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<p>Martins, L. (1985). Estado capitalista e burocracia no Brasil Pós 64. Rio de Janeiro: Paz e Terra. Mill, J. S. (1983). Princípios de economia política; com algumas de suas implicações à filosofia social. São Paulo: Abril Cultural, 2 vols. (Os Eco- nomistas). Musgrave, R. (1973). Teoria das finanças públicas: um estudo da economia governamental. São Paulo-Brasília: Atlas-INL. Musgrave, R. & Musgrave, P. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Rio de Janeiro-São Paulo: Campus-Editora Universidade de São Paulo. CAPÍTULO 5 Oliveira, Fabrício Augusto de (1991). A reforma tributária de 1966 e a O déficit público acumulação de capital no Brasil. Belo Horizonte: Oficina de Livro; 2 Oliveira, Fabrício Augusto de (1995). Crise, reforma e desordem do sistema tributário nacional. Campinas: Editora da Unicamp. 1. Introdução (1990). A política fiscal e reordenamento institucional do setor público na Nova República. Campinas: IE/Unicamp, mimeo. DÉFICIT E DÍVIDA PÚBLICA e, por extensão, o Estado, Pires, Valdemir (1996). Estado, mercado e tributação. Piracicaba: Editora na cadeira de réus desde a década de setenta, acusados, pelo Unimepe. Prado, Sérgio (1985). Descentralização do aparelho do Estado e empresas pensamento econômico ortodoxo, de serem responsáveis pelas ondas de estatais: um estudo sobre setor público descentralizado Mes- instabilidade que têm marcado a economia mundial desde essa época. trado. Campinas: IE/Unicamp. Depois de terem contribuído decisivamente para o longo ciclo de expan- Quadros, W. (1994). ICMS e a tributação do valor adicionado: uma são do capitalismo iniciado após a Segunda Grande Guerra, sob a lide- análise da sistemática de tributação do consumo no Brasil. Mestrado. rança hegemônica dos Estados Unidos, os desequilíbrios financeiros dos Campinas: IE/Unicamp. Estados, causados, de modo geral, pelas ondas de instabilidade que se Rezende, F. (1974). imposto sobre a renda e a justiça fiscal. Rio de Janei- abateram sobre a economia mundial e exacerbaram as taxas de juros ro: Ipea/Inpes. (1977). Finanças públicas. São Paulo: Atlas. internacionais, causando a explosão das dívidas públicas, transforma- Rezende, F.; Oliveira, F. & Araújo, E. dilema fiscal: remendar ou ram-se nos vilões que obstam seu curso e inibem o funcionamento dos reformar? Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas. mecanismos de mercado. "Nem dívida, nem déficit, nem Estado", pare- Riani, Flávio (1986). Economia do setor público; uma abordagem introdutó- cem ser as palavras de ordem do pensamento dominante, para que o ria. São Paulo: Atlas. sistema capitalista de produção possa seguir seu curso natural, liberto das Secretaria da Receita Federal/Ministério da Fazenda. Carga tributária no amarras que o prendem ao Estado e que tolhem suas possibilidades de Brasil 2006. Brasília: Receita Federal. Coordenação Geral de Políti- realização plena. ca Tributária (Estatísticas Tributárias 19); Não surpreende o ressurgimento dessas idéias no final de um longo Varsano, Ricardo et al. (1998). Uma análise da carga tributária no Brasil Brasília: Ipea. Texto para Discussão 583. ciclo de expansão do sistema, que parece ainda estar reorganizando/rees truturando suas bases e seus agentes para sustentar a nova etapa em que ingressou. Entre esses agentes figura, de forma central, o Estado, porque, apesar das vozes apologéticas do mercado, "o capitalismo só triunfa quan- do se identifica com o Estado, quando é o Estado (Braudel, 1977, apud Arrighi, 1996, pp. 11-12). Mas não o Estado carcomido pela crise fiscal e 242 As receitas públicas déficit público 243</p><p>financeira, endividado, a que este último ciclo de expansão do sistema conduziu, mas um Estado renovado em suas bases de financiamento, em 2. Os déficits públicos suas formas de intervenção e em seu quadro instrumental, adequados à nova realidade. Enfim, um Estado que cumpra a sua sina de fazer o capi- Quando a receita (R) arrecadada pelo governo com a cobrança de talismo triunfar e não a de se opor aos seus desígnios. É isso e somente tributos é igual ou superior aos gastos (G) que efetua para o desempenho isso - que essas idéias antiEstado, velhas em sua forma, preconizam. Por de suas funções, tem-se uma situação conhecida como de equilíbrio orça- que somente os ingênuos os que se guiam pela aparência do mercado mentário, ou de superávit fiscal, onde Segundo os economistas das acreditam que o capitalismo viva sem o Estado, quando este faz parte escolas clássica e neoclássica, tem-se, em ambos os casos, uma situação de sua constituição orgânica. considerada como indicadora de boa e sadia administração financeira. Déficit e dívida pública não são apenas instrumentos de política Isso porque, ao conseguir equilibrar suas contas, não ser necessário ao econômica e mecanismos de financiamento do Estado. São antes, na sua governo ter de recorrer ao financiamento de seus desequilíbrios, por meio origem, as bases que têm sustentado e garantido a lucratividade e re- da emissão de moeda, dando origem a períodos de instabilidade associa- produção, em escala ampliada, do sistema capitalista, principalmente dos à aceleração do processo inflacionário, ou por aumento do endivida- quando esse não consegue mais materializar, na órbita produtiva, seu mento, o que poderia comprometer a sua saúde financeira no futuro, objetivo de geração de lucros. Nesse caso, as expansões financeiras, que se obrigando-o a recorrer a emissões monetárias. alimentam precipuamente da dívida pública e das políticas monetárias, Contrariamente, quando R<G, tem-se uma situação de desequilíbrio substituem a órbita real da economia, asseguram os lucros capitalistas e orçamentário ou, o que quer dizer a mesma coisa, de déficit fiscal. Um prolongam essa etapa até que o capital conclua sua reorganização para resultado que, considerado uma heresia pelos que depositam fé irrestrita uma nova etapa de expansão. Nesse processo, o Estado, ainda que tem- na capacidade dos mecanismos de mercado de corrigirem os desequilí- porariamente, acaba se desorganizando, processo que tornam inoperan brios da economia, teve como seu principal defensor o economista John tes e ineficazes até mesmo seus instrumentos de intervenção no campo Maynard Keynes (1983). Em sua obra lapidar de 1936 A Teoria Geral do econômico. Somente a renovação de suas bases e o seu saneamento Emprego, do Juro e do Dinheiro, Keynes demonstraria que, em determinadas financeiro podem recolocá-lo em condições de voltar a cumprir os seus conjunturas, o déficit público, gerado pela intervenção do Estado na ativi- desígnios. dade econômica, poderia se transformar no mais eficaz instrumento ca- Neste capítulo, bem como no Capítulo 6, procura-se tratar dessas paz de atenuar as flutuações cíclicas do capitalismo e de garantir a trajetó- tões, sem descurar de discutir os conceitos, fundamentos e as implica ria de crescimento em direção aos desejáveis objetivos de pleno emprego ções macroeconômicas do manejo da dívida e dos déficits públicos pelo dos fatores produtivos da economia. Nessa perspectiva, os empréstimos, Estado. No capitalismo globalizado mundializado) a aparente obses de origem pública ou privada, passaram a servistos como benéficos para são antiEstado, antidívida e antidéficit atinge níveis inauditos e talvez garantir a lucratividade e a reprodução do sistema em escala ampliada. nunca, como agora, os instrumentos de política econômica dos Estados Desde que a teoria de Keynes se mostrou bem-sucedida no longo e nacionais tenham se tornado tão inoperantes diante da profunda crise vigoroso ciclo de expansão do capitalismo iniciado após a Segunda Guer- financeira em que estes se encontram mergulhados. "Não é este o Estado Mundial, até o momento em que os Estados, de maneira geral, começa- que o capitalismo é na verdade, o que essas vozes querem ram a vergar sob o peso dos crescentes encargos financeiros de suas dívi- dizer; por isso é preciso recuperá-lo em outras bases, com uma nova das, na década de 1970, o foco do debate, no campo das finanças públicas, ossatura material e novas formas de atuação para o sistema. esteve principalmente centrado nos efeitos do déficit e da dívida pública sobre a economia, na sua importância e consequências para a gestão da 244 déficit público déficit público 245</p><p>política monetária e nos seus limites para o surgimento de situações de Assim é que para a teoria econômica ortodoxa, para a qual não existe instabilidade provocadas pelas incertezas em relação à capacidade dos sociedade, mas indivíduos realizando cálculos racionais, que conduzem governos de honrarem seus compromissos. Adotando a hipótese de que a a economia para um ponto de máxima eficiência e de bem-estar (o ótimo dívida brota do déficit, ou seja, de que é contratada para cobrir desequilí- de Pareto), o Estado seria mais útil para a comunidade se não existisse, brios orçamentários do governo, discutem-se, em seguida, as visões teóricas deixando, assim, de produzir os indesejáveis déficits. Para Keynes, que des- montou criticamente, em sua obra, as premissas teóricas dessa escola, "as predominantes em cada período histórico, quanto aos efeitos do déficit sobre a economia, bem como o novo tratamento que passou a ser confe- características do mundo pressupostas pela teoria ortodoxa não são as da sociedade econômica em que realmente vivemos, daí resultando que seus rido à política fiscal na etapa atual de desenvolvimento do capitalismo. ensinamentos sejam enganadores e desastrosos quando tentamos aplicá- 2.1. Visões teóricas sobre os efeitos los aos fatos da experiência" (Keynes, apud Ormerod, 1996, pp. 75-6). e as consequências dos déficits públicos A da ortodoxia, na década de 1970, liderada pelos teóricos das expectativas racionais e, em particular, pela escola novo-clássica, diante Uma questão cercada de polêmica entre os economistas de escolas da crise do capitalismo e das idéias keynesianas, pôs novamente em xe- teóricas distintas neoclássica, keynesiana (em seus diversos extratos), que essa questão, e tanto o Estado como o déficit público voltaram a ser monetarista e novo-clássica - diz respeito aos efeitos que os déficits públi- considerados vilões dos desequilíbrios macroeconômicos e, consequen- cos provocam no equilíbrio macroeconômico. Para a escola