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<p>42</p><p>SISTEMA DE ENSINO PRESENCIAL CONECTADO</p><p>CURSO: BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL</p><p>CAROLINE BRAGA LOPES</p><p>VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: O INIMIGO DORME AO LADO!</p><p>___________________________________________________________________</p><p>São Paulo, SP</p><p>2022</p><p>CAROLINE BRAGA LOPES</p><p>VIOLÊNCIA CONTRA MULHER: O INIMIGO DORME AO LADO!</p><p>Trabalho apresentado ao Curso de BACHARELADO EM SERVIÇO SOCIAL, da Universidade, ANHANGUERA para a disciplina Trabalho de Conclusão de Curso II.</p><p>Professor da disciplina: Solange Guelere Favoreto</p><p>São Paulo, SP</p><p>2022</p><p>SUMÁRIO</p><p>INTRODUÇÃO	4</p><p>1. ESTUPRO: ORIGEM E CONCEPÇÃO HISTÓRICA	5</p><p>1.1 O ESTUPRO NA HISTÓRIA BRASILEIRA	6</p><p>2. A VULNERABILIDADE	11</p><p>2.1 A VULNERABILIDADE ABSOLUTA	11</p><p>2.2 A VULNERABILIDADE RELATIVA	12</p><p>2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA VULNERABILIDADE	14</p><p>2.4 SÚMULA 593 DO STJ	20</p><p>3. ESTUPRO MARITAL	24</p><p>3.1 O CRIME DE ESTUPRO MARITAL	24</p><p>3.2 O ERRO DE TIPO	29</p><p>3.3 O ERRO DE PROIBIÇÃO	30</p><p>3.4 QUALIFICADORAS	32</p><p>3.5 CONCURSO	34</p><p>CONCLUSÃO	36</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS	37</p><p>Resumo</p><p>O presente trabalho analisa a relativização da vulnerabilidade no crime de estupro marital, a despeito das alterações promovidas pela Lei nº 12.015 de 2009. Para tanto, evidenciamos tanto a evolução jurídica do crime de estupro quanto o conceito de presunção de violência, discorrendo-se sobre suas origens no Direito Romano e sua recepção pela legislação criminal do Brasil, desde as Ordenações Filipinas até o Código Penal de 1940. Em seguida, definimos o crime de estupro marital, seu bem jurídico e a opinião da doutrina no que se refere à presunção de violência no presente Código Penal, após o advento da Lei nº 12.015 de 2009. Por fim, expomos as posições Jurisprudenciais favoráveis ao caráter relativo da presunção de violência, à aplicação do princípio da ofensividade, assim como à relativização da vulnerabilidade conjugal.</p><p>Palavras-chave: Estupro Marital; Relativização; Vulnerabilidade.</p><p>Abstract</p><p>The present work analyzes the relativization of vulnerability in the crime of marital rape, despite the changes promoted by Law nº 12.015 of 2009. To this end, we highlight both the legal evolution of the crime of rape and the concept of presumption of violence, discussing its origins in Roman Law and its reception by the criminal legislation of Brazil, from the Philippine Ordinances to the Penal Code of 1940. Next, we define the crime of marital rape, its legal interest and the opinion of the doctrine regarding the presumption of violence in the present Penal Code, after the advent of Law nº 12.015 of 2009. Finally, we expose the jurisprudential positions favorable to the relative nature of the presumption of violence, the application of the principle of offensiveness, as well as the relativization of marital vulnerability.</p><p>Keywords: Rape Marital; Relativization; Vulnerability.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>O acolhimento de mulheres vítimas de violência é um serviço social imprescindível no Brasil que, notadamente, precisa tanto ser ampliado quanto mais divulgado, principalmente entre a população feminina periférica e interiorana, que desconhece as opções que pode tirá-la do sofrimento e, em alguns casos, até do risco de morte.</p><p>O que a maioria das mulheres conhece e, mesmo assim, superficialmente, é a Lei nº 11.340/2006, popularmente chamada de Lei Maria da Penha. Considerada pela Organização das Nações Unidas um marco na luta pelos direitos das mulheres no Brasil, ao mesmo tempo em que ela define as várias formas de violência (física, psicológica, sexual, patrimonial e moral), também prevê a criação de serviços especializados de enfrentamento à Violência contra a Mulher que, por questões históricas e culturais, continua sendo mascarada, quando não aceita, embora seja uma das principais formas de violação dos direitos humanos, que abrange à vida, à saúde e à integridade, tanto física quanto psicologia, do sexo feminino. Isso acontece porque o texto da Lei nº 11.340/2006 ainda não é colocado em prática como deveria ser para proteger as mulheres.</p><p>Em consequência desse descaso, pesquisa da Organização Mundial de Saúde, replicada a partir do site Observatório de Gênero do governo federal (já não mais no ar) no site Não se Cale, revela que, segundo dados de 2006 a 2010, o Brasil está entre os dez países com maior número de homicídios femininos e, entre esses casos, em mais de 90% os assassinos são homens com quem a vítima mantinha um relacionamento conjugal.</p><p>Portanto, na maioria das vezes, a violência ocorre dentro do âmbito privado, ou seja, naquilo que deveria ser chamado de lar, local onde deveria haver uma relação de respeito, mas que, não raramente, transforma-se em palco do ranço machista, que ora atribui um papel secundário a mulher, ora a considera como uma posse, tanto que o companheiro acredita deter o poder de vida e morte sobre ela.</p><p>Diante esse contexto, se o homem sente orgulho de preservar essa suposta condição de superioridade, ainda temos uma explicação plausível para o assedio que as mulheres sofrem na rua, no transporte público, em seus locais de trabalho etc. Logo, essa mentalidade retrógrada que persiste em pleno século XXI, fazem os índices de violência contra a mulher alcançarem patamares alarmantes no dia a dia.</p><p>Segundo a cartilha do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, por exemplo, somente entre março de 2020, mês do início da pandemia de Covid-19 no país, e dezembro de 2021, último mês com dados disponíveis, houve 2.451 feminicídios e 100.398 casos de estupro, inclusive de vulnerável do gênero feminino, principalmente porque o contato entre homens e mulheres se estendeu por mais tempos e os conflitos se afloram até por motivos banais.</p><p>Em relação a esse período, a Revista Radis, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz), publicou em 22 de março de 2022, que pesquisas realizadas 2020 em cinco estados (Bahia, Ceará, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo), indicaram cinco casos de violência contra a mulher, registrados ao dia no respectivo ano. Já a Rede de Observatórios de Segurança ressalta que, entre esses casos, as investigações revelaram que 449 mulheres foram mortas somente por serem mulheres e as três maiores causas são brigas, término de relacionamentos e ciúmes.</p><p>Diante desses dados, ainda se faz essencial observar que há fatores comuns associados ao aumento da violência, entre os quais se destacam a baixa escolaridade, uso de álcool e de drogas ilícitas e atitudes violentas, em decorrência de maltrato na infantil ou exposição à violência familiar, bem como preconceito em relação aos gêneros, por parte do homem que ainda acredita que é o mantenedor da mulher. Em consequência, quando a cor da vítima é informada, ainda é possível notar que 50,7% são negras, 48,6% brancas e 0,7% indígena. Logo, poderíamos dizer que tais fatores se evidenciam mais nas classes mais baixas, mas também é visível que eles não se restringem às elas.</p><p>De qualquer forma, quando as vítimas da violência sobrevivem, torna-se perceptível que a maioria é composta por mulheres que dependem economicamente de seus companheiros ou familiares. Portanto, quando elas querem e conseguem sair da relação com o agressor, frequentemente sentem-se culpadas e em dívida com o companheiro, quando, na verdade, estão apenas sem condições de sobreviver, devido à própria limitação na qual se encarceraram.</p><p>De modo resumido, para a antropóloga mexicana Marcela Lagarde (2012), um dos aspectos relevantes da violência de gênero é sua dimensão política, cuja finalidade é manter as mulheres desfavorecidas e desiguais no mundo e nas relações com os homens, permitindo que elas sejam excluídas do acesso a bens, recursos e oportunidades.</p><p>Considerando essa hipótese, a condição da mulher que a vive a violência, sente-se culpada e até merecedora de tal situação, é mais uma problemática estrutural do próprio Estado que, por</p><p>que foi prejudicado pela ação criminosa.</p><p>Ainda segundo Marino (2012, p. 279) com o “surgimento da hipótese de a mulher figurar como sujeito ativo (modalidade autoria) no crime de estupro trazido pela Lei n. 12.015/2009 coloca em xeque esses entendimentos, visto que tal norma excludente da ilicitude”, sendo que a visão anterior a “à referida lei e não houve alterações no dispositivo mencionado no sentido de restringir a aplicação normativa aos casos do homem como sujeito ativo”.</p><p>3.2 O ERRO DE TIPO</p><p>O erro tem o significa a falta de representação da realidade, falso ou equivocado conhecimento. O erro de tipo incide sobre elementos objetivos, ocorre quando se atingi o constitutivo do tipo legal do crime, conforme o caso concreto, nos termos do artigo 20 do Código Penal, e inexistindo o dolo deve-se absolver.</p><p>Conforme o artigo 20 do Código Penal descreve:</p><p>Art. 20. O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei. Descriminantes putativas (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>§1º É isento de pena de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>Quando se há consentimento em uma ação sexual entre as partes, pode se ocorrer o erro de tipo, em que as vítimas que possuem idade inferior a 14 anos, e apresentam-se como maior, seja com identidades falsas, produzindo-se como adolescentes, com vestimentas e maquiagens, ou as adolescentes com o desenvolvimento físico mais avançado.</p><p>Como podemos analisar na ementa a seguir:</p><p>EMBARGOS INFRINGENTES EM APELAÇÃO CRIMINAL. ESTUPRO DE VULNERÁVEL, DESCONHECIMENTO DA IDADE DA VÍTIMA. ERRO DE TIPO. ABSOLVIÇÃO. Havendo efetiva dúvida quanto ao dolo do agente, não restando suficientemente claro nos autos se ele sabia a idade da vítima tendo ela próprio afirmado que aparentava ter mais idade do que realmente tinha, é de reconhecer o erro de tipo, que afasta o dolo, impondo a absolvição do acusado. EMBARGOS INFRINGIDOS RECONHECIDOS, E ACOLHIDOS. (TJ-GO-EI: 03468404720158090000, Relator: DR(A). FABIO CRISTOVAO DE CAMPOS FARIA, data de julgamento: 02/03/2016, SECAO CRIMINAL, Data da publicação; DJ 2005 de 11/04/2016.</p><p>Grego (2011) destaca a indispensabilidade de o agente conhecer a situação do menor, pois o dolo é essencial neste delito, Grego descreve a seguinte situação, assim, imagine-se a hipótese em que o agente, durante uma festa, conheça uma menina que aparentava ter mais de 18 anos, devido à sua compleição física, bem como pelo modo como se vestia e se portava, fazendo uso de bebidas alcoólicas etc., quando, na verdade, ainda não havia completado os 14 (catorze) anos. O agente, envolvido pela própria vítima, resolve, com o seu consentimento, levá-la para um motel, onde com ela mantém conjunção carnal. Nesse caso, se as provas existentes nos autos conduzirem para o erro, o fato praticado pelo agente poderá ser considerado atípico, mantendo em vista a ausência de violência física ou grave ameaça.</p><p>Portanto é uma falsa percepção da realidade, no qual o sujeito não sabe que está praticando tal delito. O agente não se dá conta da conduta que realiza.</p><p>3.3 O ERRO DE PROIBIÇÃO</p><p>Outro ponto importante é o erro de proibição, pois aqui, sabe-se do conhecimento do ilícito, como, por exemplo, onde em um relacionamento social, o agente tem o conhecimento da conduta praticada, porém age de boa-fé, tendo para si que a conduta praticada não viola o ordenamento jurídico, pois nem todos tem total conhecimento sobre a vedação posta em lei.