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<p>© 2009 by Vitor da Fonseca EDITOR: Alan Kardec Pereira GERENTE EDITORIAL:</p><p>Waldir Pedro REVISÃO GRAMATICAL: Lucíola Medeiros Brasil CAPA E PROJETO</p><p>GRÁFICO: Equipe 2ébom Design Dados Internacionais de Catalogação na</p><p>Publicação (CIP)</p><p>F742p</p><p>3.ed.</p><p>Fonseca, Vitor da</p><p>Psicomotricidade: �logênese, ontogênese e retrogênese / Vitor da Fonseca.</p><p>- 3. ed. - Rio de Janeiro: Wak Ed., 2009.</p><p>356p. : 28 cm</p><p>Inclui bibliogra�a</p><p>ISBN 978-85-7854-033-3</p><p>1. Evolução humana. 2. Caacidade motora em crianças. 3.</p><p>Psicomotricidade. I. Título.</p><p>09-0381. CDD 612.7 CDU 612.7 2009</p><p>Direitos desta edição reservados à Wak Editora Proibida a reprodução total</p><p>ou parcial. Os infratores serão processados na forma da lei.</p><p>As opiniões expressas nos artigos são de inteira responsabilidade de seus</p><p>autores.</p><p>WAK EDITORA</p><p>Av. N. Sra. de Copacabana 945 — sala 107, Copacabana — Rio de Janeiro —</p><p>CEP 22060-001— RJ Tels.: (21) 3208-6095 e 3208-6113</p><p>Fax (21) 3208-3918</p><p>wakeditora@uol.com.br</p><p>www.wakeditora.com.br</p><p>mailto:wakeditora@uol.com.br</p><p>http://www.wakeditora.com.br/</p><p>Sumário</p><p>Introdução</p><p>Parte 1 - Filogênese da</p><p>Psicomotricidade</p><p>1. Origem da Vida</p><p>2. Origem das Espécies</p><p>3. Dos Invertebrados aos</p><p>Vertebrados</p><p>4. Paleontologia Funcional</p><p>O ICTIOMORFISMO</p><p>O ANFIBIOMORFISMO</p><p>O SAUROMORFISMO</p><p>O TEROMORFISMO</p><p>O PITECOMORFISMO</p><p>5. Antropomorfismo e Adaptações</p><p>Hominídeas</p><p>ORDEM DOS PRIMATAS</p><p>O DESENVOLVIMENTO DOS</p><p>MEMBROS COMO ÓRGÃOS DE</p><p>PREENSÃO</p><p>O DESENVOLVIMENTO DOS</p><p>MEMBROS ANTERIORES COMO</p><p>ÓRGÃOS DE EXPLORAÇÃO</p><p>O DESENVOLVIMENTO DO</p><p>SISTEMA HERBÍVORO E</p><p>OMNÍVORO DE DIGESTÃO E A</p><p>CONSEQUENTE ESTRUTURA</p><p>CRANIODENTAL</p><p>A REDUÇÃO DO SENTIDO</p><p>OLFATIVO</p><p>O DESENVOLVIMENTO DA</p><p>ACUIDADE VISUAL</p><p>MUDANÇAS NO ESQUELETO PÓS-</p><p>CRANIANO</p><p>DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO:</p><p>APRENDIZAGEM, LINGUAGEM E</p><p>FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS</p><p>REDUÇÃO DO NÚMERO DE</p><p>DESCENDENTES POR</p><p>NASCIMENTO, DEPENDÊNCIA</p><p>MATERNAL E ORGANIZAÇÃO</p><p>SOCIAL</p><p>TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS EM</p><p>UMA PERSPECTIVA DIALÓGICA</p><p>ENTRE O “NORMAL” E O</p><p>“DESVIANTE”</p><p>EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE,</p><p>EVOLUÇÃO DO CÉREBRO E</p><p>HABITAT ESPECÍFICO</p><p>PRINCIPAIS ADAPTAÇÕES</p><p>HOMINÍDEAS</p><p>EVOLUÇÃO CULTURAL E</p><p>DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO</p><p>COMO ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO</p><p>E APRENDIZAGEM</p><p>AS GRANDES CONQUISTAS DA</p><p>ESPÉCIE HUMANA</p><p>Parte 2 - Ontogênese da Motricidade</p><p>6. Abordagem Ontogenética</p><p>A ONTOGÊNESE DA ONTOGÊNESE</p><p>PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO (DA</p><p>CONCEPÇÃO AO PRIMEIRO MÊS)</p><p>PERÍODO EMBRIONÁRIO (DO</p><p>PRIMEIRO AO SEGUNDO MÊS)</p><p>PERÍODO FETAL (DOS DOIS AOS</p><p>NOVE MESES)</p><p>VINTE E DOIS AXIOMAS DA</p><p>ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE</p><p>PERÍODO NEONATAL</p><p>7. Abordagem Psicobiológica</p><p>O ESTUDO DA MOTRICIDADE E A</p><p>SUA IMPORTÂNCIA NO</p><p>DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO</p><p>DA CRIANÇA</p><p>TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS</p><p>HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DA</p><p>LINGUAGEM</p><p>PRESSUPOSTOS FILOGENÉTICOS E</p><p>ONTOGENÉTICOS DA</p><p>COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL</p><p>DESENVOLVIMENTO DAS</p><p>EXTREMIDADES COMO ÓRGÃOS</p><p>DE PREENSÃO E EXPLORAÇÃO</p><p>MODIFICAÇÕES ESTRUTURAIS</p><p>CRANIODENTÁRIAS</p><p>DECORRENTES DA DIETA</p><p>COMPLEXIDADE NA INTEGRAÇÃO</p><p>E ASSOCIAÇÃO</p><p>INTERNEUROSSENSORIAL</p><p>POSTURA BÍPEDE E MUDANÇAS</p><p>CONSEQUENTES NO ESQUELETO</p><p>CRANIANO</p><p>EVOLUÇÃO CULTURAL E</p><p>DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO</p><p>COMO ORGÃO DE COMUNICAÇÃO</p><p>E APRENDIZAGEM</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>8. Abordagem Comportamental</p><p>O MOVIMENTO COMO FORMA DE</p><p>COMPORTAMENTO</p><p>9. Abordagem Psicotônica</p><p>PSIQUISMO, MOTRICIDADE E</p><p>TÔNUS</p><p>10. Abordagem Neurobiológica</p><p>A FUNÇÃO TÔNICA</p><p>A ATITUDE E O EQUILÍBRIO</p><p>11. Abordagem ao Desenvolvimento</p><p>Postural</p><p>A MANUTENÇÃO DA CABEÇA</p><p>A POSIÇÃO DE SENTADO</p><p>A POSIÇÃO ERETA</p><p>A MARCHA</p><p>12. Abordagem ao Desenvolvimento</p><p>da Preensão</p><p>ESTUDO DO RECÉM-NASCIDO</p><p>ESTUDO DOS DOIS AOS SEIS</p><p>MESES</p><p>ESTUDO DOS SEIS AOS DOZE</p><p>MESES</p><p>13. Abordagem Biopsicossocial</p><p>EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE EM</p><p>WALLON</p><p>14. Dez Escalas de Desenvolvimento</p><p>ORIENTAÇÕES PEDAGÓGICAS</p><p>PARA A UTILIZAÇÃO DAS ESCALAS</p><p>Apresentação das escalas de</p><p>desenvolvimento</p><p>1 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO</p><p>PSICOMOTOR (DE ZERO A CINCO</p><p>ANOS) (Vitor da Fonseca 1977)</p><p>2 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO</p><p>DE ZERO A DOIS ANOS (ADAPTAÇÃO</p><p>DE VITOR DA FONSECA 1979)</p><p>3 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO</p><p>DE M. SHERIDAN (DE ZERO A CINCO</p><p>ANOS)</p><p>4 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO</p><p>MOTOR (ADAPTAÇÃO DE VITOR DA</p><p>FONSECA, 1978)</p><p>5 - ESCALA DE DESENVOLVIMENTO</p><p>PSICOMOTOR (VITOR DA FONSECA,</p><p>1975)</p><p>7 - ESCALA DE OBSERVAÇÃO DAS</p><p>ETAPAS DE APRENDIZAGEM (Vitor da</p><p>Fonseca, 1978)</p><p>8 - IDENTIFICAÇÃO DAS PRAXIAS</p><p>(Adaptação de Vitor da Fonseca,</p><p>1978)</p><p>9 - PERFIL PERSPECTIVO-MOTOR DE</p><p>KEPHART (Adaptação de Vitor da</p><p>Fonseca, 1978)</p><p>10 - AVALIAÇÃO DO</p><p>DESENVOLVIMENTO SOCIAL</p><p>Parte 3 - Retrogênese da</p><p>Psicomotricidade</p><p>15. Gerontopsicomotricidade: Uma</p><p>Abordagem ao Conceito da</p><p>Retrogênese Psicomotora</p><p>INTRODUÇÃO AO CONCEITO DE</p><p>RETROGÊNESE</p><p>COLOCAÇÃO DO PROBLEMA</p><p>METODOLOGIA</p><p>ADMINISTRAÇÃO DA BATERIA</p><p>PSICOMOTORA</p><p>TRATAMENTO DOS RESULTADOS</p><p>VISÃO GERAL DOS RESULTADOS</p><p>ANÁLISE INTRAGRUPAL</p><p>ANÁLISE INTERGRUPAL</p><p>DISCUSSÃO</p><p>(In)Conclusão</p><p>Conheça também da WAK Editora</p><p>Introdução</p><p>O objetivo do trabalho que vou apresentar se insere em uma</p><p>continuidade de pesquisas e de estudos que situo por volta de 1969, ano em</p><p>que iniciei o estágio pedagógico do curso do Instituto Superior de Educação</p><p>Física (ex-INEF). Aí, tive como metodólogo o professor Nelson Mendes, que</p><p>me abriu várias perspectivas cientí�co-pedagógicas e me proporcionou,</p><p>mais tarde como di retor do mesmo Instituto, oportunidades ímpares e</p><p>verdadeiramente facilitadoras para concretizar a presente obra.</p><p>Na procura dos fundamentos interdisciplinares da Educação, como</p><p>ação global dirigida a um ser bioantropológico e psicobiológico, isto é, à</p><p>totalidade biopsicossocial do ser humano, parti para uma aventura episódica e</p><p>preferencialmente ori entada para os problemas da Motricidade. Tal es forço</p><p>culminou na dissertação �nal, concluída já em 1971, cujo título “De Uma</p><p>Filosofia (do co nhecimento) à Minha Atitude (pedagógica)” em pouco</p><p>sugeria o que nela estava contido, ou seja, o tema referente ao seu subtítulo:</p><p>Subsídios para a Ontogênese da Motricidade Humana.</p><p>É desse subtítulo que emerge parte do atual trabalho, agora enriquecido</p><p>com outros dados, pro curando apontar para uma Ciência do Homem, onde</p><p>os aspectos biológicos e antropológicos não se oponham aos aspectos</p><p>sociológicos e culturais, ou melhor, onde a �logênese não se oponha à</p><p>ontogênese, onde o organismo não se oponha ao meio, e onde a motricidade</p><p>humana não se oponha a toda a criação da Civilização.</p><p>É óbvio que esse objetivo é demasiado ambi cioso, porém minha</p><p>experiência pro�ssional me tem proporcionado ocasiões e desa�os que</p><p>convergem nesse sentido. Primeiro, no Instituto Nacional de Educação</p><p>Física, como responsável pelas cadeiras de Antropologia (1972, 1973, 1974 e</p><p>1975), Edu cação Psicomotora (1973 e 1974) e Teoria do Mo vimento</p><p>Humano (1974 e 1975); segundo, como bol sista do Instituto Nacional de</p><p>Investigação Cientí�ca (ex-IAC) na Universidade de Northwestern Evans ton</p><p>— Illinois), como pós-graduado (mestrado) em Ciências de Educação (1974</p><p>e 1975), onde obtive um crédito em Antropologia Biológica (Primate Evo-</p><p>lution — Evolução dos Primatas); terceiro, no Insti tuto Antônio Aurélio da</p><p>Costa Ferreira, como res ponsável pelas cadeiras de Neurobiologia (1977),</p><p>Introdução à Problemática do De�ciente e Psicomotricidade (1978), Teorias</p><p>de Aprendizagem e Di �culdades de Aprendizagem (1978), especialmente</p><p>orientadas para problemas de desenvolvimento e de aprendizagem na</p><p>criança normal e na criança de� ciente; e, por último, no Instituto Superior</p><p>de Psico logia Aplicada, como responsável pela cadeira de Psicologia (4º ano</p><p>— área de Psicopedagogia), cujo programa, que temos orientado desde 1975</p><p>após con vite do Dr. Bairrão Ruivo, encontra-se neste livro mais ou menos</p><p>sintetizado, com o objetivo de pro porcionar aos alunos de Psicobiologia um</p><p>livro de estudo (textbook).</p><p>Foi esta a ideia central e motivadora da lon ga e perturbada construção</p><p>deste trabalho. Todas as �utuações adaptativas e conceituais da minha vida</p><p>clínica e experiência no ensino superior têmme oferecido uma visão</p><p>multidisciplinar e cienti� camente integrada,</p><p>de quatro extremi dades que permitam sustentar o corpo e</p><p>garantir o equílíbrio à extremidade cefálica, dado que esta precisa responder</p><p>a um maior número de estímu los do meio exterior.</p><p>A libertação do crânio da primeira vértebra, atlas, obedece à</p><p>necessidade de o animal vertebra do desenvolver vários sentidos, quer a</p><p>distância (visão, audição etc.), quer em nível do corpo e da pele (gosto, tato,</p><p>movimento etc.), sendo uns deno minados telerreceptores e outros</p><p>proprioceptores.</p><p>A aquisição de uma extremidade cefálica in dependente e móvel,</p><p>sustentada pelas massas mus culares do pescoço, dotou, como evoca Sanides,</p><p>o animal de um sistema silencioso de orientação e de sobrevivência,</p><p>permitindo uma observação dirigi da, quer para uma presa, quer para um</p><p>predador.</p><p>O animal vertebrado tem de responder mais adequada e rapidamente</p><p>aos estímulos e às situa ções, dado que as modi�cações das condições de vida</p><p>são mais bruscas na terra do que na água. Os seus sistemas de orientação e</p><p>de ação são mais aperfeiçoados e mais organizados, justi�cando, por tanto,</p><p>um sistema nervoso mais complexo. Para a complexidade do sistema</p><p>nervoso, contribui um novo sistema proprioceptivo, adquirido a partir dos</p><p>fusos neuromusculares e dos corpúsculos de Gol gi, que informam</p><p>permanentemente o cérebro das condições em que a ação decorre.</p><p>Só com estes dispositivos tátil-cinestésicos, que advêm, uma vez mais,</p><p>de uma motricidade cada vez mais diferenciada, os animais vertebra dos</p><p>obtiveram um sistema sensorial mais com plexo e interligado.</p><p>É fácil perceber agora o papel do cérebro, que tem como função</p><p>fundamental organizar os dados de vários órgãos receptores, antes de pro‐</p><p>gramar um sistema de ações que concretizam pro priamente a adaptação do</p><p>animal ao seu meio.</p><p>Do An�oxo ao Homem, veri�ca-se, po demos dizer, uma paleontologia</p><p>funcional, evi denciada pela prioridade dos dispositivos esquelético-</p><p>corporais, em comparação com os dispositivos sensório-cerebrais. Aqui se</p><p>encon tra a con�rmação da importância dos aspectos funcionais e</p><p>adaptativos, que só poderiam ser satisfeitos pelos aspectos anatômicos e</p><p>osteológicos antedecentes, necessariamente depen dentes da motricidade.</p><p>Como dados �logenéticos indispensáveis à compreensão da ontogênese</p><p>da motricidade dos vertebrados, temos:</p><p>1º organização mecânica da coluna e dos membros, entendidos não só</p><p>como órgãos de locomoção mas também, e fundamentalmente, como</p><p>órgãos de re lação com o meio;</p><p>2º suspensão craniana, onde subsiste a coloca ção da cabeça, como</p><p>dispositivo funcional de ori entação no meio;</p><p>3º estruturação da dentadura como órgão de relação com funções de</p><p>captura de presas, defesa de predadores e preparação alimentar;</p><p>4º evolução neuromotora da mão, a qual estando colocada na</p><p>extremidade dos membros superiores, justi�ca a evolução técnico-</p><p>instrumental;</p><p>5º expansão associativa e interneurossensorial do cérebro, que permitiu</p><p>ao Homem a mani pulação simbólica (linguagem) e a evolução sociocultural.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ARITIO, L. B. Atlas dos Vertebrados. Ed. Livro Ibero-Americano Ltda., Rio de Janeiro, 1969.</p><p>BOORER, M. Mammals of the World. Ed. e Han Publishing Group Limited, Londres, 1970.</p><p>JARMAN, C. Evolution of Life. Ed. Bantam Books, Londres, 1971.</p><p>LEHAMAN, J. P. Les Preuves Paléontologiques de L’Évolution. Ed. Puf, Paris, 1973.</p><p>LEROI-GOURHAN, A. Le Geste et la Parole — Technique et Language. Ed. Albin Michel, Paris,</p><p>1972.</p><p>LEROI-GOURHAN, A. O Gesto e a Plavra: Técnica e Linguagem, col. Perspectivas do Homem,</p><p>nº16, Edições 70, 1981. PIVETEAU, J. De los Primeros Vertebrados al Hombre. Ed. Labor,</p><p>Barcelona, 1967.</p><p>PIVETEAU, J. Traité de Paléontologie. Ed. Masson & Cie, Paris, 1957.</p><p>PIVETEAU, J. Origine et Destinée de l’Homme. Ed. Masson & Cie, Paris, 1973.</p><p>RHODES, F. H. T. A Evolução da Vida. Ed. Celidis, Lisboa, 1976.</p><p>ROMER, A. S. e Vertebrate Body. 2nd ed. Ed. W. Saunders, Co, Philadelphia, 1956.</p><p>ROSTAND, J. O Homem. Ed. Guimarães, 1961.</p><p>SANIDES, F. Como se Constituiu o Cérebro Humano. Ed. Boehringer Sohn, Lisboa, 1966.</p><p>- 4 -</p><p>Paleontologia Funcional</p><p>Para situarmos objetivamente este ramo da �logênese, vamos recorrer</p><p>às obras de Leroi-Gourhan e de David Pilbeam, que nos apresentam</p><p>simultaneamente uma hierarquização morfológico-motora dentro dos</p><p>vertebrados e segundo o seguinte quadro esquemático:</p><p>• Ictiomor�smo — equilíbrio no meio aquático;</p><p>• An�biomor�smo — libertação do meio aquático;</p><p>• Sauromor�smo — libertação da cabeça;</p><p>• Teromor�smo — locomoção quadrúpede;</p><p>• Pitecomor�smo — postura sentada;</p><p>• Antropomor�smo — bipedismo.</p><p>Figura 4.1</p><p>É dentro desta hierarquização �logenética que passaremos a abordar a</p><p>progressiva diferenciação funcional da motricidade, sem, no entanto, deixar</p><p>de recorrer ao quadro de Pilbeam, a seguir, onde estão assinalados, em</p><p>termos de evolução, os acontecimentos mais signi�cativos que nos levam até</p><p>ao apare cimento do Homo Sapiens.</p><p>Fig. 4.2 - Hierarquização morfológico-motora (segundo Leroi-Gourhan).</p><p>Em uma breve síntese e respeitando a hierarquização morfológico-</p><p>motora dos ver tebrados, vamos agora dissecar cada um dos estágios</p><p>evolutivos.</p><p>O ICTIOMORFISMO</p><p>mecanismo motor elementar que propulsiona o eixo do corpo do peixe,</p><p>com a ação dinâmica da cauda, equilibradora das barbatanas e direcional da</p><p>cabeça.</p><p>Trata fundamentalmente da evolução do pei xe, na qual se observa uma</p><p>locomoção no meio aquático, assegurada por batimentos laterais e rít micos,</p><p>pela ação de músculos antagônicos supor tados pelo esqueleto interno. É</p><p>efetivamente este</p><p>Figura 4.3</p><p>A extremidade encefálica assegura a inserção das mandíbulas e pode</p><p>conter dentes elementares em forma de cone e com superfícies cortantes.</p><p>A cabeça não apresenta liberdade de movimento com o eixo corporal:</p><p>encontra-se solidamente unida à primeira vértebra, recebendo já um</p><p>minúsculo cérebro, composto de tubo neural e vestibular.</p><p>O ANFIBIOMORFISMO</p><p>Compreende a passagem da vida aquática à vida terrestre, englobando</p><p>novas aquisições respi ratórias e motoras. As guelras transformam-se em</p><p>bexigas natatórias, e as mandíbulas acusam já um certo grau de libertação</p><p>anatômica.</p><p>É evidente que se dá uma adaptação exclu siva à água e uma adaptação</p><p>relativa à terra, como, aliás, prova a sua reprodução, quase toda desen rolada</p><p>no meio aquático.</p><p>A locomoção terrestre é feita com os qua tro membros, e a cintura</p><p>escapular ainda está ar ticulada com o crânio, de forma que a liberdade da</p><p>cabeça é quase nula. A bacia já faz suporte à marcha, os braços e as pernas</p><p>têm os mesmos ossos que o ser humano, e a mão e o pé acusam a</p><p>pentadáctila.</p><p>São ótimos nadadores, com movimentos si métricos e propulsivos</p><p>coordenados entre os mem bros anteriores e os membros posteriores.</p><p>A cabeça, em terra, assume uma posição semi-horizontal e</p><p>semivertical, exatamente para facilitar a orientação, o que vai permitir o</p><p>apareci mento do pescoço, separando anatômica e funcio nalmente a cabeça</p><p>do resto do corpo por uma mus culatura da nuca. A dentadura apresenta</p><p>uma relação osteológica determinada em relação à pos tura, o que introduz</p><p>trações motoras que favore cem a mobilidade da cabeça em relação ao</p><p>tronco, com concomitante separação da cintura escapular.</p><p>O SAUROMORFISMO</p><p>Traduz de�nitivamente a adaptação ao meio terrestre. A locomoção é</p><p>obtida sob a for ma de ondulação do eixo corporal ou por movi mentos</p><p>inconstantes do tipo atetótico, o que in troduz novas libertações articulares,</p><p>como as da cintura escapular e as transformações anatômi cas do crânio.</p><p>A cabeça encontra-se de�nitivamente sepa rada do eixo corporal e</p><p>ocupa a extremidade do pescoço. Surge a musculatura das mandíbulas e o</p><p>osso hioide, que mobiliza o maxilar inferior e a lín gua. A faringe especializa-</p><p>se fundamentalmente na deglutinação e a boca na captura e na pré-</p><p>mastigação dos alimentos, dadas as características conedontes e</p><p>homodontes da dentadura.</p><p>Os membros encontram-se individualizados do esqueleto axial, as</p><p>extremidades são pentadáctilas e o crânio está suspenso sobre o basion, obe‐</p><p>decendo a relações alométricas e adaptativas</p><p>que se estabelecem</p><p>dialeticamente entre a evolução corporal e a evolução cerebral.</p><p>O sauromor�smo compreende efetivamen te o estudo dos répteis,</p><p>considerados os primei ros habitantes da terra �rme, onde a locomoção pode</p><p>apresentar, em primeiro lugar, uma reptação e, posteriormente, uma</p><p>locomoção quadrú pede em cima do solo. O estudo dos répteis ex plica a</p><p>evolução dos vertebrados, daí a sua importância. Na linha de evolução dos</p><p>répteis, vamos encontrar os pterossauros, que originam as aves e os</p><p>morcegos, e os dinossauros, que origi nam os teropsídeos (répteis gigantes),</p><p>os quais, por sua vez, vão originar duas classes de mamífe ros: os herbívoros</p><p>e os carnívoros.</p><p>Em qualquer dos casos, o sauromor�smo é caracterizado por um</p><p>equilíbrio entre o crânio den tário e o crânio cerebral, ao contrário dos rumi‐</p><p>nantes, em que o crânio dentário é nitidamente superior ao crânio cerebral.</p><p>No aspecto corporal, muitas aquisições �logenéticas se encontram</p><p>desvendadas: o eixo ver tebral é o centro do edifício corporal, e o esque leto</p><p>apresenta já algumas características humanas, isto é, os membros estão</p><p>individualizados, as ex tremidades têm cinco dedos, o crânio está sus penso</p><p>da coluna, a dentadura condiciona o com pleto do crânio etc. Temos aqui</p><p>outro parâmetro fundamental da �logênese da motricidade: a evo lução</p><p>triunfante do cérebro encontra-se, como foca Leroi- Gourhan, imperiosamente</p><p>dependente das libertações anatômicas do corpo.</p><p>A cada libertação anatômica do corpo, corresponde uma libertação</p><p>funcional do cére bro, ou seja, uma complexi�cação e estruturação</p><p>neurobiológica. A evolução do corpo de termina a evolução do cérebro, e</p><p>esta realidade da evolução é invariante do An�oxo ao Ho mem. Em nenhum</p><p>vertebrado, o sistema nervoso pre cedeu à evolução da motricidade, daí a</p><p>importância desta evolução naquela.</p><p>Fig. 4.4 - A redução do crânio dentário implicou um aumento do crânio</p><p>cerebral. Veja o encurtamento progressivo da base PCB, desde o</p><p>mamífero (Herbívoro) até o Homo Sapiens, passando pelo chimpanzé</p><p>(LEROI-GOURHAN).</p><p>O TEROMORFISMO</p><p>Compreende a transformação dos répteis em mamíferos. Os répteis</p><p>ascendem a uma locomo ção quadrúpede, similar à do elefante e do cão. Os</p><p>membros encontram-se articulados perpendicular mente ao eixo vertebral,</p><p>permitindo uma elevação do corpo em relação ao solo, o que vai dar origem</p><p>a melhores condições de locomoção, isto é, a uma motricidade mais</p><p>coordenada, econômica, veloz e adequada ao meio e às suas circunstâncias,</p><p>como resultado de um controle estriado, cerebeloso e piramidal, mais e�caz.</p><p>Por motivos de adaptação biomecânica e alométrica, as vértebras</p><p>cervicais alongam-se, e o pes coço move a cabeça em um campo</p><p>consideravel mente mais amplo, advindo daí novas adaptações e novas</p><p>capacidades de orientação. Em acumula ção, surgem outras adaptações, não</p><p>só em nível de dentes (heterodontes), em virtude de uma dieta mais rica e</p><p>variada, mas também em nível da pelagem isolante (homeotermia), como</p><p>em nível do aparecimento de�nitivo do diafragma, que permi te melhor</p><p>ventilação pulmonar; do palatino secun dário, com consequente</p><p>desenvolvimento do sis tema olfativo, permitindo, pela primeira vez, a</p><p>operação conjunta da mastigação e da respiração; dos membros verticais,</p><p>em temporal espessa, da arcada zigomática, da mandíbula etc.</p><p>No teromor�smo, encontramos outros tipos de diferenciação biológica</p><p>que compreendem o desenvolvimento de uma motricidade de captura e de</p><p>preparação alimentar e, também, uma masti gação elaborada, naturalmente</p><p>dependente da heterodontia, a qual, por si só, introduziu modi�ca ções</p><p>posturais consideráveis.</p><p>A cabeça adquire uma independência moto ra muito complexa, que</p><p>apresenta um desequilí brio entre o crânio cerebral e o crânio dentário nos</p><p>herbívoros e uma tendência para o equilíbrio dos mesmos índices dos</p><p>carnívoros.</p><p>Os mamíferos quadrúpedes dividem-se em monotérmatos ovíparos,</p><p>marsupiais e placentários, e, dentro destes, temos como diferenciadores os</p><p>insetívoros, os morcegos, os cetáceos, as focas, os roe dores, os herbívoros, os</p><p>carnívoros e os primatas.</p><p>Em todos os mamíferos, desenvolve-se pre dominantemente o campo</p><p>anterior que envolve dois aspectos morfomotores complementares:</p><p>• o primeiro: ação da cabeça;</p><p>• o segundo: ação do membro anterior.</p><p>Estes dois polos, o facial por um lado e o manual por outro,</p><p>constituem, provavelmente, as aquisições motoras mais signi�cativas em</p><p>termos de controle e coordenação cerebral, isto é, são dois aspectos da</p><p>evolução que materializam o êxito bi ológico que culmina no ser humano</p><p>nas funções de aprendizagem e de trabalho.</p><p>Em termos de evolução, a parte cefálica está ligada à parte motora, por</p><p>meio dos membros que intervêm na captura e na preparação alimentar. Por</p><p>exemplo, no caranguejo, as primeiras patas servem de pinças para a</p><p>preensão e o esmagamento das pre sas. Nos vertebrados, essa função surge</p><p>no membro anterior, ora com funções de locomoção ora com funções de</p><p>relação, preensão, defesa ou preparação alimentar. No peixe, as barbatanas</p><p>anteriores ser vem para as necessidades motoras elementares, como a</p><p>equilibração e a locomoção aquática. No anfíbio e no réptil, a intervenção</p><p>do membro anteri or serve para a manutenção da comida no solo. Nas aves,</p><p>os membros anteriores estão adaptados ao voo, e os posteriores têm a</p><p>função de preensão alimentar e de construção do ninho.</p><p>Nos mamíferos, surgem inúmeras adaptações preensivas, como a</p><p>língua da girafa, a tromba do elefante, a garra nos carnívoros ou a mão nos</p><p>inse tívoros e nos primatas. Esta adaptação, de grande importância</p><p>�logenética e ontogenética, explica a importância da motricidade nos</p><p>mecanismos locomotores que permitem satisfazer as necessidades e os tipos</p><p>de nutrição: carnívoros, herbívoros, frugíveros e omnívoros.</p><p>No ser humano, a relação entre polo faci al e polo manual não é feita</p><p>pelo membro ante rior da locomoção, dado que a mão não acumula duas</p><p>funções: a da preparação de alimen to e a de locomoção. Trata-se de um</p><p>novo teo rema da �logênese da motricidade — a liberta ção da mão.</p><p>No Homo Sapiens, a mão opera as funções de defesa e preensão, bem</p><p>como se libertou da locomoção, permitindo, a partir daqui, a disponi‐</p><p>bilidade para o trabalho, ao mesmo tempo em que, dialeticamente, permitiu</p><p>a libertação dos órgãos faciais para a linguagem.</p><p>Fig. 4.5 - Importância do campo anterior, que põe em relação a face com</p><p>as extremidades da mão (FACE / MÃO) (segundo Leroi-Gourhan)</p><p>Em resumo:</p><p>Esquema 4.1</p><p>Do mamífero ao macaco, duas grandes divi sões nos surgem: os que</p><p>utilizam os membros an teriores na relação com o meio (mamíferos</p><p>preensores); os que utilizam só a cabeça nessa relação (mamíferos</p><p>locomotores).</p><p>Os primeiros compreendem os que são espe cializados na preensão e</p><p>apresentam uma relação entre o cérebro e os caninos, e a aquisição postural</p><p>de sentado é muito importante, como vamos ver, em termos de ontogênese</p><p>da motricidade.</p><p>A mão com cinco dedos, herdada dos anfí bios da Era Silúrica, permite</p><p>a preensão, dado que represente uma libertação anatômica que tem a ver</p><p>com a mobilidade do omoplata, do rádio e do cúbito, permitindo a</p><p>supinação e a pronação. Para se dar esta libertação em nível de mão, é</p><p>necessá rio que o esqueleto dos mamíferos seja o mais disponível em termos</p><p>de movimento. O crânio cerebral tende a equilibrar-se ao crânio dentário.</p><p>Os segundos compreendem os especializa dos na locomoção e</p><p>apresentam uma dentadura alongada, adaptada ao tratamento de vegetais e</p><p>de folhas. As extremidades não têm dedos e são especializadas na</p><p>sustentação e na locomoção terrestre e não adquirem a postura de sentado.</p><p>Tudo se concentra no edifício craniano, único campo corporal que</p><p>estabelece relação com o meio, ocupando a língua e os lábios nas funções de</p><p>defesa. O crânio dentário tende a ser superi or ao crânio cerebral.</p><p>O PITECOMORFISMO</p><p>Resta-nos o pitecomor�smo para concluir mos as etapas �logênicas da</p><p>motricidade, antes de abordar os primatas. Em termos zoológicos, pode mos</p><p>a�rmar, com Leroi-Gourhan, que há um pou co de quadrupedia</p><p>nos</p><p>primatas e um pouco de primata no ser humano.</p><p>Em termos palentológicos, o primata asse gura, como intermediário</p><p>morfológico, a ligação entre os seres humanos e os terópodes.</p><p>Do ponto de vista da �logênese da motricidade, a quadrumanta está</p><p>entre quadrupedia e o bipedismo. Isto quer dizer que os primatas adqui rem</p><p>uma preensão permanente e uma postura de sentado, característica. De uma</p><p>preensão esporá dica e temporária, passamos a uma preensão cons tante e</p><p>diversi�cada. A preensão, como caracte rística motora que mais libertações</p><p>anatômicas compreende, é a consequência pura e simples de uma maior</p><p>disponibilidade corporal e de uma maior autonomia postural, adquirida</p><p>fundamen talmente com a postura de sentado.</p><p>A mão, agora como um dispositivo de li bertação anatômica, pode</p><p>realizar supinações, pronações, aduções, abduções, trações, rotações, �exões,</p><p>extensões, oposições, digitações etc., realizando uma complexa rede de</p><p>aquisições mo toras (braquiação) indispensáveis à adaptação arborial dos</p><p>primatas.</p><p>Como já focamos, a postura de sentado pro mete a redução e o</p><p>parabolismo da dentadura, e esta, por si, vai comprometer um</p><p>desenvolvimen to cada vez mais completo do cérebro.</p><p>O buraco occiptal encontra-se articulado com a coluna vertebral, por</p><p>meio de uma abertura posterior e inferior, apta a facilitar a quadrupedia e a</p><p>posição de sentado.</p><p>A base opistion-basion encontra-se mais horizontalizada, a alavanca</p><p>basion-inion baixa e libertase da sustentação do crânio, mantida pelos</p><p>múscu los fortes da nuca.</p><p>Basta agora realizar a expansão do frontal, enrolar o occipital e alargar</p><p>consideravelmente em leque o parietal e o temporal. Para esta expansão</p><p>craniana, e depois cerebral, é necessário reduzir a face e o prognatismo,</p><p>superar a arcada orbital, verticalizando cada vez mais o frontal e reduzindo</p><p>consideravelmente os molares e os pré-molares.</p><p>Só com as transformações anatômicas apontadas, o corpo (aspecto</p><p>técnico) se estru tura progressivamente, e o cérebro (aspecto organizativo)</p><p>ocupa todo o espaço mecanica mente disponível, dando nascimento a todas</p><p>as manifestações cerebrais mais avançadas e que são corolário da evolução</p><p>que vai do pri mata ao Homem.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BRAIN, C. K. New Light on Old Bones. Ed. Samab, Londres, 1969.</p><p>HALDANE, J. B. S. e Argument from Animals to Man. In: e Origin & Evolution of Man. Ed.</p><p>A. Montagu, omas & Crowell, Co., Nova Iorque, 1973.</p><p>LE GROS CLARK, W. E. Men-Apes or Apes-Men? Ed. Holt, Nova Iorque, 1967.</p><p>LEROI -GOURHAN, A. Le Geste et la Parole: Technique et Langage. Ed. Albin Michel, Paris, 1972.</p><p>NAPIER. J. R. Brachiation and Brachiators. Symp. Zool. Soc., Londres, 10, 1963.</p><p>PILBEAM, D. e Evolution of Man. Ed. ames and Hudson, Londres, 1970.</p><p>PILBEAM, D. e Ascent of Man. e Mac Milan Series in Physical Anthropology, Nova Iorque,</p><p>1972.</p><p>SANIDES, F. Como se Constituiu o Cérebro Humano. Ed. Boehringer Sohn, Lisboa, 1966.</p><p>SCHULTZ, A. H. Vertebral Column and orax. In: Primatologia, Eds. Hofer, A. Schultz and D.</p><p>Starck, 4, 1, 1967.</p><p>SIMONS, E. L. Primate Evolution: An Introduction to Man’s Place in Nature. Ed. Mac. Millan</p><p>Series in Physical Anthropology, Nova Iorque, 1972.</p><p>SIMONS, E. L. Some Fallacies in the Study Hominid Phylogeny In: e Origin & Evolution of Man,</p><p>Ed. A. Moutagu omas & Crowell, Co., Nova Iorque, 1973.</p><p>SIMPSON, G. G. e Principles of Classification and a Classification of Mammals. Bull Am. Mns.</p><p>Nat. Hist., 85, 1, 1945. SIMPSON, G. G. Principles of Animal Taxonomy. Columbia Univ Press,</p><p>Nova Iorque, 1961.</p><p>- 5 -</p><p>Antropomor�smo e Adaptações</p><p>Hominídeas</p><p>Resta concluir agora os aspectos mais signi �cativos que compreendem</p><p>o estudo dos primatas e das adaptações hominídeas, que, no seu todo,</p><p>signi�cam a última e mais importante etapa da �logênese da motricidade —</p><p>o antropomorfismo.</p><p>Antes de avançar nos mecanismos antropomór�cos da �logênese da</p><p>motricidade, convém apresentar o quadro da Ordem dos Primatas:</p><p>ORDEM DOS PRIMATAS</p><p>Subordem: PROSSÍMIOS</p><p>Infraordem:</p><p>Lorisiformes — Loris</p><p>Lemuriformes — Lêmures e Indris</p><p>Tarsiformes — Tarseiro</p><p>Subordem: ANTROPOIDES</p><p>Infraordem:</p><p>Platirríneos (Novo Mundo)</p><p>Catarríneos (Velho Mundo)</p><p>Superfamília:</p><p>Cercopitecos</p><p>Pongídeos (Gibão, Orangotango, Gorila e Chimpanzé)</p><p>Hominídeos (Gigantopitecos, Oreopitecos, Ramapitecos,</p><p>Australopitecos, Pitecantropos, Homo Erectus, Homo Habilis,</p><p>Neanderthal, Cro-Magnon e Homo Sapiens).</p><p>O termo antropomór�co, como nos surge em Leroi-Gourhan, cria a</p><p>ligação entre os gran des símios e a Humanidade. Basicamente, com preende</p><p>todos os antropomorfos que dominam a postura vertical bípede e todas as</p><p>suas múltiplas consequências morfofuncionais.</p><p>Fig. 5.1 - Árvore dos Primatas (segundo F. H. T. Rhodes)</p><p>Antes, porém, de avançar nas adapta ções hominídeas, é urgente que se</p><p>de�nam as características dos primatas resultantes da adaptação arborial.</p><p>A vida nas árvores oferece outro tipo de exi gências, e de novo, como</p><p>atesta Szalay no seu es tudo sobre a paleobiologia dos primatas primiti vos, a</p><p>motricidade ocupa uma função capital.</p><p>Em termos esquemáticos, e segundo o mes mo autor, a motricidade</p><p>arborial é responsável pe las seguintes tendências adaptativas: alargamento</p><p>do cérebro; recessão do prognatismo; convergência dos olhos; ossi�cação</p><p>das paredes orgitais; atro�a do aparelho olfativo; especialização preensiva</p><p>das extremidades; desenvol vimento dos receptores táteis; desenvolvimento</p><p>neurobiológico oculomotor; agilidade excepcional, colocando em jogo um</p><p>alto nível de controle cerebeloso; desenvolvimen to da associação pré-frontal;</p><p>desen volvimento da função motora; integração interneurossensorial; vi são</p><p>estereoscópica; desenvolvimen to do anel timpânico, de grande importância</p><p>para o desenvolvimen to da acuidade e da discriminação auditiva etc.</p><p>A adaptação arborial é, por de�nição, a penúltima etapa da �logênese</p><p>da motricidade, justi�cando posteriormente a verticalização, a braquiação, a</p><p>manipulação e a dentição hominídea.</p><p>Wasburn e Jay, no seu traba lho intitulado Perspectivas da Evolução</p><p>Humana, procuram abordar uma chave biológica da adaptação arborial e</p><p>hominídea, característica de todos os primatas e os antropoides,</p><p>diferencian do nomeadamente as seguintes:</p><p>Fig. 5.2 - Árvore genealógica dos Hominídeos. O Homo Sapiens tem atrás de</p><p>si uma evolução histórica...7a - desenvolvimento do cérebro: aprendiza‐</p><p>gem, linguagem e fabricação de instrumentos;</p><p>8a - redução do número de descendentes por nascimento, dependência</p><p>maternal e organi zação social.</p><p>Vejamos agora, na companhia de outros au tores, como Tobias,</p><p>Montagu, Simons, Simpson, Le Gros Clark, Leakey, Napier e outros, cada</p><p>uma destas características antropomór�cas.</p><p>O DESENVOLVIMENTO DOS MEMBROS COMO ÓRGÃOS DE</p><p>PREENSÃO</p><p>A vida na árvore exige, objetivamente, que os animais que nela habitam</p><p>se possam manter e sustentar. Uns com unhas, outros, como os primatas,</p><p>com mãos e pés preensivos.</p><p>A preensão em nível da mão, outra das aqui sições �logenéticas da</p><p>motricidade, implica a li bertação da cintura escapular, a rotação do rádio e</p><p>do cúbito, a mobilidade independente dos dedos, originando</p><p>consequentemente uma maior dissoci ação entre as falanges e os metacarpos</p><p>e entre este e os ossos do carpo.</p><p>A mão primata, e igualmente a mão huma na, é constituída por 27 ossos</p><p>(oito no carpo; cin co nos metacarpos, dois no polegar e doze nos restantes</p><p>quatro dedos), enquanto o resto do mem bro superior tem só três ossos</p><p>unidos por inúme ros tendões e músculos que se encontram inseri dos na</p><p>unidade motora mais complexa do mundo animal — a mão.</p><p>A preensão é garantida pela oponibilidade do polegar em relação aos</p><p>restantes dígitos. A ca racterística pentadáctila do primata vem já dos rép teis;</p><p>porém, a oponibilidade é só possível nos primatas. O polegar pode oferecer</p><p>a sua superfície palmar às superfícies palmares dos outros dedos e, por via</p><p>dessa unidade de coordenação, o primata está apto a suspender-se nos</p><p>ramos e a saltar de uns para outros, mantendo vertical o seu corpo.</p><p>A coordenação motora dos primatas, que é necessária</p><p>para a preensão</p><p>de ramos, é a mais complexa de todos os mamíferos placentários. De fato, a</p><p>agilidade e a disponibilidade motora que são exigidas para saltar de um</p><p>ramo para outro e a sequência de balanços aéreos que com preendem põem</p><p>em destaque um diferenciado controle cerebeloso, extrapiramidal e</p><p>piramidal.</p><p>Fig. 5.3 - Adaptação arboreal. A coordenação perfeita é necessária a um</p><p>meio onde o equilíbrio é precário. A preensão é simultaneamente uma</p><p>função de suspensão e de propulsão (segundo E. L. Simons).</p><p>Alguns dos primatas, nomeadamente prossímios, acusam</p><p>especializações preensivas, como nos lêmures, onde o anelar é o maior dedo,</p><p>ou como nos lóris, onde o indicador e o médio são reduzi dos, porque não</p><p>interferem na preensão.</p><p>Em termos �logenéticos, as garras dos car nívoros, já portadores de um</p><p>simples dispositivo de �exão-extensão, ou dos insetívoros são nos primatas</p><p>substituídas por unhas, conferindo aos de dos uma morfologia arredondada</p><p>e achatada, pos sibilitando uma pluriarticulação entre as pontas dos dedos e</p><p>a palma da mão, unidade de coordenação indispensável às funções de</p><p>sustentação, suporte, preensão, pronação e supinação.</p><p>A extensão e a �exão metacarpofalângica, características de todos os</p><p>primatas, permitem a divergência e a convergência manodigital, condi ção</p><p>resultante das inúmeras libertações anatômi cas que se operam nos membros</p><p>superiores e, prin cipalmente, nas suas extremidades (mais um corolário da</p><p>adaptação arborial de grande interes se para a �logênese da motricidade). As</p><p>unhas, ao contrário das garras, são uma consequência da adaptação ao</p><p>envolvimento arborial.</p><p>Por acumulação funcional, a mão sofre ain da outras transformações. A</p><p>palma da mão expan de-se e tende a uma superfície quadrangular, aban‐</p><p>donando a sua forma retangular, dado que, em termos de coordenação</p><p>motora, como na preensibilidade ou na oponibilidade, tal forma facilita a</p><p>especialização do polegar.</p><p>A expansão da mão como caráter anatômico arrasta consigo um caráter</p><p>funcional, isto é, cober tura das superfícies plantares, dos dedos e da palma</p><p>da mão, por uma pele rugosa e áspera, que está na base do desenvolvimento,</p><p>em termos �logenéticos, do sentido tátil-cinestésico (o haptic system). Este</p><p>sentido interneurossensorial, já desenvolvido nos primatas, dado a sua</p><p>adaptação ao movimento, combi na dois tipos de informação: um em nível</p><p>dos con tatos da pele, ou seja, do tato; outro em nível do movimento. De um</p><p>lado, estão as informações da textura, da pressão, da dor, da temperatura e</p><p>das consistências (tato) e, do outro, as informações da tensão muscular, do</p><p>ângulo das articulações, da sensibilidade das diferentes partes do corpo e da</p><p>relação com os objetos (movimento).