Prévia do material em texto
<p>78 Mecânica Clássica | Física</p><p>mecânica na</p><p>formulação Lagrangiana</p><p>3</p><p>Física | Mecânica Clássica 79</p><p>1. A Mecânica Lagrangiana</p><p>O estudo da Mecânica Clássica (aquela que lida com o movimento</p><p>nas dimensões em que nossos sentidos percebem, ou seja, nem tão</p><p>pequenos quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Quântica,</p><p>nem tão velozes quanto aqueles em que se aplica a Mecânica Rela-</p><p>tivística) não se esgota no formalismo newtoniano, pelo contrário,</p><p>aquele foi apenas o primeiro formalismo que tratou do assunto, in-</p><p>clusive na ordem cronológica. Enquanto o formalismo desenvolvido</p><p>por Newton se caracteriza por lidar com grandezas vetoriais (velo-</p><p>cidade, aceleração e força, por exemplo), e por isso mesmo muitas</p><p>vezes é chamado de Mecânica Vetorial, os formalismos que o suce-</p><p>deram tratam com grandezas escalares (coordenadas e energias, por</p><p>exemplo) e são em geral chamados de Mecânica Analítica (categoria</p><p>em que se encaixam as teorias desenvolvidas por Lagrange e Hamil-</p><p>ton, por exemplo). Na introdução de seu livro Méchanique Analyti-</p><p>que, publicado em 1788, Lagrange alertava:” Nenhum diagrama será</p><p>visto neste trabalho”. Quer dizer, é possível resolver todos os proble-</p><p>mas acerca do movimento, como aqueles em que usamos a teoria</p><p>de Newton, lançando mão de outras teorias, em que, por exemplo,</p><p>não se faz a menor menção a forças ou vetores. Neste curso veremos</p><p>duas das mais importantes teorias analíticas da Mecânica Clássica,</p><p>80 Mecânica Clássica | Física</p><p>as teorias de Lagrange (Joseph-Louis Lagrange,1736-1813) e de Ha-</p><p>milton (Willian Rowan Hamilton, 1805-1865), respectivamente co-</p><p>nhecidas como teorias lagrangiana e hamiltoniana. No Módulo atual</p><p>trataremos exclusivamente do formalismo lagrangiano, reservando</p><p>o próximo para o formalismo hamiltoniano.</p><p>Evidente que o fato de lidar apenas com escalares não é a única</p><p>característica que distingue os formalismos analíticos do formalismo</p><p>vetorial ou newtoniano. Cada formalismo possui características pe-</p><p>culiares que o tornam mais adequados que os outros dependendo das</p><p>situações ou interesses em jogo. Por exemplo, para sistemas cujo mo-</p><p>vimento possua restrições, ou vínculos conforme veremos adiante, o</p><p>formalismo lagrangiano pode ser preferível ao newtoniano, e mesmo</p><p>ao hamiltoniano. Mas não existe uma prevalência absoluta de um for-</p><p>malismo sobre o outro. Não há um formalismo “melhor” que outro,</p><p>mas situações nas quais um é mais adequado que o outro. Entretanto,</p><p>neste Curso faremos uma abordagem muito introdutória a estes novos</p><p>formalismos, de maneira que não caberia aqui uma discussão mais</p><p>aprofundada a respeito de méritos e quais seriam dos vários forma-</p><p>lismos da Mecânica Clássica. Nos contentarmos em compreender de</p><p>forma mais geral como são e como se aplicam os formalismos analíti-</p><p>cos em situações simples e ilustrativas da Mecânica Clássica.