e atacando</p><p>o país já arruinado. Nem é preciso dizer que as tensões</p><p>ainda persistem.</p><p>Montaigne</p><p>O rei Stanisław não se deixa impressionar pelo Rei-Sol.</p><p>Ele tem ouvido falar da opressão ao povo de Montaigne,</p><p>da pobreza desumana, dos maus-tratos... tudo a que a</p><p>Liberdade Dourada se opõe. Sua Nação tem relações</p><p>diplomáticas com Montaigne e os dois países mantêm</p><p>embaixadas, mas o rei Stanisław raramente vê a emissária</p><p>montenha. Ela anda ocupada demais bebendo, flertando</p><p>e frequentando as festas pródigas oferecidas pela</p><p>aristocracia endinheirada da Comunidade.</p><p>Nações Piratas</p><p>A Comunidade tem uma relação ambígua com La Bucca.</p><p>Durante anos, o rei usou os bucaneiros para proteger seus</p><p>navios mercantes. Sua atitude se traduzia em: “é pagá-los</p><p>agora ou pagá-los mais tarde”. Agora que o rei está à beira</p><p>da morte, o Sejm adotou um ponto de vista mais obtuso:</p><p>“Bucaneiros e piratas são todos iguais! Negociar com</p><p>piratas é negociar com o próprio sequestrador”.</p><p>Ussura</p><p>Por não ter portos em águas quentes, Ussura acaba</p><p>dependendo da boa vontade alheia para fazer o</p><p>comércio ultramarino. Nessa lista de nações “alheias”</p><p>está a Comunidade. Ussura é um dos parceiros</p><p>comerciais mais importantes da Comunidade. Junte-se</p><p>a isso a proximidade das duas nações ao Império do</p><p>Crescente e Catai, e logo se entende a forte ligação</p><p>política entre Ussura e a Comunidade.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>Stanisław I é visionário o bastante para reconhecer</p><p>que o guilder representa o futuro. Uma mesma moeda</p><p>usada em todo o mundo, facilitando o comércio e, por</p><p>conseguinte, a diplomacia? Sim, sim, mil vezes sim. Além</p><p>disso, os vesteneses estão longe o suficiente para não</p><p>representar uma ameaça militar.</p><p>Vodacce</p><p>Złoczyńca na Zachodzie. “A Vilã do Oeste.” É assim</p><p>que a Comunidade se dirige à Nação vizinha. Vodacce</p><p>controla com mãos de ferro o comércio nos mares do</p><p>sul e parece que nunca vai desistir dele. Enquanto</p><p>governar com tirania os mares do sul, Vodacce sempre</p><p>vai se estranhar com a Comunidade. Contudo, jogar</p><p>os famosos príncipes mercantes uns contra os outros</p><p>tem sido uma estratégia sólida até o momento.</p><p>O Velho Rei sabia fazer isso, mas, com a idade e a</p><p>perda da lucidez, seus êxitos foram esquecidos e só</p><p>restaram os fracassos. Stanisław II — se ficar com</p><p>o trono — terá esse desafio pela frente: estabelecer</p><p>novas relações com os príncipes vodatianos, descobrir</p><p>seus ciúmes mesquinhos e jogar uns contra os outros.</p><p>É uma estratégia arriscada, mas a alternativa seria</p><p>dispendiosa. Dispendiosa demais.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 43</p><p>ç</p><p>Eisen</p><p>“Os sacerdotes vivem nos dizendo que os Profetas vão</p><p>reunir todos nós na outra vida. Acho difícil acreditar</p><p>nisso, já que eles nos separaram nesta aqui.”</p><p>— Niklas Träge, Eisenfürst de Freiburg</p><p>Localizada no centro de Théah, há tempos Eisen</p><p>(AI-zen) tem importância decisiva na política e nas</p><p>guerras teanas. As tropas precisavam obter um salvo-</p><p>conduto para cruzar suas fronteiras, e os acordos</p><p>comerciais muitas vezes dependiam de permitir</p><p>também a travessia de mercadores. Depois da Guerra</p><p>da Cruz, porém, Eisen viu-se devastada. Os campos</p><p>foram reduzidos a lama, não era mais possível pagar</p><p>o soldo das guarnições e os navios mercantes não</p><p>davam a mínima para as tentativas aisenianas de</p><p>cobrar pedágio.</p><p>O povo de Eisen sempre foi orgulhoso. Orgulham-se</p><p>porque seus ancestrais criaram o império da Igreja dos</p><p>Vaticínios para o hierofante e porque esse império durou</p><p>centenas de anos. Orgulham-se porque seu passado é uma</p><p>série de feitos valorosos. Nas condições em que o país hoje se</p><p>encontra, pode-se desculpá-los por tentarem viver no passado.</p><p>Orgulhavam-se do fato de não terem outra forma de magia</p><p>que não aquela que criavam com seu suor e seu sangue…</p><p>…E aí vieram os Horrores.</p><p>Começaram a aparecer no fim da guerra, mas, assim que o</p><p>conflito terminou, chegaram em grande número. Um uivo</p><p>terrível na floresta enluarada... A condessa lívida que vive nas</p><p>trevas no alto da colina... O inventor louco que trabalha com</p><p>cadáveres em seu castelo em ruínas…</p><p>Não bastava Eisen ter sobrevivido à Guerra da Cruz.</p><p>Agora seu povo precisa sobreviver àquilo que o massacre e a</p><p>carnificina conjuraram.</p><p>O sol nasceu e voltou a se pôr para Eisen. Hoje Eisen é um</p><p>país solitário de lama e neve, e os viajantes fazem bem em</p><p>contratar guardas armados.</p><p>Mas, com toda essa conversa sobre Eisen ser uma Nação</p><p>devastada, muita gente deixa passar o fato de que nem todos</p><p>os seus habitantes parecem arruinados. Alguns deles parecem</p><p>simplesmente furiosos.</p><p>Eisen tem um longo histórico de se recuperar de catástrofes</p><p>e, quanto pior o desastre, mais impressionante a volta por</p><p>cima costuma ser. Neste exato momento, ela é fragmentária</p><p>e desagradável, mal assombrada e oprimida, mas ainda vai se</p><p>livrar dos Horrores. Vai unir sua gente. E vai ser uma única</p><p>Nação. O país não é tão bonito quanto Avalon, sua nobreza</p><p>não é tão imponente quanto a de Montaigne, mas sua gente</p><p>é orgulhosa e não vai deixar um pouco de lama e sangue</p><p>conspurcar sua dignidade.</p><p>As pessoas que dizem não haver beleza em Eisen não sabem</p><p>onde procurá-la. Em Eisen contam-se histórias que falam de</p><p>atos desesperados de ousadia,</p><p>nas quais as palavras “herói” e</p><p>“coragem” nunca são usadas levianamente.</p><p>Mais que qualquer outra Nação, Eisen aprendeu que a</p><p>unidade nacional é importante, sobretudo porque a união que</p><p>Eisen</p><p>44 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>havia foi extirpada em nome da religião. A Guerra da Cruz</p><p>não começou com aisenianos combatendo montenhos nem</p><p>castilhanos: começou com os vaticinistas de Eisen lutando</p><p>com seus objecionistas. Contudo, depois de tanto sangue</p><p>derramado e de tantas cidades reduzidas a cinzas, ficou claro</p><p>que eram apenas aisenianos matando aisenianos.</p><p>Por causa dessa dissidência interna, os aisenianos hoje</p><p>são tratados com um leve desdém pelo resto de Théah. Sua</p><p>perícia no campo de batalha, entretanto, continua superior</p><p>à de qualquer outra Nação teana: até mesmo Montegue,</p><p>o magnífico general montenho, tem como consultor um</p><p>sargento aiseniano.</p><p>Como qualquer outra Nação de Théah, Eisen se encontra</p><p>numa encruzilhada. As pessoas mais importantes são seus</p><p>príncipes, que têm a obrigação de ser a força unificadora de</p><p>que a Nação precisa. O príncipe que angariar a lealdade de</p><p>seu povo vai determinar o papel que a Nação desempenhará</p><p>no palco da política mundial pelos próximos duzentos anos.</p><p>Théah está prestes a seguir o mesmo caminho que Eisen</p><p>vem trilhando há três décadas. Está à beira de perceber que o</p><p>orgulho nacional é capaz de unificar um povo mais do que a</p><p>religião. Os aisenianos já chegaram lá. E estão reconstruindo.</p><p>Mas, por ora, Eisen é uma baderna. O povo sabe disso e</p><p>não gosta de ser lembrado desse fato. É como entrar na casa</p><p>de alguém e dizer: “Mas que latrina”. Os aisenianos podem</p><p>se queixar de seu país, mas ainda o amam. O montenho que</p><p>entrar num vilarejo e disser algo desdenhoso sobre o país</p><p>acabará coberto de piche e penas antes do fim do dia.</p><p>O País</p><p>Eisen é uma região montanhosa bem no meio de</p><p>Théah que faz fronteira com quase todos os grandes</p><p>países do continente. Os invernos são longos e as</p><p>temperaturas são de arrepiar até mesmo em meados do</p><p>verão. Chove e neva muito em Eisen, o que contribui</p><p>para manter as estradas enlameadas o ano todo.</p><p>Na metade meridional de Eisen ficam as agourentas</p><p>florestas negras, ou Schwarzen Wälder. As pessoas sabem</p><p>que não é bom andar pelas trilhas florestais à noite, por</p><p>temerem o Schattenmann, ou “Homem Sombra”. As</p><p>histórias o descrevem como uma criatura gigantesca de</p><p>pernas e braços finos feito palitos e que porta uma tesoura</p><p>de poda enorme para desmembrar suas vítimas, fazendo-as</p><p>em pedaços com golpes precisos.</p><p>A noroeste das Wälder fica o Südsee, um lago imenso</p><p>que outrora fervilhava com cardumes de peixes de água</p><p>doce. Graças à pesca intensa, já não é mais tão farto quanto</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 45</p><p>ç</p><p>foi um dia. A nordeste dali fica o Unsterbliche Sumpf,</p><p>ou o “Pântano Imortal”, que, segundo se imagina,</p><p>é amaldiçoado.</p><p>O norte de Eisen tem densa cobertura florestal e</p><p>vastas planícies aluviais nas duas margens do Rotstrom,</p><p>um rio largo com bolsões de argila que avermelham</p><p>suas águas. Freiburg (FRAI-burg), a famosa capital</p><p>do comércio, se estende de um lado e outro do médio</p><p>Rotstrom. Existem duas grandes florestas no norte</p><p>de Eisen: a Angenehme Wald e a Liebliche Wald. Ao</p><p>contrário do resto da paisagem aiseniana, essas florestas</p><p>são tidas como lugares seguros e agradáveis de percorrer.</p><p>Claro que, com todos os refugiados desesperados que</p><p>se encontram em Eisen, pode ser que isso logo venha a</p><p>mudar. A Eisenfürst Pösen mantém patrulhas regulares</p><p>nas florestas para remover possíveis bandidos. Mesmo</p><p>assim, ela reluta em desfalcar as patrulhas que cobrem</p><p>as Salzsumpf, as salinas próximas de Insel, seu castelo.</p><p>Sereias se infiltraram no alagado e armam emboscadas</p><p>para pescadores e outros viajantes. Pösen não quer que</p><p>elas se aventurem em seu território.</p><p>Nas montanhas que margeiam Eisen ao norte e</p><p>ao leste, os moradores contam histórias sobre os</p><p>drachen, criaturas enormes veneradas pelos aisenianos.</p><p>Antigamente, os nobres caçavam os drachen para provar</p><p>seu valor. De fato, a imagem do drachen hoje é sinônimo</p><p>dos conceitos de força e poder. Não existe lembrança</p><p>de nobre algum que tenha realmente confrontado</p><p>uma dessas feras, mas as histórias sobre drachen que</p><p>destroçaram cidades inteiras com suas garras imensas</p><p>ainda persistem.</p><p>As minas de ferro de Eisen também ficam nas</p><p>montanhas. Fora os mercenários, o ferro é o principal</p><p>produto de exportação do país. O dracheneisen, o</p><p>ferro mágico usado na fabricação da lendária armadura</p><p>de escamas dragontinas de Eisen (drachenschuppe),</p><p>era minerado ali outrora. Infelizmente, as minas de</p><p>dracheneisen são uma lembrança remota, assim como os</p><p>drachen, e as minas antigas encontram-se desocupadas</p><p>e mal assombradas. O pouco dracheneisen que resta é</p><p>utilizado no combate aos Horrores de Eisen. A matéria-</p><p>prima mais preciosa da Nação pode funcionar tanto</p><p>como arma quanto uma espécie de proteção contra os</p><p>Horrores. Muitos deles são invulneráveis aos meios</p><p>tradicionais, mas o dracheneisen, por alguma razão, é</p><p>capaz de feri-los e até mesmo destruí-los.</p><p>O Povo</p><p>Apesar de Eisen ser uma grande ruína mal</p><p>assombrada, seu povo não se deixa abater. Longe</p><p>disso. Algumas pessoas sucumbiram aos horrores</p><p>da guerra, mas aquelas que persistiram ficaram</p><p>mais fortes depois das atrocidades que sofreram. Os</p><p>aisenianos têm mais experiência em combate que</p><p>qualquer outro povo. Os exércitos de boa parte das</p><p>nações de Théah contam com um consultor aiseniano</p><p>para traçar suas táticas e estratégias.</p><p>Já que tinham pouquíssima outra coisa a oferecer, os</p><p>aisenianos passaram a vender a guerra. Suas academias</p><p>militares são as melhores de Théah, e o simples fato de</p><p>alguém ter nascido em Eisen costuma ser uma boa razão</p><p>para deixá-lo(a) liderar um exército. Os mercenários</p><p>aisenianos geralmente procuram trabalho como soldados,</p><p>guarda-costas ou marujos que defendem embarcações</p><p>contra piratas. Muitos(as) filhos e filhas leais deixaram</p><p>sua terra natal para lutar no estrangeiro e mandar o soldo</p><p>para suas famílias.</p><p>Se há uma coisa que encontra eco no caráter nacional de</p><p>Eisen é a teimosia. Os aisenianos nunca desistem. Podem</p><p>se encolher num canto para tratar das feridas, mas sempre</p><p>acabam voltando, prontos para lutar mais uma vez.</p><p>Trinta anos atrás, havia 24 milhões de habitantes em</p><p>Eisen. Hoje são 10 milhões. Quase 6 milhões fugiram</p><p>para outros países. O resto morreu. Em sua maioria,</p><p>não em batalha, e sim de inanição, por causa das</p><p>pestes incubadas nos cadáveres putrefatos e por causa</p><p>das… Coisas.</p><p>E isso transformou os aisenianos num povo austero</p><p>e fragmentado. Com o passar dos anos, famílias foram</p><p>esfaceladas pela morte, a doença e os saqueadores,</p><p>deixando muita gente sozinha no mundo. Algumas</p><p>pessoas se refugiaram na catatonia em vez de lidar</p><p>com o horror. Outras encontraram no fundo de uma</p><p>garrafa uma maneira de mitigar o sofrimento. Mesmo os</p><p>aisenianos que não aparentam ter marcas deixadas pela</p><p>Guerra da Cruz são dados a explosões inesperadas de</p><p>raiva. Essas feridas talvez levem gerações para se fechar.</p><p>Os aisenianos são altos e musculosos e têm uma</p><p>peculiaridade genética que, às vezes, combina cabelos</p><p>castanhos ou pretos com barba ruiva. Seus olhos podem</p><p>ser de qualquer cor, com uma certa predisposição para os</p><p>tons mais claros. Os homens usam barba e cabelos curtos,</p><p>à moda militar, ao passo que as mulheres deixam crescer os</p><p>ç</p><p>46 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>cabelos até a altura dos ombros e, às vezes, prendem-nos em</p><p>tranças. Têm nariz afilado e aquilino e pele clara.</p><p>Camadas Sociais</p><p>Existem quatro classes em Eisen. A primeira é a</p><p>nobreza, ou Adel (tônica no A). Os nobres vivem em</p><p>castelos magníficos deixados por seus antepassados e</p><p>continuam a brigar entre si, disputando cada hectare</p><p>de terra como se este fosse um reino inteiro.</p><p>A segunda classe é a dos mercenários, ou Söldner</p><p>(ZOELD-ner). Depois dos Adel, os Söldner são as</p><p>pessoas mais ricas de Eisen. Costumam criar academias</p><p>para treinar os Söldner jovens quando</p><p>Toques Finais . . . . . . . . . . . . . . . . 165</p><p>Passo 4: Ação e Drama 168</p><p>Atributos. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171</p><p>Perícias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171</p><p>Riscos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176</p><p>Consequências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176</p><p>Oportunidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176</p><p>Requinte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177</p><p>Pressão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 178</p><p>Pontos Heroicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179</p><p>Pontos de Perigo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 179</p><p>Sequência de Ação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 180</p><p>Desamparado . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183</p><p>“Eu Fracasso” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184</p><p>“Eu Me Esquivo” . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 184</p><p>Exemplo de Sequência de Ação . . . . . . . . . . 185</p><p>Sequências Dramáticas . . . . . . . . . . . . . . . . 188</p><p>Exemplo de Sequência Dramática . . . . . . . . . 190</p><p>Regras de Mestre . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 193</p><p>Pelotões de Brutamontes . . . . . . . . . . . . . 193</p><p>Vilões. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194</p><p>Monstros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 198</p><p>Histórias de Mestre . . . . . . . . . . . . . . . . . 201</p><p>Corrupção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 204</p><p>Capítulo 5: Feitiçaria 208</p><p>Hexenwerk . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 208</p><p>Cavaleiros de Avalon . . . . . . . . . . . . . . . . . 212</p><p>Condão de Mãe (Dar Matuchki) . . . . . . . . . . . 220</p><p>Porté . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 222</p><p>Sandėris . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225</p><p>Sortilégio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 231</p><p>Capítulo 6: Duelos 236</p><p>Guilda dos Duelistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . 238</p><p>Manobras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 238</p><p>Estilos Duelistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 240</p><p>Capítulo 7: Navegação 244</p><p>O Que é um Marinheiro? . . . . . . . . . . . . . . . . 246</p><p>Tipos de Marinheiros. . . . . . . . . . . . . . . . . . 247</p><p>A Tripulação do Navio . . . . . . . . . . . . . . . . . 248</p><p>Superstições . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 250</p><p>Sua Nau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 251</p><p>História da Embarcação. . . . . . . . . . . . . . . . 252</p><p>Detalhes . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 256</p><p>Batalhas Navais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 258</p><p>Monstros Marinhos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259</p><p>No Mesmo Barco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 259</p><p>Capítulo 8: Sociedades Secretas 260</p><p>Filiação a uma Sociedade Secreta . . . . . . . . . . 262</p><p>Favor . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 263</p><p>Sociedades Secretas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 264</p><p>Irmandade da Costa . . . . . . . . . . . . . . . . . 264</p><p>Die Kreuzritter . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 265</p><p>A Sociedade dos Exploradores . . . . . . . . . . 267</p><p>Colégio Invisível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 268</p><p>Cavaleiros da Rosa e Cruz . . . . . . . . . . . . . 270</p><p>Los Vagabundos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 271</p><p>Močiutės Skara. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272</p><p>Rilasciare . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 273</p><p>Filhas de Sophia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 275</p><p>Novus Ordo Mundi . . . . . . . . . . . . . . . . . 276</p><p>Capítulo 9: Mestre 278</p><p>Cartola de Autor. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 282</p><p>Cartola de Árbitro. . . . . . . . . . . . . . . . . . . 292</p><p>Cartola de Narrador . . . . . . . . . . . . . . . . . 299</p><p>Finda a Sessão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 302</p><p>Vilões . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 304</p><p>Apêndice 308</p><p>Ficha de Personagem . . . . . . . . . . . . . . . . . . 312</p><p>ç</p><p>4 OSSOS DO OFÍCIO</p><p>Ossos do Ofício</p><p>de Jennifer Mahr</p><p>À luz baça da taverna, Oliver passou os olhos</p><p>pelos dez ou doze homens zangados que se</p><p>aproximavam, espadas desembainhadas, cheios</p><p>de expectativa e de cara fechada. Olhou de relance</p><p>para sua inesperada companheira. Apesar da baixa</p><p>estatura, a mulher era de constituição robusta, mas</p><p>dava a impressão de que ficaria mais à vontade com</p><p>uma caneca do que com uma arma nas mãos.</p><p>— Espero que saiba usar uma espada — disse Oliver,</p><p>de olho na turba que se aproximava.</p><p>A companheira bufou de desdém.</p><p>— Espero que saiba lutar de vestido — ela</p><p>falou devagar, arredondando as palavras com seu</p><p>sotaque vestenês.</p><p>Oliver baixou rapidamente os olhos para a esvoaçante</p><p>camisola rosada que drapejava à altura de suas</p><p>panturrilhas e amaldiçoou os espíritos caprichosos que,</p><p>graças a um senso de humor malicioso, sem dúvida</p><p>alguma o haviam colocado naquela situação.</p><p>Aí ele avançou com um salto, desceu da mesa sobre a</p><p>qual estavam e baixou o pomo de sua espada no nariz</p><p>de um homem antes de fazer a lâmina girar para aparar</p><p>o golpe de um outro.</p><p>Não tinha como dar muita atenção à sua</p><p>companheira, mas achou que talvez fosse dela a</p><p>gargalhada alta e jovial que se fez ouvir acima do</p><p>clangor do aço.</p><p>Não era bem isso que ele tinha planejado fazer</p><p>naquele dia.</p><p>Quatro horas antes, o dia de Oliver parecera</p><p>A Day's Work</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 5</p><p>ç</p><p>promissor. Cercado por mármore reluzente e</p><p>pesadas cortinas de seda, ele se via na sala de estar</p><p>excessivamente opulenta do nobre montenho que</p><p>havia contratado seus serviços. O senhor Descoteaux</p><p>estava acomodado num sofá botonê, feito um rei em</p><p>seu trono. Ou melhor, lembrou-se Oliver, feito um</p><p>imperador. A atenção do marquês voltava-se para</p><p>a taça de vinho que ele trazia na mão, um líquido</p><p>levemente dourado que cintilava à luz da manhã já</p><p>bem avançada. Ele estudou o vinho com o interesse</p><p>disciplinado que Oliver já tinha visto outros homens</p><p>dedicarem a cavalos ou colheitas, fazendo o líquido</p><p>girar com um movimento hábil do pulso antes de tocar</p><p>a borda da taça com os lábios.</p><p>Oliver esperava em silêncio, exatamente como o</p><p>criado que trouxera o vinho e agora aguardava em</p><p>posição de sentido, com a bandeja de prata nas mãos,</p><p>invisível até o momento em que lhe dirigissem a</p><p>palavra. Os dois não passavam de mobília ali naquela</p><p>sala, apesar de serem muito menos interessantes e</p><p>consideravelmente mais baratos. Ele teria se ressentido</p><p>se o espadachim que o recomendara para o serviço não</p><p>tivesse lhe avisado que era bem aquilo que deveria</p><p>esperar.</p><p>O senhor Descoteaux pausou, retendo o vinho na</p><p>boca, cantarolou de lábios cerrados por um instante,</p><p>pensativo, daí engoliu a bebida. Satisfeito, ao que</p><p>parecia, ele acenou distraidamente para o criado que</p><p>segurava a bandeja de prata e o dispensou antes de se</p><p>voltar para Oliver.</p><p>— Tenho apenas uma filha — começou, sem mais</p><p>preâmbulos. — É adorável, mas muito reservada. Ela</p><p>não se presta a uma viagem ao campo, e é por isso que</p><p>nunca a levo comigo. — Fez nova pausa, inspirando</p><p>fundo depois de levar o vinho ao nariz avantajado. —</p><p>Normalmente, eu a deixaria aqui com alguns de meus</p><p>guardas, mas não tenho essa opção. Meus dois filhos</p><p>estão fora a negócios, em Vesten e Vodacce, e meus</p><p>guardas já estão desfalcados. Minha intenção é levar o</p><p>que sobrou deles comigo numa viagem ao interior para</p><p>uma reunião importante.</p><p>Uma reunião importante que Oliver já sabia não</p><p>passar de uma panelinha de nobres que se encontravam</p><p>num chalé de caça bem longe da cidade para beber até</p><p>cair e atirar com os mosquetes em qualquer coisa que</p><p>lhes passasse pela frente.</p><p>Ele concordou com um aceno solene da cabeça e</p><p>nada disse.</p><p>— Portanto, estou precisando de um espadachim de</p><p>boa reputação que possa ficar aqui e proteger minha</p><p>menininha. Você foi recomendado.</p><p>Oliver entendeu</p><p>já estão velhos</p><p>demais para continuar combatendo.</p><p>A terceira classe é a dos camponeses, ou Bauern (BAU-ern).</p><p>Ainda se apegam a seu estilo de vida, tirando seu ganha-pão</p><p>da terra cada vez mais infértil de Eisen. Já suportaram</p><p>um bocado de agruras e sofrimentos, e há entre eles uma</p><p>tendência a se enfurecer que vem aumentando cada vez mais.</p><p>A última classe de Eisen foi criada durante a Guerra da</p><p>Cruz. São chamados de Waisen (VAI-zen), ou “os órfãos”.</p><p>Seus lares foram destruídos e suas famílias, mortas pelos</p><p>sodados que travavam a Guerra da Cruz. Vagam pelos</p><p>campos arruinados de Eisen com seus cajados, em busca</p><p>de raízes comestíveis e outros escassos suprimentos. A</p><p>maioria não dura muito e morre de fome ou doente, e</p><p>aqueles que sobrevivem muitas vezes são executados por</p><p>invadir as terras que um dia eles consideraram ser sua</p><p>pátria. Dizem os Adel: “É fácil identificá-los. Eles não se</p><p>protegem quando são espancados.”</p><p>Etiqueta</p><p>Os aisenianos são francos. Entendem a necessidade de</p><p>agir com tato e tomam cuidado com o que falam, mas</p><p>dizem às pessoas de quem não gostam exatamente</p><p>como se sentem. Os aisenianos têm grande respeito</p><p>pela verdade e consideram segredos ou mentiras um</p><p>fardo para a alma. Suportam esse peso por um amigo</p><p>ou quando é necessário fazê-lo para manter a cabeça</p><p>ligada ao pescoço, mas não veem motivo para poupar</p><p>os sentimentos de alguém de quem já não gostavam.</p><p>Ao desenvolver laços fortes de amizade com alguém,</p><p>o aiseniano pode se referir ao amigo ou à amiga como</p><p>seu/sua Rücken (RI-ken), ou “Retaguarda”. Significa</p><p>que o aiseniano confiaria nessa pessoa para defender</p><p>sua retaguarda em batalha. O aiseniano não cogita ser</p><p>abandonado por sua Rücken em combate, a menos que ele</p><p>tenha lhe pedido para não interferir, como, por exemplo,</p><p>num duelo de honra. Tendo a Rücken a seu lado para</p><p>cobrir suas costas, o aiseniano nem sequer olhar para trás.</p><p>Ele confia em sua Rücken para cuidar da retaguarda.</p><p>Os costumes aisenianos são um tanto rudes, algo com</p><p>que muitos estrangeiros estão desacostumados. Os</p><p>amigos se abraçam com uma certa brutalidade quando se</p><p>reencontram depois de uma longa separação, e a maioria</p><p>dos aisenianos tem dificuldade para falar em voz baixa</p><p>em situações sociais, pois suas reuniões tendem a ser</p><p>barulhentas e tumultuadas.</p><p>Vestuário</p><p>Os Bauern e os Waisen vestem aquilo que conseguem</p><p>arranjar, geralmente tecidos grosseiros. Muitas vezes,</p><p>os Waisen usam as roupas até estas não passarem de</p><p>farrapos. Os Bauern mais ricos do sexo masculino</p><p>usam casquetes emplumados, ao passo que as</p><p>mulheres vestem aventais.</p><p>Os Söldner vestem peças refinadas de couro</p><p>tingidas em cores vivas. As camisas apresentam</p><p>mangas características, com uma série de cortes</p><p>por todo o seu comprimento. Um chapéu</p><p>emplumado e de abas largas oferece um</p><p>pouco de sombra em dias ensolarados</p><p>e proteção contra a chuva.</p><p>Os Adel do sexo masculino</p><p>acompanham a moda da</p><p>nobreza estrangeira, com</p><p>algumas distinções ímpares.</p><p>Usam calças compridas e</p><p>justíssimas, com saiotes até as</p><p>coxas presos por uma única</p><p>faixa, e chapéus rasos e de</p><p>abas largas. As mulheres</p><p>também acompanham a moda</p><p>internacional, mas preferem</p><p>as pequenas golas de renda</p><p>aos colarinhos bufantes, tão</p><p>populares em outros locais.</p><p>Têm predileção por roupas de</p><p>cores vivas.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 47</p><p>ç</p><p>Alimentação</p><p>A dieta dos Waisen consiste em qualquer coisa que</p><p>os camponeses possam encontrar: tubérculos velhos,</p><p>ratos mortos, repolhos roídos e o que mais consigam</p><p>surrupiar, até mesmo os animais de estimação dos</p><p>Söldner e Adel.</p><p>Os Bauern, em comparação, saem-se um pouco melhor.</p><p>Podem ficar com uma parte de seja qual for a cultura que</p><p>plantaram nos “lamaçais” de Eisen, geralmente cereais e</p><p>tubérculos. Eles bebem água, pois a cerveja há tempos ficou</p><p>cara demais, a não ser para os Bauern mais ricos. Quando</p><p>têm sorte, a água é límpida e não transmite doenças. A</p><p>manteiga ainda é o centro de todas as refeições. Costuma</p><p>ser servida numa tigela na qual se pode mergulhar o pão.</p><p>Este muitas vezes tem a função extra de servir de talher,</p><p>conduzindo as ervilhas para os garfos ou outros utensílios.</p><p>Os Söldner e Adel apresentam uma dieta mais variada.</p><p>Importam verduras, legumes e frutas para servir em suas</p><p>mesas e, com a parte que lhes cabe dos cereais cultivados</p><p>pelos Bauern, sustentam cabeças de gado e ovelhas,</p><p>garantido um suprimento razoavelmente estável de carne.</p><p>Boa parte dessa carne é desidratada ou transformada</p><p>em linguiça para que não estrague. As bebidas alcoólicas</p><p>são muito comuns no país e abastecem a sede insaciável</p><p>dos soldados.</p><p>Costumes</p><p>Trata-se de um período atípico na história de Eisen,</p><p>com o abandono de tradições e costumes de longa data</p><p>por não serem nada práticos. É comum os feriados</p><p>deixarem de ser comemorados, pois os homens se</p><p>matam de trabalhar em infindáveis obras públicas para</p><p>reconstruir o país. Presentear tornou-se uma troca de</p><p>produtos artesanais, já que os bens manufaturados</p><p>estão totalmente fora da faixa de preços que os Bauern</p><p>consideram acessível.</p><p>Graças à recente escassez de alimentos, as crianças</p><p>são sempre as primeiras a comer em Eisen. Até mesmo</p><p>convidados de honra esperam educadamente que todas</p><p>as crianças sejam servidas antes de eles próprios comerem.</p><p>A visita que agir de outra maneira será repreendida e</p><p>provavelmente não será convidada a voltar.</p><p>Além disso, virou costume os convidados trazerem</p><p>consigo comida suficiente para eles e seus anfitriões,</p><p>como um “presente”. Na verdade, é só uma maneira de</p><p>garantir que os anfitriões não vão passar fome por servir</p><p>ao convidado a melhor comida que tinham a oferecer.</p><p>Os Bauern acreditam que dá azar ferir ou tocar um</p><p>Waisen, como se seu infortúnio fosse contagioso. A única</p><p>maneira de evitar essa má sorte — pelo menos é o que se</p><p>acredita — seria tomar um banho meticuloso para lavá-la.</p><p>Arte e Música</p><p>A arte e a música aisenianas têm menos a ver com as forças</p><p>armadas do que seria de esperar. Muitas de suas obras</p><p>mais famosas retratam cenas de beleza idílica e algumas</p><p>das paisagens mais espetaculares de todo o mundo.</p><p>Talvez os aisenianos já vejam guerra suficiente em suas</p><p>vidas cotidianas.</p><p>Nomes</p><p>A maioria dos aisenianos tem três nomes: um primeiro</p><p>nome, um sobrenome e um ehrenname, ou “nome de honra”.</p><p>O sobrenome passa de pai para filho(a), como de costume.</p><p>Por fim, a criança recebe o ehrenname para homenagear</p><p>um(a) amigo(a) ou parente dos pais. Geralmente é o</p><p>primeiro nome da pessoa homenageada. Para um aiseniano,</p><p>dar à sua primogênita o nome de uma amiga é a maior</p><p>homenagem que ele pode fazer. Em casos raros, homens</p><p>recebem o nome de uma mulher como seu ehrenname e</p><p>vice-versa. Pode ser engraçado, mas rir do ehrenname de</p><p>um(a) aiseniano(a) é uma ofensa fatal.</p><p>Ao se apresentar, o aiseniano anuncia seu primeiro nome,</p><p>seu ehrenname e seu sobrenome. Por exemplo, se um</p><p>homem se apresentar como “Gregor Friedrich Damaske”,</p><p>estará dizendo que seu primeiro nome é Gregor, seu</p><p>sobrenome é Damaske e seu ehrenname é Friedrich.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Adrian, Bernhard, Dirk,</p><p>Erich, Gustav, Hans, Josef, Kurt, Lorenz, Max, Oliver,</p><p>Philip, Reinhard, Rolf, Stefan, Volker, Wenzel, Willi, Xaver</p><p>Nomes Femininos Comuns: Anna, Cordula, Cornelia,</p><p>Dora, Eva, Gabriele, Ingrid, Janina, Kirstin, Lena, Margrit,</p><p>Mona, Nina, Ruth, Sigrid, Silvia, Tina, Ursula.</p><p>ç</p><p>48 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Religião</p><p>Os aisenianos se dividem em vaticinistas e</p><p>objecionistas. Suas igrejas exibem a austeridade típica</p><p>de sua cultura. Não acreditam em demonstrações</p><p>vistosas e inúteis de riqueza, mas são muito religiosos.</p><p>Os Bauern costumam discutir religião com os vizinhos</p><p>ao trabalhar com eles no inverno para construir estradas, e</p><p>pode-se esperar que os Adel doem até cinquenta por cento</p><p>de sua renda anual para suas igrejas.</p><p>Existe uma prática exclusiva da sucursal aiseniana da Igreja</p><p>dos Profetas e comum aos vaticinistas e objecionistas. Todos</p><p>os Söldner usam colares de ferro gravados com a insígnia</p><p>de</p><p>um(a) aiseniano(a) particularmente devoto(a) que também</p><p>tenha sido Söldner outrora. Esses colares são conhecidos</p><p>como Heiligen (RAI-li-guen). Os aisenianos acreditam que</p><p>o espírito do(a) Söldner devoto(a) intercederá pelo usuário</p><p>junto ao Criador, para livrá-lo do mal.</p><p>Quatro homens costumam ser os mais homenageados nos</p><p>Heiligen. Os mais populares portam a insígnia do falecido</p><p>imperador Weiss, um homem com uma coroa de estrelas</p><p>em volta da cabeça. Weiss é lembrado por sua política de</p><p>liberdade religiosa. A segunda insígnia mais comum é a</p><p>do imperator Gottschalk I, a cruz da Igreja dos Profetas.</p><p>Gottschalk criou o papado vodatiano e o entregou nas</p><p>mãos do hierofante. Os objecionistas costumam usar um</p><p>Heiligen com a imagem de um lobo gravada. Apesar de ser a</p><p>insígnia de Stefano Wulf, e de ele não ter sido um aiseniano</p><p>de verdade, muitos objecionistas o consideram o homem</p><p>mais santo desde os tempos de Mattias Lieber. O último</p><p>dos quatro Heiligen mais importantes ostenta a insígnia</p><p>do general Stauss, um gavião em voo. Stauss foi, em vida, o</p><p>campeão dos vaticinistas de Eisen e é lembrado com carinho</p><p>por eles.</p><p>Política</p><p>Eisen se desfez em sete königreiche, ou “reinos</p><p>cidades-estados”. Cada um deles é governado por um</p><p>Eisenfürst, ou “príncipe de ferro”. O título é originário</p><p>das famílias nobres que outrora controlavam as minas</p><p>que produziam o valioso dracheneisen: um metal mais</p><p>forte e bem mais leve que o aço. Esse metal era usado</p><p>tradicionalmente para criar armas e armaduras de</p><p>qualidade superior para a nobreza aiseniana, mas,</p><p>depois da Guerra da Cruz, boa parte desse arsenal se</p><p>perdeu, foi roubada ou destruída.</p><p>Cada príncipe de ferro governa seu reino à sua</p><p>própria maneira. Alguns, como Elsa Pösen, mantêm</p><p>um controle rígido sobre o comércio e a soldadesca.</p><p>Outros, como Roswitha von Wirsche, permitem que</p><p>seus subordinados governem o reino. O exemplo</p><p>mais extremo dessa opção de não se envolver é</p><p>Niklas Träge, que não cobra impostos nem tarifas e</p><p>só ocasionalmente se mete na política.</p><p>Governo</p><p>As fronteiras entre os königreiche são irregulares</p><p>e muitas vezes imprecisas. Não é incomum dois</p><p>príncipes de ferro reivindicarem a posse de uma</p><p>mesma região de Eisen. As práticas governamentais</p><p>variam de um lugar para outro.</p><p>Freiburg</p><p>O primeiro königreich é o mais singular de todos.</p><p>É conhecido como Freiburg, ou “Cidade Livre”, e</p><p>governado por Niklas Träge, um dos primeiros</p><p>ateus a chegar ao poder em Théah. Träge foi um</p><p>general respeitado durante a Guerra da Cruz. Com</p><p>o transcorrer da guerra, sua convicção passou de “o</p><p>Criador vai nos proteger” para “como é que o Criador</p><p>pode permitir uma coisa destas”, e daí para “não existe</p><p>Criador algum”. Ele acredita que qualquer pessoa é</p><p>capaz de traí-lo pela quantia certa e é famoso por se</p><p>embebedar e insultar os sacerdotes que passam pela</p><p>rua. “Não confie em ninguém que acredite em contos</p><p>de fadas” é um conselho que se costuma ouvir saindo</p><p>da boca de Träge. Apesar de tudo isso, Träge faz todo</p><p>o possível por seu povo. Ele não culpa as pessoas por</p><p>seus defeitos morais: simplesmente usa essa fraqueza</p><p>para manipulá-las e levá-las a fazer o que é “certo”.</p><p>Uma torre alta ergue-se no centro da cidade e é</p><p>conhecida apenas como a Wachtturm, “Torre de</p><p>Vigia”. Träge reivindica apenas as terras que enxerga</p><p>do alto dessa torre e não tem vontade de governar um</p><p>königreich maior.</p><p>A economia de Freiburg se baseia no livre comércio.</p><p>Träge não arrecada impostos e garante a discrição</p><p>para que a origem de certas mercadorias questionáveis</p><p>jamais seja revelada. Na verdade, Träge faz de tudo</p><p>para não governar a cidade. Ele simplesmente faz valer</p><p>a pena que as pessoas se autogovernem, cuidem de sua</p><p>própria proteção etc. Não obstante, está convencido</p><p>de que Freiburg não sobreviverá para completar cinco</p><p>anos de existência. São muitos os Eisenfürsten ávidos</p><p>por terras nas vizinhanças e, se há uma coisa com a</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 49</p><p>ç</p><p>qual os cleros vaticinista e objecionista concordam é</p><p>que um soberano ateu ameaça o poder da Igreja.</p><p>Wirsche</p><p>Roswitha von Wirsche, uma mulher que perdeu</p><p>o marido e três filhos na Guerra da Cruz, governa</p><p>o segundo königreich. Durante algum tempo, ela</p><p>desistiu da vida e deixou suas terras se degradarem.</p><p>Aí alguma coisa mudou. Suas fazendas estão entre</p><p>as mais produtivas de Eisen, suas terras parecem</p><p>vicejar. O reino de Wirsche foi completamente</p><p>assolado durante a guerra, mas, hoje em dia, é algo</p><p>que mal se percebe. As pessoas também mudaram:</p><p>trabalham diligentemente, mas trancam as portas à</p><p>noite. E, se você visitar o condado de Wirsche, não</p><p>se incomode com gentilezas: as pessoas não vão</p><p>falar com você. Elas não se atrevem. Pode ser que a</p><p>condessa esteja ouvindo.</p><p>Pösen</p><p>Elsa Pösen governa o terceiro königreich. Elsa é uma</p><p>mulher grande, imensamente forte e uma guerreira capaz.</p><p>Ela também é arrogante e incrivelmente teimosa. Seu</p><p>königreiche ocupa o canto nordeste de Eisen e é o mais</p><p>próspero de todos, com a provável exceção de Freiburg. O</p><p>reino de Pösen sobreviveu à Guerra da Cruz e saiu dela</p><p>praticamente ileso. Possui terras férteis e minas de ferro</p><p>aparentemente insondáveis.</p><p>Heilgrund</p><p>Stefan Heilgrund governa o quarto königreich e</p><p>vive preparando o terreno para o dia em que Eisen</p><p>voltará a ser uma só Nação sob seu domínio. Os</p><p>outros Eisenfürsten o veem como um jovem tolo e</p><p>impetuoso, e eles não têm a menor intenção de se</p><p>submeter a Heilgrund. Niklas Träge de Freiburg é o</p><p>único que fala com ele, pois enxerga Heilgrund como</p><p>um instrumento a ser usado. Circulam boatos de</p><p>que Stefan coleciona livros e objetos ocultistas para</p><p>alguma finalidade desconhecida.</p><p>Fischler</p><p>O quinto königreich é governado por Falk Fischler,</p><p>um homem lúgubre e sorumbático. Seu königreich</p><p>se formou a partir de pedaços de Sieger e Hainzl,</p><p>algo que Erich Sieger jamais perdoou. Boa parte</p><p>da depressão de Falk se deve ao fato de sua</p><p>recém-descoberta fortuna não ter aliviado sua solidão.</p><p>Antes, ele se via cercado por nobres que zombavam</p><p>dele e o menosprezavam porque ele era pobre. Agora</p><p>se vê cercado por nobres aduladores que prestam</p><p>atenção a cada uma de suas palavras só porque</p><p>ele detém poder e dinheiro. O reino de Fischler</p><p>contorna o Südsee, e boa parte de sua renda vem da</p><p>pesca. Infelizmente, o pescado diminui de ano para</p><p>ano, e Falk já cogitou proibir a pesca durante algum</p><p>tempo para deixar o lago se recuperar. Com ou sem a</p><p>proibição, o resultado poderia ser a ruína econômica</p><p>de sua gente.</p><p>Sieger</p><p>O sexto königreich pertence a Erich Sieger.</p><p>Tecnicamente, pertencia a um nobre castilhano no</p><p>fim da Guerra da Cruz, mas, quando os soldados</p><p>chegaram para tomar posse, viram um louco trancado</p><p>na fortaleza, disposto a lutar até a morte por um</p><p>pedaço de terra queimada e salgada. Decidiram que</p><p>não valia as vidas que seriam perdidas e voltaram para</p><p>casa. Desde então, Sieger enfrenta dificuldades para</p><p>alimentar seu povo e continua a perder habitantes para</p><p>os königreiche vizinhos. Ele parece completamente</p><p>focado em manter suas propriedades, contra tudo e</p><p>contra todos, e pode ser que sua absoluta e sanguinária</p><p>teimosia o leve de fato a ter êxito.</p><p>Hainzl</p><p>O sétimo e último königreich é governado por Georg</p><p>Hainzl, um homem agradável e jovial, praticamente</p><p>intocado pela bárbara Guerra da Cruz. Na verdade,</p><p>ele costumar passar ileso pela realidade em geral.</p><p>Transformou suas terras num lugar de arte e beleza e</p><p>continua a ser um mecenas generoso para os músicos.</p><p>Seu castelo encerra cômodos decorados com temas</p><p>extraídos de óperas famosas e a fachada parece ter</p><p>saído de um conto de fadas. A renda de Hainzl</p><p>provém de suas minas de ferro, as melhores de toda</p><p>a Eisen.</p><p>Economia</p><p>Os principais artigos de exportação de Eisen são</p><p>o ferro, a madeira e o carvão, que atingem preços</p><p>elevados nos mercados estrangeiros. É uma sorte, pois</p><p>Eisen é obrigada a importar quarenta por cento de sua</p><p>alimentação graças à devastação deixada pela Guerra</p><p>ç</p><p>50 CAPÍTULO 2 |</p><p>THéAH</p><p>da Cruz. Os Eisenfürsten controlam o comércio em</p><p>toda parte, exceto em Freiburg.</p><p>Sob os imperatoris, a moeda cunhada em Eisen</p><p>era o marco, uma pequena moeda de prata mais ou</p><p>menos do mesmo tamanho da menor unha das mãos</p><p>do imperador. Oito marcos fazem um guilder. No</p><p>entanto, apenas certos Eisenfürsten ainda aceitam os</p><p>marcos como moeda corrente.</p><p>Depois do Tratado de Weissberg, Freiburg começou</p><p>a usar o guilder como sua moeda corrente e também</p><p>passou a cunhar os pfennige (singular pfennig;</p><p>FE-nig), que equivalem a um décimo de guilder, com</p><p>a permissão da Liga de Vendel. Desde então, Pösen,</p><p>Fischler e Hainzl seguiram o exemplo.</p><p>Heilgrund, Wirsche e Sieger continuam a usar</p><p>o marco, mas por razões diferentes. Heilgrund</p><p>espera usar a moeda para unificar Eisen, fazendo a</p><p>população se lembrar de uma época mais gloriosa.</p><p>Por que Sieger continua a usar o marco, não se sabe:</p><p>provavelmente é só mais um sintoma da loucura que</p><p>o fez desafiar Castilha. Ele parece desafiar as pessoas</p><p>pelo simples motivo de estar em condições de fazê-lo.</p><p>Talvez Wirsche continue a usar o marco por tradição.</p><p>Ninguém sabe ao certo.</p><p>Os cambistas da Guilda em Freiburg continuam</p><p>a comprar marcos, trocando-os por guilders,</p><p>mas não os vendem mais. Estão tentando tirar o</p><p>marco de circulação, pois não é endossado por um</p><p>governo estável.</p><p>Forças Armadas</p><p>Bandos de Mercenários</p><p>Boa parte da presença militar em Eisen consiste de</p><p>bandos de mercenários e das guardas particulares</p><p>dos Eisenfürsten. Já que as guardas particulares são</p><p>formadas por não mais de dez ou vinte membros, os</p><p>bandos de mercenários vão decidir o futuro das forças</p><p>armadas de Eisen.</p><p>A maioria dos bandos já vem de antes da Guerra</p><p>da Cruz. Muitos lutaram de ambos os lados</p><p>envolvidos na guerra em algum momento. Cada</p><p>um deles se distingue por um estandarte e um grito</p><p>de guerra próprio no campo de batalha. A maioria</p><p>das companhias também tem um estatuto que</p><p>estabelece as normas de conduta e distribui as quotas</p><p>da remuneração.</p><p>Um dos bandos mais famosos de Eisen é o</p><p>dos Blutgeister, ou “Espíritos de Sangue”, cujo</p><p>grito de guerra — “Fliegt Geister!”, que se traduz</p><p>por “Espíritos, voem!”— enche de temor quem</p><p>os confronta.</p><p>Quanto às guardas particulares dos Eisenfürsten,</p><p>somente duas são dignas de nota. A guarda de</p><p>Elsa Pösen se destaca por sua lealdade e habilidade</p><p>extremas. A segunda, a guarda de Erich Sieger, é o</p><p>grupo de Söldner mais cruel e empedernido de toda</p><p>a Eisen.</p><p>Academias Militares</p><p>As escolas aisenianas de tática são reconhecidas</p><p>como as melhores do mundo. Os alunos não só</p><p>aprendem a combater, mas também a mostrar às</p><p>outras pessoas como lutar. Quatro dessas escolas são</p><p>reconhecidas como as melhores dentre as melhores:</p><p>Steil, Unabwendbar, Klippe e Gelingen.</p><p>Steil situa-se em Gottkirchen e foi fundada</p><p>há apenas sete anos por um primo do falecido</p><p>imperador Riefenstahl. Desde então, seu êxito tem</p><p>sido fenomenal, e a escola rejeita mais da metade dos</p><p>alunos que se candidatam a uma vaga. O currículo</p><p>enfatiza as manobras de cavalaria e exercícios</p><p>de infantaria.</p><p>Unabwendbar fica em Starkbrunn e funciona,</p><p>principalmente, como escola tática, com pouca ênfase</p><p>no treinamento para o combate. Ensina uma filosofia</p><p>conhecida como Unwiderstehlich, ou “Irresistível”.</p><p>Os alunos aprendem a acatar, e não resistir ao</p><p>inevitável. Seu foco passa a ser aquilo no que podem</p><p>se destacar, tanto no campo de batalha como na vida.</p><p>Podem parecer um pouco insensíveis às vezes, mas,</p><p>se ignoram uma investida malograda da cavalaria, é</p><p>porque não há nada que possam fazer para salvá-la.