</p><p>Delmanto (2007) conceitua que o artigo 21 trata do erro sobre a ilicitude do fato, mais conhecido como erro de proibição. É, pois, de uma causa que pode impossibilitar a compreensão da ilicitude (ou antijuridicidade) de que trata este artigo. Dispõe ele que, embora o desconhecimento formal da lei seja inescusável (indesculpável), o erro sobre a ilicitude do fato pode isentar de pena (se o engano for inevitável) ou diminuí-la (se tal erro podia ter sido evitado). Assim, fica estabelecido o chamado erro sobre a ilicitude do fato (ou erro de proibição), que ocorre quando o sujeito, embora agindo com vontade (dolosamente), atua por erro quanto à ilicitude de seu comportamento, que afeta, portanto, a reprovabilidade ou culpabilidade de sua conduta. (DELMANTO, 2007, p.87).</p><p>Conforme descrito acima, o erro de proibição é o desconhecimento da violação praticada, devendo, portanto, ser afastada a culpabilidade, nos termos do artigo 21 do Código Penal, como adiante se vê:</p><p>Art. 21 - O desconhecimento da lei é inescusável. O erro sobre a ilicitude do fato, se inevitável, isenta de pena; se evitável, poderá diminui-la de um sexto a um terço. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>Parágrafo único - Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir essa consciência. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)</p><p>Coação irresistível e obediência hierárquica (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).</p><p>Todavia, podemos dizer que a todo erro que cabe causa de justificação, é erro de proibição. Como podemos analisar a ementa a diante exposta:</p><p>PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL. ESTUPRO (CP, ARTS. 213 C/C 224 "A", E 226, I E II). ATUAL CRIME DE ESTUPRO DE VULNERÁVEL (CP, ART. 217-A, CAPUT). CRIME PRATICADO ANTES DA EDIÇÃO DA LEI 12.015/2009. ULTRA-ATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. PRESUNÇÃO DE VIOLÊNCIA RELATIVIZADA. RECURSO DA ACUSAÇÃO. MATERIALIDADE E AUTORIA DEVIDAMENTE COMPROVADAS. PROVAS SUFICIENTES PARA DEMONSTRAR QUE O AGENTE PRATICOU CONJUNÇÃO CARNAL COM A VÍTIMA MENOR DE 14 (CATORZE) ANOS COM O CONSENTIMENTO DOS GENITORES DA MENOR. CASAL QUE CONVIVIA MARITALMENTE. TERRENO CEDIDO PELOS GENITORES DA VÍTIMA. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO QUE VIABILIZAM O RECONHECIMENTO DO ERRO DE PROIBIÇÃO EM RELAÇÃO AOS TRÊS DENUNCIADOS. DEMONSTRADA A AUSÊNCIA DE PLENA CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE DO FATO PRATICADO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR FUNDAMENTAÇÃO DIVERSA. PEDIDO DE FIXAÇÃO DE HONORÁRIOS AO DEFENSOR NOMEADO. VERBA FIXADA PELA SENTENÇA. ABSOLVIÇÃO MANTIDA POR OUTRO FUNDAMENTO. - Reconhece-se a hipótese de erro de proibição ao agente que não possui consciência acerca da ilicitude do fato, quando, pelas circunstâncias, não lhe era possível atingir o discernimento e ciência da conduta criminosa. - Baixa escolaridade, residência no interior de um pequeno município, bem como a ausência de violação do poder familiar viabilizam o afastamento da culpabilidade dos denunciados pelo crime denominado atualmente de estupro de vulnerável. - Havendo fixação de URH's na sentença, não há falar em nova aplicação por ocasião do julgamento do recurso da acusação, visto que aquela verba engloba toda a defesa do réu, inclusive, a apresentação de contrarrazões recursais. - Parecer da PGJ pelo conhecimento e desprovimento do recurso. - Recurso conhecido e desprovido. Processo: 2012.077926-7 (Acórdão). Relator: Des. Carlos Alberto Civinski. Origem: São Domingos. Órgão Julgador: Primeira Câmara Criminal. Data de Julgamento: 11/08/2015. Juiz Prolator: Ruy Fernando Falk. Classe: Apelação Criminal.</p><p>Neste contexto, podemos dizer que nem todos têm este conhecimento sobre a vedação posta na lei. O agente recai sobre a ilicitude, e pode acreditar que está no agindo em fato lícito.</p><p>Para Hungria:</p><p>O erro de proibição exclui a reprovabilidade do comportamento e deriva, em todos os casos, excluir a culpabilidade, pois a consciência (pelo menos potencial) da ilicitude é indispensável a esta. Há erro de proibição quando o agente supõe, por erro, ser lícito o seu comportamento. Trata-se de erro sobre a antijuridicidade da ação. O dolo subsiste, pois o erro em tal caso não recai sobre elementos do tipo, seja qual for a</p><p>sua natureza. Em todos os casos de erro de proibição, o agente tem consciência e vontade de realizar a conduta que constitui o tipo legal. À semelhança do que ocorre em relação ao erro de tipo, há erro de proibição não só quando o agente supõe que seu comportamento seja permitido, mas também, quando lhe falta representação sobre a valoração jurídica do fato. (ELEUTÉRIO, p. 93, 2007).</p><p>3.4 QUALIFICADORAS</p><p>Os § 3º e 4º do artigo 217-A preveem as qualificadoras do crime pelo resultado. Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave (§3º), a pena resultará em reclusão de 10 (dez) a 20 (vinte) anos, ou morte (§4 º), prevê pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos de reclusão.</p><p>A hipótese de lesão corporal, sendo grave, encontra-se no artigo 129 § 1º e § 2º:</p><p>§ 1º se resulta:</p><p>I- Incapacidade para as ocupações habituais, por mais de trinta dias;</p><p>II- Perigo de vida;</p><p>III- Debilidade permanente de membro, sentido ou função;</p><p>IV- Aceleração de parto;</p><p>Pena- reclusão, de um a cinco anos.</p><p>§ 2 º se resulta:</p><p>I- Incapacidade permanente para o trabalho;</p><p>II- Enfermidade incurável;</p><p>III- Perda ou inutilização do membro, sentido ou função;</p><p>IV- Deformidade permanente;</p><p>V- Aborto;</p><p>Pena: reclusão, de dois a oito anos.</p><p>Notório o fato de que para a configuração do crime, necessário que este tenha realizado contra a vontade da vítima. O fato de ser contra a vontade não necessita de natureza ampla, pois a vítima não pode se expor ao risco absoluto para fazer caracterizar o crime. Não é necessário, portanto, que a vítima entre em luta corporal com o agressor. Conforme esclarece Nucci:</p><p>“[...] por outro lado, não se demanda a brava resistência ou resistência heroica da vítima, consistente em sofrer várias lesões corporais ou ser submetida a gravíssima ameaça para que sucumba aos caprichos do agressor” (NUCCI, 2014, p. 39).</p><p>A vítima não precisa esgotar suas forças até que venha sofrer contraposições á conduta do agente que cause a morte da vítima.</p><p>Noronha afirma o seguinte:</p><p>A lei, entretanto, não pode exigir que a ofendida vá ao extremo da resistência, até o risco da própria vida. Seria impor que fosse mártir da sua virtude. Exige que a resistência seja sincera, mas não requer se prolongue até o instante do desfalecimento ou do trauma psíquico. É mister considerar outrossim que a agressão produz geralmente, na vítima, medo de mal maior. Uma tímida e fraca donzela, em lugar ermo, após debater-se ante sua disposição e entregar-se por temer perder a vida. Neste caso, ninguém certamente afirmará tratar-se de coito ilícito e não ter sido ela estuprada. O que se requer é tenha o agente feito o preciso para anular a oposição da mulher. (NORONHA, 1992, p. 112).</p><p>Bitencourt diz que a contraposição deve ser apenas sincera, vejamos:</p><p>A ordem jurídica não pode exigir de ninguém a capacidade de praticar atos heroicos. Também aqui vigem os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, recomendando-se, concretamente, a avaliação de correlação de forças, especialmente a superioridade de forças do agente. Assim, não é necessário que se esgote toda a capacidade de resistência da vítima, a ponto de colocar em risco a própria vida, para reconhecer a violência ou grave ameaça. Para a configuração de crime de estupro não há necessidade de que a violência seja traduzida em lesões pessoais. Exige a lei que a resistência da vítima à consumação seja sincera, mas não exige que se prolongue até o desfalecimento. (Grifos originais). (BITENCOURT, 2010, p.49).</p><p>Referente à forma de execução do crime, pode ser realizada através de conjunção carnal ou ato libidinoso.</p><p>Segundo Nucci em relação à conjunção carnal:</p><p>A consumação do crime de estupro dá-se com o contato físico entre a genitália de uma das partes e o corpo ou genitália de outra, como regra. (NUCCI, 2014, p. 38).</p><p>Segundo Nucci em relação ao ato libidinoso:</p><p>Cuidando-se do ato libidinoso, o início do coito anal ou da felação, além de outros toques em partes pudentas da vítima podem ser suficientes para a consumação. (NUCCI, 2014, p. 38).</p><p>Nucci pondera ainda que:</p><p>Assim sendo, caracteriza a conjunção carnal tanto a cópula entre pênis e vagina quanto outras formas de coito (anal, oral etc.) e toques (beijo lascivo etc.). De maneira restrita, visualiza-se, apenas, a cópula pênis-vagina. Esta última conceituação terminou por formar a maioria, na doutrina e na jurisprudência, consagrando-se. Por isso, a todos os demais contatos físicos, passíveis de gerar satisfação da lascívia, reserva-se a expressão atos libidinosos (atos capazes de gerar prazer sexual), muito embora se saiba que a conjunção carnal não passa de uma espécie de ato libidinoso. (Grifos originais) (NUCCI, 2014, p. 37-38).</p><p>Portando podemos verificar que os resultados qualificadores decorrem de conduta, esta dirigida à consumação do estupro, incluindo-se os meios utilizados para a pratica do ato. Aplica-se ao estupro de vulnerável as causas de aumeto de pena prevista no artigo 226 e no 234-A, inciso III e IV.</p><p>3.5 CONCURSO</p><p>O Código Penal previu o acréscimo de patamares punitivos, quando houver a lesão corporal de naturza leve, ocorrendo o concurso material ou real. A configuração, porém, de crime único, concurso material ou continuidade delitiva, necessitará das circuntâncias fáticas da ação.</p><p>O art. 234-A, nos termos da redação que lhe foi dada pela Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, assevera, verbis:</p><p>Art. 234-A. Nos crimes previstos neste Título a pena é aumentada:</p><p>I – (vetado);</p><p>II – (vetado);</p><p>III – de metade, se do crime resultar gravidez; e IV – de um sexto até a metade, se o agente transmite à vítima doença sexualmente transmissível de que sabe ou deveria saber ser portador.</p><p>Pode ocorrer no caso de aumento de pena, mais de um causa, estas elencadas nos artigos 226 e 224 do Código Penal, sendo, portanto, aplicado a regra do parágrafo único do artigo 68 do Código Penal que diz:</p><p>Parágrafo único. No concurso de causas de aumento ou de diminuição, previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.</p><p>Cabe ressaltar que o crime de estupro também é considerado como Crime Hediondo conforme dispoe o artigo 9º da Lei de Crimes Hediondos, baseando-se no artigo 224 do Código Penal, acarretando como consequencia, o aumento de pena.</p><p>Como podemos verificar pelo artigo 1º, VI da lei 8.072/90:</p><p>Artigo 1º: são considerados hediondos os seguintes crimes, todos tipificados no Decreto-Lei 2.848 de 07 de dezembro de 1940, do Código Penal,consumados ou tentados: (Redação dada pela Lei nº 8.930 de 1994) (Vide Lei nº 7.210, de 1984).</p><p>... V- estupro (art.213. caput e §§ 1º e 2º); (Redação dada pela Lei nº 12.015 de 2009)</p><p>VI- estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1º, 2 º, 3º, 4º); (Redação dada pela Lei nº 12.015 de 2009).</p><p>Nesse sentido, trazemos Luiz Carlos dos Santos Gonçalves, que esclarece:</p><p>O art. 9º da Lei dos Crimes Hediondos foi tacitamente revogado, vez que revogado expressamente o art. 224 do Código Penal, ao qual ele se referia. É certo que há semelhança entre a situação de vulnerabilidade, mencionada nos arts. 217-A e 218 e aquelas descritas no revogado art. 224 do Código, mas não se assemelha possível o emprego da analogia no caso – pois seria in malam partem. O necessário aumento da pena do roubo, da extorsão e da extorsão mediante sequestro, praticados contra vítimas menores de 14 anos, com doença mental ou que não poderiam oferecer resistência, fica, assim, prejudicado. É a dificuldade da técnica do ‘tipo remetido’: revogado o artigo mencionado, fica sem aplicação o que o menciona.’’ GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Primeiras impressões sobre a nova conceituação do crime de estupro, vinda da Lei no 12.015/2009. Disponível em: http://www.cpcmarcato.com.br/arquivo_interno.php?un=1&arquivo=41. Acesso em: 2 de setembro de 2009.</p><p>A Lei n. 11.464/2007, nova lei dos crimes hediondos, mudou o sistema de progressão da pena em relação a todos os delitos regulamentados pela Lei n. 8.072/90. Por seu lado,</p><p>a Lei n. 12.015/2009 reuniu os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, os dois de natureza hedionda, sob a designação única de “estupro”. Por efeito, excluiu o atentado violento ao pudor do rol dos crimes hediondos e inseriu a figura do estupro de vulnerável.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Simplesmente não há justificativa para qualquer estado manter leis de estupro que distinguem entre cônjuges e outras vítimas de estupro. O estupro é um crime de violência e o fato de o agressor e a vítima serem casados ​​não deve ter mais peso do que quando o marido bate na esposa. Simplesmente alinhar as leis de estupro marital com as leis de violência doméstica melhoraria a situação das vítimas do cônjuge nos estados onde a distinção de estupro conjugal persiste.</p><p>As mudanças legais advindas da Lei 12.015/2009 aumentaram as formas de discussão em relação aos gêneros. A partir daí, a sociedade tornou tanto o homem como a mulher como sujeito ativo no delito de estupro marital.</p><p>Consideramos, então, termos atingido os objetivos propostos nesse estudo e ainda contribuído com a literatura sobre a temática, apresentando subsídios que possam indicar a questão do sujeito ativo no crime de estupro marital, como parte da nova situação social.</p><p>Para finalizar devemos frisar que o respectivo estudo não buscou determinar completamente os resultados nem esgotar a temática discutida. De forma contrária, buscou incentivar mais estudos sobre dos temas discutidos.</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS</p><p>BARROS, Lívya. Crime de Estupro e Sentença Judicial. Universidade Federal de Alagoas – UFAL, 18º REDEFOR, 2014.</p><p>BITENCOURT, Cezar Roberto. Reforma penal material de 2009: crimes sexuais, sequestro relâmpago, celulares nas prisões. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.</p><p>BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte especial 4. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.</p><p>CAPEZ. Fernando. Curso de Direito Penal: Dos crimes contra a dignidade sexual e dos crimes contra a administração pública. Parte Especial. Vol. 3. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.</p><p>CASADO FILHO, Napoleão. Direitos humanos e fundamentais. São Paulo: Saraiva, 2012.</p><p>COMPROMISSO ATITUDE. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (CEDAW, 1979) – promulgada pelo Decreto nº 89.460, de 20/03/1984. Disponível em: http://www.compromissoeatitude.org.br/convencao-sobre-a-eliminacao-de-todas-as-formas-de-discriminacao-contra-a-mulher-cedaw-1979/ Acesso em setembro de 2020.</p><p>COSTA JÚNIOR, Paulo José da. Comentários ao Código Penal. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.</p><p>COUTO, Cleber. Estupro de vulnerável menor de 14 anos: presunção absoluta ou relativa? Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4411, 30 jul. 2015. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/41151>. Acesso em outubro de 2020.</p><p>CUNHA, Rógerio Sanches. Manual de Direito Penal: parte especial. 10. Ed. rev., ampl. e atual. – Salvador: JusPODIVM, 2018.</p><p>DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. Rio de Janeiro: Editora Renovar, 2007.</p><p>DELMANTO, Celso; DELMANTO, Roberto; DELMANTO JÚNIOR, Roberto. Código Penal Comentado. 6. ed. São Paulo: Renovar, 2004.</p><p>DIAS. M B. Débito ou crédito conjugal? Disponível em: http://www.mariaberenicedias.com.br/uploads/d%E9bito_ou_cr%E9dito_conjugal.pdf Acesso em outubro de 2020.</p><p>DINIZ, Maria Helena, Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.</p><p>ELEUTÉRIO, Fernando. Erro no direito Penal. Curitiba: Editora Juruá, 2006.</p><p>ELUF, Luíza Nagib. Crimes contra os costumes e assédio sexual: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2008.</p><p>GOMES, Luiz Flávio. Reforma penal dos crimes sexuais. Disponível em: http://ww3.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20050411115926168</p><p>Acesso em outubro de 2012.</p><p>GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Primeiras impressões sobre a nova conceituação do crime de estupro, vinda da Lei no 12.015/2009. Disponível em: http://www.cpcmarcato.com.br/arquivo_interno. php?un=1&arquivo=41. Acesso em outubro de 2020.</p><p>GONÇALVES, Luiz Carlos dos Santos. Primeiras impressões sobre a nova conceituação do crime de estupro, vinda da Lei no 12.015/2009. Disponível em: http://www.cpcmarcato.com.br/arquivo_interno.php?un=1&arquivo=41. Acesso em setembro de 2020.</p><p>GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte Especial, Vol. 3. 7. ed. Niterói, Rio de Janeiro. Editora: Impetus, 2010.</p><p>GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte especial. 8. Ed. Niterói: Impetus, 2011.</p><p>GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. 9. Ed. Niteroi, RJ: Impetus, 2015.</p><p>GRECO, Rogério. Código Penal Comentado: 5 Ed.. Niterói: Impetus, 2011.</p><p>GREGO, Rógerio. Curso de Direito penal. 7. Ed. Niterói: Impetus, 2010.</p><p>IPEA. Atlas da Violência. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/relatorio_institucional/190605_atlas_da_violencia_2019.pdf Acesso em outubro de 2020.</p><p>JUNIOR, Eudes. A presunção de inocência nos crimes sexuais contra vulnerável. 2012. Disponível em: https://renatobernardi.wordpress.com/2012/01/24/ Acesso em 25 de outubro de 2020.</p><p>KANT, I. Fundamentação da metafísica dos costumes. Vol. XXV (Col. Os Pensadores). São Paulo: Abril, 1974.</p><p>MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 8 Ed. Malheiros, 2011.</p><p>MARINO, Aline. A Mulher Como Sujeito Ativo do Crime de Estupro. São Paulo: UNISAL, 2012.</p><p>MASSON, Cleber. Direito Penal parte especial. 6. 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Acesso em: 25 de outubro de 2020.</p><p>REVISTA MAGISTER DE DIREITO PENAL E PROCESSUAL, São Paulo; Método, nº 34, Fev/Mar 2010.</p><p>RICCI, Eloísa Helena.A mulher como sujeito ativo do crime de estupro e a nova. Ribeirão Preto: Centro Universitário Barão de Mauá,2016.</p><p>RIOS, Roger Raupp. Em defesa dos Direito Sexuais. Porto Alegre: Livraria dos Advogados, 2007.</p><p>SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 9 ed. Rev. Atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011.</p><p>SILVA, César Dário Mariano da. Manual de Direito Penal: parte geral. São Paulo: Edipro.2002.</p><p>SILVA, Marlise Vinagre. Violência contra a mulher: quem mete a colher? Cortez editora, São Paulo, 1992.</p><p>SOUZA, F. Estupro marital: conjunção carnal forçada. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73778/estupro-marital-conjuncao-carnal-forcada. Acesso em outubro de 2020.</p><p>ZISMAM, Célia Rosenthal. O principio da dignidade da pessoa humana. São Paulo: Thonson IOB, 2005.</p><p>image1.png</p><p>vezes, não dá condições a ela de defesa em relação tanto a justa partilha de bens quanto de recursos e direitos entre os gêneros.</p><p>Tal fato explica por que as mulheres precisam de acolhimento, direcionamento para reivindicar seus próprios direitos e tratamentos adequados para retomar a própria vida, mas de forma independente, para não voltarem ao cenário trágico de suas respectivas vivências, onde, dependendo dos fatores já citados, podem sofrer mais violência e até perder a própria vida.</p><p>Como a violência contra a mulher é ampla e repleta de expectativas, vamos nos centrar naquelas que, para não serem expostas a mais violência e até perderem a vida, necessitam da ajuda dos Centros Especializados de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo e Casas de Acolhimento Provisório. Mas será que elas sabem como chegar a eles? Na prática, sabemos que não.</p><p>Demostrar a importância social dos Centros Especializado de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo e Casas de Acolhimento Provisório, bem como as características de cada um deles, para a mulher que sofre violência.</p><p>· Contextualizar o trabalho que se dá com as mulheres dentro Centros Especializado de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo e Casas de Acolhimento Provisório.</p><p>· Especificar as diretrizes nacionais para o abrigamento de mulheres em situação de risco e violência.</p><p>Na maioria das vezes, a mulher que sofre violência é incapaz de reconhecer os atos agressivos perpetrados pelo parceiro. Ela acredita apenas em momentos de estupidez que serão superados ao longo dos dias seguintes e embora conviva com os maus tratos rotineiros, desconhece a razão de tanta agressividade que, provavelmente, foi produzida e reproduzida tanto na família dela quanto do companheiro. Daí vem à aceitação, a passividade e as desculpas, que a impedem de tomar conta de si mesma.</p><p>Além disso, quando falamos de agressão para as mulheres, muitas dizem que nunca apanharam, sem perceber que, no dia a dia, são afetadas pela violência psicológica que as diminuem como seres humanos perante os homens que, para elas, são todos iguais. Essa concepção é desastrosa, mas a maioria só conhece essa realidade medíocre, porque as possibilidades de se expandir sempre lhes foram negadas, na maioria das vezes, por homens, como os pais e os maridos.</p><p>Diante desse contexto, é possível afirmarmos que são as raras a mulheres que, em pleno século XXI, associam próprio sofrimento a violência de gênero que, por sua vez, é resultante do velho sistema patriarcal. Apesar disso, os movimentos feministas do século passado já questionavam a naturalização dos comportamentos violentos naturalizados e justificados socialmente, inclusive com apoio legal.</p><p>Aqui no Brasil, por exemplo, até a década de 1980, não havia respaldo jurídico contra a violência contra as mulheres, tanto que, a primeira delegacia especializada no atendimento às mulheres surgiu somente 1985, no âmbito da redemocratização, momento em que a defesa dos direitos humanos ganhou destaque nas ruas, nas universidades e nas mídias.</p><p>De qualquer forma, a mulher que sofre violência só quer proteção e ainda hoje, dependendo da própria condição, não sabe a quem recorrer. Ela fica na mão de terceiros até em relação às denúncias, pois tem dó de ver o agressor atrás de grades e muito medo tanto de ficar sem os filhos quanto de receber represálias por parte do companheiro, caso procure as Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) ou os Núcleos ou Postos de Atendimento à Mulher nas Delegacias Comuns.</p><p>Portanto, ela precisa ser conscientizada em termos socioculturais e históricos sobre seus direitos, alertada que dificilmente será separada de sua prole e que apenas os órgãos acima citados podem tomar medidas preventivas, inclusive de urgência no prazo máximo de 48 horas, para encaminhá-las aos Centros Especializados de Atendimento à Mulher, Casas-Abrigo e Casas de Acolhimento Provisório, onde irão receber atendimento psicossocial, orientações e encaminhamento jurídico, necessários à preservação da sua própria vida e a superação da situação de violência. Somente dessa forma, ela irá se fortalecer como ser humano e, aos poucos, acabará por resgatar a própria dignidade e, em consequência, sua independência, inclusive econômica, autonomia, protagonismo e cidadania.</p><p>De início, vamos verificar, a partir de documentos oficiais do Observatório da Mulher Contra a Violência, instituição ligada ao Senador Federal, às características de três tipos de locais de acolhimento.