</p><p>Embora as equações de Lagrange, aquelas que fornecem as equa-</p><p>ções de movimento dentro do formalismo lagrangiano e que se</p><p>constituem no equivalente à segunda lei de Newton, possam ser de-</p><p>rivadas a partir das próprias leis de Newton, e a equivalência das</p><p>duas abordagens se torne então mais evidente, vamos apresentá-las</p><p>como um postulado. Na verdade estas equações podem ser deriva-</p><p>das de forma completamente independente das equações de Newton,</p><p>surgindo como conseqüência direta de um princípio mais geral e</p><p>fundamental chamado de Princípio da Mínima Ação, mas vamos in-</p><p>sistir em apresentá-las diretamente na forma de um postulado. An-</p><p>tes, porém, vamos definir alguns ingredientes fundamentais, como</p><p>por exemplo, o que vem a ser uma coordenada generalizada.</p><p>Considere como exemplo uma partícula que se move sobre um</p><p>plano horizontal. Para descrever sua posição podemos utilizar um</p><p>sistema de coordenadas cartesianas, duas neste caso, x e y. Ou um</p><p>sistema de coordenadas polares, r e θ. De qualquer forma, o número</p><p>de coordenadas necessárias para descrever a posição e, portanto, o</p><p>movimento da partícula é dois. Dizemos que o sistema (partícula</p><p>Física | Mecânica Clássica 81</p><p>num plano) possui dois graus de liberdade. Da mesma forma, uma</p><p>partícula que se move sobre uma curva possui um grau de liberdade</p><p>e necessita de uma coordenada para descrever sua posição. No for-</p><p>malismo lagrangiano é o número de graus de liberdade, ou seja, o</p><p>número de coordenadas independentes necessárias para descrever a</p><p>“configuração” do sistema em pauta o que importa. Não importa a</p><p>escolha particular do sistema de coordenadas que se fará uso, se car-</p><p>tesianas ou polares, ou cilíndricas. A teoria não é dependente do sis-</p><p>tema de coordenadas, que é definido, ou escolhido, em cada situação.</p><p>Utilizamos então a letra q para representar de forma geral as coorde-</p><p>nadas neste formalismo. Voltando então ao sistema em pauta, as co-</p><p>ordenadas generalizadas serão q1 e q2 . Em geral se utiliza a notação</p><p>qi i = 1,...,n</p><p>onde n é o número de graus de liberdade do sistema.</p><p>Como as coordenadas generalizadas são independentes entre si,</p><p>em princípio, é possível imaginar um conjunto de eixos mutuamente</p><p>perpendiculares definindo um espaço de n dimensões, em que cada</p><p>ponto representa uma possibilidade, uma configuração, em que o</p><p>sistema pode se encontrar. Este espaço é chamado de espaço de con-</p><p>figuração. A evolução temporal do sistema, ou da partícula em nosso</p><p>estudo, é representada por uma curva q(t) neste espaço. Na figura 1</p><p>mostramos a representação bidimensional de tal curva no espaço de</p><p>configuração ( a representação cartesiana é apenas simbólica, pois</p><p>no caso geral tal estrutura não é garantida; por exemplo, a coorde-</p><p>nada pode ser um ângulo) entre os instantes t1 e t2:</p><p>Figura 1</p><p>qi + 1</p><p>qi</p><p>t1</p><p>t2</p><p>82 Mecânica Clássica | Física</p><p>Neste contexto, chamaremos de velocidade generalizada a deri-</p><p>vada temporal da coordenada generalizada:</p><p>Em toda esta exposição estaremos supondo que a física se ob-</p><p>serva a partir de um referencial inercial, supondo que a extensão</p><p>para um referencial qualquer seja imediata e natural, apenas mais</p><p>trabalhosa dependendo da situação particular.