</p><p>Klippe tem sua sede na cidade de Tannen. Os alunos</p><p>fazem votos de absoluto sigilo em seu primeiro dia na</p><p>escola e, de fato, só aqueles que são convidados podem</p><p>frequentá-la. Klippe é considerada a melhor de todas</p><p>as academias militares de Eisen, e seus alunos muitas</p><p>vezes ficam com as melhores posições depois de</p><p>formados. Infelizmente, a taxa de mortalidade entre</p><p>esses formandos é elevada, o que leva algumas pessoas</p><p>a crer que a escola é amaldiçoada.</p><p>Gelingen foi erigida na margem oposta à de</p><p>Insel. Os alunos aprendem em campo, muitas</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 51</p><p>ç</p><p>vezes acompanhando as patrulhas no interior das</p><p>Salzsumpf. Essas patrulhas desentocam caçadores</p><p>ilegais, ficam de olho em possíveis exércitos invasores</p><p>e perseguem e matam os monstros que acabam</p><p>entrando no pântano. O lema da escola é Lernen durch</p><p>taten, ou “aprenda fazendo”.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>“A única coisa boa a respeito dos avalonianos é que</p><p>sabemos que não se pode confiar neles.” No que</p><p>diz respeito a qualquer aiseniano, é preciso vigiar</p><p>todo avaloniano com muita atenção. Mesmo assim,</p><p>acusar alguém de ser ladrão ou mentiroso é coisa</p><p>séria e, portanto, os aisenianos geralmente guardam</p><p>para si suas opiniões, a menos que tenham provas</p><p>incontestáveis da desonestidade de um avaloniano.</p><p>Castilha</p><p>Os castilhanos são meio esquisitos, mas, em geral, são</p><p>pessoas boas e religiosas. O aiseniano objecionista</p><p>guardará sua denominação em segredo quando</p><p>houver castilhanos por perto. Eles não são famosos</p><p>por sua tolerância.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>Os sármatas são esquisitos. Quase tanto quanto duas</p><p>famílias diferentes vivendo sob o mesmo teto. Se,</p><p>de um lado, todos os seus cidadãos têm os mesmos</p><p>direitos, por outro, eles fazem pactos com demônios.</p><p>Uma Nação estranha, com toda a certeza. Como</p><p>confiar nessa gente?</p><p>Montaigne</p><p>Os montenhos preferem as aparências ao conteúdo,</p><p>e isso é absolutamente desconcertante para os</p><p>aisenianos. Eles veem os montenhos como crianças</p><p>esbanjadoras e arrogantes. Mas costumam ter um</p><p>bocado de dinheiro para jogar fora e, por isso, vale</p><p>a pena ser educado com eles, só por via das dúvidas.</p><p>Nações Piratas</p><p>Não há nada de errado com quem ganha a vida pela</p><p>força das armas. A ameaça representada pelos piratas</p><p>mantém os empregos de muitos aisenianos, e esse</p><p>comércio clandestino costuma parar em Freiburg,</p><p>onde ajuda ainda mais a economia de Eisen. Os</p><p>aisenianos não vão ganhar nada se algo acontecer</p><p>aos piratas.</p><p>Ussura</p><p>Os ussuranos são um povo forte e calado, embora</p><p>um tanto arisco. Um aiseniano dificilmente poderia</p><p>pedir um companheiro de viagem melhor, pois o</p><p>ussurano fica na sua, a menos que irrompa o combate</p><p>— e nesse caso, é perfeitamente capaz de aguentar as</p><p>pontas sozinho.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>Apesar de serem em parte responsáveis pela Guerra</p><p>da Cruz, os vesteneses são combatentes robustos</p><p>e artesãos habilidosos. E, por isso, os aisenianos os</p><p>respeitam... mas não esquecem.</p><p>Vodacce</p><p>Os vodatianos criam uma teia de mentiras em volta de</p><p>suas vítimas, aí se abatem sobre os corpos indefesos</p><p>e fazem um banquete. Havendo um vodatiano</p><p>por perto, fique sempre de olho nele, para que não</p><p>apunhale você pelas costas.</p><p>52 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>Inismore</p><p>Não se pode simplesmente falar da história</p><p>inismorita. É preciso cantá-la.</p><p>— Maggie O’Connor</p><p>Inismore (I-nich-MÓR) fica logo a oeste da ilha de</p><p>Avalon e, apesar de, culturalmente, as duas serem</p><p>muito parecidas, as diferenças são mais marcantes.</p><p>Durante séculos, os inismoritas se submeteram ao</p><p>domínio de Avalon e a monarcas cruéis e intolerantes</p><p>que baniram a língua materna da ilha, subjugaram o</p><p>povo com impostos pesados e preservaram a ordem</p><p>a ferro e fogo. O ódio e a desconfiança seculares</p><p>dos inismoritas pela monarquia avaloniana ainda</p><p>persistem, apesar de Elaine ter o Graal em suas mãos.</p><p>Contudo, mais do que qualquer outra das chamadas “ilhas</p><p>avalonianas” (que nenhum inismorita pegue você dizendo</p><p>isso), os habitantes de Inismore estão cientes da importância</p><p>e do poder do Graal. Somente um monarca digno pode</p><p>possuí-lo. Elaine o possui. E, portanto, ela é digna. E, sim,</p><p>os impostos baixaram. E, sim, não é mais ilegal falar sua</p><p>própria língua. E, sim, não são mais governados pela força</p><p>das armas. E, sim, a ilha tem seu próprio rei (por mais</p><p>louco que ele seja). O mais importante, porém, é que os</p><p>inismoritas conhecem a fragilidade do glamour.</p><p>Basta uma</p><p>decisão equivocada para Elaine perder o Graal e as “ilhas do</p><p>Glamour” sucumbirem ao caos e à carnificina mais uma vez.</p><p>Não é a lealdade a Elaine que faz os inismoritas apoiarem</p><p>a rainha. É a lealdade a Inismore. Pois, assim que Elaine</p><p>deixar a desejar, o terror estará de volta. E os inismoritas</p><p>farão qualquer coisa para impedir que isso aconteça.</p><p>Qualquer coisa.</p><p>O Povo</p><p>Os inismoritas são ligeiramente menores que o</p><p>teano médio. Apesar das famosas “cabeleiras de</p><p>fogo”, a maioria dos inismoritas tem cabelos pretos e</p><p>olhos escuros.</p><p>Dizem que, quando o mundo veio à luz, os maiores</p><p>feiticeiros existentes lançaram um gesa (GUES-sa, um</p><p>feitiço de penhor) sobre Inismore. Esse feitiço criou</p><p>um código de conduta que acompanha as estirpes</p><p>inismoritas há quase 2 mil anos, um código que parece</p><p>estranho para quem não nasceu lá. Basta alguém pôr os</p><p>pés na Ilha Esmeralda para começar a entender. Tem</p><p>tudo a ver com reputação.</p><p>Um inismorita prefere cortar a própria garaganta a</p><p>cometer um ato que possa envergonhá-lo publicamente.</p><p>Claro que a definição de atitude “honrada” ou</p><p>“desonrada” foi rigorosamente enunciada pelo gesa</p><p>lançado sobre Inismore e sua gente. Ninguém está</p><p>acima do gesa, nem mesmo o rei. Na verdade, os</p><p>inismoritas veem o rei como “aquele que mais se destaca</p><p>entre iguais”, uma concepção nada teana.</p><p>O gesa dos feiticeiros criou as Três Grandes Leis de</p><p>Inismore: a Lei da Hospitalidade, a Lei da Bravura e a</p><p>Inismore</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 53</p><p>ç</p><p>Lei da Lealdade. Existe uma quarta lei, mas esta só é</p><p>invocada quando as três primeiras são violadas. Vamos</p><p>discuti-la no fim desta seção.</p><p>Hospitalidade</p><p>À semelhança de seus primos avalonianos, os</p><p>inismoritas dão muita importância à hospitalidade</p><p>dirigida a amigos e desconhecidos. De fato, é tão</p><p>importante que, nas estradas reais, os viajantes</p><p>podem dormir e comer nas estalagens do rei sem</p><p>pagar nada. E, como as estalagens são propriedade</p><p>do monarca, invoca-se a “Paz do Rei”. É proibido</p><p>portar qualquer tipo de arma no interior da estalagem</p><p>e todo ato violento é considerado um crime para o</p><p>qual o único castigo é a morte. O anfitrião que</p><p>recusar ou maltratar os hóspedes corre grande</p><p>risco de perder a boa reputação. As notícias correm</p><p>rápido entre os inismoritas, principalmente quando</p><p>há um bardo por perto. Da mesma maneira, quem</p><p>abusa da hospitalidade dos anfitriões também corre</p><p>sério perigo.</p><p>Um outro aspecto da hospitalidade é a generosidade.</p><p>De várias maneiras, julga-se um homem pela bondade</p><p>de seu coração e pela generosidade de sua bolsa. Aqueles</p><p>que têm poucas necessidades têm a obrigação de assistir</p><p>os mais carentes, e ai do homem de bolsos cheios que</p><p>não dispense uma moeda para ajudar o homem que</p><p>nada tem. Inúmeros contos populares inismoritas</p><p>tratam dessas questões e da sina que toca às pessoas que</p><p>ignoram os necessitados.</p><p>Bravura</p><p>Para os inismoritas, é melhor morrer de maneira</p><p>dolorosa, horrível e valente do que levar a vida longa</p><p>e feliz de um covarde. Para o inismorita, a coisa</p><p>mais importante é como ele será lembrado depois</p><p>de morrer, pois ele só será imortal enquanto for</p><p>lembrado. São muitas as histórias de heróis que deram</p><p>sua vida com um gargalhada ou um sorriso nos lábios</p><p>porque sabiam que seriam lembrados.</p><p>Os inismoritas são um povo altivo, orgulhosos demais</p><p>para demonstrar que sentem dor, dúvida ou medo. Esse</p><p>aspecto de sua cultura às vezes se espelha em sua atitude</p><p>despreocupada em relação à violência. Uma troca de socos</p><p>é sempre um acontecimento solene e, às vezes, até mesmo</p><p>amistoso. Basta um homem dizer a coisa errada (ou talvez</p><p>a coisa certa), pisar no calo de alguém ou meramente trocar</p><p>olhares para irromper uma briga. Nada de armas, apenas</p><p>dois homens e seus punhos. Os murros prosseguem até</p><p>um dos homens não se aguentar mais em pé; aí o oponente</p><p>estende a mão, ajuda-o a se levantar e paga-lhe um caneco</p><p>de cerveja. O vencedor sempre paga uma bebida para o</p><p>oponente: é um sinal de respeito. Afinal, o sujeito lutou</p><p>até cair, mas não desistiu. Trata-se de um componente</p><p>importante da briga, pois mostra que ele estava disposto</p><p>a lutar até não aguentar mais. Seu corpo pode ter cedido,</p><p>mas não sua vontade de lutar.</p><p>Lealdade</p><p>A lealdade é importante para os inismoritas: quando</p><p>um homem faz uma promessa, ele a mantém a todo</p><p>custo. No entanto, não se espera que nenhum homem</p><p>mantenha uma promessa que possa comprometer sua</p><p>honra, ou seja, que possa fazê-lo violar as Três Leis.</p><p>Um homem pode dever lealdade a seu senhor, mas,</p><p>antes de mais nada, deve ser leal à sua própria honra.</p><p>Muitos teanos estranham essa ideia — afinal, o conceito de</p><p>vassalagem vem da época da Velha República —, mas ela</p><p>é importíssima para os inismoritas. A primeira e principal</p><p>preocupação de um inismorita é sempre manter sua honra</p><p>intacta. Outras culturas podem considerar esse atributo</p><p>inoportuno, mas os inismoritas só estão tentando preservar</p><p>sua honra e a posição de sua família. Num mundo de servos</p><p>e criados, esse brado vigoroso de individualismo é visto</p><p>por muitos teanos como arrogância, mas, na verdade, é o</p><p>atributo que define melhor o orgulho inismorita.</p><p>Justiça</p><p>A Quarta Lei, aquela que só é invocada quando as</p><p>outras três são violadas, é a da Justiça. O direito</p><p>inismorita (como veremos a seguir) não foi concebido</p><p>para proibir o crime, e sim para castigá-lo. O gesa</p><p>lançado sobre Inismore acionou uma força que leva</p><p>os injustos à justiça, por mais que corram, por mais</p><p>longe que cheguem. “Aqui se faz, aqui se paga” não é</p><p>um ditado inismorita, mas bem poderia ser. A justiça</p><p>pode não ser ligeira, mas é inevitável. Quando veem</p><p>essa força agir, as pessoas de fora da ilha a chamam</p><p>de “coincidência”, mas os inismoritas sabem que não</p><p>é nada disso.</p><p>Os inismoritas encaram a justiça como uma</p><p>responsabilidade. Ao testemunhar uma transgressão,</p><p>consideram ser seu dever corrigi-la. Afinal, dizem eles, já</p><p>54 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>bastam as pessoas que dão as costas ao problema, dizendo</p><p>que não é da conta delas.</p><p>A única maneira de retificar uma injustiça é a expiação,</p><p>uma demanda para limpar o nome do ofensor. Muitas vezes,</p><p>a demanda abrange três tarefas impossíveis, e todo inismorita</p><p>de bom coração está mais do que disposto a tentar cumpri-las,</p><p>mesmo que isso o leve à morte. Na verdade, a melhor maneira</p><p>de morrer é tentando limpar o próprio nome.</p><p>Vestuário</p><p>A moda inismorita não mudou muito com o passar dos</p><p>séculos. Ainda usam calças — uma imagem estranha para</p><p>o soldados invasores do Antigo Império, com suas togas e</p><p>túnicas —, camisas de mangas compridas e mantos pesados,</p><p>todos feitos de lã. Botas e cintos de couro são comuns, mas</p><p>não os botões. As joias, porém, são muito populares entre os</p><p>inismoritas. Broches e alfinetes são onipresentes, bem como</p><p>braceletes, tornozeleiras, anéis e colares, todos enfeitados</p><p>com os tradicionais desenhos de nós complicados que se</p><p>tornaram característicos da moda inismorita.</p><p>Alimentação</p><p>Graças às chuvas regulares e a um verão quente e</p><p>longo, Inismore tem um dos períodos de cultivo mais</p><p>prolongados do norte de Théah. Na verdade, no sul de</p><p>Inismore, é possível manter as lavouras durante o ano todo.</p><p>As terras cultiváveis abrangem dois terços de Inismore.</p><p>As culturas mais importantes são a cevada, os derivados</p><p>do leite, o feno, batatas, aves, beterrabas, trigo e alguns</p><p>dos animais de criação mais admiráveis de Théah: vacas,</p><p>cavalos e ovelhas. A pesca também é muito importante</p><p>para a economia de Inismore. Os pescadores inismoritas</p><p>apanham bacalhaus, arenques, lagostas, cavalas, salmões e</p><p>pescadas nas águas rasas de Inismore.</p><p>Arte e Música</p><p>“Todas as canções inismoritas falam de uísque</p><p>ou de uma moçoila chamada Nancy. As</p><p>melhores são as que falam das duas coisas.”</p><p>Os inismoritas adoram cantar. Um estudioso pode</p><p>aprender tudo que precisa saber a respeito da história, dos</p><p>costumes e das tradições inismoritas a partir das canções</p><p>da ilha. Os temas variam de canções “rebeldes” (contra a</p><p>tirania,</p><p>seja a de Avalon ou a de Montaigne), passando</p><p>por canções de guerra e amor, até as canções do “uísque”</p><p>(que cantam a complicada relação de amor e ódio que os</p><p>inismoritas sempre tiveram com a bebida).</p><p>Mas a tradição musical mais importante de Inismore</p><p>é o bardo. Os bardos fazem parte da classe culta de</p><p>Inismore (mais informações sobre os bardos na seção</p><p>sobre os druidas, p. 55). Os bardos são tão peculiares a</p><p>Inismore que não existe nada comparável a eles em outras</p><p>culturas. São encontrados nos palácios da nobreza,</p><p>contando histórias do passado e compondo canções</p><p>que serão entoadas por centenas de gerações ainda por</p><p>vir. São a história viva da cultura inismorita, e a maneira</p><p>como um homem ou uma mulher trata os bardos afetará</p><p>profundamente como ele ou ela será lembrado(a).</p><p>Religião</p><p>A religião materna de Inismore continuou</p><p>relativamente intacta frente à Igreja dos Profetas.</p><p>Os inismoritas reconhecem a sabedoria nas palavras</p><p>dos Profetas, mas nunca abandonaram seus deuses,</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 55</p><p>ç</p><p>principalmente porque seus deuses nunca os</p><p>abandonaram. Até mesmo nos momentos mais</p><p>tenebrosos da invasão montenha, os inismoritas</p><p>sabiam que O’Bannon ainda voltaria. E ele voltou</p><p>mesmo, e banhou a Ilha Esmeralda com o sangue</p><p>rubro dos montenhos.</p><p>Os deuses inismoritas habitam mundos muito além de</p><p>Théah. É possível chegar a esses Mundos de Sombras por</p><p>meios mágicos, mas os portões estão fechados há muitos</p><p>séculos. Os inismoritas não se preocupam muito com seus</p><p>deuses. Sabem que é preciso venerá-los nos momentos</p><p>certos, nas noites em que as estações se encontram, mas,</p><p>fora isso, os deuses inismoritas pouco se intrometem no</p><p>dia a dia das pessoas.</p><p>A coisa mais importante que você precisa entender em</p><p>relação aos deuses inismoritas é que qualquer pessoa poderá</p><p>se tornar um deles se seu glamour for forte o bastante.</p><p>Os inismoritas acreditam que a reputação (glamour)</p><p>tem relação direta com o pós-vida. Quanto mais lendária</p><p>for a pessoa, mais ela será abençoada com o glamour</p><p>do país. Algumas das divindades mais poderosas dos</p><p>inismoritas foram outrora pessoas comuns cujos nomes</p><p>continuaram a ser pronunciados muito depois de terem</p><p>deixado este mundo mortal, conferindo-lhes acesso ao País</p><p>das Sombras... e à condição divina. É essa fé que garante a</p><p>enorme dedicação dos inismoritas ao conceito de reputação, e</p><p>é por isso que chamar um inismorita de covarde é sempre um</p><p>erro: você acabou de lhe dizer que ele terá de provar que não é.</p><p>Druidas</p><p>Os guardiões das tradições inismoritas são seus santos</p><p>e santas, ou druidas. Os druidas guardaram silêncio</p><p>no último século, praticando seus ritos sob o manto</p><p>da escuridão. Mas, com o retorno de O’Bannon, seus</p><p>rituais e ensinamentos voltaram aos campos abertos</p><p>e ensolarados.</p><p>Os druidas não são necessariamente feiticeiros, e sim</p><p>educadores e sábios que compreendem as verdades mais</p><p>secretas do mundo. Graças a essa compreensão, eles</p><p>reconhecem padrões globais recorrentes e são capazes de</p><p>evitar armadilhas e aproveitar oportunidades.</p><p>A melhor maneira de exemplificar o saber secreto de um</p><p>druida é compará-lo a um agricultor. O homem que cresce</p><p>numa fazenda sabe quando virá a tempestade por causa</p><p>da calmaria e do cheiro da chuva. Ele sabe que as raposas</p><p>atacam o galinheiro logo após a primeira geada porque</p><p>não há mais comida. Sabe quando colher raízes e ervas</p><p>no auge da potência, porque o avô de seu pai aprendeu a</p><p>fazer isso centenas de anos atrás e passou o conhecimento</p><p>adiante. Para quem vê a coisa de fora, esse saber — sem</p><p>uma explicação razoável que o acompanhe — pode</p><p>parecer mágico. Na verdade, trata-se apenas de intuição</p><p>e experiência. O que vale para o agricultor, vale também</p><p>para o druida.</p><p>Os druidas principiantes são chamados de bardos. Os</p><p>bardos passam a vida toda aprendendo o conhecimento</p><p>secreto que seus mestres já obtiveram e o adquirem</p><p>vagando pelos campos, contando histórias e recolhendo</p><p>novas narrativas. Em suas viagens, eles enxergam os</p><p>mesms padrões em diferentes condados, o que aos poucos</p><p>vai ajudando o druida a compreender o mundo. Também</p><p>atuam como mensageiros entre os distantes vilarejos</p><p>inismoritas, caminhando com suas “botas de sete léguas”</p><p>— calçados mágicos capazes de percorrer a ilha toda num</p><p>só dia — pelos bosques e brejos de Inismore.</p><p>56 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>O País</p><p>Inismore fica logo ao sul e oeste da Grã-Avalon.</p><p>Divide-se em 26 condados, cada qual com um</p><p>representante no parlamento do país. O grande rei</p><p>de Inismore — chamado Árd ri (OR-dri) — governa</p><p>na capital, Donega. Numa colina alta, nos arredores</p><p>da cidade, fica a Pedra Fål, um artefato sagrado que</p><p>derrama lágrimas e canta toda vez que o Árd ri a beija.</p><p>Uma boa parte de Inismore é composta de terras baixas,</p><p>pontilhadas por florestas densas e um mar ondulante de</p><p>terras cultiváveis. Salpicando as terras baixas, temos as</p><p>turfeiras, pântanos cobertos por vegetação agonizante.</p><p>Mas as regiões montanhosas de Inismore se estendem</p><p>por todo o centro da ilha, culminando nas Terras Altas de</p><p>O’Bannon. Dizem que nenhum ponto da ilha fica a mais</p><p>de 150 quilômetros da água. Barcos e atracadouros são</p><p>muito importantes para os inismoritas. As três maiores</p><p>cidades — Donega, Dunkeen e Darwah, nessa ordem —</p><p>são portuárias.</p><p>Inismore tem clima ameno e úmido, e os invernos são</p><p>mais quentes do que seria de esperar. No entanto, o calor</p><p>relativo também é acompanhado por um bocado de chuva.</p><p>A precipitação média fica entre 1.500 e 2.500 milímetros de</p><p>chuva por ano e, portanto, as enchentes são um problema</p><p>grave em toda a ilha. Graças a tantos rios e às enchentes,</p><p>Inismore tem um bocado de pontes e vaus. Nenhum</p><p>exército inismorita jamais represou ou bloqueou um rio:</p><p>tal coisa só faria atrair consequências terríveis, dispensadas</p><p>pelos sidhe que habitam as águas. Além dos vários rios e</p><p>riachos, Inismore também tem muitos lagos, e todos são</p><p>considerados sagrados. Os lagos mais sagrados são aqueles</p><p>que têm uma ilha no centro, pois todo inismorita sabe que</p><p>são passagens para o país dos sidhe.</p><p>O estranho é que os edifícios mais conspícuos de</p><p>Inismore foram construídos por invasores. Castelos e</p><p>fortes estrangeiros salpicam o litoral da ilha, e hoje todos</p><p>pertencem às pessoas que eles foram construídos para</p><p>manter do lado de fora.</p><p>Governo</p><p>O’Bannon pode ser o grande rei de Inismore, mas ele</p><p>ainda precisa tratar com o parlamento inismorita, o órgão</p><p>governamental estabelecido pela ocupação avaloniana</p><p>há centenas de anos. O’Bannon já deixou bem claro que</p><p>não tem tempo nem paciência para discutir bobagens</p><p>com a nobreza. Ele é o O’Bannon, e sua autoridade</p><p>é inquestionável.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 57</p><p>ç</p><p>Economia</p><p>Faz séculos que a economia de Inismore está ligada à de</p><p>Avalon. Libras e shillings são vistos corriqueiramente nos</p><p>mercados públicos e nas oficinas das guildas em Inismore.</p><p>As guildas de Vendel não marcam em Inismore a mesma</p><p>presença que têm em Avalon, mas a quantidade de sedes que</p><p>se podem encontrar em suas cidades aumenta a cada dia.</p><p>Nomes</p><p>Os nomes inismoritas têm duas partes: um primeiro nome</p><p>e um sobrenome, conhecido em Inismore como o “nome</p><p>de clã”. Graças às ocupações avaloniana e montenha, o</p><p>sistema extremamente complicado de nomes clânicos foi</p><p>abandonado e substituído por um sistema simplificado.</p><p>Entre os inismoritas, a maioria dos nomes de clã apresenta</p><p>o prefixo “O’” ou “Mac”, como em O’Blaind ou MacMárín.</p><p>O “O” significa “neto(a) de”, ao passo que “Mac” indica</p><p>“filho(a) de”. Portanto, um Herói pode se chamar Keelan</p><p>O’Keelan, ou seja, “Keelan, o neto de Keelan”.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Abbán, Ádhamh, Aidan,</p><p>Barrfind, Barrie, Brady, Carey, Ceallach, Donagh, Dónal,</p><p>Dubhán, Enda, Ennis, Fearghal, Finn, Keelan, Lochlainn,</p><p>Mannix, Riordan, Séaghdha, Teige, Torin, Uilleag</p><p>Nomes Femininos Comuns: Aideen, Aignéis, Bébhinn,</p><p>Blaind, Brígh, Catlín, Clodagh, Dáríne, Deirdre, Éabha,</p><p>Eavan, Ena, Fionnuala, Gobnait, Íde, Keelan, Léan, Maeve,</p><p>Máirín, Mór, Neassa,</p><p>Nóra, Órlaith, Siobhán</p><p>Aldeias e Cidadezinhas</p><p>Em comparação com o resto de Théah, as maiores cidades</p><p>de Inismore não passam de vilas e aldeias. A capital, Donega,</p><p>é pouco mais que um distrito e tem um décimo do tamanho</p><p>de Carleon, em Avalon, ou de Charouse, em Montaigne.</p><p>Donega</p><p>Donega é a maior das cidades de Inismore, graças,</p><p>principalmente, à pesca e ao comércio com Avalon. É</p><p>onde fica a Pedra Fål. A cidade foi amaldiçoada em 600</p><p>AV, mas, ao voltar anos mais tarde, O’Bannon romperia</p><p>a maldição derramando seu próprio sangue sobre a Pedra</p><p>Fål. A cidade tem muralhas que chegam a dezoito metros</p><p>de altura, cercadas por fossos e outras fortificações.</p><p>Dunkeen</p><p>Sede do governo avaloniano durante muito tempo,</p><p>Dunkeen hoje é uma cidade comercial. A cidade abriga</p><p>muitas rotas mercantis antigas, entre elas algumas que</p><p>começam e terminam em Montaigne e Vodacce. Donega</p><p>pode ser a capital de Inismore, mas é indiscutível que</p><p>Dunkeen é a cara que o país mostra ao resto do mundo.</p><p>Darwah</p><p>Darwah é a segunda maior cidade de Inismore e mantém</p><p>relações comerciais quase exclusivamente com as Terras</p><p>Altas. Está sob a jurisidção da família O’Toole, a dinastia</p><p>que o O’Bannon tirou do trono ao voltar. Não é segredo</p><p>que os O’Toole nutrem “sentimentos conflitantes” em</p><p>relação à volta do O’Bannon, mas nada fizeram para</p><p>sabotar seu reinado. Até agora.</p><p>Forças Armadas</p><p>“Temam não o exército de lobos liderado por um cordeiro,</p><p>e sim o exército de cordeiros liderado por um lobo.”</p><p>— Provérbio inismorita</p><p>A composição das forças armadas de Inismore é de</p><p>noventa por cento de soldados não treinados e dez</p><p>por cento de profissionais. São esses dez por cento</p><p>que preocupam os inimigos de Inismore. O típico</p><p>exército inismorita é um bando de loucos de olhos</p><p>esbugalhados e liderados por alguns fanáticos devotos</p><p>que usam táticas que os generais menos convencionais</p><p>teriam dificuldade para prever. Todo general que</p><p>confronta um exército inismorita sabe que, sem</p><p>dúvida alguma, terá a superioridade numérica, mas</p><p>também sabe que perderá pelo menos metade de seu</p><p>contingente para a horda sanguinária e imprevisível.</p><p>Os inismoritas não têm uma Marinha permanente,</p><p>mas já contribuíram com centenas de marujos para os</p><p>Lobos do Mar de Elaine. Munidos de um conhecimento</p><p>da navegação que atravessa gerações e de sua reputação</p><p>feroz, os marinheiros inismoritas são o perigo dos mares.</p><p>Relações Exteriores</p><p>No que diz respeito ao resto de Théah, Inismore é a irmã</p><p>caçula e desbocada de Avalon. Não passa de um apêndice</p><p>de Avalon. Não tem marinha, nem exército ou economia</p><p>independente e, portanto, não representa grande ameaça</p><p>militar ou econômica. Não existem embaixadas para</p><p>diplomatas, mas, mesmo que houvesse alguma, quem ia</p><p>querer visitar o país, sendo o rei grosseiro como é?</p><p>“Montaigne é uma dama veneranda e ilustre.</p><p>58 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>Montaigne</p><p>Se lhe der na veneta ir a uma festa usando um chapéu antiquado,</p><p>ela fará a moda voltar cem anos no tempo.”</p><p>— Val Mokk</p><p>A decadência de um homem é a rotina de outro.</p><p>Montaigne é a safira reluzente encarapitada na costa</p><p>oeste de Théah. É o centro da cultura e da moda,</p><p>pátria dos artistas mais renomados e da arquitetura</p><p>mais fantástica que a humanidade conhece.</p><p>Até recentemente, Montaigne e Castilha travavam uma</p><p>encarniçada guerra de fronteira. As batalhas cobraram um</p><p>preço altíssimo da classe campesina montenha, mas os</p><p>espólios de guerra foram encher os cofres dos ricos.</p><p>O país é formado por terras cultiváveis, planas e férteis.</p><p>Grandes extensões verdejantes até onde a vista alcança. As</p><p>fazendas pequenas são comuns: não há terras improdutivas</p><p>em Montaigne. Se não forem jardins de lazer nem canteiros</p><p>de obras é porque se dedicam à agricultura. Os inúmeros rios</p><p>propiciam irrigação natural.</p><p>Montaigne é formada por cidades vastas, vilas de grande</p><p>porte e pequenas fazendas. Pode-se caminhar dias a fio e só</p><p>avistar choupanas de agricultores. Mas, chegando-se a uma</p><p>cidade grande, encontra-se uma grande urbe tomada por</p><p>mansões suntuosas e por uma opulência vertiginosa. Essas</p><p>cidades são oásis metropolitanos separados quase totalmente</p><p>das terras circundantes.</p><p>Se os camponeses montenhos lutam diariamente para</p><p>agradar seus senhorios e botar comida na mesa, as classes altas</p><p>das grandes cidades desconhecem a palavra “comedimento”.</p><p>O governo e toda a política social gira ao redor de Léon</p><p>Alexandre, l’Empereur de Montaigne. O Rei-Sol, como ele</p><p>é chamado por alguns poetas montenhos, é o centro de tudo</p><p>que acontece. Uma hierarquia de nobres orbita a seu redor, e</p><p>os mais destacados são os duques que controlam as diversas</p><p>províncias de Montaigne. Ele loteou os campos em divisões</p><p>menores de terra, cada qual mantida por um único duque,</p><p>que pode ter como vassalos um ou mais marqueses — esses,</p><p>sim, os verdadeiros administradores das terras. Cada duque</p><p>cuida de informar Léon sobre as condições de suas terras com</p><p>uma certa regularidade. Invariavelmente, esses informes só</p><p>asseguram ao imperador que tudo vai muito bem. Espera-se</p><p>que todo e qualquer percalço no grande plano seja resolvido</p><p>antes mesmo de chegar aos ouvidos de l’Empereur.</p><p>Os camponeses de Montaigne são gente simples. Recebem</p><p>um mínimo de educação, formam famílias grandes e levam</p><p>vidas pacatas e respeitáveis. Até bem recentemente, os jovens</p><p>de quinze anos ou mais eram recrutados pelas forças armadas</p><p>montenhas e mandados para a fronteira lutar com Castilha.</p><p>Muitos voltaram alquebrados ou ficaram por lá. Com a</p><p>perda de uma geração inteira por causa da guerra, a maioria</p><p>das lavouras está aos cuidados de filhas e esposas, muitas</p><p>delas viúvas.</p><p>Antigamente, era o costume em Montaigne celebrar todos</p><p>os casamentos na primavera, mas a guerra com Castilha</p><p>criou uma nova tradição. No inverno, quando os combates</p><p>eram menos intensos, muitos jovens recebiam licença e eram</p><p>encorajados a se casar sem demora com suas namoradinhas</p><p>Montaigne</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 59</p><p>ç</p><p>e a procriar o mais rápido possível. Afinal, Montaigne sempre</p><p>precisa de mais soldados e lavradores.</p><p>Por outro lado, entre muitos nobres, o costume é</p><p>não ter mais que dois ou três filhos. Suas razões são</p><p>tão práticas quanto as de seus vizinhos de categoria</p><p>inferior. Em Montaigne, o primogênito herda as terras,</p><p>as propriedades e o dinheiro.</p><p>É prudente ter mais de um herdeiro — afinal, é</p><p>impossível prever as reviravoltas do destino —, mas ter</p><p>mais de três é simplesmente uma grosseria. Obviamente,</p><p>isso não se aplica a l’Empereur e suas nove filhas.</p><p>Se os camponeses montenhos são hospitaleiros e diretos,</p><p>seus nobres transformaram a insinuação numa arte.</p><p>Nos palácios de Montaigne, ninguém diz exatamente</p><p>o que quer dizer. Em vez disso, recorrem a uma fartura</p><p>de metáforas e precedentes, substituindo muitas vezes</p><p>suas próprias palavras por citações perspicazes. Esses</p><p>diálogos podem deixar os forasteiros atordoados, e</p><p>muitos diplomatas de outras nações permanecem no</p><p>cargo apenas sob protesto, apesar da boa comida e das</p><p>ótimas acomodações da corte montenha. A pressão para se</p><p>expressar apenas com perífrases inofensivas é avassaladora.</p><p>Os montenhos preferem transformar o constrangimento</p><p>num jogo de palavras. O cúmulo da grosseria é obrigar</p><p>alguém a dar uma resposta direta, principalmente ao tratar de</p><p>temas polêmicos. A zombaria costuma descambar para uma</p><p>brincadeira excruciante quando eles se põem a fazer pouco de</p><p>um assunto grave, de maneira que ninguém precise abordá-lo</p><p>diretamente. Os indivíduos dotados de engenho suficiente</p><p>para se destacar nesses jogos sutis são muito respeitados.</p><p>Um outro jogo da predileção montenha é a intriga,</p><p>juntamente com seu chegado, o escândalo. Se nada</p><p>interessante tiver acontecido durante toda a temporada,</p><p>alguém certamente vai inventar alguma coisa. Os</p><p>convidados de outras nações já notaram uma perversidade</p><p>brincalhona na afetação montenha.</p><p>A conversa veloz e a prática em contornar o assunto fazem</p><p>deles os espiões ideais. Mesmo que alguém desconfie</p><p>de</p><p>seu discurso ambíguo, acabará relegando a coisa toda a um</p><p>costume montenho. Melhor ainda, já que o país do Rei-Sol</p><p>dita as normas de vestuário, os costumes e a arte, os palacianos</p><p>ou cortesãos montenhos são recebidos de braços abertos</p><p>praticamente em toda parte, o que lhes franqueia o acesso a</p><p>outros palácios e a informações confidenciais.</p><p>Desde que o exército montenho expulsou a Igreja dos</p><p>Vaticínios do país, a nobreza de Montaigne festeja sua</p><p>liberdade recém-descoberta. Por outro lado, os camponeses</p><p>vivem apreensivos com a nova situação de viver num</p><p>país ímpio.</p><p>A nobreza montenha é decadente ao extremo. Possuem</p><p>tanto dinheiro que não sabem o que fazer com ele; por isso,</p><p>constroem mansões extravagantes e pagam artistas famintos</p><p>para pintar retratos de cinco metros de altura, patrocinam</p><p>escavações arqueológicas que desenterram artefatos syrneth</p><p>que eles possam ostentar em suas festas semanais.</p><p>Os nobres não têm nada melhor para fazer do que assistir</p><p>às maldades uns dos outros. O país inteiro foi excomungado</p><p>da Igreja e, embora não pareça grande coisa para a nobreza,</p><p>isso arrasou os famintos camponeses montenhos. Pode ser</p><p>que estejam dispostos até mesmo a matar por causa disso.</p><p>O País</p><p>Para quem vem de fora, Montaigne é linda; há quem</p><p>diga que é “perfeita”.</p><p>Os habitantes se referem a ela como “a Nação mais</p><p>magnífica de Théah”. A terra é generosa, verde e</p><p>exuberante. O solo é fértil, as montanhas são ricas</p><p>em minérios e as terras cultiváveis se estendem por</p><p>vários quilômetros. As cidades espelham o próprio</p><p>Paraíso, estendendo-se de tal maneira em todas as</p><p>direções que é impossível percorrê-las a pé num único</p><p>dia. Os portos fervilham de atividade e comércio, e a</p><p>opulência das cortes e dos palácios apequenam tudo</p><p>mais que Théah tem a oferecer.</p><p>Desde o Estreito de Avalon no norte à cidade</p><p>de Rogne no sul, da Baía de Espuma no leste à</p><p>populosa cidade mercantil de Arisent no oeste,</p><p>Montaigne é uma Nação culta e civilizada, uma terra</p><p>de abundância. Todo quinhão cultivável de terra é</p><p>aproveitado ao máximo, todo depósito mineral que</p><p>possa ser explorado — por mais ínfimo que seja — é</p><p>extraído, fundido e refinado em ferro e aço, e toda</p><p>madeira considerada forte o suficiente para ser usada</p><p>na construção é derrubada, abrindo espaço para</p><p>novas lavouras.</p><p>Diferente de Castilha, que se beneficia da orientação</p><p>meticulosa da Igreja, a população de Montaigne não</p><p>tem preservado as terras que explora. Os estudiosos</p><p>da Igreja que visitaram o país chamaram mais uma</p><p>vez a atenção dos montenhos para as prováveis</p><p>consequências de não se adotar a redução da produção</p><p>e a rotação de culturas. Até o momento, não há</p><p>indícios de que esses acadêmicos tivessem razão, e a</p><p>60 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>pressão para construir, provocada pelo afã belicista,</p><p>conspiraram contra essas medidas.</p><p>A geografia de Montaigne é diversificada: florestas</p><p>e cordilheiras imensas e vastas planícies. Boa parte</p><p>da terra é formada por pastagens planas apropriadas</p><p>para a pecuária. O clima é ameno o ano todo, livre</p><p>de extremos de temperatura, secas e condições</p><p>meteorológicas violentas. No inverno, a temperatura</p><p>raramente cai abaixo de zero, e muitas regiões de</p><p>Montaigne apresentam variações de não mais de</p><p>dez graus no decorrer do ano. Florestas de pequeno</p><p>e grande porte juncam a paisagem e uma enorme</p><p>quantidade de rios de planície meandra pelos campos.</p><p>O efeito geral é encantador, o que ajuda a criar a</p><p>atmosfera que fascina tanta gente.</p><p>A capital de Montaigne, Charouse, é o centro de</p><p>uma imensa bacia, um dos pontos mais baixos do</p><p>país. Na direção sudoeste, um aclive gradual forma</p><p>um mar de morros que corta as pastagens formosas,</p><p>ao passo que se pode caminhar durante um dia ou</p><p>mais na direção leste sem ver o horizonte mudar. Essa</p><p>região encerra as terras cultiváveis mais cobiçadas de</p><p>toda a Nação, ricas em minerais e nutrientes exigidos</p><p>pelas culturas mais apreciadas. Também é a região</p><p>mais defensável do país, o que faz dela a localização</p><p>ideal para a capital.</p><p>A oeste de Charouse fica a cordilheira mais</p><p>excepcional de Montainge, les Sommets Blancs (“as</p><p>Montanhas Brancas”), com seus picos nevados que</p><p>chegam aos 3 mil metros de altitude. O rio Sinueuse</p><p>corta a capital e o lago de mesmo nome, vindo a</p><p>desembocar no Mar das Viúvas e oferecendo uma</p><p>rota comercial rápida até outras nações.</p><p>No norte, Muguet é a maior cidade portuária de</p><p>Montaigne, e a província talvez seja a mais conhecida</p><p>de Théah. Não é incomum o duque de Muguet,</p><p>Edouard Allais, ignorar as recomendações ou até</p><p>mesmo revogar as ordens que não tenham partido</p><p>diretamente da família real, e essa atitude vem</p><p>atraindo muitos dos montenhos mais voluntariosos</p><p>e também alguns estrangeiros.</p><p>A província de Doré angariou uma reputação</p><p>semelhante graças às ações de Pierre Flaubert de Doré,</p><p>que recentemente gastou uma fortuna transformando</p><p>os brejos nos arredores de Pourisse em pastagens, o</p><p>que elevou à região à condição de maior criadora</p><p>de gado do país praticamente da noite para o dia.</p><p>A carne bovina fornece à província uma renda sem</p><p>precedentes e desafia a supremacia de Charouse na</p><p>pecuária. Nobres e palacianos de toda a Montaigne já</p><p>manifestaram franca hostilidade a essa decisão, mas</p><p>a família real ainda não respondeu, talvez por estar</p><p>ocupada demais com a moda para se pronunciar a</p><p>respeito da situação da carne bovina.</p><p>A leste de Charouse, depois das planícies montenhas,</p><p>fica o território aiseniano anexado com o Tratado</p><p>de Weissburg: a floresta Lock-Horn [ou floresta da</p><p>Marrada], nome que vem da época em que Avalon</p><p>ocupava o norte de Montaigne. A madeira extraída</p><p>dessa floresta provou ser um recurso valioso, mas</p><p>de custo elevado: umas vinte e tantas pessoas que se</p><p>embrenharam sob seu dossel escuro — entre elas, dois</p><p>feiticeiros de Porté — desapareceram e nunca mais</p><p>voltaram. Só restou uma série de estranhos rastros de</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 61</p><p>ç</p><p>sangue que subiam pelos troncos das árvores até os</p><p>galhos mais altos, e então sumiam.</p><p>O Povo</p><p>Chamados de montenhos, ou, pelas costas, de</p><p>“girassóis”, os habitantes de Montaigne são bem</p><p>dispostos e — comparativamente falando — muito</p><p>asseados. O típico nobre do sexo masculino veste-se</p><p>muito bem, ao passo que as mulheres da nobreza</p><p>seguem a moda da temporada no que se refere a</p><p>penteados e maquiagem. Cabelos e olhos castanhos</p><p>são os mais comuns, mas também aparecem os</p><p>ocasionais olhos castanho-esverdeados e os cabelos</p><p>louros. Os homens costumam disfarçar seus traços</p><p>delicados com uma barba curta ou um bigode bem</p><p>aparado, ao passo que as mulheres acentuam as</p><p>suaves maçãs do rosto emoldurando-as com seus</p><p>cabelos compridos.</p><p>Os camponeses aparam os pelos uma vez por ano no</p><p>começo da primavera e, portanto, têm uma cabeleira basta</p><p>e uma barba cerrada para aquecê-los no inverno. Seu modo</p><p>de vestir não varia muito, mas se isso acentua ou suprime sua</p><p>diversidade é um assunto controverso. Há quem diga que</p><p>os nobres, mas não seus compatriotas de classe inferior, têm</p><p>todos a mesma cara, já que se esforçam o tempo todo para se</p><p>apresentar segundo a moda do momento.</p><p>Camadas Sociais</p><p>Montaigne é a Nação mais dividida de Théah,</p><p>econômica e filosoficamente falando. Sob um</p><p>rígido sistema de castas, a população de Montaigne</p><p>se distingue facilmente numa série de classes</p><p>reconhecíveis. Segue-se uma descrição geral de</p><p>cada uma delas, desde a família real aos quase</p><p>invisíveis camponeses.</p><p>A nata da nobreza montenha (la Famille Royale) tem</p><p>poucos integrantes, mas detém o poder absoluto em suas</p><p>terras. Somente l’Empereur Léon Alexandre de Montaigne</p><p>(“rei” até recentemente), sua esposa, a Impératrice, os</p><p>membros de seu núcleo familiar e os pais dos antigos</p><p>monarcas podem dizer que de fato pertencem a esta classe.</p><p>Atualmente, l’Empereur tem nove filhas, mas nenhum</p><p>filho homem, algo que incomoda bastante a família real.</p><p>Morella Alouse Giacinni, uma sortílega vodatiana e terceira</p><p>esposa de l’Empereur, não foi capaz de</p><p>lhe dar um herdeiro</p><p>adequado. Deu à luz Dominique, a filha do casal, que não</p><p>demonstra o menor talento para a feitiçaria. A esposa</p><p>anterior de l’Empereur, castilhana e mãe de três filhas,</p><p>morreu de “males femininos” há algum tempo.</p><p>Abaixo da realeza fica a noblesse (a nobreza propriamente</p><p>dita), os duques e marqueses de Montaigne. Os mais altos</p><p>na hierarquia são os duques, os nobres proprietários de</p><p>terras que herdaram os nomes daqueles que estão no poder</p><p>desde a fundação de Montaigne. Mas são os marqueses, os</p><p>irmãos dos duques, quem controlam boa parte do dinheiro e</p><p>administram a maioria dos recursos da Nação. Em troca de</p><p>seus serviços, têm permissão para viver nas regiões remotas</p><p>das províncias que administram, cuidando das minúcias.</p><p>A seguir temos a petite noblesse, mais conhecida como a</p><p>“pequena nobreza” de Montaigne. São nobres apenas em</p><p>virtude de sua riqueza, pois não detêm a posse da terra e</p><p>estão livres das responsabilidades concomitantes. São um</p><p>subproduto da estupenda quantidade de dinheiro que</p><p>circula no país. Alguns o receberam como herança, outros</p><p>o obtiveram por meio de falcatruas... Em sua classe, o</p><p>62 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>que importa é possuí-lo. Levam uma vida extravagante e</p><p>comparecem a todas as festas sociais da nobreza, evitando,</p><p>ao mesmo tempo, a politicagem e a rivalidade tão comuns</p><p>no seio da elite.</p><p>Também abaixo da nobreza propriamente dita — e</p><p>ao lado da pequena nobreza na hierarquia — fica a</p><p>noblesse errante. São os nobres que, por um motivo ou</p><p>outro, perderam seus privilégios e optaram por se tornar</p><p>palacianos, emissários ou dignitários a serviço do trono.</p><p>Paix e Buché estão tomadas por centenas de burocratas,</p><p>que só fazem aumentar a cada geração. As obrigações de</p><p>muitos errantes dependem da posição do nobre ao qual se</p><p>agregaram: seu benfeitor determina o grau de respeito que</p><p>eles recebem. Os mais desejáveis são os patronos ambiciosos</p><p>ou dotados de poderes mágicos.</p><p>Os palacianos ou cortesãos — plebeus talentosos — não</p><p>enfrentam tantas dificuldades. Existem principalmente para</p><p>entreter a nobreza e impressioná-la com sua competência.</p><p>Poetas, bufões, rameiras, atores, escritores, artistas e</p><p>charlatães: todos pertencem ao que veio a ser uma ampla</p><p>camada social. Os mercadores ou membros do clero</p><p>que têm dinheiro suficiente podem angariar o respeito</p><p>dos palacianos como se eles mesmos fossem da nobreza.</p><p>Mas, para quem não entende bem as “regras”, é muito fácil</p><p>afrontar a integridade da corte e, por conseguinte, afrontar</p><p>o poder do nobre reinante.</p><p>A classe de status mais elevado logo depois da nobreza é a</p><p>dos estudiosos, que recentemente ganharam popularidade</p><p>com a intensificação das explorações. Tradicionalmente,</p><p>os acadêmicos e sobretudo os filósofos são bem vistos em</p><p>Montaigne, mas a aceitação de um estudioso pelo campo</p><p>vicejante da arqueologia vai se tornando rapidamente uma</p><p>distinção. Muitos nobres contratam vários estudiosos,</p><p>entre eles um arqueólogo, e a maioria — percebendo que</p><p>a falta de interesse pelo mundo que os rodeia saiu bem</p><p>caro — se esforça para criar bibliotecas particulares e atrair</p><p>os acadêmicos.</p><p>Os mercadores e artesãos também vêm recebendo atenção</p><p>especial em Montaigne nos últimos tempos. Em geral,</p><p>esses trabalhadores pertencem à Liga de Vendel, o que lhes</p><p>garante uma renda superior à de muitos “autônomos” em</p><p>suas respectivas áreas. Os montenhos endinheirados os</p><p>convencem a exercer seu ofício apenas dentro das fronteiras</p><p>do país, criando o ar de superioridade pelo qual anseiam</p><p>e, ao mesmo tempo, aumentando a renda necessária para</p><p>mantê-los. Na opinião da nobreza, essa gente é um trunfo</p><p>demasiado valioso para se desperdiçar.</p><p>O último patamar na pirâmide social montenha</p><p>é ocupado pelos camponeses. As imensas cidades</p><p>amuralhadas e os chateaux elaborados representam a beleza</p><p>e a paz da Nação, mas foram erigidos sobre as costas de</p><p>seus camponeses. A vida de um plebeu em Montaigne é</p><p>difícil, particularmente em comparação com os fabulosos</p><p>privilégios dos camponeses de outras nações, como os</p><p>agricultores de Vodacce, para citarmos apenas um exemplo.</p><p>Uma jornada de trabalho de sessenta horas semanais</p><p>consome suas vidas; homens de idade avançada, moças e</p><p>viúvas cuidam dos milhões de hectares de terras possuídos</p><p>pela nobreza montenha.