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<p>1</p><p>2</p><p>3</p><p>Catalogação na fonte pela Biblioteca Universitária</p><p>da Universidade Federal de Santa Catarina</p><p>E56a Encontro Memória e Direitos Humanos (2. : 2022 : Florianópolis)</p><p>Anais do Segundo Encontro Memória e Direitos Humanos [recurso</p><p>eletrônico] / organizadoras, Isadora Lima Resende, Lisa Belmiro Camara. –</p><p>Florianópolis : IMDH/UFSC/UDESC, 2023.</p><p>259 p.</p><p>E-book (PDF)</p><p>ISBN 978-85-8328-176-4</p><p>1. Direitos humanos – Congressos. 2. Democracia – Congressos.</p><p>3. Memória – Congressos. 4. Verdade – Congressos. 5. Justiça –</p><p>Congressos. 6. Educação – Congressos. I. Resende, Isadora Lima.</p><p>II. Camara, Lisa Belmiro. III. Título.</p><p>CDU: 342.7</p><p>Elaborada pela bibliotecária Dênira Remedi – CRB-14/1396</p><p>4</p><p>COMITÊ EDITORIAL</p><p>Ademir Valdir dos Santos, Dr.</p><p>Camila Lehmkuhl, Dra.</p><p>Diego Nunes, Dr.</p><p>Graziela Marins de Medeiros, Dra.</p><p>Isadora Lima Resende, Ma.</p><p>Juliana Lyra Viggiano Barroso, Dra.</p><p>Lisa Belmiro Camara, Ma.</p><p>Mariana Joffily, Dra.</p><p>Sandor Fernando Bringmann, Dr.</p><p>Simone Vieira de Souza, Dra.</p><p>5</p><p>COMISSÃO ORGANIZADORA</p><p>Coordenadora</p><p>Clarissa Franzoi Dri, Dra.</p><p>Integrantes</p><p>Ademir Valdir dos Santos</p><p>Arthur Will Toccheto de Oliveira</p><p>Camila Schwinden Lehmkuhl</p><p>Clarissa Franzoi Dri</p><p>Cristine Gorski Severo</p><p>Diene Brito Machado</p><p>Giselle Costa</p><p>Graziela Marins de Medeiros</p><p>Isadora Lima Resende</p><p>Jean-Marie Farines</p><p>Juliana Viggiano</p><p>Leon de Paula</p><p>Lihla Zaslavsky Gomes</p><p>Lisa Belmiro Camara</p><p>Leticia Blank</p><p>Luana Renostro Heinen</p><p>Luiz Felipe Souza Barros de Paiva</p><p>Mariah de Moraes Lima Vieira</p><p>Mariana Rangel Joffily</p><p>Roberto Willrich</p><p>Sandor Bringmann</p><p>Simone Vieira de Souza</p><p>Vanessa Sagica</p><p>Organização dos anais</p><p>Isadora Lima Resende, Ma.</p><p>Lisa Belmiro Camara, Ma.</p><p>Monitoras(es)</p><p>Amanda Pertile</p><p>Ana Beatriz Araújo Schmitt</p><p>Arthur Will Tocchetto de Oliveira</p><p>Caio Henrique Silva Fernandes</p><p>Carolina Elly Mitsuda</p><p>Claudia Venturi</p><p>Daniela Machado</p><p>Diene Brito Machado</p><p>Emanoela S. G. Tomaz</p><p>Fellipe Matheus de Medeiros Silva</p><p>Francesca Carminatti Pissaia</p><p>6</p><p>Gabriel Sampaio Gomes</p><p>Gabrielle Wuislia Bonette Schneider</p><p>Henrique Lemes Blanck</p><p>Ian Jesus Silva RIbeiro</p><p>Indianara Hoffmann</p><p>Isadora Lima Resende</p><p>Jéssica Thaíse Gielow</p><p>João Carlos Pereira Hoeller</p><p>Kellyn Gaiki Menegat</p><p>Laura Maria Jardim Ferreira</p><p>Leandro Silva de Aguiar</p><p>Leticia Blank Netto</p><p>Lisa Belmiro Camara</p><p>Maria Eloá Ronchi Testoni</p><p>Mariah de Moraes Lima Vieira</p><p>Mariana Guanabara</p><p>Matheus Henrique Santoni Santos</p><p>Pedro António dos Santos</p><p>Poliana Tavares Ribeiro</p><p>Rafaela Nascimento Maia</p><p>Rodrigo Pereira</p><p>Samara Schmidt Floriano</p><p>Sarah Beatriz Frainer</p><p>Sofia Oliveira do Monte Carmelo</p><p>Tayna Cristina Ribas</p><p>7</p><p>SUMÁRIO</p><p>8</p><p>SUMÁRIO</p><p>“DIREITO DOS MANOS”: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA SALA DE AULA ........... 11</p><p>“TODO PRESO É O AMOR DA VIDA DE ALGUÉM”: A VIOLÊNCIA NO SISTEMA</p><p>PRISIONAL BRASILEIRO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 PELA</p><p>PERSPECTIVA DAS FAMILIARES DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE .......... 18</p><p>A EXPOSIÇÃO “JUVENTUDES E PARTICIPAÇÃO” E SUA REFLEXÃO SOBRE AS</p><p>VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS OCORRIDAS DURANTE A DITADURA</p><p>MILITAR BRASILEIRA (1964-1985) ................................................................................ 23</p><p>COMO O NEOLIBERALISMO E O AUTORITARISMO ATUAM PARA LIMITAR OS</p><p>DIREITOS HUMANOS ...................................................................................................... 29</p><p>DESAPROPRIADOS PELO EXÉRCITO: AGRICULTORES DE PAPANDUVA E SUAS</p><p>LUTAS ................................................................................................................................ 36</p><p>DIGNIDADE MENSTRUAL NAS ESCOLAS DA REDE ESTADUAL CATARINENSE –</p><p>A EXPERIÊNCIA DO PROJETO SEGUE O FLUXO! ABSORVA ESSA IDEIA .............. 41</p><p>DIREITO A COMUNICAÇÃO E EMPODERAMENTO DE JOVENS NO MORRO DO</p><p>MOCOTÓ - EXPERIÊNCIAS DA DISCIPLINA JORNALISMO COMUNITÁRIO DO</p><p>JORUFSC EM MEIO À PANDEMIA DE COVID-19 ......................................................... 48</p><p>DO PRESENCIAL AO VIRTUAL: DESAFIOS DE UMA EXPOSIÇÃO DURANTE UMA</p><p>PANDEMIA ........................................................................................................................ 54</p><p>EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EM DIREITOS HUMANOS: UMA</p><p>ANÁLISE DO CURRÍCULO BASE DA EDUCAÇÃO JOSEFENSE ................................. 60</p><p>EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA</p><p>REVISÃO DA LITERATURA A PARTIR DO PORTAL DE PERIÓDICOS DA CAPES .. 66</p><p>ESCUTA ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA: O QUE PODE A PSICOLOGIA</p><p>FRENTE À VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL? .................................................................... 73</p><p>“EU SOU TÃO INSEGURO PORQUE O MURO É MUITO ALTO”: A PRISÃO DE</p><p>GILBERTO GIL EM FLORIANÓPOLIS EM 1976 ............................................................. 79</p><p>HISTÓRIA COMO TRAUMA: POR UMA VIRADA AFETIVA NA JUSTIÇA DE</p><p>TRANSIÇÃO BRASILEIRA ............................................................................................... 85</p><p>MIGRAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA/PR: A TENSÃO ENTRE</p><p>DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DE CIDADANIA .................................................... 89</p><p>NEGAÇÕES DE DIREITOS SOB VESTES DE DISCIPLINA: OS PROCESSOS DE</p><p>CRIMINALIZAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL ................................................................. 95</p><p>O DESCUMPRIMENTO DA ADPF 635 E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA VIOLÊNCIA</p><p>NAS COMUNIDADES DO RIO DE JANEIRO ................................................................ 101</p><p>O ENSINO DE FÍSICA E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS: CONSTRUINDO</p><p>CAMINHOS ...................................................................................................................... 106</p><p>9</p><p>O IMPACTO DOS CASOS FAVELA NOVA BRASÍLIA E MÁRCIA BARBOSA DE</p><p>SOUZA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA AS</p><p>MULHERES ...................................................................................................................... 111</p><p>PROJETO PERMANEÇA! INFREQUÊNCIA, ABANDONO E EVASÃO ESCOLAR,</p><p>RELACIONADOS ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS, NA REDE ESTADUAL DE</p><p>ENSINO DE SANTA CATARINA.................................................................................... 117</p><p>UM OLHAR SOBRE MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS EM SANTA CATARINA:</p><p>OS DESAFIOS DO NOVO MARCO LEGAL DA NOVA LEI DE MIGRAÇÃO 13.445/2017</p><p>ENTRE REFUGIADOS SÍRIOS ....................................................................................... 123</p><p>VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NA LUTA POR MORADIA DIGNA: O CASO DA</p><p>OCUPAÇÃO VALE DAS PALMEIRAS........................................................................... 129</p><p>“EU TAMBÉM FUI TORTURADO”: FERIDAS ABERTAS DA DITADURA MILITAR</p><p>BRASILEIRA .................................................................................................................... 135</p><p>“SOB OS PORÕES DA AGONIA”: JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E ESTUDO DE CASOS</p><p>EM FEIRA DE SANTANA ............................................................................................... 142</p><p>A EDUCAÇÃO LINGUISTICA DOS IMIGRANTES, NO CONTEXTO BRASILEIRO, À</p><p>LUZ DOS DIREITOS HUMANOS ................................................................................... 144</p><p>A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM UMA ESCOLA TÉCNICA NO SUL DO</p><p>BRASIL: COM A PALAVRA OS PROFESSORES .......................................................... 150</p><p>A LEI DE ANISTIA NA PERSPECTIVA DA COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE DA</p><p>UFSC: NOTAS PARA O DEBATE NÃO ENCERRADO ................................................. 156</p><p>A MILITARIZAÇÃO DAS GUARDAS MUNICIPAIS NO BRASIL: NOVO MEIO</p><p>OSTENSIVO DE RETIRAR O</p><p>Alencar... [et al.]; Organizadora: Luana Renostro Heinen. 1ª ed. –</p><p>Florianópolis: Habitus, 2020.</p><p>HEINEN, Luana Renostro; RIBEIRO, Luísa N.; MARTINS, Giulia P. W. Educação</p><p>Neoliberal: o Future-se e o projeto neoliberal de universidade. Organizadora:</p><p>Luana Renostro Heinen. 1ª ed. – Florianópolis: Habitus, 2020.</p><p>36</p><p>DESAPROPRIADOS PELO EXÉRCITO: AGRICULTORES DE PAPANDUVA E</p><p>SUAS LUTAS</p><p>Matheus Giacomo de Luca21</p><p>O presente Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) pretende analisar as memórias de</p><p>Ebrahim Gonçalves de Oliveira sobre o seu cotidiano na região do Planalto Norte Contestado,</p><p>o processo de desapropriação para instalação do Campo de Instrução Marechal Hermes</p><p>(CIMH)22 e seus desdobramentos, como a vida após a saída das terras e as formas de</p><p>reivindicação, principalmente na segunda metade da década de 1970 e durante a de 1980.</p><p>A desapropriação para instalação do CIMH se deu em dois momentos. Primeiramente,</p><p>a área que pertencia Southern Lumber and Colonization Company, em Canoinhas-SC, passou</p><p>para o Ministério da Guerra no ano de 1952, porém ela foi considerada insuficiente para a</p><p>ervergadura das manobras que o Exército pretendia fazer na região. Assim, no ano de 1956 é</p><p>dado o segundo passo para o processo de desapropriação com a assinatura do Decreto nº 40.570</p><p>de 1956, o qual desapropriava 89 propriedades contiguas a área da antiga Southern Brazil</p><p>Lumber and Colonization Company. Porém, a retirada das famílias ocorreu somente no ano de</p><p>1963, após imissão de posse concedida pela justiça em favor do Exército, a qual determinava</p><p>que a desocupação deveria ser efetivada em 48 horas. As famílias foram retiradas de suas casas</p><p>com seus pertences pessoais e alguns poucos animais em caminhões do Exército e foram</p><p>despejadas em casas de parentes e em praça pública na cidade de Canoinhas –SC, haja visto</p><p>que não haviam recebido prévia e justa indenização. Os processos indenizatórios se arrastaram</p><p>até o ano de 1975, o que levou a uma alta desvalorização das indenizações devido a inflação e</p><p>a valorização das terras. Por conta dos valores propostos terem ficado muito abaixo do esperado</p><p>as famílias atingidas começaram a se organizar ainda na década de 1970, primeiramente por</p><p>meio de uma sociedade de caráter jurídico denominada Sociedade Núcleo Rural Papuã (SNRP)</p><p>e posteriormente, na década de 1980, por meio de ocupações e acampamentos.</p><p>21 Graduado em História pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC); Mestrando em Ensino de História</p><p>no Mestrado Profissional em Ensino de História pela UFSC; Florianópolis –SC; e-mail:</p><p>matheusg_deluca@hotmail.com</p><p>22 O Campo de Instrução Marechal Hermes (CIMH) foi fundado em 1954 na cidade de Canoinhas/SC. Em 1961,</p><p>Três Barras/SC, que pertencia a Canoinhas, teve sua emancipação política e como isso o CIMH passou a fazer</p><p>parte do munícipio. O CIMH está dividido em duas partes: uma delas é a área da sede, localizada na cidade de</p><p>Três Barras/SC, e a outra é o local de treinamento, que fica a certa de 20km da primeira. A segunda está dividida</p><p>entre os munícipios de Três Barras/SC e Papanduva/SC.</p><p>37</p><p>Para entender como se deu esse processo histórico utilizei a metodologia da história</p><p>oral. Segundo Portelli, as fontes orais são narrativas individuais, informais, dialógicas, criadas</p><p>no encontro entre o historiador e o narrador.23 Portanto, foi necessário fazer visitas para</p><p>Ebrahim, na cidade de Curitiba-PR, para construir em conjunto com o narrador a principal fonte</p><p>utilizada neste trabalho. Foram feitas duas entrevistas, a primeira com duração de 23min 08seg</p><p>e a segunda com duração de 3hs 44seg. A diferença substancial de tempo entre as duas</p><p>entrevistas deveu-se pela minha necessidade de conhecer o narrador e saber um pouco mais</p><p>quem ele era e qual foi a sua participação no processo histórico pesquisado. Além disso, ele</p><p>também queria saber quem eu era e quais as minhas intenções com a pesquisa. Também nesse</p><p>primeiro encontro Ebrahim trouxe vários documentos e os colocou em cima da mesa da sala,</p><p>lendo quase todos em voz alta. Por conta disso, a entrevista começou mais tarde do que o</p><p>previsto, vindo a ser interrompida por uma ligação da advogada Ivete Caribé da Rocha</p><p>avisando-nos que estava disponível para uma conversa.24 Já a segunda entrevista foi muito mais</p><p>fluida, visto que tinha maior domínio sobre o tema e por já ter tido o primeiro contato com o</p><p>entrevistado. Mas o cenário era o mesmo, com a mesa da sala tomada pelos documentos.</p><p>Após as conversas, transcrevi as entrevistas e então selecionei passagens para serem</p><p>analisadas na presente pesquisa.</p><p>Outras memórias de herdeiros25 também foram utilizadas para complementar o trabalho,</p><p>principalmente sobre a segunda metade da década de 1970 e na ocupação de 1980, período do</p><p>qual Ebrahim não tem muitas lembranças. Também analisei documentos escritos, entre eles:</p><p>trechos do jornal O Barriga Verde, periódico da cidade de Canoinhas nas décadas de 1950 e</p><p>1960; o Decreto-Lei de 1941 que trata sobre a lei básica de desapropriação; a Constituição de</p><p>1946; um contrato de arrendamento entre José da Silva Lima – sogro de Ebrahim – e o diretor</p><p>do CIMH; trecho do processo nº 1.771/71; abaixo assinado redigido em Canoinhas no ano de</p><p>1975; documento de registro da Sociedade Núcleo Rural Papuã (SNRP), além da bibliografia</p><p>produzida sobre o tema, com destaque para o trabalho do sociólogo Valmor Schiochet, de título</p><p>“Esta terra é minha Terra”, que trata sobre a luta dos desapropriados/herdeiros de Papanduva</p><p>pela devolução das suas terras.</p><p>23 PORTELLI, Alessandro. História oral: Uma relação dialógica. In: PORTELLI, Alessandro. História oral</p><p>como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016. Cap. 1, p. 9.</p><p>24 Ivete Caribé da Rocha é uma das advogadas responsáveis pela elaboração da Comissão Estadual da Verdade do</p><p>Paraná – Teresa Urban. Nela foi tratada as violações de direitos humanos aos quais foram submetidos os</p><p>desapropriados/herdeiros do CIMH. Porém, sua entrevista não foi utilizada no presente trabalho.</p><p>25 Os outros herdeiros/herdeiras entrevistados foram: Verônica Thiesen Jungles, Sezinando Jungles e Helena</p><p>Werka.</p><p>38</p><p>Schiochet, acompanhou de perto a luta das famílias durante o período que</p><p>permaneceram acampadas em Papanduva/SC e Florianópolis/SC entre os anos de 1985-1987.</p><p>Esse convívio lhe rendeu uma dissertação de mestrado, a qual posteriormente virou livro. Sua</p><p>pesquisa é sempre citada pelos herdeiros e herdeiras como referência bibliográfica para</p><p>compreender a questão da desapropriação e as suas lutas. Particularmente, eu a considero a</p><p>pesquisa a mais completa sobre o assunto. Por conta da sua importância para os herdeiros e por</p><p>ser a pesquisa mais completa a qual tive contato, em vários momentos vou usa-la para dialogar</p><p>com as memórias dos herdeiros e herdeiras.</p><p>Importante ressaltar que o eixo central do trabalho é a narrativa de Ebrahim Gonçalves</p><p>de Oliveira, portanto, os documentos escritos e as memórias de outros herdeiros tem como</p><p>função complementar a pesquisa. Além disso, não me importa se o narrador está dizendo a</p><p>verdade sobre os fatos, mas sim como significa os eventos que presenciou ou que foram</p><p>transmitidos a ele pela memória de familiares ou outros desapropriados/herdeiros, isto é, o</p><p>importante é compreender como Ebrahim Gonçalves de Oliveira significa o processo de</p><p>desapropriação e seus desdobramentos a partir do trabalho da memória.</p><p>A escolha de Ebrahim Gonçalves de Oliveira para ser a minha principal fonte deveu-se</p><p>a três fatores: os outros herdeiros e herdeiras que entrevistei indicavam Ebrahim como a</p><p>principal referência sobre o assunto, ele era a pessoa autorizada a falar pelo grupo, pois conhecia</p><p>a história da desapropriação e seus desdobramentos, além de ter guardado grande volume de</p><p>documentos sobre o processo. Por conta dessa representatividade para o grupo, Ebrahim seria</p><p>um guardião da memória.26 O segundo</p><p>fator está ligado a ele ter nascido e crescido na região</p><p>onde hoje é Campo de Instrução Marechal Hermes (CIMH). Por fim, participou ativamente do</p><p>Movimento que aconteceu entre os anos de 1985 e 1987, vindo a ser tornar uma das principais</p><p>lideranças do mesmo.</p><p>Aqui reside a principal diferença entre a presente pesquisa e a bibliofrafia já elaborada</p><p>sobre o tema, visto que a memória será a fonte principal do trabalho, não servindo apenas como</p><p>suporte para confirmar informações, mas sendo entendida como um fonte produzida na relação</p><p>entre entrevistador e entrevistado, a qual é passível de significações e ressignificações a partir</p><p>da preferência política, da classe social e do contexto político que o narrador está inserido.</p><p>O trabalho será estruturado em três capítulos. Primeiramente tratarei sobre a questão</p><p>agrária no Brasil nas décadas de 1950 e 1960, destacando rapidamente o papel de organizações</p><p>26 POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.</p><p>39</p><p>como a União do Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) e as Ligas Camponesas, além</p><p>do debate sobre a terra no Congresso Nacional. Em seguida farei um breve histórico do papel</p><p>da Southern Brazil Lumber and Colonization Company em Canoinhas/SC e seu impacto no</p><p>Planalto Norte Contestado, como a eclosão da Guerra do Contestado (1912-1916). Também</p><p>vou discorrer sobre o processo de estatização da Lumber e sua passagem para o Ministério da</p><p>Guerra, para então chegarmos ao processo de desapropriação das terras para a instalação do</p><p>CIMH, demonstrando os interesses privados que permearam a negociação. Por fim, farei uma</p><p>breve análise do Decreto Lei nº 40.570, de 18 de dezembro de 1956 e do Decreto-Lei nº 3.365</p><p>de 21 de junho de 1941. O primeiro refere-se às terras a serem desapropriadas e suas respectivas</p><p>indenizações e o segundo é a lei básica para desapropriação. Nesse subtítulo também será</p><p>debatida a questão das indenizações. Portanto, no primeiro capítulo, buscarei dar uma noção</p><p>geral sobre a questão agrária no Brasil nas décadas de 1950 e 1960 e historicizar a instalação</p><p>do Campo de Instrução Marechal Hermes (CIMH).</p><p>Na segunda parte, dividida em dois capítulos, tratarei especificamente das memórias de</p><p>Ebrahim Gonçalves de Oliveira, passando pelo seu cotidiano antes da desapropriação, as</p><p>lembranças da expulsão e os desdobramentos da mesma, como a busca por uma solução na</p><p>segunda metade da década de 1970 e 1980.</p><p>FONTES DOCUMENTAIS:</p><p>Autorização inspetor de quarteirão. Arquivo pessoal de Ebrahim Gonçalves de Oliveira.</p><p>BRASIL. Constituição Federal de 1946. Disponível em:</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm. Acesso em:</p><p>15/05/2018.</p><p>BRASIL. Declara de utilidade pública e autoriza a desapropriação de imóvel, necessário ao</p><p>serviço do Exército Nacional. DECRETO nº 40.570, de 18 de dezembro de 1956. Disponível</p><p>em: https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-40570-18-dezembro-</p><p>1956-330304-norma-pe.html: Acesso em 15/05/2018.</p><p>BRASIL. Dispõe sobre desapropriações por utilidade pública. Decreto-lei nº 3.365, de 21 de</p><p>junho de 1941. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm.</p><p>Acesso em 15/05/2018.</p><p>Contrato de arrendamento. Acervo particular de Ebrahim Gonçalves de Oliveira.</p><p>Documento de Registro da Sociedade Núcleo Rural Papuã. Arquivo particular de Ebrahim</p><p>Gonçalves de Oliveira.</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao46.htm</p><p>https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-40570-18-dezembro-1956-330304-norma-pe.html</p><p>https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1950-1959/decreto-40570-18-dezembro-1956-330304-norma-pe.html</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3365.htm</p><p>40</p><p>Jornal O Barriga Verde, 26/09/1952.</p><p>Jornal O Barriga Verde, 08/11/1942.</p><p>Jornal O Barriga Verde, 1954.</p><p>Processo nº 1.771/71. Acervo particular de Ebrahim Gonçalves de Oliveira.</p><p>Relatório discriminativo das ocorrências com a desapropriação de imóveis para o Campo de</p><p>Instrução Marechal Hermes, localizado nos municípios de Três Barras e Papanduva, estado de</p><p>Santa Catarina. Acervo particular de Valmor Schiochet.</p><p>FONTES ORAIS:</p><p>OLIVEIRA, Ebrahim Gonçalves. Entrevista realizava em 16 de setembro de 2017. Duração:</p><p>23min. 08 seg. Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Curitiba/PR.</p><p>OLIVEIRA, Ebrahim Gonçalves. Entrevista realizava em 20 de janeiro de 2018. Duração: 3hs</p><p>44 seg. Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Curitiba/PR.</p><p>JUNGLES, Sezinando. Entrevista realizada em 16 de fevereiro de 2018. Duração: 58 min. 33</p><p>seg. Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Papanduva/SC.</p><p>JUNGLES, Sezinando. Entrevista realizada em 26 de julho de 2017. Duração: 31 min. 50 seg.</p><p>Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Papanduva/SC.</p><p>JUNGLES, Verônica Thiesen. Entrevista realizada em 16 de fevereiro de 2018. Duração: 58</p><p>min. 33 seg. Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Papanduva/SC.</p><p>WERKA, Helena. Entrevista realizada em 17 de fevereiro de 2018. Duração: 36 min. 49 seg.</p><p>Entrevistador: Matheus Giacomo de Luca. Papanduva/SC.</p><p>REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:</p><p>POLLAK, M. Memória, esquecimento, silêncio. Estudos Históricos, 1989v. 2, n. 3, p. 3-15.</p><p>PORTELLI, Alessandro. História oral: Uma relação dialógica. In: PORTELLI, Alessandro.</p><p>História oral como arte da escuta. São Paulo: Letra e Voz, 2016. Cap. 1, p. 9-25.</p><p>SCHIOCHET, Valmor. Esta terra é minha terra: Movimento dos desapropriados de</p><p>Papanduva. Blumenau: Editora da Furb, 1993.</p><p>41</p><p>DIGNIDADE MENSTRUAL NAS ESCOLAS DA REDE ESTADUAL CATARINENSE</p><p>– A EXPERIÊNCIA DO PROJETO SEGUE O FLUXO! ABSORVA ESSA IDEIA</p><p>Beatris Clair Andrade27</p><p>Cleusa Matiola Petrovcic28</p><p>Daniel Dall'Igna Ecker29</p><p>Débora Ruviaro30</p><p>Diogo Fiorello Foppa31</p><p>Fabíolla Carpes Krämer32</p><p>Fernanda Zimmermann Forster33</p><p>Flávia de Brito Souza34</p><p>Não falar sobre a menstruação já é um jeito de falar sobre ela.</p><p>(UNICEF; UNFPA, 2021, p.5)</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Em outubro de 2021, foi instituído o Programa de Proteção e Promoção da Saúde</p><p>Menstrual, por meio da Lei Federal nº 14.214, de 6 de outubro de 2021 (BRASIL, 2021). O</p><p>programa possui dois objetivos: combater a precariedade menstrual, identificada como a falta</p><p>de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários no período menstrual, ou a falta de</p><p>recursos que possibilitem a sua aquisição; e oferecer a garantia de cuidados básicos de saúde,</p><p>desenvolvendo meios para a inclusão das mulheres em ações e programas de proteção à saúde</p><p>menstrual. A referida lei inclui, ainda, o absorvente íntimo feminino como item essencial da</p><p>cesta básica.</p><p>27 Graduação em Ciências Biológicas. Esp. em Educação - Proeja, Mestrado em Educação. Secretaria de Estado</p><p>da Educação. Florianópolis SC. beatrisca@sed.sc.gov.br</p><p>28 Graduação em Pedagogia e em Ciências Biológicas. Esp. em Gestão Ambiental. Mestrado em Clima e Ambiente.</p><p>Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC. cleusamatiola@sed.sc.gov.br</p><p>29 Graduação em Psicologia. Mestrado e Doutorado em Psicologia Social e Institucional. Secretaria de Estado da</p><p>Educação. Florianópolis SC. danielecker@sed.sc.gov.br</p><p>30 Graduação e Mestrado em Serviço Social. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>deborarvro@gmail.com</p><p>31 Graduação em Psicologia. Esp. em Psicologia na Saúde. Mestrado em Saúde Mental. Secretaria de Estado da</p><p>Educação. Florianópolis SC. diogofoppa@gmail.com</p><p>32 Graduação em Pedagogia. Esp. em Psicopedagogia. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>fabiollaccarpes@sed.sc.gov.br</p><p>33 Graduação e Mestrado em História. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>fernandaforster@sed.sc.gov.br</p><p>34 Graduação em Serviço Social. Mestrado em Estudos Africanos. CRESS/SC. flaviabritosouza@gmail.com</p><p>42</p><p>Em março de 2022, o Governo Federal regulamentou a referida Lei por meio do Decreto</p><p>nº 10.989/2022 (BRASIL,</p><p>2022). No que tange à política da educação, o Decreto prevê em seu</p><p>Art. 6º que:</p><p>(...) o Ministério da Educação promoverá, em regime de colaboração com os entes</p><p>federativos, campanha informativa nas escolas da rede pública de ensino sobre a</p><p>saúde menstrual e as suas consequências para a saúde da mulher, observadas as</p><p>diretrizes definidas pelo Ministério da Saúde.</p><p>No âmbito estadual catarinense, em dezembro de 2021, foi promulgada a Lei nº</p><p>18.308/2021, que “institui o programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos para</p><p>as estudantes de baixa renda em ciclo menstrual matriculadas na rede pública estadual de</p><p>ensino” (SANTA CATARINA, 2021), e regulamentada pelo Decreto nº 1.851, em 06 de abril</p><p>de 2022 (SANTA CATARINA, 2022).</p><p>Além de promover a saúde e o bem-estar das estudantes, a Lei nº 18.308/2021 objetiva</p><p>diminuir a infrequência escolar relacionada ao ciclo menstrual, principalmente com relação à</p><p>falta de absorventes higiênicos. No Art. 5º, prevê que “a unidade escolar promoverá palestras</p><p>e ações de orientação e conscientização das estudantes sobre a menstruação como processo</p><p>natural do corpo feminino” (SANTA CATARINA, 2021). É dentro desse escopo que o presente</p><p>trabalho está inserido.</p><p>Trabalhar a temática da menstruação no âmbito da educação diz respeito a contribuir</p><p>para a promoção da saúde e dos direitos sexuais e reprodutivos, da equidade de gênero e da</p><p>autonomia corporal. A partir do avanço do debate político em torno do assunto, já é possível</p><p>afirmar que a ‘menstruação’ é assunto da sociedade como um todo e não somente das pessoas</p><p>que menstruam. O ciclo menstrual é um fenômeno fisiológico, recorrente e deve ser encarado</p><p>como tal. Não falar sobre, ou adotar posturas que endossam mitos e tabus, significa tornar</p><p>invisível um processo biológico natural, além de contribuir para atitudes que acabam sendo</p><p>danosas para toda sociedade, em especial para quem menstrua.</p><p>Nos últimos anos o tema da pobreza menstrual tem ganhado maior relevância nos</p><p>debates sociais, culminando com a promulgação das Leis federal e estadual citadas. Ainda mais</p><p>do que a própria temática da menstruação a discussão sobre pobreza menstrual sempre ficou</p><p>em segundo plano. Em um país como o Brasil, marcado por inúmeras mazelas sociais, tais</p><p>como fome e insegurança alimentar, desemprego e violências de toda ordem, tal problemática</p><p>nunca ganhou a devida importância nas políticas públicas e sociais.</p><p>43</p><p>Segundo a UNICEF e UNFPA (2021), a pobreza menstrual é um fenômeno</p><p>caracterizado, principalmente, pelos seguintes pilares: falta de acesso a produtos e insumos</p><p>adequados para o cuidado da higiene menstrual; questões estruturais como a ausência de</p><p>banheiros seguros e em bom estado de conservação; falta de acesso a serviços de saúde públicos</p><p>e gratuitos; insuficiência ou incorreção nas informações sobre a saúde menstrual; tabus e</p><p>preconceitos sobre a menstruação, dentre outros</p><p>Os recentes dados apresentados pelo relatório de uma das maiores pesquisas já realizada</p><p>no Brasil sobre o tema, intitulado “Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de</p><p>direitos”, organizada pela UNICEF e UNFPA (2021), demonstra que a pobreza menstrual causa</p><p>efeitos deletérios sobre a vida e o desenvolvimento pleno dos potenciais das pessoas que</p><p>menstruam. Quando não há acesso adequado aos produtos de higiene menstrual, é amplamente</p><p>reportado, por diversas pesquisas em várias regiões do mundo, que meninas e mulheres fazem</p><p>uso de soluções improvisadas para conter o sangramento menstrual. O referido relatório</p><p>sustenta, ainda, que quando os direitos à água, saneamento e higiene não são garantidos nos</p><p>espaços em que crianças e adolescentes que menstruam convivem e passam boa parte de suas</p><p>vidas como, por exemplo, as escolas, os seus direitos à escola de qualidade e saúde também</p><p>estão sendo violados, causando o que se convém chamar de violação da dignidade menstrual.</p><p>O olhar para a pobreza menstrual deve ser sob a perspectiva da garantia dos direitos, os</p><p>quais vêm sendo sistematicamente negados ou negligenciados a uma grande parcela da</p><p>população por décadas seguidas. Enquanto fenômeno multidimensional e transdisciplinar, a</p><p>pobreza menstrual exige estratégias de enfrentamento igualmente complexas e multissetoriais</p><p>(UNICEF; UNFPA, 2021), sendo a política de educação uma das responsáveis por realizar</p><p>ações, dar visibilidade e se debruçar de forma comprometida para esse tema.</p><p>O presente trabalho trata de um projeto desenvolvido na esfera da Coordenadoria de</p><p>Direitos Humanos e Diversidade (COED) que se encontra na Gerência de Modalidades e</p><p>Diversidades Curriculares (GEMDI) da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina.</p><p>O projeto teve como objetivo geral promover, com toda a comunidade escolar</p><p>catarinense da rede estadual de ensino, ações pedagógicas que tratam sobre os temas atinentes</p><p>ao ciclo menstrual, dignidade e pobreza menstrual, compreendendo a menstruação enquanto</p><p>processo humano natural. Específicamente promovendo a realização de ações educativas e</p><p>suscitando o diálogo sobre ciclo menstrual, dignidade e pobreza menstrual, buscando</p><p>desmistificar os tabus socialmente construídos em torno do tema; promovendo o debate sobre</p><p>a dignidade e pobreza menstrual junto aos/às profissionais da educação; operacionalizando a</p><p>44</p><p>distribuição dos absorventes higiênicos nas escolas da rede pública estadual de ensino,</p><p>observando a Lei nº 18.308/2021 e normativas correlatas; elaborando material orientativo</p><p>(Caderno Pedagógico) que apresenta textos base e propostas de ações pedagógicas a serem</p><p>implantadas nas Unidades Escolares sobre os temas relacionados ao assunto, assim como a</p><p>divulgação do material junto às escolas.</p><p>METODOLOGIA</p><p>O projeto “SEGUE O FLUXO! Absorva essa ideia” buscou alcançar todas as Unidades</p><p>Escolares estaduais catarinenses, bem como os/as profissionais da educação que atuam no</p><p>Órgão Central e nas Coordenadorias Regionais de Educação de Santa Catarina.</p><p>O projeto serviu de complemento a política de distribuição de absorventes higiênicos</p><p>realizado no âmbito da Secretaria do Estado da Educação, para um trabalho integrado e</p><p>articulado em toda rede estadual de ensino. A proposta foi instrumentalizar o debate e a</p><p>implantação de ações educativas junto às Unidades Escolares sobre a temática da menstruação</p><p>a partir de três eixos temáticos: 1) educação sobre o ciclo menstrual, 2) dignidade menstrual e</p><p>3) pobreza menstrual.</p><p>A estratégia traçada foi que o projeto atuasse em duas frentes: uma abordagem junto</p><p>aos/às profissionais da educação e outra abordagem distinta para tratar do tema com os/as</p><p>estudantes. Essa diferenciação se torna necessária, considerando a distinção de temas a serem</p><p>abordados em torno desses grupos.</p><p>Junto aos/às profissionais da educação visou promover um debate direcionado ao tema</p><p>da pobreza e dignidade menstrual, dando ênfase para o conjunto de questões que afetam o</p><p>âmbito escolar, dentre elas a infrequência durante o período menstrual. Já a abordagem junto</p><p>aos/às estudantes visa trabalhar a temática da menstruação e do ciclo menstrual a partir de uma</p><p>perspectiva que busca identificar o fenômeno como um processo biológico natural, que envolve</p><p>fatores psicológicos e sociais, os quais devem ser encarados e vivenciados com naturalidade,</p><p>desmistificando os mitos e tabus socialmente construídos em torno da menstruação.</p><p>O lançamento do Projeto “SEGUE O FLUXO! Absorva essa ideia” foi feito por meio</p><p>de uma live, com o objetivo de apresentar o projeto a toda a comunidade escolar catarinense.</p><p>A live ocorreu no mês de maio de 2022, com especialistas que falaram sobre o tema da</p><p>45</p><p>dignidade menstrual35.</p><p>O Caderno Pedagógico foi construído pela equipe da Coordenação de Educação em</p><p>Direitos Humanos e Diversidade (COED). O Caderno contém um rico material orientativo e</p><p>propostas de atividades sociopsicopedagógicas</p><p>a serem implementadas nas Unidades Escolares</p><p>sobre o tema da menstruação. Encontra-se disponível na íntegra na página da SED36.</p><p>RESULTADOS</p><p>O projeto encontra-se em permanente andamento em todo o território catarinense desde</p><p>o mês de maio de 2022. Em um contexto de estrutura institucional da SED distribuída pelo</p><p>estado de Santa Catarina, requer considerar um total de 1.054 Unidades Escolares e 210</p><p>Unidades Descentralizadas, que garantem a educação básica com suas especificidades</p><p>(educação de populações quilombolas, indígenas, educação do campo, educação especial e</p><p>educação de jovens e adultos) nos 295 municípios em SC, 528.704 estudantes matriculados em</p><p>2022, com 49.581 professoras e professores ativos; e o Instituto Estadual de Educação (IEE),</p><p>localizado na capital Florianópolis, responsável pelo total de 4.921 alunas e alunos</p><p>matriculados em 2022.</p><p>Nesse abrangente e complexo contexto, o Projeto Segue o Fluxo mostrou-se precursor</p><p>na discussão em nível estadual sobre o tema da dignidade menstrual, ação inédita na história</p><p>da educação catarinense. Todos os 295 municípios estão sendo afetados de alguma maneira por</p><p>pelo menos algum dos objetivos deste projeto.</p><p>Todas as crianças/adolescentes, com 10 anos de idade completos ou mais, matriculadas</p><p>em uma Unidade Educacional estadual, pertencente às família registrada no Cadastro Único</p><p>para Programas Sociais (CadÚnico), recebe mensalmente 2 pacotes de absorvente higiênicos</p><p>(contendo pelo menos 8 unidades em cada pacote). Além de outras ações de</p><p>distribuições/entregas em algumas ações e projetos locais, como a revitalização dos banheiros</p><p>com espaços com absorventes disponíveis para uso no cotidiano escolar. No último</p><p>levantamento do mês de outubro de 2022, o número de 59.412 estudantes foram beneficiadas</p><p>no mês, com um total de 223.360 pacotes de absorventes fornecidos.</p><p>35A mesma está disponível na plataforma YouTube para consulta:</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=3v78oOxL6vc.</p><p>36 Disponível em: https://www.sed.sc.gov.br/legislacoes-estadual-e-federal/politica-prevencao-as-violencias-na-</p><p>escola-335/segue o-fluxo/14447-caderno-pedago-gico-segue-o-fluxo/file.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=3v78oOxL6vc</p><p>https://www.sed.sc.gov.br/legislacoes-estadual-e-federal/politica-prevencao-as-violencias-na-escola-335/segue%20o-fluxo/14447-caderno-pedago-gico-segue-o-fluxo/file</p><p>https://www.sed.sc.gov.br/legislacoes-estadual-e-federal/politica-prevencao-as-violencias-na-escola-335/segue%20o-fluxo/14447-caderno-pedago-gico-segue-o-fluxo/file</p><p>46</p><p>O Caderno Pedagógico foi lançado em formato digital em um evento de formação das</p><p>Coordenadorias Regionais de Educação no mês de Junho de 2022 e está sendo impresso para</p><p>ser entregue em cada uma das mais de mil Unidades Escolares do estado.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>A educação menstrual deve ser entendida como parte da educação integral em</p><p>sexualidade, não apenas com o enfoque para prevenção à gravidez não intencional, mas sim</p><p>contemplando aspectos sociais, psicológicos e educacionais, em um modelo</p><p>sociopsicopedagógico da educação, para compreensão do próprio corpo nos processos de</p><p>aprendizagem. Além disso, como uma ferramenta para que as pessoas que menstruam</p><p>conheçam seus próprios corpos, bem como seu ciclo menstrual e haja promoção de bem-estar.</p><p>Esse conhecimento deve levar a superar mitos de inferioridade feminina que apontam a</p><p>menstruação como algo sujo e indigno. É fundamental, também, que tenhamos educação</p><p>menstrual apropriada para cada idade.</p><p>O desconhecimento sobre o cuidado da saúde menstrual pode afetar mesmo as pessoas</p><p>que não estão em situação de pobreza. Crianças e adolescentes podem enfrentar a falta de</p><p>produtos para a adequada higiene menstrual por estarem inseridas em contextos em que se</p><p>considera o absorvente como um produto supérfluo. Em geral, pessoas nessa faixa etária de</p><p>escolarização não decidem sobre a alocação do orçamento da família, eventualmente, sobrando</p><p>pouca ou nenhuma renda para ser utilizada para esse fim.</p><p>Reiteramos que é importante incorporar, além do processo educativo, todas as soluções</p><p>disponíveis para o cuidado menstrual adequado no próprio ambiente escolar, entendendo que</p><p>necessidades e contextos diversos exigem manejos com abordagens diferentes, assim como</p><p>materiais e insumos específicos. Condições materiais são necessárias para o manejo saudável</p><p>da menstruação: ter acesso rápido a banheiros adequados para trocar o produto menstrual</p><p>utilizado para absorção do fluxo; local para descarte dos produtos menstruais usados; sabão e</p><p>água para higiene das mãos e corpo.</p><p>São muitas as implicações culturais a partir do momento que uma pessoa menstrua pela</p><p>primeira vez. A negligência de necessidades menstruais resulta em problemas que poderiam</p><p>ser evitados, já que a ausência de boas condições para o cuidado da saúde menstrual pode causar</p><p>desconforto, insegurança, estresse físico e emocional, assim como contribuir para aumentar a</p><p>discriminação e estigmatização da população que menstrua.</p><p>47</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRASIL. Lei nº 14.214 de 06 de outubro de 2021. Institui o Programa de Proteção e</p><p>Promoção da Saúde Menstrual; e altera a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006, para</p><p>determinar que as cestas básicas entregues no âmbito do Sistema Nacional de Segurança</p><p>Alimentar e Nutricional (Sisan) deverão conter como item essencial o absorvente</p><p>higiênico feminino. Brasília: DF, 2021. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2021/Lei/L14214.htm> Acesso em:</p><p>25 out. 2022.</p><p>BRASIL. Decreto 10.989 de 08 de março de 2022. Regulamenta a Lei nº 14.214, de 6</p><p>de outubro de 2021, que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde</p><p>Menstrual. Disponível em:</p><p><https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.989-de-8-de-marco-de-2022-</p><p>384521183> Acesso em: 25 out. 2022.</p><p>FUNDO DAS NAÇÕES UNIDAS PARAA INFÂNCIA - UNICEF; FUNDO DE</p><p>POPULAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS - UNFPA. Pobreza Menstrual no</p><p>Brasil: desigualdades e violações de direito. 2021. Disponível em:</p><p><https://www.unicef.org/brazil/media/14456/file/dignidade-menstrual_relatorio-unicef-</p><p>unfpa_ maio2021.pdf> Acesso em: 25 out. 2022.</p><p>SANTA CATARINA. Lei nº 18.308 de 27 de dezembro de 2021. Institui o programa de</p><p>distribuição gratuita de absorventes higiênicos para as estudantes de baixa renda em ciclo</p><p>menstrual matriculadas na rede pública estadual de ensino. Santa Catarina: SC, 2021.</p><p>Disponível em: <http://leis.alesc.sc.gov.br/html/2021/18308_2021_lei.html> Acesso em:</p><p>25 out. 2022.</p><p>SANTA CATARINA. Decreto nº 1.851, de 6 de abril de 2022. Regulamenta a Lei nº</p><p>18.308, de 2021, que institui o programa de distribuição gratuita de absorventes higiênicos</p><p>para as estudantes de baixa renda em ciclo menstrual matriculadas na rede pública estadual</p><p>de ensino. Santa Catarina: SC, 2022. Disponível em:</p><p><https://legislacao.sef.sc.gov.br/indices/decretos/indice_decretos.htm> Acesso em: 25 out.</p><p>2022.</p><p>48</p><p>DIREITO A COMUNICAÇÃO E EMPODERAMENTO DE JOVENS NO MORRO</p><p>DO MOCOTÓ - EXPERIÊNCIAS DA DISCIPLINA JORNALISMO COMUNITÁRIO</p><p>DO JORUFSC EM MEIO À PANDEMIA DE COVID-19</p><p>Melina de la Barrera Ayres37</p><p>O Morro do Mocotó é uma das 17 comunidades do Maciço do Morro da Cruz,</p><p>localizado no centro de Florianópolis (SC). Além de ser um dos bolsões de pobreza e</p><p>vulnerabilidade, esta é uma das regiões mais violentas da cidade. Ali as pessoas vivem</p><p>expostas a uma série de violações de direitos, desde os mais visíveis como a violência policial,</p><p>até a dificuldade de acesso ao lazer, passando por falta saneamento básico, saúde etc.</p><p>Neste contexto a Associação de Amigos da Criança e do Adolescente (ACAM) atende</p><p>a comunidade, oferecendo atividades educativas e socioassistenciais no contraturno escolar a</p><p>crianças e adolescentes de 6 a 17 anos. Em março de 2020 a instituição se viu obrigada a</p><p>suspender as atividades presenciais devido a pandemia de COVID 19 e, em busca de manter o</p><p>diálogo com a comunidade, firmou uma parceria com a disciplina Jornalismo Comunitário, do</p><p>Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O trabalho remoto</p><p>junto à disciplina se iniciou em agosto de 2020 e se estendeu pelos semestres 2020.1, 2020.2,</p><p>2021.1 e 2021.2. Os primeiros dois semestres se voltaram para o assessoramento dos/as</p><p>educadores/as, que desejavam criar canais de comunicação e produzir materiais</p><p>educomunicativos voltados para os/as educandos/as que estavam em suas casas. Nos dois</p><p>últimos, os/as educandos/as voltaram a realizar atividades presenciais na instituição, e o</p><p>trabalho da disciplina se voltou para eles/elas, no intuito de estimulá-los/as a protagonizar suas</p><p>produções midiáticas.</p><p>Assim, o objetivo desta comunicação é partilhar a experiência de ensino-aprendizagem</p><p>remoto entre graduandos/as de Jornalismo da UFSC e educandos/as da ACAM, em busca de</p><p>aplicar a comunicação como uma ferramenta emancipatória. Por esta razão o relato se centrará</p><p>nas atividades desenvolvidas nos três últimos semestres e tomará como base os documentos</p><p>elaborados na disciplina (plano de ensino, registros na plataforma Moodle, relatórios dos/as</p><p>graduandos/as) e a vivência docente.</p><p>37</p><p>Professora efetiva do Departamento de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Catarina. Pós-Doutora em</p><p>Jornalismo (UFSC, 2017), Doutora Interdisciplinar em Ciências Humanas (UFSC, 2015), Mestra em Jornalismo</p><p>(UFSC, 2009), Bacharel em Comunicação Social – Jornalismo (Univesidad Católica del Uruguay, 2006).</p><p>Coordenadora do Projeto de Extensão Jornalismo e Ação Comunitária (JAC) do Departamento de Jornalismo da</p><p>UFSC. E-mail: melina.ayers@gmail.com</p><p>49</p><p>A Comunicação como Direito</p><p>A comunicação é uma das principais características humanas, entretanto, quando</p><p>se pensa em Direitos Humanos em escacas oportunidades ela é citada. O mais comum é falar</p><p>sobre o Direito a informação, associando-o à liberdade de pensamento ou ao acesso a</p><p>informações. O Direito a Comunicação abrange o Direito a informação, mas não se limita a ele.</p><p>O Direto a Comunicação se enquadra na quarta geração de direitos38, originada a partir da</p><p>globalização e ligada a noção de pluralidade, implicando não só o direito a ter acesso às</p><p>informações e a compartilhar opiniões, mas ao “direito ao acesso de poder de comunicar através</p><p>da mídia” (PERUZZO, 2007, p.10).</p><p>A comunicação é entendida, portanto, como “[...] um bem especial, ela</p><p>implica dimensões sociais, valorativas, simbólicas. É um campo de crenças e valores. É através</p><p>dessas crenças e valores que se pode manipular e dominar as pessoas” (GUARESCHI, 2013,</p><p>p.52). Assim, “o direito à comunicação constitui um prolongamento lógico do progresso</p><p>constante em direção à liberdade e à democracia” (UNESCO, 1983, p. 287).</p><p>A partir deste entendimento, o processo de comunicação midiática implica colocar</p><p>os meios da comunicação à serviço dos interesses populares, e compreender que ela é mais que</p><p>os meios e as mensagens, ela faz parte do processo de transformação social, de construção de</p><p>uma sociedade mais junta. O Direito a Comunicação se materializa com a participação do</p><p>cidadão nos processos comunicativos, não somente sendo receptor do conteúdo, mas produtor</p><p>do mesmo, podendo fazer parte de uma ou várias etapas. Neste contexto, a</p><p>comunicação comunitária ganha destaque, pois carregando consigo as lutas em prol da</p><p>dignidade humana.</p><p>Jornalismo Comunitário no Morro do Mocotó</p><p>A disciplina Jornalismo Comunitário integra a grade curricular obrigatória do Curso</p><p>de Jornalismo da UFSC, sua proposta pedagógica parte do entendimento de que a</p><p>38 Parte-se do entendimento de que a noção de Direitos Humanos se transforma ao longo do tempo, sendo</p><p>possível reconhecer “gerações de diretos”, sendo que uma não supera a outra, mas traz novos elementos e</p><p>complementa as anteriores (GUARESCHI, 2013). A primeira geração refere-se aos “Direitos Civis”, ligados as</p><p>lutas sociais dos séculos XVII, XVIII. A segunda geração está ligada a formação do estado, são “Direitos</p><p>coletivos” e “políticos”, avançando na igualdade política e social, marcos das lutas do século XIX. A terceira</p><p>geração se refere às garantias das aos cidadãos pelo estado, são os “Direitos Sociais”, que marcam as sociedades</p><p>ocidentais a partir do final da Segunda Guerra mundial.</p><p>50</p><p>comunicação comunitária ganha pertinência social quando está inserida na realidade popular e</p><p>que ela “[...] tem o potencial de contribuir para a ampliação da cidadania não só pelos conteúdos</p><p>crítico denunciativo-reivindicatórios e anunciativos de uma nova sociedade, mas pelo processo</p><p>de fazer comunicação” (PERUZZO, 2007, p. 21). Por esta razão a cada semestre cria e</p><p>executa junto aos/as estudantes, projetos de comunicação com comunidades e/ou grupos sociais</p><p>vulneráveis.</p><p>A metodologia da práxis dialógica freiriana ancora todo o trabalho desenvolvido</p><p>na disciplina. Paulo Freire ([1997], 2004) defende que, no processo de troca entre</p><p>saberes populares, técnicos e científicos, a reflexão sobre a própria prática precisa ser constante</p><p>e realizada de forma dialógica para que todos/as os/as participantes, por meio dos diversos</p><p>pontos de vista, avancem na superação do saber ingênuo para um saber crítico, impulsionador</p><p>da ação consciente sobre o mundo (FREIRE [1997], 2004). Manter esta proposta metodológica</p><p>foi um dos tantos desafios no ensino remoto, visto que já não era possível estar fisicamente</p><p>junto à comunidade para desenvolver o trabalho. Entretanto, permaneceu a intenção</p><p>realizar conjuntamente todo o processo de produção dos materiais.</p><p>Após trabalhar ao longo de dois semestres junto aos/aseducadores/as da ACAM,</p><p>no final do semestre 2020.2, com o retorno dos/as educando/as ao convívio presencial</p><p>na instituição, abriu-se a oportunidade de dedicar o trabalho à eles/elas. Como pontapé inicial,</p><p>e ainda no intuito de teste, pois não se sabia como seria a receptividade dos educandos/as</p><p>em relação à proposta de atividades remotas junto à estudantes de Jornalismo, foram</p><p>oferecidas duas oficinas através da plataforma Zoom. Nos encontros foram partilhados</p><p>conhecimentos sobre Youtube e TikTok, desmistificando a compreensão de que estas</p><p>plataformas são utilizadas somente para o entretenimento. A proposta foi ensinar a produzir</p><p>conteúdo jornalístico.</p><p>Nestes primeiros encontros realizados no final do semestre de 2020.2, participaram</p><p>em média 12 educandos/as. Na oficina de TikTok, por exemplo, ficou evidente que</p><p>os/as adolescentes queriam mostrar as músicas e danças que registravam no aplicativo. Assim,</p><p>a conversa começou com uma negociação: acordou-se que primeiro discutiríamos a respeito</p><p>das diversas possibilidades que a ferramenta permite e, logo, eles/elas nos mostrariam as</p><p>músicas e as coreografias e todos/as dançaríamos. Abrir essa possibilidade de troca, mesmo à</p><p>distância, aprofundou os laços entre os/as participantes e cativou a atenção dos/as jovens. Ficou</p><p>clara a importância de criar espaços de troca, onde não só os oficineiros/as partilhassem</p><p>seus conhecimentos, mas houvesse momentos para que os/as educandos/as também trouxessem</p><p>51</p><p>seus saberes e experiências. No encontro seguinte, fomos surpreendidos/as com uma série de</p><p>vídeos nos quais os/as educandos/as apresentavam lugares importantes dentro da</p><p>comunidade, enquanto dançavam suas músicas prediletas. Essas oficinas foram o disparador</p><p>para que ajustássemos o projeto pensando em oficinas de Mídia e Educação, voltadas para</p><p>educandos/as de entre 11 e 17 anos, no semestre seguinte.</p><p>No início de 2021.1 em uma conversa de diagnóstico, os/as educadores/as relataram</p><p>a dificuldade que os/as jovens da comunidade têm com a escrita. No grupo há, por exemplo,</p><p>um menino de 12 anos que ainda não domina a ferramenta. Além disso, comentaram que</p><p>naquele momento estavam trabalhando sobre o conhecimento do território. Nossa proposta,</p><p>então, foi trabalhar com fotografia e legendagem. Iniciar pelas imagens e introduzir a escrita</p><p>através de legendas compostas por frases curtas com informações adicionais aos registros.</p><p>Os/as graduandos/as ensinaram a fotografar via Zoom. As atividades práticas foram realizadas</p><p>com o apoio dos/as educadores/as e a edição dos materiais foi efetuada online de forma</p><p>coletiva. Quando iniciamos o semestre, conquistar os/as adolescentes para desenvolver a</p><p>escrita não foi fácil, contudo, o modo como os/as estudantes de Jornalismo levaram adiante as</p><p>atividades, engajou os/as adolescentes e gerou um momento rico em trocas e aprendizados,</p><p>permeados por risadas e apoio coletivo.</p><p>Ao final do semestre nos comprometemos a imprimir o material e levá-lo até a</p><p>comunidade para que fosse realizada uma exposição. Como naquela na época as aulas da UFSC</p><p>estavam suspensas, visando manter o distanciamento social e preservar a saúde de todos/as,</p><p>os estudantes não podiam ir até a comunidade, de modo que as docentes da disciplina</p><p>naquele semestre, se comprometeram a levar o material. Na semana em que a visita estava</p><p>agendada foi necessário cancelá-la. Na manhã de 27 de setembro de 2021 foi realizada uma</p><p>operação policial na comunidade, algumas pessoas ficaram feridas e uma foi morta. Policiais</p><p>ingressaram, inclusive, no espaço da ACAM enquanto as atividades se desenvolviam como de</p><p>costume, com todas as crianças e adolescentes nas salas. O medo se instaurou. A comunidade</p><p>começou a se mobilizar. Não havia ambiente para visitas, nem para pensar em uma amostra</p><p>fotográfica. Foi preciso adiar o encontro. Mais de um mês depois, com a vida sendo retomada</p><p>no Mocotó, as docentes levaram o material até a instituição. Os/as educandos/as às receberam</p><p>quase incrédulos pois, infelizmente, estão habituados a que algumas promessas não se</p><p>cumprem. Nossa presença física no espaço fortaleceu ainda mais o laço criado ao longo do</p><p>semestre. A experiência teve um impacto positivo na vivência dos/as educandos/as, que</p><p>passaram a se enxergar como protagonistas na produção de conteúdos.