</p><p>Vamos então definir uma função escalar, a lagrangiana L, em ter-</p><p>mos da energia cinética e da energia potencial da partícula, expres-</p><p>sas estas em função das coordenadas e velocidades generalizadas e</p><p>possivelmente o tempo. Temos então:</p><p>L = T - V</p><p>com T = T (q,q̇) e V = V (q,t) (usaremos sempre que não for motivo</p><p>de confusão a notação abreviada (q, q̇) sem os índices i’s supondo im-</p><p>plícita sua presença). Portanto, a lagrangiana pode ser escrita como</p><p>L = L (q, q̇,t)</p><p>Em muitas situações importantes e comuns a energia cinética depen-</p><p>derá apenas das velocidades e a energia potencial apenas das coordena-</p><p>das, de forma que a lagrangiana será função apenas das coordenadas e</p><p>velocidades generalizadas, como veremos em nossos exemplos.</p><p>As equações de movimento podem então ser postuladas como</p><p>Temos assim um sistema de n equações diferenciais de segunda</p><p>ordem no tempo para as n coordenadas que descrevem o sistema.</p><p>No caso de uma partícula em 3 dimensões, temos 3 equações dife-</p><p>renciais de segunda ordem para resolver de forma matematicamente</p><p>equivalente ao trabalho que tínhamos no formalismo newtoniano.</p><p>Aparentemente, pouco se ganha com o novo formalismo, além de</p><p>evitar a linguagem vetorial. Entretanto, existem situações em que a</p><p>simplificação envolvida para resolver um problema com o forma-</p><p>∂q</p><p>i</p><p>∂t</p><p>q</p><p>i≡</p><p>i = 1,...,n eq. 1</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>=</p><p>Física | Mecânica Clássica 83</p><p>lismo lagrangiano é muito grande. Em linhas gerais, podemos citar</p><p>aquelas situações em que existem vínculos, conforme já veremos e</p><p>ilustraremos em exemplos. O estudo de simetrias torna-se também</p><p>bastante facilitado neste formalismo, conforme veremos adiante.</p><p>Também o tratamento de sistemas com muitos graus de liberdade,</p><p>inclusive infinitos graus de liberdade como o são os fluidos ou as</p><p>teorias de campos na física mais moderna, ganham um importante</p><p>aliado no formalismo lagrangiano.</p><p>Vamos abrir um pequeno parêntese</p><p>para discutir a questão da</p><p>força, ou a ausência desta, no formalismo de Lagrange. Na Mecânica</p><p>de Newton as forças dão a informação de como o ambiente dita a</p><p>natureza do movimento da partícula. Neste sentido é correto afirmar</p><p>que as forças são a causa, ou origem, do movimento, pois são elas</p><p>que determinam como este se altera, ou não se altera. No formalismo</p><p>presente são as energias potenciais, que apesar de escalares, res-</p><p>pondem pela ação do ambiente sobre o movimento da partícula. Já</p><p>sabemos dos estudos da mecânica newtoniana que a força está re-</p><p>lacionada com a energia potencial através de um gradiente, ou seja,</p><p>F = -∇V</p><p>Não deve, portanto, causar maior estranheza que seja a energia</p><p>potencial, presente na lagrangiana, quem traz a informação de como</p><p>o ambiente influencia no movimento da partícula.</p><p>A propósito, note que da maneira pragmática como apresentado</p><p>aqui, o formalismo de Lagrange abrange apenas sistemas conser-</p><p>vativos, o que não passa da pura verdade. Entretanto, é possível</p><p>estender bastante o formalismo de maneira que praticamente todas</p><p>as situações tratadas no formalismo newtoniano possam ser tam-</p><p>bém tratadas neste formalismo. Mas infelizmente, tal análise não</p><p>caberia no espaço e no tempo reservados para este Curso. Assim</p><p>não trataremos de sistemas dissipativos ou de potenciais envol-</p><p>vendo velocidades, o que em particular abriria a possibilidade de</p><p>englobar os sistemas eletromagnéticos.