</p><p>Etiqueta</p><p>“Faites-vous tout petit.”</p><p>(“Não chame atenção.”)</p><p>— Anônimo</p><p>A nobreza montenha evita o confronto. Em vez</p><p>de se dirigir diretamente a alguém, os nobres têm</p><p>porta-vozes — assistentes, emissários, mensageiros</p><p>e cortesãos — e, nos palácios, utilizam metáforas e</p><p>ditos espirituosos para evitar conversas. Costumam</p><p>desviar os olhos quando acuados. A sutileza substituiu</p><p>a necessidade de realmente dizer alguma coisa e</p><p>é considerada um talento muito mais nobre que</p><p>a honestidade.</p><p>A bela arte da conformidade está muito difundida em</p><p>Montaigne. Poucos nobres têm a coragem necessária para</p><p>lançar moda. Os modismos são tão populares porque</p><p>inúmeras são as pessoas instruídas a agir e a se vestir</p><p>de um certo modo. A organização de festas — embora</p><p>seja uma atividade frequente — é uma experiência árdua</p><p>para eles, e a maioria dos montenhos prefere custear a</p><p>celebração de uma outra pessoa a ser o anfitrião. Por</p><p>esse motivo, pode se passar um ano inteiro sem que se</p><p>vejam festas fora de Paix, Charouse e Crieux, para onde</p><p>migraram as pessoas dotadas de ousadia suficiente para</p><p>dar o tom.</p><p>Mencionar precedentes também é muito comum entre</p><p>os nobres. Ao lidar com estrangeiros, os montenhos</p><p>muitas vezes dizem coisas que parecem fora de contexto,</p><p>confusas ou irritantes. Isso já levou a várias situações</p><p>desastrosas. Não fossem as cercanias exuberantes e a</p><p>localização conveniente da embaixada de Paix, muitos</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 63</p><p>ç</p><p>embaixadores — depois de se verem ofendidos de tal</p><p>maneira — jamais retornariam.</p><p>Os camponeses de Montaigne não são tão frágeis.</p><p>São gentis e solícitos, apesar de levarem uma vida dura.</p><p>Aprenderam, depois de anos e anos de humildade, a não</p><p>se queixarem de sua situação, e, sendo assim, mesmo</p><p>vivendo na miséria, eles continuam asseados e confiantes.</p><p>As pessoas que visitam Montaigne costumam reclamar</p><p>que o povo é rude ou vulgar, mas quem evita as cidades</p><p>só tem coisas boas a dizer sobre sua estada.</p><p>Vestuário</p><p>Os camponeses têm sorte quando conseguem comprar</p><p>uma segunda muda de roupas antes de morrerem,</p><p>mas os nobres vestem o que estiver em alta, e basta</p><p>alguém elogiar uma nova modista para eles ampliarem</p><p>seu guarda-roupa. Joias caras, vestidos extravagantes</p><p>e um séquito para carregar as caudas são elementos</p><p>imprescindíveis da moda montenha. Os feiticeiros de</p><p>Porté experientes geralmente podem ser identificados</p><p>pelas luvas e pela maquiagem, usadas para cobrir as</p><p>manchas asquerosas que acabam aparecendo em suas</p><p>mãos e braços.</p><p>O vestuário montenho recorre a várias matérias-primas,</p><p>entre elas os brocados, veludos, sedas, rendas, linhos e cetins.</p><p>O azul-imperial e o dourado são as cores da nobreza, mas</p><p>a elite ostenta toda sorte de cores vibrantes. Desenhos</p><p>florais rebuscados reluzem em casacos e vestidos, dando ao</p><p>Império do Sol o brilho e o lustro associados a seu esplendor</p><p>majestoso. As cores escuras são consideradas horrendas, e</p><p>muitos montenhos de inclinação patriótica tomam como</p><p>ofensa o fato de um visitante frequentar o palácio vestindo</p><p>tais cores.</p><p>Montaigne dita a moda de muitas outras nações</p><p>do mundo, e o centro dessa força é a Mode du Lac (a</p><p>Sociedade Modista), um ateliê da alta sociedade que</p><p>estabelece as grandes tendências. Nos últimos tempos, a</p><p>casa se aproximou da Liga de Vendel, que a tem ajudado</p><p>a disseminar sua visão de mundo em troca de alguns dos</p><p>modelitos do ano. Os homens geralmente acompanham os</p><p>ditames da Mode du Lac, mas o guarda-roupa das mulheres</p><p>pode divergir logo depois do começo da temporada caso as</p><p>rainhas de Théah sigam outro rumo.</p><p>Alimentação</p><p>Os nobres de Montaigne se regalam com carnes</p><p>importadas, peixes, queijos, leite, manteiga,</p><p>vinhos,</p><p>cereais, hortaliças, especiarias e uma grande</p><p>quantidade de alimentos exóticos provenientes de</p><p>toda a Théah. A culinária vodatiana é particularmente</p><p>popular no momento. Atualmente, a cozinha</p><p>montenha é o método de preparação de alimentos</p><p>mais inovador do mundo, e suas escolas de culinária</p><p>são renomadas pela criatividade e pelas medidas nada</p><p>ortodoxas. A nobreza descobriu recentemente que</p><p>adora a toranja e o cantalupo e começou a importar</p><p>frutas exóticas dos mercadores vodatianos. As trufas</p><p>são consideradas uma iguaria em Montaigne, e os</p><p>chefs de cozinha passaram a contratar pessoas para</p><p>adestrar os porcos que procuram essas guloseimas.</p><p>Os mercadores não estão acostumados à dieta</p><p>extravagante de seus superiores na nobreza, mas também</p><p>se regalam com suas refeições. Hortaliças frescas, vinhos,</p><p>carnes, queijos e pães constituem a base de sua alimentação</p><p>diária. Os cultivares castilhanos também estão ficando</p><p>mais acessíveis, conforme a economia do vizinho oriental</p><p>de Montaigne volta a vicejar depois da guerra. O imperador</p><p>esperava se apoderar de uma parte das férteis terras</p><p>cultiváveis de Castilha, mas o dinheiro de Montaigne ainda</p><p>coloca a seus pés o fruto do trabalho árduo dos castilhanos.</p><p>A dieta dos camponeses montenhos é simples: vagens</p><p>rançosas, pão bolorento, alface, nabo e repolho estragados,</p><p>vinho que quase virou vinagre e água suja. Diariamente, os</p><p>lavradores colhem comida decente que acaba na pança dos</p><p>nobres ou é exportada para o resto do mundo, enquanto</p><p>os homens, as mulheres e as crianças que trabalharam</p><p>para produzi-la passam fome. Como seria de esperar, os</p><p>camponeses guardam para si um pouco do que colhem</p><p>todos os meses, mas é preciso tomar cuidado: se passarem</p><p>da conta, os coletores de impostos acabarão reparando.</p><p>Costumes</p><p>Os montenhos se divertem zombando das pessoas,</p><p>contanto que a brincadeira não perca a graça. Quase</p><p>todos os montenhos compreendem a importância do</p><p>humor, mesmo às suas próprias custas, mas há um</p><p>limite tênue que não deve ser ultrapassado. Quando</p><p>o escárnio passa da conta (e os montenhos intuitivos</p><p>sabem quando é o caso), o blagueur (“ofensor”) é</p><p>rapidamente expulso da sociedade educada. Não é</p><p>raro acontecer de um troçador talentoso manter a</p><p>64 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>popularidade somente até cometer uma indiscrição;</p><p>muitos cortesãos que se especializam na crítica social</p><p>se veem sem um benfeitor segundos depois de tocar</p><p>fogo numa situação delicada. A ironia é que, diante de</p><p>uma situação tão delicada a ponto de ser considerada</p><p>explosiva, espera-se que quase todos entrem “na</p><p>brincadeira” para aliviar o peso do colega, uma nuance</p><p>que muitos estrangeiros não entendem.</p><p>O contato físico é outro costume ambíguo em</p><p>Montaigne. Cônjuges não se tocam em público (exceto,</p><p>talvez, ao dançar), mas não é incomum ver os montenhos</p><p>abraçar amigos(as) ou palacianos(as) na companhia de</p><p>outras pessoas, sejam casados(as) ou não. Cobrir o rosto</p><p>com um leque ao rir e tocar a mão ou o peito de um</p><p>amigo também é aceitável.</p><p>Arte e Música</p><p>Da mesma maneira que estão na vanguarda da</p><p>filosofia moderna, os montenhos também continuam</p><p>a ser os mais influentes nos campos da arte e da</p><p>música. Há quem acredite que os grandes artistas</p><p>sejam atraídos pelo mecenato proporcionado pela</p><p>nobreza de Montaigne. Seja qual for o motivo, a</p><p>Nação se tornou um viveiro de criatividade e produz</p><p>artistas quase com a mesma rapidez que a atenção da</p><p>sociedade se volta para outra coisa.</p><p>A música montenha recorre a cordas e harpas, com</p><p>poucos instrumentos de percussão. É lenta e batida,</p><p>lembra a música fúnebre, mas há alguém que está</p><p>tentando mudar isso. Seu nome é Wolffrond von Hazel</p><p>(RO-tsel). Ele tem sete anos de idade e talvez seja o</p><p>maior talento musical dos últimos cem anos. Nascido</p><p>em Eisen (“de onde vêm todos os grandes compositores”),</p><p>von Hazel chegou a Montaigne com os pais numa longa</p><p>turnê para exibir seu talento, esperando, com isso,</p><p>arranjar um benfeitor adequado (leia-se: abastado).</p><p>Ele passou os últimos meses em Paix e obteve o apoio</p><p>decisivo da nobreza montenha.</p><p>Nomes</p><p>Como tudo mais na sociedade montenha, os nomes</p><p>têm a ver com a condição social. Por exemplo, os</p><p>nomes próprios dos nobres são precedidos por um</p><p>título, aí seguem-se o primeiro nome e o sobrenome,</p><p>e então a palavra “de” e a província governada por eles.</p><p>(Os membros da família real são os únicos que têm</p><p>permissão para usar “Montaigne” como província para</p><p>esse fim.)</p><p>A pequena nobreza pode escolher o nome que quiser. O</p><p>clero tampouco fica restrito às regras para atribuição de</p><p>nomes da nobreza; a maioria, na verdade, perde o nome de</p><p>batismo ao assumir sua função, e bispos e cardeais chegam</p><p>a ter cinco ou seis nomes em alguns casos. Por exemplo, o</p><p>bispo Jules Corentin d’Auguereau Crepin d’Agneau estava</p><p>subordinado ao sumo cardeal Michel Jean-Claude Desaix</p><p>de Mirielle Sarnin.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 65</p><p>ç</p><p>Os membros da classe mercante têm um primeiro nome</p><p>e um sobrenome, ao passo que os camponeses apresentam</p><p>nomes bem simples. As crianças camponesas, por exemplo,</p><p>têm apenas o primeiro nome, pois raramente deixam suas</p><p>aldeias. Nesses casos, o nome da aldeia, vila ou província</p><p>de origem acaba se transformando em sobrenome,</p><p>quando necessário.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Ambroise, Blaise,</p><p>Cédric, Daniel, Denis, Eugène, Félix, Gérard, Guy,</p><p>Henri, Jacques, Jules, Luc, Marc, Martin, Pierre, Rémy,</p><p>Sébastien, Victor, Zacharie</p><p>Nomes Femininos Comuns: Allette, Andrée,</p><p>Arielle, Blanche, Camille, Cosette, Dominique, Estelle,</p><p>Francine, Georgette, Henriette, Irène, Julie, Lydie, Nicole,</p><p>Philippine, Roseline, Sylvie, Vivianne</p><p>Religião</p><p>Até o começo do século XVII, os montenhos eram de</p><p>uma espiritualidade obstinada e muitos encontravam</p><p>refrigério nas palavras dos representantes da Igreja.</p><p>Com a profunda falta de liderança moral durante os</p><p>reinados de Léon XII e Léon XIII, a fibra espiritual da</p><p>Nação começou a se desfazer. Desde então, ficou claro</p><p>que a influência que a Igreja porventura tivesse sobre a</p><p>nobreza montenha estava desaparecendo rapidamente.</p><p>Hoje em dia, a nobreza de Montaigne se opõe abertamente</p><p>à Igreja, fomentando a circulação dos livros banidos e os</p><p>movimentos seculares. O apoio financeiro foi interrompido</p><p>por completo e as igrejas que permaneceram pagam impostos</p><p>pesados. O clima pecaminoso predomina em toda a Nação.</p><p>Com a diminuição no número de seguidores da Igreja em</p><p>Montaigne, a quantidade de sacerdotes também caiu.</p><p>Os camponeses montenhos, com a exceção da maioria</p><p>dos serviçais, receiam estar condenados. Perceberam a</p><p>guinada que as opiniões religiosas da nobreza sofreram,</p><p>mesmo aqueles que, estando mais próximos dos nobres,</p><p>continuam ignorando os excessos da classe alta (ou dela se</p><p>fazem cúmplices). A Igreja tem feito de tudo para manter as</p><p>massas empobrecidas satisfeitas, ao mesmo tempo em que</p><p>pede às cortes que aliviem o fardo dessa gente, mas muitas</p><p>autoridades eclesiásticas fazem vista grossa para as condições</p><p>do campesinato quando os soldados de l’Empereur lhes</p><p>oferecem baús cheios de ouro como “presentes do povo”.</p><p>Não há, no momento, um cardeal que seja em Montaigne,</p><p>e todos os bispos estão desaparecidos ou enclausurados,</p><p>cabendo apenas aos monsenhores e sacerdotes a</p><p>responsabilidade de liderar os rebanhos desencaminhados.</p><p>Entre o temor feroz dos camponeses e os excessos hedonistas</p><p>dos nobres montenhos, o papel que cabe aos remanescentes</p><p>do clero vaticinista é dos mais difíceis.</p><p>Governo</p><p>“L’Empereur é um bêbado colérico,</p><p>e ele nunca está sóbrio.”</p><p>— Ditado popular entre</p><p>os camponeses montenhos</p><p>Quem vem de fora muitas vezes acha confusa a</p><p>política de Montaigne. Volta e meia, até mesmo</p><p>os embaixadores que conhecem sua estrutura não</p><p>sabem mais com quem falar e de quem se esquivar. A</p><p>quantidade vertiginosa de chavões políticos a evitar e</p><p>a imensa rede de contatos, cada qual com uma ligação</p><p>emocional concomitante — e, muitas vezes, explosiva</p><p>—, são capazes de desconcertar</p><p>até mesmo a mais</p><p>bem treinada das sortílegas.</p><p>O resultado é um sistema plenamente funcional em</p><p>que, sabe-se lá como, tudo dá certo. No fim das contas,</p><p>quando os punhais voltam para as bainhas, o sangue já</p><p>está seco e todos se livraram de suas sentenças de morte,</p><p>os resultados são alcançáveis, apesar de raramente serem</p><p>unânimes. “Mostre-me uma lei em Montaigne que eu lhe</p><p>mostrarei alguém que dela discorda”, diz o provérbio.</p><p>66 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>Desde o começo da Guerra da Cruz, Montaigne dobrou</p><p>de tamanho. A necessidade de conseguir bons governantes</p><p>tornou-se cada vez mais importante, e a riqueza da</p><p>nobreza aumentou na mesma proporção.</p><p>Economia</p><p>“Quando a pequena nobreza se veste tão bem quanto</p><p>eu, é sinal de que nossa Nação está satisfeita, é</p><p>exuberante, rica e forte. Quando vemos um mercador</p><p>fazer a mesma coisa, é hora de aumentar os impostos.”</p><p>— Empereur Léon XIV</p><p>Montaigne leva o mais elevado padrão de vida</p><p>de Théah. As tarifas impostas pela realeza aos</p><p>mercadores também garante que o tesouro esteja</p><p>sempre repleto. Montaigne consome e importa mais</p><p>mercadorias, comida e ferro bruto que qualquer</p><p>outra Nação. A nobreza compra tanta comida,</p><p>artigos, serviços e pedraria que sua taxa de consumo</p><p>excede o que o país produz e exporta, o que a deixaria</p><p>numa situação precária no caso de uma catástrofe</p><p>econômica, algo que nunca aconteceu.</p><p>Montaigne utiliza tanto o soleil (so-LEI) — que tem</p><p>esse nome graças ao sol de Montaigne cunhado na moeda</p><p>— quanto o guilder. Nas moedas mais recentes, o verso</p><p>é estampado com a efígie de l’Empereur, ao passo que as</p><p>moedas mais antigas, cada vez mais escassas, ostentam o</p><p>timbre das espadas cruzadas dos Mosqueteiros. Em toda</p><p>a Montaigne, os mercadores e artesãos aceitam tanto os</p><p>guilders quanto os soleils. Muitos mercadores aceitam o</p><p>guilder, mas fornecem o troco em soleils.</p><p>Forças Armadas</p><p>Tempos atrás, as forças armadas de Montaigne eram</p><p>veneradas por serem nobres e austeras, o braço armado</p><p>de uma potência mundial. Nos últimos anos, porém,</p><p>elas praticamente triplicaram em tamanho por causa do</p><p>recrutamento, enfraquecendo as famílias que sustentam a</p><p>Nação — camponeses e agricultores, em sua maioria. Ao</p><p>mesmo tempo, a estrutura de comando vem minguando e</p><p>mais líderes militares inexperientes — entre eles, muitos</p><p>camponeses de talento nato, mas sem conhecimento</p><p>prático — vêm sendo mandados para campo. Poucos</p><p>nobres se alistam.</p><p>As perdas do Rei-Sol em Castilha só não foram lição</p><p>suficiente para os ricos. Muitos deles enriqueceram ainda</p><p>mais com os espólios de guerra, e poucos viram seus</p><p>filhos e filhas morrer em solo estrangeiro. Dizem por aí</p><p>que o próprio imperador ficou com mais da metade de</p><p>todos os bens apreendidos por Montaigne ao capturar</p><p>navios castilhanos na Baía de Espuma.</p><p>O supremo almirante da Marinha já é uma outra</p><p>história. Seu nome é Alceste Valois de Praisse III, e</p><p>ele é, sem dúvida alguma, o líder militar mais exibido</p><p>dos últimos anos. De berço nobre, ele continua a levar</p><p>um estilo de vida digno de sua posição. Alceste passa</p><p>mais tempo nas cortes e nas casas de outros nobres do</p><p>que no exercício de seu cargo e, mesmo assim, garante a</p><p>l’Empereur que não há piratas por perto. Recentemente,</p><p>ele mandou a poderosa frota montenha patrulhar águas</p><p>“seguras”, deixando a baía a oeste de Crieux vulnerável à</p><p>pilhagem ou ao contrabando.</p><p>Os Mosqueteiros</p><p>Tropa de elite das forças armadas de Montaigne,</p><p>os mosqueteiros desempenham várias funções</p><p>importantes no país, desde manter a lei do rei ou</p><p>escoltar nobres em território perigoso até cumprir</p><p>uma série de tarefas a mando da realeza. Prestam</p><p>um juramento a l’Empereur de Montaigne quando</p><p>se alistam e recebem uma rapieira, um tabardo</p><p>(um capote que se veste de frente) e o mosquete</p><p>que representa sua autoridade. A empunhadura da</p><p>rapieira é especialmente forjada e montada pelos</p><p>ferreiros reais. O tabardo tem o timbre real na frente</p><p>e nas costas, e o mosquete é feito de aço de ótima</p><p>qualidade, com marchetaria de prata pura e uma fleur-</p><p>de-lis na coronha.</p><p>Os mosqueteiros são escolhidos por um conselho</p><p>formado por vinte de seus futuros pares. O número de</p><p>mosqueteiros nunca passa nem fica aquém de mil. Para</p><p>que a tropa continue renovada, bem treinada e eficiente,</p><p>os soldados mais velhos se aposentam e os novatos entram</p><p>para a companhia todo começo de primavera.</p><p>Todo mosqueteiro lutará até a morte para defender</p><p>a honra de um colega. Por serem tão unidos, os</p><p>mosqueteiros devem ter muita confiança no discernimento</p><p>e na lealdade daqueles que os cercam.</p><p>A Guarda Relâmpago</p><p>A guarda pessoal de l’Empereur é conhecida como</p><p>a Guarda Relâmpago, formada pelos melhores</p><p>mosqueteiros. A guarda já existe há seiscentos anos</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 67</p><p>ç</p><p>e serve exclusivamente a l’Empereur. São dedicados</p><p>e honrados, duelistas incríveis e defensores leais da</p><p>soberania real. Quando necessário, também podem atuar</p><p>como mensageiros, escolta, guarda-costas, investigadores</p><p>ou embaixadores reais.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>Apesar de a alternância de governo constante entre</p><p>Montaigne e Avalon já ter se resolvido há tempos e o</p><p>comércio entre os dois lados do Istmo de Montaigne</p><p>nunca ter sido tão intenso, ainda persistem os</p><p>ressentimentos de longa data entre as duas nações.</p><p>Contudo, tanto Montaigne quanto Avalon entraram</p><p>em outros conflitos, e as lutas internas dos dois países</p><p>têm abafado momentaneamente essas hostilidades.</p><p>Castilha</p><p>O povo de Montaigne nunca respeitou os castilhanos,</p><p>pois se ressente do grande progresso da agricultura</p><p>e das exportações do país vizinho, além do desprezo</p><p>que nutre pelo hábito da siesta. A nobreza montenha</p><p>considerava justa sua causa na guerra — um golpe</p><p>na moral imperiosa da Igreja dos Vaticínios —, mas</p><p>até mesmo as classes mais baixas achavam que os</p><p>castilhanos não mereciam a fartura que tinham. A</p><p>maioria dos plebeus acreditava que a guerra fosse uma</p><p>resposta razoável aos insultos e ultrajes impostos pelos</p><p>castilhanos a Montagine no decorrer de anos e anos</p><p>de negociações comerciais e disputas pelas fronteiras.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>Camponeses com direito a voto? De jeito nenhum.</p><p>Vamos falar de outra coisa. Sirvam o vinho.</p><p>Eisen</p><p>O Tratado de Weissburg encerrou as hostilidades</p><p>francas entre Montaigne e Eisen, mas as emoções</p><p>que motivaram essa troca furiosa de golpes ainda</p><p>persistem. Os montenhos fizeram dos aisenianos</p><p>seus inimigos, apesar de não parecer ser esse o caso</p><p>para quem vê o conflito de fora. Os dois lados fizeram</p><p>questão de dar publicidade à sua troca mútua de</p><p>recursos, que se estende ao emprego de vários generais</p><p>aisenianos nos campos de treinamento montenhos.</p><p>Nações Piratas</p><p>A Marinha de Montaigne hoje passa boa parte do</p><p>tempo protegendo os navios mercantes contra os</p><p>piratas. A Liga de Vendel, recentemente, se prontificou</p><p>a fornecer mais navios mercenários como escolta, mas</p><p>l’Empereur não aceitou a oferta.</p><p>Ussura</p><p>O contato entre Montaigne e Ussura tem sido</p><p>mínimo. Uma das razões é a distância que as</p><p>separam, e é simplesmente mais fácil negociar com</p><p>outras nações mais próximas de Montaigne. Mesmo</p><p>assim... l’Empereur costuma perguntar aos nobres e</p><p>dignitários em visita ao país a respeito das terras e</p><p>da população ussuranas, dando a entender que talvez</p><p>venha a lançar mais uma campanha militar quando</p><p>se cansar de seus mais recentes empreendimentos</p><p>artísticos. Alguns de seus generais sugeriram que</p><p>ele olhasse para o oeste e para o norte, e não para o</p><p>oriente distante, mas — até o momento — ele tem</p><p>sido evasivo em relação a seus planos.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>Montaigne mantém contato com Vesten</p><p>principalmente por meio da Liga e das empresas que</p><p>esta mantém, algo que costuma exigir demasiados</p><p>recursos de um lado e de outro. Não fosse por uma</p><p>série de tarifas estabelecidas por l’Empereur e seu</p><p>conselho, as tramoias constantes da Liga de Vendel</p><p>poderiam ter causado pontos de atrito entre as duas</p><p>nações. Apesar de suas diferenças, tanto Montaigne</p><p>quanto Vesten</p><p>o silêncio que se seguiu como sua</p><p>deixa para falar. Baixou a cabeça.</p><p>— Meu senhor me faz uma grande gentileza — ele</p><p>disse, embora não tivesse recebido elogio algum.</p><p>Pelo jeito, a resposta agradou o empregador, que</p><p>acenou distraidamente com a cabeça.</p><p>— Voltarei em poucos dias. Sua obrigação será</p><p>manter minha Aurélie a salvo. Cuide da segurança dela</p><p>aqui em casa, acompanhe-a caso ela saia, mas duvido</p><p>que ela faça tal coisa. É uma tarefa bem simples. — O</p><p>marquês lançou um olhar depreciativo na direção de</p><p>Oliver. — Mas, se não conseguir cumpri-la, pior será</p><p>para sua reputação e seu pescoço.</p><p>Oliver cogitou e descartou umas dez respostas, pois</p><p>naquele dia o orgulho pessoal não podia se sobrepor</p><p>ao orgulho profissional — e, como ele se obrigara a</p><p>lembrar pela trigésima vez na última hora, não havia</p><p>vergonha alguma nisso.</p><p>— Muito bem — disse o marquês, levantando-se do</p><p>sofá com o ar de um homem acostumado a decidir</p><p>quando uma conversa chegava ao fim. — As aias de</p><p>Aurélie cuidarão das outras instruções.</p><p>As grandes portas duplas se abriram de fora para</p><p>dentro, e dois criados estavam parados ali, como se</p><p>aguardassem a deixa para agir... E de fato era isso.</p><p>Um deles segurava um magnífico capote de viagem,</p><p>grosso e forrado de peles; o outro aguardava com</p><p>uma bandeja para recolher a taça de seu senhor. Os</p><p>dois seguiram o marquês, deixando Oliver ali, de pé,</p><p>ouvindo o stacato pronunciado dos saltos de madeira</p><p>que batiam em retirada.</p><p>Na taverna, Oliver recolheu um dos ombros, tirando-o</p><p>da trajetória vertical de uma maça pesada que</p><p>acabou golpeando em falso. Abaixou-se, apoiando-se</p><p>num joelho só, e deixou que o ímpeto de um outro</p><p>oponente fizesse-lhe o favor de desequilibrar o homem</p><p>no momento em que este passou por ele, errando o</p><p>alvo. Oliver não teve dificuldade alguma para fazê-lo</p><p>tropeçar e se chocar contra outros dois sujeitos,</p><p>atirando todos os três no chão.</p><p>Acima do estardalhaço geral, ouviu-se o som de vidro</p><p>partido e um grito feminino... de indignação, e não</p><p>medo. Novo barulho de coisas se estilhaçando, e Oliver</p><p>sentiu os cacos polvilharem suas costas, pequenas</p><p>ferroadas que atravessaram o tecido fino que lhe cobria</p><p>os ombros. Com mais uma imprecação, ele arriscou</p><p>uma olhadela para trás e viu que sua companheira</p><p>vestenesa estava bem à vontade, com uma caneca nas</p><p>mãos, e também duas garrafas de vinho, que ela agora</p><p>atirava toda animada nos combatentes.</p><p>Oliver viu a mulher erguer acima dos ombros uma</p><p>garrafa que parecia pesada, viu-a se inclinar para trás e</p><p>ç</p><p>6 OSSOS DO OFÍCIO</p><p>arremessar na turba, feito um dardo, o objeto de vidro,</p><p>que se despedaçou de encontro à cabeça de um outro</p><p>homem. Cabeça dura, Oliver pensou, pouco antes de</p><p>o homem cair e o aroma de bagas fermentadas de</p><p>sabugueiro impregnar o ar. Mas que desperdício.</p><p>Os corredores do palacete do senhor Descoteaux</p><p>tinham pé direito alto e recorriam a janelas e espelhos</p><p>engenhosos para encher o lugar com mais luz do que</p><p>o sol teria proporcionado por conta própria no auge</p><p>do verão.</p><p>Seguindo uma das aias, Oliver passava por portas de</p><p>madeira brancas com rosetas impecáveis entalhadas</p><p>e se perguntava se teria tirado todo o barro de suas</p><p>botas antes de entrar. No fim de um dos corredores,</p><p>eles entraram numa sala de estar, muito menor que</p><p>a anterior e consideravelmente mais feminina. Oliver</p><p>supôs que deviam manter pelo menos três roseirais</p><p>em flor o tempo todo só para suprir aquela sala. Todas</p><p>as mesas estavam tomadas por arranjos de rosas,</p><p>sempre naquele exato tom de coral. Outras tantas</p><p>das mesmas flores estavam em vasos embutidos nas</p><p>próprias paredes. Num divã de cor creme no centro</p><p>da sala estava sentada Aurélie Descoteaux, usando um</p><p>vestido nas mesmas cores de suas flores preferidas. O</p><p>tecido compacto de seda parecia ter a mesma textura</p><p>das pétalas das rosas que tomavam o recinto. Assim</p><p>como a pele da moça, por falar nisso… E então Oliver</p><p>fez uma profunda reverência, aproveitando a ocasião</p><p>para dar uma olhada em suas botas salpicadas de barro</p><p>e relembrar qual era seu lugar e sua posição ali.</p><p>— Minha senhora — dirigiu-se a ela, ainda de olhos</p><p>baixos, e aguardou que lhe dissessem o que fazer.</p><p>— Monsieur Oliver Kay. — O sotaque da moça deu ao</p><p>nome dele um ar exótico e pareceu vacilar pouco antes</p><p>de se deter diante da brevidade de seu sobrenome.</p><p>Como ela nada mais dissesse, Oliver ergueu os olhos</p><p>e se levantou.</p><p>— Há algo que eu possa fazer por minha senhora? —</p><p>Ele perguntou, nada à vontade no silêncio expectante.</p><p>— Naturalmente — ela murmurou com um sorriso</p><p>delicado. — Pode tomar chá comigo.</p><p>Como ele hesitou, ela ergueu uma das sobrancelhas</p><p>delicadas e, com a cabeça, apontou quase</p><p>imperceptivelmente a poltrona diante dela. Nada à</p><p>vontade, ele se sentou, mantendo-se na beirada do</p><p>assento, para que sua espada não estragasse nem</p><p>ficasse presa nos braços de brocado que pareciam</p><p>querer envolvê-lo.</p><p>— Pode tirá-la — Aurélie inclinou a cabeça na direção</p><p>da espada.</p><p>— Na verdade, não posso — ele respondeu,</p><p>ajeitando-se para que seu peso repousasse sobre um</p><p>dos quadris, o que lhe permitia atender ao pedido</p><p>da moça para que se sentasse e ainda manter a</p><p>espada livre. Ele encolheu os ombros como pedido</p><p>de desculpas, sem saber ao certo o que seria</p><p>considerado rude naquela atmosfera tão rarefeita.</p><p>— Seu pai me encarregou de cuidar de sua proteção.</p><p>Eu me veria incapaz de prestar bons serviços se</p><p>estivesse desarmado.</p><p>— Corremos algum perigo aqui? — Ela perguntou,</p><p>erguendo divertidamente os cantos dos lábios.</p><p>— É uma questão de princípios — ele respondeu.</p><p>Aí a porta se abriu, uma criada entrou trazendo uma</p><p>bandeja com o aparelho de chá, e Aurélie se virou,</p><p>voltando sua atenção para outra coisa. Oliver tinha a</p><p>impressão de que a capacidade de atenção da nobreza</p><p>de Montaigne era excepcionalmente reduzida.</p><p>Ele aproveitou os instantes em que sua protegida se</p><p>ocupava de tilintar a prata e a porcelana para examinar</p><p>o resto da sala. As grandes janelas abriam-se acima</p><p>de um pátio descoberto e nenhum dos muros se</p><p>aproximava o bastante para facilitar a escalada. Havia</p><p>outras duas portas além daquela pela qual ele entrara.</p><p>Uma delas provavelmente levava ao quarto de dormir</p><p>da dama, a outra... talvez a um toalete particular? Bem</p><p>que ele gostaria de saber, por questões de segurança,</p><p>e estava tentando encontrar uma maneira delicada de</p><p>fazer a pergunta quando teve sua atenção novamente</p><p>chamada para cena que se desenrolava ali.</p><p>— Ouvi dizer que o chá é uma ocasião extremamente</p><p>formal em Avalon — dizia Aurélie. — Tomara que não</p><p>fiquemos a desejar.</p><p>— Tenho certeza de que está ótimo — ele respondeu</p><p>brevemente quando a criada lhe ofereceu a xícara e o</p><p>pires. — Tenho certeza de que está excelente.</p><p>As pontas de seus dedos mal haviam roçado a base</p><p>do pires quando o caldo todo entornou: a xícara</p><p>pendeu de repente, o pires deslizou na outra direção,</p><p>o líquido quente escorreu pelo peitilho de seu colete,</p><p>derramou-se em suas coxas... E como era possível</p><p>uma xícara aparentemente tão pequena conter</p><p>tanto líquido?</p><p>— Ah! Perdão, Monsieur! — A moça que servia o chá</p><p>pôs-se a enxugá-lo com um xale decorativo, trazendo</p><p>no rosto toda a sua consternação.</p><p>— Não, que é isso. Está tudo bem — ele tentou</p><p>tranquilizá-la e, ao mesmo tempo, tirar o xale da</p><p>mão dela.</p><p>Mas a moça empurrou o pires e a xícara agora vazia</p><p>na direção de Oliver, deixando as mãos dele ocupadas</p><p>e as dela livres para percorrer as vestes do espadachim,</p><p>puxar-lhe o casaco e continuar inutilmente a enxugá-lo.</p><p>Ele tentou se afastar, mas, sentado na poltrona de</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 7</p><p>ç</p><p>braços envolventes, não havia para onde ir. Quando</p><p>as mãos dela desceram para a metade inferior de</p><p>seus trajes, Oliver pulou da poltrona, ainda fazendo</p><p>malabarismo com a porcelana, conseguiu se contorcer,</p><p>contornar a moça e ficar de pé.</p><p>— Sério. Está tudo bem — ele disse com firmeza,</p><p>depositando a porcelana sobre a bandeja de prata, que</p><p>fora colocada de lado numa mesa baixa. — Não</p><p>concordam numa coisa: vender artigos</p><p>de luxo para o resto de Théah é um desperdício,</p><p>considerando-se que Montaigne está disposta a</p><p>pagar quantias tão grandes pelo melhor que a Liga de</p><p>Vendel tem a oferecer.</p><p>Vodacce</p><p>Sem dúvida alguma, as relações comerciais de</p><p>Montaigne com Vodacce são mais convenientes e</p><p>lucrativas do que com qualquer outra Nação teana,</p><p>e por vários motivos. Em primeiríssimo lugar, os</p><p>montenhos adoram os artigos produzidos pelos</p><p>vodatianos, que eles consideram ser “um exagero de</p><p>elegância”. Mas são vários os boatos de que l’Empereur</p><p>— que angariou a inimizade ou a má vontade do</p><p>resto do mundo — estaria preparando uma futura</p><p>aliança política.</p><p>ç</p><p>68 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Há séculos estamos lutando por liberdade. E agora ela está a</p><p>nosso alcance. E a única coisa que precisamos fazer para obtê-la...</p><p>é praticar a paciência. Não é uma de nossas grandes virtudes.</p><p>— James MacDuff</p><p>As Terras Altas, em sua aparente insignificância,</p><p>desempenham há séculos um papel fundamental no cenário</p><p>mundial. Embora não sejam poderosas, politicamente</p><p>falando, nem absurdamente ricas em recursos, sua lealdade</p><p>à rainha Elaine e a capacidade de desestabilizar o governo</p><p>dela fazem das Terras Altas fatores-chave na tentativa de</p><p>Avalon de se tornar uma grande potência. Por causa disso,</p><p>os inimigos de Avalon se voltaram para as Terras Altas</p><p>ao procurar um ponto fraco nos Reinos Unidos. Mas os</p><p>terraltinos — liderados por seu rei, James MacDuff II — têm</p><p>ideias próprias e transformaram sua posição numa poderosa</p><p>arma política.</p><p>O País</p><p>As Terras Altas são um país úmido e nevoento, onde</p><p>predominam as colinas rochosas e a chuva constante.</p><p>Percorrer as Terras Altas é difícil, na melhor das</p><p>hipóteses. As estradas rurais estão mal conservadas, e</p><p>bandidos e animais selvagens são bem comuns. A maioria</p><p>dos viajantes prefere seguir a cavalo, ao passo que a</p><p>nobreza recorre a carruagens e outros veículos sobre</p><p>rodas. São poucos os grandes rios nas Terras Altas e,</p><p>por isso, as viagens fluviais se limitam aos pescadores e</p><p>a outras pessoas que ganham a vida nos cursos d’água.</p><p>As condições atmosféricas nas Terras Altas não são</p><p>nada agradáveis. A chuva e a neblina tomam o país a</p><p>maior parte do ano, e a neve cobre os campos durante</p><p>uma boa parte dos meses de inverno. Mas são poucos</p><p>os extremos de temperatura, e as Terras Altas raras</p><p>vezes são afligidas por geadas violentas ou ondas de</p><p>calor. Como no caso de Avalon, o tempo atmosférico</p><p>nas Terras Altas se mantém impassível, sombrio e</p><p>praticamente idêntico, entra e sai mês.</p><p>Alimentação</p><p>A alimentação nas Terras Altas é parecida com o</p><p>tempo atmosférico: pesada, sem graça e sempre igual.</p><p>A carne ovina é o principal produto do país, e os</p><p>pratos típicos são feitos de carne e miúdos de ovelha,</p><p>além de costeletas de cordeiro. O cultivo de hortaliças</p><p>se baseia em tubérculos e, portanto, a maioria das</p><p>refeições inclui batatas (trazidas do Novo Mundo),</p><p>cenouras e coisas do gênero. Cozinhar os alimentos</p><p>em água fervente é o método preferido, pois conserva a</p><p>comida durante mais tempo e é algo fácil de fazer nos</p><p>campos agrestes. Muitos terraltinos preferem guisados</p><p>e outros pratos combinados, que são simples e dão um</p><p>pouco de variedade à culinária. Desprezam as receitas</p><p>extravagantes de outros países por considerarem-nas</p><p>Terras Altas</p><p>The Terras Altas</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 69</p><p>ç</p><p>um desperdício. “Vira tudo uma coisa só dentro do</p><p>bucho” é um ditado comum entre os terraltinos.</p><p>O Povo</p><p>Os terraltinos costumam ser mais altos que o teano</p><p>médio. Como acontece com seus primos inismoritas,</p><p>as cabeleiras ruivas são mais famosas que sua aparência</p><p>típica: cabelos pretos e olhos azuis. Os altiterrenses</p><p>passam quase todo o seu tempo ao ar livre, mas, como</p><p>o céu geralmente fica encoberto, têm tons de pele nem</p><p>muito pálidos, nem muito bronzeados.</p><p>Vestuário</p><p>As roupas dos habitantes espelham as necessidades</p><p>práticas do país e foram concebidas para manter as</p><p>pessoas aquecidas e confortáveis, e não para a ostentação.</p><p>Os homens tradicionalmente vestem kilts, feitos de lã e</p><p>adornados com os tartãs e as cores de sua família ou clã</p><p>ancestral. Os kilts formam uma faixa que</p><p>é usada por cima do ombro e, liberada</p><p>do alfinete que a prende, pode</p><p>cobrir o corpo todo, como uma</p><p>espécie de manta. Os nobres</p><p>evitam as rapieiras e outras armas, preferindo as enormes</p><p>claymores de outrora, um espetáculo intimidador nos</p><p>salões do Parlamento. O resto do figurino é parecido</p><p>com o dos nobres avalonianos: coletes com botões e</p><p>sapatos afivelados.</p><p>As mulheres gostam de vestidos e de saias plissadas,</p><p>mas a moda nas Terras Altas é muito menos ornamental</p><p>que outras do continente. Como no caso dos homens,</p><p>as roupas femininas são feitas de tecidos resistentes</p><p>e capazes de suportar o frio das Terras Altas. Elas</p><p>raramente usam chapéus, preferindo fitas ou enfeites</p><p>florais para os cabelos, um resquício do passado pagão</p><p>do país.</p><p>Costumes</p><p>A identidade de clã é muito importante para os</p><p>altiterrenses . Sua noção de nacionalidade e lealdade</p><p>a Avalon impede os clãs de exercer muita influência</p><p>política fora das Terras Altas, mas eles passaram</p><p>a dominar o cenário sociocultural. Em público,</p><p>os altiterrenses preferem usar os tartãs clânicos</p><p>ancestrais, e as danças e cantigas populares brotam das</p><p>alianças regionais de tempos imemoriais. As canções</p><p>são de natureza semelhante — tão parecidas que um</p><p>estrangeiro que percorra as Terras Altas teria grande</p><p>dificuldade para distingui-las —, mas os habitantes</p><p>conseguem diferenciá-las facilmente. Muitos plebeus</p><p>separam condados e feudos uns dos outros de acordo</p><p>com os tipos de cantigas entoados nas tavernas ou</p><p>segundo os passos específicos de uma dança da festa</p><p>de primavera.</p><p>Há que se perguntar como os terraltinos conseguem</p><p>ostentar suas filiações sem descambar para as antigas</p><p>rivalidades e reacender a guerra civil. Para os terraltinos,</p><p>há uma diferença entre sua identidade cultural e o</p><p>orgulho nacional. O fenômeno lembra os torcedores</p><p>do futebol americano universitário de hoje em dia. É</p><p>possível vestir com todo o orgulho as cores de um clã</p><p>e cantar um hino de família a plenos pulmões, mas essa</p><p>associação não suprime a noção de unidade nacional nem</p><p>a sensação de pertencer a uma fraternidade maior que</p><p>inclui outros habitantes da ilha... Excluída, obviamente,</p><p>a ocasional briga de bar. Seiscentos anos de submisão</p><p>a Montaigne e Avalon limitaram as rivalidades clânicas</p><p>exclusivamente à arena das palavras.</p><p>70 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>Mulheres Terraltinas</p><p>À primeira vista, as mulheres são cidadãs de segunda</p><p>classe nas Terras Altas. Não podem ter propriedades,</p><p>nem manter cargos políticos ou se apresentar em</p><p>público em pé de igualdade com os homens. Nenhuma</p><p>mulher tem cadeira cativa no Parlamento nacional, e a</p><p>ideia de uma chefe de clã é inaudita.</p><p>Na prática, porém, as coisas são bem diferentes. A maioria</p><p>dos lares nas Terras Altas é dirigida pela esposa ou pela</p><p>mulher mais velha, e boa parte dos negócios corriqueiros</p><p>jamais seria completada sem elas. Os assuntos financeiros</p><p>também cabem ao belo sexo, e bancos e outras instituições</p><p>geralmente endereçam as contas à “dona da casa”. Os nobres</p><p>costumam acatar o conselho das esposas, e não os de outras</p><p>pessoas, e apesar de nenhuma delas deter um cargo eletivo,</p><p>muitas são respeitadas como líderes informais em suas</p><p>comunidades. O exército nacional admite mulheres como</p><p>soldados, mas sua participação é minúscula em comparação</p><p>com a presença masculina, e entre os heróis mais famosos</p><p>do país há alguns do sexo feminino. Uma das corsárias mais</p><p>infames da rainha Elaine, Bonnie McGee, a Sanguinária, é</p><p>originária das Terras Altas.</p><p>Vida dos Nobres</p><p>Com a aproximação dos dois reinos, a nobreza</p><p>altiterrense começou o lento processo de se integrar</p><p>a seus pares avalonianos. Boa parte dos aristocratas</p><p>das Terras Altas provém de grandes propriedades</p><p>agrícolas, onde predominam áreas cultivadas e</p><p>civilizadas e charnecas agrestes e</p><p>indomadas. As</p><p>crianças nobres são educadas em casa por tutores</p><p>ou governantas, mas algumas emigram para estudar</p><p>numa instituição adequada em Avalon. Apesar</p><p>de adotarem o aparato sofisticado da alta cultura</p><p>e desfrutarem das sutilezas refinadas da caça, do</p><p>debate filosófico etc., muitos nobres altiterrenses</p><p>evitam essas práticas passivas, preferindo mergulhar</p><p>de cabeça na política nacional. O bem-estar da Nação</p><p>é mais importante para muitos deles, e a nobreza</p><p>geralmente faz o possível para melhorar a vida de</p><p>seus subordinados ou para promover seus próprios</p><p>planos, em vez de matar o tempo com divertimentos</p><p>estúpidos. Seus iguais em outros países os consideram</p><p>esdrúxulos e ligeiramente retrógrados, como seria de</p><p>esperar de uma Nação isolada.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 71</p><p>ç</p><p>Vida dos Camponeses</p><p>Para os camponeses das Terras Altas, a vida é dura, mas</p><p>o surgimento de uma classe média vem aliviando uma</p><p>pouco as coisas. A maioria do campesinato trabalha nas</p><p>fazendas da nobreza ou de novos-ricos proprietários de</p><p>terras. Com o florescimento da educação e a chegada</p><p>dos progressos da ciência à ilha, a vida dos camponeses</p><p>começou a melhorar. É cada vez maior o número deles</p><p>que deixa os campos para buscar a sorte nos centros</p><p>urbanos, e uma classe de mercadores e lojistas vem</p><p>se estabelecendo aos poucos. Em sua maioria, os</p><p>camponeses das Terras Altas são reservados, respeitam</p><p>seus superiores e tentam aproveitar ao máximo as</p><p>oportunidades que a vida lhes oferece. Apesar de tudo,</p><p>eles podem se mostrar bem animados: adoram as</p><p>cantigas e a cerveja e conduzem suas reuniões sociais</p><p>com uma turbulenta joie de vivre.</p><p>Etiqueta</p><p>A honestidade é muito importante entre os</p><p>altiterrenses . Opor-se a alguém não é um pecado,</p><p>desde que seja uma oposição declarada com toda a</p><p>franqueza, e o conceito de “uma luta boa e limpa” é o</p><p>que predomina na maioria das discussões políticas.</p><p>Raramente se fazem promessas, mas, quando feitos,</p><p>os votos são sagrados: um highlander considera seu</p><p>juramento a essência de seu bom nome e nunca</p><p>falta conscientemente com a palavra dada. Essa</p><p>honestidade, porém, raras vezes se estende além</p><p>dos Reinos de Avalon. Os estrangeiros podem ser</p><p>enganados impunemente, e costumam ser mesmo,</p><p>deixando mortificados os dignitários visitantes.</p><p>Não foram poucos os políticos estrangeiros levados</p><p>a acreditar no voto solene de um highlander...</p><p>apenas para vê-lo faltar com a palavra no pior</p><p>momento possível.</p><p>Outras preocupações de etiqueta são semelhantes às</p><p>de Avalon. Sempre se tira o chapéu para uma dama e</p><p>presta-se o devido respeito às pessoas de status social</p><p>mais elevado. A afeição nacional pela honestidade</p><p>acabou fazendo recrudescer as normas da boa</p><p>educação, bem mais que em outros lugares, mas os</p><p>altiterrenses ainda esperam um mínimo de cortesia de</p><p>seus semelhantes e não toleram grosserias sem uma boa</p><p>explicação. Também chegam às vias de fato com mais</p><p>facilidade do que habitantes de outros países: entre os</p><p>nobres, consideram-se os duelos maneiras apropriadas</p><p>de encerrar disputas.</p><p>Política</p><p>Historicamente, o cenário político nas Terras Altas</p><p>é dominado pelos clãs, que continuaram usando</p><p>de todos os meios para galgar posições e obter a</p><p>supremacia mesmo depois da chegada dos montenhos.</p><p>Isso vem mudando aos poucos com a união do país a</p><p>Avalon, e a lealdade aos clãs vem cedendo lugar aos</p><p>partidos políticos mais abrangentes.</p><p>O Parlamento das Terras Altas é formado por todos</p><p>os chefes dos grandes clãs, que herdam suas cadeiras.</p><p>Os limites políticos vão sendo traçados por antigas</p><p>rivalidades, à medida que a velha escola da sangria</p><p>política ganha nova forma nas discussões e nos</p><p>debates sobre programas de ação. Os parlamentares</p><p>são supervisionados pelo grande rei, descendente</p><p>direto de Robert I, que monitora todas as assembleias</p><p>e faz cumprir os éditos da casa. Ele dá forma às</p><p>políticas nacionais e muitas vezes controla a pauta</p><p>do parlamento. Sendo o líder da Nação, o grande rei</p><p>pode, tecnicamente, agir sem precisar da aprovação do</p><p>Parlamento, mas, ao fazer isso, corre o risco de receber</p><p>uma reprimenda pública e de se ver incapaz de fazer</p><p>valer seus decretos. Existe um acordo tácito entre</p><p>o rei e o parlamento, segundo o qual ele respeita as</p><p>decisões finais dos líderes de clã e, em troca, obtém a</p><p>aprovação das matérias que apresenta. Como acontece</p><p>em muitas nações teanas, esse equilíbrio se altera à</p><p>medida que um ou outro lado ganha ou perde força.</p><p>Atualmente, o Parlamento se divide entre os</p><p>unionistas, que defendem a tríplice coroa da rainha</p><p>Elaine, e os separatistas, que querem uma Nação</p><p>totalmente independente. Os unionistas são a maioria,</p><p>mas os separatistas estão ganhando terreno aos poucos</p><p>e podem se revelar perigosos num futuro próximo. O</p><p>poderoso e carismático James MacDuff, um unionista</p><p>fervoroso, tem mantido os separatistas sob controle</p><p>desde que se tornou grande rei. James acredita que</p><p>as Terras Altas podem obter grande força — e ainda</p><p>manter sua autonomia — sob a bandeira dos Reinos</p><p>Unidos. A independência os deixaria fracos e privados</p><p>da proteção dos corsários de Avalon, abrindo as portas</p><p>para uma invasão montenha ou castilhana. Ele reluta</p><p>em jogar fora a recém-descoberta liberdade de seu país</p><p>em troca de um conceito obscuro de independência.