</p><p>Veremos mais à frente, no estudo da �logênese do cérebro, a</p><p>importância deste sentido em todos os aspectos da aprendizagem humana.</p><p>Aqui, em um sentido mais biológico, encontra-se a trans formação da</p><p>“almofada” ou do “estofo” das extre midades que se estão presentes nas</p><p>espécies plantígradas em superfícies de fricção, onde o sentido tátil tende a</p><p>enraizar-se.</p><p>A indispensabilidade da preensão nas árvo res é de tal ordem que</p><p>alguns primatas, como os platirríneos, chegam a desenvolver uma cauda</p><p>preênsil, capaz de agarrar um ramo e manter o corpo suspenso, como um</p><p>membro e uma mão extra. (TITIEV)</p><p>Para que em nível da mão se tivessem dado as transformações que</p><p>assinalei, convém dizer que se deram transformações na omoplata e na</p><p>clavícula, no úmero, no processo olecrânico, no rádio e no cúbito,</p><p>exatamente resultante da braquiação e da quadrumania dos primatas, que,</p><p>no Homem, já não se observam pelo abandono do comportamento</p><p>sustentatório.</p><p>A preensão no Homem, é bom que se note, não serve para sustentações</p><p>nas árvores, mas sim para a função de manipulação de objetos e para a</p><p>fabricação de instrumentos, daí as suas mais recentes adaptações que têm a</p><p>sua origem �logenética na transição do teromor�smo para o</p><p>pitecomor�smo e deste para o antropomor�smo, isto é, na alteração radical</p><p>da locomoção terres tre horizontal para a locomoção arborial verti cal. (LE</p><p>GROS CLARK)</p><p>É evidente que uma das grandes diferen ças que separam os primatas do</p><p>Homem é o pé. Nos primatas, acusa um alto grau de preensão, com</p><p>oponibilidade do polegar e com uma mobi lidade interna muito</p><p>característica. No Homem, o pé assume uma especialização hierárquica que</p><p>tem a ver com a postura bípede e a marcha. O pé humano tem um arco</p><p>longitudinal idêntico ao dos primatas, mas é único quanto ao arco</p><p>transversal, em virtude dos ligamentos e dos os sos do tarso que suportam</p><p>antigraviticamente o peso do corpo, pois só assim pode criar o grau de</p><p>tensão muscular adequado e necessário ao dese quilíbrio, à propulsão e ao</p><p>momento corporal que está envolvido na marcha (sinal de Trendelenburg).</p><p>No Homem, e por motivos da marcha bípe de, os metatarsos são curtos</p><p>e direitos. O primei ro e o quinto são os mais robustos, re�etindo o modo</p><p>como o peso do corpo na marcha é transfe rido desde o calcanhar ao bordo</p><p>externo do pé e, por último, ao terço ântero-interior e ao dedo gran de do pé.</p><p>Todos os dedos são reduzidos, e o dedo grande é particularmente robusto,</p><p>perdendo a sua função preênsil e juntando-se paralelamente aos restantes</p><p>para efeitos de especialização na fun ção de sustentação. O pé abandona</p><p>progressiva mente as funções de preensão para desenvolver funções de</p><p>locomoção.</p><p>Como Shultz evoca, as transformações dos membros resultam, em</p><p>termos comparativos entre o primata e o Homem, na grande diferença dos</p><p>ín dices intermembros, ou seja, a percentagem de re lação entre os membros</p><p>superiores e os membros inferiores, que oscila entre 136 e 178 nos primatas</p><p>e que é de 88 no Homem.</p><p>Por outras palavras, as transformações nos membros estão, quer nos</p><p>primatas, quer nos se res humanos, dependentes das suas atitudes e</p><p>movimentos característicos. Do lado dos primatas, estão a quadrumania e a</p><p>braquiação; do lado dos seres humanos,estão o bipedismo e a preensão</p><p>práxica.</p><p>O DESENVOLVIMENTO DOS MEMBROS ANTERIORES COMO</p><p>ÓRGÃOS DE EXPLORAÇÃO</p><p>É evidente que avancei algo neste aspecto, na primeira adaptação</p><p>arborial e hominídea, no entanto, o enfoque foi essencialmente anatômico,</p><p>pelo que passarei agora a abordar o funcional, o neurológico e o integrativo.</p><p>Fig. 5.4</p><p>O envolvimento arborial, além de ser in trincado em termos de</p><p>equilíbrio, é irregular, e, como consequência, os primatas tiveram de de‐</p><p>senvolver formas extremamente complexas de agilidade (Le Gross Clark</p><p>chama os primatas de “os acrobatas arboriais”), coordenação e regula ção</p><p>motoras e, por isso, os mamíferos placentários são mais disponíveis em</p><p>termos de aquisi ções motoras (motor skills).</p><p>É evidente que a locomoção aérea apresenta mais problemas de</p><p>equilibração e coordenação que a locomoção terrestre, na medida em que os</p><p>estí mulos proprioceptivos tendem a multiplicar-se, até porque se encontram</p><p>conjugados com os estímulos exteroceptivos visuais, razão pela qual as</p><p>conexões corticais e cerebelosas se inter-relacionam cada vez mais,</p><p>favorecendo um desenvolvimento cerebeloso que tem por função coordenar</p><p>as informações que vêm dos músculos, dos tendões e das articula ções e</p><p>submetê-las à apreciação da motricidade, responsável pela equilibração</p><p>(sistema extrapiramidal-teleocinético) e pela coordenação (sistema</p><p>piramidal-ideocinético).</p><p>É interessante apontar, só como curiosida de, que as aves e os primatas,</p><p>uns dominadores do ar, outros de um envolvimento muito similar — a</p><p>árvore — , são os animais em que o cerebelo ocupa funções muito</p><p>importantes, daí o seu desenvolvi mento privilegiado em comparação com as</p><p>restan tes estruturas cerebrais.</p><p>Recordemos para este efeito Sanides, que nos diz: “Ao grau mais</p><p>elevado da diferenciação da re presentação motora neocortical, com o</p><p>aperfeiço amento progressivo dos movimentos unilaterais das extremidades,</p><p>corresponde um aperfeiçoamento cerebeloso que assegura a harmonia dos</p><p>movimentos (o grifado é meu) mais complicados através de sis temas</p><p>cerebelosos proprioceptivos. Recordemos aqui a gravidade</p><p>das perturbações</p><p>da coordenação, a ataxia e a assinergia que as lesões cerebelosas provocam</p><p>no Homem”.</p><p>Já vimos na adaptação anterior que duas das aquisições �logenéticas da</p><p>motricidade mais rele vantes são a pronação e a supinação, que, por si sós,</p><p>implicam uma rotação do rádio e do cúbito, dependentes de uma</p><p>articulação mais �exível e re sistente que é garantida pelo processo</p><p>olecrânico, o qual vai, por sua vez, originar uma alteração ra dical em nível</p><p>da omoplata e da clavícula, ossos importantes que ligam o esqueleto axial ao</p><p>esque leto apendicular superior.</p><p>A omoplata, por exemplo, passa para a zona posterior do tórax,</p><p>aproximando-se da co luna; as clavículas alongam-se e robustecem-se; o</p><p>tórax reduz a sua amplitude ântero-posterior; e os membros superiores</p><p>desenvolvem-se em comprimento, tudo contribuindo para a liberta ção</p><p>progressiva dos membros anteriores e para uma elevação e recuo do centro</p><p>de gravidade, que favorece naturalmente a locomoção arborial.</p><p>Fig. 5.5 - A caixa toráxica do Homem oferece um achatamento no plano</p><p>frontal (M1 . H1), ao contrário da maior amplitude lateral (M2</p><p>não podemos separar</p><p>radicalmente a nutrição da locomoção. Já vimos que esta relação biológica</p><p>dialética é uma chave da evolução das espécies que atinge muito</p><p>particularmente uma diferenci ação extremamente signi�cativa entre os</p><p>primatas e o Homem.</p><p>A relação entre nutrição e locomoção está para relação entre boca e</p><p>órgãos de preensão, que, em si, como foca Leroi-Gourhan, põe em movi‐</p><p>mento a diferenciação funcional do campo ante rior dos animais e do</p><p>Homem, isto é, em termos adaptativos, a relação entre a face e a mão é uma</p><p>das mais complexas em termos biológicos.</p><p>Fig. 5.9 - Representação esquemática do crânio de vários Hominídeos. Em</p><p>�gura e fundo, os australopitecos (A-), os pitecântropos (P-.-) e os</p><p>neandertalenses (N-). À direita o crânio do Homo Sapiens. Veri�car a</p><p>esfericidade do crânio do Homo Sapiens em comparação com outros</p><p>Hominídeos. A redução do prognatismo introduziu alterações</p><p>morfológicas cujo produto reverteu na expansão do sistema nervoso</p><p>central.</p><p>Fig. 5.10 - A evolução é uma dialética. Perde-se em uns aspectos, ganha-</p><p>se em outros. A mandibulação, ao reduzir-se, produz um ganho</p><p>considerável na expansão do crânio. No gorila, o crânio dentário</p><p>sobrepõe-se ao crânio cerebral. No Homo Sapiens, passa-se o inverso,</p><p>para bem da civilização.</p><p>Os caninos humanos não são cônicos nem em forma de lâmina, mas</p><p>em forma de cinzel, e acusam uma forma muito similar à dos incisi vos. Estes</p><p>são pequenos em relação aos prémolares e aos molares e possuem coroas</p><p>orien tadas verticalmente. Outro pormenor dentário que convém sublinhar</p><p>compreende a continui dade que se veri�ca entre os dentes, desde os</p><p>incisivos aos molares.</p><p>Os pré-molares “molarizam-se”, como des taca Pilbeam, e as suas</p><p>cúspides hipocones e talonídeos tornaram-se mais reduzidas em altura e</p><p>maio res em número. De quatro cúspides que encontramos nos macacos do</p><p>Velho Mundo, pas samos a cinco nos símios e no Homem. O esmalte dos</p><p>dentes é espesso e denso, o que constitui igual mente uma adaptação para</p><p>uma dieta mais prepa rada fora da boca (papel da mão e do fogo) e tam bém</p><p>mais diversi�cada, daí a relação evolutiva que vai da dieta herbívora à dieta</p><p>omnívora.</p><p>Todas estas transformações nos dentes, pro vocadas pela dieta e pela</p><p>preparação manual pré via, foram introduzindo alterações morfológicas,</p><p>como a redução do prognatismo, a redução da face, a redução da arcada</p><p>dentária, que acusa uma di vergência da frente para trás, em forma arredon‐</p><p>dada e parabólica, aumentando o braço do momen to da mastigação, o que</p><p>origina uma maior e�ciência mecânica, por meio da redução do bra ço da</p><p>potência. O aparelho dentário produz redu ções consideráveis na face e passa</p><p>a �car progres sivamente por baixo do crânio cerebral, ou, mais exatamente,</p><p>por baixo da região frontal.</p><p>Não podemos compreender estas transfor mações na face se não</p><p>falarmos igualmente na redução da musculatura, responsável pela masti‐</p><p>gação, nomeadamente do temporal, do masséter e do pterigóideo.</p><p>Não sendo tão robusta, a mandíbula não ne cessita ser sustentada por</p><p>um grande músculo tem poral e, por isso, a sua inserção no osso temporal</p><p>pode explicar a expansão do osso parietal do crâ nio. A mastigação nos</p><p>hominídeos envolve movi mentos muito intensos no sentido vertical e alguns</p><p>movimentos menos intensos no sentido lateral, isto é, põe em jogo uma</p><p>combinação de vários movi mentos, sendo só possíveis porque os maxilares</p><p>es tão desobstruídos de caninos projetados e volu mosos, permitindo uma</p><p>oclusão perfeita e e�ciente.</p><p>Destes aspectos dentários, ocorrem adapta ções que se diferenciam</p><p>entre o primata e o Ho mem, em todos os setores do aparelho digestivo, quer</p><p>se trate da língua, do tubo digestivo ou do fígado, embora apresentando</p><p>semelhanças em ter mos de anatomia visceral que propriamente não afetam</p><p>a anatomia esquelética.</p><p>O mesmo já não podemos evocar quanto à anatomia do crânio, dado</p><p>que se dão transforma ções radicais em termos de anatomia comparada entre</p><p>o primata e o Homem. As transformações dão-se em tamanho e forma e</p><p>re�etem-se no pró prio cérebro.</p><p>Le Gros Clark especi�ca em termos paleontológicos três grandes</p><p>diferenças (índices) entre os crânios dos primatas não hominídeos e do</p><p>Homem:</p><p>1º- Índice dos côndilos occipitais que se articu lam com a coluna</p><p>vertebral no buraco occipital, o qual, nos primatas, está colocado oblíqua e</p><p>poste riormente em relação à caixa craniana, enquanto, no Homem, se</p><p>encontra localizado inferiormente, colocando em relevo a importância da</p><p>verticalização da coluna decorrente da postura bípede huma na. Este índice,</p><p>segundo Pilbeam e Simons, pode ainda justi�car a razão da libertação da</p><p>cabeça, a redução da face, a expansão cerebral na região oc cipital e temporal</p><p>ou todas estas adaptações corre lacionadas e combinadas;</p><p>2º - Índice da altura dos músculos da nuca, onde se veri�ca a grande</p><p>superfície relativa de inserção do trapézio no occipital em relação aos</p><p>primatas, que se traduz consideravelmente no Homo, dado que a sua face</p><p>não projetada, e sem caninos para funções de defesa e ataque, já não</p><p>necessita de grandes massas musculares de sustentação, na medida em que</p><p>as curvaturas da coluna permitem ao Homem a suspensão do crânio em</p><p>uma posição</p><p>mais equilibrada, dinâmica e vertical. A cabeça re pousa em equilíbrio</p><p>no vértice da coluna vertebral;</p><p>3º - Índice da altura da caixa craniana, de�nido pela altura da caixa</p><p>craniana a partir da colo cação da arcada orbital. No Homem, este índice é</p><p>elevado; no primata, é baixo, e daqui emerge a razão de ser da expansão</p><p>cerebral, demonstrando objetivamente que, no Homem, o crânio cerebral é</p><p>superior ao crânio den tário, ao contrário dos primatas. O cérebro vai ocu‐</p><p>pando os territórios cranianos à medida que se vai libertando das resistên‐</p><p>cias faciais, dependentes do aparelho dentário.</p><p>Fig. 5.11 - Crânios do Gorila (G) e do Australopiteco (A). De notar os</p><p>índices: da altura da nuca AG/AB; da altura supraorbital FB/AB; da posição</p><p>do côndilo (D/CE), segundo E. W. Le Gros Clark. De realçar a expansão e a</p><p>esferização do crânio A. O ganho correspondente a um maior volume do</p><p>cérebro.</p><p>Fig. 5.12 - Os índices adaptativos. Sobreposição dos crânios do Gorila e do</p><p>Australopiteco. Repare-se que neste é menor a altura da nuca.</p><p>É óbvio que toda esta análise biológica não pode perder de vista outra</p><p>análise extrabiológica reciprocamente dependente.</p><p>O domínio da nutrição é um dos dados da antropogênese, na medida</p><p>em que a passagem de uma alimentação herbívora para uma omnívora</p><p>re�ete um conjunto de transformações biossociais de muito relevo. Assim,</p><p>pode-se per ceber a importância da caça e da pesca, permitindo a assimilação</p><p>de novas substâncias químicas que implicam transformações histológicas,</p><p>tendo em vista o que representa em termos de desenvol vimento uma</p><p>alimentação mais rica do ponto de vista calórico-proteico.</p><p>Os estudos dos nutricionistas são unânimes em correlacionar a dieta</p><p>com o desenvolvimento intelectual. Daí perceber-se o que representa em</p><p>termos antropológicos o domínio e a diversi�ca ção da nutrição. O</p><p>desenvolvimento do cérebro está deveras dependente da assimilação dos</p><p>aminoácidos e dos açúcares, daí o signi�cado de uma alimentação com</p><p>maior valor nutritivo, ao qual tem de estar associada a uma transformação</p><p>morfológica do crânio e, posteriormente, do cérebro, não esquecendo o</p><p>papel do fogo na alimentação aquecida e na redução do trabalho mecânico e</p><p>metabólico do aparelho digestivo, o que consti tui um outro tipo de</p><p>libertação evolutiva.</p><p>A REDUÇÃO DO SENTIDO OLFATIVO</p><p>Como foca Napier, o envolvimento arborial não é um “mundo de</p><p>cheiros” como o envolvimento terrestre, e, por in dução, o primata apresenta</p><p>uma progres siva redução e atro�a dos mecanismos ol fativos, quer</p><p>anatômicos, quer funcionais.</p><p>Perde-se a glândula rinária (rhinarium), carac terística dos mamíferos, e</p><p>as adaptações da muco sa e do epitélio nasal que estão na base do</p><p>prognatismo, que, como sabemos, em termos �logenéticos, têm tendência a</p><p>desaparecer nos primatas, embora ainda surjam nos babuínos, primatas</p><p>também</p><p>adaptados à locomoção terrestre.</p><p>Fig. 5.13 - Na árvore, o centro olfativo exerce funções diferentes às que se</p><p>operam nos mamiferos em terra. No cercopiteco (C), no Homem (HS), os</p><p>centros visuais (à direita das �guras) são essenciais para a adaptação</p><p>arboreal (segundo D. Pilbeam).</p><p>Com o aumento e a precisão do sentido visual e porque o sistema</p><p>olfativo perdeu a sua utilidade prática na árvore, veri�ca-se uma progressiva</p><p>atro�a dos centros neuroló gicos correspondentes.</p><p>A redução dos órgãos olfativos está associa da à liberdade motora do</p><p>lábio superior e à muscularização da região perioral, que, por sua vez, ocu pa</p><p>uma função muito especial na expressão facial e na comunicação não verbal</p><p>entre os primatas e os seus grupos sociais.</p><p>O dispositivo nasal nos primatas é tão im portante que constitui a base</p><p>da diferenciação en tre os platirríneos (narinas afastadas e separadas) e os</p><p>catarríneos (narinas quase juntas), ou seja, a distinção entre macacos do</p><p>Novo e do Velho Mundo; no entanto, perdeu a sua signi�cação em termos</p><p>evolutivos.</p><p>A diminuição do prognatismo, associada à recessão dos maxilares,</p><p>transformou radicalmente a cavidade nasal, reduzindo-se</p><p>consideravelmente e subtraindo-lhe todos os �lamentos da mucosa nasal (o</p><p>turbinal process de Le Gros Clark) que está relacionada com os centros</p><p>receptores e integra dores do cérebro — o rinencéfalo.</p><p>A redução e a aparência externa da região nasal do crânio</p><p>correspondem a uma superação do sentido visual sobre o sentido olfativo,</p><p>razão explicativa da dominância exteroceptiva da visão em relação aos</p><p>outros telerreceptores. É eviden te que se encontra aqui um novo corolário</p><p>da �logênese da motricidade, culminando com a im portância da</p><p>hierarquização viso-motora que, em termos de evolução, é responsável pela</p><p>práxis hu mana, consequência, mais uma vez, da postura e da marcha</p><p>bípedes.</p><p>Em termos neurológicos, o rinencéfalo, ou sistema olfativo, é superado</p><p>pelo neocórtex, o qual, segundo Sanides, é arrastado da convexidade do</p><p>hemisfério para a base do mesmo.</p><p>Operam-se em nível dos primatas as expan sões corticais associativas,</p><p>exatamente porque a locomoção arborial põe em movimento compli cadas</p><p>conexões viso-motoras e viso-cinestésicas.</p><p>Tais conexões vão levar necessariamente a uma pro gressiva e mais</p><p>ampla representação sensório-motora, como resultante da obrigatoriedade</p><p>da adapta ção, como nos informam Sanides e Le Gros Clark.</p><p>O DESENVOLVIMENTO DA ACUIDADE VISUAL</p><p>É signi�cativo que a seleção natural entre os animais arboriais tivesse</p><p>privilegiado os pronun ciadamente visuais, na medida em que a visão se</p><p>tornou o último escalão da hierarquia dos sistemas sensório-motores de</p><p>todos os seres vivos. Já, por esta razão, Leonardo da Vinci dizia que a visão é</p><p>o mais intelectual dos sentidos.</p><p>A liderança da visão, em termos de exteroceptividade, justi�ca-se pela</p><p>migração das ór bitas, pelo tamanho e estrutura do olho e pela diferenciação</p><p>da retina.</p><p>A migração das órbitas não permite que os ei xos óticos dos olhos se</p><p>tornem divergentes; pelo contrário, os eixos tornam-se naturalmente parale‐</p><p>los e convergentes, condição indispensável à vi são estereoscópica, que</p><p>permite a focagem do cam po visual em pontos correspondentes e</p><p>simultâneos em ambas as retinas.</p><p>Esta condição permite a �xação de um pon to no espaço com suas</p><p>referências posicionais; an terior-posterior, esquerda-direita e superior-</p><p>inferi or, ou seja, a tridimensão do espaço que permite ao primata a</p><p>perspectiva, condição essa superespecializada para quem, acima do solo, faz</p><p>acroba cias complicadas e cálculos espaciais acelerados.</p><p>O tamanho e a estrutura do olho do primata, e evidentemente do ser</p><p>humano, obedecem a uma constituição e função celular extremamente</p><p>elabo rada. A luz ou a re�exão entra no olho e, antes de chegar à retina, tem</p><p>de passar sucessivamente pela córnea, humor aquoso, íris, cristalino e corpo</p><p>ví treo. Cada uma destas partes realiza um processa mento da informação que</p><p>tem a ver com vários mecanismos de transdução de energia, isto é, a</p><p>transformação da luz em energia elétrica, tendo de passar por</p><p>transformações de energia eletromag nética da córnea e químicas, em nível</p><p>dos cones e dos bastones.</p><p>A diferenciação da retina é demonstrada pela conversão das imagens</p><p>em respostas �siológicas que se passam em nível dos fotorreceptores. Pri‐</p><p>meiro, em nível dos bastonetes, que têm a função de modelar a luminosidade</p><p>e particularmente de res ponder ao movimento dos objetos na periferia do</p><p>campo visual, e segundo, em nível dos cones, que têm a função de responder</p><p>à intensidade da luz e garantir as condições da visão fotópica que pro‐</p><p>porciona o alto nível de discriminação das relações espaciais e das formas,</p><p>bem como da apreciação da cor e da textura.</p><p>Na maioria dos mamíferos, os cones encon tram-se no centro e os</p><p>bastonetes na periferia da retina. É importante assinalar, em analogia com</p><p>Washburn e Le Gros Clark, que a retina apresenta uma diferenciação local</p><p>na mácula lutea, ou melhor, na sua zona central, denominada fóvea, zona</p><p>esta livre de vasos sanguíneos, onde efetivamente se acusa o mais alto grau</p><p>de acuidade visual, com as relações “ponto na retina” e “ponto no cérebro” a</p><p>estabelecerem-se um por um, de sentido neurofuncional extremamente</p><p>relevante.</p><p>É evidente que, para saltar de um ramo para outro, o primata necessita</p><p>de um alto grau de acui dade visual, só possível para a migração orbital, com</p><p>a complexidade da retina e com o paralelismo dos eixos óticos.</p><p>A retina composta de dois sistemas visuais distintos, mas</p><p>dialeticamente complementares (co nes e bastonetes), processa, por um</p><p>complicado sistema fotoquímico, a transformação do campo visual em</p><p>mensagens elétricas que vão pelos ner vos óticos, passam pelo quiasma ótico</p><p>e os corpos feniculados laterais, antes de atingirem a zona de projeção</p><p>primária, denominada área calcarina, lo calizada no lóbulo occipital.</p><p>A título informativo e segundo Lindsay e Norman, o olho humano tem</p><p>aproximadamente seis milhões de cones e 120 milhões de bastonetes, ou</p><p>seja, 126 milhões de fotorreceptores na to talidade. É óbvio que esta</p><p>complexidade em nível de retina representa uma evolução, isto é, uma</p><p>�logênese, daí o seu interesse em termos de expansão progressiva do córtex</p><p>visual, que tende a veri�carse do primata ao Homem.</p><p>Em termos �logenéticos, as oscilações visomotoras passam a colocar a</p><p>motricidade em um plano cada vez mais dependente da integração vi sual,</p><p>que constitui, por exemplo, a base do desen volvimento perceptivo-motor</p><p>humano.</p><p>MUDANÇAS NO ESQUELETO PÓS-CRANIANO</p><p>Não vou-me debruçar sobre o esqueleto apendicular em termos de</p><p>extremidades, mão e pé, na medida em que já as analisamos nos primeiro e</p><p>segundo aspectos da chave biológica do antropomor�smo, que temos vindo</p><p>a tratar.</p><p>Vou agora debruçar-me sobre o esqueleto axial, caindo</p><p>fundamentalmente na análise da co luna vertebral e da bacia e nos aspectos</p><p>morfofuncionais que decorrem da postura e da mar cha bípede.</p><p>As grandes transformações esqueléticas que se observam no Homem</p><p>em termos �logenéticos têm uma relação de dependência com a postura</p><p>vertical permanente e com a marcha bípede, ca racterísticas únicas entre</p><p>todos os mamíferos.</p><p>A justi�cação está preferencialmente em ní vel da extensão da bacia e da</p><p>articulação do joelho que permitem manter vertical a coluna vertebral. O</p><p>peso do corpo é sustentado pela base de apoio dos pés que, embora origine</p><p>uma restrição em ter mos de equilibração postural, é, porém, a condi ção</p><p>ideal para o movimento, visto requerer um mínimo de energia tônico-</p><p>muscular.</p><p>Fig. 5.14 - A complexidade do sistema visual humano tem a sua</p><p>�logênese na adaptação ao espaço aéreo.</p><p>Só no Homem, a linha da gravidade coin cide com o eixo do corpo, e os</p><p>membros inferi ores (em proporção, os mais compridos dos primatas</p><p>superiores -172%) com o centro de gravidade pélvico.</p><p>Em outro volume desta coleção, desen volverei este aspecto, quando</p><p>abordar a função tônica e a atitude postural no desenvolvimen to postural da</p><p>criança. Aqui interessa-nos ape</p><p>nas o problema dos ossos, das articulações e</p><p>dos músculos envolvidos na marcha e na pos tura eretas permanentes.</p><p>Na postura bípede “normal”, o equilíbrio do corpo exige que a vertical</p><p>passe pelo buraco audi tivo, pela cabeça do úmero, pelo corpo da quinta</p><p>vértebra lombar, pela cabeça do fêmur, pelo joe lho e, �nalmente, pelo</p><p>maléolo externo do pé.</p><p>Para que esta aquisição �logenética se des se, foi necessário que se</p><p>observasse através dos tempos determinado número de transformações</p><p>morfológicas, como endireitamento do tronco, redução da coluna lombar,</p><p>alongamento dos membros inferiores (caráter exclusivamente hu mano),</p><p>redução e alargamento dos ossos da ba cia, encurtamento das apó�ses</p><p>transversais da coluna, libertação total dos membros superiores no processo</p><p>de marcha, perda da função preensiva do pé, horizontal da superfície</p><p>articular da tíbia, curvaturas �siológicas na coluna, recuo do centro de</p><p>gravidade corporal etc., para nomear só as mais signi�cativas.</p><p>Ao contrário dos primatas, o Homem tem uma coluna cervical e uma</p><p>coluna lombar reduzidas, veri�cando-se, da zona cervical para a zona lom‐</p><p>bar, um progressivo aumento do corpo das vérte bras, exatamente porque as</p><p>vértebras lombares, nomeadamente a quinta, têm de suportar o peso das</p><p>restantes vértebras mais o peso do crânio. Este é extraordinariamente</p><p>reduzido, ao contrário dos primatas, exatamente porque o crânio se</p><p>equilibra na coluna e não a prolonga; por isso, a coluna hu mana apresenta</p><p>quatro curvaturas �exíveis, ao contrário da coluna rígida dos primatas.</p><p>Na curvatura cervical e na lombar, a coluna vertebral humana acusa</p><p>maior grau de mobilidade: a cervical para a mobilidade da cabeça e a lombar</p><p>para a extensão do membro inferior.</p><p>A estabilização vertical da coluna é obtida fundamentalmente pelas</p><p>quatro curvaturas com pensatórias: a cervical para a dorsal e a lombar para a</p><p>sagrada. Esta última, além de se encontrar solda da com o ilíaco da bacia,</p><p>introduz funções de equilibração muito importantes.</p><p>Fig. 5.15 - As duas colunas vertebrais representam dois níveis de</p><p>libertação anatômica e de expansão cerebral. Veja-se a orientação do</p><p>buraco occipital, quase horizontal no Homem (H) e oblíqua no Gorila (G)</p><p>(segundo J. Rostand e A. Tétry).</p><p>O ilíaco humano é reduzido em altura, em comparação com o ilíaco</p><p>primata, ao mesmo tem po em que se alarga, criando uma curvatura</p><p>sigmoide, própria para receber a inserção dos glúteos (ou nadegueiros), que</p><p>asseguram a rotação e a extensão da bacia na marcha, e dos quadrados lom‐</p><p>bares e dos grandes dorsais, que asseguram a ere ção do tronco.</p><p>O ísquion humano, ligado ao púbis, com põe a pequena bacia, ou bacia</p><p>visceral, como realça Rostand, é pequeno e reduz o braço do mo mento dos</p><p>extensores da bacia e dos �exores do joelho (semimembranoso,</p><p>semitendentinoso e bicípete crural).</p><p>Fig. 15.16 - Os dois cérebros têm volumes diferentes e, por isso,</p><p>representam funções diferenciais de complexidade concomitante</p><p>(segundo J. Rostand e A. Tétry).</p><p>Por sua vez, a cavidade cotiloide e a cabeça do fêmur (o maior osso</p><p>humano) atingem maiores proporções, re�etindo a sua importância como</p><p>transmissores do peso do corpo na marcha.</p><p>Os dois fêmures fazem com que as respecti vas articulações do joelho</p><p>tenham uma maior apro ximação, ao contrário da articulação com a bacia,</p><p>que é mais afastada, decorrendo daí um triângulo invertido equilibrador,</p><p>com base na bacia e vértice nos joelhos, o que biomecanicamente reforça a</p><p>pos tura e facilita o seu controle neuromuscular.</p><p>Ao contrário dos primatas, a articulação do fêmur com a tíbia não se dá</p><p>em uma linha reta, dáse, sim, uma semi�exão. No Homem, a articula ção do</p><p>joelho obedece a um ângulo equilibrador entre o fêmur e a tíbia, que se</p><p>encontram comple tamente em extensão, isto é, as superfícies articu lares dos</p><p>dois ossos são horizontais.</p><p>Outra característica importante na �logênese da motricidade, e que</p><p>tem a ver com as fases de aquisição da marcha na criança, é que o equilíbrio</p><p>do corpo nos primatas cai sobre os côndilos inter nos do fêmur e,</p><p>consequentemente, no bordo in terno do pé, ao contrário do Homem, onde</p><p>o equi líbrio do corpo recai nos côndilos externos do fêmur e no bordo</p><p>externo do pé.</p><p>Fig. 5.17 - Bacia do chimpanzé (C) e no Homo Sapiens (HS). A bacia</p><p>humana perde em altura e ganha em largura.</p><p>Aqui estão alguns aspectos esqueléticos pós-cranianos, resultantes da</p><p>adaptação humana à marcha bípede e à postura ereta que demons tram bem</p><p>a evidência das adaptações hominídeas que levaram os precursores do</p><p>Homo Sapiens a desenvolver funções locomotoras cada vez mais disponíveis</p><p>e varia das, amentando assim o seu reportório comportamental em</p><p>concomitância com a expansão cerebral.</p><p>Fig. 5.18 - Sequências da marcha no Homem. Uma queda controlada. O</p><p>pé livre aborda o solo pelo calcanhar enquanto o peso do corpo é</p><p>gradualmente transferido do calcanhar ao dedo grande do pé (segundo</p><p>J. Napier, fotogra�a de E. Muybridge).</p><p>Fig. 5.19 - As diferenças são signi�cativas. Repare-se no tamanho dos</p><p>ossos da bacia, principalmente o ísquion que surge no Homem muito</p><p>reduzido, facilitando a verticalização do tronco e dos membros inferiores,</p><p>conquistas signi�cativas da adaptação à locomoção bípede (segundo J.</p><p>Rostand e A. Tétry).</p><p>DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO: APRENDIZAGEM,</p><p>LINGUAGEM E FABRICAÇÃO DE INSTRUMENTOS</p><p>Sem dúvida nenhuma que a maior diferença entre os primatas e os</p><p>mamíferos e entre o Ho mem e os primatas é a do desenvolvimento do cé‐</p><p>rebro, na sua proporção com o peso total do corpo.</p><p>A vida arborial, pondo em causa, por exi gências da sua adaptação, um</p><p>desenvolvimento muito elaborado dos órgãos sensoriais e motores, quer</p><p>exteroceptivos, quer proprioceptivos, levou necessáriamente a uma</p><p>expansão cerebral, só pos sível com as alterações morfológicas introduzidas,</p><p>primeiro, pela locomoção arborial e, posteriormen te, pela locomoção ereta.</p><p>Dado que a árvore, em si, não é senão um habitat precário e irregular, é</p><p>óbvio que, pondo em causa uma complexa coordenação, harmonia e re‐</p><p>gulação de movimentos e de equilibrações, o cére bro dos primatas se</p><p>revolucionou em termos de novas áreas e novas conexões. Como novas</p><p>áreas, temos as que controlam o movimento (sistema piramidal), como as</p><p>áreas quatro e seis de Broadman e as do cerebelo, característica esta já</p><p>possível de detectar nos pongídeos e nos fósseis hominídeos, como provam</p><p>os endocastos dos fragmentos dos seus crânios.</p><p>Fig. 5.20 - A abertura tempo-parietal é superior no Homo Sapiens que</p><p>corresponde ao corte da motricidade voluntária e às zonas de associação.</p><p>Em termos de comportamento, é o mesmo que dizer em termos de</p><p>organização cortical, o Ho mem possui o cérebro mais hierarquizado e mais</p><p>diferenciado do mundo animal.</p><p>O cérebro humano contém três tipos de cé rebro �logeneticamente</p><p>reconstruídos e recombinados, que re�etem a evolução das espécies e se</p><p>compõem de três setores hierarquizados: 1º - o reptiliano; 2º - o</p><p>paleomamífero; 3º - o neomamífero.</p><p>O reptiliano, o mais antigo, inclui as estrutu ras responsáveis pelos</p><p>comportamentos mais sim ples, como os que medeiam a regulação das fun‐</p><p>ções biológicas vitais e as funções do sono, vigilância, atenção e alerta. Está</p><p>igualmente en volvido nas respostas re�exas, que, como sabemos, sofrem</p><p>uma hierarquização progressiva dos inver tebrados aos vertebrados, e, dentro</p><p>destes, dos peixes ao Homem.</p><p>O paleomamífero é uma herança dos mamí feros inferiores, compreende</p><p>a sensibilidade protopática e o sistema límbico, que medeia e regu la os</p><p>impulsos relacionados com os comportamentos de sobrevivência e</p><p>reprodução, compreendendo igualmente as funções pré-alimentares por</p><p>meio de sistemas antagônicos de procura-fuga, de defesa-ataque etc., que</p><p>visam à satisfação de tendências e necessidades adaptativas e emocionais.</p><p>O terceiro cérebro, o neomamífero, também designado por neocórtex,</p><p>segundo Rosenthal, é a estrutura mais hierarquizada e organizada, sen do de</p><p>aquisição �logenética recente. Está con tido em todos os mamíferos</p><p>superiores, nomea damente nos primatas,</p><p>principalmente nos pongídeos e</p><p>essencialmente no Homem. O neocórtex é responsável pela sensibilidade</p><p>epicrítica ou gnósica e pela programação da motricidade voluntária e da</p><p>linguagem, permitindo: a manipulação dos objetos, as praxias, o pensa‐</p><p>mento lógico e quantitativo, a simbolização e a conceptualização, a</p><p>resolução de problemas, o reconhecimento de experiências e acontecimen‐</p><p>tos, o julgamento social e a tomada de decisões, isto é, todos os</p><p>comportamentos humanizados.</p><p>Fig. 5.21 - Três cérebros que constituem a �logênese do SNC, segundo</p><p>Rosenthal.</p><p>O Homem está dotado, como vimos, com três cérebros que funcionam</p><p>hierárquica e harmo niosamente, designados por outros termos diferen tes</p><p>dos já assinalados: rombencéfalo (cérebro pos terior), mesencéfalo (cérebro</p><p>médio) e prosencéfalo (cérebro anterior). O rombencéfalo é predominan‐</p><p>temente nos répteis; o mesencéfalo é dominante nos vertebrados inferiores;</p><p>e o prosencéfalo, sub dividindo-se em diencéfalo (estruturas talâmicas) e nos</p><p>hemisférios cerebrais (telencéfalo), atinge um alto grau de diferenciação nos</p><p>primatas e, posteri ormente, no Homem.</p><p>Esta concepção hierarquizada, �logenética e ontogeneticamente</p><p>con�rmadas, é igualmente defendida pelos neurobiólogos e neuropsicólogos</p><p>mais reconhecidos, como Luria, Ecclees, Sperry, Lindsley, Pribram, Denny</p><p>Brown e outros.</p><p>Luria, por exemplo, exempli�ca a organiza ção funcional do cérebro em</p><p>três blocos:</p><p>1º bloco - tronco cerebral e rombencéfalo — regula a energia, a atenção e</p><p>a função tônica, garantindo os alicerces dos vários processos cerebrais,</p><p>normal mente dependentes da substância reticulada, onde se operam os</p><p>processos primários de discrimina ção intersensorial;</p><p>2º bloco - lóbulos occipital, temporal eparietal — interferem na análise,</p><p>na codi�cação e no armaze namento de informação visual, auditiva e tátil-</p><p>cinestésica, processando-a em: seleção, distribuição e identi�cação (zonas</p><p>primárias); codi�cando-a e conservando-a (zonas secundárias) e</p><p>combinandoa em termos de conduta (zonas tercirárias); e</p><p>3º bloco - lóbulo frontal — implicado na for mação das intenções e na</p><p>associação e utilização da informação conservada e retida, plani�cando-a e</p><p>programando-a em termos de comportamento.</p><p>Como sabemos, todos os animais estão equi pados biologicamente com</p><p>órgãos capazes de re ceber sinais (fontes energéticas) do seu meio, os quais</p><p>desencadeiam, por concomitância, reações apropriadas e ajustadas a tais</p><p>condições. Este aspecto elementar do comportamento animal está implícito</p><p>no protozoário do Homem. Isto quer dizer que, entre meio e animal, há um</p><p>pro cesso de comunicação que é organizado em ter mos de sistema nervoso.</p><p>Qualquer sistema nervoso, quer se trate de um invertebrado, quer se</p><p>trate de um vertebra do, põe em jogo um grupo de células com fun ções bem</p><p>de�nidas: células receptoras que recebem os diferentes tipos de estímulos;</p><p>células efectoras ou motoras, onde o in�uxo põe em atividade os músculos; e</p><p>células associativas que transmitem a informação às células efectoras,</p><p>aumentando-a ou diminuindo-a, provando o seu papel media dor e</p><p>regulador.</p><p>É exatamente nestas células associativas que se vão encontrar as causas</p><p>da �logênese do encéfalo, que tem por função conservar, combinar e</p><p>executar os diferentes tipos de informação que, de fato, materializam a</p><p>conduta.</p><p>Dos peixes aos mamíferos, passando pelos anfíbios, pelos répteis e</p><p>pelas aves, vamos obser vando que as células se diferenciam e se</p><p>complexi�cam, dando origem a um córtex cerebral cada vez mais</p><p>organizado e elaborado, à luz de um “maravi lhoso computador”, capaz de</p><p>escolher o mais van tajoso e prioritário comportamento para a situa ção do</p><p>momento. O cérebro humano garante uma liberdade progressiva de</p><p>condutas, como resultan te da liberdade progressiva de estruturas anatômi cas</p><p>que as precederam em termos �logenéticos.</p><p>Da célula ganglionar dos invertebrados, isto é, de conjuntos de células</p><p>associativas, passamos a um cérebro portador de 14 bilhões de neurônios e</p><p>nevróglias (HEBB) no ser humano, o que lhe per mite não só se mover no</p><p>mundo dos objetos mas também no mundo das ideias.</p><p>Figura 5.22 - Organização Funcional do cérebro (luria)</p><p>Em qualquer animal, invertebrado ou verte brado, podemos, com</p><p>Jacques Monod, caracteri zar as funções do sistema nervoso central.</p><p>1º assegurar o comando e a coordenação cen tral da atividade</p><p>neuromotora em função, sobretu do, das aferências sensoriais (relação entre</p><p>aferências e eferências);</p><p>2º conter, sob a forma de circuitos genetica mente determinados,</p><p>programas de seleção mais ou menos complexos; dispará-los em função de</p><p>estímulos particulares;</p><p>3º analisar, �ltrar e integrar as aferências sensoriais, a �m de continuar</p><p>uma representação do mundo exterior adaptado às funções especí� cas do</p><p>animal;</p><p>4º registrar os acontecimentos que são signi �cativos, agrupá-los por</p><p>classes, segundo as suas analogias, associar essas classes de acordo com as</p><p>relações dos acontecimentos que as constituem, enriquecer, aperfeiçoar e</p><p>diversi�car os programas inatos, neles incluindo estas experiências;</p><p>5º imaginar, isto é, representar e simular acontecimentos exteriores ou</p><p>programas de ação do próprio animal.