</p><p>Depois prosseguiremos pesquisando textos do Google Acadêmico, do Portal de Periódicos da Capes e do Scielo Brasil, para entender tanto como funcionam os centros e as casas de acolhimento quanto quem são as mulheres que chegam a eles, esperando superar a violência sofrida e resgatar sua autoestima, para exercer o próprio protagonismo social por direito e com autonomia.</p><p>Para Menezes et al. (2014), a violência contra a mulher ultrapassa as fronteiras do Brasil e, em consequência, já é uma preocupação mundial, principalmente devido a crescente índice de mortalidade feminina, consequência direta de diferentes formas de agressão advindas de inúmeras circunstâncias socioculturais e econômicas, que requerem políticas e ações articuladas, prevenção e enfrentamento para atender a vítima que, acima de tudo, precisa manter sua integralidade física e mental e ser reparada psicologicamente para reassumir seu lugar na sociedade.</p><p>Aqui no Brasil, a conhecida Lei Maria da Penha, desde 2006, foi e é determinante para o enfrentamento da violência contra a mulher, protegê-la e assisti-la. Isso se deve a definição de violência doméstica e familiar que, entre outras coisas, prevê o afastamento do homem do ambiente familiar, o rigor nas punições contra as agressões sofridas e até a prisão quando o agressor ameaça a integridade física da mulher de forma repetitiva.</p><p>Porém, também que temos que notar que, as mulheres que sofrem violência, pertencem a famílias que estabelecem um rodizio de papéis entre agressor e vítima, em decorrência de um significado sociocultural, construído e perpetuado por cada um de seus integrantes e que se reflete em todos os membros familiares, incluindo as crianças que também aprendem a ser agressivas, conforme explicam as autoras Moreira, Martins, Feuerwerker & Schraiber (2014).</p><p>Portanto, falar de violência contra a mulher é o mesmo que abordar um fenômeno complexo, composto por múltiplos aspectos, que incluem lesões físicas, sofrimento psicológico e risco de morte, condições que afetam diretamente a saúde física e mental feminina.</p><p>Quando esses fatores ainda se somam a dependência financeira, as mulheres vivenciam a chamada desintegração social e as respectivas condições de vulnerabilidade pertinentes, o que torna a violência um ato constante. Dessa forma, a mulher tende a se tornar propicia a recebê-la pacificamente, pois até o questionar não lhe é permitido.</p><p>O presente trabalho visa elucidar a configuração do crime de estupro pelo marido, o chamado estupro marital, no qual o cônjuge é o sujeito ativo que, por sua vez, empreende a violência sexual contra a própria que, assim, transforma-se em vítima de um crime. Portanto, o marido lesa um bem jurídico tutelado, ou seja, a dignidade sexual da própria mulher. Apesar de essa situação ser corriqueira, desde o início das civilizações, o estupro sempre foi repudiado por diversos povos, a ponto de ser considerado como uma grave lesão que deveria ser reprimida penalmente. Porém, até pouco tempo, a figura feminina era vista com indiferença, consequentemente, as mulheres não possuíam relevância para tomar decisões referentes ao convívio em sociedade e, dessa forma, estavam totalmente sujeitas a dominação masculina até mesmo dentro do matrimonio.</p><p>Embora não possamos negar a evolução ocorrida ao longo dos anos, ainda não se erradicou a visão de que as mulheres são propriedades de seus cônjuges. Dessa forma o estrupo marital é pouco questionado, afinal, a obrigação da mulher é a de satisfazer sexualmente o seu cônjuge, independentemente de sua vontade,</p><p>o que acontece em decorrência da hegemonia masculina que ainda impera entre as sociedades atuais. Diante desse contexto, o referido crime que ocorre periodicamente nas instituições conjugais não tem voz e, por força cultural, não é externado. Em consequência, inúmeras vítimas sofrem em silencio, em virtude da ausência da concepção de que a relação sexual involuntária não se trata de obrigação.</p><p>1. ESTUPRO: ORIGEM E CONCEPÇÃO HISTÓRICA</p><p>O crime de estupro existe desde a antiguidade e se estende até os dias de hoje. Logo, não devemos acreditar que o tema tenha ficado em histórias do passado, pois tal fato se encontra bem presente atualmente. Ele também passou por diversos momentos históricos, tanto para adquirir a grande proteção que hoje é dada a mulher, como também a qualquer ser humano, visando sempre proteger a dignidade sexual, principalmente dos vulneráveis, independente de sexo e idade, quanto em relação às mudanças voltadas a punição do estupro, tais como as penas e garantias que a lei dispôs e que caminham junto ao progresso na sociedade.</p><p>Houve uma grande revolução histórica do crime de estupro, anos. Em 1700 a.C., por exemplo, o Código de Hamurabi, trazia previsões acerca da violação sexual, tais como a lei 130º da compilação:</p><p>Se alguém viola a mulher que ainda não conheceu homem e vive na casa paterna e tem contato com ela e é surpreendido, este homem deverá ser morto, a mulher irá livre.</p><p>Percebemos então que os povos antigos puniam severamente quaisquer crimes sexuais. Mas isso mudou, tanto que na cultura grega romana quanto no período clássico, bem como durante o Império Romano. A mulher que era tida como inferior, especialmente na esfera sexual e o estupro era tratado como um delito patrimonial, devido ao entendido do poder da propriedade feminina. Portanto, a mulher, mesmo na condição de escrava ou prostituta, era tida como um objeto de seu guardião e a ela não restava nada, a não ser se conformar com a situação.</p><p>Por sua vez, a palavra estupro, ou stuprum, foi usada pela primeira vez no Direito Romano, com o significado de “crime à conjunção carnal ilícita com mulher virgem ou viúva honesta”, cuja punição, voltada aos os crimes contra a moral, caberia ao pater famílias fazer a repressão. As tradições seguiam até a Idade Média, tanto quanto a aplicação a pena de morte para os crimes violentos, especialmente aos de estupro. No entanto, só figurava como vítima do crime a mulher virgem, que sofria a consumação do delito com o efetivo emprego de violência, como descreve Hungria (2005). Já a mulher já casada ou que já tivesse praticado ato sexual com homem caracterizando a conjunção carnal estava proibida de ser sujeito passivo deste delito (HUNGRIA apud PORTINHO, 2005), o que evidencia a forma como as mulheres eram tratadas, pois apenas as virgens que viviam na casa de seus pais ocupavam o polo passivo do delito. Logo, a norma buscava proteger a moral do patriarca e não da mulher em si, já não era dava nenhuma importância à violência sofrida por ela em sua sexualidade.</p><p>Ainda nesse mesmo período passou a haver uma diferenciação entre stuprum violentum do stuprum voluntarium. A primeira expressão significava tirar a virgindade da mulher e no segundo não ocorria à defloração ou defloratio.</p><p>Tal postura se deu por influência do pensamento cristão, pois naquela época a igreja católica exaltava a santidade e a castidade, mas também colocava em evidencia a submissão da mulher ao homem. Portanto, ela era tida apenas como cuidadora do lar e objeto tanto de procriação quanto de amamentação de sua prole. Contido, nessa época, o estrupo passou a ser tratado de forma isolada, não como um ponto de vista patrimonial e, mesmo diante dessas alterações, a lei se mostrava rigorosa e excessiva, atribuindo a culpa a vítima pelo ato sofrido. Porém no século XV, tal ato passou a ser tratado como crime grave, punido com pena de morte independente da classe social dos envolvidos.</p><p>Por sua vez, as leis seculares não se demonstraram efetivas para punição dos agressores, que, normalmente, eram punidos com pagamentos pecuniários. Mesmo quando o ato resultava em gravidez, o homem era inseto de culpa. Como era comum que consideraram que ambos teriam sentido prazer, a culpa do agressor era excluída. Ainda se o fato acontecesse na constância do matrimônio, a ofendida tinha suas chances de obter justiçam bem reduzidas, pois o enlace conferia o direito ao marido, em consequência da alegação do débito conjugal, de obter relações sexuais mesmo obrigando a mulher.</p><p>1.1 O ESTUPRO NA HISTÓRIA BRASILEIRA</p><p>No Brasil, desde seu descobrimento, as nativas sempre foram exploradas sexualmente e com a escravatura isso apenas se intensificou com a presença das africanas. Nessa época, a relação entre os senhores e seus escravos, além do direito de propriedade, conferia a eles não só direito a mão de obra, mas também a exploração e satisfação sexual. Se antes do descobrimento era comum a liberdade e a exploração sexual, bem como a cópula forçada, em decorrência da obra das ordenações do reino, tais costumes se mantiveram. Somente com as ordenações afonsinas passou-se a fazer distinção entre estupro voluntario e estupro violento.</p><p>Em 1822, com a independência do Brasil, deu-se inicio a um ordenamento jurídico próprio, que começou pelo direito e processo penais, que formaram, em 1930, o código criminal do Império, que já trazia o conceito de proteção a moralidade sexual, no qual se buscava proteger os costumes, entendidos como valor moral. Desde então, em caso de estrupo deveria ser aplicada a prisão. Portanto, o novo Código Penal que promoveu a confecção de um arsenal de leis penais, foi criado por um regime ditatorial que procurou ajustar o instrumento de controle social de que dispõe o Estado ao direito penal e às suas necessidades.</p><p>Com o fim do período colonial, foi editado o Código Criminal do Império do Brasil, em 1830. Nele, os crimes contra a dignidade sexual começaram a ser tipificados. A Lei de 16 de dezembro de 1830, em seu artigo 222 do caderno penal, trouxe a tipificação do crime de estupro mediante violência ou ameaça, mas que só estaria consumado se cometido contra mulher honesta, tanto que o mesmo artigo fazia distinção da repressão penal às prostitutas, o que beneficiava os réus, que só eram punidos quando mantinham cópula carnal com chamadas mulheres honestas e, mesmo assim, a pena deles apresenta variações significativas de acordo com a qualidade da vítima. De qualquer forma, o código do Império de 1830, no Capítulo II: Dos crimes contra a Segurança e a Honra, seção II em seu artigo 222, trazia a seguinte redação:</p><p>Art. 222. Ter copula carnal por meio de violência, ou ameaças, com qualquer mulher honesta.</p><p>Penas: prisão por três a doze anos, e de dotar a ofendida.</p><p>Se a violentada for prostituta.</p><p>Penas: prisão por um mês a doze anos.</p><p>Consequentemente, o termo mulher honesta era a base principal para a caracterização do crime, pois os costumes da época eram mantidos rigorosamente.</p><p>Já em 1840, o código penal editado trazia uma fundamentação eclética, na qual foi adotado um sistema do duplo binário, que disciplinava amplamente as medidas de segurança e que diz respeito aos delitos sexuais, ele acompanhava tanto o positivismo quanto tutelava a moralidade sexual. Notadamente, ele era conservador e apesar do objetivo ser a proteção penal em relação aos crimes sexuais, ele ainda se baseava na mulher honesta.</p><p>Somente em novembro de 1890, com o decreto 847 do Código Republicano, surgiu à nova denominação de crime de estupro, em seu artigo 268, no título VIII: Dos Crimes Contra a Segurança da Honra e Honestidade das Famílias e do ultraje público ao pudor, e Capítulo I: da Violência Carnal como podemos ver:</p><p>Art. 268. Estuprar mulher virgem ou não, mas honesta:</p><p>Pena- de prisão celular por um a seis anos.</p><p>§1º Si a estuprada for mulher publica ou prostituta:</p><p>Pena- de prisão celular por seis meses a dois anos.</p><p>§ 2º Se o crime for praticado com o concurso de duas ou mais pessoas, a pena será</p><p>aumentada da quarta parte.