</p><p>52</p><p>Partindo deste entendimento, em 2021.2, e partir da demanda dos/as educadores/as,</p><p>nos propusemos metas mais ambiciosas: incorporar novos adolescentes ao grupo e produzir o</p><p>livro Sonhos da comunidade. Os desejos do Morro do Mocotó. Os/as graduandas ensinaram</p><p>aos adolescentes os preceitos básicos da entrevista e eles/elas conversaram com pessoas</p><p>da instituição e da comunidade com o objetivo de relatar seus sonhos em pequenos textos. Todo</p><p>o processo foi conduzido online. A escolha do título foi um momento importante de</p><p>aprendizado,</p><p>tanto para os/as adolescentes como para os/as graduandos/as. Cada educando/as</p><p>manifestava sua sugestão de título, que era registradas em um documento que estava sendo</p><p>compartilhado em tela. Feita a lista, iniciou-se a votação. Nesse momento apresentou-se o</p><p>impasse, não queriam decidir, ao que a educadora afirmou: “gente, temos que escolher e a</p><p>escolha precisa representar a todos”, o que oportunizou a discussão sobre o processo</p><p>democrático e a importância de pensar sobre as escolhas. A atividade fortaleceu a concepção</p><p>de que crianças e adolescentes são sujeitos de direito, que podem participar, se articular e</p><p>defender posições em assuntos que lhes dizem respeito.</p><p>O livro foi editado em conjunto. A escrita dos textos, elaborados a partir das</p><p>entrevistas, permitiu treinar o uso desta ferramenta tão importante. Acompanhando o texto de</p><p>cada sonho, foi selecionada uma fotografia do sonhador, escolhida por ele/ela mesmo/a o que,</p><p>igualmente, evidencia o domínio da linguagem da imagem e outras formas de expressão. Deste</p><p>processo chamou a atenção como os/as educandos/as, além se sentirem ouvidos quanto aos seus</p><p>desejos e anseios, reconheceram sua importância e mais, aproveitaram essa oportunidade para</p><p>falar outras experiências. Entre as histórias dos sonhos, os textos citam pessoas próximas,</p><p>lugares conhecidos e desconhecidos, rotinas, etc. Uma vez diagramado por uma das estudantes</p><p>de Jornalismo, que consultou ao coletivo sobre todas as escolhas do layout, o material</p><p>foi disponibilizado em formato de livreto impresso, exposto impresso nas paredes da instituição</p><p>e em formato digital para ser compartilhado com a comunidade.</p><p>Conclusão</p><p>O trabalho desenvolvido pela disciplina, realizado no formato remoto ao longo</p><p>dos quatro semestres, permitiu evidenciar o quanto a comunicação comunitária pode</p><p>ser transformadora. Como bem argumenta Gonsalez, a comunicação comunitária “[...] torna-</p><p>se uma ferramenta educativa e democrática na produção de comunicação ao melhorar as</p><p>53</p><p>condições de vida de grupos e comunidades” (2022, p. 34). A comunicação comunitária está</p><p>no cerne do entendimento da Comunicação enquanto um Direito Humano, ampliando o</p><p>exercício de direitos e deveres, fortalecendo a cidadania, estimulando o debate público, dando</p><p>visibilidade e representatividade, abrindo as portas para outros direitos.</p><p>Ao protagonizar suas produções, os/as adolescentes do Morro do Mocotó,</p><p>reconheceram a importância de apropriar-se das ferramentas comunicativas, tornando-se porta-</p><p>vozes da comunidade, sua cultura e riquezas, e possíveis promotores de mudança na imagem</p><p>que a mídia cria sobre ela. Este movimento que hoje é inicial, poderá ser o articulador, o</p><p>propulsor de futuras lutas. Como destaca a educadora da ACAM, Amanda Koschnik na</p><p>introdução do livro Sonhos da Comunidade, “a luta coletiva tem ‘dessas’ coisas; ver o nome</p><p>destes jovens em um livro sobre sonhos é sabotar o sistema”.</p><p>Referências</p><p>FREIRE, P. ((1997], 2004). Pedagogia da Autonomia: saberes necessários à</p><p>prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2004.</p><p>GONSALEZ, Alexandra. Jornalismo Comunitário. São Paulo: Contexto, 2022.</p><p>GUARESCHI, Pedrinho. O direito humano à comunicação: pela democratização da</p><p>mídia. Petrópolis: Vozes, 2013.</p><p>GUARESCHI, Pedrinho. O direito humano à comunicação: pela democratização da</p><p>mídia. Petrópolis: Vozes, 2013.</p><p>PERUZZO, Cicilia. Direito à comunicação comunitária, participação popular e cidadania.</p><p>In: Lumina, 2007, v.1, n1, p-1-18.</p><p>UNESCO. Um mundo e muitas vozes: Comunicação e informação na nossa época. Rio</p><p>de Janeiro: FGV, 1983.</p><p>54</p><p>DO PRESENCIAL AO VIRTUAL: DESAFIOS DE UMA EXPOSIÇÃO DURANTE</p><p>UMA PANDEMIA</p><p>Nicolas Fernandes Gonsalves39</p><p>O presente trabalho tem como proposta apresentar um relato de experiência sobre o</p><p>projeto realizado durante o segundo semestre de 2019 e o primeiro de 2020, nos estágios</p><p>curriculares supervisionados do curso de bacharelado em História da Universidade do Estado</p><p>de Santa Catarina (UDESC), por mim e dois colegas da disciplina: Emmanuel Fernandez da</p><p>Silva e Maria Eduarda Delgado40. Nesta disciplina da graduação, elaboramos um projeto para</p><p>ser posto em prática no semestre seguinte, no estágio II do curso, sob orientação de nossa</p><p>professora, a Dra. Silvia Maria Fávero Arend.</p><p>A proposta era realizar uma exposição itinerante pelas bibliotecas da UDESC sobre a</p><p>ditadura militar no estado (1964 - 1985), utilizando o Acervo Ditadura em Santa Catarina, do</p><p>Instituto de Documentação e Investigação em Ciências Humanas (IDCH). Porém, com a</p><p>chegada da pandemia de COVID-19 e a paralisação geral causada por isto, tivemos que nos</p><p>adaptar, já que não seria possível realizar uma exposição presencialmente, e então decidimos</p><p>fazê-la de forma virtual. Considerando isto, o que se busca aqui é olhar com atenção para esta</p><p>experiência para compreender melhor como esta pandemia afetou os historiadores e</p><p>trabalhadores das ciências humanas, refletindo sobre as dificuldades vividas e as formas de</p><p>superá-las. Como afirmou José Contreras Domingo, um relato de experiência é uma maneira</p><p>de dar forma ao vivido através da narração, dando, assim, atenção às questões apresentadas que</p><p>requerem desenvolvimento, exploração e investigação. (DOMINGO, 2016, p.</p><p>16).</p><p>A opção de chamar esta ditadura de militar tem base teórica no que é dito pelo</p><p>historiador Carlos Fico, que este regime foi</p><p>“[...] inteiramente controlado por militares, de modo que adjetivá-lo em ressalva (‘foi</p><p>militar, mas também civil’ ou empresarial ou o que seja) é supérfluo e impreciso -</p><p>além de ter, como tudo mais em História do Tempo Presente, imediata implicação</p><p>política: nesse caso, justamente por causa dessa adversatividade, a conotação é de</p><p>redução da responsabilidade dos militares.” (FICO, 2017, p. 53).</p><p>39 Mestrando em História no Programa de Pós-Graduação em História (PPGH) da Universidade do Estado de Santa</p><p>Catarina (UDESC), em Florianópolis (SC). Bolsista financiado pela CAPES. E-mail:</p><p>nicolasfernandesg2020@gmail.com.</p><p>40</p><p>Ambos autorizaram a escrita e apresentação deste trabalho e não tiveram interesse em realizá-lo conjuntamente.</p><p>mailto:nicolasfernandesg2020@gmail.com</p><p>55</p><p>A escolha de trabalhar com este tema foi por ter sido um processo marcante e traumático</p><p>para uma parcela da sociedade brasileira. No estado de Santa Catarina, a repressão também</p><p>estava presente, tendo ocorrido diversas violações de direitos humanos, como prisões ilegais de</p><p>cidadãos por questões políticas, torturas, assassinatos, desaparecimentos forçados, queima de</p><p>livros em praça pública e perseguição a trabalhadores, como consta no relatório final da</p><p>Comissão Estadual da Verdade Paulo Stuart Wright (SANTA CATARINA, 2014, p. 9 – 10).</p><p>Em relação à exposição, a nossa maior dificuldade foi em relação ao acervo do qual</p><p>faríamos uso, pois sua parte digital, disponível online no portal do IDCH, era consideravelmente</p><p>reduzida em relação a sua parte física, a qual estávamos planejando utilizar anteriormente.</p><p>Também não havia a possibilidade de termos acesso ao acervo físico, já que a instituição se</p><p>encontrava fechada devido a pandemia.</p><p>Para o desenvolvimento do trabalho, nos reunimos com frequência - através de</p><p>chamadas de vídeo - para tomar todas as decisões em grupo, sobre os temas que seriam</p><p>abordados, a identidade visual, a organização do perfil e tudo o que envolveu o</p><p>desenvolvimento do trabalho. Estudamos os documentos presentes no acervo, com uma</p><p>sistematização deles, pensando em quais temas poderíamos abordar a partir deles e quais</p><p>publicações poderíamos fazer. Em seguida realizamos estudos e debates sobre a plataforma</p><p>escolhida, o Instagram, para compreender como fazer postagens atrativas e atingir o maior</p><p>número de pessoas possível. A partir disso, decidimos pelo nome “Memórias Veladas” e</p><p>pensamos em uma organização para nosso perfil e fizemos uma divisão de tarefas.</p><p>Nossa primeira postagem foi no dia 31 de agosto de 2020, na qual falamos sobre quem</p><p>somos e sobre a ideia do projeto. Mantivemos uma periodicidade de três postagens por semana.</p><p>No início da exposição, pela falta de experiência com a plataforma, ocorreram problemas com</p><p>o seu sistema, que bloqueou nosso perfil durante 24 horas, devido a grande quantidade de perfis</p><p>que seguimos em um curto período. Mas isto foi resolvido rapidamente e voltamos a conseguir</p><p>mexer na exposição. Mesmo com as dificuldades encontradas, conseguimos realizar nossa</p><p>exposição e alcançar uma quantidade relevante de pessoas.</p><p>56</p><p>Imagem 1 - Primeira publicação do perfil Memórias Veladas</p><p>Fonte: elaborada pelos criadores da página - Nicolas Fernandes Gonsalves, Maria Eduarda Delgado e</p><p>Emmanuel Fernandez da Silva (2020).</p><p>Imagem 2 - Feed41 do perfil Memórias Veladas42</p><p>41 O feed do Instagram reúne todas as publicações de um perfil.</p><p>42 Link para acessar o perfil: https://www.instagram.com/memoriasveladas/. Acesso em: 28/10/2022.</p><p>https://www.instagram.com/memoriasveladas/</p><p>57</p><p>Fonte: elaborada pelos criadores da página - Nicolas Fernandes Gonsalves, Maria Eduarda Delgado e Emmanuel</p><p>Fernandez da Silva (2020).</p><p>A identidade visual foi pensada para uma discussão e ressignificação da estética e</p><p>memória acerca da ditadura, nacionalismo e militares de uma forma mais ampla, apropriando</p><p>as cores nacionais e o padrão camuflado das fardas para constituir integralmente o fundo e o</p><p>diálogo com as imagens e fontes apresentadas. Nos pareceu interessante essa linguagem visual</p><p>e essa possibilidade estética justamente por não se encaixar apenas enquanto ilustração, mas</p><p>parte da discussão teórica envolvida, além de construir um painel visualmente unificado,</p><p>agradável de olhar, e dialogar com os presentes embates acerca da memória da ditadura, nesse</p><p>sentido, realiza também um papel provocador ao apropriar as cores nacionais para desconstruir</p><p>uma memória positiva a respeito da ditadura.</p><p>Para a execução da exposição foi fundamental que o grupo realizasse leituras sobre</p><p>imprensa e utilização de fontes jornalísticas no campo da História, já que nossas fontes são</p><p>todas deste caráter. O historiador Rodrigo Santos de Oliveira (2011), afirma que para trabalhar</p><p>com fontes jornalísticas o(a) historiador(a) deve ter em mente que elas não trazem “todas as</p><p>verdades”, mas sim, representações dos eventos sobre os quais elas falam. Sendo assim, é</p><p>importante dialogar com textos teóricos e, talvez, com outras fontes. (OLIVEIRA, 2011, p.</p><p>126). Desta forma fizemos em nosso trabalho para analisar os documentos utilizados.</p><p>Caminhamos pela História do Tempo Presente para realizar nossas publicações. De</p><p>acordo com as historiadoras Luciana Rossato e Maria Teresa Santos Cunha (2017), a História</p><p>do Tempo Presente possibilita construções interpretativas de processos e eventos recentes,</p><p>como da segunda metade do século XX e século XXI, que se mantém vivos na atualidade.</p><p>Também possibilita uma interlocução entre a História e outros áreas de conhecimento.</p><p>(ROSSATO; CUNHA, 2017, p. 164). Como a ditadura militar reverbera em nosso tempo</p><p>presente, como mencionamos anteriormente, consideramos ideal utilizar a História do Tempo</p><p>Presente para realizar este trabalho.</p><p>Em nossas publicações abordamos diversos assuntos relacionados com a ditadura</p><p>militar, como o movimento estudantil e as pessoas desaparecidas, sempre relacionando com a</p><p>história local de Santa Catarina e trazendo uma contextualização em nível nacional. Além disso,</p><p>trouxemos debates teóricos, como uma apresentação sobre as diversas concepções existentes</p><p>sobre o termo ditadura. Em todas as postagens buscamos trazer uma linguagem simples e</p><p>acessível, com o objetivo de conseguir atingir diversos públicos.</p><p>58</p><p>A importância acadêmica e profissional deste trabalho foi compreender como as</p><p>tecnologias atuais, como os acervos digitalizados, a internet e as redes sociais, nos permitiram</p><p>encontrar uma solução para os problemas que a pandemia de COVID-19 impôs ao nosso</p><p>trabalho. Claro que isto foi feito dentro dos limites possíveis, pois continuamos sendo afetados</p><p>negativamente de diversas formas, para além deste trabalho, até mesmo com a própria</p><p>preocupação em ser contaminados com o vírus, o que certamente nos afetou psicologicamente.</p><p>Mas dentro das possibilidades que tínhamos, estas tecnologias nos permitiram trabalhar e</p><p>realizar esta exposição.</p><p>De igual maneira, percebemos que com o uso de mídias digitais populares, expandindo</p><p>o espaço da academia e dialogando com pessoas fora dela, conseguimos realizar uma</p><p>divulgação de conhecimentos científicos de forma mais ampla e acessível. Isto também nos</p><p>permitiu um maior diálogo com as pessoas que visualizaram a exposição, já que o Instagram</p><p>permite que os donos do perfil interajam com seus seguidores e vice-versa. Sendo assim,</p><p>tivemos retorno de algumas pessoas sobre o que elas estavam achando do projeto, o que foi</p><p>bastante enriquecedor. Considerando que esta ferramenta está cada vez mais presente na</p><p>sociedade, se tornando, inclusive, um campo de trabalho, é importante que saibamos utilizá-las.</p><p>Acreditamos que este é um meio de tornar os conhecimentos acadêmicos e científicos</p><p>mais acessíveis,</p><p>não apenas sobre a ditadura militar e não apenas na área da história, mas em</p><p>qualquer área de estudos. Além disso, este é um possível campo de trabalho para os</p><p>historiadores, o qual está em constante crescimento.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>DOMINGO, José Contreras. Relatos de experiencia, en busca de un saber pedagógico.</p><p>Revista Brasileira de Pesquisa (Auto) Biográfica, Salvador, v. 01, n. 01, p. 14 - 30, jan./abr.</p><p>2016. Disponível em: https://www.revistas.uneb.br/index.php/rbpab/article/view/2518/1703.</p><p>Acesso em: 27/10/2022.</p><p>FICO, Carlos. Ditadura militar brasileira: aproximações teóricas e historiográficas. Tempo e</p><p>Argumento, Florianópolis, v. 9, n. 20, p. 05 ‐ 74. jan./abr. 2017. Disponível em:</p><p>https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180309202017005. Acesso em:</p><p>28/10/2022.</p><p>OLIVEIRA, Rodrigo Santos de. A relação entre a história e a imprensa, breve história da</p><p>imprensa e as origens da imprensa no Brasil (1808 – 1830). Historiae, Rio Grande, v. 2, n. 3,</p><p>p. 125 – 142, 2011. Disponível em: https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2614. Acesso</p><p>em: 28/10/2022.</p><p>https://www.revistas.uneb.br/index.php/rbpab/article/view/2518/1703</p><p>https://revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180309202017005</p><p>https://periodicos.furg.br/hist/article/view/2614</p><p>59</p><p>ROSSATO, Luciana; CUNHA, Maria Teresa Santos. Vetores para uma escolha: História do</p><p>Tempo Presente e as pesquisas discentes no PPGH/UDESC. Revista Tempo e Argumento,</p><p>Florianópolis, v. 9, n. 20, p. 162 – 185. Jan./abr. 2017. Disponível em:</p><p>https://www.revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180309202017162/6756.</p><p>Acesso em: 28/10/2022.</p><p>SANTA CATARINA. Comissão estadual da verdade Paulo Stuart Wright Santa</p><p>Catarina – Brasil. Relatório final. Florianópolis: Comissão estadual da verdade Paulo Stuart</p><p>Wright, 2014. Disponível em:</p><p>https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/files/original/389fa27327d13645e1c7627cdf1</p><p>c232a.pdf. Acesso em: 28/10/2022.</p><p>https://www.revistas.udesc.br/index.php/tempo/article/view/2175180309202017162/6756</p><p>https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/files/original/389fa27327d13645e1c7627cdf1c232a.pdf</p><p>https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/files/original/389fa27327d13645e1c7627cdf1c232a.pdf</p><p>60</p><p>EDUCAÇÃO DAS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E EM DIREITOS HUMANOS:</p><p>UMA ANÁLISE DO CURRÍCULO BASE DA EDUCAÇÃO JOSEFENSE</p><p>Giselle Corrêa Costa43</p><p>Ademir Valdir dos Santos44</p><p>Introdução</p><p>O município de São José apresenta um documento curricular de referência para a sua</p><p>rede de ensino, que se buscou consolidar ao longo do ano de 2019, como ferramenta para “[...]</p><p>reger o processo pedagógico das unidades educativas do nosso município” (SÃO JOSÉ, 2019,</p><p>p.5). Tal processo iniciou em 2018, reunindo os profissionais vinculados à Secretaria Municipal</p><p>de Educação para conhecer a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e tendo também por</p><p>base sua participação no seminário de elaboração do Currículo do Território Catarinense, nesse</p><p>caso em colaboração entre o Estado de Santa Catarina, os Municípios e entidades parceiras.</p><p>Então, o documento gerado seria pautado por perspectiva de respeito à história educacional e</p><p>cultural local, assim como traria a marca da pluralidade e democracia.</p><p>Após essa trajetória, a Secretaria Municipal de Educação, ouvindo o coletivo de</p><p>atores que participam da rede, deliberou a necessidade de elaboração do documento</p><p>curricular próprio, em consonância com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC)</p><p>e com o Currículo do Território Catarinense. (SÃO JOSÉ, 2019, p.5).</p><p>Ainda segundo defende o texto, o Currículo Base da Educação Josefense é resultado de</p><p>trabalho participativo e colaborativo, que agregou os profissionais da rede, colaboradores</p><p>parceiros e os milhares de servidores da educação municipal, destinado a atingir</p><p>aproximadamente 22 000 estudantes e em alinhamento com as exigências para a vida cidadão</p><p>neste século.</p><p>Dadas essas premissas, este trabalho objetiva analisar a abordagem da Educação das</p><p>Relações Étnico-Raciais e em Direitos Humanos no Currículo Base da Educação Josefense,</p><p>documento de referência para os processos educativo-pedagógicos de escolas do município</p><p>de São José.</p><p>43 Mestranda do PPGE/UFSC, Florianópolis, SC. E-mail: giedespecial@gmail.com</p><p>44 Doutor em Educação, pesquisador do PPGE/UFSC, Florianópolis, SC. E-mail: ademir.santos@ufsc.br</p><p>61</p><p>Material e métodos</p><p>A metodologia está embasada em pesquisa bibliográfica, utilizando o Currículo Base</p><p>da Educação Josefense, cujo teor é analisado mediante referenciais sobre os direitos humanos</p><p>e as relações étnico-raciais na educação básica.</p><p>Resultados e discussão</p><p>Destarte, dentre seus vários aspectos constituintes, o que nos interessa no Currículo</p><p>Base da Educação Josefense é a sua orientação para uma construção curricular que faz</p><p>referência à diversidade: “Nosso pensamento-ação pedagógico delineado no currículo proposto</p><p>abarca a cidade, a diversidade, a tecnologia, a sensibilidade, a emoção, ou seja, traz um olhar</p><p>curricular para potencializar a vida” (SÃO JOSÉ, 2019, p.5). E sendo assim, dedicamo-nos ao</p><p>escrutínio da seção do Currículo Base da Educação Josefense denominada Diversidades,</p><p>constituída por quatro subitens, a saber, “Educação Básica e Diversidades”, “As Diversidades</p><p>e suas Concretas Manifestações”, “Educação de Jovens e Adultos” e “Educação Ambiental”.</p><p>A subseção Educação Básica e Diversidades principia falando de termos ingressado em</p><p>uma era democrática. E indicando uma análise histórica do período pós-1988 – quer dizer sob</p><p>a inspiração da nova Constituição “cidadã”-, sublinha que ao currículo da educação josefense</p><p>interessa “o reconhecimento das diversidades”. De fato, existe uma base constitucional que</p><p>alude a questões como o “pluralismo de ideias” e a “gestão democrática do ensino”, assim</p><p>como estabelece os fundamentos para a BNCC, o que evidencia que a nossa Lei Maior se refere</p><p>ao respeito, à proteção e à promoção da diversidade.</p><p>[...] destacando o “respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”</p><p>(art. 210), assegura “a valorização e a difusão das manifestações culturais” (art. 215),</p><p>obriga o Estado a proteger “as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-</p><p>brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional”, e</p><p>fixa como princípio do Plano Nacional de Cultura “a valorização da diversidade</p><p>étnica e regional” (art. 215, § 3º, V). (SÃO JOSÉ, 2019, p.38).</p><p>Interessa ainda sublinhar que, segundo o documento exarado pela Secretaria Municipal</p><p>de Educação de São José, o reconhecimento e a proteção às diversidades que estão no texto</p><p>constitucional e foram incorporados estabelecem conexão com outros dispositivos legais</p><p>referentes ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. E no texto de cada um desses</p><p>documentos encontramos alusão a princípios como a igualdade, a liberdade, à dignidade, a não</p><p>62</p><p>distinção de qualquer espécie – raça, cor, sexo, religião, opinião política, origem nacional ou</p><p>social, riqueza ou outras.</p><p>Voltando ao campo educacional e à sua lei maior, a Lei de Diretrizes e Bases da</p><p>Educação Nacional (LDBEN), o texto reitera que os elementos anteriormente citados estão</p><p>presentes e amalgamados a quatro princípios educacionais regentes da educação básica:</p><p>“‘igualdade de condições para o acesso e permanência na escola’, ‘“pluralismo de ideias e de</p><p>concepções pedagógicas’, ‘respeito à liberdade e apreço à tolerância’ e ‘gestão democrática do</p><p>ensino público’” (SÃO JOSÉ, 2019, p.42). Portanto, atenta-se para o respeito e a perspectiva</p><p>de inclusão do outro que é “diferente”, mediante ações que intentem criar e manter um ambiente</p><p>democrático, plural e de tolerância, matizando com esses aspectos essenciais o cotidiano</p><p>escolar.</p><p>Adentra-se então ao título “Educação em direitos humanos”, que parte de duas</p><p>perguntas fulcrais: “É possível afirmar que existe</p><p>uma relação indissociável entre direitos</p><p>humanos e educação? Seria possível pensar um processo educacional que não esteja centrado</p><p>na formação para e na cultura dos direitos humanos?” (SÃO JOSÉ, 2019, p.50).</p><p>Problematizamos as respostas trazidas, que, em suma, ponderam que quanto ao primeiro</p><p>questionamento, a resposta é “claramente positiva”, enquanto que para a segunda interrogação</p><p>ela seria “evidentemente negativa”, uma vez que “[...] a partir do reconhecimento do próprio</p><p>direito à educação como direito fundamental (humano), seria no mínimo curioso que o</p><p>próprio processo educacional pudesse se desenvolver em um marco não compatível com</p><p>a ideia de direitos humanos” (SÃO JOSÉ, 2019, p. 50, grifos nossos).</p><p>No cenário nacional é mencionado ainda o Plano Nacional de Educação em Direitos</p><p>Humanos (PNEDH), documento oriundo da ação do Comitê Nacional de Educação em Direitos</p><p>Humanos que foi constituída em 2003 e que traz concepções, princípios, objetivos, diretrizes e</p><p>linhas de ação para a Educação Básica, propondo diretrizes normativas para a educação em</p><p>direitos humanos (SÃO JOSÉ, 2019, p.52).</p><p>Cabe destacar, portanto, que o Currículo Base da Educação Josefense busca reunir</p><p>suficiente fundamentação jurídica relativa à Educação em Direitos Humanos. Tal ênfase está</p><p>no título “As Diretrizes Nacionais para a Educação em Direitos Humanos”, em que o</p><p>documento menciona a concepção emanada do Instituto Interamericano de Derechos</p><p>Humanos, traduzida no seguinte objetivo:</p><p>a educação em direitos humanos tem por objetivo que toda pessoa,</p><p>independentemente de quem seja, receba uma educação que lhe permita</p><p>“compreender seus direitos humanos e suas respectivas responsabilidades; respeitar</p><p>63</p><p>e proteger os direitos humanos de outras pessoas; entender a inter-relação entre</p><p>direitos humanos, Estado de direito e governo democrático, e exercitar, em sua</p><p>interação diária de valores, atitudes e condutas conseqüentes com os direitos humanos</p><p>e os princípios democráticos. (SÃO JOSÉ, 2019, p.53, grifo no original).</p><p>O documento orienta a curricularização no município de São José exara quanto às</p><p>diversidades na educação escolar, de onde analisamos o teor relativo à Educação das Relações</p><p>Étnico-Raciais. A discussão é introduzida abordando, com base em recentes dados científicos,</p><p>duas das presenças humanas fundantes da população nacional em sua profunda diversidade:</p><p>primeiramente, a presença dos indígenas no território que hoje temos como Brasil que remonta</p><p>a, pelo menos, oito mil anos atrás; depois, a ancestralidade humana que teve lugar no continente</p><p>africano, onde floresceram grandes sociedades</p><p>Quanto a essa visão que edifica uma crítica ao colonialismo e pós-colonialismo, está</p><p>inicialmente articulada com o conceito de “colonialidade do poder”. E vinculada a tais</p><p>concepções, dialogamos com um aspecto de emergência da colonialidade na América do Sul</p><p>em geral que, também conforme indica Quijano e outros autores referenciados, está relacionada</p><p>a uma “classificação social” embasada na “ideia de raça”, consorciada com as questões de</p><p>gênero e de posição no mundo do trabalho, que mediante a forma que o capitalismo mundial</p><p>vem assumindo desde há séculos constitui a tríade de colonialidade do poder, do saber e do ser,</p><p>apresentando como forma de organização da realidade:</p><p>A construção da diferença, da superioridade e da pureza de sangue da raça branca é</p><p>um feito inédito [...] A identificação dos povos de acordo com suas faltas ou excessos</p><p>e uma marca fundamental da diferença colonial, produzida e reproduzida pela</p><p>colonialidade do poder – em particular, o poder colonial (Mignolo, 2003, p. 39) –, do</p><p>saber e do ser (Maldonado-Torres, 2008, p. 147). O que o conceito de colonialidade</p><p>do poder traz de novo e a leitura da raca e do racismo como “o principio organizador</p><p>que estrutura todas as múltiplas hierarquias do sistema-mundo”. (BALLESTRIN,</p><p>2013, p.101).</p><p>Desse modo, constatamos que o Currículo Base da Educação Josefense está pautado</p><p>por uma perspectiva decolonial, inclusive denominando, criticamente, a subseção que trata de</p><p>colonialismo e colonialidade como “A Reinvenção do Mundo”, o que vai servir de substrato</p><p>para o tratamento da questão étnico-racial.</p><p>E vamos localizar um aprofundamento dessa perspectiva na seção “Herança Colonial e</p><p>(Ausência de) Políticas Raciais no Brasil”, em que se consolidam os referenciais teórico-</p><p>metodológicos de sustentação curricular e das práticas na educação escolar em todos os níveis,</p><p>buscando subsidiar a desconstrução e o combate a narrativas sobre uma existência</p><p>“eurocentrada”, já que temos “[...] um país marcadamente africanizado” e que não se trata de</p><p>64</p><p>negar acriticamente o conhecimento elaborado pelo viés europeu, [...] mas de recuperar os</p><p>conhecimentos que foram marginalizados, silenciados e invisibilizados por uma narrativa</p><p>eurocêntrica excludente que se tornou hegemônica (SÃO JOSÉ, 2019, p.65).</p><p>Por fim, adentramos na seção que enfrenta de modo decolonial a proposição curricular</p><p>em São José, denominada “Descolonização Curricular e a Rede Municipal de Ensino de São</p><p>José”. E ao citar elementos da proposta curricular de Santa Catarina, pondera que cabe aos</p><p>educadores um compromisso de pensar uma educação em que a diversidade tenha lugar,</p><p>rompendo com silenciamentos dos currículos e buscando atividades que lancem luzes sobre o</p><p>debate das relações raciais, reafirmando a pluralidade étnica.</p><p>Localizamos aí algumas sugestões: incluir história e cultura africana e afro-brasileira</p><p>nos currículos; dar espaço para as afroperspectivas e as epistemologias africanas; adotar a</p><p>“pretagogia”, entendida como metodologia de combate ao racismo no cotidiano escolar e</p><p>associada a valores da cosmovisão africana tais como a ancestralidade, a tradição oral, o corpo</p><p>enquanto fonte espiritual e produtor de saberes, a valorização da natureza, a religiosidade, a</p><p>noção de território e o princípio da circularidade; combater folclorismos ou guetizações,</p><p>cuidando para não reduzir a prática pedagógica à valorização de costumes, festas e aspectos</p><p>folclóricos ou comemorações de dias (Dia do Índio, Dia da Consciência Negra); evitar construir</p><p>propostas curriculares exclusivas para determinados grupos (SÃO JOSÉ, 2019, p.72). O</p><p>documento ressalta que apesar da indicação de que a temática deva ser tratada no âmbito das</p><p>artes, da literatura e da história no que se refere ao ensino de História e Cultura Afro-Brasileira</p><p>e Africana, eles devem ser tratados em todo o currículo escolar, sendo a ERER “[...] dever de</p><p>toda a escola, de todas as professoras e professores” (SÃO JOSÉ, 2019, p.74-5).</p><p>Outro aspecto trazido é a perspectiva política de associação entre diversos atores para</p><p>a realização da ERER. O documento conclama ao protagonismo: convoca a Secretaria de</p><p>Educação, as escolas e os docentes para irem ao encontro do movimento negro josefense, da</p><p>Grande Florianópolis, catarinense e brasileiro, conectando o ensino com a promoção da</p><p>igualdade racial; no meio discente, incentiva as ações educativo-formativas para a correção de</p><p>posturas, atitudes e palavras desrespeitosas e discriminatórias. Nos termos do documento:</p><p>Cabe, ademais, à Secretaria de Educação, às Escolas e às Professoras e aos</p><p>Professores, procurarem o movimento negro josefense, da Grande Florianópolis,</p><p>catarinense e brasileiro, no sentido de conectar o que se ensina com aqueles que,</p><p>vítima de um processo histórico de violência, pensam as soluções com vistas à</p><p>igualdade racial. (SÃO JOSÉ, 2019, p.75).</p><p>65</p><p>Destarte, o Currículo Base da Educação Josefense ressalta que o atendimento escolar</p><p>no contexto da educação das relações étnico-raciais é um direito dos alunos negros, vinculado</p><p>à correção de posturas, atitudes e palavras que impliquem desrespeito e discriminação. E fala</p><p>também da necessidade de instalações e equipamentos para as práticas, que sejam usados por</p><p>professores</p><p>que tenham domínio sólido dos conteúdos relativos à História e cultura Africana e</p><p>Afro-Brasileira, demonstrando compromisso com a formação de negros e de não negros.</p><p>Conclusão</p><p>O Currículo Base da Educação Josefense apresenta um pertinente tratamento das</p><p>questões associadas à Educação das Relações Étnico-Raciais. Ou seja, enquanto prescrição há</p><p>um documento bem elaborado. Porém, há que, continuamente, questionar se as políticas</p><p>desenhadas estão sendo implementadas, conjugando os esforços da gestão para que as unidades</p><p>escolares de São José sejam efetivamente atingidas mediante o envolvimento dos docentes e</p><p>outros membros das equipes de gestão e pedagógicas na construção, revisão e avaliação de</p><p>práticas educativas antirracistas em sala de aula, que possam contribuir na formação crítica de</p><p>crianças e jovens. Por isso, cabe um olhar atento e constante para que a propalada política</p><p>curricular, cuja base jurídica é conhecida e que tem por base que “[...] educar no contexto das</p><p>relações étnico-raciais é tomar uma postura firme diante de nossa histórica e arraigada</p><p>desigualdade étnico-racial” (SÃO JOSE, 2019, p.76), seja de fato um caminho para que</p><p>educadoras e educadores enfrentem as desigualdades estruturais ainda presentes no meio</p><p>social.</p><p>Referências</p><p>BALLESTRIN, L. América Latina e o giro decolonial. Revista Brasileira de Ciência</p><p>Política, n.11. Brasília, maio – ago. 2013, pp. 89-117.</p><p>SÃO JOSÉ. Currículo Base da Educação Josefense. Prefeitura Municipal de São José,</p><p>Secretaria Municipal de Educação – São José: Secretaria Municipal de Educação, 2019.</p><p>66</p><p>EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS E FORMAÇÃO DE PROFESSORES: UMA</p><p>REVISÃO DA LITERATURA A PARTIR DO PORTAL DE PERIÓDICOS DA</p><p>CAPES</p><p>Anderson Henrique Kautzmann45</p><p>Filipe dos Santos46</p><p>Letícia Gomes Zeferino47</p><p>Ocilene Nascimento de Oliveira48</p><p>Quélita de Borba Muller49</p><p>Sabrina Rosa Paz50</p><p>Talyta Vicente Nazario51</p><p>Vandamaris Angela Scopel52</p><p>Victor Augusto Bianchetti Rodrigues53</p><p>Introdução</p><p>Este trabalho é parte de uma pesquisa desenvolvida por servidores e estudantes que</p><p>compõem a Comissão para a Diversidade Social e Direitos Humanos (CDSDH) do Câmpus</p><p>Criciúma do Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC). O grupo desenvolve suas atividades</p><p>desde o ano de 2016 e defende que a educação é um direito que deve preparar o(a)s estudantes</p><p>não apenas para o exercício profissional, mas também para uma formação crítica e sintonizada</p><p>com a luta por justiça social.</p><p>Diante desse entendimento, para além dos objetivos de pesquisa, desenvolvemos este</p><p>trabalho visando contribuir para a formação integral do(a)s estudantes envolvidos,</p><p>oportunizando a produção de conhecimento, e retirando “o(a) estudante da posição de mero</p><p>receptor(a) de informação, conduzindo-o(a) à emancipação” (DEMO, 2006). Para o</p><p>45 Licenciando em Química e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. Bolsista voluntário IFSC. E-mail:</p><p>anderson.h10@aluno.ifsc.edu.br</p><p>46 Licenciando em Química e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. Bolsista IFSC. E-mail:</p><p>filipe.s05@aluno.ifsc.edu.br</p><p>47 Licencianda em Química e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. Bolsista voluntária IFSC. E-mail:</p><p>leticia.g25@aluno.ifsc.edu.br</p><p>48 Estudante do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio e membro da CDSDH do IFSC - câmpus</p><p>Criciúma. Bolsista IFSC. E-mail: ocilene.n@aluno.ifsc.edu.br</p><p>49 Licencianda em Química e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. Bolsista IFSC. E-mail:</p><p>quelita1999muller@gmail.com</p><p>50 Graduada em Direito (UCPel) e Ciências Sociais (UFPel). Mestre em Ciências Sociais (UFPel). Professora de</p><p>Sociologia e coordenadora da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. E-mail: sabrina.paz@ifsc.edu.br</p><p>51 Estudante do Curso Técnico em Edificações Integrado ao Ensino Médio e membro CDSDH do IFSC - câmpus</p><p>Criciúma. Bolsista IFSC. E-mail: talyta.vn@aluno.ifsc.edu.br</p><p>52 Assistente Social do IFSC e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. E-mail:</p><p>vandamaris.angela@ifsc.edu.br</p><p>53 Licenciado em Química (UFMG). Mestre em Educação (UFMG). Doutor em Educação Científica e Tecnológica</p><p>(UFSC). Professor de Química e membro da CDSDH do IFSC - câmpus Criciúma. E-mail:</p><p>victor.bianchetti@ifsc.edu.br</p><p>67</p><p>desenvolvimento deste trabalho, partimos das noções de Educação em Direitos Humanos</p><p>(EDH) e Formação de Professores (FP) de Candau e Sacavino (2013). Para as autoras, a EDH</p><p>é um processo sistemático orientado à formação de sujeitos de direitos e à promoção de uma</p><p>cidadania ativa e participativa, com a articulação de diferentes atividades que desenvolvam</p><p>conhecimentos, atitudes, sentimentos e práticas sociais. Referente à FP, as autoras (ibidem)</p><p>destacam a importância de formar docentes que busquem a transformação social por meio do</p><p>resgate histórico da luta dos Direitos Humanos (DH).</p><p>Em face desses aspectos sobre a EDH e a FP e considerando a atuação do nosso coletivo</p><p>em uma instituição de ensino, neste trabalho, voltamos o nosso olhar para o que tem sido</p><p>produzido e publicado sobre essa temática. Nesse sentido, temos como objetivo propor</p><p>respostas para a seguinte questão de pesquisa: quais as contribuições dos artigos hospedados</p><p>no Portal de Periódicos da Capes para o campo da EDH no contexto da FP?</p><p>A pesquisa no Portal de Periódicos da Capes (PPC) de artigos sobre EDH e FP se justifica pela</p><p>identificação da falta de trabalhos de revisão da literatura sobre a EDH e FP, bem como pela</p><p>importância do mapeamento dos artigos publicados no PPC para subsidiar as ações da CDSDH</p><p>no âmbito da formação dos professores.</p><p>Material e métodos</p><p>Esta pesquisa foi desenvolvida em perspectiva qualitativa e teve como metodologia uma</p><p>revisão bibliográfica sobre a EDH, com foco na FP. Para isso, foram selecionados artigos a</p><p>partir de uma busca realizada no PPC. Nessa busca, foram utilizadas as palavras-chave</p><p>“Educação em Direitos Humanos” e "Formação de Professores” de maneira conjugada. Em</p><p>seguida, foi aplicado o filtro para selecionar apenas os artigos revisados por pares. A análise</p><p>dos artigos se deu de maneira coletiva, a partir da leitura e discussão de cada um dos textos</p><p>selecionados. Para essa análise, foram levados em conta os seguintes tópicos das pesquisas</p><p>relatadas nos artigos encontrados: os objetos de pesquisa; a metodologia e os instrumentos de</p><p>produção e análise dos dados; e os principais resultados. Na seção seguinte, são apresentados</p><p>os principais resultados obtidos a partir da revisão de literatura realizada.</p><p>Resultados e Discussão</p><p>Diante da busca por artigos sobre EDH e FP realizada no PPC, foram encontrados oito</p><p>artigos sob os quais foram realizadas as análises. Ainda que não tenha sido aplicado nenhum</p><p>filtro temporal para selecionar os artigos, foi possível identificar que a maioria deles são</p><p>68</p><p>recentes, o que pode indicar que o campo de pesquisa em EDH e FP ainda está se consolidando</p><p>e, portanto, demanda esforços para a produção de mais pesquisas na área.</p><p>A análise das palavras-chave dos artigos contribuiu para a percepção de alguns pontos</p><p>em comum, sobretudo no que diz respeito ao tema do trabalho. A nuvem de palavras, presente</p><p>na Figura 1, explicita as semelhanças e as singularidades de cada trabalho. As palavras-chave</p><p>que apareceram em mais de um trabalho aparecem em destaque com maior tamanho e as</p><p>palavras chave com ocorrência singular são apresentadas em tamanho pequeno.</p><p>Figura 1 - Nuvem de palavras criadas a partir das palavras-chave dos artigos analisados</p><p>Fonte: Elaborado pelo(a)s autore(a)s (2022).</p><p>Visando ampliar o entendimento sobre as especificidades de cada trabalho analisado,</p><p>são apresentadas a seguir as análises feitas pelo grupo de pesquisadores envolvidos na revisão</p><p>bibliográfica.</p><p>A pesquisa de Cristaldo (2015) teve como objetivo realizar uma discussão sobre a FP</p><p>para a EDH sob a ótica da organização do trabalho didático, partindo da</p><p>DIREITO À CIDADE DOS MARGINALIZADOS .......... 162</p><p>A REINVENÇÃO DA SUBJETIVIDADE NO GRUPO DE APOIO ÀS MULHERES</p><p>VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ADINKRAS- FORQUILHINHA/SC .................................... 169</p><p>A REVITIMIZAÇÃO COMO PRINCÍPIO NO SISTEMA DE JUSTIÇA CRIMINAL</p><p>CATARINENSE: UMA ANÁLISE À LUZ DO CASO MARI FERRER ........................... 174</p><p>ALIANÇA NEOLIBERAL-NEOCONSERVADORA CONTRA OS DIREITOS DAS</p><p>MULHERES ...................................................................................................................... 178</p><p>CLUBES NEGROS EM SANTA CATARINA: NEGLIGÊNCIAS EM TORNO DA</p><p>PRESERVAÇÃO DOS PATRIMÔNIOS NEGROS? ......................................................... 184</p><p>DIREITOS HUMANOS, ENSINO DE HISTÓRIA E A METODOLOGIA WORLD CAFÉ −</p><p>UM ESTUDO DE CASO ................................................................................................... 189</p><p>DITADURA EM CURITIBA: MEMÓRIAS (E ESQUECIMENTOS) DA DITADURA NA</p><p>CAPITAL PARANAENSE ................................................................................................ 193</p><p>GÊNERO, DIREITOS HUMANOS E VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL: ANÁLISE</p><p>NARRATIVA DAS RESOLUÇÕES QUE ESTABELECEM O USO DO NOME SOCIAL</p><p>POR PESSOAS TRANS EM SANTA CATARINA........................................................... 198</p><p>HISTÓRIA E POLÍTICA: A (RE)CONSTRUÇÃO DO PASSADO .................................. 203</p><p>HISTÓRIAS EM MOVIMENTO: MEMÓRIAS DE HAITI EM FLORIANÓPOLIS ........ 208</p><p>10</p><p>IDENTIDADES DE GÊNERO E SEXUALIDADES NO SERVIÇO SOCIAL .................. 214</p><p>MEDIDAS DE PRESERVAÇÃO E DISPONIBILIZAÇÃO DA “COLEÇÃO COMITÊ</p><p>CATARINENSE PRÓ-MEMÓRIA DOS MORTOS E DESAPARECIDOS POLÍTICOS” DO</p><p>INSTITUTO MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS ........................................................ 222</p><p>MOVIMENTO MÃES DE MAIO, MEMÓRIAS E RESISTÊNCIAS ................................ 228</p><p>O CICLO DO ALIMENTO HUMANO: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA DE</p><p>EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS ....................................................................... 233</p><p>O PROTAGONISMO SOCIAL DO ACERVO MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS DO</p><p>INSTITUTO MEMÓRIA E DIREITOS HUMANOS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE</p><p>SANTA CATARINA ......................................................................................................... 239</p><p>O RIGOR PUNITIVISTA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SANTA</p><p>CATARINA NAS DECISÕES SOBRE (DES)CLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE TRÁFICO</p><p>DE DROGAS .................................................................................................................... 245</p><p>OS GRÊMIOS ESTUDANTIS DA REDE MUNICIPAL DE ENSINO DE</p><p>FLORIANÓPOLIS COMO POLÍTICA DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS ... 250</p><p>POR UMA DIVULGAÇÃO CIENTÍFICAANTIRRACISTA: A EXPERIÊNCIA DO IFPR</p><p>CAMPUS JAGUARIAÍVA COM O PROJETO APRENDIZES DE GRIÔ ........................ 256</p><p>11</p><p>“DIREITO DOS MANOS”: REFLEXÕES A PARTIR DE UMA SALA DE AULA</p><p>Gisleine Aver1</p><p>Introdução</p><p>Trabalhar o tema dos direitos humanos é um grande desafio no contexto brasileiro, em</p><p>especial na área de segurança pública, talvez maior quando se trata de sistema prisional e</p><p>socioeducativo.</p><p>Os servidores de ambos sistemas devem lidar com aqueles que a sociedade brasileira</p><p>em geral não quer ver, quer longe, atrás de muralhas, escondidos, de preferência mal tratados</p><p>ou até mesmo mortos.</p><p>Sendo uma sociedade cunhada na violência, recentemente saída da escravidão, muito</p><p>mais recentemente democratizada, carrega uma série de preconceitos e problemas relacionados</p><p>à compreensão do que é ser uma sociedade civil democrática de direito, e propaga discursos</p><p>contrários a seu próprio interesse.</p><p>Todos esses paradoxos aparecem nas aulas ministradas aos servidores dos sistemas</p><p>prisional e socioeducativo. Os alunos recorrem a discursos repletos de sensos comuns baseados</p><p>em premissas distorcidas, difíceis de desconstruir e que, no entanto, se contrapõem ao próprio</p><p>papel que esses servidores executam ou executarão, que vai muito além da simples manutenção</p><p>da ordem institucional e da manutenção da pena ou medida socioeducativa. Se visto a partir de</p><p>um espectro amplo, o papel fundamental desses servidores é o de garantidores de direitos das</p><p>populações privadas de liberdade, sejam adolescentes ou adultos.</p><p>Nessa apresentação tratarei inicialmente em como o discurso violento reflete uma</p><p>sociedade violenta, o nascimento do ‘anti-humanitarianismo’ no Brasil, e a propagação de</p><p>discursos de ódio e de anti-direitos humanos através da mídia. Em seguida veremos como o</p><p>tema dos DH deve ser norteado nos campos da justiça e segurança pública, em especial nos</p><p>sistemas prisional e socioeducativo. Por fim refletiremos sobre como o debate se manifesta nas</p><p>aulas de EDH, baseados na experiência da presente pesquisadora entre os anos de 2017 a 2020</p><p>enquanto docente da disciplina de Educação em Direitos Humanos (EDH) na Academia de</p><p>Administração Prisional e Socioeducativa (ACAPS) de Santa Catarina.</p><p>1 Mestre em educação. Academia de administração prisional e socioeducativa (ACAPS). Florianópolis, SC.</p><p>E-mail: gisaver@yahoo.com.br</p><p>12</p><p>A relevância do presente trabalho consiste no próprio tema da educação em direitos</p><p>humanos, pois se trata de ferramenta fundamental para a mudança de mentalidade, “pelo fato</p><p>de que a educação, como dispositivo de formação continuada, pode desenvolver no ser humano</p><p>condições de possibilidades para mudar o fazer e o pensar” (BRASIL, LOPES, MIRANDA,</p><p>2011, p. 114).</p><p>O objetivo geral é, portanto, refletir sobre os direitos humanos no âmbito da formação</p><p>de servidores dos sistemas prisional e socioeducativo brasileiro. E os objetivos específicos são:</p><p>discutir a percepção dos direitos humanos no Brasil, apresentar os documentos norteadores da</p><p>educação em direitos humanos para servidores da segurança pública e analisar o que se verifica</p><p>em sala de aula com servidores do sistema prisional e socioeducativo.</p><p>Resultados e Discussão:</p><p>1 Discurso violento e o anti-humanitarismo brasileiro</p><p>O histórico brasileiro é de uma cultura de violência, desde a colonização portuguesa,</p><p>onde havia o predomínio de uma ética corsária – aquela de saquear as riquezas com a finalidade</p><p>de levar para seu país de origem, contraposta ao que seria o objetivo de fundar uma nova nação,</p><p>passando pela experiência da escravidão, que perdurou por mais de três séculos, e foi a mais</p><p>tardia a ser erradicada (ROLIM, 2021), até mais recentemente a experiência da ditadura militar,</p><p>onde direitos foram suspensos e liberdades cerceadas.</p><p>Justamente no fim da ditadura militar, quando se começa a denunciar a violação de</p><p>direitos de presos políticos, aparece no Brasil o debate sobre os direitos humanos (ZAPATER</p><p>apud GRAGNANI, 2018). Em meio à transição para o regime democrático se discutiram as</p><p>limitações do uso da força policial, a proteção de direitos humanos de presos políticos, e a</p><p>incorporação desse debate à carta magna brasileira, a Constituição Federal de 1988, que</p><p>contemplou direitos fundamentais, como o direito à vida, às liberdades civis, à segurança, ao</p><p>devido processo legal, entre tantos outros dentro do viés humanitário.</p><p>Existem diferentes hipóteses que buscam explicar como a defesa de direitos humanos</p><p>se tornou, no Brasil, sinônimo de defesa de bandidos. Em entrevista concedida à BBC</p><p>(GRAGNANI, 2018) o sociólogo Sérgio Adorno e a professora doutora em direitos humanos</p><p>Maira Zapater explicam que isso se consolidou após o fim da ditadura militar. À época</p><p>houveram muitos conflitos, “[...] homicídios associados com quadrilhas que disputavam</p><p>territórios no controle do crime organizado onde habitam trabalhadores de baixa renda e a</p><p>13</p><p>polícia” (ADORNO apud GRAGNANI, 2018). Assim nasceu uma percepção de que, para</p><p>conter essa violência, a democracia não seria suficiente, e “com isso, aqueles que eram</p><p>herdeiros da ideia de que havia segurança na ditadura mobilizaram de maneira eficaz a ideia de</p><p>que direitos humanos era</p><p>análise do material</p><p>utilizado no curso de Capacitação para Educadores da Rede Básica em EDH. Os resultados da</p><p>69</p><p>pesquisa evidenciaram que há restrição do material didático analisado a módulos de textos</p><p>recortados e destituídos de significado histórico. Outro trabalho do tipo documental foi</p><p>realizado pelas pesquisadoras Silva, Caputo e Veras (2021), que analisaram os currículos dos</p><p>cursos de licenciatura mais bem avaliados ofertados por instituições federais de ensino superior,</p><p>com o intuito de identificar como a EDH está inserida nesses currículos. Com o trabalho</p><p>realizado, as autoras identificaram que as instituições não são omissas em relação à EDH,</p><p>considerando que 36 currículos abordam DH com conteúdos distribuídos em uma ou mais</p><p>disciplinas. Contudo, apenas 21% dos cursos ofertam componente curricular obrigatório</p><p>específico para o tema. Nesse sentido, as autoras concluem que é preciso ampliar a inserção da</p><p>EDH nas licenciaturas.</p><p>Já o artigo de Correia e Guimarães (2021), relata uma pesquisa de revisão bibliográfica,</p><p>abordando a formação continuada de professores(as) de Ciências Naturais, dos anos iniciais do</p><p>ensino fundamental. As autoras defendem a articulação da temática de DH no ensino de</p><p>Ciências Naturais nos anos iniciais do ensino fundamental, mencionando que essa articulação</p><p>torna-se possível através da formação continuada dos professores. O estudo apontou a</p><p>necessidade de pesquisas empíricas acerca da formação inicial de professores(as) dos anos</p><p>iniciais avaliando como tem contemplado em seus processos formativos a Educação em DH e</p><p>sua articulação ao ensino de Ciências Naturais.</p><p>O trabalho escrito por Cristaldo e colaboradores (2021) teve como objetivo analisar o</p><p>processo de implementação do Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos no Estado</p><p>do Mato Grosso do Sul. A partir dos instrumentos de entrevistas semi-estruturadas e</p><p>questionários, foram obtidos os seguintes resultados: as formações de educadores em DH não</p><p>se configuram como prioridade entre as políticas de FP, que acabam priorizando a formação</p><p>metodológica com viés utilitarista; poucos são os professores que afirmaram possuir formação</p><p>para promover a EDH quase uma década (na época da realização da pesquisa) depois do Plano</p><p>ser sancionado; a EDH tem passado longe da Proposta Pedagógica das escolas; as poucas</p><p>formações de EDH oferecidas para os professores se deram de forma resumida; os professores</p><p>(que passaram pela formação em EDH) não reconhecem a escola como lugar privilegiado para</p><p>a discussão dos DH.</p><p>Já o relato de experiência de Carvalho e colaboradores (2004) teve como objetivo</p><p>descrever a prática de um projeto de formação continuada em EDH para professores de escolas</p><p>públicas de São Paulo. A análise se deu desde a primeira formulação do projeto até a sua versão</p><p>mais avançada. A partir das reflexões sobre as diferentes versões do projeto de formação</p><p>70</p><p>continuada, os autores destacaram como resultados algumas recomendações para cursos de</p><p>formação continuada de professores/as em EDH, dentre os quais destacamos: a inserção de</p><p>atividades culturais para abordar temáticas vinculadas aos DH; a promoção de cursos com</p><p>inscrições em equipe para potencializar a realização de trabalhos em grupo; e a transformação</p><p>da prática de palestras isoladas em um Curso de Extensão Cultural.