</p><p>ç</p><p>72 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Nomes</p><p>Os altiterrenses têm dois nomes: um primeiro nome</p><p>e um patronímico ou nome de clã. O nome de clã</p><p>geralmente vem do fundador do grupo — seja um</p><p>homem ou uma mulher —, e não de um membro da</p><p>família (e é por isso que os nomes dos altiterrenses</p><p>são mais consistentes que os nomes inismoritas,</p><p>que são mais pessoais). No caso dos homens, o</p><p>nome de clã é precedido por “Mac”, ao passo que, no</p><p>caso das mulheres, o prefixo é “Nic”. Por exemplo,</p><p>Angus MacBride e Beileag NicBride pertencem ao</p><p>mesmo clã.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Aonghas, Aodhagán,</p><p>Beathan, Blair, Cailean, Cairbre, Carson, Colin,</p><p>Dáibhidh, Donnchadh, Dugald, Ealair, Eoghan,</p><p>Ewen, Fearchar, Fionnlagh, Fingall, Goraidh, Grier,</p><p>Hamish, Kerr, Sachairi, Seósaidh, Seumas, Sláine,</p><p>Tam</p><p>Nomes Femininos Comuns: Aileen, Ailsa, Beileag,</p><p>Blair, Caoimhe, Deóiridh, Ealasaid, Eimhir, Eithne,</p><p>Fionnuala, Gormlaith, Isla, Lachina, Lilias, Máiri,</p><p>Oighrig, Seona, Sheona, Síleas, Teárlag, Úna</p><p>Aldeias e Cidadezinhas</p><p>Kirkwall</p><p>Kirkwall é uma das fortificações mais antigas ainda</p><p>de pé nas Terras Altas. Erigida por ocasião da</p><p>invasão vestenesa muitos séculos atrás, resistiu a um</p><p>cerco após outro, promovidos tanto por altiterrenses</p><p>quanto por agressores estrangeiros. Hoje é o baluarte</p><p>do grande rei e a embaixada oficial das Terras Altas.</p><p>Ali fica a corte de MacDuff, e os clãs se reúnem em</p><p>seu salão uma vez por ano. Durante essa semana, a</p><p>população de Kirkwall triplica em tamanho e uma</p><p>feira imensa surge em volta das muralhas.</p><p>Connickmoor</p><p>Pátria do clã MacBride, Connickmoor também abriga</p><p>o Movimento Separatista das Terras Altas. Os sonhos</p><p>de independência acalentados por MacBride foram</p><p>sufocados pelo apoio inabalável do povo à aliança</p><p>de Elaine e MacDuff. Até o momento, as manobras</p><p>políticas de MacDuff fizeram a fortuna das Terras</p><p>Altas, mas MacBride é paciente.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Para o resto de Théah, as Terras Altas, da mesma</p><p>maneira que Inismore, não passa de um estado</p><p>vassalo do país de Elaine. No entanto, os altiterrenses</p><p>mantiveram suas relações diplomáticas com</p><p>Vestenmennavenjar, contatos que possibilitam a</p><p>entrada discreta de dinheiro e prosperidade nas Terras</p><p>Altas de tempos em tempos.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 73</p><p>ç</p><p>Ussura</p><p>“É dividir o calor ou morrer de frio.”</p><p>— famoso provérbio ussurano</p><p>Desde seus picos nevados até o mar interior e as</p><p>terras baixas e ondulantes, Ussura é vista pela gente</p><p>comum de Théah com pena e desdém. A religião do</p><p>país é retrógrada, dizem, e seu povo não tem educação.</p><p>São pessoas que dançam à luz fulgurante da lua e às</p><p>margens dos rios largos, sem se preocupar com os</p><p>códigos civilizados de conduta.</p><p>Além do mais, os</p><p>nobres se portam tão mal quanto os camponeses. Já</p><p>foi decidido: Ussura não tem futuro.</p><p>Mas as pessoas, ao dizerem tais coisas, não escondem</p><p>o medo no olhar e, ao passar perto da paisagem nevada,</p><p>até mesmo o mercador mais corajoso abaixa a voz. Pois</p><p>as florestas de Ussura podem ouvir cada palavra.</p><p>Tarde da noite, quando o vento ululante desce das</p><p>montanhas e atravessa o arvoredo compacto, as famílias</p><p>se reúnem em volta da lareira e contam histórias sobre os</p><p>“lechii”, espíritos antigos que rogam bênçãos e maldições.</p><p>O maior de todos é Matushka, a mulher que ronda a</p><p>floresta com uma vassoura numa das mãos. Quando</p><p>encontra criancinhas longe de casa, ela as varre de volta</p><p>com um breve “tsc, tsc”. Quando não a tratam com o</p><p>devido respeito, ela as joga em seu caldeirão preto e as</p><p>transforma em ensopado.</p><p>Ussura não é uma terra gentil. Não é uma terra meiga.</p><p>Mas seu povo tem um coração gentil, meigo e humilde,</p><p>e assim é graças às duras lições que aprendeu com o</p><p>inverno de Ussura.</p><p>O País</p><p>Ussura fica coberta de gelo e neve quase o ano todo.</p><p>Quando não é a neve, é a lama. Um acadêmico em</p><p>visita ao país certa vez escreveu: “Os ussuranos não</p><p>vivem no presente, e sim quinhentos anos no passado.”</p><p>Não existem estradas aproveitáveis, represas nem</p><p>qualquer outra estrutura que lembre a arquitetura</p><p>moderna... nem sequer a arquitetura antiga, por</p><p>falar nisso. Até mesmo suas choças e choupanas</p><p>são primitivas em comparação com os barracos dos</p><p>camponeses mais afortunados de Théah.</p><p>Mas, se você perguntar aos ussuranos, verá que eles não</p><p>acham que estão vivendo num deserto gelado. Na verdade,</p><p>parecem muito bem alimentados. Basta olhar um pouco</p><p>mais de perto para ver que Ussura não é o ermo que parecia</p><p>ser à primeira vista. As pessoas mantêm lavouras produtivas</p><p>em terras que não deveriam permiti-las, têm uma sorte</p><p>surpreendente com suas armadilhas e apanham pescado</p><p>em tamanha quantidade que deixaria qualquer pescador</p><p>avaloniano verde de inveja.</p><p>Para quem não nasceu em Ussura, a terra pode parecer</p><p>deliberadamente maligna. Não se veem animais de caça.</p><p>As frutinhas silvestres e os cogumelos deixam os invasores</p><p>invariavelmente enjoados, e os pontos de referência no</p><p>relevo parecem mudar por conta própria. E, enquanto isso,</p><p>os ussuranos passeiam pelo caos e se perguntam por que</p><p>Ussura</p><p>ç</p><p>74 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>as pessoas de outras nacionalidades consideram sua terra</p><p>rude e inóspita. Afinal, Matushka fornece tudo de que eles</p><p>precisam e, se por vezes ela é severa, é só porque deseja que</p><p>seus filhos sejam fortes.</p><p>O Povo</p><p>Os ussuranos são pessoas de baixa estatura e</p><p>constituição robusta, e os plebeus geralmente</p><p>têm cabelos e olhos escuros. Apenas a nobreza —</p><p>especificamente os escolhidos pela Avó Inverno —</p><p>ostentam os olhos cor de esmeralda da Dádiva. Os</p><p>homens ussuranos costumam cultivar barbas e cabelos</p><p>compridos; as mulheres prendem os cabelos para trás,</p><p>e as casadas geralmente cobrem-nos com um lenço</p><p>conhecido como babuchka. Ussuranos de toda classe</p><p>e todo gênero têm pele clara e ficam logo corados</p><p>depois de tomar alguns drinques. Às vezes, os outros</p><p>teanos caçoam da aparência cartunesca dos ussuranos:</p><p>narizes protuberantes, dedos curtos e grossos que</p><p>formam calos com facilidade.</p><p>Como os ussuranos conseguem sobreviver tão bem numa</p><p>terra coberta de neve? “A pergunta é boa, mas a resposta é</p><p>melhor ainda”, disse um famoso viajante ussurano. “A terra</p><p>cuida da gente, e a gente cuida da terra.”</p><p>Essa afirmação é mais verdadeira do que o resto de</p><p>Théah imagina. Em Ussura, a terra está viva, passa de</p><p>estação a estação com alegria e fertilidade, luta ao lado do</p><p>povo em tempos de guerra.</p><p>Não quer dizer que as árvores deem frutos atendendo às</p><p>ordens de alguém ou que a vida de um agricultor ussurano</p><p>seja menos difícil que a vida de seus semelhantes em</p><p>qualquer outro país. Nada disso. É uma demonstração de</p><p>que a terra escuta seu povo, recompensa as boas ações e</p><p>castiga as maldades. Se um agricultor ussurano trabalhar</p><p>duro o ano todo e se esforçar para colocar seus deveres</p><p>acima de suas vontades egoístas, ele será recompensado.</p><p>Por mais difícil que tenha sido o ano, sua lavoura vai vicejar</p><p>e sua família será alimentada.</p><p>Nenhuma invasão até hoje passou do primeiro rio de</p><p>Ussura. As hordas bárbaras de Catai morreram doentes</p><p>ou de inanição. Os guerreiros mais ousados de Eisen</p><p>costumam falar de maneira rude do general Johann von</p><p>der Velde, que os liderou num ataque à província mais</p><p>ao sul de Ussura no ano 523. Encontraram o exército</p><p>quando a neve derreteu: enterrado por uma geada forte</p><p>que começou no meio do verão.</p><p>Declarações práticas, honestas e francas como esta são a</p><p>base da filosofia ussurana: “Para que mexer, se do jeito que</p><p>está funciona?” poderia ser o lema da Nação.</p><p>Camadas Sociais</p><p>O povo ussurano forma duas grandes classes:</p><p>os mujiques e os boiardos. Os mujiques são os</p><p>camponeses, ao passo que os boiardos são os</p><p>proprietários de terras em Ussura: eles ficam com</p><p>uma parte da produção dos mujiques em troca do</p><p>uso da terra.</p><p>Entre os mujiques, os maiores e mais fortes costumam</p><p>angariar mais respeito. Disputas de força física acontecem</p><p>com frequência nas aldeias rurais. Do braço-de-ferro ao</p><p>cabo-de-guerra, passando por corridas pedestres: tem</p><p>de tudo. As mulheres não são excluídas dessas disputas,</p><p>mas elas costumam preferir competições nas quais sua</p><p>resistência superior compensa a falta de musculatura.</p><p>A condição de um boiardo tem mais a ver com a</p><p>quantidade de terras que ele possui do que com sua</p><p>força. Não há dúvida de que é possível ganhar status</p><p>vencendo uma ou duas competições nas feiras rurais, mas</p><p>o boiardo dono de um pedacinho de chão nunca será tão</p><p>poderoso quanto aquele que possui centenas de hectares.</p><p>No topo da hierarquia fica a família real: os boiardos</p><p>mais poderosos de Ussura. O chefe da casa real é</p><p>chamado de czar (derivado de um título da Velha</p><p>República) ou czarina. O título é herdado por sucessivas</p><p>gerações e pode mudar de uma família para outra</p><p>dependendo do poder político e militar.</p><p>Vestuário</p><p>Os ussuranos usam uma veste longa e quente chamada</p><p>“caftan”, presa à cintura com uma fivela e, em geral,</p><p>vestida por cima de uma outra camada de roupas para</p><p>espantar o frio.</p><p>Quem pode arcar com algum luxo (ou seja, os boiardos)</p><p>tem a tendência de tingir as roupas com tons vivos de</p><p>laranja e vermelho. Os boiardos que detêm de fato a</p><p>propriedade da terra e a administram sempre usam botas</p><p>de um vermelho intenso para demonstrar sua condição.</p><p>Alimentação</p><p>A dieta típica dos mujiques é formada por sopa de</p><p>repolho, nabo, alho, pepino em conserva e compotas.</p><p>Serve-se o pão em todas as refeições. Boa parte da</p><p>dieta ussurana consiste em pão ázimo; o tipo mais</p><p>popular é conhecido como khleb.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 75</p><p>ç</p><p>Leite e ovos são bem mais abundantes que a carne, que</p><p>só costuma ser consumida quando o mujique tem tempo</p><p>para caçar ou preparar armadilhas. Dá-se muito valor aos</p><p>cogumelos, que são desidratados e preservados para uso</p><p>durante os longos invernos.</p><p>Costumes</p><p>Os verões breves e os invernos longos e inóspitos</p><p>ditam o estilo de vida ussurano. Eles trabalham</p><p>febrilmente no verão, tentando armazenar a colheita</p><p>antes das primeiras geadas cobrirem os campos. No</p><p>inverno, eles passam boa parte do tempo dentro de</p><p>suas casinhas, sentados em cima ou ao redor dos</p><p>fogões que são o centro de seus lares. Adoram as</p><p>bebidas alcoólicas e passam uma boa parte do inverno</p><p>no estado festivo de embriaguez que torna suportáveis</p><p>esses longos períodos de isolamento.</p><p>As conversas “sérias” ou importantes se dão enquanto</p><p>as pessoas tomam chá temperado com cravo e canela</p><p>(chamado de tchai) à mesa da cozinha, o centro</p><p>incontestável de uma casa ussurana. A maioria dos</p><p>ussuranos tem um fogão à lenha bem no meio da cozinha,</p><p>chamado de petchka, e eles costumam convidar o hóspede</p><p>a dormir num aposento logo acima do fogo para se</p><p>manter aquecido.</p><p>No último dia da semana, todos os mujiques</p><p>separam</p><p>duas horas de sua rotina matutina para adorar Matushka</p><p>no altar da aldeia (e, ao mesmo tempo, agradecer ao</p><p>Profeta). Em geral, o homem mais culto do vilarejo conduz</p><p>a cerimônia: a maioria das aldeias não pode se dar ao luxo</p><p>de manter sacerdotes de verdade.</p><p>O dia mais importante do ano para qualquer ussurano</p><p>é o Dia do Renascimento, no terceiro dia do mês de</p><p>corantino. Celebra o aniversário de seu pacto com</p><p>Matushka. Nesse dia, todo ussurano, até mesmo as</p><p>criancinhas, tem o polegar esquerdo furado com uma</p><p>agulha e derrama uma gota de sangue no chão para</p><p>ajudar a alimentar Matushka. Daí, em geral, passam o dia</p><p>rezando e cantando.</p><p>Durante o inverno, as famílias ficam entre quatro</p><p>paredes a maior parte do tempo, relaxando, contando</p><p>histórias, visitando os vizinhos, bebendo alguma coisa ou</p><p>se divertindo com jogos. Desde que introduziram o jogo</p><p>das casas em Ussura, este vem ganhando popularidade,</p><p>pois proporciona um bom passatempo para uma</p><p>família entediada.</p><p>Etiqueta</p><p>Ussura é uma terra implacavelmente gelada, e as</p><p>aldeias muitas vezes ficam a duas semanas ou mais de</p><p>caminhada umas das outras. É por isso que nenhum</p><p>ussurano nega hospitalidade a quem entra no vilarejo,</p><p>a não ser nas situações mais extremas. Recusar-se a</p><p>oferecer comida a um viajante ou não deixar que ele</p><p>se aqueça ao fogão é o mesmo que matá-lo. Daí vem</p><p>a reputação dos ussuranos como um povo generoso.</p><p>O ussurano não hesita em dividir comida, bebida,</p><p>acampamento e nem mesmo uma barraca com outro</p><p>viajante necessitado. Mas ficará terrivelmente</p><p>ofendido se não lhe dispensarem a mesma</p><p>ç</p><p>76 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>cortesia; é como se lhe dissessem que não estão nem aí</p><p>se ele vai sobreviver ou morrer. Os ussuranos em viagem</p><p>por outros países costumam se ofender bastante quando</p><p>as pessoas exigem pagamento por uma refeição que</p><p>eles imaginavam ser mero sinal de hospitalidade. Essas</p><p>discussões geralmente acabam numa troca de socos e são</p><p>responsáveis pela fama de esquentadinhos dos ussuranos.</p><p>À mesa, os modos são informais, e os ussuranos encaram</p><p>a nudez com descontração. As saunas são comunitárias.</p><p>Os banhistas tiram as roupas lá fora, no frio, correm</p><p>para dentro da sala cheia de vapor, transpiram até não</p><p>aguentarem mais o calor, aí correm para fora outra vez</p><p>para se esfregarem com punhados de neve ou pular dentro</p><p>de um riacho gelado, para aí se secarem e voltarem a se</p><p>vestir. As pessoas de outras nações que presenciam esse</p><p>ritual costumam ficar boquiabertas, atônitas, não só diante</p><p>da despreocupação dos ussuranos ao se despir na frente de</p><p>desconhecidos, como também diante de sua capacidade</p><p>formidável de suportar um tratamento tão brutal.</p><p>Arte e Música</p><p>Os ussuranos são conhecidos por suas miniaturas de</p><p>madeira. São famosos por passar dias trabalhando na</p><p>mãozinha de uma boneca que não tem mais que uma</p><p>polegada de altura. É uma arte minuciosa e muitas</p><p>vezes tão precisa, que os estrangeiros nem sequer</p><p>veem as emendas que unem as peças minúsculas.</p><p>Todos os anos, na vila de Siev, realiza-se um torneio</p><p>gigantesco, e entalhadores de toda a Ussura inscrevem</p><p>suas melhores obras na competição. Os prêmios são</p><p>doações dos boiardos que assistem ao torneio e, apesar</p><p>de variarem bastante de um ano para outro, sempre</p><p>fazem valer a viagem. O grande prêmio do último</p><p>ano foi um trenó primoroso e quatro excelentes</p><p>cães de tração. No ano anterior, o vencedor recebeu</p><p>oito hectares de terra e se tornou um boiardo de</p><p>menor estatura.</p><p>A música ussurana é rude e barulhenta, e muitas vezes</p><p>um tanto desafinada: a experiência comunitária é mais</p><p>importante que a beleza da canção em si. A maioria</p><p>das canções é formada por hinos que exaltam o país.</p><p>Algumas canções infantis tratam dos contos de fadas</p><p>mais comuns, como a historinha do líder da família</p><p>Riazánova que ganhou a habilidade de se transformar</p><p>no Pássaro de Fogo. Resta saber se a canção é verdadeira.</p><p>Nomes</p><p>Em Ussura, os nomes de família podem ser longos,</p><p>complicados e peculiares. Ao nascer o(a) filho(a)</p><p>de um mujique comum, a criança recebe um</p><p>primeiro nome (ou “nome do Profeta”), como Pável,</p><p>por exemplo.</p><p>O sobrenome de cada criança é uma variação do nome</p><p>do pai (neste exemplo, Ivan). O sufixo -ova (ou -ovna),</p><p>acrescentado a um sobrenome, indica “filha de”, como</p><p>Ivanova (filha de Ivan). Da mesma maneira, o sufixo -ov</p><p>denota o filho homem primogênito: Ivanov. O sufixo -vitch</p><p>indica qualquer filho varão que não tenha sido o primeiro.</p><p>É comum usar a vila ou aldeia como nome do meio da</p><p>criança, de modo que sua terra natal passa ser parte de</p><p>sua identidade.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 77</p><p>ç</p><p>Utilizando o fictício Ivan de Iekatnava como exemplo, seus</p><p>filhos poderiam se chamar:</p><p>Primogênito: Pável • Iekatnava • Ivanov</p><p>Segundo filho: Nikolai • Iekatnava • Ivánovitch</p><p>Todos os filhos homens daí em diante: Primeiro Nome •</p><p>Iekatnava • Ivánovitch</p><p>Primeira Filha: Makhaia • Iekatnava • Ivanova</p><p>Todas as filhas daí em diante: Primeiro Nome •</p><p>Iekatnava • Ivanova</p><p>Quando Pável se casar, sua esposa, Iviana Brislav Petrovna,</p><p>acrescentará o nome dele ao seu, usando o sobrenome</p><p>extra com o sufixo -tova, passando a ser Iviana Brislav</p><p>Petrovna Paveltova.</p><p>O primeiro filho homem de Pável, Aliéksei, usaria o nome</p><p>do pai e, portanto, seria Aliéksei Iekatnava Pavelov.</p><p>Os boiardos usam uma variação simplificada da prática</p><p>plebeia de dar nomes aos filhos. Alteram os sobrenomes</p><p>de acordo com o nome do genitor, mas às vezes usam o</p><p>primeiro nome da mãe para tanto. Quase sempre escolhem</p><p>o genitor de status social mais elevado.</p><p>Independente de quem sejam os pais, os filhos dos</p><p>boiardos utilizam o título da família no fim do sobrenome,</p><p>destacando que descendem de um dos cinco líderes do</p><p>Knias original. Convenientemente, o sobrenome criado pelo</p><p>integrante original do Knias (Nóvgorov, Vladimírovitch,</p><p>Piétrov, Riazánova e Pscov) tornou-se o sobrenome da</p><p>família, antecedido pelo modificador “v’” (de). Portanto, o</p><p>filho de um boiardo de posses poderia se chamar Mikhail</p><p>Iekatnava Ielizavetov v’Riazánova.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Aleksei, Alexandr, Boris,</p><p>Dimitri, Danil, Erema, Fyodor, Georgi, Ignati, Ilya, Kiril,</p><p>Mikhail, Nikita, Pyotyr, Sergei, Taras, Timofey, Vasily,</p><p>Vladimir, Yevgeni</p><p>Nomes Femininos Comuns: Agafya, Anna, Avdotia,</p><p>Darya, Ekaterina, Elizaveta, Galina, Irina, Ksenya, Larisa,</p><p>Ludmila, Lyuba, Marya, Nina, Natalya, Natasha, Nastasya,</p><p>Olga, Sofia, Tamara, Yelena, Yevpraskia, Zhanna</p><p>Religião</p><p>A Igreja Ortodoxa Ussurana é a religião oficial e</p><p>combina as palavras do Primeiro Profeta com a</p><p>adoração aos lechii, que é natural do país. Boa parte</p><p>da atenção é dedicada à grande matriarca do panteão,</p><p>a entidade conhecida como “Matushka”.</p><p>Dizem que Matushka lembra uma matrona veneranda,</p><p>com dentes e unhas de ferro. As crianças devem ser</p><p>educadas caso a encontrem, pois ela devora meninos e</p><p>meninas malcriados. Não tolera impertinências, mas</p><p>recompensa com generosidade aqueles que a tratam</p><p>com respeito. Os ussuranos acham que a natureza é</p><p>uma espécie de guia para o comportamento decente, e os</p><p>visitantes que não entendem esse aspecto da religião local</p><p>muitas vezes se veem absolutamente confusos diante de</p><p>alguns costumes do país.</p><p>A ortodoxia ignora por completo o Segundo e o Terceiro</p><p>Profetas, pois acredita que suas mensagens contrariavam</p><p>a intenção do Primeiro. Afinal, as coisas estão correndo</p><p>tão bem, para que mudá-las? Por causa dessa decisão,</p><p>os ussuranos não se bicam com a o resto da Igreja dos</p><p>Vaticínios e, portanto, pouco contato houve entre os dois</p><p>ramos da religião desde o advento do Segundo Profeta.</p><p>Os Lechii</p><p>Os lechii são manifestações dos espíritos naturais do</p><p>folclore ussurano. Antigos e poderosos, eles vagam</p><p>pelos campos de Ussura, concedendo bênçãos e</p><p>rogando maldições aos dignos e indignos. Encontrar</p><p>os lechii é sempre perigoso, até mesmo no caso de</p><p>espíritos considerados benevolentes. Sabe-se que</p><p>eles recompensam os ajuizados e castigam quem não</p><p>demonstra o devido respeito. Outrora</p><p>imaginava-se</p><p>que eles fossem deuses, mas hoje o povo de Ussura</p><p>reconhece que são... outra coisa.</p><p>A Igreja Ortodoxa incorpora a existência dos lechii à</p><p>fé no Profeta, uma espécie de sincretismo que as outras</p><p>nações consideram bizarra. Os ussuranos, porém, não</p><p>podem negar a existência de algo que convive diariamente</p><p>com eles. São seguidores fiéis do Profeta e, ao mesmo</p><p>tempo, reconhecem o poder dos lechii.</p><p>São inúmeros os lechii espalhados por toda a Ussura,</p><p>mas alguns têm mais destaque que outros.</p><p>Matushka, que se apresenta como uma idosa deformada</p><p>e com dentes de ferro que voa pelos céus dentro de um</p><p>almofariz, levando o pistilo nas mãos, é o lechii mais</p><p>venerado. Para os ussuranos, ela é a “Avó Inverno”, ao</p><p>mesmo tempo cruel e generosa. Recomenda-se às crianças,</p><p>caso encontrem qualquer velhinha na estrada, que a tratem</p><p>por “Vovozinha” e com o mais absoluto decoro e respeito.</p><p>Quem o faz costuma ser recompensado. Quem não age</p><p>assim acaba dentro do caldeirão da velha.</p><p>Tchernobog — também conhecido como a “Sombra</p><p>na Montanha” — parece ser o equivalente masculino de</p><p>Matushka. Perverso e cruel, pelo jeito ele só roga maldições</p><p>nas pessoas que o incomodam. Os ussuranos acreditam</p><p>ç</p><p>78 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>que ele vive no alto de uma montanha e atira relâmpagos</p><p>nos desafortunados. Tchernobog não recompensa quem é</p><p>digno e muito menos tolera os trapaceiros. Sua ira é súbita</p><p>e inexorável. É melhor evitá-la a todo custo.</p><p>Borovoi, o Peregrino das Florestas, é uma entidade alta</p><p>e corpulenta, com a barba e os dentes feitos de relva. É</p><p>conhecido por ajudar os viajantes ou por fazê-los se</p><p>entranhar na floresta, dependendo de como é tratado.</p><p>Vir’ava é conhecida como a Mãe do Bosque e pode ser a</p><p>irmã caçula de Matushka ou talvez sua filha: cada história</p><p>estabelece um grau diferente de parentesco. Pode ser que</p><p>ambas as versões estejam corretas. Ela nunca é vista ao</p><p>lado de Borovoi, mas os dois talvez sejam marido e mulher.</p><p>Ela é mais caridosa que Borovoi, mas, quando ofendida,</p><p>sabe-se que ela leva os estrangeiros para o interior de</p><p>cavernas onde dormem os ursos.</p><p>Governo</p><p>O Czar</p><p>O czar, guardião do Conselho dos Knias, governa</p><p>Ussura, e sua palavra é lei. Há quem diga que</p><p>Matushka só permitirá que um czar continue no</p><p>poder caso ela aprove seus atos. Quando o czar</p><p>morre, o conselho guarda um breve período de luto,</p><p>seguido, porém, por um afã para preencher o vácuo</p><p>político. Não existe garantia alguma de que os filhos</p><p>do czar vão herdar o título: eles precisam provar que</p><p>são capazes de demonstrar a mesma força e liderança.</p><p>Ussura encontra-se, no momento, em meio a uma</p><p>dessas disputas.</p><p>O antigo czar ficou viúvo e deserdou o filho mais velho,</p><p>Iliá Sladivgorod Nikolovitch. O czar voltou a se casar</p><p>com uma jovem princesa aiseniana, Ketheryna Fischler</p><p>Dimitritova, esperando que ela lhe desse um novo herdeiro.</p><p>Infelizmente, o czar morreu em circunstâncias misteriosas</p><p>e, hoje, tanto Iliá quanto Ketheryna competem pelo título.</p><p>A Knias Duma</p><p>A Knias Duma, tecnicamente, reúne os conselheiros</p><p>do czar. Em circunstâncias normais, a Duma costuma</p><p>deter o verdadeiro poder em Ussura. No entanto,</p><p>como tudo muda o tempo todo, ninguém detém</p><p>de fato o poder. Com apenas algumas exceções, as</p><p>famílias boiardas se especializaram em manipular</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 79</p><p>ç</p><p>o czar com o passar dos anos. São cinco cadeiras</p><p>na Knias Duma, e cada uma delas pertence a uma</p><p>poderosa família de boiardos.</p><p>A primeira cadeira fica com a família Nóvgorov, os</p><p>líderes da província de Rurik. Eles controlam boa parte</p><p>do comércio no extremo noroeste de Ussura, que se dá,</p><p>principalmente, com a Liga de Vendel. O símbolo da</p><p>família é o Grão Lobo, o rei de todos os lobos. Trata-se</p><p>da posição de maior prestígio no conselho, concedida</p><p>ao descendente do venerando arquiduque Nóvgorov</p><p>(o homem que criou a Knias Duma e unificou as</p><p>cidades-estado ussuranas). Por pertencerem à família</p><p>mais importante, os Nóvgorov sempre têm permissão</p><p>para anunciar seu voto por último quando o conselho</p><p>toma uma decisão. Sua província, Rurik, é a região mais</p><p>populosa do país e abriga a capital ussurana, Pavtlou.</p><p>O atual líder da família Nóvgorov é o jovem príncipe</p><p>Aliéksi Pavtlou Markov v’Nóvgorov. Graças a sua falta</p><p>de ambição e mudanças imprevisíveis de humor, ele não</p><p>lidera a Knias no momento.</p><p>A segunda cadeira pertence à família Vladimírovitch de</p><p>Vetche. O símbolo dessa família é o Avô Urso, o maior e</p><p>mais feroz urso vivo. O principado de Vetche é a segunda</p><p>maior região de Ussura, mas pouco povoada. Sua cidade</p><p>de maior porte, Siev, é um centro político e mercantil.</p><p>Tanto Vetche quanto Somodjez negociam de maneira</p><p>limitada com o Império do Crescente. Essa rivalidade</p><p>já chegou a prejudicar certas relações na Knias Duma.</p><p>A terceira cadeira no conselho fica com a família</p><p>Pscov (PIS-kov) de Somodjez. Eles controlam uma</p><p>grande parte de Ussura logo a leste de Eisen, embora</p><p>sua influência chegue ao coração do país. Absorveram</p><p>um pouco da cultura aiseniana e ostentam um drachen</p><p>de armadura como símbolo da família. Sua província</p><p>encerra alguns dos monastérios e relicários mais belos</p><p>de toda a Ussura, mas muitos deles ficam na cordilheira</p><p>de Sorivdgrastov, imediatamente ao norte da província,</p><p>e são defendidos encarniçadamente pelos Pscov.</p><p>Boa parte da nobreza Pscov também descende do</p><p>grão-duque Vsevolod, canonizado por sua obra junto</p><p>à Igreja em Ussura. A família Pscov prefere o título de</p><p>“tabularius,” ou “guardião da fé”. A Igreja Ortodoxa é</p><p>muito forte nesta parte de Ussura, com muitas igrejas,</p><p>lugares sagrados e festas impetuosas a celebrar a</p><p>religião ussurana.</p><p>A família Riazánova de Galênia detém a quarta cadeira</p><p>da Knias Duma. Eles controlam o sudeste de Ussura e,</p><p>de quando em quando, negociam com os poucos cataios</p><p>que empreendem a viagem para o oeste. O símbolo de sua</p><p>família é o lendário Pássaro de Fogo, um gavião enorme</p><p>que ostenta penas mais fulgurantes que a luz de qualquer</p><p>vela. Apesar de formarem a menor família dos Knias, os</p><p>Ríazánova são conhecidos por sua ferocidade e tenacidade.</p><p>A família Piétrov de Molkhinia detém a última cadeira</p><p>da Knias Duma. Eles controlam todo o extremo norte de</p><p>Ussura e comerciam muito pouco. O chefe da família é</p><p>uma personagem perturbador conhecido como Koshchei.</p><p>Sua pele é lívida feito cera e, para algumas pessoas,</p><p>lembra a de um cadáver. Some-se a isso os rumores</p><p>de que ele mantém a cadeira da família de Molkhinia</p><p>desde a criação do conselho séculos atrás, e não é difícil</p><p>entender por que há tantas histórias fantásticas a seu</p><p>respeito. O símbolo da família Piétrov é modesto: um</p><p>grande corvo diante do sol poente.</p><p>Economia</p><p>As peles são o grande produto de exportação de</p><p>Ussura. O negócio de mel e cera de abelha também é</p><p>forte. Quanto às importações, os ussuranos compram</p><p>basicamente especiarias, vários tipos de bebidas e aço.</p><p>Os boiardos supervisionam esse comércio e têm uma</p><p>renda confortavelmente maior que até mesmo a do</p><p>mujique mais aplicado.</p><p>Boa parte do comércio conduzido dentro de Ussura</p><p>se baseia no escambo, já que nenhuma moeda padrão</p><p>foi adotada. O guilder começou a se insinuar no</p><p>país, mas negociantes inescrupulosos muitas vezes</p><p>adulteram seu valor, o que deixa os ussuranos um</p><p>tanto desconfiados. Como eles costumam dizer:</p><p>“Minha família não come dinheiro”.</p><p>Forças Armadas</p><p>Os exércitos invasores que marcham sobre Ussura</p><p>geralmente deparam com a catástrofe. Vastas legiões</p><p>do Império do Crescente morreram doentes ou de</p><p>fome; as tropas de Catai ainda se recusam a marchar</p><p>para o oeste e entrar em Ussura depois das tentativas</p><p>fracassadas de invasão no fim do século IX. Os</p><p>soldados aisenianos, em particular, ainda se lembram</p><p>do general Idun von der Velde — neto do general</p><p>Johann von der Velde —, que procurou compensar a</p><p>tentativa fracassada do avô de conquistar Ussura em</p><p>523. Seu exército não se saiu muito melhor.</p><p>ç</p><p>80 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Nada de Exército Permanente</p><p>Faz séculos que Ussura</p><p>não precisa de um exército</p><p>permanente. A maioria dos boiardos ainda mantém</p><p>pequenas guardas domésticas, e o czar tem seus streléts,</p><p>mas, fora isso, não existe um Exército ussurano. Nem</p><p>Marinha, a menos que se leve em consideração a frota de</p><p>pesqueiros que veleja pela Baía de Grumfar.</p><p>Superstições</p><p>Apesar de serem práticos e inteligentes, os ussuranos</p><p>são afligidos por várias superstições, criadas para</p><p>remover “bênçãos” ruins e outras calamidades. Há</p><p>anos o povo ussurano recorre a curas simples e</p><p>naturais para seus males, sejam mentais ou espirituais.</p><p>Costumam ser ridicularizados por outras nações por</p><p>conta disso, mas a gente de Ussura preza suas crenças.</p><p>Comemora-se o nascimento de uma criança</p><p>plantando-se uma árvore. A árvore crescerá com</p><p>a criança, e os ussuranos acreditam que, quando a</p><p>primeira florescer, a segunda também vicejará. Uma</p><p>antiga lenda ussurana fala de uma mãe que viu o filho</p><p>ir para a guerra e, no dia de sua morte, a árvore-criança</p><p>que lhe cabia secou e morreu instantaneamente.</p><p>Em Somodjez, as crianças jogam seus dentes de leite</p><p>no telhado da choupana e pedem, em troca, que a Avó</p><p>Inverno lhes conceda dentes de ferro.</p><p>Flores em quantidades equivalentes a números pares</p><p>são reservadas para funerais ou tragédias. Em todas</p><p>as outras ocasiões, os números ímpares já bastam.</p><p>Portanto, a tradição teana de presentear uma donzela</p><p>com uma dúzia de rosas deixaria uma ussurana</p><p>apavorada e poderia até mesmo ser entendida como</p><p>uma ameaça à vida da moça.</p><p>Acredita-se que todo lar ussurano tenha um</p><p>domovoi, um espírito benigno que o protege. Muitas</p><p>vezes, esse espírito é tão traquinas quanto amigo</p><p>e habita o petchka, o forno no centro da casa. O</p><p>domovoi incomoda os habitantes da casa, furta uma</p><p>ou outra meia e, às vezes, muda uma faca de lugar, mas</p><p>geralmente se trata de um espírito amistoso.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>Os ussuranos acham muito divertido ter avalonianos</p><p>por perto. Poucas coisas são mais deliciosas que seus</p><p>truques. Naturalmente, o avaloniano que usa suas</p><p>habilidades para roubar ou enganar um ussurano</p><p>corre o risco de ganhar um inimigo mais persistente</p><p>do que havia previsto. Os ussuranos têm uma</p><p>memória impressionante.</p><p>Castilha</p><p>“Vocês, castilhanos, são um tanto turrões, mas até que</p><p>são gente boa”, disse certa vez um boiardo do baixo</p><p>escalão a um bispo castilhano que visitava o país. É</p><p>um ótimo resumo da opinião que os ussuranos têm</p><p>dos castilhanos.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>Uma coleção perigosa, retrógrada, progressista,</p><p>supersticiosa e excessivamente carola de ideais</p><p>conflitantes. Melhor evitar essa gente. Se são espertos</p><p>o bastante para enganar um demônio, são espertos o</p><p>bastante para enganar você.</p><p>Eisen</p><p>“Tem algo errado com a terra” é o consenso geral</p><p>entre os ussuranos no que diz respeito a Eisen. E,</p><p>já que, para eles, a terra e seu povo são a mesma</p><p>coisa, os ussuranos ficam de olho em todo aiseniano</p><p>que encontram, quase convencidos de que ele pode</p><p>enlouquecer de um hora para outra.</p><p>Montaigne</p><p>Os ussuranos simplesmente desprezam os nobres</p><p>montenhos. O uso de Porté nas proximidades de um</p><p>ussurano chega a lhe causar dor, e ele fica enojado</p><p>diante da insensibilidade e do descaso montenho</p><p>pelas pessoas.</p><p>Nações Piratas</p><p>Os ussuranos não se incomodam com os piratas.</p><p>A única frota de Ussura é formada pelos navios</p><p>pesqueiros que singram a baía.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>Os ussuranos estão bem satisfeitos com sua relação</p><p>com a Liga de Vendel. Foi interagindo com a Liga que</p><p>eles conseguiram adquirir tantas coisas novas, como o</p><p>aço e as especiarias.</p><p>Vodacce</p><p>Vodacce é um lugar confuso e perigoso para um</p><p>ussurano, e não se deve brincar com as sortílegas.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 81</p><p>ç</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>“Dois séculos atrás, eles atacavam e saqueavam</p><p>sem misericórdia. Sabe o que mudou?</p><p>Fizeram moedas de suas espadas.”</p><p>— Fiona Costa</p><p>Eles foram outrora os piratas mais temidos dos mares</p><p>do norte. Os nórdicos zarpavam de suas terras geladas</p><p>e velejavam para o sul, com espadas e tochas nas mãos,</p><p>tomando aquilo que queriam e deixando para trás aquilo de</p><p>que não precisavam. Mas aí o povo de Vestenmennavenjar</p><p>(VES-ten-mã-NA-ve-niar) passou por uma mudança. Na</p><p>verdade, pode-se dizer que foi uma transformação.</p><p>Durante centenas de anos, os nobres governantes — os</p><p>jarls — controlaram Vestenmennavenjar, mas, no século</p><p>XV, a nobreza se viu sem capital. Exatamente como na</p><p>Théah continental, a nobreza vestenesa tinha terras, mas</p><p>pouco dinheiro. Ao mesmo tempo, os mercadores — os</p><p>carls — precisavam que alguém os protegesse de piratas e</p><p>bandidos. Os carls se juntaram para criar uma confederação</p><p>informal e proteger seus carregamentos e investimentos. A</p><p>confederação estabeleceu sua sede na cidade de Vendel, um</p><p>porto comercial bem conhecido e bastante utilizado.</p><p>O jarl da cidade, Eindridi Utterström, achou que a ideia</p><p>tinha potencial. Utterström era um dos nobres vesteneses</p><p>mais poderosos e de maior renome, mas perdera os três</p><p>filhos no inverno anterior, em batalha com um outro jarl.</p><p>Estava profundamente deprimido. Quando os mercadores</p><p>foram ao castelo do jarl pedir ajuda (em troca de uma</p><p>remuneração, naturalmente), o conselheiro de Utterström,</p><p>Inger Holmström, passou três dias convencendo seu</p><p>senhor a aceitar a oferta. Comércio sem violência.</p><p>Moedas no bolso, sem precisar tirar a espada da bainha.</p><p>Literalmente, dinheiro a troco de nada. Utterström</p><p>sempre fora um patrono das artes — o principal motivo</p><p>para a confederação ter escolhido Vendel e Utterström</p><p>— e, depois de várias horas, ele concordou em fornecer a</p><p>proteção que os mercadores buscavam.</p><p>Duzentos anos mais tarde, o investimento de Utterström</p><p>traria dividendos que ele nunca teria previsto.</p><p>Os títulos de “carl” e “jarl” ainda persistem em</p><p>Vestenmennavenjar, mas têm outro significado. A casta</p><p>nobre não olha mais para a mercantil de cima para baixo.</p><p>Estão lado a lado. E Vestenmennavenjar tornou-se um</p><p>império econômico que abarca o mundo todo.</p><p>Hoje, Vestenmennavenjar é uma das grandes potências</p><p>econômicas de Théah, se não a maior. Garantida pelos</p><p>jarls, organizada pelos carls e movida por uma força</p><p>econômica chamada “guilder”.</p><p>O acontecimento mais importante da história vestenesa</p><p>foi a formação da Liga de Vendel. Criada na cidade à qual</p><p>deve o nome, a Liga é um conglomerado de mercadores e</p><p>artesãos não só de Vendel, mas também de toda a Théah.</p><p>Praticamente todas as nações adotaram a moeda da Liga,</p><p>o guilder, o que fez de Vesten uma potência mundial da</p><p>noite para o dia. Os nórdicos ainda persistem. Ainda estão</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>82 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>saqueando tesouros no estrangeiro. Mas agora o fazem</p><p>com um sorriso nos lábios e um aperto de mãos.</p><p>Faz pelo menos dois séculos que não há um “grande</p><p>rei” (Mjötuðr) de verdade em Vestenmennavenjar.</p><p>Nobres rivais reivindicaram o título, mas nenhum</p><p>deles o manteve por muito tempo. Hoje, a Liga</p><p>de Vendel — os mercadores mais poderosos de</p><p>Vestenmennavenjar — controla o destino da Nação.</p><p>Os jarls ainda existem e compõem as forças armadas</p><p>de Vestenmennavenjar, além de manter a paz dentro</p><p>de suas fronteiras, quase como os xerifes de Avalon,</p><p>embora com muito mais distinção.</p><p>A mudança cultural uniu guerreiros e mercadores</p><p>numa única entidade, figurativa e literalmente. Hoje</p><p>são vistos como dois lados da mesma moeda, por</p><p>assim dizer. De fato, de um dos lados da moeda do</p><p>guilder vê-se a espada e, do outro, o timão: os dois</p><p>símbolos do poder em Vestenmennavenjar.</p><p>Cultura</p><p>“Você é o que o Pai de Todos já previu. Quem tenta fugir</p><p>de seu wyrd acaba correndo mais rápido na direção dele.”</p><p>— antigo provérbio vestenês</p><p>Um elemento importante da cultura vestenesa — e</p><p>talvez seja o elemento mais importante — é o wyrd.</p><p>É uma palavra com vários significados, mas, em sua</p><p>essência, pode ser traduzida como o destino ou a</p><p>sina de uma pessoa. O rei dos deuses vesteneses, o</p><p>Pai de Todos, vislumbrou o futuro do mundo e viu</p><p>que já estava estabelecido, era imutável. Esse conceito</p><p>de</p><p>que a vida de alguém foi predeterminada antes do</p><p>nascimento afeta profundamente a cultura vestenesa.</p><p>O wyrd é a razão pela qual os vesteneses ainda</p><p>mantêm seu sistema de castas, que separa os jarls dos</p><p>carls. A pessoa nasce com um papel já estabelecido e</p><p>fará o possível para desempenhar esse papel. Se tentar</p><p>escapar do wyrd, ela será punida pelo mundo.</p><p>Os mercadores nasceram mercadores. Os nobres já</p><p>nasceram nobres. O mundo era, é e será sempre assim.</p><p>Não é desonra alguma ser um nobre, nem é desonra</p><p>alguma ser um mercador. O wyrd não é a causa da</p><p>desonra. Desrespeitar o wyrd é que é desonroso.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 83</p><p>ç</p><p>Camadas Sociais</p><p>Os jarls vesteneses ainda são, oficialmente, os senhores</p><p>de vários pedaços de chão. Cobram impostos,</p><p>comandam exércitos e marinhas, nomeiam prefeitos,</p><p>xerifes e outras autoridades, além de emitir sentenças</p><p>judiciais quando julgam necessário. Enquanto isso, os</p><p>carls conduzem o comércio de Vesten. As duas classes</p><p>governam a Nação, mas de maneiras diferentes.</p><p>Os jarls constituem a autoridade tradicional, mas os</p><p>carls — representados pela Liga de Vendel — também</p><p>detêm um bocado de poder. A linha que separa o fim</p><p>da autoridade de um jarl e o começo da autoridade de</p><p>um carl pode ser pouco nítida em algumas situações.</p><p>Depende muito da relação entre as autoridades locais.</p><p>A Liga designa uma representante para cada jarl. Sua</p><p>função oficial na corte é aconselhá-lo, mas seu papel</p><p>extraoficial é fazê-lo respeitar as necessidades da</p><p>Nação. Boa parte da autoridade do jarl é tradicional,</p><p>mas a da carl é interpretada conforme a necessidade. O</p><p>jarl tem o direito de cobrar impostos, mas são os carls</p><p>que determinam como esse tributo será empregado.</p><p>O wyrd de um jarl exige que ele proteja a terra e sua</p><p>gente de perigos físicos. O wyrd de uma carl exige que</p><p>ela faça a vida valer a pena. Os jarls são guerreiros,</p><p>treinam com espadas, lanças e escudos, colocam-se</p><p>entre o perigo e aqueles que juraram proteger. A carl</p><p>providencia alimentação, vestuário e todas as coisas</p><p>que as pessoas desejam ou das quais precisam. Sem</p><p>o jarl, o mundo mataria o povo. Sem a carl, o povo</p><p>morreria de inanição física e espiritual.</p><p>Os dois papéis são vitais. Essenciais. Necessários. A</p><p>vida fica a dever sem um ou outro. E ambos entendem</p><p>suas funções como uma obrigação. É seu wyrd,</p><p>exatamente como o Pai de Todos previu tempos atrás.</p><p>Toda região de Vestenmennavenjar é governada</p><p>por um jarl e uma carl. O jarl cumpre sua função</p><p>tradicional: proteção. Também atua como o</p><p>interlocutor político da região. A carl, designada</p><p>pela Liga de Vendel, atua como ministro da fazenda,</p><p>providenciando recursos para as artes, o artesanato,</p><p>a educação e o lazer. A relação entre jarl e carl varia</p><p>de uma região para outra e, embora o jarl detenha</p><p>a autoridade suprema, usar essa autoridade sem a</p><p>bênção de uma carl, nos dias de hoje, é entendido</p><p>como contestar o próprio wyrd e desrespeitar o wyrd</p><p>da carl.</p><p>Virtudes</p><p>Os vesteneses valorizam quatro virtudes: coragem,</p><p>lealdade, honestidade e sorte. A coragem,</p><p>naturalmente, é a bravura diante do perigo. Os</p><p>vesteneses, porém, entendem que a coragem cega não</p><p>passa de estupidez disfarçada. A lealdade à família</p><p>vem em primeiro lugar. Num país que fica às escuras</p><p>e coberto de neve durante a maior parte do ano, um</p><p>homem precisa contar com sua família para não</p><p>morrer sozinho. A honestidade acompanha de perto</p><p>as virtudes anteriores. Um homem precisa ser honesto</p><p>consigo mesmo para ter coragem e precisa ser honesto</p><p>com sua família para respeitá-la. Por fim, os vesteneses</p><p>acreditam que todo homem já começa com um certo</p><p>grau de sorte. Alguns têm um bocado, outros nem</p><p>um tiquinho. Alguns nasceram com a sorte errada,</p><p>mesmo que seja muito pouca.</p><p>Um outro aspecto</p><p>importante da cultura</p><p>vestenesa é a</p><p>relação quase</p><p>mística entre</p><p>o hidromel</p><p>e uma boa</p><p>história.</p><p>Os dois</p><p>p o d e m</p><p>deixar um</p><p>h o m e m</p><p>tonto. Os</p><p>dois podem</p><p>levar um</p><p>homem a acreditar</p><p>que é capaz de fazer</p><p>coisas que, na manhã</p><p>daquele dia, ele não</p><p>julgava possíveis. E,</p><p>ç</p><p>84 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>no fim das contas, os dois podem meter um homem numa</p><p>grande enrascada.</p><p>Vestuário</p><p>As roupas vestenesas são quentinhas. Calças compridas,</p><p>peles, casacos pesados. Lá em cima, perto do círculo polar,</p><p>o frio é intenso e os vesteneses se vestem adequadamente</p><p>para enfrentá-lo. O traje típico masculino é composto por</p><p>um camisão, uma túnica de couro até os joelhos e calças</p><p>de linho ou lã, presas por um cinto de couro. Os chapéus</p><p>são altos, pontudos e feitos de couro. As botas geralmente</p><p>são de couro ou peles, amarradas com uma comprida tira</p><p>de couro. As mulheres substituem o camisão por uma</p><p>camisola sem mangas que lhes chega aos pés,mas, fora</p><p>isso, vestem roupas bem parecidas com as dos homens. Os</p><p>trajes podem ser modestos ou exuberantes, dependendo</p><p>da pessoa que os veste.</p><p>Uma tendência popular da moda vestenesa é adotar</p><p>figurinos estrangeiros e incorporá-los à tradicional</p><p>vestimenta da Nação. Seja o que for que os montenhos</p><p>estejam vestindo nesta temporada, você pode contar que</p><p>os vesteneses vão adotá-lo, modificá-lo e personalizá-lo.</p><p>O modismo mais recente e popular em Vesten é a</p><p>cartola, uma inovação bem moderna que se inspirou no</p><p>chapéu de coroa chata dos avalonianos. Até o momento,</p><p>essa moda não se espalhou para outras nações, mas é</p><p>preciso dar tempo ao tempo.