</p><p>Com o Código Penal de 1890 deu-se a ruptura com as práticas penais do passado, momento em que foi instituída a totalidade e equanimidade dos critérios penais. À época, a definição de estupro era dada pelo fato de o agressor abusar da vítima com violência, seja de forma física, mental ou química. Assim definia o artigo 269 da respetiva consolidação:</p><p>De acordo com o Artigo 269. Chama-se estupro o acto pelo qual o homem abusa com violência de uma mulher, seja virgem ou não. Por violência entende-se não só o emprego da força physica, como o de meios que privarem a mulher de suas faculdades psychicas, e assim da possibilidade de resistir e defender-se, como sejam o hypnotismo, o chloroformio, o ether, e em geral os anesthesicos e narcóticos.</p><p>Nessa fase, o código já defendia os direitos das crianças e adolescentes, elevando-os ao patamar de prioridade absoluta. Em seguida, em 7 de dezembro de 1940, o código instituiu o artigo 217 da Lei nº 2.848, que considerava o crime de sedução:</p><p>Seduzir mulher virgem, menor de 18 (dezoito) anos e maior de 14 (quatorze), e ter com ela conjunção carnal, aproveitando-se de sua inexperiência ou justificável confiança:</p><p>Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos.</p><p>Em 1973, deu-se uma nova reforma no âmbito penal, no que diz respeito à parte sexual. Mas o artigo 217 só foi revogado pela Lei n° 11.106, de 2005, no intento de atender o princípio da alteridade, pois ele discriminava a mulher da adolescente, ou seja, da pessoa do sexo feminino, com idade entre catorze e dezoito anos. O autor Guilherme Nucci comenta que tanto o artigo 217 da Lei nº 2.848 de Dezembro de 1940, quanto à reforma transformou a mulher em um autêntico objeto de desejo do homem, pura e simplesmente, sem se atentar para as mutações sociais percebidas por todos, ao dar valor excessivo ao que não mais deveria ser um ponto de honra: a virgindade, como bem jurídico protegido em virtude dos bons costumes.</p><p>Diante do já exposto, dá para entender que o crime de sedução tutelava a integridade sexual das adolescentes entre quatorze e dezoito anos, unicamente pela sua virgindade. Ocorre que, conforme os anos se passaram, o crime se tornou obsoleto, pois não existia a permanência lógica ou jurídica, uma vez que os costumes e a sociedade em si evoluíram e, em consequência, exigiam mudanças como as da lei 11.106/2005.</p><p>Logo depois, em virtude da proteção do bem jurídico, ou seja, a dignidade sexual, surgiu a Lei nº 12.015 de 7 de agosto de 2009, que alterou o Título VI do Código Penal Brasileiro “dos crimes contra os costumes’’, para ‘‘dos crimes contra a dignidade sexual”. A mudança é considerada como grande evolução do Código Penal, pois o termo ‘’dos crimes contra os costumes’’ não condizia com a época atual, não servia para a caracterização dos crimes, nem para proteger os menores. Portanto, o título “dos crimes contra a dignidade sexual” modificou todo o sentido do art. 213 e ainda revogou os artigos 214 e 224 do Código Penal, que tratavam de atentado violento ao pudor e da presunção da violência, que era denominada como incursa no título “dos crimes contra os costumes”.</p><p>O tipo penal do artigo 213 do Código Penal, com a redação disposta na lei, retrata o estupro como um constrangimento ilegal próprio. Contrapondo com a forma de constrangimento ilegal contida no artigo 146, no crime de estupro, o agente constrange a vítima de modo violento, ou de forma parecida, com intuito de ter conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso, com o consentimento dela.</p><p>De acordo com Greco (2012) não exige mais a lei penal, de conduta do agente contra uma mulher, para efeitos de caracterização do estupro. No entanto, “o constrangimento pode ser dirigido finalissimamente à prática da conjunção carnal, vale dizer, a relação sexual normal, o coito vagínico, que compreende a penetração do pênis do homem na vagina da mulher, pressupondo, ainda, uma relação heterossexual” (GRECO 2012, p.124).</p><p>Considerando essa concepção, a lei tratou de penalizar de maneira mais rígida aquele que de qualquer forma atentar contra a dignidade sexual, pois é garantido o direito à intimidade e à honra, assegurado na Constituição Federal em seu artigo 5º, inciso X, como adiante se vê:</p><p>Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:</p><p>X - São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.</p><p>Além de homens e mulheres, e menores de 18 anos, o código tratou também daqueles que se enquadram na descrição do legislador como sendo vulneráveis, com maior atenção aos menores de 14 anos, e daqueles que, por algum motivo, não tenham capacidade de discernir decisões, com foco maior na dignidade da pessoa humana e a dignidade sexual, como garantido novamente pela Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III: Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:</p><p>III - a dignidade da pessoa humana – o respeito à pessoa humana e às suas decisões devem ser priorizados ao máximo, pois todos nós temos o direito à liberdade, principalmente a liberdade sexual, um dos aspectos essenciais para que o ser humano possa viver e proteger o seu próprio bem jurídico maior, que é a vida.</p><p>Consequentemente, a lei estipulou o crime de estupro de vulnerável como um dos mais graves, para justificar a maior reprovabilidade na covardia do agente e na fragilidade da vítima. Percebemos, então, que, após o surgimento da lei, elevou-se o estado de vulnerabilidade, tanto que o artigo 217-A trata de um crime que viola a liberdade sexual, mas que pode tanto ser cometido por qualquer pessoa quanto ser um conjunto de vários atos, pois eles fazem parte de uma única pretensão, que é o abuso à vítima.</p><p>2. A VULNERABILIDADE</p><p>A palavra vulnerável tem origem latina vulnerabilis, cujo significado é ferida, lesão ou suscetibilidade de ser exposto a danos físicos ou morais, o que demonstra incapacidade e fragilidade ou aquele que não possui discernimento necessário para consentir seus atos, ou seja, que não oferece resistência. No entender de Nucci (2008), a vulnerabilidade contida no artigo 217-A, “trata-se da capacidade de compreensão e aquiescência no tocante ao ato sexual. Por isso, continua, na essência, existindo a presunção de que determinadas pessoas não têm a referida capacidade para consentir” (NUCCI, 2008, p.829).</p><p>Em outras palavras, são vulneráveis: o menor de 14 anos, o portador de deficiência ou enfermidade mental e qualquer pessoa que não possa oferecer resistência. Todos eles são incapazes de manifestar consentimento de forma segura. Partindo dai, podemos entender que a vulnerabilidade ocorre quando se refere à vítima de estupro menor de 14 (catorze) anos e que, por deficiência mental ou enfermidade, ou qualquer outro motivo, não tem o necessário discernimento para práticas de atos e não pode oferecer resistência ou a vítima não possui consentimento válido para ter a relação.</p><p>2.1 A VULNERABILIDADE ABSOLUTA</p><p>A vulnerabilidade absoluta está baseada no artigo 217-A do Código Penal, que dita que o menor de 14 anos que não comporta provas em contrário, opta-se quando da prática do ato, ainda que consentida. A presunção de violência é absoluta, bastando para caracterizar o crime, a conjunção carnal ou qualquer ato libidinoso contra a vítima, não podendo ser considerado o consentimento do menor ou incapaz, devido ao seu desenvolvimento psicológico e cognitivo incompleto.</p><p>Capez (2015) entende que a lei não se refere à capacidade para consentir ou à maturidade sexual da vítima, mas ao fato de se encontrar em situação de maior fraqueza moral, sexual, cultural, fisiológica, biológica etc. “Uma</p><p>jovem menor, sexualmente experimentada e envolvida em prostituição, pode atingir às custas desse prematuro envolvimento um amadurecimento precoce. Não se pode afirmar que seja incapaz de compreender o que faz. No entanto, é considerada vulnerável, dada a sua condição de menor sujeita à exploração sexual” (CAPEZ, 2015, p. 76).</p><p>Para a configuração do crime, não se é necessário apenas à conjunção carnal, mas os atos libidinosos, toques, contatos, beijos lascivos, um mero contato físico da vítima com o agressor. Em outras palavras, o entendimento da Corte sanciona a prática do crime, estabelecendo a não importância de existir ou não a violência ou ameaça. Em quaisquer que sejam os casos, a vítima sempre será vulnerável, não sendo admitida prova em contrário.</p><p>A determinação de idade sempre terá o objetivo de tutelar o bem jurídico do menor. Se o agente tiver o devido conhecimento de que a vítima era menor de 14 anos, independente de experiência, de vida pregressa, ou até mesmo de seu consentimento, ele esta cometendo crime de estupro de vulnerável. Portanto, a vulnerabilidade do menor é protegida pelo decorrente do incompleto desenvolvimento dos menores de 14 anos, tanto pelo desenvolvimento físico quanto moral e mental.</p><p>Conclui-se então que aquele que mantiver relações sexuais, conjunção carnal ou ato libidinoso com menores de 14 anos, será condenado por crime de estupro de vulnerável, de acordo com o artigo 217-A do Código Penal, que demonstra seu caráter absoluto.</p><p>2.2 A VULNERABILIDADE RELATIVA</p><p>A vulnerabilidade relativa se dá quando houver prova induvidosa do consentimento da vítima, o que se baseia na vontade livre e consentimento entre as partes. Portanto, quando a vítima entende a natureza do ato e com ele consentiu, não há violência presumida ou grave ameaça.</p><p>O doutrinador Guilherme Nucci se mantém a favor da vulnerabilidade relativa, desde que seja analisado cada caso concreto, tais como em situações em que o vulnerável apresente condições psicológicas de entender as implicações de seus atos, assim como práticas sexuais.</p><p>TJSP: Apelação. Estupro de vulnerável. Absolvição. Insurgência ministerial. Vítima que conta com 13 anos de idade. Vulnerabilidade relativa. Consentimento da vítima quanto às relações sexuais. Depoimentos e interrogatórios que confirmam a existência de relacionamento amoroso. Apelo ministerial improvido. (...) Segundo consta, entre junho e dezembro de 2003, o apelado E. manteve relações sexuais com a vítima K., à época com treze anos de idade. Consta ainda que o apelado L., genitor da vítima, teria consentido com o relacionamento sexual, recebendo em troca favores econômicos. Inicialmente, vale um registro. A alteração introduzida pela Lei 12.015/2009 não eliminou a controvérsia doutrinária e jurisprudencial quanto a ser relativa ou absoluta à presunção de violência prescrita no antigo art. 224 do Código Penal. O debate, agora, cinge-se à relativização, ou não, da vulnerabilidade da vítima. Conforme tenho defendido, não caminhou bem o legislador ao deixar de homogeneizar a definição de criança e adolescente, ora protegendo o menor de 12 anos (Estatuto da Criança e do Adolescente), ora resguardando o menor de 14 anos (Código Penal). Entendo, portanto, ser absoluta, como regra, a presunção de vulnerabilidade tão somente em relação às crianças, ou seja, aos menores de 12 anos. Ao contrário, é possível discutir-se a relativização da vulnerabilidade em se tratando de adolescentes (maiores de 12 anos). (...) No presente caso, a vítima contava a idade de 13 anos, razão pela qual é possível analisar-se a relativização da vulnerabilidade. Interrogado, o apelado E. narra ter mantido relacionamento amoroso com a vítima, sempre com consentimento dos genitores dela. Afirma ter iniciado o relacionamento com a menor após descobrir que a esposa possuía um caso extraconjugal. Acrescenta ter mantido relação sexual com a menor por duas ou três vezes. Por fim, nega ter oferecido dinheiro ao corréu para que consentisse com o relacionamento. Explica ser primo do apelado L., sendo que este morava em um apartamento de propriedade de E., o qual lhe pagava aluguel mensal. L., por sua vez, nega ter oferecido a filha ao apelante em troca de dinheiro. Afirma que a infante passou a se relacionar com E. por iniciativa própria. Confirma ter recebido ajuda financeira do corréu, mas credita tal fato ao vínculo de parentesco existente entre ambos. No mais, narra pagar aluguel a E. pelo apartamento em que mora. A vítima narra ter mantido relacionamento amoroso com E. por cerca de cinco meses. Afirma ter mantido relações sexuais com ele por livre vontade, porque gostava muito do acusado. Nega que seu pai tenha incentivado o relacionamento ou recebido favores em virtude dele. A testemunha R., ex-amásia de E., afirma que L. não ofereceu a filha K. a E., tampouco ofereceu a filha em troca da propriedade do apartamento. C., genitora da vítima, conta que E. a procurou e a seu marido a fim de pedir autorização para sair com K., ao que ambos consentiram. Assim, analisando o caso concreto, entendo que a suposta vítima não se encontrava em situação de vulnerabilidade, tendo plena ciência do quanto se passava, não se podendo falar em presunção de violência, uma vez que este consentiu com o relacionamento sexual de forma válida. Portanto, correto o entendimento firmado pela magistrada sentenciante, devendo prevalecer a absolvição dos acusados. (Ap. 990.10.042955-8, 16.