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<p>HISTÓRIA DO PENSAMENTO ECONÔMICO isaac ilich rubin</p><p>66 DECLINIO 3. Thomas Mun, no início do século XVII. Capítulo 4 4. Mun, England's treasure by forraign trade, in: Early english tracts on commerce, os PRIMEIROS MERCANTILISTAS INGLESES editado por J. R. McCulloch, originalmente publicado pelo Political Economy Club, Londres, 1856, reimpresso para a Economic History Society, da Cambridge University Press, 1954, p. 188-189. 5. Ibid., p. 133. 6. Ibid., p. 142. 7. Ibid., p. 133. 8. Sir William Petty, Political arithmetick, in: The economic writings of sir William Petty, 2 editado por Charles Henry Hull, reimpresso por Augustus M. Kelly, Nova York, 1963, V. 1, p. 274 [ed. bras.: William Petty, Aritmética política, in: Obras econômicas, São Paulo: Abril Cultural, 1983, coleção Os Economistas]. A atenção dos primeiros mercantilistas ingleses do século XVI e início do 9. Idem, A treatise of taxes and contributions, in: Economic writings, Hull edition, século XVII se voltou para a circulação da moeda. época, mudanças p. 87 [ed. bras.: William Petty, Tratado dos impostos e contribuições, in: sivas estavam ocorrendo nesse setor, prejudicando amplas camadas da população, Obras econômicas, São Paulo: Abril Cultural, 1983, coleção Os Economistas]. especialmente a classe mercantil. Antes de mais nada, o influxo de ouro e prata 10. Ibid., p. 20. americanos para a Europa trouxera consigo, obviamente, uma revolução nos preços: 11. Ibid., p. 31. aumento no valor das mercadorias gerou uma onda de insatisfação quanto à inadequação da oferta de moeda. Em segundo lugar, como a Inglaterra era rela- tivamente mais atrasada do que a Holanda, a taxa de câmbio usada no comércio entre os dois países atuava frequentemente em detrimento da Inglaterra, de modo que uma unidade da moeda holandesa era trocada por uma soma muito maior de xelins ingleses. Tornou-se, assim, rentável exportar moedas inglesas de ouro e prata para serem refundidas na Holanda. Observou-se um envio de moeda para fora da Inglaterra e, com isso, difundiu-se a convicção de que esse era o fator fun- damental da insatisfação universal com a escassez de moeda. Para os primeiros mercantilistas, a inter-relação entre a circulação de moeda e a de mercadorias ainda era desconhecida: ainda lhes faltava compreender que a deterioração da taxa de câmbio inglesa e a consequente fuga de moeda para fora do país era o resultado inevitável de uma balança comercial desfavorável. Quando esses autores debatiam uma questão tópica, eles o faziam como homens práticos, com pouca disposição para buscar as causas últimas por trás dos fatos; de modo que, na maior parte das vezes, era no reino da circulação monetária, mais preci- samente na desvalorização da moeda, que eles procuravam as razões da fuga de moeda. No começo do século XVI, a desvalorização monetária era uma prática comum aos monarcas por toda a Europa, sendo a Coroa inglesa um dos países</p><p>68 DECLINIO 69 que recorriam a ela com mais agressividade. A Coroa emitia novas moedas com as iniciais Chegou-se a especular que seu autor fosse ninguém menos do o mesmo valor nominal das anteriores, porém contendo uma menor quantidade que William Shakespeare, mas a geral acabou por atribuí-la a William de metal. Mas uma vez que essas novas moedas, embora mais leves do que as an- Stafford. Estudos mais recentes estabeleceram que livro, embora publicado em teriores de mesmo valor nominal, tinham seu valor fixado legalmente, tornava-se 1581, foi, na verdade, escrito em 1549 por John Hales. Em nossa exposição, rentável enviar a moeda antiga para fora do país a fim de serem refundidas ou designaremos como obra de Hales (Stafford). trocadas por moeda estrangeira. O fato de que, assim, a moeda ruim expulsava a A obra foi escrita na forma de uma conversação entre representantes de moeda boa da circulação doméstica e a transferia para o exterior foi notado por diferentes classes da população: um cavalheiro (ou proprietário rural), um fazen Thomas Gresham, um dos primeiros mercantilistas, em meados do século XVI, e deiro (ou capataz), um mercador, um artesão e um teólogo. Fica evidente que passou desde então a ser conhecido como "lei de Gresham". Foi com base nessa último expressa as opiniões do autor em sua tentativa de reconciliar os interesses desvalorização das moedas inglesas que os primeiros mercantilistas explicaram a dessas classes sociais. Todos os que tomam parte no debate reclamam do alto depreciação da moeda inglesa em relação à holandesa (como indicado pela dete- valor dos preços, e cada um tenta depositar a culpa desse fato no representante de rioração da taxa de câmbio do xelim) e o fato de que metais preciosos estavam uma outra classe. Do cavalheiro, ouve-se que os mercadores aumentaram tanto sendo exportados. Para remediar os males da desvalorização da moeda, da piora os preços das mercadorias que os proprietários rurais se viam diante da escolha da taxa de câmbio e da fuga constante de moeda para fora do país, os mercantilis- entre abandonar suas propriedades ou passar do cultivo do solo à atividade mais tas defenderam a coerção e a intervenção direta do Estado na esfera da circulação lucrativa da criação de ovelhas. O fazendeiro-capataz queixa-se do cerco das terras monetária. Eles reivindicaram que o governo emitisse moedas de peso padroni- de pasto e da alta renda que ele tinha de pagar aos senhores rurais. O mercador e zado e recomendaram que a taxa de câmbio fosse regulada compulsoriamente; artesão parecem aflitos com o aumento crescente dos salários dos trabalhadores em outras palavras, que indivíduos privados fossem proibidos de comprar moedas pela queda no comércio. estrangeiras num valor maior do que o número fixado de xelins ingleses. Mas o teólogo, buscando conciliar os interesses dos vários partidos, que eles defenderam com uma insistência crescente foi a proibição da exportação as causas gerais do crescente empobrecimento do reino: a depreciação e dete- de moeda da Inglaterra e a adoção de medidas rígidas para deter a evasão de metais rioração da moeda inglesa e a exportação de dinheiro líquido que daí decorre. As preciosos. Seus conselhos não tiveram qualquer efeito. O Estado não tinha nem moedas inglesas de valor padronizado estão saindo rapidamente do país: "todas a habilidade nem a inclinação para emitir moedas de peso padronizado. Quanto as coisas tendem a afluir para o lugar onde são mais valorizadas; e, por isso, nosso ao restante das recomendações dos mercantilistas, estas não passavam de uma tesouro está indo embora em Além disso, essa deterioração no valor da tentativa de reforçar ou revitalizar práticas governamentais tradicionais que já moeda encareceu muito as mercadorias importadas, triplicando seus preços. Os haviam se tornado ultrapassadas. Anteriormente, o Estado já impusera uma rígida mercadores estrangeiros afirmam que não estão vendendo suas mercadorias por proibição à exportação de moeda da Inglaterra. De modo semelhante, ele tentara um lucro maior do que antes, mas que são forçados a aumentarem seus preços fixar a taxa de câmbio e regulá-la por meio de "agências reais de câmbio" [royal em virtude da erosão no valor da moeda