</p><p>Moeda</p><p>O guilder de Vendel, sozinho, transformou a</p><p>economia de Théah. Os mercadores só precisam usar</p><p>uma moeda e nunca mais se preocupar com taxas</p><p>de câmbio. Quando o introduziram, as Guildas de</p><p>Vendel anunciaram que a moeda teria um valor fixo</p><p>e predeterminado.</p><p>Muitos líderes nacionais demoraram para entender</p><p>o efeito que isso teria, mas os mercadores logo</p><p>compreenderam. As sedes das guildas aceitavam tanto</p><p>o guilder quanto a moeda nacional, mas o primeiro era</p><p>tão mais fácil de usar, que os mercadores corriam para</p><p>as casas de câmbio, mais do que dispostos a pagar a taxa</p><p>de conversão de cinco por cento. Houve um boom no</p><p>comércio internacional. Os mercadores começaram a se</p><p>informar a respeito dos preços de uma Nação para outra,</p><p>e os capitães logo se viram remunerados para transportar</p><p>frutas e hortaliças frescas, couro, peles e especiarias.</p><p>Hoje o guilder é a moeda mais popular em Théah. Criou</p><p>uma economia de mercado mundial e fez de Vesten a</p><p>sede do comércio e do intercâmbio. Os visitantes, ao</p><p>chegarem a Vesten, são tratados como nobres, seja qual</p><p>for sua condição social. Vesten tornou-se uma economia</p><p>totalmente baseada no setor terciáro — a primeira do</p><p>mundo — e os negócios vão muito bem. Todo mundo</p><p>passa as férias em Vesten... quando consegue arcar com</p><p>o custo.</p><p>Alimentação</p><p>Os vesteneses dependem principalmente do pescado,</p><p>embora também comam carne de caça, como coelho e</p><p>veado. Graças às rotas comerciais abundantes, a dieta</p><p>vestenesa passou a incluir iguarias estrangeiras. Além</p><p>da indústria pesqueira nativa, a Liga de Vendel importa</p><p>o vinho de Vodacce, as frutas de Castilha, o pão de</p><p>Montaigne e a vitela de Avalon.</p><p>Arte e Música</p><p>A obra mais importante da literatura de</p><p>Vestenmennavenjar é o Ciclo de Grumfar, uma coleção</p><p>de poemas épicos que falam da criação do mundo, da</p><p>ascensão e queda de seus deuses e heróis e da destruição do</p><p>universo numa última e enorme batalha. As pessoas que</p><p>narram e recordam as histórias são chamadas de escaldos.</p><p>O escaldo não deixa os vesteneses esquecerem os contos,</p><p>pois acreditam que a alma só persistirá se os vivos se</p><p>lembrarem de seu nome. A música de Vestenmennavenjar</p><p>soa primitiva aos modernos ouvidos teanos, pois envolve</p><p>um bocado de percussão e acordes incipientes de alaúde.</p><p>Usam a música como rito, e não como diversão.</p><p>Por outro lado, em Vesten, é possível encontrar as</p><p>esculturas, pinturas e gravuras mais belas do mundo nos</p><p>salões das sedes das guildas. Os artistas de maior renome</p><p>em Théah entregam suas obras às guildas de Vendel para</p><p>obter aprovação, prestígio e mecenas. Somente Montaigne</p><p>pode</p><p>afirmar que tem uma coleção de igual importância.</p><p>Nomes</p><p>Para os vesteneses, o nome é mais do que uma</p><p>identificação. Os nomes perfazem a história. Cada um</p><p>leva consigo os nomes de seus ancestrais e, quando</p><p>esses nomes são invocados, invocam-se o legado e o</p><p>poder dos antepassados.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 85</p><p>ç</p><p>Os vesteneses apresentam dois nomes: seu nome “de</p><p>ofício” e seu nome “verdadeiro”.</p><p>O nome verdadeiro é aquele que a criança recebe</p><p>dos pais ao nascer. Filhos e filhas costumam ganhar</p><p>o nome de um parente querido, e não o do pai ou da</p><p>mãe. O sobrenome da criança geralmente é o nome do</p><p>pai acrescido do sufixo patronímico –sen (masculino)</p><p>ou –datter (feminino). Por exemplo:</p><p>Magnus, filho de Ketil, seria Magnus Ketilsen. Osk,</p><p>filha de Ketil, seria Osk Ketildatter.</p><p>O nome de ofício dos vesteneses é para</p><p>desconhecidos, estrangeiros ou para quem ainda não</p><p>ganhou a confiança deles. O vestenês escolhe seu nome</p><p>de ofício ao se tornar adulto (geralmente lá pelos dez</p><p>ou doze anos). Sabe-se que os vesteneses mudam seus</p><p>nomes de ofício de tempos em tempos. Os nomes de</p><p>ofício costumam ser estrangeiros e podem até mesmo</p><p>mudar de acordo com a nacionalidade das pessoas</p><p>com as quais o vestenês negocia. Por exemplo, um</p><p>mercador vestenês pode se chamar William Carpenter</p><p>em Avalon, Guillaume Charpentier em Montaigne e</p><p>Wilhelm Cieśla na Comunidade Sarmática.</p><p>Nomes Verdadeiros, Masculinos e Comuns:</p><p>Alfgeir, Bragi, Brøn, Eldgrim, Gellir, Hägin,</p><p>Hallbjørn, Hrafn, Jön, Ketil, Magnus, Olväld, Reinn,</p><p>Serk, Sigurd, Solmünd, Thørfinn, Thrand, Ulf, Velëif</p><p>Nomes Verdadeiros, Femininos e Comuns:</p><p>Asgerd, Asny, Bera, Dalla, Grøa, Gudrid, Hrafnhild,</p><p>Ingibjørg, Jofrid, Kadlin, Ljüfa, Osk, Rannvëig, Sæun,</p><p>Sigrid, Thørhild, Ulfeid, Vigdis, Yngvild, Yr</p><p>A Liga</p><p>O maior edifício da cidade de Vendel é a sede onde a</p><p>Liga se reúne. As pessoas que ocupam as 9 cadeiras</p><p>permanentes e os 91 assentos provisórios controlam</p><p>a economia de Théah e, há quem diga, o destino</p><p>do continente.</p><p>Em seus leilões, a Liga aceita apenas o guilder.</p><p>Nenhuma outra moeda tem vez em Vesten. Os homens</p><p>e as mulheres que ocupam as nove cadeiras da Liga</p><p>compraram sua posição quando a corporação nasceu.</p><p>Não se pode mais comprar uma cadeira: o posto é</p><p>hereditário. Os homens e as mulheres que conceberam</p><p>o guilder há quase quatro anos hoje detêm todas as</p><p>nove cadeiras.</p><p>Religião</p><p>O resto de Théah briga por causa das várias</p><p>interpretações da mensagem dos Profetas, mas, para os</p><p>vesteneses, religião não se discute. Acreditar em seus</p><p>deuses e ancestrais não é uma questão de fé, e sim um</p><p>fato. Os sacerdotes de Vestenmennavenjar enxergam seus</p><p>ancestrais e invocam os poderes da Criação. A “magia das</p><p>runas” usada pelos vesteneses de magia não tem nada:</p><p>é uma dádiva milagrosa concedida pelos deuses. Eles</p><p>creem na existência de um grande palácio na outra vida,</p><p>onde somente poderão entrar aqueles que morrerem em</p><p>batalha. Lá, seus espíritos aguardam a grande serpente</p><p>que terão de combater, para que ela não devore o mundo.</p><p>A religião dos vesteneses é uma mitologia viva, um</p><p>mundo espiritual que envolve seus habitantes e mantém</p><p>uma interação constante com o mundo dos vivos. Os</p><p>espíritos dos antepassados continuam vivos e, batizando</p><p>os pontos de referência com os nomes dos já falecidos,</p><p>o “mito” dessas pessoas também sobrevive. Enquanto</p><p>seus nomes forem invocados, elas vão permanecer na</p><p>Outra Vida.</p><p>CADEIRAS ATUAIS</p><p>DA LIGA</p><p>Guilda dos Mercadores: Mestre Val Mokk</p><p>(Sigvald Gunnisen) (Vesten)</p><p>Guilda dos Marinheiros: Mestre Allen Trel</p><p>(Arvor Troelsen) (Vesten)</p><p>Guilda dos Carpinteiros: Mestre Joris Brak</p><p>(Joris Braakenjorsen) (Vesten)</p><p>Guilda dos Ferreiros: Mestra Sela Cole (Selma</p><p>Colbjørsdatter) (Vesten)</p><p>Guilda das Rameiras: Madame Lorraine Weller</p><p>(Avalon)</p><p>Guilda dos Agiotas: Mestra Red (Gytha</p><p>Hallesdatter) (Vesten)</p><p>Guilda dos Cervejeiros: Mestre George Skard</p><p>(Jorgan Skaardalsen) (Vesten)</p><p>Guilda dos Mineradores: Mestre Eladio</p><p>Ballesteros (Castilha)</p><p>Joseph Volker: Mordomo e representante do</p><p>falecido imperator Riefenstahl</p><p>ç</p><p>86 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Aqueles que dominaram a arte das runas são chamados</p><p>de Ypperste Prest (sumo sacerdote). Eles sempre enxergam</p><p>a Mitologia Viva que os cerca. Os vesteneses, simpatizantes</p><p>da doutrina objecionista da imediação, acolheram os</p><p>objecionistas no país e patrocinaram a construção das</p><p>igrejas e universidades mais impressionantes já vistas. Está</p><p>em andamento um plano de três décadas para construir</p><p>a catedral mais alta e incrível de Théah, para rivalizar até</p><p>mesmo com as grandes catedrais</p><p>de Montaigne.</p><p>Governo</p><p>O código legal de Vestenmennavenjar é simples,</p><p>mas parece retrógrado para os outros teanos.</p><p>Historicamente, tem origem num tribunal</p><p>improvisado conhecido como thing (pronuncia-se</p><p>“ting”). O thing ouvia os argumentos das duas partes</p><p>e decidia, se fosse o caso, o castigo a ser aplicado.</p><p>Os things só se reuniam quando as famílias não</p><p>conseguiam resolver os conflitos por conta própria</p><p>e pediam a intervenção de uma autoridade superior.</p><p>Quando o thing chegava a uma decisão, cabia à família</p><p>fazê-la cumprir. Esse precedente raramente permitia</p><p>que as famílias menos poderosas obtivessem justiça.</p><p>Quando os carls chegaram ao poder, tudo mudou.</p><p>Agora os things são muito mais formais e a obrigação</p><p>do jarl é fazer valer a decisão. Ele a impõe cobrando</p><p>multas cominatórias. Salvo em caso de homicídio</p><p>doloso, os vesteneses não aplicam castigos físicos: tudo</p><p>se resume a uma multa. Em caso de homicídio doloso,</p><p>o perpetrador tem a testa marcada com ferro em brasa e</p><p>é exilado da Nação. Se retornar, ele receberá a Marca da</p><p>Morte e voltará a ser banido. Daí não será mais preciso se</p><p>preocupar com ele. A Morte não tardará a encontrá-lo.</p><p>Não existe mais um grande rei em Vestenmennavenjar.</p><p>Já faz séculos. O engraçado é que os vesteneses</p><p>descobriram que não precisavam de um. A Nação vai</p><p>muito bem, obrigada, desde que o trono ficou vago. Os</p><p>jarls administram suas próprias terras e a Liga de Vendel</p><p>mantém o influxo de dinheiro. Quando surge uma disputa</p><p>de terras, os jarls convocam um thing e deixam outros jarls</p><p>decidirem. Daí a Liga de Vendel faz cumprir a sentença.</p><p>Forças Armadas</p><p>O exército de Vestenmennavenjar é formado</p><p>por soldados nativos e mercenários contratados.</p><p>Suas frotas abrangem navios locais e corsários</p><p>estrangeiros. O que não conseguiram formar com seus</p><p>compatriotas, eles contrataram lá fora. Os dois ramos</p><p>combinados colocam as forças armadas vestenesas</p><p>entre as mais poderosas de Théah.</p><p>“Os Irregulares de Vendel” são formados,</p><p>basicamente, por aisenianos, avalonianos, inismoritas</p><p>e altiterrenses , todos muito bem remunerados —</p><p>em guilders — para proteger a Nação de qualquer</p><p>perigo. Muito se especula sobre a suposta relutância</p><p>dos Lobos do Mar avalonianos em atacar os piratas</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 87</p><p>ç</p><p>vesteneses, que são o terror das águas setentrionais.</p><p>Talvez tenha algo a ver com o tratado secreto assinado</p><p>pela rainha Elaine e por certos detentores de uma</p><p>cadeira na Liga de Vendel.</p><p>Apesar de sua aparente sofisticação, os vesteneses, no</p><p>fundo, ainda são piratas. São vários os boatos de que</p><p>cada jarl teria sua própria frota de corsários singrando</p><p>pelos mares, embora a Liga de Vendel negue estar a</p><p>par dessas atividades.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>Ao assumir o trono, a rainha Elaine precisava de</p><p>aliados, e a Liga de Vendel estava bem ali: no lugar</p><p>certo, na hora certa. As duas nações apostaram tudo</p><p>em seus corsários, mas se limitaram a atacar os nobres</p><p>e mercadores mais inescrupulosos: os vodatianos. É</p><p>grande o comércio, o tráfico e a troca de informações</p><p>entre Avalon e Vestenmennavenjar. São aliados muito</p><p>próximos... por ora.</p><p>Castilha</p><p>A desconfiança fez Castilha relutar em adotar o</p><p>guilder como moeda, apesar de Vesten garantir sua</p><p>neutralidade, e a Igreja dos Vaticínios tem visto</p><p>muitas de suas naus sob ataque dos piratas vesteneses</p><p>nos últimos tempos. Nem é preciso dizer que os</p><p>castilhanos desconfiam bastante dos nórdicos pagãos,</p><p>mas a Liga de Vendel precisará do apoio de Castilha</p><p>se quiser tirar Vodacce do cenário internacional.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>Muitos vesteneses estão impressionados com a</p><p>tal “Liberdade Dourada” proposta pela Sarmácia.</p><p>E, quem sabe, com um príncipe progressista</p><p>preparando-se para assumir o trono, o paizinho</p><p>atrasado possa finalmente dar algum lucro.</p><p>Eisen</p><p>Eisen é uma oportunidade que a Liga de Vendel não</p><p>deixou passar. A economia aiseniana faliu e quatro</p><p>de seus Eisenfürsten já aceitaram o guilder no lugar</p><p>do marco, a moeda praticamente sem valor da Nação.</p><p>Montaigne</p><p>Nenhuma outra Nação poderia ter mais intimidade</p><p>com Montaigne do que Vestenmennavenjar. Ambas</p><p>vêm usando uma à outra para ganhar muito, muito</p><p>dinheiro. No entanto, os carls sabem muito bem como</p><p>l’Empereur trata seus súditos, e não aprovam esses</p><p>métodos. Muitos deles já sugeriram que se cortassem</p><p>as relações com Montaigne, mas o influxo constante</p><p>de dinheiro ainda tem o voto majoritário.</p><p>Nações Piratas</p><p>Os vesteneses veem a pirataria como uma ferramenta</p><p>útil que é bom controlar. Nunca reclamam dos</p><p>Rapineiros Vesteneses nem dos Lobos do Mar. E,</p><p>apesar de contratarem Bucaneiros como corsários, eles</p><p>desprezam todos os piratas, sejam de La Bucca ou da</p><p>Irmandade: “Não passam de criminosos indolentes que</p><p>perpetuam sua vida de fausto e depravação por meios</p><p>violentos.”</p><p>Ussura</p><p>No que diz respeito à Liga de Vendel, Ussura é um</p><p>reino de grandes proporções e potencial limitado.</p><p>As colheitas ussuranas são sempre abundantes, mas,</p><p>quando a Liga tenta pagar pelos produtos agrícolas</p><p>com dinheiro, os agricultores respondem: “Vocês</p><p>querem que eu dê papel para minha família comer?”.</p><p>A atual disputa pelo titulo de czar é sinônimo de</p><p>conflito, e o conflito é sempre lucrativo, mas alguns</p><p>membros da Liga querem ajudar a resolver a contenda</p><p>sem violência. “A carnificina sempre sai mais caro.”</p><p>Vodacce</p><p>Se os vodatianos veem os vesteneses como</p><p>usurpadores, a Liga entende os vodatianos como</p><p>um bando de velhos rabugentos que se recusam a</p><p>encarar o progresso, mesmo sob a mira de uma arma</p><p>de fogo. Mas os vodatianos ainda são perigosos.</p><p>Perigosíssimos. Enquanto dirigirem suas ameaças uns</p><p>para os outros, a Liga continuará a vicejar.</p><p>ç</p><p>88 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Vodacce</p><p>“Se me pedissem para descrever Vodacce com uma</p><p>palavra apenas, eu responderia: ‘Traiçoeira’.”</p><p>— almirante Enrique Orduño</p><p>Você vai precisar de um olho nas costas. Nunca</p><p>olhe uma mulher nos olhos, a menos que seja mais</p><p>espadachim que o marido dela. E nunca dê as</p><p>costas a um desafiante. Você não terá outra chance</p><p>de encará-lo. Vodacce é um lugar onde uma palavra</p><p>descuidada, um olhar mais demorado, um passo</p><p>em falso pode ser fatal. Não é um lugar seguro para</p><p>os estouvados.</p><p>Com exceção das poucas terras baixas e alagadiças</p><p>a oeste — ótimas para o arroz e outros plantios</p><p>especializados —, a maior parte da Vodacce</p><p>continental é formada por regiões montanhosas, de</p><p>cultivo difícil e perfeitas para a mineração. O oeste</p><p>é pouco elevado e bem irrigado, cortado em todas as</p><p>direções por rios e córregos. O leste, por outro lado, é</p><p>rochoso, pontilhado com comunidades mineradoras</p><p>que acabam dando lugar a charcos logo ao sul da</p><p>Comunidade Sarmática, na península de Pióro.</p><p>O país se divide em territórios controlados pelos</p><p>sete príncipes mercantes, cada qual com seus</p><p>próprios recursos e guardas para vigiar as fronteiras.</p><p>A deslealdade é lugar-comum em Vodacce. Confiar</p><p>num parente é botar na mão dele o punhal que vai</p><p>acabar nas suas costas.</p><p>Vodacce foi outrora a capital do Antigo Império.</p><p>Suas ruas eram um alvoroço de senadores, mercadores</p><p>e soldados que cuidavam das próprias vidas. Os</p><p>debates ecoavam em suas edificações, e as bibliotecas</p><p>transbordavam com o conhecimento reunido de uma</p><p>república próspera.</p><p>Hoje, centenas de anos depois da queda do império,</p><p>a cidade que lhe servia de capital se vê vazia e silente. A</p><p>terra sobre a qual se ergue pertence aos príncipes que</p><p>deram as costas ao debate para abraçar o subterfúgio,</p><p>transformando as grandes cidades em seus próprios</p><p>reinos em miniatura, espalhados pela península. Em</p><p>Vodacce, é melhor ser rei de sua própria colina do</p><p>que dividir com outros homens o domínio de uma</p><p>montanha. Mas melhor ainda é ser o rei da montanha.</p><p>Cada um dos sete príncipes controla um aspecto</p><p>diferente da economia do país e um produto de</p><p>exportação específico. Um deles produz o melhor</p><p>vinho de Théah, outro se vangloria de ter os melhores</p><p>artesãos. Vincenzo Caligari tem a maior coleção de</p><p>artefatos syrneth do continente, e Gespucci Bernoulli</p><p>controla as rotas comerciais mais lucrativas dali até o</p><p>Império do Crescente.</p><p>O combate, como quase tudo em Vodacce, é um</p><p>passatempo masculino. Os homens vodatianos</p><p>são famosos pelo temperamento inflamável e</p><p>pela rapidez com que sacam as espadas, mas as</p><p>mulheres são reconhecidamente frias e calculistas.</p><p>Vodacce</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 89</p><p>ç</p><p>Em Vodacce, situação ímpar entre a nobreza teana,</p><p>somente as mulheres são feiticeiras. Chamadas de</p><p>“sortílegas” em outras partes de Théah, as streghe</p><p>del Sortilegio disputam um perigoso jogo de gato</p><p>e rato com o destino. Enxergam e manipulam os</p><p>fios da sorte, ajudando os maridos nos negócios.</p><p>Os navios vodatianos raramente são surpreendidos</p><p>por tempestades, e os piratas comuns costumam</p><p>passar bem longe deles, pois temem encontrar</p><p>algum infortúnio.</p><p>Os romances são um dos grandes passatempos de</p><p>Vodacce... para quem é homem. As esposas guardam</p><p>uma distância respeitável dessas coisas. O casamento,</p><p>entre os nobres, é uma questão absoluta de política</p><p>e economia. Os casais raras vezes se conhecem</p><p>antes da cerimônia, apesar de que, definido o</p><p>noivado, ainda se espera dos maridos que cortejem</p><p>de longe a futura esposa, com poemas e belos</p><p>presentes. Os homens reservam boa parte de seu</p><p>afã romântico para as cortesãs profissionais. Essas</p><p>mulheres formam uma sociedade à parte dos outros</p><p>membros do sexo feminino em Vodacce. As senhoras</p><p>“respeitáveis” não sabem ler — os vodatianos receiam</p><p>que a educação venha a afetar o tênue equilíbrio do</p><p>poder entre homens e sortílegas —, mas as cortesãs</p><p>são extremamente cultas e dominam tanto as artes</p><p>quanto as ciências.</p><p>“Cuidado onde pisa” é uma expressão originária</p><p>de Vodacce. Bastaria dar uma olhada na arquitetura</p><p>vodatiana para alguém se convencer disso, mas um</p><p>rápido exame da política local só reforça a lição. As</p><p>ruas das cidades são alegres e joviais, representadas</p><p>por seus poetas e dramaturgos respeitados, além das</p><p>belas cortesãs. As cidades são tomadas por edifícios</p><p>altos e esguios que fazem uso de cada centímetro</p><p>disponível do terreno. Um sistema traiçoeiro de</p><p>pontes conecta os prédios, interligando a cidade</p><p>toda feito uma gigantesca teia de aranha. Ninguém</p><p>precisa ser arquiteto para ver que bastaria um espirro</p><p>fora de hora para fazer o sistema todo ruir e cair</p><p>no mar.</p><p>A arquitetura de Vodacce pode parecer instável,</p><p>mas não passa de um agradável passeio de fim de</p><p>tarde em comparação com seu cenário político. Os</p><p>sete príncipes mercantes que governam Vodacce são</p><p>os homens mais cruéis de toda a Théah. Atolados</p><p>numa guerra comercial com a Liga de Vendel, os</p><p>príncipes firmaram uma aliança relutante para</p><p>combater os competidores nórdicos. Ao mesmo</p><p>tempo, porém, todo príncipe vodatiano sabe que</p><p>nenhum de seus outros “irmãos” deixaria passar a</p><p>oportunidade de apunhalá-lo pelas costas e roubar</p><p>suas terras e seus negócios. Nem sempre foram</p><p>sete os príncipes. Já houve doze deles e, em alguns</p><p>momentos, apenas três. Hoje eles são sete, mas quem</p><p>sabe o que o futuro reserva?</p><p>Cultura</p><p>Os vodatianos são orgulhosos. Perdem</p><p>a calma tão rápido quanto manejam a</p><p>espada, e quem continuar de pé que</p><p>fique com a razão. Julga-se um homem</p><p>não só por sua fortuna, mas</p><p>também pela maneira como ele</p><p>a gasta. Um homem decente</p><p>tem tanto dinheiro que não</p><p>precisa se preocupar em</p><p>gastá-lo, mas</p><p>só um idiota</p><p>deixaria outra pessoa lhe</p><p>passar a perna.</p><p>As mulheres de Vodacce</p><p>já são uma outra história.</p><p>Raras vezes são flagradas</p><p>agindo publicamente, mas</p><p>apoiam os pais e maridos</p><p>com suas habilidades e as</p><p>artes arcanas do sortilégio.</p><p>Os vodatianos são esbeltos</p><p>e têm estatura mediana.</p><p>Têm cabelos pretos e lisos.</p><p>Seus olhos são escuros e</p><p>misteriosos, variando do</p><p>negro ao cinzento. Os</p><p>vodatianos ostentam</p><p>um nariz retilíneo e</p><p>altivo, e a cor de sua</p><p>pele percorre todo o</p><p>espectro do pálido</p><p>ao trigueiro.</p><p>ç</p><p>90 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Camadas Sociais</p><p>Só Montaigne distingue mais os nobres dos</p><p>camponeses do que Vodacce. No entanto, a vida de</p><p>um camponês vodatiano não é tão dura quanto em</p><p>outros países. Na verdade, a vida de um camponês em</p><p>Vodacce poderia parecer luxuosa em comparação com</p><p>a de um camponês aiseniano ou montenho.</p><p>Campesinato</p><p>O dia começa com a alvorada e termina depois de</p><p>o sol se pôr. A primeira obrigação de um camponês</p><p>vodatiano é a lavoura, e o trabalho continua até por</p><p>volta do meio-dia. O almoço é uma verdadeira ocasião</p><p>e dura até uma hora e meia, seguido por um cochilo</p><p>longo e sossegado. Os camponeses dormem durante</p><p>as horas mais quentes do dia, levantam-se às quatro</p><p>da tarde e continuam a trabalhar até bem depois do</p><p>pôr do sol. Aí, terminadas as tarefas, serve-se o jantar</p><p>e os agricultores se preparam para dormir.</p><p>A rotina de um camponês é basicamente essa.</p><p>Naturalmente, existem os feriados e as festas periódicas</p><p>a cada estação, mas, fora o trabalho árduo de sustentar a</p><p>nobreza voraz, o camponês vodatiano pouco faz além de</p><p>labutar e descansar.</p><p>Classe Média</p><p>A classe média de Vodacce é formada principalmente</p><p>por artesãos e mercadores. Vodacce se vangloria de</p><p>ter alguns dos artesãos mais talentosos de Théah. Até</p><p>mesmo os objetos mais simples costumam receber</p><p>tamanha ornamentação que chegam a desviar a</p><p>atenção das pessoas daquilo que é importante. Boa</p><p>parte da economia se baseia no comércio desses</p><p>artigos de luxo elaborados e decorativos.</p><p>O escambo é um passatempo e motivo de orgulho em</p><p>Vodacce, tanto quanto os eventos esportivos em outros</p><p>reinos. As trocas podem tomar horas e horas nas ruas</p><p>movimentadas. Afinal, o homem incapaz de fazer um bom</p><p>negócio dificilmente é um homem de verdade. A mulher que</p><p>não sabe ir às compras para abastecer a casa merece desdém.</p><p>A estrutura social em Vodacce fica evidente na arquitetura</p><p>de suas cidades ocidentais. As classes mais baixas vivem</p><p>mais perto da água e, por conseguinte, da imundície das</p><p>ruas. Quanto mais dinheiro a pessoa tiver, mais alto na</p><p>estrutura social ela conseguirá chegar (literalmente). A classe</p><p>média pode arcar com o custo de moradias mais elevadas,</p><p>muitas vezes construídas diretamente sobre as lajes de seus</p><p>vizinhos mais pobres. A nobreza e os endinheirados vivem</p><p>no alto de edifícios estreitos, erigidos por uma combinação</p><p>de arquitetura genial, um elaborado sistema que os eleva</p><p>acima da água e uma pitada de magia. Dizem que uma festa</p><p>na casa do príncipe pode acordar os ratos que vivem sob</p><p>o assoalho do mais pobre de seus súditos. Pelos mesmos</p><p>motivos, também se diz que é possível reconhecer uma</p><p>dama pelos pés, pois nunca tocaram o solo.</p><p>Nobreza</p><p>A nobreza de Vodacce tem suas raízes nas famílias que</p><p>detinham posições no Senado da Velha República.</p><p>Os príncipes mercantes, ou “signori”, não são tão</p><p>extravagantes quanto os nobres de Montaigne, nem</p><p>tão dignos quanto os de Avalon. Os poetas do país</p><p>contam que os vodatianos têm dois corações: o do</p><p>dever e o do amor.</p><p>Os sete príncipes de Vodacce levam o título muito a sério.</p><p>A riqueza e o orgulho são as duas pedras fundamentais</p><p>da cultura vodatiana: a primeira é um instrumento para</p><p>satisfazer o segundo. Os príncipes raramente se reúnem,</p><p>exceto para decidir os rumos da Nação, ou em ocasiões</p><p>sociais muito formais, como casamentos e funerais de</p><p>chefes de estado.</p><p>Quando se congregam para discutir os rumos de</p><p>Vodacce, a coisa se dá em território neutro, o que evita</p><p>bate-bocas desnecessários para decidir na casa de quem</p><p>a reunião deveria acontecer. Além disso, garante que</p><p>nenhum dos príncipes terá a vantagem tática. Desde a</p><p>queda da Velha República, quando o envenenamento e a</p><p>traição eram considerados métodos justos e razoáveis de</p><p>negociar a sucessão, os príncipes nunca mais confiaram</p><p>uns nos outros, e por bons motivos.</p><p>Graças a essas providências, os príncipes não têm muitas</p><p>oportunidades de ostentar sua fortuna. Daí desenvolvem</p><p>uma maneira não tão óbvia de se gabar. Os príncipes</p><p>vodatianos se revezam oferecendo festas elaboradas para</p><p>os nobres de menor estatura. Essa pequena nobreza viaja</p><p>o ano todo, narrando os excessos de seu mais recente</p><p>anfitrião, sabendo muito bem que o atual não medirá</p><p>esforços para suplantar a decadência de seu “irmão”.</p><p>Dizem que o vinho corre pelas casas nobres de Vodacce</p><p>feito as águas de seus inúmeros rios. Pode-se afirmar o</p><p>mesmo sobre a comida, o ouro, as joias e as mulheres.</p><p>Alguns céticos também propalam que os hábitos dos</p><p>príncipes podem prejudicar sua base de poder e que mais</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 91</p><p>ç</p><p>dinheiro corre pelas ruas de Vodacce do que por suas</p><p>rotas comerciais.</p><p>Cortesãs</p><p>Além do bom vinho e da cozinha refinada, a península</p><p>sulista desfruta de mais uma conveniência. Nobres</p><p>de toda a Théah cobiçam um convite para as festas</p><p>vodatianas, nem tanto pela oferta de opções culinárias,</p><p>e sim pela fartura de prazeres carnais.</p><p>Em Vodacce, a aventura amorosa é uma virtude.</p><p>Espera-se que os homens cortejem as mulheres, apesar</p><p>de todos os casamentos de estado serem arranjados.</p><p>Por outro lado, as mulheres de berço aprendem a ser</p><p>modestas e recatadas. A profissão de cortesã preenche</p><p>especificamente essa lacuna. Com a cortesã, um</p><p>homem pode falar de coisas que não discutiria com</p><p>sua esposa. Pode levá-la a lugares aonde as mulheres</p><p>“decentes” não têm permissão para ir. Pode exaltá-la</p><p>como deusa do amor, uma imagem idealizada. E, ao</p><p>terminar, pode seguir com sua vida sem voltar a pensar</p><p>no assunto.</p><p>As cortesãs vodatianas são renomadas em toda a</p><p>Théah. Existem escolas de etiqueta, música e diversas</p><p>outras artes, mas as melhores cortesãs são instruídas</p><p>por tutores particulares. À semelhança do ofício de</p><p>ferreiro, vinicultor etc., a profissão muitas vezes é</p><p>transmitida de mãe para filha. Existem, na verdade,</p><p>algumas “famílias cortesãs” espalhadas por Vodacce.</p><p>As cortesãs não são limitadas pelas regras que</p><p>mantêm a maioria das vodatianas analfabetas e</p><p>caladas, atrás de suas cortinas atapetadas. Têm acesso a</p><p>bibliotecas, universidades, fóruns públicos e a qualquer</p><p>outro lugar onde sua clientela masculina decida matar</p><p>o tempo. São treinadas nas artes da representação,</p><p>poesia, canto, dança e, em alguns casos, política.</p><p>Mas esse modo de vida tem suas desvantagens. As</p><p>mulheres nobres de Vodacce sofrem restrições quanto</p><p>ao que podem ou não fazer, mas é incontestável que</p><p>recebem proteção e têm sua segurança garantida.</p><p>A cortesã é obrigada a contar com sua argúcia e</p><p>habilidade para decidir a própria sorte. A mulher</p><p>sensata toma o cuidado de cair nas graças de um</p><p>nobre que tenha condições de defendê-la caso ela se</p><p>veja em alguma dificuldade no futuro. Em Vodacce, a</p><p>sociedade e a política dividem a mesma cama.</p><p>É muito fácil reconhecer as cortesãs vodatianas.</p><p>Caminham pelas ruas feito aves exóticas de plumagem</p><p>fulgurante, vestindo cores vivas, usando joias e modelitos</p><p>ç</p><p>92 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>que fariam a desgraça de qualquer mulher “decente”. São</p><p>poucas as restrições ao que podem vestir ou fazer, mas,</p><p>como é de praxe em Vodacce, aquelas que não conseguem</p><p>prever possíveis ofensas não costumam durar muito.</p><p>O toque final em seus figurinos fica por conta das</p><p>elaboradas máscaras decorativas que usam em público.</p><p>Acessórios brilhantes que geralmente cobrem apenas</p><p>parte do rosto, essas máscaras podem imitar aves ou</p><p>bichos, ou podem ser totalmente abstratas.</p><p>Aparentemente, as máscaras acrescentam</p><p>algo de excitante e festivo</p><p>foi</p><p>nada — ele garantiu, estendendo as mãos antes que a</p><p>moça conseguisse se aproximar demais.</p><p>— Ora, já se vê que não é verdade. — Aurélie falou</p><p>sem se alterar nem deixar seu assento, onde ele quase</p><p>a esquecera com toda aquela comoção. Ela continuava</p><p>sentada, serena, impassível diante de toda aquela</p><p>balbúrdia, bebericando delicadamente seu chá. —</p><p>Suas roupas estão ensopadas. — Ela inclinou a cabeça</p><p>na direção dele. — Não deve ser nada confortável e,</p><p>se seus trajes não forem lavados imediatamente, a</p><p>mancha nunca mais vai sair.</p><p>Ela estendeu uma de suas mãos esguias para fazer</p><p>soar um sininho de prata ao lado de sua poltrona.</p><p>No mesmo instante, entraram outras duas mulheres,</p><p>nitidamente criadas, muito embora seus vestidos</p><p>humilhassem qualquer nobre avaloniana.</p><p>Aurélie voltou a apontar Oliver com a cabeça quando</p><p>as duas se aproximaram.</p><p>— Monsieur Kay precisa de roupas limpas e seus</p><p>trajes necessitam de cuidados.</p><p>Imediatamente, e como se a senhora não tivesse</p><p>pedido nada mais extraordinário do que biscoitos</p><p>para acompanhar o chá, uma das mulheres voltou</p><p>a desaparecer pela porta que dava para o corredor,</p><p>enquanto a outra se retirou por uma das portas</p><p>internas, aquela que ficava mais próxima da parede</p><p>externa. Passado um segundo, Oliver ouviu barulho</p><p>de água — então estava correto seu palpite sobre o</p><p>toalete particular, que agora, sem dúvida alguma, era</p><p>preparado para lavar uma coisa ou outra.</p><p>— Um pouco de chá não é embaraço algum —</p><p>Oliver tentou mais uma vez, falando diretamente para</p><p>sua anfitriã, enquanto criadas voltavam a entrar na</p><p>sala, duas delas trazendo roupas nos braços, e uma</p><p>terceira o tomava pelo cotovelo, conduzindo-o para</p><p>a porta aberta. — Não me importo. — Oliver tinha a</p><p>impressão de que era transportado por um bando de</p><p>gansos obstinados.</p><p>— Que bobagem — Aurélie lhe disse com um aceno</p><p>distraído da mão. — Pode usar as roupas de um de</p><p>meus irmãos enquanto as suas são lavadas. Não levará</p><p>muito tempo e você ficará bem mais confortável. Além</p><p>disso, se recebermos visitas, não poderei permitir</p><p>que você monte guarda todo coberto de chá. De</p><p>jeito nenhum.</p><p>Rendendo-se momentaneamente, ele se deixou</p><p>empurrar até um lavabo suntuoso, onde uma enorme</p><p>e intricada banheira de mármore aguardava, cheia</p><p>de água. Ouro e marfim pareciam ser o tema do</p><p>palacete inteiro, ele conjeturou antes de quase perder</p><p>o fôlego quando o bando de assistentes botou as</p><p>mãos nos cordões e colchetes de seu casaco e colete,</p><p>puxando-lhe as mangas e os botões. Ele gritou quando</p><p>uma das mãos desceu um pouco mais.</p><p>— O que estão fazendo? — Ele tentou disfarçar o</p><p>sobressalto em sua voz.</p><p>— Precisamos lavar suas roupas — disse a mais velha</p><p>das três mulheres determinadas a despi-lo. Ela tinha,</p><p>talvez, pouco mais de vinte anos, mas parecia firme</p><p>e eficiente. — Não poderemos lavá-las com você</p><p>dentro delas.</p><p>— Poderíamos tentar — sugeriu uma das moças</p><p>mais jovens, com um sorriso matreiro, e Oliver se</p><p>afastou, dando-lhe as costas, mas seu casaco, que</p><p>era seguro por uma das mangas pela aia mais austera,</p><p>acabou saindo.</p><p>— Você pode vestir aquelas ali — ela apontou</p><p>o conjunto disposto com todo o capricho sobre</p><p>um banco ao lado de um biombo. O tecido parecia</p><p>exageradamente suntuoso para Oliver, provavelmente</p><p>valia mais que todo o vilarejo onde ele nascera, mas</p><p>as roupas eram de um azul despretensioso e pareciam</p><p>secas, e nenhuma mulher estava tentando arrancá-las</p><p>do corpo dele.</p><p>— Muito bem — ele disse, erguendo um pouco a</p><p>voz. — Deem-me um segundo, então. E um... pouco</p><p>de privacidade, se for de seu agrado.</p><p>Ele contornou o biombo, livrando-se das mãos</p><p>prestativas, e começou a soltar o resto dos colchetes</p><p>de suas próprias roupas, tentando não ficar ainda mais</p><p>constrangido diante de uma ou outra risadinha abafada</p><p>que vinha do outro lado do anteparo.</p><p>Quando se viu só de ceroulas, ele esticou o braço para</p><p>contornar o biombo e depositar suas roupas na beirada</p><p>do banco. As roupas novas estavam ligeiramente fora</p><p>de alcance, a menos que ele se dispusesse a sair de</p><p>trás do biombo só com a roupa de baixo. Uma das</p><p>mulheres entregou-lhe uma tigela de água fumegante</p><p>e um pedaço de pano.</p><p>— Tome — ela disse. — Para que possa se</p><p>limpar também.</p><p>— Obrigado — disse Oliver, esticando mais uma vez</p><p>o braço para pegar as coisas que lhe eram oferecidas e</p><p>tentando não revelar muito mais que isso. Ele voltou</p><p>a se abrigar atrás dos painéis de seda e aguardou,</p><p>prestando atenção à conversa das mulheres, que</p><p>falavam entre si numa saraivada de palavras em</p><p>montenhês. Quando elas saíram e fecharam a porta,</p><p>ç</p><p>8 OSSOS DO OFÍCIO</p><p>Oliver suspirou de alívio, mergulhou o pedaço de pano</p><p>na tigela de água deliciosamente cálida e começou</p><p>a se limpar, esfregando os pontos onde o chá havia</p><p>atravessado suas roupas.</p><p>Decididamente, não era bem assim que ele havia</p><p>esperado que o dia transcorresse quando Robert,</p><p>seu amigo e colega espadachim, o recomendara</p><p>para a posição que o próprio Robert havia ocupado</p><p>antes. Ele se perguntava se aquela espécie de caos</p><p>e decoro frouxo era a norma na maioria das casas</p><p>nobres montenhas ou se ele havia deparado com algo</p><p>muito peculiar.</p><p>Deixando a tigela de lado, ele se secou com o pedaço</p><p>de pano que recebera e, levando mais um segundo para</p><p>se certificar de que o recinto estava vazio, saiu de trás</p><p>do biombo. Ele mal havia se detido para admirar os</p><p>entalhes minuciosos que adornavam a grande banheira</p><p>quando escutou cavalos e o ranger das rodas de uma</p><p>carruagem lá fora. Uma janela dava para o pátio, o</p><p>mesmo espaço que se via da câmara de audiências</p><p>de Aurélie, e ele avistou um coche magnífico diante</p><p>dos portões que davam para a rua, aguardando que se</p><p>abrissem. Claro que os cavalos à frente da carruagem</p><p>eram brancos como a neve. Ele se perguntou se</p><p>já teriam sido adquiridos naquela cor ou se foram</p><p>descoloridos, e então inspirou ruidosamente ao avistar</p><p>ninguém menos que Aurélie, andando depressa e com</p><p>as saias esvoaçando atrás de si. Sem se deter, ela</p><p>galgou o degrau da carruagem, subiu e entrou. Assim</p><p>que a porta se fechou, o portão se abriu e a carruagem</p><p>avançou com estrépito.</p><p>Sua protegida estava fugindo.</p><p>Com uma imprecação, Oliver virou-se para a pilha de</p><p>roupas sobre o banco e descobriu que elas também</p><p>haviam sumido. Xingando agora com mais veemência,</p><p>ele olhou pela janela, viu a carruagem ganhar a rua</p><p>e entrar no tráfego. Deu uma olhada em todo o</p><p>recinto, avistou a única vestimenta que havia ali, uma</p><p>camisola comprida num delicado tom de rosa que</p><p>estava pendurada ao lado da banheira, e a enfiou pela</p><p>cabeça sem pensar duas vezes no que estava fazendo.</p><p>Apanhou sua espada e o cinturão, meteu os pés sem</p><p>meias dentro das botas. Olhou para a porta que levava</p><p>ao resto da casa, daí para a carruagem que seguia</p><p>numa cadência constante e estava prestes a sumir de</p><p>vista, costurando entre os outros carros, os coches e</p><p>o populacho.</p><p>Sem tempo a perder, ele subiu ao parapeito da janela,</p><p>avistou a calha, longe demais para que chegasse lá a</p><p>salvo com um salto, e pulou do mesmo jeito. De fôlego</p><p>preso, deslizando vertiginosamente, ele já estava a</p><p>meio caminho do chão quando encontrou um apoio</p><p>firme para as mãos. Pendurado, não demorou a descer</p><p>ao chão e partiu a pé, tentando não perder de vista o</p><p>brasão dos Descoteaux. Mas, tirada por dois corcéis</p><p>bem cuidados, a carruagem seguia mais veloz do que</p><p>ele seria capaz de correr.</p><p>Passado o portão, ele viu uma carruagem bem menor,</p><p>no acostamento da rua, com um cavalo já atrelado e</p><p>outro prestes a ser.</p><p>— Perdão — ele murmurou para o cavalariço</p><p>surpreso ao tomar as rédeas das mãos do rapaz. — É</p><p>uma emergência.</p><p>Ele pulou para o lombo do cavalo, sem a sela, pois</p><p>o animal estava prestes a ser atrelado, mas, lá nas</p><p>florestas de sua ilha natal, ele montava em pelo desde</p><p>criança. Ele fez a montaria dar meia-volta e a apontou</p><p>na direção para onde ele vira a carruagem de Aurélie</p><p>seguir da última vez.</p><p>— Ah. Sim. Esse cavalo aí é meu — ouviu-se, vinda</p><p>de trás dele, a voz de uma</p><p>à imagem</p><p>da cortesã. Na verdade, elas têm uma</p><p>finalidade mais prática: impedir que</p><p>as esposas dos clientes descubram a</p><p>identidade da moça.</p><p>Mulheres da</p><p>Nobreza</p><p>Se as cortesãs de Vodacce</p><p>estão entre as mulheres</p><p>mais cultas de Théah,</p><p>então as esposas de seus</p><p>nobres são as menos</p><p>instruídas. As mulheres</p><p>que nascem com o</p><p>dom do Sortilégio</p><p>p e r m a n e c e m</p><p>analfabetas. Ler e</p><p>escrever são para mulheres</p><p>vulgares, e não para damas de</p><p>bom berço e elevada estatura.</p><p>Essa estranha dicotomia já foi</p><p>discutida por vários estudiosos</p><p>teanos (principalmente os da Igreja)</p><p>como exemplo ideal do preço que os</p><p>mortais têm de pagar pela feitiçaria.</p><p>Afinal de contas, a iluminação vem</p><p>do conhecimento e, quando não se</p><p>permite a uma pobre alma obter</p><p>conhecimento, como ela poderá</p><p>encontrar a graça do Criador?</p><p>“Sortilégio” é a capacidade de enxergar</p><p>e manipular os fios do destino que</p><p>unem toda a humanidade. Somente</p><p>as mulheres de Vodacce possuem esse</p><p>dom, para desgosto dos homens do país.</p><p>Os primeiros homens que pediram esse</p><p>poder ficaram tão zangados que acabaram estabelecendo</p><p>tradições que perduram até hoje.</p><p>As providências que tomaram garantiram que as</p><p>mulheres não conseguiriam tomar o destino de Vodacce</p><p>das mãos dos homens. Quando descobrem que uma</p><p>menina tem o dom, seu pai se certifica de que ela nunca</p><p>aprenderá a ler nem escrever, e muito menos terá acesso</p><p>a qualquer outro tipo de educação. A obrigação da</p><p>moça é servir ao pai (e, posteriormente, ao marido), à</p><p>família dele e a Vodacce, e não à sua própria vaidade.</p><p>As vodatianas casadas usam vestidos pretos e modestos,</p><p>além de cobrir o rosto com um véu pesado e negro, para</p><p>que os olhos da bruxa não cruzem com os olhos de outro</p><p>homem que não seu marido.</p><p>Homens da Nobreza</p><p>Os homens vodatianos de qualquer condição social são</p><p>sabidamente orgulhosos. Os filhos das melhores famílias,</p><p>em sua maioria, estudaram em algumas das escolas de</p><p>esgrima mais renomadas de Théah e estão sempre de</p><p>olho numa oportunidade para demonstrar sua perícia. O</p><p>menor insulto pode levar a um duelo. E não é só isso. As</p><p>escolas vodatianas não ensinam apenas as técnicas nobres.</p><p>Muitas incorporaram aspectos práticos da luta de rua em</p><p>suas técnicas, uma ingrata surpresa para vários forasteiros.</p><p>Etiqueta</p><p>A maior gafe possível em Vodacce é revelar-se um</p><p>covarde. Com uma atmosfera política das mais</p><p>tensas, e sendo o orgulho um aspecto tão importante</p><p>do caráter nacional, não é incomum verem-se três ou</p><p>mais duelos no decorrer de uma tarde. Os homens se</p><p>desafiam por ofensas insignificantes ou imaginárias.</p><p>A desonra não está em comprar briga, e sim em fugir</p><p>da luta. Está claro que nem todos esses combates são</p><p>fatais. Muitos são disputas de cicatrizes (para ver</p><p>quem deixa o oponente mais marcado) ou simples</p><p>exibições de habilidade.</p><p>As promessas, em Vodacce, também são muito</p><p>importantes. O homem que não mantém sua palavra é</p><p>uma vergonha para si mesmo e para sua família. Se ele</p><p>a quebrar, o patriarca da família terá de castigá-lo pela</p><p>ofensa. Duvidar publicamente da palavra de um outro</p><p>homem de condição social idêntica ou superior à sua é</p><p>motivo para um duelo até a morte.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 93</p><p>ç</p><p>Vestuário</p><p>A forma e o talhe das roupas vodatianas são</p><p>semelhantes ao que é moda em Montaigne, mas</p><p>têm um ar todo próprio. As peças mais externas, os</p><p>vestidos, casacos etc. são feitos de pedaços de tecido</p><p>unidos por cordões. É um elemento particularmente</p><p>comum em casacos e vestidos.</p><p>As camisas e combinações geralmente são de tecido</p><p>leve. O brocado, o veludo e o couro trabalhado são muito</p><p>comuns nas peças externas. Tons vivos e escuros são os</p><p>preferidos da nobreza.</p><p>As vodatianas nobres gostam de joias simples,</p><p>geralmente pérolas ou pedras polidas. Os homens nobres,</p><p>como suas cortesãs, preferem ostentar toda a sua riqueza.</p><p>Praticamente ninguém em Vodacce usa pedras lapidadas</p><p>nem objetos espelhados. Dá azar ver o próprio reflexo em</p><p>mais de um ponto ao mesmo tempo.</p><p>O traje típico de um homem da nobreza inclui calças</p><p>— folgadas, mas sem exageros, só o suficiente para não</p><p>dificultar os movimentos — e camisas de linho com</p><p>mangas largas e punhos tufados, adornadas com cordões</p><p>cintilantes. Usam-se frequentemente botas altas e flexíveis</p><p>que chegam aos joelhos, mas um homem em sua própria</p><p>casa ou em visita a amigos pode calçar sapatos mais curtos.</p><p>Os homens vodatianos gostam de casacos acinturados.</p><p>As mangas podem ser removidas antes de um duelo, para</p><p>permitir maior liberdade de movimentos, sobrando o</p><p>colete, esconderijo ideal para armas extras.</p><p>As mulheres nobres usam, em geral, vestidos pretos,</p><p>ocasionalmente ornamentados com pequenas pérolas</p><p>costuradas no tecido. Esses vestidos têm cintura baixa, de</p><p>onde as saias pendem em linhas retas, contrastando com</p><p>as anquinhas usadas em Montaigne.</p><p>Penteiam os cabelos para trás, longe do rosto, deixando-os</p><p>correr soltos pelas costas ou trançando-os e prendendo-os</p><p>no alto. Costumam cobrir o rosto com um véu quando</p><p>estão em público. São duas as finalidades. O véu indica a</p><p>modéstia esperada e permite-lhes olhar para o que quiserem</p><p>sem serem observadas, evitando que as pessoas reparem em</p><p>suas expressões vazias quando praticam o Sortilégio.</p><p>Alimentação</p><p>Vodacce é basicamente montanhosa, o que restringe</p><p>as culturas capazes de crescer ali. As uvas medram nas</p><p>colinas baixas e arredondadas, mas a principal cultura</p><p>dos campos ocidentais do país é o arroz. A dieta de</p><p>um camponês vodatiano consiste em grande parte de</p><p>arroz, massas (originárias de Catai) e frutos do mar.</p><p>Uma grande variedade de peixes habita as águas ao</p><p>redor de Vodacce, além de lagostas e caranguejos.</p><p>Algumas hortaliças e frutas cítricas medram no clima</p><p>ameno e úmido, mas a maior parte da produção é</p><p>importada de Castilha.</p><p>A classe média e a nobreza têm uma dieta mais variada.</p><p>Quem tem dinheiro para tanto importa carne bovina</p><p>e de caça, além de vários outros alimentos. As ostras</p><p>também são uma iguaria popular. São abundantes no</p><p>mar que circunda Vodacce e raras no restante de Théah.