</p><p>Com o intuito de analisar a incorporação da EDH nos planos de estudos para a FP da</p><p>Universidade da Costa Rica, as pesquisadoras Washburn-Madrigal e Chaves-Salas (2022)</p><p>desenvolveram uma pesquisa a partir de uma abordagem qualitativa com a realização de grupos</p><p>focais. Os grupos focais tiveram como participantes os coordenadores e estudantes das</p><p>disciplinas de Educação. Como resultados, foram propostas cinco práticas educacionais para a</p><p>promoção da EDH na FP, listadas a seguir: (1) uso de metodologias que permitam</p><p>viver experiências em torno da democracia; (2) promoção da inclusão de passeios e práticas</p><p>profissionais na FP; (3) estabelecimento de uma relação professor-aluno na FP para a EDH; (4)</p><p>sensibilização de professores e alunos sobre a relevância da EDH; e (5) revisão contínua dos</p><p>currículos de FP.</p><p>Outra pesquisa que utilizou o recurso de grupo focal foi desenvolvida pelas</p><p>pesquisadoras Campos, Silva e Cicillini (2015), que tiveram como objetivo discutir e analisar</p><p>as aproximações e os distanciamentos sobre educação para a justiça social com relação às</p><p>representações de docentes formadores de professores de cursos de licenciatura da</p><p>Universidade Federal de Uberlândia (UFU). A pesquisa se deu em perspectiva qualitativa,</p><p>partindo de questionário com o uso da técnica de livre associação de palavras, de entrevistas e</p><p>da realização de um grupo focal com os professores formadores da UFU. Como principais</p><p>resultados, as autoras destacam que as práticas didático-pedagógicas dos docentes investigados</p><p>se articulam com os DH. Contudo, o processo de silenciamento foi percebido pelos</p><p>participantes como limitador da efetivação da EDH.</p><p>Por fim, o trabalho de Oliveira e colaboradores (2018) teve como objetivo elaborar e</p><p>acompanhar a implementação de uma disciplina que possibilitasse a formação inicial do</p><p>professor de Ciências na perspectiva da EDH. Para alcançar tais objetivos, o(a)s</p><p>pesquisadore(a)s utilizaram como metodologia a pesquisa-ação, tendo como recursos a</p><p>gravação das aulas/oficinas e das entrevistas semi-estruturadas. Destacamos alguns dos</p><p>principais resultados encontrados pelos autores: a relação entre os conteúdos abordados, as</p><p>questões pessoais vivenciadas, histórias com amigos e as respectivas famílias; o ambiente de</p><p>disputa entre valores possibilitou alguns posicionamentos durante a implementação, fazendo</p><p>71</p><p>surgir assim o silenciamento, a resistência, a conformação e a transformação; muitos dos</p><p>estudantes não possuíam interesse pela docência.</p><p>Conclusão</p><p>A partir desses resultados, foi possível refletir sobre a importância da realização de mais</p><p>estudos relacionados à EDH, bem como sobre parte do que tem sido publicado acerca da EDH</p><p>no contexto da FP, o que certamente auxiliará no planejamento das atividades de grupos</p><p>comprometidos com a EDH, como a CDSDH. O mapeamento dos principais pontos dos</p><p>trabalhos analisados é importante para munir o grupo daquilo que já foi desenvolvido -</p><p>absorvendo aspectos que podem contribuir com o trabalho da CDSDH, como a proposta de</p><p>pesquisa-ação e a metodologia da Análise Textual Discursiva. Por fim, é importante destacar a</p><p>oportunidade de qualificar, através deste mergulho bibliográfico, a formação dos estudantes</p><p>bolsistas na direção da cidadania, sendo parte significativa deles vinculados ao curso de</p><p>Licenciatura em Química e tendo a oportunidade de fortalecer as concepções de EDH na futura</p><p>prática docente.</p><p>Referências</p><p>CAMPOS, V. B.; SILVA, F. D. A.; CICILLINI, G. A. Os sentidos dos silêncios na educação:</p><p>representações sociais de professores formadores da Universidade Federal de Uberlândia –</p><p>MG. ETD - Educação Temática Digital, [S. l.], v. 17, n. 2, p. 442–462, 2015. DOI:</p><p>10.20396/etd.v17i2.8635725. Disponível em:</p><p>https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/etd/article/view/8635725. Acesso em: 29 out.</p><p>2022.</p><p>CANDAU, V. M. F.; SACAVINO, S. B. Educação em direitos humanos e formação de</p><p>educadores. Educação, v. 36, n. 1, 15 fev. 2013.</p><p>Carvalho, José Sérgio et al. Formação de professores e educação em direitos humanos e</p><p>cidadania: dos conceitos às ações. Educação e Pesquisa [online]. 2004, v. 30, n. 3 , pp. 435-</p><p>445. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1517-97022004000300004. Acesso em: 3 Jul.</p><p>2022.</p><p>CORREIA CRUZ BONFIM, H.; GUIMARÃES, O. M. A formação ética e o</p><p>autoconhecimento para a formação de professores(as) em direitos humanos e ciências</p><p>naturais. Revista Diálogo Educacional, [S. l.], v. 21, n. 70, 2021. Disponível em:</p><p>https://periodicos.pucpr.br/dialogoeducacional/article/view/28112.</p><p>Acesso em: 12 jul. 2022.</p><p>CRISTALDO, A. L. D. M.; CATANANTE, O. .-. B. R. A IMPLEMENTAÇÃO DO PLANO</p><p>72</p><p>NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS-PNEDH NO ESTADO DE</p><p>MATO GROSSO DO SUL. REVISTA BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, CULTURA E</p><p>LINGUAGEM, [S. l.], v. 5, n. 9, 2021. Disponível em:</p><p>https://periodicosonline.uems.br/index.php/educacaoculturalinguagem/article/view/6230.</p><p>Acesso em: 29 out. 2022.</p><p>CRISTALDO, A. L. de M. A formação de professores para a educação em direitos humanos</p><p>analisada sob a ótica da organização do trabalho didático: tecendo algumas considerações.</p><p>Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 14, n. 60, p. 158–180, 2015. Disponível em:</p><p>https://periodicos.sbu.unicamp.br/ojs/index.php/histedbr/article/view/8640553. Acesso em: 7</p><p>jun. 2022.</p><p>DEMO, Pedro. Pesquisa: princípio científico e educativo. 12. ed. São Paulo: Cortez. 2006.</p><p>OLIVEIRA, R. D. V. L. de; QUEIROZ, G. R. P. C. A formação de professores de ciências a</p><p>partir de uma perspectiva de Educação em Direitos Humanos: uma pesquisa-ação. Ciência &</p><p>Educação (Bauru) [online]. 2018, v. 24, n. 2, pp. 355-373. Disponível em:</p><p>https://doi.org/10.1590/1516-731320180020007. Acesso em 3 Jul 2022.</p><p>Silva, D. da L., Caputo, M. C. e V., Renata M.. Educação em direitos humanos no currículo</p><p>das licenciaturas de instituições federais de educação superior. Educação e Pesquisa</p><p>[online]. 2021, v. 47, e244510. Disponível em: https://doi.org/10.1590/S1678-</p><p>4634202147244510. Acesso em 03 Jul 2022.</p><p>WASHBURN-MADRIGAL, S.; CHAVES-SALAS, A. Práticas educativas para a educação</p><p>em direitos humanos na formação de professores. Revista Electrónica Educare, v. 26, n. 2,</p><p>p. 1-19, 19 abr. 2022. Disponível em: https://doi.org/10.15359/ree.26-2.23. Acesso em 03 Jul</p><p>2022.</p><p>73</p><p>ESCUTA ÀS PESSOAS EM SITUAÇÃO DE RUA: O QUE PODE A PSICOLOGIA</p><p>FRENTE À VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL?</p><p>Isadora Luiza Bérgamo Ortolan54</p><p>Sarah Saminêz55</p><p>Pâmela Marcela Martins56</p><p>Lívia Maria Fontana57</p><p>Marcela de Andrade Gomes58</p><p>Ateliê da Palavra é um projeto de extensão fruto da parceria entre o Consultório na Rua</p><p>(CNR/SUS) e a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) que promove escuta</p><p>psicológica a pessoas em situação de rua (PSR). O trabalho se pauta na ética psicanalítica, que</p><p>tem como base a transferência e a associação livre, com o intuito de criar um lugar onde o mal-</p><p>estar possa ser falado. A associação livre pode ser conceituada como uma fala sem censura e</p><p>sem objetivo final, descomprometida com o encadeamento lógico das ideias, é tida por Freud</p><p>(1912/2010) como a regra fundamental da psicanálise, que, com uma escuta flutuante - que não</p><p>se atém a tudo que é dito, mas flana sobre as palavras - busca influenciar, ou, nos termos</p><p>lacanianos, trilhar, o inconsciente, permitindo a investigação dos conteúdos não ditos. Já a</p><p>transferência (FREUD, 1912/2010) pode ser superficialmente compreendida como a</p><p>atualização, na relação entre analista e analisando, da forma como o analisando se relaciona</p><p>com o Outro - que é, simplificadamente, aquilo que cada um supõe da cultura, das expectativas</p><p>sobre si e sobre o mundo. Assim, a intenção do projeto é dar espaço para que histórias de uma</p><p>população - cotidiana e estruturalmente silenciada e rechaçada - sejam narradas.</p><p>A questão social prevalece ao considerar os fatores determinantes, como aponta o</p><p>Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (ALBUQUERQUE e SILVA, 2014), a determinação</p><p>social da saúde está muito além de determinantes isolados e fragmentados, que reduzem ao</p><p>estilo de vida ou riscos por escolhas individuais e ignoram os aspectos centrais da própria</p><p>54 Graduanda de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, e-mail:</p><p>isalbortolan@gmail.com.</p><p>55 Graduanda de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, e-mail:</p><p>sarahsaminez@gmail.com.</p><p>56 Graduanda de Psicologia na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Florianópolis-SC, e-mail:</p><p>pamelamarcelam@hotmail.com.</p><p>57 Trabalhadora do Consultório na Rua, aparelho do Sistema Único de Saúde (CNR/SUS), Florianópolis-SC, e-</p><p>mail: liviafontana@gmail.com.</p><p>58 Professora do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina, vinculada ao Núcleo de</p><p>Estudos sobre Psicologia, Migrações e Culturas (NEMPsiC/UFSC), Florianópolis-SC, e-</p><p>mail:marceladeandradegomes@gmail.com.</p><p>74</p><p>construção de saúde. O esforço e reforço de apontar o significado do conceito está em não</p><p>banalizar ou reduzi-lo em hábitos, como tabagismo ou má alimentação, pois, principalmente no</p><p>que diz respeito às pessoas em situação de vulnerabilidade, as condições socioeconômicas estão</p><p>sempre em prioridade no cuidado em saúde, ou na falta dele. Isto ocorre devido às relações de</p><p>exploração de grande parcela da população sob condições precárias de trabalho e moradia, as</p><p>quais são marcadas pela desigualdade que as vitimiza e revitimiza em negar escuta a sua</p><p>presença no mundo. A partir desse viés, o método da psicanálise e a ética do sujeito garantem</p><p>que o trabalho não se esvazie de sentido e que quem está no centro da intervenção é a pessoa.</p><p>Portanto, o Ateliê é um dispositivo que visa ampliar possibilidades e diminuir a cisão entre</p><p>quem tem sua história narrada ou não.</p><p>Para além disso, o estrato social poda a viabilidade de potencialização e de exploração</p><p>de capacidades e vontades do sujeito. O papel do Ateliê é tatear a escuta e buscar processos de</p><p>singularização e acolhimento. Na rua nota-se muitas pessoas com histórico de adoecimento</p><p>psíquico, que foram - e continuam sendo - subjugados de alguma forma perante o corpo social,</p><p>por orientação sexual, pelo uso de substâncias, raça, quesitos referentes ao gênero e de</p><p>identidade de gênero. Todos esses lugares de existência aparecem nos espaços de escuta</p><p>psicológica, se relacionam e dizem de uma vida com marcas sobre os processos de subjetivação,</p><p>que é atrelada à realidade concreta e se expressa no hoje.</p><p>Para esta população, diversos lugares institucionais foram negados, a possibilidade de</p><p>transitar, de ter uma vida digna e atendimentos qualificados, ser vistos enquanto seres humanos</p><p>que, como todos, dependem de cuidado. Por vezes, a situação de rua em si já traz uma</p><p>concepção sobre o sujeito que na sociedade capitalista não tem valor. Tendo em vista que as</p><p>relações valoradas são de utilidade e funcionalidade, de forma produtivista e super exploratória,</p><p>gera-se muito sofrimento, tanto a quem pertence e está inserido na lógica quanto a quem é</p><p>marginalizado por não estar incluído.</p><p>O discurso hegemônico requer a produção de um outro discurso, que contesta a</p><p>naturalização de problemáticas sociais; uma das atribuições da clínica na praça é propiciar a</p><p>criação de novos discursos, ultrapassando a (sobre)vivência e evidenciando a vida singular. Por</p><p>isso a necessária substituição das unidades de internação pela rede de dispositivos clínico-</p><p>políticos e sociais. Sendo assim, cabe falar sobre o método de trabalho.</p><p>Ao abordar o método, o que mais salta aos olhos talvez seja o setting clínico: é muito</p><p>diverso do imaginário social sobre a atuação da psicologia. Ele é composto por um trio, que é</p><p>formado por dois profissionais, ou extensionistas, e um usuário, divididos em bancos de</p><p>75</p><p>plástico, na praça, embaixo de uma figueira, ao lado da rua movimentada, sem sigilo, repleto</p><p>de interrupções, sem constância e totalmente à mercê do clima, da desordem da cidade, das</p><p>pessoas e dos barulhos. Os atendimentos não seguem uma agenda: eles podem acontecer</p><p>semanalmente, mensalmente, bimestralmente, anualmente ou em sessão única, a depender da</p><p>busca do sujeito pelo serviço. Sendo assim, o Ateliê da Palavra não foi proposto a partir da</p><p>lógica de uma clínica tradicional. Ele é, antes, um dispositivo clínico-político.</p><p>É um dispositivo nos termos de Deleuze, como máquinas de fazer ver e fazer falar, que</p><p>engendra, ao mesmo tempo, um sujeito que vê e</p><p>um objeto a ser visto, evidenciando as suas</p><p>posições e práticas discursivas (WEINMANN, 2006). É clínico no sentido de pensar a</p><p>psicanálise em extensão, dando ouvidos às narrativas, com a finalidade de possibilitar a</p><p>emergência do sujeito na trama de desejos no cotidiano burocratizado e ao mesmo tempo</p><p>caótico das instituições e, assim, quem sabe, a produção de novos encadeamentos discursivos</p><p>e elaborações psíquicas sobre as suas vivências, permeadas, muitas vezes, pela violência, a</p><p>morte, a fome e a miséria (GOMES et al., 2019). E é político por questionar, denunciar e buscar</p><p>romper com os regimes de verdade que atravessam relações de saber-poder, que perpetuam</p><p>assujeitamentos, opressão e sofrimentos (ibidem).</p><p>Para tanto, dividimos o dia de trabalho em três momentos. O primeiro momento é o</p><p>“Pré-Rua”, ponto em que fazemos um círculo para que cada membro da equipe associe</p><p>livremente sobre ansiedades, expectativas, medos e afetos, buscando se transferenciar com os</p><p>colegas e a cidade, bem como se “esvaziar” a fim de poder estar o mais presente possível</p><p>durante a escuta. Após isso, acontece o momento chamado de “Rua”: nos separamos e dispomos</p><p>os banquinhos de forma que haja um vazio à frente de cada dupla para que os usuários possam</p><p>se sentar e trazer suas histórias junto a todos os inesperados do fluxo das ruas. Além disso,</p><p>promovem-se encaminhamentos a outros serviços quando necessário, priorizando-se a atuação</p><p>em rede, e informando aos usuários sobre seus direitos e aparelhos do SUS, SUAS e demais</p><p>serviços públicos.</p><p>Ao fim, recolhemos o material, voltamos à unidade de saúde e, junto à supervisora local,</p><p>iniciamos o “Pós-Rua”, espaço para troca de impressões, sentimentos, resistências e</p><p>dificuldades, a fim de nomear inquietações e anseios. Além disso, fazemos um diário de campo</p><p>coletivo, compartilhado com o serviço, e um pessoal, com impressões e afetações mais íntimas.</p><p>No quarto e último momento, fazemos supervisão acadêmica semanal com a professora</p><p>supervisora acadêmica do projeto de extensão, onde temos espaço para discutir teoricamente</p><p>sobre os casos e sobre o projeto.</p><p>76</p><p>Nesses momentos, discutimos, também, sobre as nossas atuações e o que a teoria pode</p><p>contribuir sobre as cenas que se nos apresentam. Pessoas que se encontram em situação de rua</p><p>sofrem diariamente com a violência institucional reproduzida pelo órgão de segurança pública,</p><p>saúde, assistência social e outros espaços em que exercem o poder político. O Estado possui</p><p>agentes que operam essa violência e tem como alvo pobres e pretos, como aponta de Almeida</p><p>(2007). Essas pessoas são colocadas em lugares subalternos, onde a escuta não chega e não se</p><p>dá voz a essas pessoas.</p><p>Essa violência fica explícita quando é discutido sobre a letalidade policial contra</p><p>Pessoas em Situação de Rua (PSR), que se tornam alvo preferencial do Estado, a fim de cumprir</p><p>seu projeto higienista e de criminalização da pobreza (NONATO e RAIOL, 2018). As PSR</p><p>estão mais suscetíveis a terem seus direitos violados, além de estarem expostas a todo e qualquer</p><p>tipo de violência, sejam elas institucionais ou não, como expressões, abordagens violentas,</p><p>subtração de pertences, documentos, privação ao acesso à saúde e alimentação (ibidem).</p><p>O capitalismo opera para que essa população excluída socialmente sobreviva de forma</p><p>indigna e desumana, na vida dessas pessoas o que deveria ser política pública e um direito a</p><p>todos, se torna uma exceção como por exemplo, o acesso à alimentação. Também é articulado</p><p>para que essas pessoas sejam vistas como um perigo ou ameaça, reforçando um ideal de que é</p><p>preciso ter medo e se proteger de pessoas que se encontram em situação de rua e que estas</p><p>necessitam de um controle/punição (ibidem).</p><p>A população em situação de rua sobrevive em constante violação de direitos humanos,</p><p>a negligência do estado para com essas pessoas é cada vez mais agressiva e denuncia quais são</p><p>os propósitos de um governo neoliberal: o rico ficando cada vez mais rico e o pobre entrando</p><p>para a linha da extrema pobreza e vulnerabilidade social. De acordo Deleuze (apud NONATO</p><p>e RAIOL, 2018) é possível afirmar que o estado está completamente implicado na fabricação</p><p>dessa violência: “não há Estado democrático que não esteja totalmente comprometido nesta</p><p>fabricação da miséria humana’’.</p><p>Desse modo, é imprescindível que nós, enquanto ocupamos os lugares de agentes do</p><p>Estado, façamos uma análise de nossas atuações, de modo a buscar não reproduzir as violências</p><p>estatais. É importante frisar que trabalhamos em cima de um paradoxo: promovemos atenção</p><p>psicológica a um público enquanto representantes do mesmo Estado que produz e produziu</p><p>historicamente diversas formas de violências contra elas. Além da ética do sujeito já</p><p>mencionada, que implica em escutar como aquela pessoa singular vive e dá sentido ao que lhe</p><p>acontece, é importante pensar que, neste ato, cria-se um sujeito. Em outras palavras, não</p><p>77</p><p>desvelamos verdades subjacentes, como se a nossa presença não fizesse diferença alguma; mas,</p><p>há, ao invés disso, uma criação das demandas, uma produção de dados e não uma simples coleta</p><p>deles (ROSSI e PASSOS, 2014).</p><p>Para esses autores, o momento de intervenção, além de produção teórica, é, sobretudo,</p><p>o momento da produção do objeto e do sujeito do conhecimento. Em outros termos, estamos</p><p>criando um espaço onde supomos haver campo de intervenção psicológica, e, por conseguinte,</p><p>produzindo sujeitos profissionais, sujeitos “pacientes” e também um método. Assim, é</p><p>importante levarmos em conta que temos acesso somente às queixas e dores a nós endereçadas,</p><p>num breve momento e com atravessamentos da posição da qual partimos, permeada por</p><p>diversas forças, principalmente de classe, raça, gênero, idade, e do local em que nos colocamos,</p><p>sendo agentes e agenciadas pela relação de Poder com o Estado e de Saber da psicologia.</p><p>Talvez, considerando isso, seja mais fácil entender por que grande parte dos usuários</p><p>sentam-se nos bancos para nos desafiar, testar até onde nosso Saber busca dominá-los e</p><p>enquadrá-los, quando não insultam explicitamente a nossa posição e nosso trabalho. Sendo</p><p>assim, nós, pessoas com teto sob as nossas cabeças e cama sobre nossos corpos, precisamos</p><p>estar constantemente atentas aos nossos (não) fazeres para que esta criação de sujeito parta da</p><p>pessoa, de modo que, além de todas as violências estruturais que devemos nos atentar para não</p><p>reproduzir, não se agencie, também, um apagamento subjetivo. Este deve ser o cuidado com a</p><p>escuta radical do sujeito pelo qual a ética psicanalítica preza: nossa escuta não inclui significar</p><p>para o outro, mas, sim, deslizar, junto a ele, por sua cadeia de significantes, proporcionando,</p><p>assim, espaço para que haja possibilidade de deslocamento. Nesse sentido, a escuta</p><p>territorializada parece uma proposta interessante: que o sujeito possa deslocar-se</p><p>subjetivamente dentro do seu próprio território tem a potência de, quiçá, abrir novos caminhos</p><p>em seu próprio mapa.</p><p>A escuta qualificada e territorializada desenvolve histórias e narrativas, desempenhando</p><p>um importante papel a respeito de possíveis intervenções, considerando as demandas,</p><p>vulnerabilidades sociais, limitações presentes e de que forma isso atravessa o território</p><p>(SANCHES e SILVA, 2019). Portanto, evidencia-se a importância do trabalho realizado,</p><p>considerando a potência da rua e desafios explicitados anteriormente, como a violência</p><p>institucional, o papel ocupado pela psicologia neste espaço e a determinação social na vida</p><p>dessas pessoas. Entre as críticas e violências inclui-se as direcionadas para a atuação da</p><p>psicologia, pois, é necessária constante reflexão. A cada ida à rua a relevância do projeto torna-</p><p>78</p><p>se mais forte, a partir do relato das pessoas, frequentemente agradecidas sobre a atenção e oferta</p><p>de escuta.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ALBUQUERQUE, G. S. Cavalcanti</p><p>de; SILVA, M. J. de Souza. Sobre a saúde, os</p><p>determinantes da saúde e a determinação social da saúde. pp. 953-965. v. 38, n. 103.</p><p>Saúde em Debate, 2014. doi: 10.5935/0103-1104.20140082</p><p>NONATO, D. do Nascimento; RAIOL, R. W. Gama. (2018). Pessoas em situação de rua e</p><p>violência: entrelaçados em nome da suposta garantia de segurança pública. pp. 90-116.</p><p>v. 27, n. 103. Revista Direito em Debate, 2018. doi: 10.21527/2176-6622.2018.49.90-116</p><p>FREUD, S. A Dinâmica da Transferência. In: FREUD, S. Sigmund Freud - Obras</p><p>Completas: Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia</p><p>[“O Caso Schreber”]. Vol. X. São Paulo: Companhia das Letras, 2010 (Original publicado em</p><p>1912). pp. 100-110.</p><p>GOMES, M. A.; LIMA, A.; GUERRA, A.S.; CORREA, B.; NASCIMENTO, V.N.;</p><p>FAVARETTO,V. Como lidar com os efeitos psicossociais da violência? O curso de</p><p>capacitação como um dispositivo clínico e político. In: LOPEDOTE, M. L.; MAYORCA, D.</p><p>S.; NEGREIROS, D.; GOMES, M. A.; TANCREDI, T. (Orgs.). Como lidar com os efeitos</p><p>psicossociais da violência?. São Paulo: Elefante, 2019. pp. 54-68.</p><p>ROSSI, A.; PASSOS, E. Análise Institucional: revisão conceitual e nuances da pesquisa-</p><p>intervenção do Brasil. v. 5, n. 1. Revista Epos, 2014. pp. 156-181.</p><p>SANCHES, N.; SILVA, R. B. A escuta qualificada na assistência social: Da postura</p><p>diagnóstica às formas (po)éticas de escutar. Estudos e Pesquisas em Psicologia, v. 19, n. 3,</p><p>2019. pp. 604-622.</p><p>SUNDFELD, A. C. Clínica ampliada na atenção básica e processos de subjetivação:</p><p>relato de uma experiência. Physis: Revista de Saúde Coletiva, n.20, 2010. pp. 1079-1097.</p><p>WEINMANN, A. de O. Dispositivo: um solo para a subjetivação. Psicologia & Sociedade,</p><p>v.18, n.3, 2006. pp. 16-22. doi: 10.1590/S0102-71822006000300003</p><p>https://doi.org/10.5935/0103-1104.20140082</p><p>79</p><p>“EU SOU TÃO INSEGURO PORQUE O MURO É MUITO ALTO”: A PRISÃO DE</p><p>GILBERTO GIL EM FLORIANÓPOLIS EM 1976</p><p>Mariana Dutra de Oliveira Garcia59</p><p>Marcelo Mayora Alves60</p><p>Introdução</p><p>Gilberto Gil já foi preso em duas oportunidades. Na primeira, em dezembro de 1968,</p><p>em São Paulo, juntamente com Caetano Veloso, pelos aparelhos repressivos da ditadura. Na</p><p>segunda, juntamente com Chiquinho Azevedo, baterista dos Doces Bárbaros, por ocasião da</p><p>passagem em Florianópolis da turnê da banda, em razão do delito de posse de maconha, nos</p><p>termos do art. 281, §1°, III, do Código Penal, vigente à época.</p><p>Interessados na temática da repressão à arte, bem como nas violências específicas da</p><p>ditadura brasileira, projetamos e redigimos o ensaio intitulado Tropicalistas na Prisão (2020).</p><p>A ideia inicial seria tratar tanto da prisão de 1968/1969, quanto da prisão de 1976. Naquela</p><p>ocasião, contudo, só garimpamos fontes suficientes para abordar o caso do final da década de</p><p>sessenta. Sobre este episódio, contamos, dentre outras informações, com o detalhado relato de</p><p>Caetano Veloso sobre sua experiência prisional (e sobre o exílio que sucedeu a prisão), no</p><p>capítulo intitulado Narciso em Férias, que faz parte da obra Verdade Tropical (1997).</p><p>Os materiais que reunimos sobre a prisão de 1976 ficaram guardados. A principal fonte</p><p>que até aquela ocasião conhecíamos era o trecho do documentário Os doces bárbaros, de 1977,</p><p>de Jom Tom Azulay, no qual constam cenas da audiência de instrução e julgamento ocorrido</p><p>no Fórum de Florianópolis, com destaque para os discursos do magistrado, do promotor de</p><p>justiça e do advogado.</p><p>Neste resumo expandido apresentaremos o tema, o problema da pesquisa e os achados</p><p>iniciais. Almejamos compreender os sentidos da prisão de Gilberto Gil em Florianópolis, em</p><p>1976, diante da função exercida pela demonização das drogas, especialmente da maconha, no</p><p>contexto do embate travado pelos aparelhos repressivos e ideológicos da ditadura civil-militar.</p><p>Também é nosso objetivo acessar a fonte judicial (o processo criminal que tramitou na Primeira</p><p>59 Mestra e Doutoranda em Direito na UFSC. Florianópolis/SC. Bolsista CAPES. E-mail:</p><p>marianadutragarcia@gmail.com.</p><p>60 Mestre em Ciências Criminais pela PUCRS e Doutor em Direito pela UFSC. Professor Adjunto da Universidade</p><p>Federal do Pampa. Santana do Livramento/RS. E-mail: marceloalves@unipampa.edu.br.</p><p>80</p><p>Vara Criminal de Florianópolis) e, caso obtenhamos autorização, disponibilizar esta fonte a um</p><p>acervo pertinente.</p><p>Material e métodos: sobre as fontes</p><p>Após descobrirmos a data da prisão e a Vara em que o processo tramitou, por meio da</p><p>leitura de notícias de revistas publicadas à época do fato, realizamos uma incursão ao Fórum de</p><p>Florianópolis. Em diálogo com servidores obtivemos o número do processo. Deste modo,</p><p>realizamos um pedido de desarquivamento e de autorização para fotocopiar os autos, com</p><p>finalidade de pesquisa, que já foi deferido. No momento aguardamos o aporte dos autos ao</p><p>cartório.</p><p>No levantamento de fontes e bibliografia não encontramos estudos sobre o tema</p><p>fundados na análise do processo criminal. Para refletir sobre as questões a serem colocadas e o</p><p>olhar desde o qual a fonte deve ser lida, é necessário fazer uma primeira leitura. É provável que</p><p>no documento conste material interessante para a análise, como a transcrição das falas dos</p><p>operadores do direito e do interrogatório do réu; também os documentos relativos à prisão em</p><p>flagrante; os pedidos e as decisões sobre a realização do show agendado para a noite do mesmo</p><p>dia em que os artistas foram presos; as alegações finais; a sentença; os laudos psiquiátricos; etc.</p><p>É claro que a prisão de Gilberto Gil por posse de maconha foi assunto já bastante</p><p>comentado. Victor Albergaria, em dissertação de mestrado (2021), trata do evento, utilizando</p><p>como referência principalmente o texto de João Santana Filho, cujo título é Gil: o fumo não é</p><p>nem Deus nem o Diabo, componente do livro Gilberto Gil – expresso 2222 (RISÉRIO, 1982).</p><p>O autor também encontra informações na obra Gilberto bem perto, do próprio Gil e Regina</p><p>Zappa (2013), bem como em reportagens da Revista Manchete, de 1976, subscritas por Tarlis</p><p>Batista, constantes nas edições 1266 e 1269.</p><p>Quanto à visão dos aplicadores da lei, o Memorial do Ministério Público de Santa</p><p>Catarina produziu material no qual o promotor de justiça que atuou no caso, Valdemiro Borini</p><p>- que foi professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)</p><p>e Procurador de Justiça do Estado - relata a sua versão sobre os fatos (AXT, 2013).</p><p>81</p><p>Por fim, Gilberto Gil já se manifestou muitas vezes sobre o tema, em entrevistas</p><p>(algumas transcritas) e em livros de compilação comentada de sua obra, como Todas as letras</p><p>(2022)61.</p><p>Resultados e discussão: a prisão de Gilberto Gil em Florianópolis em 1976</p><p>Gilberto Gil, juntamente com Caetano Veloso, foi preso pelos aparelhos repressivos</p><p>da ditadura civil-militar em dezembro de 1968. Peregrinou por celas de diversas instalações</p><p>militares, até ser solto e colocado sob prisão domiciliar, em Salvador, após o carnaval de 1969.</p><p>Na sequência, saiu do Brasil, em exílio imposto pelas autoridades militares62. A prisão e o</p><p>exílio, iniciados em 1968 e 1969, ocorreram no auge do movimento tropicalista, por um lado,</p><p>e no auge da repressão política da ditadura.</p><p>Por que foi preso, nessa ocasião? Conforme o inquérito pela Comissão de Investigação</p><p>Sumária do Exército, Gilberto Passos Gil Moreira foi acusado por atos como “ter tomado parte</p><p>em passeata de cunho nitidamente subversivo”; ter participado de grupos da TV Record e da</p><p>Rádio Jovem Pan que “vêm se constituindo em um dos principais meios de-guerra psicológica,</p><p>grupos esses constituídos por cantores e compositores de orientação filo-comunista”; por ter,</p><p>junto com Caetano Veloso, feito um show “para entretenimento dos estudantes que ocuparam</p><p>em julho de 1968, a Faculdade de Economia da Universidade de. São Paulo”; e por “ter incutido</p><p>em algumas de suas composições musicais, subliminarmente,</p><p>mensagens de cunho subversivo,</p><p>de incitamento de animosidade entre as classes sociais e de exaltação de líderes comunistas”</p><p>(1969, s/n).</p><p>O certo é que a prisão de Gil e Caetano ocorreu no contexto da intensa preocupação da</p><p>ditadura com a dimensão ideológica, com a disputa simbólica por corações e mentes, e</p><p>consequentemente com a produção artística. De um lado, o governo confeccionava diretamente</p><p>os produtos simbólicos, sobretudo comerciais elaborados pela Assessoria Especial de Relações</p><p>Públicas (Aerp) e veiculados na televisão e no cinema, já que o governo, por meio do decreto-</p><p>lei 477/69, exigiu que as salas de cinema exibissem tais vídeos. De outro, almejava controlar</p><p>de perto o conteúdo das produções artísticas, principalmente na música, por meio da censura,</p><p>61 Em Todas as letras, Gil narra sobre a música “Sandra”, que saiu em disco de 1977: “Todas as meninas</p><p>mencionadas em ‘Sandra’ foram personagens daqueles dias que vivi entre Curitiba e Florianópolis. Maria</p><p>Aparecida, Maria Sebastiana e Maria de Lourdes me atenderam no hospício durante o internamento imposto pela</p><p>Justiça, enquanto eu aguardava o julgamento. (...) Carmensita: essa – foi interessantíssimo – logo que eu cheguei,</p><p>ela veio e me disse: ‘seja bem vindo’” (2022, p. 179). Também conta que a canção “Gaivota” foi composta durante</p><p>a privação de liberdade, sob a inspiração dos pássaros que “voavam sobre a ilha e a lagoa da conceição” (2022, p.</p><p>180).</p><p>62 Para mais informações, conferir Tropicalistas na prisão (MAYORA, 2020).</p><p>82</p><p>que proibiu à época a circulação de diversas obras de artistas brasileiros, para promover os</p><p>valores da família e da moral sexual tradicional, do bom cidadão ordeiro e patriota etc e censurar</p><p>veiculação de obras que questionassem estes valores. Neste contexto, pouco depois da prisão</p><p>de Caetano e Gil, foi editado o decreto da censura prévia (1077/70), que, nos termos do</p><p>preâmbulo, buscava combater “publicações que estimulam a licença, insinuam o amor livre e</p><p>ameaçam destruir os valores morais da sociedade brasileira”, que faziam parte de “um plano</p><p>subversivo que põe em risco a segurança nacional”. Na Escola Superior de Guerra, conforme</p><p>demonstrou Benjamin Cowan (2007), diversos textos publicados e discursos proferidos</p><p>consideravam que os comunistas usavam os valores da contracultura, a depravação sexual e as</p><p>drogas, como forma de seduzir os jovens brasileiros e assim recrutar agentes subversivos. Em</p><p>um dos textos, o juiz de direito João de Deus Lacerda Menna Barreto (que posteriormente foi</p><p>um dos juristas que elaborou a “nova lei de drogas”, de 1976) dizia que os Beatles promoviam</p><p>a “criminalidade e a subversão ao enfatizar em suas músicas a filosofia hippie”.</p><p>Desta forma, embora a prisão ocorrida em Florianópolis tivesse um motivo fundado</p><p>no direito penal comum, qual seja o flagrante por porte de maconha, é notável que a prisão fazia</p><p>parte do mesmo contexto repressivo. Tratava-se de controlar a contracultura, de reprimir os</p><p>doces bárbaros, grupo cuja intenção “ultrapassava o discurso sonoro e atingia os corpos em</p><p>cheio” (ALBERGARIA, 2021, p. 20), que estava a questionar o conservadorismo estabelecido</p><p>e desafinar o coro dos contentes. Não se pode deixar de levar em conta, especialmente no caso</p><p>de Gil, a sua negritude e o racismo dos aparelhos de estado: “a melanina de Gil prenuncia o</p><p>veredito sobre sua imagem pública”, comenta Albergaria (2021, p. 20). Além disso, “nas</p><p>apresentações dos Doces Bárbaros, os corpos se destacavam não só pelos movimentos, mas</p><p>também pelas roupas com as cores de diferentes orixás” (ALBERGARIA, 2021, p. 20). Ou</p><p>seja, a turnê da banda representou um momento deveras significativo para a contracultura</p><p>brasileira das décadas de sessenta e setenta: os doces bárbaros, hippies tropicalistas, que</p><p>misturavam rock and roll e religiosidade afro-brasileira, eram considerados perigosos pela</p><p>ditadura.</p><p>É notório que a prisão de Gilberto Gil em Florianópolis resultou de perseguição</p><p>policial aos artistas. O próprio Delegado responsável pela prisão, Eloi Gonçalves de Azevedo,</p><p>que era conhecido na cidade como o “terror dos maconheiros”, relatou à reportagem da Revista</p><p>Manchete (1976) que decidiu por dar uma “batida” no hotel em que os músicos estavam</p><p>hospedados em razão do relato de um informante, que em um encontro na Praça XV contou-</p><p>lhe que na apresentação anterior, em Curitiba, “eles haviam se apresentado completamente</p><p>83</p><p>chapados (1976, p. 24). De modo que a passagem dos doces bárbaros pela ilha foi objeto de</p><p>constante vigilância, inclusive por ocasião da visita que fizeram em uma comunidade hippie da</p><p>Lagoa da Conceição.</p><p>Ao amanhecer, os policiais, sem autorização judicial, ingressaram no hotel e</p><p>revistaram os quartos. Com Gil encontraram dois cigarros de maconha, com Chiquinho</p><p>Azevedo uma quantidade um pouco maior da planta. Gilberto Gil e Chiquinho foram presos,</p><p>ficaram um tempo na cadeia e depois foram transferidos para o Instituto Psiquiátrico São José.</p><p>Gil conta que por ocasião da lavratura do flagrante revelou ao Delegado ser portador de diploma</p><p>de curso superior, mas não teve seu direito à cela especial atendido: “acredito que ele estava</p><p>querendo fazer-me passar pelas situações mais degradantes possíveis”, disse Gil, em entrevista</p><p>concedida logo após os fatos (1976, p. 25).</p><p>O processo tramitou rapidamente e logo foi realizada a audiência de instrução e</p><p>julgamento. No discurso do promotor de justiça constou a famosa expressão “erva maldita”,</p><p>termo que vem sendo utilizado ao longo da história no processo de demonização da planta, de</p><p>produção do pânico moral que justifica a sua proibição. O advogado de defesa sustentou o</p><p>discurso moralizador e médico-psiquiátrico, afirmando que Gil era trabalhador e precisava de</p><p>“tratamento”, não de punição. O juiz produziu uma sentença supostamente poética, em que cita</p><p>composições do compositor baiano, como Abacateiro. Gil não aderiu ao discurso médico-moral</p><p>e sustentou no interrogatório que “gostava da maconha e que seu uso não lhe fazia mal e nem</p><p>lhe levava a fazer o mal”. Declarou também que “o uso da maconha o auxiliava sensivelmente</p><p>na introspecção mística”63.</p><p>Em entrevista concedida 37 anos após os fatos, o promotor de justiça que atuou no</p><p>caso argumentou que “foi sereno na acusação” e que tomou o cuidado de “arrazoar sem</p><p>demagogia” (2013, p. 91). Como vimos, contudo, usou a expressão “erva maldita” e, além</p><p>disso, na entrevista não é possível encontrar qualquer questionamento acerca da arbitrariedade</p><p>da prisão, realizada em razão de perseguição deliberada aos artistas e de batida policial sem</p><p>autorização judicial.</p><p>Conclusão</p><p>No espaço deste resumo, acreditamos que como conclusão vale ressaltar que o estudo</p><p>da prisão de Gilberto Gil, que condensa a repressão à contracultura e a um dos seus símbolos,</p><p>63 Conferir aqui: https://www.youtube.com/watch?v=Q9zmXJgjE_Y&t=251s.</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=Q9zmXJgjE_Y&t=251s</p><p>84</p><p>que é a planta conhecida como maconha, tem o potencial de contribuir para a compreensão de</p><p>aspectos relevantes sobre a atuação dos aparelhos repressivos e ideológicos da ditadura civil-</p><p>militar, bem como das conexões entre os setores militares, policiais e jurídicos do regime.</p><p>Fontes</p><p>ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DA BAHIA. Comissão Estadual da Verdade da Bahia.</p><p>Processo de Cassação dos Direitos Políticos de Gilberto Passos Gil Moreira, 1969.</p><p>Código de Referência BAAPEB CEV-REC-018-38. Versão digital disponível em</p><p>http://www.atom.fpc.ba.gov.br/index.php/processo-de-cassacao-de-direitos-politicos-de-</p><p>gilberto-passos-gil-moreira.</p><p>Referências</p><p>ALBERGARIA, Victor Fernandes. Gilberto aqui e agora: fora e dentro de uma canção de</p><p>Gil. 2021. Dissertação de mestrado. Universidade Estadual de Santa Catarina. Centro de</p><p>Artes. Programa de Pós-Graduação em Música. Florianópolis, 2021.</p><p>AXT, Gunter. Histórias de Vida, vol. 2. Florianópolis:</p><p>Procuradoria Geral de Justiça, Centro</p><p>de Estudos de Aperfeiçoamento Funcional, 2013.</p><p>BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível</p><p>em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm Acesso em 30</p><p>de outubro de 2022.</p><p>__________. Decreto-Lei n. 1077/70, de 26 de janeiro de 1970. Dispõe sobre a execução do</p><p>artigo 153, § 8º, parte final, da Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível</p><p>em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del1077.htm Acesso em 30</p><p>de outubro de 2022.</p><p>COWAN, Benjamin. Sex and the Security State. Gender, Sexuality, and “Subversion”at</p><p>Brazil`s Escola Superior de Guerra, 1964-1985. Journal of the History of Sexuality, Sep</p><p>2007, 16, 3.</p><p>MAYORA, Marcelo. Tropicalistas na prisão. In: José Linck; Marcelo Mayora; Salo de</p><p>Carvalho; Moysés Pinto Neto. (Org.). Música, transgressão e contracultura: criminologia</p><p>e rock volume 2..São Paulo: tirant lo blanch, 2020, p. 19-33.</p><p>OS DOCES BÁRBAROS. Direção: Jom Tom Azulay. Brasil, 1976. Disponível em:</p><p>https://www.facebook.com/trapeziosemredemb/videos/os-doces-b%C3%A1rbaros-</p><p>1976estrelando-gal-costa-maria-beth%C3%A2nia-gilberto-gil-e-caetano/884379225277944/.</p><p>VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. São Paulo: Companhia das Letras, 1997.</p><p>http://www.atom.fpc.ba.gov.br/index.php/processo-de-cassacao-de-direitos-politicos-de-gilberto-passos-gil-moreira</p><p>http://www.atom.fpc.ba.gov.br/index.php/processo-de-cassacao-de-direitos-politicos-de-gilberto-passos-gil-moreira</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1965-1988/del1077.htm</p><p>http://lattes.cnpq.br/4677068855065531</p><p>https://www.facebook.com/trapeziosemredemb/videos/os-doces-b%C3%A1rbaros-1976estrelando-gal-costa-maria-beth%C3%A2nia-gilberto-gil-e-caetano/884379225277944/</p><p>https://www.facebook.com/trapeziosemredemb/videos/os-doces-b%C3%A1rbaros-1976estrelando-gal-costa-maria-beth%C3%A2nia-gilberto-gil-e-caetano/884379225277944/</p><p>85</p><p>HISTÓRIA COMO TRAUMA: POR UMA VIRADA AFETIVA NA JUSTIÇA DE</p><p>TRANSIÇÃO BRASILEIRA</p><p>Bárbara Guilherme Lopes64</p><p>Ao pensar na ideologia militar, algumas palavras podem vir à mente: ordem, hierarquia,</p><p>submissão, obediência. De forma ilustrativa e simbólica, é possível colocar Exército e</p><p>movimentos sociais em polos contrários durante a ditadura e no período em que sucedeu a</p><p>transição – evidentemente, uma disputa de linguagens, pressupostos e narrativas se estabelece.</p><p>Daí a busca pela verdade, pela memória e por justiça, esta última representada pela justiça de</p><p>transição, que pretende conduzir um Estado de uma excepcionalidade violenta para o Estado</p><p>Democrático de Direito. Para isso, estabelece os elementos justiça, verdade, reparação,</p><p>reformas institucionais e, por fim, a reconciliação (ZYL, 2009).</p><p>Trato com particular cuidado sobre a reconciliação social, que ao mesmo tempo é</p><p>resultado dos passos anteriores na justiça de transição e condição necessária para a possibilidade</p><p>de existência comum enquanto nação (GAGNEBIN, 2010). Sendo assim, acredito que minha</p><p>pesquisa se insere no pilar da reconciliação, lugar onde se pode enxergar, idealmente, o debate</p><p>público e plural sobre a sociedade e a democracia que se deseja construir, já que esse é o</p><p>objetivo final da justiça de transição. Mas, então, qual democracia a justiça de transição busca?</p><p>E, afinal, de que lado a justiça de transição se senta para promover direitos humanos e estado</p><p>democrático de direito? A gramática internacional de direitos humanos traz à mesa uma</p><p>democracia pronta, ideal, neutra e racional, e disso se serve boa parte da literatura sobre justiça</p><p>de transição. Contudo, é possível tirar tanto afeto da sociedade traumatizada?</p><p>A teoria crítica feminista nos auxilia a pensar a filosofia política por outro olhar, sob a</p><p>ótica do privado – este que foi separado do público, o feminino, o sensível, o apaixonado, na</p><p>tentativa de criar a esfera pública “racional”, ocupada por homens brancos heterossexuais. A</p><p>ética moderna se sustentou na imparcialidade como característica da razão moral e na oposição</p><p>entre razão e afetividade (YOUNG, 1990), e a tudo que não cabe no sujeito ideal e neutro é</p><p>imposta a figura do Outro, num lugar de desejo, afetividade e carne. Por esse motivo, Young</p><p>aponta que essa compreensão de espaço público, que até hoje é muito sustentada, especialmente</p><p>no direito, como expressão do interesse geral, promoveu a exclusão na medida em que confirma</p><p>64 Universidade de Brasília. E-mail: barbaragl_@hotmail.com</p><p>86</p><p>a oposição entre razão e desejo, e, consequentemente, associa tipos de pessoas a cada um desses</p><p>polos.</p><p>A função ideológico-patriarcal que a relação entre mulheres e esfera pública 1possui</p><p>produz muito mais relações sociais a partir da criação de um sujeito universal, aquele que</p><p>participa da vida política, e da exclusão de tudo que difere deste. Para Carole Pareman (2018),</p><p>a teoria política engenhou uma esfera privada para as mulheres, de tal forma que as normas e</p><p>valores ditos comuns pela justiça, na verdade não levaram em consideração as vozes de grupos</p><p>sociais excluídos, que atualmente, sobretudo com a crítica do feminismo negro, sabemos que</p><p>não se limita a mulheres, mas a pessoas negras, LGBTQIA+, pessoas com deficiência, e outros</p><p>grupos vulnerabilizados. As feministas propõem uma releitura do agir comunicativo de</p><p>Habermas para pensar o espaço público e a política, em que a universalidade se refere a</p><p>participação e inclusão, não a uniformidade de valores (LOSIGGIO, 2020).</p><p>Para repensar a esfera pública, Fraser (1999) aponta para uma concepção pós burguesa</p><p>dela, considerando a insuficiência da democracia liberal burguesa e que a esfera pública</p><p>democrática não é inerente ao capitalismo. A proposta de pensar democracia para além das</p><p>arestas habituais me parece especialmente relevante quando o espaço do debate é a disputa de</p><p>narrativas durante a transição brasileira: ouvir as vozes excluídas e censuradas da espera pública</p><p>por mais de vinte anos é essencial quando está em pauta a ideia de nação para uma sociedade</p><p>em transformação. Essas vozes, entretanto, carregam mágoas e traumas mais complexos que a</p><p>racionalidade da lei consegue abarcar, por isso, trato aqui das emoções políticas referentes a</p><p>esse contexto, com o objetivo de enxerga-los dessa perspectiva, diferentemente do que a lei</p><p>consegue atingir.</p><p>A chamada Virada Afetiva, diante dos conflitos de guerra, trauma e tortura daquele</p><p>momento histórico, percebe que a teoria crítica precisa se voltar para os afetos. Nesse sentido,</p><p>afeto pode ser compreendido como uma complexidade não-linear em que a narração de</p><p>consciência se afirma enquanto a emoção é subtraída, como um lembrete inconsciente</p><p>(CLOUGH, 2007). O discurso psicanalítico sobre trauma é central para a teoria crítica do afeto,</p><p>que compreende o sujeito como uma desconstrução em múltiplas subjetividades, o que causa</p><p>efeitos na memória. Por isso, entendo que o marco teórico para tratar de memória, verdade e</p><p>justiça no Brasil precisa acompanhar a importância que vem sendo dada às emoções e afetos na</p><p>política.</p><p>Tendo em vista a disputa de narrativas que se estabelece entre Forças Armadas,</p><p>enquanto violadores de direitos humanos, e às vítimas da violência de Estado, é possível</p><p>87</p><p>encontrar em comum o ressentimento – incompatível com a reconciliação. Dessa forma, escavar</p><p>essas emoções pode posicionar a Justiça de Transição em um lado da narrativa, a das pessoas</p><p>em busca de justiça, e da sociedade que, através dela, será reconstruída. Isso posto, cabe</p><p>investigar de que forma o Exército externava essas emoções e construía uma história paralela,</p><p>enquanto o Estado, que pretendia promover memória, verdade e justiça, acreditava que a</p><p>neutralidade de afetos era o caminho da democracia.</p><p>Falar sobre ditadura no Brasil é mexer em feridas</p><p>ainda abertas para muitas pessoas e</p><p>famílias, por isso, negar a afetividade que envolve esse debate torna a concepção de Justiça de</p><p>Transição, como se conhece, insuficiente. Como é praxe da gramática internacional de direitos</p><p>humanos, é possível observar uma busca pela justiça através da legalidade e dos sistemas</p><p>jurídicos democráticos – o que, evidentemente, é também essencial. Contudo, trabalhar o pilar</p><p>da memória, com objetivo de reconciliação social, requer uma mirada efetiva, que possa</p><p>trabalhar com a história através do trauma.</p><p>Dessa forma, este trabalho coloca em discussão que tipo de democracia se busca após o</p><p>período ditatorial, a partir de marcos teóricos que consideram os afetos como elementos que</p><p>modificam a realidade. Sendo assim, concluo que os sentimentos guardados da sociedade</p><p>merecem um espaço seguro para elaboração e debate público, e acredito que a Justiça de</p><p>Transição deve se preocupar com isso, sobretudo considerando o decurso de tempo desde o fim</p><p>da ditadura civil-militar e a pergunta que paira em no Brasil de 2022, extremamente militarizado</p><p>e que comemora anualmente o golpe em suas instituições oficiais: o que sobrou?</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CLOUGH, Patricia Ticineto. The Affective Turn. Introduction. 2007.</p><p>FRASER, Nancy. Repensando la esfera pública: una contribución a la crítica de</p><p>la democracia actualmente existente (Tema central), 1999. En: Ecuador Debate.</p><p>Opinión pública. Quito: CAAP, (no. 46, abril 1999): pp. 139-174. ISSN: 1012-1498.</p><p>LOSIGGIO, Daniela. “Universal y afectiva: la esfera pública en el pensamiento</p><p>político feminista”, Las Torres de Lucca, n. 17, julio-diciembre 2020.</p><p>PATEMAN, Carole. El desorden de las mujeres (L. Lassaque, Trad.). Ciudad</p><p>de Buenos Aires, Argentina: Prometeo. 2018.</p><p>YOUNG, Iris Marion. “Imparcialidad y lo cívico público. Algunas implicaciones de</p><p>las críticas feministas a la teoría moral y política”. In: BENHABIB, Seyla y</p><p>CORNELL, Drucilla. Teoría feminista y teoría crítica Valencia: Alfons El Magnanim, 1990.</p><p>p. 89- 117.</p><p>88</p><p>VAN ZYL, Paul. Promovendo a justiça transicional em sociedades pós conflito.</p><p>Revista Anistia Política e Justiça de Transição, Brasília, DF, v. 1, n. 1, p.32-55, jan./jun.</p><p>2009.</p><p>89</p><p>MIGRAÇÃO NA REGIÃO METROPOLITANA DE LONDRINA/PR: A TENSÃO</p><p>ENTRE DIREITOS HUMANOS E DIREITOS DE CIDADANIA</p><p>Líria Maria Bettiol Lanza65</p><p>João Ricardo Lemes66</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A migração internacional aprofunda um dos debates mais complexos em torno da</p><p>globalização: a coexistência de forças globais e locais. No âmbito da proteção aos migrantes,</p><p>por um lado, há um regime internacional de Direitos Humanos (DH) advogado pelos</p><p>organismos internacionais; por outro, há o princípio da soberania nacional, já que cabe aos</p><p>Estados implementarem tais direitos (REIS, 2004).</p><p>Antes de tudo, a noção de DH suscita abrangência para além da nacionalidade. Os</p><p>direitos tidos como inalienáveis e universais, que abarcam os direitos de primeira geração (civis</p><p>e políticos) e os de segunda geração (sociais) são atribuídos “pelo simples fato de ser humano”.</p><p>Já a concepção de cidadania envolve um leque mais amplo de direitos e “está ligada à</p><p>nacionalidade” (REIS, 2004, p. 157). Por mais que, hoje, alguns Estados se orientem nas</p><p>diretrizes dos DH para definirem suas legislações migratórias, ainda permanecem direitos</p><p>exclusivos dos cidadãos, como é o caso da legislação brasileira.</p><p>No Brasil, em 2017, foi instituída a Lei de Migração – LDM (nº 13445) regida pelos</p><p>princípios da “universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos”.</p><p>Resultado de um longo debate travado entre diversos atores sociais, a nova legislação rompeu</p><p>com a perspectiva da “segurança nacional” abertamente manifestada no antigo Estatuto do</p><p>Estrangeiro (nº 6.815/80). Entretanto, o fato de a LDM estar alinhada aos DH não elimina o seu</p><p>conteúdo controlador sobre a população migrante.</p><p>Novamente com Reis (2004), a extensão formal de alguns direitos ao migrante não se</p><p>traduz em status de cidadania, sobretudo quando, no Brasil, os direitos políticos são exclusivos</p><p>do cidadão. Tampouco o reconhecimento de alguns direitos sociais sob o princípio da igualdade</p><p>e da universalidade conduz automaticamente ao seu acesso. Em síntese, o Brasil atendeu à</p><p>65 Graduada em Serviço Social pela UNESP. Mestre em Serviço Social pela UNESP. Doutora em Serviço Social</p><p>pela PUC-SP. Docente do Departamento de Serviço Social e do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e</p><p>Política Social da UEL, Londrina, Paraná. E-mail: liriabettiol@uel.br.</p><p>66 Graduado em Serviço Social pela UEL. Mestrando no Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Política</p><p>Social da UEL, Londrina, Paraná. Bolsista CAPES. E-mail: rcrdlemes@gmail.com.</p><p>90</p><p>pressão externa ao adotar a perspectiva dos DH, mas não desobstruiu a senda do acesso aos</p><p>direitos, como será evidenciado mais adiante.</p><p>Via de regra os DH são invocados em situações de violação de direitos nas fronteiras</p><p>externas. Não menos importante, aqui buscamos endossar a tônica dos DH a partir dos direitos</p><p>sociais. Dean (2006), ao analisar documentos do PNUD chamou a atenção para o “eclipse” dos</p><p>direitos sociais no “novo” discurso dos DH fundido à racionalidade da globalização. Com</p><p>ênfase nas liberdades e na moral, essa retórica reduz os direitos sociais “[...] às oportunidades</p><p>no mercado de trabalho, em troca das quais os cidadãos têm que eliminar as liberdades</p><p>irresponsáveis – equiparadas à dependência ao bem-estar” (DEAN, 2006, p. 47). Essa</p><p>linguagem afinada com o “individualismo liberal” propaga a “responsabilidade individual” e a</p><p>“auto-sustentação social”. Conforme Deluchey (2017), um dos efeitos dessa inflexão tem sido</p><p>a privatização de políticas que promovem os direitos sociais. Não por acaso, as ONGs - e outras</p><p>formas de organizações sociais - se fortaleceram na execução dos DH.