inglesa. Nossa moeda, como se sabe, money changers] que trocavam moedas estrangeiras por inglesas a uma taxa fixa. tem seu preço definido, "não por seu nome, mas [pelo] valor e pela quantidade Mas esses esforços se mostraram impotentes diante das leis elementares da circu- do material de que é Por outro lado, os preços das mercadorias que os es- lação de mercadorias e de moedas, leis que ainda estavam além da percepção dos trangeiros compram na Inglaterra aumentaram numa medida menor. Vendemos primeiros mercantilistas. nossos produtos em especial nossas matérias-primas mais baratos, e os estran- Uma das relíquias mais notáveis das ideias mercantilistas desse período geiros os transformam em mercadorias industriais que nos são vendidas de volta inicial é uma obra intitulada ou breve exame de certas reclamações mais caras. Assim, com a inglesa, os estrangeiros fabricam roupas, casacos, xales comuns de vários de nossos compatriotas em nossos dias, publicada em 1581, com e mercadorias do gênero; com o couro inglês, fazem cintos e luvas; com o latão</p><p>70 inglês, fazem colheres e pratos, e todos os artigos acabam importados de volta fabricação de papel. E não há por que pois ninguém estaria disposto pela Inglaterra. a pagar mais pelo papel apenas pelo fato de ele ter sido fabricado aqui; mas cu pre- feriria que se tivesse impedido a entrada do papel no país, ou que ele tivesse sido Que infelizes somos nós, que vemos e sofremos uma tal espoliação contínua de tão sobrecarregado com taxas que, na época em que foi importado, nossa gente nossos bens e tesouros [...]. No fim, eles nos fazem pagar de novo por nossos pudesse pagar pelo papel dos estrangeiros um preço menor do que aquele que eles próprios materiais; pagamos a taxa alfandegária estrangeira,4 a fabricação, o tingi- mesmos pagavam pelo seu próprio mento e, por fim, a segunda taxa alfandegária no retorno das mercadorias para o reino; ao passo que, trabalhando essas mesmas matérias no interior do país, nossos Hales (Stafford) é um típico representante do mercantilismo primitivo homens trabalhariam à custa dos todas as taxas seriam pagas pelos surgido das condições econômicas atrasadas da Inglaterra do século XVI. Ao estrangeiros ao rei; e os ganhos líquidos permaneceriam no interior do longo das páginas de seu livro, podemos obter um panorama de um país rela- subdesenvolvido, que exporta matérias-primas e importa manufaturas Assim, onde quer que o comércio exterior esteja fundado na exportação acabadas e padece sob o peso do mercador estrangeiro. Mais do que qualquer de matérias-primas e na importação de produtos acabados, ele se tornará uma outro, são os fenômenos monetários que atraem sua atenção: para ele, a fonte vazante de moeda para fora do país. Isso se aplica, na maior parte, ao comércio de todo mal é a depreciação da moeda e a exportação de dinheiro. Em sua visão, de importação. Ao negociar com industriais e mercadores, é preciso diferen- Inglaterra empobrece porque estrangeiros carregam seu dinheiro para fora do ciar três negociantes, chapeleiros e vendedores de mercadorias importa- país, enquanto outras nações enriquecem com o influxo desse dinheiro. A razão das (por exemplo, mercadorias trazidas das colônias), que mandam moeda para dessa evasão de dinheiro é a taxa de câmbio desfavorável da moeda inglesa, de fora do país; um segundo grupo, composto por açougueiros, alfaiates, padeiros e modo que para estancá-la é preciso, primeiro, que sejam emitidas moedas de outros empreendedores, reúne aqueles que tanto recebem como gastam sua moeda valor padronizado (para conferir estabilidade à taxa de câmbio); e, em segundo dentro do país; e, finalmente, um terceiro grupo, que transforma a em roupas lugar, que haja uma redução na importação de bens fabricados no estrangeiro. E, e processa o couro. Como esta última categoria trabalha para o mercado expor- assim, Hales (Stafford) defende que a valorização da moeda seja acompanhada tador e atrai moeda para o país, ela garante o patrocínio e o incentivo da Coroa. de medidas que levem a uma melhoria na balança comercial: "Devemos sempre É necessário encorajar o processamento doméstico das matérias-primas inglesas, nos empenhar em não comprar de estrangeiros mais do que aquilo que lhes para cujo fim é recomendável proibir ou inibir a exportação de matérias-primas vendemos; pois, de outro modo, agimos para nosso próprio empobrecimento e não processadas e banir a importação de produtos finais manufaturados no ex- para o enriquecimento deles". Porém, diferentemente dos mercantilistas poste- terior. Para nós, é mais rentável comprar nossas próprias manufaturas, mesmo riores, que descobririam que flutuações na taxa de câmbio dependem de modo que sejam mais caras, do que comprar manufaturas estrangeiras. Hales (Stafford) regular e de acordo com leis determinadas de uma balança comercial positiva dá o seguinte exemplo para ilustrar sua visão de que a indústria nativa requer ou negativa, as ideias "monetaristas" de Hales (Stafford) levaram-no a inverter a tarifas protecionistas para poder se estabelecer: conexão conceitual entre esses dois fenômenos: para ele, a depreciação da moeda produz uma deterioração na taxa de câmbio inglesa; disso se segue um aumento Um dia perguntei a um encadernador "por que não tínhamos papel branco e geral dos preços das mercadorias estrangeiras, o que acaba por agravar a balança marrom fabricados no reino, do mesmo modo como eles eram fabricados comercial negativa da Inglaterra. que o separa ainda mais dos mercantilis- além-mar". Ele, então, respondeu-me que até pouco tempo houvera fabricação de tas posteriores é o fato de que ele não visa tanto a um estímulo das exportações papel no interior do reino. Até que o fabricante percebeu que não podia competir inglesas a fim de melhorar o equilíbrio comercial (ele até mesmo reivindica sua com o papel mais barato vindo de além-mar e, assim, foi forçado a abandonar [a] diminuição, uma vez que elas consistem de matérias-primas), mas, antes, uma</p><p>72 DECLINIO contração no número de bens estrangeiros introduzidos no país. Tal concepção A discourse of the common Diferentemente do caso das correspondia perfeitamente a um período em que capitalismo inglês ainda não posteriores, alteramos a grafia do texto para adequá-la ao uso estava desenvolvido e encontrava-se em transição; e em que a burguesia inglesa, outro modo, texto dificilmente poderia ser compreendido. N já reivindicando um corte na exportação de matérias-primas, ainda não podia dernizamos a linguagem: onde inserções ou mudanças se fizer ter esperanças de encontrar amplos mercados no exterior para os produtos de foram colocadas entre colchetes. sua própria indústria. Essa foi uma época de protecionismo defensivo, mais do 2. Hales, A discourse of the common weal, p. 79. que agressivo: Hales (Stafford), para quem ainda não existia o sonho da aquisição 3. Ibid., p. 102. militante de mercados estrangeiros para manufaturas inglesas, tinha como ideal 4. Isto é, as taxas aplicadas pelos países estrangeiros sobre a impo uma indústria nativa suficientemente estabelecida para trabalhar as matérias- -primas inglesas. -primas de seu próprio país e expulsar do mercado inglês os produtos da indústria 5. Isto é, à custa dos estrangeiros. estrangeira. 