</p><p>Restam ainda algumas observações a respeito de como são trata-</p><p>dos os vínculos nesta teoria. Vínculos são restrições ao movimento</p><p>representadas matematicamente por relações envolvendo, em geral,</p><p>coordenadas e/ou velocidades, que na melhor das possibilidades per-</p><p>mitem a redução explícita dos graus de liberdade do sistema em</p><p>84 Mecânica Clássica | Física</p><p>pauta. Considere, por exemplo, uma partícula em um plano restrita</p><p>a se mover sobre uma circunferência de raio R contida neste plano.</p><p>Em seu “universo” original, o plano, este sistema teria dois graus</p><p>de liberdade. Mas a restrição, o vínculo a que ele está sujeito expli-</p><p>cita uma redução no número de graus de liberdade de 2 para 1. Se</p><p>usarmos coordenadas cartesianas, por exemplo, este sairia de uma</p><p>situação de duas coordenadas, x e y, para uma coordenada, x por</p><p>exemplo, uma vez que haveria o vínculo do tipo</p><p>x2 + y2 = R2</p><p>que permitiria eliminar a coordenada y da descrição através da</p><p>substituição</p><p>Este tipo de vínculo, que permite através de uma relação entre</p><p>as coordenadas, exprimir uma ou mais coordenadas em função</p><p>das demais, chama-se na literatura de vínculo holônomo. Nos ate-</p><p>remos, neste Curso, a problemas que envolvam apenas vínculos</p><p>holônomos, por simplificação.</p><p>Exemplos</p><p>Vamos ilustrar a teoria exposta acima com alguns exemplos de si-</p><p>tuações simples em que usaremos o formalismo de Newton e o for-</p><p>malismo de Lagrange, a fim de que se possa apreciar também a</p><p>diferença de tratamentos matemáticos.</p><p>I - Vamos considerar inicialmente uma partícula de massa m sujeita</p><p>a uma força conservativa F num espaço tridimensional.</p><p>Newton:</p><p>∑F = ma</p><p>Usando coordenadas cartesianas x, y e z temos:</p><p>y → R2 - x2</p><p>ẍ = F</p><p>x</p><p>/ m</p><p>ÿ = F</p><p>y</p><p>/ m</p><p>z = F</p><p>z</p><p>/ m</p><p>Física | Mecânica Clássica 85</p><p>Lagrange:</p><p>Também usando coordenadas cartesianas temos:</p><p>Assim as equações de movimentos são as mesmas do grupo acima.</p><p>II) Consideremos uma partícula de massa m em uma dimensão, sem atrito,</p><p>sob a ação de uma mola de constante k, conforme representado na figura:</p><p>Figura 2</p><p>Newton:</p><p>∑F = ma</p><p>Usando a coordenada x representada na figura temos</p><p>ẍ = - k/m x</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>=</p><p>T = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) ; V = V (x,y,z)</p><p>L = ½ m (ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V (x,y,z)</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>∂L</p><p>∂x= mẋ ; = mẍ ; = ∂V / ∂x = F</p><p>x</p><p>∴ mẍ = F</p><p>x</p><p>∂L</p><p>∂ẏ</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂ẏ</p><p>∂L</p><p>∂y= mẏ ; = mÿ ; = ∂V / ∂y = F</p><p>y</p><p>∴ mÿ = F</p><p>y</p><p>∂L</p><p>∂ż</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂ż</p><p>∂L</p><p>∂z= mż ; = mz ; = ∂V / ∂z = F</p><p>z</p><p>∴ mz = F</p><p>z</p><p>X0</p><p>86 Mecânica Clássica | Física</p><p>Lagrange:</p><p>III) Considere uma partícula de massa m num plano horizontal</p><p>atada por uma corda inextensível e de massa irrelevante, em M. C.