</p><p>O cérebro é um instrumento de uma liber dade sem limites. De acordo</p><p>com A. Scott (1975), o número de ideias básicas ou de componentes</p><p>ideacionais que o cérebro pode desenvolver é de um milhar de milhão.</p><p>Dentro de uma estimativa, e res peitando que cada ideia se produzia em um</p><p>segun do, o Homem poderia manter-se a produzir ideias durante 45 anos de</p><p>tempo de vigília (não contan do com as horas de sono).</p><p>De fato, dos primatas ao Homem, passase um mínimo de diferenciação</p><p>cerebral tal que justi�ca: de um lado, a relação com os objetos e, de outro, a</p><p>relação com as ideias, isto é, de uma inteligência sensório-motora, saltamos</p><p>�logeneticamente para uma inteligência re�exiva e hipotético-dedutiva.</p><p>Aqui está também uma maturação ontogenética que os trabalhos de</p><p>Piaget con�rmam e que iremos ver mais adiante. De um estádio ao outro,</p><p>estão dois fenômenos que se entrecruzam dialeticamente: a aprendizagem</p><p>biológica de um lado (maturação anatômico-funcional) e a aprendizagem</p><p>extrabiológica do outro (integração gregária).</p><p>Todas estas aquisições cerebrais resultam efetivamente de alterações</p><p>morfológicas no crâ nio, que decorrem das adaptações da postura ere ta e do</p><p>aparelho dentário, que passamos a referir em seguida:</p><p>1º expansão do prosencéfalo e especialmen te do neocórtex;</p><p>2º aumento da �ssuração do neocórtex com aparecimento da �ssura de</p><p>Rolando e de Sylvius. Maior número de circunvoluções;</p><p>3º expansão do lóbulo occipital, decorrente do enrolamento esférico do</p><p>crânio, originando a for mação da área pós-calcarina;</p><p>4º elaboração de um córtex motor e somatossensorial com inerente</p><p>expansão do lóbulo pa rietal que compreende funções de integração</p><p>sensório-motora e de diferenciação somatognóstica que englobam a</p><p>tecnicidade manual;</p><p>5º elaboração do córtex pré-central, origi nando consequentemente a</p><p>verticalização do frontal e a expansão do lóbulo frontal como central de</p><p>comando muscular, quer para as ações inten cionais e voluntárias, quer para</p><p>a expressão vocal da linguagem; aquisições só possíveis pela fun ção</p><p>associativa que está dependente desta recen te aquisição �logenética;</p><p>6º elaboração do lóbulo temporal, associado à perfeição da</p><p>discriminação de sons e requer natu ralmente a comunicação verbal;</p><p>7º estruturação do cerebelo e das suas cone xões como central de</p><p>harmonização e sistematização da motricidade do córtex cerebral e</p><p>regulador da proprioceptividade inconsciente e consciente;</p><p>8º redução dos mecanismos neurológicos do olfato (redução do</p><p>rinencéfalo).</p><p>Fig. 5.23 - Per�s posturais do Gorila e do Homo Sapiens. A expansão do</p><p>cérebro subentende uma libertação postural especí�ca, isto é, a</p><p>Osteologia tem uma relação recíproca com a Neurologia. À libertação</p><p>anatômica, segue-se uma libertação do cérebro. Uma deu-se</p><p>anteriormente à outra.</p><p>A expansão destas áreas cerebrais, bem como a sua estrutura</p><p>e função</p><p>(LANCASTER), compreendem uma série de transformações ós seas no</p><p>crânio, nomeadamente as que se referem à redução da mandíbula e ao</p><p>aparecimento da ar cada zigomática, ao enrolamento do occipital, ao</p><p>alargamento do parietal, à redução do temporal e à verticalização do frontal,</p><p>todas elas como as pectos morfológicos exteriores.</p><p>No plano interior, temos de re�etir sobre o alargamento da asa do</p><p>esfenoide, o aparecimento do lacrimal e do etmoide. Livre de obstáculos ós‐</p><p>seos, o cérebro pôde conquistar o máximo espa ço possível, originando uma</p><p>expansão em leque, que arrastou anteriormente o lóbulo frontal e pos‐</p><p>teriormente o lóbulo occipital, permitindo o alar gamento da área associativa</p><p>parietotemporal de onde emergiu a própria linguagem, segundo Lenneberg</p><p>e Geschwind (área associativa das áreas associativas de Pilbeam).</p><p>Para termos uma noção do grau de expan são cerebral que se deu entre</p><p>os primatas e o Homem, basta referir que o volume médio do cérebro</p><p>humano está calculado em 1.400cm3, quando o do gorila é de 500cm3 e o</p><p>do chimpan zé não passa de 400cm3.</p><p>Convém, no entanto, lembrar Pilbeam, quando nos diz que a expansão</p><p>do cérebro hu mano não foi acompanhada no número de célu las nervosas,</p><p>a�rmando que existem apenas mais 25% de células nervosas no Homem,</p><p>relativa mente ao chimpanzé.</p><p>Mas, continuando a tomar como referência Pilbeam, é importante que</p><p>se re�ra que os neurô nios humanos são maiores, mais complexos, com</p><p>prolongamentos mais extensos e com uma densi dade celular inferior à dos</p><p>pongídeos, não esque cendo o aumento do número de nevróglias no cé rebro</p><p>humano. Porém, a grande diferença entre o cérebro humano e o cérebro dos</p><p>primatas ou dos gol�nhos não é um problema de quantidade de neu rônios</p><p>ou de volume, mas basicamente um proble ma de organização interna, nas</p><p>inter-relações en tre as várias áreas, na e�ciência bioquímica e</p><p>neuroendócrina e nas multiconexões entre os vári os blocos funcionais. O</p><p>resultado da �logênese da motricidade não é a expansão do cérebro, mas</p><p>sim a sua reestruturação.</p><p>É dentro desta constelação de revoluções morfofuncionais que a</p><p>�logênese do cérebro deve ser compreendida, pois só assim podemos</p><p>equaci onar que as transformações são resultantes da antropogênese, que</p><p>compreende três aquisições de grande importância: aprendizagem (a</p><p>maioria dos comportamentos hominídeos é aprendida), fabrica ção de</p><p>instrumentos e linguagem.</p><p>Qualquer destes aspectos re�ete-se na ex pansão “organizada” do</p><p>cérebro, e todos eles têm em comum um processo neurológico que os expli‐</p><p>ca, ou seja, a consequência significativa das ações que os justi�cam.</p><p>Quer a prendizagem simbólica ou não sim bólica, quer a linguagem</p><p>verbal ou não verbal, quer a fabricação de instrumentos simples ou</p><p>utilitários, todas exigem que, no cérebro, se or ganizem e se plani�quem as</p><p>ações no espaço e no tempo, pois só assim as mesmas obtêm re sultados,</p><p>satisfazem necessidades e atingem de terminados �ns.</p><p>As ações ou as condutas sucedem-se dentro de uma sequência</p><p>ordenada e previamente planificada e programada.</p><p>A aprendizagem, entendida como mudança estável e permanente de</p><p>comportamento, adqui rida pela experiência, põe sempre em jogo uma</p><p>complicada rede neuronal, garantida por uma ca deia sináptica, por sua vez</p><p>dependente de uma ativação bioquímica mais e�ciente.</p><p>Para que se observe a aprendizagem, é necessário que se estabeleça uma</p><p>conexão entre estímulos (ou situação) e respostas (ou ação-conduta), da</p><p>qual resulta a percepção, só possível pela capacidade seletiva da aten ção, ou</p><p>seja, a concentração em estímulos sensoriais relevantes, eliminando ou</p><p>inibin do os estímulos irrelevantes.</p><p>A possibilidade do cérebro humano de aprender muitas coisas está</p><p>dependente da eliminação de associações ou vias neurológicas inúteis ou</p><p>parasitas. A atividade dos “extraneurônios” pode complicar as associações</p><p>“intraneurônios”, que compreendem a aprendizagem, a não ser que tal</p><p>atividade seja inibida, regulada e controlada. Esta função seletiva re�nada e</p><p>inibitória é a sombra da experiência no meio, a consci ência da ação.</p><p>A experiência cognitiva do ser humano é, pois, o resultado de uma</p><p>hierarquia de aprendiza gens. Ela põe em jogo redes neuronais (network of</p><p>cells assemblies) que recebem, conservam, combi nam, associam e controlam</p><p>a informação.</p><p>Toda esta constelação de ações corticais visa à maturação cerebral</p><p>(formação), que, por inibi ção, regulam, por reaferência, as condutas, isto é,</p><p>as ações voluntárias conscientes (transformação). No Homem, o cérebro,</p><p>antes de ser um instrumento de ação (transformação), tem de ser um</p><p>instrumen to de preparação (informação-formação).</p><p>Fig. 5.24 - Funções cerebrais</p><p>Figura 5.25</p><p>O nascimento do pensamento re�exivo traduz, segundo Sokolov e</p><p>Anokhine, a rela ção entre a mão (aspecto motor) e o cérebro (aspecto</p><p>psíquico) por meio da exploração e da observação visual.</p><p>A re�exão é a consciência da ação retarda da, segundo Piveteau, daí que</p><p>seja possível ao pri mata, em termos rudimentares, e ao Homem, em termos</p><p>complexos, a antecipação da ação, que exi ge uma imagem, que sustenta, em</p><p>nível do cére bro, o projeto (táticas e estratégias) da ação que se prolongará</p><p>por meio da mão.</p><p>Desta combinação entre a ação exterior e a consciência (ação interior),</p><p>emerge “tijolo a tijo lo” a experiência sensório-motora que vai cons truindo o</p><p>“edifício” do pensamento. Às ações ma nuais, correspondem ações cerebrais;</p><p>às coordenações gestuais, correspondem co ordenações cerebrais, que</p><p>equacionam um conjunto de operações practognósicas, que mais não são do</p><p>que o diálogo entre a ação e a consciência, entre a mão e o cérebro. Interação</p><p>é vista como ponto de partida para a edi�cação do pensamento conceitual.</p><p>Fig. 5.26 - Do movimento ao pensamento re�exivo. Das ações à</p><p>sequência dos seus efeitos. Ação e representação corolário um do outro.</p><p>A linguagem é, como a ação, um sistema se quencial signi�cativo,</p><p>característico da espécie (CHOMSKY e LENNEBERG), pois compreen de</p><p>uma ordenação e uma relação de elementos vocais que em si lhe dão</p><p>signi�cado. Se alterar mos a sequência das letras em uma palavra, quer</p><p>falada, quer escrita, alteramos o seu signi�cado (braco em vez de barco etc.).</p><p>A linguagem não é apenas um sistema de combinação, é, antes, um sistema</p><p>de relação que tem a sua origem na soci edade. É a relação dos elementos</p><p>que, em con junto, dão signi�cado à palavra. Segundo Vygotsky, não é um</p><p>som qualquer, é, sim, uma sequência de sons que lhe confere o signi�cado</p><p>que se edi�ca a partir da tendência gregária do Homem. Não se trata de um</p><p>som ou de um con junto de sons arbitrários e vazios. O signi�cado das</p><p>palavras é o seu componente indispensável, e esse componente é</p><p>basicamente uma sequência fonética ordenada, reestruturada e codi�cada</p><p>so cialmente. Como diz Chomsky, a competência linguística se refere a uma</p><p>capacidade de aplica ção de regras, e esta volta a ser uma sequência</p><p>signi�cativa de unidades ordenadas sistematica mente.</p><p>Independentemente de não subsistirem da dos paleontológicos da</p><p>linguagem, convém fri sar que a linguagem articulada é possível por cin co</p><p>razões biológicas fundamentais, como nos indica Lenneberg:</p><p>1a - redução da dentição;</p><p>2a - diminuição dos caninos;</p><p>3a - encurtamento e hipermobilidade da língua; 4a - aumento do</p><p>espaço bucal vibratório;</p><p>5a - um quarto da superfície cortical que re presenta o corpo é ocupado</p><p>pelos neurônios que controlam a língua, os lábios e a faringe.</p><p>Fig. 5.27 - O Girys angular representa uma área de associação viso-</p><p>auditiva e tátil-cinestésica. A mielinização desta área é mais lenta e</p><p>corresponde ao período pré-operacional de Page, compreendendo a fase</p><p>da linguagem falada.</p><p>Segundo uma perspectiva integrada, a evolução da linguagem obedece</p><p>ao seguinte quadro:</p><p>Grupos</p><p>Fósseis</p><p>Evolução antropológica da linguagem</p><p>Utilização de</p><p>objetos Pensamento Expressão oral Estádios da</p><p>linguagem</p><p>Australopitecos</p><p>* Ocasional</p><p>* Percepções</p><p>difusas e</p><p>�siognômicas</p><p>* Sons instintivos</p><p>e inconscientes</p><p>* Estádio de</p><p>precedência</p><p>(expressão</p><p>sintomática)</p><p>visão inconclusa que podemos</p><p>agora apresentar com um mínimo de coerência conceitual e com um mínino</p><p>de unidade dialética.</p><p>Não pretendo avançar com generalizações abusivas nem com</p><p>reducionismos encantatórios. Desejo, fundamentalmente, neste estudo, não</p><p>vulgarizar o lugar do homem na natureza. Por isso, apresento humildemente</p><p>uma abordagem �logenética e ontogenética, rodeada de constela ções</p><p>temáticas, muitas vezes preliminares e ru dimentares, porém su�cientemente</p><p>justi�cadoras para oferecer duas abordagens do desenvolvi mento humano.</p><p>Em ambas as abordagens, está contida uma unidade indispensável e</p><p>recíproca, unidade que este ve na base da minha pesquisa e na base de elabo‐</p><p>ração deste livro. Só dentro de uma leitura com plementar, entre uma</p><p>abordagem bioantropológica (�logênese) e uma abordagem psicobiológica</p><p>(ontogênese), pode-se alcançar o objetivo expresso da minha re�exão. Nas</p><p>duas abordagens, procuro defender a ideia de que o desenvolvimento da cri‐</p><p>ança (ontogênese) recapitula, acelerada e quali tativamente, o</p><p>desenvolvimento da espécie hu mana (�logênese).</p><p>Inicialmente, tento partir da Antropologia Bi ológica na qual procuro</p><p>apenas a�orar a evolução pré-orgânica e orgânica, passando rapidamente</p><p>pela origem das espécies e pela transição que decorre dos animais</p><p>invertebrados aos vertebrados. Para abor dar a motricidade dos animais,</p><p>como comportamento adaptativo por excelência, evoluo em seguida para</p><p>um estudo paleontológico-funcional, a �m de de monstrar o papel daquela</p><p>nas libertações anatômi cas e o papel destas nas modi�cações cerebrais das</p><p>diferentes espécies. Do protozoário ao metazoário, do peixe ao réptil, do</p><p>mamífero ao primata e deste ao Homo Sapiens, tento fornecer dados que</p><p>permi tam visualizar interações endógenas (genótipo) e exógenas (fenótipo)</p><p>que ponham em jogo a relação dialética, invariável e teleonômica dos</p><p>organismos vivos com o seu meio ambiente.</p><p>Com base na Genética, procuro então di mensionar o papel da</p><p>informação e da transdução bioquímica que hierarquiza e controla os fa‐</p><p>tores inatos e adquiridos em todas as espécies, daí resultando em uma</p><p>sequência evolutiva de transformações anatômico-funcionais que culmi nam</p><p>no primata e no homem.</p><p>É no enfoque preferencial das Adaptações Hominídeas que continuo as</p><p>re�exões, sendo abordadas comparativamente as transformações anatômicas</p><p>e as modi�cações cerebrais concomi tantes, na tentativa de enunciar algumas</p><p>relações inequívocas entre o biológico e o social. Além disso, encaro a</p><p>ontogênese da ontogênese como recurso ao desenvolvimento intrauterino,</p><p>passan do pelos períodos pré-embrionário, embrionário e fetal. Na base do</p><p>enfoque embriológico, viso a estudar os axiomas da ontogênese, que, em</p><p>certa medida, fornecem dados ilustrativos da �logênese, duplicando-a e</p><p>(re)representando-a funcional e sistematicamente.</p><p>De modo efetivo, a semelhança do embrião humano com o de várias</p><p>espécies é muito convin cente, pelo menos em determinadas fases da sua</p><p>metamorfose. Técnicas modernas de fotogra�a nos fornecem, hoje, novas</p><p>informações e revelações.</p><p>E �nalizo este livro, abordando os aspec tos relacionados à retrogênese</p><p>da motricidade, vindo a complementar e aprofundar o tema prin cipal desta</p><p>obra.</p><p>Independentemente da enorme complexida de da �logênese e da</p><p>ontogênese, além do desco nhecimento atual de inúmeros processos e</p><p>subprocessos de transformação da forma, da estrutura e da função, minha</p><p>visão integrada do desenvolvimento intrauterino procura interligar este com o</p><p>desenvolvimento extrauterino. Penso que muitos dos processos de maturação</p><p>e de desenvolvimento observados extrauterinamente encontram suas raízes</p><p>no desen volvimento intrauterino, razão pela qual enquadrei este meu</p><p>trabalho nesta linha de exploração.</p><p>Além de o desenvolvimento estar signi�ca mente dependente do plano-</p><p>mestre do ácido desoxirribonucleico (ADN), em termos de herança</p><p>genética, jamais se pode encarar o desenvolvimento humano sem uma</p><p>perspectiva interacionista, onde a herança sociocultural atinge sua</p><p>signi�cação di alética e complementar.O desenvolvimento humano</p><p>compreende todas das mudanças contínuas que ocorrem desde a concepção</p><p>ao nascimento e do nascimento à morte. Neste período, surgem processos</p><p>evoluti vos, maturacionais e hierarquizados, quer em um plano biológico,</p><p>quer em um plano social. A uni dade biossocial é a chave da compreensão da</p><p>dia lética da ontogênese, como nos indicou H. Wallon.</p><p>Partilho a ideia de que o desenvolvimento humano nem é pré-formado</p><p>nem é predetermina do e, Tampouco, pode ser explicado pelos</p><p>“envolvimentalismos” encantatórios ou pelos “determinismos culturais”.</p><p>Repensando a motricidade como produto � nal da evolução, procuro</p><p>lançar subsídios sobre a ontogênese recapituladora da sequência</p><p>�logenética, que objetivamente resume a evolução transiente do zigoto ao</p><p>feto, isto é, o desenvolvimento intrauterino que é estudado pela Embriologia</p><p>Hu mana. Posteriormente, e com base em alguns pro cessos maturacionais,</p><p>abordo a neonatologia e o desenvolvimento biopsicossocial (extrauterino),</p><p>especialmente no que concerne às relações entre o psiquismo e a</p><p>motricidade.</p><p>O ser humano se constrói como um ser soci al. Sem a presença do</p><p>adulto socializado, o recémnascido não responde às suas necessidades de</p><p>cres cimento e de desenvolvimento. O social é biológico. Ele é,</p><p>consequentemente, uma condi ção vital e indispensável da ontogênese. O</p><p>bioló gico não se opõe ao social, pois os dois fatores não se reduzem um ao</p><p>outro e não são sequer incom patíveis. O biológico e o social coexistem</p><p>dialeticamente, daí a razão de a criança ser observada no nosso estudo</p><p>segundo uma ótica que a considera um ser social e um ser biológico</p><p>simultaneamente.</p><p>Sem perder de vista esses princípios do desen volvimento humano,</p><p>minha análise da ontogênese se particulariza, por agora, em nível biológico,</p><p>por meio de um enfoque preferencial de sentido “walloniano”.</p><p>Em outras palavras, e dada a condição inici al do recém-nascido de</p><p>nidícola e não de nidífuga, a motricidade humana não é imediata nem</p><p>progra mada. A criança é “agida” por outros, antes de se autolocomover e</p><p>automexer, daí a raiz exógena e a origem social da motricidade humana. O</p><p>outro não é uma condição exomotora; antes de tudo, a con dição</p><p>endomotora (imprinting) é que gera a histogênese do Eu.</p><p>Desejo desenvolver minha dimensão da ontogênese da motricidade</p><p>como um processo seme lhante ao da apropriação histórico-social e socio‐</p><p>cultural, porque penso que o desenvolvimento da motricidade da criança</p><p>depende fundamentalmen te da motricidade (conduta) do adulto.</p><p>Fiel a esses princípios interacionistas e dia léticos, nos quais desenrolo</p><p>tal abordagem, apre sento, a seguir, re�exões entre a motricidade e o</p><p>desenvolvimento psicobiológico, equacionadas segundo uma certa</p><p>sequência simpli�cada. No en volvimento da mão, pré-estruturam-se os</p><p>re�exos, ou seja, a memória da espécie. No envolvimento com a família,</p><p>desenvolvem-se as primeiras aquisições motoras e linguísticas. No</p><p>envolvimento com a socieda de, evoluem as primeiras aquisições</p><p>psicomotoras e psicolinguísticas.</p><p>A evolução da motricidade exige efetivamen te um certo tipo de</p><p>“ecossistemas amnióticos”. Ainda nesse parâmetro de análise, evoluo em</p><p>uma abordagem comportamental, onde encaro o com portamento como</p><p>uma relação inteligível entre a situação e a ação (motricidade).</p><p>Psiquismo e motricidade são posteriormen te encarados como</p><p>irredutíveis, mediatizados pela função tônica, ontem e hoje um campo de</p><p>estudo pouco aprofundado. Por isso, tento avançar com uma abordagem</p><p>neurobiológica da tonicidade, da atitude e da equilibração bípedes.</p><p>Mais detalhadamente, prolongo o estudo da ontogênese da motricidade</p><p>com o desenvolvimen to postural e o desenvolvimento da preensão, es‐</p><p>sencialmente apresentados segundo as visões ini ciadas por H. Wallon e</p><p>Ajuriaguerra.</p><p>Por último, em uma tentativa mais prática pedagógica, apresento 12</p><p>escalas de desenvolvimen to com áreas neurológicas, sensórias, perceptivas,</p><p>psicomotoras, auditivo-verbais, viso-motoras e socioemocionais</p><p>* Rudimentar * Ampliação</p><p>perceptivomotora</p><p>* Sinais</p><p>semiinconsciente</p><p>* Plebe Cultura</p><p>(madeira e</p><p>ossos)</p><p>* Inteligência</p><p>sensório-motora</p><p>* Sons</p><p>diafragmáticos</p><p>Pitecantropos</p><p>* Indústria da</p><p>pedra</p><p>* Conceitos</p><p>primários * Gritoschamada * Pré-estádio</p><p>* Indústria</p><p>acheniense</p><p>* Pensamento</p><p>mitológico</p><p>* Articulação</p><p>gutural médio</p><p>lingual</p><p>* Linguagem primária</p><p>(gestual)</p><p>* Indústria</p><p>Masturiense</p><p>* Conceitos</p><p>difusos</p><p>*</p><p>Palavrapreposição</p><p>* Integração auditivo-</p><p>motora</p><p>* Especialização</p><p>técnica</p><p>* Articulação</p><p>bucal</p><p>* Ideogra�a</p><p>Neanderthalenses</p><p>* Paleolítico</p><p>superior</p><p>* Conceitos</p><p>diferenciados</p><p>* Indiferenciação</p><p>semântica</p><p>* Linguagem</p><p>articulada pré-verbal</p><p>* Fogo * Racionalização * Pronúncia pós-</p><p>lingual</p><p>* Integração auditivo-</p><p>verbal</p><p>* Metalurgia * Conceitos</p><p>uni�cados * Palavras simples</p><p>Como acabamos de ver, a linguagem está de pendente da associação</p><p>funcional de várias áreas do cérebro, que passam a estar ligadas por meio de</p><p>equiva lentes interneurossensoriais (MYKLEBUST). A simples nomeação de</p><p>objetos envolve a ligação e a associa ção entre a experiência (visual e</p><p>cinestésica) e a ex pressão verbal, sendo só possível depois de uma re cepção</p><p>auditiva.</p><p>Fig. 5.28 - O neocórtex do Homem (por fora) e o do macaco (por dentro).</p><p>As regiões primárias expandem-se e conquistam regiões associativas</p><p>fundamentais à produção do trabalho (motricidade ideacional) e à</p><p>linguagem (instrumento do pensamento).</p><p>A linguagem é um produto do cérebro e da organização social que</p><p>permite, além de outras aquisições, generalizar e compreender códigos lin‐</p><p>guísticos hierarquizados.</p><p>Todos estes comportamentos, embora ru dimentares, são</p><p>experimentados por primatas já portadores de musculatura facial</p><p>expressiva, como provam as experiências dos Hayes (1955) e dos Gardners</p><p>(1969), demonstrando que estes animais já possuíam aquisições organizadas</p><p>em uma sequência signi�cativa.</p><p>A linguagem, antes de ser um produto do cérebro, é um corolário da</p><p>motricidade ou da experiência social e colaboral, na medida em que a</p><p>sequencialização signi�cativa das ações já está contida na motricidade do</p><p>primata e do hominídeo. A caça, por exemplo, é uma mani festação de</p><p>cultura que exige: plani�cação, com portamento cooperativo, organização e</p><p>coorde nação de atividades econômicas e diferenciadas nos dois sexos etc.</p><p>Esquema 5.2</p><p>A fabricação de instrumentos, como a lingua gem por outro lado, é uma</p><p>atividade e uma motricidade hierarquizada; por isso, um cérebro que é</p><p>capaz de produzir objetos utilitários também gera a linguagem.</p><p>Destacamos estes aspectos aqui, na medida em que o trabalho</p><p>(atividade colaboral), como forma de controle do real, transformou o</p><p>macaco em homem, pois, só por ele, o Homem, podia-se manter vivo.</p><p>O trabalho, e a consequente fabricação de instrumentos, necessários</p><p>para a caça, por exem plo, só pode ser explicado em termos de sobrevi vência</p><p>(nutrição), razão por que a organização so cial e a linguagem dele emergem.</p><p>O trabalho, grande arquiteto da consciên cia humana, desencadeia as</p><p>funções extrabiológicas e culturais: da caça, da linguagem, da fabri cação de</p><p>instrumentos, da divisão do trabalho entre os sexos, do domínio do fogo, da</p><p>cooperação, da formação da família, do domínio da alimentação, das</p><p>primeiras relações com a terra (agricultura), da domesticação de animais, da</p><p>�xação da territorialidade, das proibições do incesto, das regras exogâmicas,</p><p>da sistematização das condutas, da conservação, do armazenamento dos</p><p>produtos do trabalho e da experiência etc.</p><p>Esquema 5.3</p><p>Em uma palavra, o trabalho gera a cultura, razão material</p><p>predominante da expansão cere bral, com todas as suas ilimitadas</p><p>capacidades e aptidões biológicas, natural e dialeticamente de pendentes de</p><p>uma organização social cada vez mais complexa.</p><p>O comportamento social compreende o úl timo degrau da inteligência</p><p>humana, que resultou de bases biológicas que, em termos �logenéticos, se</p><p>foram diferenciando a partir da experiência no meio (motricidade).</p><p>Temos aqui, em resumo, a harmonia dialéti ca entre os fatores</p><p>biológicos e os fatores sociais. De fato, é incognoscível e impraticável separar</p><p>o biológico do social.</p><p>Chegamos, �nalmente, ao último aspecto do antropomor�smo, e,</p><p>assim, damos por concluída a análise da �logênese da motricidade.</p><p>REDUÇÃO DO NÚMERO DE DESCENDENTES POR</p><p>NASCIMENTO, DEPENDÊNCIA MATERNAL E ORGANIZAÇÃO</p><p>SOCIAL</p><p>Se a proteção de uma cria é particularmente difícil e complicada em</p><p>uma árvore, mais di�cil seria a criação de mais descendentes. Daí uma ex‐</p><p>plicação natural da tendência dos primatas para não terem, por nascimento,</p><p>mais de um descendente.</p><p>Este “simples” fato biológico deu origem a consequências de ordem</p><p>evolutiva muito pro fundas. Dado que não subsiste uma gravidez múltipla, os</p><p>embriões não necessitam de “com petir” seletivamente, e, por via desse fato, a</p><p>len tidão de maturação intrauterina e extrauterina põe em causa a proteção</p><p>maternal como dispo sitivo de sobrevivência.</p><p>O processo de maturação do primata e do Homem é lento e</p><p>dependente, o que origina a pro teção e o envolvimento maternal, base</p><p>biológica da organização social dos primatas e do Homem.</p><p>Com um processo de maturação tão pro longado, dão-se dois</p><p>fenômenos biossociais mui to importantes: a aprendizagem e a socialização.</p><p>A proteção às crias e a sua criação são a razão de ser de um dado núcleo ou</p><p>grupo de primatas e de hominídeos, estando em causa a continui dade da</p><p>linhagem.</p><p>O núcleo familiar com um adulto macho e um adulto fêmea em um</p><p>“casamento formal” (DE VORE) caracteriza a organização social dos</p><p>primatas, principalmente quando a atividade exclu siva é a caça. Desde o</p><p>babuíno aos gorilas e che gando ao Homem, a estabilidade temporária das</p><p>relações entre macho e fêmea e fêmea e crias é uma constante em todos os</p><p>primatas e no Ho mem, embora a relatividade cultural do problema mereça</p><p>ser respeitada.</p><p>A relação entre mãe e �lho, entre os primatas, é a mais duradoura no</p><p>reino animal, daí a im portância do período de aprendizagem e de prepa‐</p><p>ração para a vida adulta, que materializa o processo de socialização,</p><p>caracterizado pelo jogo e pela imi tação, comportamentos indispensáveis</p><p>para a pre paração e a apropriação das aquisições manifesta das pelos adultos</p><p>do grupo, que tendem a ser facilitadas por aprovação e reforço social.</p><p>É dentro destas condições que se opera a “�logênese da socialização”,</p><p>onde se forjam os comportamentos cooperativos, a rejeição de com‐</p><p>portamentos agressivos arbitrários e esporádicos, a sustentação da</p><p>motivação, o desenvolvimento de laços afetivos, a utilização e a fabricação</p><p>de obje tos e a apropriação da linguagem maternal.</p><p>Efetivamente, o comportamento cooperati vo e a organização social</p><p>consequente da sociedade que vive da caça (hunting society) originam a</p><p>separa ção das funções sexuais entre os caçadores e os armazenadores e o</p><p>aparecimento de regras de casa mento exogâmico, as diferentes dimensões</p><p>religiosas, a relação social e econômica entre diferentes ban dos etc., ou seja,</p><p>o reconhecimento de uma relação histórico-social, onde os fenômenos de</p><p>comunicação e responsabilidade social e o desenvolvimento tec nológico</p><p>assumem papel de relevo.</p><p>A experiência acumulada e a transmissão de valores culturais vão</p><p>explicar, por um lado, a im portância do trabalho e, por outro, o papel</p><p>relevante da linguagem, que, como já vimos anteriorgeneralização,</p><p>abstração, dedução, memorização, mente, dependem estruturalmente da</p><p>�logênese orientação e plani�cação, ao mesmo tempo que da motricidade.</p><p>promove o desenvolvimento dos órgãos dos senti-</p><p>Em resumo, o trabalho, como já o dissemos, inclui uma evolução</p><p>somática e uma evolução psíquica. Uma envolve as libertações corporais, a</p><p>outra compreende as libertações cerebrais.</p><p>O desenvolvimento cerebral decorre de funções que têm de ser postas</p><p>em jogo no trabalho: generalização, abstração, dedução, memorização,</p><p>orientação e plani�cação, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento</p><p>dos órgãos dos sentidos: visual, auditivo e tátil-cinestésico.</p><p>Esquema 5.4</p><p>Esquema 5.5</p><p>É fácil ver que o</p><p>trabalho é a �nalidade da aprendizagem e da</p><p>socialização e, por conse guinte, a fonte de toda a riqueza grupal. Repre senta</p><p>o nível mais elevado de libertação alcan çado pelo biológico, permitindo a</p><p>transformação do real e do social.</p><p>A dependência biológica do trabalho, quan to à �logênese da</p><p>motricidade (principalmente a libertação da mão e as condições de</p><p>reprodução), e a dependência social do trabalho combinam-se em uma</p><p>dialética inacabada que, em síntese, ex plica a Cultura e a Civilização.</p><p>A mão, como órgão de trabalho e como seu produto, adquire funções</p><p>de apropriação e contro le da realidade. A mão, ao enriquecer-se com um</p><p>diferenciado sistema tátil-cinestésico, a que cor responde, em espelho, uma</p><p>complexa área de as sociação cerebral interneurossensorial, alcança o mais</p><p>alto a�namento práxico e a mais aperfeiçoa da instrumentalidade de</p><p>expressão, como se veri �ca na arte ou na criação cientí�ca.</p><p>Só por meio da produção de valores e de instrumentos, podem-se</p><p>compreender a existên cia de mercado e as primeiras formas de utiliza ção e</p><p>de troca, condição indispensável para a expansão da cultura e para o</p><p>desenvolvimento e o progresso dos povos, como nos explicaram M. Mauss e</p><p>Levi-Strauss.</p><p>A descoberta do Homem como ser trabalha dor é um dos grandes</p><p>acontecimentos do pensamen to contemporâneo. O trabalho é a fonte de</p><p>relações sociais, econômicas e culturais, é o meio indispen sável pelo qual o</p><p>Homem luta contra a raridade natural. É no e pelo trabalho que se</p><p>organizam as relações entre Homem e Homem (aspecto social) e Homem e</p><p>Natureza (aspecto biológico).</p><p>Como nos assegura Marx, o trabalho con tém o sentido material das</p><p>relações humanas. Tal relação, exatamente nascida da função práxica (a</p><p>função transformadora da �logênese da motricidade) e da função</p><p>fabricadora, é inerente ao pró prio Homem. É essa função que explica,</p><p>funda mentalmente, toda a sua evolução histórico-social. Só o trabalho une o</p><p>Homem ao seu envolvimento natural, onde a resistência deste é um apelo</p><p>para aquele.</p><p>O Homem atingiu o nível mais alto da �logênese da motricidade, isto é,</p><p>a capacidade de fa bricar um instrumento socialmente útil. O instru mento,</p><p>como produto de uma consciência, re�ete não só um tipo especial de</p><p>organização social mas também o próprio despertar da palavra.</p><p>O Homem não se contenta em adaptar-se ao meio, transforma-o e</p><p>transforma-se. Trans forma a Natureza e transforma a sua natureza. O</p><p>trabalho é a produção do Homem e das suas representações. Do ato ao</p><p>pensamento, do ges to à palavra, interpõe-se o trabalho, isto é, a produção de</p><p>instrumentos e de valores, por meio do qual o Homem ultrapassa os seus</p><p>limi tes biológicos e alcança domínios extrabiológicos: religião, dança, moral,</p><p>justiça, arte, ciên cia etc. em uma: palavra a Cultura, que, por de�nição, é</p><p>impossível sem uma libertação bi ológica que a antecedeu.</p><p>A grande dicotomia entre o instinto e a apren dizagem e entre o</p><p>genótipo e o fenótipo já não se justi�ca. Todos os comportamentos, mesmo</p><p>os mais básicos, independentemente de serem deter minados geneticamente,</p><p>requerem grandes perío dos de aprendizagem.</p><p>Os fundamentos gerais da ciência do Ho mem não podem opor a</p><p>�logênese da motricidade à ontogênese da motricidade, o biológico ao</p><p>sociológico, na medida em que o social está ins crito no biológico.</p><p>Daqui há a necessidade de compreender mos o ser humano na sua</p><p>evolução, como um animal vertebrado, mamífero placentário que re sultou</p><p>da evolução dos primatas. Portador de um extraordinário desenvolvimento</p><p>cerebral, condicionado pela �logênese da motricidade, mas sem</p><p>especializações biológicas (generaliza as especializações dos outros animais),</p><p>o Ho mem foi capaz de conceber e fabricar instru mentos, dispor de uma</p><p>marcha bípede e se co municar com os seus semelhantes por meio da</p><p>linguagem articulada.</p><p>O Homem é o resultado de uma totalidade biossocial, isto é, o corolário</p><p>de uma totalidade �logenética e ontogenética.</p><p>Esta abordagem, intencionalmente inacaba da, contém abordagens</p><p>pouco profundas em um plano interdisciplinar. Estando consciente dos seus</p><p>limites cientí�cos, no entanto, procuro combater o tradicional reducionismo</p><p>abusivo, que tende a separar os diversos ramos do conhecimento e im pedir</p><p>o estudo do ser humano naquilo que ele é, quer na sua essência, quer na sua</p><p>evolução.</p><p>Que �que mais ou menos claro que um estu do sobre o</p><p>desenvolvimento da criança não pode �car separado do estudo</p><p>antropológico do ser hu mano como totalidade biopsicossocial.</p><p>Esta perspectivação integrada no desen volvimento humano é ainda</p><p>demasiado rara para dela se recolherem aqui dados concretos e signi‐</p><p>�cativos. Desejamos, no entanto, desa�á-la, lan çando neste trabalho</p><p>algumas ideias e re�exões, pretendendo defender um princípio evolutivo</p><p>fundamental: a motricidade não é senão o alicerce co mum e original de onde</p><p>emergiu a filogênese e a ontogênese cerebral.</p><p>Esquema 5.6</p><p>Esquema 5.7</p><p>Quadro 5.2 - Adaptações entre os primatas e o homem</p><p>TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS EM UMA PERSPECTIVA</p><p>DIALÓGICA ENTRE O “NORMAL” E O “DESVIANTE”</p><p>Tendências �logenéticas</p><p>Dados Paleontológicos Funcionais</p><p>Conhecer os segredos do desenvolvimento humano passa por se tentar</p><p>equacionar qual o pro pósito da Evolução e qual sua essência pretérita, pois</p><p>daí poderá emergir uma perspectiva do futuro da espécie e,</p><p>consequentemente, do desenvolvi mento da criança.</p><p>As visões biológicas reducionistas, as quais P. Weiss (1971) faz</p><p>referência, não satisfazem a compreensão dos micromundos e dos</p><p>macromun dos da Evolução, onde se cruzam inúmeros con ceitos</p><p>transdisciplinares que se orientam e conver gem para uma totalidade</p><p>estrutural com que se tem de conceber hoje a Teoria Sintética da Evolução.</p><p>Cerca de 40.000 genes, que constituem o pa trimônio genético da nossa</p><p>espécie, com que se con tinua a perpetuar e a reduplicar (CRICK, WATSON</p><p>e WILKINS, 1975) uma certa direcionalidade, ou mesmo até, uma certa</p><p>intencionalidade (o “desíg nio teleonômico” de Monod, 1970), o propósito da</p><p>Evolução sugere adaptações intencionais que foram produzidas pela</p><p>Natureza (processo que Darwin, em 1872, denominou “seleção natural”),</p><p>retendo e mo delando traços adaptativos favoráveis à sobrevi vência.</p><p>(WADDINGTON, 1957, e DO- BZHANSKY, 1967)</p><p>Com Mendel (1866), e mais tarde com De Vries (1900), descobriu-se</p><p>experimentalmente o mecanismo da hereditariedade cujas mutações, ins‐</p><p>truções abertas e recombinações poligenéticas per mitiram não</p><p>consubstanciar uma concepção de origem súbita, mas sim a ocorrência de</p><p>profundas refundições no genoma com consequentes rearranjos</p><p>cromossômicos com componentes adaptativos novos, ilustrando, de fato,</p><p>que a própria Natureza contém um propósito evolutivo. (GOULD, 1977)</p><p>Dentro de tais componentes, o cérebro é con siderado o órgão mais</p><p>organizado dos organismos (“o órgão da Civiliação” para Vygotsky, 1930) e,</p><p>em termos evolutivos, o órgão por excelência para lidar intencionalmente</p><p>com o envolvimento.</p><p>É a especi�cidade e a complexidade que o cérebro adquiriu ao longo da</p><p>sua interação histórico-evolutiva, desde o diminuto cérebro dos ani mais</p><p>mais simples ao cérebro humano hipercomplexo de cerca de 1.350 gramas,</p><p>atingido em apenas 10.000 anos em uma dimensão temporal calculada em</p><p>seis bilhões de anos, que se deve à grande aventura da evolução do ser</p><p>humano, con siderado, para todos os efeitos, o verdadeiro “ver tebrado</p><p>dominante”.</p><p>De acordo com Hubel (1979), o cérebro alar ga-se progressivamente nos</p><p>vertebrados. Os ver tebrados inferiores possuem cérebros pequenos</p><p>tubulares e lisos, mas as espécies superiores ad quirem muitas</p><p>circunvoluções, e o cérebro tornase mais esférico, sobrepondo o cerebelo.</p><p>Fig. 5.29 - Ao longo da evolução, em termos relativos, o tamanho da face</p><p>diminui enquanto o tamanho do cérebro aumenta.</p><p>O Homem, produto da evolução, a meio ca minho entre os deuses e os</p><p>animais, como assegu rava Plotino, composto de cerca de 60.000 milhões de</p><p>células que cumprem cerca de 200 funções, tem nele impresso, em termos</p><p>darwinianos, “o cunho indelével da sua origem inferior”.