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<p>Tarefas para Avaliação Neuropsicológica Volume 2 Avaliação de linguagem e funções executivas em adultos Nicolle Zimmermann Rochele Paz Fonseca MEMNON</p><p>Tarefas para Avaliação Neuropsicológica Volume 2 Avaliação de linguagem e funções executivas em adultos Organizadoras Nicolle Zimmermann Rochele Paz Fonseca São Paulo, 2017 MEMNON EDIÇOES</p><p>Memnon Edições Ltda., 2017. ISBN 978-85-7954-122-3 Supervisão editorial: Silvana Santos Projeto gráfico: Catarina Ricci Desenho de capa: Alexandre Ostan de Oliveira Revisão gráfica: Silvia Cristina Rosas Todos os direitos de publicação reservados por MEMNON EDIÇOES CIENTÍFICAS (11) 5575.8444 - www.memnon.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Avaliação de linguagem e funções executivas em adultos / Orga- nizadoras Nicolle Zimmermann, Rochele Paz Fonseca. -- São Paulo : Memnon, 2017. -- (Tarefas para avaliação neu- ropsicológica ; V. 2). Vários autores. ISBN 978-85-7954-122-3 1. Avaliação neuropsicológica 2. Escrita 3. Leitura 4. Lin- guagem 5. Neuropsicologia 6. Testes neuropsicológicos I. Zimmermann, Nicolle II. Fonseca, Rochele Paz III. Série. 17-11548 CDD-155.28 Índices para 1. Avaliação neuropsicológica : Linguagem oral : Psicologia cognitiva 155.28</p><p>Memnon Edições Ltda., 2017. ISBN 978-85-7954-122-3 Supervisão editorial: Silvana Santos Projeto gráfico: Catarina Ricci Desenho de capa: Alexandre Ostan de Oliveira Revisão gráfica: Silvia Cristina Rosas Todos os direitos de publicação reservados por MEMNON EDIÇOES CIENTÍFICAS (11) 5575.8444 - www.memnon.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Avaliação de linguagem e funções executivas em adultos / Orga- nizadoras Nicolle Zimmermann, Rochele Paz Fonseca. São Paulo : Memnon, 2017. (Tarefas para avaliação neu- ropsicológica ; 2). Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-7954-122-3 1. Avaliação neuropsicológica 2. Escrita 3. Leitura 4. Lin- guagem 5. Neuropsicologia 6. Testes neuropsicológicos I. Zimmermann, Nicolle II. Fonseca, Rochele Paz III. 17-11548 CDD-155.28 Índices para catálogo sistemático: 1. Avaliação neuropsicológica : Linguagem oral : Psicologia cognitiva 155.28</p><p>A Cintia, Lilian e Raul José (in memorian). Nicolle Zimmermann Aos meus filhos, Victória e Henrique, e ao Paulo Henrique, por me motivarem a evoluir diariamente. Rochele Paz Fonseca</p><p>Organizadoras Nicolle Zimmermann Psicóloga. Mestre em Psicologia - Cognição Humana (PUCRS). Doutora em Medicina roradiologia (UFRJ). Especialista em Princípios e Práticas de Pesquisas Clínicas (Universidade - Neu- de Harvard). Supervisora do Serviço de Neuropsicologia do Instituto Estadual do Cérebro Paulo Niemeyer (RJ). Colaboradora do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Rochele Paz Fonseca Psicóloga e Fonoaudióloga. Mestre em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS). Doutora em Psicologia do Desenvolvimento (UFRGS / Institut Universitaire de Gériatrie de Montréal, Ca- nadá). Pós-Doutoramento em Clínica e Neurociências (PUC-Rio), em Medicina Neurorradiolo- gia (UFRJ) e em Ciências Biomédicas (Centro de Neuroimagem) na Universidade de Professora Adjunta da Faculdade de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia, área de concentração Cognição Humana (PUCRS). Coordenadora do Grupo de Pesquisa Neu- ropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Pesquisadora produtividade do CNPq (nível 1D). Editora da Revista Neuropsicologia Latinoamericana, periódico internacional oficial da Sociedade Latinoamericana de Neuropsicologia (SLAN).</p><p>Colaboradores Alina Teldeschi Psicóloga. Especialista em Geriatria e Gerontologia Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas (PGCM / UERJ). Pesquisadora do Laboratório de pes- quisa em envelhecimento humano - GeronLab /UERJ. Membro da equipe multidisciplinar de avaliação neuropsicológica do Centro de Neuropsicologia Aplicada do Instituto D'Or de Pes- quisa e Ana Paula Bresolin Gonçalves Graduanda em Psicologia (PUCRS). Iniciação Científica no Grupo de Pesquisa Neuropsicolo- gia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Ana Paula Almeida de Pereira Psicóloga. Mestre e Doutora em Rehabilitation Psychology (University of Wisconsin, Madison). Professora Associada da Universidade Federal do Paraná. Membro do Programa de Mestrado em Psicologia na linha de pesquisa de Avaliação e Reabilitação Estágio pós- doutoral no Oliver Zangwill Centre for Neuropsychological Rehabilitation, Princess of Wales Hospital, Cambridgeshire, Inglaterra. André Ponsoni Graduando em Psicologia (PUCRS). Membro do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul. Andressa Hermes Pereira Psicóloga. Mestranda no Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas: Medicina (UFRS). Pesquisadora colaboradora do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia e Experimental (GNCE / PUCRS) e do Ambulatório de do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA).</p><p>Camila Maia de Oliveira Borges-Paraná Especialista em Neuropsicologia pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). Mestre em Psicologia Avaliação e Reabilitação Neuropsicológica (UFPR). Professora do Psicologia da PUCPR. Supervisora de Estágio Profissionalizante em Neuropsicologia Curso de de Práticas em Psicologia da PUCPR. Conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Núcleo do (CRP-08) gestão 2016-2019. Coordenadora da Comissão de Neuropsicologia do Parana Caroline de Oliveira Cardoso Especialista em Neuropsicologia pela Mestre e Doutora em Psicologia (PUCRS). Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade Supervisora do Es- tágio Profissionalizante em Avaliação Neuropsicológica do Centro Integrado de Psicologia da Universidade Feevale. Colaboradora do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experi- mental (GNCE/PUCRS). Charles Cotrena Psicólogo. Mestre em Psicologia Cognição Humana (PUCRS). Especialista em Terapia Cog- (PUCRS). Doutorando em Psicologia (PUCRS) com bolsa Membro do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Cláudia Drummond Fonoaudióloga. Mestre em Linguística (UERJ) e Doutora em Ciências Morfológicas Neuroci- ências básico-clínicas (UFRJ). Professora Adjunta e Coordenadora do Curso de Graduação em Fonoaudiologia (FM / UFRJ). Coordenadora do Ambulatório de Afasias do Instituto de Neuro- logia Deolindo Couto (INDC / UFRJ). Pesquisadora em Linguagem do Grupo de Pesquisa em Envelhecimento e Cognitivo do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR). Gabriel Coutinho Neuropsicólogo. Doutor em Ciências Morfológicas (UFRJ). Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Envelhecimento e Cognitivo do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino (IDOR). Gigiane Gindri Fonoaudióloga. Especialista em Reabilitação em Linguagem (IPA / IMEC) e Especialização em Neuropsicologia (UFRGS). Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana (UFSM). Doutora em Psicologia Cognição Humana (PUCRS). Hosana Alves Gonçalves Psicóloga e Mestre e Doutoranda em Cognição Humana (PUCRS). Professora na Faculdade de Psicologia e Coordenadora do Curso de Especialização em Neurocognição da Instituição Evangélica de Novo Hamburgo (IENH). Membro do Grupo de Pesquisa Neuropsi- cologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS).</p><p>Janice da Rosa Pureza Especialista em Neuropsicologia pela Universidade Luterana do Brasil. Mestre em Psicologia - Cognição Humana (PUCRS). Doutora em Psicologia (PUCRS). Pesquisadora co- laboradora do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Karina Carlesso Pagliarin Mestre em Distúrbios da Comunicação Humana (UFSM). Doutora em Psicolo- gia - Cognição Humana (PUCRS). Doutorado no Centre de Recherche do Institut Universitaire de Gériatrie de Montréal, Faculdade de Medicina, Universidade de Montreal. Pós-doutorado em Distúrbios da Comunicação Humana (UFSM). Professora Adjunta do Curso de Fonoaudiologia, Coordenadora do Programa de Pós-graduação em Distúrbios da Comunica- ção Humana e Coordenadora Substituta do Curso de Graduação (UFSM). Laura Damiani Branco Psicóloga. Mestranda em Psicologia Cognição Humana (PUCRS). Membro do Grupo de Pes- quis Neuropsicologia Clínica e Experimental da (GNCE/PUCRS). Bolsista do Conselho Naci- onal de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Maila Rossato Holz Psicóloga. Mestranda em - Cognição Humana (PUCRS). Colaboradora do Grupo de Pesquisa do Envelhecimento (GNE) e do Ambulatório de Demências do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Maria Alice de Mattos Pimenta Fonoaudióloga. Doutora em Psicologia (USP). Pós-doutorado em Montreal, Canadá, Universi- dade de Toulouse, França, e Universidade de Pequim, China. Professora aposentada. Professora Visitante Sênior no contexto do Programa CAPES/2012. Colaboradora do Núcleo de Neuropsi- colinguística do PPG em Psicologia da UFRGS. Natalie Pereira Fonoaudióloga. Mestre em Psicologia (PUCRS). Doutoranda em Psicologia com ênfase em Cognição Humana (PUCRS). Membro do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Expe- rimental (GNCE/PUCRS). Paulo Mattos Médico Psiquiatra. Doutor em Psiquiatria. Professor da UFRJ. Pesquisador do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino.</p><p>Raissa Telesca Graduanda em Psicologia (PUCRS). Colaboradora do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia nica e Experimental (GNCE / PUCRS). Renata Kochhann Doutora em Medicina - Neurologia (UFRGS). Aluna de Pós-doutorado em Psicolo- gia (PUCRS) com bolsa PDJ Professora Colaboradora do Programa de Pós-graduação em Psicologia - Cognição Hmana (PUCRS). Coordenadora do Grupo de Neuropsicologia do Envelhecimento (GNE). Pesquisadora do Hospital Moinhos de Vento (HMV) e do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA). Membro do corpo de pareceristas do Conselho Federal de Psicologia para o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI). Vanisa Fante Viapiana Psicóloga. Especialista em Avaliação Psicológica (UFRGS). Mestre e doutoranda em Psicolo- gia - Cognição Humana (PUCRS). Membro do Grupo de Pesquisa Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE / PUCRS). Professora do Curso de Psicologia da Universidade de Passo Fundo.</p><p>Sumário Apresentação 12 Capítulo 1 Funções executivas: definições, subcomponentes e bases 13 Laura Damianai Branco, André Ponsoni, Charles Cotrena Capítulo 2 Linguagem e comunicação: pilares para a avaliação da fluência verbal e do discurso narrativo 23 Natalie Pereira, Nicolle Zimmermann, Rochele Paz Fonseca Capítulo 3 Geração Aleatória de Números: adaptação e normas brasileiras para adultos 34 Vanise Fante Viapiana, Janice da Rosa Pureza, Maila Rossato Holz, Rochele Paz Fonseca Capítulo 4 Tarefa do Hotel: aplicação e interpretação clínica de uma tarefa ecológica de avaliação de funções executivas 53 Caroline de Oliveira Cardoso, Nicolle Zimmermann, Camila Borges-Paraná, Gigiane Gindri, Renata Kochhann, Ana Paula Almeida de Pereira, Rochele Paz Fonseca Capítulo 5 Aplicação, pontuação e interpretação clínica da Escala de Avaliação de Competências do Paciente Revisada: Versão brasileira (PCRS-R-BR) 83 Nicolle Zimmermann, Andressa Hermes-Pereira, Maila Rossato Holz, Renata Kochhann, Ana Paula Almeida de Pereira, Rochele Paz Fonseca Capítulo 6 Teste das Trilhas: aplicação, registro, pontuação e interpretações clínicas 95 Nicolle Zimmermann, Maila Rossato Holz, Christiann Haag Kristensen, Rochele Paz Fonseca</p><p>Capítulo 7 Teste Wisconsin de Classificação de Cartas Modificado (48 catões) (WCSTM-48): or- mas de aplicação, pontuação e interpretação 112 Nicolle Zimmermann, Andressa Hermes-Pereira, Rochele Paz Fonseca Capítulo 8 Análises de clustering and switching em tarefas de fluência verbal livre, fonêmica e semântica: dados normativos em adultos 123 Andressa Hermes-Pereira, Ana Bresolin Gonçalves, Maila Rossato Holz, Hosana Alves Gonçalves, Renata Hochhann, Nicolle Zimmermann, Rochele Paz Fonseca Capítulo 9 Tarefa de Discurso Narrativo por Estímulo Visual 138 Claudia Drummond, Gabriel Coutinho, Alina Teldeschi, Renata Kochhann, Paulo Mattos, Rochele Paz Fonseca Capítulo 10 Escala Melbourne de Tomada de Decisão: normas de aplicação e evidências com bases em variáveis externas (Transtorno Bipolar e Transtorno Depressivo Maior) 152 Laura Damiani Branco, Ponsoni, Raissa Telesca, Charles Cotrena, Rochele Paz Fonseca Capítulo 11 Frequência de hábitos de leitura e de escrita: normas, aplicação, pontuação e interpreta- ção de uma medida sociocultural-linguística de avaliação neuropsicológica 161 Maila Rossato Holz, Renata Kochhann, Caroline de Oliveira Cardoso, Nicolle Zimmermann, Karina Carlesso Pagiarin, Maria Alice de Mattos Pimenta, Rochele Paz Fonseca Considerações finais 174 Referências 177</p><p>Agradecimentos Agradecemos às agências de fomento para pesquisa pelos editais de pesquisa e bolsas de estudo pa- ra alunos de iniciação científica e de Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS) e Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), além de sermos gratas à instituição Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) pelas bolsas BPA de inicia- ção Ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUCRS, a seus docentes e alunos, pelo apoio aos projetos desenvolvidos que tiveram esta obra como um dos resultados. Aos pesquisadores colaboradores da Universidade de Montréal, Canadá Centre de Recherche de l'Institut Universitaire de Gériatrie de Montréal (CRIUGM), pelo incentivo aos projetos, compartilha- mento de materiais e contínua troca de informações e ideias, especialmente aos professores doutores Yves Joanette e Bernadette Ska e às fonoaudiólogas pesquisadoras Hélène Côté e Perrine Ferré. Aos alunos e colaboradores de pesquisa que participaram dos projetos de adaptação e normatização do Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE) na PUCRS desde 2008. Aos hospitais parceiros de coletas de dados, Hospital Cristo Redentor e Hospital de Pronto-Socorro de Porto Alegre. Ao médico neurocirurgião Dr. Ricardo Gurgel Rebouças, pelo auxílio nos contatos institucionais para as coletas de dados. Aos participantes de pesquisa que, voluntariamente, colaboraram para que os estudos um dia idea- lizados fossem concretizados em obras para o uso pela comunidade clínica e e ganho em saúde da população brasileira. Por fim, agradecemos a todos os indivíduos e a todas as instituições que, direta ou indiretamente, motivaram e possibilitaram o desenvolvimento deste conjunto de tarefas neuropsicológicas para o exame de pacientes adultos.