ª C.C., rel. Guilherme de Souza Nucci, v.l.).</p><p>Ainda hoje, a vulnerabilidade relativa continua em debates doutrinários e jurisprudenciais, pois há entendimentos que a consideram relativa em casos especiais, tais como o entendimento do Supremo Tribunal Federal transcrito a seguir:</p><p>Os entendimentos acreditam que a vulnerabilidade é relativa, a depender do caso concreto, e deve se avaliar o prévio discernimento suficiente e necessário, pois não se pode rotular pessoa vulnerável independente das circunstâncias que cercam o caso concreto.</p><p>Cabe esclarecer que, neste entendimento, a vítima possui papel relevante no que diz respeito ao fato criminoso, pois há manifestação da vontade do menor hoje em dia as informações chegam a uma velocidade acentuada, de modo que jovens e crianças se desenvolvem de forma cada vez mais precoce. E, neste sentido, se fala em mudanças culturais e sociais, pois os adolescentes não são os mesmos que eram tempos atrás. Por este motivo, leva-se em conta a sociedade atual.</p><p>Estupro - Vítima menor de 14 anos - Fato ocorrido em Agosto de 2006 - Análises sobre a legislação vigente à época dos fatos – Violência presumida decorrente de idade – Presunção de violência que não é absoluta – Menor que, à época dos fatos, possuía plena consciência sobre assuntos relacionados ao sexo – Conhecimento e consentimento da família para manter namoro anterior – Quadro probatório que autoriza afastar a presunção absoluta de violência – Absolvição – Recurso provido – (voto n. 12.899)’’ (AP 993.08.035868-0, 16ª C., rel. Newton Neves, 25.10.2011, v.l.).</p><p>Nucci (2014) adverte, e aduz que diante disso, pode-se atingir o exagero desproporcional e injusto de se punir um rapaz de 18 anos porque teve relacionamento sexual com sua namorada de 13 anos, dentro do mais absoluto consentimento, muitas vezes, com as bênçãos de suas famílias. “Seria o Estado se imiscuindo em demasia na vida íntima das pessoas e das famílias, sem um propósito razoável, pois não está verdadeiramente em jogo a dignidade sexual nessa hipótese” (NUCCI, 2014, p. 838).</p><p>Para Nucci (2014), o consentimento do adolescente menor de 14 anos, quando se é comprovada a capacidade de entendimento da relação sexual e não havendo violência ou grave ameaça, faz o fato ser atípico ou ser desclassificado. Dessa forma, “a relativização da vulnerabilidade é um imperativo de dignidade humana” (NUCCI, 2014, p. 837).</p><p>2.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DA VULNERABILIDADE</p><p>O capítulo “crimes contra a dignidade sexual” fora instituído pelo ordenamento jurídico primordialmente em consonância com os princípios constitucionais.</p><p>No Brasil, a Constituição Federal determina bens jurídicos, considerados axiologicamente os mais relevantes, com a função criar mecanismos de asseguração dos direitos sociais, individuais, de liberdade, segurança, bem-estar, entre outros.</p><p>O artigo 5º, por exemplo, destaca a vida e a liberdade como pontos essenciais e de relevância. Os princípios constitucionais penais, inclusive os expressos, encontram fundamento na dignidade da pessoa humana e garantem a delimitação e as possibilidades de limitação aos direitos fundamentais e ao direito de liberdade.</p><p>O princípio da dignidade da pessoa humana, dignidade sexual, liberdade sexual, são as bases da proteção garantida pela Constituição Federal, proteção e garantias da ordem jurídica.</p><p>No direito, os princípios são aplicados de forma simultânea à lei, para que não se aplique determinada norma jurídica em conflito com os ensinamentos constitucionais próprios de cada ramo jurídico, conhecidos também como fontes do direito. Assim como Nucci disserta:</p><p>No sentido utilizado em Direito não se poderia fugir de tais noções, de modo que o conceito de princípio jurídico indica uma ordenação que se irradia e imanta os sistemas de normas (JOSÉ AFONSO DA SILVA, Curso de direito constitucional positivo, p. 85) servindo de base para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo. Todos os seus ramos possuem princípios próprios, que informam todo o sistema, podendo estar expressamente previstos em lei ou ser implícitos, vale dizer, resultar da conjugação de vários dispositivos legais, conforme a cultura jurídica formada pelo passar dos anos de estudo de determinada matéria. (NUCCI, 2014, p. 09-10).</p><p>A lei, em argumentos, deve ser constituída em um propósito que não desconsidere os princípios constitucionais, visto que previstos na Constituição Federal e aplicáveis a quaisquer normas. Portanto, autônoma do ramo do direito que venham abordar sobre.</p><p>Neste sentido, Nucci (2014) diz que se os princípios servem de limitação e inspiração ao intérprete da lei penal que deles se valerá para afirmar e garantir a simetria do sistema, também deve sinalizar ao legislador sua viável esfera de atuação. “De nada adiantaria, por exemplo, o cultivo ao princípio da legalidade pelo juiz, caso pudesse o criador da lei penal feri-lo gravemente ao permitir a composição de um tipo penal incriminador vago, sem a devida descrição da conduta proibida, esvaziando a função garantidora apregoada pelo princípio da taxatividade” (NUCCI, 2014, p. 24).</p><p>Nesse âmbito, a aplicação dos princípios constitucionais inerentes aos ramos do Direito e a lei em geral, deve garantir a aplicação correta e coerente de garantias e das penas. As normas e princípios que unem os direitos e garantias fundamentais, estes democráticos e individuais, são de aplicabilidade imediata. Assim tais direitos não são ilimitados, sendo garantido propriamente dito os direitos e liberdades.</p><p>2.3.1 Dignidade da Pessoa Humana</p><p>Sarlet (2011) conceitua a dignidade da pessoa humana como a qualidade intrínseca e distintiva “reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, o que implica em um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem à pessoa proteção tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável” (SARLET, 2011, p.73).</p><p>Portanto, o direito humano consiste nos direitos necessários de uma vida digna, conforme previsto na Constituição Federal em seu artigo 1º, inciso III, em que garante um mínimo existencial a todos os direitos fundamentais, carta magna que caminha par do Direito Penal, pois a base de ambos é o respeito às normas e aos direitos e às garantias fundamentais. Já a jurisprudência brasileira usa-se da função hermenêutica dos princípios fundamentais, usando como base o princípio da dignidade da pessoa humana, como podemos analisar a seguir:</p><p>Cada vez mais, se encontram decisões dos Tribunais valendo-se da dignidade da pessoa humana como critério hermenêutico, isto é, como fundamento para resolução das controvérsias, notadamente interpretando a normativa infraconstitucional à luz da dignidade da pessoa humana, muito embora o incremento em termos quantitativos nem sempre corresponda a uma fundamentação consistente da decisão. Com efeito, não são poucas as decisões que apenas referem uma violação da dignidade da pessoa, sem qualquer argumento adicional demonstrando qual a noção subjacente da dignidade adotada e os motivos segundo os quais uma conduta determinada (seja qual for sua procedência ou natureza) é considerada ofensiva à dignidade, o que, de certo modo, a despeito da nobreza das intenções do julgador, acaba, em muitos casos, contribuindo mais para uma desvalorização e fragilização jurídico-normativa do princípio do que para a sua desejável eficácia e efetividade. (SARLET, 2012, p. 95,96).</p><p>Dessa forma, podemos verificar que existem dois grandes elementos que caracterizam a dignidade humana: o elemento positivo e o elemento negativo. O elemento negativo se encaixa na própria Constituição que dispõe: “ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante” (art. 5º, III) e ainda determina que “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” (art. 5º, XLI). Já o elemento positivo baseia-se do conceito de dignidade humana, o que consiste na defesa da existência de condições materiais mínimas de sobrevivência a cada ser humano, baseando-se na sintonia de liberdades fundamentais. Portanto, constatamos que a dignidade da pessoa humana trata-se de uma verdadeira garantia constitucional, na qual todos os direitos e garantias devem ser compatíveis com a dignidade humana.</p><p>Ele ainda abrange a segurança do mínimo existencial ao individuo, como as necessidades vitais básicas, reconhecidas pelo artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal. Logo , inexiste dignidade se a pessoa humana não dispuser de condições básicas de vivência. “A consciência da dignidade do homem, a evolução da humanidade que se verifica com a aceitação da necessidade de respeito do homem como pessoa, leva ao entendimento de que a dignidade depende do respeito aos direitos fundamentais por parte década indivíduo da sociedade e por parte do Estado”. (ROSENTHAL, 2005, p.39).</p><p>Além disso, a dignidade da pessoa humana também diz respeito às liberdades fundamentais e a dignidade sexual está interligada à sexualidade humana, bem como associada ao respeito, liberdade, intimidade e à vida privada. Para Kant (1974) tudo têm preço ou dignidade: aquilo que tem preço é substituível e tem equivalente, mas aquilo que não admite equivalente possui dignidade. Dessa forma, as coisas têm preço e os indivíduos possuem dignidade.</p><p>Portanto, ao descrever crimes contra a dignidade sexual, o legislador construiu a categoria de bem jurídico tutelável: a dignidade sexual, passando a ter como proteção, a dignidade da pessoa humana e o respeito à vida sexual, juntando a proteção constitucional com a penal.</p><p>Nesse contexto, a sexualidade deve ser considerada dentro do conceito de dignidade da pessoa humana e tem como base os parâmetros éticos e de moralidade pública, o que deixa claro que apenas se busca garantir a liberdade de escolha, tanto moral quanto sexual.</p><p>O eixo de proteção deve limitar-se ao aspecto da dignidade humana, sem interferir na vida sexual individual, pois no entender de Nucci (2013) “o que o legislador deve policiar, à luz da Constituição Federal de 1988, é a dignidade da pessoa humana, e não os hábitos sexuais que porventura os membros da sociedade resolvam adotar, livremente, sem qualquer constrangimento sem ofender direito alheio, ainda que para alguns sejam imorais ou inadequados” (NUCCI, 2013. p. 960).</p><p>É claro que a dignidade sexual é um valor fundamental para todos os seres humanos, inclusive para crianças, sendo assim a Constituição Federal também estabeleceu o princípio da proteção</p><p>integral em seu artigo 227, que dispõe entre eles a dignidade. Conclui-se, então, que os princípios e normas previstos constitucionalmente se tornam regras de conduta, suprindo lacunas e falhas na lei, com especial aplicação ao princípio da dignidade da pessoa humana.