</p><p>Assim entendido, o novo discurso dos DH não parece incompatível com a razão</p><p>neoliberal. Para Puello-Socarrás (2021), a crise de 2008 desencadeou a emergência de novas</p><p>tendências na economia política global, sinalizando o surgimento de uma outra fase do</p><p>capitalismo, chamada de “Novo” Neoliberalismo. Esse regime tem se apoiado num tipo</p><p>particular de Estado: o “Estado Punitivo e Empreendedor de Trabalho”, cujas principais</p><p>características são: 1) Estado forte indutor de políticas econômicas predatórias; 2)</p><p>antidemocrático, repressivo e punitivo; 3) e políticas sociais condicionadas ao trabalho com</p><p>incentivo ao empreendedorismo. Alguns desses elementos se fazem notórios na reforma do</p><p>Estado brasileiro em curso, colocando um ponto final no que Fagnani (2017) chamou de “breve</p><p>ciclo da cidadania social no Brasil”.</p><p>Nesse cenário, Sayad (1998) lembra que o papel do Estado é garantir as condições</p><p>objetivas e subjetivas - que perfazem o migrante - funcionais ao mundo do trabalho; a</p><p>“ilegitimidade”, a “provisoriedade” e a “expulsabilidade” são pilares de tais condições.</p><p>Portanto, “o fato de os estrangeiros gozarem de um maior número de direitos hoje não modifica</p><p>a natureza da cidadania. O estrangeiro continua numa situação precária em relação ao cidadão”</p><p>(REIS, 2004, p. 159).</p><p>Desse modo, apoiado em uma base de dados sobre o contexto migratório da Região</p><p>Metropolitana de Londrina/PR, este texto tem como objetivo problematizar os DH na</p><p>contraface dos direitos de cidadania, com ênfase nos direitos sociais no processo de integração</p><p>dos migrantes periféricos.</p><p>91</p><p>Migração na Região Metropolitana de Londrina/PR e o eclipse dos direitos sociais</p><p>Dentre as conquistas na LDM, o inciso XI, artigo 2º, orienta o “acesso igualitário e</p><p>livre do migrante” às políticas de Seguridade Social sem corte de nacionalidade. A despeito da</p><p>conjuntura adversa, tal lei se fez importante tendo em vista os novos fluxos de migrantes que</p><p>passaram a vislumbrar o Brasil como potencial destino ou país de trânsito.</p><p>Embora já</p><p>houvesse fluxos migratórios na direção Sul-Sul, foi no início de 2010 que</p><p>este movimento passou a ser predominante e considerado significativo - menos em termos</p><p>quantitativos (a população migrante vivendo hoje no Brasil não representa 1%) e mais em</p><p>termos das características dos migrantes provenientes de países periféricos: trabalhadores em</p><p>sua maioria negros (VILLEN, 2015). Em 2019, o Paraná era o 5º estado com a maior população</p><p>migrante (LEMES et. al., 2020). Desde meados da década de 2010, a Região Metropolitana de</p><p>Londrina (RMLO) passou a fazer parte da rota interna das migrações internacionais, sendo,</p><p>portanto, um espaço privilegiado para o estudo das tensões entre DH e cidadania.</p><p>Neste texto partimos de dados coletados através de 132 questionários aplicados a</p><p>migrantes, sumarizados no Perfil de Migrantes da Região Metropolitana de Londrina/PR</p><p>(LEMES, et. al., 2020) e de 11 entrevistas realizadas com profissionais das políticas de</p><p>Seguridade Social (Assistência Social, Saúde e Previdência Social). Trata-se dos resultados de</p><p>uma pesquisa realizada entre 2016 e 2019 pelo Grupo de Pesquisa do CNPq “Serviço Social e</p><p>Saúde: formação e exercício profissional”, em cinco municípios da RMLO com maior presença</p><p>de migrantes: Londrina, Cambé, Rolândia, Arapongas e Jaguapitã. Assim, o presente texto</p><p>lança mão de procedimentos metodológicos quantitativos e qualitativos. Ainda que haja limites</p><p>em relação ao marco temporal da realização da pesquisa que não abarca as recentes</p><p>transformações dos processos migratórios, os dados coletados permanecem úteis para o debate</p><p>aqui proposto.</p><p>O perfil de migrante da RMLO (LEMES, et. al., 2020) é constitutivo de duas</p><p>nacionalidades predominantes: haitiana (45,5%) e bengali (31%). Pessoas provenientes do</p><p>continente africano e da América Latina configuram 23,5%. Em relação ao sexo, 75% são</p><p>homens. A maioria dos migrantes têm idade entre 18 e 39 anos (90,84%). No que tange ao nível</p><p>educacional, 66,21% dos migrantes possuem desde o ensino médio completo até o diploma de</p><p>Pós-graduação. Entre as principais motivações da emigração destaca-se o trabalho (38,64%),</p><p>92</p><p>as questões políticas e econômicas (28,79%) e a busca por melhores condições de vida</p><p>(22,73%).</p><p>O trabalho, como elemento central da migração, é também determinante para a</p><p>permanência dos migrantes periféricos no País, bem como no modo como essa permanência é</p><p>condicionada (VILLEN, 2015). Nesse sentido, 36,64% dos participantes se encontravam, à</p><p>época da realização da pesquisa, em situação de desemprego e 41,22% estavam empregados.</p><p>Em termos de rendimentos, ainda com a taxa de 28,79% de abstenção, quase a totalidade</p><p>(66,67%) dos respondentes havia recebido no último mês até R$ 2.000,00. Os(as) migrantes</p><p>estavam inseridos majoritariamente no setor secundário (20%) em especial nos frigoríficos da</p><p>região e no setor terciário (26,92%). A condição de trabalho no setor secundário já era de</p><p>conhecimento dos profissionais das políticas públicas: “é um local de trabalho que tem a</p><p>característica de ser bem assim adoecedor, uma atividade bem pesada, insalubre [...] todos os</p><p>haitianos [trabalham] na pior parte” (PROFISSIONAL DA PREVIDÊNCIA 1). Outro</p><p>entrevistado aponta: “[os migrantes] não conseguem emprego, a gente tem relatos de</p><p>exploração, a questão de salários diferentes, a questão do tratamento do empregador ser</p><p>diferente” (PROFISSIONAL DA ASSISTÊNCIA SOCIAL 1).</p><p>Dentre as três políticas elencadas, a de saúde, balizada pelo princípio da</p><p>universalidade, é a mais acessada (68,70%), apesar disso, não faltam barreiras geográficas,</p><p>informacionais e culturais (FAQUIN; BETTIOL LANZA, 2018). Por sua vez, na política de</p><p>Assistência Social, direcionada “a quem dela necessitar”, o acesso diminui significativamente</p><p>(23,66), o que para Faquin e Bettiol Lanza (2018, p. 148) é contraditório, “pois a própria</p><p>definição de público usuário dessa política remete a situações cotidianamente vivenciadas por</p><p>esses”. O acesso é ainda mais precário na política de Previdência Social (12,98%), para além</p><p>do seu caráter contributivo fica explícito o seu desconhecimento por quase todos os</p><p>respondentes.</p><p>As entrevistas com os profissionais reforçam a tendência da privatização das políticas</p><p>públicas. A maioria dos profissionais da RMLO afirma que a presença da população migrante</p><p>nos territórios é minimamente reconhecida, porém não havia nenhum movimento de construir</p><p>ações para potencializar o acesso aos direitos sociais, tampouco para atender as necessidades</p><p>particulares desses usuários. Entretanto, em todas as entrevistas foi destacado o papel central</p><p>das instituições privadas na mediação do acesso aos direitos sociais. Na região o destaque fica</p><p>com a Cáritas.</p><p>93</p><p>Nas três políticas em tela o idioma e a cultura são apontados como as principais</p><p>barreiras de acesso. Expressões correntes do tipo: “eles não nos entendem”, “eles não</p><p>compreendem a política” indicam o deslocamento da responsabilidade pela informação para os</p><p>usuários, já que o atendimento é viabilizado com a mediação de outros migrantes: “aqueles que</p><p>entendem transmite a informação para os que não entendem” (PROFISSIONAL DA</p><p>ASSISTÊNCIA SOCIAL 2).</p><p>Daí derivam aspectos já destacados do novo discurso dos DH liberal-individual</p><p>(DEAN, 2006): a responsabilização individual e a auto-sustentação social. Por um lado, as</p><p>entrevistas demonstraram que a responsabilidade pela busca/compreensão das informações é</p><p>do próprio grupo, apontando a assimilação, sobretudo o domínio do idioma oficial, como</p><p>condição para o acesso aos direitos. Por outro, o abandono dos direitos sociais reforçado pelo</p><p>novo discurso dos DH é acompanhado de uma inversão de papéis: as políticas sociais são cada</p><p>vez mais terceirizadas, ou seja, executadas pelas ONGs. Conforme escreveram recentemente</p><p>Bettiol Lanza et. al. (2022, p. 33), “tanto os direitos humanos como os direitos sociais não se</p><p>‘universalizam’ por decretos e convivem com a desproteção [...]”. Assim, a tensão entre DH e</p><p>cidadania nem sempre é muito bem definida, e não se restringe à letra da lei; na prática, como</p><p>pôde-se observar, a nacionalidade – mais do que status – funciona como critério não oficial do</p><p>acesso aos direitos - até mesmo aqueles considerados indivisíveis - através de signos</p><p>linguísticos e culturais. Nesta trilha, não apenas há tensão entre DH e cidadania, como também</p><p>o caminho em direção a uma perspectiva solidária de direitos humanos e de cidadania (DEAN,</p><p>2006) fica cada vez mais obstruído com o eclipse dos direitos sociais.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Na era da globalização, os direitos humanos e os direitos de cidadania estão em</p><p>constante tensão. As suas fronteiras, entretanto, nem sempre são claras, por exemplo, na</p><p>execução das políticas públicas na RMLO até mesmo os direitos tidos como inalienáveis e</p><p>universais são condicionados a critérios não oficiais próprios do universo de conformação da</p><p>nacionalidade, como a língua e a cultura. Essas e outras barreiras destacadas evidenciam que o</p><p>acesso aos direitos sociais ocorre em uma árida trilha perpassada por fronteiras que, na</p><p>contramão do artigo 2º da lei supracitada, impedem o acesso “igualitário e livre”.</p><p>Paralelamente, tanto os DH como a própria concepção de cidadania vêm passando por</p><p>profundas inflexões à direita. Essa “nova” orientação não é, como sinalizado, incompatível com</p><p>o discurso privatizante do neoliberalismo que busca legitimar por meio do Estado o eclipse dos</p><p>94</p><p>direitos sociais em detrimento das liberdades individuais. Finalmente, diante das</p><p>transformações dos movimentos migratórios que se relacionam com o Brasil (tal como</p><p>expressiva presença de venezuelanos, hoje), está posta não apenas a necessidade de avançar no</p><p>debate sobre as tensões entre os DH e a cidadania, como também a tarefa de resgatar neles os</p><p>direitos sociais, isso requer o enfrentamento da retórica neoliberal altamente permeável</p><p>em</p><p>todas as esferas da sociedade.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BETTIOL LANZA, L. M. et. al. A proteção social e o trabalho em serviços no contexto</p><p>pandêmico: a ofensiva aprofundada. Revista del CESLA, v. 29, p. 29-48, 2022.</p><p>DEAN, H. A agenda global de direitos humanos e a (im)possibilidade de um estado ético. In:</p><p>CIMADAMORE, A. et. al. (org.). A pobreza do Estado: reconsiderando o papel do</p><p>Estado na luta contra a pobreza global. Buenos Aires: CLACSO, 2006. p. 39-60.</p><p>DELUCHEY, J. F. Y. Os Direitos Humanos entre Polícia e Política. Direito e Práxis, Rio de</p><p>Janeiro, v. 8, n. 1, p. 196-228, 2017.</p><p>FAGNANI, E. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015). Unicamp. IE,</p><p>Campinas, n. 308, p. 1-20, 2017.</p><p>FAQUIN, E. S.; BETTIOL LANZA, L. M. Imigrantes e seus “Acessos” às Políticas de</p><p>Seguridade Social: reflexões acerca da Região Metropolitana de Londrina/PR. O Social em</p><p>Questão, v. 41, p. 131-154, mai./ago. 2018.</p><p>LEMES, J. R. et. al. Perfil de imigrantes da região metropolitana de Londrina/PR.</p><p>Cambé, PR: Grupo SerSaúde – UEL, 2020. Disponível em:</p><p>http://www2.uel.br/grupos/sersaude/. Acesso em: 27 out. 2022.</p><p>PUELLO-SOCARRÁS, J. F. Novo neoliberalismo: arquitetônica estatal no capitalismo do</p><p>século XXI. REAd, Porto Alegre, v. 27, n. 1, p. 35-65, 2021.</p><p>REIS, R. R. Soberania, direitos humanos e migrações internacionais. RBCS, v. 19 n. 55, p.</p><p>149-164, jun. 2004.</p><p>SAYAD, A. A Imigração ou os paradoxos da alteridade. São Paulo: EDUSP, 1998.</p><p>VILLEN, P. O estigma da ameaça ao emprego pelos periféricos na periferia: crise e imigração</p><p>no Brasil. Revista Rua, Campinas, v. 2, n. 21, p. 247-264, 2015.</p><p>95</p><p>NEGAÇÕES DE DIREITOS SOB VESTES DE DISCIPLINA: OS PROCESSOS DE</p><p>CRIMINALIZAÇÃO NA EXECUÇÃO PENAL</p><p>Aline Amábile Zimmermann67</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Para a manutenção da “ordem carcerária”, a Lei de Execução Penal fornece à</p><p>administração penitenciária instrumentos disciplinares como o isolamento cubicular e a</p><p>restrição de direitos em casos de subversões e desobediências às determinações. Em hipóteses</p><p>graves, o cumprimento da pena pode ser atingido por penalidades impostas pelo poder</p><p>judiciário, como a regressão do regime e a alteração da data-base para a fruição de benefícios</p><p>penais. Nesse sentido, a tônica disciplinar com implicações em maiores restrições de liberdade</p><p>parecer soar um tanto estranha quando confrontada ao projeto reintegrador prometido pela</p><p>própria programação penitenciária.</p><p>Tendo em vista nosso objetivo de buscar uma melhor compreensão da totalidade e as</p><p>contradições envolvidas no tema das faltas graves e suas sanções, investigamos como os</p><p>processos de criminalização secundária operam no contexto dos procedimentos disciplinares,</p><p>tendo em consideração as garantias processuais penais, a partir de acórdãos do Tribunal de</p><p>Justiça de Santa Catarina.</p><p>O problema da pesquisa foi guiado por algumas perguntas: como opera o processo de</p><p>criminalização secundária dos presos nos procedimentos de apuração e aplicação de faltas</p><p>graves? Como tem se instruídos os processos administrativos disciplinares? A palavra do réu</p><p>surte efeitos para o fim de atenuar os efeitos em relação ao fato motivador da falta grave? Quais</p><p>tem sido as penalidades aplicadas pelo reconhecimento de falta grave? Pode-se dizer que há o</p><p>respeito às garantias penais?</p><p>O interesse da pesquisadora em compreender os processos de criminalização no</p><p>contexto da apuração das faltas graves sobre os presos catarinenses veio a partir das</p><p>inquietações em relação às consequências negativas geradas no processo de cumprimento da</p><p>pena, que parecem ser tão graves quanto a condenação penal. Diante de um instrumento</p><p>67 Bacharel em Direito pela UFSC, cursando Mestrado em Teoria e História do Direito pelo PPGD/UFSC.</p><p>Florianópolis/SC. E:mail: alineamabilez@gmail.com</p><p>96</p><p>constituinte da execução penal, espera-se a observação de posturas judiciais garantidoras de</p><p>direitos na contenção do exercício do poder punitivo administrativo.</p><p>MATERIAL E MÉTODOS</p><p>Ao nos depararmos com nossas inquietações, decidimos como procedimento</p><p>metodológico o uso do levantamento documental de acórdãos do TJSC, os quais constituem-se</p><p>como objeto adequado para localização dos meios criminalizantes utilizados pelos agentes</p><p>envolvidos.</p><p>A escolha dos acórdãos foi realizada por meio de amostragem estratificada. Esse</p><p>procedimento é usado quando a população se pode dividir em subpopulações (estratos)</p><p>homogéneas e aleatórias. Esses estratos identificados passam a ser as variáveis de estudo e são</p><p>representados na amostra na mesma proporção com que existem na população. Para definir a</p><p>população, buscamos no sistema de pesquisa de jurisprudência do TJSC acórdãos que</p><p>concomitantemente traziam as expressões “falta grave” e “procedimento administrativo</p><p>disciplinar” no período de 01/01/2019 a 30/06/2019. O início do marco temporal foi</p><p>determinado para verificar se havia casos envolvendo a revogação do benefício de progressão</p><p>para mulheres gestantes ou mães de crianças ou pessoas com deficiência diante de cometimento</p><p>de falta grave, mudança legislativa operada em dezembro de 2018. Foram encontrados um total</p><p>de 293 resultados, sendo eles divididos nas classes: 281 Agravo de Execução Penal, 8 Habeas</p><p>Corpus (Criminal), 3 Embargos de Declaração e 1 Petição. Por ser o Agravo de Execução Penal</p><p>o recurso cabível das decisões proferidas pelos juízes na execução penal, art. 197 da LEP, a</p><p>população geral foi restringida aos acórdãos correspondentes a essa modalidade. Por fim,</p><p>realizamos a seleção aleatória obedecendo a proporcionalidade de acórdãos sob as variáveis das</p><p>Comarcas e Desembargadores Relatores que apareciam da população geral.</p><p>A presente pesquisa utiliza essencialmente a análise documental de acórdãos, em</p><p>perspectiva qualitativa, bem como de dados extraídos desses acórdãos acerca dos</p><p>procedimentos utilizados e fundamento das decisões proferidas na apuração das faltas graves,</p><p>em perspectiva quantitativa, por meio de análise de conteúdo. Utilizamos um questionário com</p><p>perguntas sobre procedimentos processuais e fundamentos utilizados para retirada de</p><p>informações dos acórdãos de modo a alcançar ambas as análises.</p><p>RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>97</p><p>Organizamos nossos resultados em dois conjuntos distintos, a partir de duas esferas de</p><p>criminalização: em fase administrativa e em fase judicial. Na fase administrativa, identificamos</p><p>enquanto mecanismos para a construção da criminalização da pessoa presa como</p><p>indisciplinada: o desprezo as alegações e versões dos réus, a admissão irrestrita das</p><p>comunicações internas administrativas dos ocorridos – mesmo em hipóteses de dúvida ou</p><p>contradição de narrativas –, a participação da administração penitenciária no polo acusador</p><p>(Conselho Disciplinar) e decisório (Diretor da Penitenciária), e ausência de tipicidade nas</p><p>condutas com enquadramento genérico nas previsões legais. No âmbito judicial, identificamos</p><p>o uso da mitigação do direito ao contraditório pela negativa da possibilidade de análise das</p><p>provas e da oitiva do réu, sob a justificativa do “mérito administrativo”, considerando-se apenas</p><p>como possível a anulação da falta por descumprimento de procedimento formal legal.</p><p>A partir dos resultados encontrados, propomos duas discussões para reflexão sobre os</p><p>processos de criminalização no âmbito desses processos disciplinares.</p><p>A primeira delas diz respeito a atuação do judiciário como mero “chancelador” das</p><p>decisões administrativas, o que inverte a lógica constitucional de judicialização da execução</p><p>penal. Foi confirmada pelas análises uma postura admitida pelos magistrados de permissividade</p><p>quanto a atos flagrantemente passíveis de anulação diante da total inobservância de preceitos</p><p>da dogmática penal e das garantias constitucionais resguardadas àqueles indivíduos cuja</p><p>liberdade é limitada pelo Estado. Predominantemente deixaram a cargo da administração</p><p>penitenciária</p><p>decidir sozinha sobre seus próprios conflitos envolvendo os presos, mesmo</p><p>quando presente choques de interesses como em casos de subversão à ordem e inobservância</p><p>do respeito aos agentes. Em outras palavras, o papel de jurisdição, consagrado na Constituição</p><p>Federal68 e na promulgação da LEP, parece existir de modo “facultativo”, sendo a escusa de</p><p>decisão uma negação da comprovação pública de fatos predeterminados pelas leis e pelos</p><p>requisitos relativos à taxatividade, materialidade, ofensividade e culpabilidade. Percebe-se</p><p>como o campo da execução penal segue sendo “um território de vácuo jurídico em termos de</p><p>validade e eficácia constitucional” (CARVALHO, 2008, p. 169).</p><p>Nesse sentido, no processo criminalizante das faltas graves, encontramos</p><p>características inquisitivas, ao constatarmos a posição central assumida pela administração</p><p>penitenciária, seja na “denúncia” pelas comunicações internas, na investigação pelos Conselho</p><p>Disciplinar e no julgamento pelo diretor penitenciário. Em contrapartida, o contraditório do</p><p>68 BRASIL. Constituição Federal, art. 5º, inc. XXXV: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão</p><p>ou ameaça a direito”.</p><p>98</p><p>sistema acusatório69 é exercido em sede administrativa quase como um “respiro” na tentativa</p><p>de abrir uma ferida exposta às arbitrariedades do procedimento, já que em sede judicial</p><p>majoritariamente são negados a oralidade em audiência e o exercício da jurisdição decorrente</p><p>do princípio da legalidade. Assim, ainda que a Constituição Federal tenha possibilitado um</p><p>rompimento com a lógica que sujeitava o condenado exclusivamente à administração, a partir</p><p>da introdução expressa de direitos ao preso, a lógica administrativista das teorias de primazia</p><p>da administração pública aqui segue presente pela recusa do judiciário em intervir na execução</p><p>penal.</p><p>A segunda é referente a construção do campo da execução penal como espaço de não</p><p>direito pela negação das garantias penais, o que demonstra a legitimação no âmbito judiciário</p><p>da condição da pessoa presa como mero objeto e não como sujeito de direito. Aqui, nos</p><p>debruçamos sobre o seguinte questionamento: o que permite que os presos sejam sancionados</p><p>por efeitos muito semelhantes aos da própria aplicação da pena, caracterizando quase uma</p><p>“segunda punição”, porém sem garantias de um devido processo? E, também: por que em sede</p><p>de execução penal não existe por parte do judiciário o mesmo falsealmento da aparência</p><p>garantista prometida pela dogmática penal e admitida discursivamente no julgamento de</p><p>processos criminais?</p><p>Salo de Carvalho (p. 151-152) na tentativa de buscar compreender a situação dos</p><p>reclusos em cumprimento de pena, analisa apontamentos que Celso Lafer faz, em diálogo com</p><p>Hannad Arendt, a partir da categoria de “apátrida”, em que sujeitos são destituídos da legalidade</p><p>e da jurisdição por sua “morte civil”, tornando-se objetos descartáveis para dada comunidade.</p><p>Numa tentativa de avançar para além dessa proposição, acreditamos que parte da</p><p>questão pode ser analisada sob a perspectiva da seletividade. Quanto à logica dos sistemas</p><p>penais capitalistas, Vera de Andrade já nos alerta que ela</p><p>“[...] não apenas viola a sua programação normativa (os princípios constitucionais do</p><p>Estado de Direito e do Direito penal e processual penal liberais) e teleológica (fins</p><p>atribuídos ao Direito penal e à pena), mas, num plano mais profundo, é oposto a</p><p>ambas, caracterizando-se por uma eficácia instrumental invertida, à qual uma eficácia</p><p>simbólica (legitimadora) confere sustentação”.</p><p>Ao nosso ver, podemos pensar que no caso da execução penal as classes dominantes</p><p>já se encontram devidamente resguardadas em momentos anteriores a prisão, seja por</p><p>69 As características do sistema acusatório podem ser resumidas em: o julgador é uma assembleia ou corpo de</p><p>jurados; há igualdade entre as partes em conflito, sendo o juiz um árbitro sem iniciativa investigatória; o processo</p><p>penal é oral, público e contraditório; a análise da prova se dá com base na livre convicção; a sentença faz coisa</p><p>julgada; a liberdade do acusado é a regra. (ROSA, 2017, p. 288).</p><p>99</p><p>imunizações legislativas nos crimes de “colarinho branco” ou por não serem escolhidas pelas</p><p>agências para serem perseguidas, o que as mantém longe do sistema prisional e da incidência</p><p>do poder disciplinar da administração penitenciária. Mesmo quando são excepcionalmente</p><p>punidas, são-lhes oferecidas colaborações premiadas, diminuições de pena, prisões</p><p>domiciliares, celas especiais, de modo que não participam do cotidiano da massa carcerária.</p><p>Desse modo, havendo um ambiente em que há inexistência de sujeitos pertencentes à</p><p>classe legitimada enquanto “demandante” de direitos e garantias, o ambiente carcerário vive a</p><p>incidência do fenômeno do “não direito”, inexistindo, assim, a condição de “sujeito” perante a</p><p>ordem jurídica. Em contrapartida, restam como objetos à disposição da administração</p><p>penitenciária os grupos já selecionados pelo sistema punitivo, constituídos em sua maioria pelo</p><p>povo preto das “favelas-miséria”, cuja condição de dignidade violada carrega os vestígios da</p><p>exploração e extermínio nunca superados.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Buscou-se com o presente trabalho evidenciar as contradições atinentes aos processos</p><p>de criminalização secundária a que são submetidos os presos na apuração das condutas</p><p>penalizadas. Foi possível verificar uma conjuntura de procedimentos com resquícios</p><p>inquisitivos, violação da legalidade constante na adequação de condutas a tipos extremamente</p><p>genéricos e consequências tão gravosas como os efeitos encontrados na aplicação da pena.</p><p>Embora encontradas consequências equivalentes à sanção penal no plano material, em</p><p>contrapartida o projeto de administrativização da execução penal em vigor cria empecilhos para</p><p>o desenvolvimento de um devido processo legal substancial de garantias de direitos e contenção</p><p>do poder punitivo violento. Enquanto o judiciário nega o exercício da jurisdição para apreciar</p><p>os conflitos envolvidos na apreciação das faltas graves, a administração penitenciária reina</p><p>soberana pelo poder disciplinar nas relações de subjugação dos presos. Diante da configuração</p><p>de um espaço ausente de controle judiciário, abre-se portas para que o poder político</p><p>administrativo exerça o terror e a arbitrariedade.</p><p>Questiona-se, nesse sentido, qual a condição jurídica dos condenados em nossa ordem</p><p>vigente, que não só vivem em um estado de coisas inconstitucional, mas também sequer podem</p><p>questionar as punições a eles impostas a pretexto da superioridade do mérito administrativo. É</p><p>notório como a máxima da necessidade de ordem carcerária menospreza um tratamento</p><p>penitenciário redutor de danos aos encarcerados, criando-se um reduto de poder subterrâneo.</p><p>100</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANDRADE, Vera Regina de. Pelas mãos da criminologia. O controle penal para além da</p><p>(des)ilusão. Florianópolis: Revan, 2014.</p><p>CARVALHO, Salo de. Pena e Garantias. 3. ed. rev. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris,</p><p>2008.</p><p>PAVARINI, Massimo; GIAMBERARDINO, André. Curso de penologia e execução penal.</p><p>1. ed. Florianópolis: Tirant lo Blanch, 2018.</p><p>ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica. 4. ed. São Paulo: Saraiva</p><p>Educação, 2018.</p><p>101</p><p>O DESCUMPRIMENTO DA ADPF 635 E A INSTITUCIONALIZAÇÃO DA</p><p>VIOLÊNCIA NAS COMUNIDADES DO RIO DE JANEIRO</p><p>João Teixeira Fernandes Jorge70</p><p>Introdução</p><p>Em 09/06/2020 o Supremo Tribunal Federal, nos autos da Arguição de Descumprimento</p><p>de Preceito Fundamental – ADPF 635, determinou que não fossem realizadas operações</p><p>policiais em comunidades do Rio de Janeiro/RJ, durante a pandemia de SARS-COVID 19, sob</p><p>pena de responsabilização civil e criminal, salvo em hipóteses absolutamente excepcionais, que</p><p>deveriam ser devidamente justificadas por escrito pela autoridade competente, com a imediata</p><p>comunicação ao Ministério Público</p><p>para bandidos, e não para cidadãos" (Idem).</p><p>Agravando a situação soma-se o papel da imprensa sensacionalista, que contribuiu (e</p><p>ainda contribui) para propagação dessa mensagem, "quando se tem a democratização em 1985,</p><p>se libera uma série de programas (de TV) sensacionalistas, que exploram crimes violentos com</p><p>o discurso de que 'direitos humanos são direitos de bandidos', reformulando a ideia que já vinha</p><p>se disseminando no senso comum nos anos 1970" (ZAPATER apud GRAGNANI, 2018).</p><p>É importante lembrar que a sociedade brasileira elegeu alguns políticos que defendiam</p><p>e ainda defendem esse tipo de discurso, inclusive de cidades como São Paulo, que elegeu Paulo</p><p>Maluf falando “‘Vou colocar a Rota (grupo de operações especiais da Polícia Militar de São</p><p>Paulo) na rua' para dizer 'aqui a gente não dá direitos humanos para bandido'" (Idem). E, mais</p><p>recentemente, elegeu para presidência Jair Bolsonaro, conhecido por discursos que seguem essa</p><p>linha de pensamento; para citar um exemplo, em abril de 2021, comentou a morte de um</p><p>criminoso com um tuíte dizendo “CPF cancelado”, a atualização da expressão “bandido bom é</p><p>bandido morto” (ROUBICEK, 2021).</p><p>Esse discurso explora o medo legítimo das pessoas, e coloca em antagonismo os direitos</p><p>da pessoa que cometeu o crime ou infração àqueles das vítimas, como se a garantia de direitos</p><p>humanos devesse condicionar previamente seu receptor a algum tipo de mérito, além de ser</p><p>humano, e como se garantir o direito de ambos (vítima e agressor) não fosse possível, antes,</p><p>fosse condenável.</p><p>Outros fatores apontados pelos pesquisadores são a falta de universalização dos direitos</p><p>fundamentais, de reconhecimento desses direitos enquanto tais – as classes baixas não tem</p><p>acesso, a classe média os entende como mérito pessoal e individual, as elites acedem através da</p><p>compra (segurança particular, escola particular, plano de saúde privado, etc.) – e a falta da</p><p>garantia desses direitos pelo Estado. Esses fatores contribuem para falta de autoidentificação</p><p>das pessoas enquanto sujeitas de direitos humanos, falta que se apresenta em todas as classes,</p><p>grupos sociais, inclusive entre os servidores dos sistemas prisional e socioeducativo.</p><p>2. Diretrizes da Educação em Direitos Humanos para profissionais dos sistemas prisional</p><p>e socioeducativo</p><p>14</p><p>O tema dos direitos humanos é trabalhado na formação profissional de diversas carreiras</p><p>das áreas de segurança pública e justiça brasileiras, que são orientadas pelo Plano Nacional de</p><p>Educação em Direitos Humanos (PNEDH) que prevê ações programáticas de educação para</p><p>profissionais do sistema de justiça e segurança pública em seu eixo IV (BRASIL, 2007).</p><p>As orientações são de considerar os princípios de legalidade, reconhecer necessidades</p><p>individuais e coletivas, respeitar as liberdades individuais e as diferenças sociais e culturais,</p><p>respeitar as diferenças político-ideológicas e ter valores baseados em uma ética solidária e nos</p><p>direitos humanos.</p><p>Como avalia a pesquisadora Aida Silva sobre a implementação do PNEDH no campo</p><p>da educação dos profissionais dos sistemas de segurança e justiça: “[...] essas ações ganham</p><p>força, especialmente depois do processo de abertura política, considerando que esses órgãos</p><p>foram direcionados para a defesa da instituição Estado, e não na defesa dos sujeitos, em que</p><p>eles não eram reconhecidos como sujeito de direitos. É a reconstrução de uma nova lógica e</p><p>uma nova cultura que se busca implementar na formação desses profissionais a fim de contribuir</p><p>para a efetivação de sistemas de justiça e segurança que promovam os direitos humanos e</p><p>ampliem os espaços de cidadania” (2012, p.44-45).</p><p>Como esclarece o PNEDH: “O ensino dos direitos humanos deve ser operacionalizado</p><p>nas práticas desses profissionais, que se manifestam nas mensagens, atitudes e valores presentes</p><p>na cultura das escolas e academias, nas instituições de segurança e justiça e nas relações sociais”</p><p>(BRASIL, 2007, p.48).</p><p>Existem orientações ainda em âmbito nacional mais específicas para as práticas</p><p>educativas dos profissionais do sistema prisional e socioeducativo, indicadas pela Escola</p><p>Nacional de Serviços Penais (ESPEN) e pela Escola Nacional de Socioeducação (ENS),</p><p>respectivamente, mas não iremos aprofundar este ponto aqui.</p><p>Dentro dessas diretrizes nacionais cada Estado tem autonomia para compor suas</p><p>próprias matrizes curriculares.</p><p>3. Direitos humanos na sala de aula</p><p>Em Santa Catarina a formação dos profissionais dos sistemas socioeducativo e prisional</p><p>é responsabilidade da SAP através de órgão próprio, a ACAPS.</p><p>Seguindo as diretrizes nacionais da ESPEN e ENS, a ACAPS oferece a disciplina de</p><p>Educação em Direitos Humanos (EDH) nos cursos de formação profissional para ingresso em</p><p>15</p><p>todas as carreiras da SAP (técnicos, agentes de segurança socioeducativos e policiais penais).</p><p>Além disso, também é oferecida isoladamente em formato de curso de formação continuada em</p><p>direitos humanos com duração de 16h/a.</p><p>De 2017 a 2020 lecionei a disciplina de EDH em diferentes ocasiões: na formação</p><p>profissional de agentes de segurança socioeducativo, de técnicos do sistema socioeducativo e</p><p>na formação continuada de policiais penais, em cursos especializados.</p><p>Uma das aproximações adotadas pelos docentes nessas aulas é a de formar um círculo</p><p>no primeiro encontro, e cada aluno se apresentar dizendo seu nome, formação e o que entende</p><p>por direitos humanos. E é nesse momento que aparecem algumas falas que refletem o que vimos</p><p>anteriormente, como: “direitos humanos para humanos direitos”, e que não se trata de direitos</p><p>humanos, mas sim “direito dos manos”, ou seja, que os direitos humanos supostamente</p><p>serviriam para defender bandidos. Vimos como essa linha de raciocínio se origina e é propagada</p><p>no Brasil. É preciso que o docente atue enquanto mediador entre essa visão com o que de fato</p><p>significam os direitos humanos. É preciso desconstruir este discurso, apresentando argumentos</p><p>válidos, dados científicos, e pensar junto, através do diálogo, as contradições que o tema</p><p>oferece, em uma sociedade tão desigual como a brasileira, que faz, diante mão, seus cidadãos</p><p>não se sentirem intitulados aos direitos mais fundamentais e acreditarem que os direitos</p><p>humanos servem somente àqueles que fizeram algo errado. É importante chamar a atenção dos</p><p>futuros servidores para o fato de que eles também são titulares dos mesmos direitos, que</p><p>representam um elemento essencial e irrenunciável da sua cidadania, ainda que sua vivência</p><p>cotidiana pareça desmentir este ponto, como mencionamos antes. É tarefa de uma educação</p><p>crítica convidar as pessoas a interpretar diferentemente suas experiências pessoais e a ver o</p><p>mundo com outro olhar.</p><p>Um segundo passo consiste em refletir sobre as contradições de tais percepções com a</p><p>função pública que esses agentes executam ou irão executar, com as atribuições dos cargos para</p><p>os quais se candidataram. Apesar das definições do que é ser servidor público variarem, num</p><p>sentido amplo, confluem para o entendimento de que servidor público é aquele que atua dentro</p><p>do Estado, ou em funções ligadas a ele, para servir à sociedade, ao interesse público.</p><p>Delimitando o universo de servidores para o campo do presente trabalho, temos que os</p><p>servidores dos sistemas prisional e socioeducativo tem como público, como fim de suas funções</p><p>atender àqueles que estão custodiados pelo Estado, seja em cumprimento de penas privativas</p><p>de liberdade, de medidas de segurança (no caso dos inimputáveis por doenças mentais) ou no</p><p>cumprimento de medidas socioeducativas (no caso de adolescentes em conflito com a lei).</p><p>16</p><p>Fica claro, quando analisamos as atribuições dos cargos de agentes de segurança</p><p>socioeducativo e policiais penais do estado de Santa Catarina, a vinculação de suas funções à</p><p>ótica dos direitos humanos e da garantia de direitos dessas populações, que vão além da</p><p>manutenção</p><p>do Estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pelo</p><p>controle externo da atividade policial. Ocorre que, segundo o relatório de pesquisa “Operações</p><p>policiais e violência letal no Rio de Janeiro: Os impactos da ADPF 635 na defesa da vida”,</p><p>publicado em março de 2021, pelo Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos – GENI, até</p><p>setembro de 2020 houve o respeito de forma razoável à decisão, entretanto, a partir do mês de</p><p>outubro de 2020, imotivadamente, houve aumento significativo do número de operações,</p><p>desencadeando o aumento do número de mortes. O desrespeito da decisão proferida evidencia</p><p>não só o direcionamento da violência, mas também sua institucionalização, demandando buscas</p><p>sobre sua motivação. Neste sentido, o presente estudo analisa o contexto a partir da construção</p><p>teórica desenvolvida pelo sociólogo Loïc Wacquant, que relaciona a violência institucional,</p><p>direcionada aos cidadãos mais desprovidos de recursos financeiros, ao Estado neoliberal. A</p><p>pesquisa se desenvolve por meio do método hipotético-dedutivo, lastreada na revisão</p><p>bibliográfica, e se justifica na medida em que a violência institucional, direcionada, inclusive</p><p>em desrespeito à determinações judiciais proferidas pela mais alta corte brasileira, pode ser</p><p>explicada por meio da construção teórica desenvolvida por Loïc Wacquant, no que tange as</p><p>características do Estado neoliberal. O objetivo da presente pesquisa é demonstrar que o</p><p>descumprimento das decisões proferidas na ADPF 635, bem como que a institucionalização da</p><p>70 Mestrando em Direito, cotista, na Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC, Florianópolis/SC.</p><p>joaotfj@gmail.com</p><p>102</p><p>violência nas comunidades do Rio de Janeiro/RJ, durante o período de pandemia de SARS-</p><p>COVID 19, possuem relação com o Estado neoliberal, segundo o referencial teórico adotado.</p><p>Desenvolvimento</p><p>Segundo o sociólogo Loïc Wacquant, comparando-se o Estado de bem estar social ao</p><p>Estado neoliberal, notável a maior a extensão do aparato criminal no segundo, aparato este</p><p>voltado à penalização das classes sociais mais desprovidas, bem como a sua disciplina.</p><p>Ou seja, no Estado neoliberal as polícias, os tribunal e as prisões, não são meros</p><p>instrumentos da estrutura estatal no combate à criminalidade, estes figuram como pilares</p><p>centrais que estruturam o Estado neoliberal, na tentativa de constituir mercados locais e de</p><p>realizar a subjetivação dos cidadãos à dinâmica de mercado, vezes à força, mas que atuam sob</p><p>o pretexto de uma pretensa governabilidade em espaços físicos relacionados à determinados</p><p>grupos sociais, teoricamente dissonantes.</p><p>Neste contexto o Estado é reorganizado, figurando como uma máquina de classificação</p><p>e estratificação, que lidera a implementação do neoliberalismo na sociedade, se caracterizando</p><p>pela reorganização da dimensão do Estado, marcada, principalmente, pela redução relacionada</p><p>ao campo do bem estar social, mas estendida no que tange ao aparato repressivo, se utilizando</p><p>de políticas sociais com características disciplinadoras, condicionando a assistência social à</p><p>empregos flexíveis, salários irrisório e a adoção de determinada posturas, sob as penas da lei, o</p><p>que o autor denomina como workfare.</p><p>Por outro lado, o fruto da miserabilidade decorrente do workfare é a insegurança social,</p><p>relacionada ao aumento das desigualdades e ressentimentos, especialmente em áreas urbanas</p><p>impactadas pelo trabalho flexível, que mais marginaliza do que integra tais cidadãos, obrigando</p><p>o Estado a impor sua soberania em forma de políticas penais extensivas e obscenas, o que</p><p>denomina como prisonfare, evidenciando a penalização da pobreza, contudo, também atuando,</p><p>por consequência, na constituição de novos mercados e na subjetivação desta parte da</p><p>população, ainda que de forma velada.</p><p>Segundo WACQUANT prisonfare é um termo utilizado para designar programas de</p><p>penalização da pobreza por meio do direcionamento preferencial e do emprego ativo da polícia,</p><p>dos tribunais e das prisões, bem como suas extensões, tais como a liberdade vigiada, liberdade</p><p>condicional, bases de dados de criminosos e sistemas variados de vigilância, em bairros</p><p>marginalizados e suas proximidades, local em que o proletariado pós-industrial se aglomera.</p><p>103</p><p>Segundo o autor o neoliberalismo, que figura como um projeto político, e não</p><p>econômico, é uma constelação política concreta, partindo de uma concepção de economia</p><p>“pobre”, centrada no mercado, para uma concepção sociológica “densa”, centrada no Estado,</p><p>que especifica o mecanismo institucional, a partir do mercado, desencadeando efeitos no plano</p><p>social.</p><p>Contudo, o autor também ressalta que o Estado neoliberal opera de acordo com as lutas</p><p>materiais e simbólicas travadas dentro e fora do seu campo burocrático, de acordo com as</p><p>características distintas de cada país, vezes oscilando para o Estado de bem estar social, mas</p><p>tendente ao retorno ao Estado Neoliberal.</p><p>Neste sentido, em 05/06/2020, por meio de decisão liminar monocrática,</p><p>posteriormente ratificada pelo respectivo órgão colegiado do Supremo Tribunal Federal, a partir</p><p>de ação proposta pelo Partido Socialista Brasileiro – PSB, determinada a imediata suspensão</p><p>de operações policiais em comunidade do Rio de Janeiro/RJ, durante o período de pandemia de</p><p>SARS-COVID 19, a não ser em hipóteses absolutamente excepcionais, devidamente</p><p>justificadas por escrito pela respectiva autoridade, comunicando-se o ministério público do</p><p>Estado do Rio de Janeiro, órgão responsável pela fiscalização das polícias. Também</p><p>determinado que no caso destas operações fossem adotados cuidados excepcionais,</p><p>devidamente identificados por escrito pela autoridade competente, visando a não exposição à</p><p>risco da população das comunidades, da prestação de serviços públicos sanitários e do</p><p>desempenho da ajuda humanitária.</p><p>Ocorre que, segundo o relatório “Operações Policiais e violência letal no Rio de Janeiro:</p><p>Os impactos da ADPF 635 na defesa da vida”, publicado em março de 2021, pelo Grupo de</p><p>Estudos dos Novos Ilegalismos – GENI, vinculado a Universidade Federal Fluminense – UFF,</p><p>até setembro de 2020 houve respeito, de forma razoável, à decisão, desencadeando a queda do</p><p>número de operações policiais e respectivas mortes; entretanto, a partir do mês de outubro de</p><p>2020, imotivadamente, houve significativo aumento do número de operações e consequente</p><p>número mortes.</p><p>O desrespeito às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, inicialmente de</p><p>forma monocrática, posteriormente de forma colegiada, por si só evidencia a institucionalização</p><p>da violência, eis que operações, cruéis e letais, continuaram sendo praticadas por órgãos do</p><p>Estado em diversas comunidades do Rio de Janeiro/RJ.</p><p>Desta feita, o direcionamento da violência estatal às comunidades do Rio de Janeiro/RJ,</p><p>durante o período de pandemia de SARS-COVID 19 e em desrespeito as decisões proferidas</p><p>104</p><p>pela mais alta corte do país, evidencia que a construção teórica desenvolvida por Loïc</p><p>Wacquant, em relação ao Estado neoliberal, é um instrumento apto à explicar a motivação dos</p><p>aludidos descumprimentos, bem como as razões da institucionalização da violência nas</p><p>comunidades do Rio de Janeiro/RJ, durante o período pandêmico.</p><p>Conclusão</p><p>Embora possa se vislumbrar diversas razões que remeteram as polícias ao</p><p>descumprimento das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nos autos da ADPF</p><p>635, desencadeando a prática da violência institucional em comunidades no Rio de Janeiro/RJ,</p><p>durante o período de pandemia de SARS-COVID 19, uma possível explicação para tais fatos</p><p>pode ser extraída da teoria desenvolvida por Loïc Wacquant, relacionando o contexto ao que</p><p>concebe como Estado neoliberal.</p><p>Ou seja, tendo em vista que o desrespeito às aludidas decisões se relaciona a associação</p><p>entre violência institucional e a penalização da pobreza, por meio de ações policiais, em regiões</p><p>marginalizadas,</p><p>o referencial teórico adotado pode ser utilizado como meio de interpretação do</p><p>contexto, eis que aponta no sentido de que a manutenção do Estado neoliberal demanda a</p><p>violência institucional, direcionada às populações mais carentes, na tentativa de constituir</p><p>mercados locais, bem como de implementar à dinâmica de mercado aos cidadãos que ali</p><p>sobrevivem, mesmo que por meio da violência.</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito</p><p>Fundamental 635. Requerente: Partido Socialista Brasileiro – PSB. Intimado: Estado do Rio</p><p>de Janeiro. Relator: Min. Edson Fachin. Disponível em:</p><p><https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5816502>. Acesso em: 29 ago.</p><p>2022.</p><p>Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos – GENI. Operações Policiais e violência letal no</p><p>Rio de Janeiro: Os impactos da ADPF 635 na defesa da vida. Rio de Janeiro, mar. 2021.</p><p>Disponível em: https://geni.uff.br/2021/04/05/operac%CC%A7o%CC%83es-policiais-e-</p><p>viole%CC%82ncia-letal-no-rio-de-janeiro-os-impactos-da-adpf-635-na-defesa-da-vida/.</p><p>Acesso em: 31 de ago. 2022.</p><p>WACQUANT, L. A política punitiva da marginalidade: revisitando a fusão entre</p><p>workfare e prisonfare. Tradução: Julia Alexim. Revista EPOS, Rio de Janeiro, v. 3, n. 1,</p><p>Jan./Jun. 2012.</p><p>105</p><p>WACQUANT, L. Três etapas para uma antropologia histórica do neoliberalismo</p><p>realmente existente. Tradução: Renato Aguiar. Caderno CRH, Salvador, v. 25, n. 66, p. 505-</p><p>518, Dez. 2012. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-49792012000300008>.</p><p>Acesso em: 31 de ago. 2022.</p><p>106</p><p>O ENSINO DE FÍSICA E A EDUCAÇÃO EM DIREITOS HUMANOS:</p><p>CONSTRUINDO CAMINHOS</p><p>Paola dos Santos Balestieri71</p><p>André Ary Leonel72</p><p>Introdução:</p><p>De que forma o ensino de física contribui para a construção de uma sociedade mais</p><p>justa? Partimos deste questionamento por considerarmos urgente a discussão acerca de</p><p>um Ensino de Física mais humano, em uma perspectiva da Educação em Direitos Humanos</p><p>(EDH). Um ensino de Física que se proponha a buscar a formação de sujeitos para a cidadania,</p><p>deve ir além de um ensino de conteúdos por conteúdos. É necessário, portanto, que os conceitos</p><p>científicos sejam articulados com uma formação de sujeitos de direitos. Assim, essa concepção</p><p>de educação não deve ser entendida como exclusiva das ciências humanas já que a educação</p><p>para a cidadania, bem como a EDH, deve estar entre os compromissos de todas as componentes</p><p>curriculares (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2017). Neste sentido, busca-se também desconstruir a</p><p>visão distorcida de ciência e de cientista presentes em grande parte dos livros didáticos e</p><p>reproduzida em muitas aulas de Física. Ademais, para desenvolver um Ensino de Física nesta</p><p>perspectiva, é preciso repensar a formação docente, a fim de garantir a presença destas questões</p><p>ao longo do processo formativo.</p><p>Segundo Candau (2008) e Lapa (2014), a EDH nos possibilita a reflexão dos problemas</p><p>sociais em contexto escolar, pautada na transformação social como resultado do</p><p>empoderamento de sujeitos, que é carregada para além da sala de aula e para além da escola. No</p><p>entanto, é indispensável que a formação dos professores proponha reflexões que contribuam</p><p>para o enfrentamento das opressões e desigualdades sociais. Logo, uma formação baseada na</p><p>cultura de combate às injustiças sociais é superior a uma formação despreocupada com estes</p><p>tensionamentos, independente da área de conhecimento (OLIVEIRA, 2017). Para Cortina</p><p>(2005) a EDH não se baseia na construção de conhecimento sobre Direitos Humanos (DH),</p><p>mas em uma reconstrução de valores sociais pautadas nesses direitos. Por isso a EDH contribui</p><p>71 Mestranda Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC, Bolsista UNIEDU,</p><p>Florianópolis - SC, paola.balestieri@gmail.com</p><p>72 Professor do Departamento de Metodologia de Ensino e do Programa de Pós-graduação em Educação Científica</p><p>da UFSC, Florianópolis - SC, andre.leonel@ufsc.br</p><p>107</p><p>em um ensino de física comprometido com essa reconstrução, uma vez que ela permite o</p><p>estabelecimento de diálogos entre os conteúdos específicos de ciências e os valores sociais.</p><p>Pensando nisso, esse trabalho apresentará uma ação desenvolvida com estudantes de</p><p>graduação do curso de Licenciatura em Física, da Universidade Federal de Santa Catarina</p><p>(UFSC), matriculados na disciplina de Estágio Supervisionado. O principal objetivo foi fazer</p><p>um levantamento das oportunidades e desafios encontrados por esses sujeitos ao considerarem</p><p>um diálogo entre o Ensino de Física e a EDH.</p><p>Material e métodos:</p><p>Este trabalho aborda uma investigação qualitativa desenvolvida por meio da integração</p><p>da pesquisa com estudantes de graduação do curso de Licenciatura em Física, matriculados na</p><p>disciplina de estágio supervisionado D, quarta e última disciplina de estágio supervisionado do</p><p>curso. A investigação partiu do desenvolvimento de uma sequência didática sobre Educação</p><p>em Direitos Humanos e Ensino de Física, a partir da qual foi desenvolvido um questionário</p><p>(disponível no apêndice), de onde pudemos analisar as resposta dos estudantes, a fim de fazer</p><p>um levantamento sobre suas concepções em relação a um ensino de física mais humanizado, e</p><p>quais as possibilidades e desafios para um ensino nesta perspectiva. Dentro das atividades</p><p>desenvolvidas com os participantes, contamos com a leitura e diálogo de textos sobre Educação</p><p>em Direitos Humanos e o Ensino de Física e um debate acerca de um documentário que</p><p>problematiza as relações envolvidas na construção do conceito de QI, do qual foi possível</p><p>estabelecer as contradições presentes na construções de alguns conhecimentos científicos e suas</p><p>relações com questões políticas e sociais.</p><p>Resultados e Discussão:</p><p>A partir da atividade desenvolvida na turma de Estágio e com a análise do questionário</p><p>foi possível fazer o levantamento dos desafios e possibilidades, juntamente com seus elementos</p><p>teóricos e práticos. No caso das possibilidades, categorizamos:</p><p>I) Visão da natureza da ciência: Apresenta como elemento teórico a reconstrução de uma visão</p><p>de natureza da ciência que leve em conta questões sociais e políticas existentes na construção</p><p>do conhecimento científico, além de problematizar as desigualdades nesse processo de</p><p>construção buscando uma ciência mais heterogênea.</p><p>108</p><p>II) Empoderamento dos indivíduos: Os elementos práticos que balizam o empoderamento dos</p><p>estudantes em práticas de ensino de física humanizado vão desde dar voz aos estudantes,</p><p>incentivar a participação até a discussões acerca das contribuições para a física feita por</p><p>minorias. Já o elemento prático que baliza o empoderamento do docente é a construção de uma</p><p>identidade de docente ativista.</p><p>III)Currículo: O elemento prático de atualização curricular de física da educação básica, pode</p><p>nortear práticas de EDH. Que recai nos elementos práticos de discussões mais próximas dos</p><p>alunos, uso de história e filosofia da ciência, aproveitamento das questões políticas e sociais</p><p>que surgem na sala de aula e inclusão do tema bullying, tal qual outras violações de DH.</p><p>Para o desafios levantados, categorizamos:</p><p>I)Formação inicial e continuada: O principal elemento teórico dessa dimensão é a falta de</p><p>embasamento teórico, como leituras e reflexões. O elemento prático desta dimensão é a</p><p>dificuldade em sistematizar as questões sociais e políticas em atividades estruturadas.</p><p>II)Profissão docente: Os elementos práticos desta dimensão são a falta de tempo para</p><p>planejamento, falta de material de apoio e a falta de integração entre as áreas.</p><p>III)Pressões da sociedade: Os elementos teóricos levantados nessa dimensão foram os valores</p><p>dos pais e dos alunos, e os valores do próprio professor. Já nos elementos práticos, foram citadas</p><p>as escolas particulares, que apresentam uma estrutura de formação conteudista, onde os pais</p><p>depositam uma expectativa de formação que</p><p>não condiz com uma educação para a cidadania.