</p><p>Apresentação A presente obra apresenta nove instrumentos de avaliação neuropsicológica de componentes das funções executivas (FE) e da linguagem oral para É segundo volume da coleção Tarefas para Avaliação Neuropsicológica. processo de avaliação neuropsicológica pode ser considerado na medida em que envolve o uso de ferramentas como entrevista clínica, questionários, escalas, testes de inteligência, análise de exames e materiais do(a) paciente e tarefas clínicas ou padronizadas de avaliação neuropsicológica. o uso de tarefas neuropsicológicas é considerado fundamental para uma avaliação propriamente neurocognitiva, com ferramentas que tenham fundamentos e bases nos estudos da ciência neuropsicológica cognitiva e o primeiro livro desta coleção apresentou sete tarefas neuropsicológicas para crianças. No presente volume, as tarefas foram adaptadas e normatizadas pelo Grupo Neuropsicologia Clínica e Experimental (GNCE) da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), coordenado pela Professo- ra Doutora Rochele Paz Fonseca desde o ano de 2009, sendo que algumas, em cooperação com o CRIUGM, na Universidade de Montreal, Canadá, tiveram seus estudos iniciados em 2005. Destacam-se, nesses projetos, a colaboração internacional com a Universidade de Montréal (Canadá) e as nacionais com o Instituto D'Or de Pesquisa do Rio de Janeiro e a Universidade Federal do Paraná (UFPR). A prin- cipal motivação para o desenvolvimento de projetos que contemplassem a adaptação, padronização e normatização de tarefas de avaliação é a escassez de ferramentas em nosso país e a importância do uso de tarefas adequadas do ponto de vista cultural e psicométrico num processo válido, acurado e clinica- mente útil de avaliação neuropsicológica. A intenção das organizadores com esta obra é disponibilizar para clínicos e pesquisadores brasileiros as tarefas adaptadas, padronizadas e, sempre que possível, normatizadas pelo GNCE / PUCRS, como: Geração Aleatória de Números, Tarefa do Hotel, Escala de Avaliação de Competências do Paciente, Teste das Trilhas, Teste Wisconsin de Classificação de Cartas Modificado (WCSTM-48 cartas), Fluência Verbal livre, ortográfica / fonêmica e semântica, com análise de clustering e switching, Discurso Narrativo por Estímulo Visual, Escala Melbourne de Tomada de Decisão e Questionário de Avaliação de Frequência de Hábitos de Leitura e Escrita. Essas tarefas podem ser incorporadas no processo de avaliação neuropsicoló- gica de adultos de acordo com o julgamento clínico de demanda e queixas. uso dessas tarefas deve ser combinado com o uso de outras ferramentas de avaliação intelectual e de outras funções cognitivas e lin- guísticas. Ainda, quadros tanto psiquiátricos quanto neurológicos ou com suspeita de disfunção cerebral podem se beneficiar do uso desses instrumentos de avaliação de diagnóstico neuropsicológico. Finalmente, as autoras esperam que esta coleção e seu segundo volume sejam úteis para o uso na prá- tica clínica e de pesquisa em neuropsicologia no Brasil. Ainda, que estas ferramentas oportunizem a reali- zação de diagnósticos mais acurados e de pesquisas com populações clínicas diversas e busca por mais dados normativos que contribuam para o crescimento do conhecimento nesta área e das áreas derivadas. Nicolle Zimmermann e Rochele Paz Fonseca 12</p><p>Capítulo Funções executivas: definições, subcomponentes e bases Laura Damiani Branco, Andre Ponsoni, Charles Cotrena As funções executivas (FE) são habilidades de controle cognitivo utilizadas na realização de tarefas para as quais nosso "piloto automático" ou instinto se mostram inadequados ou insuficientes (Diamond, 2014). Essa descrição se aplica a grande parte das atividades que realizamos nos âmbitos laboral, acadêmico e interpessoal. Por isso, as FE estão entre as habilidades cognitivas mais estuda- das na neuropsicologia, sendo as mais desafiadoras, atualmente, na clínica e na área da pesquisa. As FE estão entre os primeiros processos cognitivos a apresentar déficits ou alterações na pre- sença de fatores adversos, como o estresse, a tristeza e a falta de sono (Diamond, 2014). São, ainda, alguns dos componentes cognitivos mais frequentemente afetados em pessoas com transtornos men- tais, como o transtorno obsessivo compulsivo (Snyder, Kaiser, Warren & Heller, 2015), o transtorno de estresse pós-traumático (Woon, Farrer, Braman, Mabey & Hedges, 2017), o transtorno depressi- maior (Cotrena, Branco, Shansis & Fonseca, 2016a), a esquizofrenia (Orellana & Slachevsky, 2013) e o transtorno bipolar (Bora et al., 2016). Quadros neurológicos como o traumatismo cranio- encefálico e o acidente vascular cerebral também estão associados a prejuízos graves e duradouros nas FE (Jokinen et al., 2015; Rabinowitz & Levin, 2014; Xiao et al., 2013). Dessa forma, a compre- ensão teórica das FE é essencial para a clínica neuropsicológica, para além da histórica associação com lesões frontais (Shallice & Burgess, 1991a; Stuss & Benson, 1986). Este capítulo apresentará a definição de FE, discutirá algumas das principais funções ou sub- componentes compreendidos sob esse termo e apresentará, de forma breve, alguns dados acerca da base neurobiológica dessas habilidades. 13</p><p>que são as funções executivas? As funções executivas são responsáveis por processos que requerem esforço cognitivo e vão além do "piloto automático" ou instinto. As três principais funções executivas são a flexibilidade cognitiva, o controle inibitório e a memória de trabalho. Muitas das atividades que realizamos no dia a dia parecem automáticas, como se soubéssemos fazê-las "de olhos fechados". Esse pode ser o caso de atividades como acessar nosso e-mail, escovar os dentes, telefonar para alguém com quem conversamos diariamente ou trancar a porta de Mesmo sendo tarefas relativamente complexas, que envolvem uma série de passos ou etapas, são atividades habituais, ou seja, praticamos cada uma delas com tanta frequência que não precisamos mais de altos níveis de esforço ou de concentração para completá-las. Nosso "piloto automático" é bastante eficaz nessas situações e nos permite, inclusive, otimizar o uso do nosso tempo e de nossos recursos cognitivos. Como não precisamos ocupar nossa mente planejando a forma como retirare- mos as chaves do bolso e trancaremos a porta de casa, podemos utilizar o tempo para pensar em outras coisas, como as tarefas que temos a realizar no dia ou os itens que precisamos comprar no mercado. No entanto, esse tipo de funcionamento cognitivo nem sempre é possível, pois depende de muita prática e de consequente procedurização. Suponha que, em determinado dia, você não deva trancar a porta ao sair de casa, pois seu ma- rido ou sua esposa esqueceu de levar a chave, mas voltará para casa antes que você chegue do traba- lho. Ou imagine que um portão de ferro foi instalado recentemente e que você deve lembrar de cha- veá-lo em vez de simplesmente trancar a porta como normalmente fazia. Nessas situações, você precisará modificar seu comportamento ao sair de casa, e seu "piloto automático" não será suficien- te: você vai ter de lembrar de deixar a porta aberta ou de verificar se trancou o novo portão de ferro em vez de fechar a porta e ir diretamente para a garagem, como geralmente fazia. Nesse dia, você provavelmente terá de prestar mais atenção no que faz ao sair de casa, verificando se trancou a por- ta, lembrando a si mesmo o que tem de fazer, e deixando de pensar em outras coisas enquanto pega sua chave e sai pelo portão. Esse tipo de processamento cognitivo, que envolve esforço e compor- tamentos cuidadosamente planejados e monitorados, depende das FE. conjunto de habilidades que compõem as FE, assim como sua relação com demais processos cognitivos, pode ser compreendido por meio de diferentes modelos teóricos. De modo geral, os modelos existentes convergem no que tange aos componentes centrais das FE, apontando três habi- lidades básicas ou principais: controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho. No entanto, ainda há uma série de outros processos que também podem ser compreendidos como componentes executivos. Nas seções a seguir, serão discutidas, primeiramente, as três FE principais, seguidas por um conjunto de FE de segunda ordem e, por fim, a base neurobiológica dessas funções. 14</p><p>Controle inibitório, flexibilidade cognitiva e memória de trabalho: as três FE principais o controle inibitório opera nos níveis atencional, cognitivo e comportamental, permitindo- nos ignorar distratores no ambiente e pensar ou agir de maneiras diferentes da habitual. A flexibilidade cognitiva envolve a modificação de perspectivas, pontos de vista, estratégias ou comportamentos. A memória de trabalho nos permite armazenar e manipular informações na memória de curto prazo. Essas habilidades, muitas vezes, dependem uma da outra; por exemplo, a flexibilidade cog- nitiva pode necessitar de inibição prévia de um comportamento automático. A importância das três FE consideradas principais ou de primeira ordem pode ser claramente ilustrada pelo exemplo utilizado na seção anterior. A necessidade de inibir o impulso de trancar a porta ou de flexibilizar seu caminho da porta até o carro para incluir o portão de ferro são exemplos de controle inibitório e flexibilidade cognitiva. Já a necessidade de calcular mentalmente a dife- rença entre o horário atual (por exemplo, 14h00) e a hora em que seu cônjuge chegará em casa (por exemplo, 16h00), para verificar se precisa ou não deixar a porta aberta, envolve a memória de tra- balho, habilidade que permite manter e manipular informações na memória de curto prazo. A rela- ção entre essas três funções é descrita de diferentes formas por modelos teóricos tripartides (Miyake et al., 2000) e hierárquicos (Diamond, 2013; Snyder et al., 2015a). Essas perspectivas são ilustradas na Figura 1. MODELO TRIPARTIDE MODELO HIERÁRQUICO Memória de Trabalho Memória de Flexibilidade Trabalho Cognitiva Controle Flexibilidade Controle Inibitório Cognitiva Inibitório Figura 1. Ilustração de um modelo teórico tripartide e de um modelo hierárquico das funções executivas. No primeiro modelo, as três habilidades principais são vistas como peças igualitárias do con- junto das FE. No segundo, as FE são distribuídas em diferentes níveis hierárquicos, de modo que algumas são vistas como base ou pré-requisito para as modelo ilustrado se assemelha ao proposto por Snyder et al. (2015a). Nessa perspectiva, o controle inibitório é interpretado como a 15</p><p>base das duas outras funções, assim como o responsável pelas manifestações de inibição observa- Já o modelo de Diamond (2013) descreve a memória de trabalho e controle inibitório como base para a flexibilidade cognitiva e as três funções como aporte para habilidades como o planeja- mento e raciocínio lógico. Independentemente da perspectiva teórica, controle inibitório, a flexibi- lidade cognitiva e a memória de trabalho são consideradas as peças principais no conjunto das FE e serão agora descritas em maior CONTROLE INIBITÓRIO Nesta seção, discutiremos o conceito de controle inibitório com base na teoria de Adele Dia- mond, discutida em artigo publicado em 2013. controle inibitório opera em diversos níveis auxili- ando no controle da atenção, comportamento, pensamentos e até emoções. Essa habilidade nos permi- te escolher como agimos, deixar de lado nossos hábitos de sempre quando necessário e modificar nosso comportamento de acordo com as Como mencionado anteriormente, o uso do controle inibitório, assim como o restante das FE, requer esforço cognitivo: sempre será mais fácil seguir a rotina, um impulso ou um hábito antigo, do que ter de escolher uma nova forma de agir. No entanto, a habilidade de modificar nosso comportamento é uma parte essencial do funcionamento diário e crucial para o ajustamento em diversos âmbitos da vida (laboral, social, acadêmico etc.). As formas como o controle inibitório atua são diversas. Primeiramente, existe o controle atencional, que nos permite direcionar o nosso foco e escolher em que prestaremos atenção nas situações que envolvem múltiplos componentes ou eventos. A atenção em si não é uma FE; afinal, prestar atenção a um único estímulo quando não há outros presentes não requer maior esforço ou planejamento mental. Um exemplo de situação em que exercitamos apenas a atenção, sem a neces- sidade de controle sobre ela, seria assistir televisão sozinhos, em um local silencioso. No entanto, a partir do momento em que temos de selecionar um estímulo entre outros ou direcionar a atenção a um foco específico ignorando demais eventos, recrutamos a habilidade de controle atencional. Essa, sim, é uma FE. Essa habilidade nos permite, por exemplo, acompanhar um filme no cinema igno- rando a conversa de pessoas ao nosso redor ou alternar nossa atenção entre as imagens e legendas de um filme. controle inibitório também é importante quando temos de selecionar ou filtrar conteúdos do nosso próprio pensamento. Essa habilidade, conhecida como inibição cognitiva, é útil em situações em que há necessidade de controlar a interferência do próprio pensamento sobre um comportamento ou ação. Podemos usar como exemplo dessa habilidade a realização de uma prova ou concurso para o qual estudamos ao longo de muitos meses. Provavelmente, na ocasião da prova, teremos preocu- pações, pensamentos sobre o que acontecerá se tivermos ou não tivermos êxito, ou até pensamentos induzidos por distrações do ambiente (por exemplo, "Por que baixaram tanto a temperatura do ar "Estas cadeiras são desconfortáveis."). Para podermos realizar a prova e garantir que nosso desempenho corresponda ao nosso potencial, teremos de inibir esses pensamentos irrele- vantes para concentrar-nos apenas no conteúdo das questões. Assim, há no mínimo dois tipos de distratores: de atenção interna e/ou de atenção externa. Além da inibição cognitiva, existe a inibição comportamental. Como o nome indica, essa ha- bilidade se refere à capacidade de controlar nosso comportamento, de evitar agir de maneira auto- mática ou Essa habilidade foi exemplificada na seção inicial deste capítulo. Nosso com- portamento usual e automático de sair de casa, retirar as chaves do bolso e trancar a porta tem de ser 16</p><p>inibido em função de circunstâncias específicas do dia em questão. mesmo ocorre quando preci- samos modificar nosso caminho normal para trabalho, por exemplo, para buscar algo na farmácia ou dar carona a um colega. usarmos apenas nosso "piloto automático", realizaremos caminho de sempre e iremos direto para casa, sem parar em nenhum lugar. Nessas situações, discutimos a necessidade de inibir um comportamento que nos impede de re- alizar outro. No entanto, nem sempre é esse o caso e pode ser necessário inibir um comportamento por uma razão diferente; por exemplo, quando temos o de responder agressivamente a al- guém que nos critica, ou a dizer a primeira coisa que nos passa pela cabeça em resposta a alguma pergunta. Em muitos casos, optamos por, simplesmente, permanecer em silêncio, inibindo a respos- ta automática sem, necessariamente, substituí-la por outra. Nessas situações, o controle inibitório também é essencial. FLEXIBILIDADE COGNITIVA A flexibilidade cognitiva, como o nome sugere, envolve a habilidade de modificar perspecti- vas, pontos de vista, estratégias ou comportamentos (Diamond, 2013). Muitas vezes, essa habilida- de está acompanhada do controle inibitório, pois temos de inibir uma forma de funcionamento habi- tual antes de podermos optar por uma nova abordagem ou estratégia. No exemplo utilizado no início do capítulo, falamos na necessidade de alterar o caminho entre a porta de casa e a garagem para trancar um portão recentemente instalado. Nesse caso, precisamos inibir nossa tendência a trancar a porta e ir diretamente à garagem, alterando nosso caminho para incluir, também, o portão de ferro. Podemos precisar da flexibilidade cognitiva, também, quando nos deparamos com algum imprevisto. Digamos que, em seu dia de folga, você planeja uma série de atividades, incluindo pagar contas, ao banco, ir ao mercado e ao correio. Se, no caminho, você descobre que seu carro está com problemas, ou que precisará levar seu filho à casa de um amigo, você consegue ajustar seu planejamento para, mesmo assim, fazer as atividades previstas? Para pensar em uma nova forma de se locomover pela cidade se seu carro está com problemas, ou "en- caixar" a carona de seu filho entre as atividades planejadas, será necessário o uso da flexibilidade cognitiva. Do contrário, pode-se deixar de cumprir compromissos e fazer tarefas importantes por não conseguir pensar em maneiras alternativas de conciliá-los com as demandas do ambiente. Assim como o controle inibitório, a flexibilidade cognitiva pode envolver aspectos cognitivos e emocionais além dos comportamentais. Quando conversamos com alguém, muitas vezes utiliza- mos a flexibilidade cognitiva para tentar compreender uma situação do seu ponto de vista. Quando estamos incomodados, também pode ser necessário flexibilizar nossa perspectiva da situação para poder atingir um objetivo. Se buscamos uma informação no balcão de atendimento de uma compa- nhia aérea, por exemplo, mas sentimos que estamos sendo ignorados ou mal atendidos, podemos ter o de reagir de maneira agressiva ou ir embora sem as informações necessárias. No entanto, pode ser necessário flexibilizar nossa compreensão da situação, verificando que os atendentes real- mente se encontram ocupados e precisarão de alguns minutos antes de responder nossas perguntas, ou pedindo licença para que lhe respondam uma pergunta rapidamente, pois você está com pressa e, infelizmente, não poderá aguardar. Mais uma vez, apontamos que a flexibilidade cognitiva requer esforço. É trabalhoso, em termos cognitivos, pensar em alternativas a uma forma de funcionamento que nos parece mais fácil ou automática. No entanto, sem essa habilidade, muitos aspectos de nossa rotina se tornariam impossíveis. 