6. Hales, A discourse of the common weal, p. 64-65. Podem-se encontrar tais ideias mercantilistas mesmo entre figuras como 7. Ibid., p. 65-66. Misselden, Malynes e Mills, autores que escreveram durante a primeira parte do século XVII. Carecendo de qualquer compreensão da dependência em que a taxa de câmbio se encontra em relação à balança comercial, eles esperavam melhorar esta última com o uso de medidas diretas de coerção estatal. Misselden aconse- lhava o governo a fixar a taxa de câmbio com base em tratados com outros Estados. De acordo com Malynes, a taxa poderia ser mantida e a exportação de dinheiro, refreada pela retomada das rígidas restrições do mercantilismo primitivo por exemplo, mediante a "agência real de câmbio" e seu direito de fixar compulso- riamente a taxa paga por moedas estrangeiras (isto é, a taxa de câmbio), ou pela proibição de se pagarem estrangeiros com ouro. Mills chegou a protestar contra a abolição do antigo monopólio das staples. E, enquanto Misselden reconheceu esses tipos de restrições como ultrapassados, ele levantou sua própria ca- tegórica a toda e qualquer exportação de moeda. Este era o ponto fundamental que reunia todos os mercantilistas da primeira fase e exemplifica a distinção entre eles e os mercantilistas do período posterior. Foco NA DA Notas DO 1. A obra aqui atribuída a Hales traz o título A discourse of the common weal of the realm of England e foi reimpressa pela Cambridge University Press em 1983. O livro atribuído a Stafford, publicado em 1581 sob o título que consta no texto de Rubin (a mesma edição a que Marx se refere no primeiro livro de capital), difere levemente do original, e hoje se considera que "W.S." refere-se às iniciais do editor, seja ele Stafford ou não. Todas as citações são extraídas da edição de Cambridge de</p><p>Capítulo 5 A DOUTRINA MERCANTILISTA EM SEU APOGEU Thomas Mun À medida que o comércio e a indústria se desenvolveram, as incômodas res- trições do período inicial do mercantilismo foram se mostrando, como já vimos,* cada vez mais arcaicas e foram ou eliminadas ou preservadas em sua existência meramente formal, desprovidas de todo seu conteúdo prático anterior. Quando os mercadores ingleses se lançaram à procura de novos mercados estrangeiros para suas mercadorias, as staples foram abolidas. Por outro lado, tão logo os comer- ciantes ingleses conseguiram afastar seus concorrentes da Liga Hanseática e da eles estabeleceram suas conexões diretas com o Oriente, onde compravam os produtos das colônias. Para isso, no entanto, eles tinham de enviar dinheiro vivo para fora da Inglaterra; as antigas leis que proibiam tais atividades caíram em desuso (embora ainda se mantivessem oficialmente em vigor até 1663). Esse era especialmente o caso da Companhia das Indias Orientais inglesa, que estabelecera um vasto comércio com a A companhia trazia da Índia especiarias, índigo, tecidos e sedas, dos quais apenas uma pequena parte permanecia na Inglaterra, sendo o restante revendido - com grandes lucros - para outros países europeus. Esse comércio de transporte de mercadorias [carrying trade], no qual a Inglaterra atuava como o atravessador para produtos estrangeiros, era extraordinariamente lucrativo e requeria desse país a exportação de enormes quantidades de dinheiro vivo. Como a massa total de importações da para a Inglaterra era maior do que a das exportações em sentido inverso, essa diferença tinha de se manifestar na exportação de dinheiro vivo da Inglaterra. Sem isso, a Companhia das PRODUTOS Cf. capítulo 2. DO</p><p>76 77 Orientais não teria tido como sustentar suas atividades Naturalmente, Em outras palavras, o para país como resultado de uma a companhia estava sujeita, por sua vez, ao ataque furioso dos defensores do velho balança comercial positiva. Dessa premissa, segue-se que, se O objetivo é intro regime restritivo. Ainda no fim do século XVII, expressava-se a visão de que duzir dinheiro no país, isso não será obra das regulações excessivas do mercan "o comércio com as Índias Orientais causará a ruína de grande parte de nossa primitivo, mas o resultado de uma política econômica abrangente, que indústria, caso não se faça algo para evitá-la"; no início do século, tal convicção melhore equilíbrio comercial por meio da promoção das indústrias orientadas era praticamente universal. Era inevitável que, se os partidários do comércio com transporte e à exportação. Claramente, o equilíbrio comercial pode ser susten as Orientais quisessem argumentar contra a proibição geral da exporta- tanto por cortes na importação de mercadorias quanto pela expansão das ção de moeda, eles teriam de desenvolver uma crítica das antiquadas dos exportações. Aqui se nota, uma vez mais, a diferença fundamental entre Mun e primeiros mercantilistas. Para se opor ao velho "sistema monetário", eles apresen- seus predecessores. Os mercantilistas do período inicial defendiam a proibição taram uma nova teoria do "equilíbrio comercial". As novas receberam sua da exportação e uma redução na importação de mercadorias estrangeiras; Mun expressão mais brilhante no livro de um dos diretores da Companhia das Índias por outro lado, aposta suas esperanças no desenvolvimento da exportação de Orientais, Thomas Mun (1571-1641), intitulado enriquecimento da Inglaterra mercadorias inglesas. Essa diferença, em seus respectivos pontos de vista, era ela pelo comércio exterior [England's treasure by forraign trade]. A obra de Mun que, mesma um reflexo da transição gradual da Inglaterra, de uma nação que importa apesar de escrita em 1630, só foi publicada postumamente em 1664 exemplifica manufaturas estrangeiras a uma nação que exporta suas próprias melhor do que qualquer outra a literatura mercantilista e se tornou, nas palavras Nessa conjuntura, Mun aparece como o representante de um capital mercantil de Engels, evangelho mercantilista". em processo de aquisição de novos mercados e que aspira à expansão de suas Mun não contesta as doutrinas anteriores sobre os benefícios que a aqui- exportações, Enquanto a preocupação de Hales (Stafford) era a de proteger sição de metais preciosos traz para a nação, ou, como ele chamava, a multiplica- mercado doméstico da invasão de mercadorias estrangeiras, Mun se concentra na ção de seus O que ele argumenta é que tais "tesouros" não podem ser conquista de mercados externos para a Inglaterra. É verdade, é claro que Mun não multiplicados por meio de medidas coercitivas do Estado para regular diretamente tem nada contra a redução da importação de mercadorias estrangeiras; mas ele a circulação monetária (proibição da exportação de moeda, taxa de câmbio fixa, rejeita os métodos anteriormente usados para atingir esse fim, isto é, a proibição mudanças no conteúdo metálico das moedas, etc.). A entrada ou saída de metais direta. Para ele, tais medidas apenas incentivam outros países a fazerem o mesmo, preciosos é condicionada por uma balança comercial positiva ou negativa. que prejudica, em grande parte, as exportações inglesas, quando para Mun objetivo principal é justamente a expansão dessas exportações. Portanto, o único caminho para aumentar nossa riqueza e nosso tesouro é o comér- Mun