</p><p>U. sobre uma circunferência de raio R.</p><p>Newton:</p><p>Figura 3</p><p>Usando um sistema de coordenadas polares (r,θ) com unitários</p><p>respectivamente N̂ e T̂, e chamando de T a tração exercida pela</p><p>corda sobre a partícula temos</p><p>∑F = ma</p><p>⇒ -TN̂ + 0T̂ = -mv2/R N̂ + θRT̂</p><p>Ou seja,</p><p>T = ½ mẋ2 ; V = ½ kx2</p><p>L = ½ mẋ2 - ½ kx2</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>∂L</p><p>∂x= mẋ ; = mẍ ; = - kx ∴ mẍ = - kx</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>=</p><p>θ</p><p>θ = 0</p><p>T = m v2/r</p><p>Física | Mecânica Clássica 87</p><p>Que nos revelam a força de tração (força de vínculo) e que w =</p><p>constante.</p><p>Lagrange:</p><p>Devido ao vínculo</p><p>r=R</p><p>vamos escolher a única coordenada generalizada como sendo a co-</p><p>ordenada angular θ. Temos então</p><p>E temos finalmente mR2 = 0, que nos informa apenas que a veloci-</p><p>dade angular é constante, sem qualquer menção à força de vínculo F.</p><p>IV) Seja o sistema conhecido como máquina de Atwood , um sis-</p><p>tema com vínculo holônomo, que vamos analisar primeiramente do</p><p>ponto de vista newtoniano, conforme ilustrado na figura 2:</p><p>As duas massas estão ligadas por uma corda de massa desprezível</p><p>e inextensível, que passa por uma roldana também de massa des-</p><p>prezível. Desprezam-se também os atritos. As forças que agem sobre</p><p>as massas estão representadas na figura. O vínculo em questão está</p><p>contido na presença da corda que faz com que o movimento de uma</p><p>partícula esteja vinculado ao movimento da outra. Se tomarmos o</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>∂L</p><p>∂q</p><p>i</p><p>=</p><p>T = ½ mR2θ2 ; V = 0</p><p>L = ½ mR2θ2</p><p>∂L</p><p>∂θ</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂θ</p><p>∂L</p><p>∂θ= mR2θ ; = mR2θ ; = 0</p><p>T</p><p>P</p><p>T</p><p>P</p><p>M</p><p>m</p><p>88 Mecânica Clássica | Física</p><p>solo como referencial, e um eixo perpendicular com origem no solo</p><p>e orientado para cima (digamos o eixo x), o sistema de duas partícu-</p><p>las teria em princípio dois graus de liberdade expressos nas coorde-</p><p>nadas x1 e x2 das massas m e M, respectivamente. Mas como a corda</p><p>tem comprimento fixo podemos escrever</p><p>x1 + x2 = cte</p><p>Ou seja, o movimento de m (dado pela função x1(t) está vin-</p><p>culado ao movimento de M (x2(t) ), ou vice-versa, pela equação</p><p>(ou vínculo) acima. Em outras palavras, a um acréscimo ∆x em x1</p><p>corresponde o acréscimo -∆x em x2, de forma a manter o vínculo</p><p>acima. Não por acaso, se você derivar duas vezes em relação ao</p><p>tempo a equação do vínculo, irá obter:</p><p>a1 = - a2</p><p>A segunda lei de Newton escrita em nosso sistema de coordena-</p><p>das, conforme a notação da figura, nos informa que o movimento</p><p>das massas m e M será descrito pelo sistema de equações:</p><p>que não são independentes devido ao vínculo presente. Tomando</p><p>este em conta o sistema se resume ao seguinte conjunto de duas</p><p>equações com duas incógnitas (T e a1):</p><p>que possui as soluções:</p><p>T - mg = ma</p><p>1</p><p>T - Mg = ma</p><p>2</p><p>T - mg = ma</p><p>1</p><p>T - Mg = - Ma</p><p>1</p><p>(M - m)</p><p>ga</p><p>1</p><p>=</p><p>(M + m)</p><p>2Mm</p><p>gT =</p><p>(M + m)</p><p>Física | Mecânica Clássica 89</p><p>Lagrange:</p><p>A lagrangiana deve ser escrita em termos de uma só coordenada,</p><p>uma vez que o vínculo deve ser usado para expressar uma delas em</p><p>função da outra. Escolhendo coordenadas cartesianas como defini-</p><p>das anteriormente, o vínculo é usado para expressar</p><p>x2 = cte - x1</p><p>Assim escrevemos</p><p>Note que devido à forma das equações de Lagrange, um termo adi-</p><p>tivo constante nunca contribui às equações de movimento, o que nos</p><p>fez abandonar um termo constante na energia potencial acima. Temos</p><p>e</p><p>ou seja,</p><p>que coincide com o resultado anterior. Observe que nenhuma men-</p><p>ção foi feita à força interna que a corda mantém sobre as massas (a</p><p>força de vínculo), apenas se considera o vínculo para a contagem</p><p>dos graus de liberdade, e somente a “força externa”, quer dizer, a</p><p>energia potencial “externa” , do ambiente onde está inserido o sis-</p><p>tema vinculado, entra na lagrangiana.</p><p>V = mgx</p><p>1</p><p>+ Mgx</p><p>2</p><p>= mgx</p><p>1</p><p>+ Mg (cte - x</p><p>1</p><p>) = (m - M)gx</p><p>1</p><p>T = ½ (mẋ + Mẋ ) = ½ (m + M) ẋ2</p><p>1</p><p>2</p><p>1</p><p>2</p><p>2</p><p>L = ½ (m + M)ẋ - (m - M)gx</p><p>1</p><p>2</p><p>1</p><p>∂L</p><p>= (m + M)ẋ</p><p>1</p><p>→ = (m + M)ẋ</p><p>1∂ẋ</p><p>1</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>1</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>= (M - m)g</p><p>∂x</p><p>1</p><p>⇒ (m + M)ẋ</p><p>1</p><p>= (M - m)g</p><p>(M - m)</p><p>a</p><p>1</p><p>= g</p><p>(M + m)</p><p>90 Mecânica Clássica | Física</p><p>V)</p><p>Neste exemplo vamos analisar uma situação que envolve víncu-</p><p>los dependentes do tempo (são chamados reônomos, enquanto que</p><p>aqueles que não envolvem o tempo, são esclerônomos). Considere</p><p>uma pequena esfera metálica que se movimenta sem atrito no inte-</p><p>rior de um tubo de seção reta interna uniforme, numa região livre da</p><p>força gravitacional. O tubo gira com velocidade angular constante</p><p>(w) em torno de um eixo perpendicular a este.</p><p>Newton:</p><p>Vamos fazer primeiramente a análise newtoniana da situação.</p><p>Para isso vamos considerar como horizontal o plano onde o tubo</p><p>se movimenta, e usar coordenadas polares para descrever o movi-</p><p>mento da esfera. Como não há atrito com a parede do tubo, a esfera</p><p>só pode sofrer força perpendicular ao tubo, portanto na direção do</p><p>unitário tangente ao raio vetor desta.</p><p>Sabemos que a aceleração no sistema polar possui a forma (ide</p><p>Apêndice)</p><p>a = (r̈ - r 2) r̂ + (2r + r )</p><p>Como a força sobre a esfera é apenas a força exercida pelo tubo</p><p>F = Ft , temos que</p><p>Como = 0 , temos finalmente</p><p>Lagrange:</p><p>Como o vínculo se expressa como = w = const. a coordenada</p><p>θ deve ser substituída por wt e a lagrangiana será função apenas da</p><p>coordenada radial. Temos:</p><p>F</p><p>t</p><p>= 2mrθ + mrθ</p><p>mr - mrθ2 = 0</p><p>F</p><p>t</p><p>= 2mwr</p><p>r = rw2</p><p>L = ½ m (r2 + r2w2)</p><p>T = ½ m (r2 + r2θ2) = ½ m (r2 + r2w2) ; V = 0</p><p>∂L</p><p>∂r</p><p>= mr ; = mr ; = mrw2 ;∂L</p><p>∂r</p><p>∂L</p><p>∂r</p><p>d</p><p>dt</p><p>Física | Mecânica Clássica 91</p><p>Ou