neoclássica temente, da instabilidade do sistema. Por isso, é bom compreender o e os monetaristas, que acreditam na existência de mecanismos estabili- lugar que a questão do déficit público ocupa no corpo teórico dessas esco- zadores automáticos de mercado, os déficits são sempre sinônimos de las, qual papel desempenha e que consequências pode acarretar para o malefício e devem, a todo custo, ser evitados, dados os efeitos nocivos que funcionamento e o equilíbrio do sistema econômico. provocam sobre o nível de preços e sobre a alocação de recursos, reduzin- Quando o governo incorre em déficit ele pode financiá-lo por meio: do a eficiência do sistema e retirando-o de seu ponto de equilíbrio natu- a) do aumento da tributação; b) da emissão de moeda, expandindo a base ral. Contrariamente, para a escola keynesiana, cujos ensinamentos fo- monetária e legitimando-a com a colocação de títulos do Tesouro Nacio- ram apropriados e transformados pela vertente conhecida como Síntese nal junto às autoridades monetárias (Banco Central); ec) da contratação Neoclássica, os déficits representam um instrumento de política econô- de dívida junto ao público. Quais os efeitos que essas formas de financia- mica, cujo manejo é justificado para atenuar as flutuações cíclicas do mento provocam sobre o equilíbrio macroeconômico e qual a melhor alternativa que menos custos representariam para a sociedade? sistema e para viabilizar objetivos de pleno emprego sempre que a econo- mia se defronta com insuficiência de demanda efetiva, tornando o siste- Para o neoclassicismo, os déficits públicos sempre estiveram fora de ma mais eficiente, sem os riscos de provocarem impactos sobre o nível questão. Seriam uma espécie de tumor introduzido por um agente estra- nho o Estado no organismo saudável do sistema econômico, dotado de preços, ou quando há necessidade de prover o governo de recursos não inflacionários. Para os teóricos da "escolha pública" (public choice), que de capacidade de regeneração e de correção de eventuais desequilí- também se filiam ao neoclassicismo e que também ganharam espaço brios surgidos. Já Keynes, questionando a eficiência desses mecanismos com a crise da teoria keynesiana, não somente os déficits como o próprio autorreguladores, que não davam mostras de entrar em ação após anos Estado constituem antípodas do mercado, da eficiência e do equilíbrio do transcorridos da crise econômica dos anos 1930, considerou não existi- sistema, devendo, por essa razão, serem mantidos sob rígido controle, rem problemas na geração de um déficit temporário financiado pela sendo mesmo desejável, como preconiza sua corrente mais radical, a dos expansão monetária, com a colocação de títulos da dívida junto às autori- dades monetárias, numa situação em que a economia se encontrasse rent seeking, que desapareçam para o bem da comunidade. déficit público 247 246 O déficit público</p><p>operando abaixo do pleno emprego dos fatores produtivos. Para ele, o Mas se este mesmo déficit for financiado, por outro lado, com um aumento da demanda efetiva daí resultante estimularia a atividade aumento de impostos, a demanda agregada seria afetada apenas quando econômica, ao ampliar os níveis de consumo e de investimentos, inje- os efeitos multiplicadores do gasto do governo forem maiores que os do tando, assim, forças para seu retorno ao ponto de equilíbrio de pleno setor privado, considerando que a renda disponível deste se reduz, mas os emprego, ao mesmo tempo que a arrecadação aumentaria, permitindo, seus gastos tendem a cair menos, de acordo com sua propensão marginal com isso, a cobertura, ainda que parcial, do déficit inicialmente gerado. de consumo e investimento. Cabe lembrar, contudo, nem sempre ser Esses efeitos seriam, contudo, bem menos significativos, no caso de o viável politicamente o financiamento do déficit pelo aumento de impos- déficit ser financiado por meio da dívida junto ao público ou pelo au- tos em determinadas conjunturas, não podendo ser considerada esta uma mento da tributação, considerando que, nestes casos, não haveria a cria- alternativa com que o governo poderá contar, a qualquer momento, para ção de um novo poder de compra, visto que apenas seriam transferidos aumentar a capacidade de financiamento não inflacionário de seus gastos. recursos do setor privado para o setor público, limitando o atingimento No caso de o financiamento do déficit ser feito por meio da colocação do objetivo de se retirar a economia da crise e de se alcançar o equilíbrio de títulos da dívida junto ao público, os efeitos seriam diferentes, porque de pleno embora também sejam transferidos recursos do setor privado para o go- Diferente seria, contudo, o caso de uma economia operando num verno, a riqueza dos indivíduos aumentaria devido ao pagamento de ju- horizonte de equilíbrio de longo prazo, com fatores produtivos plena- ros, com a demanda por bens e serviços podendo também aumentar em mente utilizados, que corresponde à única situação possível de equilíbrio decorrência do que se chama na economia de "efeito-riqueza". no mundo neoclássico. Neste caso, a necessidade de prover recursos adi- Nessa perspectiva, portanto, os déficits podem representar problemas cionais para o governo (e não a de criar demanda efetiva para estimular a para o caso de uma economia que, encontrando-se numa situação de atividade econômica) poderia causar efeitos mais ou menos danosos para equilíbrio de pleno emprego, os financie de forma inadequada, por emis- a economia, dependendo da escolha feita por uma das alternativas de são excessiva de moeda, provocando impactos inflacionários, ou aumen- financiamento mencionadas emissão de moeda, tributação ou dívida tando a demanda agregada, com a ampliação da riqueza dos indivíduos junto ao público por serem distintos os seus impactos sobre a deman- devido aos ganhos gerados com o pagamento dos juros da dívida. Nesse da agregada, a inflação e o equilíbrio macroeconômico. último caso, déficits permanentes, que são financiados mediante o au- Na visão de Keynes, um déficit permanente financiado pela emissão mento da dívida podem pressionar as taxas de juros e potencializar o de moeda pode, neste caso, gerar inflação e reduzir a demanda agregada "efeito-riqueza", rompendo o equilíbrio existente. privada, mas apenas se essa expansão for superior à taxa de crescimento Essa visão de Keynes de que os déficits públicos afetam as variáveis da capacidade de oferta da economia e à variação do nível de preços (à reais da economia e que podem contribuir, em situação de crise, para inflação). Se ultrapassado esse limite e o governo continuar emitindo expandir a renda e o emprego, reconduzindo-a ao ponto de equilíbrio moeda para se financiar, a taxa de inflação inevitavelmente continuará macroeconômico, sem provocar inflação, tornou-se dominante, para subindo, rompendo-se o equilíbrio macroeconômico existente, à medi- sensaboria do pensamento ortodoxo, enquanto o capitalismo conseguiu da que aumentam as pressões sobre a demanda por parte do setor público manter-se numa trajetória de forte crescimento após a Segunda Grande e privado, que estarão competindo entre si pela aquisição de bens eserviços, Guerra, confirmando o sucesso dos modelos e políticas inspirados nessa podendo conduzir a economia à hiperinflação (Dornbusch & Fisher, escola. 1999, capítulo 14). A partir de meados da década de 1960, contudo, quando o capitalismo começou a emitir sinais de desequilíbrios, suas idéias passaram a ser 1 Para estes pontos ver Dillard (1976, capítulo VI). questionadas pela corrente teórica conhecida como monetarismo (na 248 déficit público déficit público 249</p><p>verdade, o neoclassicismo transfigurado), capitaneada pelo economista exigência da competitividade se encarregaria de dela retirar quaisquer com- Milton Friedman. Para essa corrente, como já tivemos ocasião de apontar promissos com objetivos redistributivos, como discutido no Capítulo 4. nos capítulos anteriores, o déficit público só é capaz de irradiar efeitos No plano financeiro, a liberalização financeira e o passeio do dinheiro sobre as variáveis reais da economia no curto prazo, transformando-se no mundo em busca de lucratividade, tornariam maiores os riscos dos em mera inflação no longo prazo, à medida que os agentes econômicos agentes envolvidos nesse processo e passariam a exigir dos governos a corrijam/adaptem suas expectativas sobre o seu comportamento, retiran- adoção de medidas e regras mais confiáveis de maior controle de suas do o sistema de seu ponto de equilíbrio natural. contas para garantir a sustentabilidade de suas dívidas, bem como a garantia Embora as posições dessa escola se afigurem como uma negação da de políticas econômicas consistentes com o objetivo de valorização desses capi- teoria keynesiana no tocante ao papel do Estado e da política fiscal, não se tais, sob pena de não contarem com recursos para o seu financiamento e pode considerar que tenha ocorrido, com ela, uma ruptura radical com o sujeitarem as economias de seus países a ondas de instabilidade. seu pensamento, à medida que considera, mesmo que no curto prazo, Ora, se de acordo com a escola novo-clássica, a política fiscal é sempre que a última engendra efeitos sobre a renda, o emprego, o investimento, inócua em seu objetivo de afetar as variáveis reais, já que os agentes eco- etc. Com isso, o debate teórico envolvendo os economistas da síntese nômicos, cujas expectativas são racionais, neutralizam seus efeitos, atuan- neoclássica e os da escola monetarista continuou sendo realizado em torno do preventiva/defensivamente os déficits nada mais geram do que infla- dos efeitos gerados pelo déficit público sobre a inflação, das consequên- ção e endividamento público, que desviam a economia de seu leito natural cias da disputa de financiamento pelo Estado com o setor privado (efeito de equilíbrio e provocam instabilidade. Se assim é, a discussão sobre os crowding out) e também do gasto público sobre a demanda agregada e de impactos por eles engendrados na demanda agregada, na renda e no suas implicações para os resultados da balança comercial. Só a partir da emprego, perde qualquer sentido e, considerando os efeitos prejudiciais década de 1970, essas questões começaram a esmaecer, quando, diante da que causam para a eficiência e o equilíbrio do sistema, torna-se apenas