</p><p>Além da resistência por parte da comunidade escolar a práticas que se aproximam da</p><p>perspectiva em EDH.</p><p>Conclusão:</p><p>Para Zeichner e Diniz-Pereira (2005), o político e o crítico estão em nossas salas de</p><p>aula e em outros locais de trabalho, e as escolhas que fazemos diariamente em nossos ambientes</p><p>de trabalho revelam nossos compromissos morais em relação à continuidade ou transformação</p><p>social. Não podemos ser neutros!</p><p>Portanto, a formação desses indivíduos precisa ser transformadora tal qual a educação</p><p>que defendemos. Neste sentido, concordamos com Oliveira (2017) ao afirmar que, uma</p><p>formação para a luta contra assimetrias da nossa sociedade capitalista é superior a uma</p><p>formação que não esteja preocupada com essas questões. E ainda, de acordo com Leonel (2015)</p><p>a formação dos professores traz em seu cerne as marcas do tempo que a envolve, como um</p><p>processo histórico que se entrelaça às demandas e aos anseios da sociedade em geral. Assim,</p><p>109</p><p>ao mesmo tempo em que as instituições procuram ofertar uma formação docente que atenda a</p><p>essas demandas e anseios, espera-se que os professores em sala de aula tenham condições que</p><p>garantam um processo de formação permanente e se comprometam com a superação dos</p><p>engessamentos presentes na escola e com a promoção de uma formação científica e tecnológica</p><p>capaz de levar os estudantes a assumir um papel mais ativo em todas as instâncias da sociedade.</p><p>Um ensino comprometido com a construção da justiça social e não apenas com a transmissão</p><p>de conteúdos (LEONEL et al, 2021).</p><p>Assim, cabe reforçar que essa formação não se encerra com a formação inicial, uma</p><p>vez que, o caminho para formar cidadãos é o caminho de nos formarmos cidadãos, enquanto</p><p>formamos cidadãos (OLIVEIRA; QUEIROZ, 2017). É o aprender com o outro e, juntos, nos</p><p>engajarmos na árdua tarefa que é a vida em sociedade. Nesse sentido, é importante transformar</p><p>a formação de professores e o ensino de Física em espaços de encontros em que se possa</p><p>experimentar a prática da cidadania (LEONEL et al, 2021).</p><p>Essa pesquisa buscou fazer um levantamento dos principais desafios e oportunidades de</p><p>um ensino de física mais humanizado no âmbito da formação inicial, em específico no contexto</p><p>do estágio supervisionado.</p><p>A partir da análise da ação, concluiu-se que dentro das principais possibilidades estão a</p><p>ação de empoderamento dos indivíduos envolvidos no processo de ensino-aprendizagem e uma</p><p>reformulação curricular da física. Já os desafios encontrados vão desde as demandas que</p><p>envolvem a formação de professores de física, até questões de cunho sociais e políticos</p><p>presentes na sociedade.</p><p>Referências:</p><p>CANDAU, V, M. F. Direitos humanos, educação e interculturalidade: as tensões entre</p><p>igualdade e diferença. Revista Brasileira de Educação, v.13, n. 37. 2008.</p><p>CORTINA, A. Cidadãos do mundo: para uma teoria da cidadania. São Paulo: Edições</p><p>Loyola, 2005.</p><p>LAPA, F. Clínica de Direitos Humanos: uma alternativa de formação em Direitos</p><p>Humanos para cursos jurídicos no Brasil. 2014. Tese (Doutorado em. Pontifícia</p><p>Universidade Católica de São Paulo. Disponível em:</p><p><https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/16134/1/Fernanda%20Brandao%20Lapa.pdf>.</p><p>Acesso em: 24 jun. 2022.</p><p>LEONEL A. A. Formação continuada de professores de física em exercício na rede</p><p>pública estadual de Santa Catarina: lançando um novo olhar sobre a prática. Tese de</p><p>110</p><p>doutorado. Programa de Pós-graduação em Educação Científica e Tecnológica da UFSC.</p><p>Florianópolis, SC - 2015.</p><p>LEONEL, A. A; BALESTIERI, P. S; FRANKE, S. M. P; RAKOS, F.M. Formação Docente</p><p>para um Ensino de Física Humanizado. In: SANTOS, A. G. F; QUEIROZ, G. R. P. C;</p><p>DALMO, R. Conteúdos Cordiais: Física Humanizada para uma Escola sem Mordaça. 1.</p><p>ed. São Paulo: Livraria da Física, 2021. cap. 11. pg. 215-234.</p><p>OLIVEIRA, L, V, D. R. A formação de professores de ciências em uma perspectiva de</p><p>Educação em Direitos Humanos. 2017. Tese (Doutorado). Centro Federal de Educação</p><p>Tecnológica Celso Suckow da Fonseca. Rio de Janeiro.</p><p>OLIVEIRA, R. D. V. L. e QUEIROZ, G. R. P. C. Uma Introdução aos Conteúdos Cordiais:</p><p>Pensar as Ciências com a Razão do Coração. Conteúdos Cordiais: Química Humanizada</p><p>para uma Escola sem Mordaça. 1. ed. – São Paulo: Editora Livraria da Física, 2017.</p><p>ZEICHNER, Kenneth M., DINIZ-PEREIRA, Júlio Emílio. Pesquisa dos educadores e</p><p>formação docente voltada para a transformação social. Cadernos de Pesquisa, vol 35, n.</p><p>124, p. 63-80, mai/ago, 2005.</p><p>111</p><p>O IMPACTO DOS CASOS FAVELA NOVA BRASÍLIA E MÁRCIA BARBOSA DE</p><p>SOUZA NA LEGISLAÇÃO BRASILEIRA DE COMBATE À VIOLÊNCIA CONTRA</p><p>AS MULHERES</p><p>Ana Carolina Lopes Olsen73</p><p>Débora Rozatti Camilo Reeck74</p><p>Luana Lidório75</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A presente pesquisa científica busca destacar as sentenças proferidas pela Corte</p><p>Interamericana de Direitos Humanos nos casos Favela Nova Brasil e Barbosa de Souza em que</p><p>o Estado brasileiro foi condenado pela violência perpetuada contra as mulheres.</p><p>Nesse sentido, evidencia-se a incursão policial ocorrida no ano de 1994, na Favela Nova</p><p>Brasília, localizada na capital do Rio de Janeiro. Dentre todas as violações de direitos humanos</p><p>sofridas neste contexto, destaca-se o abuso sexual praticado por agentes da segurança pública</p><p>contra três vítimas mulheres. Todavia, como ficou demonstrado naquele caso, em que o Brasil</p><p>foi condenado em 2017, o Estado não atuou de forma ativa para apurar e responsabilizar os</p><p>agentes.</p><p>Também no caso do feminicídio de Marcia Barbosa de Souza, julgado pela Corte</p><p>Interamericana de Direitos Humanos no ano de 2021, ficou demonstrada a incapacidade do</p><p>Estado de lidar com a violência de gênero, ainda que a violência sexual não tenha sido objeto</p><p>da demanda.</p><p>O ponto em comum das duas condenações foi a violência institucional sofrida pelas</p><p>vítimas, na medida que houve o descaso com as investigações, bem como as suas revitimizações</p><p>no decorrer dos anos.</p><p>Nesses dois casos, verificou-se que o Estado teve papel determinante na impunidade da</p><p>violência contra as mulheres, seja violência física seja sexual, já que ele falhou em prevenir, e</p><p>depois investigar e responsabilizar aqueles que integram seus próprios quadros (seja na</p><p>qualidade de agentes de segurança pública, seja no caso de detentor de cargo político) pela</p><p>73 Doutora em Direito pela PUCPR, Professora do Centro Universitário Católica de Santa Catarina – Joinville/SC.</p><p>74 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Joinville/SC</p><p>75 Acadêmica do Curso de Direito do Centro Universitário Católica de Santa Catarina - Joinville/SC. Endereço</p><p>eletrônico: luana.lidorio@gmail.com.br</p><p>112</p><p>violação de direitos humanos. Vale ainda reforçar que o próprio Judiciário foi omisso e</p><p>negligente.</p><p>A necessidade e a importância da pesquisa concentram-se em dar maior visibilidade a</p><p>este tipo de violência que é, infelizmente, tão frequente na sociedade atual, assim como o fato</p><p>do Poder Judiciário não possuir o preparo necessário para lidar com crimes dessa natureza e</p><p>cumprir de modo efetivo com os compromissos internacionais firmados pelo Brasil.</p><p>A partir desse quadro, desenhou-se como problema de pesquisa a investigação acerca</p><p>das mudanças legislativas introduzidas no Brasil após essas sentenças para o fim de tratar do</p><p>tema da violência contra as mulheres e sua efetiva investigação e punição, a fim de verificar o</p><p>impacto no plano legislativo doméstico das decisões do sistema interamericano de direitos</p><p>humanos.</p><p>A hipótese a ser confirmada é que, diante da análise das alterações legislativas</p><p>posteriores às sentenças, se pode reconhecer que o Estado brasileiro tem atuado em consonância</p><p>com as decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Notadamente as Leis n. 13.431</p><p>de 2017 (Lei do Depoimento Especial) e n. 14.245 de 2021 (Lei Mariana Ferrer) são reflexos</p><p>de que o Brasil adotou normas de direito interno como um meio de proteger a dignidade da</p><p>vítima em processos que abrangem violência sexual e física. Aliada a elas, necessário enfatizar</p><p>também ato normativo do Conselho Nacional de Justiça, que editou o Protocolo para</p><p>Julgamento com Perspectiva de Gênero, a fim de orientar os magistrados no enfrentamento</p><p>dessa temática.</p><p>Os atos normativos supracitados têm o objetivo principal de evitar a revitimização e</p><p>amenizar os traumas emocionais que eventualmente podem ser ocasionados pela participação</p><p>da ofendida em juízo, assim como produzir um resultado eficaz na investigação e punição dos</p><p>responsáveis. Nesse sentido, compreende-se que, formalmente, o Brasil notoriamente combateu</p><p>a violência contra a mulher sob a perspectiva de gênero, especialmente com foco nos crimes</p><p>sexuais, situação em que a população feminina continua sendo o principal alvo. Em</p><p>contrapartida, a eficácia social dessas medidas permanece uma questão em aberto.</p><p>Em 2021, foi realizado o julgamento de cinco policiais acusados pelas mortes no caso</p><p>Favela Nova Brasília, e eles foram inocentados por falta de provas. Fato é que a própria colheita</p><p>de provas havia sido prejudicada pela demora no processo e pela atuação negligente da Polícia</p><p>Civil. O Estado brasileiro chancelou nesse julgamento sua própria negligência. Os atos de</p><p>violência sexual referentes a esse caso ainda se encontram pendentes de julgamento (CONJUR,</p><p>2021).</p><p>113</p><p>A Lei do Depoimento Especial (BRASIL, 2017) versa sobre diversas garantias no que</p><p>diz respeito à oitiva de crianças e adolescentes perante o Poder Judiciário, com o objetivo de</p><p>reduzir a sua revitimização. O procedimento de oitiva da criança ou do adolescente é distinto</p><p>de uma audiência tradicional, de modo que são ouvidas uma única vez “em ambiente acolhedor</p><p>separado da sala de audiência, com instalação de câmeras e equipamentos tecnológicos,</p><p>auxiliado por um profissional capacitado para adaptar as perguntas formuladas por juízes,</p><p>promotores e defensores/advogados para a pessoa em desenvolvimento” (SOUZA, 2018, p. 8).</p><p>Já a Lei Mariana Ferrer, recentemente sancionada, tem a função de “coibir a prática de</p><p>atos atentatórios à dignidade da vítima e de testemunhas” (BRASIL, 2021). Nesse sentido, a</p><p>referida Lei incluiu no Código de Processo Penal Brasileiro o artigo 400-A e 474-A. Esta Lei</p><p>teve como inspiração na grave humilhação praticada pelo advogado da parte ré contra a vítima</p><p>de estupro de vulnerável, Mariana Ferreira Borges, durante audiência de instrução e julgamento</p><p>perante o Poder Judiciário de Santa Catarina. O ocorrido ganhou uma repercussão notória, pelo</p><p>fato de o magistrado que presidiu o ato, bem como o representante do Ministério Público, não</p><p>intervirem no momento em que a vítima era atacada pelo advogado de defesa (FERREIRA,</p><p>2021, p. 14).</p><p>A atuação do Judiciário foi objeto também do Protocolo para Julgamento com</p><p>Perspectiva de Gênero, criado pelo Conselho Nacional de Justiça em 2021. Vale ressaltar que</p><p>o documento menciona especificamente o caso Márcia Barbosa de Souza como um “caso</p><p>emblemático” a respeito de violência de gênero. O respectivo documento dispõe acerca da</p><p>conduta dos magistrados ao trabalharem com esta temática, bem como prevê conceitos básicos</p><p>(sexo, gênero, identidade de gênero e sexualidade) e questões centrais sobre violência de</p><p>gênero, dentre as quais o estereótipo de gênero (CNJ, 2021). Nesse particular, importa ressaltar</p><p>que no caso Márcia Barbosa de Souza a Corte Interamericana “destacou o estereotipo de gênero</p><p>que se evidencia nas atuações das autoridades brasileiras, durante o processo que resultou</p><p>discriminatório e feriu a dignidade da vítima” (OLSEN, 2022). Tanto o Protocolo quanto a Lei</p><p>14.245 se revelam como esforços para o enfrentamento das visões estereotipadas empregadas</p><p>pelos agentes do Estado que acabam por gerar violência de gênero.</p><p>Nessa perspectiva, o protocolo compreende de uma forma interessante a violência de</p><p>gênero, descrevendo que “o seu caráter peculiar está não no fato de a vítima ser mulher, mas,</p><p>sim, por conta de ela ser cometida em razão de desigualdades de gênero” (CNJ, 2021, p. 30).</p><p>Em outras palavras, o simples fato de uma mulher ter sido vítima de um acidente de trânsito</p><p>114</p><p>não se enquadra como violência de gênero, todavia, o fato dessa mulher ter sido vítima de</p><p>violência doméstica, por exemplo, altera esta visão.</p><p>Desse modo, verifica-se na pesquisa a visão da violência institucional em crimes de</p><p>natureza sexual contra a mulher.</p><p>Diante essa perspectiva, há autores que compreendem que a violência institucional se</p><p>limita por atos praticados pelo setor público, como escolas, hospitais, delegacias e o próprio</p><p>judiciário, de forma que os agentes possuem prerrogativa em proteger e garantir os direitos da</p><p>vítima, mas acabam a revitimando (TAQUETTE, 2007, p. 96 apud ALMEIDA; MOREIRA,</p><p>2021).</p><p>Como forma de lidar com o despreparo dos servidores públicos ao depararem com</p><p>processos dessa espécie, o Conselho Nacional de Justiça emitiu a Resolução n. 254 de 2018,</p><p>em que nos artigos 9° ao 11, preocupam-se em abordar a violência institucional contra a mulher.</p><p>Sob essa ótica, há de se considerar que as medidas para punir a violência institucional</p><p>contra a mulher é pouco efetiva, tendo em vista que a punição das autoridades públicas ainda é</p><p>baixa. Almeida e Moreira (2021, p. 8) explicam que há dois motivos para que não seja apurado</p><p>e punido tais condutas: o primeiro seria que existe uma dificuldade da vítima denunciar, haja</p><p>vista que se sente amedrontada ou inferiorizada ao se deparar perante uma autoridade e por isso</p><p>essas situações ainda são persistentes. Já o segundo motivo, está ligado pela sua dificuldade de</p><p>reconhecer, o que consequentemente acaba gerando a punibilidade de quem pratica.</p><p>Ante ao exposto, verifica-se que embora o legislador tenha formulado diversas leis e</p><p>medidas para coibir a violência de gênero após as devidas sanções impostas ao Brasil, na prática</p><p>acaba tendo um resultado adverso do que esperado. As mesmas violências que as mulheres nos</p><p>casos da Corte IDH sofreram, tanto sexual como institucional, ainda estão presentes no</p><p>cotidiano da população feminina brasileira.</p><p>O método de pesquisa utilizado é o dedutivo. Isto porque parte de uma premissa maior,</p><p>qual seja explicar os casos julgados na Corte Interamericana de Direitos Humanos, para que</p><p>posteriormente foque nas alterações legislativas ocorridas após as sentenças proferidas. Nesse</p><p>contexto, a conclusão que a há de se chegar é que se o Brasil se comprometeu em combater a</p><p>violência sexual contra as mulheres. O método de procedimento empregado é o monográfico,</p><p>tendo em vista foi realizado um estudo acerca violência sexual sob a perspectiva de gênero,</p><p>preocupando-se em apresentar conceitos e informações sobre a violência contra a mulher.</p><p>Quanto às técnicas de pesquisa que foram abordadas durante os estudos, pode-se citar:</p><p>a quantitativa, haja vista que houve a aplicação e a análise de estatísticas; a exploratória,</p><p>115</p><p>considerando o levantamento de diversos materiais sobre a violência sexual e a violência de</p><p>gênero; bem como a técnica de pesquisa bibliográfica e documental, visto que utilizou-se de</p><p>artigos científicos, livros, monografias, assim como o uso de legislações internas e sentenças</p><p>da Corte Interamericana de Direitos Humanos.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Portaria CNJ n. 27, de 2 fev. 2021.</p><p>Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/10/protocolo-18-10-2021-</p><p>final.pdf. Acesso em: 28 maio 2022</p><p>CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA (Brasil). Resolução CNJ n. 254, de 4 set. 2018.</p><p>Disponível em:</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2669#:~:text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Judic</p><p>i%C3%A1ria%20Nacional,Judici%C3%A1rio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C</p><p>3%AAncias. Acesso em: 10 ago. 2022</p><p>CORTE IDH. Caso Barbosa</p><p>de Souza e outros vs. Brasil. 7 set. 2022. Disponível em:</p><p>https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_435_por.pdf. Acesso em: 30 mar. 2022</p><p>CORTE IDH. Caso Favela Nova Brasília vs. Brasil. 16 fev. 2017. Disponível em:</p><p>http://www.corteidh.or.cr/sitios/libros/todos/docs/genero1.pdf. Acesso em: 10 mar. 2022.</p><p>SOUZA, Damiana Vania da Silva. Depoimento Especial de Crianças e Adolescentes: Uma</p><p>análise à luz da Lei n. 13.431/2017. Orientador: Me. Allison Haley dos Santos. 2018. 91 p.</p><p>Trabalho de conclusão de curso (Especialização em Direito Penal e Processo Penal) -</p><p>Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande/PB, 2018. Disponível em:</p><p>http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/xmlui/bitstream/handle/riufcg/13468/DAMIANA%20VAN</p><p>IA%20DA%20SILVA%20SOUZA%20-</p><p>%20TCC%20Especializa%c3%a7%c3%a3o%20Direito%20Penal%20e%20Processo%20Pen</p><p>al%202018.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 21 abr. 2022.</p><p>DE ALMEIDA, Ediane Franciele; MOREIRA, Glauco Roberto Marque. A Violência</p><p>Institucional Contra a Mulher: Reflexos negativos e os causadores de sua habitualidade.</p><p>2021. 18 f. Dissertação (Discente do curso de Direito) - Centro Universitário Antônio</p><p>Eufrásio de Toledo, Toledo Prudente/SP, 2021. Disponível em:</p><p>http://intertemas.toledoprudente.edu.br/index.php/ETIC/article/view/9194/67650962. Acesso</p><p>em: 10 ago. 2022.</p><p>FERREIRA, Jarluany Emiliano. Os percursos da violência institucional: da Lei de Abuso</p><p>de Autoridade ao Caso Mariana Ferrer. Orientador: Dr. Jairo Rocha Ximenes Ponte. 2021.</p><p>27 p. Trabalho de conclusão de curso (Bacharel em Direito) - Universidade Federal Rural do</p><p>Semi-Árido, Mossoró/RN, 2021. Disponível em:</p><p>http://repositorio.ufersa.edu.br/handle/prefix/6478. Acesso em: 22 abr. 2022.</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2669#:~:text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Judici%C3%A1ria%20Nacional,Judici%C3%A1rio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2669#:~:text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Judici%C3%A1ria%20Nacional,Judici%C3%A1rio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2669#:~:text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Judici%C3%A1ria%20Nacional,Judici%C3%A1rio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias</p><p>https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/2669#:~:text=Institui%20a%20Pol%C3%ADtica%20Judici%C3%A1ria%20Nacional,Judici%C3%A1rio%20e%20d%C3%A1%20outras%20provid%C3%AAncias</p><p>https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_435_por.pdf</p><p>https://www.corteidh.or.cr/docs/casos/articulos/seriec_435_por.pdf</p><p>116</p><p>OLSEN, Ana Carolina Lopes. El caso Márcia Barbosa vs. Brasil: un precedente</p><p>transformador que clama por efectividad. Agenda Estado de Derecho, 10 mar. 2022.</p><p>Disponível em: https://agendaestadodederecho.com/el-caso-marcia-barbosa-vs-brasil-un-</p><p>precedente-transformador-que-clamapor-efectividad/. Acesso em: 20 ago. 2022.</p><p>https://agendaestadodederecho.com/el-caso-marcia-barbosa-vs-brasil-un-precedente-transformador-que-clamapor-efectividad/</p><p>https://agendaestadodederecho.com/el-caso-marcia-barbosa-vs-brasil-un-precedente-transformador-que-clamapor-efectividad/</p><p>117</p><p>PROJETO PERMANEÇA! INFREQUÊNCIA, ABANDONO E EVASÃO ESCOLAR,</p><p>RELACIONADOS ÀS DESIGUALDADES SOCIAIS, NA REDE ESTADUAL DE</p><p>ENSINO DE SANTA CATARINA</p><p>Beatris Clair Andrade76</p><p>Cleusa Matiola Petrovcic77</p><p>Daniel Dall'Igna Ecker78</p><p>Débora Ruviaro79</p><p>Diogo Fiorello Foppa80</p><p>Fabíolla Carpes Krämer81</p><p>Fernanda Zimmermann Forster82</p><p>Fernanda Machado Falcão83</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>O Projeto PERMANEÇA surge a partir da necessidade de ações de cunho científico,</p><p>técnico e pedagógico que estimulem a permanência de estudantes nas Unidades Escolares e a</p><p>conclusão do ensino médio. Conforme prevê o Plano Estadual de Educação de Santa Catarina</p><p>2015-2024 - PEE - (SANTA CATARINA, 2016) na sua estratégia 3.11, é de competência do</p><p>estado “Implementar políticas de prevenção à evasão motivada por preconceito ou por</p><p>quaisquer formas de descriminação, criando rede de proteção contra formas associadas à</p><p>exclusão”.</p><p>Entende-se por infrequência escolar a ausência regular injustificada do/a estudante na</p><p>escola. Por abandono escolar, quando o/a estudante para de frequentar a escola durante</p><p>qualquer período do ano letivo, e, evasão escolar, quando o/a estudante não efetua a matrícula</p><p>ou não retorna às aulas no ano seguinte.</p><p>O Estado de Santa Catarina possui o APOIA – Programa Aviso por Infrequência do</p><p>Aluno – para combater o abandono escolar, por meio da busca ativa de estudantes que deixam</p><p>76 Graduação em Ciências Biológicas. Esp. em Educação - Proeja, Mestrado em Educação. Secretaria de Estado</p><p>da Educação. Florianópolis SC. beatrisca@sed.sc.gov.br</p><p>77 Graduação em Pedagogia e em Ciências Biológicas. Esp. em Gestão Ambiental. Mestrado em Clima e Ambiente.</p><p>Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC. cleusamatiola@sed.sc.gov.br</p><p>78 Graduação em Psicologia. Mestrado e Doutorado em Psicologia Social e Institucional. Secretaria de Estado da</p><p>Educação. Florianópolis SC. danielecker@sed.sc.gov.br</p><p>79 Graduação e Mestrado em Serviço Social. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>deborarvro@gmail.com</p><p>80 Graduação em Psicologia. Esp. em Psicologia na Saúde. Mestrado em Saúde Mental. Secretaria de Estado da</p><p>Educação. Florianópolis SC. diogofoppa@gmail.com</p><p>81 Graduação em Pedagogia. Esp. em Psicopedagogia. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>fabiollaccarpes@sed.sc.gov.br</p><p>82 Graduação e Mestrado em História. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>fernandaforster@sed.sc.gov.br</p><p>83 Graduação e Esp. em Serviço Social. Secretaria de Estado da Educação. Florianópolis SC.</p><p>fernadafalcao@sed.sc.gov.br</p><p>118</p><p>de frequentar a escola. O APOIA foi estruturado em 2001 por Acordo de Cooperação em</p><p>parceria entre SED, Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), Associação Catarinense dos</p><p>Conselheiros Tutelares, União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME),</p><p>Federação Catarinense de Municípios (FECAM), Tribunal de Justiça (TJSC), e foi aprimorado</p><p>com o Sistema APOIA Online por meio do Termo de Cooperação Técnica 24/201384.</p><p>Como mais uma ação dentro deste âmbito, foi criado em 2022 o Programa Bolsa</p><p>Estudante, uma iniciativa criada para combater a evasão escolar de estudantes do Ensino Médio</p><p>regular e Ensino Médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da rede estadual de ensino.</p><p>Atualmente, o Programa é gerido pela Diretoria de Planejamento e Políticas Educacionais e</p><p>pela Diretoria de Ensino, da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina. O Programa</p><p>traz na sua origem o cumprimento da Estratégia 3.15 do PEE-2015/2024: “Fomentar programa</p><p>voltado à permanência (bolsa de estudo) dos alunos na escola de tempo integral, especialmente</p><p>no ensino médio inovador” (SANTA CATARINA, 2016, p.34).</p><p>Promulgado pela Lei Estadual nº 18.338/2022 (SANTA CATARINA, 2022), o</p><p>Programa teve início em maio de 2022, e prevê um auxílio financeiro de até R$ 6.250,00 anual,</p><p>pago em 11 parcelas mensais de R$ 568,00. Para receber o auxílio, o/a estudante deve estar</p><p>matriculado/a no Ensino Médio regular ou Ensino Médio da EJA em escolas da rede estadual</p><p>de SC e atingir 75% de frequência, enquanto a família do/a estudante deve estar inscrita no</p><p>Cadastro Único (CadÚnico) do Governo Federal. A seleção ocorrerá anualmente, mediante</p><p>avaliação do grau de carência socioeconômica, respeitando-se o limite orçamentário.</p><p>Para além do auxílio financeiro a estudantes de famílias economicamente vulneráveis,</p><p>— ação esta entendida como de extrema relevância para combater a infrequência, o abandono</p><p>e a evasão escolar — entende-se que é necessário qualificar o Programa Bolsa Estudante,</p><p>promovendo práticas que ampliem não só o escopo de alcance do programa mas que</p><p>complementam as ações no sentido de promover a prevenção e o combate à evasão e ao</p><p>abandono escolar no ensino médio.</p><p>É de amplo conhecimento na literatura científica (BRASIL, 2021; SOARES et al.,</p><p>2015) e a partir da experiência do programa APOIA da Secretaria de Estado da Educação de</p><p>Santa Catarina - SED85, que entre os principais motivos para evasão escolar nas redes públicas</p><p>84 Para conhecer melhor o Programa APOIA acesse: https://www.mpsc.mp.br/programas/apoia.</p><p>85 Portal “Educação na Palma da Mão”, que registra o Censo da Educação Básica em SC pela SED/SC, no qual</p><p>encontra-se os registros estatísticos on-line do “Programa Aviso por Infrequência do Aluno (APOIA)”. Disponível</p><p>em:</p><p><https://app.powerbi.com/view?r=eyJrIjoiMjk5NDJkZTctNjdkYS00NThmLTgyM2MtZmZhOTcwMWNlMjliIi</p><p>widCI6ImExN2QwM2ZjLTRiYWMtNGI2OC1iZDY4LWUzOTYzYTJlYzRlNiJ9>. Acesso em: 15 out 2022.</p><p>https://www.mpsc.mp.br/programas/apoia</p><p>119</p><p>de ensino estão questões relacionadas com a pobreza, situação econômica desfavorável, e com</p><p>a necessidade de ingresso precoce no mercado de trabalho. Para uma sociedade mais justa e</p><p>equânime, que caminhe em direção ao progresso, tanto científico e econômico quanto social e</p><p>cultural, é necessário apostar e investir em educação básica, sendo o ensino médio uma etapa</p><p>estratégica deste processo. Conforme evidencia a bibliografia, é no ensino médio que reside a</p><p>maior taxa de infrequência, abandono e evasão escolar (BRASIL, 2021; IBGE, 2019; NERI,</p><p>2009).</p><p>O Projeto PERMANEÇA é uma iniciativa da Coordenação de Educação em Direitos</p><p>Humanos e Diversidade (COED), inserida na Gerência de Modalidades e Diversidades</p><p>Curriculares (GEMDI), vinculada à Diretoria de Ensino (DIEN) da Secretaria de Estado da</p><p>Educação de Santa Catarina (SED) que encontra-se em andamento. De maneira geral busca,</p><p>no âmbito da educação estadual, promover práticas científicas, técnicas e pedagógicas de</p><p>combate à infrequência, ao abandono e à evasão escolar relacionadas às desigualdades sociais,</p><p>além de qualificar e fomentar a discussão sobre a concessão das Bolsas de Estudo.</p><p>METODOLOGIA</p><p>Metodologicamente o Projeto está fundamentado em três eixos metodológicos:</p><p>Primeiro, a construção de ferramentas para monitoramento dos dados quantitativos e</p><p>qualitativos relacionados à Bolsa Estudante, tais como o mapeamento regionalizado e a</p><p>avaliação do impacto socioeducacional decorrente da distribuição das bolsas. Para tanto, será</p><p>fomentada a elaboração de um painel de monitoramento através de articulações e parcerias</p><p>com Instituições do Ensino Superior (IES) de SC, laboratórios e grupos de pesquisas sociais e</p><p>da área da educação.</p><p>Segundo, a elaboração de um Caderno Pedagógico que sirva de base e guia para os</p><p>educadores no debate sobre as desigualdades e iniquidades sociais, considerando a importância</p><p>da garantia de benefícios sociais, no contexto educacional, para a garantia do Direito Social à</p><p>educação de qualidade. O foco do material será estimular ações pedagógicas e o favorecimento</p><p>da discussão com toda comunidade escolar, em especial com os/as estudantes, sobre a</p><p>temática.</p><p>E, por último, o aprimoramento dos fluxos e estratégias de busca ativa que possam</p><p>trazer maior efetividade no retorno dos estudantes infrequentes e evadidos da escola, tanto para</p><p>diminuir o número de registros do APOIA quanto para aumentar o número de alunos</p><p>120</p><p>contemplados com o Programa Bolsa Estudante, que por algum motivo ainda não acessaram a</p><p>bolsa.</p><p>A proposta busca alcançar todas as Unidades Escolares estaduais, bem como os/as</p><p>profissionais da educação que atuam no Órgão Central e nas Coordenadorias Regionais de</p><p>Educação de Santa Catarina, e, de maneira geral, toda sociedade catarinense.</p><p>No que tange à construção de ferramentas para monitoramento dos dados quantitativos</p><p>e qualitativos, será fomentada a elaboração de um painel de monitoramento através de</p><p>articulações e parcerias. O Caderno Pedagógico será construído pela equipe da COED da SED.</p><p>O material conterá uma introdução a discussões sobre desigualdades e iniquidades sociais,</p><p>referências teóricas, indicações artísticas e bibliográficas, orientações e propostas de atividades</p><p>sociopsicopedagógicas a serem implementadas nas Unidades Escolares e na comunidade.</p><p>A divulgação do Caderno Pedagógico será de responsabilidade da Secretaria de</p><p>Estado da Educação como um todo, para que as informações cheguem a todas as Unidades</p><p>Escolares estaduais do estado.</p><p>O aprimoramento de protocolos de busca ativa será realizado de forma coletiva, a</p><p>partir de formações continuadas executadas pelo COED do Órgão Central da Secretaria, e das</p><p>equipes multidisciplinares das Coordenadorias Regionais de Educação, contemplando as</p><p>necessidades das Unidades Escolares conforme os dados apresentados no painel, de forma</p><p>territorializada.</p><p>O processo de aproximação de conhecimento das realidades será contínuo, sistêmico</p><p>e passível de avaliação e reorganização. Só assim é possível se pensar em garantir a</p><p>permanência dos alunos na escola, diminuindo os registros no Sistema APOIA Online</p><p>alcançando desta forma o objetivo da busca ativa de levar o estado ao cidadão.</p><p>O Projeto PERMANEÇA será lançado por meio de uma live, com o objetivo de</p><p>apresentar o projeto a toda a comunidade escolar catarinense. A live ocorrerá no final do</p><p>segundo semestre de 2022. Algumas ações já estão ocorrendo antes mesmo do lançamento</p><p>oficial do Projeto, como será apontado abaixo.</p><p>DISCUSSÃO</p><p>Algumas etapas do Projeto PERMANEÇA já estão ocorrendo de maneira paralela. O</p><p>Programa Bolsa Estudante entrou em execução em 2022 e os beneficiários que contemplam</p><p>todos os requisitos já estão recebendo as parcelas desde maio, com parcelas retroativas a</p><p>121</p><p>fevereiro deste ano. Ao total foram contemplados 57.060 mil estudantes do Ensino Médio</p><p>regular e Ensino Médio da EJA em escolas da rede estadual de SC.</p><p>De maneira geral, o Programa Bolsa Estudante tem cumprido os seus objetivos de</p><p>distribuição de Bolsas de Estudo para estudantes do ensino médio. Porém, muitos desafios</p><p>estão sendo identificados no decorrer deste processo. Tendo como corte o mês de agosto de</p><p>2022, três meses após o início do pagamento das bolsas, um total de 63,69% (36,341) bolsas</p><p>haviam sido enviadas aos bancos para o pagamento86.</p><p>Entre os principais motivos destes números abaixo do esperado, identificou-se 2 fatores:</p><p>A ausência de frequência suficiente, 18,79% (10,719) dos estudantes não tinham frequência</p><p>suficiente para o recebimento, e, 14,53% (8,289) dos contemplados não haviam cadastrado uma</p><p>conta bancária junto a Unidade Escolar.</p><p>De maneira geral, é possível inferir que os motivos de não acesso à Bolsa Estudante,</p><p>inclusive dos que já foram automaticamente contemplados, residem justamente nos fatores em</p><p>que o Projeto PERMANEÇA pretende atuar, seja a infrequência, o abandono e a evasão.</p><p>Ações concomitantes já iniciaram para a reversão destas porcentagens de não acesso</p><p>à Bolsa, tais quais o trabalho coordenado pela equipe pelo COED do Órgão Central da</p><p>Secretaria de busca ativa de todos os/as estudantes que não haviam cadastrado conta bancária</p><p>junto às escolas, em todo território catarinense, junto às Coordenadorias Regionais de</p><p>Educação. Outras forças tarefas como a revisão sistematizada do quantitativo de infrequência</p><p>registrados nos sistemas pelos professores também encontram-se em execução.</p><p>O objetivo é que no início do primeiro semestre de 2023 o Projeto PERMANEÇA</p><p>esteja em pleno desenvolvimento.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>É inegável a importância de tais ações nas Políticas Públicas de Educação. Em uma</p><p>sociedade marcada pela desigualdade e pela falta de acesso aos serviços públicos, a não</p><p>frequência regular de crianças e adolescentes à escola configura-se como clara violação de</p><p>direitos sociais básicos.</p><p>A escola, parte integrante do sistema de garantia de direitos, ao fazer uso desta</p><p>estratégia fortalece sua função protetiva, previne a ruptura de vínculos, promovendo o acesso</p><p>do direito à educação pública e de qualidade, contribui na redução das desigualdades e</p><p>86 Dados obtidos da</p><p>Diretoria de Planejamento e Políticas Educacionais da Secretaria de Estado da Educação de</p><p>Santa Catarina.</p><p>122</p><p>iniquidades sociais, na melhoria da qualidade de vida dos estudantes e fortalecendo vínculos</p><p>sociais e comunitários.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>SANTA CATARINA. Plano Estadual de Educação de Santa Catarina 2015-2014. Lei</p><p>nº 16.794, de 14 de dezembro de 2015. 1 ed. Florianópolis: DIOESC, 2016.</p><p>SANTA CATARINA. Lei nº 18.338 de 13 de janeiro de 2022. Institui a Bolsa-</p><p>Estudante para os alunos regularmente matriculados no ensino médio das escolas da rede</p><p>pública estadual de ensino. Santa Catarina: SC, 2022. Disponível em:</p><p><https://leisestaduais.com.br/sc/lei-ordinaria-n-18338-2022-santa-catarina-institui-a-bolsa-est</p><p>udante-para-os-alunos-regularmente-matriculados-no-ensino-medio-das-escolas-da-rede-</p><p>publi ca-estadual-de-ensino?q=LEI>. Acesso em: 26 out. 2022.</p><p>BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira</p><p>(Inep). Resumo Técnico: Censo Escolar da Educação Básica 2021. Brasília, DF: Inep,</p><p>2021.</p><p>SOARES, T. M. et al. Fatores associados ao abandono escolar no ensino médio público de</p><p>Minas Gerais. Educação e Pesquisa [online]. 2015, v. 41, n. 3 [Acessado 13 out 2022],</p><p>pp. 757-772. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1517-9702201507138589>.</p><p>IBGE, Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento, Pesquisa</p><p>Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD - 2019.</p><p>NERI, M. C. O Paradoxo da Evasão e as Motivações dos sem Escola. In: VELOSO, F.;</p><p>PESSÔA, S.; HENRIQUES, R. E GIAMBIAGI, F. (orgs). Educação Básica no</p><p>Brasil: Construindo o País do Futuro. Elsevier, Rio de Janeiro, 2009, p.171-188.</p><p>123</p><p>UM OLHAR SOBRE MIGRAÇÕES E DIREITOS HUMANOS EM SANTA</p><p>CATARINA: OS DESAFIOS DO NOVO MARCO LEGAL DA NOVA LEI DE</p><p>MIGRAÇÃO 13.445/2017 ENTRE REFUGIADOS SÍRIOS</p><p>Melissa Gabriella Lopes Barcellos87</p><p>Maria Soledad Etcheverry Orchard88</p><p>1. Introdução</p><p>O tema deste estudo é especialmente pertinente ao atual contexto no campo das</p><p>Migrações Internacionais. Os fluxos migratórios sempre foram um tema de relevância social</p><p>e política às pesquisas que dizem respeito à mobilidade humana, bem como, para os Direitos</p><p>Humanos. No Artigo 4º, da Constituição Brasileira de 1988, da República Federativa do</p><p>Brasil, firma-se em suas normativas sobre Relações Internacionais, os princípios da</p><p>prevalência dos Direitos Humanos proclamada em 1948 pelas Nações Unidas, “como</p><p>princípio norteador das Relações Internacionais no Brasil”. No citado artigo são estabelecidos</p><p>princípios constitucionais tais como: o repúdio ao terrorismo e ao racismo, a cooperação entre</p><p>os povos para fins do progresso da humanidade, assim como, a concessão de asilo político,</p><p>por meio da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, adotada em de julho de 1951</p><p>pela Conferência das Nações Unidas da qual o Brasil é signatário. (CONSTITUIÇÃO DA</p><p>REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2002, p. 18-19).</p><p>O processo de globalização, com seus impactos simultâneos em escala global e em</p><p>escalas locais, impacta o Direito Humano de ir e vir, ou seja, o direito à migração. O</p><p>movimento de capitais, mercadorias e serviços circula sem grandes empecilhos, no entanto,</p><p>inúmeras barreiras são colocadas para os movimentos de migrantes e refugiados, sobretudo,</p><p>para os migrantes deslocados de regiões socioeconomicamente precárias e/ou que tem</p><p>passado por situações de guerras. (BARCELLOS, 2021, COIMBRA; ORCHARD, 2020). Em</p><p>junho de 2022 o Brasil reconheceu aproximadamente 60 mil pessoas na condição jurídica de</p><p>refugiadas, considerando (48.789) vindos da Venezuela, da Síria (3.667), República</p><p>Democrática do Congo (1.448) e Angola (1.363). (JUNGER, CAVALCANTI; OLIVEIRA;</p><p>SILVA, 2022; ACNUR,2022). O Estado de Santa Catarina, é reconhecido pela imigração dos</p><p>87 É Doutora em Sociologia e Ciência Política pela Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Florianópolis</p><p>– SC. É Professora de Sociologia da Secretaria de Estado da Educação de Santa Catarina – SED. E-mail:</p><p>melissagagbarcellos@hotmail.com</p><p>88 É Doutora em Sociologia e Antropologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Docente e</p><p>Pesquisadora do Programa de Pós-Graduação de Sociologia Política PPGSP/UFSC. E-mail:</p><p>maria.soledad@terra.com.br</p><p>mailto:melissagagbarcellos@hotmail.com</p><p>124</p><p>séculos XIX e XX de imigrantes brancos vindos principalmente da Alemanha, Itália e</p><p>Polônia. No entanto, os fluxos migratórios dos últimos 20 anos são mais diversificados e</p><p>complexos no que diz respeito ao processo de inclusão social, tratando-se, sobretudo, de uma</p><p>imigração não branca. (ASSIS; ALLOATTI; BOSCO, 2019). Essa população que é negra,</p><p>indígena e proveniente do Oriente Médio compõe um contingente de imigrantes que sofrem</p><p>todos os tipos de violência xenófoba, racista, de gênero e institucional. O Ministério da Justiça</p><p>e Segurança Pública contabilizou o número de 104 refugiados vindos da Síria no Estado de</p><p>Santa Catarina, mas há registros de outras nacionalidades como, os provenientes da</p><p>Venezuela, Haiti, Senegal e Gana. (ACNUR, 2022). A Nova Lei de Migração</p><p>(13.445/2017) substituiu o antigo Estatuto do Estrangeiro (6.815/1980), que havia sido</p><p>sancionado pelo general João Baptista Figueiredo durante a ditadura militar instaurada após</p><p>1964. A Nova Lei de Migração significou um avanço em termos dos Direitos Humanos para</p><p>imigrantes e refugiados, no entanto, existem muitos desafios institucionais para a efetivação</p><p>desses novos direitos para a população imigrante no país89. (BARCELLOS, 2021). Neste</p><p>ponto cabe destacar que o antigo Estatuto do Estrangeiro que vigorou no Brasil</p><p>por aproximadamente quatro décadas, sob o prisma de “segurança nacional”, concebe o</p><p>imigrante e o refugiado como um problema de segurança a ser resolvido (OLIVEIRA, 2017,</p><p>p. 177).</p><p>2. Problemática</p><p>A crise econômica e política que levou ao processo de impeachment da ex presidente</p><p>Dilma Rousseff em 2016, acirrou a polarização política no Brasil desse momento em diante.</p><p>Ampliaram-se as manifestações xenófobas contra imigrantes e refugiados, os atos racistas e</p><p>outros tipos de ofensas a grupos em situação de vulnerabilidade e insegurança social. Por</p><p>outro lado, coexistem diversos grupos90 e movimentos sociais que realizam um trabalho de</p><p>engajamento em favor dos direitos humanos91 de imigrantes e refugiados (BARCELLOS,</p><p>2021). Em Santa Catarina, nossos dados de pesquisa com entrevistados sírios são</p><p>representativos dessa realidade. Também, são relevantes os registros da Delegacia de</p><p>89 Apesar dos 20 vetos presidenciais presentes da lei.</p><p>90 Esses grupos dizem respeito à Ongs e grupos religiosos de orientação progressista e se encontram na vanguarda</p><p>em defesa dos Direitos Humanos. Ex: Caritas brasileira, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil –</p><p>CONIC, entre outros.</p><p>91 (Direitos sociais, políticos, religiosos, culturais e de integração laboral).</p><p>125</p><p>Migrações da Polícia Federal, no sentido de ilustrar o aumento expressivo do número de</p><p>refugiados e imigrantes em Santa Catarina, uma média de 9 mil registros por ano, em 2019 e</p><p>2020 para 16 mil pessoas registradas no ano de 2021. (ACNUR, 2022). Nesse ambiente de</p><p>migração diversa que também replica no estado atualmente, as dificuldades enfrentadas no</p><p>processo de integração expõem a complexidade desse processo nas experiências dos</p><p>migrantes e nos desafios postos aos movimentos locais.</p><p>3. Material e Métodos</p><p>A estratégia metodológica utilizada nesta pesquisa é a narrativa, que privilegiou o</p><p>método biográfico. Tendo como prisma a compreensão da história dos informantes e como</p><p>pano de fundo o cenário nacional e internacional de acirramento ideológico e de</p><p>crise econômica e social, com o aprofundamento da precarização do trabalho e do</p><p>desemprego atribuiu-se destaque aos seus relatos, sobretudo, no que diz respeito aos marcos</p><p>decisivos de suas vidas por meio de suas</p><p>trajetórias migratórias e laborais. (CLOSS;</p><p>OLIVEIRA, 2015; ETCHEVERRY, 2004). Ainda, uma abordagem de tipo qualitativo se</p><p>prestava para este caso, por permitir captar as particularidades, seja de origem étnica,</p><p>religiosa, de gênero e de formação escolar e profissional, entre outras. Na cidade de</p><p>Florianópolis entrevistamos 5 refugiados nos anos de 2018 e 2019 no contexto de uma</p><p>pesquisa mais ampla92, que permitiu verificar interessantes aspectos que apontaram para suas</p><p>dificuldades de inserção, assim como também identificar, seja o desalento, ou ao contrário, o</p><p>empenho corajoso e criativo por ultrapassar essas barreiras.</p><p>Vejamos, a modo de ilustração, alguns relatos dos nossos informantes sobre diversas</p><p>barreiras para incluir-se na sociedade local:</p><p>Um dia quando eu tinha um restaurante, chegou uma cliente e falou para a minha ex-</p><p>mulher [brasileira]: cuida com essas pessoas porque elas são demônios, elas mudam</p><p>a [nossa] cabeça. Pega a sua cultura e as suas ideias e sai daqui. (Jesus, 28 anos, SC).</p><p>Eu acho que se eu ter um idioma melhor eu vou estar aprendendo. Eu quero estudar</p><p>mais o idioma. Mesmo que eu não consiga continuar os meus estudos na faculdade eu</p><p>quero estudar mais idioma português. (Mustafá, 34, – SC).</p><p>Infelizmente o brasileiro já está sofrendo, é o que digo para todo mundo: o Brasil</p><p>é uma avó...tadinha...quer ajudar todo mundo, mas não tem capacidade, sabe? Abre</p><p>as portas, eles dão aquele colo grande, e querem ajudar todo mundo, mas não tem</p><p>92 BARCELLOS, (2021). Tese (doutorado). Começar de novo: narrativas sobre a migração e trajetórias laborais</p><p>dos refugiados sírios no Brasil. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Centro de Filosofia e Ciências</p><p>Humanas, Programa de Pós- Graduação em Sociologia e Ciência Política, 2021.</p><p>126</p><p>capacidade. Mas é porque tem muitas coisas injustas, os impostos, as injustiças</p><p>sociais, muitas coisas absurdas. (Yasser, 36, SC).</p><p>4. Resultados e Discussão</p><p>As trajetórias de integração laboral e social dos refugiados sírios, e de refugiados</p><p>de outras nacionalidades no Brasil é permeado por improvisos e incertezas. Segundo os dados</p><p>da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD), a taxa de desemprego, que estava</p><p>próxima de 6% no início de 2015, alcançou 12,3% em maio de 2018. Ao invés de melhorar, a</p><p>situação se agravou nos anos seguintes: em janeiro de 2021, o desemprego já havia atingido</p><p>14,2%93. Diante desse contexto de crise econômica, política, social e sanitária é de se supor</p><p>(porém, de maneira nenhuma, se justifica) que certos grupos reajam de maneira hostil em</p><p>relação aos refugiados e imigrantes. Dos cinco refugiados (as) que entrevistamos na cidade de</p><p>Florianópolis, todos atuam em mais de uma atividade laboral para conseguirem sobreviver.</p><p>Todos já atuaram ou atuam diretamente no ramo de comida árabe, trabalhando por conta</p><p>própria ou como funcionários em estabelecimentos comerciais. Dos cinco entrevistados,</p><p>quatro relataram eventos ou situações de xenofobia, ou vítimas de situações preconceituosas</p><p>em relação à sua religião, muçulmana em sua maioria. A maioria dos nossos entrevistados</p><p>possui alto capital escolar e linguístico, verificamos, no entanto, que esses capitais nem sempre</p><p>se convertem em capital econômico e integração laboral. Ademais, ainda enfrentam barreiras</p><p>na revalidação dos seus diplomas universitários, ou até mesmo para continuar os seus estudos</p><p>universitários no Brasil, pois precisam conciliar os estudos com o trabalho.</p><p>5. Conclusão</p><p>Constatamos por meio das entrevistas narrativas que as trajetórias laborais</p><p>dos refugiados (as) sírios na cidade de Florianópolis - SC, são atravessadas, também,</p><p>por situações de xenofobia, racismo e/ou islamofobia. Para alguns trabalhadores brasileiros,</p><p>os refugiados são considerados uma ameaça à empregabilidade. As transformações políticas</p><p>nos últimos anos, após o golpe de Estado, que levou o processo de impeachment de Dilma</p><p>Rousseff caminhou junto com o acirramento da hostilidade contra de imigrantes e refugiados</p><p>vindos do continente Africano, Asiático, da América do Sul e Central.</p><p>93 Taxa de desocupação. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-</p><p>agencia-de-noticias/releases/30391-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-2-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-</p><p>29-0-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2021. Acesso em 27 de out. de 2022.</p><p>https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30391-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-2-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-0-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2021</p><p>https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30391-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-2-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-0-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2021</p><p>https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/30391-pnad-continua-taxa-de-desocupacao-e-de-14-2-e-taxa-de-subutilizacao-e-de-29-0-no-trimestre-encerrado-em-janeiro-de-2021</p><p>127</p><p>O acirramento dos grupos de extrema direita são uma manifestação e ocorrência em</p><p>âmbito internacional. Na Europa temos o caso da Hungria, da Suécia e a Itália. Nessa direção,</p><p>a pauta das migrações pode ser mobilizada como “arma política”, também, por meio de</p><p>narrativas racistas e xenófobas. (NETO94, 2022; VENTURA95, 2020). Os imigrantes e</p><p>refugiados estão a mercê de todo tipo de estigmas sociais. (GOFFMAN, 2004). Chamamos a</p><p>atenção sobre a condição de vulnerabilidade e insegurança social dos imigrantes e refugiados e</p><p>o problema do capital político explorado pelos governos que potencializam os discursos de ódio</p><p>e o preconceito étnico-racial, religioso, cultural, político e de gênero. Nessa direção, um dos</p><p>grandes desafios na Nova Lei de Migração (13.445/2017) é garantir, de fato, que os Direitos</p><p>Humanos sejam respeitados e transformados em políticas públicas de Estado nos processos de</p><p>integração dos imigrantes e refugiados. Santa Catarina, deverá encampar esse desafio para</p><p>sintonizar-se de forma mais inovadora e solidária nesse campo, seja ampliando iniciativas já</p><p>existentes, embora bastante incipientes, sejam estas de ordem público ou privado, mas também,</p><p>criando estratégias educativas para enfrentar o preconceito social que não raramente se</p><p>manifesta no estado96.</p><p>6. Referências:</p><p>ASSIS, Gláucia de Oliveira; ALLOATTI, Magali Natalia; BOSCO, Elizangela Ribeiro.</p><p>Refugiados Sírios em Santa Catarina: gênero, empreendedorismo e (in)visibilidade(s).</p><p>In. PERFIL SOCIOECONÔMICO DOS REFUGIADOS NO BRASIL. SUBSÍDIOS PARA</p><p>POLÍTICAS. VOLUME II. Curitiba, maio de 2019.</p><p>BARCELLOS, Melissa Gabriella Tese (doutorado). Começar de novo: narrativas sobre a</p><p>migração e trajetórias laborais dos refugiados sírios no Brasil. Universidade Federal de</p><p>Santa Catarina – UFSC. Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-</p><p>Graduação em Sociologia e Ciência Política, 2021.</p><p>COIMBRA, Melissa Gabriella Lopes Barcellos & ETCHEVERRY ORCHARD, Maria.</p><p>Soledad. (2020). Um estudo sobre os Refugiados Sírios na cidade de São Paulo e</p><p>Florianópolis: trajetórias laborais e precarização do trabalho. Ideias, 11, e020007.</p><p>Disponível em: https://doi.org/10.20396/ideias.v11i0.8658628. Acesso em 20 de out. de</p><p>2022.</p><p>94 Informação verbal na sessão. “As crises de refugiados no mundo atual e o Brasil no contexto” palestrante</p><p>convidado o professor do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios (NIEM) do Instituto de Pesquisa e</p><p>Planejamento Urbano e Regional da UFRJ (IPPUR-UFRJ), Helion Póvoa Neto, 26 de out. de 2022.</p><p>95 Fluxos passam, a xenofobia fica.” Entrevista com Deisy Ventura, por Luiz Felipe Stevanim. Disponível em:</p><p>https://radis.ensp. fiocruz.br/index.php/home/entrevista/fluxos-passam-a-xenofobia-fica. Acesso em 27 out. de</p><p>2022.</p><p>96 Ver pesquisa Coimbra, Melissa Gabriella Lopes. A cultura do trabalho em Jaraguá</p><p>do Sul: um estudo sobre as</p><p>trabalhadoras da indústria têxtil-vestuarista – Florianópolis: Editoria Em Debate/UFSC, 2014. 232 p. : il., graf.,</p><p>tabs., mapas.</p><p>128</p><p>CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. 18. ed.</p><p>Org. Alexandre de Moraes. São Paulo: Atlas, 2020.</p><p>CLOSS, Lisiane Quadrado; ROCHA-DE-OLIVEIRA, Sidinei. História de vida e</p><p>trajetórias profissionais: estudo com executivos brasileiros. Rev. Adm. Contemp., Curitiba,</p><p>v. 19, n. 4, p. 525-543, ago. 2015.</p><p>ETCHEVERRY, Marisol Soledad. Narrativas sobre empregabilidade. As</p><p>trajetórias profissionais de ex-empregados do setor elétrico brasileiro. Revista</p><p>ILHA, Florianópolis, v. 6, n. 2, p. 61-104, jul. 2004.</p><p>GOFFMAN, Erving. Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada.</p><p>Tradução: Mathias Lambert. Rio de Janeiro: LTC, 2004.</p><p>JUNGER, Gustavo; CAVALCANTI, Leonardo; OLIVEIRA, Tadeu de; SILVA, Bianca G.</p><p>Refúgio em Números (7ª Edição). Série Migrações. Observatório das Migrações</p><p>Internacionais; Ministério da Justiça e Segurança Pública/ Conselho Nacional de Imigração e</p><p>Coordenação Geral de Imigração Laboral. Brasília, DF: OBMigra, 2022.</p><p>OLIVEIRA, Antônio Tadeu Ribeiro de. Nova lei brasileira de migração: avanços, desafios</p><p>e ameaças. Rev. Bras. Estud. Popul., São Paulo, v. 34, n. 1, p. 171-179, abr. 2017.</p><p>Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-</p><p>30982017000100171&lng=pt&nrm=iso. Acesso em 27 de out. de 2022.</p><p>I Relatório cidades solidárias Brasil: proteção e integração de pessoas refugiadas no plano</p><p>local / [Camila Barrero Breitenvieser, consultora técnica]. -- Brasília, DF: Agência da ONU</p><p>para Refugiados - ACNUR, 2022.</p><p>Dados sobre a população refugiada no país. Disponível</p><p>em: https://www.acnur.org/portugues/2022/06/21/no-dia-mundial-do-refugiado-brasil</p><p>atualiza-dados-sobre-populacao-refugiada-no-pais/. Acesso em 27 de out. de 2022.