17</p><p>MEMÓRIA DE TRABALHO A terceira FE considerada principal é a memória de trabalho. Essa habilidade envolve a manu- tenção e manipulação de informações na memória de curto prazo e é geralmente dividida em as- pectos verbais e não verbais (visuoespaciais) (Diamond, 2013). Para fins de evitar de interpretação, memória de trabalho não é sinônimo de memória de curto prazo, mesmo que dure pouco, na medida em que envolve componentes de curto e de longo prazo. A memória de trabalho verbal é fundamental para acompanharmos uma conversa, uma aula, uma reunião, um filme, um livro ou qualquer outro evento que se desenvolva ao longo do tempo. Em qualquer uma dessas situações, temos de manter as informações obtidas no início do evento e integrá-las ao restante dos dados que observamos à medida que a situação se desenvolve. Ao ler cada parágrafo deste capítulo, você provavelmente evoca informações provindas dos parágrafos anteriores, assim como seu conhecimento prévio sobre cognição e FE. Todas essas informações são, então, integradas para que você compreenda a informação A memória de trabalho também é fundamental para a realização de cálculos mentais, para a identificação de relações entre conceitos ou eventos e para o raciocínio lógico. Para estabelecer uma linha de raciocínio, precisamos manter uma sequência de pressupostos em mente, testando-os com base em evidências e registrando mentalmente o resultado desses testes. Para responder a uma per- gunta de múltipla escolha, por exemplo, podemos ter de seguir um processo lógico de eliminação de alternativas. Para isso, precisamos evocar as informações que já possuímos acerca de cada alternati- va, verificar sua viabilidade e mantê-la como uma opção ou descartá-la. Por fim, temos de lembrar qual alternativa restou para poder marcá-la como resposta. Assim como a flexibilidade cognitiva, a memória de trabalho se relaciona intimamente com o controle inibitório. Esses processos geralmente precisam um do outro, pois a manipulação de in- formações na memória de trabalho necessita da inibição de informações irrelevantes na mente ou no ambiente ao nosso redor. Para realizar um cálculo mental ou ler e compreender um artigo de jornal, precisamos concentrar-nos exclusivamente neles. Demais pensamentos acerca de nossa rotina, tare- fas a fazer no dia ou barulhos do ambiente precisam ser inibidos. Ao mesmo tempo, a memória de trabalho, muitas vezes, auxilia na manutenção do controle inibitório; por exemplo, se ouvirmos no rádio que duas das ruas que geralmente seguimos para ir ao trabalho estão interrompidas para obras, temos de inibir a tendência de seguir nosso caminho usual para tomar uma rota alternativa. Caso essa informação seja esquecida, seguiremos o caminho normal e, talvez, nos frustraremos por che- gar à rua interrompida e precisar desfazer parte do caminho antes de chegar a uma rua alternativa. DEMAIS FE: TOMADA DE DECISÃO, PLANEJAMENTO, RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS As três funções executivas principais servem como base para diversas outras habilidades, como a tomada de decisão, o planejamento e a resolução de problemas. A tomada de decisão é geralmente orientada por um componente motivacional ou emocional caracterizado pela busca por uma recompensa ou evitação de uma consequência negativa. o planejamento envolve a identificação e o sequenciamento dos passos necessários para realizar uma atividade, sendo crucial para qualquer comportamento orientado a objetivos. 18</p><p>A resolução de problemas nos permite criar e testar soluções para conflitos, por meio da representação mental, planejamento, implementação de estratégias e monitoramento Além das três funções consideradas centrais, ou principais, diversas habilidades cognitivas são citadas na literatura como integrando o conjunto das Elas incluem: planejamento, o componente executivo central da memória de trabalho, monitoramento de estratégias, formação de conceitos, criatividade, iniciação, resolução de problemas e sequenciamento (Jurado & Rosselli, 2007). Auto- res divergem quanto à natureza dessas funções: enquanto alguns as descrevem como FE distintas (Diamond, 2013), outros sugerem que são apenas o resultado de diferentes combinações das FE básicas (Snyder, Miyake & Hankin, 2015b). No entanto, independentemente do posicionamento teórico, funções como planejamento, resolução de problemas e tomada de decisão são consideradas processos executivos de acordo com múltiplos modelos teóricos e, portanto, serão brevemente dis- cutidas nesta Tomada de decisão A tomada de decisão é uma habilidade crucial para nosso funcionamento diário. Somos diari- amente confrontados com situações em que temos de optar entre uma série de alternativas disponí- veis, e a tomada de decisão é o processo que antecede essa escolha (Miyapuram & Pammi, 2013). A literatura neuropsicológica divide a tomada de decisão em duas grandes áreas que podem, posteri- ormente, ser subdividas em categorias mais específicas. A tomada de decisão perceptual envolve a integração e o processamento de informações sensoriais, enquanto as decisões baseadas em valo- res necessitam de um passo a mais, geralmente uma avaliação das consequências ou recompensas associadas a uma alternativa (Rangel, Camerer & Montague, 2008). Um exemplo de decisão per- ceptual é a identificação visual: ao olhar para um semáforo, podemos rapidamente determinar se está ou não vermelho com base apenas na informação sensorial (visual) disponível. A tomada de decisão perceptual está associada à categorização e organização, habilidades frequentemente avali- adas no contexto das FE. Já as decisões baseadas em valores envolvem consequências complexas para cada alternativa, que pode ser o caso da escolha entre cruzar a rua ou não quando o sinal está vermelho. Além da necessidade de comparar as vantagens e desvantagens de diferentes alternativas, a tomada de decisão baseada em valores frequentemente envolve o processamento emocional. Afi- nal, o processo de tomada de decisão é geralmente orientado por um componente motivacional ou emocional caracterizado pela busca por uma recompensa e/ou evitação de uma consequência nega- tiva (Miyapuram & Pammi, 2013). As emoções podem influenciar nossa tomada de decisão de diferentes formas, orientando nossa percepção dos fatos disponíveis, modelando nossa avaliação de situações e, até mesmo, de- terminando o nível de profundidade com que avaliamos um problema (Lerner, Li, Valdesolo & Kassam, 2015). Dessa forma, o monitoramento e o autocontrole emocional estão frequentemente envolvidos em situações de tomada de decisão. controle emocional deficitário pode levar a deci- impulsivas tomadas com base em estímulos emocionais, sem a realização de etapas importan- tes do processo decisório como a seleção ou modificação de estratégias, o direcionamento da aten- ção, a reavaliação cognitiva e a supressão ou modificação de respostas (Barkley, 2012). De forma importante, aponta-se que a tomada de decisão, embora necessite de habilidades como memória e atenção, pode mostrar-se prejudicada mesmo na ausência de déficits nessas habili- dades. Essa observação levou à elaboração da hipótese do marcador somático, uma das teorias mais prevalentes de tomada de decisão na literatura neuropsicológica que descreve a importância de ex- periências emocionais prévias, ou marcadores somáticos, para a tomada de decisão (Bechara, Da- 19</p><p>masio, Damasio & Anderson, 1994). Nosso cérebro especialmente algumas áreas específicas do lobo frontal (córtex pré-frontal ventromedial) associa nossas escolhas à emoção que experiencia- mos após realizá-las (Damasio, Everitt & Bishop, 1996). Essa memória costuma ser armazenada de forma implicita, e não de modo que, embora decisões sejam bascadas em nossa cia prévia com situações similares, nem sempre percebemos quanto fator nos influencia ao tomar uma nova Planejamento planejamento envolve a identificação e o sequenciamento dos passos e procedimentos ne- cessários para realizar determinada atividade, constituindo-se em etapa principal de qualquer com- portamento orientado a objetivos (Lezak, Howieson, Bigler & Tranel, 2012). Nesse ponto, é impor- tante diferenciar a escolha de um objetivo da capacidade de atingi-lo: um indivíduo pode ser capaz de elaborar um objetivo e mantê-lo em mente, sem saber como planejar os movimentos necessários para atingi-lo. Esse déficit pode ser causado por alterações em qualquer uma das funções cognitivas associadas ao planejamento, que podem envolver desde a atenção sustentada até a prospecção. planejamento é uma FE complexa, pois envolve o desenvolvimento de modelos mentais de diferentes eventos e a previsão das consequências de diversas ações antes de sua execução no mun- do real (Unterrainer et al., 2015). Portanto, o planejamento necessita de diversos outros componen- tes para garantir seu sucesso, incluindo as três FE básicas: inibição, flexibilidade cognitiva e memó- ria de trabalho (Friedman & Miyake, 2017). o envolvimento de cada uma dessas habilidades no planejamento pode ser ilustrado a partir de um exemplo. Se temos como objetivo fazer um bolo, podemos começar separando uma receita. A flexibilidade cognitiva pode ser necessária para adaptar instruções que não sejam aplicáveis: não havendo determinado ingrediente em casa, ele pode ser omitido ou substituído por outro? A inibi- ção pode ser necessária para garantir que outros aspectos da receita sejam seguidos: caso a instrução seja evitar abrir o forno nos primeiros 20 minutos de cozimento, você terá de aguardar, independen- temente do quanto quiser verificar o andamento do prato. Por fim, a memória de trabalho pode ser importante para otimizar o uso do tempo: se você precisa ferver uma quantidade de água, bater cla- ras em neve e mensurar quantidades de farinha, fermento e açúcar, quais dessas atividades você pode realizar simultaneamente? Você conseguirá se lembrar de monitorar todas as tarefas à medida que a receita progride? Todas essas considerações serão importantes para planejar as atividades que o levarão ao seu objetivo e garantir que o plano seja executado de maneira adequada. sucesso de uma tentativa de planejamento também depende de outras funções cognitivas pa- ra além das três principais FE. Elas incluem o raciocínio lógico, ou a habilidade de realizar uma análise objetiva do ambiente e da situação, a escolha entre alternativas e sistemas de memória (Le- zak et al., 2012). E, ainda, alguns autores discutem a importância da prospecção para o planejamen- to, sugerindo, inclusive, que essa habilidade pode ser compreendida como um subprocesso da capa- cidade de prospecção (Szpunar, Spreng & Schacter, 2014). Resolução de problemas A resolução de problemas está intimamente relacionada com a capacidade de planejamento. Frequentemente, o objetivo rumo ao qual planejamos uma ação surge do conflito entre um estado presente (o que é) e um estado desejado (o que queremos) (Barkley, 2012). Ao perceber que esta- mos insatisfeitos com alguma circunstância atual, instaura-se um problema que, consequentemente, buscamos solucionar. plano anteriormente discutido envolvendo o preparo de um bolo, por exemplo, pode ter surgido como forma de resolução de um problema. Você pode ter lembrado que 20</p><p>receberia uma visita e que gostaria de oferecer algo especial a ela, pois seu aniversário foi na sema- na anterior. A resolução de problemas nos permite criar e testar opções em termos de sua aplicabili- dade à resolução de um conflito (Barkley, 2012). Nesse caso, você pode ter, primeiramente, pensa- do em sair para comprar um presente, mas ter verificado que não há tempo para tal solução. Depois, pode ter pensado em sair para jantar, mas então lembra que é feriado e que, provavelmente, não haverá restaurantes abertos. Por fim, lembra de uma receita de bolo que a pessoa realmente gosta, e decide prepará-la como um agrado. Assim, o preparo do bolo se torna, simultaneamente, a resolu- ção do problema (receber a vista e não ter nada a oferecer) e também um objetivo, que demandará uma série de etapas para sua realização. A resolução de problemas também é uma habilidade cognitiva complexa, que pode ser dividi- da em processos distintos. De acordo com um dos modelos teóricos mais amplamente utilizados, a resolução de problemas pode ser dividida em quatro etapas (Zelazo, Carter, Reznick & Frye, 1997; Zelazo, Carlson & Kesek, 2008). primeiro estágio na resolução de problemas é a representação mental da situação, seguida pelo planejamento, que é, então, executado por meio da implementação de regras e procedimentos. Por fim, o desfecho do plano é avaliado e confrontado com os objetivos originais. Nessa etapa, caso sejam identificados erros ou a necessidade de correção, pode-se retornar a alguma das etapas anteriores e reiniciar o processo. Para melhor compreensão, esse processo pode ser ilustrado por meio de um exemplo. Suponha que você tem de pagar uma conta cujo prazo de vencimento termina hoje. Essa é a representação ou conceitualização da situação: você tem um boleto bancário que precisa ser pago. Perceba que essa situação também pode ser compreendida a partir da definição fornecida anteriormente: o estado atual da situação (conta não paga) difere do estado desejado (conta paga), gerando um conflito. o próximo passo é o planejamento de alternativas para resolução desse problema. Você pode, primei- ramente, tentar realizar o pagamento via celular. Para isso, você necessita obter seu celular, acessar a internet e inserir os dados do boleto no site ou aplicativo do banco. Você executa esses passos e obtém uma mensagem de erro. Nesse caso, ao avaliar a situação, você constata que precisa de outra alternativa, pois o problema ainda não foi resolvido. Você, então, retorna para o estágio de planeja- mento, uma vez que a representação do problema continua a mesma e não precisa ser alterada. Des- sa vez, você planeja pegar seu carro e ir até a agência bancária para realizar o pagamento. Você executa o plano tentando pagar a conta em um caixa eletrônico. No entanto, o caixa eletrônico não aceita o pagamento. Você percebe que digitou os dados do boleto de forma errada e, por isso, o pagamento não foi processado. Dessa vez, ao avaliar o desfecho da situação, você conclui que o problema está na execução do seu plano e não no planejamento em si. Assim, não é necessário pla- nejar uma solução alternativa e você pode, simplesmente, executar o mesmo plano novamente, digi- tando os dados com maior cautela. pagamento é processado e a conta é paga. Nesse momento, você atinge a solução do problema e o processo é encerrado. Bases neurobiológicas das FE: uma breve introdução Embora os lobos frontais desempenhem um papel importante no processamento executi- vo, muitas outras regiões cerebrais também estão envolvidas nesse processo, em geral, com conexões frontais. Algumas das regiões cerebrais mais frequentemente associadas às FE são o córtex pré- frontal dorsolateral e o córtex cingulado anterior. 