crise econômica que se abateu sobre a economia mundial, nesse período, questão de bom senso sua condenação. Nessa perspectiva, é que se pode combinando a expansão do déficit público com a aceleração inflacioná- entender as teses e posições agressivamente antiEstado que se tornaram ria, acentuaram-se as críticas aos modelos de inspiração keynesiana e dominantes nas décadas de 1980 e 1990, catapultando o pensamento abriram-se as portas para o predomínio da visão que surgiu sobre as expec- neoliberal e justificando as propostas de reforma que surgiram para a tativas racionais dos agentes econômicos, e da escola conhecida como novo- redução, ao mínimo, de suas atividades. Deixava de existir, assim, neste clássica, as quais representariam, de fato, no campo teórico, uma ruptura novo quadro teórico, espaço para a política fiscal, projetando-se um pro- radical com aquele pensamento no tocante ao papel do Estado e à política gressivo esvaziamento do Estado, caso continuassem a prosperar as pro- fiscal, como vimos no Capítulo postas de reformas que passaram a ser sugeridas na onda neoliberal que Por outro lado, as transformações conhecidas pelo capitalismo, a par- rapidamente se espalhou pelo mundo. tir da década de 1980, com a globalização dos mercados de crédito e de Se dispensado de seus serviços como agente responsável pela formula- produtos e com a queda das barreiras ao livre fluxo comercial e financei- ção e implementação de políticas de demanda agregada, os resultados ro, cuidariam de garantir um novo tratamento para a questão fiscal, sus- colhidos pelas reformas de cunho neoliberal, nas décadas de 1980/1990, tentada na visão daquela escola, distinto do que predominara no período muito rapidamente voltariam a desvelar a importância do Estado para anterior, ajustando-a à nova realidade econômica. No plano comercial, a bom funcionamento do sistema, especialmente no âmbito da nova etapa de desenvolvimento do capitalismo, caracterizada pelo processo degloba- que se segue apoia-se, em boa medida, no trabalho de Loprea- lização, que subordinou o capital industrial ao financeiro: seguidas crises to (2006), que realizou uma excelente síntese sobre a evolução da visão convencional financeiras internacionais ocorridas na década de 1990, na economia sobre a política fiscal. 250 déficit público déficit público 251</p><p>internacional, foram suficientes para mostrar que, deixado à própria sorte, vitais para o bom funcionamento da economia, como o da taxa de juros, o mercado não conseguiria ajustar-se e corrigir seus desequilíbrios, sendo do câmbio, do balanço de pagamentos e da inflação. Com fundamentos crescentes os riscos do capital financeiro de sucumbir aos novos proble- fiscais confiáveis, reduzem-se ou se removem as incertezas sobre a ação mas colocados nessa nova etapa de desenvolvimento. Seu papel, no en- nefasta do Estado, formando-se expectativas favoráveis para o comporta- tanto, distinto do que desempenhara no período em que predominou o mento das demais variáveis e, consequentemente, para o desempenho keynesianismo, seria, como bem afirma Lopreato (2006, p. 2): de mais eficiente da economia, que contaria com maiores aportes de recur- garantir] a rentabilidade dos títulos públicos como espaço de valorização a custos mais baixos, para os investimentos. Como afirma Lopreato do capital, bem como [oferecer] salvaguardas aos bancos e empresas nas a tarefa que passou a ser conferida à política fiscal, neste novo crises e [defender] a lucratividade de outros ativos atraentes ao capital". paradigma, "é a de servir de pilar de sustentação e farol do comportamen- Para cumprir este novo papel, o Estado teria de tornar-se confiável to esperado de outras variáveis econômicas". para os agentes privados, já que atuaria predominantemente como espa- A centralidade que adquiriu a política fiscal nesse quadro tem a ver, de valorização da riqueza financeira, significando que seus passivos portanto, de acordo com os argumentos da teoria dominante, com sua (ou sua dívida) não podem apresentar riscos de inadimplência, ou, em influência sobre as expectativas dos agentes econômicos a respeito do outras palavras, que seu pagamento deve ser dado como líquido e certo, comportamento futuro esperado dessas variáveis. Caso a política fiscal, com o Estado sendo capaz de honrá-lo, sustentá-lo não só nas condições como âncora da estabilidade macroeconômica, mostre-se malsucedida, vigentes, mas também nos cenários construídos a partir do comporta- os agentes-racionais reverão suas expectativas sobre essas variáveis, mento esperado para as variáveis que influenciam a relação pondo em xeque a política econômica e dando início a um período de grau dessa capacidade seria medido por um critério especialmente turbulências para a criado para essa finalidade, o risco-país, associado ao tamanho da dívida Para que a política econômica tenha credibilidade e ganhe reputação, interna pública, à dívida externa e ao desempenho apresentado pelo país convalidando as expectativas destes agentes, é necessário que a política no tocante à economia e aos fluxos anuais de suas contas públicas, tor- fiscal seja confiável e que o Estado, além de conseguir manter-se, aos seus nando-se o balizador das expectativas dos agentes econômicos sobre essa olhos, como bom pagador, contendo a relação dívida/PIB em parâmetros capacidade e definidor das taxas de juros cobradas sobre os empréstimos sustentáveis, administre bem os fluxos anuais de suas receitas e gastos, de por ele demandado: variando inversamente ao nível deste risco, o prêmio acordo com a situação apresentada por aquela relação. Caso elevada, a exigido (as taxas de juros) atuaria como fator de estímulo para manter política fiscal deve estabelecer e perseguir, com denodo, metas de conten- confiáveis os fundamentos fiscais, ou, ao contrário, como instrumento ção fiscal, ou de geração de superávits fiscais, que a reduza para níveis punitivo de sua negligência nessa questão. confiáveis para agentes econômicos. Da mesma forma, se enquadrada Essa idéia de sustentabilidade da dívida, que nada mais significa do em limites confiáveis, o resultado anual dos fluxos orçamentários deve que a garantia de pagamento de seu estoque e de seus encargos para os ser contido em níveis que não comprometam sua trajetória futura. Os detentores dos títulos públicos, passaria a balizar as expectativas dos agentes resultados dos fluxos anuais (déficits ou superávits) transformam-se, as- econômicos sobre a capacidade do Estado de honrars compromissos sim, no farol que eilumina, no presente, a trajetória futura da dívida, sendo e a dar nova conformação à política fiscal: o papel dessa passaria a se determinante para o sucesso ou insucesso da política econômica. Isso lhe restringir à garantia de controle das contas públicas e da sustentabilidade confere uma aparente centralidade, mas o que está em jogo, de fato, nesse da dívida, dada a influência que, de acordo com a renovada teoria orto- caso, é a trajetória da relação dívida/PIB, que vai determinar a capacidade doxa baseada nas expectativas racionais, essas exercem sobre o compor- 3 Para uma avaliação mais detalhada das inter-relações entre essas tamento esperado pelos agentes econômicos de variáveis econômicas variáveis, ver o trabalho já mencionado de Lopreato (2006). 252 O déficit público déficit público 253</p><p>do Estado de continuar garantindo a valorização do capital e o pagamen- to da riqueza financeira. nível do resultado nominal das contas públicas que deverá ser alcançado para garantir a estabilidade da relação dívida/PIB, é dado pela h = resultado primário como proporção do PIB; d = relação dívida/PIB; seguinte fórmula, extraída do trabalho de Giambiagi & Além (1999, p. senhoriagem como proporção do PIB; y = taxa de crescimento nominal 170):4 da economia; i = taxa de juros. Neste caso, ainda segundo estes autores (1999, p. 167), em que se passa a considerar o resultado primário, como proporção do PIB, para garantir (nominais) de Financiamento do Setor Publico; d = a estabilização da dívida, este se apresenta como "[...] uma função direta relação dívida/PIB; S = senhoriagem como proporção do PIB;y = taxa da própria relação dívida/PIB e da taxa de juros e uma função inversa do nominal de crescimento do PIB. crescimento da economia para certa taxa de inflação e da senhoria- De acordo com essa fórmula, o nível das necessidades de financia- gem. Níveis superiores (inferiores) aos definidos [na fórmula] geram mento do setor público (f) déficit/PIB requerido para estabilizar a uma queda (aumento) da relação dívida/PIB". relação dívida/PIB (d) varia diretamente com o tamanho da relação dívi- Nessa nova fórmula, é o resultado primário, portanto, que deve ser da/PIB, o crescimento nominal da economia e a senhoriagem. Ela indica fixado para garantir a estabilidade da relação dívida/PIB, no caso de o país que, supondo, por exemplo, uma relação dívida/PIB (d), de 60%, uma encontrar-se enquadrado nos padrões convencionalmente estabelecidos taxa de crescimento real da economia de 3% no ano, uma taxa de infla- internacionalmente, em níveis aceitáveis para os agentes econômicos, ção de 2% (o que significa uma taxa de crescimento do PIB nominal de ou para reduzi-la, caso acima desses níveis. Excluídos, portanto, os juros 5,06%) e um nível de senhoriagem de 1% do PIB, o déficit nominal da dívida do conceito, o resultado primário deverá ser superavitário para máximo em que poderá incorrer o governo será de 3,036% do PIB para garantir o pagamento dos juros, descontados os efeitos da variação do PIB manter estabilizada a dívida em 60%. Caso o crescimento do PIB não e da senhoriagem, para que a relação não aumente, ou realizar ainda corresponda às expectativas e cresça apenas 3%, mantendo-se constantes maiores esforços, caso ela se encontre em patamares mais elevados. as demais variáveis consideradas, o déficit não poderá ser superior a resultado dos fluxos orçamentários (déficit/superávit) revela-se, as- 1,812% do PIB, exigindo esforço fiscal adicional. Se o PIB real cair 1%, o sim, de natureza móvel, devendo sempre ser ajustado, caso as projeções déficit deverá ser contido em 0,594% para impedir o crescimento da para as outras variáveis que nele interferem não se confirmem (nível de relação dívida/PIB. arrecadação, de gastos, taxas de juros, crescimento