</p><p>Dados sobre população refugiada no país. Disponível</p><p>em:https://www.acnur.org/portugues/2022/06/21/no-dia-mundial-do-refugiado brasil-</p><p>atualiza-dados-sobre-populacao-refugiada-no-pais/. Acesso em 10 de Ago. de 2022.</p><p>População refugiada Síria no país (2011-2020). Disponível em: https://www.gov.br/mj/pt-</p><p>br/assuntos/seus-direitos/refugio/. Acesso em 19 de Ago. de 2022.</p><p>129</p><p>VIOLÊNCIA INSTITUCIONAL NA LUTA POR MORADIA DIGNA: O CASO DA</p><p>OCUPAÇÃO VALE DAS PALMEIRAS</p><p>Guilherme Cidade Soares97</p><p>1. INTRODUÇÃO</p><p>A Ocupação Vale das Palmeiras é uma ocupação urbana surgida em meados de 2018,</p><p>formada por famílias que estavam em situação de extrema vulnerabilidade em vista da</p><p>dificuldade em arcar com os custos do aluguel. Em razão de seu surgimento espontâneo98, a</p><p>quantidade de famílias residentes na ocupação aumentou aos poucos, de modo que hoje pode-</p><p>se falar que o Vale das Palmeiras é formado por algo em torno de 50 famílias (MAIER, 2022).</p><p>Localizada às margens da Avenida das Torres, no Bairro Serraria, em São José/SC, a</p><p>ocupação tem como território um imóvel urbano de propriedade de uma grande construtora da</p><p>região que não cumpria a sua função social há muitos anos, sendo um pedaço remanescente do</p><p>conhecido “Loteamento Zanelatto” (MAIER, 2022).</p><p>A violência contra a comunidade se inicia em concomitância com a entrada das</p><p>famílias no terreno. Inicialmente, são os órgãos do Poder Executivo que fazem ofensivas contra</p><p>a ocupação, principalmente através de despejos administrativos – muitas vezes sem qualquer</p><p>processo e sem intimação das famílias.</p><p>Após um tempo, em maio/2020, foi ajuizada uma Ação de Reintegração de Posse</p><p>(ARP), que não teve sucesso no pleito de despejo liminar tanto no primeiro quanto no segundo</p><p>grau (BRASIL, 2020a). Nesse contexto, para forçar o despejo, o Ministério Público de Santa</p><p>Catarina (MPSC) ajuizou uma Ação Civil Pública Ambiental (ACPA) em face da construtora</p><p>proprietária e do Município de São José (MSJ), sem incluir os ocupantes na ação. O pedido</p><p>da ação era a condenação do Município à demolição das edificações existentes no local – como</p><p>se não existisse “gente” lá –, junto com o respectivo pleito liminar (BRASIL, 2021d). Deferida</p><p>inicialmente, a tutela de urgência foi suspendida no segundo grau.</p><p>97 Pós-graduando lato sensu em Direito Constitucional pela Damásio Educacional. Bacharel em Direito pela</p><p>Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Florianópolis/SC. E-mail: csoares.guilherme@gmail.com.</p><p>98 Conforme aponta Maier (2022), a Ocupação Vale das Palmeiras é uma ocupação de tipo “espontânea”, ou seja,</p><p>um território que surge sem ser de forma “organizada” ou “planejada”, como é o retrato mais típico das ocupações</p><p>urbanas, o que “[...] nada mais é do que a forma como as periferias, de maneira geral, foram sendo autoconstruídas”</p><p>(MAIER, 2022, p. 129).</p><p>130</p><p>O processo de luta e repressão seguiu, mas o despejo foi finalmente suspenso com as</p><p>decisões cautelares na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental n. 828 e a Lei</p><p>14.216/2021 - Lei Despejo Zero (LDZ)99. Todavia, mesmo com as determinações do Supremo</p><p>Tribunal Federal (STF), algumas investidas seguiram ocorrendo.</p><p>Essa forma de violência estatal contra as ocupações urbanas é descrita por diversos</p><p>autores como sintoma da formação do Brasil enquanto um país de capitalismo dependente,</p><p>sendo um instrumento da manutenção da superexploração da força de trabalho, e, portanto, de</p><p>supressão do direito à moradia (MAIER, 2022).</p><p>Nesse sentido, busca-se compreender se a Ocupação Vale das Palmeiras passou por</p><p>um processo de violência institucional, aliado à compreensão da repressão sofrida dentro dos</p><p>marcos do capitalismo dependente. Visa-se um melhor entendimento do caso, bem como uma</p><p>possibilidade de colaboração com a luta das famílias, o que demonstra a importância do</p><p>presente trabalho.</p><p>2. MATERIAL E MÉTODOS</p><p>Para elaboração do trabalho foram utilizados, por um lado, fontes documentais acerca</p><p>dos acontecimentos envolvendo a Ocupação Vale das Palmeiras e de outro, buscou-se trabalhar</p><p>com a bibliografia acerca do tema, tanto do que já foi desenvolvido academicamente sobre o</p><p>Vale Palmeiras, como também o debate acerca do capitalismo dependente, o problema da</p><p>moradia e a violência institucional.</p><p>Como proposta metodológica, adota-se a chamada pesquisa militante, como trazida</p><p>por Jaumont e Varella (2016), que propõem uma metodologia de trabalho do pesquisador</p><p>militante, lutando ao lado do objeto de sua pesquisa, na junção de teoria e prática. No presente</p><p>caso, isso se revela no trabalho militante realizado pelo autor na Ocupação Vale das Palmeiras,</p><p>através da advocacia popular e do trabalho de base.</p><p>No que diz respeito aos processos judiciais, que deram maior substrato para a</p><p>caracterização da violência institucional, utilizou-se para a pesquisa: (i) a Ação de Reintegração</p><p>de Posse n. 5007721-76.2020.8.24.0064 (BRASIL, 2020a); (ii) o Agravo de Instrumento (AI)</p><p>99 Proposta pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), a ADPF 828 visa a suspensão dos despejos coletivos e</p><p>dos processos judiciais envolvendo a matéria em razão da pandemia. Em junho/2021, foi exarada a primeira</p><p>decisão cautelar, suspendendo apenas os despejos por seis meses. Após, foi aprovada a Lei 14.216/2021, que</p><p>suspendia despejos e processos até o dia 31/12/2021. Em dezembro/2021, a decisão cautelar foi renovada,</p><p>ampliando seus efeitos para a suspensão também dos processos. Essa decisão seria replicada em março/2022 e</p><p>junho/2021, mantendo-se a suspensão até 31/10/2022 (BRASIL, 2021a; BRASIL, 2021b).</p><p>131</p><p>n. 5027624-95.2020.8.24.0000, interposto pela construtora em face da decisão de indeferimento</p><p>do despejo liminar na ARP (BRASIL, 2020b); (iii) a Ação Civil Pública Ambiental n. 5003640-</p><p>50.2021.8.24.0064 (BRASIL, 2021d); (iv) o Agravo de Instrumento n. 5015656-</p><p>34.2021.8.24.0000, interposto pela Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina (DPESC),</p><p>e que conquistou a suspensão da primeira decisão de despejo liminar na ACPA (BRASIL,</p><p>2021c); (v) e o Agravo de Instrumento n. 5022295-34.2022.8.24.0000, proposto também pela</p><p>DPESC, dessa vez visando a suspensão de outra decisão na ACPA (BRASIL, 2022).</p><p>Ainda sobre o histórico dos acontecimentos da Ocupação Vale das Palmeiras, foram</p><p>utilizadas notícias da mídia local que retrataram os despejos administrativos: “Avenida das</p><p>Torres: construções irregulares são demolidas” (AVENIDA..., 2020) e “SUSP e PM realizam</p><p>operação contra construções irregulares em São José” (SUSP..., 2020).</p><p>Por fim, no âmbito do estudo acerca do capitalismo dependente, partiu-se da obra de</p><p>Marini (2005). Na questão da moradia, observou-se os trabalhos de Tonin (2015) e Maier</p><p>(2021) – este último que é um dos únicos trabalhos acadêmicos, até o momento, que tratam do</p><p>Vale das Palmeiras. Já no debate acerca da violência estatal e institucional no âmbito da</p><p>dependência, utilizou-se o debate de Campos (2021).</p><p>3. RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>No que diz respeito à investigação acerca do processo de violência institucional sofrido</p><p>pela Ocupação Vale das Palmeiras, os processos judiciais demonstraram muito bem a face da</p><p>repressão jurídica e administrativa contra a comunidade. Foi na ACPA onde se verificou a</p><p>maior violação dos direitos humanos das famílias ocupantes.</p><p>Até hoje as famílias não foram citadas no processo, o que caracteriza grave violação</p><p>ao direito ao contraditório e ampla defesa. Ainda dentro desse espectro de violações, é</p><p>importante mencionar a primeira “intimação” que a ocupação recebeu acerca do despejo, em</p><p>01/04/2021, realizada por servidores do setor de Área Verde da PMSJ e totalmente apócrifa.</p><p>Tampouco citava o número da ação judicial envolvida (BRASIL, 2021d).</p><p>Nos parâmetros do despejo em si, também emerge a violência jurídica. A determinação</p><p>judicial para o “acolhimento” das famílias era de que a PMSJ fornecesse uma parcela de</p><p>aluguel-social no valor de R$770,00 e um ginásio para armazenamento dos bens das famílias</p><p>despejadas (BRASIL, 2021d). Tudo isso ocorria com anuência do MPSC, que propôs a ação e</p><p>seguiu buscando a realização do despejo.</p><p>132</p><p>Caminhava ao lado, também, a Prefeitura de São José e seus órgãos destacados para</p><p>lidar com a ocupação, principalmente a Secretaria de Segurança, Defesa Social e Trânsito</p><p>(SSDST) e a Guarda Municipal de São José (GMSJ). Maier (2022) relata, a partir de seu</p><p>caderno de campo, as tentativas por parte da prefeitura de seguir com o despejo mesmo após a</p><p>suspensão determinada na ADPFP 828 e na LDZ, bem como ações de intimidação para</p><p>cadastramento “social” das famílias sem a presença das famílias. Por fim, há também relato de</p><p>uma interrupção de uma assembleia da comunidade pela Polícia Militar de Santa Catarina, "[...]</p><p>após questionar se os apoiadores eram de esquerda ou direita” (MAIER, 2022, p. 133).</p><p>Em razão da violência dirigida por diversas instituições do Estado, adotou-se o termo</p><p>“violência institucional”, uma vez que a repressão era e é perpetrada por diversos entes estatais.</p><p>Esse conceito também é utilizado por Campos (2021), visando compreender as múltiplas</p><p>violências do Estado.</p><p>No que diz respeito ao papel do capitalismo dependente no problema da moradia e da</p><p>violência institucional, foi possível concluir que a perpetuação das alternativas precárias e</p><p>informais de moradia são consequência da superexploração da força de trabalho, conceito que</p><p>expressa o entendimento de que, no capitalismo dependente, o valor pago pela força de trabalho</p><p>não dá conta de suprir as necessidades vitais da classe trabalhadora (MARINI, 2005).</p><p>A superexploração de desdobra na dificuldade de acesso a todos os bens necessários à</p><p>sua subsistência, a chamada violação do fundo de consumo, bem como a um desgaste físico</p><p>maior em razão do prolongamento da jornada de trabalho e de outros danos à saúde física e</p><p>mental, a chamada violação do fundo de vida (TONIN, 2015). No caso estudado, observou-se</p><p>com clareza a falta de acesso aos bens necessários para a vida especialmente na ausência de</p><p>uma moradia digna em razão de seus custos e dos demais direitos humanos não efetivados.</p><p>Nesse arranjo, o papel da violência estatal é de justamente garantir a existência da</p><p>superexploração da força de trabalho, seja coagindo ao trabalho, seja reprimindo contraposições</p><p>ao sistema (CAMPOS, 2021). Assim, no caso estudado, diferentes instituições do Estado agem</p><p>para o mesmo propósito, mantendo a superexploração através da violência institucional.</p><p>4. CONCLUSÃO</p><p>O trabalho apresentado traz uma breve pesquisa sobre o processo de violência institucional</p><p>sofrido pela Ocupação Vale das Palmeiras, iniciado em meados de 2018 e que se alonga até os</p><p>dias hoje.</p><p>133</p><p>Eleva-se como maior exemplo do processo de violência a Ação Civil Pública</p><p>Ambiental proposta pelo Ministério Público, que expõe o arranjo institucional formado para</p><p>forçar a realização do despejo. A não citação dos moradores, como se não fossem partes do</p><p>processo, demonstra uma grave violação ao direito ao contraditório e à ampla defesa. A isso,</p><p>somam-se as agressões ao direito à moradia e à saúde.</p><p>O processo de repressão, como foi possível concluir, pode ser explicado a partir da</p><p>função da violência no capitalismo dependente, onde o Estado utiliza das suas diversas</p><p>instituições para manter a superexploração da força de trabalho, na violação dos fundos de vida</p><p>e de consumo dos trabalhadores. Isso se expressa na ausência de moradia digna, na vida em</p><p>locais sem as condições necessárias, como de segurança e saneamento básico.</p><p>Nesse sentido, entende-se que foi possível demonstrar uma parte do processo sofrido</p><p>pela ocupação e a relação que a formação social do Brasil enquanto um país de capitalismo</p><p>dependente. Umas das possibilidades de avanço da pesquisa é desenvolver um trabalho de</p><p>história oral através de entrevistas, o que é objetivo do autor.</p><p>Ademais, é necessário seguir ampliando e dando visibilidade à luta das famílias que</p><p>lutam por moradia, bem como desenvolvendo instrumentos acadêmicos e políticos para a</p><p>garantia dos seus direitos. Enquanto morar for um privilégio, ocupar é um direito.</p><p>5. REFERÊNCIAS</p><p>AVENIDA das Torres: construções irregulares são demolidas. Balanço Geral Florianópolis</p><p>- ND Mais, Florianópolis, [s.p.], 7 ago. 2020. Disponível em:</p><p>https://ndmais.com.br/infraestrutura/avenida-das-torres-construcoes-irregulares-sao-</p><p>demolidas/. Acesso em: 16 set. 2022.</p><p>BRASIL. Lei nº 14.216, de 7 de outubro de 2021. Estabelece medidas excepcionais...</p><p>Brasília, 7 out. 2021a. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-</p><p>2022/2021/lei/L14216.htm. Acesso em: 27 out. 2022.</p><p>BRASIL, Supremo Tribunal Federal – Plenário STF. Arguição de Descumprimento</p><p>Fundamental n. 828. Partido Socialismo e Liberdade e outros. Relator: Luís Roberto</p><p>Barroso. Brasília, 14 de abril de 2021b. Disponível em:</p><p>https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6155697. Acesso em 27 out. 2022.</p><p>BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina – 4ª Câmara de Direito Público. Agravo de</p><p>Instrumento n. 5015656-34.2021.8.24.0000. Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina</p><p>e outros. Relator: Odson Cardoso Filho. São José, SC, 6 de abril de 2021c. Disponível em:</p><p>https://eproc2g.tjsc.jus.br/. Acesso em 16 set. 2022.</p><p>134</p><p>BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina – 4ª Câmara de Direito Público. Agravo de</p><p>Instrumento n. 5022295-34.2022.8.24.0000. Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina</p><p>e outros. Relator: Odson Cardoso Filho. São José, SC, 20 de abril de 2022. Disponível em:</p><p>https://eproc2g.tjsc.jus.br/. Acesso em 16 set. 2022.</p><p>BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina – 7ª Câmara de Direito Civil. Agravo de</p><p>Instrumento n. 5027624-95.2020.8.24.0000. J.A. Urbanismo e outros. Relatora:</p><p>Desembargadora Haidée Denise Grin. Florianópolis, SC, 25 de agosto de 2020b. Disponível</p><p>em: https://eproc2g.tjsc.jus.br/. Acesso em 16 set. 2022.</p><p>BRASIL. Vara da Fazenda</p><p>da disciplina e segurança institucional.</p><p>O objetivo é chegar a uma visão de trabalho que busca a quebra de um suposto</p><p>antagonismo entre direitos humanos versus segurança pública ou sistemas de justiça. Quanto</p><p>antes o servidor se entender enquanto titular e garantidor de direitos humanos, mais eficazmente</p><p>irá executar sua função e se tornar cidadão consciente de seus direitos.</p><p>Conclusão:</p><p>Entre tantos pontos que ficaram por elaborar, podemos citar a elaboração de estratégias</p><p>para desconstrução do discurso dominante sobre direitos humanos; a inclusão nos textos</p><p>pedagógicos de referências que possam ser usadas pelos docentes diante de argumentos anti-</p><p>humanitaristas; a possibilidade de novas pesquisas, quiçá em âmbito nacional, sobre a</p><p>percepção dos direitos humanos nesse campo de trabalho, afim de traçar um diagnóstico e</p><p>possíveis estratégias de ação.</p><p>Referências</p><p>BRASIL, G. M; LOPES, E. B; MIRANDA, A. K. P. C. Direitos Humanos e Formação</p><p>policial: reflexões sobre limites e possibilidades. O público e o privado, Fortaleza – CE, n.18,</p><p>p. 111-127, Jul./Dez., 2011. Disponível em:</p><p><https://revistas.uece.br/index.php/opublicoeoprivado/article/download/2478/2239/9232>.</p><p>Acesso em: 12 abr. 2022.</p><p>BRASIL. Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos. Comitê Nacional de Educação</p><p>em Direitos Humanos. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, Ministério da</p><p>Educação, Ministério da Justiça, UNESCO, 2007.</p><p>GRAGNANI, Juliana. O que são direitos humanos e por que há quem acredite que seu</p><p>propósito é a defesa de bandidos. BBC News Brasil, 25 mar. 2018. Disponível em:</p><p><https://www.bbc.com/portuguese/brasil-43465988>. Acesso em: 23 mar. 2022.</p><p>ROLIM, Marcos. Vídeo aula da disciplina de Violência(s), segurança pública e cultura de paz.</p><p>Sala virtual PUCRS, março 2021. Disponível em: <https://salavirtual.pucrs.br/curso/direitos-</p><p>humanos-responsabilidade-social-e-cidadania-global-6/conteudo?item=66465>. Acesso em:</p><p>10 mar. 2022.</p><p>ROUBICEK, Marcelo. Como ‘CPF cancelado’ virou o novo ‘bandido bom é bandido morto’.</p><p>Nexo Jornal, 26 de abr. 2021. Disponível em:</p><p>17</p><p><https://www.nexojornal.com.br/expresso/2021/04/26/Como-%E2%80%98CPF-</p><p>cancelado%E2%80%99-virou-o-novo-%E2%80%98bandido-bom-%C3%A9-bandido-</p><p>morto%E2%80%99>. Acesso em 15 mar. 2022.</p><p>SILVA, Aida Maria Monteiro. Elaboração, Execução e Impacto do Plano Nacional de</p><p>Educação em Direitos Humanos: estudo de Caso no Brasil. In: BRABO, T. S. A. M.; REIS,</p><p>M. (org.). Educação, direitos humanos e exclusão social. Marília: Oficina Universitária; São</p><p>Paulo: Cultura Acadêmica, 2012. p. 37-48.</p><p>18</p><p>“TODO PRESO É O AMOR DA VIDA DE ALGUÉM”: A VIOLÊNCIA NO SISTEMA</p><p>PRISIONAL BRASILEIRO DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 PELA</p><p>PERSPECTIVA DAS FAMILIARES DE PESSOAS PRIVADAS DE LIBERDADE</p><p>Pietra Lima Inácio2</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>O tema da pesquisa é o impacto da pena de prisão nas familiares de pessoas privadas de</p><p>liberdade no Brasil, com delimitação temporal de maio a dezembro de 2020. O trabalho surge</p><p>a partir da atuação da autora como pesquisadora na equipe do Infovírus Prisões, projeto que</p><p>atuou realizando verificações e checagens diárias aos dados divulgados pelo Departamento</p><p>Penitenciário Nacional em relação à contaminação por COVID-19 na população prisional,</p><p>também no que se refere ao número de óbitos e recuperados nos estados do Brasil e</p><p>acompanhando notícias e denúncias relacionadas à pandemia nos presídios.</p><p>Ao acompanhar as realidades das unidades prisionais brasileiras durante a pandemia,</p><p>esteve claro que as demandas não eram só numéricas nem só devidas ao novo coronavírus. Uma</p><p>série de denúncias graves passou a ser trazida, principalmente pelos movimentos de familiares</p><p>de apenados em diversas cidades e estados (INFOVIRUS PRISÕES, 2020). Essas famílias</p><p>foram privadas do contato com seus entes em razão da crise sanitária, e em algumas regiões</p><p>ficaram meses sem receber qualquer notícia acerca do quadro de saúde de seu familiar. O</p><p>contato, que já era pouco, tornou-se praticamente inexistente.</p><p>Embora a Constituição Federal de 1988 traga o princípio da intranscedência da pena</p><p>para o processo penal, com vistas a garantir que outras pessoas não sofram consequências e</p><p>reflexos da punição aplicada, essa garantia jurídica não se consolida na realidade fática imposta</p><p>pelo sistema carcerário brasileiro. As familiares de apenados sofrem com impactos decorrentes</p><p>do cumprimento de pena de seu parente e, na situação de pandemia causada pelo novo</p><p>coronavírus somada a um judiciário que não vem acatando a Recomendação n. 62 do Conselho</p><p>Nacional de Justiça de desencarcerar, esses impactos se revelaram ainda mais cruéis (Conselho</p><p>Nacional de Justiça, 2020).</p><p>2 Mestranda na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa e</p><p>Inovação do Estado de Santa Catarina (FAPESC). Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal de</p><p>Santa Catrina (UFSC). Florianópolis/SC. E-mail: pietra.linacio@gmail.com</p><p>19</p><p>Nesse sentido, o objetivo principal da pesquisa foi verificar a intensificação dos</p><p>impactos da prisão na vida dos familiares de apenados no Brasil a partir da pandemia de</p><p>COVID-19. Demonstra-se que parte do sofrimento das famílias decorre do próprio cárcere e</p><p>sua produção de danos considerada padrão. A hipótese inicial da pesquisa foi afirmativa com</p><p>relação ao aumento dos danos sentidos pelas familiares de apenados, o que foi confirmado a</p><p>partir do problema de pesquisa apresentado.</p><p>2 MATERIAL E MÉTODOS</p><p>Essa pesquisa teve como base teórica a criminologia crítica e a crítica abolicionista ao</p><p>sistema penal. Os autores centrais utilizados de referência foram Angela Davis (2018), Vera</p><p>Malaguti Batista (2015), Vera Regina Pereira de Andrade (2006; 2012; 2020) e Eugenio Raul</p><p>Zaffaroni (1991). Para complementar a revisão bibliográfica, foi realizada uma pesquisa a</p><p>partir das postagens do Infovírus Prisões no Instagram que relataram a ocorrência de</p><p>manifestações de familiares de apenados no período de maio a dezembro de 2020. Após tabelar</p><p>todas as publicações voltadas às denúncias de familiares sobre a situação do sistema prisional</p><p>brasileiro, analisei as pautas e a recorrência das demandas, de modo a verificar a trágica</p><p>semelhança e continuidade.</p><p>Ficou constatado o sofrimento gerado nas famílias pela insegurança sobre seus entes, a</p><p>ausência de informação e o medo constante sobre as outras violações que poderiam estar sendo</p><p>impostas a seus corpos. Em muitos momentos o que essas familiares diziam era simplesmente</p><p>“a gente só queria saber o que acontece lá” e, em outros, precisaram se mobilizar contra a</p><p>criminalização de seus movimentos e contra o estereótipo criado sobre as famílias de presos. O</p><p>“ser família não é crime” também foi uma fala recorrente nos atos, tenham sido eles presenciais</p><p>ou virtuais.</p><p>A partir das denúncias, discute-se a ineficácia escancarada do sistema penal e a</p><p>possibilidade de rupturas com vistas a cessar as violações, mas também a resgatar as</p><p>subjetividades, individualidades e sensibilidades de todos os afetados pelo cárcere.</p><p>Ao longo de todo o trabalho, é feita a referência às familiares adotando o feminino. Tal</p><p>essa escolha reflete o objetivo de apontar também uma das principais problemáticas de gênero</p><p>atinentes ao cárcere: as mulheres, sejam elas mães, esposas ou companheiras, são quem compõe</p><p>as filas de visitação e se responsabilizam por enviar o necessário à subsistência dentro do</p><p>cárcere aos seus familiares (como itens de higiene, roupas e alimentação). Nesse contexto, estão</p><p>20</p><p>diretamente implicadas no processo de encarceramento mesmo quando não são as sujeitas</p><p>criminalizadas.</p><p>3 RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>Entre os meses de maio e dezembro de 2020, o Infovírus Prisões registrou um total 28</p><p>de publicações envolvendo algum tipo de denúncia feita por familiares, o que abarca tanto</p><p>manifestações (presenciais ou virtuais)</p><p>Pública da Comarca de São José. Ação Civil Pública Ambiental</p><p>n. 5003640-50.2021.8.24.0064. Ministério Público de Santa Catarina e outros. Relator: Juiz</p><p>Otávio José Minatto. São José, SC, 5 de março de 2021d. Disponível em:</p><p>https://eproc1g.tjsc.jus.br/. Acesso em 16 set. 2022.</p><p>CAMPOS, Gustavo de Aguiar. Violência estatal e capitalismo: ensaio sobre o sistema de</p><p>justiça criminal no capitalismo dependente brasileiro. 2021. 106 f. Dissertação (Mestrado) –</p><p>Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte,</p><p>Natal, 2021.</p><p>MAIER, Jefferson Adriano. Lutar, criar: experiência de organização política dos moradores</p><p>da Ocupação Contestado/SJ. 2022. 124 f. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-</p><p>Graduação em Planejamento Territorial, Universidade do Estado de Santa Catarina,</p><p>Florianópolis, 2022.</p><p>MARINI, Ruy Mauro. Dialética da dependência. In: TRASPADINI, Roberta; STEDILE, João</p><p>Pedro. Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2005. cap. 2.1, p.</p><p>137-173.</p><p>SUSP e PM realizam operação contra construções irregulares em São José. Prefeitura de São</p><p>José, São José, [s.p.], 20 fev. 2020. Disponível em: https://saojose.sc.gov.br/susp-e-pm-</p><p>realizam-operacao-contra-construcoes-irregulares-em-sao-jose/10214/. Acesso em: 16 set.</p><p>2022.</p><p>TONIN, Vitor Hugo. Muita gente sem casa, muita casa sem gente. Entre superlucros e</p><p>superexploração: a dialética da habitação em país dependente. 2015. 133 f. Dissertação</p><p>(Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Urbanismo, História e Arquitetura,</p><p>Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2015.</p><p>135</p><p>“EU TAMBÉM FUI TORTURADO”: FERIDAS ABERTAS DA DITADURA</p><p>MILITAR BRASILEIRA</p><p>Eliton Felipe de Souza100</p><p>Introdução</p><p>A cidade de Joinville, no norte do estado de Santa Catarina, é o cenário em que este</p><p>trabalho se desenrola. A história ocorreu em meados da década de 1970, em plena vigência do</p><p>AI-5, mas já com o processo de abertura política “lenta, gradual e segura”, iniciado pelo</p><p>governo do ditador Ernesto Geisel. Nela, um grupo de militantes políticos acaba por conhecer</p><p>a face mais cruel de um governo despótico. À revelia, são sequestrados pelo Estado brasileiro</p><p>de suas casas e locais de trabalho e levados à prisão em lugares que desconheciam, nos quais</p><p>foram brutalmente torturados psicológica e fisicamente. Esse grupo foi vítima da Operação</p><p>Barriga Verde (OBV), a maior operação militar ocorrida em solo catarinense durante a</p><p>ditadura.</p><p>Este trabalho é, portanto, pautado pela luta política dos opositores capturados pela</p><p>OBV, no âmbito da formação do Partido Comunista Brasileiro em Santa Catarina. No estado,</p><p>o Partidão, como era conhecido o PCB, agia na clandestinidade, mas permanecia organizado,</p><p>atuando diretamente na composição do Movimento Democrático Brasileiro. Eram dezenas de</p><p>militantes espalhados por diversas cidades, com envolvimento na Juventude Emedebista, na</p><p>reestruturação sindical e assessorando cargos eletivos. Alguns eram figuras públicas</p><p>conhecidas, outros, com documentos falsos, eram procurados pela repressão.</p><p>Antes que a democracia pudesse ressurgir, porém, os militantes comunistas foram</p><p>capturados pela OBV e vieram os choques elétricos, a fome, as palmatórias, o encapuzamento,</p><p>os socos, os afogamentos, os escarros no rosto, as rodas de surra, os tapões nos ouvidos, as</p><p>humilhações, o café quente nas genitálias, a privação de sono, os fios de barba arrancados com</p><p>alicate, a exibição de outros presos sendo torturados, as gravações contínuas de homens,</p><p>mulheres e crianças em gritos desesperados em permanentes sessões de tortura, o isolamento</p><p>total, as ameaças de morte. Algumas das situações relatadas pelos presos, em um documento</p><p>produzido no ano de 1976.</p><p>100 É historiador e possui doutorado em história, com mestrado em Sociologia Política. Professor na Universidade</p><p>do Vale do Itajaí - Univali, Itajaí/SC. Endereço eletrônico: elitonfelipe@gmail.com</p><p>136</p><p>Dito isso, uma pesquisa como essa faz-se necessária, a medida em que pretende revelar</p><p>histórias de um passado que segue vivo e muito próximo como um espaço de experiência</p><p>contínua, de um tempo que se recusa a passar.</p><p>Para que a análise de uma temática tão importante fosse consistente, foi necessária</p><p>uma discussão bibliográfica sobre a importância da memória para a construção social e</p><p>histórica: a memória subterrânea como parte fundamental da historiografia, compreendendo os</p><p>mecanismos de rememoração, a produção da memória coletiva e individual. Como base</p><p>metodológica para esse trabalho, portanto, foi empregada a História Oral, auxiliado por autores</p><p>como Schmidt; Mahfoud (1993), Pollak (1989, 1992), Bertaux (1999), Le Goff (1990),</p><p>Halbwachs (2006), Elias (1994, 1985) e Bourdieu (2008, 1983, 1998) que foram o fio condutor</p><p>para a realização e a coleta de uma série de entrevistas, com os envolvidos na luta comunista</p><p>contra o governo e, principalmente, com os presos da OBV.</p><p>Pensando na necessidade de se fazer a crítica historiográfica e sociológica e sabendo</p><p>que a pesquisa só existe com o apoio de procedimentos metodológicos adequados, foi realizado,</p><p>então, uma análise bibliográfica sobre o PCB, sobre a ditadura militar e sobre a OBV, traçando</p><p>um perfil da militância comunista, da repressão e da luta contra os militares, com pesquisadores</p><p>que incluem, por exemplo, Alves (1984), Lagoa; Mazzeo (orgs) (2003), Martins (2006), e</p><p>Torres (2009).</p><p>Essa pesquisa pretende, portanto, demonstrar o quanto a ditadura militar brasileira foi</p><p>eficiente em desarticular a oposição mais contundente dentro do MDB por meio de ações como</p><p>a OBV, em Santa Catarina e como os militantes atingidos por esas ações acabaram por serem</p><p>apartados da disputa política em razão dos traumas que sofreram enquanto estiveram tutelados</p><p>pelo Estado.</p><p>Material e métodos</p><p>Para a realização desse trabalho foram colhidos e utilizados 30 depoimentos de 21</p><p>pessoas. Entre os entrevistados constam os joinvilenses presos na OBV, Antônio Justino, Osni</p><p>Rocha, Edgar Schatzmann e Júlio Adelaido Serpa, assim como Lúcia Schinato Schatzmann,</p><p>Maria da Glória Rocha, Zilma G. Serpa, Margarete Serpa e Viviane Serpa, familiares dos</p><p>presos; Rosemarie Cardoso Bittencourt, única mulher presa em Joinville durante a operação;</p><p>Antônio Acir Breda, advogado de alguns dos presos da OBV; Eli Francisco, radialista que</p><p>cobriu a Marcha da Família com Deus pela liberdade, em Joinville, em 1964; Luiz Carlos</p><p>Fagundes Lemos, filho de Theodomiro Fagundes Lemos, preso em Joinville nos primeiros</p><p>137</p><p>dias de abril de 1964; Afonso Paulo Baad, militar do 13º Batalhão de Caçadores à época;</p><p>Catarina Costa Fernandes, filha de Lucindo Costa, desaparecido político, preso em Joinville;</p><p>Sigfrido Maus, Coronel Reformado da Polícia Militar de Santa Catarina; Nilson Wilson Bender,</p><p>ex-diretor de uma das maiores empresas de Joinville e prefeito do município em 1964; Alécio</p><p>Verzola, preso pela OBV em Florianópolis (DE SOUZA, 2021).</p><p>Da mesma forma, a análise documental foi indispensável. O mais importante deles,</p><p>talvez, seja o que trata [ilegível] das declarações dos presos políticos da “operação barriga</p><p>verde” (1976), escrito pelos presos enquanto ainda estavam encarcerados e no qual constam as</p><p>ilegalidades cometidas pelo Estado no momento das prisões e no tratamento recebido no</p><p>período em que estiveram sob a tutela dos agentes públicos.</p><p>É papel do pesquisador, ao se defrontar com entrevistas, documentos e bibliografia,</p><p>saber articular as ideias e descrevê-las de forma a construir uma narrativa que seja capaz de</p><p>atingir o maior público possível. Contar a história dos indivíduos apresentados neste trabalho,</p><p>portanto, foi prazeroso e ao mesmo tempo imprescindível. Prazeroso, pois como historiador e</p><p>sociólogo político, é sempre desafiador utilizar-se do suporte teórico-metodológico para</p><p>colocar a história, ao mesmo tempo, ao lado da literatura e da</p><p>ciência (CERTEAU, 2015, p.</p><p>65), a partir de “um conjunto de regras que permitam ‘controlar’ operações” (CERTEAU, 2015</p><p>p. 47); imprescindível, pois, o contexto histórico e social aqui apresentados são de suma</p><p>importância para que se compreenda os caminhos percorridos pela sociedade brasileira pós-</p><p>ditadura.</p><p>Resultados e Discussão</p><p>Desde os primeiros instantes da ditadura, os militantes do PCB joinvilense agiram</p><p>clandestinamente, procurando fazer oposição e lutando pela redemocratização, seja por meio</p><p>do MDB, dos sindicatos ou do movimento estudantil. As prisões desencadeadas pela operação</p><p>serviram para desarticular o partido em Santa Catarina, e os que permaneceram em liberdade,</p><p>se organizaram e se articularam para denunciar as prisões e as torturas, lutando pela liberdade</p><p>dos presos políticos. “Daí nós se fortalecemos [sic], né? Pra ficar mais juntas […] pra poder</p><p>viajar” (ROCHA M, 2011, sp. apud DE SOUZA, 2021, p. 158).</p><p>A derrota dos políticos da Arena para o MDB, no pleito de 1974, com ampla</p><p>participação dos militantes comunistas e o fato da maior parte dos grupos de resistência armada,</p><p>naquele momento, já terem sido eliminados, aliados à descoberta da gráfica clandestina do</p><p>PCB, trouxe o partido ao centro das atenções da repressão. Era necessário</p><p>138</p><p>eliminar a participação do Partidão nos estados onde ele estava mais bem organizado. Para isso,</p><p>os militares desencadearam a chamada Operação Radar que tinha como objetivo, a destruição</p><p>do comando central do PC, além de outras operações de menor porte, nos estados, para</p><p>desarticular a militância. Entre elas estava a OBV.</p><p>Cerceados de liberdade, os presos da OBV, então, viram suas vidas serem arrasadas e</p><p>o sofrimento sentido com as torturas físicas e psicológicas, fez com que criassem mecanismos</p><p>de esquecimento. Edgar Schatzmann, por exemplo, faz piadas o tempo todo sobre a vida e sobre</p><p>o que passou; parece mais fácil rir das angústias, transformando as memórias ruins em algo</p><p>animador, ainda que os pesadelos sejam recorrentes depois de mais de 40 anos.</p><p>Para Agamben (2008, p. 107), “não se trata de derrotar o espírito de vingança para</p><p>assumir o passado. […] Nem se trata de manter com firmeza o inaceitável por meio do</p><p>ressentimento”. Depois que o indivíduo testemunha algo traumatizante, como as torturas da</p><p>OBV, o que se tem é um acontecimento que eternamente volta, um horror transformado em</p><p>vergonha e culpa pelos que sucumbiram.</p><p>Não falar, portanto, é evitar que o fato aconteça novamente, é lutar contra esse</p><p>“acontecimento que eternamente volta”, é como se ao não falar, ao não lembrar, aquilo não</p><p>houvesse acontecido e a vergonha ou a culpa deixassem de existir.</p><p>Conclusão</p><p>O processo de anistia, desencadeado pela ditadura em 1979, permitiu aos presos a</p><p>liberdade, mas, em contrapartida, garantiu a impunidade aos agentes do Estado envolvidos com</p><p>a repressão, isentando-os dos crimes que cometeram. Por isso, este trabalho teve como função</p><p>primordial garantir que a memória daqueles que lutaram contra a ditadura não fosse apagada,</p><p>pois esquecer o que aconteceu em Santa Catarina durante a OBV é condenar uma segunda vez</p><p>os indivíduos que lutaram pela redemocratização.</p><p>O medo dos expurgos e das prisões que poderiam atingir ditadores e torturadores,</p><p>passando por colaboradores do regime em todo o país, levou a ditadura a uma segunda frente</p><p>de ataque, não mais contra militantes armados, mas contra civis organizados em torno do que</p><p>poderia se tornar uma potente força política à esquerda. Era preciso eliminar os comunistas.</p><p>A consequência dessas ações foi devastadora na vida pessoal e política dos militantes</p><p>presos. A intenção do Estado brasileiro era aniquilar a oposição de todas as formas possíveis.</p><p>Se permanecessem vivos, os comunistas ficariam incapazes de seguir na vida pública. O</p><p>resultado foi quase impecável.</p><p>139</p><p>Ao saírem da cadeia, os militantes comunistas presos pela OBV não ficaram livres.</p><p>Foi difícil vencer o preconceito: ser reconhecido como ex-preso, e não importava se haviam</p><p>sido prisões políticas, dificultava o simples retorno ao trabalho. Atuar na vida política, temendo</p><p>voltar à prisão, afugentava a maioria. Recomeçar, quando os quadros políticos do partido eram</p><p>outros, era complicado. Em alguns casos, entregar-se ao álcool, aos cigarros ou à igreja foi a</p><p>única solução. O medo e a depressão tornaram-se amizades inseparáveis para alguns e o suicídio</p><p>de um deles somado, às inúmeras tentativas de outro, dão o tom do que foi continuar vivendo</p><p>depois da OBV.</p><p>Por isso, mesmo que a ditadura tenha sido derrotada, diferente do que ocorreu nos</p><p>vizinhos do cone sul, como Argentina e Chile, os idealizadores e mantenedores do regime</p><p>ditatorial brasileiro saíram vitoriosos, sem serem sequer julgados por seus crimes. Torturadores</p><p>como Lucio Jaimes Acosta, responsável por parte das torturas ocorridas em Florianópolis</p><p>durante a OBV, hoje levam a vida tranquilamente, recebendo aposentadoria pelos “serviços</p><p>prestados ao estado brasileiro”.</p><p>Os efeitos deixados pela repressão nos militantes de Joinville e em suas famílias, no</p><p>entanto, foram avassaladores, tanto política quanto socialmente. Na vida social, a depressão</p><p>e/ou o alcoolismo atingiram quase todos os presos. O suicídio, por exemplo, ainda é, mesmo</p><p>depois de quatro décadas, um pensamento constante na vida de Edgar Schatzmann, o câncer</p><p>decorrente do abuso de álcool e tabaco que atingiu Júlio Serpa é, também, resultado das sevícias</p><p>do cárcere. Politicamente, houve uma devastação do partido. Com a redemocratização o PCB</p><p>não conseguiu readquirir a força necessária para rearticular a organização da classe</p><p>trabalhadora na cidade e, com a cisão que deu origem ao PPS, em 1992, a militância comunista</p><p>institucionalizada se dissipou.</p><p>Por fim, essa pesquisa contribui com uma produção sócio-histórica capaz de</p><p>compreender os militantes do PC em Joinville como indivíduos que fizeram parte de uma</p><p>experiência coletiva transformadora, não só da vida deles, mas da sociedade da qual eles fazem</p><p>parte. Uma experiência singular que foi da opção pela luta armada, com treinamentos de</p><p>guerrilha urbana e rural, à repressão violenta do Estado, com sequestros, prisões e torturas, em</p><p>uma cidade cujo ambiente era adverso para a militância, marcado não apenas pela posição</p><p>política majoritariamente favorável ao golpe, mas também pela emergência de estratégias</p><p>empresariais de cooptação do operariado.</p><p>140</p><p>Referências</p><p>AGAMBEN, Giorgio. O que resta de Auschwitz: o arquivo e a testemunha. São Paulo:</p><p>Boitempo, 2008.</p><p>ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). 2ª ed. Petrópolis:</p><p>Vozes, 1984.</p><p>BERTAUX, Daniel. El enfoque biográfico: su validez metodológica, sus potencialidades.</p><p>Proposiciones, Santiago, n. 29, p. 1-23, mar. 1999.</p><p>BOURDIEU, Pierre (org.). A miséria do mundo. 7. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008.</p><p>__________. O que falar quer dizer. In: BOURDIEU, Pierre (org.). Questões de sociologia.</p><p>Rio de Janeiro: Marco Zero, 1983, p. 75-88.</p><p>__________. A ilusão biográfica. In: FERREIRA, Marieta de Morais; AMADO, Janaína.</p><p>(org.). Usos e abusos da história oral. 2. ed. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1998,</p><p>p. 183-192.</p><p>CERTEAU, Michel de. A escrita da história. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015. DE</p><p>SOUZA, Eliton Felipe. “Eu também fui torturado” Feridas abertas da ditadura militar</p><p>brasileira. Curitiba: Appris, 2021.</p><p>ELIAS, Nobert. A sociedade dos indivíduos. In: SCHÖTER, M. (org.). A sociedade dos</p><p>indivíduos. Rio de Janeiro: Ed. Jorge Zavar, 1994, p. 11-59.</p><p>__________; SÁ, Jair Ferreira de. Imagens da Revolução: documentos políticos das</p><p>organizações de esquerda dos anos 1961-1971. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985.</p><p>HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo: Centauro, 2006. LAGOA, Maria</p><p>Izabel; MAZZEO, Antônio Carlos (org.). Corações Vermelhos: os Comunistas</p><p>Brasileiros</p><p>no Século XX. São Paulo: Cortez, 2003.</p><p>LE GOFF, Jacques. História e memória. Campinas: Editora da Unicamp, 1990. MARTINS,</p><p>Celso. Os quatro cantos do sol. Florianópolis: Ed. Da UFSC/ – Fundação Boiteux, 2006</p><p>POLLAK, Michaell. Memória, Esquecimento, Silencio. Estudos Históricos, Rio de Janeiro,</p><p>v. 2, n. 3, p. 3-15, 1989.</p><p>__________. Memória e identidade social. Estudos históricos, Rio de Janeiro, v. 5, n. 10, p.</p><p>200-212, 1992.</p><p>SCHMIDT, Maria Luisa Sandoval; MAHFOUD, Miguel. Halbwachs: memória coletiva e</p><p>experiência. Psicologia USP, São Paulo, v. 4, n. 1-2, p. 285-298, 1993.</p><p>141</p><p>SOUZA, João Jorge Machado; MOTTA, Roberto João; CESKIN, Irineu; et al. [Ilegível]</p><p>DAS DECLARAÇÕES DOS PRESOS POLÍTICOS DA “OPERAÇÃO BARRIGA</p><p>VERDE, 1976. Florianópolis, 23 de fevereiro de 1976.</p><p>TORRES, Mateus Ganba. “A Justiça nem ao Diabo se há de negar”: A repressão aos</p><p>membros do Partido Comunista Brasileiro na Operação Barriga Verde (1975 – 1978). 2009.</p><p>188. Dissertação (Mestrado em História) Programa de Pós-Graduação (PPGH) da</p><p>Universidade do Estado de Santa Catarina (UDESC), Florianópolis, 2009.</p><p>142</p><p>“SOB OS PORÕES DA AGONIA”: JUSTIÇA DE TRANSIÇÃO E ESTUDO DE</p><p>CASOS EM FEIRA DE SANTANA</p><p>Thomaz Heverton dos Santos Pereira101</p><p>RESUMO:</p><p>Com o Título Sob os porões da agonia: Justiça de Transição e estudo de casos em Feira de</p><p>Santana, e sob a questão: como se efetivou a justiça de transição em Feira de Santana em relação</p><p>às vítimas do regime militar no Brasil, tais como Francisco Pinto, Celso Pereira entre outros, o</p><p>presente trabalho pretende descrever a ação da Justiça de Transição em consonância com o</p><p>sistema interamericano de Direitos Humanos. Sabendo da interpretação do STF à ADPF 153,</p><p>bem como a mitigação dos efeitos da memória aos que sofreram os ataques psicológico e</p><p>patológico durante a ditadura militar em Feira de Santana, ou seja, memória irreversível e</p><p>irrevogável (MISI, 2021), em virtude da Lei de Anistia (1979), e dada a necessidade de</p><p>promover a justiça, a reparação das vítimas e a memória monumental dos atos negativos do</p><p>Estado brasileiro, apresenta-se, de modo qualitativo e quantitativo, em procedimento</p><p>documental e bibliográfico, à luz teórica do transconstitucionalismo de Marcelo Neves, e</p><p>leituras dos pesquisadores Márcia Misi, Edson Teles e Renan Quinalha, uma reflexão de como</p><p>resultou a atuação judiciária nos casos em retrato na cidade em destaque. Para tanto, cumpre</p><p>acessar os relatos à Comissão da Verdade nos anos de 2014, registrados nos órgãos de</p><p>instituição oficial e sítios eletrônicos.</p><p>II. Objetivos:</p><p>GERAL</p><p>Investigar a atuação da Justiça de Transição em relação às vítimas do regime militar em</p><p>Feira de Santana e de que maneira se efetivou juridicamente o entendimento do sistema da corte</p><p>interamericana de Direitos Humanos nos casos em questão.</p><p>ESPECÍFICOS</p><p>• Identificar os casos registrados da ação do Regime Militar em personalidades da</p><p>cidade de Feira de Santana;</p><p>101 Universidade Estadual de Feira de Santana. E-mail: librianomaroto@gmail.com</p><p>143</p><p>• Descrever a ação da Justiça de Transição em consonância com o sistema</p><p>interamericano de Direitos Humanos. Sabendo da interpretação do STF à ADPF</p><p>153;</p><p>• Apresentar as consequências jurídicas frente aos casos em questão.</p><p>III. Metodologia</p><p>De natureza básica e abordagem qualitativa e quantitativa, com caráter exploratório e</p><p>descritivo em procedimento documental e bibliográfico e de campo, à luz teórica do</p><p>Transconstitucionalismo de Marcelo Neves, e leituras dos pesquisadores Márcia Misi, Edson</p><p>Teles e Renan Quinalha, o trabalho busca uma reflexão de como resultou a atuação judiciária</p><p>nos casos em retrato na cidade em destaque, com possíveis entrevistas aos sujeitos-vítima,</p><p>acessando também os relatos à Comissão da Verdade nos anos de 2014, além dos registros nos</p><p>órgãos de instituição oficial e sítios eletrônicos.</p><p>IV. Resultados</p><p>Por tratar-se de um trabalho de pesquisa iniciado recentemente, com base no Projeto de</p><p>Pesquisa da Profa. Dra. Márcia Costa Misi na Universidade Estadual de Feira de Santana</p><p>(UEFS), de temática O significado de facticidade das decisões da Corte Interamericana de</p><p>Direitos Humanos para a Ordem Jurídica do Brasil: um estudo da disposição subjetiva à</p><p>norma jurídica internacional, os resultados encontram-se em construção.</p><p>Referências bibliográficas</p><p>MISI, Márcia Costa. Direitos Humanos e memórias em disputa no Brasil: uma análise da</p><p>interpretação do STF sobre a Lei de Anistia (Lei 6.683 de 1979). Orientador: José Aurivaldo</p><p>Sacchetta Ramos Mendes. 2021. 418 f. Tese (Doutorado em Direito) – Programa de Pós-</p><p>Graduação em Direito da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2021.</p><p>NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: Martins Fontes, 2012.</p><p>QUINHALHA, Renan; TELES, Edson. “O alcance e os limites do discurso da ‘justiça de</p><p>transição’”. no Brasil. In: Espectros da ditadura: da Comissão da Verdade ao Bolsonarismo.</p><p>Organização de Edson Teles. Renan Quinalha. São Paulo: Autonomia literária, 2020, p. 12 –</p><p>38.</p><p>144</p><p>A EDUCAÇÃO LINGUISTICA DOS IMIGRANTES, NO CONTEXTO BRASILEIRO,</p><p>À LUZ DOS DIREITOS HUMANOS</p><p>Tania Beatriz Trindade Natel102</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>Este estudo tem como ponto de partida o Discurso Internacional dos Direitos Humanos,</p><p>nele se analisa como a educação linguística dos imigrantes está intimamente relacionada ao</p><p>direito humano à educação, mostrando que essa relação contribuiu para que tais Direitos se</p><p>difundam e consolidem.</p><p>A presente pesquisa enfoca, de forma mais específica a realidade de um grupo que vem</p><p>chamando a atenção, que é o dos imigrantes que vivem no Brasil, mais especificamente na</p><p>cidade de Porto Alegre, os quais encontram barreiras linguísticas que afetam sobremaneira a</p><p>sua inclusão social no novo país. Tais barreiras impedem o acesso desses sujeitos aos postos de</p><p>trabalho, uma vez que não conseguem participar de seleção para uma vaga de emprego, nem</p><p>validar seus documentos e títulos. Eles também não conseguem acessar as políticas públicas do</p><p>país e acabam integrando os bolsões de miséria. Ou seja, esses fatores impedem a concretização</p><p>dos próprios direitos humanos.</p><p>Embora a Lei nº 13.445/17 (Lei de Migração) (BRASIL, 2017) garanta, a esses grupos,</p><p>o acesso igualitário à educação, à proteção ao trabalho, à moradia, observa-se que a primeira</p><p>barreira para a inclusão dos imigrantes no novo país é a comunicação, na qual a linguagem é a</p><p>ferramenta essencial que permite as interações. Segundo Grosso (2010), como a comunicação</p><p>na língua-meta e o conhecimento das leis do novo país são essenciais para a integração, é</p><p>primordial o ensino-aprendizagem da língua de acolhimento (língua portuguesa), entendida</p><p>como um direito, pois a proficiência no novo idioma interliga-se à realidade socioeconômica e</p><p>político-cultural em que o sujeito se encontra.</p><p>A educação linguística, proposta empreendida neste estudo, entendida como ensino de</p><p>português como língua de acolhimento a imigrantes, é uma prática orientada para a ação em</p><p>que “ensinante e aprendente cooperam e aprendem juntos (...) e integram-se pelo bem-estar e</p><p>pela confiança” (GROSSO, 2010, p. 71). Isso corrobora com a ideia de que o ensino de línguas</p><p>precisa de um ambiente “em que a colaboração mútua ocorra e as diferenças sejam respeitadas”,</p><p>102 Pós-doutorado em Direitos Humanos. Porto Alegre, Rio Grande do Sul. E-mail: bnatel99@gmail.com</p><p>145</p><p>concebendo a linguagem “como um instrumento de comunicação, que serve para interagir</p><p>socialmente de forma colaborativa” (NATEL, 2014, p. 17).</p><p>Frente a esse cenário e partindo da premissa de que a educação linguística é um direito</p><p>fundamental dos povos imigrantes e está totalmente atrelada aos direitos humanos, este estudo</p><p>tem como objetivo analisar essa vinculação, examinar de que forma pode ser efetivado o acesso</p><p>à educação linguística para os</p><p>imigrantes que estão vivendo no Brasil e propor</p><p>Apontamentos Metodológicos com vistas ao ensino de português como língua de acolhimento,</p><p>baseados em princípios fundamentais em consonância com o Discurso Internacional dos</p><p>Direitos Humanos.</p><p>METODOLOGIA</p><p>O percurso metodológico desta pesquisa é caracterizado como uma investigação</p><p>qualitativa, através de uma abordagem multimetodológica, na qual foram utilizados,</p><p>igualmente, levantamento bibliográfico, análise de fontes primárias e secundárias, assim como</p><p>a Análise Crítica do Discurso (ACD), que, conforme Fairclough e Melo (2012), é uma forma</p><p>de ciência social crítica e projetada para mostrar problemas enfrentados pelas pessoas em razão</p><p>das formas particulares de vida social, fornecendo recursos para que se chegue a uma solução.</p><p>Igualmente a experiência profissional da pesquisadora foi levada em consideração.</p><p>RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>O DIREITO HUMANO À EDUCAÇÃO E A EDUCAÇÃO LINGUÍSTICA DOS</p><p>IMIGRANTES</p><p>Marco inicial dos direitos fundamentais do ser humano, a Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos (DUDH), aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1948, em</p><p>seu primeiro artigo, afirma que “Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade</p><p>e direitos” (ONU,1948, p.1).</p><p>Signatário da Declaração, somente 40 anos depois, o Brasil promulga a Constituição</p><p>Federal de 1988 (BRASIL, 1988), na qual figuram os princípios contidos na DUDH, tais como:</p><p>dignidade da pessoa humana, igualdade, função social da propriedade. A educação, como</p><p>condição indispensável para a efetivação dos demais direitos, é explicitada no artigo 26 da</p><p>DUDH, asseverando ser o seu objetivo “o pleno desenvolvimento da personalidade humana e</p><p>do fortalecimento do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais” (ONU,</p><p>1948, p. 5).</p><p>146</p><p>Este estudo sustenta que a educação é indissociável da dignidade da pessoa humana,</p><p>considerada como bem maior do ser humano, um direito humano, e, no Brasil, um direito</p><p>constitucionalmente assegurado, um direito social, preconizado no art. 6º da Carta Magna, a</p><p>qual expressa os princípios contidos na DUDH: “São direitos sociais a educação, a saúde, o</p><p>trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à</p><p>infância, a assistência aos desamparados, [...]” (BRASIL, 1988, p.8).</p><p>O direito linguístico das pessoas pertencentes a minorias étnicas, religiosas ou mesmo</p><p>linguísticas foi reafirmado, em 1992, na Resolução Número 47/135, da Assembleia Geral da</p><p>Organização das Nações Unidas, inspirada no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e</p><p>Políticos, considerando que a promoção e proteção desses grupos contribui para a estabilidade</p><p>política e social dos Estados em que vivem (ONU, 1992).</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, também conhecida como Declaração</p><p>de Barcelona, assinada em 1996 com o apoio e patrocínio da Organização das Nações Unidas</p><p>para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), elenca, na sua introdução, as conquistas</p><p>acerca dos direitos humanos, iniciando com a citação do preâmbulo da Declaração Universal</p><p>dos Direitos Humanos de 1948, quando esta demonstra a convicção “na fé nos direitos</p><p>fundamentais do homem, na dignidade e no valor da pessoa humana e na igualdade dos direitos</p><p>dos homens e das mulheres" (UNESCO, 1996, p. 4). Entre outros direitos, se refere</p><p>essencialmente às comunidades linguísticas e assume o papel de reforçar as instituições</p><p>internacionais, objetivando elaborar um panorama de organização política da diversidade</p><p>linguística alicerçado no respeito, na convivência e no benefício recíproco.</p><p>APONTAMENTOS METODOLÓGICOS PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS COMO</p><p>LÍNGUA DE ACOLHIMENTO</p><p>A seguir são apresentados alguns Apontamentos Metodológicos que podem contribuir</p><p>para ensinar português como língua de acolhimento, de forma que traga para o ensino da</p><p>população de imigrantes os princípios do ensino colaborativo, os quais perpassam pela noção</p><p>de mediação de Vygotsky, alinhados aos preceitos dos direitos humanos.