reivindica urgentemente que o comércio de exportação e as cio exterior, no qual temos sempre de observar esta regra: vender para os estrangei- trias de transporte e de exportação sejam encorajados e expandidos. A Inglaterra ros a um valor maior do que deles compramos. Pois suponhamos que, estando o tem de extrair benefícios não apenas de sua produção "natural", de seus exceden- reino suficientemente abastecido de tecido, chumbo, estanho, aço, peixe e outras tes de matérias-primas, mas também da produção "artificial", isto é, de artigos mercadorias nativas, exportemos anualmente o excedente para outros países pelo industriais de sua própria produção e de mercadorias importadas de outros países valor de 2,2 milhões de libras, e que com essa soma possamos atravessar os mares (India, por exemplo). Para isso, é preciso haver incentivo, primeiro, para que as e trazer mercadorias estrangeiras para nosso consumo, pelo valor de 2 milhões de matérias-primas sejam trabalhadas pela indústria doméstica e exportadas como libras: se mantivéssemos essa prática regularmente em nosso comércio, podería- produtos acabados; e, segundo, para desenvolver o comércio de transporte de mer- mos estar certos de que o reino se enriqueceria anualmente 200 mil libras, cadorias, no qual a produção de nações como a Índia será importada para ser incrementando o tesouro da revendida a outros países a um preço maior. Essa "reelaboração" de matérias- TESOURO</p><p>79 -primas e "revenda" de mercadorias estrangeiras são exaltadas por Mun como a Onde não se podia deter um monopólio do mercado, era preciso esmagar os com- principal fonte do enriquecimento da nação. petidores estrangeiros baixando os "Sabemos que nossas mercadorias naturais não nos trazem tanto lucro A laboração de matérias-primas e a exportação de manufaturas domés- quanto nossa indústria", uma vez que o valor dos canhões e rifles, pregos e arados ticas não podem ser a única fonte de lucro para o país: também é preciso haver é muito maior do que o aço com que eles são fabricados, assim como o preço do revenda de produtos estrangeiros. Aqui, a preocupação fundamental de Mun é tecido é maior do que o da lä. Consequentemente, "devemos considerar essas defender o comércio de transporte de mercadorias especialmente com as Índias artes como mais lucráveis do que a riqueza e é essencial que elas sejam Orientais contra os ataques de seus oponentes. Mun argumenta que a impor- fortemente encorajadas. O que é necessário é ganhar mercados para a exportação tação de mercadorias estrangeiras e sua subsequente exportação e revenda para de nossas mercadorias industriais, mas isso só será possível se pudermos diminuir outros países trazem riqueza, tanto para o reino em geral como para o tesouro seus preços. real. Especialmente lucrativo é o transporte de mercadorias para lugares longín- quos como as Orientais. Essas mercadorias coloniais podem ser adquiridas Podemos [...] ganhar o máximo que pudermos com a venda de manufaturas, por uma ninharia: uma libra de pimenta, por exemplo, é comprada por três pence e também vendê-las a um preço alto, desde que isso não cause uma diminui- e vendida por vinte e quatro pence nos mercados da Europa. O lucro de vinte e ção na quantidade das vendas. Mas quanto excedente de mercadorias que um pence não fica inteiramente com o mercador, evidentemente, uma vez que os os estrangeiros compram e que também podem obter de outras nações, ou que gastos da navegação de longa distância são enormes, incluindo custos das embar- podem substituir e com mais facilidade por mercadorias semelhantes de outros cações, da contratação e manutenção de marinheiros, do seguro, das tarifas alfan- lugares, nesse caso, temos de nos esforçar em vendê-las o mais barato possível, a degárias, de impostos, etc. Mas quando o transporte é feito em navios ingleses, fim de não perdermos a primazia nesse essas somas são gastas inteiramente nos portos da Inglaterra, o que enriquece este país a expensas dos "Obtemos um lucro maior com essas mercadorias Nossa experiência mostra que, vendendo mais barato nossos tecidos na das Indias do que aquelas nações de onde elas provêm e às quais elas pertencem Turquia, pudemos aumentar em muito nossas vendas em detrimento dos vene- propriamente, sendo parte da riqueza natural de seus países." Nesse caso, o de- zianos. Por outro lado, há alguns anos, quando o preço excessivo da causou um senvolvimento do comércio trará um benefício maior para o país do que aquele grande aumento no preço de nosso tecido, perdemos subitamente metade das que suas riquezas "naturais" poderiam proporcionar por si mesmas, sem serem vendas externas. Um barateamento de nosso tecido em 25% poderia aumentar frutificadas pelo comércio e pela indústria. nossas vendas em mais da metade, e mesmo que o mercador individual tivesse O que provocava ao comércio com as Índias Orientais era o fato uma perda devido aos preços mais baixos, isso seria mais do que compensado de que, como vimos, ele necessitava da exportação de moeda como pagamento pelo ganho da nação como um Os argumentos aqui expostos por Mun em referência aos benefícios derivados dos baixos preços demonstram o grau da transfor- A necessidade de baixar os preços a fim de competir com sucesso por mercados estran- mação sofrida pela economia inglesa de meados do século XVI a meados do século geiros foi observada pelos mercantilistas do fim do século XVII. Child escreveu: "Se fosse XVII. A reclamação dos primeiros mercantilistas era a de que o preço de venda do apenas uma questão de comércio, poderíamos, como diz o provérbio, ter o controle de tecido inglês era demasiadamente baixo; alguns dentre eles defendiam a adoção qualquer mercado que quiséssemos. Mas nas condições em que atualmente nos encon- tramos, em que cada nação procura apoderar-se da maior cota possível de comércio, de medidas para a elevação dos preços das mercadorias exportadas. Na época de outro provérbio se mostra apropriado: quem quer lucrar demais acaba por perder tudo" Mun, a situação era outra: a exportação de matérias-primas cedera lugar à expor- [traduzido do russo N. do T.I.]. Também D'Avenant afirma que apenas com o preço tação de produtos industriais acabados, e a Inglaterra se confrontava, agora, com baixo do trabalho e das mercadorias manufaturadas é possível manter uma posição com- a tarefa de expandir seu potencial exportador e deslocar seus vários concorrentes. petitiva nos mercados estrangeiros. Todos esses argumentos expressam clara e inequivo- camente o ponto de vista do mercador-exportador.