econômico, inflação), Cabe notar, contudo, que essa fórmula ao considerar o resultado no- porque se trata de uma variável dependente, subordinada à garantia do minal, não contempla de forma explícita a influência dos efeitos da taxa atingimento da meta estabelecida para a relação dívida/PIB, farol que de juros sobre a própria dívida e o esforço fiscal real que deverá ser reali- ilumina as expectativas dos agentes econômicos. zado pelo setor público para manter estabilizada a relação. Introduzindo Nessa perspectiva, o nível do superávit estabelecido para garantir uma a taxa de juros (i) na fórmula, ainda de acordo com Giambiagi & Além trajetória confiável para a dívida pública adquire o status de despesa obri- (1999, pp. 166-7), temos: gatória, ao passo que os gastos discricionários se tornam meros resíduos, uma vez que sacrificados sempre que ocorrem desvios das metas esta- Os diferentes conceitos e medidas utilizados para a avaliação das belecidas para a relação dívida/PIB. Nesse caso, os aumentos necessários contas públicas são apresentados e discutidos mais detalhadamente na próxima seção. no esforço fiscal realizado, traduzem-se, habitualmente, em cortes de 254 déficit público déficit público 255</p><p>despesas públicas essenciais para a sociedade e a economia, visto que afinal, não são inócuos os seus gastos destinados para aquela finalidade? essas, nessa perspectiva teórica, perderam prioridade para o objetivo da tenha suas contas equilibradas e cumpra o seu papel de espaço de estabilidade macroeconômica, que somente os agentes econômicos po- valorização da riqueza financeira e de garantia de sua conversão em ri- dem validar se tiverem confiança nos atos e na situação financeira do queza real. Geração de superávits primários e controle da relação Dívida/ setor PIB tornaram-se, nessa perspectiva teórica, a palavra de ordem para suas Paraisso, e para remover incertezas sobre o seu cumprimento, os agentes políticas na nova ordem que se instaurou, mesmo que, para isso, tenha de econômicos devem ser convencidos de que o governo tem essas metas abdicar de seu papel como agente de legitimação do como objetivo prioritário, sagrado, inescapável, garantindo que essas serão Nas próximas seções procura-se examinar como esse novo paradigma atingidas, dando-lhes o status até mesmo de leis, como instituições confiá- tem influenciado e em que medida - a condução da política fiscal na veis. enquadramento do Estado nesse novo desenho da política fiscal economia mundial e, mais especificamente, no Brasil. Antes disso, apre- conduziu, assim, a modificações na sua forma anterior de atuação, fe- sentam-se, em seguida, os conceitos e metodologias de avaliação dos re- chando canais que lhe davam flexibilidade na condução da política eco- sultados das contas públicas que podem ser e são utilizados para nômica e estabelecendo regras e procedimentos legais às quais deve sub- esse objetivo. meter-se e rigorosamente obedecer para ganhar credibilidade em suas ações e validar as expectativas dos agentes econômicos sobre o comporta- 3. Medida e conceitos dos déficits públicos mento das variáveis econômicas. Com isso, entraram em cena diversas regras (instituições), muitas formalizadas em lei, voltadas para este obje- 3.1. Medida e conceitos tivo, como as de estabelecimento de limites para determinados gastos públicos (pessoal, investimentos, etc.), envolvendo os três poderes do Existem diversos métodos de avaliação do desempenho das contas Estado, de endividamento, de equilíbrio das contas públicas, da forma de públicas, cada um retratando uma situação que pode atender aos objeti- atuação do Banco Central, para que possa atuar de forma independente e vos de quem as analisa, mas nem por isso apresentar-se em condições de não ser influenciado politicamente em suas ações de da estabi- permitir a identificação de seus resultados efetivos num determinado lidade monetária, etc. período, não sendo eles, por isso, substituíveis entre si. Entre esses méto- novo regime fiscal que brotou dessa nova concepção sobre a política dos podemos destacar os que podem ser classificados como "tradicio- fiscal explica por que o controle permanente das contas públicas se tor- nais" e os que surgiram mais recentemente na literatura econômica das nou um elemento-chave da política econômica, exigindo do Estado abrir finanças mão de seu papel como agente implementador de políticas de desenvol- vimento e de bem-estar: diferentemente do que ocorria no mundo key- nesiano em que sua intervenção era vista como vital para garantir a esta- 6 A crise em que mergulhou o capitalismo em 2007/2008, em bilidade do sistema e a coesão das forças sociais, até mesmo, se necessário, do colapso do crédito subprime na economia norte-americana, que sustentou uma fantástica multiplicação da riqueza financeira (virtual), por meio de com a geração de déficits, a estabilidade macroeconômica passou a exigir, fundos de investimentos de hedge e derivativos, modificou ainda que temporariamen- de acordo com o novo paradigma teórico, um Estado que gaste pouco te essa visão: mesmo envolvidos em programas de severos ajustes fiscais e com finan- ças debilitadas, os Estados capitalistas foram convocados para socorrer os mercados e salvar instituições e empresas de falências, com o lançamento de pacotes fiscais e 5 Isso não significa que, por si, o atingimento da meta estabelecida monetários salvadores, mesmo tendo, para isso, de abandonar a rigidez das regras para esse resultado garanta o cumprimento da meta estipulada para a relação dívida/ fiscais estabelecidas pelo novo paradigma teórico e terem de incorrer em vultosos PIB. Como se verá no próximo capítulo, que trata da dívida, outros fatores interferem déficits e em aumento preocupante do endividamento público. na sua trajetória, nem sempre se conseguindo, mesmo com esforços fiscais adicionais, Para maior detalhamento e avaliação dessas metodologias, ver sua estabilidade ou redução. os trabalhos de Ramalho (1997) e Oliveira (2006). 256 déficit público déficit público 257</p><p>inclui tanto receitas como despesas de caráter transitório, esporádico e 3.1.1. Métodos e conceitos tradicionais excepcional, as quais podem conduzir a conclusões equivocadas sobre suas condições de equilíbrio ou de desequilíbrio. Por isso, há necessidade Entre os métodos ou conceitos tradicionais, o mais conhecido e utili- de uma metodologia adequada para o seu cálculo, que leve em conta zado é o de Resultado Orçamentário, obtido pela diferença entre as Recei- todas essas questões, para que se tenha melhor clareza sobre o desempe- tas (Correntes e de Capital) e as Despesas (também Correntes e de Capi- nho efetivo de suas contas. tal). Esse resultado pode, contudo, revelar-se enganoso no caso da avaliação da situação financeira do setor público num determinado período, pois 3.1.2. A medida das necessidades de financiamento do inclui a rubrica "Operações de Crédito", que nada mais representa do setor público (NFSP) que uma dívida contratada para cobrir algum desequilíbrio em que a administração pública incorreu, seja pela realização de gastos imprevis- A medida de aferição do resultado das contas do setor público que vem tos, de dispêndios que não contavam com dotação orçamentária ou como sendo utilizada no Brasil desde 1983 ano em que o país teve de recor- decorrência de frustração das receitas previstas. Considerando isso, um rer ao Fundo Monetário Internacional (FMI), após a crise da dívida exter- resultado orçamentário equilibrado pode esconder uma situação de efeti- na deflagrada em 1982, para obter empréstimos que lhe permitissem VO desequilíbrio dessas contas. honrar seus compromissos externos é conhecida como Necessidades Uma maneira de se perceber melhor essa situação consiste em excluir de Financiamento do Setor Público NFSP (originalmente Public as "Operações de Crédito" do conjunto das receitas, obtendo-se o que Sector Borrowing Requirements ou PSBR). Nessa fórmula, caso R>G, as alguns autores chamam de "Resultado Fiscal" (Receitas Operações de necessidades de financiamento são negativas, ou seja, as contas apresen- Crédito Despesas), pois aí fica claro que, se negativo, o desequilíbrio (ou tam-se superavitárias, dispensando, portanto, financiamento. Caso R<G, déficit) terá de ser coberto com a contratação da dívida pública (ou seja, as necessidades são positivas, indicando uma posição deficitária que ne- com a tomada de empréstimos, na forma de Operações de Crédito). Res- cessita de financiamento. salve-se, contudo, que o mesmo termo é utilizado com diversos signifi- As NFSP, assim denominadas porque se referem ao montante dos cados, dependendo do instrumental analítico utilizado e dos objetivos financiamentos internos e externos tomados a terceiros pelo setor pretendidos. público, para cobrir suas necessidades de recursos no caso de se apresen- Um outro método que permite refinar a análise dessa avaliação é o que tarem negativas, são divulgadas em termos líquidos, excluindo-se de sua considera apenas a Receita Corrente (exclui, portanto, as Receitas de Ca- medição, portanto, o refinanciamento das amortizações de emprésti- pital), comparando-o à Despesa Corrente. resultado obtido Resul- mos contratados anteriormente (quando essas são incluídas têm-se as tado Corrente revela a capacidade do setor público de financiar as NFSP brutas). São apresentadas também em termos absolutos (o mon- despesas de capital sem ter de recorrer ao endividamento. Caso o Resulta- tante de financiamentos contratados) e como proporção do Produto In- do Corrente seja negativo, isso significa que, além de ter de recorrer à terno Bruto (PIB). dívida para cobrir suas despesas correntes, também a integralidade de Sua abrangência contempla os resultados das contas das três esferas de seus investimentos, bem como a amortização da dívida, só podem ser governo (federal, estadual e municipal), incluindo a administração dire- feitos por esse instrumento, revelando que suas finanças se encontram ta e descentralizada (autarquias, fundações, fundos governamentais, etc.); em situação crítica. as empresas estatais (também dos três níveis de federal, esta- Qualquer desses métodos pode ser obscurecido, contudo, do ponto de dual e municipal); e o Banco Central. Depois de ter conhecido várias vista da avaliação da situação financeira do governo, porque