</p><p>Tendo como base a tese “Tarefas Colaborativas e Interculturalidade no Ensino de</p><p>Espanhol a Aprendizes de uma Escola Pública” (NATEL, 2014), em que se abordou o ensino</p><p>de espanhol a adolescentes brasileiros falantes de português, com uma metodologia de ensino</p><p>baseada na prática de sala de aula com tarefas colaborativas, tendo como principal suporte</p><p>teórico a teoria sociocultural vygotskyana, propõem-se algumas possibilidades para o ensino de</p><p>147</p><p>português como língua de acolhimento que serão úteis a imigrantes de qualquer nacionalidade,</p><p>adultos e adolescentes.</p><p>O primeiro apontamento é a mediação acolhedora, pois, no ensino de português como</p><p>língua de acolhimento, o mesmo é imprescindível, uma vez que proporciona interações tanto</p><p>entre aluno x aluno, como entre aluno x professor. A mediação acolhedora começa a ser</p><p>realizada em um “antes”, pois é preciso que os professores levem em consideração o idioma e</p><p>a cultura desses novos alunos, cultura entendida aqui, conforme Fennes e Hapgood (1997),</p><p>como sendo o modo pelo qual os relacionamentos de um grupo são estruturados e delineados e</p><p>também a maneira como eles são experienciados, entendidos e interpretados.</p><p>O segundo é o ensino colaborativo, pois este artigo entende que é através do ensino</p><p>colaborativo que o português pode ser ensinado como língua de acolhimento. Dessa forma, faz-</p><p>se necessário retomar alguns princípios linguísticos para o ensino colaborativo:</p><p>a. a colaboração - os trabalhos em pares ou pequenos grupos. Brown (2001) afirma que</p><p>essa troca colaborativa de pensamentos, sentimentos ou ideias entre dois ou mais participantes,</p><p>a interação, produz um efeito recíproco entre os aprendizes, visto que aprender uma língua é,</p><p>assim, uma forma de estar no mundo e interagir socialmente com alguém.</p><p>b. a língua, que, para Storch (2002), favorece o desenvolvimento cognitivo do aprendiz</p><p>por ser uma ferramenta semiótica que medeia a interação entre o estudante proficiente e o não</p><p>proficiente (VYGOTSKY, 2000; WERTSCH, 1979). Além disso, a pesquisadora acrescenta</p><p>que tal mediação possibilita tanto ao aluno proficiente como ao não proficiente planejarem,</p><p>coordenarem e reverem suas ações.</p><p>c. o andaimento, que conforme Hall (2001), envolve a atenção dos aprendizes focada na</p><p>tarefa, a qual deve ser direcionada para eles a fim de mantê-los motivados. Ainda, segundo Hall,</p><p>no andaimento, o papel do aprendiz mais capaz não é meramente dizer para o menos hábil o</p><p>que ele tem de fazer, mas, ao contrário, é colaborar com todos os participantes experientes e</p><p>inexperientes, ativos no processo.</p><p>d. estímulo da ZDP, que é a negociação no trabalho em pares. Por exemplo, Pica (1994)</p><p>afirma que têm sido referidas como negociação a modificação e a reestruturação da interação</p><p>que ocorrem quando os aprendizes e seus interlocutores antecipam, percebem, ou experienciam</p><p>dificuldades na compreensão da mensagem.</p><p>148</p><p>CONCLUSÃO</p><p>A investigação realizada evidencia que o direito à educação e os direitos humanos estão</p><p>intimamente vinculados, pois o direito à educação linguística é fulcral para que os imigrantes</p><p>possam acessar, inclusive, outros direitos fundamentais.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível</p><p>em: <https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-</p><p>322142-publicacaooriginal-1-pl.html>. Acesso em: 10 de jan. 2022.</p><p>BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017: Institui a Lei de Migração. Disponível em:</p><p><http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm>. Acesso em: 11</p><p>de jun. 2021.</p><p>BROWN, H. D. Teaching by Principles: An Interactive Approach to Language Pedagogy.</p><p>(2. ed.) New York: Pearson Education, 2001.</p><p>FAIRCLOUGH, N.; MELO, I. F. de. “Análise Crítica do Discurso como método em pesquisa</p><p>social científica”. Linha D’Água, 2012, 25, 2, pp. 307-329. Disponível em:</p><p><https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v25i2p307-329>. Acesso em 18 de set. 2021.</p><p>FENNES, H.; HAPGOOD, K. Intercultural learning in the classroom: Crossing borders.</p><p>London: Cassel, 1997.</p><p>GROSSO, M. J. R. “Língua de acolhimento, língua de integração”. Horizontes de</p><p>Linguística Aplicada, 2010, 9, 2, pp. 61-77. Disponível em:</p><p><https://doi.org/10.26512/rhla.v9i2.886>. Acesso em 17 mai. de 2021.</p><p>HALL, J. K. Methods for teaching foreign languages: Creating a community of learners in</p><p>the classroom. Hoboken, NJ: Prentice-Hall, Inc, 2001.</p><p>NATEL, T. B. T. Tarefas Colaborativas e Interculturalidade no Ensino de Espanhol a</p><p>Aprendizes de uma Escola Pública. Tese de Doutorado, Universidade do Vale do Rio dos</p><p>Sinos, 2014. Disponível em:</p><p><http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3096>. Acesso em: 10 de mar.</p><p>2021.</p><p>ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. [S. l.]: s. e.], 1948. Disponível em:</p><p><https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%</p><p>20Direitos%20Humanos.pdf.>. Acesso em 12 de fev. 2021.</p><p>ONU. Declaração sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou</p><p>Étnicas, Religiosas e Linguísticas. [S. l.]: [s. e.], 1992. Disponível em:</p><p><https://www.oas.org/dil/port/1992%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Dir</p><p>eitos%20das%20Pessoas%20Pertencentes%20a%20Minorias%20Nacionais%20ou%20%C3</p><p>%89tnicas,%20Religiosas%20e%20Lingu%C3%ADsticas.pdf.>. Acesso em 17 de out. 2021.</p><p>PICA, T. “Research on negotiation: What does it reveal about second language learning</p><p>conditions, processes, outcomes?”. Language Learning, 1994, 44, 3, pp. 493-527.</p><p>https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html%3e.</p><p>https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5-outubro-1988-322142-publicacaooriginal-1-pl.html%3e.</p><p>http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13445.htm%3e</p><p>https://doi.org/10.11606/issn.2236-4242.v25i2p307-329</p><p>http://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3096</p><p>https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20Humanos.pdf.</p><p>https://www.oas.org/dil/port/1948%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20Universal%20dos%20Direitos%20Humanos.pdf.</p><p>https://www.oas.org/dil/port/1992%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20Pertencentes%20a%20Minorias%20Nacionais%20ou%20%C3%89tnicas,%20Religiosas%20e%20Lingu%C3%ADsticas.pdf.</p><p>https://www.oas.org/dil/port/1992%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20Pertencentes%20a%20Minorias%20Nacionais%20ou%20%C3%89tnicas,%20Religiosas%20e%20Lingu%C3%ADsticas.pdf.</p><p>https://www.oas.org/dil/port/1992%20Declara%C3%A7%C3%A3o%20sobre%20os%20Direitos%20das%20Pessoas%20Pertencentes%20a%20Minorias%20Nacionais%20ou%20%C3%89tnicas,%20Religiosas%20e%20Lingu%C3%ADsticas.pdf.</p><p>149</p><p>Disponível em: <https://doi.org/10.1111/j.1467-1770.1994.tb01115.x>. Acesso em: 10 de</p><p>mar. 2021.</p><p>STORCH, N. “Patterns of interaction in ESL pair work”. Language Learning, 2002, 52, pp.</p><p>119-158. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/1467-9922.00179>. Acesso em 16 de abr.</p><p>2021.</p><p>UNESCO. Conferencia Mundial de Derechos Lingüísticos: Declaración de Barcelona.</p><p>Paris: [s. e.], 1996. Disponível em:</p><p><https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000104267_spa.>. Acesso em 18 de set. 2021.</p><p>VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. (6. ed.) São Paulo: Martins Fontes, 2000.</p><p>WERTSCH, J. V. “From social interaction to higher psychological processes: A clarification</p><p>and application of Vygotsky's theory”. Human Development, 1979, 22, pp. 1-22. Disponível</p><p>em: <https://doi.org/10.1159/000272425>. Acesso em 20 de nov. 2021.</p><p>https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000104267_spa.</p><p>150</p><p>A IMPLEMENTAÇÃO DA LEI 10.639/03 EM UMA ESCOLA TÉCNICA NO SUL DO</p><p>BRASIL: COM A PALAVRA OS PROFESSORES</p><p>Shyrlene Bezerra dos Santos103</p><p>Ademir Valdir dos Santos104</p><p>Introdução</p><p>Este artigo se pauta na perspectiva da História e Sociologia da Educação, tendo</p><p>como objeto a implementação da Lei 10.639/03 – que alterou a Lei de Diretrizes e Bases</p><p>da Educação Nacional (LDBEN) 9.394/96 e incluiu nos currículos da rede pública e privada</p><p>a obrigatoriedade da temática História e Cultura Afro-Brasileira e Africana -, nos</p><p>cursos técnicos integrados105 do Instituto Federal de Santa Catarina - IFSC (campus</p><p>Florianópolis), no período de 2004 a 2018. Refletiu-se sobre as mudanças das práticas</p><p>pedagógicas na perspectiva legal e, para esse propósito, ancoramo-nos em pressupostos teóricos</p><p>que defendem a necessidade de desconstruir a ambiguidade do racismo brasileiro, que</p><p>se manifesta através do histórico movimento de afirmação/negação.</p><p>Lamentavelmente, o racismo em nossa sociedade se dá de um modo muito especial:</p><p>ele se afirma através da sua própria negação. Por isso dizemos que vivemos no Brasil</p><p>um racismo ambíguo, o qual se apresenta, muito diferente de outros contextos onde</p><p>esse fenômeno também acontece. O racismo no Brasil é alicerçado em uma constante</p><p>contradição. A sociedade brasileira sempre negou insistentemente a existência do</p><p>racismo e do preconceito racial, no entanto, as pesquisas atestam que, no cotidiano,</p><p>nas relações de gênero, no mercado de trabalho, na educação básica e na universidade</p><p>os negros ainda são discriminados e vivem uma situação de profunda desigualdade</p><p>racial quando comparados com outros segmentos étnico-raciais do país. (GOMES,</p><p>2005, p.46)</p><p>A autora aprofunda a reflexão e apresenta exemplos que ampliam o entendimento</p><p>em relação à ambiguidade do racismo brasileiro, questionando: haveria racismo sem racistas?</p><p>A campanha “Onde você guarda o seu racismo?106”, realizada pela iniciativa Diálogos Contra</p><p>103 Mestre em Educação. PPGE/UFSC, Florianópolis, SC. E-mail: shyrlenecazumba@gmail.com</p><p>104 Doutor em Educação, docente e pesquisador do PPGE/UFSC, Florianópolis, SC. E-mail:</p><p>ademir.santos@ufsc.br</p><p>105 O curso técnico integrado, também chamado de ensino médio técnico, oferece a formação geral de forma</p><p>integrada à formação profissional. No IFSC, o aluno tem as disciplinas do currículo normal do ensino médio e as</p><p>específicas do curso técnico escolhido. No caso dos cursos técnicos integrados do câmpus Florianópolis, possuem</p><p>quatro anos de duração.</p><p>106 A campanha “Onde você guarda o seu racismo?” é realizada pela iniciativa Diálogos Contra o Racismo, que</p><p>reúne mais de 40 instituições da sociedade civil na luta pela igualdade racial. O seu objetivo é estimular o diálogo</p><p>e a troca de ideias, incentivar mudanças de pensamentos, hábitos e atitudes, além de estimular o compromisso com</p><p>151</p><p>o Racismo, apresenta uma reflexão que ajuda a entender como se dá a contradição inerente</p><p>ao racismo brasileiro, pois “[...] as pesquisas de opinião pública revelam que 87% da</p><p>população reconhecem que há racismo no Brasil. Mas 96% dizem que não são racistas. Assim,</p><p>chegamos a um dos pontos-chave da nossa campanha: existe racismo sem racista?2” (GOMES,</p><p>2005, p. 46-47).</p><p>Podemos citar também outra inscrição do sociólogo Florestan Fernandes, um</p><p>dos pioneiros a desvelar a realidade social brasileira, que no livro O negro no mundo dos</p><p>brancos traz a clássica expressão “O brasileiro tem preconceito de ter preconceito”. Ou seja, há</p><p>uma contradição profunda no racismo, pois embora seja identificado, é insistentemente negado</p><p>por parte da população.</p><p>Daí a preocupação quando se destaca o caráter insidioso do racismo, pois essa</p><p>sua particularidade, em boa medida, corrobora para que não avancem políticas públicas e</p><p>sociais específicas de combate às práticas racistas, ainda persistentes no cenário. Numa visão</p><p>que ratificamos: “quanto mais a sociedade, a escola e o poder público negam a</p><p>lamentável existência do racismo entre nós, mais o racismo existente no Brasil vai se</p><p>propagando e invadindo as mentalidades, as subjetividades e as condições</p><p>sociais dos negros”</p><p>(GOMES, 2005, p. 47). Por esta razão, acreditamos ser importante discutir o cumprimento da</p><p>Lei 10.639/03, pois esta inspira o debate e auxilia a pensar algumas possibilidades para</p><p>a desconstrução dessa chaga social.</p><p>Dadas tais premissas, analisamos perspectivas docentes sobre os processos didático</p><p>pedagógicos para implementação da Lei 10.639/03 nos cursos técnicos integrados do</p><p>Instituto Federal de Santa Catarina. Além disso, fomenta-se a autorreflexão e o debate sobre</p><p>a importância de uma educação que contemple as diferenças sociais, sobretudo relacionadas</p><p>à questão racial na educação científica e tecnológica107. Ademais, objetiva-se também</p><p>contribuir com a história e cultura afro- catarinense, brasileira e africana, no intuito de</p><p>a igualdade. Ela tem a missão de combinar propostas de mudanças e atitudes com a divulgação consistente de</p><p>informações nos meios de comunicação. (GOMES, 2005, p. 47). Podemos mencionar outras pesquisas que atestam</p><p>essa contradição da peculiaridade do racismo brasileiro, como a pesquisa realizada em 1995 pelo Datafolha, que</p><p>constatou que 89% dos entrevistados disseram que no Brasil havia preconceito de cor em relação aos negros e,</p><p>paradoxalmente, 88% dos mesmos entrevistados afirmou que não tinham preconceito em relação aos negros. Em</p><p>2003, outra pesquisa, obtida pela Fundação Perseu Abramo colheu que 91% dos entrevistados reconheciam que</p><p>existia preconceito de cor em desfavor dos negros, porém 96% negaram que eram preconceituosos em relação aos</p><p>negros (SCHUCMAN, 2014).</p><p>107 De acordo com a pesquisa A Implementação da Lei nº. 10.639/2003 na Rede Federal de Educação Profissional,</p><p>Científica e Tecnológica, a referida Lei se encontra em um processo gradual de implantação na Rede Federal de</p><p>Educação Profissional, bem como a temática da educação étnico-racial apregoada se apresenta com baixa</p><p>institucionalização. Esse diagnóstico anunciado pela autora foi feito com base na análise da grande maioria dos</p><p>Projetos de Desenvolvimento Institucional dessas instituições (ROCHA, 2015, p. 105).</p><p>152</p><p>potencializar a implementação daquela Lei nos currículos escolares e acadêmicos da instituição</p><p>educativa.</p><p>Material e métodos</p><p>No desenvolvimento deste estudo, inicialmente trabalhamos com a</p><p>pesquisa documental, utilizando como fontes os Projetos Político Pedagógicos (PPCs) dos</p><p>Cursos técnicos integrados do Instituto Federal de Santa Catarina, bem como os planos de</p><p>ensino dos/as professores/as, considerando o teor de seus ementários, objetivos, metodologias</p><p>e referenciais bibliográficos. Mediante a perspectiva da obrigatoriedade da Lei</p><p>10.639/03, observamos se tais documentos contemplavam conteúdos que versassem sobre a</p><p>história afro brasileira e africana, assim como se pretendiam discutir a dimensão política</p><p>relacionada às ações que contribuem com o debate sobre o racismo</p><p>institucional/institucionalizado. Além da pesquisa documental, para o desenho metodológico</p><p>optou-se também por trabalhar com o grupo focal108. Este foi formado com três professoras e</p><p>um professor da instituição educativa, especificamente professores/as das disciplinas de Artes,</p><p>História, Língua portuguesa e Sociologia, pois acreditamos que o presente estudo se insere em</p><p>um paradigma qualitativo e transdisciplinar, ao dialogar com diversas áreas do conhecimento.</p><p>Resultados e discussão</p><p>Há um ano atrás quando foram reformulados os PPCs aí a unidade curricular de</p><p>história criou uma unidade curricular pra história da África e afro brasileira com 20</p><p>horas para o Ensino Médio Integrado, então a gente cumpre a lei e consegue</p><p>implementar. É uma carga horária pequena são apenas 20 horas, mas se a gente</p><p>considerar a carga horária total de história aqui no técnico integrado que são 120 horas</p><p>né? Em comparação com outros lugares com outras escolas né? E com outras</p><p>experiências que eu tive, a gente consegue trabalhar bastante coisa assim né? Em</p><p>comparação com outros lugares, ainda não é o suficiente, mas a gente acaba</p><p>articulando outras questões. (Professora Inês).</p><p>Os resultados indicam tentativas institucionais, com reflexos na prática docente,</p><p>de incorporação dos ditames legais da Lei 10 639/03. Foram detectadas peças da legislação</p><p>do IFSC - campus Florianópolis - que atendem à legislação, assim como práticas pedagógicas</p><p>e outras atividades curriculares em que os docentes avançam na oferta de uma</p><p>108 A noção de grupos focais está apoiada no desenvolvimento das entrevistas grupais. Mas o moderador de um</p><p>grupo focal assume uma posição de facilitador da discussão, e sua ênfase está nos processos psicossociais que</p><p>emergem, ou seja, no jogo de interinfluências da formação de opiniões sobre um determinado tema. A unidade de</p><p>análise do grupo focal é o próprio grupo. Se uma opinião é esboçada, mesmo não sendo compartilhada por todos,</p><p>para efeito de análise e interpretação dos resultados, ela é referida como do grupo (GONDIM, 2003, p.151).</p><p>153</p><p>educação antirracista. Os professores também indicaram a importância e a necessidade</p><p>de investimentos na formação docente e da disponibilização de materiais atualizados, que</p><p>tratem, sob perspectiva antirracista, da história e cultura afro-brasileira e do povo negro.</p><p>Então, assim, eu digo que hoje no IFSC a gente pode implementar isso com mais</p><p>facilidade ali na nossa assessoria de português por conta da minha formação e por</p><p>conta sabe? Da minha presença aqui sabe? Porque senão, também seria difícil tá? E aí</p><p>é porque a gente ver assim uma falta de formação dos meus colegas para trabalhar</p><p>essas questões né? Eu mesmo só consigo trabalhar essas questões porque eu fiz um</p><p>doutorado né? Nessa área e tal, mas também se eu não fizesse eu teria as dificuldades</p><p>que ele tem né? (Professor Raul).</p><p>Os apontamentos encontrados revelam a necessidade de formação adequada para o trato</p><p>com as questões étnico-raciais, haja vista que a sua falta compromete a aplicabilidade da lei na</p><p>prática pedagógica de seus\as professores\as, como ratificam os estudos de Gomes (2008),</p><p>Passos (2014), Santos (2005) e Santos (2007). Neste sentido, é importante que o IFSC atente</p><p>para a questão da formação continuada dos seus professores/as, pois os depoimentos coletados</p><p>no grupo focal mostram que a atuação com a temática racial na instituição educativa é fruto de</p><p>processos formativos pessoais dos docentes.</p><p>Consideramos essa ação dos professores relevante, porém sabemos que não é</p><p>o suficiente para a manutenção e sustentação das práticas pedagógicas. É notório que existem</p><p>esforços e vontade política por parte desse núcleo de professores/as, que também contam com</p><p>a colaboração de outros educadores citados pelos colegas durante o grupo focal. Porém,</p><p>é necessário que a instituição assuma essa responsabilidade e não deixe apenas nas mãos</p><p>de alguns professores/as, sobretudo das áreas de humanas e linguagem, como se os</p><p>profissionais dessa especificidade fossem os únicos responsáveis por aplicar a lei. Pois de</p><p>acordo com Passos (2014, p. 178):</p><p>É preciso lembrar que não é possível falar em democratização e universalização da</p><p>educação básica sem levar em conta a inserção nas licenciaturas de conhecimentos</p><p>que permitam aos professores a compreender as relações étnico-raciais na sociedade</p><p>brasileira e a história e cultura afro brasileira e africana; as desigualdades escolares</p><p>entre negros e brancos; o racismo que também se manifesta na instituição escolar e</p><p>nos conhecimentos escolares que ainda se pautam por uma base eurocêntrica e</p><p>colonizadora.</p><p>Conclusão</p><p>As reflexões registradas nascem do objetivo crucial de verificar a implementação da Lei</p><p>nº. 10.639/03 nos Cursos Técnicos Integrados na instituição IFSC câmpus – Florianópolis. Para</p><p>isso buscamos ouvir parte vital desse processo, que é o profissional professor do Instituto</p><p>Federal Catarinense e assim entender como se contempla/ou a diversidade, sobretudo aquela</p><p>154</p><p>relacionadas à</p><p>educação das relações étnico-raciais, ou o lugar que esta temática ocupa</p><p>nos processos didático-pedagógico de seus docentes.</p><p>A análise dos dados demonstrou que existe uma preocupação do corpo docente</p><p>em trabalhar temas relacionados à perspectiva da lei 10.639/03, assim como documentos</p><p>oficiais da instituição, tais como PPCs, apresentaram peças da legislação que versam sobre o</p><p>teor da lei e de suas diretrizes.</p><p>Por fim, nosso estudo é mais uma contribuição para que o IFSC repense suas práticas e</p><p>atente ainda mais para as questões relativas à diversidade, principalmente em relação à Lei</p><p>nº. 10.639/03. Finalizamos afirmando que os resultados encontrados indicam que a educação</p><p>das relações étnico-raciais se faz presente no IFSC câmpus Florianópolis. Contudo, numa</p><p>relação de desprestígio. Isto porque a demanda da educação étnico-racial precisa ser encarada</p><p>como uma política institucional, onde todos, independente de área de conhecimento e atuação,</p><p>se sintam responsáveis por sua implementação.</p><p>Referências</p><p>FERNANDES, F. O negro na emergência da sociedade de classes. In: FERNANDES, F. A</p><p>integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Ática, 1978. (v. 1).</p><p>GOMES, N.L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações raciais no Brasil:</p><p>uma breve discussão. In: BRASIL. Ministério Da Educação. Educação antirracista:</p><p>caminhos abertos pela Lei Federal nº 10639/03. Brasília, DF: MEC/UNESCO, 2005. p. 39-</p><p>62.</p><p>GOMES, N.L. Diversidade étnico-racial: Por um projeto educativo emancipatório. Revista</p><p>Retratos da Escola, v. 2, n. 2-3, p. 95-108, jan./dez. 2008. Disponível em:</p><p><http//www.esforce.org.br></p><p>GONDIM, S. M. Grupos Focais como técnica de investigação qualitativa: desafios</p><p>metodológicos. Paidéia, p. 149-161, 2003.</p><p>IFSC. Plano de Desenvolvimento Institucional 2015 – 2019: Capítulo 1 Perfil</p><p>Institucional. Florianópolis, dez. 2014. Disponível em:</p><p><http://pdi.ifsc.edu.br/files/2015/07/Capitulo_1.pdf>. Acesso em: 10 setembro. 2019.</p><p>PASSOS, J.C. As relações étnico-raciais nas licenciaturas: o que dizem os currículos</p><p>anunciados. Poesis: Revista do Programa de Pós-Graduação em Educação, v, 8, n. 13, 2014.</p><p>ROCHA, L.F.R. A Implementação da Lei Nº. 10.639/2003 na Rede Federal de</p><p>Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Dissertação (Mestrado) – Departamento</p><p>de Educação, Pós Graduação em Educação, Universidade Federal de Ouro Preto, 2015.</p><p>SANTOS, S.A. A Lei nº 10.639/03 como fruto da luta antirracista do Movimento Negro.</p><p>In: SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E</p><p>DIVERSIDADE. Educação antirracista: caminhos abertos pela Lei Federal nº 10639/03.</p><p>155</p><p>Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e</p><p>Diversidade, 2005.</p><p>SANTOS, A.V. A Lei Federal 10 639/03 e seus impactos na escola: mais uma lei que “não</p><p>pegou”? In: SCHLESENER, A. H. (org.). Políticas e educação: perspectivas e desafios.</p><p>Curitiba: UTP, 2007. p. 181-194.</p><p>SCHUCMAN, L.V. Entre o encardido, o branco e o branquíssimo: branquitude, hierarquia</p><p>e poder na cidade de SP. São Paulo: Annablume, 2014.</p><p>156</p><p>A LEI DE ANISTIA NA PERSPECTIVA DA COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE</p><p>DA UFSC: NOTAS PARA O DEBATE NÃO ENCERRADO</p><p>José Nilton de Menezes Marinho Filho109</p><p>Luana Renostro Heinen110</p><p>Introdução:</p><p>Cronologicamente, a ditadura civil-militar brasileira durou 21 anos (entre 1964 e</p><p>1985), com a justificativa de ser uma atuação necessária para conter antecipadamente uma</p><p>revolução comunista que estaria para ocorrer no Brasil (PEREIRA, 2009). É, pois, uma retórica</p><p>falaciosa de um mal necessário. Isso porque as reformas de base promovidas durante o governo</p><p>de João Goulart em nada se assemelham à instituição de um regime com base comunista.</p><p>Este período de exceção brasileiro é composto por diferentes conjunções sociais. Deste</p><p>modo é que aos militares coube incorporarem um poder supremo (ou seja, acima da ordem</p><p>constitucional e aos poderes constituídos) e por isto encamparam este projeto. Mas a prática</p><p>ditatorial não foi levada a cabo somente por estes; empresários tiveram papel preponderante,</p><p>uma vez que afirmavam que suas propriedades, religião e moral estavam correndo risco de</p><p>desaparecerem com a ameaça comunista. A Marcha da Família com Deus pela Liberdade é</p><p>uma das chaves interpretativas que fazem entender os motivos e momentos iniciais da</p><p>instauração, mediante golpe, da ditadura civil-militar brasileira (QUINALHA, 2017).</p><p>Deste início, deu-se uma constante: “A paranoia anticomunista” que levou à</p><p>perseguição daqueles que se opusessem ao regime ditatorial. Estes eram tomados como</p><p>subversivos e como uma ameaça à segurança nacional. Disto, não restava outra alternativa</p><p>senão o desrespeito aos direitos fundamentais que se concretizaram através de prisões</p><p>arbitrárias, censuras, exílios, desaparecimentos, torturas, entre outras manifestações</p><p>autoritárias, cassação de mandatos políticos (SILVA FILHO, 2011). A vida passou a ser</p><p>controlada pelo Estado militar e sempre que possível degradada. Com a vigência do Ato</p><p>109 Mestrando em Teoria e História do Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina. Presidente da Escola</p><p>Superior da Advocacia da Subsecção de Crato da Ordem dos Advogados do Brasil seção Ceará. Graduado em</p><p>Direito e Especialista em Direito Constitucional, ambos pela Universidade Regional do Cariri. Diretor de Relações</p><p>Institucionais e Acadêmicas do Instituto Brasileiro de Direito de Família, núcleo Cariri- IBDFAM/CARIRI. E-</p><p>mail: niltonmarinho_menezes@outlook.com</p><p>110 Doutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina com período sanduíche na Université Paris-</p><p>Ouest Nanterre la Défense, Mestre em Direito, na linha Filosofia e Teoria do Direito, pela UFSC. Professora</p><p>Adjunta da Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do Instituto de Memória e Direitos Humanos da</p><p>UFSC, coordenadora do projeto de extensão do Observatório dos Direitos Humanos. E-mail:</p><p>luanarheinen@gmail.com</p><p>157</p><p>Institucional número 5 (AI-5), este panorama foi acentuado consideravelmente. Por isto é que</p><p>“Trata-se do período mais violento da ditadura militar, que buscou exterminar as organizações</p><p>da esquerda. O número de mortes durante esses anos representa 51% do total” (BRASIL, 2014,</p><p>p. 440).</p><p>Nos anos finais da década de setenta do século XX cresceu a mobilização pelo retorno</p><p>à democracia. Muitos setores sociais tinham esta como sua principal pauta reivindicatória.</p><p>Deste contexto é que surge, em 1979, a Lei de Anistia (Lei 6.683/79). Tal instrumento</p><p>normativo funcionou como uma garantia jurídica que possibilitou o retorno de exilados e que</p><p>permitiria se vislumbrar uma passagem para um regime democrático. Contudo, não se pode</p><p>acreditar (consoante o senso comum quer fazer crer) que esta norma foi resultado de um acordo</p><p>amplo entre a sociedade brasileira e o aparelho estatal militarizado de maneira paritária</p><p>(CHUEIRI, CÂMARA, 2015; CHUEIRI, 2021).</p><p>Questionando esta perspectiva, foi que o Conselho Federal da Ordem dos Advogados</p><p>do Brasil uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) para que</p><p>fosse afirmada a incompatibilidade da Lei de Anistia com a Constituição de 1988. Contudo, tal</p><p>pedido foi negado, em decorrência, principalmente, dos argumentos de que a norma foi fruto</p><p>de um grande acordo entre iguais, bem como que o Poder Judiciário não possuía competência</p><p>para revisar esta lei, somente quem possui esta prerrogativa seria o Poder Legislativo</p><p>(KOZICKI, 2015).</p><p>Com este panorama é que o presente estudo objetiva analisar a percepção sobre a Lei</p><p>de Anistia (1979) contida no relatório final da Comissão Memória e Verdade da Universidade</p><p>Federal de Santa Catarina (publicado em 2018). O intuito desta pesquisa é romper, a partir desta</p><p>experiência catarinense, com o senso comum (principalmente do campo jurídico) de que a Lei</p><p>de Anistia foi fruto de um amplo acordo entre</p><p>os militares e toda a sociedade civil e que a todos</p><p>beneficia. Por isto, não pode ser questionada.</p><p>Material e métodos:</p><p>Este estudo tem por alicerce metodológico dois pilares: De um modo geral, na análise</p><p>bibliográfica acerca da ditadura civil-militar brasileira e, destacadamente, no relatório final da</p><p>Comissão Memória e Verdade da Universidade Federal de Santa Catarina (CMV-UFSC). Deste</p><p>modo, partiu-se, inicialmente, de trabalhos acadêmicos que refletiram este período de exceção</p><p>com ênfase em estudos jurídicos sobre a Lei de Anistia. Neste ponto, tocou-se nos argumentos</p><p>158</p><p>que foram utilizados quando do julgamento da ADPF 153 no Supremo Tribunal Federal para</p><p>julgar a sua competitividade com o texto constitucional de 1988.</p><p>Após esta revisão bibliográfica, que constituiu uma base para que pudéssemos detalhar</p><p>e abordar de forma mais detida o objetivo desta pesquisa. A partir deste material, em um</p><p>exercício de História do Direito (STOLLEIS, 2020)111, relacionamos com a compreensão sobre</p><p>a temática da Lei de Anistia sob as lentes do relatório final da Comissão Memória e Verdade</p><p>da Universidade Federal de Santa Catarina (CMV-UFSC). Assim, buscou-se entender até que</p><p>ponto os relatos, documentos e análises contidas neste relatório contrastavam com a pretensa</p><p>verdade de uma transição realizada pela Lei de Anistia. Assim, será que a anistia anunciada</p><p>pelo STF como recepcionada pela ordem democrática e constitucional de 1988 realmente existe</p><p>em nível de história, especificamente, de uma história do direito?</p><p>Resultados e Discussão:</p><p>Os debates historiográficos, em contraposição à argumentação jurídica, afirmam que</p><p>esta anistia para a história não existiu. Assim, não se teria uma transição em que a repressão</p><p>houvesse cessado. Melhor seria afirmar que a ditadura civil-militar, com a Lei de Anistia, entrou</p><p>em uma nova fase de repressão com menos veemência. Ela ainda continuava presente, mas com</p><p>uma intensidade menor (COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE DA UNIVERSIDADE</p><p>FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2018)</p><p>A reintegração de professores112 à Universidade Federal Santa Catarina deu-se tendo por</p><p>parâmetro normativo a Lei de Anistia. De igual modo, esta norma foi a responsável por</p><p>extinguir a condenação de 17 pessoas julgadas pelo Tribunal Militar em decorrência da</p><p>chamada Operação Barriga Verde (atuação militar que resultou em mortes, torturas e prisões</p><p>arbitrárias daqueles considerados uma ameaça ao governo em Santa Catarina). Ademais, todos</p><p>os indiciados por esta operação tiveram seus processos extintos em decorrência da Lei de</p><p>Anistia (COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE</p><p>SANTA CATARINA, 2018).</p><p>Entretanto, a lei de Anistia não realizou uma cisão entre ditadura e democracia. Esta</p><p>hipótese pode ser corroborada com depoimentos. Um exemplo disto é a resposta de Lucia</p><p>Hayert, presidente do Coletivo Catarinense pela Memória, Verdade e Justiça que assim afirma:</p><p>111 Entendendo esta nos termos propostos por Michael Stolleis como a “disciplina que liga com o contexto histórico</p><p>de ordenamentos jurídicos em sua integralidade e com a assimilação cultural das normas jurídicas”.</p><p>112 Citam-se os professores Aldo Ávila da Luz, Eugênio Doin Vieira, Osmar Cunha, Vilson Rosalino da Silveira</p><p>que tiveram sua reintegração de posse à UFSC em junho de 1980.</p><p>159</p><p>[...] a lei da anistia já tinha sido aprovada em 1979, vários companheiros estavam</p><p>voltando do exílio, mas mesmo assim a Lei de Segurança Nacional existia, estava em</p><p>curso e vários companheiros foram inclusos, inclusive daqui, da UFSC, vários</p><p>companheiros foram inclusos na Lei de Segurança Nacional. No Rio Grande do Sul a</p><p>gente teve também pessoas inclusas, meu ex-marido foi um dos que foi incluso na lei</p><p>de segurança nacional na greve de 1980. (COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE</p><p>DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2018, p. 698)</p><p>A advogada Rosângela de Souza, também demostra que a Lei de Anistia não foi um</p><p>consenso social, conforme se afirmou no julgamento da ADPF 153. Tampouco, sua construção</p><p>contou com a atuação paritária da sociedade e do governo militar.</p><p>“lei da anistia, uma lei que a gente não queria daquela forma, inclusive quando a lei</p><p>da anistia foi aprovada houve uma coincidência, eu estava em Brasília, participei das</p><p>manifestações, porque tinham umas emendas na lei da anistia que não foram</p><p>aprovadas e uma das emendas era para que ela fosse ampla geral e restrita do ponto</p><p>de vista dos perseguidos políticos. É bom sempre deixar muito claro porque que nós</p><p>queríamos uma anistia ampla, geral e irrestrita. Naquela época não existia sequer a</p><p>possibilidade de nós anistiarmos os torturadores e os que usurparam de forma ilegal o</p><p>poder em 1964” (COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE DA UNIVERSIDADE</p><p>FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2018, p. 759)</p><p>Mesmo com a anistia política, a revogação do AI-5 e do decreto-lei 477, continuava</p><p>em vigor a lei 4.330 de junho de 1964 que proibia funcionário de fazer greve e de se</p><p>sindicalizar. Pairava no ar o clima de medo e era potencial e efetivamente muito</p><p>perigoso, pois o aparato repressivo continuava atuando com toda a sua truculência</p><p>sobre o movimento sindical e suas lideranças. (COMISSÃO MEMÓRIA E</p><p>VERDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA, 2018, p.</p><p>770).</p><p>Mais uma afirmação da Comissão Memória e Verdade da UFSC que contrasta com a</p><p>narrativa oficial acerca da Lei de Anistia. Os servidores públicos, apesar que reingressarem</p><p>aos quadros da Universidade, ainda não possuíam liberdade para o exercício de direitos</p><p>fundamentais, como manifestação livre, associação e direito de greve.</p><p>Conclusão:</p><p>Pela investigação, tem-se que, apesar de o movimento pela Anistia ter sido uma</p><p>pauta coletiva almejada por diversos movimentos sociais e a Lei de Anistia ter contribuído para</p><p>o retorno de professores (bem como a reintegração destes a seus cargos universitários), muitos</p><p>deles vítimas da Operação Barriga Verde (1975-1977) que objetivava caçar comunistas, a lei</p><p>de Anistia beneficiou majoritariamente os agentes estatais que cometeram crimes, sendo hoje</p><p>um empecilho para a construção de um Estado Democrático de Direito. Isso porque, apesar</p><p>destas conquistas, mesmo após a aprovação desta norma, as práticas autoritárias e militares não</p><p>cessaram. E com isto, percebe-se que o relatório conclui que a Lei de Anistia permite a sincronia</p><p>160</p><p>da exceção do golpe militar com o Estado de Direito, impedindo, portanto, a efetivação dos</p><p>direitos de memória, verdade e justiça.</p><p>Percebeu-se a complexidade de se entender a Lei de Anistia não como um documento</p><p>com uma única versão, mas que opera, no jogo da política e no curso da história, de forma não</p><p>uniforme e passível de explicação final. Isso se dá justamente, por seu intrinsecamente aos</p><p>processos políticos e sociais que a gestaram e que são presentes em sua vigência. Estas</p><p>conclusões são possíveis devido e aqui também está a contribuição desta pesquisa: A</p><p>fundamental necessidade de discussão acerca de comissões da verdade locais e institucionais,</p><p>que conseguem dar voz efetiva a personagens por vezes deixadas de lado na Comissão Nacional</p><p>da Verdade.</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Comissão Nacional da Verdade. Relatório/Comissão Nacional da</p><p>Verdade. Recurso eletrônico. Brasília: CNV, 2014. Disponível em:</p><p>http://cnv.memoriasreveladas.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_1_digital.pdf. Acesso</p><p>em: 20 out. 2022, p. 440.</p><p>CHUEIRI, Vera Karam de; CÂMARA, Heloísa Fernandes. (Des)ordem</p><p>constitucional: engrenagens da máquina ditatorial no Brasil pós-64. Lua Nova: Revista</p><p>de Cultura e Política, Vol. 95, 2015.</p><p>CHUEIRI, Vera Karam de. (Per)cursos de democracia e constitucionalismo e o</p><p>(in)curso da Constituição Radical. Tese. (Concurso de Titularidade em direito</p><p>constitucional) - Departamento de Direito, Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2021.</p><p>COMISSÃO MEMÓRIA E VERDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA</p><p>CATARINA.</p><p>Relatório Final da Comissão Memória e Verdade. Vol. 1.</p><p>Florianópolis: Comissão Memória e Verdade da Universidade Federal de Santa Catarina,</p><p>2022. Disponível</p><p>em: https://www.memoriaedireitoshumanos.ufsc.br/files/original/edada7bc0543da177722b8</p><p>2511ae93 e8.pdf. Acesso em: 20 out. 2022.</p><p>KOZICKI, Katya. Backlash: as “Reações Contrárias” à Decisão do Supremo Tribunal</p><p>Federal na ADPF no 153. In: SOUSA JUNIOR, José Geraldo de; Et Al. O direito achado</p><p>na rua: introdução crítica à justiça de transição na América Latina. V. 07. 1. ed. – Brasília,</p><p>DF: UnB, 2015.</p><p>PEREIRA, Anthony. Sistemas judiciais e repressão política no Brasil, Chile e Argentina,</p><p>in SANTOS, Cecília MacDowell. TELES, Edson. TELES, Janaina de Almeida</p><p>(org.). Desarquivando a ditadura – memória e justiça no Brasil. Volume I. São Paulo:</p><p>Hucitec, 2009.</p><p>161</p><p>QUINALHA, Renan. Contra a moral e os bons costumes: a política sexual da</p><p>ditadura brasileira (1964-1988). Tese. (Doutorado em Relações Internacionais) - Instituto</p><p>de Relações Internacionais. Universidade São Paulo, São Paulo, 2017.</p><p>SILVA FILHO, José Carlos Moreira da. Memória e reconciliação nacional: o impasse da</p><p>anistia na inacabada transição democrática brasileira. In: A anistia na era da</p><p>responsabilização: o Brasil em perspectiva internacional e comparada. Brasília: Ministério</p><p>da Justiça, Comissão de Anistia; Oxford University, Latin American Centre, 2011.</p><p>STOLLEIS, Michael. Escrever História do Direito: Reconstrução, narrativa ou ficção?</p><p>São Paulo: Editora Contracorrente, 2020.</p><p>162</p><p>A MILITARIZAÇÃO DAS GUARDAS MUNICIPAIS NO BRASIL: NOVO MEIO</p><p>OSTENSIVO DE RETIRAR O DIREITO À CIDADE DOS MARGINALIZADOS</p><p>Pablo Henrique Lopes de Carvalho113</p><p>JUSTIFICATIVA:</p><p>Este presente artigo tem o objetivo de analisar e demonstrar como vem ocorrendo a</p><p>passos galopantes a militarização das guardas municipais no país, mesmo como entendimento</p><p>jurisdicional sendo contra, ela vem ocorrendo, e como essa militarização são novos meios de</p><p>opressão a classe trabalhadora que está à margem da sociedade, como o uso de métodos</p><p>ostensivos são utilizados para afastar essa população do centro da cidade, como isso acaba por</p><p>retirar muitas das vezes o direito à cidade dessas população e assegurando a perpetuação da</p><p>classe dominante nos grandes centros e como essa ostensividade dado com a militarização</p><p>(fascistização) das GCM’s do país fazem como, estudando assim como as relações jurídicas</p><p>estão envolvidas nesse processo, assim como o estado burguês e racista com sua política de</p><p>extermínio, e como isso acaba por ser letal a essa população que sofre todos os dias com esse</p><p>etiquetamento com essa perseguição estatal, este que é comandado pela classe dominante, que</p><p>impõe uma hegemonia cultural e etnocêntrica sobre essa população da margem ser assim</p><p>etiquetada estigmatizada como marginais. Assim utilizando um método de pesquisa</p><p>exploratória, bibliográfica e documental. Portanto, vem analisar e demonstrar como um regime</p><p>já utilizado pelas polícias militares, está sendo aplicado às guardas municipais, assim</p><p>amplificando esta política de extermínio e higienização da população, tem também a intenção</p><p>de explicitar de como essa classe marginalizada requer, pleiteia e faz a reivindicação do direito</p><p>à cidade com quais meios essa usa para denunciar e reivindicar os seus direitos de dignidade</p><p>humana.</p><p>Palavras-chave: Militarização. Guardas Municipais. Marginalizados.</p><p>OBJETIVOS</p><p>1. Explicitar a ideia de militarização e como ela vem sendo aplicada.</p><p>2. Analisar o desenvolvimento do projeto ostensivo neoliberal aos marginalizados</p><p>113 UNISOCIESC. E-mail: pablo.lopes.019960@gmail.com</p><p>163</p><p>3. Analisar a formação do regime jurídico e suas atualizações</p><p>4. Analisar a transição tentada para mudar o regime jurídico</p><p>5. Explicitar as práticas ostensivas que afastam a população das margens</p><p>METODOLOGIA</p><p>A metodologia utilizada será estruturada em uma pesquisa bibliográfica e quantitativa e</p><p>sua base teórica assenta-se no método criminológico crítico de análise.</p><p>RESULTADOS</p><p>Ao se deparar em noticiários, se vê ações com táticas militares de guerra, em bairros</p><p>da periferia e assim fica-se um ar de surpresa ao se descobrir que a ação não foi realizada pela</p><p>Polícia Militar, mas pela Guarda Municipal, com seu novo grupo tático Municipal Ostensiva</p><p>Ronda, o ROMU (Ronda Ostensiva Municipal), que possui cores, armas e ações que podem</p><p>levar um cidadão a seguir. longe de ser confundido com o primeiro-ministro ou mesmo o</p><p>exército.</p><p>Não é apenas uma coincidência, mas o resultado de uma estratégia que está crescendo</p><p>no Brasil, e faz parte de um fenômeno nacional que está causando polêmica. Prefeitos utilizam</p><p>cada vez mais as guardas municipais, que são civis e cumprem legislação especial, para usos</p><p>que ultrapassam perigosamente os limites de sua atuação legal. Em vez de um caráter</p><p>comunitário, as ações repressivas vêm à tona, geralmente cercadas por fotos de prisões e prisões</p><p>e uma demonstração de tolerância zero ao crime, na tentativa de capitalizar um sentimento</p><p>comunitário que tem muito apoio público.</p><p>O problema é que a política de segurança pública sempre se pautou apenas na repressão</p><p>e na atuação policial, lógica na qual muitas vezes os guardas municipais são incorporados,</p><p>principalmente após a criação de equipes táticas na forma de formação de policiais, e como</p><p>atuam em situações de poderes para manter a ordem, Isso não é apenas uma perversão do</p><p>sentido criado pelos guardiões com base em patrulhas comunitárias e preventivas, mas uma</p><p>violação legal de seus deveres. Em muitas cidades brasileiras, a estrutura da Guarda Municipal</p><p>é muito próxima à das unidades especializadas da gendarmaria. Trata-se de medida que vai</p><p>contra a essência do artigo 144 da Constituição Federal, que foi pensado pelo constituinte, que</p><p>acaba desfigurando o pensado para fim da segurança pública. No ponto do inciso 8° foi aditado</p><p>o seguinte texto: "O município, nas condições previstas na lei, pode nomear guardas municipais</p><p>para proteger os seus bens, serviços e instalações".</p><p>164</p><p>Já com a edição da Lei nº. 13.022 de 2014 que dispõe e é a única que define a situação</p><p>geral das guardas municipais e se aplica a todas as guardas do país e em seu artigo 2º tem-se</p><p>que, Os guardas municipais e os órgãos cívicos têm o dever de fornecer proteção municipal</p><p>preventiva, além das atribuições dos distritos federal, estadual e federal, devendo estar</p><p>uniformizados e armados por lei, assim Cada membro tem seu próprio propósito e função. Não</p><p>podemos abordar a incerteza geral com uma única ação, mas através de uma combinação de</p><p>medidas preventivas e desincentivos qualificados.</p><p>Trataremos diversas forças de segurança e de ações realizadas por diferentes órgãos</p><p>de segurança pública, como por exemplo, a Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Polícia</p><p>Ferroviária Federal, Polícia Civil, Gendarmaria e Corpo de Bombeiros Militar e Polícia</p><p>Criminal Federal, Estadual e Territorial, mas se de fato existem estruturas policiais civis e</p><p>militares destinadas a interferir nessas organizações criminosas, não há necessidade de investir</p><p>muito em vigilantes municipais nesse sentido para reprimi-los com competência, ou seja,</p><p>Investimentos em armas pesadas e unidades táticas. Isso não impede que o xerife e a polícia</p><p>trabalhem juntos, o que é realmente necessário quando um precisa do apoio do outro, mas cada</p><p>um faz o seu trabalho.</p><p>Um ponto relevante, são os recursos financeiros e humanos destinados a esses grupos</p><p>de combate urbano. A que distância esse controle está de si mesmo, da estrutura de combate e</p><p>das pessoas que podem se concentrar mais em manter a comunidade segura?</p><p>Este artigo irá tratar agora do etiquetamento marginal e o arquétipo hostil A teoria do</p><p>etiquetamento criminal, trata-se de umas das teorias da criminologia crítica, que teve seu</p><p>surgimento</p><p>na América do Norte, mais</p><p>precisamente nos EUA e em parte da Europa, no século XX em meados dos anos 70. Tal teoria</p><p>tem sua fundamentação não orgânica, pois é oriunda da chamada sociologia do interacionismo</p><p>simbólico, que passa a tratar da relação entre os órgãos estatais que utilizam da monopolização</p><p>do poder estatal para punir. Esses poderes são conhecidos numa ordem inquisitorial, acusatória</p><p>e sentenciadora, como Polícia, Ministério Público e Jurisdição, com aqueles que são</p><p>“etiquetados” (ou rotulados) de criminosos por aqueles órgãos.</p><p>Segundo Santos (2018, p.18), esta teoria tem por fundamentação duas faces, ou seja,</p><p>duas lógicas que as conduzem. Uma delas cria uma dependência da violação da norma com a</p><p>reação social contra, ou seja, o ato lesivo e criminoso é taxado moralmente pela sociedade, que</p><p>165</p><p>rotula esse ato como espúrio e imoral, perante aquela sociedade, tendo assim uma dinâmica ato</p><p>criminoso-rotulação social.</p><p>Não obstante, porém não menos importante, a outra face da fundamentação trata de</p><p>uma dinâmica controle social - produção do crime, onde se conclui que o crime não é fato</p><p>gerador do controle social, mas que claramente o controle social constrói o crime, pois, cabe a</p><p>sociedade civil desde os primórdios, em seus dogmas sociais com influência direta da igreja,</p><p>determinar o que seria uma conduta imoral e desviante, assim a rotulando. Portanto, conforme</p><p>explica Santos (2018, p.19) o cidadão que a praticar se tornará uma pessoa de caráter desviante,</p><p>porque uma conduta foi rotulada inicialmente como desviante.</p><p>Mas quem define, quem etiqueta quem nessa história? Segundo Baratta (2011) é a</p><p>própria sociedade dominante, a qual também constitui o estado em cargos de decisão e acaba</p><p>por construir esse arquétipo opressor, rotulando como desajustados aqueles que possuem um</p><p>estereótipo X, uma pretensão ao crime por viver em desvantagem socioeconômica, que residem</p><p>em locais de baixo desenvolvimento, com possível reincidência ou mesmo com familiares que</p><p>possuem condutas desviantes.</p><p>Assim mostra-se evidente que esse etiquetamento marginal possui um recorte de classe,</p><p>raça e gênero, em que qualquer semelhança com as obras supramencionadas não é mera</p><p>coincidência, pois refere-se a uma literatura marginal o interacionismo simbólico constitui uma</p><p>perspectiva teórica que possibilita a compreensão do modo como os indivíduos interpretam os</p><p>objetos e as outras pessoas com as quais interagem e como tal processo de interpretação conduz</p><p>o comportamento individual em situações específicas que conta a vida destes marginalizados e</p><p>oprimidos pela sociedade. Estas duas obras tem uma conduta desviante familiar, que seria a</p><p>criminalização e a ilegalidade das drogas psicoativas, que conduzem a uma guerra às drogas.</p><p>A guerra às drogas, segundo Del Olmo (1990, p. 39) se “iniciou” na supracitada década</p><p>de 70 nos EUA, mais precisamente nos anos de 1971 e 1973 (não por coincidência em meio à</p><p>Guerra do Vietnã), em que o Presidente Nixon, um homem branco, cisgenero, de classe alta e</p><p>do alto escalão da política, trás o discurso das drogas (heroína) como perturbação social, pois</p><p>deixou de afetar somente os guetos do país, passando a afetar também a juventude branca de</p><p>classe média (veja classe média), tornando-os dependentes e assim prejudicando a vida pelo</p><p>uso das substâncias (conduta desviante?).</p><p>“Qualificar a heroína de “inimigo público” permitia iniciar o discurso político para</p><p>que a droga começasse a ser percebida como ameaça à ordem. Porém, uma análise</p><p>detalhada da heroína levaria a contradizer o presidente Nixon, já que esta droga era,</p><p>na realidade, muito menos ameaçadora para o sistema do que a maconha. É uma droga</p><p>profundamente individualista, de consumo solitário que marginaliza, inibe e,</p><p>166</p><p>portanto, elimina qualquer tentativa de formação de grupos de protesto. Tem além</p><p>disso o agravante de seu alto custo, que obriga o consumidor a renunciar a tudo por</p><p>ela; a optar por traficar para poder consegui-la; e inclusive a estar disposto a delatar</p><p>o amigo para obter dinheiro com o qual adquiri-la.” (DEL OLMO, 1990. p.39)</p><p>Portanto, segundo Aniyar (1977, p. 111-14 apud Santos, 2018, p.20) ocorre a percepção</p><p>social, da dinâmica estigmatização criminal - carreiras criminosas em que a criminalização</p><p>da conduta desviante, causa o estigma sobre quem a pratica, que por sua vez acaba por criar</p><p>reincidências indiretas, por mera semelhança com seus iguais. O etiquetamento, ou seja, o</p><p>rótulo de marginalização, produz dantescos efeitos, pois acaba sendo o principal meio de</p><p>identificação de um possível criminoso, gerando sempre expectativa negativa sobre os que</p><p>se enquadram, supondo que ele reproduza o mesmo comportamento que os já estigmatizados,</p><p>fazendo com que estes se reúnam e perpetuem o comportamento desviante por um efeito de</p><p>estigmatização generalizada, que acaba por fazer os estigmatizados se aproximarem e</p><p>concorrerem ao crime.</p><p>“De certa forma, a estigmatização penal é a única diferença entre comportamentos</p><p>objetivamente idênticos, porque a condenação criminal depende, além das distorções</p><p>sociais de classe, de circunstâncias de sorte/Azar relacionadas a estereótipos criminais,</p><p>que cumprem funções sociais definidas: o criminoso estereotipado é o "bode</p><p>expiatório" da sociedade, objeto de agressão das classes e categorias sociais</p><p>inferiorizadas, que substitui e desloca sua revolta contra a opressão e exploração das</p><p>classes dominantes” (Chapman, 1968, p. 197 apud Santos, 2018, p.20 ).</p><p>Este estigma acaba por fazer com que o poder inquisitório do Estado, que seria a polícia,</p><p>persiga essas pessoas etiquetadas, oprimindo-as, por residirem na periferia, por estarem</p><p>inseridos na classe social inferior (financeira), por serem socialmente vulneráveis ou por serem</p><p>negras, por exemplo.