</p><p>Praticamente tudo o que a nobreza deixa de comer é</p><p>exportado para outras cortes.</p><p>Costumes</p><p>A família é importantíssima para os vodatianos, sejam</p><p>de alta ou baixa extração. As profissões geralmente</p><p>são transmitidas de pai para filho. A reputação do</p><p>pai em sua profissão muitas vezes é tão importante</p><p>quanto a do filho. Um pescador pode se orgulhar de</p><p>ter como pai o melhor pescador de todos os tempos,</p><p>e um mercador cujo pai tenha a reputação de ser um</p><p>homem honesto fará mais negócios que um mercador</p><p>cujo pai não é tão respeitado.</p><p>Uma outra peculiaridade é a maneira como os</p><p>vodatianos tratam seus mortos. Os falecidos merecem</p><p>respeito absoluto de amigos e inimigos. Ninguém fala</p><p>mal dos mortos em Vodacce, por mais detestáveis que</p><p>eles fossem em vida.</p><p>Arte e Música</p><p>Os vodatianos adoram produtos artesanais bem feitos.</p><p>Um punhado de pintores célebres vive nas ilhas do</p><p>sul, mas as formas de arte preferidas dos vodatianos</p><p>são a tecelagem, a ourivesaria, a culinária refinada e</p><p>qualquer outra coisa que dê um toque adicional de</p><p>graça a seu estilo de vida. Eles são hedonistas até</p><p>a alma.</p><p>Apreciam as grandes produções, orquestras e operas,</p><p>mas preferem a música mais romântica e dramática.</p><p>As cantigas dos trovadores ainda são populares. Saber</p><p>cantar e tocar um instrumento faz parte da definição de</p><p>hombridade. As baladas mais populares são românticas</p><p>ou espirituosas. As mulheres também entoam cantigas</p><p>de amor, mas nunca em público e somente para outras</p><p>mulheres ou para seus maridos. A exceção a essa</p><p>regra fica por conta de uma ou outra balada histórica</p><p>ou familiar.</p><p>ç</p><p>94 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Religião</p><p>“O vodatiano que não é vaticinista</p><p>não faz alarde de sua religião.”</p><p>—Benedetto, o lavrador,</p><p>camponês vodatiano</p><p>Em Vodacce, a religião é esquisita. Sortílegas e</p><p>maridos devotados a mulheres que não são suas</p><p>esposas enchem as igrejas. Os bispos vodatianos</p><p>não fazem vista grossa à depravação:</p><p>simplesmente a</p><p>definiram de tal maneira a não interferir no estilo de</p><p>vida da Nação. Essas definições rigorosas se aplicam</p><p>principalmente ao pecado. A Igreja de Vodacce perdeu</p><p>um bocado de tempo definindo o que é e o que não</p><p>é pecado. Dizem que os homens mais decadentes de</p><p>Vodacce pertencem ao clero, mas, se os boatos são</p><p>verdadeiros ou não, ninguém até hoje obteve provas.</p><p>Nem é preciso dizer que os mantos vermelho-sangue</p><p>da Inquisição raramente são bem-vindos em Vodacce.</p><p>Para os vodatianos, a religião é, sobretudo, um</p><p>instrumento político. As casas nobres sempre tiveram</p><p>laços íntimos com a Igreja, e seus vínculos se fortaleceram</p><p>com o passar do tempo. Vodacce controla cinco das dez</p><p>arquidioceses da Igreja dos Vaticínios, uma posição</p><p>influente que lhe permite decidir a política eclesiástica.</p><p>Na verdade, para que qualquer diretriz política passe a</p><p>ser oficial, é preciso obter, primeiramente, a graça das</p><p>“Cinco de Vodacce”. Se um cardeal (ou até mesmo um</p><p>hierofante) desprezar a autoridade das arquidioceses,</p><p>nenhum de seus programas será levado a cabo. Os</p><p>príncipes já fizeram uso dessa posição incontáveis vezes</p><p>e sua força em nada diminuiu desde que a sede da Igreja</p><p>se mudou para Castilha.</p><p>A Igreja de Vodacce fez de tudo um pouco para tornar</p><p>compatíveis a doutrina religiosa e o modo de vida</p><p>de sua gente. Vistos de fora, os sete pecados da Igreja</p><p>dos Vaticínios parecem ser os mesmos em Castilha</p><p>e Vodacce, mas as definições variam ligeiramente. A</p><p>principal diferença é que os vodatianos acreditam</p><p>que o pecado, em geral, não está na ação, e sim na</p><p>inação correspondente.</p><p>Preguiça: O pecado mais abjeto numa cultura onde se</p><p>julga um homem pela fortuna que ele angariou.</p><p>Inveja: Invejar o que um outro homem possui é tolice.</p><p>Por que desejar ser igual ao vizinho? Vá arranjar algo</p><p>para fazê-lo invejar você.</p><p>Cobiça: É querer aquilo que não é seu direito possuir.</p><p>Se estiver a seu alcance obter aquilo que deseja, seria</p><p>tolice não fazê-lo.</p><p>Luxúria: Para os vodatianos, o pecado da luxúria</p><p>não está no desejo, e sim em não fazer algo a respeito.</p><p>Se gostar de uma mulher, corteje-a. O pecado, no</p><p>seu caso e no dela, seria deixar o desejo apodrecer,</p><p>transformando-se em impotência espiritual.</p><p>Vaidade: O erro não está em se orgulhar da própria</p><p>aparência, e sim no orgulho injustificado. Conheça a si</p><p>mesmo. Não se deixe iludir pelo próprio ego.</p><p>Ira: Se estiver furioso com alguém, desafie-o e obtenha</p><p>justiça. Só será um pecado se você se encolher num canto</p><p>e não cuidar da ofensa que, a seu ver, ele fez a você e</p><p>aos seus.</p><p>Gula: É o pecado de consumir mais do que se deve.</p><p>Para um povo hedonista, porém, a definição de “o que</p><p>se deve consumir” pode diferir do mesmo conceito em</p><p>outros lugares.</p><p>Nomes</p><p>Os nobres vodatianos ainda derivam seus nomes</p><p>de dois dos três senadores da Velha República que</p><p>fundaram a Nação: Gallili, Lorenzo e Delaga, que se</p><p>tornou o primeiro rei de Vodacce. Os nobres de hoje</p><p>identificam um ou mais desses senadores como a raiz</p><p>de sua linhagem, e seus nomes são um reflexo disso,</p><p>pois são arrematados pela mesma vogal que terminava</p><p>o nome do senador original.</p><p>Todos os príncipes têm Delaga como ancestral</p><p>comum, mas apenas os Villanova, intimamente</p><p>relacionados, utilizam a terminação “a”. Os demais</p><p>derivam sua terminação de Gallili. A maioria dos</p><p>membros da sociedade vodatiana, pelo menos aqueles</p><p>que não são da nobreza, não apresenta um sobrenome.</p><p>Um Roberto se distingue do outro pela profissão.</p><p>Roberto, o peixeiro, é obviamente distinto de Roberto,</p><p>o comerciante de vinhos.</p><p>Nomes Masculinos Comuns: Alberto, Antonio,</p><p>Carlo, Ernesto, Felice, Fortunato, Gianni, Giuseppe,</p><p>Leon, Marco, Modesto, Pietro, Rinaldo, Rolando,</p><p>Savino, Siro, Timeo, Toni, Umberto, Vito</p><p>Nomes Femininos Comuns: Alesio, Angelina,</p><p>Clarissa, Crescenza, Elena, Fiora, Iolanda, Lea, Luisa,</p><p>Miranda, Natalia, Paolao, Penelope, Rachele, Rebecca,</p><p>Regina, Sandra, Valeria, Veronica, Viola</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 95</p><p>ç</p><p>Governo</p><p>Cada um dos sete príncipes que governam Vodacce</p><p>controla um aspecto diferente dos negócios e do</p><p>comércio. Todos sonham com o dia em que reinarão</p><p>supremos sobre seus “irmãos”, unindo Vodacce sob seu</p><p>jugo. Dos sete, três — Bernoulli, Falisci e Villanova —</p><p>angariaram influência suficiente para tentar tal coisa. O</p><p>resultado é um vaivém político em que cada um dos três</p><p>tenta manipular os “irmãos” mais fracos.</p><p>Bernoulli</p><p>A família Bernoulli sempre apoiou fortemente a Igreja.</p><p>Como recompensa, quando o contato generalizado com</p><p>o Império da Lua Crescente cessou na década de 1250, a</p><p>Igreja deu à família Bernoulli direitos exclusivos de negociar</p><p>com os crescentinos. Desde então, os Bernoulli prosperaram</p><p>imensamente e são, o que não chega a surpreender, os</p><p>contribuintes mais generosos da Igreja. Gespucci Bernoulli,</p><p>o patriarca da família, é particularmente carola. Contudo,</p><p>como ele está ficando velho (já tem pouco mais de sessenta</p><p>anos), seus filhos passam a assumir cada vez mais as funções</p><p>comerciais da família. Eles atravessam frequentemente o</p><p>mar que os separa do Império da Lua Crescente e estão mais</p><p>que dispostos a se entregar aos prazeres e às depravações</p><p>que lá podem encontrar.</p><p>Falisci</p><p>Donello Falisci acredita em fazer uma coisa só e</p><p>fazê-la com primor. Para ele, e para o pai e o avô que</p><p>o precederam, essa coisa é a produção de bons vinhos.</p><p>Garrafas do vinho Falisci já foram trocadas por pequenas</p><p>propriedades. A família é dona da região mais fértil</p><p>de Vodacce e tem dedicado suas culturas à criação de</p><p>buquês novos e deslumbrantes.</p><p>Villanova</p><p>Uma das famílias mais antigas e poderosas, os Villanova</p><p>são bem conhecidos por selar acordos fatais e empregar</p><p>métodos traiçoeiros. Giovanni Villanova assumiu o</p><p>comando da família quando seu pai, Allegro, morreu.</p><p>Allegro tinha penas 32 anos quando sofreu uma queda</p><p>infeliz num lance de escadas mais alto. Seu irmão Giam</p><p>assumiu como conselheiro de Giovanni, então com dez</p><p>anos de idade, mas ele começou a perder a saúde pouco</p><p>depois. Continuou piorando no decorrer dos dois anos</p><p>que se seguiram e, logo depois de Giovanni ascender ao</p><p>comando dos negócios da família, Giam faleceu.</p><p>Lucani</p><p>A família Lucani é a detentora de suas terras há uns cem</p><p>anos apenas. Antes disso, a propriedade era da família</p><p>Villanova. Um século atrás, como paga por sua lealdade,</p><p>ou talvez por algum serviço prestado — as crônicas</p><p>são vagas em relação aos detalhes —, o patriarca dos</p><p>Villanova entregou essa pequena propriedade a seu</p><p>“irmão” de berço não tão elevado, Michele Lucani.</p><p>Desde então, os Lucani lutam para conservar as terras</p><p>que receberam.</p><p>Mondavi</p><p>Com exceção dos Falisci, os Mondavi são a única outra</p><p>família vodatiana a ganhar a vida com a agricultura.</p><p>As propriedades da família são alagadiças, mas ideais</p><p>para a produção de arroz. A renda não é das mais</p><p>extraordinárias, mas é estável, e os Mondavi parecem</p><p>contentes com a manutenção do status quo.</p><p>Vestini</p><p>A família Bernoulli controla o comércio de artigos de</p><p>luxo estrangeiros, mas os Vestini dominam a manufatura</p><p>nacional. Vestini ofereceu uma quantia substancial</p><p>aos bons artesãos de toda a Vodacce, desde que se</p><p>mudassem para seus domínios e trabalhassem para ele.</p><p>À época, a família Vestini tinha poder político e militar</p><p>suficiente para impedir que muitos outros príncipes o</p><p>contestassem. O único que o fez foi achar o cadáver de</p><p>seu filho caçula dentro de um canal. Fosse o primogênito,</p><p>talvez tivesse acabado em guerra.</p><p>Caligari</p><p>Vincenzo Caligari já era idoso dez anos atrás, mas não</p><p>aparenta querer largar o poder. Tradicionalista, ele</p><p>construiu sua casa nos moldes do prédio do senado da</p><p>Velha República. Ele mantém um grupo de conselheiros</p><p>que usam medalhões parecidos com os sinetes dos</p><p>senadores daquela época. Seus aposentos particulares</p><p>formam um pequeno museu, tomados, de parede a</p><p>parede, por tomos, rolos de pergaminho, caixas e sacos</p><p>contendo objetos encontrados em ruínas espalhadas por</p><p>toda a Théah. Vincenzo Caligari tem</p><p>obsessão por esses</p><p>fragmentos de vidas pretéritas. Desde a lenta agonia de</p><p>seu pai, Vincenzo se convenceu de que seu destino não</p><p>é ter uma morte tão ordinária. Ele crê que o artefato</p><p>certo, ou uma combinação de artefatos, pode poupá-lo</p><p>da enfermidade e da velhice.</p><p>ç</p><p>96 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Economia</p><p>Vodacce continua a usar a moeda da Velha República,</p><p>uma peça de bronze chamada, apropriadamente, de</p><p>“republica”. Também utiliza moedas de cobre menores,</p><p>chamadas sedili (singular sedilo), ou “assentos”. Dez</p><p>sedili dão uma republica, já que haviam dez assentos</p><p>no Senado da Velha República. Diferente do que</p><p>ocorre com muitas moedas, não é possível trocar</p><p>repuliche e sedili por guilders.</p><p>Forças Armadas</p><p>Não há um exército permanente em Vodacce. Cada</p><p>príncipe mantém uma guarda pessoal e os jovens em</p><p>condições podem servir nas guarnições que protegem</p><p>o comércio com o Império do Crescente.</p><p>Mas quase todos os nobres aprendem a usar a</p><p>espada, uma tradição que vem desde o tempo que</p><p>se seguiu à queda da Velha República, quando cada</p><p>casa era responsável por fornecer uma quantidade</p><p>adequada de rapazes para lutar pela Nação.</p><p>A “Marinha” Vodatiana</p><p>Não existe uma Marinha vodatiana oficial. Contudo,</p><p>os navios mercantes que zarpam e aportam ali são</p><p>propriedade de homens leais e armados até os dentes,</p><p>com o suporte de um contingente de marinheiros</p><p>mercenários para rechaçar os piratas. Numa emergência,</p><p>essas embarcações dariam uma marinha respeitável.</p><p>Relações Exteriores</p><p>Avalon</p><p>Oficialmente, os vodatianos não querem ter nada a ver</p><p>com os avalonianos e vice-versa. Circulam boatos, porém,</p><p>de que os dois países estariam comerciando em segredo e</p><p>usando os Lobos do Mar como intermediários.</p><p>Castilha</p><p>As relações entre Vodacce e Castilha ficam tensas de</p><p>vez em quando, quase como irmãos que, de tempos em</p><p>tempos, decidem que não se bicam. Não existem outras</p><p>duas nações teanas tão parecidas entre si, mas os dois</p><p>países costumam bater de frente, principalmente no que</p><p>diz respeito à religião que compartilham.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>O príncipe da Comunidade, Stanisław II, é casado</p><p>com uma vodatiana. E isso faz dele um parente, por</p><p>assim dizer. Ele tem sido habilidoso ao negociar com</p><p>os príncipes mercantes, jogando um contra o outro.</p><p>Até o momento, eles têm respeitado sua destreza,</p><p>mas não passará disso. E o que dizer da tal “Liberdade</p><p>Dourada”? É bom que esse absurdo não cruze as</p><p>fronteiras de Vodacce.</p><p>Eisen</p><p>Os vodatianos vigiam os aisenianos de perto. Com</p><p>o país naquela situação calamitosa, os vodatianos</p><p>receiam que uma horda desesperada de aisenianos</p><p>tente invadi-los como vingança pela Guerra da Cruz.</p><p>Montaigne</p><p>Os montenhos são o maior mercado para os artigos de</p><p>luxo vodatianos, e os dois povos têm muito em comum.</p><p>Portanto, as relações entre os dois países são boas.</p><p>Nações Piratas</p><p>Graças às previsões feitas pelas sortilegas, os</p><p>mercadores vodatianos não sofrem tanto com a</p><p>pirataria. Ainda ficam de olho nos piratas e enforcam</p><p>todos os que se deixam capturar, mas não se trata de</p><p>uma preocupação tão grande quanto poderia ser.</p><p>Ussura</p><p>As sortílegas temem os ussuranos e avisam que uma</p><p>sombra negra e protetora paira sobre eles. E é por</p><p>isso que o resto dos vodatianos toma muito cuidado</p><p>quando há ussuranos por perto. Evitam a todo custo</p><p>fazer algo que possa ofender ou irritar essa gente ou</p><p>sua misteriosa protetora.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>A situação com os vesteneses é tensa. As duas nações</p><p>já estão travando uma guerra comercial que pode</p><p>degringolar para uma guerra propriamente dita. Nos</p><p>últimos anos, houve várias ocasiões em que um príncipe</p><p>vodatiano mandou uma expedição comercial mais para</p><p>o norte do que deveria. Várias delas foram cordialmente</p><p>mandadas de volta dentro de baús. A grande razão</p><p>para os vodatianos ainda não terem tomado sérias</p><p>providências é que nenhum dos príncipes, isoladamente,</p><p>tem poder bastante para atacar os vesteneses. Além disso,</p><p>se o fizesse, ele teria de se explicar com os “irmãos” e</p><p>admitir que tentou fazer negócio fora de sua jurisdição e</p><p>pelas costas dos outros seis.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 97</p><p>ç</p><p>Os Sete Mares</p><p>Sete mares circundam Théah. O primeiro, o Mar</p><p>Mercantil, contorna Avalon e Vesten. É famoso por</p><p>suas águas rasas e pela inquietante tendência das</p><p>marés de dar a impressão de que os recifes mudam</p><p>de lugar. Nessas águas, capitães experientes acabaram</p><p>encalhando em recifes que eles podiam jurar que não</p><p>estavam lá um dia antes. A não ser por esse fenômeno,</p><p>o Mar Mercantil é relativamente inofensivo.</p><p>O segundo mar encontra-se nas proximidades de</p><p>Avalon e Montaigne e leva o nome de Mar das Viúvas,</p><p>graças a todos os marinheiros que perderam a vida em</p><p>incursões de piratas e durante a sangrenta Guerra da</p><p>Cruz. Uma população considerável de tubarões e sereias</p><p>torna o Mar das Viúvas um pouco mais traiçoeiro que</p><p>o Mar Mercantil, para não mencionar os nevoeiros</p><p>densos e repentinos e as aparições inexplicáveis de um</p><p>fenômeno conhecido como “miragens do mar”. Muitas</p><p>vezes, avistam-se navios, que desaparecem quando o</p><p>observador se aproxima, feito uma miragem no deserto.</p><p>O terceiro mar banha o litoral de Castilha e costuma</p><p>ser chamado de “Golfo dos Vaticínios ” ou la Boca del</p><p>Cielo. Suas águas geladas e profundas são o criadouro</p><p>ideal para as baleias que vivem ali, protegidas pela</p><p>medonha subespécie dos leviatãs. Esses monstros</p><p>chegam a ter três vezes o tamanho de uma baleia normal</p><p>e seu temperamento é muito mais agressivo. Esse mar</p><p>também está infestado de piratas, com destaque para</p><p>a Irmandade da Costa. Entre os marinheiros que</p><p>frequentam la Boca del Cielo, fala-se muito de Estallio,</p><p>uma serpente enorme que se alimenta dos leviatãs. É</p><p>estranho que, sendo a criatura tão grande quanto dizem</p><p>que é, nenhum avistamento tenha sido confirmado</p><p>até agora.</p><p>O quarto mar leva o nome de Passagem Numanari,</p><p>em homenagem às ilhas Numanari ao sul. Fica à</p><p>sudeste de Vodacce, perto do Império do Crescente.</p><p>Durante séculos, fortes mantidos pela Igreja nas ilhotas</p><p>vodatianas impediam o acesso a esse mar, mas Numa,</p><p>tendo declarado há pouco sua independência, franqueou</p><p>a Passagem a todos, revitalizando o comércio entre</p><p>Théah e o Império…e atraindo uma profusão de piratas.</p><p>O quinto mar fica entre Vesten e Eisen e se chama</p><p>“a Goela”. Os antigos mercadores vesteneses, ao ver</p><p>os primeiros mapas traçados com alguma precisão,</p><p>colocaram na cabeça que seu país lembrava a cabeça</p><p>de um dragão; daí o nome. É um dos mares mais bem</p><p>patrulhados de Théah, graças ao dinheiro abundante da</p><p>Liga de Vendel. Para proteger essas águas, a Liga contrata</p><p>navios mercenários, ex-piratas em sua maioria, que são</p><p>remunerados para caçar os antigos companheiros.</p><p>O sexto mar é conhecido como o Estreito de Avalon, ou</p><p>Istmo de Montaigne, dependendo do lado que a pessoa</p><p>esteja. O tráfego entre Avalon e Montaigne é vigiado pelos</p><p>Lobos do Mar de Elaine. O Estreito de Avalon é a rota</p><p>mais rápida entre o Sul de Théah e suas águas setentrionais,</p><p>mas as embarcações avalonianas exigem o pagamento de</p><p>“impostos de navegação”. Contornar as ilhas de Avalon</p><p>aumenta a duração da viagem em vários dias... e costuma</p><p>The Seven Seas</p><p>A Vida em Théah</p><p>ç</p><p>98 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>colocar as embarcações na mira de “piratas” avalonianos e</p><p>vesteneses. É melhor pagar o imposto e seguir caminho.</p><p>E, por fim, muitos marinheiros falam de um lugar</p><p>onde o sol e a lua fulguram no mesmo céu, onde as</p><p>estrelas se movem para trás e as águas são de prata</p><p>pura. Esse “sétimo mar” é motivo de grande discussão</p><p>na comunidade acadêmica teana. As histórias falam de</p><p>marinheiros que singraram as águas prateadas durante</p><p>dias a fio, sem avistar sinal de terra, até que, por fim, o</p><p>céu e o mar voltaram bruscamente ao normal, e a nau</p><p>se viu milhares de quilômetros fora do curso.</p><p>Uma descoberta arqueológica recente talvez seja a</p><p>chave para o Sétimo Mar. A Guilda dos Exploradores</p><p>anda chamando a coisa de “bússola alquímica”, e</p><p>acredita-se que os syrne a usavam para</p><p>navegar pelo</p><p>mar misterioso. Se for verdade, as portas para um</p><p>novo mundo poderiam se abrir.</p><p>As Cortes de Théah</p><p>De uma ponta à outra de Théah, enquanto os</p><p>camponeses dão duro nas plantações e os mercadores</p><p>fazem negócios em suas barracas, enquanto os</p><p>duelistas se posicionam e os soldados de um lado e</p><p>outro do descampado avançam, um tipo diferente de</p><p>guerra grassa nos paços deslumbrantes dos nobres</p><p>teanos. É um jogo incessante de intriga política, no</p><p>qual uma palavra fora de hora pode pôr uma província</p><p>a perder e um gesto equivocado é capaz de acabar com</p><p>uma carreira. É o mundo da política teana, e não é</p><p>nada bonito.</p><p>Montaigne, Vesten e Avalon têm as cortes mais</p><p>badaladas do momento. Seus fantásticos salões de</p><p>baile e audiência, projetados e construídos para</p><p>impressionar, permitem que nobres e convidados</p><p>tenham privacidade suficiente para se sentirem à</p><p>vontade, mas não seguros. As cortes castilhanas são</p><p>eventos sociais bem menores e ao ar livre que destacam</p><p>mais a comunhão que a conspiração. As cortes</p><p>de aisenianos e ussuranos, que não se interessam</p><p>tanto por questões internacionais, costumam ser</p><p>pequenas. As cortes de Vodacce são o palco da intriga</p><p>e da política, pomposas e extravagantes como as</p><p>montenhas, embora ligeiramente mais reservadas.</p><p>Enquanto isso, na Sarmácia, as cortes costumam se</p><p>dedicar a assuntos de estado, e não à celebração.</p><p>Participar da corte pode ser extenuante. O típico</p><p>cortesão leva de quatro a cinco horas para se vestir: as</p><p>roupas são literalmente costuradas ao redor do nobre.</p><p>Cada palaciano tem a seu serviço cinco ou seis criados</p><p>que o seguem para lá e para cá, atendendo a todos os</p><p>seus caprichos.</p><p>A moda e a conversação regem as oscilações diárias</p><p>da vida nos palácios. Todos sabem quem são as</p><p>pessoas mais bem vestidas ou mais eloquentes da</p><p>corte naquela semana, às vezes até mesmo antes</p><p>de chegarem ao paço. As tendências vêm e vão,</p><p>acompanhando as estações, e quem não faz sua</p><p>entrada vestindo o figurino correto será evitado ou</p><p>até mesmo ridicularizado por tamanha desatenção.</p><p>Um exemplo de tendência que não sai de moda</p><p>há um bom tempo é ser flagrado com um livrinho</p><p>de leitura nas mãos, seguida até mesmo por quem</p><p>não sabe ler. Os nobres analfabetos empregam</p><p>serviçais para ler os livros para eles. Alguns livros</p><p>são encadernações normais, ao passo que outros</p><p>são folhas de papel dobradas no formato “quarto”.</p><p>Contêm historietas ilustradas, hinos, excertos e contos</p><p>de fadas.</p><p>As nações recorrem aos cortesãos e embaixadores</p><p>por vários motivos, mas principalmente para prevenir</p><p>guerras. Com as ofensas constantes — e geralmente</p><p>não intencionais — que as nações andam trocando, é</p><p>praticamente essencial que os palacianos se dediquem</p><p>ativamente à busca pela paz na corte, para impedir</p><p>a deflagração de hostilidades. Naturalmente, como</p><p>prova a invasão recente de Castilha por Montaigne,</p><p>essa prática nem sempre tem êxito, mas é mantida</p><p>mesmo assim.</p><p>As outras grandes razões para manter as cortes em</p><p>Théah são exercer poder político, arranjar casamentos</p><p>e cair nas graças de outros nobres. Afinal, uma boa</p><p>O QUE É O 7° MAR?</p><p>Alguns estudiosos dizem que o sétimo mar é</p><p>uma passagem para outros mundos. Há quem</p><p>acredite que seja a pátria natal de criaturas</p><p>como os sidhe e Matushka, que esses seres</p><p>talvez tenham sido exilados do sétimo mar e</p><p>agora vivem aqui.</p><p>A descoberta da bússola alquímica abre</p><p>oportunidades sem igual para os teanos que</p><p>têm coragem suficiente para se arriscar nas</p><p>águas do sétimo mar. Haveria tesouros a</p><p>procurar? Aventuras a viver? Só o tempo dirá.</p><p>Théah’s Courts</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 99</p><p>ç</p><p>festa sempre deixa os visitantes de bom humor... e</p><p>menos propensos a arrumar confusão.</p><p>A Guilda dos Duelistas</p><p>Nos últimos cinquenta anos, os duelos se tornaram</p><p>uma grande controvérsia. Algumas nações começaram</p><p>a tomar providências para declará-los absolutamente</p><p>ilegais. Mas, no inverno de 1644, três homens —</p><p>todos proprietários de academias de esgrima — se</p><p>reuniram num aposento às escuras e assinaram</p><p>um pacto com seu próprio sangue. Abordaram os</p><p>soberanos de seus respectivos países e falaram de seu</p><p>sonho. Os monarcas aprovaram o acordo e a Guilda</p><p>dos Duelistas nasceu.</p><p>A Guilda dos Duelistas não difere muito das outras</p><p>guildas de Théah: ninguém vira ferreiro sem antes se</p><p>filiar à Guilda dos Ferreiros; ninguém vira um duelista</p><p>sem antes de filiar à Guilda dos Duelistas.</p><p>As regras dos duelos em Théah são complicadas,</p><p>mas podem ser resumidas assim:</p><p>• Somente um membro da Guilda dos</p><p>Duelistas pode desafiar alguém para um</p><p>duelo.</p><p>Em outras palavras:</p><p>• Se quiser desafiar outra pessoa para um</p><p>duelo, você precisa ser um duelista ou</p><p>contratar alguém que seja.</p><p>• Se você desafiar alguém para um duelo e não</p><p>for um duelista, as autoridades vão lhe dar</p><p>voz de prisão.</p><p>• Se alguém desafiar você para um duelo sem</p><p>ser duelista, é recomendável denunciar essa</p><p>pessoa às autoridades.</p><p>É claro que os membros da Guilda dos Duelistas</p><p>oferecem seus serviços aos nobres e outros fregueses</p><p>ricos que queiram dar satisfação à sua honra ou</p><p>resolver uma disputa. Em muitas nações, considera-se</p><p>imprescindível manter um duelista entre os</p><p>empregados, sempre disponível para se apresentar e</p><p>aceitar um desafio.</p><p>Contudo, apesar das regras, muita gente continua a</p><p>duelar ilegalmente, encontrando-se ao crepúsculo ou</p><p>antes da alvorada nos arredores da cidade para sacar</p><p>as espadas e recuperar a honra perdida. A Guilda dos</p><p>Duelistas não vê esses confrontos com bons olhos;</p><p>afinal, quem vai pagar para que seus membros duelem</p><p>se qualquer imbecil com uma espada na mão puder</p><p>ter essa honra?</p><p>A Guilda é representada por suas sedes, espalhadas</p><p>por toda a Théah. A maioria dos duelos se dá dentro</p><p>de uma sede — uma outra maneira de escapar ao</p><p>olhar vigilante da lei —, diante de testemunhas e</p><p>padrinhos. As sedes dizem não permitir duelos ilegais,</p><p>mas, pelo preço certo, pode-se arranjar alguma coisa.</p><p>O Duelo</p><p>Existem dois tipos de duelos em Théah: até o primeiro</p><p>sinal de sangue e até a morte. O duelo até o primeiro</p><p>sinal de sangue continua até um dos duelistas receber</p><p>um golpe e ser ferido. A maioria dos duelos vai até o</p><p>primeiro sinal de sangue. Somente as ofensas graves</p><p>justificam um duelo até a morte.</p><p>Como já foi dito, somente os membros da Guilda</p><p>dos Duelistas têm o direito legal de desafiar outras</p><p>pessoas para um duelo. Qualquer outro que o fizer</p><p>estará infringindo a lei e poderá esperar a visita de</p><p>um representante da guilda se a notícia do desafio se</p><p>espalhar. Muitos duelistas, porém, contentam-se em</p><p>desafiar a pessoa em nome de um nobre e deixam o</p><p>aristocrata travar o próprio duelo. Os honorários são</p><p>recolhidos da mesma maneira, o duelista não corre</p><p>risco algum e o nobre pode se bater à vontade.</p><p>Honra</p><p>O moderno conceito teano de honra vem das virtudes</p><p>clássicas da cavalaria imortalizadas pelos antigos</p><p>romances avalonianos sobre reis e cavaleiros. Esses</p><p>conceitos estão em extinção: os ideais cavalheirescos</p><p>estão prestes a ver seu último pôr do sol. Quem</p><p>ainda se apega a esses ideais acaba conhecido como</p><p>“cavalheiro”, “dama” ou, com um certo cinismo,</p><p>“romântico(a)”.</p><p>A derrocada do ideal cavalheiresco começou com um</p><p>cavaleiro montenho de nome Bastion. Na década de</p><p>1460, ele era considerado o suprassumo da cavalaria.</p><p>Era nobre e honrado, e as damas desfaleciam quando</p><p>ele lhes dirigia a palavra. Aí, certo dia, em batalha,</p><p>um camponês armado de arcabuz o atingiu nas costas</p><p>com um disparo, e ele morreu, afogado no sangue</p><p>que se infiltrou em seu pulmão perfurado. O que</p><p>The Duelist's Guild</p><p>ç</p><p>100 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>todo mundo em Théah pensou, sem que ninguém</p><p>precisasse dizer nada, foi: “A única coisa que Bastion</p><p>ganhou com tanta honra foi uma morte excruciante”.</p><p>O teano médio coloca sua vida em primeiro lugar,</p><p>depois se preocupa com amigos e familiares, e o resto que</p><p>se lixe. Não quer dizer que Théah viva mergulhada em</p><p>intrigas e tramoias, só que a maioria das pessoas tem</p><p>mais</p><p>o que fazer, como arranjar comida suficiente e garantir</p><p>que o teto não tenha goteiras. O ideal cavalheiresco é um</p><p>passatempo para os endinheirados. Merece o desprezo de</p><p>muita gente, e os românticos costumam ser rotulados de</p><p>sonhadores antiquados e incapazes de encarar a realidade</p><p>de frente.</p><p>Mas ainda resta uma esperança. Os românticos são os</p><p>únicos teanos a ainda fechar um negócio com um aperto</p><p>de mão e o empenho da palavra, em vez de exigir a</p><p>assinatura de um contrato... E só isso já deveria ganhar a</p><p>admiração dos cínicos mais irredutíveis. Há quem ainda</p><p>os veja como cavaleiros de brilhante armadura montados</p><p>em corcéis brancos, há quem ainda prefira negociar com</p><p>os poucos deles que restam.</p><p>A Palavra de Damas e Cavalheiros</p><p>A dama ou o cavalheiro não falta com a palavra dada.</p><p>Nunca. Faltar com a palavra uma vez que seja é lançar</p><p>dúvidas sobre toda e qualquer promessa que ela ou</p><p>ele fizer no futuro. Por outro lado, a boa reputação</p><p>implica que ela ou ele vale tanto quanto sua palavra: é</p><p>confiável, fidedigna(o) e admirada(o).</p><p>É por isso que ela ou ele toma muito cuidado ao</p><p>decidir quando e para quem fará uma promessa. Só um</p><p>canalha de baixa extração cobraria a promessa feita por</p><p>um cavalheiro embrigado, muito embora o cavalheiro</p><p>provavelmente fosse mantê-la de um jeito ou de outro.</p><p>O cavalheiro autêntico prefere morrer a faltar com a</p><p>palavra, pois ela é seu penhor e sua alma; alguns deles,</p><p>obrigados por promessas que acabariam destruindo</p><p>suas famílias, preferiram se suicidar a manchar a própria</p><p>honra, mas é algo que acontece raramente.</p><p>Se uma dama faltar com a palavra, as repercussões</p><p>para seu ganha-pão e estilo de vida serão desastrosas.</p><p>Os amigos não vão querer mais ser vistos ao lado dela,</p><p>será abandonada por parceiros comerciais, ou pode ser</p><p>que comecem a exigir contratos assinados para tudo</p><p>(um insulto intolerável para uma dama), e sua renda</p><p>vai minguar e desaparecer à medida que seu nome é</p><p>atirado na lama.</p><p>Muitas vezes, o cavalheiro jura sobre um objeto</p><p>que seja particularmente importante para ele, como a</p><p>espada do avô ou o medalhão da mãe. Fica implícito</p><p>que, se a promessa for quebrada, o ancestral associado</p><p>ao objeto ficará sabendo.</p><p>Reputação</p><p>A reputação de um cavalheiro é seu bem mais</p><p>precioso. Ele fará de tudo para não deixar que seja</p><p>manchada. Quem sujar o bom nome dele pode esperar</p><p>um desafio para um duelo até o primeiro sinal de</p><p>sangue; quem o desonrar publicamente, um duelo até</p><p>a morte. A palavra dele está ligada à sua reputação, e, o</p><p>mal que se faz a uma, afeta também a outra. Portanto,</p><p>acusar um cavalheiro de mentir é manchar seu bom</p><p>nome, ao passo que acusá-lo de mentir em público</p><p>equivale a desonrá-lo.</p><p>CALENDÁRIO</p><p>O calendário teano é parecido com o da</p><p>Europa: um ano de doze meses, semanas de</p><p>sete dias, dias de 24 horas e horas de sessenta</p><p>minutos. É aí que as semelhanças terminam.</p><p>Os dias da semana são soldi, veldi, amordi,</p><p>terdi, guerdi, redi e voltadi.</p><p>O mês teano tem exatos trinta dias. O 15° e</p><p>o 30° são dias de festa e celebram a obra, a</p><p>sabedoria e a misericórdia do Criador.</p><p>O calendário teano original tinha dez meses</p><p>de 36 dias, mas o acréscimo de outros dois</p><p>meses levou à redução para trinta dias. Os dois</p><p>meses novos foram batizados em homenagem</p><p>a personalidades importantes da história da</p><p>Velha República — o imperator Corantino</p><p>e Julius Caius — e introduzidos antes do</p><p>sétimo mês.</p><p>Os doze meses são primus, secundus, tertius,</p><p>quartus, quintus, sextus, julius, corantino,</p><p>septimus, octavus, nonus e decimus.</p><p>O ano de Théah se divide em quatro estações</p><p>(primavera, verão, outono e inverno), cada qual</p><p>com três meses de duração. No fim do ano,</p><p>a Missa dos Profetas — uma celebração que</p><p>chega a durar cinco ou seis dias — preenche</p><p>os dias que faltam.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 101</p><p>ç</p><p>A Igreja Vaticinista dos Profetas</p><p>“O Criador nos envolve; Sua face</p><p>se esconde em Suas obras.”</p><p>— O Livro dos Profetas, Volume I, Versículo Sete</p><p>A Igreja Reformada dos Vaticínios (“vaticínio”</p><p>significa “profecia”, por isso também é chamada de</p><p>“Igreja dos Profetas”) é uma das organizações mais</p><p>poderosas e influentes de Théah. Como seu poder</p><p>vem da gente comum — e dos nobres que respaldam</p><p>seu credo —, a Igreja dos Vaticínios e seu rebanho são</p><p>uma força considerável. Começando com o primeiro</p><p>Profeta que recriminou a Velha República tempos</p><p>atrás, ela reuniu o próprio exército, desenvolveu um</p><p>sistema educacional e fomentou boa parte dos avanços</p><p>tecnológicos e filosóficos do mundo.</p><p>Contudo, a Igreja tem recebido críticas duras nos</p><p>últimos tempos. Acusações de corrupção e cobiça</p><p>levaram muita gente a duvidar da autoridade e até</p><p>mesmo da veracidade da instituição. O Movimento</p><p>Objecionista que começou em Eisen há mais de</p><p>cem anos mudou a Igreja para sempre; quase um</p><p>terço de seu rebanho foi procurar a orientação dos</p><p>objecionistas. A Igreja vive tempos difíceis, mas</p><p>muita gente dentro da organização concordaria que</p><p>ela é a causa de seus próprios problemas e que estes</p><p>poderiam ter sido evitados se os cardeais não tivessem</p><p>feito ouvidos moucos.</p><p>A Mensagem e o Mensageiro</p><p>A mensagem da Igreja dos Vaticínios é simples.</p><p>O Criador deu à humanidade um enigma para</p><p>desvendar: o mundo. Quanto mais perto a raça</p><p>humana chegar de solucionar o enigma, mais perto</p><p>estará de entender a mente do Criador.</p><p>Credo</p><p>Logo depois da morte do Primeiro Profeta, o</p><p>imperador Corantino adotou a fé nos Profetas como a</p><p>religião oficial de seu império. Ele também exigiu que</p><p>se estabelecesse um “credo”, uma declaração unívoca de</p><p>fé. Em 325 AV, o Concílio Corantino criou esse credo</p><p>e o apresentou ao imperador. Ele ficou satisfeito.</p><p>O credo consiste em seis Cláusulas de Fé, princípios</p><p>que todos os crentes tomam como verdadeiros. Os</p><p>fiéis memorizam as cláusulas e as recitam durante a</p><p>missa e em todas as outras atividades da Igreja. Para</p><p>entender a Igreja, é preciso entender seu credo.</p><p>Cláusula Primeira: Um Só Deus Verdadeiro</p><p>Acreditamos em um só Deus verdadeiro, o</p><p>Criador Todo-Poderoso, Autor do Paraíso, do</p><p>Mundo e de todas as coisas visíveis e invisíveis.</p><p>A Primeira Cláusula declara que existe apenas um</p><p>Criador verdadeiro: Theus, o Autor do Universo. Os</p><p>fiéis não podem crer em outros deuses ou poderes,</p><p>nem recorrer à feitiçaria (que a Igreja declarou vir de</p><p>Legião, o Grande Adversário). Usar feitiçaria é aceitar</p><p>outros poderes além do Criador, uma heresia que só</p><p>pode acabar com a morte e a incineração do corpo</p><p>corrompido do culpado.</p><p>The Vaticine Church of the Prophets</p><p>ç</p><p>102 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Cláusula Segunda: Uma Só Fé</p><p>Acreditamos em uma só santa e profética Igreja.</p><p>Se há apenas um Deus verdadeiro, só pode haver uma</p><p>Igreja verdadeira: a Igreja dos Vaticínios. Em outras</p><p>palavras, somente os rituais prescritos pelos Profetas</p><p>são sacramentados pelos Profetas e, portanto, pelo</p><p>Criador. Quem segue os ritos e a doutrina da Igreja</p><p>estará nos exércitos do Profeta no fim do mundo.</p><p>Todas as outras igrejas são religiões falsas, mentiras</p><p>enganosas que conduzem a alma não ao Paraíso, mas</p><p>ao Abismo.</p><p>Cláusula Terceira: o Primeiro Profeta</p><p>E em seu Profeta, que deu a conhecer ao homem</p><p>a mensagem do Criador, para sua salvação; que</p><p>previu o advento de três outros Profetas; que</p><p>se entregou aos inimigos e foi martirizado em</p><p>nosso nome no tempo de Augustin Lauren.</p><p>O Primeiro Profeta é a chave do credo da Igreja. Foi</p><p>ele quem o Criador incumbiu de levar sua mensagem</p><p>ao mundo, foi ele quem divulgou a profecia dos três</p><p>que ainda viriam, e foi ele quem falou dos prodígios</p><p>que os três fariam, “continuando sua obra em nome</p><p>de Theus”. Ele reuniu seguidores, os primeiros santos,</p><p>que chegaram ao estado de iluminação por meio da</p><p>razão, e ao lado deles pregou que a salvação só é</p><p>possível se a pessoa aceitar o próximo (até mesmo</p><p>quando o próximo foi maculado pela magia). E, por</p><p>fim, foi ele quem — nas mãos de feiticeiros perversos</p><p>e seus soberanos corruptos — se deixou consumir</p><p>pelas chamas ferozes</p><p>do ódio e do medo.</p><p>Cláusula Quarta: o Segundo Profeta</p><p>E no Segundo Profeta, que portava um cajado;</p><p>que deu a conhecer a mensagem do Criador e</p><p>libertou os homens do mal; e foi traído por quem</p><p>não tinha fé e martirizado em nosso nome.</p><p>O Segundo Profeta veio do que hoje é o infiel Império</p><p>da Lua Crescente, alegando ter sido enviado por</p><p>Theus numa peregrinação. Duvidaram dele, tanto por</p><p>fazer tal alegação quanto pela cor de sua pele, mas</p><p>ele deixou perplexos aqueles que se opuseram à sua</p><p>missão e indefesos todos os feiticeiros que confrontou.</p><p>E foi ele — afirmando que seu rebanho se deixara</p><p>escravizar pela pátria — quem os conduziu de volta</p><p>ao deserto, apenas para ser traído e assassinado por</p><p>seus irmãos de sangue.</p><p>Cláusula Quinta: o Terceiro Profeta</p><p>E no Terceiro Profeta, que portava uma espada de</p><p>fogo imaculado; que deu a conhecer a mensagem</p><p>do Criador; separou os justos dos iníquos; e</p><p>abriu caminho para aquele que ainda virá.</p><p>O Terceiro Profeta nasceu numa época atribulada,</p><p>quando o mundo se preparava para o conflito</p><p>iminente. Diferente de seus predecessores, porém, ele</p><p>não demonstrava compreensão nem tolerância pelos</p><p>crimes do mundo, surgiu das fileiras da nobreza e</p><p>devolveu-lhe o desafio, tornou-se a faísca que haveria</p><p>de deflagrar uma guerra religiosa. Transferiu a sede da</p><p>Igreja de Vodacce para Castilha e mudou o modo de</p><p>pensar em todo o mundo com apenas um ato decisivo,</p><p>desfazendo a harmonia da Igreja.</p><p>Cláusula Sexta: o Último Profeta</p><p>E no Quarto Profeta, que há de portar uma</p><p>ampulheta perfeita; que será anunciado por</p><p>trombetas; e os mortos hão de despertar,</p><p>e ele há de reinar nos mundos visível</p><p>e invisível para todo o sempre.</p><p>A humanidade inevitavelmente descobrirá que há um</p><p>terrível tributo a pagar no fim dos tempos. O Quarto</p><p>Profeta trará o Armagedom e lançará o mundo numa</p><p>batalha cósmica pelas almas humanas. Seu beijo será</p><p>um sopro de vida a percorrer o mundo, seu exército</p><p>virá das fileiras dos já falecidos. E ele conduzirá a</p><p>todos, através da morte, da fúria e do conflito, para</p><p>uma nova era de verdade e glória fulgurantes, na qual</p><p>o destino nos pertence, e os fiéis viverão belamente a</p><p>serviço de Theus para todo o sempre.</p><p>Organização</p><p>Desde a fundação da Igreja dos Vaticínios pelo</p><p>Primeiro Profeta, a administração recorre ao número</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 103</p><p>ç</p><p>dez para dividir todos os estratos de sua hierarquia.</p><p>Nações inteiras foram divididas em distritos religiosos,</p><p>mesmo que não correspondam necessariamente</p><p>aos distritos políticos, e são governadas por uma</p><p>autoridade designada pela Igreja.</p><p>A Igreja</p><p>É possível encontrar uma igreja em toda e qualquer</p><p>região de Théah que reconheça os Profetas. Na</p><p>verdade, desde a Declaração de Deferência do Terceiro</p><p>Profeta em 1267, “há de se considerar toda sociedade</p><p>destituída da bênção de um local de adoração ao</p><p>Criador desprovida também da bênção de Sua Igreja”,</p><p>e, portanto, geralmente a primeira edificação de uma</p><p>nova vila é uma igreja.</p><p>A igreja é o centro da comunidade: um fórum para</p><p>os magistrados, um salão para as assembleias do</p><p>vilarejo e o centro de uma grande variedade de festas</p><p>e celebrações nos dias santos. É um refúgio para os</p><p>carentes, um hospital para os enfermos e um santuário</p><p>para aqueles que alegam ter percebido seus erros</p><p>de conduta.</p><p>A administração de uma dessas igrejas cabe ao</p><p>sacerdote ordenado com mais tempo de serviço. O</p><p>sumo sacerdote, eleito pelo corpo de sua própria</p><p>igreja, formado por seus colegas e pela congregação,</p><p>representa a igreja no Conselho Paroquial.</p><p>A Paróquia</p><p>Na administração eclesiástica, o menor distrito é a</p><p>paróquia. É formada por dez igrejas bem próximas</p><p>e regida por um monsenhor, que a representa</p><p>no Conselho da Diocese e é eleito entre os sumo</p><p>sacerdotes de sua paróquia.</p><p>A Diocese</p><p>No sistema vaticinista, o patamar seguinte é a</p><p>diocese. Cada diocese é formada por dez paróquias</p><p>e governada por um bispo, que também é eleito em</p><p>sua diocese.</p><p>A Arquidiocese</p><p>O segundo distrito mais elevado e poderoso da Igreja</p><p>dos Vaticínios é a arquidiocese. Cada um desses</p><p>distritos imensos é composto de dez dioceses e regido</p><p>por um arcebispo, que representa seu distrito no</p><p>Conselho Hierático. O conselho de arcebispos escolhe</p><p>dez de seus integrantes para servirem como cardeais,</p><p>representando sua própria arquidiocese e, além disso,</p><p>mantendo um presbitério na Cidade dos Vaticínios.</p><p>O Hieros</p><p>Com exceção do Profeta, o líder mais poderoso da</p><p>Igreja dos Vaticínios é o hierofante, e a Igreja dos</p><p>Profetas como um todo é conhecida como o Hieros.</p><p>O hierofante é escolhido pelos cardeais — dentre os</p><p>arcebispos que têm cadeira no Conselho Hierático —</p><p>para servir à Igreja num cargo vitalício de liderança</p><p>virtuosa. A autoridade mais alta da Igreja reside na</p><p>Cidade dos Vaticínios, situada na costa sudeste de</p><p>Castilha desde meados do século XIII.</p><p>O cargo de hierofante é exaustivo. E, por isso,</p><p>o hierofante tradicionalmente recorre aos sábios</p><p>conselhos de seus cardeais. Também é tradição o</p><p>hierofante visitar — ano sim, ano não — uma das</p><p>cortes dos Monarcas Vaticinistas (o rei Sandoval ou</p><p>um dos príncipes vodatianos) durante o verão.</p><p>Até a época do Terceiro Profeta, antes de se mudar</p><p>para Castilha no século XIII, a sede da Igreja</p><p>dos Vaticínios ficava em Vodacce e a maioria dos</p><p>hierofantes vinha de lá. No momento, o cargo de</p><p>hierofante está vago. A última mulher a deter o título</p><p>foi assassinada por um desconhecido.</p><p>Cargos na Igreja</p><p>Os cargos hierárquicos da Igreja dos Vaticínios (de</p><p>monsenhor em diante) são preenchidos pelo voto de</p><p>um conselho de iguais de cada distrito. O mandato</p><p>é vitalício, ou até o momento em que a autoridade</p><p>eclesiástica decide que a aposentadoria é preferível</p><p>a perecer no cargo. As autoridades eclesiásticas</p><p>aposentadas voltam a seus afazeres como sacerdotes</p><p>na igreja do vilarejo onde começaram suas carreiras</p><p>religiosas. A Igreja dos Vaticínios acredita na igualdade</p><p>dos sexos e a promove; seus títulos, portanto, são</p><p>independentes de gênero. Não existem “sacerdotisas”</p><p>ou coisas assim, apenas sacerdotes femininos.</p><p>Ritos</p><p>São inúmeros os ritos praticados regularmente pelos</p><p>sacerdotes da Igreja dos Profetas. Seguem-se os</p><p>mais comuns.</p><p>ç</p><p>104 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Missa</p><p>Trata-se da típica congregação dos fiéis no interior de</p><p>uma igreja para orar em público. A maioria das igrejas</p><p>ainda celebra a missa em teano antigo, mas algumas</p><p>nações (particularmente Eisen e Avalon) traduziram</p><p>os hinos e responsórios para suas línguas vernáculas.