o orçamento alterações desde o início de sua apuração, atualmente, os resultados das 258 o déficit público déficit público 259</p><p>contas dessas esferas de governo são apresentadas, no Brasil, de forma As NFSP podem ser aferidas nos conceitos nominal, operacional e consolidada, em três segmentos: Governo Central (inclui o Governo primário.8 As NFSP, em termos nominais, correspondem ao montante Federal, o Banco Central e o INSS); Estados e Municípios; e Empresas de financiamento demandado pelo setor público para cobrir suas despe- Estatais. sas, também com o pagamento de juros devidos da dívida pública Essa abrangência das NFSP contém uma imprecisão, quanto a seus interna e externa e com a atualização monetária e cambial de seu resultados, que não pode ser negligenciada. Ao englobar os diversos seg- estoque (o componente inflacionário), para as quais suas receitas não são mentos do setor público na sua medição, ou seja, os que exercem funções suficientes. Uma forma mais direta e menos imprecisa de sua típicas de governo, em seus diversos níveis, juntamente com o setor pro- medição é considerar o seu resultado como a variação nominal dos sal- dutivo as empresas estatais das três esferas que não dependem de dos da dívida líquida do governo (a variação do saldo da dívida interna recursos fiscais para suas operações/atividades, as NFSP não se restrin- mais os fluxos externos, estes sendo convertidos para a moeda nacional gem à aferição dos resultados orçamentários do setor público, mas consi- pela taxa de câmbio do período). Neste caso, NFSP-nominais = variação deram o montante de recursos (por isso o termo NFSP) necessários para da dívida nominal. cobrir o excesso de dispêndios realizados (no caso de se apresentarem positivas, ou seja, deficitárias), incluídos os investimentos das empresas Quadro 4.1. Resultados das contas públicas estatais em relação às suas receitas. Quando as receitas são insuficientes para cobrir suas despesas, gera- Explicando melhor: se os desequilíbrios gerados nos órgãos que exer- se um déficit orçamentário. Quando são iguais ou superiores, tem-se cem funções típicas de governo se configuram efetivamente como défi- equilíbrio ou superávit orçamentário. Entre os métodos tradicionais utilizados nessa avaliação três se des- cits, o mesmo não pode ser dito em relação aos apresentados pelo setor tacam: o Resultado Orçamentário, o Resultado Fiscal e o Resultado Cor- produtivo estatal, já que este, à semelhança do setor privado, incorre em rente. primeiro inclui, do lado das receitas, as "Operações de Crédito" lucro ou prejuízo (e não em superávit ou déficit). E se esse desequilíbrio (contratação de dívida), o que prejudica a avaliação, pois uma situação de equilíbrio pode esconder outra oposta de desequilíbrio. segundo, resulta da realização de investimentos, que cedo ou tarde terminarão exclui as "Operações de Crédito", revelando o desequilíbrio existente e garantindo retorno para essas empresas, não tem sentido equiparar seus como foi financiado. o terceiro, mostra a capacidade da administração resultados aos de um déficit, quando se trata, na verdade, de operações de pública de financiar seus gastos correntes e seus investimentos sem ter de recorrer ao endividamento. financiamento típicas de atividades empresariais, cujo pagamento será Na metodologia do Banco Central, são três os conceitos utilizados efetuado com suas receitas para avaliar o resultado das contas públicas: o nominal, o operacional e Essa inclusão do setor produtivo estatal entre os segmentos que pas- o primário. o nominal considera, além dos gastos ativos do governo (ou despesas primárias), os juros e a correção monetária da dívida, incorpo- sam a ser sujeitos a respeitar os limites de endividamento do setor públi- rando, portanto, o efeito da inflação sobre as contas públicas. operacio- CO como um todo e a contribuir para os esforços fiscais dele exigidos em nal exclui a correção monetária da dívida (o efeito inflação). o primário situação de ajustamento de suas contas, desconsidera sua natureza e des- exclui também os encargos da dívida na forma de juros nominais. Em situação de estabilidade monetária, o conceito operacional virtua seus objetivos, uma vez que limita suas possibilidades de investi- perde significado, sendo relevantes apenas os conceitos nominal e pri- mentos, principalmente se esse tiver de ser realizado com a contratação mário. de dívida e exige que suas empresas operem com a máxima rentabilidade com o objetivo de gerar os frutos para o ajuste pretendido, impedindo que sejam usadas como instrumentos de política econômica. Afeta, enfim, a soberania do país na condução de sua política econômica para atingir 8 Para maior detalhamento desses conceitos, ver o trabalho de seus objetivos. Giambiagi e Além (1999: Cap. 260 déficit público déficit público 261</p><p>Em termos operacionais, medida que não pode ser confundida com retirada de cena como único remédio capaz tanto de impedir como de o resultado convencional de operações de produção de bens e serviços corrigir os desequilíbrios do sistema. fornecidos pelo setor público, as NFSP são obtidas excluindo-se, das NFSP- A Tabela 5.1, que mostra e evolução dos déficits públicos gerados por nominais, a correção monetária e cambial da dívida. Neste caso, NFSP- um conjunto de países desenvolvidos, que compõem o G-7, não deixa operacionais = (NFSP-nominal correção monetária e cambial da dívi- dúvidas sobre os efeitos perversos da crise econômica sobre as finanças da). Este conceito não é de fácil mensuração, pois exige a aplicação dos estatais. Constata-se, de sua análise para o conjunto desses países, a ma- índices correspondentes da correção monetária aos diversos componen- nutenção de uma situação de orçamentário até o tes da dívida. Em períodos de alta inflação, este é o conceito mais relevan- ano de 1973, com as poucas exceções dos resultados apresentados pelos te, pois desconsidera os efeitos da inflação sobre a dívida, mas quando a EUA e Itália. A partir de 1974, como resultado do primeiro choque do inflação é baixa, essas diferenças tendem a desaparecer, e o resultado petróleo, que conduziu à implementação de processos recessivos de ajus- operacional a convergir para o resultado nominal, perdendo importân- tamento dessas economias, os déficits públicos se elevam rápida e explo- cia o seu cálculo, como ocorreu no Brasil depois do lançamento do Plano sivamente, atingindo seu ápice no ano seguinte, quando correspondem a Real, em 1994, com o que se reduziu o imposto 4,3% do Produto Nacional Bruto (PNB) conjunto gerado por esses países. Já medidas pelo conceito primário, excluem-se, das NFSP operacio- reingresso da economia mundial numa trajetória de lento cresci- nais, os gastos com o pagamento de juros nominais da dívida. Temos, mento, a partir de 1976, em movimento forças antidéficits e esses neste caso, que: NFSP-primárias = (NFSP-nominais juros nominais iniciam um processo de redução até retornarem ao nível de 1,7% em (correção + juros reais da dívida). Este corresponde, portanto, ao resulta- 1979. segundo choque do petróleo e a política restritiva norte-america- do das contas ativas/reais do governo, que exclui a dimensão financeira na adotada nessa época terminam interrompendo esse processo e jogan- da dívida de seu cálculo. Ao excluir os juros nominais da dívida do cálculo do novamente a economia mundial na crise que se prolongará até do déficit, o critério torna mais claro o esforço fiscal que terá de ser feito meados da década com consequências nefastas para os desequilíbrios pelo governo para ajustar suas contas e a economia de recursos que terá do setor público que voltam novamente a ampliar-se rapidamente e a de fazer (o superávit primário que terá de gerar) para o pagamento dos atingirem, em 1983, o mesmo nível de 1975. encargos da dívida, de forma que a mantenha em níveis confiáveis para os credores. Tabela 5.1. Saldos Orçamentários Efetivos (em % do PNB/PIB) Países/ano 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1979 1980 1983 4. A evolução dos déficits públicos EUA 1,1 1,8 0,3 -0,6 0,3 4,2 -0,6 1,2 4,1 na história recente do capitalismo Japão -1,9 -1,4 -0,4 -0,5 -0,4 2,7 4,8 4,5 3,3 Alemanha -0,2 0,2 0,5 -1,2 -1,3 5,7 2,7 3,1 2,7 França -0,9 -0,7 -0,8 -0,9 -0,6 2,2 0,7 -0,2 3,4 Depois do vigoroso ciclo de crescimento conhecido pelo capitalismo Reino Unido -3,0 -1,5 1,2 2,6 3,7 4,5 3,2 3,8 3,3 Itália 5,0 7,1 9,2 8,5 8,1 11,7 9,5 8,0 11,8 após a Segunda Guerra, a década de 1970 inaugura, como resultado da Canadá -0,9 -0,1 -0,1 -1,0 -1,9 2,4 1,8 2,7 6,2 Total G-7 0,1 0,9 0,6 0,0 0,8 4,3 1,7 2,4 4,2 crise que se instala em âmbito mundial, o que se pode chamar de "a era dos déficits públicos", os quais servirão de munição para o pensamento Fonte: In: Chouraqui (s.d.). (-) superávit; (+) déficit ortodoxo defenestrar a presença do Estado na economia e propor sua A instabilidade que se instalou na economia capitalista na década de 9 Por essa razão, o Banco Central do Brasil deixou de divulgar as estatísticas relativas ao cálculo deste conceito, restringindo-as às dos resultados primá- 1970 tem clara origem, nesse movimento, no abandono, pelos EUA, da rio e nominal. conversibilidade do dólar, em agosto de 1971, e na desestruturação dos 262 déficit público déficit público 263</p><p>mercados financeiros que se seguiu aos seus desdobramentos. Acompa- bilidade, que só poderão ser atenuadas pela retomada do crescimento. nhadas dos choques que se verificaram nos preços das matérias-primas e Mas a continuidade desse processo, por um tempo prolongado, ao se do petróleo, os ajustes realizados pelas economias desenvolvidas foram traduzir num crescimento explosivo da dívida pública e no aumento mantidos, com graus diferenciados, ao longo de toda a década, com a crescente do peso de seus encargos no orçamento tende a reduzir as economia mundial sendo novamente lançada em nova fase recessiva, no possibilidades de sua reversão e a se transformar numa barreira para seu final, com a política que foi adotada também pelos EUA, conhecida Estado continuar desempenhando seu papel de revitalizar as forças do como "juros altos, dólar forte", visando ajustar sua economia e resgatar a sistema. Nessa situação ele se transforma num óbice para o processo de hegemonia da moeda norte-americana. Com a recessão produzida e