</p><p>para as mercadorias que importadas da India. E, desse modo, Mun se pro- exporta sua moeda para atender às necessidades do comércio de transporte de nuncia em detalhe sobre os prós e contras da exportação de moeda para a No exemplo acima, notamos que o excedente das exportações da Inglaterra sobre suas importações era de 200 mil libras esterlinas, e que essa soma ingressava no Pois, se nos fixarmos apenas nas ações do agricultor na época do plantio, quando país como dinheiro vivo. A questão que daí surgia era:- que fazer com esse ele lança à terra uma grande quantidade de o tomaremos mais por um louco dinheiro? Aqueles favoráveis à proibição completa da exportação de dinheiro do que por um agricultor, mas se considerarmos seu trabalho na colheita, que é aconselhavam que ele deveria permanecer na Inglaterra, posição à qual Mun se o objetivo de todo o seu empenho, veremos o valor e o proveito de suas opunha vigorosamente: O livro de Mun exemplifica brilhantemente a literatura mercantilista em seu Se [...], uma vez acumulada uma soma de dinheiro por meio do comércio, decide- apogeu. Ele escreve como um homem de ação: os problemas que ele confronta -se manter essa soma imóvel no interior do reino, isso fará com que outras nações são práticos, como também o são as soluções que ele Procurando for- consumam uma quantidade maior de nossas mercadorias do que o faziam ante- mular argumentos contra as antigas restrições e a regulação direta da circulação riormente, de modo que possamos dizer que nosso comércio está mais intenso e monetária, Mun desemboca numa teoria da determinação dos movimentos mone- maior? Não, na verdade isso não produzirá tal efeito positivo, mas, antes, com o tários e da taxa de câmbio pela balança comercial. Ele não objeta à importância de passar do tempo, podemos esperar que se produza o efeito contrário.8 se trazer dinheiro para o país, mas sustenta que isso só poderia ser realizado de modo profícuo se o desenvolvimento do comércio estrangeiro, o transporte e as Num tal caso, a moeda ficará guardada dentro do país como tesouro morto indústrias de exportação promovessem uma melhora na balança comercial. Aqui, e só se tornará uma fonte de ganho se for novamente colocada em circulação portanto, o ponto de vista do primeiro mercantilismo, segundo o qual a moeda é comercial. Suponha-se, por exemplo, que, dessa quantia, 100 mil libras sejam ex- principal componente da riqueza da nação, conjuga-se com a noção, própria do portadas para as Índias Orientais, e que as mercadorias compradas com essa soma mercantilismo posterior, de que é o comércio que constitui a fonte fundamental sejam, então, revendidas em outros países a um preço muito maior (digamos, a da riqueza. As discussões no âmbito da literatura mercantilista giram principal- 300 mil libras). Evidentemente, um lucro considerável será obtido pela nação mente em torno desses dois temas básicos: primeiro, a importância da moeda e como resultado dessa operação. E embora seja verdade que o número de merca- dos meios pelos quais uma nação pode adquiri-la; segundo, a questão do comércio dorias importadas aumentou, isso serviu apenas para gerar, posteriormente, um exterior e da balança comercial. crescimento ainda maior nas exportações. Os oponentes do comércio com as Os erros conceituais pelos quais os mercantilistas foram repreendidos pelos Índias Orientais objetam que, enquanto o dinheiro é enviado para fora do país, livre-cambistas, a começar pelos fisiocratas e por Adam Smith, são, primeira- o que se recebe em troca são apenas mercadorias. Mas se essas mercadorias não mente, considerar que a verdadeira riqueza de uma nação reside em sua produção, são para nosso próprio consumo, mas para revenda futura, a diferença inteira e não em sua moeda; e, em segundo lugar, que sua fonte real é a produção, e entre seus preços de compra e de venda tem necessariamente de aumentar, "seja não o comércio exterior. Mas tal crítica falha ao não perceber que, mesmo com em moeda, seja em mercadorias a serem novamente exportadas". "Aqueles que toda a sua ingenuidade teórica, as fórmulas lançadas pelos mercantilistas repre- têm mercadorias não podem querer moeda", pois, com sua venda, é obtido um sentaram uma tentativa de resolver os problemas básicos de sua época e de sua Toda quantidade de moeda que exportamos para a retorna para nós classe social, a saber, por um lado, os da transformação de uma economia natural aumentada por um lucro. "E, assim, vemos que a corrente de mercadorias que numa economia monetária; e, por outro lado, os da primeira fase de acumulação desfalca nosso tesouro se torna, mais tarde, um fluxo de moeda que o enriquece de capital nas mãos da burguesia mercantil. Como porta-vozes para essa classe, uma,quantidade muito Um país pode obter um lucro enorme quando sua preocupação se concentrou primeira e principalmente em levar uma fatia $ PARA MAIS $ NO</p><p>83 substancial da economia para a órbita da troca A preocupação em governos particulares costumavam deter um monopólio) e vendendo-as mais caras aumentar a riqueza nacional não se concentrou na questão do crescimento da em outros, a riqueza e o capital podiam ser rapidamente acumulados para não produção para o uso, ou de valores de uso, mas, antes, no aumento do número mencionar a pilhagem direta das colônias e a apropriação forçada da produção de de produtos capazes de serem vendidos ou convertidos em dinheiro, em suma, seus habitantes. Numa época em que o mercador ocupava uma posição próxima no crescimento do valor de troca. É claro que os mercantilistas entendiam per- à do monopólio entre produtores (por exemplo, servos coloniais ou trabalhadores feitamente bem que as pessoas vivem de pão e carne, e não de ouro. Mas numa artesãos) e consumidores (por exemplo, senhores rurais e camponeses), mesmo economia em que o desenvolvimento da circulação monetária ainda era fraco, o comércio exterior "pacífico" lhe fornecia a chance de explorar ambos para seu sendo o volume total de sua produção de pão e carne produzido para o consumo próprio benefício. Os mercadores enriqueciam comprando mercadorias dos pro- direto, e não para ser levado ao mercado, o valor de troca, na visão dos mercan- dutores abaixo de seu valor e vendendo-as aos consumidores a preços mais altos tilistas, não podia residir nos próprios produtos, mas no dinheiro. Como nem do que seu valor. Nesse período, a fonte básica do lucro comercial era a troca não todos os produtos do trabalho constituem valores de troca, isto é, mercadorias equivalente. Era, então, natural que os mercantilistas enxergassem o lucro apenas transformáveis em dinheiro, o valor de troca foi naturalmente confundido com a no lucro líquido do comércio ou no "lucro sobre a que tinha sua fonte forma física daqueles produtos que funcionam como dinheiro, isto é, o ouro e a na cifra que o mercador adicionava ao preço da mercadoria. prata. Embora uma tal confusão fosse teoricamente ingênua, essa busca furiosa É compreensível que, quando a origem do lucro é a troca não equivalente, por metais preciosos tão característica dos primeiros mercantilistas foi, ela mesma, as vantagens obtidas por um dos participantes da troca sejam iguais às perdas um reflexo da dolorosa transição de uma economia natural para a da mercadoria- sofridas pelo outro o ganho de um é a perda do outro. Esse tipo de comércio -dinheiro. O influxo de metais preciosos serviu como uma ferramenta para a interno gera apenas uma redistribuição da riqueza entre os habitantes individuais aceleração desse processo no interesse da burguesia comercial. Como o comércio de um país, mas não faz nada para enriquecer país como um Isso só pode ser exterior era, àquela época, tanto a arena na qual se desenvolvia extensamente a cir- alcançado pelo comércio exterior, em que uma nação é enriquecida a expensas de culação de dinheiro, quanto o único meio pelo qual