</p><p>Batismo</p><p>Na Igreja dos Profetas, o batismo se dá aos dez anos</p><p>de idade. A criança faz uma prova oral que avalia sua</p><p>compreensão das sagradas escrituras. A reprovação</p><p>leva a um período de graça de um ano — o chamado</p><p>“diferimento” — para permitir que a criança continue</p><p>a estudar até passar na prova.</p><p>Ordenação</p><p>Assim como o batismo, entrar para o sacerdócio exige</p><p>uma prova oral. Como seria de esperar, o exame é</p><p>difícil, e a reprovação leva a um diferimento de três</p><p>anos até que o candidato possa fazer nova tentativa. Se</p><p>voltar a ser reprovado, o estudante não terá permissão</p><p>para tentar uma terceira vez.</p><p>Matrimônio</p><p>Considera-se o matrimônio um contrato social</p><p>firmado diante de Theus pela Igreja dos Vaticínios.</p><p>O casal unido pelo matrimônio aceita defender a</p><p>doutrina do Criador e providenciar uma nova geração</p><p>para fazer a mesma coisa. Os sacerdotes podem se</p><p>casar, mas seus futuros consortes precisam ser</p><p>membros batizados da religião.</p><p>Tomos</p><p>São dois os livros fundamentais utilizados pela Igreja</p><p>dos Profetas. O primeiro é o Breviário Vaticinista, que</p><p>esmiúça os protocolos, procedimentos, hinos e ritos da</p><p>religião. O segundo é o Livro dos Profetas, formado</p><p>por quatro vigílias, uma para cada um dos Profetas</p><p>que já vieram, outra para o Último, que foi entregue</p><p>diretamente ao Terceiro e supostamente documenta</p><p>o fim do mundo.</p><p>Filosofia Eclesiástica</p><p>Uma igreja gnóstica como a vaticinista difere</p><p>ligeiramente das modernas religiões europeias:</p><p>não</p><p>se preocupa com a fé, mas — como o nome sugere</p><p>— se deixa fascinar pelo conhecimento. No que diz</p><p>respeito à Igreja, é o conhecimento, e não a fé, que</p><p>nos aproxima do Criador, pois compreender Suas</p><p>obras nos deixa entrever os segredos do Universo. Eis</p><p>algumas das questões filosóficas mais discutidas do</p><p>atual estatuto vaticinista:</p><p>Determinismo ou Livre-Arbítrio</p><p>O grande conflito que hoje tem lugar nas</p><p>universidades eclesiásticas é o debate entre os</p><p>deterministas e aqueles que acreditam num novo</p><p>conceito chamado “livre-arbítrio”. O determinismo</p><p>— na época em questão — é a teoria de que todas</p><p>as decisões tomadas pela humanidade já foram</p><p>predeterminadas por Theus.</p><p>Por outro lado, muitos estudiosos argumentam que é</p><p>forçoso a humanidade ter uma opção. Não questionam</p><p>a lógica do determinismo, e sim a importância do</p><p>indeterminismo. “Se não é dado ao homem escolher”,</p><p>argumentou uma acadêmica, “então a natureza, em sua</p><p>totalidade, é uma força impessoal e indiferente, e não</p><p>o patriarca de nossas representações”. Trata-se de um</p><p>debate acalorado entre os estudiosos, e é improvável</p><p>que venha a se resolver num futuro próximo.</p><p>Amor Romântico</p><p>A Igreja reconhece o amor como conceito, mas não o</p><p>amor sobre o qual escrevem os poetas. Um homem</p><p>deve amar o próximo, seja ele quem for. Um homem</p><p>deve amar a esposa, seja ela quem for. Uma esposa</p><p>deve amar o marido, seja ele quem for. O amor se</p><p>dedica a toda a raça humana, e não a uma só pessoa. O</p><p>amor sobre o qual escrevem os românticos não passa</p><p>de luxúria, uma emoção vil.</p><p>Mas os românticos cantam um novo tipo de amor,</p><p>o amor entre duas pessoas que ninguém mais pode</p><p>sentir, compartilhar nem compreender. É fogo que se</p><p>acende sem motivo e arde para sempre.</p><p>O amor é tão impessoal quanto diz a Igreja, ou</p><p>seria, como afirmam os poetas, a fusão de duas almas?</p><p>Existe Amor Verdadeiro e, se houver, será que alguém</p><p>realmente já sucumbiu a seus encantos?</p><p>A Inquisição</p><p>A Inquisição é uma ordem discreta no seio da Igreja,</p><p>criada pelo Terceiro Profeta logo após sua ascensão ao</p><p>poder e encarregada de caçar e destruir a feitiçaria. Os</p><p>inquisidores respondiam apenas ao hierofante e era</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 105</p><p>ç</p><p>imensa sua autoridade sobre as normas eclesiásticas.</p><p>Esperava-se que os vaticinistas colaborassem com</p><p>eles de todas as maneiras. Graças ao empenho dos</p><p>inquisidores, a feitiçaria na porção civilizada de Théah</p><p>continuou clandestina durante séculos.</p><p>Felizmente, eram refreados pelo hierofante. Líder após</p><p>líder, todos vigiavam de perto a Inquisição, restringindo</p><p>seus quadros e garantindo que seu poder nunca fugisse</p><p>ao controle. Os inquisidores de ambições excessivas eram</p><p>discretamente removidos de seus cargos, e isso manteve</p><p>a ordem concentrada em seus deveres, e não em tentar</p><p>controlar a Igreja.</p><p>Com o passar dos séculos, a Igreja foi ficando mais</p><p>conservadora e deu à Inquisição maior liberdade de ação</p><p>no cumprimento de suas tarefas. Essa tendência chegou</p><p>ao auge quando a atual hierofante foi assassinada. Hoje</p><p>a Inquisição não responde a ninguém e só poderá ser</p><p>contida quando um novo hierofante for escolhido.</p><p>O cardeal Esteban Verdugo não tardou a tomar o poder,</p><p>ampliando os objetivos da Inquisição e preenchendo suas</p><p>fileiras com fanáticos. Declararam guerra às universidades</p><p>de Théah: queimaram livros e enforcaram os docentes que</p><p>resistiram. Seus inimigos foram sequestrados e executados</p><p>como hereges; muitos que talvez fizessem oposição aos</p><p>inquisidores estão amedrontados demais para tomar</p><p>uma atitude. No intervalo de uma década, eles passaram</p><p>a dominar as atividades da Igreja.</p><p>Organização e Métodos</p><p>A Inquisição se organiza em torno de um pequeno</p><p>grupo de “inquisidores-mores”: sacerdotes e bispos</p><p>incumbidos de cumprir os éditos do Terceiro Profeta.</p><p>Eles respondem ao cardeal Verdugo e empregam</p><p>um séquito desconcertante de assistentes, lacaios e</p><p>contatos, que eles controlam por meio de lealdade,</p><p>temor e chantagem. Aqueles que se envolvem de livre</p><p>e espontânea vontade nos assuntos da Inquisição</p><p>podem receber, se quiserem, o título de “inquisidor”,</p><p>um posto abaixo dos inquisidores-mores que</p><p>os comandam.</p><p>Já que a ordem é ostensivamente secreta, inquisidores</p><p>e inquisidores-mores têm cargos normais na Igreja,</p><p>como sacerdotes comuns ou agentes laicos da autoridade</p><p>vaticinista. Seus alvos são os hereges: estudiosos, feiticeiros,</p><p>objecionistas e quem mais questionar as diretrizes da</p><p>Igreja. Depois de reunirem indícios suficientes, eles</p><p>ç</p><p>106 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>atacam sem aviso, recorrendo à surpresa e ao terror para</p><p>manter o alvo confuso. Atacam à noite, se possível, e</p><p>sempre garantem que as autoridades locais não tenham</p><p>como intervir. As vítimas são enforcadas imediatamente,</p><p>ou então queimadas, quando os inquisidores têm tempo.</p><p>Experimentos, livros e anotações também são incinerados.</p><p>Aí os inquisidores desaparecem por completo, deixando</p><p>avisos enigmáticos junto aos corpos.</p><p>A Inquisição detém maior poder em Castilha, a</p><p>única Nação onde ela pode circular livremente entre os</p><p>povo, sem precisar esconder seu verdadeiro propósito.</p><p>Outras nações exigem mais discrição. Os inquisidores</p><p>montenhos usam os camponeses — que ainda são em</p><p>grande parte vaticinistas — para encobrir suas manobras</p><p>contra a nobreza herege. O caos em Eisen facilita suas</p><p>operações num país tão alquebrado, mas eles precisam</p><p>evitar as forças dos Eisenfürsten avessos ao fanatismo</p><p>religioso. Vodacce, apesar de perigosa, vive enredada em</p><p>lutas políticas internas que a Inquisição pode aproveitar.</p><p>Há poucos inquisidores em Avalon, na Comunidade</p><p>Sarmática, em Ussura ou Vesten. Todas essas nações são</p><p>hostis ao fanatismo vaticinista.</p><p>Duas forças se opõem à Inquisição no momento: a</p><p>sociedade secreta conhecida como Colégio Invisível e o</p><p>justiceiro misterioso chamado el Vagabundo. Até agora,</p><p>eles conseguiram impedir que Verdugo cometesse os</p><p>piores crimes, mas, a menos que um novo hierofante</p><p>seja escolhido muito em breve, todo esse esforço só fará</p><p>atrasá-lo.</p><p>A Reforma Objecionista</p><p>Em octavus de 1517, um monge de 28 anos foi</p><p>até a porta de seu bispo e ali pregou um pedaço de</p><p>papel. Não foi um ato inusitado: havia outros papéis</p><p>pregados à porta, listas de temas que os monges</p><p>gostariam de discutir no fim da semana. Mas aquele</p><p>era diferente. O autor se chamava Mattias Lieber</p><p>e, cinco anos depois, seu nome seria conhecido no</p><p>mundo todo.</p><p>O papel de Lieber continha uma lista de perguntas</p><p>provocadoras que contestavam toda e qualquer ideia de</p><p>autoridade eclesiástica e pedia uma reforma geral e uma</p><p>mudança fundamental na filosofia vaticinista. Lieber</p><p>denunciou seus colegas diante do hierofante, exigindo uma</p><p>explicação para “a decadência e os crimes injustificáveis da</p><p>Igreja”. O hierofante excomungou Lieber ali mesmo e o</p><p>sentenciou à morte, mas ele foi retirado clandestinamente</p><p>de Castilha pelo rei Franz II e voltou a Eisen.</p><p>Na segurança de sua pátria, Lieber utilizou um</p><p>invento recente, a imprensa, para disseminar a novidade.</p><p>Também traduziu o Livro dos Profetas para o baixo-</p><p>aiseniano e distribuiu exemplares em todo o país. Graças</p><p>a seu empenho, um novo movimento religioso chamado</p><p>objecionismo foi se espalhando aos poucos, primeiro</p><p>em Eisen e dali para o mundo todo. Em poucos anos,</p><p>chegaria a todos os cantos da Théah civilizada.</p><p>Filosofia Objecionista</p><p>O objecionismo adota os mesmos ideais básicos do</p><p>vaticinismo, com algumas diferenças cruciais. A Igreja</p><p>não é mais o árbitro que se coloca entre Theus e a</p><p>humanidade: ninguém pode mediar nem “filtrar” os</p><p>ensinamentos do Criador. Theus é onipresente e,</p><p>portanto, não precisa de uma instituição humana</p><p>para interpretar Sua vontade. Os sacerdotes não</p><p>podem absolver os pecados: trata-se de algo que</p><p>somente Theus pode fazer. A Igreja não faz milagres:</p><p>só Theus é milagroso. Portanto, a humanidade deve</p><p>pedir absolvição e orientação diretamente a Theus, e</p><p>não esperar que a Igreja faça isso por ela.</p><p>Pode-se fazer isso lendo-se o Livro dos</p><p>Profetas e</p><p>colocando-se o que se lê em prática. Pode-se expressar</p><p>a fé por meio da caridade, do trabalho árduo e da</p><p>assistência dispensada a quem precisa de ajuda. “Theus”,</p><p>escreveu Lieber, “concedeu a todas as criaturas uma</p><p>certa medida de Sua graça, que nós temos a obrigação</p><p>de usar para promover Sua boa obra”. A Igreja, nessa</p><p>conjuntura, pode ser uma facilitadora, mas não pode</p><p>reivindicar autoridade absoluta nem se colocar entre</p><p>Theus e o indivíduo.</p><p>Organização e Estrutura</p><p>O objecionismo segue aproximadamente a mesma</p><p>estrutura organizacional do vaticinismo, mas</p><p>existem menos cargos e sua autoridade é menor.</p><p>Os sacerdotes são chamados de “capelães”, e cada</p><p>um deles supervisiona uma igreja. Os “diáconos” são</p><p>capelães mais experientes que coordenam vinte igrejas</p><p>cada um. Acima dos diáconos estão os “apóstolos”,</p><p>que coordenam as atividades eclesiásticas de uma</p><p>província ou Nação inteira. Eles formam o ramo mais</p><p>alto da religião e, ao todo, são 25. Nenhum apóstolo</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 107</p><p>ç</p><p>manda nos outros e todos são considerados iguais</p><p>aos olhos da Igreja. Os apóstolos são eleitos pelos</p><p>diáconos, que também podem removê-los do cargo</p><p>com uma moção de censura.</p><p>Não existem dioceses, bispos nem hierofante.</p><p>Os capelães não podem absolver pecados nem</p><p>declarar hereges. Jejuns, peregrinações e milagres são</p><p>desnecessários. O batismo se dá aos sete anos de idade e</p><p>a criança não precisa passar numa prova. As obrigações</p><p>oficiais de um capelão são bem limitadas — celebrar a</p><p>missa, supervisionar matrimônios e administrar os ritos</p><p>fúnebres —, mas espera-se que ele ou ela dê o exemplo</p><p>para sua congregação. Espera-se que os sacerdotes</p><p>objecionistas, quando não estão espalhando a palavra,</p><p>trabalhem em universidades e hospitais para melhorar</p><p>a vida das pessoas.</p><p>Nem é preciso dizer que o vaticinismo não se bica</p><p>com a nova religião. Nos cem anos que se seguiram aos</p><p>ensinamentos de Lieber, as tensões entre as duas seitas</p><p>aumentaram até irromperem na Guerra da Cruz. Após</p><p>trinta anos de carnificina, os teanos chegaram à conclusão</p><p>inevitável de que o continente continuará dividido para</p><p>sempre entre o objecionismo e o vaticinismo.</p><p>As Nações e suas Religiões</p><p>Toda Nação tem um relacionamento complicado com a fé e</p><p>a religião. Nada é preto no branco. Se você procura respostas</p><p>claras, saiba que não vai encontrá-las. Os alicerces da fé e da</p><p>religião são feitos de exceções, e não de regras.</p><p>Avalon</p><p>Em 1554, o rei “se recusou a deixar a Igreja de Castilha</p><p>governar Avalon”, livrou-se do controle vaticinista e</p><p>fundou a Igreja de Avalon. Elaine também assumiu essa</p><p>responsabilidade, o que faz dela a autoridade suprema</p><p>em todas as questões espirituais e o equivalente</p><p>eclesiástico do hierofante. Inismore e as Terras</p><p>Altas, por outro lado, são muito mais tradicionais e</p><p>apresentam uma mescla de vaticinismo e objecionismo.</p><p>Castilha</p><p>Não há Nação mais devota ao vaticinismo que</p><p>Castilha, a sede da Igreja dos Profetas. Todo</p><p>castilhano vai à missa pelo menos uma vez por</p><p>semana, e os poucos objecionistas do país são bem</p><p>discretos quanto à sua denominação religiosa.</p><p>Comunidade Sarmática</p><p>A Comunidade Sarmática mistura ensinamentos</p><p>vaticinistas com o antigo paganismo. Muitos</p><p>dos deuses antigos hoje são considerados santos</p><p>ou demônios nas regiões mais civilizadas da</p><p>Comunidade, mas, nas áreas rurais, esses “santos e</p><p>demônios” aparecem de vez em quando, o que não</p><p>deixa muito espaço para erros de interpretação.</p><p>Eisen</p><p>Durante quase um século, metade de Eisen foi</p><p>vaticinista e a outra metade, objecionista. A Guerra</p><p>da Cruz nasceu da intolerância religiosa... O conflito</p><p>só fez agravar a ferida. Hoje, a maioria dos aisenianos</p><p>vaticinistas abandonou a Nação, deixando as questões</p><p>de fé aos cuidados dos objecionistas.</p><p>Montaigne</p><p>Montaigne se divide entre os camponeses, que são</p><p>vaticinistas devotos, e a nobreza, que vem rejeitando</p><p>consistentemente a autoridade da Igreja. A hierofante</p><p>anterior excomungou o país inteiro antes de morrer,</p><p>mas muitas igrejas ainda estão ativas em Montaigne,</p><p>atendendo aos camponeses que buscam consolo na fé</p><p>vaticinista, tratada com tamanha indiferença por um</p><p>homem que pensa ser um deus.</p><p>Ussura</p><p>A Igreja Ortodoxa Ussurana segue apenas os</p><p>ensinamentos do Primeiro Profeta. Ora, se o Primeiro</p><p>Profeta já tinha razão, por que precisaríamos de um</p><p>segundo e de um terceiro? A Igreja dos Vaticínios, por</p><p>outro lado, está pouco se lixando para o que um país</p><p>de bárbaros atrasados acredita ou deixa de acreditar.</p><p>Vestenmennavenjar</p><p>O povo de Vestenmennavenjar ainda se apega a sua</p><p>antiga religião pagã, mas o vaticinismo fez algum</p><p>progresso no país. Não muito, quem sabe um começo.</p><p>Os vesteneses dão dinheiro para as catedrais e missões</p><p>objecionistas, mas ninguém sabe exatamente o que</p><p>eles esperam ganhar com esses investimentos.</p><p>Vodacce</p><p>Vodacce foi, é e sempre será vaticinista.</p><p>ç</p><p>108 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Conhecimento</p><p>Com a ajuda da Igreja dos Vaticínios, os teanos estão</p><p>um pouco à frente do ponto em que nosso progresso</p><p>tecnológico se encontrava em meados do século XVII.</p><p>Os últimos dez anos da história teana produziu</p><p>uma série impressionante de avanços científicos: o</p><p>microscópio, o telescópio refletor, o conhecimento</p><p>da anatomia humana e descobertas assombrosas nos</p><p>campos da astronomia, física e química.</p><p>Infelizmente, com a ascensão da Inquisição ao</p><p>poder, esses progressos correm o risco de desaparecer.</p><p>A Inquisição alega que a era do conhecimento já</p><p>passou e que os teanos devem se preparar para o</p><p>fim do mundo, em vez de se meter com curiosidades</p><p>científicas inúteis. Pode ser que o progresso sucumba</p><p>à fogueira se ninguém impedir os inquisidores.</p><p>Arqueologia</p><p>No momento, a tecnologia arqueológica se limita a</p><p>pás, pincéis, pesquisas históricas e caderninhos. Os</p><p>teanos são perfeitamente capazes de desenhar as</p><p>coisas que descobrem em escavações arqueológicas</p><p>espalhadas pelo continente e estão, aos poucos,</p><p>começando a entender esses objetos. Mas artefatos</p><p>importantes muitas vezes são destruídos por acidente</p><p>ou roubados para figurar mais tarde na parede de um</p><p>colecionador particular. Os arqueólogos sonham</p><p>em dividir suas descobertas com o resto de Théah e</p><p>aprofundar o conhecimento que se tem da pré-história</p><p>do continente.</p><p>Arquitetura e Construção</p><p>Os teanos são capazes de executar proezas</p><p>arquitetônicas impressionantes. Não sabem</p><p>construir uma autopista, uma ponte pênsil nem</p><p>um arranha-céu, mas ergueram cidades belíssimas</p><p>e catedrais enormes que chegam aos 120 metros de</p><p>altura. Dominam o segredo da fabricação do concreto,</p><p>mas faltam-lhes as instalações de produção em massa</p><p>necessárias para usá-lo em grande escala. Suas ruas</p><p>são pavimentadas com paralelepípedos, os telhados</p><p>muitas vezes são cobertos com folhas de flandres,</p><p>e suas janelas, pelo menos nas cidades maiores,</p><p>geralmente são feitas de vidro.</p><p>Astronomia</p><p>Os teanos entendem que seu mundo, Terra, é uma</p><p>esfera que orbita o sol (chamado Solas) e é orbitada</p><p>pela lua. Além disso, já descobriram outros cinco</p><p>planetas que também giram em torno do mesmo</p><p>sol. Pode haver mais deles, mas seus telescópios são</p><p>primitivos demais para divisá-los.</p><p>Os teanos sabem o tamanho de Terra com uma</p><p>margem de erro de um por cento e conseguem</p><p>prever eclipses solares e lunares. Faz um século que</p><p>Théah conhece o telescópio, mas, há alguns meses</p><p>(1668), um astrônomo castilhano chamado Álvaro</p><p>Arciniega construiu o primeiro telescópio refletor.</p><p>E o invento permitiu aos teanos investigar os céus</p><p>muito mais longe do que até então. Com o auxílio do</p><p>Colégio Invisível, Arciniega apresentou sua invenção</p><p>Knowledge</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 109</p><p>ç</p><p>à comunidade científica e espera refiná-la ainda mais</p><p>no futuro.</p><p>Química</p><p>A química brotou recentemente de suas raízes</p><p>místicas na alquimia (apesar de que, em Théah, a</p><p>alquimia talvez tenha um fundo de verdade). Um</p><p>avaloniano chamado Jeremy Cook escreveu O</p><p>Químico Racional em 1661, que estabeleceu uma</p><p>disciplina</p><p>mais rigorosa baseada no método científico.</p><p>Hoje restam apenas alguns alquimistas praticantes,</p><p>pois a maioria passou a se dedicar à nova ciência da</p><p>química. Em 1662, Cook criou a primeira bomba de</p><p>ar, um ato que deveria ter provado a existência do</p><p>ar. Infelizmente, àquela altura, a Inquisição estava</p><p>chegando ao poder, e Cook foi morto com um tiro por</p><p>causa de sua pesquisa herética. Sua obra sobreviveu</p><p>apenas graças ao esforço do Colégio Invisível.</p><p>Matemática</p><p>Os matemáticos teanos desvendaram os mistérios</p><p>da álgebra, trigonometria, geometria e do zero.</p><p>Não conhecem o cálculo, mas é só uma questão de</p><p>tempo. A probabilidade ainda não é uma disciplina</p><p>rigorosa e, como disse o próprio Verdugo, “somente os</p><p>apostadores estariam interessados em seus resultados”.</p><p>Medicina</p><p>Os médicos teanos são bem mais avançados que</p><p>nossos médicos do século XVII. A teoria humoral,</p><p>que afirma que o corpo é regido por quatro humores</p><p>(sangue, fleuma, bile amarela e bile negra), foi</p><p>condenada pelo médico vestenês Franz Deleboe</p><p>em 1661. A Inquisição sumiu com ele no meio da</p><p>noite, mas a notícia sobre a revelação que ele fizera</p><p>vazou, e outros médicos conseguiram aproveitar o</p><p>trabalho dele.</p><p>Os teanos entendem que uma assepsia meticulosa</p><p>durante as operações leva uma taxa de sobrevivência</p><p>mais alta, mas não sabem ao certo por quê. Para tratar</p><p>um ferimento a bala, eles sabem que é preciso remover</p><p>o projétil e suturar a ferida. Também sabem que é</p><p>preciso trocar os curativos de quando em quando e</p><p>ferver as ataduras para garantir que estejam limpas.</p><p>Estão cientes de que os enfermos espalham doenças</p><p>e, por isso, eles os mantêm em quarentena, mas ainda</p><p>não descobriram os vírus e as bactérias.</p><p>O microscópio é conhecido em Théah desde 1608.</p><p>Seu inventor, uma vestenesa anônima, o usou para</p><p>enxergar corpúsculos sanguíneos, insetos e vegetais</p><p>pequenos. Além de auxiliar a medicina, o microscópio</p><p>também fez avançar bastante os campos da biologia,</p><p>botânica e entomologia.</p><p>Filosofia Natural (Física)</p><p>O campo da física testemunhou avanços</p><p>surpreendentes nos últimos anos, apesar de todo o</p><p>afã da Inquisição. A primeira máquina eletrostática,</p><p>um globo de enxofre que girava em torno de um eixo,</p><p>foi criada em 1662. María Alvarado, uma acadêmica</p><p>castilhana, inventou a máquina como parte de seus</p><p>estudos universitários. Foi a primeira demonstração</p><p>prática em grande escala da eletricidade estática.</p><p>A Inquisição não era tão poderosa na época para</p><p>impedir o experimento de Alvarado — ela era</p><p>uma cientista eminente e muito respeitada —, mas</p><p>chegaria quase a destroçar um outro avanço da</p><p>física quatro anos mais tarde. O castilhano Álvaro</p><p>Arciniega descobriu o espectro da luz usando uma</p><p>série de prismas caseiros. A Inquisição, ao se inteirar</p><p>dessa teoria, tentou enforcá-lo, mas Arciniega era um</p><p>espadachim habilidoso e matou três inquisidores antes</p><p>de fugir do país. Foi lá que ele aperfeiçoou o primeiro</p><p>telescópio refletor, explicado na seção “Astronomia”.</p><p>Navegação</p><p>Os teanos possuem bússolas magnéticas e astrolábios,</p><p>mas ainda não têm um cronômetro suficientemente</p><p>preciso e resistente à umidade do ar marinho para</p><p>permitir a mensuração da longitude. Os montenhos</p><p>têm um método que funciona, mas exige que um</p><p>nobre dotado da magia Porté se teletransporte para</p><p>casa e consulte um relógio, retornando em seguida.</p><p>Obviamente, esse método não é muito usado, mas é</p><p>por causa dele que a Marinha de Montaigne possui os</p><p>melhores mapas de Théah.</p><p>Armas e a Arte da Guerra</p><p>No momento, os mosquetes são as armas preferidas</p><p>em batalha, geralmente com o apoio de uma linha de</p><p>piqueiros. Os teanos ainda não têm fuzis e, portanto,</p><p>110 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>a precisão dessas armas não é tão boa quanto poderia</p><p>ser. Também desenvolveram canhões, mas ainda não</p><p>têm o conhecimento necessário de balística para criar</p><p>morteiros. Os montenhos também desenvolveram</p><p>granadas primitivas, mas essas armas se revelaram</p><p>tão pouco confiáveis que, em batalha, são carregadas</p><p>somente por recrutas plebeus (granadeiros).</p><p>A longevidade média de um granadeiro é de</p><p>três batalhas.</p><p>Nos duelos de honra, as rapieiras e outras armas</p><p>de esgrima costumam ser usadas, ficando o sabre</p><p>reservado para os valentes soldados da cavalaria.</p><p>Piratas e Corsários</p><p>“Chispem, campanhas, e tratem de içar todo o</p><p>pano! Se aquela nau de guerra nos pegar, as sereias</p><p>vão cantar nossos ossos antes do fim do dia!”</p><p>— Supostas últimas palavras do</p><p>capitão Aaron Guy,</p><p>pirata avaloniano</p><p>Centenas de piratas singram os Sete Mares, mas cinco</p><p>bandos bem conhecidos são os mais famigerados.</p><p>Os Bucaneiros de La Bucca</p><p>Antiga ilha prisional bem ao largo da costa castilhana,</p><p>La Bucca se transformou numa chama de liberdade</p><p>que atrai todo tipo de gente. Os prisioneiros de</p><p>La Bucca — hoje chamados de os Bucaneiros —</p><p>recuperaram a liberdade perdida, surrupiando-a</p><p>das garras de seus carcereiros ao encenar uma falsa</p><p>epidemia da peste, que lhes permitiu capturar a ilha</p><p>em meio ao pânico que se seguiu.</p><p>Os boatos sobre os saqueadores da ilha acabaram</p><p>levando castilhanos, vodatianos e vesteneses a enviar</p><p>navios de guerra, um de cada Nação, o que levou a</p><p>um impasse quádruplo. Os três capitães estrangeiros</p><p>viram seu suprimento de água doce desaparecer</p><p>inesperadamente — há quem diga que foi sabotado</p><p>por feitiçaria ou truques ardilosos — e, quando o líder</p><p>dos Bucaneiros ofereceu a vodatianos, castilhanos e</p><p>vesteneses a opção de assinar um tratado ou morrer de</p><p>sede, os comandantes estrangeiros capitularam.</p><p>O líder dos Bucaneiros é um homem chamado</p><p>Allende. Graças a algumas “ocorrências</p><p>extraordinárias”, segundo se diz, muitos acreditam</p><p>Pirates and Privateers</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 111</p><p>ç</p><p>que ele seja um feiticeiro. Por exemplo, um guarda</p><p>da prisão conta que encostou um pistola no peito</p><p>de Allende e apertou o gatilho. Ele viu Allende</p><p>tombar de costas e, em seguida, voltar a se levantar,</p><p>perfeitamente ileso.</p><p>Allende e seus Bucaneiros hoje recebem todas as</p><p>esquadras de braços abertos ou a fio de espada. Todos</p><p>que avistam a ilha têm liberdade para atracar em suas</p><p>angras seguras. Ali encontram água doce, carne de</p><p>porco moqueada, comércio livre de mercadorias e</p><p>segredos, além de um bando de bucaneiros prontos</p><p>para assinar as cartas de corso de quem quiser</p><p>contratá-los. Para além do horizonte de La Bucca,</p><p>em toda a Théah e no Novo Mundo, esses mesmos</p><p>bucaneiros percorrem as ondas, com as facas sempre</p><p>afiadas e os canhões preparados, de olho nos navios</p><p>cujos nomes não aparecem em suas inúmeras cartas</p><p>de corso.</p><p>A Caveira Carmim</p><p>Este “grupo” de piratas é formado por um único navio,</p><p>chamado a Caveira Carmim. São criminosos brutais</p><p>e sanguinários, liderados por um capitão igualmente</p><p>temível. Não oferecem clemência às suas vítimas e</p><p>nunca fazem prisioneiros. Os piratas simplesmente</p><p>atacam e matam todos que encontram. Os navios que</p><p>levam artefatos syrneth parecem correr maior perigo,</p><p>como se a tripulação da Caveira Carmim pressentisse</p><p>a presença desses objetos.</p><p>O único relato a respeito desses piratas feito por</p><p>uma testemunha ocular vem do capitão da nau</p><p>Amada de Sua Excelência, um bergantim mercante</p><p>que conseguiu escapar da Caveira Carmim depois de</p><p>um outro navio de sua flotilha, o Cão Gris, ter sido</p><p>saqueado. No combate, os piratas usaram artefatos</p><p>estranhos, possivelmente de origem syrneth. O capitão</p><p>era um homem alto, de cabelos negros e encaracolados,</p><p>a brandir uma estranha segadeira que cortava a carne</p><p>e a madeira das embarcações com a mesma facilidade.</p><p>Enquanto a Amada se afastava, em pânico, o capitão</p><p>misterioso berrava: “Fujam, seus cães, e digam ao</p><p>mundo que viram a Caveira Carmim e o capitão</p><p>Reis! Da próxima vez que nos encontrarmos, vou</p><p>rachá-los todos da cabeça aos pés!”. O capitão do</p><p>bergantim ficou tão aflito com essa ameaça que se</p><p>aposentou e nunca mais quis sair ao mar. Pelo jeito,</p><p>seu pressentimento estava correto: em menos de um</p><p>mês, seu antigo navio desapareceria no mar. O capitão</p><p>seria</p><p>encontrado em seu estúdio uma semana mais</p><p>tarde, partido ao meio por alguma arma terrível. Na</p><p>parede, escrita com sangue, uma palavra: “Reis”.</p><p>A rainha Elaine de Avalon ofereceu uma recompensa</p><p>de 8 mil guilders a quem lhe trouxesse uma prova de</p><p>que Reis estaria morto. Presume-se que essa prova</p><p>inclua sua extraordinária segadeira.</p><p>A Irmandade da Costa</p><p>A princípio, a Irmandade da Costa era um bando</p><p>de piratas e contrabandistas desesperados que se</p><p>organizaram em resposta aos cruéis caçadores de</p><p>piratas conhecidos como a Esquadra da Mancha</p><p>Negra: piratas, assassinos e salteadores desumanos,</p><p>pagos pela nobreza castilhana para localizar e abater</p><p>sua própria gente.</p><p>Os primeiros integrantes da Irmandade, todos</p><p>vítimas da cruzada implacável dos Manchas Negras,</p><p>uniram forças e assinaram um estatuto de proteção</p><p>mútua. Sob o comando de seu primeiro rei — o</p><p>lendário capitão Roberts —, a Irmandade derrotou</p><p>seus inimigos e salvou os mares das tramas dos</p><p>nobres castilhanos. Hoje, cada navio da Irmandade</p><p>é um estado: as tripulações elegem os capitães como</p><p>representantes de uma República Pirata livre.</p><p>Mas todos sabem que sua república teria se desfeito</p><p>ao vento não fosse o Pirata Cavalheiro, capitão</p><p>Gosse. Famoso por sua cortesia, Gosse foi eleito rei</p><p>dos piratas depois que o próprio Devil Jonah matou</p><p>o capitão Roberts. Gosse trabalhou sem descanso</p><p>para criar um alicerce permanente para a Irmandade,</p><p>aí se aposentou, arranjando tudo para que a capitã</p><p>Bonaventura conquistasse os votos necessários para</p><p>se tornar rainha.</p><p>A capitã Bonaventura — rainha da Irmandade da</p><p>Costa — declarou guerra ao mundo desde que obteve</p><p>a coroa. Se os governantes de Théah se recusarem a</p><p>reconhecer a Irmandade, a organização continuará a</p><p>tomar suas embarcações, cargas e vidas.</p><p>Os Lobos do Mar</p><p>Operando ao largo das costas setentrional e ocidental</p><p>de Théah, os Lobos do Mar concentram seus ataques</p><p>nos navios montenhos e castilhanos. Esses piratas</p><p>ç</p><p>112 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>velejam em chalupas pequenas e manobráveis e nunca</p><p>incomodam as embarcações avalonianas. Há quem</p><p>diga que existe uma relação entre esses homens e a</p><p>rainha Elaine, mas ela nega patrocinar os Lobos do</p><p>Mar. Os soberanos de outros países não acreditam</p><p>em sua sinceridade.</p><p>Vários Lobos do Mar agem independentemente uns</p><p>dos outros, ao que tudo indica, mas o mais famoso</p><p>deles é Jeremiah Berek, o capitão da Aurora Negra.</p><p>O capitão Berek é um homem bonito e vistoso, e</p><p>sua tripulação está disposta a segui-lo até o Abismo.</p><p>Comentários cínicos de outros capitães sugerem que</p><p>Berek usa o Glamour para cultivar a lealdade de seus</p><p>homens, mas não há prova alguma de que ele faça</p><p>tal coisa.</p><p>O capitão Berek e outros Lobos do Mar apareceram</p><p>durante a batalha com a Armada Castilhana. A</p><p>engenhosidade e a liderança de Berek no decorrer do</p><p>combate contribuíram incomensuravelmente para a</p><p>vitória de Avalon. Isso só reforça as alegações de que</p><p>ele trabalha para a rainha Elaine.</p><p>Os Rapineiros Vesteneses</p><p>Os Rapineiros vesteneses assombram os mares de</p><p>Théah e atacam todos os navios mercantes que cruzam</p><p>seu caminho. Os Rapineiros, que costumam sair dos</p><p>nevoeiros densos e enregelantes em seus dracares</p><p>movidos a remos para surpreender os mercadores</p><p>desavisados, têm à sua disposição os poderes</p><p>dos escaldos de Vestenmennavenjar e arrojados</p><p>mercenários aisenianos. Para os mercadores, poucas</p><p>coisas são mais aterradoras que o toque constante de</p><p>seus tambores graves, que marcam o ritmo dos remos</p><p>enquanto as velas de sua presa se esvaziam.</p><p>Ao surgir no horizonte, os Rapineiros Vesteneses</p><p>fazem soar três vezes uma corneta. A presa, então,</p><p>tem duas opções: baixar as velas e se render... ou lutar</p><p>até o último marujo. Os vesteneses não gostam de</p><p>fazer prisioneiros, pois a tripulação dos barcos é mais</p><p>confiável no manejo dos remos do que um bando de</p><p>escravos agrilhoados. Contudo, apesar dessa política</p><p>de “não fazer prisioneiros”, os vesteneses tomam o</p><p>cuidado de deixar um sobrevivente em cada tripulação</p><p>que lhes dá combate, para espalhar aos quatro ventos</p><p>a história de seus feitos.</p><p>Começaram a circular narrativas histéricas sobre</p><p>navios com figuras de proa cobertas de runas e que</p><p>cospem relâmpagos, sobre Rapineiros tomados pelo</p><p>frenesi da batalha, portando elmos adornados com</p><p>chifres e ignorando pancadas que deveriam tê-los</p><p>deixado mortos no chão. Os mercadores sensatos</p><p>ignoram esses contos estimulados pelo rum, mas</p><p>não resta dúvida de que os Rapineiros Vesteneses</p><p>representam uma ameaça grave a todos os navios</p><p>mercantes que não estão a serviço da Liga de Vendel.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 113</p><p>ç</p><p>Sociedades Secretas</p><p>“Não passam de uma organização privatíssima</p><p>com intenções para lá de públicas.”</p><p>— Esteban Verdugo</p><p>Reuniões secretas em câmaras escuras são tão</p><p>importantes para a história de Théah quanto os</p><p>exércitos que marcham por seus campos. A história</p><p>do continente é marcada por guerras, mas os conflitos</p><p>mais importantes não são travados com espadas,</p><p>armas de fogo e canhões, e sim nas sombras, com</p><p>punhais e murmúrios. Os inocentes que desconhecem</p><p>o que se passa carregam uma bênção e uma maldição:</p><p>são abençoados por não saber que suas vidas são</p><p>dirigidas por essas organizações e amaldiçoados por</p><p>essa mesma razão.</p><p>Sempre existiram organizações clandestinas agindo</p><p>nos bastidores. Esses grupos têm intenções ocultas.</p><p>Pode ser que você nunca venha a saber que eles existem,</p><p>mas pode ter certeza de que eles sabem quem você é.</p><p>O Colégio Invisível</p><p>Quando a Inquisição se abateu sobre a Igreja, artigos</p><p>científicos foram destruídos, acadêmicos foram</p><p>presos e todas as pesquisas daí em diante, canceladas.</p><p>Uma pequena equipe de sacerdotes começou a</p><p>contrabandear artigos, mantendo sua pesquisa em</p><p>segredo, longe dos olhos da Inquisição. Eles formam</p><p>o Colégio Invisível e arriscam a vida para fazer ciência.</p><p>Die Kreuzritter</p><p>No século XII, um grupo de cavaleiros aisenianos</p><p>seguiu rumo leste para o Império do Crescente,</p><p>onde foram combater as “hordas gentias”. E o que</p><p>eles descobriram lá transformou completamente</p><p>sua ordem. Hoje, os Kreuzritter percorrem</p><p>Théah combatendo monstros e, para isso, usam o</p><p>conhecimento de todo o continente e além.</p><p>As Filhas de Sophia</p><p>Em Vodacce, as mulheres não passam de escravas</p><p>em pedestais. A organização secreta conhecida</p><p>como as Filhas de Sophia espera mudar esse quadro,</p><p>um príncipe mercante por vez. Mas elas não se</p><p>concentram apenas em Vodacce, espalhando-se por</p><p>Théah para proteger e aconselhar as mulheres que</p><p>detêm poder em todas as nações.</p><p>A Irmandade da Costa</p><p>Desfraldando sua bandeira de liberdade em mar</p><p>aberto, os piratas que se intitulam a Irmandade caçam</p><p>os corruptos e decadentes que singram as águas ao</p><p>redor de Théah. Pretendem continuar livres até</p><p>a morte.</p><p>Los Vagabundos</p><p>Um grupo seleto e restrito de heróis que começou em</p><p>Castilha, mas hoje estão presentes em toda a Théah.</p><p>Seu objetivo? Defender a soberania de reis e rainhas</p><p>que tratam sua gente com justiça e destronar aqueles</p><p>que querem oprimir seus súditos.</p><p>Močiutės Skara</p><p>O “xale da avó”. Um grupo que surgiu na Comunidade</p><p>Sarmática durante a Guerra da Cruz. Cidadãos</p><p>comuns, preparados para responder a catástrofes,</p><p>ajudar, consolar e abrigar os necessitados.</p><p>Ordem dos Cavaleiros da Rosa e Cruz</p><p>A Rosa e Cruz é uma “ordem cavalheiresca” que se</p><p>dedica ao antigo código da cavalaria: proteger os</p><p>indefesos, levar os ímpios à justiça e, em geral, fazer</p><p>do mundo um lugar melhor. Dependendo de quem</p><p>responde à pergunta, eles são os maiores heróis de</p><p>Théah ou um bando de fidalgos depravados que</p><p>metem o nariz onde não são chamados.</p><p>Os Rilasciare</p><p>A organização mais desorganizada e potencialmente</p><p>perigosa de Théah vem empenhando todas as suas</p><p>forças para derrubar o que eles chamam de as “Duas</p><p>Tiranias”: a monarquia e a Igreja dos Vaticínios. E o</p><p>fazem munidos de um poder praticamente invisível:</p><p>a força das ideias.</p><p>A Sociedade dos Exploradores</p><p>Começou com um clube acadêmico na região de</p><p>Castilha</p><p>mulher com o sotaque de</p><p>Vestenmennavenjar.</p><p>— Peço desculpas — ele berrou sobre o ombro. —</p><p>Vou devolvê-lo.</p><p>E partiu a galope, fazendo as pedras do calçamento</p><p>retinir sob os cascos do cavalo, segurando-se com todas</p><p>as forças para não morrer. Oliver conhecia cavalos, e</p><p>os conhecia bem. Aquele era bom. Mas não tinha sido</p><p>feito para correr àquela velocidade numa superfície tão</p><p>irregular. Se não tomassem cuidado e não contassem</p><p>com uma boa dose de sorte, poderiam morrer os dois.</p><p>Como ele não podia se dar o luxo de tomar cuidado, ele</p><p>teria de contar duas vezes mais com a sorte.</p><p>Dividia sua atenção entre o caminho à sua frente e a</p><p>busca pela carruagem. Arremessando-se adiante, ele se</p><p>espremeu veloz entre dois coches majestosos e prestes</p><p>a ultrapassar um ao outro, um espaço tão estreito que</p><p>os joelhos de Oliver roçaram os brasões de ambos. Um</p><p>dos cocheiros o xingou, mas, cinco quarteirões adiante,</p><p>Oliver viu a condução de Aurélie dobrar a esquina.</p><p>Dirigiu o cavalo para um lado bem a tempo de não</p><p>atropelar um vendedor de frutas que atravessava a</p><p>rua com seu carrinho de mão. Contornando a esquina</p><p>onde tinha visto sua protegida pela última vez, ele se</p><p>encolheu todo quando os cascos do cavalo atingiram</p><p>uma poça grande, espalhando lama até o outro lado</p><p>da viela e acertando em cheio um sacerdote apanhado</p><p>de surpresa. Depois de dobrar várias outras esquinas</p><p>e adivinhar desesperadamente o caminho uma ou</p><p>duas vezes, ele se viu numa parte não tão abastada</p><p>da cidade… E o cheiro salgado no ar anunciou que ele</p><p>havia chegado ao cais muito antes que o resto de seus</p><p>sentidos percebessem alguma coisa.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 9</p><p>ç</p><p>Perdera novamente a carruagem de vista, mas sabia</p><p>que ela devia estar por perto. As vielas ficavam cada vez</p><p>mais estreitas. À sua frente havia o mar e, atrás de si,</p><p>apenas o caminho por onde ele viera. Deteve o cavalo</p><p>e pôs-se a escutar, atento ao possível ruído de rodas</p><p>sobre a via mais rústica da área, mas não se captava</p><p>nada, não se enxergava nada, a não ser os edifícios</p><p>de madeira altos, de construção barata e mais feios e</p><p>autênticos que qualquer outra coisa na qual ele tivesse</p><p>botado os olhos naquele dia. Contudo, ao examinar</p><p>os outros caminhos que davam acesso à praça que ele</p><p>encontrara por acaso, percebeu que nenhum deles era</p><p>largo o bastante para deixar passar uma carruagem</p><p>tão grande quanto a de Aurélie. Portanto, o coche só</p><p>poderia ter entrado num dos armazéns dos arredores.</p><p>Apeou com todo o cuidado, amarrou o cavalo a um</p><p>varão e torceu para o animal ainda estar ali quando ele</p><p>voltasse. Ele estava num pequeno espaço descoberto,</p><p>cercado por edifícios, ninguém à vista. O sossego,</p><p>depois da comoção e do alvoroço a algumas ruas dali,</p><p>o deixou ressabiado, e ele mantinha uma das mãos</p><p>sobre o punho da espada, seguindo silenciosamente</p><p>na direção da porta de madeira mais próxima e grande</p><p>o bastante para deixar passar uma carruagem.</p><p>Por cima de seu ombro direito, uma voz quase</p><p>familiar perguntou:</p><p>— O que está procurando?</p><p>A espada de Oliver já estava a meio caminho de deixar</p><p>a bainha e seu coração, a meio caminho da garganta,</p><p>quando ele girou nos calcanhares e reconheceu a</p><p>comerciante de Vestenmennavenjar que encontrara</p><p>aos portões do palacete Descoteaux. A mulher era um</p><p>palmo mais baixa que Oliver, cinco ou seis anos mais</p><p>velha e muito mais bem vestida. Os cabelos trançados</p><p>estavam presos atrás da cabeça, e ela usava um casaco</p><p>de talhe impecável sobre os calções e as botas. Ela</p><p>trazia o delgado espadim junto ao quadril, e não nas</p><p>mãos, e Oliver deixou sua rapieira voltar à bainha.</p><p>— Como chegou aqui? — Ele perguntou, franzindo</p><p>o cenho e olhando rapidamente ao redor da praça</p><p>silenciosa, sem encontrar vestígio que lhe apontasse</p><p>em qual dos cinco ou seis armazéns Aurélie poderia</p><p>ter entrado.</p><p>A mulher bufou.</p><p>— Eu tinha dois cavalos — replicou, como se</p><p>a resposta fosse óbvia. Ela inclinou a cabeça na</p><p>direção de onde os dois tinham vindo, e Oliver viu o</p><p>segundo cavalo amarrado a um poste a um quarteirão</p><p>de distância.</p><p>— Por que veio atrás de mim? — Ele perguntou, ainda</p><p>tentando entender a situação.</p><p>Dessa vez, a desconhecida sorriu desbragadamente.</p><p>— Eu não costumo encontrar ladrões de cavalos com</p><p>uma cara tão honesta. — Ela percorreu Oliver com</p><p>os olhos, dos pés à cabeça. — Ou tão bem vestidos.</p><p>Fiquei curiosa.</p><p>Oliver enrubesceu. Com a adrenalina, ele esquecera</p><p>momentaneamente o que estava vestindo. Nesse</p><p>exato momento, um sopro de brisa levantou a barra</p><p>da camisola que ele usava.</p><p>— Sinto muitíssimo — Oliver respondeu com</p><p>formalidade. — É uma... longa história. E eu realmente</p><p>faria todo o possível para devolver seu cavalo.</p><p>— Não duvido — disse a mulher, com uma</p><p>naturalidade irritante. — Por que você o pegou, para</p><p>começo de conversa? O que levou você a tamanho</p><p>grau de desespero e insensatez para disparar pelas ruas</p><p>nessa velocidade e arriscar o pescoço em cima de um</p><p>cavalo roubado?</p><p>— Tem uma moça... — Começou Oliver, mas a mulher</p><p>riu discretamente antes que ele conseguisse continuar.</p><p>— Ah, sim, claro que tem. Agora faz sentido. Você</p><p>está atrás da sua namorada.</p><p>— Ela não é minha namorada — Oliver protestou.</p><p>Sua companheira franziu o cenho.</p><p>— Está atrás da namorada de outra pessoa?</p><p>— Não!</p><p>Ele se deteve ao ouvir o rangido de uma dobradiça</p><p>e se virou bem a tempo de ver um pedaço fugaz de</p><p>seda num tom bem claro de damasco sumir numa das</p><p>vielas mais à frente com o fechamento da porta de</p><p>um armazém.</p><p>— Peço desculpas. Tenho de ir. — Ele deu as costas</p><p>à comerciante vestenesa e partiu atrás de Aurélie,</p><p>percebendo só então que a mulher o seguia. — Que</p><p>está fazendo?</p><p>— Acompanhando você — ela retorquiu, com as mãos</p><p>estendidas para indicar a obviedade da resposta.</p><p>— Mas por quê? — Oliver indagou, confuso.</p><p>— Quero ver no que vai dar. E você me deve uma</p><p>história... Digamos que é o valor do aluguel do cavalo.</p><p>Estavam quase chegando à esquina onde ele vira</p><p>Aurélie pela última vez, e Oliver decidiu que, àquela</p><p>altura, era mais fácil concordar do que discutir com</p><p>a tal mulher. Ele tinha assuntos a resolver e uma</p><p>protegida a encontrar e defender. Àquela altura, quem</p><p>poderia dizer se ela estava ali por vontade própria ou</p><p>fora coagida de alguma maneira?</p><p>No beco onde ela havia desaparecido, havia apenas</p><p>três portas. As duas primeiras estavam trancadas,</p><p>e a terceira se abriu para o mau cheiro de cerveja</p><p>derramada e suor humano que alardeava taverna mais</p><p>alto que um bêbado.</p><p>ç</p><p>10 OSSOS DO OFÍCIO</p><p>Seus pensamentos recentes sobre a possibilidade de</p><p>Aurélie estar ali coagida desapareceram quando ele a</p><p>viu sentada junto ao bar, perfeitamente à vontade e</p><p>segurando um caneco. Em voz baixa, ele voltou a xingar</p><p>Robert por tê-lo recomendado para o serviço. Agora</p><p>entendia por que o amigo não quisera mais o emprego,</p><p>mas ele pelo menos poderia ter mencionado que a</p><p>protegida de Oliver era daquelas que se imaginavam</p><p>personagem de um romance rocambolesco.</p><p>Ele avançou. Só porque Aurélie não enxergava o</p><p>perigo que corria num lugar como aquele, não queria</p><p>dizer que Oliver não estivesse muito bem ciente disso.