a acumulação e em presa fácil das correntes antiEstado que o apontam consequente redução de suas receitas tributárias, somadas ao aumento do como causa primária da crise e dos desequilíbrios do sistema. custo do giro de suas dívidas em virtude da implementação de políticas Embora seja possível identificar no movimento real do capitalismo na monetárias restritivas, que se prolongaram até meados da década de 1980, década de 1970, e nas políticas econômicas adotadas para enfrentar o as finanças públicas das economias capitalistas, em geral, ingressaram quadro de adversidades dele oriundas, forças de enfraquecimento das numa trajetória de progressiva deterioração, com aumento considerável finanças do Estado, a ortodoxia encontrou, nessa situação, a oportunida- de seus déficits. de que esperava, como vimos nos capítulos anteriores, para novamente Cabe, diante disso, indagar como o faz Chouraqui (s.d.): por que polí- assestar as baterias de várias correntes teóricas teoria das expectativas ticas monetárias restritivas e recessão operam como madrastas para as adaptativas e racionais e da public choice contra sua intervenção e finanças públicas? Porque, para ele: participação na vida econômica e social, apontando-o como responsável pelos desequilíbrios e instabilidade do sistema. a) a recessão provoca queda das receitas públicas e aumento dos gastos, Ignorando, portanto, as causas que deram origem a essa situação, mas devido principalmente ao crescimento das transferências realizadas pelo debitando-a exclusivamente ao gigantismo e ao excesso de seus gastos, a governo para o setor privado provocado pelo aumento do desemprego; ortodoxia, fortalecida pelas necessidades do processo de globalização e de b) com o desequilíbrio orçamentário, a dívida pública cresce e a eleva- preservação da riqueza financeira, na forma da dívida pública que conhe- ção das taxas de juros aumenta os seus custos, ampliando o peso do com- ceu expansão considerável, encontrou campo fértil para formular e intro- ponente financeiro no orçamento; duzir em cena, especialmente na década de 1990, um conjunto de regras c) a inflação, por sua vez, opera no sentido de elevar os dispêndios fiscais que têm, como principal objetivo, o controle de suas finanças e de seus públicos, em termos nominais, especialmente no que diz respeito aos níveis de endividamento. componentes de transferências indexados, como é o caso das aposenta- A preocupação com as condições de sustentabilidade da dívida ga- dorias, por exemplo; e nhou, assim, espaço na literatura internacional que trata das finanças d) o objetivo de reduzir os níveis de desemprego leva o governo a públicas nessa década, como aponta Giambiagi (2001), e tornou-se ele- adotar medidas para incentivar/estimular a atividade econômica, abrin- mento central de modelos teóricos e econométricos para determinar do mão de receitas e ampliando seus desequilíbrios e seus níveis de endi- como o Estado deve comportar-se para evitar o descontrole de sua dívida vidamento. e o risco de seu não-pagamento condicionando e controlando a trajetória de seus fluxos orçamentários. Ao atuar, portanto, para corrigir os desequilíbrios do sistema e evitar Nestes modelos, o controle do déficit público, fonte que alimenta e de que sua reprodução seja posta em xeque, o governo aumenta o desequilí- onde nasce a dívida, ganharia tratamento prioritário, para ele passando a brio de suas finanças, o que, por sua vez, em marcha, forças de insta- ser estabelecidos limites de forma que não comprometa a capacidade de 264 déficit público déficit público 265</p><p>solvência do Estado, tornando prioridade absoluta, em seus orçamentos, cit primário médio de 1,5% do PIB, entre 1981-1985, conseguiram gerar, compromissos com o pagamento de juros aos seus credores, mesmo que em média, um superávit de 2,9%, no período de 1996-2000. Já seu com o sacrifício de despesas essenciais para a sociedade (daí, o desmonte déficit nominal médio de 4% do PIB do primeiro período praticamente do welfare state e do Estado desenvolvimentista), para evitar que crises mais desapareceu, tendo-se registrado uma situação de quase equilíbrio fiscal agudas o conduzam à inadimplência e à destruição dessa riqueza. entre 1996-2000. Para isso contribuiria, de forma significativa, a adoção Com este objetivo, de acordo com Giambiagi (2001, p. 80), "a de políticas expansionistas, que propiciaram a este país, a partir de 1991, cia bem-sucedida da conhecida como ingressar num acelerado ciclo de crescimento, que durou cerca de dez Gramm aprovada nos EUA, nos anos 1980, definindo anos, combinando aumento de receitas tributárias com a geração de su- medidas para o controle do déficit público" deste país, serviu para referen- perávits fiscais e melhorando expressivamente o desempenho de seus ciar a elaboração de um conjunto de regras fiscais, contidas no Tratado de resultados orçamentários. Maastricht, de 1992, da União Europeia (UE) que deveriam ser rigorosa- mente cumpridas para garantir aos países integrantes deste bloco econômi- Tabela 5.2. Resultados primário e nominal das contas públicas para um conjunto de países selecionados médios por períodos (em % do PIB) CO acesso à futura moeda única da comunidade. Entre essas regras, desta- cam-se o teto de 3% do PIB do déficit público nominal e de 60% do PIB Países Resultado primário Resultado nominal do estoque da dívida pública, como instrumentos efetivos para pôr limi- 1981/85 1986/90 1991/95 1996/00 1981/85 1986/90 1991/95 1996/00 tes ao que passou a ser considerada nefasta a ação do Estado e para evitar Estados Unidos 1,5 0,8 0,9 -2,9 4,0 4,1 4,5 0,2 que este continuasse operando como fonte de instabilidade do sistema. Japão 1,1 -2,5 0,2 4,7 2,8 -1,3 0,6 5,8 Alemanha 0,4 -0,7 0,3 -1,0 2,5 1,4 2,9 2,1 Como resultado dessas novas regras e exigências, a situação dos fluxos França 1,1 -0,3 1,8 -0,4 2,7 1,8 4,7 2,7 Itália 4,7 2,9 -1,5 -4,8 11,3 10,8 9,1 3,2 orçamentários desses países melhorou sensivelmente desde os anos 1970, Reino Unido -0,2 -1,9 3,6 -1,9 3,1 0,9 6,0 0,9 os quais, como visto, foram marcados pelo surgimento de déficits eleva- Canadá 2,5 -0,3 1,4 -5,5 5,6 4,2 6,5 -0,6 Total G-7 1,5 -0,1 0,8 -1,3 4,1 3,0 4,2 1,8 dos, até o final da década de 1990. Os dados contidos na Tabela 5.2 não Países da OCDE 1,5 -0,2 0,7 -1,5 4,0 2,8 4,0 1,7 Países da EU 1,9 -0,1 0,9 -2,1 5,0 3,7 5,4 2,0 deixam dúvidas sobre esses resultados: os déficits primários médios de Fonte: Giambiagi (2001). 1,5% do PIB dos países da OCDE entre 1981/1985 foram transformados (+) déficit; (-) superávit. em superávits também de 1,5% do PIB, no período 1996/2000, indican- do um ajuste correspondente a 3% do PIB; nos países da União Europeia Embora não tenham seguido a mesma trajetória expansionista dos (UE), esse ajuste foi ainda maior, atingindo 4% do PIB, com eles transfor- EUA, também os países que integram o G-7 viram melhorar suas condi- mando uma posição deficitária de 1,9% do PIB em um superávit de 2,1% ções fiscais, ainda que não na dimensão alcançada por aquele país. A entre estes períodos. Itália, por exemplo, transformou um déficit primário médio de 4,7% em No que diz respeito ao déficit nominal (que inclui os juros da dívida), 1981-1985 em um superávit de 4,8% do PIB entre 1996/2000 (ajuste de os ajustamentos que foram realizados também propiciaram, nessa pers- 9,5% do PIB) e conseguiu reduzir o déficit nominal de 11,3% para 3,2% pectiva, ganhos consideráveis: o déficit médio nominal da UE de 5% de entre estes períodos. A mesma trajetória percorrida, ainda com menor 1981-1985 caiu para 2% do PIB, no período 1996-2000, enquanto o dos intensidade, pelo Canadá. Apenas o Japão, dentre esses países, continuou países da OCDE passou de 4% para 1,7% entre estes períodos, registran- vendo progressivamente suas contas públicas se deteriorarem, com o do ajustes em torno de 3% do PIB. déficit primário atingindo, em média, 4,7% no período 1996-2000, e Entre os países considerados, alguns chamam a atenção pela melhor nominal 5,8% do PIB, o que se deve, segundo Giambiagi (2001, p. 70) performance apresentada. Os EUA, por exemplo, que registraram um défi- "[...] à combinação de [uma situação de] estagnação econômica 266 déficit público déficit público 267</p><p>que afeta negativamente as receitas - com tentativas de incentivar a A partir de 2004, no entanto, devido ao forte crescimento registrado economia, durante 1998-2000, através de medidas fiscais de estímulo à na economia mundial - média de 5% ao ano até 2007 com impactos demanda". De todo modo, esses resultados indicam, para este autor, "que, altamente positivos sobre as receitas públicas, combinado com o avanço nos países industrializados, a tolerância em relação aos déficits elevados que das políticas de ajuste, verifica-se um novo período de substancial melho- marcou os anos 80 e a primeira metade dos 90, deu lugar a uma atitude de ra dos resultados orçamentários nestes países. Uma melhoria, contudo, crescente zelo em favor de orçamentos mais ajustados" (Giambiagi, 2001, que novamente deverá ser eclipsada pelo esforço realizado por seus go- 76). Esse maior zelo não foi, no entanto, mantido por muito tempo. vernos, traduzido no lançamento de bilionários pacotes fiscais e monetá- A partir da década atual, este maior esforço fiscal perdeu força nos rios na economia, para salvar instituições financeiras, empresas, consu- primeiros anos entre os países desenvolvidos do G-7, seja pelas dificulda- midores, devedores e credores da crise instalada no mundo com o estouro des e resistências encontradas na desmontagem das políticas do welfare, da "bolha" das hipotecas imobiliárias. Tanto que já se projetam déficits seja pelo baixo crescimento do período, ou ainda, como no caso dos EUA, superiores a 7% do PIB para os EUA e Reino Unido para os anos de 2009 pela expansão dos gastos ocorrida após os ataques terroristas ao World e 2010. Uma situação, da qual os demais países também não deixarão de Trade Center, em 2001, e, após 2003, ao seu envolvimento na Guerra do escapar, pelo seu engajamento neste processo. Iraque. Isso os levou, novamente, a incorrer em déficits nominais mais elevados, superando, em sua maioria, os limites estabelecidos no Tratado 5. A evolução dos déficits públicos no Brasil de Maastricht. Como se constata na Tabela 5.3, à exceção do Canadá, que continuou