21</p><p>Por muito tempo, as FE foram associadas exclusivamente à atividade dos lobos frontais do cé- rebro. Hoje em dia, sabemos que, embora os lobos frontais desempenhem um papel importante no processamento executivo, muitas outras regiões cerebrais também estão envolvidas nas diferentes FE (Chung, Weyandt & Swentosky, 2014). De acordo com a literatura, as FE estão associadas tanto à atividade dos lobos frontais quanto ao funcionamento de regiões parietais, temporais e cerebelares (Nowrangi, Lyketsos, Rao & Munro, 2014). Ainda não há consenso na literatura acerca das áreas específicas do cérebro associadas a cada uma das FE. No entanto, a evidência disponível aponta para algumas conclusões acerca das bases neurofuncionais das FE. Uma das regiões cerebrais cuja associação com as FE possui maior força de evidência é o cór- tex pré-frontal dorsolateral (CPFDL). Essa região, localizada nos lobos frontais, possui ligações com diversas outras áreas cerebrais, incluindo os núcleos da base, o hipocampo e os lobos temporal e parietal (Fuster, 2001). Dessa forma, o CPFDL tem a possibilidade de integrar e coordenar dados provindos de diferentes regiões cerebrais, propiciando seu papel em FE como planejamento, memó- ria de trabalho, controle inibitório e alternância. De forma similar, aponta-se a importância do cór- tex cingulado anterior, porção do córtex acima do corpo caloso que perpassa os lobos frontal e pari- etal, em FE como memória de trabalho e planejamento (Chung et al., 2014). Para além das regiões frontais associadas às FE, faz-se importante a discussão da conexão en- tre os lobos frontais e outras áreas corticais e subcorticais no processamento executivo. Essas cone- permitem que os lobos frontais monitorem e "supervisionem" demais áreas cerebrais na reali- zação de atividades que recrutam FE como a memória de trabalho e o controle atencional (Funahas- hi & Andreau, 2013). De acordo com alguns estudos, alterações no funcionamento dos lobos fron- tais podem ter um efeito cascata, a partir do qual outras regiões do cérebro passam a apresentar anormalidades funcionais e o desempenho em tarefas de FE termina por apresentar-se prejudicado (Lee & D'Esposito, 2012). De forma similar, as conexões frontoestriatais, que ligam regiões fron- tais do cérebro aos núcleos da base, têm um papel fundamental em atividades que envolvem o pla- nejamento (Chung et al., 2014). Considerações finais A compreensão teórica das FE é essencial para a aplicação e para a interpretação quantitativa e qualitativa de tarefas de avaliação desses componentes. entendimento de cada componente execu- tivo também é fundamental para o desenvolvimento de tarefas clínicas ecológicas para avaliação e intervenção de estimulação dessas habilidades. Frequentemente, ao fornecer instruções e orientar a realização de uma tarefa, o avaliador age como um componente executivo externo para o avaliando. Esse fenômeno pode influenciar os resultados de algumas tarefas, mascarando prejuízos executivos ou auxiliando o paciente a compensá-los. Portanto, para identificar esse processo e sua possível influência na avaliação neuropsicológica é necessário conhecer os componentes executivos e a for- ma como operam. raciocínio clínico é indubitavelmente potencializado em sua acurácia quando se baseia em modelos teóricos. 22</p><p>Capítulo 2 Linguagem e comunicação: pilares para a avaliação da verbal e do discurso narrativo Natalie Pereira, Nicolle Zimmermann, Rochele Paz Fonseca A linguagem e a comunicação são funções da cognição humana consideradas essenciais para a integração verbal entre diferentes funções neuropsicológicas, na medida em que fazem a mediação da intencionalidade à transmissão de mensagens. No contexto da avaliação neurocognitiva, a lin- guagem é usada para avaliar a própria linguagem em tarefas que examinam componentes do proces- samento linguístico ou comunicativo, mas também para avaliar outros processos cognitivos, tais como funções executivas (FE) (abordadas especificamente no Capítulo 1 deste livro). Didaticamente, os estudos do processo de aquisição das habilidades linguísticas se dividem en- tre linguagem oral e escrita. Neste capítulo, no entanto, será abordada somente a linguagem oral. E, ainda, divide-se o estudo da linguagem para produção e compreensão em estruturas formais e fun- cionais. A primeira se refere à fonologia (estudo dos sons), à morfologia (partes que constituem as palavras), à sintaxe (regras pelas quais as palavras se combinam em frases / sentenças) e à semânti- ca - denotativa e conotativa (significado literal e figurado das palavras, respectivamente). Já os aspectos funcionais da linguagem estão relacionados à prosódia linguística e emocional (ritmo e entonação vocal) e à pragmática, que rege o uso da linguagem em si e as regras de comunicação social (Rotta, Ohlweiler & Riesgo, 2016). Com esse intuito, este capítulo visa a apresentar conceitos, classificações e modelos de proces- samento linguístico de produção de palavras e de discurso. Para produção de palavras (avaliação no nível lexical e semântico), aqui será apresentado o uso de tarefas como as de fluência verbal e, para a produção discursiva, as tarefas de discurso narrativo a partir de sequências de cenas. Assim, os pilares teóricos que fundamentam sua aplicação, pontuação e interpretação se mostram fundamen- tais. 23</p><p>Processamento de palavras isoladas: reconhecimento e produção A produção da fala é uma das formas mais dinâmicas da atuação humana que se pode seus elementos críticos aparecem tão rápido quanto desaparecem (Hockett, 1960). No entanto, estu- do da linguagem foi tido, por muito tempo, como um conhecimento estável e direto / objetificado, que continha propriedades intra e entre níveis linguísticos que mantinham uma relação fixa um para outro, independentemente do sujeito que produz a linguagem ou a compreende (Lakoff & 1997). Com o avanço das pesquisas e do entendimento da complexa relação entre cognição e lingua- gem (Hermann, 2008), salientaram-se a subjetividade e a fugacidade da natureza da fala e do Alguns autores problematizam a questão do aprendizado da linguagem versus o seu uso, Guen- douzi, Loncke e Williams (2011) salientaram a dicotomia entre aprender a ler / escrever e quão dis- tante dos outros níveis de processamento linguístico é essa prática. Por exemplo, no aprendizado da escrita, em geral, os alunos "olham as palavras", o espaço entre elas e o tamanho das se aprendizado ocorre no nível alfabético, muito provavelmente os alunos serão, no máximo, expostos aos símbolos sonoros que compõem as palavras. Os autores continuam problematizando que foco durante o aprendizado não está na prosódia, na qualidade vocal, no tom de voz, na velocidade e na intensidade de fala e em tantas outras características que são fatores pessoais da fala e dependem do interlocutor (emoção, atitude, classe social, características culturais etc.). Dessa forma, o aprendizado da linguagem na infância é realizado por partes, já que os alunos aprendem separadamente parágrafos e a importância da sua coesão. Basicamente, os alunos são conscientizados sobre as regras e as memorizam de maneira segmentada, o que refletirá na vida adulta (Guendouzi et al., 2011). Tal crítica vem ao encontro da problematização sobre a intrínseca relação entre linguagem, me- mórias, tipos de atenção e componentes das FE, amplamente referida na literatura (Brandão, Lima, Parente & Peña-Casanova, 2013; Henry & Botting, 2017; Anderson & Wagovich, 2010; Yates et al., 2008). De encontro a isso, existem evidências na literatura que mostram que o modelo teórico mais clássico que prioriza a reabilitação da linguagem por componentes linguísticos não parece ser o mais efetivo para os pacientes. Por exemplo, os pacientes afásicos, isto é, aqueles com dificuldades parciais ou integrais adquiridas de linguagem pós-lesão cerebral, referem que "não conseguem lembrar as palavras que gostariam de falar". As queixas por parte dos pacientes são frequentes e trazem à tona a reflexão do quanto há de processamento mnemônico e de outros domínios cognitivos no recrutamento das habilidades linguísticas e posterior efetiva comunicação (Boyle, 2017). Quanto a isso, a visão tradicional da relação cérebro-linguagem, em geral, é associada nos mo- delos de compreensão (afasia fluente) e expressão (afasia não fluente) de Wernicke, de 1874, e de Broca, de 1861, respectivamente. Sabe-se que lesões no lobo frontal, especificamente na área pré- motora e motora da fala, podem resultar na dificuldade em produzir linguagem, mas com pouco prejuízo na compreensão. Lesões nas áreas sensoriais de representações de palavras podem prejudi- car a compreensão sem necessariamente estar associadas à Assim, podem haver dissocia- ções entre grandes e mais detalhados / específicos componentes da linguagem oral. Apesar de amplamente utilizada, a ideia de compreensão versus produção de linguagem é sim- plificada. Uma importante limitação parece ser o fato de as teorias abordarem processamento de palavras isoladas e a combinação de palavras em sentenças e, posteriormente, em um recorte de fala / discurso (Martin, 2003). Sendo assim, muitas vezes, a apresentação clínica pós-lesão cerebral pode ser heterogênea e não ser representativa do que teoricamente foi apresentado no início dos estudos de linguagem. Por exemplo, sabe-se que em pacientes com afasia não fluente (Broca), a fala do tipo 24</p><p>agramática com baixa complexidade sintática e ausência de palavras de classe fechada (preposições, verbos auxiliares, artigos e conjunções) e marcadores de inflexão (plural, passado e presente) não ocorre necessariamente por lesão cerebral das áreas responsáveis pelas representações motoras da fala. Berndt e Caramazza (1980) enfatizam que a afasia de Broca parece ser de ordem sintática nes- ses casos, o que seria a causa responsável pelo discurso agramático c/ou algum grau de dificuldade em compreensão da sentença. Embora pacientes com afasia de Broca apresentem boa compreensão na avaliação clínica, isso não acontece quando a compreensão depende de entender informações sintáticas no contexto de uma sentença (Martin, 2003). Caramazza e Berndt (1978) apresentaram evidências de que mesmo pacientes afásicos com le- nos lobos posteriores sofreram uma ruptura das representações semânticas, que novamente afetaram tanto a compreensão quanto a produção. Os déficits de compreensão de palavras desses pacientes não poderiam ser atribuídos à dificuldade em perceber informações fonológicas. Assim, de acordo com esses autores, a distinção teórica entre a afasia de Broca e a de Wernicke foi mais apropriadamente considerada como um dano à sintaxe ou à semântica, respectivamente, em vez de danos às representações motoras ou sensoriais de palavras. Para uma leitura mais densa, revisar Martin (2003) e Petrides, Harvey e Dejerine (2015). Para além das associações e dissociações entre componentes linguísticos, há ainda como alvo de grande investimento as relações entre linguagem, comunicação e outros subprocessos cognitivos. Sabe-se que habilidades linguísticas e memórias estão conectadas e trabalham juntas durante a produ- ção e a compreensão de linguagem (Eustache, Viard & Desgranges, 2016; Van Dyke, 2012). Essa relação é especialmente evidenciada em estudos sobre a memória semântica, sistema essencial para as tarefas de fluência verbal, na medida em que evocamos palavras de nosso léxico, com grande chance de serem buscadas por relações semânticas categóricas e temáticas (Boyle, 2017; Clark et al., 2014). A memória é um domínio da cognição que nos possibilita aprender, armazenar e recordar in- formações. A seguir será explorada a relação entre os tipos de memória e as habilidades linguísti- cas. Dentre os dois tipos de memória declarativa ou explícita, destacam-se a memória episódica e a semântica (Baddeley, Eysenck & Anderson, 2009). A memória semântica é responsável pelo co- nhecimento do mundo, incluindo aquele que diz respeito às palavras (léxicos) (Eustache et al., 2016; Van Dyke, 2012). Dessa forma, o léxico mental ou memória lexical (conhecimento dos léxi- cos) se refere à parte da memória semântica responsável pelo armazenamento das palavras, incluin- do seu significado, conhecimento fonológico e parte da produção de fala (Ullman, 2004). Assim, há, tanto para compreensão quanto para produção das palavras, o envolvimento da lin- guagem e da memória semântica sistemas que necessitam ativar rede de conceitos e significados (Grondin, Lupker & McRae, 2009; McRae, Cree, Seidenberg & McNorgan, 2005). Os conceitos seri- am as características ou propriedades pertencentes ao que está sendo falado, ou seja, as diversas carac- terísticas semânticas relacionadas aos objetos somadas à ativação dos mais diversos conceitos veis. Conceitos que compartilham características semânticas estão mais fortemente relacionados do que aqueles que não o fazem. Da mesma forma, conceitos que têm mais características em comum são mais relacionados do que aqueles com menos características em comum (Boyle, 2017). Boyle (2017) exemplifica tal afirmação com as palavras: morango e framboesa. Ambas carregam características sobre serem uma comida, serem da cor vermelha, serem pequenas e, além disso, serem frutas, ao pas- SO que morango e rabanete, por exemplo, não. Outras associações são possíveis para o primeiro par de palavras, como serem usadas para fazer doces, sobremesas etc. Esse exemplo mostra que quando que- remos recuperar a palavra pelo conceito que queremos transmitir, as características desse conceito são ativadas, e essa ativação se estende ao item lexical associado ao maior número dessas 25</p><p>Já no que diz respeito à memória episódica e sua relação com o processamento linguístico, faz- se coerente estabelecer uma associação a partir dos modelos mentais do processamento discursivo defendidos por Kintsch e Van Dijk (1978) e Van Dijk (2012). A memória episódica é o conheci- mento relacionado a eventos, episódios que acontecem com o sujeito e as informações subjacentes a respeito das circunstâncias em que esses eventos ocorrem (local, período, tempo, participantes etc.) (Reed et al., 2010). Para utilizar as habilidades discursivas, os usuários recrutam modelos mentais pré-existentes dos eventos relacionados, ou seja, sua referência interna e pessoal (Van Dijk, 2012). Os participantes dos turnos dialógicos (turnos de conversa) necessitam construir dinamicamente a análise e a interpretação subjetiva das informações recebidas, além de interpretar, a partir dos mode- los mentais já vividos, representações analógicas pré-estabelecidas para que possam processar infe- rências aceitáveis de acordo com o contexto (Byom & Turkstra, 2012). Em pacientes com traumatismo (TCE), por exemplo, existem evidências de que a compreensão do discurso depende de conexões cerebrais (por exemplo, áreas frontoparietais) que suportam a integração e o controle das representações cognitivas. Essas áreas, por sua vez, influenci- am a construção de modelos mentais que integram a linguagem com conhecimentos e experiências prévias (Botvinick, Braver, Barch, Carter & Cohen, 2001; Duncan, 2010; Miller & Cohen, 2001). Por último, quanto à memória de trabalho (MT) e a relação com o processamento linguístico, sabe-se que a MT é um sistema de capacidade limitada que envolve o armazenamento e a manipu- lação temporária de informações necessárias para uma gama de atividades cognitivas complexas, incluindo a linguagem (Baddeley, 2003, 2012). modelo de Baddeley e Hitch (1974) atualizado em Baddeley (2012) propõe a divisão da MT em quatro subsistemas: o primeiro diz respeito às in- formações verbais e acústicas (alça fonológica); o segundo se relaciona às informações visuais (es- boço visuoespacial); esses dois sistemas são dependentes de um terceiro sistema de atenção limita- da, o executivo central. último, o buffer episódico, mantém os episódios e realiza um link com os componentes da MT com cada informação da memória de longo prazo. Todos os subsistemas são tidos como importantes agentes tanto para o processamento da linguagem normal como para os transtornos de linguagem. E, ainda, a MT é importante para a fluência do discurso e para a capaci- dade de resumir uma tarefa, por exemplo, em uma tarefa de discurso narrativo (Chapman et al., 2006; Kliegel, Eschen & Thöne-Otto, 2004; Rousseaux, Vérigneaux, Kozlowski, 2010). Na produção de palavras sem estímulos auditivos ou visuais de base, o acesso ao nível da pa- lavra, por sua vez, ocorre quando a palavra é produzida acessando o nível semântico e, depois, um nível intermediário em que as palavras são representadas na forma de lemas. Os lemas são especifi- cados no nível sintático e semântico, mas não no nível fonológico. Após a seleção do lema (nível lexical) o sistema deve selecionar as formas fonológicas no estágio de codificação fonológica (pro- cesso esse realizado pela ativação). Quando selecionamos a forma fonológica da palavra, temos o lexema (Levelt, 1999). Avaliação da verbal A fluência verbal (FV) pode ser definida como a habilidade de evocar a maior quantidade de itens pertencentes a um critério específico em um determinado tempo. Os critérios de tarefas em geral usadas para a fluência verbal são: semântico (FVS) (animais, roupas), fonêmico-ortográfico (FVF) (letra P, M etc.) e livre (FVL), sem categoria pré-definida. Essa tarefa mede a habilidade de busca e acesso lexical, de recordar informações semânticas e de flexibilidade cognitiva (Henry & 26</p><p>Crawford, 2004; Kavé, 2005; Kavé, Avraham, Kukulansky-Segal & Herzberg, 2007; Troyer, Mos- covitch, Winocur, Alexander & Stuss, 1998). Além disso, a FV é definida como "a capacidade ex- pressiva de produzir conteúdo linguístico" (Sternberg, 2008) é de extrema importância para a municação (Murphy, O'Sullivan & Kelleher, 2014). Tal tarefa é de fato complexa e pode fornecer ao clínico informações extremamente sutis quan- to ao desempenho linguístico e cognitivo dos pacientes (Figura 1). Na FVS, o acesso lexical de representações semânticas é mais exigido do que a tarefa de FVF (Baddeley, 1992; Gold & Bu- ckner, 2002). Essa última, por sua vez, necessita ativar uma relação sonora e grafêmica em comum entre as palavras. Estudos dão conta de que a categoria parece estar mais defi- citária em pacientes com lesões frontais (Rosser & Hodges, 1994; Troyer et al., 1998a), enquanto que a categoria semântica parece ser mais deficitária em lesões temporais (Capitani, Rosci, Saetti & Laiacona, 2009; Jurado, Mataro, Verger, Bartumeus & Junque, 2000). No entanto, achados contra- ditórios são também reportados (Henry & Crawford, 2004). Memória Fluência Verbal Funções Linguagem Executivas Figura 1. Componentes cognitivos ervolvidos na tarefa de fluência Vale salientar que o escore de pontuação da FV, apesar de ser, via de regra, obtido pelo escore total de palavras corretas evocadas, pode e deve ser explorado a fim de auxiliar o clínico no enten- dimento do perfil cognitivo dos pacientes. Tal ferramenta, por conter muitas regras implícitas, é considerada uma tarefa de funcionamento executivo (Hinchliffe et al., 1998). Manter, ao longo do tempo, a evocação adequada sem repetições, criar estratégias (realizando switching e clusters), ser capaz de alternar regras, atualizando e monitorando as informações da MT e inibindo respostas inapropriadas são papéis conhecidos das FE (Diamond, 2013). Achados referem que tarefas de FV exigem mais de acesso lexical no primeiro minuto, e que os minutos finais dependem mais das FE (Hurks et al., 2004). Percebe-se, dessa forma, que a capacidade de evocar palavras nas tarefas de FV depende, na realidade, de múltiplas funções cognitivas de nível superior e nível inferior que trabalham de manei- ra integrada. A literatura refere habilidades que trabalham em cooperação como: atenção concentra- da e sustentada, memória semântica, acesso lexical, automonitoramento e controle inibitório 27</p><p>(Bittner & Crowe, 2006). Assim, as dificuldades em evocar palavras podem ser devidas aos zos linguísticos (por exemplo, anomia, dificuldade de compreensão) e/ou cognitivos, e isso deve ser considerado no momento da avaliação (Delis, Kaplan & Kramer, 2001). A busca lexical requer uma seleção de estratégias diferentes na tarefa de Em uma conversa formal ou informal produzimos de duas a três palavras por segundo. Essas palavras são seleciona- das de maneira contínua a partir de um grande repositório lexical (léxico mental) que deve conter de 50 a 100 mil palavras em uma pessoa adulta (Levelt, 1999). Estudos tentam explicar em que medida a busca lexical pode ser controlada, o que depende do modelo teórico defendido, ou seja, se entende que o processamento lexical e semântico será admitido como interlaçado ou potencialmente separa- do e o quão automático é esse processo. A seguir serão abordados os conceitos que abrangem modelo em cascata, conexionista e/ou interativo de produção de palavras (Levelt, 1999; Morsella & Miozzo, 2002; Vonberg, Ehlen, Fromm, Klostermann & Shu, 2014). A formação de clusters (grupos) semânticos e fonêmicos se baseia na ideia de que ativações se- mânticas e fonológicas acontecem em paralelo com troca de informações bilaterais, sendo que os con- ceitos semânticos são ativados primeiro (Caramazza, 1997; Cutting & Ferreira, 1999; Dell, 1986). A produção de clusters reflete o processamento em cascata da informação semântica e fonológica. A busca por palavras se origina a partir da ativação dos campos semânticos. Durante os respectivos campos semânticos ativados, em paralelo, um fluxo de busca fonológica é ativado (Vonberg et al., 2014). Na FV fonêmico-ortográfica, as palavras seriam liberadas se um conceito semântico pudesse ser alinhado com uma representação fonológica apropriada. A transição entre os clusters acontece após a conclusão dessas operações automáticas e, portanto, rápidas entre cada campo semântico; quando a próxima categoria semântica precisa ser acessada, o alinhamento fonêmico é reiniciado. Após a ativação do campo semântico, conceitos relacionados são ativados automaticamente. A in- formação semântica recuperada ativa as representações fonológicas; no entanto, na maior parte do tempo, ela será inadequada de acordo com a categoria solicitada (saia ativará samambaia, santo, sacola). Porém, em alguns casos, combinará com a demanda da tarefa da fluência verbal (saia ativa- rá sapato). Essas formas de palavras que são fonologicamente adequadas e semanticamente pré- ativadas possuem melhor chance de serem acessadas, o que explica o aumento de palavras fonêmica e semanticamente relacionadas em clusters temporais na saída verbal. Assim, uma combinação de processamento lexical em cascata (Figura 2), interativo e automático pode explicar o aumento da relação semântica e fonêmica das palavras nos clusters temporais (Vonberg et al., 2014). A primeira evidência que efetiva o modelo em cascata deriva da análise de erros de fala. Os erros podem acontecer de várias formas, e eles diferem em como a palavra errada está intrinsicamente rela- cionada à palavra pretendida. Alguns erros podem ser semanticamente relacionados (dizer banana em vez de outros fonologicamente (dizer vaca em vez de faca); no entanto, em alguns casos po- dem acontecer as duas situações, o que seria caracterizado como erro misto (dizer rato em vez de gato troca fonológica de r por g, e semântica, pois são animais) (Morsella & Miozzo, 2002). Erros mistos por um tempo podem ser gerados por acaso, mas, ao comparar indivíduos nor- mais e sujeitos pós-lesão cerebral, precebe-se que erros mistos ocorrem com mais frequência do que se fossem selecionados por acaso (Dell & Reich, 1981; Martin et al., 1994). Assim, o modelo em cascata explica os erros mistos como sendo produzidos a partir da ativação fonológica com caracte- rísticas lexicais não selecionadas (Vonberg et al., 2014). Especificamente, esses erros ocorrem a partir da ativação fonológica dos grupos lexicais que es- tão semanticamente relacionados à Por exemplo, ao dizer "gato", as características 28</p><p>Nível semântico Nível fonológico Produção Características Produção de palavras Semânticas ativadas pelo nível A das Características Produção de palavras Semânticas ativadas pelo nível B Características Produção de palavras Semânticas ativadas pelo nível C Figura 2. Produção no nível da palavra pelo modelo cascata. lexicais semanticamente relacionadas seriam "rato" e "porco", o que ativa o nível fonológico. Como a palavra "rato" parece estar fonologicamente associada a "gato", as características fonológicas também receberão ativação do nó lexical Um menor nível de ativação é alcançado pelas características fonológicas de "porco", por exemplo, visto que possuem apenas o nó lexical em co- mum, ou seja, serem animais. Se a probabilidade de produzir palavras erradas é, em parte, proporci- onal à ativação alcançada pelas características fonológicas, em vez de "gato" é mais provável dizer "rato" do que "porco" (Levelt, 1999). A maioria das avaliações de linguagem se preocupa em avaliar a recordação de palavras uma por vez (nomeação oral de figuras, por exemplo), e não necessariamente essa produção linguística em um quadro de fala, como parte de um discurso. Preocupar-se em fazer uso dos recursos linguís- ticos no nível da palavra, sentença e discurso é necessário, já que existem evidências de que, en- quanto estamos falando, conectamos ideias e, ao mesmo tempo, nos planejamos e tentamos ativar todas as representações léxico-semânticas da sentença que queremos dizer, antes mesmo de iniciar a recuperação fonológica da frase em questão (Van Dyke, 2012). planejamento avançado no pro- cessamento discursivo só é possível graças aos recursos da memória de trabalho que mantém a apresentação de diversas palavras ativas e disponíveis antes do ato motor de fala em Processamento discursivo Inúmeras habilidades cognitivas de alta complexidade estão sendo estudadas como dependentes do córtex pré-frontal e suas associações. As mais classicamente associadas seriam as FE (Lezak, Ho- wieson, Bigler & Tranel, 2012), mas os processos mais complexos da linguagem, tal como a produção discursiva, estão sendo considerados tão complexos como as FE (Cannizzaro & Coelho, 2013). Sabe-se que a produção e a compreensão do discurso são consideradas o modo de relação so- cial mais complexo e relevante da comunicação (Ska et al., 2009). o discurso é a unidade da lin- guagem que transmite a mensagem (Ulatowska & Bonde-Chapman, 1989) e envolve todos os seus processamentos macro e microlinguísticos, sendo que os dois aspectos macro e micro contribu- em para que o conteúdo da mensagem seja transmitido (Marini et al., 2011). 29</p><p>As habilidades discursivas podem ser avaliadas em diferentes modalidades: discurso descriti- vo, persuasivo, procedural, expositivo, narrativo e conversacional com ou sem participação do ava- liador (McDonald, Togher & Code, 2000), sendo que, mais frequentemente, utiliza-se a tarefa de discurso conversacional (conversa informal entre avaliador e participantes) e/ou de discurso narrati- oral ou escrito (paciente necessita recontar uma história contada por meio de input auditivo e/ou visual) (Rousseaux et al., 2010; Leblanc et al., 2014; Matsuoka, Kotani & Yamasato, 2012; Body & Perkins, 2004). Neste capítulo serão abordadas, com mais destaque, as tarefas de discurso narrativo com base em sequência de figuras. o processamento discursivo exige uma cooperação bilateral, pois, enquanto os aspectos estru- turais relacionados ao texto são mais dependentes do hemisfério esquerdo (HE), os componentes pragmáticos necessitam da interação com o hemisfério direito (HD) (Marini, Carlomagno, Caltagi- rone & Nocentini, 2005). o discurso, para ser produzido, necessita do planejamento pragmático e do semântico que tentam explicar como os usuários do discurso ativam suas representações mentais, segundo modelo de Kintsch e Van Dijk (1978). Toda produção discursiva necessita de um planeja- mento pragmático a priori, que tem de ser embasado no contexto discursivo, ou seja, qual a inten- ção do falante, qual o contexto da fala (se formal ou informal) e quais os conhecimentos prévios a respeito do tema falado. Nesse primeiro momento, utilizam-se os modelos mentais para acessar conhecimentos semânticos sobre experiências de vida e comunicativas. Tais experiências influenciarão o discurso com as representações abstratas do falante, dos even- tos de que já participou, deixando claro seus objetivos, opiniões e conhecimentos prévios acerca de um assunto. modelo de contexto apresentado por Van Dijk (2012) discute sobre a característica online e maleável do discurso, ou seja, a capacidade do falante em constantemente avaliar a relevância da sua fala, focalizar o discurso no que de fato é importante para o contexto discursivo e adaptar as situações de acordo com o feedback visual, auditivo ou verbal, positivo ou negativo dos diversos (Para melhor entendimento, sugere-se ler Van Dijk, 2012, mecanismo K-device). Definição da intenção do falante Ativação do conhecimento sobre REPRESENTAÇÃO DO DISCURSO interlocutor Construção do Fase de MODELO DO CONTEXTO MODELO DE produção CONTEXTO MODELO DE EVENTO episódica Ativação e manejo de modelos mentais e conhecimentos semânticos relevantes ATITUDES DE GRUPO Ativação da macroposição IDEOLOGIAS DO GRUPO Construção do Fase de TEXTO-BASE CONHECIMENTO LOCAL DE GRUPO Ativação e ordenação dos produção semântica CONHECIMENTO SOCIOCULTURAL GERAL Seleção de proposições Memoria (social) SITUAÇÃO SOCIAL ESTRUTURA SOCIAL Figura 3. Processamento discursivo de acordo com Van Dijk (2012). Após o planejamento pragmático, ocorre o semântico, considerado a primeira fase de produção de linguagem. Ressalta-se que esse processo não é unimodal, ou seja, não acontece em fases seria- das, e elas, em geral, são assim apresentadas para melhor estudo dos modelos teóricos, já que um 30</p><p>processamento interfere no outro. A partir do momento em que o ativa conhecimentos se- um tópico e subtópicos são selecionados tanto na produção quanto na compre- ensão. Assim, uma espécie de "ensaio" (texto-base) começa a ser estruturado. Esse ensaio nada mais é que o recrutamento das representações mentais do discurso em tempo real, que tem influên- cia das habilidades cognitivas de velocidade de processamento, atenção, MT etc. Para realizar uma tarefa de discurso narrativo oral, o paciente necessita realizar uma varredura visual (atenção visuoespacial), reconhecer o tema central da história semântico-episódica), planejar e formular a descrição mentalmente e, depois, evocá-la (planejamento, automonitoramen- to). o resultado, se adequado, será a coerência pragmática e semântica de todos os eventos retrata- dos no desenho (McDonald et