</p><p>Mas, foi só dar alguns passos e ele percebeu que, mais</p><p>uma vez, havia se esquecido de considerar os trajes</p><p>que usava no momento. Como era possível que ele</p><p>não se lembrasse, toda santa vez? Junto ao bar, um</p><p>dos fregueses mais mal encarados tinha visto Oliver</p><p>e soltou um assobio grave. Os sujeitos que jogavam</p><p>baralho deixaram as cartas sobre a mesa e começaram</p><p>a berrar gracinhas.</p><p>Aurélie se virou, viu Oliver e não aparentou a menor</p><p>surpresa. Ergueu seu caneco num brinde mudo,</p><p>deixando o mesmo humor discreto que demonstrara</p><p>na sala de estar do palacete mover seus lábios. Oliver</p><p>continuou andando na direção dela. Se alcançasse</p><p>Aurélie e conseguisse sair logo com ela dali, quem sabe</p><p>não conseguissem voltar para a casa da jovem sem que</p><p>ele tivesse de tirar a espada da bainha. Poderia explicar</p><p>durante a corrida de volta, dentro da carruagem, por</p><p>que aquilo tudo tinha sido</p><p>conhecida como Odisseia. Com o passar</p><p>dos anos, a coisa cresceu, formando um grupo de</p><p>estudiosos aventureiros que vasculham as ruínas</p><p>syrneth em busca de seus segredos. Hoje, por causa da</p><p>Inquisição, a sociedade caiu na clandestinidade, para</p><p>esconder suas façanhas e descobertas.</p><p>Secret Societies</p><p>ç</p><p>114 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>Ruínas de Syrneth em Théah</p><p>Disseminadas por toda a Théah, encontram-se</p><p>as ruínas de uma sociedade mais antiga que a</p><p>humanidade, conhecida largamente como os syrne.</p><p>As cidades em escombros dessa raça anciã são um</p><p>verdadeiro tesouro para homens e mulheres dispostos</p><p>a colocar sua segurança em risco e obter conhecimento</p><p>e riquezas de um mundo desconhecido.</p><p>Os syrne, aparentemente, chegaram a ocupar boa parte</p><p>de Théah em determinado momento, e artefatos parciais</p><p>surgem em todo lugar, desde as ilhas mais remotas às</p><p>plantações recém-aradas de um agricultor. Os sítios</p><p>arqueológicos preservados são mais difíceis de encontrar,</p><p>mas os aventureiros otimistas continuam a procurá-los.</p><p>Mais de meio século atrás, Leandra Souza fundou</p><p>a Sociedade dos Exploradores em Odisseia. Desde</p><p>então, o grupo ganhou poder e prestígio, ostentando</p><p>sedes em várias nações. Os membros da Sociedade dos</p><p>Exploradores se dedicam a descobrir tudo que puderem</p><p>a respeito dos predecessores da humanidade. Vivem</p><p>procurando novas ruínas e registram tudo que aprendem.</p><p>Os artefatos que encontram são preservados e mandados</p><p>para as Sedes Sociais, onde serão estudados.</p><p>Por outro lado, equipes de aventureiros, sejam</p><p>caçadores de tesouros independentes ou grupos</p><p>financiados pela nobreza teana, também estão</p><p>intensificando suas buscas por vestígios syrneth. Não</p><p>tão interessados na maçante busca por informações, esses</p><p>grupos querem mesmo é dinheiro. Nos últimos anos, os</p><p>artefatos syrneth tornaram-se o passatempo elegante</p><p>da nobreza. As coleções particulares trazem prestígio,</p><p>e os autênticos exemplos de decadência ostentam sua</p><p>condição abastada incorporando os artefatos a seus trajes</p><p>e ornamentos cotidianos. Esses nobres pagam valores</p><p>altíssimos por coisas assim, e isso mantém caçadores de</p><p>tesouros de toda laia sempre em busca de mais.</p><p>Os Sítios Arqueológicos</p><p>Os vestígios dos syrne são bem evidentes em alguns</p><p>lugares. Em Montaigne, é nítido que edifícios</p><p>habitados por seres humanos há séculos não foram</p><p>construídos por eles. São altos e absurdamente</p><p>esguios, sem nada que os sustente. Em outras partes</p><p>de Théah, mais de mil anos de pó e intempéries</p><p>enterraram cidades inteiras. Foi só depois de</p><p>escavações extensas que os exploradores descobriram</p><p>alguma coisa a respeito delas.</p><p>Além dos perigos naturais desse tipo de exploração</p><p>— desmoronamentos, inundações, gases venenosos</p><p>—, armadilhas elaboradas se escondem em alguns</p><p>locais, prontas para surpreender os desavisados. Outras</p><p>áreas abrigam animais sobrenaturais que nenhuma</p><p>enciclopédia ou relato de viagem conhece, criaturas que</p><p>atacam todo aventureiro infeliz que tem o azar de entrar</p><p>acidentalmente em seus covis.</p><p>Os Túneis de Montaigne</p><p>No subsolo de Charouse, a capital de Montaigne,</p><p>há uma enorme rede de túneis. Os mapas chegam</p><p>a esmiuçar alguns dos grandes túneis, mas não há</p><p>registro de sua extensão e muitas das ramificações</p><p>mais estreitas ainda são desconhecidas. As grandes</p><p>cavernas têm aproximadamente 4,5 metros de altura</p><p>e 3 de largura, mas podem ser bem maiores em</p><p>algumas interseções.</p><p>Os túneis são mais antigos que a cidade e foram</p><p>obviamente construídos com deliberação. Colunas</p><p>espiraladas sustentam arcos de pedra, e entalhes</p><p>decorativos marcam alguns dos blocos que forram as</p><p>paredes. A pedra não corresponde a nenhuma formação</p><p>encontrada normalmente nas proximidades.</p><p>Seja qual for a função original dos túneis, hoje eles</p><p>são usados como o sistema de esgoto de Charouse. O</p><p>grosso dos dejetos corre pelos túneis extensos, mas,</p><p>até o momento, ninguém sabe ao certo onde o esgoto</p><p>desemboca. Algumas partes dos túneis também abrigam</p><p>os habitantes menos afortunados da cidade.</p><p>Várias equipes da Sociedade dos Exploradores já</p><p>fizeram incursões pelos túneis sob a capital montenha.</p><p>As passagens mais acessíveis estão tomadas pela</p><p>imundície, mas alguns grupos fizeram descobertas</p><p>interessantes aprofundando-se um pouco mais.</p><p>Encontraram várias peças de metal que parecem ser</p><p>adornos corporais próprios para um humanoide. Há</p><p>quem diga que as peças não são artefatos, e sim pedaços</p><p>descartados de ornatos montenhos. Mas o estilo não</p><p>tem igual em nenhuma corte teana, e os objetos foram</p><p>encontrados em pontos aonde o esgoto da cidade ainda</p><p>não havia chegado.</p><p>A descoberta mais impressionante foi o “Mapa Estelar”,</p><p>localizado nas profundezas dos túneis. Consiste em</p><p>uma vasta câmara esférica, com uma ponte estreita a</p><p>cruzar-lhe o centro, suspensa a quase quinze metros dos</p><p>pontos mais alto e mais baixo da esfera. Pedras preciosas</p><p>Syrneth Ruins in Théah</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 115</p><p>ç</p><p>forram as paredes, o piso e o teto, criando o que parece</p><p>ser um mapa razoavelmente preciso do firmamento</p><p>teano. Ao lado dos pontos de luz conhecidos, porém,</p><p>algumas pedras estão incrustadas em locais que, no céu,</p><p>parecem corresponder a espaços vazios. Os exploradores</p><p>que a encontraram estimam que a câmara fique</p><p>diretamente abaixo do palácio de l’Empereur.</p><p>L’Empereur de Montaigne não é amigo da Sociedade</p><p>dos Exploradores. A guarda de Charouse e os habitantes</p><p>da cidade fizeram de tudo para que os visitantes</p><p>se sentissem indesejáveis. Logo após a descoberta</p><p>do mapa estelar, os exploradores encontraram seus</p><p>quartos revirados e muitas de suas notas de campo</p><p>desapareceram. Isso levou alguns deles a se perguntar</p><p>quanto a monarquia sabe a respeito do estranho sítio</p><p>arqueológico sob a cidade... e o que ela gostaria de</p><p>manter em segredo.</p><p>As Catacumbas das Signori</p><p>Discute-se bastante se os labirintos no subterrâneo</p><p>das ilhas Signori são uma característica geográfica</p><p>natural ou uma obra deliberada. Cada uma das ilhas</p><p>é formada por rocha dura e nada porosa. Erguem-se</p><p>cidades em várias das ilhas maiores, mas, sob todo</p><p>o arquipélago, corre uma rede ainda mais completa</p><p>de túneis. Não parecem seguir nenhum padrão</p><p>determinado, e suas superfícies são rudes e inacabadas.</p><p>E, no entanto, ocorrem prateleiras na pedra a</p><p>intervalos regulares, dos dois lados das passagens.</p><p>Os túneis são quilométricos e permanecem</p><p>inexplorados, como os de Montaigne. Mas estes são</p><p>menores: alguns têm de 2 a 2,5 metros de altura e 1,5 a</p><p>2 metros de largura. Também se dispõem em patamares,</p><p>uns sobre os outros, e alguns deles chegam a ficar bem</p><p>abaixo do nível do mar. A água salgada inunda os</p><p>patamares mais baixos e sobe com a maré cheia.</p><p>Os príncipes mercantes de Vodacce se servem dos túneis</p><p>sob as ilhas Signori. Os nichos nas paredes das cavernas</p><p>podem acomodar um corpo humano e, portanto, servem</p><p>de tumbas para várias das grandes famílias há gerações. E</p><p>isso gera mais um problema para os exploradores: às vezes</p><p>é difícil dizer se aquilo que encontram nos túneis já está</p><p>ali há centenas de anos ou se vestígios humanos foram</p><p>trazidos pelo mar lá de fora ou lá de cima.</p><p>Outros Sítios</p><p>Além dessas áreas bem conhecidas, bolsões menores</p><p>da civilização syrneth estão espalhados por Théah.</p><p>Os mais dignos de nota ficam nas remotas ilhas</p><p>ocidentais, que, pelo jeito, eram um refúgio para a</p><p>civilização syrneth. As mais famosas são as ilhas</p><p>Talussianas, localizadas a oeste de Avalon, mas</p><p>existem incontáveis outras. Parece que cada ilha e</p><p>arquipélago esconde alguma coisa a ser descoberta.</p><p>Os exploradores vão a esses lugares com regularidade,</p><p>pois não precisam da permissão de nenhuma Nação</p><p>para vasculhar as ruínas. Para encontrar o que</p><p>procuram, precisam fugir de piratas e caçadores de</p><p>tesouros, além de escapar dos perigos apresentados</p><p>pelas próprias ruínas.</p><p>Outras áreas de Théah produziram mais histórias</p><p>que artefatos. Alguns grupos que voltaram de Ussura</p><p>relataram ter visto ninhais no alto das montanhas,</p><p>grandes demais para qualquer</p><p>uma péssima ideia, e então...</p><p>Uma muralha que lembrava suspeitosamente um</p><p>torso dos mais cabeludos se colocou na frente dele.</p><p>— Você é novo por aqui.</p><p>Se a voz tivesse qualquer semelhança com a de um</p><p>ser humano, teria soado como um grunhido. Mas</p><p>lembrava um urso que acabara de devorar um outro</p><p>urso e ficara com um naco entalado na garganta. Oliver</p><p>ergueu os olhos — toda a vida — até chegar ao rosto</p><p>marcado por cicatrizes que ficava pelos menos duas</p><p>cabeças acima da sua. O homem era ussurano. Talvez</p><p>ele não estivesse tão errado ao pensar em ursos.</p><p>— Só vim encontrar uma amiga — Oliver respondeu,</p><p>mantendo tanto quanto possível a neutralidade na voz.</p><p>O homem-urso-montanha chacoalhou</p><p>tristonhamente a cabeça enorme.</p><p>— Não acho que você tenha amigos aqui.</p><p>— Ora, que é isso — Oliver o encarou, olhando para</p><p>cima e forçando um pouco o pescoço. — Maldade sua.</p><p>O grandalhão pareceu confuso. Em seguida, zangado.</p><p>As duas expressões pareceram bem à vontade nas</p><p>feições grosseiras do homem. Aí ele estendeu a peça</p><p>de presunto que se fazia passar por sua mão e a pousou</p><p>no ombro de Oliver, e Oliver — decidindo que não</p><p>havia mais como aquela tarde transcorrer de maneira</p><p>sossegada — apoiou um dos pés no joelho do gigante</p><p>e fez força. Muita força.</p><p>O empenho foi suficiente para desequilibrar muito de</p><p>leve o grandalhão; foi como chutar uma árvore, mas,</p><p>por mais leve que fosse, o resultado fez com que ele</p><p>tivesse de compensar na outra direção e, assim, quando</p><p>Oliver redistribuiu seu peso e voltou a empurrar, dessa</p><p>vez com um dos ombros e todo o peso de seu corpo, o</p><p>oponente tombou para trás, atropelando uma cadeira</p><p>e um freguês da taverna e espatifando uma mesa que</p><p>não teve a menor chance.</p><p>Voaram bebidas e lascas de madeira, os homens</p><p>soltaram imprecações. Oliver se virou, para aproveitar</p><p>o caos e chegar a Aurélie, e viu que ela já estava na</p><p>porta. A moça lhe atirou um beijo e inclinou a cabeça</p><p>na direção de algo à direita dele. Oliver se virou para</p><p>ver o que era, abaixou-se para não levar na cabeça uma</p><p>cadeira que passou zunindo por ele e, ao olhar mais</p><p>uma vez para a porta, não havia mais ninguém ali.</p><p>A queda do ussurano, a mesa espatifada e o que</p><p>sobrou dela foram o estopim que o salão esperava para</p><p>irromper numa briga barulhenta. Copos e móveis eram</p><p>destroçados com abandono. Atrás do bar, uma mulher</p><p>furiosa, que devia ser a proprietária, berrou e jogou</p><p>a água de um balde por cima do balcão, atingindo</p><p>um grupo obstinado de combatentes para chamar a</p><p>atenção deles. O ussurano estava tentando se levantar,</p><p>mas, com a cerveja e a água que agora lavavam o</p><p>assoalho, ele escorregou quando mais um corpo colidiu</p><p>com o dele, e voltou a cair, dessa vez levando duas</p><p>cadeiras com seu peso.</p><p>Atrás de si, Oliver ouviu um assobio agudo e virou-se</p><p>para ver que a comerciante vestenesa estava de pé em</p><p>cima de uma mesa larga e comprida.</p><p>— Aqui em cima a vista é melhor — ela gritou,</p><p>animada. — Também está mais seco.</p><p>Oliver pulou para a mesa e se colocou ao lado da</p><p>mulher. A vista era melhor, no sentido que propiciava</p><p>um panorama mais claro da destruição e da violência.</p><p>Não melhorava em nada, porém, o teor do que ele via.</p><p>— É bonitinha a tal moça que não é sua namorada —</p><p>a vestenesa bradou por cima de toda a balbúrdia. — Dá</p><p>para ver por que você está atrás dela.</p><p>— Não é nada disso — protestou Oliver. — Fui</p><p>contratado pelo pai dela para protegê-la.</p><p>— Ah, então está fazendo um ótimo trabalho. — Ela</p><p>lhe estendeu a mão, com uma risadinha jovial. — Anika</p><p>Boeveld, a propósito.</p><p>— Oliver Kay. — Ele apertou a mão que ela lhe</p><p>oferecia. — É um prazer conhe... Bem, alguma coisa</p><p>é, não?</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 11</p><p>ç</p><p>— Alguma coisa — Aurélie concordou. — Não olhe</p><p>agora, mas, seja o que for, está prestes a ficar ainda</p><p>mais interessante.</p><p>O ussurano começara, enfim, a se levantar, agora</p><p>para valer, com uma mãozinha de um outro homem</p><p>não muito menor e tão parecido com ele que os dois</p><p>poderiam ser irmãos. Claro. Perfeito. Passou pela</p><p>mente de Oliver que a vida da pobre mãe daqueles dois</p><p>não devia ter sido fácil. Imaginou uma mulher atarefada</p><p>berrando coisas como: “Iúri, ponha já essa vaca no chão</p><p>e venha se lavar para o jantar”. Sacudiu a cabeça para</p><p>voltar ao presente e ao destino cruel que o aguardava.</p><p>Os irmãos tinham amigos e, se o resto do recinto ia</p><p>aos poucos sossegando, era só porque todos os olhos</p><p>se voltavam para Oliver.</p><p>— Espero que saiba usar uma espada — disse Oliver</p><p>à sua companheira.</p><p>— Espero que saiba lutar de vestido — devolveu</p><p>Anika, sem deixar que a situação afetasse seu</p><p>bom humor.</p><p>Oliver deu uma última olhada na turba que se</p><p>aproximava, prestando atenção em quem estava</p><p>armado com o quê. Via de regra, ele não gostava de</p><p>recorrer ao fio do aço antes que alguma outra pessoa</p><p>fizesse disso uma necessidade. Pensando uma última</p><p>vez na conversinha que teria com Robert por tê-lo</p><p>enfiado naquela encrenca — supondo que sobrevivesse</p><p>—, ele se atirou na refrega.</p><p>Tirou sangue do nariz de um homem com o primeiro</p><p>golpe, desferido com o pomo da arma, e o adversário</p><p>seguinte perdeu a espada que nem sequer deveria estar</p><p>segurando quando Oliver a aparou e, com um giro do</p><p>pulso, arrancou-a da mão do homem. Sinceramente,</p><p>completos amadores no campo de batalha só</p><p>aumentavam os riscos para todo mundo. Um terceiro</p><p>e um quarto homens perderam a vontade de lutar ao</p><p>perceberem como estavam em desvantagem, depois de</p><p>se verem privados, respectivamente, de meio bigode e</p><p>do cinto (e, na sequência, das calças).</p><p>Na mesa atrás dele, Anika começara a arremessar</p><p>canecas, garrafas e o resto da louça, com um</p><p>entusiasmo mordaz e uma precisão admirável.</p><p>Oliver se virou e viu-se cara a clavícula com um dos</p><p>irmãos ussuranos, e estava justamente debatendo</p><p>consigo mesmo se era melhor rezar por um golpe de</p><p>sorte ou poupar o fôlego para o instante iminente em</p><p>que teria todo o ar espremido de seus pulmões quando</p><p>se ouviu um baque surdo e retumbante, e o gigante</p><p>revirou os olhos. Ele cambaleou e, por um instante,</p><p>Oliver achou que seria esmagado de um jeito ou de</p><p>outro. Mas bastou ele apoiar o pomo de sua espada no</p><p>peito do gigante e dar um empurrãozinho para que o</p><p>oponente tombasse para trás. O que o deixou diante</p><p>de Anika Boeveld, que já erguia uma segunda caneca</p><p>de louça.</p><p>O outro irmão estava imóvel, olhando ora para Oliver,</p><p>ora para Anika, nitidamente tentando decidir com</p><p>pesado vagar quem ele gostaria de matar primeiro.</p><p>Impávida, Anika acenou para ele.</p><p>— Tudo bem. Eu dou um jeito. Vá pegar sua</p><p>namorada.</p><p>— Ela não é minha namorada — Oliver</p><p>protestou automaticamente.</p><p>— Está bem, está bem. Vá pegar sua obrigação</p><p>profissional então, antes que a perca de vez.</p><p>Oliver hesitou. Não seria de bom tom deixar a mulher</p><p>ali, no meio daquela bagunça. Mas Aurélie tinha, de</p><p>fato, uma boa vantagem e, àquela altura, ele não</p><p>duvidava mais do que ela era capaz de fazer. Inferno,</p><p>estavam no cais. Ela já poderia estar comprando</p><p>passagem para o Sétimo Mar.</p><p>— Vá — Anika o despachou com um gesto, e foi</p><p>a total despreocupação estampada no rosto da</p><p>comerciante que fez com que ele se resolvesse.</p><p>Fiando-se na palavra da mulher de que ela era</p><p>capaz de cuidar de si mesma, Oliver acenou-lhe um</p><p>cumprimento e disparou na direção da porta.</p><p>Ninguém mais fez menção de se colocar no caminho</p><p>dele e, um segundo depois, estava lá fora, onde tudo</p><p>era luz e silêncio. Ele apertou os olhos para protegê-los</p><p>do brilho ofuscante do fim da tarde, que os reflexos</p><p>na água entre um armazém e outro só faziam piorar.</p><p>Não havia sinal de Aurélie — nada ao alcance da vista</p><p>e, mesmo tentando, nada que ele conseguisse ouvir.</p><p>Passado um segundo, ele se pôs a voltar ao armazém</p><p>onde vira a carruagem da jovem pela última vez. Era</p><p>seu melhor palpite. Estava a um edifício de distância</p><p>quando uma fragrância familiar o deteve.</p><p>Rosas. O aroma de um jardim, apesar do cheiro mais</p><p>destacado e pertinente de peixe. Vinha do armazém</p><p>mais próximo, e ele se achegou o mais silenciosamente</p><p>possível da porta, abrindo-a bem devagar.</p><p>Entrou de fininho e fechou a porta. Se já não tivesse</p><p>se revelado, não queria alardear sua presença para</p><p>quem estivesse ali. Mas, com isso, teria de esperar</p><p>seus olhos se acostumarem à escuridão. O cheiro</p><p>das flores ficou mais forte. Aurélie estivera ali, talvez</p><p>ainda estivesse. Experimentou dar um passo adiante</p><p>e escutou o silvo do aço, esquivando-se para um lado,</p><p>embora não enxergasse absolutamente nada. Sentiu o</p><p>ar açoitar seu rosto no encalço da lâmina.</p><p>Com uma imprecação, ele ergueu sua espada a tempo</p><p>de aparar o golpe que veio em seguida e acompanhou</p><p>o movimento descendente da outra arma, que</p><p>12 A DAy'S WORk</p><p>ç</p><p>ainda tentou uma cutilada baixa. Ele fez menção</p><p>de desarmar o oponente, mas a pessoa já havia se</p><p>desvencilhado e, pelo que se podia deduzir a partir do</p><p>som arrastado de passos, afastara-se de costas.</p><p>Os olhos de Oliver se adaptaram o suficiente para</p><p>que ele divisasse o vulto de um outro espadachim,</p><p>mas não suas feições. A postura e a maneira como</p><p>o sujeito segurava a espada indicavam que recebera</p><p>treinamento adequado, diferente dos cabeças-duras lá</p><p>da taverna. Oliver sossegou a mente ao mesmo tempo</p><p>que sua respiração se acelerava, e a expectativa e uma</p><p>certa alegria o cobriram como se fossem uma de suas</p><p>capas preferidas.</p><p>Estudou o oponente. Não se enxergavam as</p><p>feições, mas ele estava interessado no equilíbrio,</p><p>na movimentação, nos próximos passos da dança.</p><p>Quando o outro espadachim avançou, Oliver não</p><p>recuou, simplesmente girou a espada e torceu o</p><p>corpo para deixar o ataque passar. O outro homem se</p><p>recobrou rapidamente, sem perder o equilíbrio nem</p><p>entrar demais no raio de ação de Oliver.</p><p>O ataque seguinte de Oliver o fez avançar e penetrar</p><p>o espaço do oponente, obrigando o outro a se</p><p>defender, só para ver no que daria. Feito um parceiro</p><p>de dança, o outro homem recuou, não muito, só o</p><p>bastante para receber o golpe de Oliver e acompanhar</p><p>o movimento.</p><p>Separaram-se, erguendo as espadas entre os dois</p><p>ao descreverem um círculo, as pontas quase se</p><p>tocando, medindo um ao outro. Aproximaram-se</p><p>mais uma vez, ao som melodioso das lâminas que se</p><p>entrechocaram numa série de ataques rápidos, e o</p><p>sangue de Oliver se juntou ao coro. O oponente era</p><p>bom. Não tão bom quanto ele próprio. Não era tão</p><p>experiente. Mesmo assim, em outras circunstâncias,</p><p>ele teria adorado dedicar algum tempo a transformar</p><p>aquele embate num diálogo decente. Mas Oliver</p><p>também duelava com o tempo, sem saber ao certo</p><p>o tamanho da vantagem que Aurélie poderia estar</p><p>ganhando em cima dele. Executou uma série veloz de</p><p>golpes em arco, aí quebrou a cadência para encurtar a</p><p>distância, impor-se e, aplicando um pouco de pressão,</p><p>desarmou o oponente, atirando-lhe a espada no solo,</p><p>com estrépito.</p><p>Ele girou sua rapieira, apenas para vê-la bloqueada</p><p>pelo gume de uma nova arma, uma parada que lhe</p><p>pareceu tão imprevista quanto familiar.</p><p>— Robert? — Ele se dirigiu ao novo antagonista.</p><p>A risadinha característica afastou qualquer sombra</p><p>de dúvida, não que lhe fosse possível deixar de</p><p>reconhecer o estilo de esgrima do amigo.</p><p>— Salve, Oliver. Sinceramente, você demorou um</p><p>bocado. Eu já estava preocupado com a possibilidade</p><p>de nos atrasarmos.</p><p>A frustração se juntou à impaciência crescente, e</p><p>Oliver sentiu o sangue ferver.</p><p>— Atrasar? Você só vai se atrasar para descobrir</p><p>minha espada enfiada no seu...</p><p>— Tsc. Já chega. Estamos diante de uma dama, oras.</p><p>Oliver ficou petrificado. Seus pensamentos</p><p>começaram a se arranjar bem a tempo de perceber,</p><p>no instante em que seu primeiro oponente percutiu</p><p>uma pederneira e acendeu uma lanterna que havia por</p><p>ali, o que seus olhos estavam prestes a ver.</p><p>— Senhora Aurélie — ele se dirigiu a ela,</p><p>nada surpreso.</p><p>Ela havia trocado as anáguas e o vestido por calções</p><p>e uma camisa de talhe justo, com as mangas recolhidas</p><p>para que não a atrapalhassem em combate. Fazendo</p><p>uma mesura, ela sorriu para Oliver, com a mesma</p><p>discrição de sempre, e foi buscar a espada que ele</p><p>havia tirado de suas mãos.</p><p>— Ela é boa, né? — Não foi de fato uma pergunta.</p><p>Robert a seguia com os olhos, o orgulho estampado</p><p>no rosto. Orgulho e algo mais...</p><p>— Ah, pelo amor de toda a maldita corte feérica —</p><p>Oliver resmungou. — Há quanto tempo vocês...?</p><p>E, finalmente, Robert lhe fez a cortesia de</p><p>parecer encabulado.</p><p>— Aceitei o emprego na casa de Descoteaux</p><p>quatro meses atrás. Comecei a ensiná-la a esgrimir</p><p>uma semana depois e venho fazendo isso desde</p><p>então. — Diante do olhar que Oliver lhe lançou,</p><p>ele abriu os braços. — Ela queria aprender. Tem</p><p>muita determinação.</p><p>Robert nem sequer esboçou um pedido de desculpas</p><p>ao dizê-lo. Passando logo atrás dele, Aurélie se deteve</p><p>para ficar nas pontas dos pés e depositar um beijinho</p><p>carinhoso em seu rosto.</p><p>Oliver observava os dois à luz bruxuleante da</p><p>lanterna, destacados como atores sobre o palco, e o</p><p>resto do armazém era uma cortina de sombras.</p><p>— Para que me meter nisso? — Ele indagou,</p><p>decidindo que era melhor se ater às perguntas</p><p>realmente pertinentes, para não ceder ao impulso de</p><p>estrangular o amigo ali mesmo e arruinar o momento.</p><p>Robert deu de ombros.</p><p>— Ora, chegamos a tal ponto que não havia como</p><p>eu continuar no emprego. O pai de Aurélie estava</p><p>começando a desconfiar. Além disso, eu tinha de</p><p>cuidar dos preparativos... Mas precisava ter certeza</p><p>de que Aurélie estaria protegida na minha ausência.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 13</p><p>ç</p><p>Aurélie bufou delicadamente ao ouvir isso, e Oliver</p><p>viu-se inclinado a concordar. Ela provavelmente era</p><p>capaz de se proteger.</p><p>— Fazia todo sentido arranjar para que você ficasse</p><p>com o emprego de guarda-costas de Aurélie — Robert</p><p>continuou. — Eu saberia que ela estaria em segurança</p><p>e hoje não teríamos a complicação extra de nos</p><p>livrarmos de um intrometido com excesso de zelos.</p><p>Além do mais, eu precisava de você aqui, para não ficar</p><p>sem o padrinho.</p><p>Ao ouvir isso, Oliver ficou paralisado, e interrompidos</p><p>também foram seus pensamentos agradáveis sobre</p><p>jogar Robert bêbado nas garras dos recrutadores</p><p>da presiganga.</p><p>— Desculpe-me, o que foi que disse?</p><p>Robert sorriu radiante para Aurélie, que lhe afagou</p><p>o rosto.</p><p>— Vamos nos casar — ele anunciou, todo animado.</p><p>— E você será meu padrinho. — Ele percorreu Oliver</p><p>com os olhos, de alto a baixo. — Ou madrinha. Um</p><p>dos dois.</p><p>Certo. O maldito vestido. Decididamente,</p><p>Robert teria um entrevero com os recrutadores da</p><p>presiganga. Ele que o considerasse um presente de</p><p>casamento ou talvez uma tardia despedida de solteiro.</p><p>Aí Oliver olhou para Aurélie, uma beleza absurda e</p><p>transcendental até mesmo à luz ruim de um armazém</p><p>dilapidado, com a espada ao quadril e a habilidade de</p><p>uma menina prodígio, se já era boa daquele jeito com</p><p>apenas quatro meses de treinamento.</p><p>Certo. Não podia culpar Robert, não mesmo.</p><p>A pequena embarcação balouçava sobre as ondas,</p><p>o sol poente pintava o oceano de dourado. Oliver</p><p>serviu de testemunha enquanto o capitão do pequeno</p><p>pesqueiro recitava a cerimônia matrimonial, Robert</p><p>e Aurélie trocaram alianças, cruzaram espadas e</p><p>fizeram seus votos também pelas armas. Foi lindo, sem</p><p>dúvida alguma. Teria sido mais comovente não fosse</p><p>a corrente de ar que lhe subia pela barra da camisola.</p><p>Olhou de relance para Anika Boeveld a seu lado,</p><p>sorrindo radiante com um lencinho numa das mãos.</p><p>Só por via das dúvidas, Anika lhe dissera ao puxar o</p><p>lenço com um floreio antes do começo da cerimônia.</p><p>Ao lado dela estava o ussurano que tentara esmagar</p><p>Oliver lá na taverna.</p><p>Anika e o ussurano haviam se juntado a eles no cais</p><p>quando estavam subindo a bordo do pesqueiro que</p><p>Robert alugara para a ocasião. Depois de tomarem</p><p>alguma coisa e conversarem na taverna parcialmente</p><p>destruída, Anika oferecera ao ussurano, que por acaso</p><p>realmente se chamava Iúri, o emprego de guarda de</p><p>segurança, para que ninguém mais roubasse os cavalos</p><p>de sua carruagem , como ela explicara a Oliver.</p><p>Robert e Aurélie juraram por suas espadas defender</p><p>um ao outro de todos</p><p>os inimigos e para todo o</p><p>sempre, beijaram-se e foram declarados marido e</p><p>mulher pelo pescador. Iúri fungou. Anika passou-lhe</p><p>o lencinho.</p><p>O dia não havia transcorrido como planejado, mas</p><p>os planos, assim como uma boa espada, exigiam um</p><p>pouco de flexibilidade.</p><p>Welcome to 7th Sea</p><p>Capítulo 1Bem-Vindos Ao 7º Mar</p><p>ç</p><p>16 CAPÍTULO 1 | BEM-VINDOS AO 7° MAR</p><p>E</p><p>sta é Théah em 1668 AV (Anno Veritatis)! Este livro fornece todas as informações de que você precisa para</p><p>contar histórias de capa, espada, feitiçaria, intriga, romance e aventura! Prepare-se para entrar num mundo de</p><p>pirataria, diplomacia, arqueologia e exploração. É um mundo de mosqueteiros, bucaneiros e corsários, de bruxaria</p><p>antiga e civilizações perdidas, segredos que se ocultam nas sombras e monstros que se escondem à vista de todos.</p><p>É muita coisa para digerir e, por isso, vamos dar um passo de cada vez.</p><p>Capa, Espada e Feitiçaria</p><p>No mundo de 7° Mar, uma ordem de mosqueteiros</p><p>protege a vida dos nobres, mas também defende virtudes</p><p>como honra, integridade e fraternidade. É um mundo de</p><p>espadas e espíritos afiados, no qual uma réplica mordaz</p><p>pode ser tão letal quanto a ponta de uma arma branca.</p><p>Também é um mundo onde a nobreza controla a</p><p>força mais poderosa de todas: a feitiçaria. Uma forma</p><p>poderosa de magia vive no coração dos nobres, um poder</p><p>que eles receberam tempos atrás. Alguns deles assumem</p><p>formas de animais. Outros rasgam a trama da realidade</p><p>ou brincam com as forças do Destino.</p><p>O fio rijo do aço aliado à substância tenebrosa da</p><p>feitiçaria: esse é o mundo de 7° Mar.</p><p>Pirataria e Aventura</p><p>Os piratas de 7° Mar têm uma causa comum: a liberdade.</p><p>Liberdade em relação à tirania de feiticeiros e soberanos.</p><p>Liberdade em relação aos grilhões da Igreja dos Profetas.</p><p>Liberdade em relação a proprietários de terras e agiotas</p><p>gananciosos. Os piratas vão aonde bem entendem, tomam</p><p>o que querem e levam uma vida livre que outras pessoas</p><p>no mundo de 7° Mar desconhecem.</p><p>Com o declínio da Igreja, as coisas ficaram ainda melhores</p><p>para os piratas. A nobreza teana contrata aventureiros</p><p>temerários para explorar o desconhecido e trazer o butim</p><p>que lá encontram. Naturalmente, se baixarem a guarda um</p><p>segundo que seja, esses aventureiros acabarão enfrentando</p><p>o perigo que os piratas à caça de presas fáceis representam.</p><p>BEM-VINDOS AO 7° MAR</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 17</p><p>ç</p><p>Diplomacia e Intriga</p><p>No mundo de 7° Mar, os reinos estão prestes a se</p><p>transformar em países. Nas cortes de reis e rainhas, os</p><p>diplomatas com suas perucas empoadas e trajes de seda</p><p>e renda tentam resolver as disputas entre as nações. Um</p><p>vagalhão de nacionalismo se forma no âmago de homens</p><p>e mulheres, e um novo tipo de conflito — a guerra</p><p>secreta — começa a despontar no mundo.</p><p>Um novo tipo de espionagem também ganha espaço.</p><p>Agentes treinados nas artes do logro e da dissimulação</p><p>levam vidas perigosas de ilusão, roubando os segredos</p><p>inimigos apenas com sua beleza, sagacidade e presença</p><p>de espírito... Além de sua disposição de fazer qualquer</p><p>coisa por seu país e soberano.</p><p>Arqueologia e Exploração</p><p>Para além dos reinos de Théah jazem as ruínas de uma</p><p>civilização antiga, perdida há séculos: as vastas cidades</p><p>da esquecida Syrneth. Quem saberá dizer que tesouros</p><p>antigos ainda restam, longe dos olhos da humanidade e</p><p>intocados por suas mãos?</p><p>Homens e mulheres que se denominam “arqueólogos”</p><p>descobrem esses tesouros e os entregam à nobreza.</p><p>Aventurando-se nas perigosas ruínas antigas,</p><p>esses estudiosos são o assunto da moda nas cortes</p><p>aristocráticas e tema de romances em todo o continente.</p><p>Almejam descobrir os segredos dos syrne, esperando</p><p>encontrar a chave para as origens da humanidade e, quem</p><p>sabe, os segredos do próprio universo.</p><p>Romance e Vingança</p><p>Dizem os poetas que quem se apaixona padece do mal</p><p>do amor. Deixa-se de comer, pensar ou fazer qualquer</p><p>coisa. E a única cura para esse mal é a causa da própria</p><p>doença: a pessoa amada. A vingança provoca o mesmo</p><p>tipo de enfermidade. Deixa-se de comer, pensar ou</p><p>fazer qualquer coisa. A única cura para esse mal é a</p><p>causa da própria doença: a pessoa que terá de pagar pelo</p><p>sofrimento do vingador.</p><p>O romance pode ser um manancial de histórias,</p><p>principalmente num mundo em que os casamentos</p><p>arranjados são lugar-comum. Os teanos são um pouco</p><p>mais esclarecidos que seus equivalentes em nosso século</p><p>XVII, mas ainda são humanos, e o preconceito, o ciúme</p><p>e outras emoções horríveis ainda existem. Entretanto, a</p><p>vingança é uma senda perigosa que lança alguns heróis</p><p>diretamente nos braços acolhedores da vilania. A maior</p><p>prova que uma heroína pode enfrentar é ter um vilão à</p><p>sua mercê.</p><p>Que Espécie de Jogo é Este?</p><p>7º Mar é um jogo cooperativo de contar histórias. É</p><p>bem parecido com polícia e ladrão, só que as regras são</p><p>mais sofisticadas. Quando se reúnem para uma sessão de</p><p>7° Mar, os jogadores narram as aventuras de um grupo</p><p>de personagens em Théah. Os jogadores reúnem seus</p><p>talentos e os utilizam para dar vida às histórias diante</p><p>de todas as pessoas envolvidas.</p><p>Qualquer número de pessoas pode participar, mas o</p><p>grupo ideal é formado por três a seis jogadores, incluindo</p><p>um — denominado Mestre — que vai arbitrar os</p><p>momentos incertos da narrativa e ajudar a levar a história</p><p>adiante. Cada sessão de jogo recebe o nome de episódio,</p><p>um pedaço da história no qual os Heróis vivem aventuras</p><p>e resolvem problemas, como numa série de tevê semanal.</p><p>Os Jogadores</p><p>Cada jogador vai criar um Herói ou uma Heroína</p><p>para representar, usando as regras contidas neste livro.</p><p>Muitas pessoas que jogam RPG curtem criar Heróis</p><p>com antecedentes, perícias, atitudes e habilidades</p><p>completamente diferentes daquelas que elas mesmas</p><p>possuem. Muitas vezes, essas personagens farão</p><p>coisas que os jogadores que as interpretam nunca</p><p>sonhariam fazer.</p><p>Ao jogar 7° Mar, você às vezes fala como se fosse a</p><p>personagem, representando o diálogo como se estivesse</p><p>num filme. Outras vezes, você fala de sua personagem na</p><p>terceira pessoa, descreve o que seu Herói faz diante do</p><p>perigo e da aventura.</p><p>Heróis e Heroínas vivem aventuras arriscadas: frustram</p><p>tramas ignóbeis contra os monarcas, resgatam nobres</p><p>que foram sequestrados, descobrem segredos antigos e</p><p>proibidos e protegem as pessoas comuns do perigo. Não</p><p>é um trabalho fácil, mas é por isso que estamos falando</p><p>de Heróis e Heroínas.</p><p>Mestre</p><p>A Mestre é um elemento importantíssimo do jogo.</p><p>Cada jogador cria apenas um Herói ou uma Heroína</p><p>para representar, mas a Mestre cria todas as pessoas,</p><p>os lugares e as coisas que as personagens vão encontrar.</p><p>Cria sementes de enredos para as personagens e tira</p><p>reviravoltas da cartola, em resposta às contribuições</p><p>dos jogadores.</p><p>ç</p><p>18 CAPÍTULO 1 | BEM-VINDOS AO 7° MAR</p><p>A Mestre é, basicamente, os cinco sentidos dos jogadores.</p><p>Descreve tudo que as personagens dos jogadores vivenciam,</p><p>desde o tremor nos lábios da princesa mimada que se queixa</p><p>das assaduras provocadas pela sela à gargalhada estridente</p><p>do vilão maquiavélico, passando pelo som repugnante da</p><p>bolacha de bordo ao ser mastigada, quando as personagens</p><p>descobrem que a ideia era embebê-la em líquido antes de</p><p>tentar ingeri-la.</p><p>Escrevemos um capítulo inteiro voltado para a Mestre,</p><p>com dicas, sugestões e truques para facilitar seu trabalho.</p><p>Se você for jogador, talvez seja melhor não ler o capítulo</p><p>da Mestre. Da mesma maneira que descobrir como se</p><p>faz um truque de mágica, a leitura desse capítulo revela</p><p>vários segredos, e você não vai querer estragar o prazer</p><p>de descobrir tudo isso por conta própria, ou vai?</p><p>A Mestre é autora, atriz de improviso e árbitra. Toda</p><p>vez que surgir uma discordância em relação às regras,</p><p>caberá à Mestre tomar a decisão final. A Mestre também</p><p>é responsável por amarrar as pontas da história, reunindo</p><p>as contribuições dos jogadores numa narrativa coerente.</p><p>7° Mar utiliza dados de dez faces (que você pode</p><p>encontrar em lojas especializadas em jogos) para ajudar</p><p>a decidir o êxito ou o fracasso da maioria das ações</p><p>tentadas</p><p>pelas personagens. Toda vez que o resultado de</p><p>uma ação for incerta, a Mestre pedirá aos jogadores para</p><p>lançar alguns dados, somar os valores obtidos e informar</p><p>o resultado. Esse total vai determinar o grau de sucesso</p><p>ou fracasso.</p><p>Quem Vence?</p><p>A melhor coisa a respeito dos RPGs é que todo</p><p>mundo pode sair vencedor. Por outro lado, também</p><p>é possível todo mundo perder. Jogar RPG é como</p><p>contar histórias. Quando todos trabalham em</p><p>conjunto, os jogadores são capazes de criar uma</p><p>história deslumbrante e elaborada, repleta de</p><p>aventura, drama e emoção. Os jogadores precisam ter</p><p>paciência e cooperar para que cada um deles tenha seu</p><p>momento ao sol.</p><p>Da mesma maneira, as Mestres precisam ser imparciais</p><p>com os jogadores e permitir que todos tenham a</p><p>oportunidade de participar da história. Basta um jogador</p><p>egoísta para estragar a noite de todo mundo. E “perder”</p><p>é isso aí. É quando um ou mais jogadores colocam sua</p><p>diversão acima do resto do grupo. É assim que se perde</p><p>num RPG.</p><p>Théah</p><p>Théah é o continente onde toda a ação de 7° Mar se</p><p>desenrola, um continente muito semelhante à Europa</p><p>do século XVII. É dominada por uma série de nações-</p><p>estados que, cultural e historicamente, lembram</p><p>determinadas nações europeias da nossa Terra. Ela</p><p>não é a irmã gêmea da Europa, mas não resta dúvida</p><p>de que é uma prima distante, e isso deve tornar Théah</p><p>mais familiar e facilitar a compreensão de sua história e</p><p>cultura. Existem, porém, algumas diferenças importantes.</p><p>Feitiçaria</p><p>A feitiçaria é uma força muito real em Théah. É poderosa e</p><p>arriscada, e cada variedade de magia exige um tipo específico</p><p>de sacrifício. Trata-se de uma disciplina que nem todos</p><p>conseguem ou devem tentar dominar, mas, quando seu</p><p>poder é utilizado por quem sabe bem como empregá-lo, a</p><p>feitiçaria é capaz de mudar o destino de nações.</p><p>A Igreja dos Vaticínios</p><p>A principal religião de Théah — a Igreja dos</p><p>Profetas ou Igreja dos Vaticínios — apresenta muitos</p><p>elementos semelhantes aos do catolicismo europeu,</p><p>mas também algumas diferenças filosóficas cruciais.</p><p>A Igreja adota a ciência e estimula a disseminação do</p><p>conhecimento por meio de escolas e universidades.</p><p>Graças ao empenho da religião, os teanos fizeram</p><p>vários avanços científicos que só ocorreriam em nossa</p><p>Terra séculos depois.</p><p>Infelizmente, a Igreja também tem um lado mais</p><p>tenebroso. Théah acabou de sair da “Guerra da Cruz”, um</p><p>conflito de trinta anos entre os vaticinistas tradicionais e</p><p>um movimento reformador conhecido como objecionismo.</p><p>Pior ainda, uma Inquisição sinistra acabou de tomar o</p><p>poder no seio da Igreja, ameaçando transformá-la num</p><p>instrumento a serviço do terror.</p><p>DELIBERAÇÕES VERSUS REGRAS</p><p>Criamos as regras deste livro para ajudar</p><p>Mestres e jogadores a contar histórias.</p><p>Queremos que vocês pensem nestas regras</p><p>como algo elástico, flexível e adaptável, e não</p><p>como algo definitivo. Em outras palavras, não</p><p>usem este livro como autoridade, e sim como</p><p>guia. Toda regra é um exemplo de como nós</p><p>faríamos as coisas, mas não é necessariamente</p><p>como você deve fazê-las. Daremos às Mestres</p><p>vários exemplos de como usar as regras no</p><p>capítulo voltado para elas.</p><p>7º MAR | LIVRO BÁSICO DE REGRAS 19</p><p>ç</p><p>A Syrneth Perdida</p><p>As ruínas de uma sociedade muito mais antiga que a</p><p>humanidade estão espalhadas por Théah. Algumas</p><p>delas se encontram em cidades arruinadas e soterradas,</p><p>outras jazem numa extensa cadeia de ilhas nos mares</p><p>ocidentais. A raça que as construiu — conhecida como</p><p>syrne — continua desconhecida, mas já está claro que não</p><p>era humana. Essas ruínas são um verdadeiro tesouro para</p><p>homens e mulheres audaciosos. Artefatos estranhos foram</p><p>retirados de suas profundezas, levando a um bocado de</p><p>perplexidade... e a fortunas ainda maiores.</p><p>Nações</p><p>As atuais nações de Théah representam todo o mundo</p><p>civilizado... do ponto de vista dos teanos. Uma descrição</p><p>mais pormenorizada de cada uma delas se encontra no</p><p>capítulo “Théah”.</p><p>• Avalon: Verdejantes e encantados, estes três</p><p>reinos unidos ascenderam recentemente à linha</p><p>de frente da política teana.</p><p>• Castilha: Sede da Igreja dos Vaticínios, essa</p><p>Nação fértil resistiu recentemente a uma invasão.</p><p>Montaigne, a Nação vizinha a oeste, queria</p><p>tomar suas terras aráveis e minas fartas.</p><p>• Eisen: Uma terra orgulhosa que se recupera de</p><p>uma guerra de trinta anos. Eisen é uma Nação</p><p>de veteranos que também abriga horrores</p><p>desencadeados por três décadas de assassínio em</p><p>massa.</p><p>• Terras Altas, as Terras Altas: Ao norte de</p><p>Avalon vivem homens e mulheres fortalecidos</p><p>pela aspereza da terra. O maior desejo dos</p><p>altiterrenses é a liberdade a qualquer custo.</p><p>• Inismore: A Ilha Esmeralda é a irmã caçula,</p><p>rebelde e travessa de Avalon, liderada por um rei</p><p>que talvez seja imortal, mas certamente é louco</p><p>de pedra.</p><p>• Montaigne: Uma das nações mais poderosas de</p><p>Théah, a vanguarda da arte e da cultura mundial,</p><p>mesmo neste momento em que o imperador</p><p>oprime seu povo.</p><p>• Comunidade Sarmática: Duas nações unidas</p><p>por uma única coroa, a Comunidade é uma</p><p>monarquia democrática onde todas as pessoas</p><p>são iguais, até mesmo os reis.</p><p>• Ussura: Uma Nação dividida entre dois</p><p>soberanos ambiciosos que farão de tudo para</p><p>modernizar o país à força, não importa o custo.</p><p>• Vestenmennavenjar: Uma Nação de</p><p>saqueadores e chefes guerreiros que dominou</p><p>a economia mundial ao transformar espadas e</p><p>lanças em moedas.</p><p>• Vodacce: O antigo berço da civilização, hoje</p><p>dividido entre sete príncipes mercantes e suas</p><p>manobras complexas, que abarcam todos os</p><p>cantos do mundo.</p><p>Cada uma dessas nações está desenvolvendo uma</p><p>identidade nacional: uma ideia de país que vai além das</p><p>preferências da nobreza ou dos monarcas. As pessoas</p><p>comuns hoje se veem como aisenianas ou montenhas e</p><p>estão dispostas a lutar por aquilo que entendem como sua</p><p>herança cultural e segurança nacional.</p><p>Sociedades Secretas</p><p>As nações não são as únicas potências que decidem os</p><p>rumos de Théah. Existem muitas organizações de natureza</p><p>mais clandestina — desvinculadas de nacionalidade ou</p><p>religião — por trás da política teana, e algumas delas</p><p>passam despercebidas até mesmo pelos estudiosos e</p><p>estadistas mais observadores. Mais informações a respeito</p><p>desses grupos podem ser encontradas no capítulo “Théah”.</p><p>Além de Théah</p><p>Existem outros mundos além do continente de Théah.</p><p>Lugares cheios de prodígios, mistérios e magia. Temos</p><p>Ifri, o continente logo ao sul de Théah, também conhecido</p><p>como as “Terras de Ouro e Fogo”. No oeste longínquo fica</p><p>o continente conhecido como o “Novo Mundo”, uma terra</p><p>na qual os deuses antigos caminham pela terra. Logo ao</p><p>norte do Novo Mundo ficam as várias colônias fundadas</p><p>pelos teanos. E no leste... temos o Império do Crescente.</p><p>Esses continentes não são descritos neste volume, mas</p><p>serão abordados em futuros livros de referência.</p><p>Sua Aventura Começa</p><p>Agora!</p><p>Se quiser começar agora mesmo, leia o Capítulo 3:</p><p>Criação de um Herói.</p><p>Se quiser saber um pouco mais a respeito de Théah antes</p><p>de começar a criar seu Herói, leia o Capítulo 2: Théah.</p><p>Você vai encontrar uma pá de informações a respeito da</p><p>história e cultura teanas, além de uma seção enorme sobre</p><p>cada uma das nações.</p><p>Théah</p><p>Capítulo 2</p><p>Théah</p><p>22 CAPÍTULO 2 | THéAH</p><p>ç</p><p>E</p><p>ste capítulo oferece um panorama do continente de Théah, a primeira parte do mundo bem mais vasto de</p><p>7° Mar. Discutiremos a geografia, a cultura, a política e praticamente tudo mais que você precisa saber a</p><p>respeito da Théah seiscentista e dos teanos que lá vivem.</p><p>Diversidade em Théah</p><p>A maior diferença entre os teanos e os europeus é</p><p>a diversidade. A Igreja dos Vaticínios ensina que</p><p>todos os homens e mulheres são iguais aos olhos do</p><p>Criador, não importando onde tenham nascido nem</p><p>que aparência tenham. Em virtude dessa diferença,</p><p>a migração intercultural vem ocorrendo em Théah</p><p>com muito mais regularidade que na Europa. E isso</p><p>implica que, ali, muito mais gente nasce em um país</p><p>e vive em outro.</p><p>As nações ainda conservam sua identidade — as</p><p>pessoas de Inismore costumam ter pele clara,</p>