os países desprovidos de suas outra. "Com o que é consumido internamente, perde-se apenas aquilo que outro próprias minas de ouro e prata podiam absorver metais preciosos, era natural que ganha, e a nação em geral não se torna mais rica; mas todo consumo estrangeiro a intensa disputa pela aquisição desses metais fosse combinada (como na doutrina traz um lucro claro e Com essas palavras, D'Avenant, escrevendo no final do equilíbrio comercial) com uma política de promoção do comércio exterior e do século XVI, resume a crença geral mercantilista de que o comércio exterior de desenvolvimento forçado das exportações. e aqueles setores da indústria que produzem para o mercado externo geram O valor desproporcional que os mercantilistas conferiram ao comércio um lucro maior. "Há muito mais a se ganhar com a manufatura do que com a exterior não pode ser explicado simplesmente por seu grande potencial para trans- atividade rural, e com a fabricação de mercadorias muito mais do que com a ma- formar produtos em dinheiro e atrair metais preciosos: os enormes lucros derivados "Um marinheiro vale por três capatazes de Disso não se do comércio exterior ajudaram a alimentar a acumulação primitiva do capital pela deve concluir que Petty (o autor dessas palavras) tenha esquecido a importância classe mercantil. Não era ao crescimento da economia monetária em geral que da agricultura como fonte de abastecimento de alimentos em um país. Petty quis a burguesia comercial aspirava, mas a uma economia monetário-capitalista. O apenas dizer que, com o capitalismo totalmente ausente da agricultura e tendo processo de transformação de produtos em dinheiro tinha de ser acompanhado penetrado apenas muito timidamente na indústria, a esfera na qual a economia da acumulação deste último e de sua conversão em dinheiro que gera lucro, isto é, capitalista obteria um maior desenvolvimento e que permitiria uma acumulação em capital. Porém, na maior parte dos casos, lucros realmente grandes só podiam mais vigorosa de capital seria o comércio e, particularmente, o comércio exterior. ser obtidos nesse período por meio do comércio exterior, especialmente pelo Como vimos, a exagerada importância que os mercantilistas atribuíram comércio com as colônias. Comprando mercadorias baratas em alguns mercados à moeda tem suas raízes nas condições de transição de uma economia natural (onde, tal como nas colônias, os mercadores e as companhias de comércio dos para uma economia da de modo similar, a ênfase excessiva Meio OBTER METAB</p><p>85 que eles conferiram ao comércio exterior é resultado lógico do papel deste último Marx, e não de Engels, pois foi Marx quem escreveu capítulo sobre desenvolvi- como uma fonte de lucros imensos e como atividade que proporciona uma rápida mento histórico da economia política do qual a citação é extraída (segunda seção, acumulação de capitais. E embora essas duas ideias mercantilistas fossem mais capítulo 10, "Da história crítica"). Sobre o livro de Mun, Marx afirma: "Esse escrito tarde cruelmente ridicularizadas como absurdas, elas refletiam, não obstante, as teve, já em sua primeira edição [A discourse of trade from England unto the east indies, condições históricas da era mercantil-capitalista e os interesses reais daquelas 1609; a edição de 1621 foi reimpressa em McCulloch, 1954, p. 1-47 - N. do T.I.], classes sociais para quem os mercantilistas atuavam como porta-vozes. Visto que a importância específica de se voltar contra o sistema monetário primitivo, à época a preocupação predominante dos mercantilistas era com questões de política ainda defendido na Inglaterra como prática estatal, e, desse modo, ele representa a econômica, e que a teoria econômica estava apenas em sua infância, eles se con- autosseparação do sistema mercantil em relação ao sistema que o gerou. Já em sua tentavam com fórmulas teóricas mal desenvolvidas e ingênuas, desde que res- primeira forma, o livro obteve várias edições e exerceu uma influência direta sobre pondessem às demandas práticas de seu tempo. O legado que nos foi deixado a legislação. Na edição póstuma de 1664 (England's treasure etc.), inteiramente ree- pelos mercantilistas não é uma teoria econômica que abarque a totalidade dos laborada pelo autor, ele ainda se manteria por vários séculos como o evangelho do fenômenos da economia capitalista, mas um corpo de obras contendo apenas mercantilismo. Assim, se há uma obra do mercantilismo que tenha marcado época concepções teóricas rudimentares cujo desenvolvimento e consolidação foram [...], trata-se desse livro" p. 216). deixados aos economistas posteriores. Assim, as distintas correntes da doutrina 2. Mun, England's treasure, in: McCulloch, 1954, p. 125. mercantilista - uma tratando do valor de troca e da moeda, a outra do lucro e 3. Ibid., p. 133-134. do comércio exterior - tiveram destinos diferentes. À medida que as condições 4. Ibid., p. 128. comerciais foram se alterando e o capitalismo industrial se desenvolvendo, o caráter 5. Ibid. Nessa passagem, Rubin parafraseia o texto de Mun. falacioso da teoria do comércio exterior como única fonte de lucro tornou-se óbvio. 6. Mun, England's treasure, in: McCulloch, 1954, p. 130-131 e 136. A evolução ulterior do pensamento econômico por obra dos fisiocratas e da escola 7. Ibid., p. 131. clássica acabaria por derrubar a interpretação mercantilista do comércio exterior e 8. Ibid., p. 138. do lucro. Já as teorias embrionárias do valor de troca e da moeda desenvolvidas na 9. Ibid., p. 137. literatura mercantilista mostraram-se, ao contrário, capazes de desenvolvimento 10. Ibid., p. 139. teórico adicional: apropriadas por escolas posteriores de economistas e libertas 11. Ibid., p. 141. da confusão ingênua de valor de troca com dinheiro e de dinheiro com ouro e 12. Charles D'Avenant, An essay on the East-India trade, etc., Londres, 1697, in: prata, essas teorias embrionárias seriam, mais tarde, retomadas e aperfeiçoadas. D'Avenant, Discourses on the public revenues, and on the trade of England... parte II, profundo interesse dos mercantilistas pelo problema do comércio e pelo processo Londres, 1968, p. 31. Apud Marx, Karl, Theories of surplus value, parte I, Moscou: mediante o qual as mercadorias são trocadas por dinheiro permitiu-lhes formular Progress Publishers, 1969, p. 179 [ed. bras.: Marx, Karl, Teorias da mais-valia, 3 um número considerável de ideias corretas sobre a natureza do valor de troca e Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980]. sua forma monetária. No interior da literatura mercantilista, encontram-se os 13. Petty, Political arithmetick, in: Hull, Economic writings, V. 1, p. 256. inícios de uma teoria do valor-trabalho, que desempenharia um papel de grande 14. Ibid., p. 258. importância na evolução subsequente de nossa ciência. UM DE E Notas 1. Engels, Moscou: Progress Publishers, 1969 [ed. bras.: Friedrich PRATICAS AO DA Engels, Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977]. Na verdade, a frase é de ACUMULAÇÃO</p><p>Capitulo 6 A REAÇÃO AO MERCANTILISMO Dudley North Embora se opusesse às ultrapassadas à exportação de moeda, Thomas Mun jamais reconheceu a necessidade de o governo exercer o controle sobre o comércio exterior como um meio para