colhendo superávits nominais em suas contas, e do Japão, que É longa a história que se pode contar sobre a utilização dos conceitos prosseguiu na política de redução do déficit nominal, ainda que este con- de mensuração do déficit público no Brasil. conceito de NFSP-no- tinuasse se mantendo elevado, todos os demais países deste grupo viram minais foi introduzido no programa de ajustamento da economia bra- a situação se agravar na década pelo menos até o ano de 2003 vis-à-vis sileira acordado com o FMI, em 6 de janeiro de 1983, na Primeira Carta 2000. França, Alemanha, Itália, Reino Unido e EUA que, neste último de Intenções que o país assinou e enviou a essa instituição, compro- ano, ou haviam reduzido apreciavelmente seus desequilíbrios fiscais ou metendo-se, também no campo fiscal, com o atingimento de determi- apareciam como geradores de superávits (Reino Unido e EUA), voltaram metas. a registrar déficits crescentes, e, em 2005, todos haviam praticamente Durou pouco como parâmetro relevante para a avaliação do desempe- retornado ou superado o nível de 3% do PIB. nho da política fiscal. Um renitente e descontrolado processo inflacioná- rio, que garantia, independentemente do fato de se estar implementando Tabela 5.3. Resultado nominal das contas públicas dos países do G-7 (em % do PIB) uma política fiscal austera, um déficit nominal elevado, frustrou seguida- mente as metas acertadas, até que, para evitar novos descumprimentos, Países G-7 2000 2001 2003 2005 2006 2007 introduziu-se, na Terceira Carta de Intenções, em 15/9/1983, o conceito Estados Unidos -1,6 0,4 4,8 3,3 2,2 2,7 operacional (descontado, portanto, o componente inflacionário), que Japão 7,6 6,3 8,0 5,0 3,8 3,2 Alemanha -1,3 2,8 4,0 3,3 1,5 0,2 passou a ser considerado o parâmetro relevante para a avaliação dos re- França 1,5 1,5 4,1 3,0 2,4 2,7 Itália 0,8 3,1 3,5 4,2 3,4 1,6 sultados alcançados na área fiscal. Reino Unido -1,4 -0,6 3,3 3,3 2,6 2,7 Canadá Posteriormente, em virtude do crescimento explosivo do estoque da -2,9 -0,7 0,1 -0,8 -1,3 -1,4 Fonte: Fonte: Fundo Monetário Internacional (FMI). Extraído no dia 9/4/2007 e em 13/1/2009, osite: dívida e, consequentemente, de seus encargos, amplificados também por políticas monetárias ortodoxas, a participação crescente dos juros da dí- (+) déficit; (-) superávit. vida na composição das NFSP levou à introdução, na sua medição, do 268 déficit público O déficit público 269</p><p>conceito primário, entendido como o que melhor refletiria o esforço ção inflacionária e a ameaça de instauração de uma hiperinflação no realizado pelo governo para equilibrar suas contas. Um conceito que, na país, o déficit nominal ultrapassou a casa dos 50% do PIB, em 1988, e verdade, fornece uma medida mais cristalina do ajuste que o setor públi- atingiu 85% em 1989. CO terá de realizar em suas contas para garantir o pagamento, aos seus Nos governos Collor (1990-1992) e Itamar Franco (1992-1994), um credores, dos juros de sua dívida. novo esforço de ajuste das contas públicas foi realizado, à luz das propos- Na história mais recente do Brasil o setor público passou a incorrer tas contidas no chamado Consenso de Washington (privatizações de em elevados déficits, como proporção de seu PIB, a partir do final dos empresas estatais; desregulamentação dos mercados; redução do papel do anos setenta situação que não se modificou até os dias atuais. A Tabela Estado na economia, etc.), cujas ideias passaram a ser dominantes e orien- 5.4 apresenta a evolução dos resultados das contas públicas para o período tadoras das políticas econômicas no país. ajuste realizado, apoiado em 1981-2007, nos conceitos nominal, operacional e primário, de acordo medidas de aumento de impostos, muitas de natureza once for all, cortes com a abrangência mencionada, ou seja, abarcando os segmentos do de gastos e de desvalorização da riqueza financeira, com o bloqueio e Governo Central, dos Estados e Municípios e das Empresas Estatais. Nes- suspensão, por dezoito meses, do pagamento dos encargos da dívida in- se período é possível identificar comportamentos distintos em cinco terna, melhorou substancialmente as finanças públicas e reduziu, consi- nos quais a política fiscal ora assumiu um perfil restritivo, deravelmente, a relação Dívida/PIB, bem como os custos dela decorren- ora expansionista. tes. Como mostra a mesma tabela, consideráveis superávits primários No período 1981-1984 - últimos anos do regime militar foi im- foram gerados em todo o período (5,6% do PIB em 1994), garantindo, à plementado um forte ajuste recessivo da economia, diante dos efeitos exceção de 1991-1993, também a geração de superávits operacionais. provocados pela crise da dívida externa, em 1982, e da identificação da Como, contudo, a inflação rapidamente retornou à cena, após a imple- existência de um elevado desequilíbrio das contas públicas desde o final mentação dos Planos Collor Ie II e se acelerou reconduzindo o país a um da década de 1970, tendo-se procurado, ao mesmo tempo, sanear e res- novo quadro pré-hiperinflacionário, o déficit nominal manteve-se eleva- taurar as condições financeiras do setor público. Como mostra a tabela, do e crescente, novamente ultrapassando a casa dos 60% do PIB em 1993. foram gerados, como resultado do ajuste realizado, consideráveis superá- Com o lançamento do Plano Real, em julho de 1994, inaugura-se uma vits fiscais primários (4,2% do PIB em 1984) e reduzidos os déficits ope- nova fase da política fiscal. Embora originalmente, o ajuste das contas racionais (de 6,3% em 1981 para 2,9% do PIB em 1984), embora tenham públicas tenha sido considerado vital para o sucesso desse programa de permanecido expressivos os déficits nominais, em virtude da elevada estabilização, sua arquitetura, no primeiro período (1994-1998), apoiada taxa de inflação desse período, que se situou em tornou de 200% ao ano. nos pilares de um câmbio sobrevalorizado, combinado com uma taxa No período da Nova República (1985-1989), sob o comando do gover- real de juros excessivamente elevada, que contribuiria mais do que os no civil de José Sarney, uma política fiscal expansionista veio acompa- resultados primários alcançados, para a geração de consideráveis déficits nhada de forte aceleração do nível de preços, conduzindo a economia nominais e para o aumento da relação Dívida/PIB, e também a uma para um quadro de superinflação, apesar das tentativas, sem sucesso, de rápida abertura comercial da economia brasileira, mostrou-se desastrosa revertê-lo, por meio do lançamento de três programas de estabilização: para os resultados obtidos. Plano Cruzado, em 1986; Plano Bresser, em 1987 e Plano Verão, em 1989. Embora o novo paradigma teórico que irá orientar o conteúdo e o novo Como se percebe na tabela, nos dois primeiros anos do novo governo, os papel da política fiscal, a partir deste momento, como espaço de valoriza- superávits primários foram reduzidos em relação a 1984 e praticamente ção e preservação da riqueza financeira e de sustentabilidade da dívida, já desapareceram entre 1987-1989, provocando a elevação dos déficits ope- começasse a ganhar força, especialmente diante das ondas de turbulên- racionais, que atingiram 7,1% do PIB neste último ano. Com a acelera- cias e instabilidade que marcaram o sistema financeiro internacional, 270 déficit público déficit público 271</p><p>com as crises da economia mexicana (1994), do Sudeste Asiático (1997), de garantir a sustentabilidade da dívida, e, com isso, validar as expecta- e posteriormente da Rússia (1998), o Brasil, nesse período, ainda não se tivas dos agentes econômicos sobre o comportamento esperado de variáveis havia enquadrado plenamente em seu receituário. Isso só vai ocorrer centrais para o desenvolvimento, como a taxa de juros, o câmbio, a situ- após a crise que também conhecerá o Plano Real no final de 1998, exi- ação do balanço de pagamento, a inflação, etc. gindo alteração nas peças do modelo de estabilização, com a inclusão, Em países com elevados níveis de endividamento, caso do Brasil, a nas suas bases, de compromissos com a adoção de medidas mais rigo- exigência do ajuste a ser realizado seria ainda maior e o país teria de se rosas para corrigir os desequilíbrios fiscais e controlar o crescimento da comprometer, para garanti-lo, com a realização de uma série de reformas dívida. no aparelho do Estado e em suas instituições, nos campos tributário, De fato, como mostra a Tabela 5.4, os superávits primários pratica- previdenciário, administrativo como com a criação de mecanismos mente voltaram a desaparecer na primeira fase do Plano Real, provocan- institucionais que transmitissem aos agentes econômicos, a confiança do forte elevação dos déficits operacionais (resultado da política de juros de que o governo estaria empenhado em sua realização, assegurando altos), que atingiram 7,4% do PIB em 1998. Em decorrência, contudo, da credibilidade e reputação para a política econômica. A aprovação da Lei de significativa redução da inflação, o componente de correção monetária Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, cuja exigência foi incluída no da dívida perdeu força e os resultados nominais tenderam a convergir acordo assinado com o FMI, e a inclusão na Lei de Diretrizes Orçamentá- para os operacionais, situando-se abaixo de 10% do PIB. De qualquer rias (LDO), a partir do ano 2000, transformando em lei o compromisso forma, no final do período, como resultado dessa deterioração, o nível de com a geração de uma determinada meta para o superávit primário, vi- endividamento aumentara consideravelmente e, sem contar com reser- sando controlar o crescimento da dívida pública, inscrevem-se na nova vas externas suficientes para honrar seus compromissos, o país não en- institucionalidade que passou a ser recomendada para que a política fis- controu alternativa senão recorrer ao FMI. Do acordo realizado com essa cal desempenhasse seu novo papel: a de servir como espaço de valoriza- instituição, com o qual se obteve um empréstimo de US$ 41,5 bilhões, ção do capital financeiro e de garantir o pagamento de sua riqueza aplica- resultou uma mudança no modelo de estabilização, no qual a política da em títulos públicos. fiscal ganharia centralidade, tornando-se obrigatório, sagrado, inescapável, Com o Plano Real na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), o