seja,</p><p>r̈ = rw2</p><p>Note que a força de vínculo não aparece no formalismo lagran-</p><p>giano. A solução desta equação, do tipo r(t) = ewt mostra que a</p><p>partícula se afasta do eixo de rotação devido à força centrífuga, do</p><p>ponto de vista de um observador ligado ao tubo e, portanto, não</p><p>inercial. Alguns autores confundem esta análise e creditam à força</p><p>centrípeta este movimento (a força centrípeta, caso existisse aqui,</p><p>levaria a esfera para o centro, e nunca para fora dele!)</p><p>VI) Este é um bom exemplo de como uma situação que poderia ser</p><p>( na verdade é) bastante complicada para se resolver dentro do for-</p><p>malismo newtoniano pode ter uma solução simples no formalismo</p><p>de Lagrange. Deixaremos ao estudante o desafio de resolver pelo</p><p>formalismo newtoniano o sistema representado na figura abaixo,</p><p>que poderíamos bem chamar de máquina “envenenada” de Atwood:</p><p>Figura 7</p><p>Vemos imediatamente que o vínculo entre as massas 1 e 2 é um</p><p>vínculo holônomo tal qual aquele da máquina de Atwood, e por-</p><p>tanto reduz um grau de liberdade do sistema. O mesmo não se pode</p><p>afirmar da ligação entre os corpos 2 e 3. Portanto, os três corpos em</p><p>movimentos unidimensionais terão suas coordenadas generalizadas</p><p>x1 e x3 ou x2 e x3 , como queira, uma vez que a relação</p><p>x1 + x2 = const.</p><p>x1</p><p>m1</p><p>m2</p><p>x2</p><p>x3</p><p>m3</p><p>92 Mecânica Clássica | Física</p><p>permite que uma dessas coordenadas se expresse em termos da ou-</p><p>tra. Ficamos com a segunda opção. Derivando em relação ao tempo</p><p>este vínculo obtemos ẋ1 = -ẋ2, e podemos escrever</p><p>E para a energia potencial gravitacional e da mola, usando o vín-</p><p>culo e desprezando termos constantes que não contribuem para as</p><p>equações de Lagrange, temos conforme a figura:</p><p>V = -g(m1x1 + m2x2 + m3 x3) + k/2 (x3 - x2- l)</p><p>2 = -(m2 - m1)gx2 - m3gx3 + k/2 (x3 - x2- l)</p><p>2</p><p>onde chamamos de l o comprimento relaxado da mola de constante</p><p>k. Temos finalmente,</p><p>E temos as equações de movimento</p><p>Faça k = 0 nestas equações e obtenha m3 caindo em queda-livre</p><p>enquanto m1 e m2 recuperam o mesmo movimento que na máquina</p><p>de Atwood original.</p><p>T = ½ (m</p><p>1</p><p>ẋ + m</p><p>2</p><p>ẋ + m</p><p>3</p><p>ẋ ) = ½ (m</p><p>1</p><p>+ m</p><p>2</p><p>)ẋ + ½ m</p><p>3</p><p>ẋ2</p><p>1</p><p>2</p><p>2</p><p>2</p><p>2</p><p>2</p><p>3</p><p>2</p><p>3</p><p>(m</p><p>1</p><p>+ m</p><p>2</p><p>)ẍ</p><p>2</p><p>- (m</p><p>2</p><p>- m</p><p>1</p><p>)g - k(x</p><p>3</p><p>- x</p><p>2</p><p>- 1) = 0</p><p>m</p><p>3</p><p>ẍ</p><p>3</p><p>- m</p><p>3</p><p>g + k(x</p><p>3</p><p>- x</p><p>2</p><p>- 1) = 0</p><p>L = ½ (m</p><p>1</p><p>+ m</p><p>2</p><p>)ẋ + ½ m</p><p>3</p><p>ẋ + (m</p><p>2</p><p>- m</p><p>1</p><p>)gx</p><p>2</p><p>+ m</p><p>3</p><p>gx</p><p>3</p><p>- k/2 (x</p><p>3</p><p>- x</p><p>2</p><p>-1)22</p><p>2</p><p>2</p><p>3</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>2</p><p>= (m</p><p>1</p><p>+ m</p><p>2</p><p>)ẋ</p><p>2</p><p>→ = (m</p><p>1</p><p>+ m</p><p>2</p><p>)ẍ</p><p>2</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>2</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂x</p><p>2</p><p>= (m</p><p>2</p><p>- m</p><p>1</p><p>)g</p><p>+ k(x</p><p>3</p><p>- x</p><p>2</p><p>- 