a melhoria da balança comercial e a entrada de moeda no país. A primeira pessoa a desenvolver uma crítica dos princípios por trás da política mercantilista foi Dudley North, cujo livro Discursos sobre comércio foi publicado em 1691. Um proeminente mercador e, mais tarde, comissário da alfândega, North assumiu a defesa do capital mercantil e monetário, que se tornara suficientemente desenvolvido para sentir as constri- ções da excessiva tutela estatal. North foi o primeiro dos profetas da ideia do e seu tratado à discussão de dois temas centrais: primeiro, as restrições que o Estado, em seu desejo de atrair moeda para o país, impõe ao comércio exterior, e segundo, a limitação legal imposta à taxa de juros. Nesses dois casos, North reivindicou consistentemente que o Estado cessasse sua interferên- cia na vida econômica. Os mercantilistas, para quem o objetivo do comércio exterior era aumentar o estoque de moeda da nação, viam no comércio, acima de tudo, a troca de um produto, ou valor de uso, por dinheiro, ou valor de troca. Com North, o conceito de comércio é um pouco distinto, entendido como uma troca de certos produtos por outros; já o comércio exterior é uma troca do produto de uma nação pelo produto de outra, para seu benefício comum. Nessa troca, o dinheiro funciona simplesmente como um meio. "Ouro e prata, e, a partir deles, o dinheiro, não são mais do que pesos e medidas pelos quais o tráfico é praticado mais convenien- temente do que o poderia ser sem Se o comércio prospera ou declina, a causa disso não pode ser encontrada na entrada ou saída de moeda; ao contrário,</p><p>88 um aumento na quantidade de moeda é a consequência de um crescimento Medidas designadas para reter moeda dentro do país servirão apenas para do retardar comércio. Essa não é a ideia comum na pública, propensa a atribuir toda es- tagnação no comércio à escassez de moeda. Quando um negociante não consegue Se uma lei for feita, e, mais ainda, for observada, estabelecendo que a nenhum encontrar mercado para suas mercadorias, ele conclui que a causa disso é a quan- homem é permitido levar dinheiro para fora de uma cidade, país ou divisão par- tidade insuficiente de moeda dentro do país uma visão que, no entanto, é pro- ticulares, tendo liberdade apenas para transportar bens de todo tipo, porém sendo fundamente equivocada. obrigado a deixar para trás todo dinheiro que leva consigo, a consequência seria que uma tal cidade ou país seria excluído do restante da nação; e nenhum homem Porém, para examinar a questão mais de perto, o que querem essas pessoas que ousaria negociar em seu mercado levando consigo seu dinheiro, porque ele é clamam por dinheiro? Começarei com o mendigo; ele quer e importuna por obrigado a comprar, quer queira, quer não: e, por outro lado, o povo desse lugar dinheiro. O que ele faria com o dinheiro se ele o tivesse? Compraria etc. não poderia ir a outros mercados como compradores, mas apenas como vendedo- Então, o que ele quer não é, na verdade, dinheiro, mas pão e outras coisas ne- res, não tendo permissão para levar consigo qualquer quantia de dinheiro. Ora, cessárias para viver. Pois bem, o fazendeiro reclama, pois quer dinheiro; certa- tal conjunto de leis não levaria rapidamente uma cidade ou país a uma condição mente, não pelas razões do mendigo, para sustentar a vida ou pagar dívidas, mas miserável em relação aos seus vizinhos que vivem num regime de pensa que, se houvesse mais dinheiro no país, ele teria um melhor preço para seus produtos. Assim, parece que não é dinheiro o que ele quer, mas um bom preço O mesmo destino triste se abateria sobre uma nação inteira Gaso ela intro- para o seu e o seu gado, que ele venderia se pudesse, mas não o duzisse restrições similares ao comércio, pois "no que diz respeito ao comércio, uma nação no mundo é, em todos os sentidos, como uma cidade no reino, ou Tal fracasso em vender é o resultado ou de uma oferta excessiva de cereais uma família na cidade". ideal de North é que o comércio mundial seja tão e gado, ou de uma escassez na demanda por eles, ambas advindas da pobreza dos livre e irrestrito quanto possível. consumidores ou ao bloqueio das exportações. Um país que, por suas leis e decretos, retém sua moeda, mantendo-a em O comércio, portanto, sofre não de uma escassez de moeda, mas de um reservas ociosas, inflige a si mesmo um estancamento no fluxo constante da troca de mercadorias. Em termos gerais, não pode haver algo como uma escassez de moeda, uma vez que um país está sempre Nenhum homem é mais rico por ter sua propriedade toda acumulada consigo, de posse de tanta moeda quanto é requerida para propósito do comércio, isto em dinheiro, pratarias, etc., mas, ao contrário, isso o torna mais pobre. Mais rico é, para a troca de mercadorias. "Se sois um povo rico, e tendes comércio, não é aquele homem cuja propriedade está numa condição de crescimento, seja sob a podeis querer uma moeda específica para ser empregada em seus Pois forma de terras para a produção, de dinheiro que rende juros, ou de mercadorias mesmo se um país não cunha sua própria moeda, ele será provido em quantidade para o comércio: qualquer homem que, repentinamente, transformasse toda sua suficiente de moedas de outras nações. Por outro lado, "se a moeda cresce numa propriedade em dinheiro e a mantivesse morta sentiria rapidamente a pobreza a quantidade maior do que a requerida pelo comércio, ela passa a não ter mais valor do que a prata não cunhada, e será eventualmente fundida de novo". North chega, assim, à conclusão de que a circulação de moeda regulará a si mesma para Seja para um indivíduo ou uma nação inteira, o enriquecimento não resul- corresponder às demandas de circulação de mercadorias. E se um país não tem tará da acumulação de dinheiro vivo, mas apenas de sua aplicação contínua na por que temer uma escassez de moeda, é igualmente inútil, para o Estado, tomar circulação como capital monetário como dinheiro que gera lucro. Para North, o medidas compulsórias para aumentar sua quantidade. caminho da prosperidade está não na acumulação de reservas monetárias, mas no</p><p>90 DECLINIO crescimento do comércio e no aumento da massa geral de lucro e capitais. Em sua Quanto mais baixo fosse juro sobre os empréstimos, mais disposição os polêmica contra a política mercantilista, North supera o erro teórico cometido rendeiros teriam para investir seus fundos disponíveis nas ações da Companhia, pelos mercantilistas ao confundir moeda (metais preciosos) com valor de troca em aumentando também valor dessas ações. em 1668, que, se a taxa geral, com capital. Ao reconhecer que o dinheiro é um meio de troca e uma medida de juros obtida com empréstimo fosse alta (6%), ninguém desejaria investir de valor para mercadorias reais, North chega muito perto de uma compreensão seu dinheiro no precário comércio transoceânico, que só poderia oferecer de 8% correta da distinção entre dinheiro e valor de troca. Ainda com maior clareza, ele 9%. Baseados no exemplo da Holanda, onde a taxa de juros era baixa, Child explora a diferença entre dinheiro e capital, desenvolvendo ideias já esboçadas por outros escritores julgavam que manter as taxas de juros baixas asseguraria o Mun, que vislumbrara numa balança