</p><p>O Homem (fully upright tool-user, Simpson, 1973), como singular e</p><p>único entre os animais, ver dadeiro explorador da Natureza, não só se adap‐</p><p>tou a todos os envolvimentos mas também produ ziu neles inúmeras</p><p>mudanças, transformando-os com a sua imaginação e com a sua</p><p>neomotricidade plani�cada, pensada e baseada na bigorna da ex‐</p><p>perimentação, tendo acrescentado ao mundo na tural um mundo</p><p>civilizacional. Dispondo de adap tações extragenéticas, isto é, aquisições</p><p>aprendidas de onde emerge a sua evolução cultural, segundo Sarnat e Netsky</p><p>(1981), o ser humano, pobre em instintos (evolução biológica) e rico em</p><p>plasticida de adaptativa, não está sujeito nem condenado a uma programação</p><p>inata.</p><p>O paradoxo do seu sucesso adaptativo não está em uma herança inata,</p><p>mas sim em uma he rança adquirida, dado que as suas condutas são mais</p><p>condicionadas pelas respostas aprendidas por tradição, mediatização e</p><p>memória acumuladas, do que por reações predeterminadas. (MONTAGU,</p><p>1964, e FEUERSTEIN, 1984)</p><p>O Homem não aceitou o seu envolvimento inicial, ele mudou todos os</p><p>envolvimentos por onde passou e �xou-se, por meio da sua motricidade</p><p>práxica. Com as suas invenções, refez, refaz e re fará o seu envolvimento,</p><p>pondo em marcha uma evolução não biológica, mas sociocultural.</p><p>O Homem é eminentemente um ser �exí vel, educável e sociável. A sua</p><p>biologia é insu� ciente para explicar tudo aquilo que fez e faz, na medida em</p><p>que é, ao mesmo tempo, agente e pro duto de cultura.</p><p>Fig. 5.30 - A evolução biológica favoreceu o aumento do tamanho do</p><p>cérebro, e a evolução cultural, que se lhe seguiu, favoreceu a sua</p><p>complexidade funcional decorrente de inúmeras e novas interações com</p><p>o envolvimento.</p><p>Em sintese, a humanação (SACARRÃO, 1989) e a escalada do Homem</p><p>(BRONOWSKI, 1973) revelam que os seres humanos e os seus cérebros se</p><p>desenvolveram em paralelo.</p><p>Leroi-Gourhan (l964) e Pilbeam (1970) apre sentam nesta linha de</p><p>pensamento uma hierarquiza ção morfológico-motora dentro dos</p><p>vertebrados que re�ete uma concomitante organização cerebral e, em certa</p><p>medida, uma paleontologia funcional da motricidade consubstanciada na</p><p>seguinte progressão:</p><p>• Ictiomorfismo (equilíbrio no meio aquático característico da</p><p>motricidade dos peixes);</p><p>-Anfibiomorfismo (libertação do meio aquáti co característico da</p><p>motricidade dos anfíbios);</p><p>• Sauromorfismo (libertação da cabeça carac terística da motricidade</p><p>dos répteis);</p><p>• Teromorfismo (locomoção quadrúpede carac terística dos mamíferos);</p><p>• Pitecomorfismo (quadrumania, braquiação e postura de sentado,</p><p>característica dos primatas); e �nalmente</p><p>• Antropomorfismo (postura bípede e liberta ção da mão, característica</p><p>do ser humano).</p><p>Esta progressiva diferenciação funcional da motricidade (FONSECA,</p><p>1989) sugere não só a emergência de transformações anatômico-funcionais,</p><p>mas igualmente o surgimento de comple xas transformações organizativas e</p><p>de sistemas funcionais cerebrais que são o corolário da evo lução que vai do</p><p>peixe ao Homem. Nesta pers pectiva, a evolução triunfante do cérebro</p><p>encon tra-se imperiosamente dependente das libertações corporais, como</p><p>que pré-�gurando um dado paleontológico de todos os vertebrados, isto é, a</p><p>evolução da motricidade precedeu a evolução dos sentidos e a evolução do</p><p>cérebro.</p><p>Por um lado, a complexidade da motricidade (output) e, por outro, a</p><p>complexidade da sensibili dade (input), ambas tendem, interativa e</p><p>dialeticamente, a ampliar em todos os vertebrados a capa cidade de utilizar</p><p>os recursos ecológicos, originando, por consequência, um sistema</p><p>organizativo e elaborativo cada vez mais evoluído.</p><p>O registro fóssil dá-nos indicações de que todo o vertebrado, extinto ou</p><p>existente, do mar ou da terra, pode remontar aos peixes blindados de‐</p><p>nominados crossopterígeos (exemplo do Crossopterígeo latiméria</p><p>representante atual existente na África do Sul, revelando a transformação</p><p>adaptativa das barbatanas em patas primitivas, de onde saíram rami�cações</p><p>dos primeiros anfíbios e dos primeiros répteis (LEROI-GOURHAN, 1964 e</p><p>LE GROS CLARK, 1971). Répteis mamiferiformes, desenvolvendo uma</p><p>postura soerguida, uma motricidade versátil que produz calor e sangue</p><p>quen te e protegendo as crias com cuidados parentais, puseram em jogo uma</p><p>estratégia evolutiva para a manutenção da espécie muito bem aprendida pe‐</p><p>los mamíferos e pelos primatas.</p><p>Apesar da diversi�cação evolutiva, os fós seis permitem desenhar as</p><p>especializações adaptativas estáveis e transicionais ao longo de gran des</p><p>períodos de tempo com base no carbono 14, no conteúdo de �uorina e de</p><p>outros métodos so �sticados de datação. Tais fragmentos distorci dos por</p><p>pressões ou fraturas que sugerem estru turas e totalidades esqueléticas das</p><p>partes duras (e, eventualmente, utensílios) possibilitam infe rências e</p><p>eduções características das partes mo les (cérebro), por serem evidências</p><p>singulares e registros (fóssil record) particulares da história da vida dos</p><p>vertebrados e da existência humana. (DUBOIS, 1937; BROCA, 1869;</p><p>HUXLEY, 1894; TEILHARD CHARDIN, 1959 e BRONO WSKI, 1973)</p><p>Os fósseis continuam sendo a visão dinâmi ca e plausível do passado,</p><p>como atesta a relevân cia dos achados de Dart (1925) e Broom (1938), com o</p><p>“bebê de Taung” (“Taungs baby”) e de Jo hanson e Schüster (1981), com os</p><p>fragmentos elu cidativos das adaptações hominídeas de “Lucy”.</p><p>Haeckel, biólogo alemão, desenvolveu nos seus livros: Morfologia Geral</p><p>(1866) e História da Criação (1876) a �loso�a do progresso cósmico e a ideia</p><p>imprecisa, embora popularizada, de que a ontogênese recapitula a �logênese</p><p>com base na embriologia. Nos nossos dias, Prechtl (1981) substi tui o termo</p><p>“recapitula” por “revela”, dando outra transcendência ao fascínio da</p><p>reconstrução deta lhada da história da vida.</p><p>Gould (1977), repensando estas teorias �logenéticas, dá relevo a dois</p><p>conceitos fundamentais: heterocronia e paidomorfose. Na heterocronia, des‐</p><p>tacam-se as mudanças que se operam no tempo com a emergência de</p><p>caracteres e com uma periodicida de relativa de padrões de conduta já</p><p>existentes nos ascendentes. Quando à paidomorfose, evoca a im portância de</p><p>traços jovens nos descendentes dos adultos, algo que, para o mesmo autor,</p><p>são demons trativos de uma certa recapitulação que puxa por adaptações</p><p>adultas para os estágios progressivos ontogenéticos dos descendentes.</p><p>É hoje consensual no seio dos grandes teóri cos do desenvolvimento</p><p>humano avançar-se, já que a ontogênese e a socialização estão fundidas na</p><p>realização do ser humano. A ontogênese traduz o conjunto de</p><p>transformações embrionárias e pósembrionárias pelas quais passa o</p><p>organismo verte brado desde a fase do ovo até a forma adulta. (GOULD,</p><p>1977)</p><p>As mudanças evolutivas expressam-se na ontogenia e,</p><p>consequentemente, a informação �logenética tem de residir no</p><p>desenvolvimento dos indivíduos. Para o mesmo autor, as mudanças evo‐</p><p>lutivas no tempo produzem paralelismos entre es tágios ontogenéticos e</p><p>�logenéticos.</p><p>A questão essencial é saber se a evolução as cende, �logeneticamente ou</p><p>não, a partir do animal até o Homem. Uma vez que se torna impossível ter</p><p>acesso a este fenômeno, apenas podemos visualizar uma ocorrência similar</p><p>no estudo ontogenético.</p><p>Efetivamente, o Homem é o produto simul tâneo do biológico e do</p><p>social, uma síntese dialéti ca de natura e cultura, como nos elucidaram</p><p>Vygostky (1930) e Wallon (1968, 1970).</p><p>O ser humano nasce com um cérebro menor que muitos animais,</p><p>ilustrando uma tendência evo lutiva deveras signi�cativa (PEIPER, 1963).</p><p>Qual o signi�cado �logenético de se partir de uma infe rioridade complexa?</p><p>Por que é que as novas faculdades se desenvolvem a partir das antigas e se</p><p>tor nam rudimentares? Por que é que, do nascimento à vida adulta, o peso do</p><p>cérebro aumenta somente quatro vezes, quando o peso do corpo aumenta</p><p>cerca de 21 vezes durante o mesmo período? Por que é que somos uma</p><p>espécie que começa a andar em quatro membros, passamos a dois e</p><p>termina mos a andar em três?</p><p>EVOLUÇÃO DA MOTRICIDADE, EVOLUÇÃO DO CÉREBRO E</p><p>HABITAT ESPECÍFICO</p><p>O cérebro, como órgão central da motricidade</p><p>(considerada</p><p>�logenética e ontogeneticamente uma periferia dinâmica), é o mais</p><p>complicado obje to que ciência alguma vez tentou compreender.</p><p>O cérebro assegura em todos os vertebrados o deslocamento do seu</p><p>corpo no seu habitat espe cí�co, ele é, em suma, o resultado da integração de</p><p>vários sistemas motores de complexidade gradual ao longo da evolução.</p><p>A natureza da sua totalidade integrativa resi de na combinatória e na</p><p>transformação informática paralela entre o centro e a periferia, entre o</p><p>cérebro e a motricidade, o que subentende uma aferenciação e acepção de</p><p>retorno (ANOKHINE, 1935), que lhe dá em termos evolutivos uma</p><p>arquitetura cibernética, não linear, mas multirrami�cada, cada vez mais</p><p>com plexa, desde o An�oxo até o Homem.</p><p>Neuroanatomistas, como Bourret e Louis (1983), enquadram a</p><p>evolução do cérebro em subs tratos neurológicos que são responsáveis por</p><p>di versos tipos de motricidade. Ao longo da evolu ção biológica, os músculos,</p><p>além de assegurarem a sobrevivência adaptativa em todas as espécies, ad‐</p><p>quiriram uma função adicional de transmissão de informação que está na</p><p>gênese do cérebro.</p><p>Ao contrário das outras espécies, o ser hu mano tem de aprender a</p><p>aperfeiçoar a maioria dos padrões motores onde o fator ecológico joga um</p><p>papel facilitador relevante.</p><p>A emergência do sistema piramidal (vias corticoespinais, oriundas do</p><p>córtex motor e também do córtex sensorial-parietal) e da área suplementar</p><p>motora que proporcionaram a motricidade preci sa, delicada, seletiva,</p><p>construtiva, intencional, plani�cada e transformadora, decorre,</p><p>efetivamente, da mais viável organização e controle informático-sensorial da</p><p>musculatura de relação, cujas uni dades motoras são altamente</p><p>individualizadas e diferenciadas neurologicamente. Só assim o cére bro</p><p>humano se tornou �logeneticamente em um miraculoso sistema total</p><p>sensório-motor com ili mitados graus de liberdade.</p><p>Para os mesmos autores, a hierarquia ou a integração funcional do</p><p>cérebro re�ete uma orga nização (evolução ou dissolução de H.Jackson,</p><p>1931) pleurineuronal da motricidade, desde a protomotricidade à</p><p>neomotricidade, passando pela arqueomotricidade e pela paleomotricidade:</p><p>• Protomotricidade (subentendendo os substra tos da medula e do</p><p>tronco cerebral com o protocerebelo e os tubérculos quadrigêmios,</p><p>já inerentes aos peixes);</p><p>• Arqueomotricidade (subentendendo o subs trato do mesencéfalo,</p><p>característico dos anfíbios e dos répteis);</p><p>• Paleomotricidade (subentendendo o substra to do diencéfalo, com</p><p>elementos mais integrados e afetivos, com reações emocionais,</p><p>instintos de con servação e de reprodução já característicos dos</p><p>mamíferos e dos primatas); e �nalmente</p><p>• Neomotricidade (subentendendo centros qui néticos corticais e</p><p>neocerebelosos de comando mais evoluídos, com funções</p><p>gnosopsíquicas e áre as motoras suplementares, características</p><p>exclusi vas da espécie humana).</p><p>A neomotricidade, paradigmática da espécie humana, disfuncional no</p><p>momento do seu nasci mento, não é mais do que uma metamotricidade por‐</p><p>tadora de signi�cações que a ultrapassam e trans cendem, pois trata-se de</p><p>um sistema funcional novo com múltiplos processos motores</p><p>hierarquizados, integrados e convergentes (GREENE, 1972), que exige uma</p><p>tomada de consciência (uma vontade) e um sistema de representações, isto</p><p>é, um salto quântico nos sistemas de signi�cantes cujas amplitude e</p><p>complexidade são desconheci das na motricidade animal. (FONSECA, 1989)</p><p>O ser humano com a sua motricidade pen sante serve-se da</p><p>motricidade dos animais, apro veitando as suas funções e atributos para seu</p><p>pro veito próprio, dando origem a um desenvolvimento cultural</p><p>incomparável (HASS, 1987). Com o seu corpo natural, inventou e fabricou</p><p>corpos arti�ci ais, adquirindo órgãos muito especializados que trabalham</p><p>por ele com mais rendimento e e�cácia.</p><p>Os paleontologistas nunca o esqueceram — a motricidade é um traço</p><p>signi�cativo e crucial da evolução do peixe ao Homem. (PIVETEAU, 1973)</p><p>A motricidade é �logenética e ontogeneticamente um fator</p><p>determinante da evolução e, por alguma razão, à área 4 (córtex motor)</p><p>vieram jun tar-se as áreas 6, 8 e 9 (córtex pré-motor), com con sequente</p><p>expansão do lobo frontal em territórios não motores, mas pré-motores ou</p><p>paramotores, substra tos de integração práxica e de plani�cação motora, com</p><p>expansão nas áreas 37, 39, 40, 44, 45 e 46, que constituem também as áreas</p><p>receptivas e oromotoras indispensáveis à linguagem e que são únicas da</p><p>espécie humana.</p><p>Fig. 5.31 - A expansão das áreas pré-motoras ou psicomotoras (áreas 6, 8</p><p>e 9) e da linguagem (37, 39, 40, 44, 45 e 46) são únicas da espécie</p><p>humana.</p><p>A expansão da máteria cinzenta no lobo fron tal marca a evolução do</p><p>Homem de Neanderthal ao Homem Moderno (JASTROW, 1987), onde resi‐</p><p>dem os domínios mais criativos da cognição, como a música, a arte e a</p><p>ciência, dado que neles estão centrados sistemas funcionais conectados com</p><p>to das as unidades funcionais, quer do tronco cere bral, quer dos outros</p><p>lobos, e especialmente dedi cados à atenção voluntária e hipervigilância, à</p><p>expressão de afetos e de emoções, bem como a comportamentos superiores</p><p>de regulação e controle de condutas. (DAMÁSIO, 1979 e LURIA, 1966)</p><p>O cérebro humano atingiu a máxima separa ção estrutural e temporal,</p><p>entre o estímulo e a res posta, entre as gnósias (“imagens motoras” de</p><p>Bernstein, 1967) e as praxias, inibindo a impulsi vidade motora, por ação de</p><p>uma complexa cadeia de decisões, pois transcendeu em muito a ativida de</p><p>re�exa, na medida em que complexi�cou a sua organização interna,</p><p>conferindo à motricidade uma elaboração psíquica superior e uma função</p><p>vicariada e complexa do pensamento. As síndromes disfuncionais frontais</p><p>são, portanto, uma demonstra ção inequívoca. O paciente perde a capacidade</p><p>de elaborar respostas a situações envolvimentais com plexas, como se</p><p>revelam nos casos clínicos de apra xia ideacional e quinética. (DENNY-</p><p>BROWN, 1966)</p><p>A perda da sutileza, da plasticidade e da pro gramação da motricidade</p><p>são também conhecidas nas crianças como lesões ou disfunções cerebrais</p><p>míni mas, clinicamente diagnosticadas como dispraxias, com ou sem</p><p>di�culdades de aprendizagem associa das (FONSECA, 1984). Com apraxias</p><p>ou dispraxias, o Homem Moderno não teria transformado a Natu reza,</p><p>adaptando-a às suas necessidades.</p><p>Da metamerização dos vertebrados inferiores, atinge-se um sistema</p><p>coerente com vias ascendentes, centrípetas e aferentes — sensoriais — e,</p><p>com vias des cendentes, centrífugas e eferentes — motoras — onde os</p><p>sistemas superiores emergem — centros tectais e sobrepõem-se aos</p><p>precedentes, duplicando-os e pas sando a controlá-los, depois de assumirem</p><p>novas pro priedades e atributos funcionais. (JACKSON, 1931)</p><p>As pressões seletiva e adaptativa (reaplicação pre ferencial) são exercidas</p><p>dos peixes aos cordatos (cor da no dorso), de onde emergem os répteis,</p><p>primeiros vertebrados reinantes antes do Homem com o domí nio dos</p><p>Dinossauros (dino do grego terrível, e sauros que signi�ca lagartos),</p><p>enormes animais com gran des corpos e pequenos cérebros como o é o</p><p>exemplo dos Supersauros com um cérebro de 1kg e meio e 100 toneladas de</p><p>peso, daí o seu comportamento tão estereotipado, automático e</p><p>ininteligente, com um repertório de comportamentos pouco �exível, pois a</p><p>maior parte dele estava hipotecada ao controle do corpo, nada restando de</p><p>massa cinzenta para a me mória, para a plani�cação e para a aprendizagem,</p><p>vantagens evolutivas que se desenvolveram nos pri meiros mamíferos de</p><p>pequeno porte, com uma motricidade mais adaptada às mudanças</p><p>ecológicas.</p><p>Corpos pequenos, facilmente deslocáveis, dis pondo de uma</p><p>motricidade plástica, com um meta bolismo de sangue quente, assimilando</p><p>tais sinergias, sobreviveram às inclemências do meio. Os mamífe ros com os</p><p>seus cérebros grandes, certamente que dotados de �exibilidade adaptativa,</p><p>conseguiram os primeiros passos de uma motricidade inteligente.</p><p>O cérebro atua no corpo e na motricidade por meio de uma interação</p><p>dialética com os re cursos envolvimentais (habitat) especí�cos de cada</p><p>vertebrado.</p><p>São essa complexidade progressiva e essa acu mulação contínua de</p><p>inúmeros aperfeiçoamentos sinergéticos dos vertebrados, que estuda a</p><p>paleoneurologia, que nos permitem abordar a reconstitui ção do cérebro nos</p><p>vários vertebrados, inclusive no do Homem.</p><p>Com o surgimento dos primeiros modelos fós seis endocranianos</p><p>(endocastos), contendo informações preciosas sobre os acidentes internos do</p><p>crânio, para além da localização e da inserção das artérias, dãonos indícios</p><p>sobre o tamanho e as áreas especí�cas do cérebro dos nossos antepassados,</p><p>pode-se conta tar qual o tipo de evolução que a motricidade sofreu e inferir</p><p>isto das suas relações com a origem e a evo lução da inteligência, isto é, com</p><p>os poderes que resi dem no cérebro e que fazem do Homem um animal</p><p>diferente de todos os outros.Em síntese, a evolução do Homem não se</p><p>concebe sem a evolução da motricidade.</p><p>Tal computação antecipada da resposta vai ligando inputs sensoriais e</p><p>outputs motores, à medi da que o Homem se torna mais ativo e mais cons‐</p><p>ciente das circunstâncias da sua motricidade e, por inerência, mais</p><p>consciência de si próprio — paradig ma da somatognósia, exclusivo da</p><p>espécie humana. Esta tomada de consciência subjetiva e intrapessoal, de que</p><p>existe um mundo inanimado, é uma vantagem evolutiva incalculável, não só</p><p>para o uso de praxias mas igualmente para a apropriação e a assimilação de</p><p>processos intersubjetivos e sociais de comunicação e de aprendizagem,</p><p>processos es ses que são, �logenética e ontonegeticamente, in separáveis da</p><p>evolução da inteligência humana.</p><p>PRINCIPAIS ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS</p><p>O estudo da mais importante etapa da �logênese, ou seja, o</p><p>antropomorfismo, leva-nos à análi se comparativa morfofuncional entre os</p><p>grandes símios e os Hominídeos que dominam de�nitiva mente a postura</p><p>vertical bípede.</p><p>Tal caráter singular na evolução da Humani dade, que nos conduziu à</p><p>libertação das mãos, há muito usadas na braquiação, e à reespecialização dos</p><p>pés, vai permitir o uso e a invenção de instrumen tos e ferramentas (tools),</p><p>fator estimulador impres cindível do desenvolvimento do cérebro, por meio</p><p>de processos e circuitos de retroalimentação e de associação polissensorial:</p><p>uma inteligência superi or produziu melhores ferramentas, mas o uso mais</p><p>frequente dessas ferramentas levou, igualmente, a uma inteligência superior.</p><p>A evolução do Homem, como temos abor dado, é inseparável da</p><p>evolução da sua motricidade e do seu cérebro, ambos tributários de liberta‐</p><p>ções anatômicas, que abriram, por meio da motricidade, o caminho e o</p><p>acesso a novos siste mas funcionais cerebrais.</p><p>A circunstância de os primatas se terem adap tado ao longo da evolução</p><p>a um habitat especí�co, como a árvore, levou a inúmeras mudanças</p><p>morfofuncionais que lhe conferiram signi�cativos bene fícios adaptativos.</p><p>(BOWLER, 1986; OAKLEY, 1968; SIMPSON, 1971; SIMONS, 1972 e LE</p><p>GROS CLARK, 1972)</p><p>A motricidade arborial é responsável por múltiplas tendências</p><p>evolutivas, das quais se des tacam as seguintes:</p><p>1. desenvolvimento das extremidades como órgãos de preensão e de</p><p>exploração;</p><p>2. modi�cações estruturais na dentição e alterações na dieta;</p><p>3. complexidade na integração e associa ção interneurossensorial;</p><p>4. postura bípede e mudanças no esque leto pós-craniano;</p><p>5. evolução cultural e desenvolvimento do cérebro como órgão de</p><p>comunicação e de apren dizagem.</p><p>Centraremo-nos apenas na análise da última tendência evolutiva.</p><p>EVOLUÇÃO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO</p><p>COMO ÓRGÃO DE COMUNICAÇÃO E APRENDIZAGEM</p><p>O desenvolvimento do cérebro decorre �logeneticamente da síntese</p><p>integrada e sistêmica de todas as adaptações hominídeas que temos anali‐</p><p>sado, uma síntese evolutiva triunfante que só é pos sível de se equacionar e</p><p>concretizar em um contexto histórico-social.</p><p>A transformação do mundo exterior que o Homo Sapiens foi capaz de</p><p>desencadear e produzir com a sua motricidade construtiva, sequencializada</p><p>e mediatizada pelos instrumentos, que ele pró prio imaginou, criou e</p><p>utilizou, está na base da construção da sua consciência, verdadeiro substrato</p><p>do desenvolvimento do cérebro e, para Popper (1977), isto é um verdadeiro</p><p>mistério, só compará vel ao da origem da vida.</p><p>A consciência emergida da ação causal e interiormente imaginada</p><p>desprendeu-se, biologica mente, para obedecer a novas leis e propriedades</p><p>que estão na origem do trabalho e da formação das funções mentais</p><p>superiores que marcam de�nitivamen te a evolução sociocultural. Encarada</p><p>neste con texto, a consciência tem uma gênese social, e não meramente uma</p><p>gênese solipsista.</p><p>Em Vygotsky (1987), a consciência não é mais do que o “contato social</p><p>consigo mesmo”, ela sai fora dos limites do subjetivo e de uma ex plicação</p><p>biológica reducionista, para se projetar nas formas objetivas da vida social e</p><p>da relação do homem com a natureza.</p><p>A consciência, pressupondo uma evolução do cérebro, emerge como</p><p>processo e como produção da ação, isto é, da motricidade concebida como</p><p>dis posição de repertórios para ações e reações mentais que resultaram das</p><p>variadas pressões seletivas. A evolução da motricidade pode ser</p><p>neodarwinianamente explicada como luta pela vida, com efeitos</p><p>multissensoriais competitivos de retroalimentação, selecionados e</p><p>integrados neurologicamente, que conduziram o cérebro aos níveis de</p><p>regulação e cons cientização mais elevados.</p><p>A evolução de formas superiores de vida de correu de processos</p><p>intencionais que irradiaram funcionalmente da neomotricidade</p><p>instrumental e modi�cabilizadora do envolvimento (criação de uma cultura</p><p>material), que dialeticamente assumiu uma nova signi�cação ecológica e</p><p>uma produção plástica de novas adaptações de comunicação e de</p><p>aprendizagem (criação de uma consciência interi or), o que, em si, torna</p><p>mais compreensível a emer gência da própria consciência humana.</p><p>A consciência (espaço mental, interior) tem a sua raiz no “espaço</p><p>exterior”, na relação com os objetos e com os outros, ou seja, nas condições</p><p>objetivas da vida social. Primeiro é interpsicológica e depois intrapsicológica,</p><p>algo que se evidencie e testemunha em termos �logenéticos e ontogenéticos.</p><p>A motricidade intencional e construtiva desencadeadora de tais</p><p>relações re�ete-se e duplicase sobre os objetos sociais e, ao interiorizar-se</p><p>sobre a forma de sistemas funcionais de autorregulação, modi�ca</p><p>intrinsecamente a própria estrutura do cérebro e está na gênese das suas</p><p>funções men tais superiores.</p><p>As ditas funções mentais superiores não têm só uma origem natural,</p><p>têm também, antes de tudo, uma origem histórico-social, por con sequência,</p><p>uma origem nas relações entre seres humanos (LURIA, 1980). Como</p><p>assegura o pen samento vygotskiano, o desenvolvimento de fun ções mentais</p><p>superiores, e por inerência o desen volvimento do cérebro, implica a</p><p>interiorização dos processos de socialização.</p><p>Com a possibilidade conferida pela mão, como periférico inteligente do</p><p>cérebro, a fabrica ção de utensílios e instrumentos abriu a porta à fabricação</p><p>de uma cultura, como corolário de um sistema de transformação do meio.</p><p>O cérebro maior do Homo Erectus (cerca de 900 a 1.100 gramas) em</p><p>comparação com o Homo Habilis (cerca de 700 gramas), ilustra claramente a</p><p>evolução cultural, embora lenta e demorada, que os separa, a avaliar pelos</p><p>legados fósseis disponí veis. Da mesma forma, a superioridade do Homo</p><p>Sapiens (cerca de 1.500 gramas) sobre o Homo Erectus re�ete uma evolução</p><p>cultural, aqui extra ordinariamente rápida, considerando os produtos</p><p>culturais que ambos deixaram na sua história evo lutiva. (ECCLES, 1979)</p><p>Na tentativa de ilustrar vários índices de progressão cerebral nos</p><p>primatas, este mesmo autor vai ao ponto de comparar os substratos neu‐</p><p>rológicos, pondo em evidência o elevado índice do neocórtex, do</p><p>hipocampo e dos lobos frontal, pariento-occipital e temporal (áreas de</p><p>transmis são e associação hiperatro�adas) e o baixo índice do bulbo olfativo.</p><p>A plani�cação da ação (planificação motora) está certamente associada</p><p>à existência de maior matéria cinzenta no Homem Moderno do que no</p><p>Homem de Neanderthal (JASTROW,</p><p>1987), na parte anterior do cérebro —</p><p>o lobo frontal — considerada a terceira unidade funcional luriana,</p><p>responsável pela organização da atividade consciente, por</p><p>programação, regulação e veri�cação da ativi dade, atributos e</p><p>propriedades excelsas da motricidade humana, que estão na origem da capa‐</p><p>cidade criativa do pensamento e na base da evolução cultural (�g. 5.32).</p><p>Fig. 5.32 - O Homem Moderno, ao contrário do Neanderthal, com a</p><p>expansão do lobo frontal alcançou uma motricidade plani�cada,</p><p>regulada e hipercontrolada que está na base da sua maior criatividade e</p><p>inovação cultural.</p><p>Efetivamente, a motricidade instrumental explica, em parte, por que a</p><p>expansão do lobo frontal está interligada à evolução cultural, uma vez que o</p><p>córtex motor associativo (em analo gia e em interligação com o córtex</p><p>sensorial as sociativo) com tão importantes funções de plani�cação e de</p><p>programação e sub-rotinas motoras só pode ser compreendido no contexto</p><p>do tra balho, onde se tem de conjugar funcionalmente: estratégias</p><p>perceptivas, aquisições cognitivas e orquestrações de controle �no de</p><p>automatismos motores disponíveis.</p><p>O trabalho considerado gerador de riqueza coletiva é também</p><p>dialeticamente gerador de ri queza individual, uma vez que ele está na</p><p>origem da emergência da inteligência, pois tornou possí vel o aparecimento</p><p>de novas regiões no córtex. Com ele, o ser humano expandiu as áreas associ‐</p><p>ativas, desenvolveu a memória, revolucionou os seus estilos de vida, indaviu</p><p>e pisou novos hori zontes e novos nichos ecológicos, adaptando-se a novos</p><p>envolvimentos climáticos, ocupou-se em manifestações estéticas e lúdicas,</p><p>treinou habili dades até a exaustão, perenizou formas de comu nicação</p><p>gestual e verbal, plani�cou novas formas de aprendizagem, em uma palavra,</p><p>transcendeuse culturalmente.</p><p>Como adianta Tobias (1971), a evolução cul tural é incompreensível</p><p>sem o desenvolvimento do cérebro, e as suas modi�cações mútuas são</p><p>�logenética e ontogeneticamente indissociáveis, na me dida em que a</p><p>sobrevivência passou a ser subordi nada à cultura.</p><p>Ao aumento do peso do cérebro, correspon deu um aumento de</p><p>complexidade da organiza ção neuronal e das funções mentais superiores,</p><p>daí emergindo uma diversi�cação de repertórios de comunicação e de</p><p>aprendizagem que produzi ram manifestações culturais cada vez mais am‐</p><p>pli�cadas e enriquecidas.</p><p>Com esta organização funcional complexa, o carnívoro social</p><p>desenvolveu a sociedade de caçadores e de recoletores, de trabalhadores e</p><p>inventores, em cuja atividade cooperativa e contato colaborial se tem de</p><p>perspectivar os primórdios da sua evo lução cultural. Tais atividades de</p><p>origem social implicaram outras tantas competências sociais, como, por</p><p>exemplo, a coesão, a reciprocidade, a liderança, o altruísmo, a repartição dos</p><p>produtos capturados, a conservação de estratégias e táticas de ataque e</p><p>defesa, a atividade sexual contínua, a divisão sexual do trabalho, a criação de</p><p>grupos e famílias, as formas de acasalamento, as normas de protoincesto e</p><p>de incesto, os sentimento de culpa, valores e regras, costumes e códigos,</p><p>tabus etc., no fundo, resultaram em mais experiência e em mais</p><p>aprendizagem. (BOAS, 1965)</p><p>Este contato social interativo resultante do tra balho e da caça, inevitável</p><p>na espécie humana, uma quase condenação à comunicação a que nenhum</p><p>elemento de uma comunidade pode fugir, está na origem da sua</p><p>consciência. Os instrumentos cria dos pela mão do Homem transformaram-</p><p>se em sig nos e em símbolos, que alteram radicalmente as rela ções dele com o</p><p>mundo exterior, com os outros e com ele próprio.</p><p>Nesta ótica, a conduta instrumental (VYGOTSKY, 1977) dá à evolução</p><p>cultural uma outra transcendên cia, pois nem considera o Homem um</p><p>re�exo passivo do meio nem um espírito prévio ou apriorístico.</p><p>O Homem e, consequentemente, o desen volvimento do seu cérebro</p><p>resultam de uma nova relação e de uma mais ampla e complexa interação</p><p>com o meio ambiente, que o instrumento intrinsecamente provoca, um</p><p>sistema funcional complexo, não só entre a mão e o cérebro (componente</p><p>biológi co) mas também entre o Homem e o seu contexto histórico-social</p><p>(componente cultural). Na primeira relação, a mão revelou-se criadora de</p><p>utensílios e o cérebro conceptor e organizador deles, a mão aperfeiçoou-se</p><p>gradualmente, graças ao cérebro e vice-versa (CLARKE, 1980); na segunda</p><p>relação, o fabricar e o pensar a ele inerente tornam-se um requisito da</p><p>comunicação, o que acarreta indubi tavelmente uma fonte inesgotável de</p><p>interações sociais. (VYGOTSKY, 1977)</p><p>A interiorização dos instrumentos e das ações a eles cometidas gerou</p><p>uma sintaxe de re gulação externa e interna que está implicada na expansão</p><p>do cérebro. Tal interiorização produz uma autorregulação que não se pode</p><p>reduzir ao au mento de super�cie cerebral.</p><p>A complexidade informática, intraneurossensorial e</p><p>interneurossensorial, intra-hemisférica e inter-hemisférica só pode ser</p><p>entendida em termos de pressões evolutivas e competências de sobre vivência,</p><p>onde o trabalho, o domínio do fogo, a fa bricação de utensílios e de</p><p>ferramentas, as estra tégias de caça, a expulsão de ocupantes indesejáveis, a</p><p>curiosidade, o comportamento exploratório ativo etc., em si e na sua</p><p>interação biossocial, atingiram um signi�cado de grande transcendência</p><p>extrabiológica.</p><p>Mais tarde, outras competências culturais adicio nais, como a conversão</p><p>da linguagem falada em es crita, a agricultura, a domesticação de animais, a</p><p>conservação de alimentos e de água, a construção de habitações e de</p><p>vestuário, os mitos, a tecnologia, a arte, a escrita, a organização social etc.,</p><p>no seu todo, expandiram o volume de experiências e de conhecimentos</p><p>naturalmente concomitantes com as mudanças evolutivas forjadas pela</p><p>seleção natural e culminadas no desenvolvimento do cérebro.</p><p>O cérebro, como sistema composto de vári as regiões que intervieram</p><p>de forma diferente e distinta no decurso da evolução, dispõe hoje de cerca</p><p>de 10 elevado a 14a de neurônios, cada um deles dispondo de milhares de</p><p>conexões com ou tros neurônios, número incomensurável de células</p><p>cerebrais só possível porque, em 10 milhões de anos, desde o Dryopitecos</p><p>(ECCLES, 1978) até aos nossos dias, o cérebro se distinguiu como o órgão</p><p>mais organizado do organismo e como o ór gão de comunicação e de</p><p>aprendizagem.</p><p>Não é, portanto, o tamanho do cérebro a melhor medida de capacidade</p><p>cerebral, porque, neste parâmetro, o ser humano é ultrapassado pelo elefante</p><p>e a baleia azul (GRANT, 1977). O que conta é essencialmente a</p><p>complexidade dos circui tos internos, as conexões sinápticas, a organização</p><p>das regiões subcorticais e corticais, as constelações dos sistemas funcionais,</p><p>ou seja, a emergência de novos substratos neurológicos resultantes da evo‐</p><p>lução cultural. Cada nova aprendizagem implica um novo sistema funcional,</p><p>que, por sua vez, tem de ser integrado centralmente no sistema nervoso, daí</p><p>surgindo um cérebro mais alargado e complexo funcionalmente. (TOBIAS,</p><p>1971)</p><p>Com base nos vestígios fósseis, o desen volvimento do cérebro do Homo</p><p>Habilis (590- 700g) e, �nalmente, do Homo Sapiens (1.150- 1.550g) retrata</p><p>uma evolução no cérebro e também uma evolução cultural, independente‐</p><p>mente de todos terem sensivelmente o mesmo tamanho do corpo.</p><p>A transcendência da evolução biológica para a evolução cultural é</p><p>exclusivamente humana, uma vez que a cultura é produto do Homem, algo</p><p>inacessível ao animal. De um mundo de objetos criados pelo Homem,</p><p>passou-se a um mundo mais complexo de conscientização subjetiva deles</p><p>emergida pela sua imaginação e utilização, cul minando, posteriormente, em</p><p>um novo mundo de conhecimentos objetivos e de sistemas teóricos (os três</p><p>mundos de Popper, 1977), cuja informa ção conservada e preservada ao</p><p>longo das gera ções consubstancia a história da civilização. To dos os</p><p>testemunhos da criatividade humana têm a sua sede na comunicação e na</p><p>aprendizagem, funções psíquicas superiores que são o resultado de uma</p><p>organização neuronal única e singular.</p><p>Do Paleolítico ao Mesolítico, a superiorida de, a perfeição e</p><p>a precisão</p><p>dos instrumentos de pedra, osso e madeira estão na base de uma mais e�caz</p><p>cooperação grupal, como estão na base de uma mais delicada e elaborada</p><p>motricidade cons trutiva, cujas performances técnicas acrescidas es tão</p><p>implicitamente relacionadas com o desenvol vimento do cérebro,</p><p>desenvolvimento de tipo quântico e inultrapassável, quando o Homo Sapiens</p><p>se superou ao Homo Erectus pelo recurso à lingua gem e ao pensamento.</p><p>O aperfeiçoamento da caça, da habilitação, do vestuário, da agricultura,</p><p>da domesticação de animais, da repartição da riqueza etc. decorre de formas</p><p>de comunicação mais diversi�cadas, quer receptivas, quer expressivas, algo</p><p>que indica a in venção do símbolo e a emergência de valores que vão dar ao</p><p>Homem o poder incomensurável de controlar e explorar o mundo biológico</p><p>terrestre, de tal forma que a evolução biológica cedeu o passo à evolu ção</p><p>cultural.</p><p>Maclean (1978) sugere que a evolução do cérebro é o resultado de três</p><p>cérebros. O cérebro humano evidencia a evolutiva integração de três</p><p>cérebros em um, três cérebros diferentes na sua estrutura e na sua química</p><p>— o cérebro triúnico.</p><p>A triunicidade anatômica que apresenta a unidade funcional do</p><p>cérebro humano, emergen te de três ordenadores biológicos distintos, cada um</p><p>deles integrando um passado vivido evolutiva mente em função de um</p><p>futuro projetado, cada um com a sua própria inteligência, com a sua pró pria</p><p>motricidade, com o seu espaço e tempo e com a sua memória.</p><p>O cérebro triúnico humano é na realidade composto por três cérebros,</p><p>�logenética e o ontogeneticamente, embutidos e sobrepostos: o reptiliano, o</p><p>paleomamífero e o neomamífero (�g. 5.33).</p><p>F’ig. 5.33 - O cérebro triúnico ilustra a evolução (�logenética e</p><p>ontogenética) que se inicia nos re�exos, passa pelas emoções e termina</p><p>nos símbolos.</p><p>O cérebro reptiliano, mais antigo e composto por tronco cerebral,</p><p>mesencéfalo, gânglios da base, grande parte do hipotálamo e sistema</p><p>reticulado de ativação, parece conter para o mesmo autor o saber ancestral</p><p>da espécie, pois trata das funções vitais, das condutas de sobrevivência e da</p><p>inteligência biológica e sensório-motora, vi sualizando o desenvolvimento</p><p>neurológico intrauterino, desde o sétimo mês até ao nascimen to. O cérebro</p><p>paleomamífero, velho cérebro mamífero que contém o sistema límbico,</p><p>delimita do pelo gírus cingular e pelo gírus hipocâmpico, processador da</p><p>autoconservação, das emoções básicas e especí�cas e controlador do sistema</p><p>nervoso autônomo, parece gerir a inteligência afetiva e sensório-motora,</p><p>característica do de senvolvimento neurológico desde o período neo natal até</p><p>por volta dos 14 meses. Por último, o cérebro neomamífero, mais recente</p><p>evolutivamente e característico do primata e do Homo Sapiens, constitui o</p><p>neocórtex, a calote pensante, o centro das funções superiores de</p><p>comunicação e de aprendizagem não simbólica e, posteriormente,</p><p>simbólica, ou seja, a sede da inteligência préoperacional, operacional e</p><p>formal.</p><p>O Reptiliano assegura a vida vegetativa e um inúmero conjunto de</p><p>funções que a espécie huma na desfruta com as outras espécies, como</p><p>respirar, eliminar, comer etc., além de garantir a conserva ção térmica, a</p><p>evocação dos instintos e das rotinas adaptativas mais rígidas, �xas e</p><p>esterotipadas, as isopraxias e as imitações tônicas e ritualizadas, onde se</p><p>destaca sensorialmente o olfato como sistema de orientação, cuja analogia</p><p>com as formas mais severas de de�ciência mental e de autismo é pos sível de</p><p>serem visualizadas.</p><p>O Paleomamífero garante outro tipo de padrões adaptativos mais</p><p>complexos e inerentes aos ma míferos, como, por exemplo, a proteção das</p><p>crias; as estratégias de reciprocidade, segurança e con� ança; os estados</p><p>antagônicos de prazer e desprazer, fulgor e medo, recompensa e punição,</p><p>espera e realização, sociabilização e a�rmação etc.; as emo ções</p><p>diferenciadas; as miradas; as mímicas de satisfação; os sorrisos; as</p><p>agressividades; as imita ções diferidas; a comunicação não verbal; o orgu lho;</p><p>o ciúme; os esquemas de ação e de represen tação mais simples etc.