</p><p>É imprescindível trazer a fala do comandante da Rota (PM/SP), na qual afirma que a</p><p>abordagem policial nos Jardins (bairro nobre de São Paulo) tem que ser diferente da abordagem</p><p>na periferia:</p><p>“"É uma outra realidade. São pessoas diferentes que transitam por lá. A forma dele</p><p>abordar tem que ser diferente. Se ele [policial] for abordar uma pessoa [na periferia],</p><p>da mesma forma que ele for abordar uma pessoa aqui nos Jardins [região nobre de</p><p>São Paulo], ele vai ter dificuldade. Ele não vai ser respeitado. "Da mesma forma, se</p><p>eu coloco um [policial] da periferia para lidar, falar com a mesma forma, com a</p><p>mesma linguagem que uma pessoa da periferia fala aqui no Jardins, ele pode estar</p><p>sendo grosseiro com uma pessoa do Jardins que está ali, andando. "O policial tem que</p><p>se adaptar àquele meio que ele está naquele momento" "Os policiais, tempos</p><p>atrás, andavam desarmados. Hoje, não estão mais desarmados porque estão numa</p><p>situação de terrorismo, de atentados (...)” (UOL, 2017).</p><p>167</p><p>A etiqueta de marginalização na fala do comandante é evidenciada, tratando</p><p>os periféricos como inimigos da ordem e possíveis terroristas, carregando nesta fala uma visão</p><p>etnocêntrica, que segundo Strauss (1952, p. 3-5) faz com que a sociedade que possui a etnia</p><p>central dominante, tenha repulsa às demais etnias, às demais culturas que para eles é uma</p><p>cultura desconhecida, tratando-os como desiguais, como inferiores, como animais.</p><p>Sabe-se que o Brasil é um país multicultural, no entanto na classe dominante predomina</p><p>sua cultura, colocando esta como centro da sociedade brasileira. Uma cultura perpetuada por</p><p>pessoas de classe média e alta, que na sua maioria dantesca é constituída por herdeiros</p><p>escravagistas, que construíram seu império nas costas daqueles que vieram em navios negreiros</p><p>e depois foram recuados para as periferias, como medida de higienização social, quando não</p><p>eram mais necessários, pelo fato terem conquistado sua liberdade.</p><p>Esse etnocentrismo fica claro ao ler as obras supracitadas neste artigo, pois tem-se a</p><p>expectativa que os personagens tenham</p><p>quanto denúncias que partiram das famílias, mas foram</p><p>realizadas por outras entidades ou órgãos. Ainda nesse período, foi realizada uma publicação</p><p>que registrou uma mobilização nacional que não ficou restrita às familiares, mas que envolveu</p><p>diversas entidades e organizações no Brasil. Desse total de 29 publicações, 22 são as que</p><p>registram manifestações diretas das familiares de pessoas presas.</p><p>Em uma análise por regiões, verificou-se que 9 das publicações registraram</p><p>manifestações que ocorreram na Região Nordeste, 5 na Região Sudeste, 6 na Região Sul, 1 na</p><p>Região Norte e 1 na Região Centro-oeste. Nesse aspecto, fica demonstrado que os problemas</p><p>relativos ao encarceramento se fazem notar em todas as regiões do país, o que revela seu caráter</p><p>nacional, pois as denúncias das familiares não se restringem a determinado estado ou região,</p><p>muito embora a competência para decisões vinculadas ao sistema prisionais serem de atribuição</p><p>dos governos estaduais.</p><p>No que se refere ao conteúdo das manifestações, as publicações foram agrupadas a partir</p><p>do tipo de denúncia que foi levada nas manifestações, embora em quase todas seja possível</p><p>perceber a presença de mais de um dos pontos elencados. Os eixos observados são os seguintes:</p><p>falta de informações, dificuldade de comunicação e denúncias relacionadas à torturas e</p><p>violações de direitos humanos.</p><p>4 CONCLUSÃO</p><p>A pesquisa constatou, a partir das mobilizações e denúncias realizadas pelos</p><p>movimentos de familiares de apenados, a transcendência do impacto da pena de prisão sofrida.</p><p>Os relatos sobre a intensificação da violação durante a pandemia de COVID-19, que acentuou</p><p>o fechamento do cárcere, demonstra a comprovação da hipótese delineada no início do trabalho.</p><p>Diante da negativa do Judiciário brasileiro de fazer cumprir as recomendações do</p><p>Conselho Nacional de Justiça houve conivência e, não podemos esquecer, responsabilidade por</p><p>cada uma das mortes que ocorreram nos presídios e que poderiam ter sido evitadas, seja pela</p><p>21</p><p>libertação de presos provisórios com aplicação de outras cautelares, seja pela diminuição da</p><p>população carcerária.</p><p>A desumanização perpassa todos os laços e o contexto em que um apenado está e afeta</p><p>também seus afetos que sofrem pela distância, pela ruptura e pelo estigma que também recebem.</p><p>Muitas mães são responsabilizadas por terem “criado bandidos” e, muitas vezes, parte dos</p><p>saberes psi a responsabilização do modelo familiar por uma visão positivista de “tendência a</p><p>delinquir”. A culpa convenientemente é atribuída a qualquer coisa, menos à luta de classes e à</p><p>desigualdade.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas mãos da criminologia: o controle penal para além</p><p>da (des)ilusão. Florianópolis: Instituto Carioca de Criminologia, Coleção Pensamento</p><p>Criminológico, 2012.</p><p>______________________________. Minimalismos, abolicionismos e eficienticismo: a crise</p><p>do sistema penal entre a deslegitimação e a expansão. Revista Sequência, [s. l], v. 52, p. 163-</p><p>182, jul. 2006.</p><p>______________________________. Mitologias e senso comum do abolicionismo penal no</p><p>Brasil: desafios no contexto do capitalismo de “barbárie” sob a metabarbárie (o bolsonarismo).</p><p>In: Abolicionismos: vozes antipunitivistas no Brasil e contribuições libertárias. p. 43-56.</p><p>Organizador Guilherme Moreira Pires. Florianópolis, Habitus, 2020.</p><p>BATISTA, Vera Malaguti, 1955-. Introdução crítica à criminologia brasileira/ Vera</p><p>Malaguti Batista. - Rio de Janeiro : Revan, 2011, 2ª edição, julho de 2012, 2ª reimpressão, 2015.</p><p>Conselho Nacional de Justiça. Recomendação nº 62 de 17 de março de 2020. 2020.</p><p>Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-</p><p>Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 25 jun. 2021.</p><p>DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas?/ Davis, Angela, 1994; tradução de Marina</p><p>Vargas - 1ªed. - Rio de Janeiro: Difel, 2018.</p><p>INFOVÍRUS PRISÕES. Por que ficar de olho nos dados do Ministério da Justiça sobre a</p><p>COVID-19 no sistema penitenciário? 22. abr. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível</p><p>em: Com poucos testes, números de casos de COVID-19 nas prisões estão subnotificados". 22</p><p>abr. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível em:</p><p>https://www.instagram.com/p/B_V1EJlhdjC/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>________________. Governo esconde registros do COVID-19 nas prisões do Amazonas. 23</p><p>abr. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível em:</p><p>https://www.instagram.com/p/B_Ve8eJh7mU/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>22</p><p>________________. Familiares de detentos fazem protesto em Maceió depois de quase cinco</p><p>meses sem informações. 9 jul. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível em:</p><p>https://www.instagram.com/p/CDPv6f_HZ2c/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>_________________. Pandemia na Papuda. 13 dez. 2020. Instagram: @infovirusprisoes.</p><p>https://www.instagram.com/p/CI9HyqonGKx/ . Acesso em 30 abr. 2021.</p><p>_________________. Tocantins proíbe visitas a pessoas presas e registra greve de fome dentro</p><p>dos presídios e protesto de familiares. 03 nov. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível</p><p>em: https://www.instagram.com/p/CHJefZVHpCr/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>__________________. Em meio a denúncias de tortura e transferências sem comunicação</p><p>prévia, familiares de presos protestam no Ceará”. 11 out. 2020. Instagram: @infovirusprisoes.</p><p>Disponível em: https://www.instagram.com/p/CGYgrk9n4_B/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>_________________. 229 presos testam positivo para o novo coronavírus no Presídio de Itajaí,</p><p>em Santa Catarina. 13 jul. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível em:</p><p>https://www.instagram.com/p/CCmiXOaHiC5/. Acesso em 07 set. 2021.</p><p>_________________. Familiares denunciam 'massacre silencioso' nas prisões e pedem retorno</p><p>das visitas em São Paulo. 13 out. 2020. Instagram: @infovirusprisoes. Disponível em:</p><p>https://www.instagram.com/p/CGTVB-nHnkm/. Acesso em 06 set. 2021.</p><p>ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do</p><p>sistema penal. Tradução: Vânia Romano Pedrosa, Amir Lopes da Conceição. Rio de Janeiro:</p><p>Revan, 1991.</p><p>23</p><p>A EXPOSIÇÃO “JUVENTUDES E PARTICIPAÇÃO” E SUA REFLEXÃO SOBRE</p><p>AS VIOLAÇÕES AOS DIREITOS HUMANOS OCORRIDAS DURANTE A</p><p>DITADURA MILITAR BRASILEIRA (1964-1985)3</p><p>Fabio Lanza4</p><p>José Wilson Neves Júnior5</p><p>Luan Prado Piovani6</p><p>Introdução</p><p>Após o golpe militar de 1964, foi implementado um modelo político-ideológico de</p><p>sociedade e de Estado. A ditadura militar que se impôs ao país executou um processo de</p><p>modernização econômica conservadora e, no campo político, visava construir uma democracia</p><p>tutelada pelos militares (NAPOLITANO, 2014). Este ideal de democracia7 seria marcado pelo</p><p>consenso, não poderia haver grandes desvios contra a “ordem” do grupo de poder, o dissenso</p><p>era tomado como sendo um elemento subversivo. Toda oposição ao regime sofria com uma</p><p>vigilância constante, que servia de pilar para a repressão que marcou a ditadura.</p><p>Logo no primeiro governo ditatorial, o general-presidente Castelo Branco criou um</p><p>órgão especializado em reunir informações sobre indivíduos e grupos que fossem uma ameaça</p><p>em potencial. Esta organização, denominada Serviço Nacional de Informações (SNI), em um</p><p>período curto se ramificou, abrindo agências regionais em diversos pontos do país (JOFFILY,</p><p>2014). A agência de Curitiba, responsável pela vigilância dos estados do Paraná e Santa</p><p>Catarina, produziu os informes e relatórios que compuseram a exposição “Juventudes e</p><p>Participação”8 (2022).</p><p>3 O presente trabalho decorre das atividades desenvolvidas pelo projeto “Os Documentos Inéditos do SNI (Paraná-</p><p>BR), do projeto Opening the Archives e da CIA (EUA)”, que atualmente conta com financiamento do Conselho</p><p>Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Araucária.</p><p>4 Doutor em Ciências Sociais (PUC-SP). Professor Associado do Departamento de Ciências Sociais e docente do</p><p>Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UEL, Londrina/PR.</p><p>uma inclinação para a conduta desviante e que tomem</p><p>um rumo diferente no desenrolar da história. Mas o leitor se surpreende, porque o personagem</p><p>acaba escolhendo o caminho da conduta desviante, indo contra a torcida do final feliz da</p><p>história. É partindo deste ponto que trataremos das circunstâncias da efetivação dos direitos a</p><p>seguir.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Com base nos elementos do estudos apresentados, de uma pesquisa ainda em</p><p>andamento, se tem concluído que é desnecessária essa política ostensiva das guardas municipais</p><p>e que a finalidade destes é somente, e tão somente, oprimir e restringir o direito à cidade das</p><p>populações estigmatizadas.</p><p>REFERÊNCIA</p><p>ADORNO, Luís. abordagem no jardins e na periferia tem de ser diferente diz novo</p><p>comandante da rota. Uol, 2017. Disponivel em :<</p><p>https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2017/08/24/abordagem-no-jardins-e-na-</p><p>periferia-tem-de ser-diferente-diz-novo-comandante-da-rota.htm?cmpid=copiaecola> Acesso</p><p>em 18 de nov. de 2021.</p><p>ANIYAR de C., L. Criminología de la reacción social Maracaibo: Universidad de! Zulia,</p><p>1977.</p><p>BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro:</p><p>Ed. Revam, 2011</p><p>168</p><p>BOBBIO, N. A era dos Direitos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004</p><p>Chapman, D, Sociology and the stereotype of the criminal. Londres: Tavistock Publications,</p><p>1968.</p><p>DEL OLMO, R. A face oculta da droga. Rio de Janeiro- Revan, 1990</p><p>LÉVI-STRAUSS, C. Raça e história. Lisboa: Presença, 1980.</p><p>SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Florianópolis: 4°Ed. Empório do</p><p>Direito, Tirant lo Blanch 2018.</p><p>169</p><p>A REINVENÇÃO DA SUBJETIVIDADE NO GRUPO DE APOIO ÀS MULHERES</p><p>VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA ADINKRAS- FORQUILHINHA/SC</p><p>Andreza de Oliveira114</p><p>Joseane Nazario115</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A violência contra as mulheres cresce assustadoramente no Brasil, mesmo com a criação</p><p>da Lei Maria da Penha em 2006 os casos não retrocedem. O incentivo à denúncia é algo</p><p>presente na atualidade, através das mídias, disque-denúncias, delegacias da mulher e Fórum de</p><p>Justiça, mas a criação da Lei 11.340/2006 levanta outra importante situação: o pós-denúncia,</p><p>como a mulher vitimada pela violência irá recuperar sua autoestima e recomeçar sua vida.</p><p>Para atender esta demanda no município de Forquilhinha/SC, se cria o projeto Adinkras</p><p>de apoio às mulheres vítimas de violência que as atende no período da pós-denúncia do agressor</p><p>e tem como um dos objetivos promover a autoestima dessas mulheres.</p><p>O trabalho tem início no ano de 2018 e segue até (́2021, não resistindo aos impactos da</p><p>pandemia de Covid-19), nesse período atendeu mulheres que de alguma maneira denunciaram</p><p>a violência que sofriam; elas chegam ao grupo através do encaminhamento do Fórum de Justiça</p><p>de Forquilhinha, através do Centro de Referência Especializado de Assistência Social do</p><p>município e através da indicação de outras mulheres que já participam. Aproximadamente 26</p><p>pessoas já foram atendidas pelo projeto e dentro desse montante de 15 adolescentes que</p><p>participaram do projeto “Adinkras Sesa Wo Suban - transforme sua vida”, que atuou com</p><p>meninas da E.E.B. Natálio Vassoler, situada na mesma cidade, que teve como objetivo ajudar</p><p>estas meninas a identificarem relacionamentos abusivos, violência contra as mulheres, evasão</p><p>escolar e prevenção da gravidez na adolescência.</p><p>MATERIAL E MÉTODO</p><p>O serviço prestado à comunidade é amparado por dois eixos: psicologia e arte-educação.</p><p>As técnicas de psicologia aplicadas em grupo juntamente com técnicas artísticas possibilitam</p><p>às mulheres reflexões acerca de seus direitos sobre guarda de filhos, divisão de patrimônio,</p><p>114 Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. E-mail: artesanato.emaye@gmail.com</p><p>115 Universidade do Extremo Sul Catarinense – UNESC. E-mail: joseanenazario@hotmail.com</p><p>170</p><p>possibilidades de profissionalização, direito ao controle da natalidade, além de identificar</p><p>relacionamentos abusivos para compreensão do ciclo da violência e os dispositivos atrelados a</p><p>este fenômeno, estudo da condição da mulher na sociedade e as redes disponíveis de apoio às</p><p>mulheres.</p><p>Uma das práticas utilizadas para este “reescrever”, foi à construção de scketchbooks</p><p>artesanais feitos manualmente pelas integrantes do projeto. Além de técnicas de encadernação,</p><p>técnicas de desenho e pintura, as mulheres estudaram história da arte africana através dos</p><p>ideogramas Adinkras que integram estes “livretos” que foram construídos de próprio punho por</p><p>cada uma; esses scketchbooks registram a história de cada uma das mulheres.</p><p>Estudos apontam que a arte exige a mente a estar focada no presente – o aqui e agora –</p><p>por estimular a intuição de cada indivíduo e com esse processo os conteúdos se tornam</p><p>conscientes à medida que são expressos. Dessa forma, a mulher permite a descoberta de uma</p><p>nova socialização e confiança em si mesmo, bem como a busca de espaço de voz, de escuta e</p><p>de transformação.</p><p>Nessa perspectiva, a escrita de si é um movimento de alteridade, rel(ação), em se colocar</p><p>como autora da sua própria história, tendo por objetivo a reinvenção de si, das suas vivências,</p><p>da trama social (RAGO, 2013). Desta forma, diante do insuportável das experiências de</p><p>violência vividas por estas mulheres, torna-se substancial a necessidade de encontrar novos</p><p>caminhos subjetivos que deem conta de ressignificar essa trama. Desse modo, “trazer” as</p><p>narrativas do passado à cena é um modo de pensar em futuros.</p><p>Para o desenvolvimento dessa proposta, foi realizado junto ao grupo caracterizações do</p><p>processo da constituição da violência contra as mulheres na sociedade usando os escritos de</p><p>Maire France Hirigoyen (2006), Heleieth Saffioti ( 2015), Francoise Vergès (2021), Margareth</p><p>Rago (2013), para reconhecimento do ciclo da violência e identificação de relacionamentos</p><p>abusivos como partes de processos históricos culturais onde as relações de poder colocaram as</p><p>mulheres no papel de subordinação, subjugação e inferiorização de seus corpos, processos</p><p>violentos que em alguns momentos da história foram consentidos, em outros velados, mas</p><p>seguem existindo. Francois Vergès escreve no livro uma teoria feminista da violência (2021)</p><p>que:</p><p>[..] as violências de gênero e sexuais não podem ser analisadas e combatidas</p><p>fora de uma análise mais ampla das condições que propiciam o</p><p>desencadeamento de tais violências. A violência é, portanto, “a consequência</p><p>lógica de um estado que estruturalmente oprime as mulheres e as relega a uma</p><p>posição minoritária.” (VERGÉS, 2021, p. 24).</p><p>171</p><p>Dentre os processos violentos dialogados no grupo, destacamos ainda, os dialogos</p><p>antirracistas fomentados através do estudo da arte africana e os processos de apropriação e</p><p>exploração do continente africano para chegar ao debate sobre violência contra as mulheres</p><p>negras no Brasil.</p><p>RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>Além do uso da Lei Maria da Penha (BRASIL, 2006) para guiar os estudos referente</p><p>às violências contra as mulheres, utilizamos juntamente a contribuição das já referidas autoras</p><p>os escrito de Fayga Ostrower (2014) e Ana Mae Barbosa para pensar sobre o ensino da arte</p><p>propondo reflexões que ultrapassam leituras e releituras de imagens e que possam impulsionar</p><p>reflexão, experimentação, contextualização, a ressignificação e a reinvenção da obra de arte e</p><p>da própria vida.</p><p>No projeto Adinkras foi possível vislumbrar a arte-educação em sua amplitude, quando</p><p>saiu do lugar formal da educação que é a escola e adentrou no espaço da assistência social e do</p><p>amparo às necessidades humanas como uma possibilidade para o recomeço da história de cada</p><p>mulher que participou deste projeto.</p><p>Ana Mae Barbosa no livro A imagem no ensino da arte (2005) escreve à arte-educadores</p><p>que [...] para a libertação das emoções devem lembrar que as emoções podem se revelar</p><p>Atualmente realiza Pós-Doutorado junto ao</p><p>CPDOC-FGV/RJ sob supervisão do Prof. Dr. Américo Freire. E-mail: lanza@uel.br</p><p>5 Doutor em Ciências Sociais (Unesp/Marília). Bolsista CNPq de Pós-Doutorado Júnior pelo Programa de Pós-</p><p>Graduação em Sociologia da UEL, Londrina/PR, e Pesquisador Colaborador do Departamento de Ciência Política</p><p>do IFCH-Unicamp, Campinas/SP. E-mail: nevesjr1991@gmail.com</p><p>6 Licenciado e Bacharel em Ciências Sociais (UEL). Mestrando e bolsista CNPq do Programa de Pós-Graduação</p><p>em Sociologia do IFCH-Unicamp, Campinas/SP. E-mail: luan.piovani98@gmail.com</p><p>7 Para uma análise aprofundada sobre o tipo de democracia consensual que tentou ser implementada pela ditadura</p><p>militar, sugiro o livro “A ditadura militar no Brasil: repressão e pretensão de legitimidade: 1964 – 1984”</p><p>(REZENDE, 2013).</p><p>8 Atualmente, o grupo de pesquisa vinculado ao projeto “Os Documentos Inéditos do SNI (Paraná-BR), do projeto</p><p>Opening the Archives e da CIA (EUA)” realiza o trabalho de catalogação para facilitar futuras pesquisas com os</p><p>mailto:lanza@uel.br</p><p>mailto:nevesjr1991@gmail.com</p><p>mailto:luan.piovani98@gmail.com</p><p>24</p><p>O recrudescimento da política repressiva, com a imposição do Ato Institucional número</p><p>5 (AI-5) em 1968, levou à criação de uma vasta rede de vigilância, sendo que “a ‘comunidade’</p><p>amparava-se naquilo que podemos chamar de ‘pilares básicos’ de qualquer ditadura: a</p><p>espionagem, a polícia política e a censura.” (FICO, 2001, p. 175). A linha ideológica seguida</p><p>pelos agentes da comunidade de segurança e informações foi a Doutrina de Segurança Nacional</p><p>(DSN) formulada na Escola Superior de Guerra – ESG. Este modo de pensar, fortemente</p><p>anticomunista, determinou a atuação dos órgãos repressivos, além do próprio governo</p><p>ditatorial.</p><p>Os documentos produzidos pelo SNI são compostos por uma infinidade de dossiês e</p><p>relatórios elaborados pela agência central e pelas secções regionais deste aparato. Esta</p><p>documentação buscava sustentar a repressão, por meio do levantamento de dados e da</p><p>espionagem sobre todos os indivíduos que fossem contrários ao governo ditatorial, que eram</p><p>tomados como sendo “subversivos”. O caráter abstrato do combate à “subversão” culminou na</p><p>classificação de milhares de cidadãos como suspeitos de estarem contra a ordem e contra a</p><p>“Revolução de 1964” (SAMWAYS, 2013).</p><p>Dentro dos diversos segmentos da sociedade civil que atuavam contra o regime</p><p>ditatorial, se encontrava a categoria dos estudantes. O Movimento Estudantil (ME) era alvo do</p><p>sistema de informações devido a sua atuação política opositora, e por conta dos setores de</p><p>inteligência considerarem os jovens alunos mais suscetíveis às doutrinações subversivas. As</p><p>mudanças comportamentais e culturais, que marcaram a juventude dos anos 1960/1970,</p><p>também foram mal-recebidas pelos agentes, por considerarem uma degradação dos valores</p><p>morais tradicionais impulsionado pelo Movimento Comunista Internacional (FICO, 2001). A</p><p>atuação do ME foi vigiada pelos órgãos de segurança e informação em todo o território</p><p>nacional, incluindo o Paraná.</p><p>Por este motivo, a exposição “Juventudes e Participação” buscou recuperar a memória</p><p>desses jovens que fizeram frente ao estado ditatorial, e sua luta acabou sendo registrada e, de</p><p>certa forma, eternizada pelos órgãos de segurança e informação. A mostra foi exibida na réplica</p><p>da primeira igreja matriz de Londrina9, localizada no campus da Universidade Estadual de</p><p>Londrina (UEL), e ficou em exibição entre os dias 02 de agosto a 02 de setembro de 2022.</p><p>arquivos. Para mais informações sobre as atividades desenvolvidas, favor acessar o seguinte endereço eletrônico:</p><p>http://www.uel.br/grupo-pesquisa/socreligioes/pages/projeto-arquivos-ineditos.php</p><p>9 O espaço apelidado de “Capela da UEL” é laico, público e sua programação artística e cultural está vinculada ao</p><p>CLCH Cultural. Destacamos ainda que não possui vínculos religiosos e não abriga de forma oficial manifestações</p><p>nesse sentido. Para maiores informações ver: https://sites.uel.br/clch/sem-categoria/2022/08/10/exposicao-</p><p>25</p><p>Material e Métodos</p><p>Os arquivos do Serviço Nacional de Informações (SNI) que foram utilizados para a</p><p>confecção da exposição estão disponíveis para acesso público no Núcleo de Documentação e</p><p>Pesquisa Histórica (NDPH-UEL) – tendo sido recuperados e preservados pela equipe do Centro</p><p>de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas</p><p>(CPDOC-FGV) e pelo Arquivo Nacional. Os documentos do SNI-PR foram concedidos ao</p><p>NDPH-UEL por meio de parceria estabelecida entre o núcleo londrinense, o Arquivo Nacional</p><p>e o CPDOC-FGV, a professora Miliandre Garcia, na época do Departamento de História da</p><p>UEL, foi a responsável pela mediação.</p><p>O NDPH conta com um acervo de 7559 páginas digitalizadas provenientes do Arquivo</p><p>Nacional, estes documentos foram produzidos pelo Serviço Nacional de Informação (SNI) da</p><p>secção de Curitiba. Esta documentação permite dimensionar como ocorria a sistematização da</p><p>informação e como a vigilância era constante contra qualquer oposição ao governo ditatorial.</p><p>Mesmo neste contexto adverso, os estudantes mantiveram sua atuação política.</p><p>A elaboração da exposição contou com documentos originais do SNI ampliados e</p><p>banners, muitos ficavam suspensos no ar e eram ordenados para não os deixar esparsados e sem</p><p>sentido lógico. Foram elaborados categorias e arquivos que dialogavam entre si foram deixados</p><p>próximos, alguns elementos estruturantes de destaque foram a ordenação dos arquivos da</p><p>“Operação Marumbi” e aqueles relativos à vigilância sob o movimento negro. Além disso, a</p><p>exibição contou com uma grade de ferro que representou a violência e a repressão, nela foram</p><p>colocadas fotos de vítimas da ditadura e poemas de resistência à ditadura e autoritarismos.</p><p>A mostra também contou com a elaboração de um material audiovisual, que era exibido</p><p>regularmente no local da exposição e depois foi disponibilizado na plataforma YouTube10. O</p><p>vídeo foi produzido pela equipe do grupo de pesquisa, que elaborou o roteiro com base na</p><p>bibliografia especializada, levantou as imagens do período retratado e deu voz para as</p><p>narrações. A direção de artes foi feita pelo designer Alexsander de Oliveira Barbosa11.</p><p>Tanto o material confeccionado para a exposição física quanto a peça audiovisual visam</p><p>garantir que este conteúdo seja encaminhado para as escolas públicas do norte do Paraná.</p><p>juventudes-e-participacao-ocorrera-na-replica-da-1a-igreja-matriz-de-londrina-no-calcadao-do-campus-da-uel-</p><p>ate-02-de-setembro/</p><p>10 O vídeo elaborado para a exposição encontra-se disponível no seguinte endereço eletrônico:</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=bb3tp1FsIxw&t=11s</p><p>11 Para conhecer o portifólio do artista, acesse: https://www.behance.net/alexsanderbarbosa</p><p>https://www.youtube.com/watch?v=bb3tp1FsIxw&t=11s</p><p>https://www.behance.net/alexsanderbarbosa</p><p>26</p><p>Possuindo uma perspectiva extensionista, o grupo visa criar uma exposição itinerante, fazendo</p><p>com que os alunos tenham contato direto com a exposição. Os objetivos traçados e a produção</p><p>dos materiais contaram com o apoio e recursos do Conselho Nacional de Desenvolvimento</p><p>Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Araucária.</p><p>Resultados e Discussão</p><p>A exposição teve o apoio dos meios jornalísticos que disseminaram e popularizaram os</p><p>resultados da pesquisa. Jornais relevantes do norte do Paraná, como a Folha de Londrina12, o</p><p>Brasil de Fato13 e a Rede Lume de jornalistas14, publicaram artigos expondo os trabalhos do</p><p>grupo de pesquisa, quais os materiais que componham a mostra e o objetivo desta. Além destes</p><p>periódicos supracitados, houve a divulgação realizada pelo jornal oficial da UEL15. A</p><p>divulgação foi ampla e a exposição contou com a visita de aproximadamente 500 pessoas.</p><p>A mostra contou com a visita do professor brasilianista James Green, que esteve em</p><p>Londrina para realizar uma conferência sobre democracia e ações</p><p>golpistas. Este evento</p><p>também foi organizado pela equipe de pesquisa e contou com o apoio do CNPq. Ademais, o</p><p>professor Green é membro da equipe do projeto que estudo e classifica os arquivos da CIA e</p><p>do SNI. Além disso, este acadêmico estadunidense viveu no país durante a ditadura e é</p><p>referência para aqueles que estudam o período16.</p><p>Foram produzidos materiais importantes para realizar atividades de extensão e manter a</p><p>memória da ditadura viva, fazendo frente aos negacionismo e revisionismo histórico defendido</p><p>pelo atual governo (PIOVANI, LANZA, NEVES JR., 2021). Como afirma Theodor Adorno</p><p>(1995), é necessário fazer um exercício de memória, isto é, relembrar a história e as atrocidades</p><p>cometidas, até os detalhes mais sórdidos, para evitar que esses eventos tornem a acontecer. A</p><p>exposição visa, portanto, quebrar essa concepção do senso comum de que o passado é apenas</p><p>12 “Pesquisadores da UEL analisam arquivos inéditos sobre ditadura”. Disponível em:</p><p>https://www.folhadelondrina.com.br/geral/pesquisadores-da-uel-analisam-arquivos-ineditos-sobre-ditadura-</p><p>3221999e.html</p><p>13 “Documentos inéditos que mostram perseguição à juventude durante a ditadura são expostos na UEL”.</p><p>Disponível em: https://www.brasildefatopr.com.br/2022/08/18/documentos-ineditos-que-mostram-perseguicao-a-</p><p>juventude-durante-a-ditadura-sao-expostos-na-uel</p><p>14 “Exposição sobre direitos humanos na UEL revela arquivos dos ‘anos de chumbo’”. Disponível em:</p><p>https://redelume.com.br/2022/08/12/exposicao-na-uel-expoe-arquivos-dos-anos-de-chumbo/</p><p>15 “Exposição traz documentos inéditos da CIA produzidos no PR durante a ditadura militar”. Disponível em:</p><p>https://operobal.uel.br/politica/2022/08/11/exposicao-traz-documentos-ineditos-da-cia-produzidos-no-pr-</p><p>durante-a-ditadura-militar/</p><p>16 Para maiores informações sobre a conferência, favor consultar: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-</p><p>macedo/no-brasil-nao-ha-democracia-por-causa-da-desigualdade-diz-historiador-americano/</p><p>https://www.folhadelondrina.com.br/geral/pesquisadores-da-uel-analisam-arquivos-ineditos-sobre-ditadura-3221999e.html</p><p>https://www.folhadelondrina.com.br/geral/pesquisadores-da-uel-analisam-arquivos-ineditos-sobre-ditadura-3221999e.html</p><p>https://www.brasildefatopr.com.br/2022/08/18/documentos-ineditos-que-mostram-perseguicao-a-juventude-durante-a-ditadura-sao-expostos-na-uel</p><p>https://www.brasildefatopr.com.br/2022/08/18/documentos-ineditos-que-mostram-perseguicao-a-juventude-durante-a-ditadura-sao-expostos-na-uel</p><p>https://redelume.com.br/2022/08/12/exposicao-na-uel-expoe-arquivos-dos-anos-de-chumbo/</p><p>https://operobal.uel.br/politica/2022/08/11/exposicao-traz-documentos-ineditos-da-cia-produzidos-no-pr-durante-a-ditadura-militar/</p><p>https://operobal.uel.br/politica/2022/08/11/exposicao-traz-documentos-ineditos-da-cia-produzidos-no-pr-durante-a-ditadura-militar/</p><p>https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-brasil-nao-ha-democracia-por-causa-da-desigualdade-diz-historiador-americano/</p><p>https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/no-brasil-nao-ha-democracia-por-causa-da-desigualdade-diz-historiador-americano/</p><p>27</p><p>“aquilo que já passou” e reforçar o peso da história para que não vivamos em uma sociedade</p><p>amnésica, que acaba cometendo as mesmas atrocidades.</p><p>Poderia ser enfatizado que se busca utilizar os dados históricos, políticos e sociais,</p><p>coletados na produção da pesquisa junto ao arquivo do SNI – PR e SC, como estratégia</p><p>epistemológica e de mediação ao público não acadêmico para evidenciar como foi sofrido e</p><p>conflituoso aos jovens o processo que resultou na conquista da redemocratização no Brasil já</p><p>nos anos 80 do século XX. Este ensino crítico visa levantar questões sociológicas importantes</p><p>que marcam o presente contexto, como a necessidade de reforçar as instituições democráticas,</p><p>por destacar as arbitrariedades e violências que faziam parte do cotidiano ditatorial.</p><p>Conclusões</p><p>A exposição “Juventudes e Participação” visou disponibilizar de forma dinâmica os</p><p>resultados de pesquisas com acervos documentais de órgãos de vigilância e repressão do</p><p>período ditatorial brasileiro, com enfoque especial dado a seção de Curitiba do Serviço Nacional</p><p>de Informações (SNI), responsável pelo monitoramento dos estados do Paraná e Santa Catarina.</p><p>O foco principal da exposição foi a valorização das articulações estudantis, evidenciando o</p><p>papel da juventude no processo de luta e questionamento do regime ditatorial, assim como</p><p>indicar as distintas formas de repressão impostas a categoria em decorrência do posicionamento</p><p>que assumiram. A exposição contou com banners e material audiovisual, que foram elaborados</p><p>pelo grupo de pesquisa responsável. O apoio e recursos do Conselho Nacional de</p><p>Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Fundação Araucária (PR) foram</p><p>essenciais para a realização dos trabalhos.</p><p>Esta exposição seguiu uma perspectiva de extensão universitária, visando atingir não só</p><p>a comunidade interna, como também a comunidade externa em geral. Foi incentivada a visita</p><p>de colégios das redes públicas e privadas, além de coletivos, organizações e demais indivíduos</p><p>que tenham interesse pela temática.</p><p>A divulgação destes arquivos constitui um ato de denúncia das violações dos Direitos</p><p>Humanos cometidas pelo Estado, visando a restauração da verdade, incentivo à memória e</p><p>valorização dos atores que lutaram pela redemocratização. Ademais, o direcionamento da</p><p>exposição para um público mais jovem visa assegurar que estes tenham acesso aos fatos</p><p>ocorridos durante o período de exceção. Esse exercício de reflexão busca reforçar o estado</p><p>democrático de direito, por expor as arbitrariedades e violações que ocorriam na ditadura. Por</p><p>fim, essa atividade integrada de pesquisa e extensão também se constitui enquanto ato de</p><p>28</p><p>resistência contra o negacionismo e revisionismo histórico que atualmente marcam as narrativas</p><p>em relação a este momento sombrio da história nacional.</p><p>Referências Bibliográficas</p><p>ADORNO, Theodor. Educação após Auschwitz (1995). Disponível em:</p><p><https://rizomas.net/arquivos/Adorno-Educacao-apos-Auschwitz.pdf>. Acesso em 06 out.</p><p>2022.</p><p>FICO, Carlos. Como eles agiam: os subterrâneos da Ditadura Militar: espionagem e polícia</p><p>política. Rio de Janeiro: Editora Record, 2001.</p><p>JOFFILY, Mariana. O aparato repressivo: da arquitetura ao desmantelamento. In: REIS, Daniel</p><p>Aarão; RIDENTI, Marcelo; MOTTA, Rodrigo Patto Sá (Orgs.). A ditadura que mudou o Brasil:</p><p>50 anos do golpe de 1964. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. p. 30 – 48.</p><p>NAPOLITANO, Marcos. 1964: História do Regime Militar Brasileiro. São Paulo: Contexto,</p><p>2014.</p><p>PIOVANI, Luan P.; LANZA, Fabio; NEVES JR, José W. A. O discurso negacionista no</p><p>governo Bolsonaro: uma análise dos discursos oficiais com paralelos nos arquivos do SNI. In:</p><p>SILVA, Elaine C. et. all. (Orgs). Experiências de exceção no pós-ditadura. Maringá: Edições</p><p>Diálogos, 2021, p. 99-108.</p><p>SAMWAYS, Daniel. Inimigos imaginários, sentimentos reais: medo e paranoia no discurso</p><p>anticomunista do Serviço Nacional de Informações (1970 – 1973). Dissertação de mestrado,</p><p>Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2014.</p><p>29</p><p>COMO O NEOLIBERALISMO E O AUTORITARISMO ATUAM PARA LIMITAR</p><p>OS DIREITOS HUMANOS</p><p>Maria Eduarda de Souza17</p><p>Valmor de Oliveira Junior18</p><p>1. INTRODUÇÃO</p><p>No contexto histórico recente brasileiro, o neoliberalismo tornou-se um modelo político,</p><p>social e econômico que transformou o Estado, o qual vem se afastando cada vez mais dos</p><p>compromissos constitucionais de bem-estar e da estruturação de políticas públicas. Com isso,</p><p>o aumento da insegurança socioeconômica é provocado pela agenda de reformas econômicas</p><p>nos moldes neoliberais, a qual prejudica a classe trabalhadora por meio da desresponsabilização</p><p>do Estado em políticas sociais e pela ênfase no controle penal.</p><p>Além disso, a aliança neoliberal-neoconservadora acaba provocando a “erosão do</p><p>público”, desencadeando uma crise</p><p>na democracia, que está em risco quando atores políticos</p><p>demonstram fraco compromisso com as regras democráticas, negam a legitimidade dos</p><p>oponentes, toleram ou incentivam violência e demonstram propensão a restringir liberdades</p><p>civis. A eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, é um exemplo desse cenário erosivo, figura esta</p><p>que ganha destaque opondo-se aos direitos humanos e defendendo a ditadura de 1964, o que</p><p>resultou nas recorrentes incitações ao ódio de classe e raça presenciadas durante seu mandato.</p><p>Nesse sentido, enquanto o neoliberalismo é um fenômeno recente na história brasileira,</p><p>o autoritarismo, por outro lado, é parte de uma construção histórica muito mais antiga. Para</p><p>entender como o autoritarismo ocorre no Brasil, teremos que remontar aos aspectos mais</p><p>antigos da formação do país, com destaque à formação do Estado Nacional e os cidadãos que</p><p>se formam com ele ao longo do tempo.</p><p>Dessa forma, o presente trabalho busca analisar como se dão as relações entre o</p><p>neoliberalismo e o autoritarismo, flagelo histórico da sociedade brasileira, e de que maneira</p><p>todos estes convergem para a limitação dos direitos humanos, principalmente por meio da</p><p>limitação ao acesso da cidadania. Por fim, busca-se entender como o contexto neoliberal que</p><p>17 Bolsista PIBIC-CNPq, graduanda do curso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),</p><p>Florianópolis, Santa Catarina, mariaasouza_@hotmail.com</p><p>18 Bolsista PIBIC-CNPq, graduando do curso de Direito na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC),</p><p>Florianópolis, Santa Catarina, valmorjr_itp@outlook.com</p><p>30</p><p>transformou o Estado brasileiro teve reflexos em Santa Catarina, um estado marcado</p><p>violentamente pelo autoritarismo na ditadura militar.</p><p>2. MATERIAL E MÉTODOS</p><p>Para cumprir os objetivos expostos, o presente trabalho tem como base de sua</p><p>metodologia uma ampla pesquisa bibliográfica realizada pelos autores em suas pesquisas no</p><p>âmbito do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC-UFSC), com a</p><p>adição de novas referências que buscam problematizar especificamente a questão no estado de</p><p>Santa Catarina. O método de trabalho foi desenvolvido a partir de fontes teóricas, por meio da</p><p>continuidade de pesquisas bibliográficas e empíricas acerca do neoliberalismo. Da investigação</p><p>sobre Estado neoliberal e suas políticas, de um lado, e ética neoliberal, de outro, surgiu a</p><p>necessidade de apreender os possíveis impactos para os Direitos Humanos.</p><p>Diante disso, utiliza-se a teoria de Wendy Brown como base de análise, em vista de sua</p><p>demonstração de que há, para o neoliberalismo, um lugar especial reservado à moralidade</p><p>tradicional. Essa complementaridade entre moral tradicional e neoliberalismo leva, segundo</p><p>Brown, ao enfraquecimento dos direitos humanos.</p><p>No intento de analisar tais impactos no contexto brasileiro, optou-se por complementar</p><p>este estudo com a análise sobre o autoritarismo brasileiro, com base em uma visão histórica a</p><p>partir da obra de Carvalho. Buscou-se, também, identificar o impacto que essa visão</p><p>conservadora tem para os direitos individuais, restringindo a liberdade individual ao estender a</p><p>esfera privada da família e limitando os valores públicos. Após essa delimitação e estando o</p><p>neoliberalismo intrinsecamente ligado à erosão do público, analisa-se brevemente como a</p><p>erosão da democracia brasileira vem se acentuando com o governo de Jair Bolsonaro.</p><p>3. RESULTADOS E DISCUSSÃO</p><p>3.1 Neoliberalismo</p><p>De acordo com Brown (2019b), o neoliberalismo não tem uma definição estabelecida.</p><p>Assim como ocorre com outras formações que alteram o mundo, como o capitalismo,</p><p>socialismo e liberalismo, os debates sobre seus princípios, elementos, lógica e dinâmicas</p><p>subjacentes não invalidam seu poder de criar mundos. O neoliberalismo, juntamente com a</p><p>financeirização, moldaram a história mundial recente tão profundamente quanto qualquer outro</p><p>fenômeno que possa ser situado no mesmo período.</p><p>31</p><p>Considerando isso, é importante questionar como as forças da extrema-direita vêm</p><p>ganhando protagonismo no século XXI e elegendo figuras autoritárias, como Jair Bolsonaro,</p><p>por meio das democracias liberais. Ainda, como os ataques à democracia, à igualdade racial, de</p><p>gênero e sexual, foram todos acatados em nome da liberdade e da moralidade, e a banalização</p><p>da justiça social como "politicamente correta". É nesse sentido que Brown (2019b, p. 17) afirma</p><p>que nada fica intocado pela forma neoliberal de razão e de valoração, e que o ataque do</p><p>neoliberalismo à democracia tem, em todo o lugar, infletido lei, cultura e subjetividade política.</p><p>Assim, buscou-se tratar o neoliberalismo sob um viés inédito, focando, principalmente, em</p><p>como as formulações neoliberais da liberdade inspiram e legitimam a extrema direita e como</p><p>mobilizam um discurso para justificar exclusões e violações, que visam assegurar a hegemonia</p><p>branca, masculina e cristã, e não apenas expandir o poder do capital.</p><p>Ligada a essa questão está o que Friedrich Hayek, economista austríaco, propagador de</p><p>ideias neoliberais, denominou como “esfera pessoal protegida” (BROWN, 2019b). Para o autor,</p><p>existem três técnicas que objetivam a manutenção da tradição: (1) limitar o poder legislativo a</p><p>gerar regras universais e excluí-lo de fazer políticas de interesse público; (2) desacreditar</p><p>qualquer discurso de “justiça social” e (3) expandir a "esfera pessoal protegida" para estender</p><p>a alçada da moralidade tradicional para além dos confins da igreja e da família (BROWN,</p><p>2019b). Esta última é, enfim, a principal contribuição de Hayek ao neoliberalismo e à</p><p>reformatação do tradicionalismo com a liberdade: a defesa da expansão da "esfera pessoal</p><p>protegida" é o meio pelo qual a tradição e a liberdade repelem seus inimigos.</p><p>Essa esfera funciona como uma redoma de direitos individuais, uma “bolha” que o</p><p>Estado não pode adentrar, pois nela não existe interesse público nem a ideia de cidadania, existe</p><p>apenas cada indivíduo em sua esfera, o que, consequentemente, gera uma grande</p><p>desmobilização de qualquer organização coletiva, além de um ultraindividualismo (BROWN,</p><p>2019a, p. 132-133).</p><p>Dito isso, o retorno a essa tradição manifesta-se fortemente no que hoje podemos</p><p>denominar como neoconservadorismo. Inicialmente, ideologia e iniciativas conservadoras</p><p>tendem a aparecer quando segmentos sociais minoritários, os quais desafiam a ordem</p><p>estabelecida, se fortalecem e passam a ameaçar os fundamentos ideais e materiais das</p><p>instituições. Sendo assim, eles se desenvolvem em resposta ou resistência a situações históricas</p><p>de mudanças na estrutura social e política. O neoconservadorismo, por sua vez, versa sobre os</p><p>tipos de coalizões políticas estabelecidas entre diferentes atores, visando manter a ordem</p><p>32</p><p>patriarcal e o sistema capitalista, desse modo, permitindo uma aproximação entre</p><p>conservadorismo cristão e individualismo liberal.</p><p>Na América Latina, é na análise de cristãos conservadores, particularmente evangélicos,</p><p>que alguns autores têm explorado as afinidades eletivas com políticas neoliberais na forma da</p><p>“teologia da prosperidade”, de uma ênfase ampliada no “mérito individual” e no</p><p>“empreendedorismo” (BIROLI; VAGGIONE; MACHADO, 2020, p. 25). A partir dessa lógica</p><p>normativa disciplinadora, que vai além de um projeto defensivo ou de uma tentativa de obter</p><p>representação do Estado, que o neoliberalismo consolida-se como um modelo de governança e</p><p>cidadania.</p><p>3.2 Autoritarismo</p><p>O contexto histórico do autoritarismo no Brasil remonta aos aspectos mais antigos da</p><p>formação do país, com destaque à formação do Estado Nacional e os cidadãos que se formaram</p><p>com ele ao longo do tempo. Nesse retrospecto, os principais pontos a ser analisados são as</p><p>heranças que sobrevivem no país, principalmente os efeitos da escravidão, a maneira distorcida</p><p>com que Estado e setores sociais se relacionam e as limitações aos direitos</p><p>de cidadania</p><p>produzidas por tais contradições.</p><p>Nestes termos, o primeiro ponto a ser analisado é a cidadania a partir de José Murilo de</p><p>Carvalho, principalmente a maneira distorcida como esta se forma no país. O autor tem como</p><p>base a clássica tese do britânico T.H. Marshall sobre cidadania, que é dividida em direitos civis,</p><p>políticos e sociais19. Contudo, para o autor, não importa somente a classificação desses direitos,</p><p>mas a sua ordem de surgimento.</p><p>Na Inglaterra, foi com o exercício dos direitos civis, a partir da liberdade de expressão</p><p>e manifestação, que os cidadãos puderam exigir o direito de votar e ser votado, e é a partir do</p><p>voto que torna-se possível a eleição de operários e a formação de partidos trabalhistas, que</p><p>então defendem a aplicação dos direitos sociais. Sendo assim, o fato de que a cidadania tem</p><p>uma sequência de conquistas de direitos demonstra, para Carvalho, que este é um fenômeno</p><p>histórico, e, uma vez que é histórico, pode sofrer variações que Marshall não previu. Para o</p><p>19 Os direitos civis são aqueles atrelados a liberdade, livre manifestação de opinião, propriedade, e são assegurados</p><p>pelo acesso a uma justiça eficiente e garantidora dos direitos individuais dos cidadãos. Os direitos políticos, por</p><p>outro lado, são atrelados à participação nas decisões públicas e no governo da sociedade, são caracterizados pelo</p><p>direito de votar e ser votado. Por fim, existem os direitos sociais, fundamentados na divisão da riqueza coletiva,</p><p>sendo estes o direito à saúde, educação e salário digno. São baseados numa máquina pública eficiente e seu núcleo</p><p>é a justiça social.</p><p>33</p><p>autor brasileiro, o caminho da cidadania se desenvolve de maneira diferente em diversos países,</p><p>e para o Brasil “não se aplica o modelo inglês” (CARVALHO, 2019, p.17). No</p><p>desenvolvimento da cidadania no Brasil, a história mostra que os direitos sociais foram os</p><p>primeiros a vingar, sendo seguidos pelos direitos políticos e somente por fim os direitos sociais.</p><p>Pode-se considerar a cidadania plena universalizada, na forma da lei, apenas com a</p><p>Constituição de 1988, mas para a construção material da cidadania ainda faz-se necessário</p><p>avançar muito. Na história brasileira, o avanço dos direitos sociais antes dos políticos e civis</p><p>gera distorções fundamentais para o desenvolvimento do autoritarismo no Brasil: a tendência à</p><p>acreditar em soluções de líderes messiânicos para o poder executivo; a desvalorização do poder</p><p>legislativo; e, por fim, a descrença no judiciário. Além disso, a falta de efetivação dos direitos</p><p>civis faz com que, para Carvalho, ocorra a construção de três classes de cidadãos20 no país.</p><p>Dessa forma, o autoritarismo se materializa no vácuo deixado pela cidadania incompleta,</p><p>impedindo a efetivação da cidadania e da democracia no país.</p><p>3.3 UFSC e o golpe militar: “golpismo” permanente na vivência universitária</p><p>Trazendo o tema para uma realidade mais próxima, importante ressaltar que a</p><p>Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) surgiu durante o golpe militar, em meio ao</p><p>medo e a cumplicidade de uma administração autoritária (FARINES; TUYAMA; AURAS, p.</p><p>24, 2021). Contudo, ainda hoje, a autonomia universitária não é plena, sendo vítima de vários</p><p>ataques dos governos civis que entraram após 1964, os quais “golpeiam permanentemente a</p><p>universidade, por meio de decretos, artigos e normas administrativas que impedem a</p><p>universidade de debater e escolher com autonomia o seu destino” (FARINES; TUYAMA;</p><p>AURAS, p. 24, 2021).</p><p>Isso acontece porque no Brasil não existe uma política de memória histórica que retome</p><p>esse passado, principalmente devido à falta de acesso à documentação sobre a repressão naquele</p><p>período. Dito isso, foram construídas barreiras em relação a esse tema, como por exemplo as</p><p>tentativas de mercantilização do ensino, que se tornaram mais presentes no mandato do então</p><p>Presidente Jair Bolsonaro, grande defensor do golpe militar. Segundo Biroli (2017, p. 25) o</p><p>golpe que destituiu Dilma Rousseff da Presidência abriu espaço para um “casamento infeliz”</p><p>20 Os cidadãos de primeira classe são aqueles que estão sujeitos somente às benesses da lei e nunca ao rigor, pois</p><p>são capazes de usar seu poder social e econômico para impor-se acima da norma. Atrelados à estes, existem os</p><p>cidadãos de segunda classe, via de regra de classe média, que conseguem garantir seus direitos pelas suas</p><p>interconexões com os primeiros. Por último, existe o cidadão de terceira classe, o “elemento”, aqueles a quem só</p><p>vale o código penal e não têm seus direitos fundamentais garantidos. São a grande massa da população brasileira,</p><p>pobres, negros e periféricos.</p><p>34</p><p>entre a privatização da política (neoliberal e antidemocrática) e o conservadorismo moral</p><p>(antiliberal e antidemocrático), que nem sempre está explícito nos discursos, mas tem pautado</p><p>a política cultural do nosso tempo (SANTOS, 2019).</p><p>Como resultado disso e da posterior eleição de Jair Bolsonaro - que, segundo o</p><p>diagnóstico de Marcos Nobre (2020), precisou do colapso para se eleger e adota a devastação</p><p>como tática de governo -, o projeto Constitucional de 1988 tem sido cada vez mais ameaçado.</p><p>Nestes termos, fica claro a união entre neoliberalismo e neoconservadorismo a partir das</p><p>propostas para a imposição da lógica de mercado às organizações comunitárias e progressistas,</p><p>como as universidades. Exemplo claro de tais propostas é o programa FUTURE-SE, que</p><p>buscava alterações drásticas no modo de financiamento e gestão das universidades públicas do</p><p>país.</p><p>4. CONCLUSÃO</p><p>A análise desenvolvida demonstra, portanto, o crescimento do discurso neoliberal no</p><p>Brasil, bem como a permanência do autoritarismo em políticas concretas, atacando direitos civis</p><p>e políticos. Destaca-se a interligação entre autoritarismo e neoliberalismo, uma vez que a</p><p>aplicação das políticas neoliberais sufocam a promoção das políticas públicas necessárias para</p><p>superar as mazelas históricas do país.</p><p>O Estado verdadeiramente democrático depende de conquistas sociais que garantam o</p><p>cumprimento da lei e dos direitos cidadãos, sendo este incompatível com as ideias neoliberais,</p><p>as quais agravam os problemas sociais brasileiros. As políticas de austeridade fiscal e promoção</p><p>dos valores de mercado reforçam a desigualdade social e o sucateamento dos serviços públicos</p><p>mais essenciais, como saúde e educação, e, no limite, são contraditórias à própria democracia.</p><p>Reduzindo a análise à Santa Catarina, percebem-se os impactos das políticas neoliberais</p><p>realizadas em âmbito nacional, afetando principalmente a Universidade Federal do Estado.</p><p>Nesses termos, o neoliberalismo e o autoritarismo articulados no estado agem para atingir uma</p><p>das principais instituições de ensino do país, que atualmente é alvo de fortes cortes de</p><p>orçamento, fazendo com que a educação seja sucateada, demonstrando que a crise da educação</p><p>não é uma crise, mas sim um projeto.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BROWN, Wendy. O Frankenstein do neoliberalismo – liberdade autoritária nas</p><p>‘democracias’ do século XXI. In: RAGO, Margareth; PELEGRINI, Maurício</p><p>35</p><p>(Org.). Neoliberalismo, Feminismo e Contracondutas: Perspectivas Foucaultianas.</p><p>São Paulo: Intermeios, 2019a.</p><p>BROWN, Wendy. Nas ruínas do neoliberalismo: a ascensão da política</p><p>antidemocrática no ocidente. São Paulo: Editora Filosófica Politeia, 2019b.</p><p>BIROLI, Flávia; VAGGIONE, Juan Marco; MACHADO, Maria das Dores Campos.</p><p>Gênero, neoconservadorismo e democracia: disputas e retrocessos na América Latina.</p><p>1 ed. São Paulo: Boitempo, 2020.</p><p>CARVALHO, José Murilo. Cidadania no Brasil; O longo caminho. 25 ed. Rio de</p><p>Janeiro: Civilização Brasileira, 2019.</p><p>Memórias reveladas da UFSC durante a ditadura civil-militar [recurso eletrônico] /</p><p>organização Jean-Marie Farines, Laura Tuyama, Marli Auras. – Florianópolis : Editora</p><p>da UFSC, 2021.</p><p>HEINEN, Luana Renostro. Estado e Direitos no Contexto de Neoliberalismo / Ana</p><p>Catarina de</p>

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