</p><p>2.3.2 Dignidade Sexual</p><p>O fundamento válido dos crimes contra a dignidade sexual encontra-se também no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal, por qual toda e qualquer pessoa humana tem o direito à liberdade sexual, de forma digna.</p><p>Na atividade sexual de cada cidadão, não se tolera uma relação sexual invasora, sem o devido consentimento e com emprego de violência ou grave ameaça. A dignidade sexual abomina qualquer espécie de constrangimento ilegal, ao não consentimento para o ato sexual e a satisfação da lascívia de outrem. A vida privada é constituída dos relacionamentos sexuais, pois a intimidade é sentida e deve ser sempre protegida.</p><p>O respeito à dignidade sexual concerne também à vida, à autoestima, à sua íntima e privada vida sexual e, quando não se há consentimento, fere a liberdade individual do ser humano, tornando agressiva formação estrutural de qualquer ser. Diz também respeito à obediência das leis, através das quais, portanto, ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei.</p><p>Como dispõe o artigo 5°, inciso II, da Constituição:</p><p>Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes. (...).</p><p>II –Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;</p><p>A dignidade sexual é um dos tipos de espécie da dignidade da pessoa humana. Sarlet (2011), dissertando sobre o tema, esclarece ser a dignidade a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, o que implica em um “complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos” (SARLET, 2011 p. 73).</p><p>Portanto, a dignidade sexual é garantida constitucionalmente e quando violada torna-se um crime grave, que fere a liberdade, a integridade física, a honra, a saúde individual, mental e a vida. Da mesma forma que não é admitida atividade sexual criminosa, também não se tolera relação sexual invasora, pois a dignidade sexual ligada à sexualidade humana merece respeito e liberdade.</p><p>2.3.3 Liberdade sexual</p><p>A liberdade sexual está regulamentada no título VI do Código Penal, como ‘’dos crimes contra a dignidade sexual’’, alterada pela lei 12.015 de 07 de agosto de 2009. Ela está claramente protegida pelo Código Penal, que busca punir o que não é consentimento para o ato sexual, bem como busca a proteção à liberdade sexual, quanto à escolha e opção de se relacionar.</p><p>Em relação à liberdade sexual, Bitencourt refere-se a:</p><p>“[...] a liberdade sexual, entendida como a faculdade individual de escolher livremente, não apenas o parceiro ou parceira sexual, como também, quando, onde e como exercitá-la, constitui um bem jurídico autônomo, distinto da liberdade genética, com dignidade para receber, autonomamente, a proteção penal. Reconhecemos a importância de existir um contexto valorativo de regras que discipline o comportamento sexual nas relações interpessoais, pois estabelecerá os parâmetros de postura, de liberdade de hábitos, como uma espécie de cultura comportamental, que reconhece a autonomia da vontade para deliberar sobre o exercício da liberdade sexual de cada um e de todos livremente. [...] Contudo, impõe-se que se destaque que não é essa dita ‘moral sexual’ o bem jurídico tutelado pela norma penal, mas, sim, os específicos bens jurídicos identificados em cada tipo penal, sob pena de converter-se o Direito Penal em instrumento ideológico próprio da Inquisição. [...] Na verdade, esses conceitos prévios dominantes em determinado contexto social são considerados pelo legislador no momento legislativo, como também pelo próprio julgador, no momento de concretizar seus preceitos na hora de decidir.’’ (BITENCOURT, 2010, p. 5-6).</p><p>Os delitos contra a liberdade sexual não têm somente relações com a moral, sentimentos, valores, intimidade ou a integridade, mas sim com a liberdade pessoal, com a liberdade de escolha de cada indivíduo. Conforme arrazoado de Gomes (2012) o objeto jurídico da tutela penal não são os costumes, pois toda dogmática penal só concebe a existência de crime sexual que atente contra a liberdade sexual ou contra o normal desenvolvimento da personalidade (em formação) da criança. Portanto também não é admissível o Direito penal se confundir a moral, pois ela que não serve para corrigir pessoas nem para proteger determinadas concepções morais.</p><p>O doutrinador Fuhrer (2009) traduz o conceito de liberdade sexual como a liberdade de amar, ou seja, como a faculdade inerente ao ser humano, que se exterioriza no plano pessoal ao se manter relações amorosas com quem bem lhe parecer e de interrompê-las se for de seu agrado ou de se abster temporária ou permanentemente de toda relação carnal.</p><p>A liberdade é uma das formas mais clássicas, inclusive do direito à privacidade e do direito de ir e vir. Desses direitos se estende a liberdade sexual, bem jurídico protegido tanto pelo Direito Penal quanto pelos direitos sexuais.</p><p>O doutrinador Rios (2007) disserta que o exercício responsável da sexualidade, de acordo com os princípios jurídicos da liberdade, da igualdade e da dignidade, reforça a compreensão positiva da sexualidade e de suas manifestações na vida individual e social, cuja realidade exige a consideração da pessoa em suas simultâneas dimensões individual e social. Dessa forma, a liberdade sexual e o exercício da sexualidade de forma livre devem ser entendidos como uma das mais importantes expressões humanas. Consequentemente, a liberdade sexual expressa pela sexualidade que deve ser exercida de forma livre, é uma das expressões mais importantes da Constituição Federal.</p><p>2.4 SÚMULA 593 DO STJ</p><p>Até a vigência da Lei 12.015/2009, que concedeu novo tratamento aos chamados crimes contra a dignidade sexual, havia um grande debate doutrinário sobre a presunção de violência na relação sexual estabelecida com menores de 14 anos, em relação às flexibilizações, no sentido de afastar o caráter criminoso da conduta, dependendo das circunstâncias, tais como consentimento ou experiência sexual da vitima.</p><p>Assim, a terceira seção do Tribunal do STJ, nos últimos anos, julgou inúmeros casos, que se baseavam no consentimento da vítima, não caracterizando o crime de estupro de vulnerável e, em consequência, a seção dispõe o entendimento em afastar pretensões para apurações concretas, aprovando a Súmula 593 do STJ DE 26-10-2017 (Resp. 1.480.881/PI, Rel. Min. Rogerio Scheidt Cruz, DJe 10/9/2015).</p><p>Cabe ressaltar que ao entendimento da súmula, a experiência de menores de 14 anos, que não possuem capacidade psíquica de entender o caráter lascivo para manifestar sua livre anuência ao ato libidinoso a ser praticado, e os vulneráveis como deficientes mentais em geral, que também não possuem se quer condições de normalidade psíquica para querer desejar livremente a prática da relação sexual com alguém, tanto quanto as pessoas incapazes físicas, seja momentânea ou permanente, de resistir a eventuais atentados a sua liberdade sexual, em tese afasta-se qualquer margem de possibilidade de concessão quanto à licitude de relações sexuais.</p><p>Portanto o crime de estupro de vulnerável como descrito pela Sumula 593 do STJ, pode ser praticado por qualquer pessoa, seja ela homem ou mulher, como sujeito ativo, e a vítima obrigatoriamente</p><p>deve ser vulnerável, como menores de 14 anos, enfermos, deficientes mentais comprovados por laudo pericial, indivíduos com idade avançada, desmaiados, embriagados ou inconscientes, devido à ingestão de entorpecentes, entre outros.</p><p>Dessa forma, ele também se caracteriza quando o agressor conhece a vulnerabilidade da vítima e de acordo com a Lei e a Súmula nada pode modificar a realidade da conduta da conjunção carnal ou pratica de qualquer ato libidinoso. Consequentemente, a Súmula visa proteger de forma ampla a dignidade sexual do vulnerável, pois o consentimento da vítima menor de 14 (catorze) anos é irrelevante para a caracterização do crime, que é configurado com a conjunção carnal ou ato libidinoso, não importando a experiência e comportamento sexuais da vitima, pois ambos não interferem na exclusão da tipicidade da conduta do agente em face ao menor. Dessa forma, o caráter do crime é de presunção absoluta, pois o Supremo Tribunal Federal não admite como causa de extinção de punibilidade a maturidade, experiência ou consentimento do menor.</p><p>Como se vê no entendimento do STJ:</p><p>PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. DECISÃO DE INDEFERIMENTO LIMINAR. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. VÍTIMA MENOR DE 14 ANOS. FATO POSTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI N. 12.015/09. CONSENTIMENTO DA VÍTIMA.IRRELEVÂNCIA. RECURSO REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA (RESP 1.480.881/PI, TERCEIRA SEÇÃO, DJE 10/9/2015). SÚMULAS 168 E 593, AMBAS DO STJ. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Para a comprovação da divergência, devem os acórdãos em confronto, partindo de quadro fático semelhante, ou assemelhado, adotar posicionamento dissonante quanto ao direito federal aplicável. Os embargos de divergência em recurso especial, ao tempo em que solucionam a lide, têm por finalidade possibilitar ao Superior Tribunal de Justiça que resolva a discordância existente entre seus órgãos fracionários na interpretação de lei federal, com objetivo de uniformização da jurisprudência interna corporis.2. Hipótese em que o tema discutido nos presentes autos já foi objeto de exame em sede de recurso representativo da controvérsia, oportunidade em que a Terceira Seção desta Corte firmou entendimento, no mesmo sentido do acórdão embargado, de que o estupro de vulnerável possui presunção absoluta de violência, sendo irrelevante aspectos externos como o consentimento ou experiência sexual da vítima (REsp 1.480.881/PI, Rel. Ministro ROGÉRIO SCHIETTI CRUZ, Terceira Seção, julgado em 26/8/2015, DJe 10/9/2015).3. Incidência das Súmulas 168 e 593, ambas do STJ.4. Agravo regimental não provido. (AgRg no AgRg nos EREsp 1553474/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 13/06/2018, DJe 19/06/2018).</p><p>A súmula afastou a possibilidade concessão do eventual consentimento do vulnerável, em relação ao consentimento, experiência sexual anterior ou em existência de relacionamento amoroso, aspectos desclassificados para fins de consumação, o que implica em um posicionamento rigoroso a ser cumprido.</p><p>Em pressupostos, Cunha (2017) disserta que “iniciando pela última hipótese, em que a vítima não pode, por qualquer causa, oferecer resistência, podemos citar como exemplos as situações da pessoa que, embora não padeça de nenhuma anomalia mental, embriaga-se até a inconsciência e, inerte, é submetida ao ato sexual sem que possa resistir; ou da pessoa que é induzida, por meio de drogas, à inconsciência por alguém que tem o propósito de com ela manter relação sexual não consentida” (CUNHA, 2017, p. 518).</p><p>Portanto no crime, o agente tem a consciência de manter ato libidinoso ou conjunção carnal com pessoa vulnerável, sendo ela menor de 14 anos, deficiente ou com enfermidade mental, embriaguez alcoólica, inconsciência devido ao uso a ingestão de entorpecentes, entre outros como já dito acima. Conclui-se, então, que a súmula se mantém baseada no ordenamento anterior à Lei 12.015/09, que presumia a violência por meio do Código Penal em seu artigo 224, enquanto reforça o artigo 217-A.</p><p>3. ESTUPRO MARITAL</p><p>Inicialmente, antes de abordar a questão do crime de estupro MARITAL, cabe falar sobre a estrutura do crime de estrupo, pois, conforme já mencionado no primeiro capítulo, tem-se que a estrutura do delito em sua modalidade de proteção ao vulnerável esteve muito atrelada à ideia de estupro, por isso se faz necessário dissertar um pouco sobre ambos. O bem jurídico é merecedor de proteção, pois se trata de um crime extremamente grave, que abrange lesões múltiplas aos bens jurídicos, tais como liberdade, honra, integridade física, por meio de relação sexual forçada.