</p><p>enunciam uma complexa rede de competências sociais de comunicação, cu‐</p><p>jas disfunções são possíveis de detectar nas de�ci ências mentais treináveis e</p><p>educáveis.</p><p>Destaca-se, no contexto evolutivo inerente ao sistema límbico, a grande</p><p>importância e implicação que tem a proteção das crias mamíferas, que, ao</p><p>contrário dos répteis, zelam e cuidam pela seguran ça dos descendentes</p><p>indefesos e vulneráveis. Tal imprinting afetivo, verdadeiramente transcende</p><p>na espécie humana, consubstancia um vínculo entre mãe e �lho profundo e</p><p>não efêmero, quente e não frio, intencional e não negligente, interativo e não</p><p>passivo, que teve uma repercussão extremamente relevante no</p><p>desenvolvimento do gênero Homo. O avanço da evolução cultural do ser</p><p>humano está as sociado a uma longa dependência maternal e a um longo</p><p>período de aprendizagem precoce. A sua ima turidade biológica inicial,</p><p>decorrente da incompati bilidade fetopélvica, já abordada anteriormente, é</p><p>compensada com uma longa mediatização sociocul tural, onde as</p><p>competências de comunicação e de aprendizagem vão ter lugar.</p><p>O Neomamífero gera as funções de aprendi zagem mais diferenciadas</p><p>que os seres humanos só desfrutam com outros elementos da mesma es‐</p><p>pécie, trata-se da necessidade da razão, da utilida de e da precisão, da</p><p>multiplicidade de motivações, da capacidade construtiva, da fabricação de</p><p>ins trumentos, da interação intencional, do autocon trole e da</p><p>autossu�ciência, da autocon�ança, da aprendizagem de estratégias de caça e</p><p>de pesca, da emergência do pensamento mágico e mítico, do de‐</p><p>senvolvimento do pensamento lógico e da consci ência moral, do surgimento</p><p>do pensamento opera cional e formal, isto é, do acesso ao incrível volume de</p><p>conhecimento que traduz a extraordinária evo lução cultural da espécie</p><p>humana. Em síntese, para Maclean (1978), parece que os três cérebros se in‐</p><p>tegram, vertical e sucessivamente, uns nos outros ao longo da evolução.Da</p><p>evolução biológica à evolução cultu ral, do inato ao aprendido, dos re�exos à</p><p>re�e xão etc., o desenvolvimento do cérebro, à luz da concepção</p><p>macleaniana, materializa esta transi ção quando parte dos reflexos, passa</p><p>pelas emo ções e atinge os símbolos.</p><p>Independentemente de o tamanho do cére bro humano não ter mudado</p><p>nos últimos 50.000 anos, onde se operou o re�namento do Homo Sapi ens</p><p>Sapiens, depois de ter alargado excepcionalmen te em 500.000 anos do Homo</p><p>Erectus ao Sapiens (MET TLER, 1955), parece que a sua organização</p><p>neuronal não pôde evitar tal tendência, sugerindo efetivamente que a</p><p>evolução biológica do cérebro do Homem está no �m, considerando que as</p><p>pressões seletivas fo ram eliminadas pela observância de um “estado de bem-</p><p>estar”. (SARNAT e NETSKY, 1981)</p><p>Apesar da enteléquia da evolução biológi ca do cérebro como órgão de</p><p>comunicação e de aprendizagem, subsistem enormes e chocantes</p><p>discrepâncias de evolução social, cultural e tec nológica em muitos povos na</p><p>face do nosso pla neta. A grande ameaça ao desenvolvimento total do</p><p>Homem, onde a evolução cultural possa atin gir o esplendor da evolução</p><p>biológica, persiste, sendo o próprio Homem.</p><p>AS GRANDES CONQUISTAS DA ESPÉCIE HUMANA</p><p>Em síntese, as grandes conquistas da espé cie humana, consideradas</p><p>como produto �nal das tendências filogenéticas que acabamos de</p><p>problematizar, podem ser resumidas nos seguintes sistemas funcionais</p><p>ontogenéticos que constituem a hierar quia da motricidade humana:</p><p>• Postura Bípede (macromotricidade);</p><p>• Praxia e Visão Binocular (micromitricidade); Linguagem Falada</p><p>(oromotricidade); Linguagem Escrita (grafomotricidade);</p><p>• Cultura Social Complexa (sociomotricidade).</p><p>O resumo da História Natural da Espécie Humana que sintetizamos</p><p>nas tendências filogenéticas, tentando redesenhar os processos evolutivo-</p><p>adaptativos e as circunstâncias envolvimentais, onde elas ocorreram, em</p><p>uma perspectiva dialógica entre o “normal” e o “desviante”, é o cenário de</p><p>fundo onde decorrerá o desenvolvimento das tendências ontogenéticas e a</p><p>emergência da</p><p>personalidade única, evoluti va e holística que é cada criança,</p><p>na medida em que ela só pode ser compreendida quando reconhece mos que</p><p>o seu futuro revela um passado.</p><p>O desenvolvimento ontogenético revela efe tivamente, em termos</p><p>neuropsicomotores, a sinop se �logenética que tentamos ilustrar</p><p>dialogicamente. Apesar de a criança poder ser considerada o pai do adulto,</p><p>em termos �logenéticos e ontogenéticos, o seu desenvolvimento completo e</p><p>total é, em síntese, uma integração �exível, versátil e plástica de conquistas</p><p>que se vão adquirindo em um longo processo evolutivo inserido em uma</p><p>multiplicida de de ecossistemas biopsicossociais (BRONFEN- BRENNER,</p><p>1977). Por esse fato, não pode ser considerada uma de�ciente motora aos</p><p>oito meses por não andar, nem ser considerada uma afásica aos doze meses</p><p>por não falar.</p><p>O desenvolvimento neuropsicomotor surge só quando interage com um</p><p>envolvimento apro priado. Se uma criança for criada com primatas, ela</p><p>nunca aprenderá a falar — paradigma das crianças selvagens.</p><p>O desenvolvimento neuropsicomotor da cri ança é o produto �nal de</p><p>vários fatores neurobiológicos: mielinização, crescimento dentrítico, cres‐</p><p>cimento dos corpos celulares, estabelecimento de circuitos interneuronais e</p><p>muitos outros eventos bioquímicos, mas eles só se complexi�cam em um</p><p>envolvimento humano e cultural.</p><p>Substratos neurológicos (componente bioló gico) e envolvimento</p><p>facilitador e mediatizador (componente cultural) têm de reciprocamente in‐</p><p>teragir de forma que os processos transientes da comunicação e da</p><p>aprendizagem possam surgir de acordo com uma hierarquia, �logenética e</p><p>ontogeneticamente, pré-estruturada (Fig. 5.34).c</p><p>Fig. 5.34 - O córtex associativo frontal (F), parietal (P) e temporal (T)</p><p>desenvolve-se preferencialmente no período pós-natal onde ocorre a</p><p>ontogênese da comunicação e da aprendizagem. Os territórios</p><p>�llogenéticos mais recentes (a pontilhada), ligados por longos circuitos</p><p>intra-hemisféricos e inter-hemisféricos () estão na base das grandes</p><p>conquistas da espécie humana, conquistas essas que a criança tem de</p><p>integrar pelo processo ativo e interativo da aprendizagem.</p><p>Para se apropriar da cultura social envolven te, a criança necesista de</p><p>mediatização adequada, pois, só com ela, pode-se desenvolver e organizar a</p><p>sua ontogênese cerebral, vertical e ascendente, como sugere Luria (1980).</p><p>Primeiro, desenvolverá a unidade de vigilância responsável pela</p><p>tonicidade postural e atencional, consubstanciando a conquista</p><p>proprioceptiva e vestibular da postura bípede, a segurança gravitacional e o</p><p>conforto tátil a ela inerente.</p><p>Posteriormente, será a vez das áreas sensoriais e motoras primárias com</p><p>que manipulará, com a praxia �na e a visão binocular, o envolvimento</p><p>objetal e afetivo, apropriando-se de uma noção do corpo e de uma</p><p>estabilidade emocional e interati va que culminam na ontogênese da</p><p>comunicação não verbal.</p><p>Em seguida, com o desenvolvimento das áre as sensoriais e motoras</p><p>secundárias atingirá a lingua gem falada oromotora e o sistema viso-motor</p><p>com que iniciará a ontogênese da comunicação verbal e viso-espacial. Com</p><p>o desenvolvimento das áreas sensoriais terciárias, adquire a autocon�ança, a</p><p>autoestima e o autocontrole com que demonstrará capacidades de</p><p>organização gnósica, lúdica e interacional.</p><p>Por último, como que conquistando a plata forma para a evolução</p><p>cultural, com o desenvolvi mento das áreas motoras terciárias de planificação</p><p>préfrontal, conquista a linguagem escrita, a capacida de de pensamento e de</p><p>raciocínio, a concentração e a especialização do corpo e do cérebro, para se</p><p>orientar cognitivamente no sentido da aprendiza gem de uma cultura social</p><p>complexa.</p><p>Com base no desenvolvimento neuropsicomotor, cujos abstratos</p><p>neurobiológicos refundem as tendências �logenéticas e ontogenéticas, a cri‐</p><p>ança transforma-se em um ator social. A sua ontogênese total resultará,</p><p>portanto, da interação di nâmica e perpétua entre a natura e a cultura.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ANTHROPOLOGY TODAY Vários autores. 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Primate Evolution: an Introductin to Man’s Place in Nature. Ed. Mac</p><p>Millan, Nova Iorque, 1972.</p><p>SIMPSON, G. G. Mans Place in</p><p>de algum</p><p>interesse para a observação e a intervenção clínico-pedagógica. Tais escalas</p><p>não de verão ser confundidas com outras mais rigorosas e padronizadas.</p><p>Trata-se de apoios pedagógicos, uns originais, outros adaptados de outros</p><p>autores, de onde poderão emergir orientações curriculares ou surgir</p><p>programas precoces de estimulação, desen volvimento e reabilitação, com</p><p>utilidade, julgo, para os ensinos geral, pré-escolar e especial.</p><p>Essa tentativa nem sempre foi fácil na Civi lização Ocidental, onde a</p><p>in�uência do pensamento de �lósofos, como Aristóteles (300 a.C.), São To‐</p><p>más de Aquino (1300) e Descartes (1596-1650), pesou muito na</p><p>subestimação do corpo e da motricidade com atributos intrínsecos da</p><p>“Pessoa”.</p><p>O corpo e o espírito (mente) têm sido erradamente encarados como</p><p>entidades separadas, muitas vezes opostas e desequilibradamente abor dadas.</p><p>“Cogito ergo sum” (Penso, logo existo) mar cou profundamente o estudo do</p><p>desenvolvimento humano. De fato, não somos apenas seres de pen samentos</p><p>mas também seres de movimentos e de sentimentos. Por isso, opomos</p><p>àquele aforisma um outro. “Ajo, sinto e penso, logo existo e coexisto”, muito</p><p>próximo de outro quase negligenciado “Mens sana in corpore sano” (Mente</p><p>sã em um corpo são).</p><p>Ontogenética e �logeneticamente, as aqui sições da motricidade estão</p><p>primeiramente situa das do que as aquisições do pensamento. Já na “pis cina</p><p>amniótica”, o feto humano se autolocomove como vamos desmonstrar. A</p><p>própria Bíblia é elu cidativa quando explora esta questão — “No prin cípio,</p><p>era o verbo” (ação).</p><p>A motricidade, por meio da totalidade ex pressiva que a caracteriza</p><p>intrisecamente, é o meio pelo qual a consciência se edi�ca e se manifesta. É</p><p>a própria motricidade que leva ao desenvolvi mento do cérebro, ela é um</p><p>requisito de mielinização. Sem movimento, não há desenvolvimento nem</p><p>pensamento. Motricidade sem cognitividade é possível, mas a cognitividade</p><p>sem a motricidade não o é. Por alguma razão, o desenvolvimento adequado</p><p>da motricidade constitui a via para um desenvolvimento intelectual</p><p>ajustado. Os distúr bios no desenvolvimento motor comprometem sempre o</p><p>desenvolvimento da linguagem e da cognitividade. Por isso, temos de</p><p>compreender a motricidade como uma ação e como uma condu ta, relativa a</p><p>um sujeito histórico. Nesta perspec tiva, a motricidade passa a ser</p><p>compreendida nas estruturas associativas que a plani�cam, elabo ram,</p><p>regulam, controlam, executam e integram. A motricidade, ao materializar a</p><p>ideia, a continua e a prolonga.</p><p>A motricidade nova, a neomotricidade, é que põe em jogo as mais altas</p><p>formas de atividade mental, como vamos ver. Não só contribui para o</p><p>desenvolvimento da atividade psíquica superior mas também lhe dá</p><p>expressão, forma e conteúdo.</p><p>O movimento humano, diferente do animal, implica duas fases</p><p>mutuamente interdependentes: a ação e a representação, isto é, o aspecto</p><p>motor e o aspecto ideacional antecipativo.</p><p>A motricidade, como tentamos ver na abor dagem anterior, e como</p><p>vamos ver nesta, tem a sua origem na História Social do Homem, e ela é a</p><p>base da atividade no trabalho e na comunicação. Quando o adulto diz para a</p><p>criança — “toma a xíca ra”, esta segue as instruções por meio de uma com‐</p><p>preensão auditiva e por meio da linguagem anteri or, que se demonstra</p><p>posteriormente em termos de realização, por meio de movimentos</p><p>voluntári os. Mais tarde, é a própria criança quem dá instru ções a si, por</p><p>meio da interiorização da linguagem (do exterior para o interior). Nesse</p><p>exemplo, a motricidade está dependente da linguagem, ou seja, é uma</p><p>linguagem não verbal, e se subentende nela uma sintaxe e uma paráfrase.</p><p>As intenções e as necessidades são os fato res invariantes e implicadores</p><p>da motricidade, a qual é desencadeada com base na obtenção de um �m, um</p><p>resultado, um programa, um efeito, que obviamente a antecede e a justi�ca,</p><p>tornan do-a em uma práxis.</p><p>A motricidade e, consequentemente, a psicomotricidade, assim</p><p>encaradas, visam a uma con cepção holística do desenvolvimento humano.</p><p>Ela coloca em jogo várias estruturas de construção: sinergias inatas,</p><p>edi�cadas a partir da �logênese, e sinergias automatizadas e complexas,</p><p>apropriadas a partir da ontogênese.</p><p>Na lei biogenética de E. Haeckel (1910), a ontogênese é uma repetição</p><p>da filogênese, assume um novo dinamismo, cobrindo toda a esfera zoológi ca,</p><p>como podemos resumir pelo quadro seguinte e como tentamos equacionar</p><p>em ambas as partes: ensão e praxias �nas; e a oromotricidade, para a pro‐</p><p>dução da fala.</p><p>O resultado da minha investigação, sempre em uma tentativa de</p><p>renovação evolutiva, coloca este trabalho como um complemento a um</p><p>outro já publicado em outra editora com o título Contri buto para o Estudo</p><p>da Gênese de Psicomotricidade.</p><p>Quadro</p><p>FILOGÊNESE ONTOGÊNESE ESTÁDIO DO DESENVOLVIMENTO HUMANO</p><p>Peixe</p><p>Réptil</p><p>Feto</p><p>Recém-nascido</p><p>Neuromotricidade (protomotricidade) Hipotonia axial,</p><p>hipertonia das extremidades Reptação ventral</p><p>Mamífero 10 meses Tônico-motricidade (paleomotricidade) Quadrupedia,</p><p>simetria funcional, bimanualidade</p><p>Primata 12-24 meses</p><p>Sensório-motricidade (arquimotricidade)</p><p>Controle postural</p><p>Segurança gravitacional</p><p>Lateralização funcional</p><p>Independência do polegar</p><p>Homem</p><p>6 anos</p><p>Perceptivo-motricidade</p><p>Desenvolvimento da locomoção Dextralidade, assimetria</p><p>funcional Especialização hemisférica, somatognosia</p><p>Adolescência Psicomotricidade (neomotricidade) Desenvolvimento práxico,</p><p>melodia cinética Plani�cação motora, maturidade sociomotora</p><p>Tento por essa via perspectivar que a estru turação das vias associativas</p><p>cerebrais têm os seus alicerces na motricidade da criança, meio pelo qual</p><p>toda a organização cortical proprioceptiva e extereoceptiva se processa e</p><p>diferencia-se.</p><p>Sabe-se que o cérebro humano inconcluso à nascença é estruturado e</p><p>rearranjado pela fun ção motora nos primeiros anos de vida. Inúmeros</p><p>trabalhos de investigação sugerem que as futuras faculdades de</p><p>aprendizagem decorrem das primei ras aquisições motoras, a integração</p><p>sensorial se transcende em uma integração psicomotora, base da</p><p>organização intríseca do cérebro que se trans forma e substitui-se em várias</p><p>motricidades para materializar os seus processos organizativos. A</p><p>macromotricidade, para as diversas posturas e praxias globais; a</p><p>micromotricidade, para as diversas pre-</p><p>Independentemente de novos ajustamentos conceituais e de reforços</p><p>bibliográ�cos mais atua lizados, o trabalho não se afasta do objetivo inici al,</p><p>que aponta para o estudo da motricidade hu mana e da psicomotricidade,</p><p>agora fundamentadas em duas perspectivas.</p><p>O meu estudo procura lançar, todavia consciente das suas limitações,</p><p>algumas bases para a compreensão do primeiro processo hu mano de</p><p>aprendizagem e apropriação do real, ou seja, a motricidade, meio pelo qual a</p><p>inteligência humana se desenvolveu e materializou-se, cons trói-se e edi�ca.</p><p>A motricidade humana, grande arquiteta da Civilização, tem as suas</p><p>raízes �logenéticas a par tir da Antropologia, da Genética e da Embriolo gia.</p><p>Por outro lado, a motricidade humana, além de ser a consciência precoce,</p><p>reúne em si dois compo nentes ontogenéticos fundamentais: a diferenci ação</p><p>estrutural do sistema nervoso central e a aquisição progressiva de padrões</p><p>comportamentais (skills), justi�cadoras da hierarquia da expe riência</p><p>humana que vai da sensação à conceitualização, passando pela percepção,</p><p>pela retenção e pela simbolização.</p><p>É pela importância que a motricidade assu me na estruturação, na</p><p>organização e na regulação da linguagem humana que ela nos permite com‐</p><p>preender a razão de ser da evolução decorrente do gesto à palavra, do ato ao</p><p>pensamento e do ato re�exo à atividade de re�exão.</p><p>Por ser uma área subestimada no estudo do homem, por uma</p><p>de�ciente interpretação do seu comportamento psicobiológico (que</p><p>raramente vemos ultrapassada em estudos sobre o desenvol vimento da</p><p>criança, quer em termos antropológi cos, quer em termos ontogenéticos,</p><p>para não dizer também educacionais), vimos, agora, lançar mais esta nova</p><p>contribuição.</p><p>Nas três abordagens, procuro certo</p><p>Nature. In R. Munson Ed., Man and Nature, Ed. Dell, Nova</p><p>Iorque, 1971. SPERRY, R. W. Neurology and the Mind-Brain Problem. In: Am. Scientist. 40, 1952.</p><p>SPREEN, O.; TUPPER, D.; RISSER, A.; TUOKKO, H. & EDGELL, D. Human Developmental</p><p>Neuropsychology. Ed. Oxford Univ. Press, Oxford, 1984.</p><p>STRAUSS, W. e CAVE, A. Patology and Posture of Neanderthal Man. In: A. Montagu Ed., e</p><p>Origin and the Evolution of Man, Ed. T. Crowell, Nova Iorque, 1973.</p><p>TEILHARD DE CHARDIN, P. e Phenomenon of Man. Ed. Collins, Londres, 1959.</p><p>TOBIAS, P. V. e Brain in Hominid Evolution. Ed. Columbia Univ., Nova Iorque, 1971.</p><p>TREVARTHEN, C. Development of the Cerebral Mechanisms for Language. In: U. Kirk Ed.</p><p>Neuropsychology of Language, Reading and Spelling, Ed. Academic Press, Nova Iorque, 1983.</p><p>VYGOTSKY, L. S. ought and Language. Ed, MIT Press, Cambridge, 1972.</p><p>VYGOTSKY, L. S. Interacción entre Aprendizaje y Desarollo. In: Critíca, Barcelona, 1930.</p><p>VYGOTSKI, L. S. El Desarrollo de los Procesos Psicológicos Superiores. Ed. Crítica, Barcelona,</p><p>1987. WADDINGTON, C. H. Towards a eoretical Biology. Ed. Aidine, Chicago, 1957.</p><p>WALLON, H. L’Evolution Psychologique de L’Enfant. Ed. A. Collins, Paris, 1968. WALLON, H. Les</p><p>Origines du Caractére chez L’Enfant. Ed. PUF Paris, 1954.</p><p>WALLON, H. Do Acto ao Pensamento, Ed. Portugália, Lisboa, 1966.</p><p>WALLON, H. Syndromes d’Insuffisance Psychomotrice et Types Psychomoteurs. In: Ann. Med.</p><p>Psychol, 1932. WEISS, P. Hierarchically Organized Systems. Ed. Hafner, Nova Iorque, 1971.</p><p>WITTROCK, M. C. e Brain and Psychology. Ed. Acad. Press, Nova Iorque, 1980.</p><p>PARTE 2</p><p>ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE</p><p>- 6 -</p><p>Abordagem Ontogenética</p><p>A ONTOGÊNESE DA ONTOGÊNESE</p><p>Antes de iniciar a ontogênese da motricidade, convém não esquecer de</p><p>que ela decorre de um processo embrionário complexo, ou melhor, de um</p><p>desenvolvimento intrauterino. Não desejando aprofundar o tema, parece-me</p><p>fundamental avan çar com algumas generalidades, pois, desta forma, e por</p><p>meio da embriologia, podemos compreender o sentido biológico e dinâmico</p><p>da recapitulação �logenética da ontogênese.</p><p>As origens do comportamento humano, e por conseguinte da ontogênese</p><p>da motricidade, encon tram-se na embriologia e na neonatologia. Daí a</p><p>importância dos estudos da concepção, fecunda ção, nidação e gestação do</p><p>zigoto, por onde um ser humano, único e determinado, começa a sua vida.</p><p>O nascimento da vida humana dá-se a partir do momento em que duas</p><p>células sexuais incom pletas — o óvulo da mãe e o espermatozoide do pai — se</p><p>juntam em uma célula, denominada zigoto, contendo a informação genética</p><p>que determinará o crescimento pré-natal, bem como todo o cresci mento</p><p>morfológico que se prolongará preferenci almente até por volta de 15 a 16 anos</p><p>de idade.</p><p>É óbvio que, se nestas mudanças de forma continuassem na proporção</p><p>do crescimento prénatal, o ser humano seria muito diferente.</p><p>A célula inicial (do tamanho de cabeça de um al�nete) mede cerca de</p><p>dois décimos de milí metro e pesa seis décimos de miligrama. Nove meses</p><p>depois, o crescimento ponderal aumentou 500.000.00% e o crescimento</p><p>estatural 250.000%. O recém-nascido tem em média 50cm de estatura, 3.000g</p><p>de peso e 35cm de perímetro cefálico.</p><p>É esta ontogênese da forma que a embriolo gia procura estudar. A</p><p>embriologia permite o estu do sistemático que é minucioso dos estados</p><p>ontogenéticos do crescimento. Crescimento este que, por de�nição, deve ser</p><p>entendido como irregular, assíncrono, diferenciado e hierarquizado.</p><p>A embriologia compreende, portanto, o estudo do desenvolvimento</p><p>humano, quer nos aspectos morfológicos, quer nos aspectos quí micos e</p><p>�siológicos. Para Darwin, o embrião “é o representante mais ou menos</p><p>obscuro dos antepassados de quaisquer membros da mesma classe”. Porque a</p><p>embriologia empresta uma sig ni�cativa clari�cação ao problema</p><p>�logêneseontogênese, tentamos integrá-la neste nosso ensaio psicobiológico.</p><p>Fig. 6.1 - O nascimento da vida humana emerge da informação genética e</p><p>decorre de um processo embrionário muito complexo.</p><p>A embriologia visa ao estudo da organiza ção, estruturação e função da</p><p>morfologia somática e da energia dos agentes genéticos de crescimento. Ela</p><p>permite-nos o estudo da neurobiologia dos comportamentos, das cartas de</p><p>motricidade, dos índices de maturidade e das escalas de desenvolvi mento.</p><p>Neste âmbito, não podemos esquecer as contribuições de Preyer, Minkowski,</p><p>Coghill, Gesell, Homburger, Hertig, Rock, Nishirmura, A. omas,</p><p>Dargassies, Sheridan, Illingworth, Amatruda, Catell, Holt etc.</p><p>A embriologia, em outras palavras, pro cura “inventariar”, passo a passo,</p><p>os compor tamentos que se iniciam na concepção e origi nam a formação</p><p>sequencial do zigoto, do embrião, do feto, do prematuro, do recém-nas cido,</p><p>da criança etc.</p><p>Fig. 6.2 - O crescimento humano é irregular assíncrono, diferenciado e</p><p>hierarquizado.</p><p>É esta morfologia dinâmica, dependente do genoma e do meio, que</p><p>vamos equacionar até a separação dos corpos da criança e da mãe. Esta</p><p>ontogênese dá-se em três períodos fundamentais: pré-embrionário,</p><p>embrionário e fetal, ao qual se se gue o período neonatal.</p><p>PERÍODO PRÉ-EMBRIONÁRIO (DA CONCEPÇÃO AO PRIMEIRO</p><p>MÊS)</p><p>O ciclo vital, iniciado na fecundação, está de pendente da gravidez,</p><p>normalmente contada a partir do primeiro dia do último período mens trual,</p><p>aproximadamente duas semanas antes de a fecundação ocorrer.</p><p>O ovo fecundado (zigoto) que vai tornarse um novo ser humano, inicia a</p><p>sua segmenta ção poucas horas depois da “copulação” opera da por um único</p><p>espermatozoide, no meio de 300 a 500 milhões de espermatozoides que são</p><p>depositados interiormente na vagina, após a eja culação (teoria</p><p>monospérmica).</p><p>A fecundação é posterior à gametogênese, isto é, à formação de células</p><p>sexuais que se for mam nas gônadas do pai (testículos) e da mãe (ovário). A</p><p>célula macho — espermatozóide — é pequena, �liforme e móvel. Trata-se de</p><p>um �a gelo (protozoário), com 0,006mm de tamanho. A célula fêmea — óvulo</p><p>— a maior do corpo humano, é volumosa, esférica e móvel. O espermatozoide</p><p>“vencedor”, que atinge a velocidade de um a três milímetros por minuto, tem</p><p>de mover-se nadan do antigraviticamente, até atingir o óvulo nas trompas</p><p>uterinas (Trompas de Fallope), onde pe netra, fecundando-o e perdendo a</p><p>cauda. Logo que o óvulo é fecundado, a sua membrana celular cria</p><p>imediatamente uma “resistência” que impe de, na maioria das vezes, qualquer</p><p>outro espermatozoide de a ultrapassar.</p><p>Gradualmente, o zigoto com a mistura cromossômica recebida pelos pais</p><p>— 23 da mãe e 23 do pai (isto é, 46 pares de cromossomas; 2 pares sexuais —</p><p>genossomas — e 44 pares somáticos — autossomas) — e com o processo da</p><p>divisão celular (mitose), segmenta-se em uma massa de células de nominadas</p><p>blastômeros, que se desenvolve e solidi �ca na mórula (parecido com uma</p><p>amora, daí o nome), transformando-se em uma cavidade com líquido ou</p><p>brástula.1</p><p>Ao mesmo tempo em que a segmentação se opera, o zigoto é rodeado de</p><p>células nutriti vas — o trofoblasto — e vai sendo empurrado até ao útero. Ao</p><p>chegar ao útero, a mórula lan ça secreções ricas em açúcar e sais, ação essa</p><p>associada a uma ativação hormonal, à base de progesterona, que provoca a</p><p>hipervascularização da mucosa uterina. Entretanto, o processo de</p><p>especialização celular vai-se operando por meio de mecanismo bioquímicos</p><p>ativados e ini bidos em nível do código genético. As células do trofoblasto</p><p>(exteriores), que originam os anexos embrionários, segregam um líquido para</p><p>dentro da blástula que vai permitir a nidação (im plantação) no útero, que se</p><p>dá, mais ou menos, sete dias depois da fecundação, que, em termos gerais,</p><p>completa o período do zigoto ou o período pré-embrionário.</p><p>Fig. 6.3 - De 300 a 500 milhões de espermatozoides, um único fecundará o</p><p>óvulo.</p><p>Durante o período pré-embrionário, observase a disposição dos folhetos</p><p>embrionários (pré-gastrulação), que advém da diferenciação-especialização</p><p>do blastócito, ocupando posições normalmente delimitadas em duas zonas</p><p>fundamentais: ectoderme (exterior) e endoderme (interior), formando o disco</p><p>embrionário. Por sua vez, o trofoblasto invasor sub divide-se em uma camada</p><p>externa - o sinciciotrofoblasto — e em uma interna — o citotrofoblasto. Além</p><p>disso, o âmnios diferencia-se do embrião, a �m de o proteger, envolvendo-o</p><p>em um líquido. Progressi vamente, o trofoblasto em proliferação, na busca de</p><p>oxigênio, adquire um núcleo de mesoderme e passa a ser chamado de</p><p>trofoderme, que vai originar o córion, ou seja, a face fetal da placenta, que</p><p>estabele ce a relação nutritiva entre o embrião e o corpo (san gue) materno.</p><p>Estamos na segunda semana do desenvolvi mento do ser humano. O</p><p>útero da mãe pode aceitar o disco embrionário, que, entretanto, vai recebendo</p><p>elementos nutritivos dos vasos sanguíneos. Por ação hormonal da</p><p>gonodotropina coriônica (GCH), que as células das vilosidades da placenta</p><p>enviam para o corpo amarelo, o útero deixa de contrair-se, não originando,</p><p>por consequência, a hemorragia mens trual. Este hormônio GCH é excretado</p><p>pela urina maternal quando a menstruação deixa de aparecer, daí o interesse</p><p>em teste de gravidez.</p><p>Durante esta fase, a “futura criança” não passa de um disco redondo com</p><p>0,02 milímetros de diâmetro.</p><p>Na terceira semana, porém, o embrião transformar-se-á em um cor po</p><p>redondo em forma de C com cabe ça, tronco e cordão umbilical. O corpo</p><p>redondo vai crescendo no sentido lon gitudinal, de cima para baixo, surgindo</p><p>um eixo, no notocórdio. Na parte anteri or, desenvolve-se uma extremidade</p><p>encefálica e, na parte posterior, a cau da: daí a lei cefalocaudal do</p><p>desenvolvimento característico dos vertebrados superiores.</p><p>Na quarta semana (primeiro mês), o embrião já contém uma cabeça</p><p>diferenciada, o “esboço” das mãos começa a surgir, o saco vitelino (o balão da</p><p>criança) surge como meio de formação de glóbu los de sangue, e a placentra</p><p>assume a função per meável de absorção de alimentos obtidos dos teci dos</p><p>envolventes da mãe. O número de células do embrião, nesta fase, atinge os</p><p>milhares.</p><p>No �m do primeiro mês de desenvolvimen to, o embrião possui três</p><p>camadas de células em especialização: 1- Camada externa — ectoderme — que</p><p>formará a pele, os pelos, as glândulas sebáceas e sudoríparas, o sistema</p><p>nervoso periférico, o sistema nervo so central, o esmalte dentário, a retina, a</p><p>córnea, o cristalino, o nervo ótico, a hipó�se etc.</p><p>2- Camada intermédia — mesoderme — que for mará músculos, ossos,</p><p>coluna vertebral, veias, ar térias, órgãos genitais, tecido conjuntivo,</p><p>córtex suprarrenal, rins, miocárdio, gânglios linfáticos, baço, sangue</p><p>etc.</p><p>3- Camada interna — endoderme — que formará o epitélio do tubo</p><p>digestivo (exceto boca e ânus), o epitélio respiratório (traquéia,</p><p>brônquios e al véolos), a trompa de Eustáquio, a bexiga, a tireoide, o</p><p>timo etc.</p><p>Fig. 6.4 - Camadas de células em especialização ao �m do primeiro mês de</p><p>desenvodvimento.</p><p>A formação do sistema nervoso está mais ou menos estabelecida em três</p><p>setores primordi ais: prosencéfalo, mesencéfalo e robencéfalo. A ectoderme</p><p>tende a engrossar e a enrugar-se, formando um tubo — tubo neural — onde se</p><p>vai formar o cérebro (extremidade cefálica), mais tarde a medula (ex‐</p><p>tremidade caudal) e, posteriormente, os nervos e os ventrículos.</p><p>Simultaneamente, podemos ver a boca pri mitiva, a face e a faringe,</p><p>associadas a seis excressências, espécie de guelras, de onde nascerão a</p><p>mandíbula e as estruturas da faringe. Muito próxi mo, encontra-se o coração</p><p>primitivo e tubular, e os rudimentos de um sistema circulatório facilmen te</p><p>emergirão etc.</p><p>Toda esta constelação bioenergética coman dada superiormente pelo</p><p>plano-mestre do código genético, responsável pelas sequências da ontogênese,</p><p>está ainda no começo, pois só decorreram, desde a concepção, 25 dias,</p><p>faltando ainda 255 para concluir a gestação.</p><p>O “esboço” das extremidades dos membros superiores e depois das dos</p><p>membros inferiores começam a sobressair, mantendo membranas in‐</p><p>terdigitais, à semelhança de uma barbatana de um peixe até por volta do</p><p>segundo mês. O crescimen to continua, desde o zigoto até o embrião. Aumen‐</p><p>tou-se em comprimento 10.000 vezes.</p><p>Neste período, em termos de animal verte brado, não existem diferenças</p><p>embriológicas signi �cativas entre o embrião do mamífero superior e do</p><p>embrião humano.</p><p>PERÍODO EMBRIONÁRIO (DO PRIMEIRO AO SEGUNDO MÊS)</p><p>Neste período, o desenvolvimento embri onário adquire proporções</p><p>importantes. A colu na vertebral começa por se desenvolver a partir dos</p><p>mesoblastos, dos quais vão surgir os liga mentos, os tendões, as aponevroses,</p><p>os múscu los e os ossos.</p><p>O tronco tem origem nos sômitos, isto é, cé lulas justapostas, epiteliais</p><p>(miocelos), que se en contram do lado da goteira neural e que represen tam a</p><p>sementação do mesoblasto. O embrião hu mano transporta quarenta sômitos,</p><p>dos quais se desenvolvem os membros e a cabeça, que deriva</p><p>fundamentalmente do mesenquima cefálico.</p><p>Os ossos de origem cartilagínea ou masenquimática irão formar a placa</p><p>basilar de onde nas cerão os órgãos sensoriais; outras camadas forma rão o</p><p>occipital, o esfenoide, o etmoide, o temporal, o parietal e o frontal.</p><p>A face, as maxilas, os ossículos do sistema auditivo, o osso hioide e as</p><p>estruturas da laringe evoluirão dos arcos braquiais, que estão também na base</p><p>da formação dos nervos cranianos, dos músculos faciais e mastigadores, da</p><p>boca e do septo nasal.</p><p>Durante este período, a atividade circulató ria desenvolve-se, porque o</p><p>coração pulsa com maior intensidade. Entretanto, o embrião eviden cia uma</p><p>melhor circulação placentária.</p><p>Segundo Dollander e Fenart, podemos com preender, até aqui, o</p><p>desenvolvimento intrauterino nos seguintes estágios:</p><p>No 1º dia -</p><p>Do 2º ao 4º dia -</p><p>Fecundação do ovo (zigoto)</p><p>Zigoto em segmentação</p><p>Do 4º ao 5º dia - Blastócito livre</p><p>Do 6º ao 7º dia - Zigoto no início da implantação</p><p>Do 7º ao 9º dia - Trofoblasto composto</p><p>Do 10º ao 12º dia</p><p>-</p><p>Trofoblasto na procura de vasos nutritivos, para instalar a circulação útero-</p><p>embrionária</p><p>Do 13º ao 15º dia</p><p>- Vilosidades primitivas</p><p>Do 16º ao 17º dia</p><p>- Arborização das vilosidades</p><p>Do 18º ao 19º dia</p><p>- Crescimento do cordão umbilical (1 a 1,5mm)</p><p>Do 20º ao 21º dia</p><p>- Goteira neural, 1 a 3 partes de sômitos</p><p>Do 21º ao 22º dia</p><p>- 4 a 12 pares de sômitos</p><p>Do 24º ao 25º dia</p><p>- 13 a 20 pares de sômitos</p><p>No 25º ao 28º dia</p><p>- 21 a 29 pares de sômitos</p><p>No 24º dia, surge o prosencéfalo; no 30º, formam-se os olhos; no 33º, as</p><p>retinas pigmentadas acabam de se formar; no 38º, aparece a córnea e a íris; no</p><p>40º, surgem as orelhas etc. Tudo seguindo inexoravelmente o programa ge‐</p><p>nético, com um rigor, uma precisão e uma minuciosidade espantosas.</p><p>Na face, surgem o lábio superior, o nariz, o palatino, os maxilares e a</p><p>língua, tudo assumindo a forma de�nitiva. Durante esta fase, a cabeça ocupa</p><p>metade de todo o tamanho do corpo, daí a sua importância e a sua prioridade</p><p>embrionária e evolutiva. Os dois hemisférios cerebrais estão já formados, e as</p><p>suas três grandes divisões (anteri or, média e posterior) já se reconhecem. A</p><p>pia e a dura máter desenvolvem-se, protegendo o cére bro, e os nervos</p><p>cranianos começam a despontar. No �m do segundo mês, o cérebro já</p><p>controla os primeiros movimentos. À medida que o cérebro se desenvolve, os</p><p>pontos de ossi�cação do crâ nio iniciam a sua maturação.</p><p>Nessa altura, o corpo é ainda coberto de uma pele muito �na e</p><p>translúcida, podendo observarse inclusivamente as veias e as artérias</p><p>sanguíneas. Os folículos pilosos e as glândulas sudoríparas co meçam a crescer</p><p>e a atuar.</p><p>Os braços crescem, as membranas interdigi tais da mão vão</p><p>desaparecendo, os três setores dos membros separam-se.</p><p>Ao �m de oito semanas, os braços crescem o su�ciente para tocar na</p><p>boca, relação essa de pois fundamental na ontogênese da motricidade. Os pés e</p><p>os membros inferiores seguem o mesmo desenvolvimento e, ao �m do</p><p>segundo mês, esboçam as primeiras “pedaladas”.</p><p>Os músculos começam a sua atividade mo tora. Os órgãos interiores,</p><p>estômago e �gado, ini ciam as suas funções. Os órgãos sexuais primiti vos</p><p>passam a formar-se e a diferenciar-se.</p><p>Todas as estruturas que o recém-nascido vai apresentar</p><p>já se encontram</p><p>“desenhadas” no embrião sete meses antes. O período embrionário está ultra‐</p><p>passado e surge o feto. Já não se observa um conjun to indistinto de células;</p><p>estamos em presença de um candidato à Hominização. Um ser humano existe.</p><p>Desde a concepção, o bebê cresceu 240 ve zes em comprimento e mais de</p><p>um milhão de ve zes em peso. A mãe, como evoca V. Apgar, perdeu a segunda</p><p>menstruação e começa a acreditar que o bebê é uma realidade no seu ventre.</p><p>PERÍODO FETAL (DOS DOIS AOS NOVE MESES)</p><p>O desenvolvimento intrauterino, que se ob serva do terceiro ao nono mês,</p><p>é uma ontogênese estatural, ponderal e motora. Para facilitar, vamos</p><p>apresentar as novas aquisições “fetais” em termos mais esquemáticos.</p><p>Terceiro mês:</p><p>• O feto tem l7cm.</p><p>• Surgem os movimentos de �utuação com �xação na “âncora” do cordão</p><p>umbilical, à seme lhança de um “astronauta” no espaço amniótico: o</p><p>bebê é um “intranauta”.</p><p>• A atividade neuromuscular inicia a sua função dialética funcional, e a</p><p>ontogênese da motricidade inicia os seus passos. Segundo Hambur ger,</p><p>a neurogênese sofre a seguinte evolução: atividade espontânea,</p><p>estimulada e evocada, inputs sensoriais, padrões de comportamento</p><p>pré-natais e, por último, generalização e especi�cação do de‐</p><p>senvolvimento intrauterino.</p><p>Fig. 6.5 - Períodos críticos do desenvolvimento humano.</p><p>Para Coghill, os neuroblastos primitivos ge ram a formação de axônios,</p><p>que, por meio do seu crescimento e diferenciação, vão dar lugar às primeiras</p><p>conduções de impulsos, favorecen do o contato sináptico e a ativação</p><p>bioquímica, que constituem as primeiras etapas da atividade funcional</p><p>neuromotora.</p><p>A atividade neuromotora é a base da ontogênese da motricidade.</p><p>Segundo Preyer, a motricidade começa por ser global e espontânea e tende a</p><p>uma motricidade localizada e selecionada; vai do simples ao complexo, do</p><p>menos organizado ao mais organizado. Os movimentos espontâneos de</p><p>“pontapear”, de “nadar”, de “torcer”, de “pivotar” etc. são característicos desta</p><p>fase.</p><p>• O polegar esboça as primeiras opinibilidades. A boca entreabre-se, as</p><p>inalações e as sucções são desencadeadas. De fato, o feto pode realizar</p><p>uma enormidade de padrões de comportamento, dentro,</p><p>evidentemente, de um envolvimento líqui do. A sua motricidade</p><p>natatória é semelhante à dos peixes e dos anfíbios, daí o seu interesse</p><p>na ontogênese da motricidade.</p><p>• Os ossos começam a sua ossi�cação, a par tir das diáfases.</p><p>• As diferenças sexuais começam a ser mais óbvias.</p><p>• A expressão facial começa a humanizar-se.</p><p>• Os olhos movem-se convergentemente.</p><p>-As cordas vocais emergem, embora nenhum som seja produzido.</p><p>• Bebe o líquido amniótico, que tem efeitos nutritivos importantes.</p><p>• Os rins começam a operar a sua função.</p><p>• As trocas de oxigênio, por meio da mãe, intensi�cam-se pelo cordão</p><p>umbilical.</p><p>• O líquido aumenta, dadas as necessida des de crescimento,</p><p>acompanhadas com expan são do útero maternal, que durante a</p><p>gestação vai de 2 a 5cm3 até 5.000 a 7.000cm3 ao �m de 280 dias</p><p>(Jones).</p><p>• Os mamilos passam a ser visíveis.</p><p>Quarto mês:</p><p>• O feto já tem 24cm. O peso é multiplicado seis vezes.</p><p>• A modelagem do corpo continua a veri� car-se.