al., 2000). Dessa forma, percebe-se que os déficits relacionados ao conteúdo da mensagem são, de fato, mais prejudiciais para a funcionalidade dos pacientes e também fornecem informações a respeito do funcionamento executivo dessa população (neurológica), além de aparecerem em maior frequência. Alterações discursivas podem ocorrer devido ao envelhecimento (Glosser & Deser, 1992; Saling, Laroo & Saling, 2012; Ska et al., 2009), patologias psiquiátricas como esquizofrenia (Radanovic, Sousa, Valiengo, Gattaz & Forlenza, 2013), pós-lesões cerebrais como traumatismo (Chabok, Kapourchali, Leili, Saberi, Mohtasham-Amiri, 2012), entre outros. Déficits após lesões de HD e traumatismo são amplamente descritos na literatura, e os pacientes podem apresentar dificuldades tanto na compreensão como na produção das sentenças (Barbey, Colom & Grafman, 2014; Chabok et al., 2012). Em pacientes com esquizofrenia, por exemplo, são referidas dificuldades formais e funcionais da linguagem. Os sujeitos apresentam grande dificuldade relaciona- da à coesão lexical do discurso, bem como na ligação dos elementos da fala relacionados a um certo tema. Eles não conseguem fazer uso dos recursos linguísticos como conjunções, pronomes, associação de palavras similares etc. Também não se beneficiam do contexto linguístico, apresentam dificuldade em estabelecer relações entre as sentenças, prever o contexto dos turnos da fala, introduzir novas in- formações, o que afeta, assim, a coerência do discurso, como se esses pacientes não fossem capazes de seguir um plano específico para comunicar as ideias que desejam (Hoffman, Stopek & Andreasen, 1986; Radanovic et al., 2013). De maneira geral, as habilidades de compreensão (Wright, Schmitter-Edgecombe & Woo, 2010) e produção discursiva (Glosser & Deser, 1992; Mackenzie, 2000; Ulatowska, Chapman, Highley & Prince, 1998) se apresentam deficitárias com o envelhecimento, embora não de forma linear. o funci- onamento executivo parece estar relacionado com tais prejuízos (Fleming, 2009), pois, enquanto o acesso semântico e lexical parece estar efetivamente adequado, já podem se apresentar prejuízos na velocidade de processamento de fala e, consequentemente, no nível de compreensão da produção oral. Esse nível de complexidade discursiva, como fazer uma varredura visual e rastrear os inúmeros par- ceiros de discurso ou personagens de uma história, reconhecer mudanças significativas, responder a questões relacionadas direta ou indiretamente, atender aos múltiplos elementos recém-apresentados do discurso bem como aos múltiplos parceiros de fala (Murphy, Daneman & Schneider, 2006; Ulatowska & Bonde-Chapman, 1989) exige muito das habilidades executivas. Em relação à produção discursiva, estudos apontam mudanças com o avançar da idade, tanto na quantidade de palavras evocadas (acesso lexical) quanto na descrição adequada dos elementos de uma figura (acesso semântico) (Glosser & Deser, 1992; Mackenzie, 2000; Shewan & Kertesz, 1984; Ulatowska et al., 1998) e na quantidade de elementos descritos ao longo do tempo. Os pacientes falam mais lentamente, realizam mais pausas, repetem informações, apresentam dificuldade em encontrar palavras (Mackenzie, 2000; Shewan & Kertesz, 1984). 31</p><p>Uma das tarefas discursivas consideradas mais estruturadas para avaliação dos componentes discursivos, mas com a desvantagem de serem menos ecológicas ou naturalísticas, é a de narração descrição de figuras (discurso narrativo). Estudos recentes argumentam que uso de imagens em sequência varia conforme o contexto cultural, já que essa tarefa exige do sujeito o mínimo de orga- nização e habilidades cognitivas, pois, via de regra, não há uma situação homóloga na comunicação diária ao descrever uma tirinha em quadrinho, por exemplo (Cannizzaro & Coelho, No en- tanto, há uma vertente que utiliza a descrição de figuras a partir de uma crença de que a compreen- são do discurso narrativo é universal e transparente / facilitadora (Berliner & Cohen, 2011; Levin & Simons, 2000). A modalidade de avaliação discursiva com figuras é amplamente utilizada em estu- dos experimentais sobre teoria da mente (Baron-Cohen, Leslie & Frith, 1986; Sivaratnam, Gray, Howlin & Rinehart, 2012), sequenciação de eventos (Tinaz, Schendan, Schon & Stern, avaliação de QI (Kaufman & Lichtenberger, 2006; Ramos & Die, 1986) e no ambiente escolar (Short, Randolph-Seng & McKenny, 2013). Esses pressupostos universais são inerentes a um conhecimento comum para o processamento narrativo em que os modelos mentais são previamente atualizados à medida que os pacientes obser- vam cenas / figuras sucessivamente (no caso de história em quadrinhos, por exemplo) (Coelho, Liles & Duffy, 1995). A compreensão da história se dá, então, por meio dos modelos mentais pré- estabelecidos, baseados na vivência e em situações desses indivíduos subjacentes à estrutura da ria (Berliner & Cohen, 2011; Levin & Simons, 2000) ou representação semântica dos eventos apre- sentados (Bateman & Wildfeuer, 2014; Magliano & Zacks, 2011; McCloud, 1993). Tal entendimento pressupõe que a compreensão das imagens envolvem ativações semelhantes em todos os Na realidade, o processamento discursivo demanda uma organização cognitiva desafiadora tanto em indivíduos saudáveis quanto pós-lesão cerebral, ou apenas quando observado no envelhe- cimento. Os modelos mentais são teoricamente relacionados ao conhecimento executivo necessário para categorização, organização e manejo das inúmeras informações da história de forma online (Wood and Grafman 2003; Wood et al. 2005). A estrutura do discurso narrativo (gramática) é rela- cionada a esse funcionamento executivo e representa um tipo de pensamento orientado a objetivos semelhantes a outros conhecimentos armazenados e processados no córtex pré-frontal, denominado conhecimento estruturado de eventos complexos (Kennedy et al., 2008; Ylvisaker, McPherson, Kayes & Pellett, 2008). Por exemplo, durante a avaliação do discurso narrativo e procedural, achados apontaram que adul- tos idosos produzem mais informações ambíguas e que o discurso como um todo tem menor qualidade (Ulatowska et al., 1998). Os pacientes apresentam menos menos elementos estruturais, dificuldades em organizar os aspectos produtivos da narrativa (Gaesser et al., 2010; North et al., 1986). E, ainda, a qualidade e a densidade das informações parecem deficitárias, bem como o uso de referência e coesão (Marini et al., 2005), o que pode acontecer por produção discursiva prolongada, porém rasa, com conteúdo irrelevante e potencialmente mais confuso para os ouvintes (Wright, Capilouto & Koutsoftas, 2013). Nesse sentido, estudos prévios observaram que o processamento discursivo é codependente das habilidades cognitivas (em especial, funções executivas) (Coelho, 2002; Ylvisaker et al., 2008). Entender de que forma o processamento discursivo acontece em indivíduos saudáveis parece ser um ponto de partida importante para determinar a severidade de déficits e possíveis tratamentos para populações com quadros neurológicos ou com quadros clínicos psiquiátricos e sistêmicos que, futuramente, apresentarão discurso deficitário (Cannizzaro, 2003; Ylvisaker et al., 2008). A idade é uma variável importante a ser considerada (Capilouto et al., 2005), bem como outras características socioculturais, como a escolarização e a frequência de hábitos de leitura e de escrita. 32</p><p>Considerações finais As habilidades de fluência verbal (evocação de palavras a partir de critérios pré-estabelecidos ou livremente) e de discurso narrativo com base em estímulos visuais do tipo cenas em sequência merecem ainda ser alvo de muitos estudos empíricos para que modelos de base teórica e, até mes- mo, de neuroimagem (ativações, desativações e coativações de regiões e conexões cerebrais) sejam revisitados e se relacionem com maior especificidade às observações clínicas na prática. A produ- ção de palavras sem estímulos-gatilho que inspirem os avaliandos assim como a produção de uma história com base em cenas consecutivas demandam muito além de componentes isolados de lin- guagem, mas também subprocessos de memórias semântica, episódica e de trabalho, controle inibi- tório e flexibilidade cognitiva, além de iniciação e de planejamento verbais. Assim, modelos cone- xionistas de relação entre grandes domínios cognitivos e seus subprocessos precisam ser desenvol- vidos considerando dados empíricos com amostras normativas e clínicas que evidenciem como ocorrem tais processamentos. 33</p><p>Capítulo 3 Geração Aleatória de Números: adaptação e normas brasileiras para adultoos Vanise Fante Viapiana, Janice da Rosa Pureza, Maila Rossato Holz, Rochele Paz Fonseca paradigma experimental de Geração Aleatória de Números (GAN) é utilizado em estudos científicos sobre cognição desde a década de 1950 (Joppich et al., 2004). GAN foi desenvolvido e usado para auxiliar no desenvolvimento de modelos cognitivos, na avaliação do processamento mental aritmético (Towse & Neil, 1998). Mais recentemente, o GAN tem sido utilizado para a ava- liação da memória de trabalho (MT) (Baddeley, Emslie, Kolodny & Duncan, 1998) e de outras fun- ções executivas (FE) (Maes, Eling, Reelick & Kessels, 2010; Miyake et al., 2000; Oomens, Maes, Hasselman & Egger, 2015). A versão do GAN como uma tarefa clínica neuropsicológica para adul- tos foi adaptada para o Português brasileiro e inspirada na versão de Towse e Neil (1998), assim como na versão para crianças adaptada, padronizada e normatizada por Jacobsen et al. (2016). A versão da tarefa apresentada neste capítulo foi adaptada a partir dos estudos de Towse e Neil (1998) e de Towse e Mclachlan (1999). Para desenvolver esta versão nacional para aplicabilidade neuropsicológica na avaliação sobretudo de MT em adultos, três etapas de adaptação foram condu- zidas: (1) adaptação da instrução por duas neuropsicólogas e uma fonoaudióloga, seguida do regis- tro em áudio com manômetro para uma versão de dois segundos de intervalo entre cada estímulo sonoro e outra de um segundo; (2) análise de juízes cinco juízes independentes julgaram a clareza e a compreensibilidade das instruções, considerando que o rapport inicial objetivava explicar o que fazer por meio de uma linguagem simples, evitando, ao máximo, excesso de termos para não sobre- carregar a própria MT (componente-alvo em avaliação); (3) estudos de caso-piloto realizou-se um estudo-piloto exploratório com dois casos para fins de julgamento clínico e qualitativo, com um participante saudável de 50 anos de idade e cinco anos de escolaridade e com um paciente com le- 34</p><p>são cerebrovascular de hemisfério Após as três etapas, com concordância de 94,6% entre os quatro quanto às variáveis julgadas, realizaram-se alguns aprimoramentos linguísticos mos. Pressupostos teóricos e aplicabilidades Na versão do GAN que será apresentada neste capítulo é solicitado ao avaliando que verbalize números de 1 a 10 cada vez que ouvir um estímulo sonoro (bip) registrado em um dispositivo de áudio. Orienta-se que ele não diga sequências numéricas conhecidas (por exemplo, 1-2-3, ou 9-8-7), tampouco que repita os números um próximo ao outro. Nos primeiros 90 segundos da tarefa, o in- tervalo de tempo entre os estímulos sonoros é de dois segundos (GAN-2s). Já nos últimos 90 se- gundos, o avaliando é instruído a verbalizar números em uma velocidade mais rápida, pois ouve os estímulos em um intervalo de um segundo (GAN-1s). Um estudo realizado com a população brasi- leira mostrou que, para adultos saudáveis, a dificuldade da tarefa de GAN aumenta significativa- mente de acordo com a velocidade em que é exigida a resposta do sujeito (dois segundos para um segundo) (Hamdan, Souza & Bueno, 2004). Sabe-se que gerar números aleatoriamente é uma tarefa complexa (Baddeley, 1986), em que se recrutam diferentes componentes executivos, em especial o executivo central da MT, uma vez que o avaliando precisa manter em mente sua resposta recente para gerar um número diferente que respei- te a concepção de aleatoriedade. o GAN também está associado com habilidades de controle inibi- tório que possibilita a supressão de sequências conhecidas, de automonitoramento constante ao longo da tarefa e de flexibilidade cognitiva necessária para alternar e evocar números diferentes, fora de sequências numéricas automatizadas (Gonçalves et al., 2013; Miyake et al., 2000; Pureza, Jacobsen, Oliveira & Fonseca, 2011). GAN tem sido utilizado em estudos experimentais (Lanini, Carlos, Galduróz & Pompéia, 2016) bem como em estudos clínicos. Estudos envolvendo adultos com esquizofrenia mostram maior tendência a verbalizarem sequências estereotipadas (Koike et al., 2011; Peters, Smeets, Gies- brecht, Jelicic & Merckelbach, 2007; Salamé & Danion, 2007), assim como acontece com pacientes com Esclerose Lateral Amiotrófica (Geisseler et al., 2016). No que tange ao autismo, Williams, Moss, Bradshaw e Rinehart (2002) observaram maior ní- vel de repetição (perseveração de números) no GAN do que em sujeitos com deficiência mental e controles saudáveis. Outro estudo encontrou correlações moderadas entre sintomas de desatenção em sujeitos sem diagnóstico de Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e as medidas do GAN de repetition gap, runs e (Bueno, Silva, Alves, & Pompéia, 2014). No entanto, as medidas da tarefa não diferenciaram TDAH de controles. Os autores sugerem que níveis normais da atenção estão mais claramente associados ao desempenho no GAN (Bueno et al., 2014). Estudos clínicos demonstram a aplicabilidade do GAN na avaliação de disfunções executivas existentes em diferentes quadros. No entanto, frequentemente, os estudos utilizam o programa com- putadorizado RgCalc para análise da aleatoriedade (Towse & Neil,1998) e para obter descrições completas das medidas disponíveis no programa Já a tarefa GAN apresentada neste capítu- Nota: Repetition gap é um escore utilizado para mensurar atualização executiva (updating), enquanto run e adjacency são escores relacionados à inibição de respostas preponentes (Bueno et al., 2014). Esses termos não possuem traduções consensualmente aceitas no 35</p><p>lo oferece um sistema de interpretação lápis papel que considera medidas de acerto e erro, visando à facilidade de interpretação dos componentes executivos pelo profissional As medidas consideradas são: total de acertos, erros por omissões, erros perseverativos (repetições) e erros re- sultantes da verbalização de sequências numéricas em ordem crescente e Evidências psicométricas Embora o paradigma GAN seja amplamente utilizado em estudos experimentais com popula- ções saudáveis e clínicas, ainda são escassos na literatura estudos que investiguem as propriedades psicométricas de tarefas baseadas no GAN. Peters et al. (2007) investigaram evidências de nidade e validade do GAN por meio de estudos de consistência interna, que agruparam índices do GAN em três fatores: repetição (déficits gerais na supressão de respostas anteriores), seriação (ca- pacidade de suprimir esquemas automáticos de contagem) e ciclismo (quando os indivíduos usam todas as alternativas possíveis antes de repetir um dígito). Os autores identificaram evidências de validade convergente por meio de correlações positivas, de magnitude moderada e estatisticamente significativas de escores de seriação do GAN com Stroop Color-Word Test (tarefa de avaliação do controle inibitório); bem como correlação negativa entre o fator de repetição do GAN e uma tarefa de dígitos na ordem direta (tarefa de avaliação da memória de curto prazo). Em relação a quadros psiquiátricos como esquizofrenia, o GAN se mostrou capaz de diferenciar os pacientes do grupo- controle, mostrando