positiva de comércio mais do que um meio estímulo e a lucratividade do comércio, o que os levava a reivindicar a redução para atrair e acumular metais preciosos: ela era um sinal de que mais capital estava legal dessas sendo investido no comércio e de que lucros estavam afluindo para o país. Mas Contra isso, argumentando que a regulação governamental da taxa de juros ele também defendia que o Estado vigiasse de perto a balança comercial e tomasse estava fundamentalmente a serviço de uma aristocracia ociosa e não da classe medidas para melhorá-la. Para North, também, era um objetivo consciente mercantil, os defensores do capital monetário defendiam que esses controles capitais e lucros comerciais fossem estimulados, mas o melhor meio para isso era fossem totalmente repelidos. Na realidade, para amplos setores dos mercadores, o livre-comércio, e não a interferência restritiva do Estado. tais leis eram de pouco uso, pois, apesar de um teto legal de 6%, sua busca por North estendeu esse mesmo princípio da não interferência governamental crédito os forçava a pagar taxas de juros muito acima do que a lei o permitia, a uma outra a da taxa de juros, que gerou um furioso debate e uma chegando, às vezes, a atingir 33%. Assim, um grande número dos escritores que enorme quantidade de literatura ao longo dos séculos XVII e XVIII. Esta era defendiam os interesses do dinheiro e do capital comercial reivindicou a rejeição uma questão na qual os interesses da classe dos proprietários rurais e dos capitalis- do limite legal para a taxa de juros, com o argumento de que esta contrariava as tas monetários entravam em acirrado conflito. As leis medievais que proibiam a leis "naturais" da economia capitalista. Entre esses escritores, estavam Petty, Locke cobrança de juros foram revogadas na Inglaterra por Henrique VIII em 1545. Os e North. juros podiam, então, ser cobrados sobre os empréstimos, embora não pudessem A visão de North era a de que a redução da taxa de beneficiaria a exceder 10% ao ano. No começo do século XVII, o teto legal foi abaixado para pequena nobreza muito mais do que os comerciantes: 8%, e para 6% em 1652. Especialmente persistente nessa pressão para reduções progressivas na taxa de juros era a aristocracia fundiária, cuja vida pródiga e cons- do dinheiro que se empresta a juros nessa nação, apenas uma décima parte é usada tantes tomadas de empréstimos jogavam-na diretamente nas garras dos usurários. pelos comerciantes, que o utilizam para administrar suas atividades comerciais; a Uma queda na taxa de juros beneficiaria os senhores rurais de duas maneiras: maior parte é empregada para suprir a luxúria e sustentar as despesas de pessoas primeiramente, os pagamentos de juros aos agiotas seriam reduzidos; em segundo que, embora grandes proprietárias de terras, gastam com mais rapidez do que suas lugar, o preço da terra aumentaria e, com ele, a perspectiva de vendê-la por um terras lhes podem lucro maior. Em 1621, Culpeper, um velho partidário dos interesses rurais, escreveu: Um limite legal à taxa de juros apenas criaria uma situação difícil e precária "Onde quer que o dinheiro seja caro, a terra será barata, e onde quer que o para aqueles comerciantes em busca de crédito e exerceria uma influência retar- dinheiro seja barato, a terra será [...] Os altos juros sobre os empréstimos dadora sobre o comércio. "Não são os juros baixos que tornam o comércio maior, forçam a venda da terra a um preço mas é o comércio maior [...] que torna os juros menores", aumentando a acu- Apoio para as demandas dos senhores rurais por uma taxa menor de juros mulação de capitais e estimulando o Se a taxa de juros deve cair, veio também de certas seções da burguesia industrial e comercial, especialmente isso será o resultado de uma livre expansão do comércio, e não de uma regulação aquelas que tinham interesse nos negócios da Companhia das compulsória. De modo que "será melhor para a nação deixar que captadores de</p><p>92 DECLINIO empréstimo e credores façam suas próprias barganhas de acordo com as circuns- século XVIII, que constitui um período de transição da literatura mercantilista tâncias em que eles se encontram". 11 para a literatura clássica. É característico que, a fim de justificar a obtenção de juros sobre o capital, North procure igualar essa forma de rendimento à renda agrícola. "Mas assim como Notas o homem do campo arrenda sua terra, estes [os comerciantes] também arrendam 1. Dudley North, Discourses upon trade, in: McCulloch, Early english tracts on seu estoque; este último é chamado de juro, mas é apenas renda obtida para o commerce, 1954, p. 529-530. estoque, tal como a primeira é obtida para a Então, o Estado pode tanto 2. Ibid., p. 525. legislar uma redução dos juros de 5% para 4% quanto reduzir de 10 para 8 xelins 3. Ibid., p. 531. a renda paga por um acre de terra. De modo similar, podemos encontrar Petty Ibid. e Locke a igualar o juro sobre o capital com a renda fundiária. Pois o primeiro 5. Ibid., p. 527-528. ainda era, nessa época, uma nova forma de rendimento e só podia ser explicado 6. Ibid., p. 528. teoricamente e justificado na prática, estabelecendo-se uma equação entre ele e a 7. Ibid., p. 525. fonte tradicional de rendimento, a renda fundiária. 8. Thomas Culpeper, A tract against usurie, Londres, 1621. Citações traduzidas do russo. Para sua época, o livro de North foi um fenômeno notável, contendo a 9. North, Discurses, in: McCulloch, Early English tracts on commerce, 1954, p. 520. primeira formulação das ideias do que seriam desenvolvidas em sua 10. Ibid., p. 518. plenitude por Hume e Smith. Como um homem que transcendeu sua época, 11. Ibid., p. 521. North foi um dos primeiros profetas do declínio do mercantilismo. Para os mer- 12. Ibid., p. 518. cantilistas, o comércio internacional era como uma partida de xadrez em que o 13. Ibid., p. 513. ganho de um é sempre a perda de outro. Para North, esse comércio era mutua- mente lucrativo para todas as nações que nele parte. Os mercantilistas es- tabeleciam uma diferença entre ramos "lucrativos" e "não lucrativos" do comércio, a depender de qual efeito eles exerciam sobre a balança comercial. Para North, "não pode haver um comércio não lucrativo para o público, pois, se um comércio não é lucrativo, os homens o abandonam". 13 Os mercantilistas defendiam a estrita tutela do Estado sobre a vida econômica; North defendia o e a não intervenção governamental, uma vez que é impossível "forçar os homens a negociar de uma maneira determinada". Também encontramos em North uma análise mais profunda de questões teóricas, especialmente a distinção que ele estabelece entre capital e dinheiro e sua observação de que a circulação do dinheiro regulará a si mesma de acordo com as exigências da circulação de mercadorias. Ainda assim, essa análise teórica é, para North, um instrumento subordi- nado, um meio para tornar mais incisiva sua crítica da política mercantilista. Questões de política econômica ainda predominam: onde a literatura lida com argumentos teóricos, estes são fragmentários e incompletos. Para obtermos um devido entendimento do legado teórico do mercantilismo, temos, agora, de recuar no tempo, até William Petty, para que possamos, então, a meados do</p>