</p><p>• Aparecem as unhas nos dedos.</p><p>• A velocidade de crescimento é máxima nes te período.</p><p>• Os centros de ossi�cação são agora visí veis no esqueleto fetal.</p><p>• A mobilidade é cada vez mais rigorosa e diferenciada, passando a ser</p><p>sentida pela pró pria mãe.</p><p>• O coração bate com uma intensidade já detectável pelo estetoscópio.</p><p>• O sistema circulatório desenvolve-se.</p><p>• O cordão umbilical aumenta de tamanho.</p><p>• A estrutura da placenta atinge a matura ção, fazendo o trabalho</p><p>simultâneo dos pulmões, dos rins, dos intestinos, do �gado e das</p><p>glându las. Na placenta (barreira bioquímica), o oxigê nio, a glicose, os</p><p>aminoácidos e os sais que circu lam no sangue da mãe passam para os</p><p>capilares do feto, enquanto o bióxido de carbono e a ureia do feto para</p><p>a mãe, seguindo a direção oposta. Muitas drogas ou vírus podem</p><p>ultrapassar a per meabilidade placentária e afetar o corpo do feto. Estão</p><p>neste caso os agentes infecciosos (rubéola, toxoplasmose ou sí�lis), os</p><p>agentes químicos (talidomida, quinino, substâncias abortivas,</p><p>hormônios, LD etc.), os problemas de subnutrição maternal (ca rências</p><p>calórico-proteicas, carências de iodo, de vitaminas etc.), as anemias e</p><p>diabetes da mãe, as ra diações etc., que no seu todo constituem algumas</p><p>embriopatias e fetopatias.</p><p>Grá�co 6.1 - Períodos Críticos do Desenvolvimento Intrauterino.</p><p>Apresentam-se os períodos mais vulneráveis aos agentes teratogênios, isto</p><p>é, agentes causadores de embriopatias ou fetopatias.</p><p>Quinto e sexto meses:</p><p>• O feto agora tem 31cm e pesa cerca de 1.200g. As estruturas re�nam-se,</p><p>as funções ope ram mais adequadamente e os comportamentos do</p><p>bebê são cada vez mais frequentes e vigorosos.</p><p>• Surge o lanugo (que quer dizer: lã em la tim) que cobre a maioria do</p><p>corpo do feto, em ana logia com o revestimento piloso dos macados (o</p><p>bebê é uma amostra de primata; mais tarde, será um “primata nu”).</p><p>• As sobrancelhas, pestanas e o cabelo co meçam a surgir.</p><p>• O Vernix seosa cobre a totalidade do corpo, protegendo a pele em</p><p>analogia com o mecanismo protetor idêntico ao das espécies anfíbias.</p><p>-A pele torna-se mais consistente.</p><p>• As unhas crescem.</p><p>• O controle muscular dos olhos é evidente e a retina sensível à luz.</p><p>• Ouve sons (do coração e do tubo disgestivo maternais).</p><p>• Há ainda muito espaço para a ontogênese da motricidade se</p><p>concretizar, observando uma es pécie de motilidade espontânea, ampla</p><p>e lenta, de exploração da “piscina uterina”, por meio de mo vimentos</p><p>simétricos, que tendem a ser limita dos, dada a progressiva exiguidade</p><p>de espaço dis ponível.</p><p>• As posturas preferenciais tendem a uma hipotonia global e a uma</p><p>hiperextensibilidade ca racterísticas.</p><p>• As extensões e as �exões bruscas e esporá dicas são frequentes. O</p><p>“chupar” do polegar pode surgir, e os movimentos respiratórios são</p><p>cada vez mais diferenciados e adaptados, não irá se dar o caso de um</p><p>nascimento “prematuro”, que pode ocorrer a partir de 24 semanas de</p><p>gestação, segun do Illingworth.</p><p>• Os testículos saem das bolsas.</p><p>Sétimo, oitavo e nono meses:</p><p>• Diferenciação de períodos de vigilância e sonolência.</p><p>• O crescimento ponderal e estatural cresce segundo novas proporções,</p><p>os ritmos de crescimen to lenti�cam-se e aceleram-se</p><p>assincronicamente.</p><p>• A formação de gorduras protetoras da pele opera uma função</p><p>homeopática já mais e�caz.</p><p>• O nascimento prematuro é viável e a incu badora não é senão um “útero</p><p>mecânico” possí vel. A incubadora deve ser regulada, principalmen te</p><p>em relação ao oxigênio, pois o seu excesso pode provocar a �broplasia</p><p>retrolental, que pode gerar (normalmente) a cegueira.</p><p>• A motricidade fetal pode ser detectada por uma simples palpação da</p><p>parede abdominal; na medida em que o espaço uterino disponível se</p><p>en contra quase totalmente ocupado, a motricidade é viva e a mais</p><p>localizada e e�caz.</p><p>• A respiração é mais regular.</p><p>• A hipotonia diminui, com melhoria do tônus de ação.</p><p>• A motricidade é do tipo anfíbio.</p><p>• Re�exos mais vivos, rápidos e duráveis, no caso da criança prematura,</p><p>revelando a progressi va maturação tônico-postural e tônico-motora.</p><p>• Sinergias tônico-re�exivas.</p><p>• A “cambalhota” �nal, com colocação cefálica, vai preparando o terreno</p><p>para a ultrapassagem do estrangulamento público que culmina no</p><p>parto.</p><p>• A postura predominante é caracterizada pela �exão da coluna e pela</p><p>�exão dos membros — há de se ocupar o mínimo espaço uterino</p><p>possível (o que seria se o feto se mantivesse em extensão...). Persiste</p><p>uma postura de �exão característica, mes mo de recém-nascido, em</p><p>que se veri�ca a hipertonia das extremidades, que, por seu lado,</p><p>favore ce a �exão dos membros. Por outro lado, em termos dialéticos,</p><p>subsiste uma hipotonia da coluna, o que favorece de novo a postura</p><p>fetal de �exão. Vai durar tempo a maturação dos extensores. Em</p><p>termos de ontogênese, os músculos que, em primeiro lugar, iniciam a</p><p>maturação são os �exores, daí a postura</p><p>fetal intrauterina.</p><p>• Hipertonia em nível dos �exores e hipotonia nos extensores.</p><p>• Movimentos espontâneos mais amplos.</p><p>• Automatismos primários prestes a funcionar.</p><p>• Recepções auditivas manifestam-se por reações tônico-motoras em</p><p>cadeia.</p><p>• Sinergia entre os olhos e a cabeça.</p><p>• Já não há tanto espaço disponível, e, por esse fato, a motricidade fetal é</p><p>diminuída, operan do-se completamente uma maturação tônica.</p><p>• Separam-se as pálpebras, e os olhos tor nam-se de novo visíveis.</p><p>• O peso vai evoluindo de 1.500g para 3.000g, a altura de 40 passa para</p><p>50cm e o períme tro cefálico vai-se expandindo de 28 para 34 a 35cm</p><p>(valores médios).</p><p>• Os cabelos estão mais desenvolvidos.</p><p>• O desenvolvimento do sistema nervoso envolve a extensão dos axônios</p><p>e a arborização dentrítica, bem como a modi�cação das sinapses e a</p><p>aquisição das bainhas protetoras de mielina, re �etindo uma produção</p><p>de efeitos químicos mais ativida e adequada.</p><p>• Ao �m dos nove meses (90 semanas, 280 dias, quase 10 meses lunares,</p><p>95% dos bebês nas cem entre 266º e o 294º dia), a penugem (lanugo)</p><p>cai em grande parte e as proporções corporais har monizam-se (a</p><p>cabeça ocupa agora um quarto da totalidade do corpo). A título de</p><p>exemplo, as pro porções de crescimento são as seguintes: 400% do 3º</p><p>para o 4º mês.</p><p>200% do 5º para o 6º mês.</p><p>40% do 7º para o 8º mês.</p><p>20% do 8º para o 9º mês.</p><p>• O corpo ajusta-se à forte compressão uterina.</p><p>• As contrações uterinas tendem a ser mais sensíveis, à medida que se</p><p>aproxima o parto (“a saída das águas vai �car para trás, e inicia-se a</p><p>con quista da terra �rme”). Resta agora o rompimento da bolsa das</p><p>águas, a queda do rolhão mucoso e o início dos trabalhos de parto.</p><p>• A adaptação à vida aérea acelera-se e con solida-se.</p><p>• O córtex ainda não é excitável, mas o feto está maturo.</p><p>• A �logênese está recuperada em grande parte (da ameba ao peixe — o</p><p>desenvolvimento intrauterino que acabamos de resumir é, em certa</p><p>medida, a recapitulação histórica da espécie. É cu rioso que se sublinhe</p><p>que o desenvolvimento humano, principalmente na sua evolução</p><p>intrauterina, é impressionantemente semelhante ao desen volvimento</p><p>das outras formas de vida. “O feto humano é um peixe transformado”</p><p>— Estará aqui o sentido da unidade da vida?... ).</p><p>Para perspectivarmos a ontogênese, con vém apresentar o</p><p>desenvolvimento ponderal e estatural que se opera no feto, segundo o quadro</p><p>seguinte: Quadro 6.1 - Desenvolvimento ponderal do feto</p><p>Idade em meses Crescimento estatural em centímetros Crescimento ponderai em gramas</p><p>2 9 20</p><p>3 17 (+6) 100 (+80)</p><p>4 24 (+7) 300 (+200)</p><p>5 31 (+7) 660 (+360)</p><p>6 37 (+6) 1150 (+490)</p><p>7 42 (+5) 1759 (+600)</p><p>8 47 (+5) 2400 (+650)</p><p>9 51 (+3) 3000 (+600)</p><p>VINTE E DOIS AXIOMAS DA ONTOGÊNESE DA MOTRICIDADE</p><p>Em termos de ontogênese da motricidade, convém salientar que ela</p><p>obedece a vários axio mas do desenvolvimento, quer intrauterinos, quer</p><p>extrauterinos que passamos a abordar: 1º O desenvolvimento se faz</p><p>irregularmen te, traduz uma descontinuidade.</p><p>2º O desenvolvimento de várias áreas não se faz segundo o mesmo ritmo,</p><p>veri�ca-se um crescimento assíncrono.</p><p>3º O desenvolvimento processa-se por es pecialização de estruturas, ou</p><p>seja, por meio de diferenciações progressivas.</p><p>4º A diferenciação de estruturas encontrase dependente de uma</p><p>hierarquização de estru turas neutras.</p><p>5º As estruturas mais hierarquizadas levam mais tempo para atingir a</p><p>maturação; dependem da maturação de estruturas funcionais que se</p><p>complexi�cam.</p><p>6º O desenvolvimento opera-se com o pri mado da cabeça sobre as</p><p>estruturas do corpo (MC GRAW). A direção maturacional é cefalocaudal (da</p><p>cabeça para os pés).</p><p>7º A lei cefalocaudal é anterior à lei próximo-distal (Coghill),</p><p>demonstrando-se que o desen volvimento respeita outra direção — do eixo do</p><p>cor po para as extremidades.</p><p>8º A maturação muscular é primeiramente axial (tronco) e</p><p>posteriormente apendicular (mem bros e extremidades). A evolução é a</p><p>seguinte: músculos da cabeça, do pescoço, do tronco, dos braços, das pernas,</p><p>das mãos, dos pés, dos dedos das mãos e dos pés.</p><p>9º O tubo neural embrionário dá origem a bioblastos e a neuroblastos, o</p><p>que prova, em ter mos evolutivos, a constante dependência dos as pectos</p><p>musculares relativamente aos aspectos neurológicos.</p><p>10º Na maturação nervosa (neurogênese), processa-se em primeiro lugar</p><p>a ativação dos neurônios motores (motoneurônios), em segui da dos</p><p>neurônios sensitivos e por último dos neurônios de associação; 11º A</p><p>motilidade, segundo Prayer, sofre a seguinte maturação:</p><p>I - movimentos passivos (provocados por con trações amnióticas ou</p><p>uterinas);</p><p>II - movimentos de irritação (induzidos por agen tes endógenos, como</p><p>drogas, hormônios etc., ou por estimulação direta dos nervos); III -</p><p>movimentos reflexos (mediatizados pelos órgãos dos sentidos);</p><p>IV -movimentos impulsivos (movimentos es pontâneos, que não são nem</p><p>re�exogêneos nem irritativos. Normalmente são descoordenados e</p><p>provocados por descargas automáticas dos motoneurônios); V - movimentos</p><p>instintivos (dirigidos e inte grados, causados por estimulação ou por agen tes</p><p>endógenos); VI - movimentos ideacionais (causados por ima gens mentais</p><p>essencialmente corticais). Em con clusão, a motilidade evolui da motilidade</p><p>espontâ nea à motilidade endogenamente estimulada e, por último, à</p><p>motilidade evocada.</p><p>12º - A sistemogênese, segundo Anokhine, decorre de acordo com uma</p><p>evolução em que se veri�ca uma maturação neuromuscular. Perante a mesma</p><p>estimulação, as respostas orientam-se na seguinte ordenação: I - resposta</p><p>global e generalizada a todo o corpo (whole body response);</p><p>II - resposta progressivamente mais localiza da, restrita e diferenciada.</p><p>13º - A ontogênese da motricidade precede a ontogênese da</p><p>sensibilidade. Não há oposição entre a motilidade e a sensibilidade, o que</p><p>justi� ca a passagem de uma atividade espontânea a uma atividade estimulada.</p><p>O embrião é ativo (sistema motor) e, posteriormente, reativo (sistema senso‐</p><p>rial). É segundo este axioma de desenvolvimento que se constrói o repertório</p><p>do comportamento, naturalmente em mútua dependência com os cir cuitos</p><p>sinápticos inibitórios. Da expansão motora global, evolui-se para um conjunto</p><p>total (pattern), perfeita e progressivamente integrado. Por aqui se pode</p><p>con�rmar que o sistema muscular não evolui biologicamente de uma forma</p><p>diferente do siste ma neurológico, porque ambos “comunicam” ao nível do</p><p>desenvolvimento de conjuntos sinápticos integrados, isto é, a materialização</p><p>do processo de mielinização.</p><p>14º - As relações evolutivas entre a motilidade e a sensibilidade</p><p>dependem da maturação da função tônica, que se opera no sentido contrá rio à</p><p>lei cefalocaudal. A função tônica, base da modulação antigravítica, que</p><p>possibilita ao Ho mem a postura bípede característica, sofre uma maturação</p><p>caudocefálica. Dela depende a harmoni zação, automática e voluntária. Por esta</p><p>matu ração, percebe-se como cada atividade motora pressupõe uma atividade</p><p>postural. Outro axio ma, demasiado signi�cativo em termos ontogenéticos. O</p><p>movimento não se opõe à postura, a ação não se opõe à atitude bípede, e a</p><p>coorde nação não se opõe à equilibração. Trata-se, para utilizar o termo de</p><p>Hamburger, de uma progres siva reativação (feedback) proprioceptiva, na qual</p><p>se encontra dimensionada a função tônica, que põe todas as estruturas</p><p>somáticas (músculos, tendões, articulações, vísceras, órgãos, aparelhos vitais</p><p>etc.) em confronto integrado com as es truturas cerebrais. Está aqui a</p><p>emergência da perspectiva psicossomática ou psicomotora do</p><p>desenvolvimento humano.</p><p>15º - A função tônica, grande medidora da ontogênese da motricidade,</p><p>reorganiza em um todo integrado a função dos 639 pares de músculos que,</p><p>segundo Gesell, constituem o corpo humano. Dos 639 pares de músculos, 47</p><p>estão relacionados com o controle automático (adquirido �logeneticamente)</p><p>das funções neurovegetativas. Os restantes 582 pares estão relacionados com</p><p>as funções de equilí brio (postura) e de movimento (ação-</p><p>coordenaçãorelação). Esta complicada rede funcional da função</p><p>tônica</p><p>depende de um processo de regulação neuromotora e neurossensorial onde</p><p>entram fundamen talmente as estruturas do tronco cerebral (forma ção</p><p>reticulada, bulbo e protuberância) e do cérebro.</p><p>16º - Outro axioma do desenvolvimento com preende a progressiva</p><p>maturação que vai dos mús culos �exores (ativos no útero) aos músculos</p><p>extensores (ativos fora do útero). É evidente que o sistema motor, à base de</p><p>músculos e glândulas, é demasiado complexo, e só nos interessa aqui a</p><p>ontogênese da motricidade, porque queremos dizer que a dialética �exores-</p><p>extensores se prolonga nou tros grupos musculares, conforme a complexidade</p><p>e a hierarquia da sua função. A hierarquização com preende a maturação que</p><p>decorre igualmente dos músculos monoarticulares aos pluriarticulares, dos da</p><p>profundidade aos da superfície, dos agonistas aos antagonistas. Daqui,</p><p>decorre, segundo Sherring ton, a inervação recíproca, base da função</p><p>integrativa do cérebro, comprometendo uma evolução que se inicia nas</p><p>condutas re�exas, passa pelas auto máticas e atinge as voluntárias.</p><p>17º - A ontogênese postural, que é explica da em termos de evolução da</p><p>espécie, compreen de a evolução das unidades musculares em arti culações</p><p>neuromusculares, estas em vias de condução nervosa e, �nalmente, estas em</p><p>recep tores periféricos. Facilmente se percebe a dialéti ca da motilidade com a</p><p>sensibilidade. Este prin cípio de desenvolvimento pressupõe a seguinte</p><p>maturação postural: 1- Estágio pré-motor</p><p>2- Estágio não motor</p><p>3- Estágio de �exão primitiva</p><p>4- Estágio espasmódico</p><p>5- Estágio reativo</p><p>6- Estágio locomotor</p><p>Se analisarmos bem, estão aqui contidas as libertações progressivas da</p><p>cabeça em relação ao tronco, do braço em relação à cintura escapular</p><p>(preensão) e a do pé em relação à cintura pélvica (loco moção bípede). Em</p><p>outras palavras, esta revolução subentende o retrato da �logênese da</p><p>motricidade, como tentamos demonstrar inicialmente.</p><p>18º -A ontogênese da sensibilidade, baseada em estudos eletro�siológicos</p><p>e histológicos, inte gra a seguinte maturação das funções sensoriais: 1- Tato</p><p>(oral e perioral. Sensibilidade espa lhada pela ectoderme);</p><p>2- Vestibular (orientação e endireitamento postural, Nistagmus cefálico e</p><p>ocular); 3- Auditivo (orientação, localização e dis criminação);</p><p>4- visual (orientação, excitação, inibição, se quência e discriminação).</p><p>Dado que, em termos de ontogênese da motricidade, a visão (input) se</p><p>encontra em permanen te relação com a motricidade (output), vejamos</p><p>esquematicamente a sua diferenciação funcional.</p><p>Segundo Skeffington, em uma perspectiva de desenvolvimento, a visão</p><p>como processo emergente resulta da multi-integração dos seguintes processo</p><p>sensório-motores: 1º - Processo antigravítico (A) Este processo engloba as</p><p>aquisições moto ras que vão permitir superar a ação permanente da gravidade.</p><p>Trata-se da fase de desenvolvimen to dos sistemas tônico-motores básicos</p><p>(reptação, quadrupedia, braquiação de apoio, locomoção bípede etc.), que em</p><p>si materializam a evolução antropológica, isto é, �logênese da motricidade.</p><p>Este período de desenvolvimento compreende a maturação dos sistemas</p><p>nervoso e muscular, que se edi�ca em função das leis neurológicas de de‐</p><p>senvolvimento: lei cefalocaudal e lei próximo-distal. A primeira é responsável</p><p>pela mielinização das vias que vão originar o desenvolvimento pos tural; a</p><p>segunda compreende a mielinização das vias que vão permitir o</p><p>desenvolvimento da preensão e da motricidade ideacional.2º - Processo de</p><p>localização corporal (B) Compreende todos os processos básicos da</p><p>arquitetura da imagem do corpo, que vão produzir a diferenciação do eu e do</p><p>mundo (não-eu), onde se vai dar a semantização vivida do corpo resul tante da</p><p>“locação”, da lateralização e da direcio nalidade do corpo, que, em síntese, vão</p><p>permitir a orientação e a exploração do espaço envolvente. Em resumo, trata-</p><p>se de uma espécie de “piloto” do eu, a partir do qual se processam os</p><p>esquemas de relação com o meio.</p><p>3º - Processo de identi�cação (C) Trata-se de um processo de</p><p>manipulação do real, isto é, da ação sobre os objetos e os outros, que vai</p><p>originar o conhecimento dos seus atribu tos, propriedades e características. A</p><p>ação sobre o real e a sua posterior especialização cognitiva vão exigir da visão</p><p>complicadas associações perceptivo-motoras. Aqui, a visão assume o papel de</p><p>um órgão coordenador, regulador e controlador. Es tão dentro deste período</p><p>de desenvolvimento etc., onde se vão dar inter-relações neurossensoriais en tre</p><p>a visão e a audição, entre a visão e o sentido tátil-cinestésico, bases</p><p>fundamentais de todos os simbolismos primitivos. (PIAGET) 4º - Processo</p><p>auditivo-verbal (D)</p><p>Constitui no fundo o alicerce da linguagem falada, quer quanto aos seus</p><p>aspectos receptivos, quer integrativos e expressivos. É bom que se assi nale que</p><p>este processo, aliás, como os restantes, é dependente da integração entre</p><p>criança e adulto, na qual se vão edi�car as relações auditivo-verbais da</p><p>comunicação e as relações viso-motoras da ação, que juntas vão participar no</p><p>desenvolvi mento da linguagem. A nomeação dos objetos e a sua identi�cação,</p><p>comparação e diferenciação são tratadas e combinadas em função da</p><p>experiência da criança, isto é, da sua história. A visão participa como “plasma”</p><p>neurológico integrador, do qual vão nascer a simbolização e a</p><p>conceitualização, ou se jam, todas as relações entre o espaço agido e o es paço</p><p>representado, que compreendem a práxis não verbal (corporal e motora) e a</p><p>ação como verdadei ro instrumento do pensamento).</p><p>5º - A visão (E) Compreende, portanto, uma inter-relação dialética dos</p><p>quatro processos, conforme o esque ma que se segue:</p><p>Fig. 6.6</p><p>O processo visual - E</p><p>A - O processo antigravítico</p><p>B - O processo de localização corporal</p><p>C - O processo de identi�cação</p><p>D - O processo auditivo-verbal</p><p>E - O processo visual</p><p>A visão é o processo sensorial mais hierarquizado do ser humano, daí a</p><p>sua maturação mais demorada, que reuni�ca as maturações sensoriais que a</p><p>precederam. Aqui está a razão �logenética de um cérebro associativo</p><p>característi co do Homem. No cérebro, dá-se uma maturação que é posterior à</p><p>dos gânglios sensoriais perifé ricos, o que provoca que a função está antes da</p><p>integração. A função desenvolve-se, mas os recep tores são os últimos</p><p>elementos a serem amadu recidos. Em resumo, a maturação ontogenética da</p><p>sensibilidade (fetal) dâ-se de acordo com o seguinte esquema:</p><p>Esquema 6.1</p><p>19º - A ontogênese do sistema nervoso central está naturalmente</p><p>dependente da for mação inicial do tubo neural e das suas trans formações em</p><p>comprimento e largura. As trans formações, segundo Lazorthes, entendem</p><p>uma segmentação, várias curvaturas e, por último, uma báscula. A ontogênese</p><p>compreende, em primeiro lugar, a medula e, em segundo, o encéfalo. Em nível</p><p>da medula, na zona dorsal, for mam-se as conexões sensitivas (ganglioblastos);</p><p>na zona lateral, as conexões neurovegetativas; e, na zona anterior, as conexões</p><p>motoras (neuroblastos). Da estrutura da medula primitiva, vão resultar os</p><p>miotomas (grupos musculares) e os dermatomas (territórios cutâneos), que,</p><p>combinados, originam os segmentos metaméricos, compostos</p><p>simultaneamente de unidades anatômicas e de unidades funcionais.</p><p>Em nível de encéfalo, temos de conside rar a seguinte subdivisão de baixo</p><p>para cima: mielencéfalo, metencéfalo, mesencéfalo, diencéfalo e telencéfalo.</p><p>20º - A ontogênese da motricidade huma na é inversa, em termos de</p><p>dependência cere bral, à dos outros mamíferos. Por exemplo, a ze bra põe-se de</p><p>pé logo após o nascimento, o bebê humano leva em média doze meses para</p><p>adqui rir a postura bípede. O bebê zebra corre e acom panha a manada</p><p>passadas 24 horas do seu nasci mento. O bebê humano corre controladamente</p><p>por volta dos três anos. Mas, ao contrário, o bebê humano relaciona a audição</p><p>com a motricidade por volta dos quatro meses e a visão com a motricidade</p><p>por volta dos oito meses, quando da aquisição da posição de sentado. O bebê</p><p>zebra só muito mais tarde pode orientar-se indepen dentemente em relação</p><p>com os</p><p>receptores a dis tância (visão e audição).</p><p>Fig. 6.7 - Desenvolvzmento segmentar do encéfalo.</p><p>1. Cérebro anterior</p><p>PROSENCÉFALO</p><p>1.</p><p>Telencéfalo</p><p>Hemisférios</p><p>cerebrais</p><p>Ventrículos laterais III</p><p>Ventrículos</p><p>2.</p><p>Diencéfalo</p><p>Tálamo</p><p>Hipó�se-Epí�se</p><p>2. Cérebro médio</p><p>MESENCÉFALO</p><p>3.</p><p>Mesencéfalo</p><p>Tubérculos</p><p>quadrigêmeos</p><p>Pedúnculos cerebrais</p><p>Arqueduto de Silvius</p><p>3. Cérebro posterior</p><p>ROMBENCÉFALO</p><p>4.</p><p>Metencéfalo</p><p>Protuberância</p><p>Cerebelo</p><p>IV Ventrículo</p><p>5.</p><p>Mielencéfalo Bulbo</p><p>Em termos de desenvolvimento humano, temos:</p><p>1º - Receptores a distância (telerreceptores: audição e visão).</p><p>2º - Receptores proximais (proprioceptores: tato e cinestésico).</p><p>Há aqui um aspecto dialético que Wallon já assinalara. No</p><p>desenvolvimento intrauterino, a motricidade precede a sensibilidade. No</p><p>desenvolvimento extrauterino, a sensibilidade precede a motricidade; por isso,</p><p>a criança põese de pé depois de manipular objetos, onde de senvolve</p><p>precocemente conexões viso-motoras e auditivo-motoras.</p><p>Esquema 6.2</p><p>21º - Em uma dimensão ontogenética integrada, a ontogênese do sistema</p><p>nervoso é o resultado da associação entre a ontogênese da motricidade e a</p><p>ontogênese da sensibilidade.</p><p>Esquema 6.3</p><p>22º - A associação funcional que materializa a hierarquia do sistema</p><p>nervoso decorre de uma maturação cognitiva que envolve as seguintes fases:</p><p>Esquema 6.5 - O desenvolvimento intrauterino é o alicerce do</p><p>desenvolvimento extrauterino.</p><p>PERÍODO NEONATAL</p><p>Tomando em sequência a ontogênese da ontogênese, ao desenvolvimento</p><p>intrauterino seguese, obviamente, o desenvolvimento extrauterino, e, entre</p><p>um e outro, surge o nascimento, que com preende a passagem de um meio</p><p>�uido (líquido amniótico) para um meio gasoso (ar). Nesta pas sagem, vão</p><p>veri�car-se novas adaptações, quer em nível das funções de respiração,</p><p>circulação e di gestão, quer em nível da articulação sensorial e da reativação</p><p>re�exivo-motora.</p><p>Para que se processe convenientemente o tra balho de parto, é necessário</p><p>que o feto ultrapasse várias barreiras biológicas. A expulsão do feto re sulta do</p><p>controle da hipó�se da mãe, que, ao colo car ocitocina na circulação, vai</p><p>provocar contra ções intermitentes, involuntárias, dolorosas e espaçadas em</p><p>nível do útero, o que implica o alar gamento da bacia e um relaxamento dos</p><p>ligamen tos púbicos e sagrados. Tal relaxamento é provo cado por outro</p><p>hormônio segregado nas paredes do útero, denominado relaxina.</p><p>Quadro 6.3</p><p>VARIÁVEIS PRÉ-NATAL PÓS-NATAL</p><p>1.</p><p>Envolvimento Líquido amniótico Gasoso (ar)</p><p>2.</p><p>Temperatura</p><p>externa</p><p>Mais ou menos</p><p>constante Varia consoante as condições externas</p><p>3.</p><p>Fornecimento</p><p>de O2</p><p>Hemotró�co: difusão</p><p>por meio da barreira</p><p>da placenta</p><p>Dos alvéolos para o sangue</p><p>4. Nutrição</p><p>Realizada pelos</p><p>elementos nutritivos</p><p>do sangue da mãe</p><p>Depende da alimentação que é fornecida pelos adultos.</p><p>5. Eliminação</p><p>dos produtos</p><p>metabólicos</p><p>Por meio do sangue</p><p>maternal (CO2), pelej rins e intestinos.</p><p>6. Estimulação</p><p>sensorial</p><p>Reduzida,</p><p>essencialmente tátil-</p><p>cinestésica e</p><p>vestibular.</p><p>Interoceptividade</p><p>Ampliada de acordo com a estimulação social, envolvendo</p><p>todas as modalidades sensoriais: proprioceptivas e</p><p>telerreceptivas (audição e visão)</p><p>7. Atividade</p><p>motora</p><p>Signi�cativa,</p><p>diversi�cada e viva.</p><p>Sinergias tônico-</p><p>re�exas.</p><p>Movimentos</p><p>espontâneos</p><p>Re�exos incondicionados e deslocamentos passivos, Movs.</p><p>indiferenciados; descargas tônico-emocional. Dialéticas</p><p>hipotenia-hipertonia satisfação-necessidade</p><p>Quadro 6.4 - Quadro de Apgar</p><p>Fatores de Vitalidade</p><p>Avaliação</p><p>0 1 2</p><p>1. Cor (Appearance) Azul Rosada no corpo e azulada nas</p><p>extremidades Rosada</p><p>2. Ritmo (Pulse) Cardíaco Ausente 100</p><p>3. Irritabilidade re�exa</p><p>(Grimace) Nula Grito Grito vigoroso</p><p>4. Tônus (Activity)</p><p>Atividade</p><p>Nula</p><p>Alguns movimentos nos braços e nas</p><p>pernas</p><p>Movimentos</p><p>ativos</p><p>5. Respiração (Respiration) Ausente Lenta e irregular Boa</p><p>A extremidade cefálica, entretanto, vai-se ajustando à distenção e ao colo</p><p>uterino e vai se acomodando para o nascimento. A cabeça, privi legiada pela</p><p>Natureza, surge à frente e vai abrindo caminho, daí a sua apresentação em 92 a</p><p>94% dos partos (parto eutócico).</p><p>Normalmente, o nascimento vem no mo mento mais adequado de</p><p>desenvolvimento do bebê. Este deve estar pronto para sobreviver em outros</p><p>“cosmo”. O seu corpo relativamente hipotônico tem de realizar várias</p><p>habilidades e contorcionismos. A cabeça primeiro e, depois, o resto do corpo</p><p>moldam-se a condições anatômicas do cor po da mãe; caso contrário, outras</p><p>intervenções vão ser necessárias.</p><p>A progressiva expulsão é auxiliada pelas contrações rítmicas. Nada deve</p><p>inibir a saída do futuro cidadão. O trabalho do parto tem três fases essenciais:</p><p>1a - ruptura das águas;</p><p>2a - abertura completa do cérvix;</p><p>3a - separação total da placenta, após o nas cimento.</p><p>A avaliação de 7 a 10 compreende a maioria dos casos que evidenciam</p><p>um estado normal. As avaliações 4, 5 e 6 merecem uma intervenção, mui tas</p><p>vezes, relacionada com a assistência de oxigê nio ou a observação da faringe,</p><p>onde poderão es tar contidos elementos que di�cultam a respiração. As</p><p>avaliações abaixo de 4 merecem cuidados ain da mais profundos. O índice</p><p>deve ser repetido cin co minutos depois do nascimento e devidamente</p><p>assinalado na �cha neonatal. Está provado, por estudos longitudinais, que os</p><p>índices inferiores a 4 são altamente preditivos de lesões neurológicas e de</p><p>outras anomalias da criança de�ciente.</p><p>Quadro 6.5 - Taxonomia do domínio psicomotor (segundo Harlow)</p><p>Comunicação</p><p>não-verbal</p><p>1. Movimentos</p><p>expressivos -</p><p>postura</p><p>- gestos</p><p>- mímica</p><p>2. Movimentos</p><p>interpretativos</p><p>- Movimentos</p><p>estáticos</p><p>- movimentos</p><p>criativos</p><p>Aquisições</p><p>adaptativas</p><p>(skills)</p><p>1. Aquisições</p><p>simples</p><p>(aquisições</p><p>instrumentais)</p><p>2. Aquisições</p><p>compostas</p><p>(aquisições</p><p>desportivas)</p><p>3. Aquisições</p><p>complexas</p><p>(aquisições</p><p>artísticas)</p><p>Todas as aquisições</p><p>respeitam uma</p><p>hierarquia</p><p>de fases:</p><p>- inicial</p><p>- intermédia</p><p>- avançada</p><p>- hiperelaborada</p><p>Capacidades de</p><p>execução</p><p>1. Endurance</p><p>- endurance</p><p>muscular</p><p>- endurance</p><p>2. Força</p><p>- força de braços</p><p>- força de pernas</p><p>3. Flexibilidade</p><p>4. Agilidade</p><p>- mudança de direção</p><p>- controle</p><p>- tempo de reação</p><p>endurance</p><p>cárdio-vascular - força abdominal</p><p>tempo de reação</p><p>- dextralidade</p><p>Comportamentos</p><p>perceptivo-</p><p>motores</p><p>1. Discriminação</p><p>tátil-cinestésica</p><p>- consciência</p><p>corporal:</p><p>bilateralidade,</p><p>lateralidade,</p><p>dominância,</p><p>equilíbrio.</p><p>- imagem do</p><p>corpo</p><p>- relação do</p><p>corpo com o</p><p>espaço e com os</p><p>objetos</p><p>2. Discriminação</p><p>auditiva</p><p>- acuidade</p><p>- sequência</p><p>-memória</p><p>3. Discriminação</p><p>visual</p><p>- acuidade</p><p>- sequência</p><p>- memória</p><p>- discriminação</p><p>�gura-fundo</p><p>- constância</p><p>perceptiva</p><p>4. Coordenação</p><p>- óculo-manual</p><p>- óculo-pedal</p><p>Movimentos</p><p>Básicos 1º ano de</p><p>vida</p><p>1. Movimentos</p><p>de locomoção</p><p>- reptação</p><p>- quadrupedia</p><p>- braqueação</p><p>- marcha</p><p>- corrida</p><p>- salto</p><p>- pé-coxinho</p><p>- saltitar</p><p>2. Movimentos não</p><p>locomotores</p><p>- puxar</p><p>- empurrar</p><p>- oscilar e balançar</p><p>-parar</p><p>- esticar</p><p>- dobrar e vergar</p><p>- torcer</p><p>3. Movimentos</p><p>manipulativos</p><p>- preensão</p><p>- dextralidade</p><p>1. Re�exos</p><p>segmentares</p><p>• re�exo</p><p>2. Re�exos</p><p>intersegmentares 3 Re�exos</p><p>4. Re�exos posturais</p><p>• reações de</p><p>suporte</p><p>• reação de</p><p>transferência</p><p>Movimentos</p><p>Re�exos</p><p>de �exão</p><p>• re�exo</p><p>miotático</p><p>• re�exo</p><p>de</p><p>extensão</p><p>• re�exo</p><p>de</p><p>extensão</p><p>cruzada</p><p>• re�exos</p><p>agonistas</p><p>• re�exos</p><p>antagonistas</p><p>re�exos de</p><p>indução</p><p>• re�exo</p><p>integrativo</p><p>3. Re�exos</p><p>suprasegmentares</p><p>• re�exo de</p><p>retenção</p><p>passiva</p><p>• reação de</p><p>plasticidade</p><p>• reações</p><p>tônicas de</p><p>atitude</p><p>• reações de</p><p>endireitamento</p><p>(reti�cação e</p><p>verticalização)</p><p>• re�exo de</p><p>preensão</p><p>• reações de</p><p>equilíbrio e</p><p>apoio</p><p>Vários cuidados e exames pediátricos devem ser realizados no recém-</p><p>nascido, como, por exem plo, pele, órgãos genitais, face, cabeça, tórax, ab‐</p><p>dômen, sistemas sensoriais, fontanelas, cordão umbilical, malformações</p><p>congênitas etc.</p><p>Porém, apenas nos interessa abordar aqui os cuidados que, de alguma</p><p>forma, respeitam à ontogênese da motricidade. Dentro desses, temos fun‐</p><p>damentalmente a observação: dos re�exos, do tônus e da mobilidade</p><p>espontânea.</p><p>De uma forma integrada, podemos argumen tar que</p><p>a observação dos</p><p>três aspectos acima dife renciados constitui o repertório neurobiológico ini cial,</p><p>com o qual o recém-nascido vai iniciar a aprendizagem histórico-social.</p><p>Trata-se de uma taxonomia dos comportamentos psicomotores, mui to bem</p><p>descrita e analisada por Harlow.</p><p>Mais de 70 re�exos primitivos foram já de tectados no período neonatal.</p><p>Porém, só vamos nos deter nos mais signi�cativos em termos de ontogênese</p><p>da motricidade. Uma ideia fundamental, queremos já evidenciar — a</p><p>observação dos re�e xos primitivos compreende necessariamente uma</p><p>maturação tônica concomitante.</p><p>André-omas, Dargassies, Illingworth e Minkowski chegam ao mesmo</p><p>ponto de estabelecer escalas de maturação tônica e de re�exos primitivo com</p><p>base na observação de prematuros e crianças de�cientes. Segundo aqueles</p><p>autores, a exploração do bebê deve compreender uma simples observa ção</p><p>subdividida nos seguintes aspectos: comporta mento global evolutivo,</p><p>alternância vigilância-sono, reatividade, choro e atividade sensorial.</p><p>Fixando-no na observação dos re�exos (ou dos automatismos</p><p>primários), a memória da espé cie, vamos agora discriminar os mais</p><p>importantes para o nosso estudo ontogenético: 1- Reflexos orais e periorais —</p><p>os re�exos da deglutição e da sucção estão presentes no recémnascido. A sua</p><p>ausência pode sugerir um defeito de desenvolvimento. A cabeça orienta-se no</p><p>sen tido da zona perional estimulada (re�exos dos pontos cardiais).</p><p>2- Reflexos dos olhos (pitpilar e palpebral) — vários re�exos se observam</p><p>ao nível dos olhos. Os mais importantes são: o re�exo de pestane jar, e</p><p>o re�exo da não-�xação, o re�exo de ro tação (dependente da função</p><p>vestibular) e o re �exo da pupila.</p><p>3- Reflexo de Moro (do abraço) — resposta glo bal a um estímulo</p><p>inesperado ou a um estímulo antigravítico. É um re�exo vestibular que</p><p>consiste em uma abdução e em uma extensão dos braços,</p><p>acompanhado de choro vigoroso. Trata-se também de um mecanismo</p><p>de alerta que deve desaparecer por volta de três a quatro meses de</p><p>idade.</p><p>4- Reflexo de preensão — veri�ca-se quando se estimula a palma da mão,</p><p>provocando uma �exão nos dedos, �cando a mão fechada. Constitui</p><p>um re �exo tônico dos �exores dos dedos. A estimulação nas costas da</p><p>mão provoca o re�exo oposto.</p><p>5- Reflexo do pé — �exão da perna provocada por simples estimulação na</p><p>sola do pé, podendo causar movimentos no membro ipsilateral. Este</p><p>re�exo deve desaparecer por volta dos oito meses.</p><p>6- Reflexos da anca — provocado por �exão de uma perna, originando</p><p>�exão na perna contrária.</p><p>7- Reflexão da marcha — por estimulação da superfície plantar do pé,</p><p>com o bebê suspenso ou seguro pelas axilas, este evoca a �exão</p><p>projetada da perna contrária com extensão da perna apoia da,</p><p>evidenciando um movimento similar à marcha.</p><p>8- Reflexo do calcanhar — provocado por uma percussão ou pressão,</p><p>implicando extensão do membro.</p><p>9- Reflexo tônico do pescoço — re�exo postural assimétrico em que se</p><p>veri�ca a orientação, para o mesmo lado, da cabeça e do braço, com</p><p>�exão con tralateral do joelho. Desaparece por volta de dois a três</p><p>meses. Nas crianças com paralisia cerebral, este re�exo persiste e pode</p><p>até aumentar.</p><p>10- Reflexo de incurvação — a estimulação de uma região paravertebral</p><p>leva a uma incurvação de todo o corpo da criança, no sentido do</p><p>ponto estimulado (GALANT); 11- Reflexo de Landau — o bebê na</p><p>suspensão ventral evidencia uma extensão na cabeça, na coluna e nas</p><p>pernas. Trata-se de uma associação do re�exo labirintítico de</p><p>reti�cação com certos re �exos cervicais.</p><p>12- Reflexos osteotendinosos — normalmente exagerados nas crianças</p><p>com paralisia cerebral.</p><p>13- Reflexo palmomental — abertura da boca por estimulação da palma</p><p>da mão.</p><p>14- Reflexo da passagem do obstáculo — pro vocado por estimulação</p><p>dorsal do pé com �exão da perna.</p><p>Esses re�exos são evidentemente os que possuem talvez maior interesse</p><p>neurológico para a ontogênese da motricidade. Em termos de de‐</p><p>senvolvimento, esses re�exos devem desaparecer com o tempo, dando lugar a</p><p>aquisições motoras ontogenéticas, como as que emergem como con sequência</p><p>do desenvolvimento postural e do da preensão que veremos mais à frente.</p><p>A ausência e a persistência contínua desses re�exos podem re�etir uma</p><p>perturbação neuroló gica e, por isso, fornecem uma informação muito</p><p>relevante para o diagnóstico evolutivo, a identi� cação precoce e a maturação</p><p>da criança.</p><p>A avaliação da maturidade interessa parti cularmente ao neuropediatra e,</p><p>neste sentido, vá rios trabalhos têm sido conduzidos. Robinson su gere cinco</p><p>testes de idade gestacional, subdivididos em: reação da pupila, toque na</p><p>glabela, queda da cabeça, endireitamente do pescoço e orientação da cabeça</p><p>para a luz. Farr sugere outros sinais: ativi dade motora, reação da pupila,</p><p>velocidade passi va, �exão do antebraço, preensão plantar e inten sidade de</p><p>choro.</p><p>Estes e outros inventários relativos podem servir para uma identi�cação</p><p>precoce de desen volvimento e constituem efetivamente os primei ros passos da</p><p>ontogênese da motricidade, que se inicia fundamentalmente pela</p><p>operacionalidade das respostas re�exas. Daqui é possível tirar guias fun‐</p><p>cionais e objetivos sequenciais hierarquicamente ordenados, que podem</p><p>constituir os alicerces do desenvolvimento de currículos de aprendizagem,</p><p>principalmente para as crianças de�cientes, como iremos apresentar exemplos</p><p>mais à frente.</p><p>A observação do tônus aborda o tônus de fundo e o tônus de ação. O</p><p>tônus de fundo é reve lado pela extensibilidade e pela passividade. O tônus de</p><p>ação é evidenciado pela motilidade, pelo endireitamento da cabeça, pelo</p><p>endireitamento glo bal e pelo endireitamento do eixo corporal, quan do a</p><p>criança é mantida por um apoio plantar.