evidências de validade critério. As demais evidências de validade clínica e ecológica foram encontradas por meio da correlação negativa entre o desempenho em uma escala de medida de disfunção executiva na funcionalidade e o desempenho no GAN. Para apresentação do GAN neste capítulo, estudos de propriedades psicométricas foram condu- zidos em uma amostra de 252 adultos de 19 a 75 anos (M = 43,77, dp = 15,18), sendo que 68% das mulheres tinham entre 5 e 36 anos de escolaridade formal (M = 12,8, dp = 5,24). Análises correlacio- nais apresentaram evidências de consistência interna, uma vez que correlações positivas e significati- vas foram encontradas entre os escores da Parte A (intervalo de dois segundos) e da Parte B (intervalo de um segundo): totais de acertos (r 0,52, p 0,01); total de omissões (r = 0,60, p totais de erros por intrusão (r = 0,39, totais de erros perseverativos 0,47, p totais de erro de sequência direta (r 0,38, totais de erros de sequência indireta 0,30, 0,01). Ademais, análises pioneiras de validade foram conduzidas neste capítulo a partir da amostra de- finida anteriormente. A validade convergente do GAN foi testada por meio de análises correlacionais entres escores do GAN e escores de tarefas que avaliam os mesmos construtos, ou construtos relacio- nados (AERA, APA & NCME, 2014), tais como o N-Back (Dobbs & Rule, 1989; Nardi et al., 2013), Teste Hayling (Fonseca et al., 2010; Zimmermann, Cardoso, Kristensen & Fonseca, no prelo) e as Tarefas de Fluência Verbal (Fonseca, Parente, Côté, Ska & Joanette, 2008), com dados atualizados e novos escores e análises estatísticas apresentados no Capítulo 8, deste livro. N-Back é um dos para- digmas reconhecidos internacionalmente por avaliar o componente executivo central da MT por meio de estímulos auditivos e visuais. Para a administração da tarefa, é solicitado ao examinando que repita o último dígito de uma sequência de números (0-back) utilizada como treino e linha de base de aten- ção e de memória de curto prazo. Posteriormente, o examinando é instruído a identificar o dígito apre- sentado uma (1-back), duas (2-back) e três (3-back) posições anteriores a cada novo dígito em uma sequência (Nardi et al., 2013). As análises de correlação realizadas para este capítulo apontaram para evidências adequadas de validade convergente entre GAN e N-Back. Correlações baixas a moderadas 36</p><p>foram encontradas entre o total de acertos do GAN Parte A e o total de acertos N-Back [1-back A 0,30, 1-back B = 0,34, 0,01), 2-back A 0,35, p 0,01), 2-back B 0,23, p 0,01), 3-back A 3-back B (r = 0,26, p Por outro lado, o total de acertos do GAN Parte B apresentou correlações moderadas e significativas com o total de acertos do N-Back [1-back A e 1-back B Essa correlação mais restrita da parte B do GAN com ape- nas o N-Back 1 (nível mais simples) se deve, provavelmente, à menor variabilidade de acertos em ambos os paradigmas, principalmente pelo fato de, um segundo, o GAN se tornar mais difícil (maior exigência de eficiência cognitiva do que de MT propriamente dita). Assim, não se trata de menor representatividade da demanda de MT, pois a pressão de tempo maior torna a linha de base com menos acertos para a maioria dos indivíduos, mesmo para aqueles com melhor processamento desse sistema de Os escores do GAN foram correlacionados também com os escores do Hayling. As análises indicaram evidências de validade convergente por meio de correlações negativas, moderadas e sig- nificativas entre o total de acertos do GAN (Parte A e B) e a Parte B do Hayling. Encontraram-se correlações entre o total de erros B (r = -0,42, p 0,01; r = -0,30, p 0,01), o total de erros por cate- gorias B -0,48, p 0,01; r = -0,43, o tempo B -,0,24, p r = -0,35, p 0,01) e as partes A e B do GAN, respectivamente. Evidências de validade convergente foram investigadas ainda em relação a outras tarefas de funções executivas, tais como as tarefas de fluência verbal. A fluência verbal livre (FVL) está asso- ciada às habilidades de iniciação verbal e acesso à memória semântica (Pureza, Gonçalves, Branco, Grassi-Oliveira & Fonseca, 2013), bem como ao GAN. Assim, conforme o esperado, o total de acertos do GAN Parte A obteve maior magnitude correlacional com o total de acertos na FLV, pois demanda capacidade de iniciação e acesso à memória lexical com a parte B do GAN. Isso porque o desempenho está mais relacionado à velocidade de processamento e eficiência da MT (GAN Parte A = 0,34, p 0,01; GAN Parte B = 0,29, p Correlações moderadas também foram encon- tradas entre o total de acertos do GAN e o total de palavras evocadas nas tarefas de Fluência Verbal Ortográfica (FVO) (GAN Parte A = 0,30, GAN Parte B = 0,32, p < 0,01) e Fluência Ver- bal Semântica (FVS) (GAN Parte A = 0,32 p 0,01; GAN Parte B = 0,30, p Tais resultados remetem à demanda de controle inibitório, automonitoramento e MT, recrutados quando o exami- nando inibe o conteúdo verbal inadequado às instruções da tarefa e desenvolve estratégias de busca lexical para não repetir palavras ou números automatizados. No que tange à aplicabilidade clínica do GAN, buscou-se identificar evidências de validade de critério (AERA, APA & NCME, 2014; Pacico & Hutz, 2015). Esse tipo de validade reúne evidên- cias a respeito da capacidade de um teste para discriminar grupos. Outra análise pioneira realizada para este capítulo buscou comparar o desempenho de sujeitos saudáveis no GAN com sujeitos que sofreram traumatismo (TCE). A literatura refere que as funções executivas estão entre os principais déficits causados por lesões (Rabinowitz & Levin, 2014; Sharp, Scott & Leech, 2014). Participaram deste estudo 15 adultos com TCE fechado crônico (sete com TCE leve e oito com TCE grave) e 15 adultos-controle emparelhados por idade e escolaridade. A amostra apresentou média de idade de 38,87 + 13,45 e escolaridade média de 11,67 + 4,35. Com o objetivo de comparar o desempenho entre os grupos de TCE e adultos saudáveis na tarefa de GAN, foi aplicado o um Teste t de Student. Os resultados indicaram que os adultos-controle apresentaram diferenças significativas nos escores de total de omissões GAN Parte A [t(16) 2,63, p 0,018] e no total de acertos GAN Parte A [t(15) = -2,61, p 0,019]. Os indivíduos com TCE tiveram mais omissões (M = 9,07, dp 9,78) do que adultos saudáveis (M 2,20, dp 2,62), além de que adultos saudáveis acertaram mais = 39,87, dp = 3,23) do que os indivíduos com TCE (M = 32,14, dp = 10,61). Os resultados encon- 37</p><p>indivíduos com lesão cerebral traumática demonstram executiva maior na dificuldade na MT do trados que sugerem adultos saudáveis. que Percebe-se um componente de disfunção amostra de pacien- tes com TCE. Em síntese, podemos identificar que o GAN se mostra uma tarefa clínica sensível para mensu- dificuldades / disfunções executivas na MT. Ressalta-se, ainda, que, embora se tenham reunido rar evidências de consistência externa, de validade convergente e de critério com a tarefa do GAN, de validação de um teste é um processo contínuo (AERA, APA & NCME, 2014; Pacico & Hutz, processo 2015) e, portanto, mais estudos precisam ser conduzidos para averiguar as propriedades psi- cométricas do GAN, principalmente em relação a diferentes grupos clínicos. Materiais Áudio padronizado com estímulos sonoros (disponível para download no site da Memnon para o volume 2, sendo o mesmo arquivo utilizado na tarefa GAN do volume I); Protocolo de Re- gistro (Anexo 1); um lápis. Aplicação e registro ORIENTAÇÕES GERAIS PARA A APLICAÇÃO A tarefa deve ser administrada em um ambiente climatizado, iluminado e exami- nador deve se certificar de que possui todos os materiais necessários antes do início da aplicação. avaliador deve sentar-se de frente para o paciente, evitando que o protocolo de registro fique no seu campo de visão. Situações que podem ocorrer o paciente pode se confundir durante a evocação dos números. Como proceder: o examinador pode dizer: "Não tem problema, apenas encontre o ritmo no- vamente". Tempo de aplicação: aproximadamente cinco minutos. Critério de Interrupção: não há critério de INSTRUÇÕES DE APLICAÇÃO PARTE A (dois segundos de intervalo) Leia para o examinando o seguinte: "Vamos fazer uma tarefa com números muito parecida com um jogo mental de dados. Você vai fingir que está jogando um dado e me dizer qual o número que apareceu depois que jogou o dado. o dado que você vai imaginar tem números de 1 a 10. Você vai ouvir sons como este aqui (mostrar um 38</p><p>estímulo sonoro arquivo de áudio) e deve dizer um número para cada som, ou seja, você deve dizer os números do dado que você está jogando na sua mente na mesma velocidade em que os sons vão aparecendo. Assim, cada vez que você ouvir um som, você tem que dizer qual o novo número que apareceu no o que você deve tentar é dizer os números misturados, em qualquer ordem, sem formar sequências conhecidas como 1, 2, 3, 4 ou, 9, 8, 6. Você pode usar todos os números entre 1 e 10, procurando não repetir números um perto do outro. Por exemplo, você pode dizer o número 4, depois o número 1, depois o número 6, depois o número 3, e assim por diante. Primeiro vamos fazer essa tarefa em uma velocidade mais lenta (um número novo a cada dois segundos) e, depois, mais rápida (um número a cada um segundo). Vamos treinar?" [Treino A]: Apresentar a faixa para treino com duração de 10 segundos, com intervalos de dois segundos entre os estímulos sonoros. Se o examinando executar corretamente a tarefa, dizer: "Ok, é isso mesmo! Você deve dizer os números até o som terminar. Mesmo que você erre, ou se atrapalhe, não pare. Continue falando os números até eu falar para parar. Apenas tente encontrar o ritmo Situações que podem ocorrer o examinando executa com erros (números de sequências conhecidas ou ausência de nú- mero(s) para cada som). Como proceder: examinador deve repetir o treino. Aplicação da tarefa A Apresentar a faixa com duração de dois minutos e com intervalos de dois segundos entre os es- tímulos sonoros. Usar o protocolo de registro e registrar todos os números evocados pelo indivíduo. PARTE B (um segundo de intervalo) Leia para o examinando o seguinte: "Agora faremos a mesma tarefa, mas numa velocidade mais rápida. Vamos treinar?" Apresentar a faixa para treino com duração de 10 segundos, com intervalos de um segundo en- tre os estímulos sonoros. Caso erre, repetir o treino. Se o examinando executar corretamente a tarefa, dizer: "Ok, é isso mesmo! Podemos começar então?" Aplicação da tarefa B Apresentar a faixa com duração de 90 segundos, com intervalos de um segundo entre os estí- mulos sonoros. Observações: Use o protocolo de registro para registrar todos os números evocados pelo indi- víduo. Cuide dos espaços para o preenchimento no protocolo. Se o examinando omitir, ou não falar um número para uma dada batida, o avaliador deve pular a casela, isto é, deixá-la em branco, conta- bilizando, posteriormente, omissões. Erro = (1) números de sequências conhecidas; (2) omissões: ausência de número(s) para cada som. 39</p><p>ORIENTAÇÕES GERAIS PARA REGISTRO Para o registro das respostas do examinando, deve-se utilizar protocolo de registro (Anexo 1). Cada quadrado no protocolo de registro corresponde a um estímulo sonoro do o exami- nador deve registrar cada número emitido pelo examinando no quadrado correspondente ao lo Caso o examinando omita um estímulo sonoro, ou seja, não evoque um número, deve-se deixar o quadrado correspondente em branco. Assim, os quadrados em branco são representativos de omissões (cada quadrado registrado em branco equivale a uma omissão). Orientações de pontuação e de interpretação ANÁLISE QUANTITATIVA A seguir, são apresentados os critérios para a pontuação das variáveis acertos e Acertos: são considerados acertos todos os números evocados conforme o critério de edade desta tarefa. critério de aleatoriedade na tarefa implica em o sujeito não repetir números muito próximos, considerando-se um intervalo de cinco números entre eles, e não exprimir uma ordem ou sequência mental, e sim uma imprevisibilidade na evocação dos números sem padrões pré-estabelecidos. Erros de omissões: os erros de omissões ocorrem quando o indivíduo não consegue evocar um número em uma determinada casela, mesmo tendo sido apresentado o estímulo auditivo. Nesse caso, deve-se registrar o número de ocorrências. Respostas 1 8 9 4 - 1 Erros de perseveração: os erros de perseveração são contabilizados quando o participante re- pete o mesmo número até três casas consecutivas. Deve-se registrar o número de ocorrências. Respostas 1 8 4 9 6 4 (P) 9 (P) 1 Observação: Após a presença de um erro de omissão, ou uma sequência de omissões, se o pri- meiro número evocado for igual ao último evocado antes do início das omissões, ele é considerado erro de perseveração, independentemente do número de omissões feitas pelo indivíduo. Deve-se registrar a quantidade de ocorrências. Respostas 8 2 6 - 6 (P) 5 Respostas 8 2 6 - - - - 6 (P) 5 Erro de sequência direta: são considerados erros de sequência direta todos os números evo- cados em ordem crescente, considerando um mínimo de dois números em sequência. Deve-se regis- trar a quantidade de ocorrências (quantidade de números em cada sequência), assim como o número total de sequências apresentadas. Respostas 1 (errado) 2 (errado) 3 (errado) 40</p><p>Erro de sequência indireta: devem ser considerados erros de sequência indireta todos os nú- meros evocados em ordem decrescente (mínimo de dois números em sequência). Deve-se registrar a quantidade de ocorrências (quantidade de números em cada sequência), assim como o número total de sequências apresentadas. Respostas 6 (errado) 5 (errado) 4 (errado) Respostas 3 (errado) 2 (errado) 1 (errado) Diferença do total de acertos (1 segundo 2 segundos): deve-se o total de acertos da Parte 2 (um segundo) do total de acertos da Parte 1 (dois segundos). Normas As normas para o GAN foram obtidas por meio do desempenho de 252 adultos com idades en- tre 19 e 75 anos (M = 43,77; dp = 15,18) e escolaridade entre 5 e 36 anos (M = 12,18; dp 5,24), conforme a Tabela 1. Tabela 1. Caracterização da amostra normativa. 