Governo o compromisso de geração de superávits fiscais primários do setor públi- Fernando Henrique Cardoso teve de ajoelhar-se, assim, perante o FMI e CO brasileiro para conter/reduzir o crescimento da dívida pública como transformar o setor público em máquina produtora de superávits pri- proporção do PIB. mários crescentes e elevados para essa finalidade, e abdicar do papel do Nessa segunda fase do Plano, que teve início em 1999 e se prolonga até Estado como agente responsável tanto pela implementação de políticas os dias atuais, sua arquitetura passou a apoiar-se nos seguintes pilares: i) públicas essenciais para o desenvolvimento como para a redução das câmbio flutuante; ii) metas de inflação baixas e rígidas; e iii) geração de desigualdades interpessoais e inter-regionais de renda, papel que, proe- superávits fiscais primários elevados e crescentes no tempo, ajustados minente no paradigma keynesiano, perdeu importância na etapa atual de sempre que necessário para conter/reverter o crescimento da relação desenvolvimento capitalista e na renovada visão teórica da ortodoxia, dívida/PIB. devendo ser sacrificado em nome da estabilidade macroeconômica. Note-se que o novo modelo se ajusta fielmente às orientações da nova A natureza do ajuste que vem sendo realizado no Brasil não deixa visão teórica que se tornou dominante sobre o papel do Estado e da polí- dúvidas sobre o primado dessa questão na condução da política fiscal e do tica fiscal, que discutimos na seção 2.1. novo regime fiscal que com ele abandono, pelo Estado, de políticas essenciais para o desenvolvimento, se inaugura, segue as recomendações internacionais de atribuir à política em diversos campos, para garantir receitas para o pagamento da dívida. fiscal a responsabilidade com a geração de superávits fiscais, com objeti- 272 O déficit público déficit público 273</p><p>Tabela V.4. Necessidades de financiamento do setor público. Conceitos no- minal, operacional e primário (1981-2007), em % do PIB municípios, com a renegociação de suas dívidas com a União, com a qual se garantiu a geração de um superávit primário anual correspondente a Ano Necessidades de financiamento (% do PIB)* 13% de sua Receita Corrente Líquida (RCL) e a aprovação de uma legisla- Nominal Operacional Primário ção, na forma da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), em 2000, que teve 1981 13,26 o objetivo de disciplinar seus gastos, limitar seus níveis de endividamen- 6,31 nd 1982 16,37 6,89 nd to e assegurar seu engajamento nesse compromisso. 1983 20,75 3,15 -1,70 1984 24,61 Apesar de bem-sucedida neste objetivo, tal postura implicou sacrificar 2,88 -4,20 1985 28,73 4,42 -2,61 o crescimento econômico, com a redução drástica de recursos orçamen- 1986 11,22 3,58 -1,59 1987 31,89 tários e das estatais para investimentos e com a manutenção dos instru- 5,63 0,99 1988 53,73 4,87 -0,91 mentos preferenciais do ajuste elevada e crescente carga tributária, 1989 85,43 7,09 1,03 1990 30,15 combinada com taxas de juros estratosféricas deixando-se de aprovei- -1,32 -4,69 1991 26,75 0,19 -2,71 tar - e navegar na onda de prosperidade que conheceria a economia 1992 45,75 1,74 -1,58 1993 64,83 mundial a partir de 2002. De fato, tendo-se expandido à taxa 0,80 -2,18 1994 26,97 -1,57 -5,64 anual de 1,6% no segundo mandato de FHC (1999-2002), que também 1995 7,28 5,00 -0,26 1996 foi marcado por fortes turbulências e crises externas, essa situação pouco 5,87 3,40 0,10 1997 6,11 4,31 0,96 se alteraria no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), cuja 1998 7,93 7,40 -0,02 1999 expansão não foi além de 3,4% ao ano, que também manteve a economia 9,98 3,41 -3,23 2000 4,48 1,17 -3,47 prisioneira dos compromissos com a geração de ainda mais significati- 2001 4,76 1,28 -3,36 2002 vos superávits primários do que no período anterior. 9,36 -0,01 -3,55 2003 3,31 0,81 -3,89 Verdadeiras travas do crescimento, os dados da Tabela 5.5 não deixam 2004 2,26 -1,83 -4,17 2005 dúvidas sobre essa reorientação da política fiscal ocorrida, a partir de 2,75 2,23 -4,35 2006 2,90 1,38 -3,86 1999, nem do sucesso que as metas para ela estabelecidas têm alcançado. 2007 2,17 -1,41 -3,97 Tendo atingido 3,23% do PIB em 1999, os níveis de superávit primário, Fonte: i) para o superávit primário de 1983-1984: FGV. Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro, FGV, vários como proporção deste agregado macroeconômico, revelam um contí- números; ii) para os dados de superávit primário, operacional e nominal dos demais anos: Ipeadata; acesso em 20/0/2008. nuo crescimento nos anos seguintes, tendo ultrapassado 4% em 2005 * Já incorpora as mudanças introduzidas nestes indicadores com a revisão do cálculo do PIB realizada pelo IBGE em 2005. Com isso, reduziram-se, expressivamente os déficits operacionais, ten- Obs: déficit (+); superávit (-). do-se obtido superávit nas contas públicas, neste conceito, em 2004 e 2007. A queda ocorrida no superávit primário a partir de 2006 deve-se ao Para o Governo Central (Governo Federal, Banco Central e INSS) os fato de que o governo, tendo recebido o aval do FMI, passou a descontar resultados projetados passariam a ser obtidos por meio da elevação da de seu cálculo, a partir de 2005, parte das despesas realizadas com inves- carga tributária e repressão dos gastos no orçamento em investimentos e timentos selecionados e listados no instrumento conhecido como Proje- em políticas sociais que não contam com a proteção de alguma norma to Piloto de Investimentos (PPI). legal ou constitucional, ao contrário do que ocorre com a saúde, a educa- É importante registrar que os resultados alcançados têm sistematica- ção e o fundo de combate à pobreza, entre outras. Para as empresas esta- mente superado, com folga, as metas inicialmente estabelecidas, como tais, também incluídas neste esforço, apesar da natureza de suas ativida- se confirma no exame da Tabela 5.5, revelando que tem sido ainda maior des, pela redução de seus E, para o segmento dos estados e o sacrifício exigido da economia e da sociedade, traduzido em redução 274 déficit público déficit público 275</p><p>dos investimentos públicos e da oferta de políticas sociais, que o governo anuncia e divulga no orçamento. Isso se explica por que pode tornar-se, Referências como vimos anteriormente, necessário um ajustamento na meta estabe- lecida se esta revelar-se insuficiente para garantir o atingimento de seu Arrighi, G. (1996). longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso principal objetivo, que é o controle da relação dívida/PIB, a qual é in- tempo. Rio de Janeiro-São Paulo: Contraponto-Editora Unesp. fluenciada por outras variáveis (taxa de juros, câmbio, PIB, inflação) sobre Cepal/Pnud(1989). Um marco analítico-contable para la evaluación de la as quais o governo não dispõe de pleno controle. política fiscal en América Latina. Projeto Regional de Politica Fiscal. Chi- Isso significa não ser o superávit primário que se persegue como meta- le (Série Política Fiscal 1). Chesnais, F. (1996). A mundialização do capital. São Paulo: objetivo, mas controle da dívida, devendo aquele sempre ser ajustado quan- Chouraqui, Jean Claude (s.d.). Los déficits públicos en los países de la OCDE: do a última, tendo sua trajetória desviada por outros determinantes, compro- causas, consecuencias y remedios. Campinas, mimeo. meter os resultados para ela projetados. Dependendo, portanto, das Dornbusch, R. & Fischer, S. (1982). Macroeconomia. edição. São Paulo: condições do quadro macroeconômico, a exigência de maiores superá- McGraw-Hill do Brasil. vits primários para controle da relação dívida/PIB pode continuar garan- Giambiagi, F. & Além, A. C. D. (1999). Finanças públicas: teoria e prática tindo seu avanço no espaço orçamentário e continuar esvaziando, cres- no Brasil. Rio de Janeiro: Campus. centemente, o papel do Estado na oferta de políticas públicas essenciais (2006). A política fiscal do Governo Lula em perspectiva histórica: qual é para a sociedade e para o É importante, por isso, para o limite para o aumento do gasto público. Rio de Janeiro: Ipea, TD 1169; (2001). À procura de um consenso: o que podemos aprender da expe- avaliar se os sacrifícios que têm sido exigidos da sociedade com essa riência Rio de Janeiro. Revista do BNDES, vol. 8, tica têm gerado resultados concretos para este objetivo central, que per- 15, pp. 65-102; mitam vislumbrar sua solução, examinar o cerne da questão: o significa- Ferreira, F. (1974). Administração da dívida pública e política monetá- do, os determinantes e as implicações da dívida pública. ria no Brasil. In: Seminário Interamericano de Política Monetária e Ad- ministração da Dívida Pública, 1. Rio de Janeiro: Ibmec, pp. 279-400. Tabela 5.5. Superávits fiscais primários do setor público consolidado. Me- Fundação Getúlio Vargas (dez. 2005). Conjuntura Econômica. Rio de Ja- tas projetadas, revistas e realizadas. Brasil, 1999-2005 (% do PIB) neiro: FGV, vol. 59, 12. Ano Metas Fortuna, E. (1996). Mercado financeiro: produtos e serviços. Rio de Janeiro: Qualitymark. Acordo com Acordo com Acordo com Acordo com Realizadas Keynes, J. M. (1983). A teoria geral do emprego, do juro e da moeda. São o FMI de 1998 o FMI de 2001 o FMI de 2002 o FMI de 2004 Paulo: Abril Cultural, (Série "Os Economistas"). 1999 2,60 3,23 Lopreato, Francisco L. C. (2006). papel da política fiscal: um exame da 2000 2,80 3,47 visão convencional. Campinas: Instituto de Economia/Unicamp, Texto 2001 3,00 3,35 3,36 2002 3,50 3,88 3,55 para discussão 119; 2003 3,88 3,89 Marx, K. (1971). capital: crítica da economia política. São Paulo: 2004 4,25 4,17 Civilização Brasileira. 2005 4,25 4,35 2006 3,86 Musgrave, R. & Musgrave, P. (1980). Finanças públicas: teoria e prática. Rio 2007 3,97 de Janeiro-São Paulo: Campus-Editora da Universidade de São Paulo; Fonte: Metas dos acordos: referem-se a metas estabelecidas de acordo com a metodologia anterior do PIB Oliveira, F.A. de (1995). Autoritarismo e crise fiscal no Brasil: 1964-1984. calculada pelo IBGE, referenciada ao ano de 1985, constantes do programas do FMI; metas realizadas, de São Paulo: Hucitec. acordo com o novo cálculo do PIB revista pelo em 2005 e referenciada ao ano 2000: Ipeadata: acesso em 20/3/2008. (2005). Escolhas orçamentárias: a dimensão macroeconômica. Belo Ho- rizonte, mimeo. 276 déficit público déficit público 277</p>