</p><p>O tônus é um reforço às aquisições motoras automáticas primárias. A sua</p><p>maturação dá-se no sentido caudocefálico, isto é, o sentido inverso das</p><p>aquisições locomotoras, que seguem, como já vi mos, o sentido cefalocaudal.</p><p>A exploração desta dupla e dialética aquisição, segundo Dargassies, permite</p><p>determinar a idade fetal neurológica.</p><p>Esquema 6.6 - A exploração do tônus e dos re�exos permite determinar a</p><p>idade fetal.Na mesma linha, está o trabalho de Mossa e Dubowitz, que</p><p>criaram uma escala de sinais neu rológicos composta dos seguintes itens:</p><p>postura, extensibilidade da mão, dorsi�exão do pé, retorno da �exão do</p><p>braço, retorno da �exão da perna, ân gulo poplíteo, manobra calcanhar-</p><p>orelha, sinal de cachecol, queda da cabeça e suspensão ventral.</p><p>Quadro 6.6 - Escala de sinais neurológicos de Mossa e Dubowitz</p><p>É evidente que estas escalas do desenvolvi mento precoce têm uma</p><p>grande importância para o estudo da maturação da criança normal e para a</p><p>detecção de crianças com lesões ou disfunções cerebrais ou outros deficits. A</p><p>identi�cação e a despistagem precoces são processos importantíssimos para se</p><p>poder intervir o mais rapidamente possí vel. Não devemos nos esquecer de que</p><p>a educação de uma criança paralítica cerebral ou com síndrome de Down se</p><p>inicia não aos cinco ou seis anos, mas logo após o nascimento.</p><p>Muitos trabalhos têm sido conduzidos na tentativa de perspectivar</p><p>adequadamente o desen volvimento global da criança. Os estudos longitu‐</p><p>dinais, iniciados por Shinn, Pichon e tantos outros, são um modelo que exige</p><p>condições especiais de observação continuada que só podem ser condu zidas</p><p>em casa ou em instituições. Os exemplos dos estudos sistemáticos, por meio</p><p>da diferenciação de fragmentos do comportamento, tiveram os seus ex poentes</p><p>em Bergeron, Halverson, Brunet e Lezine, Gesell Bühler, Hetzer, Wolff, Cattell,</p><p>Charmichael, Sheridan, Illingworth e tantos outros. Aqui interessa</p><p>fundamentalmente a metodologia do de senvolvimento e a obtenção de</p><p>quocientes: de ap tidão intelectual e motora, de desenvolvimento e de</p><p>sociabilidade etc.</p><p>De qualquer forma, não podemos esquecer, em termos neonatais, a obra</p><p>de Gesell. A obra des te autor centrou-se em cinco fatores fundamentais:</p><p>maturação, diferenciação individual, leis de desen volvimento, ritmo de</p><p>desenvolvimento e setorização de comportamentos. Sendo um “colecionador”</p><p>hiper-rigoroso dos comportamentos da criança, não restam dúvidas de que as</p><p>suas escalas de matura ção são de um interesse básico e imprescindível.</p><p>A título sumário, apresentamos a sua escala de desenvolvimento até aos</p><p>cinco anos, compre endendo os seguintes comportamentos: 1-</p><p>comportamento adaptativo (ajustamentos sensório-motores e percepção das</p><p>relações); 2- comportamento motor global (postura e marcha);</p><p>3- comportamento motor �no (preensão e dextralidade);</p><p>4- comportamento linguístico (fatores de co municação verbal e não</p><p>verbal);</p><p>5- comportamento pessoal-social (reações pessoais à cultura social).</p><p>Estes cinco aspectos do comportamento de senvolveram-se</p><p>interdependentemente, contendo processos normais de maturação. Trata-se</p><p>de uma embriologia neurobiológica e psicomotora que ori gina</p><p>progressivamente novas formas de compor tamento cada vez mais</p><p>diferenciadas, ilustrando níveis de maturidade e de integridade do sistema</p><p>nervoso. O comportamento transforma-se em es trutura e em função. O corpo</p><p>cresce e o comporta mento também. O pensamento e o movimento não se</p><p>opõem, e a diferenciação neurológica produz a sua maturação evolutiva.</p><p>A ontogênese da criança compreende um aspecto biológico e um aspecto</p><p>social. No primei ro aspecto, deparamo-nos com a maturação dos sis temas</p><p>nervoso e endócrino. No segundo, observa mos a integração social, valorizada</p><p>com as aquisições da imitação, do jogo e da linguagem.</p><p>O biológico não se opõe ao sociológico. Um não é redutível ao outro.</p><p>Não há neles uma incom patibilidade, mas, pelo contrário, subsiste uma uni‐</p><p>dade dialética. O biológico e o social coexistem em termos de ontogênese da</p><p>motricidade.</p><p>Como defende Wallon, o desenvolvimento da criança é um misto de</p><p>inovação e de renovação. A causa modi�ca-se a si mesma. A motricidade e o</p><p>psíquico, embora sendo duas realidades diferen tes, são igualmente duas</p><p>realidades solidárias.</p><p>Quadro 6.7 - Escala de maturação, segundo Gesell</p><p>A inteligência é o corolário da ação. O pen samento resulta da ontogênese</p><p>da motricidade, que subentende um organismo total que evoluiu atra vés dos</p><p>tempos em termos de interação com o potencial genético. O organismo</p><p>humano, como totalidade, é resultante de “contrários dialéticos” que se</p><p>harmonizam: anatômico-funcional; motorpsíquico; biológico-social;</p><p>fenótipo-genótipo.</p><p>O crescimento, como aumento quantitativo (estrutura), e o</p><p>desenvolvimento, como aumento qualitativo (complexidade), são as</p><p>manifestações do mesmo fenômeno. Fenômeno antagônico (Vio le), alternado</p><p>(Godin) e harmonioso (Pende), onde surgem períodos de aceleração e</p><p>desaceleração que postulam uma relação dialética entre fatores endógenos e</p><p>fatores exógenos, que retratam a passa gem de uma vida vegetativa</p><p>(intrauterina) a uma vida mental (extrauterina).</p><p>Quadro 6.8 - Da filogênese à ontogênese da motricidade</p><p>PERÍODO DE</p><p>DESENVOLVIMENTO</p><p>SEMANAS DE</p><p>IDADE APÓS</p><p>A</p><p>CONCEPÇÃO</p><p>DESENVOLVIMENTO DO COMPORTAMENTO</p><p>NEUROMUSCULAR</p><p>EMBRIONÁRIO 5-6 Diferenciação das �bras musculares excitáveis. Inervação</p><p>dos motoneurônios alfa.</p><p>6-7 Ativação dos motoneurônios das unidades motoras (por</p><p>meio de axônios mielinizados)</p><p>7-8 Os neurônios aferentes estabelecem conexões periféricas</p><p>e centrais não mielinizadas (sistemas do trigênio).</p><p>8 Re�exos orofaciais cutâneos.</p><p>FETAL 9-10 Movimentos espontâneos. Re�exo de Moro (a partir dos</p><p>receptores vestibulares)</p><p>12</p><p>Diferenciação dos fusos neuromusculares. Movimentos</p><p>oculares. Re�exos do pescoço. Re�exos palmares e</p><p>plantares</p><p>14</p><p>Diferenciação dos núcleos cinzentos da medula. Ativação</p><p>dos fusos neuromusculares. Movimentos localizados dos</p><p>lábios, da língua, da cabeça, do tronco e dos membros.</p><p>16</p><p>Movimentos dos músculos respiratórios (intercostais</p><p>anteriores ao diafragma). Mielinização de �bras no SNC</p><p>(nas vias intersegmentais do pescoço e nos nervos</p><p>vestibulares).</p><p>24</p><p>Mielinização das vias dorsais e médio-longitudinais da</p><p>medula. Mielinização dos nervos motores cranianos,</p><p>seguidos pelos nervos aferentes (em primeiro o</p><p>Vestibular).</p><p>28</p><p>32</p><p>36</p><p>Mielinização das vias reticulomedulares, tectomedulares</p><p>e vestibulomedulates. Mielinização dos nervos</p><p>taquidianos (motores antes dos aferentes).</p><p>Re�exo mímico-faciais. Coordenação dos re�exos</p><p>cervicais (Re�exo de Magnus e re�exo de Klein).</p><p>Mielinização das vias medulocerebelosas e</p><p>medulotalâmicas.</p><p>Efeitos do re�exo vestibular nos músculos dos olhos e</p><p>e tos do e e o vest bu a os úscu os dos o os e</p><p>nos músculos dos membros.</p><p>Mielinização nas vias projetivas corticais e nos nervos</p><p>óticos.</p><p>NASCIMENTO 36-37</p><p>38 Re�exos da marcha e da reptação.</p><p>40 Movimentos de perseguição ocular. Controle voluntário</p><p>começa a observar-se.</p><p>42 Relfexo da extensão da cabeça em decúbito ventral.</p><p>INFÂNCIA</p><p>50</p><p>(3m */2)</p><p>Efeitos dos re�exos visomotores no pescoço, tronco e</p><p>membros. Re�exos de suporte nos braços.</p><p>60</p><p>(6 meses)</p><p>A cabeça acompanha o tronco até a posição de sentado,</p><p>quando o bebê é suspenso pelos braços, desde a posição</p><p>de deitado dorsal.</p><p>64</p><p>(7 meses)</p><p>Senta-se sem suporte. Movimentos de exploração.</p><p>68</p><p>(8 meses)</p><p>Bipedismo com suporte. Dominância cerebral começa a</p><p>estabelecer-se bem como a preferência manual</p><p>(lateralidade).</p><p>70</p><p>(8m */2)</p><p>Quadrupedia exploratória. Re�exos de suporte nas</p><p>pernas.</p><p>80</p><p>(11 meses)</p><p>Marcha com suporte.</p><p>100</p><p>(16 meses)</p><p>Marcha e postura bípedes independentes.</p><p>A ontogênese da motricidade é o espelho da �logênese humana. Por</p><p>aqui, demonstra-se que os músculos (como órgãos motores por excelên cia)</p><p>são os instrumentos privilegiados pelos quais os seres humanos comunicam e</p><p>materializam os seus pensamentos e sentimentos. O movimento voluntário e</p><p>o ajustamento postural são as cha ves da inteligência e da comunicação</p><p>humanas. O pensamento é o corolário da ação; os dois são as duas facetas</p><p>sublimes da atividade psíquica superior. Foi assim que a consciência humana</p><p>evoluiu historicamente (aspecto �logenético), e é assim que se opera a</p><p>formação da inteligência da criança (aspecto ontogenético).</p><p>Fig. 6.8 - Filogênese do SNC.</p><p>Fig. 6.9 - Ontogênese do SNC.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AJURIAGUERRA, J. de. Manuel de Psychiatrie de l’Enfant. Paris, Ed. Masson et Cie, 1970. APGAR,</p><p>V. Is My Baby All Right? Nova Iorque, Pocket Books, 1974.</p><p>ANOKHINE, P. Biologie et Neurophisiologie du Reflexe e Conditionné. Ed. Moscou, 1975.</p><p>ATAIDE, S. Alguns Aspectos da Actividade Motora nos Dois Primeiros Anos. Lisboa, Monograf. l.</p><p>Ant. Aurel, Costa Ferreira, 1957. BERGERON, M. Les Manifestations Motrices Spontanées Chez</p><p>L’Enfant. Paris, Ed. Herman et Cie, 1947. 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É o movimento que, ao �xar estruturas e ao</p><p>libertar outras, promove uma sucessiva estruturação interna que se prepara</p><p>para futuras realizações.</p><p>A integração sucessiva da motricidade im plica a constante e</p><p>permanente maturação orgâni ca, que vem re�etir aquilo que Piaget</p><p>denominou dimensão motora do comportamento humano.</p><p>O movimento contém a sua verdade em si próprio e implica por si um</p><p>envolvimento onde se desenvolve. O movimento tem sempre uma</p><p>orientação signi�cativa, em função da satisfação das necessidades que</p><p>provoca com o meio.</p><p>O movimento e o seu �m são uma unidade, e desde a motricidade fetal</p><p>até a maturidade ple na, passando pelo momento do parto e pelas su cessivas</p><p>evoluções, o movimento é sempre proje tado em face de uma satisfação de</p><p>uma necessidade relacional. A relação entre o movimento e o �m</p><p>aperfeiçoa-se cada vez mais, como resultado de uma diferenciação</p><p>progressiva das estruturas integrativas do ser humano.</p><p>Este estudo impõe a coexistência das estrutu ras motivacionais que,</p><p>inexistentes à nascença, se li gam mais tarde aos efeitos do movimento, os</p><p>quais, posteriormente, se orientarão para os automatismos que, �nalmente,</p><p>traduzirão a plasticidade adaptativa às situações novas.</p><p>Gesell e a sua escola estudaram as prolifera ções dos aspectos motores,</p><p>concluindo que é o próprio movimento que liberta o estado caótico de</p><p>inconsciência absoluta, que caracteriza o mo mento do nascimento do ser</p><p>humano.</p><p>É por meio do movimento que o homem integra os dados do exterior,</p><p>que relacionados e sistematizados evolutivamente originam a corticalização.</p><p>Para Minkowski, a evolução motora é, essencialmente, a evolução nervosa.</p><p>Este pa ralelismo dialético estrutura-se a partir dos pri meiros contatos com o</p><p>mundo, estabelecendose uma sucessiva diferenciação e especialização nos</p><p>contatos posteriores.</p><p>Em cada idade, o movimento toma caracte rísticas profundamente</p><p>signi�cativas, como proces so maturativo e, portanto, como enriquecimento</p><p>especí�co do indivíduo com o ambiente.</p><p>Cada nova aquisição in�uencia as ulteriores, tanto no domínio mental</p><p>como no domínio motor, de modo que se valorizem as relações com o meio,</p><p>por meio de uma adaptabilidade a novas circuns tâncias, provenientes de</p><p>uma alteração do conteú do signi�cante das situações vividas e experimen‐</p><p>tadas. É essa experiência, esse contato com o exterior, que esboça a</p><p>consciencialização.</p><p>O estudo neurológico de Jackson levantou o problema de que as</p><p>funções neuropsicomotoras são o resultado de uma evolução hierarquizada,</p><p>evo lução que será a passagem:</p><p>• do mais organizado ao menos</p><p>organizado;</p><p>• do mais simples ao mais complexo; e</p><p>• do mais automático ao mais voluntário.</p><p>Os centros superiores são ao menos organi zados, os mais complexos e</p><p>os mais voluntários.</p><p>A integração do sistema nervoso opera-se em níveis cada vez mais</p><p>elevados, de estados cada vez mais diferenciados e especializados. Mais</p><p>tarde, Von Monarkow e Murgue estudaram os mesmos proble mas,</p><p>demonstrando que a unidade do comportamen to e, portanto, do</p><p>ajustamento, se estabelece suces sivamente em níveis cada vez mais</p><p>complexos.</p><p>A integração mental do movimento, como forma de expressão de uma</p><p>individualização em face da realidade, está em dependência recíproca com a</p><p>gênese do comportamento humano; daí se traduzir em aquisições motoras</p><p>integradas, em estreita rela ção com o desenvolvimento psico�siológico.</p><p>O enriquecimento das possibilidades é ela borado pela motricidade, que</p><p>sucessivamente es trutura intimamente o sistema integrativo, sendo pelo</p><p>movimento que a vida mental se organiza em função do passado e projeta-</p><p>se para a frente, em função do futuro.</p><p>A motricidade é um vasto problema rico de prolongamentos mentais,</p><p>com aquisições de�ni das, mas ainda malconhecidas, na medida em que a</p><p>motricidade repousa em infraestruturas bioló gicas e neurológicas, sem as</p><p>quais não podemos entender as suas relações com os princípios da vida</p><p>mental.</p><p>A ambiguidade dos problemas centrados no movimento leva os</p><p>neurologistas e os psicanalis tas a debruçarem-se sobre o seu estudo, por</p><p>meio de um ponto de partida fundamental, ou seja, a relação do signi�cado</p><p>do movimento, mas, após as situações, as circunstâncias e as condições do</p><p>meio que o originaram. Bergeron acrescenta ain da que a complexidade do</p><p>estudo do movimento nem é um problema de abstração do estudo do</p><p>movimento, nem é um problema de abstração � siológica, nem mecânica,</p><p>nem sequer um objeto exclusivo da psicologia.</p><p>Não se podem dissociar os conjuntos que são responsáveis pelo ato</p><p>motor, na medida em que o movimento isolado não possui o signi� cado de</p><p>comportamento.</p><p>A determinação da conduta está em íntima relação com as estruturas</p><p>possíveis do indivíduo; são fundamentalmente estas que as garantem a</p><p>diferenciação progressi va das condutas.</p><p>Em uma perspectiva dinâmica, a evolução nervosa é sempre uma</p><p>evolução motora. É uma maturação importante na integração sensório-</p><p>motora em função com a causalidade no tempo.</p><p>Compreendemos agora a di�cul dade e a vastidão do estudo do movi‐</p><p>mento, dentro de uma visão do com portamento humano, mas deveremos</p><p>procurar uma via de fundamentação do movimento, procurando</p><p>essencialmen te a sua signi�cação.</p><p>Fig. 7.1 - Posturas com quatro meses de idade. Da postura simétrica à</p><p>exploração visual dos objetos agarrados pela mão. A cabeça possui já</p><p>controle tônico para se opor à gravidade. Postura de reptação e de</p><p>sentado com suporte.</p><p>Fig. 7.2 - Posturas com sete meses de idade. A lei cefalocaudal introduz</p><p>novos avanços na mielinização. Primeiras conexões sensório-motoras</p><p>(visual-mão). Pseudoidenti�cação no espelho. Elevação da cabeça</p><p>revelando melhor controle tônico postural. A boca como órgão tátil de</p><p>conhecimento corporal.</p><p>Fig. 7.3 - Posturas e movimentos com dez meses. Controle da postura de</p><p>sentado. As mãos estão livres, para agarrar manipular e largar objetos. A</p><p>locomoção quadrúpede inicia-se. Os ensaios para a estação bípede</p><p>despontam.</p><p>Fig. 7.4 - Posturas e movimentos com um ano. Motricidade �na para</p><p>iniciar os primeiros passos, colocando em destaque a lei neurológica de</p><p>desenvolvimento, denominada lei próximodistal. Os esquemas de ação</p><p>desenvolvem-se. A marcha com apoio é semidependente, con�rma a fase</p><p>�nal da lei cefalocaudal. A utilização inteligível dos objetos é possivel.</p><p>Fig. 7.5 - Novas aqu isigões com dois anos. Funções práxicas construtivas.</p><p>Primeiros gra�smos. Corrida e coordenação oculopedais. O</p><p>reconhecimento de mais de 50 palavras é facilmente identi�cado com a</p><p>exploração de livros.</p><p>Fig. 7.6 - A diferenciação das aquisições aos três anos. Controle postural</p><p>perfeito. Mantém-se em equilíbrio estático. Controla objetos, realizando</p><p>simultaneamente gestos diferenciados nos membros superiores e nos</p><p>membros inferiores (dissociação). Alimenta-se independentemente,</p><p>controlando os talheres econômica e harmoniosamente. O jogo passa a</p><p>ser uma constante.</p><p>Fig. 7.7 - Aquisições aos quatro anos. Total domínio das funções motoras</p><p>globais e �xas. Diferenciações linguísticas. Apropriação perceptiva-</p><p>motora e pré-operacional.</p><p>Pretendemos relacionar o movimento com as interações que tem com</p><p>os outros aspectos do comportamento, não só com os de ordem motora,</p><p>mas essencialmente com os aspectos da inteligên cia, da afetividade e da</p><p>percepção.</p><p>Foi Piaget um dos autores que mais estuda ram as inter-relações entre a</p><p>motricidade e a per cepção por meio de uma larga experimentação. Pi aget</p><p>relacionou a percepção visual com a motricidade do globo ocular,</p><p>constatando que a percepção surge primeiro em uma fusão pouco de �nida</p><p>com os objetos em movimento, e só tardia mente, os movimentos do olho</p><p>conseguem acom panhar a velocidade dos objetos, classi�cando e precisando</p><p>a percepção. As experiências do qua drado animado de um movimento de</p><p>circundação a velocidades diferentes de Lambercier, veri �caram a</p><p>intervenção da motricidade nos fenômenos da percepção. Tais experiências</p><p>mos traram que a criança tem di�culdade em reconhe cer o quadrado, e só vê</p><p>uma cruz simples, ao con trário do adulto, que, possuindo uma motricidade</p><p>ocular mais desenvolvida, consegue ajustar a sua concentração e ver uma</p><p>cruz dupla envolvida de quatro traços, com obscuridade nos quatro ângu los</p><p>da �gura de conjunto.</p><p>Outro autor, Michotte, também estudou a causalidade perceptiva na</p><p>criança, conclu indo que esta experimenta di�culdades em se guir os</p><p>movimentos e distinguir as prioridades temporais e espaciais e, sobretudo,</p><p>as veloci dades. Esta di�culdade apresenta-se sob a for ma de uma</p><p>inadaptação, dependente do irreconhecimento do envolvimento e da</p><p>limitação do campo visual.</p><p>Este nível de comparação é melhorado com a idade, mas também</p><p>acompanhado por um au mento de ilusão, relacionado com a forma de co‐</p><p>nhecimento e de vivência do indivíduo.</p><p>Piaget considera que a motricidade interfere na inteligência antes da</p><p>aquisição da linguagem.</p><p>A inteligência verbal ou re�exiva repousa em uma inteligência</p><p>sensório-motora ou prática, que, por seu lado, se apoia nos hábitos e</p><p>associações adquiridas para as recombinar.</p><p>O movimento constrói um sistema de esque mas de assimilação e</p><p>organiza o real a partir de estruturas espaço-temporais e causais.</p><p>As percepções e os movimentos, ao estabe lecerem relação com o meio</p><p>exterior, elaboram a função simbólica que gera a linguagem, e esta dará</p><p>origem à representação e ao pensamento.</p><p>A coordenação dos sistemas sensório-motores estabelece-se e</p><p>concretiza-se no movimento, que, de forma cumulativa, dá lugar à atividade</p><p>or ganizada, como consequência da assimilação dos estímulos exteriores.</p><p>A continuidade dos processos morfogenéticos e a adaptação ao meio</p><p>fazem realçar um sistema de reflexos que se desenvolve e que,</p><p>sucessivamente, vai estabelecendo as trocas com o meio.</p><p>A realização do movimento leva, segundo Piaget, à assimilação, que se</p><p>torna elemento de compreensão prática e, ao mesmo tempo, com preensão</p><p>da ação. Piaget de�ne a motricidade como a explicação das condutas que a</p><p>conce bem de um modo integrativo na construção de esquemas sensório-</p><p>motores, portanto, com a complexi�cação progressiva, ligada de forma</p><p>contínua à motricidade elementar resultante de uma série de atos de</p><p>inteligência, características do período pré-verbal.</p><p>Piaget realça ainda a importância da motricidade na formação da</p><p>imagem mental e na repre sentação imagética. O vivido, integrado pelo mo‐</p><p>vimento e, portanto, introjetado no corpo do indivíduo re�ete todo um</p><p>equilíbrio cinético com o meio que, valorizando as representações psico‐</p><p>lógicas do mundo, dá lugar à linguagem.</p><p>Nos trabalhos que o mesmo autor apresen tou com B. Inhelder, mostra-</p><p>equilí brio léxico-visual entre o</p><p>texto e a introdução de esquemas e desenhos, a �m de facilitar a com‐</p><p>preensão da minha mensagem; desenhos e esque mas, ou melhor, esboços</p><p>muito simples, uns ori ginais meus, outros adaptados de obras que lemos e</p><p>dissecamos.</p><p>Termino com “(in)conclusões”, que, pelo seu inacabamento, apenas nos</p><p>abrem o desejo de con tinuar a valorizar os fundamentos de uma perspec tiva</p><p>cientí�ca do desenvolvimento humano.</p><p>Apresento essa contribuição a todos os que se interessam pelo</p><p>desenvolvimento humano, no meadamente pais, educadores de crianças</p><p>de�ci entes e inadaptadas, educadores em geral, pedia tras, psiquiatras</p><p>infantis, psicólogos, pedagogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas,</p><p>reeducadores, investigadores, antropólogos etc.</p><p>Um agradecimento especial a todos os meus alunos do INEF (cursos</p><p>desde 1972 a 1975), do IAACF (cursos de 1977 e 1978) e especialmente do</p><p>ISPA (cursos desde 1975), que nos “obrigaram” a preparar as aulas, que aqui</p><p>surgem com uma cer ta unidade, nem sempre alcançada nas situações</p><p>dialéticas de lecionar. Agradecimento extensivo também a colegas de</p><p>trabalho, de onde destaco Nel son Mendes, Arquimedes da Silva Santos, José</p><p>Marinho (já falecido), Vitor Soares e demais com panheiros do Gabinete de</p><p>Estudos e Intervenção Psicopedagógica de Portugal. Do convívio cientí �co</p><p>que conseguimos criar, nasceram luzes e re �exões que permitiram a</p><p>transformação da nossa informação no presente livro, englobando uma</p><p>Perspectiva do Homem, já apresentada no IV Con gresso Internacional de</p><p>Psicomotricidade (Madri, em março de 1980) e no Congresso Internacional</p><p>de Aprendizagem e Desenvolvimento organizado pelo Instituto Piaget</p><p>(Lisboa, em outubro de 1980).</p><p>Desejo que este meu esforço motive a ativi dade de pro�ssionais de</p><p>educação, aqueles que, mais vezes, são esquecidos em termos de valori zação</p><p>cientifíco-pedagógica.</p><p>Quanto mais valorizarmos a ação dos adul tos, mais benefícios</p><p>poderemos proporcionar à ação (desenvolvimento) das crianças.</p><p>Por último, dedico este trabalho a todas as crianças de�cientes ou não</p><p>de�cientes, que consi dero, em termos antropólogicos e históricos, os</p><p>verdadeiros pais dos adultos.</p><p>Foi essa uma das intenções que tive ao es crever este livro. Faço votos que as</p><p>minhas inten ções impliquem novas ações dos educadores em geral, a quem</p><p>no fundo dedico este livro.</p><p>PARTE 1</p><p>FILOGÊNESE DA</p><p>PSICOMOTRICIDADE</p><p>- 1 -</p><p>Origem da Vida</p><p>Não podendo aprofundar uma perspectiva bioantropológica, não</p><p>queremos deixar de equaci onar, embora super�cialmente, a origem da vida,</p><p>o que põe de imediato em jogo a evolução pré-orgânica que antecedeu a</p><p>evolução orgânica.</p><p>A origem da vida não pode ser estudada ob jetivamente. Só por</p><p>analogia e inferência, pode mos compreender a vida na sua unidade e na sua</p><p>diversidade, que engloba em si inúmeras trans formações físico-químicas</p><p>geradoras de mutações genéticas, as quais justi�cam os milhões de espé cies</p><p>de seres vivos que compreendem uma dinâ mica energético-material</p><p>processada ao longo de milhões de anos.</p><p>O fenômeno vital (o misterioso fenômeno de Teilhard de Chardin) não</p><p>é mais que uma série de processos que têm lugar dentro de certos níveis</p><p>complexos de uma organização da matéria. Já En gels concebia a vida</p><p>(independentemente de não ser um biólogo) como um forma particular de</p><p>mo vimento da matéria. É óbvio que a de�nição de vida é sinônimo de</p><p>energia, energia essa libertada a partir do aniquilamento nuclear mútuo da</p><p>maté ria e da antimatéria.</p><p>É evidente que a origem da vida se presta a explicações teleológicas,</p><p>espiritualistas, animistas e vitalistas; no entanto, as investigações no domínio</p><p>da física, da química e da biologia per mitem uma explicação cientí�ca da</p><p>origem da vida. O ponto de vista idealista considera a vida como um</p><p>princípio espiritual e sobrenatural. Es tão nesta linha as explicações que vão</p><p>de Platão a Aristóteles, passando por Plotino, Santo Agos tinho e São Tomás</p><p>de Aquino, nos quais sobres sai uma concepção de vida determinada por</p><p>uma força vital, animada de um dom supremo, subli me e divino.</p><p>No entanto, outras aproximações antimísticas justi�caram a</p><p>“pluralidade dos universos habi tados”, começando em Anaximandro a</p><p>noção de que os mundos nascem e morrem, e enriquecen do-se em</p><p>Anaxágoras que iniciou a concepção heliocêntrica. Posteriormente,</p><p>Lucrécio, Copérnico, Bruno e Galileu, tendo sido em alguns dos casos</p><p>considerados “hereges”, foram dissecando o mis tério da origem da vida.</p><p>Fig. 1.1 - A origem da vida põe em jogo uma evolução pré-orgânica que</p><p>antecedeu a evolução orgânica.</p><p>O rompimento do obscurantismo que en volve a origem da vida, bem</p><p>como a descober ta dos “parâmetros ocultos”, iniciaram-se com os trabalhos</p><p>de Pasteur, Elsasser, Bohr, Eins tein, Hinshelwood, Heisenberg, Glass, Neu‐</p><p>mann e tantos outros. Em todos estes autores, há uma convergência</p><p>antirreducionista da no ção de vida. A vida, se quisermos uni�car as suas</p><p>concepções, não é um simples metabolis mo químico; ela é um estado</p><p>limitado de orga nização e duração que envolve dialeticamente processos de</p><p>regularidade de repetição, mas também processos invariantes e processos</p><p>teleonômicos (MONOD).</p><p>A noção de vida contém o gérmen da mor te. O que vive, morre. No �m</p><p>da vida, está a morte. É óbvio que esta dimensão dialética e inacabada reúne</p><p>a noção dinâmica da vida que compreende um nascimento e uma</p><p>desintegra ção �nal, estando entre dois estados os fenôme nos metabolismo,</p><p>irritabilidade, movimento, cres cimento, reprodução, acomodação e</p><p>assimilação. Por outras palavras, a vida requer um conjunto de fenômenos</p><p>físicos, químicos e biológicos que põem em destaque os fenômenos de</p><p>assimila ção, acomodação e reprodução e a observância de certas condições</p><p>de radiação, temperatura, gravitação etc.</p><p>A teoria pan-pérmica é uma das abordagens que nos permite</p><p>reconhecer a noção de vida, ou melhor, a formação da matéria, resultante da</p><p>com binação e da constelação de fenômenos físico-químicos que originaram</p><p>o aparecimento da vida no planeta Terra. O aparecimento da vida no nosso</p><p>planeta põe em relevo a importância da forma ção de uma atmosfera.</p><p>Segundo Weizsacker, a aglomeração de poeiras, nuvens e gases, junta mente</p><p>com o choque e a explosão de fragmen tos de matéria, permitiu um</p><p>envolvimento gaso so, rico em hidrogênio, do qual resultou a formação do</p><p>Sol. A partir de fenômenos de gravitação e de contração de gases</p><p>(hidrogênio e hélio), surgem forças eletromagnéticas que ex plicam a atração</p><p>recíproca entre estrelas e pla netas, os quais se organizam, em termos cada</p><p>vez mais complexos, em enxames, espirais, ne bulosas, ou melhor, em</p><p>galáxias.</p><p>Se aceitarmos este princípio, evocado por cientistas, podemos</p><p>compreender que a Terra, ape nas um fragmento de um planeta original,</p><p>constituiu-se em três elementos fundamentais: at mosfera, hidrosfera e</p><p>litosfera.</p><p>Desaparecendo as nuvens e os envolvimen tos gasosos, a luz solar pode</p><p>atingir a Terra. As estruturas resultantes da aglomeração e da contra ção de</p><p>gases, ao reagirem entre si, geraram os mi nerais primitivos e a desintegração</p><p>de materiais ra dioativos. É fácil, a partir daqui, prever que as partículas</p><p>subatômicas (nêutrons, prótons e elé trons) se reuniram, por</p><p>bombardeamentos meteoríticos, em um só próton, mais complexo e orga‐</p><p>nizado, o que, em si, explica a formação de estrelas e poeiras cósmicas, da</p><p>qual surgiram agregações que se deslocam e se �xam no Cosmo. Depois</p><p>desta estabilização cósmica instável, bastou que se dessem as libertações de</p><p>gases, como as do bióxido de carbono, de metano, dos gases sulfuro sos e das</p><p>combinações de azoto, para se origina rem as atividades vulcânicas e os</p><p>fenômenos de vaporização que permitiram o aparecimento dos mares</p><p>primitivos.</p><p>O “puzzle vital” está quase concluído. Dos oceanos, resultam sais</p><p>minerais e fenômenos de condensação que geram chuvas. Este ecossiste ma,</p><p>que tem tanto de invariante como de teleonômico, permite a decomposição</p><p>do vapor de água, dando origem à libertação de oxigênio, con dição</p><p>indispensável à vida dos seres vivos.</p><p>se que a imagem men tal é antes estática e só depois possibilita a anteci pação</p><p>em face da imagem, dadas as di�culdades em imaginar os detalhes da ação.</p><p>A constante integração que o indivíduo es tabelece com o mundo por</p><p>meio do movimento permite-lhe sucessivamente um controle e uma</p><p>intencionalidade progressivos que possibilitam os co nhecimentos dos</p><p>pormenores da ação.</p><p>A esta passagem entre a ação e a representa ção, Michotte designou a</p><p>chave viso-tátil-cinestésica do comportamento humano.</p><p>Estes elementos e tantos outros estudos re velam a importância</p><p>psicológica do movimento, porque a formação da vida mental é baseada em</p><p>uma inteligência prática de�nidora de uma espé cie de imitação interiorizada</p><p>que prepara a ima gem verbal e sonora.</p><p>As atividades perceptivo-motoras prolongam a interiorização de</p><p>imagens visuais, preparadoras dos primeiros esquemas operatórios que dão</p><p>su porte à linguagem e à re�exão.</p><p>Para Piaget, a operação é a ação coordenada que implica a estruturação</p><p>lógica da inteligência humana.</p><p>A cadeia evolutiva movimento-linguagem-inteligência deve ser,</p><p>portanto, constantemente entendi da como ponto de partida, da</p><p>respeitabilidade da unidade do desenvolvimento da inteligência do ser</p><p>humano.</p><p>A noção do objeto e o signi�cado da sua utilização levam ao progresso</p><p>da noção de or dem, propriedade fundamental da coordenação das ações.</p><p>Essa noção de ordem origina a logicidade da inteligência, fundamentada na</p><p>lógica da motricidade.</p><p>Veri�ca-se, com efeito, que a motricidade intervém em todos os níveis</p><p>do desenvolvimen to das funções cognitivas, na percepção e nos esquemas</p><p>sensório-motores, substratos da ima gem mental, das representações pré-</p><p>operatórias e das operações propriamente ditas.</p><p>“A inteligência não aparece em um momen to dado do desenvolvimento</p><p>mental, como um me canismo todo montado e radicalmente distinto dos que</p><p>a precederam”. (PIAGET)</p><p>Efetivamente, a inteligência é o resultado de uma certa experimentação</p><p>motora integrada e in teriorizada, que, como processo de adaptação, é essenci-</p><p>almente movimento.</p><p>Precisamos, agora, perspectivar as constan tes funcionais da</p><p>inteligência, em Piaget.</p><p>Para Piaget, a inteligência é uma adaptação.</p><p>A vida é uma criação cotínua de formas da das, cada vez mais</p><p>complexas, é a procura de um equilíbrio progressivo entre estas formas e o</p><p>meio. Esta mesma linha é defendida também por Vygotsky, para quem a</p><p>adaptação é a procura de um equilíbrio, entre o indivíduo e o meio.Piaget</p><p>prossegue defendendo que o orga nismo humano se adapta, constituindo</p><p>material mente formas novas, para posteriormente as in serir no seu</p><p>universo, na medida em que caberá à inteligência prolongar essa criação,</p><p>constituindo mentalmente estruturas suscetíveis de serem apli cadas ao meio.</p><p>Biologicamente, a inteligência é um caso particular da atividade orgânica,</p><p>dado que as coisas percebidas ou conhecidas são um aspecto do meio ao</p><p>qual o organismo tende a adap tar-se, operando-se como consequência uma</p><p>in versão das relações. Piaget quis explicar que, no desenvolvimento mental,</p><p>existem elementos va riáveis e outros constantes.</p><p>No desenvolvimento da criança ao adul to, assistimos a uma elaboração</p><p>contínua de estruturas variáveis, mas também veri�camos que as grandes</p><p>funções do pensamento per manecem estáveis.</p><p>De fato, encontramo-nos em uma di�cul dade em estudar história do</p><p>comportamento hu mano, na medida em que se torna inútil separar os</p><p>aspectos variáveis dos aspectos permanentes. Teremos de situar o</p><p>desenvolvimento do indiví duo em um contexto dialético, entre as estruturas</p><p>de transformação e as estruturas de estabiliza ção, como defendeu J. C.</p><p>Filloux.</p><p>Uma das estruturas entre o organismo é a adaptação, como condição de</p><p>conservação e equi líbrio entre o organismo e o meio. Para Piaget, há</p><p>adaptação logo que o organismo se transforma em função do meio,</p><p>provocando uma variação de efeito que origina o enriquecimento das trocas</p><p>entre o meio e o indivíduo, que lhe são favoráveis à sua conservação.</p><p>O organismo, como um ciclo de processos psicoquímicos e cinéticos,</p><p>estabelece com o meio uma relação constante, íntima e gerante.</p><p>Mas Piaget subdivide o processo de adaptação em:</p><p>• assimilação — que constitui o funcionamen to do organismo, o qual,</p><p>coordenando os dados do meio, os incorpora; e</p><p>• acomodação — como resultado de pressões exer cidas pelo meio;</p><p>justi�cando que a adaptação é um equilíbrio entre a assimilação e a</p><p>acomodação.</p><p>A inteligência é, com efeito, assimilação, na medida em que incorpora</p><p>todos os dados da expe riência. A adaptação intelectual comporta um ele‐</p><p>mento de assimilação, ou seja, uma estruturação por incorporação da</p><p>realidade exterior por meio da atividade do sujeito. Chamamos aqui a</p><p>atenção para a importância do movimento, dado que é por ele que se</p><p>estrutura a inteligência sensório-motora (prá tica), a qual, organizando os</p><p>atos, assimila os com portamentos motores das diversas situações oferecidas</p><p>pelo meio.</p><p>Posteriormente à experiência motora, o in divíduo constrói formas de</p><p>pensamento baseadas na incorporação dos dados fornecidos por meio dela,</p><p>assimilando os objetos a si próprio e esbo çando aquilo que Piaget</p><p>denominou por inteligên cia re�exiva ou gnósica.</p><p>Por outro lado, o mesmo autor acrescenta que a vida mental também é</p><p>acomodação ao meio ambi ente, dado que ela não é possível sem a assimila‐</p><p>ção atinente. Ao trabalho de acomodação, corres ponde, inversamente, o da</p><p>assimilação. A noção de objeto não é inata; ela necessita de uma cons trução</p><p>tanto assimiladora como acomodadora.</p><p>Em conclusão, tanto a adaptação intelectu al, como a adaptação motora</p><p>são a con�rmação de um equilíbrio progressivo entre um processo</p><p>assimilador e uma acomodação complementar. O in divíduo não se encontra</p><p>adaptado enquanto não estabelecer uma ajustada acomodação com a rea‐</p><p>lidade, mas, inversamente, não haverá adaptação se a nova realidade</p><p>impuser atitudes motoras ou mentais contrárias às que foram adaptadas no</p><p>con tato com outros dados anteriores. Não há adapta ção sem coerência e,</p><p>portanto, sem assimilação, que conduzirá a uma função de organização</p><p>insepará vel da unidade da adaptação, constituindo aquela o aspecto interior</p><p>e esta o aspecto exterior da tota lidade funcional da unidade de</p><p>comportamento.</p><p>Todo o aspecto de inteligência supõe, segundo Piaget, um sistema de</p><p>implicações mútuas e de signi�cações solidárias, que ascenderão ao aspecto</p><p>categorial, onde a inteligência se adapta concretamente ao meio. São as</p><p>“categorias” do espaço e do tempo, da causalidade e da substân cia, da</p><p>classi�cação e do número etc., que, cor respondendo à realidade, a integram</p><p>no consci ente por meio do movimento.</p><p>O “acordo do pensamento com as coisas” e o “acordo do pensamento</p><p>com ele mesmo” exprimem a constante funcional da adaptação e da</p><p>organização.</p><p>Para �nalizar, com Piaget, os dois aspectos do pensamento são</p><p>indissociáveis: é adaptando-se às coisas que o pensamento se organiza, e é</p><p>orga nizando-se que ele estrutura as coisas.</p><p>TENDÊNCIAS FILOGENÉTICAS</p><p>Para os palentólogos e os antropólogos, a motricidade é a chave da</p><p>Evolução, encerrando nela, como paradigma, a sua própria �nalidade</p><p>enteléquia. Não se trata de colocar uma visão puramente biológica, nem</p><p>tampouco valorizar um reducionismo inconsequente como nos fala Weiss</p><p>(1971); pelo contrário, a totalidade es trutural com que hoje concebemos a</p><p>teoria sin tética da Evolução, confere à motricidade o pa pel motor que ilustra</p><p>o triunfo evolutivo dos vertebrados, e na espécie humana, a signi�ca ção da</p><p>sua comunicação e da sua civilização.</p><p>Com cerca de 40.000 genes, o patrimônio informático da espécie</p><p>perpetua e reduplica (CRI CK, WATSON e WILKINS, 1975) uma direcio‐</p><p>nalidade e um desígnio transcendente, nos quais a tricidade, por via de</p><p>pressões seletivas darwinianas, retém certas características que desfru tamos</p><p>com as outras espécies e modela outras, únicas da espécie humana.