19 a 29 anos 30 a 39 anos 40 a 49 anos 50 a 59 anos 60 a 75 anos n=53 n=50 n =46 n=58 Idade M 23,40 (3,29) 33,74 (2,88) 44,8 (3,04) 53,38 (2,44) 66,95 (5,23) M (dp) 12,15 (3,75) 12,48 (5,72) 12,02 (6,21) 12,38 (5,50) 11,79 (4,84) M (dp) 24,72 (1,32) 25,40 (7,08) 25,67 (6,73) 28,28 (7,07) 25,48 (7,51) Sexo n = (%) Feminino 28 (52,8) 35 (70) 32 (65,3) 47 (81) 30 (71,4) Masculino 25 (47,2) 15 (30) 17 (34,7) 11 (19) 12 (28,6) Nota: (1) M = média, dp = desvio-padrão; (2) Escolaridade = anos de escolaridade formal; (3) NSE = nível socioeconômico calculado por meio do Critério de Classificação Econômica Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa, 2015): Classe A = 45-100 pontos, B1 = 38-44 pontos, B2 = 29-37 pontos, C1 = 23-28 pontos, C2 = 17-22 pontos, D-E = 0-16 As Tabelas 2 a 16 (Anexo 2) apresentam as médias, os desvios-padrão e os percentis referentes ao desempenho dos participantes no GAN Parte A e Parte B nas variáveis: total de acertos, total de omissões, total de erros perseverativos, total de erros por intrusão, total de erros por sequência dire- ta, total de erros por sequência indireta, quantidade de sequência direta e quantidade de sequência indireta. Os resultados estão classificados por grupos de idade e escolaridade. ANÁLISE QUALITATIVA Os indivíduos podem verbalizar sequências de números pares ou Esse tipo de sequên- cia não é considerada erro, mas, sim, uma estratégia utilizada pelo indivíduo para manter a aleatori- edade dos números evocados. Outra possibilidade de ocorrência são as sequências prontas e repeti- das. Nesse caso, o indivíduo pode repetir uma mesma sequência de números já evocada anterior- 41</p><p>mente, Essas sequências podem ser de números pares e impares, por exemplo. Nesse caso, deve-se contabilizar a sua ocorrência, mas são se consideram como Sequências prontas e repetidas: Resposta 7 8 4 2 7 8 4 5 1 Resposta 2 4 6 8 5 3 2 4 6 8 1 INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS A interpretação dos resultados pode ser realizada pelo cálculo do escore Z. Para a obtenção do escore deve-se subtrair o desempenho do grupo normativo do escore do indivíduo e dividir esse número pelo desvio-padrão do grupo normativo. Exemplo: Escore Z = Escore do indivíduo Média do grupo normativo / Desvio padrão do grupo normativo Para a interpretação dos resultados, considera-se um desempenho abaixo do esperado ou a pre- sença de déficit quando o escore Z for menor ou igual a -1,5 nas variáveis de acertos, ou maior ou igual a +1,5 em todas as variáveis de erros (Lezak et al., 2012). Na medida em que as amostras por grupo normativo foram pequenas e que os muitas vezes, mostram-se maiores até mesmo do que as médias, mostrando grande heterogeneidade dos dados, sugere-se fortemente que os dados de referência preliminares de desempenho aqui apresentados sejam baseados nos percentis. Considerando esse critério de interpretação para um escore de acertos ou de erros ser considerado um déficit de desempenho deve ser classificado como percentil 5 ou inferior a esse. Porém, torna-se importante considerar que um escore inferior ao percentil 25 pode ser indicativo de dificuldades em relação aos componentes executivos demandados na Para a interpretação das demais variáveis do GAN, o total de acertos está relacionado ao grau de aleatoriedade alcançado pelo Desse modo, quanto mais acertos o indivíduo apresentar, maior sua capacidade de manter em sua mente os números verbalizados e suprimir o impulso de falar os números em sequência, com o objetivo de cumprir as instruções para a realização da tarefa (MT e inibição). Em relação às variáveis de erros, as omissões significam que o indivíduo não conseguiu evocar os números no período de tempo estipulado, sugerindo possíveis dificuldades de iniciação, MT, velocidade de processamento e capacidade de planejamento. Os erros de intrusão demonstram que o indivíduo não conseguiu verbalizar as séries de números de acordo com os critérios da tarefa (ins- truções), indicando possíveis dificuldades de automonitoramento e MT. Quando o indivíduo apresenta dificuldades para manter a aleatoriedade na evocação dos núme- ros (repete números ou evoca números em sequência), podem ocorrer os erros perseverativos, assim como a apresentação de sequências diretas e Já nos casos de apresentação de sequências na execução da tarefa, o indivíduo pode, também, evocar sequências de números pares ou impares. 42</p><p>Esses tipos de sequências não são considerados erros, mas, sim, são entendidos como estratégias utilizadas pelo indivíduo para manter a aleatoriedade na verbalização dos escore composto de diferença entre os totais de acertos (1 segundo 2 segundos) é conside- rado uma medida de eficiência da MT. Apesar de a Parte 2 (um segundo) ser mais dificil pela maior demanda da velocidade de processamento, essa parte da tarefa é composta pelo dobro de estímulos da Parte 1 (dois segundos). Sendo assim, a Parte 2 possibilita maior número de acertos. Desse mo- do, considera-se que, quanto maior a discrepância entre os totais de acertos, maior o benefício de eficiência cognitiva e de MT, ou seja, diminuindo a demanda da velocidade de processamento o sujeito se beneficia na tarefa. Considerações finais Embora o GAN seja originalmente um paradigma experimental baseado no conhecimento ma- temático (Towse & Neil, 1998), apresentou-se, neste capítulo, uma versão do GAN útil para a práti- ca clínica da avaliação neuropsicológica. Com o objetivo de tornar exequível a aplicação do GAN na prática clínica foi desenvolvida uma forma de aplicação rápida, com baixos custos e de fácil acesso. Além disso, diferentemente de outras versões de paradigmas do GAN, foram estabelecidas normas brasileiras com medidas importantes para a avaliação neuropsicológica, tais como os tipos de erros cometidos, assim como foram consideradas as principais variáveis citadas por autores in- ternacionais para este paradigma de geração aleatória. A adaptação do GAN para a população brasileira e os estudos de propriedades psicométricas do instrumento contribuem para a avaliação de componentes executivos no ambiente clínico, hospi- talar e de pesquisa em neuropsicologia. o GAN é caracterizado como um paradigma complexo que exige alto controle executivo, mas, por outro lado, é uma tarefa acessível à maioria das pessoas, por exigir a evocação livre e ser menos dependente do que outros testes de componentes cognitivos como a linguagem. GAN possibilita o exame da MT e da atenção executiva, bem como de auto- monitoramento, se unificadas suas análises quantitativa e qualitativa. É constituído por estímulos não verbais, ainda que o output seja verbal. Desse modo, o instrumento pode ser útil para compor baterias de avaliação neuropsicológicas que busquem diferenciar quadros de déficits executivos secundários a dificuldades de linguagem de casos em que os prejuízos executivos são primários. Mais especificamente, a Parte A do GAN (dois segundos) mostrou-se mais discriminativa que a Parte B (um segundo). No entanto, a discrepância do desempenho da Parte A e Parte B é quanti e qualitativamente importante para a clínica neuropsicológica no que se refere à relação entre eficiên- cia cognitiva e MT. Cabe ressaltar que, apesar de este capítulo apresentar evidências de consistência interna e de validade do GAN, novos estudos deverão ser realizados para testar o GAN em diferentes quadros clínicos, tais como epilepsias, quadros neuropsiquiátricos e pós-acidente vascular cere- bral (AVC). Além disso, futuros estudos desenvolverão normas para adolescentes e idosos longevos (acima de 75 anos) e poderão englobar o coeficiente de aleatoriedade (utilizado nos paradigmas experimentais do GAN) para se avaliar a memória de trabalho de forma mais específica. Agradecimentos: Agradecemos à professora Sabine Pompéia, por nos ter inspirado em banca de projetos do GNCE a adaptar esta tarefa, e à colega Geise Jacobsen, pela condução dos estudos com a versão infantil do GAN, também para nós inspiradores. 43</p><p>ANEXO 1 PROTOCOLO DE REGISTRO - GERAÇÃO ALEATÓRIA DE NÚMEROS (GAN) (Viapiana et al., 2017) NOME: IDADE: DATA DE NASCIMENTO: / / DATA: / TREINO PARA INTERVALO DE DOIS SEGUNDOS Tentativa Tentativa: ( ) aplicada Respostas: Respostas: Tarefa - Intervalo de dois segundos (anotar números na horizontal da esquerda para a direita) Análise Quantitativa Acertos: Erros: Intrusões: Perseverações: Omissões: Sequências diretas: Sequências indiretas: Número de erros: Número de erros: Número de sequências: Número de sequências: Análise Qualitativa Sequências Sequências pares: Sequências prontas e/ou repetidas: TREINO PARA INTERVALO DE UM SEGUNDO Tentativa Tentativa: ( ) aplicada Respostas: Respostas: Tarefa - Intervalo de um segundo (anotar números na horizontal da esquerda para a direita) Análise Quantitativa Acertos: Erros: Intrusões: Perseverações: Omissões: Sequências diretas: Sequências indiretas: Número de erros: Número de erros: Número de sequências: Número de sequências: Análise Qualitativa Sequências impares: Sequências pares: Sequências prontas e/ou repetidas: 44</p><p>ANEXO 2 DADOS NORMATIVOS GERAÇÃO ALEATÓRIA DE NÚMEROS (GAN) Tabela 2. Adultos de 19-29 anos de idade com baixa escolaridade (5 a 8 anos) Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 33,82 5,41 40 40 33 31 22 Total de omissões 5,64 4,57 1 1 4 11 11 Total de erros perseverativos 1,64 1,57 0 0 1 3 3 Total de erros por intrusão 0,45 0,82 0 0 0 1 1 Total de erros de sequência direta 3,55 4,05 0 0 3 7 7 Total de erros de sequência indireta 1,09 1,51 0 0 0 3 3 Quantidade de sequência 1,09 1,22 0 0 1 2 2 Quantidade de sequência indireta 0,36 0,50 0 0 0 1 1 Um segundo Total de acertos 57,00 10,27 68 68 56 47 44 Total de omissões 24,82 12,31 8 14 24 38 38 Total de erros perseverativos 4,09 3,45 0 2 3 7 7 Total de erros por intrusão 0,82 2,09 0 0 0 1 1 Total de erros de sequência direta 2,00 2,93 0 0 0 6 6 Total de erros de sequência indireta 2,64 4,59 0 0 0 3 3 Quantidade de sequência 0,64 0,92 0 0 0 2 2 Quantidade de sequência indireta 0,73 1,19 0 0 0 1 1 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 23,18 8,84 30 30 22 15 11 Tabela 3. Adulto de 19-29 anos de idade com escolaridade intermediária (9 a 11 anos) Média DP Percentis 95 75 50 5 Dois segundos Total de acertos 35,80 7,42 45 41 38 32 20 Total de omissões 5,90 6,58 0 0 4 11 21 Total de erros perseverativos 1,85 1,72 0 0 1 3 6 Total de erros por intrusão 0,50 1,23 0 0 0 0 5 Total de erros de sequência direta 0,70 1,95 0 0 0 0 8 Total de erros de sequência indireta 0,45 1,10 0 0 0 0 3 Quantidade de sequência 0,20 0,23 0 0 0 0 Quantidade de sequência indireta 0,15 0,37 0 0 0 0 1 Um segundo Total de acertos 56,15 19,09 84 69 55 50 2 Total de omissões 23,10 16,75 0 8 24 36 58 Total de erros perseverativos 2,60 2,19 0 0 2 4 7 Total de erros por intrusão 1,00 1,56 0 0 0 1 5 Total de erros de sequência direta 2,15 3,45 0 0 0 3 12 Total de erros de sequência indireta 2,85 3,92 0 0 1 4 13 Quantidade de sequência 0,70 1,03 0 0 0 1 3 Quantidade de sequência indireta 0,80 1,10 0 0 0 1 4 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 20,35 19,44 48 35 23 8 -30 45</p><p>Tabela 4. Adulto de 19-29 anos de idade com alta escolaridade (12 ou mais anos) Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 42,05 5,93 57 45 42 39 32 Total de omissões 1,14 2,95 0 0 0 0 10 Total de erros perseverativos 2,18 2,01 0 0 2 4 6 Total de erros por intrusão 0,10 0,30 0 0 0 0 1 Total de erros de sequência direta 1,36 3,08 0 0 0 1 12 Total de erros de sequência indireta 0,29 1,31 0 0 0 0 5 Quantidade de sequência 0,09 0,29 0 0 0 0 1 0 0 0 Quantidade de sequência indireta 0,05 0,21 0 1 Um segundo Total de acertos 71,50 11,18 88 81 73 62 52 Total de omissões 6,82 8,68 0 1 4 9 30 Total de erros perseverativos 4,36 3,70 0 3 3 5 16 Total de erros por intrusão 0,40 1,35 0 0 0 0 6 Total de erros de sequência direta 4,00 4,69 0 0 3 6 18 Total de erros de sequência indireta 2,24 3,39 0 0 0 3 9 Quantidade de sequência 1,00 1,19 0 0 1 2 4 Quantidade de sequência indireta 0,91 1,27 0 0 0 1 4 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 29,45 9,38 45 36 30 22 9 Tabela 5. Adultos de 30-39 anos de idade com baixa escolaridade (5 a 8 anos) = Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 34,53 5,38 65 39 34 32 22 Total de omissões 6,07 6,37 0 0 5 10 10 Total de erros perseverativos 2,27 1,94 0 1 2 3 3 Total de erros por intrusão 0,20 0,77 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 0,87 0,29 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência indireta 1,07 2,34 0 0 0 0 0 Quantidade de sequência 0,27 0,70 0 0 0 0 0 Quantidade de sequência indireta 0,33 0,72 0 0 0 0 0 Um segundo Total de acertos 51,33 15,20 65 65 48 42 26 Total de omissões 24,67 19,11 0 5 26 37 37 Total de erros perseverativos 3,53 3,44 0 1 2 8 8 Total de erros por intrusão 0,53 1,81 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 3,07 3,35 0 0 3 6 6 Total de erros de sequência indireta 2,87 3,87 0 0 0 5 5 Quantidade de sequência 1 1,07 0 0 1 2 2 Quantidade de sequência indireta 2,13 5,34 0 0 0 2 2 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 16,80 12,05 30 30 17 9 -7 46</p><p>Tabela 6. Adultos de 30-39 anos de idade com escolaridade intermediária (9 a 11 anos) Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 35,65 4,61 39 39 35 33 28 Total de omissões 5,35 4,30 0 2 4 9 9 Total de erros perseverativos 1,71 1,31 0 1 2 2 2 Total de erros por intrusão 0,06 0,24 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 1,53 2,65 0 0 0 3 3 Total de erros de sequência indireta 1,12 3,22 0 0 0 0 0 Quantidade de sequência 0,35 0,49 0 0 0 1 1 Quantidade de sequência indireta 0,35 0,79 0 0 0 0 0 Um segundo Total de acertos 54 11,25 60 60 55 46 29 Total de omissões 24,12 12,68 8 13 22 34 34 Total de erros perseverativos 2,88 1,80 1 1 2 4 4 Total de erros por intrusão 1 2,72 0 0 0 1 0 Total de erros de sequência direta 5,76 10,44 0 0 0 6 6 Total de erros de sequência indireta 4,29 4,27 0 0 3 7 7 Quantidade de sequência 1,06 2,19 0 0 0 1 1 Quantidade de sequência indireta 1,29 1,10 0 0,50 1 2 2 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 18,35 8,87 24 24 19 12 1 Tabela 7. Adultos de 30-39 anos de idade com alta escolaridade (12 ou mais anos) Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 39,78 4,40 43 43 40 36 32 Total de omissões 2,89 3,31 0 0 1 6 6 Total de erros perseverativos 1,33 0,97 0 1 1 2 2 Total de erros por intrusão 0,22 0,65 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 0,33 0,97 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência indireta 0,50 1,15 0 0 0 0 0 Quantidade de sequência 0,11 0,32 0 0 0 0 0 Quantidade de sequência indireta 0,17 0,38 0 0 0 0 0 Um segundo Total de acertos 61,78 16,74 75 75 67 45 32 Total de omissões 13,78 13,61 0 4 8 22 22 Total de erros perseverativos 2,94 2,29 0 1 2 4 4 Total de erros por intrusão 0,83 1,79 0 0 0 1 1 Total de erros de sequência direta 2 3,68 0 0 0 3 3 Total de erros de sequência indireta 5,44 5,11 0 0 3 10 10 Quantidade de sequência 0,61 1,09 0 0 0 1 1 Quantidade de sequência indireta 1,67 1,49 0 0 1 3 3 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 22 15,26 35 35 27 6 47</p><p>Tabela 8. Adultos de 40-49 anos de idade com baixa escolaridade (5 a 8 anos) Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 36,83 6,78 42 42 38 33 Total de omissões 4,39 7,10 0 0 2 5 16 Total de erros perseverativos 5 1,67 1,41 0 0 2 3 Total de erros por intrusão 0,11 0,32 0 0 0 0 3 Total de erros de sequência direta 0 1,06 1,98 0 0 0 2 Total de erros de sequência indireta 2 1,28 2,39 0 0 0 3 Quantidade de sequência 3 0,28 0,57 0 0 0 0 Quantidade de sequência indireta 0 0,39 0,70 0 0 0 1 1 Um segundo Total de acertos 54,56 16,23 63 63 57 42 Total de omissões 20 23,89 19,12 0 6 24 39 39 Total de erros perseverativos 4,56 6,95 0 1 2 5 5 Total de erros por intrusão 0,28 0,57 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 0 3,94 8,63 0 0 0 4 4 Total de erros de sequência indireta 4,44 6,27 0 0 1 8 8 Quantidade de sequência 0,67 1,37 0 0 0 1 1 Quantidade de sequência indireta 1,33 1,97 0 0 0 2 2 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 17,72 15,83 32 32 17 6 -12 Tabela 9. Adultos de 40-49 anos de idade com escolaridade intermediária (9 a 11 anos) 16). Média DP Percentis 95 75 50 25 5 Dois segundos Total de acertos 36,63 5,69 42 42 36 32 28 Total de omissões 3,81 4,34 0 0 3 6 6 Total de erros perseverativos 1,63 2,63 0 0 1 2 2 Total de erros por intrusão 0,44 1,26 0 0 0 0 0 Total de erros de sequência direta 1 2 0 0 0 2 2 Total de erros de sequência indireta 1,38 2,33 0 0 0 3 3 Quantidade de sequência 0,31 0,60 0 0 0 1 1 Quantidade de sequência indireta 0,44 0,73 0 0 0 0 0 Um segundo Total de acertos 54,50 12,60 63 63 52 45 38 Total de omissões 22,44 15,04 0 8 24 34 34 Total de erros perseverativos 4,00 5,16 0 1 3 5 5 Total de erros por intrusão 0,88 2,06 0 0 0 1 1 Total de erros de sequência direta 3,50 7,06 0 0 0 3 3 Total de erros de sequência indireta 4,00 6,53 0 0 0 5 5 Quantidade de sequência 1,25 2,24 0 0 0 2 2 Quantidade de sequência indireta 1,13 1,89 0 0 0 1 1 Diferença do total de acertos (1 segundo - 2 segundos) 17,87 12,16 25 25 17 10 -7 48</p>