</p><p>Em suma, o estupro, como crime único, abrange tanto a conjunção carnal quanto qualquer outro ato libidinoso. Contudo, o que permanece em foco em tal crime é a tutela estatal à dignidade humana, devido ao constrangimento para com a vítima que tem a liberdade ferida, com a conjunção carnal ou ato libidinoso.</p><p>No crime, o meio de execução básico é violência ou grave ameaça, pois, ainda que praticado sem devida força, para a configuração do delito, presume-se ser contra aqueles que não oferecem resistência. Portanto, no delito de estupro de vulnerável, são irrelevantes a experiência sexual ou consentimento, pois a violência ocorre do fato presumido, para o qual basta a conjunção carnal ou ato libidinoso.</p><p>A consumação na modalidade de constranger alguém mediante violência ou grave ameaça e ter conjunção carnal ou ato libidinoso acontece com a introdução parcial ou total do pênis, sem a necessidade de ejaculação ou orgasmo. Já na modalidade do ato libidinoso, a consumação dá-se ao contato físico ou não, porem deve existir sempre a presença física.</p><p>3.1 O CRIME DE ESTUPRO MARITAL</p><p>Estupro marital era um termo que era visto pela lei como um oximoro, vergonhosa e tardiamente na história. Segundo Souza (2019) sempre foi um delito praticado desde os primórdios da existência humana. Mas se antes era apenas um reflexo do conceito de uma época que ditava que a mulher não tinha liberdade sexual e ainda era considerada como propriedade e objeto de seu marido, hoje em dia, a importância do estupro está centrada na liberdade sexual do indivíduo e no seu direito de escolha de dispor livremente do seu corpo à prática sexual, agindo de acordo com seus desejos e vontades, incluindo, nesse disposto, o próprio parceiro.</p><p>As justificativas históricas para a exceção do estupro marital foram amplamente descartadas. No entanto, existem várias outras justificativas propostas mais recentemente por aqueles que continuaram a apoiar a exceção, incluindo a frequência não suficiente para merecer rescindir a exceção. Este é um ponto insuportável em virtude da porcentagem de esposas que sofreram o crime. No entanto, também é difícil provar a falta do consentimento da esposa, porque os cônjuges teriam feito sexo consensual várias vezes.</p><p>Outras leis, como agressão e agressão, proporcionam a esposa estuprada vias de recurso menos onerosos do que acusações de estupro contra o marido. Um marido deve fazer sexo com a esposa sem medo de ser processado (que se parece muito com a justificativa histórica do direito do marido ao sexo), o que o protege de falsas acusações de estupro (por exemplo, durante processos de divórcio).</p><p>De qualquer forma, a única característica que todas essas justificativas compartilham é o sexismo, porque todas provocam descrença ou desvalorização da esposa na equação que resulta em promoção do marido sobre o ela. Nesse sentido, as justificativas modernas para a exceção de estupro conjugal soam muito como as justificativas históricas e são igualmente falhas, o que é condenável, pois as exceções de estupro conjugal dão menos proteção legal a mulheres casadas com seus próprios agressores do que a mulheres estupradas por estranhos, sem motivo válido. Além disso, o diagnóstico é ainda mais difícil do que no segundo grupo de mulheres, que normalmente apresentam alguns sinais. Entre as casadas, esses sinais desaparecem, Portanto, o exame deve ser realizado primeiros dias da ocorrência,</p><p>para ser útil.</p><p>Alguns dos lugares que ainda tratam o estupro marital de forma diferente do estupro não conjugal exigem que as vítimas de estupro conjugal denunciem o crime em um período mais curto, do que o necessário para as vítimas de estupro não conjugal. Em alguns desses lugares também há sentenças menos graves aos estupradores casados ​​com suas vítimas do que para aqueles que não o são, inclusive as vítimas-cônjuge são incentivas a declinar as acusações se o cônjuge-estuprador aceitar ser orientado. Alguns lugares chegam a exigir que a promotoria faça uma demonstração maior de força ou a violência que foram usadas durante o estupro conjugal, ao contrário do que acontece em caso de estupro não-conjugal.</p><p>Portanto, graças aos obstáculos estatutários adicionais, os promotores podem relutar em perseguir casos de estupro marital. Dessa forma, as vítimas de estupro conjugal têm o trauma adicional de agressão sexual por seu parceiro, ou seja, a pessoa com quem vivem e que, muitas vezes, são os pais de seus filhos. O estigma social, o impacto nas crianças e a vergonha da família também tendem a aumentar as pressões que uma mulher enfrenta ao considerar a possibilidade de relatar um estupro conjugal. Já no tribunal, os jurados podem duvidar que um marido tenha realmente estuprado sua própria esposa, pois o testemunho da vítima é frequentemente a única evidência do estupro. Evidências de amostras de DNA ou sêmen seriam irrelevantes porque podem ser resultado de sexo consensual entre os cônjuges.</p><p>Porém, há sinais gerais de violência quando se o marido usa a força, como lesões anais e perianais, entre as quais relaxamento do esfíncter anal com incontinência fecal, deformação infundi buliforme do ânus pela reflexão produzida pela dor, erosões no orifício que rasgam a linha média de mucosa retal para frente, perto da triangular rafe, como descrevem Johnston e que foi confirmado por Lacassagne e Dbiere (apud Silva, 2002), além de sinais gerais de violência devido a força.</p><p>Para Ricci (2016), a tradição vivenciada em 1940 em que apenas o homem podia ser a pessoa ativa e a mulher pessoa passiva do crime de estupro, também ganhou nova roupagem. Hoje a mulher pode figurar no polo ativo e o homem poderá ser sujeito passivo do crime, diante da modificação do artigo 213 do Código Penal. Consequentemente, em 2009, diante das modificações feitas pela nova legislação, o crime passou tanto a ter classificação de crime comum, vez que o termo mulher foi substituído por alguém, quanto pela revogação do crime de atentado violento ao pudor, que abrangia qualquer ato sexual diverso de conjunção carnal, anteriormente encontrado no artigo 214. Dessa forma, eles foram unificados com o artigo 213 que trata de crime de estupro propriamente dito.</p><p>Note que, o estupro contra o homem é de difícil confirmação. Apesar disso, o crime de estupro não aceita nenhuma exceção. Portanto, a apuração depende da coordenação de todos os profissionais que, por uma razão ou outra, vai intervir no sentido de proporcionar evidência confiável e, muitas vezes, até identificação do autor.</p><p>Segundo Ricci (2016, p. 15):</p><p>Já com as alterações efetuadas pela Lei 12.015/2009, a mulher poderá ser autora imediata do crime de estupro, posto que o tipo penal passou a abarcar os atos libidinosos distintos de conjunção carnal, possibilitando que qualquer ato executório, praticado por qualquer pessoa, configure o crime. A mulher poderá ser também sujeita passivo em relação ao sujeito ativo feminino, ou seja, a nova redação do referido artigo estabelece que qualquer pessoa pode figurar frente a nova concepção do sujeito ativo (Ricci, 2016, p. 15).</p><p>A violação de uma pessoa (homem ou mulher) é um dos crimes mais graves que pode ser cometido contra uma pessoa, pois ele afeta uma esfera (o sexo) que pertence, na cultura atual, a intimidade mais profunda. A vítima, nestes casos, tem uma vasta gama de sentimentos: o ódio, raiva, impotência, desejo de justiça, mas também de nojo e repulsa.</p><p>Para Barros (2014), “os agentes jurídicos indiretamente perpetuam conceitos prévios direcionados ao gênero com a finalidade de reportar (manter) os papéis sociais do homem e da mulher, justificando as ações dos indivíduos num sistema de ideias patriarcal, sendo a práticas de discriminação de gênero, reflexo desse pensamento” (BARROS, 2014, pág. 2934).</p><p>“Ocorre uma discussão ideológica que acaba por reproduzir os papéis constituídos na sociedade e que se baseia na relação, sem mediação, entre a esfera da vida e a esfera do ser social; como se as mulheres ainda não houve dado o salto ontológico que as desligou da esfera do ser, movido única e exclusivamente por componentes biológicos, para a esfera que é predominantemente conduzida pelo pensar objetivos e, por isso mesmo, capaz de produzir o novo e de proceder à acumulação de conhecimento, que é a marca do fazer histórico da humanidade”. (MAGALHÃES, 2005, p. 23).</p><p>De acordo com Silva (1992) a sociedade acaba por ver os papéis que tem a divisão sexual, onde tanto o homem e mulher tem o seu espaço.</p><p>O estupro provoca uma lesão ao mesmo tempo semelhante e diferente das outras. Semelhante porque é o efeito da brutalidade. Diferente porque é muitas vezes pouco consciente no agressor, apagada pela efemeridade do desejo, ao passo que intensifica a vergonha na vítima, a ideia de uma contaminação pelo contato: a indignidade atravessando a pessoa atingida para transformá- -la aos olhos dos outros. Daí a sensação de aviltamento criando obstáculos à queixa, inclinando a vítima a se calar e os observadores a acusá-la. Situação muito especial, em que a violência pode se tornar menos visível, empurrada para segundo plano, mascarada pela rejeição de que a vítima é objeto; (...) (VIGARELLO, 1998, p. 30)</p><p>“No Brasil, assim como em outros países em geral, à mulher tem sido reservado o espaço doméstico, sob a justificativa da capacidade natural de ser mãe. Dessa forma, o fenômeno natural ligado a procriação sofre uma elaboração social.” (SILVA, 1992, p. 63).</p><p>De acordo com o Portal G1 (2016, p. 01):</p><p>A Polícia Civil em Praia Grande, no litoral de São Paulo, ainda não identificou quem é a mulher que estuprou um estudante de 21 anos, na última terça-feira (1), após ele ter descido de um ônibus no bairro Vila Tupi. Durante a abordagem, a mulher, que contou à vítima que havia acabado de terminar um relacionamento, disse que o acusaria de estupro caso ele não mantivesse relações sexuais com ela.Durante toda a sexta-feira (4), a polícia colheu informações que possam ajudar a esclarecer o que realmente aconteceu. Segundo informações de investigadores que estão cuidando do caso, imagens de câmeras de monitoramento instaladas nas proximidades do local podem ajudar a identificar a suspeita que, em um primeiro momento, tentou forçar o rapaz a ir para a casa dela mas, no meio do caminho, exigiu sexo no meio da rua.</p><p>Como já discutido, anteriormente a Lei 12.015/2009, os crimes de estupro só eram cometidos contra a mulher, e agora este pode também ser praticado por uma mulher contra um homem.</p><p>Como indica Ricci (2016, p. 24) a Lei n. 12.015/2009:</p><p>Também alterou significativamente a abordagem em relação ao próprio título, que passou de crimes contra os costumes, para crimes contra dignidade sexual, ou seja, uma nova abordagem protegendo não apenas uma tradição, mas sim, a dignidade da pessoa, atendendo aos ditames constitucionais. Diante dos argumentos expostos, cabe concluir pela nova possibilidade jurídica, onde o sujeito ativo pode ser do sexo feminino, na modalidade de autoria imediata do referido crime sexual, levando em consideração as modificações ocasionadas pela Lei 12.015/2009 na redação do artigo 213 do Código Penal. Quanto a hipótese de uma possível exasperação de pena disciplinada no dispositivo 234-A, III do referido Código, conclui-se pela aplicabilidade do presente aumento para o sujeito ativo, mesmo que esse seja uma mulher, pois há de se considerar que o incremento, ocorre em função de um resultado em relação aos interesses do sujeito passivo</p>

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