1)</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>3</p><p>= m</p><p>3</p><p>ẋ</p><p>3</p><p>→ = m</p><p>3</p><p>x</p><p>3</p><p>∂L</p><p>∂ẋ</p><p>3</p><p>d</p><p>dt</p><p>∂L</p><p>∂x</p><p>3</p><p>= m</p><p>3</p><p>g</p><p>- k(x</p><p>3</p><p>- x</p><p>2</p><p>- 1)</p><p>Física | Mecânica Clássica 93</p><p>3) Observações Importantes</p><p>Lagrangianas Equivalentes</p><p>Interessante notar que um sistema mecânico não possui uma lagran-</p><p>giana única, mas uma infinidade de lagrangianas equivalentes, no</p><p>sentido que geram as mesmas e corretas equações de movimento. Isto</p><p>se deve ao fato facilmente demonstrável que uma lagrangiana que</p><p>difere de outra pela adição de um termo que seja a derivada total de</p><p>QUALQUER função diferenciável das coordenadas e do tempo, gera</p><p>as mesmas equações de movimento:</p><p>Deixamos a cargo do estudante demonstrar, por substituição direta</p><p>nas equações de Lagrange, que estas Lagrangianas são equivalentes.</p><p>Note que já observamos anteriormente que um termo constante</p><p>porventura contido na lagrangiana pode ser descartado, pois somente</p><p>derivadas da lagrangiana entram nas equações de Lagrange. Este pode</p><p>ser também visto como um corolário do resultado acima, visto que</p><p>uma constante c pode sempre ser computada como d/dt x ct.</p><p>Coordenadas Cíclicas</p><p>Chamamos de momento generalizado, ou momento conjugado, ou ainda</p><p>momento canonicamente conjugado à coordenada qk a quantidade</p><p>Embora seja uma grandeza fundamental no formalismo hamilto-</p><p>niano que estudaremos a seguir, mesmo aqui no formalismo lagran-</p><p>giano esta se revela uma grandeza particularmente importante quando</p><p>se estudam as propriedades de simetria e as leis de conservação a elas</p><p>associadas (aqui o formalismo lagrangiano se revela especialmente</p><p>adequado). Observe para isto o que ocorre quando uma determinada</p><p>coordenada generalizada, qj, por exemplo, não aparece explicitamente</p><p>na lagrangiana. Neste caso ela é chamada de coordenada cíclica e a</p><p>equação de Lagrange relacionada a ela torna-se simplesmente</p><p>eq. i</p><p>∂L</p><p>dq</p><p>k</p><p>p</p><p>k</p><p>=</p><p>eq. i</p><p>∂L</p><p>dq</p><p>k</p><p>p</p><p>k</p><p>=</p><p>= 0</p><p>∂q</p><p>j</p><p>∂Ld</p><p>dt</p><p>94 Mecânica Clássica | Física</p><p>Ou seja,</p><p>pj = constante</p><p>Note que a ausência da coordenada na lagrangiana implica em</p><p>que a descrição do sistema não muda se variarmos esta coordenada,</p><p>ou seja, existe uma simetria do sistema relativa a mudanças nesta</p><p>coordenada. E o resultado acima afirma que, associada a esta si-</p><p>metria, existe uma lei de conservação, a conservação do momento</p><p>conjugado à coordenada cíclica. Este é um rico ponto de estudo na</p><p>Mecânica lagrangiana, que infelizmente não teremos oportunidade</p><p>de explorar neste Curso. Vejamos pelo menos um exemplo desta pro-</p><p>priedade. Se uma partícula no espaço está sob ação de um campo de</p><p>forças plano, por exemplo, as forças só agem em um plano vertical,</p><p>a energia potencial não irá conter a coordenada fora do plano. A la-</p><p>grangiana abaixo ilustra este sistema:</p><p>L = ½ m(ẋ2 + ẏ2 + ż2) - V(x, z)</p><p>Neste caso, o momento conjugado à coordenada y será</p><p>py = ∂L/∂ẏ = mẏ</p><p>que é uma constante do movimento.</p>