</p><p>Com base em recombinações poligenéticas abertas e transitórias, a</p><p>motricidade, com origem nos re�exos, refunde e rearranja ao longo</p><p>do pro‐</p><p>cesso evolutivo componentes adaptativos que a transcendem e lhe permitem</p><p>materializar a pró pria cognição.</p><p>Dos re�exos à re�exão, a motricidade con substancia o longo, o</p><p>integrado e o complexo pro cesso interativo e evolutivo, que obviamente tra‐</p><p>duz a emergência do cérebro, considerado o órgão mais organizado do</p><p>organismo (“o órgão da Civilização” para Vygotsky, 1930), o órgão principal,</p><p>por excelência, para lidar intencional mente com o envolvimento, e por</p><p>inferência fun cional, para captar, integrar, elaborar e expres sar a linguagem,</p><p>porque mais nenhum outro órgão evidencia tanta indiferenciação</p><p>topológica e tão elevada especialização (LENNEBERG, 1975), apesar de se</p><p>conhecer hoje mais a sua anatomia do que as suas funções.</p><p>É a especialidade e a complexidade funci onal que o cérebro adquiriu ao</p><p>longo da sua in teração histórico-evolutiva, desde o diminuto cérebro dos</p><p>peixes, dos répteis e das aves, ao longo de um horizonte calculado em 3</p><p>bilhões de anos, ao cérebro hipercomplexo e esférico dos mamíferos, dos</p><p>primatas e do Homo Sapiens, atin gindo em cerca de 10.000 anos, que se deve</p><p>a grande aventura do “vertebrado dominante e comunicante”, o único a</p><p>atingir uma gestualidade, uma pantomima e uma imitação intencionais, em</p><p>sín tese uma neomotricidade (isto é, uma metamotricidade sinônima da</p><p>Psicomotricidade, ou mais exatamente, de praxia ideomotora, ideacional ou</p><p>construtiva), capaz de se consubstanciar em uma forma transcendente de</p><p>comunicação — a comu nicação não verbal.</p><p>O ser humano como produto da Evolução (o fully upright toll-user de</p><p>Simpson, 1973), singu lar e único, entre os animais em termos de</p><p>motricidade e de linguagem, explorador da Nature za, adaptando-se a todos</p><p>os seus envolvimentos ecológicos e produzindo neles impressionantes</p><p>mudanças e transformações, cujos megaefeitos estão ainda por apreciar,</p><p>conseguiu com a sua neomotricidade plani�cada, pensada e</p><p>sequencializada, eacrescentar a ela um mundo objetal (por meio da</p><p>micromotricidade) e um mundo simbólico-civilizacional ( por meio da</p><p>oromotricidade e da grafomotricidade).gato</p><p>Fig. 7.8 - Ao longo da evolução em termos relativos o tamanho da face</p><p>diminui, enquanto o tamanho do cérebro aumenta.</p><p>Dispondo de adaptações macromotoras, micromotoras, oromotoras e</p><p>grafomotoras extragenéticas, ou seja, adaptações decorrentes da sua apren‐</p><p>dizagem cultural, o ser humano biologicamente vulnerável à nascença e</p><p>pobre em instintos, mas, em contrapartida, rico em plasticidade e �exibili‐</p><p>dade adaptativa e em mediatização interativa e co municativa, resistiu a</p><p>todos os predeterminismos e pré-formismos com sua motricidade práxica e</p><p>representacional, pois, com as suas invenções, entre as quais os</p><p>instrumentos e os próprios símbolos, refez e refará o seu envolvimento,</p><p>colocando em prática um sucesso evolutivo, independentemente das suas</p><p>vicissitudes.</p><p>O Homem é, eminentemente, um ser práxico e comunicativo, educável</p><p>e sociável, não obs tante de sua biologia ser insu�ciente para expli car o que</p><p>fez e o que faz ou venha a fazer, uma vez que está condenado a ser</p><p>sumultaneamente agente e produto de cultura. Em síntese, a evolu ção revela</p><p>que, nos seres humanos, a sua motricidade e a sua linguagem e,</p><p>simultaneamente, o seu cérebro e concomitantes sistemas funcionais de‐</p><p>senvolveram-se em paralelo.</p><p>Paleontólogos, antropólogos e primatólogos (LEROI-GOUHRAN,</p><p>1964; BRONOWSKY, 1973; PILBEAM, 1970) são unânimes em consi derar</p><p>uma hierarquização paleontológico-funcional e morfológico-motora dentro</p><p>dos vertebrados, que re�ete paralelamente uma organização cere bral</p><p>hierarquizada, desde o Ictiomorfismo dos anfí bios, passando pelo</p><p>Sauromorfismo dos répteis, pelo Teromorfismo dos mamíferos e até o</p><p>Pitecomorfismo dos primatas. (FONSECA, 1989)</p><p>Só dentro de uma progresiva diferenciação funcional da motricidade</p><p>vertebrada (FONSE CA, 1989 e 1992), pode-se conceber a emergên cia de</p><p>transformações e libertações anatômicofuncionais, elas próprias indutoras</p><p>de outras transformações e libertações neurobiológicas, quer sobre o ponto</p><p>de vista �logenético, quer ontogenético, dado que são sinteticamente o co‐</p><p>rolário triunfante da Evolução.</p><p>A evolução da motricidade pré-�gura a evo lução do cérebro, e este</p><p>requer uma certa matura ção neurológica vertical e ascendente (LURIA,</p><p>1966) para dar origem à evolução dos sistemas de comunicação não verbal e</p><p>à comunicação verbal, quer no Homo Sapiens quer na criança.</p><p>Os sistemas de comunicação animal não podem substanciar uma</p><p>sequência de marcas ou uma manipulação de símbolos, pois elas são só</p><p>próprias da espécie humana. Independentemente de a comu nicação não</p><p>verbal animal ser deveras especí�ca e restrita em termos de espécies, a sua</p><p>complexida de gestual e facial, quinestésica e proxêmica está longe da</p><p>comunicação não verbal humana, dada a sua contiguidade com a</p><p>manipulação de sinais, sig nos e símbolos, que não respondem apenas a</p><p>neces sidades biológicas, mas subentendem necessidades extrabiológicas,</p><p>cuja transcendência signi�cativa está na base da emergência da própria</p><p>linguagem.</p><p>Para que a linguagem se justi�que em ter mos paradigmáticos, é</p><p>necessário que os sons emiti dos sejam:</p><p>• (1) vocais</p><p>• (2) articulados</p><p>• (3) signiticativos</p><p>• (4) indicativos</p><p>• (5) intencionais</p><p>• (6) multicombináveis</p><p>Para Critchley (1975), os sons devem envol ver uma micromotricidade</p><p>especí�ca da língua, da laringe e da faringe — oromotricidade — algo que</p><p>em si encerra uma especialização do aparelho articulatório inter-relacionado</p><p>com os sistemas corticais su periores, ou seja, um conjunto sistemático de li‐</p><p>bertações anatômicas e de transformações funcionais ao nível do crânio e do</p><p>cérebro, a que já �zemos referência. (FONSECA, 1989 e 1992)</p><p>Os animais produzem sons destituídos de signi�cação que mais não</p><p>são do que sinais �xos e in�exíveis, não sequencializados nem ordenados,</p><p>que determinam padrões inatos que podem servir de meios inintencionais</p><p>de comunicação e de es quemas básicos de sobrevivência e sinalização, mas</p><p>não podem ser caracterizados como linguagem.</p><p>As ululações, os arfamentos, os rugidos, os latidos, os guinchos, os</p><p>ofegamentos e os arquejamentos, os roncamentos e os rosnamentos, os gri‐</p><p>tos e os uivos limitativos, que servem para expri mir ameaças, ataques,</p><p>defesas, perigos, dores, prazeres, chamadas-aviso, desejos, fome, medo,</p><p>proteções e interações lúdicas, olhares, posturas etc., certamente muito</p><p>complexas e hierarquizadas, com certo paralelismo na evolução pré-verbal</p><p>da criança, não podem criar novas palavras, nem, tampouco, novas frases</p><p>(SLOBIN, 1979). Os ani mais não produzem nomes de objetos, direções</p><p>comportamentais, ideias, valores etc., comunicam entre eles, mas de forma</p><p>limitativa e restritiva.</p><p>Como o ser humano adquiriu os diferentes passos até a apropriação da</p><p>linguagem, talvez nun ca venha a ser conhecido, uma vez que a lingua gem,</p><p>nas suas origens, não deixou qualquer rastro ou registro, pois ela não é</p><p>possível de se perpetuar em fósseis.</p><p>A nossa proposta sobre a origem da linguagem é que ela esteve associada</p><p>à motricidade, especialmente à libertação e à utilização da mão e da face, de</p><p>onde de corre a emergência sequencial de gestos e mímicas intencionais.</p><p>Apesar da incomensurável versatili dade da comunicação não verbal</p><p>humana, em ges tos mímicos, ambas estão limitadas, e ambas são ine �cazes</p><p>na escuridão noturna, daí a necessidade de recorrer aos sons, para se dispor</p><p>de um meio de comunicação também utilizável no escuro.</p><p>A combinação de sons, gestos e mímicas para in dicar objetos e situações,</p><p>sinergeticamente integrada (componente interna neurobiológica) e imitada</p><p>pelo grupo (componente externo social), em ter mos de contágio biocultural,</p><p>ecocinésia transcen dente, �logenética e ontogeneticamente única e exclusiva</p><p>da espécie humana, fornece algumas ten dências sobre a emergência da fala,</p><p>ela própria no seu início, uma linguagem de sinais, só concebí vel em paralelo</p><p>com a fabricação e a manipula ção de instrumentos, marco antropológico</p><p>cruci al que identi�ca a separação do Homem de</p><p>Neanderthal do Homem</p><p>Moderno (LIBERMAN, 1975) e que esclarece a importância do tamanho e</p><p>da comple xidade do cérebro.</p><p>A sequência de sons, reforçada com ges tos e mímicas, induz a palavra</p><p>(síntese verbal de um construto não verbal), que, inicialmente hi potecada à</p><p>comunicação de fatos concretos, se tornou progressivamente um</p><p>instrumento de co nhecimento, como podemos acompanhar longi‐</p><p>tudinalmente na criança. Com a palavra, o cor po e a sua motricidade</p><p>prolongam-se em simbolismos, isto é, ela permite a elevação do concreto</p><p>(no sentido do sensorial) ao abstrato (no sentido do simbólico). O primeiro</p><p>signo sonoro, uma vez que reúne o sensorial, o perceptivo e o imagético (no</p><p>sentido iconográ�co de Bruner, 1970), dá início ao pensamento humano.</p><p>Na gênese do pensamento, o homem primi tivo se associou, e a própria</p><p>criança se associa às coisas e aos objetos, por meio da sua motricidade neles</p><p>aplicada, motricidade vivida e representa da que se inseriu e insere entre as</p><p>coisas, às suas próprias necessidades, a partir das quais, modi� cou e</p><p>modi�ca as relações entre ambas, uma vez que os seus próprios corpos se</p><p>tornam no campo privilegiado de atividade, acomodando a sua pos tura à</p><p>presença das coisas e dos objetos, procu rando reproduzir algo deles,</p><p>assemelhar-se a eles, mesmo imitá-los.</p><p>Trata-se de um pensamento descritivo, ba seado na motricidade com a</p><p>qual se opera a pas sagem da ação concreta à imagem que interna mente a</p><p>representa. O gesto, complementar das coisas e dos objetos, tornou-se</p><p>progressivamente complementar da coisa ou do objeto a ser expres so</p><p>(WALLON, 1963). O pensamento parece ter sido inicialmente mímico, antes</p><p>de ter sido falado ou escrito, e tal paradigma da linguagem é ilustrado na</p><p>ontogênese, como está expresso em algumas formas regressivas do afásico.</p><p>Quais serão então as características intrínse cas dos signos sonoros que</p><p>explicam a passagem dos seres não humanos aos humanos?</p><p>Autores, como Balbi (1982), Hockett (1978), Critchley (1975),</p><p>identi�cam proprieda des distintas da linguagem, que designaram por</p><p>“características construtivas”, das quais destaca ram três peculiares do ser</p><p>humano: deslocação, pro dutividade e dualidade.</p><p>Deslocação no sentido de a linguagem apre sentar um atributo de</p><p>extensibilidade que trans cende as barreiras imediatas do tempo e do espa ço,</p><p>cuja analogia com a dança das abelhas é um mero indício. Produtividade, no</p><p>sentido da multi plicidade inovadora e in�nita de mensagens e da</p><p>versatilidade e da �exibilidade in�ndável das suas divisões, inteligivelmente</p><p>descodi�cadas e codi�cadas (o open-endedness chomskiniano), cuja intera‐</p><p>ção entre os gol�nhos e as baleias é um simples exemplo. Dualidade, no</p><p>sentido da estruturação básica de padrões da linguagem, que, em termos</p><p>humanos, se revela pela manipulação de morfemas que decorrem da copiosa</p><p>construção de fonemas, cujas semelhanças com a melodia sonora das aves é</p><p>apenas uma amostragem plausível.</p><p>Embora os etologistas nos venham eluci dando da complexidade da</p><p>comunicação entre os animais, o seu efeito comunicativo não pode ser ainda</p><p>considerado intencional. A linguagem hu mana, embora emergindo de bases</p><p>biológicas in questionáveis, não pode ser reduzida a uma co municação</p><p>animal, independentemente de a comunicação entre os primatas apresentar</p><p>indíci os de formas mais elaboradas e plásticas de inte ração cognitiva,</p><p>impensáveis no passado (GARD NER, 1969). Todavia, primatas não</p><p>pronunciam senão simples duplicações silábicas.</p><p>O ser humano é único no seu aparelho oromotor (DUBRUL, 1958) que</p><p>lhe permite atingir dois a três anos depois de nascer e depois de se equili brar</p><p>(papel da postura bípede e da segurança gravitacional, das quais</p><p>funcionalmente advêm gran des transformações craniocerebrais e o aparelho</p><p>vocal), e, em um ecossitema sociocultural apropri ado e mediatizado, uma</p><p>articulação voluntária, com plexa temporalmente (100 músculos para</p><p>produzirem em média cerca de 14 sons por segundo) e diferenci ada em</p><p>inúmeros sons distintos.</p><p>Com as ditas transformações craniocerebrais decorrentes da postura</p><p>bípede (FONSECA, 1989), conquista motora especí�ca da espé cie, outras</p><p>transformações se veri�caram pa ralelamente, quer na faringe, quer na</p><p>laringe, bem como na língua.</p><p>A faringe humana serve de passagem à co mida e ao ar, permitindo que</p><p>a passagem nasal seja convenientemente fechada, possibilitando que o ar</p><p>seja inalado, perfeita e totalmente pela boca. Os músculos digástricos que</p><p>servem para mobilizar a mandíbula a partir do osso hioide es tabilizam a</p><p>laringe como verdadeiras âncoras, recurso e suporte essencial à fala,</p><p>inexistentes noutras espécies. Além desta função de suporte, os mesmos</p><p>músculos se ampliam e divergem para expor o dia fragma oral profundo</p><p>(músculo milo-hioide), forne cendo-lhe maior liberdade de</p><p>micromovimentos que são essenciais à produção oral.</p><p>insetívoro</p><p>Pelo efeito da conquista bípede, a mandíbula, desde os insetívoros ao</p><p>Homo Sapiens, arre donda-se, em virtude da produção de modi�ca ções no</p><p>crânio tendentes à redução do prognatismo e da estrutura dentária e</p><p>também, da rotação descendente do foramem magnum, mo bilizando</p><p>anteriormente e reduzindo os múscu los da base da boca (digástrico</p><p>anterior), ao mes mo tempo em que o osso hioide progride para a frente,</p><p>tornando menor o ângulo entre a cavida de oral e a esôfago-faríngica, dando</p><p>origem si multaneamente ao alongamento dos mesmos músculos na parte</p><p>posterior (digástrico posteri or). A boca e o aparelho oromotor �cam assim</p><p>controlados no plano posterior pelo músculo milo-hioide, conferindo a</p><p>ambas as estruturas anatômicas libertações funcionais que estão por detrás</p><p>da linguagem ar ticulada humana.</p><p>Fig. 7.9 - As transformações craniocerebrais decorrentes da postura</p><p>bípede produziram, paralelamente, transformações na faringe e na</p><p>laringe. Os músculos digástricos mobilizam a mandíbula e estabilizam a</p><p>laringe, garantindo maior liberdade de micromovimentos necessários à</p><p>fala.</p><p>Figura 7.10 - Em virtude da postura bípede, a mandíbula arredonda-se</p><p>desde os insetívoros até o Homem, o prognatismo reduz-se e o foramem</p><p>magnum recua descendentemente, transformações que estão na base da</p><p>produção da fala (na �gura, a mandíbula está colocada na posição</p><p>inversa).</p><p>A laringe humana, por sua vez, originalmen te nos vertebrados uma</p><p>simples válvula de ar para proteger os pulmões, quando conquistaram a ter‐</p><p>ra �rme, transformou-se nos humanos em um dis positivo funcional</p><p>importantíssimo para produ zir sons. O ar vindo dos pulmões, modulado</p><p>pelo diafragma, vibra perfeitamente por meio das cor das vocais, originando</p><p>inúmeras modi�cações e subdivisões que se repercutem nas três câmaras da</p><p>fala: a faríngica, a nasal e a oral.</p><p>A forma em ângulo reto e do trato vocal é também única do ser</p><p>humano, assim como é a colocação bai xa da laringe e o controle da úvula.</p><p>Figura 7.11 - Representação do trato vocal na criança e no adulto. Veja a</p><p>limitação do aparelho oromotor na criança.</p><p>Com tanta especi�cidade anatômico-funcional, a fala tinha de ser</p><p>especí�ca da nossa espé cie, e só possível em um dado período maturacional,</p><p>uma vez que a criança humana e o chimpanzé e, também, o trato vocal</p><p>reconstruído do Homem de Neanderthal desfrutam limitações no sistema</p><p>que não lhes permitem, nem permitiram, produ zir a multiplicidade de sons</p><p>que caracterizam o aparelho humano da fala.</p><p>Alguns papagaios e araras podem reprodu zir a fala humana, sem,</p><p>contudo, entenderem a sua signi�cação, usando para o efeito mandíbulas e</p><p>cavidades bucais não humanas, mas a comple xidade do seu repertório é</p><p>extremamente restrita, pois limitam-se aos processos periféricos e não ao</p><p>central e principal, imitam e copiam, mas não podem inventar e criar novos</p><p>símbolos.</p><p>A linguagem tornou-se, deste modo, um meio deter minante da</p><p>organização social. A caça ou a pesca, como um grande jogo, pode ser</p><p>preparada e plani�cada pelo grupo. Tarefas podem ser transmitidas, comu‐</p><p>nicadas e, em seguida, realizadas. Localizações es paciais e temporais são</p><p>compartilhadas. Memórias revisualizadas,</p><p>reauditorizadas, revisitadas,</p><p>reexperimentadas tátil e quinestesicamente, regestualizadas, remimadas etc.,</p><p>pondo em marcha a me lhoria de estratégias de interação e de métodos de</p><p>trabalho, que tenderam a perpetuar a propensibilidade para aprender, o que</p><p>caracteriza o desenvolvi mento da cultura. Daí emergindo mais tempo de</p><p>lazer, mais tempo para re�etir, mais tempo para aper feiçoar armas,</p><p>instrumentos e ferramentas e, con sequentemente, mais tempo para as</p><p>relações soci ais, em uma palavra, mais tempo para desenvolver a inteligência</p><p>e a comunicação. A capacidade cognitiva para aprender e reaprender</p><p>tornou-se, assim, cada vez mais importante.</p><p>A evolução cultural e o desenvolvimento do cérebro, dialeticamente,</p><p>interin�uenciaram-se ao longo do tempo, razão pela qual a criança hu mana</p><p>necessita de tempo de dependência para se apropriar de tais aquisições</p><p>complexas, pressupon do, de novo, uma hierarquia da motricidade, em</p><p>analogia com a hierarquia da inteligência. Assim como nos evoca Piaget</p><p>(1964), a criança precisa aprender umas tarefas antes das outras, isto é,</p><p>precisa passar pelas inteligências: sensório-motora, préoperacional e</p><p>operacional, antes de atingir a inteligên cia formal e hipotético-dedutiva, assim</p><p>também a cri ança precisa conquistar a macromotricidade e a</p><p>micromotricidade, antes de atingir a oromotricidade da linguagem falada (1.</p><p>sistema simbólico) e, anos mais tarde, a grafomotricidade que culmina na</p><p>aqui sição da linguagem escrita (2. sistema simbólico), ou seja, o conjunto</p><p>integrado e pré-estruturado de aquisições fundamentais para a apropriação</p><p>cul tural que, por sua vez, ilustra e espelha a matura ção de substratos</p><p>neurológicos e de sistemas fun cionais que são o monopólio da espécie</p><p>humana.</p><p>Em conclusão, não basta possuir um cére bro largo para produzir a</p><p>linguagem, é também necessário um sistema postural de onde emerge um</p><p>aparelho vocal disponível que sinergeticamente passa produzir uma</p><p>oromotricidade especializada. A incorporação da linguagem pressupõe a</p><p>integra ção de uma neomotricidade decorrente da aquisi ção exclusiva da</p><p>espécie humana, ou seja, da pos tura bípede, que em Quiros (1979),</p><p>materializa em termos neurofuncionais a potencialidade corporal, sem a qual</p><p>a linguagem se pode reproduzir e�cazmen te. Com ela, desenvolve-se um</p><p>sistema cognitivo extremamente potente e plástico e, simultaneamen te,</p><p>apropria-se da comunicação simbólica.</p><p>Efetivamente, com músculos perilabiais, uma cavidade bucal pequena,</p><p>uma língua hiperpráxica e capaz de bloquear a faringe, um palatino baixo e</p><p>dentes metamorfoseados e reduzi dos, o ser humano controla uma pressão</p><p>de ar, de onde emerge a função única da fala, permi tindo transferir</p><p>conceitos abstratos para outros seus semelhantes.</p><p>A evolução quanti�cativa e qualitativa en tre o primara e o Homo</p><p>Sapiens, em termos de linguagem, é deveras impressionante, nela se si tua,</p><p>provavelmente, a formulação das hipóteses mais atraentes sobre a origem da</p><p>linguagem.</p><p>Figura 7.12 - Trato vocal no primata e no Homem.</p><p>HIPÓTESES SOBRE A ORIGEM DA LINGUAGEM</p><p>Uma das hipóteses da origem da lingua gem é avançada pelas �loso�as</p><p>teológicas Judaica-Árabe-Cristã, que defenderam a fala como uma doação</p><p>divina e misteriosa ao par humano original, faculdade essa depois</p><p>transmitida aos seus progenitores. Segundo a mesma fonte, um cataclismo</p><p>desencadeou-se posteriormente, dan do origem à fragmentação da fala,</p><p>uniforme e primordial, em uma multiplicidade de línguas nas quais o mito</p><p>da Torre de Babel se baseia. A lín gua primitiva Adamica, para muitos</p><p>teólogos pioneiros, a própria língua sagrada que se falava no paraíso, teria</p><p>então evoluído no vocabulário e nos adornos sintáxicos, consagrando nela a</p><p>hi pótese monomagnética da linguagem.</p><p>Outra hipótese alternativa a esta compre endeu a teoria poligenética da</p><p>linguagem, tendo esta emergido, segundo os seus defensores, em dife rentes</p><p>regiões, em diferentes períodos e em dife rentes raças, sem, contudo, ter</p><p>abandonado a sua origem sobrenatural.</p><p>Só nos séculos XVIII e XIX, os primeiros �lólogos lançam novas</p><p>hipóteses: umas mais concentradas na evolução biológica contínua; outras</p><p>mais ligadas aos impulsos inatos e abruptos da autoexpressão; outras, ainda,</p><p>mais basea das nas onomatopéias ou nas imitações dos sons da natureza;</p><p>outras mesmo decorrentes da elabo ração das interjeições a partir de</p><p>expressões expletivas, ora de gestos audíveis e de inaudíveis panto mimas,</p><p>en�m, uma multiplicidade de hipóteses, sendo todas elas de grande interesse</p><p>histórico.</p><p>Outras hipóteses so�sticadas, mais recen tes, situam a fala humana</p><p>como uma elaboração de sons evocados pelo esfíncter glotal, que cortan do o</p><p>mecanismo de engolir e prevenindo a co mida de entrar nas passagens</p><p>respiratórias, per mitiu o acesso à articulação. Outras menos sedutoras</p><p>situaram a origem da fala no canto e na dança; outras como re�exo do</p><p>contato com um envolvimento sonoro, além de outras ainda mais</p><p>especulativas, como a hipótese nativista, a hipótese de coesforço, a hipótese</p><p>gestual (ligan do os centros corticais da mão com os da voca lização), a</p><p>hipótese musical e a hipótese do con tato. (FONSECA, 1986)</p><p>PRESSUPOSTOS FILOGENÉTICOS E ONTOGENÉTICOS DA</p><p>COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL</p><p>Independentemente de os vários protago nistas e defensores das várias</p><p>hipóteses da ori gem da linguagem não apresentarem uma hipó tese</p><p>consensual, de um ponto de vista anatômico, a fala utiliza estruturas</p><p>bucolaríngicas e linguofaríngicas, que originariamente foram desenhadas</p><p>para �nalidades de respiração e de deglutição.</p><p>Certamente que a linguagem no Homo Sapi ens não emerge fora dos</p><p>pressupostos antropoló gicos que o tornaram um vertebrado falante, uma vez</p><p>que ela se limitou a aproveitar as libertações anatômico-funcionais</p><p>preexistentes a que jâ aludimos (FONSECA, 1989), e que plenamente</p><p>equacio nam os pressupostos �logenéticos e ontogenéticos da comunicação</p><p>não verbal (CNV).</p><p>Não se pode observar a origem do compor tamento simbólico e da</p><p>comunicação verbal do ser humano, sem perspectivar as adaptações</p><p>antropomórficas da espécie, bem como suas tendências evolutivas que</p><p>constituem a CNV, por mais que custe a al guns linguistas.</p><p>A sua compreensão é incompleta sem o con tributo da motricidade</p><p>arborial própria dos primatas e dos hominídeos, de onde decorrem as</p><p>seguintes libertações funcionais:</p><p>• desenvolvimento das extremidades como órgãos de preensão e de</p><p>exploração;</p><p>• modi�cações estruturais craniodentárias decorrentes da dieta;</p><p>• complexidade na integração e associação interneurossensorial;</p><p>• postura bípede e consequentes mudanças no esqueleto craniano;</p><p>• evolução cultural e desenvolvimento do cérebro como órgão de</p><p>comunicação e aprendiza gem. (FONSECA, 1989 e 1992)</p><p>DESENVOLVIMENTO DAS EXTREMIDADES COMO ÓRGÃOS DE</p><p>PREENSÃO E EXPLORAÇÃO</p><p>O desenvolvimento das extremidades, como órgãos de preensão e de</p><p>exploração, está associado à capacida de de sustentação e de destreza</p><p>antigravítica, de onde decorre a dissociação micromotora dos dados e a</p><p>oponibilidade do polegar que assegura a pinça re�nada e a potente</p><p>discriminação tátil-quinestésica, com os quais se libertou posturalmente a</p><p>mão e se fabricaram os instrumentos. A mão pôde então refazer o cérebro, e</p><p>este, por sua vez, pôde recons truir e multiplicar as suas capacidades práxicas</p><p>e sim bólicas, como podemos constatar na linguagem gestual dos de�cientes</p><p>auditivos. Fabricar utensílios é uma das tendências evolutivas mais</p><p>relevantes da espécie humana, uma aquisição superior só pos sível com um</p><p>esqueleto e uma motricidade supe riores. A libertação da mão — a</p><p>micromotricidade — põe em marcha uma nova libertação, a da boca para</p><p>falar — a oromotricidade — que rompeu com novos sistemas no cérebro.</p><p>MODIFICAÇÕES ESTRUTURAIS CRANIODENTÁRIAS</p><p>DECORRENTES DA DIETA</p><p>As modificações estruturais craniodentárias decor rentes da dieta</p><p>consubstanciam uma maior, mais complexa e diversi�cada preparação</p><p>extrabucal dos alimentos, que simultaneamente com o do mínio do fogo</p><p>produziram efeitos especiais na dentição e na concomitante musculatura</p><p>peribucal.</p><p>A boca libertada da exclusividade do processa mento dos</p><p>alimentos, perdendo a sua função de predação e de agressividade, com a</p><p>modi�cação estrutural da mandíbula, com a incisivação dos caninos e a</p><p>molarização dos pré-molares, menos proeminentes e mais diferenciados,</p><p>produziu uma mastigação muscularmente mais leve e funcional e,</p><p>paralelamente, uma diminuição convergente e parabólica dos maxilares,</p><p>cujo extraordinário im pacto na musculatura mímico-expressiva traduz uma</p><p>das tendências evolutivas da comunicação não verbal mais interessantes.</p><p>Com todas estas libertações, onde a mão se ocupa da preparação alimentar,</p><p>antes de entrar na boca, e os dentes passaram a ser ultrapassados pelos</p><p>utensílios, a faringe, a laringe, a língua e os lábios passaram a estar mais</p><p>livres para produzir sons articulados e emoções, tendência evolutiva e</p><p>cultural da qual emergiu obviamente a restrição do crânio dentá rio e a</p><p>expansão do crânio cerebral exclusiva da espécie humana.</p><p>COMPLEXIDADE NA INTEGRAÇÃO E ASSOCIAÇÃO</p><p>INTERNEUROSSENSORIAL</p><p>A complexidade na integração e associação interneurossensorial re�ete a</p><p>tendência evolutiva da com plexidade informativa (intraintegrada,</p><p>interintegrada e integrada), que explica o aumento do peso do cérebro e a</p><p>gestão sistêmica das suas relações com o corpo e a motricidade e, no fundo,</p><p>as condições transientes que induziram os sistemas de comunica ção não</p><p>verbal, primeiro e, posteriormente, os siste mas de comunicação verbal.</p><p>Como cabe ao cérebro realizar o comporta mento (relação integrada de</p><p>estímulos e respostas), a interconexão de múltiplas redes informáticas es‐</p><p>palhadas pelo corpo, quer periféricas (pele, mús culos, articulações, nos</p><p>órgãos internos e nos ór gãos sensoriais da cabeça), quer centrais</p><p>(mielencefálicas, metencefálicas, mesencefálicas, diencefálicas e</p><p>telencefálicas), retratam um com plexo sistema de comunicação sensorial.</p><p>Efetivamen te, para que o comportamento animal ou humano possa ocorrer</p><p>de forma adaptativa, as sensações, puras informações integradas, devem</p><p>estimular e ativar, em um todo funcional, as células nervosas que iniciam o</p><p>pr ocess o neurológico e terminam na res posta motora (macromotoras</p><p>especí�cas de muitos vertebrados e, micromotoras, oromotoras e</p><p>grafomotoras exclusivas da espécie humana).</p><p>É ao cérebro que cabe organizar um sistema de comunicação de</p><p>milhões de dados para que as respostas adaptativas façam parte do</p><p>repertório do indivíduo, por meio das quais ele se apropria de aprendizagens</p><p>não verbais e verbais múltiplas, que espelham no fundo a sua evolução</p><p>cultural. A disfunção de tal sistema de comunicação põe em pe rigo o</p><p>desenvolvimento de sistemas funcionais que sustentam os processos de</p><p>aprendizagem e ofere cem referências sobre a taxonomia defetológica.</p><p>A evolução dos vertebrados e do verte brado falante exige a organização</p><p>das sensações para fornecer aos seus cérebros as informações acerca das</p><p>condições do corpo (universo intrassomático) e do envolvimento (universo</p><p>extrassomático) com as quais produz uma motricidade adaptativa e �exível.</p><p>Filogeneticamente, a integração sensorial está na base da evolução da</p><p>motricidade e da cerebralidade dos vertebrados, a expansão das áreas</p><p>sensoriais e associativas é expressão disso e, no ser hu mano, explica por que</p><p>é o único no reino animal, nos seus sistemas de comunicação não verbais, e</p><p>único no seu índice de encefalização.</p><p>Ontogeneticamente, a integração sensorial na espécie humana inicia-se</p><p>no útero maternal como pré-requisito do desenvolvimento e da apren-</p><p>dizagem, e prolonga-se extrauterinamente, por meio das suas aquisições</p><p>transientes desde o gesto à palavra. A inteligência sensório-motora de Piaget</p><p>(1973) evoca que as sensações devem ser integradas em “esquemas de ação”,</p><p>de modo que proporcione à criança a capacidade de agir sobre o mundo e</p><p>aco modar-se a ele, e não apenas captá-las passiva mente. As sensações são</p><p>conduzidas centripetamente ao cérebro, e não mais a nenhum outro órgão</p><p>por alguma razão. Desde os órgãos inter nos (interoceptores), dos órgãos</p><p>corporais e moto res, tátil-quinestésicos e vestibulares (proprioceptores), até</p><p>aos órgãos captadores de informação a distância, como a audição e a visão</p><p>(telerreceptores), todas as informações neles processadas e tra duzidas devem</p><p>ser organizadas em termos de trá fego e de integração sistêmica no cérebro,</p><p>construindo a partir delas sistemas funcionais (LU RIA, 1980),</p><p>intraneurossensoriais e interneurossensoriais, que estão na base das</p><p>aquisições bási cas de aprendizagem e de desenvolvimento, como o jogo, a</p><p>imitação, a linguagem, a leitura, a escri ta, o cálculo, em suma, as funções</p><p>psíquicas su periores. (FONSECA, 1987)</p><p>Para chegar à integração de fonemas e articulemas (l. sistema</p><p>simbólico) e de optemas e grafemas (2. sistema simbólico), verdadeiros</p><p>produtos �nais da integração sensorial, a criança deve primeiro integrar</p><p>múltiplas informações tátil-quinestésicas (to car, beijar etc.), vestibulares</p><p>(gravidade e motricidade) e proprioceptivas (músculos e articulações), onde</p><p>ela constrói a gênese da sua CNV, quer pela forte ligação, diálogo,</p><p>sincronização e vinculação com a mãe (attachement) durante a alimentação</p><p>(mamadas, miradas etc.) e em todas as práticas que traduzem a sua</p><p>segurança e conforto tônico e tátil, quer na gê nese da sua competência</p><p>motora.</p><p>Esta gênese da competência motora da cri ança, que, por sua vez, vai</p><p>dar origem à sua compe tência comunicativa, decorre da coordenação</p><p>binocu lar para explorar e identi�car objetos e, posteriormente, para os</p><p>manipular, como se de senrola para progressivamente vencer a gravidade,</p><p>inicialmente com a cabeça, depois com o tronco, e mais tarde com a postura</p><p>bípede, revelando a �logênese do Sistema Nervoso Vertebrado na sua</p><p>ontogênese motórica própria e pessoal, por meio da apropriação de uma</p><p>segurança gravitacional, que a vai direcionar para o mundo simbólico. Nes ta</p><p>impressionante integração sensorial (AYRES, 1982), a criança, com base na</p><p>mielinização, con quista o seu corpo, fazendo dele o espaço da sua</p><p>imaginação e o continente da sua ação, um ins trumento vital para o seu</p><p>desenvolvimento emo cional e psíquico (autoestima), de onde surgirá a</p><p>plani�cação motora que se encarregará de dar aos seus gestos e às suas</p><p>mímicas a atenção, a coor denação, o controle e a intencionalidade, que</p><p>pré�gura, em termos não verbais, a emergência da linguagem propriamente</p><p>dita.</p><p>O processo de organização e integração das sensações no sistema</p><p>nervoso constitui o triunfo adaptativo, �logenético e ontogenético da</p><p>espécie humana.</p><p>Antes de se apropriar dos símbolos, a cri ança tem de fazer uso dos seus</p><p>re�exos e con quistar o seu corpo como um instrumento de li berdade</p><p>gravitacional e espacial e como um engenho de comunicação emocional.</p><p>Algumas partes do cérebro devem encarregar-se de con trolar o corpo e a sua</p><p>motricidade, para que ou tras se disponibilizem para as imagens, os símbo los</p><p>e, mais tarde, para as construções conceituais. A encefalização, na espécie</p><p>humana, emerge da maior riqueza de padrões de ação, que resultam de uma</p><p>maior sinergia dos receptores sensoriais, de onde surgiram sistemas de</p><p>controle e organi zação neurológica, cujo produto evolutivo resul tou na</p><p>expansão do cérebro no seu interior por adição de neurônios extras.</p><p>(LURIA, 1980)</p><p>A CNV é uma competência que antecede a comunicação verbal,</p><p>exatamente porque ela resul ta de uma integração sensorial superior e</p><p>singular. A linguagem interior, baseada em uma motricidade expressiva,</p><p>antecede a linguagem falada, exatamen te porque a complexidade da</p><p>integração sensorial o permite, pois nela se postula a gênese da comuni cação</p><p>total própria dos humanos.Os bebês humanos possuem vários canais de</p><p>CNV, postos em prática logo após o nascimen to, evidenciando uma</p><p>competência de comunica ção que consubstancia o papel da motricidade na</p><p>aquisição da linguagem.</p><p>Apesar de o desenvolvimento da competên cia de comunicação partir</p><p>de uma dinâmica inte rativa, portanto, social, como já nos tinha ensina do</p><p>Vygotsky (1962), ela emerge de pressupostos</p><p>paralinguístiscos e tátil-</p><p>quinestésicos, de processos de com preensão situacional e de sequencializações</p><p>de gestos e mímicas intencionais, um verdadeiro processo de comuni cação</p><p>sensorial plurimodal, uma vez que incorpora em primeiro lugar uma</p><p>protolinguagem, isto é, um sistema quinestésico de comunicação, com quines,</p><p>quinemas e quinomorfemas, para utilizar as designações inovadoras de</p><p>Birdwhistell (1970).</p><p>As mensagens não verbais se transmitem de modos muito diferentes e</p><p>utilizando vários canais, sendo esses modos bem mais diferenciados do que</p><p>os da comunicação verbal. Enquanto a fala é o úni co meio de expressão oral</p><p>e a audição o único canal de recepção na linguagem falada (substituídas pela</p><p>visão e pela mão da linguagem escrita), os canais e os modos da CNV são</p><p>múltiplos (Quadro 7.1).</p><p>A interação humana combina muitos dos modos e dos tipos de</p><p>codi�cação acima aponta dos, pois todos estão envolvidos em emitir e em</p><p>receber mensagens e, neste contexto, o bebê hu mano é um exímio</p><p>especialista.</p><p>A atividade, a inatividade, o silêncio, os olhares etc. têm um valor</p><p>especí�co de mensa gem, que, nos autistas e em outros âmbitos</p><p>defetológicos, acusam signi�cações comunicativas muito importantes, uma</p><p>vez que a comunicação pode ocorrer sem a produção de qualquer pala vra,</p><p>como podemos observar em uma “conver sa” entre de�cientes auditivos. Em</p><p>algumas si tuações, as mensagens não verbais são bem mais signi�cativas do</p><p>que as palavras ou frases. Em outras situações, as mensagens não verbais su‐</p><p>portam, contradizem, sublinham e reiteram men sagens verbais. No processo</p><p>total de comunica ção, a motricidade está implícita na linguagem, como se</p><p>tratasse de uma sombra. Quando o emis sor fala, o receptor está também</p><p>enviando men sagens (sorrindo, olhando, acenando, mudando de posição ou</p><p>de atividade etc.) que podem mo di�car e alterar o discurso daquele. É nessa</p><p>sin cronização e interação básica entre a mãe e o �lho que consubstancia a</p><p>CNV na criança.</p><p>Quadro 7.1 - Contribuidores sensoriais da CNV</p><p>Modos Tipos de codi�cação</p><p>Olhos Visual</p><p>Ouvidos Auditiva</p><p>Pele Tátil</p><p>Nariz Olfativa</p><p>Boca Gustativa</p><p>Mecanismo de fala Vocalizações</p><p>Face Mímicas</p><p>Mão Gestos</p><p>Cabeça Ritualizações</p><p>Corpo Posturas</p><p>Espaço Proxêmica</p><p>Para Birdwhistell (1970), a CNV ocupa 65 a 70%, enquanto a verbal</p><p>�ca por 30 a 35%. No contexto na interação, nem só as palavras entram em</p><p>jogo mas também as vocalizações, os gestos, as mímicas e expressões faciais,</p><p>os movimentos da cabeça, os olhares, as �xações e as focagens faciais, as</p><p>posturas, a motricidade, os odores, os emblemas corporais, os reguladores e</p><p>os adapta dores gestuais etc. ocorrem em combinações que enriquecem e</p><p>modelam a comunicação.</p><p>Por estranho que pareça, os bebês humanos possuem capacidades</p><p>inatas para receber e envi ar mensagens não verbais que lhe são cruciais para</p><p>satisfazer necessidades básicas e afetivas.</p><p>Quais serão então os canais dessas mensa gens? Em que medida a</p><p>complexidade interneurossensorial da CNV e a complexidade da</p><p>gestualidade e da mímica, em uma palavra, a motricidade, estão implicadas</p><p>na apropriação da linguagem propriamente dita?</p><p>Vejamos separadamente o papel de alguns sistemas sensoriais na CNV:</p><p>Tato</p><p>O tato constitui um meio extraordinário de comunicação, exatamente</p><p>porque se encontra es palhado diferencialmente por toda a pele, quer em</p><p>termos proprioceptores, quer propriofetores. Tem peratura, pressão, dor,</p><p>posturas, movimentos etc. são processados por sensores táteis e</p><p>quinestésicos. Em algumas regiões do corpo, a discrimina ção tátil é</p><p>extremamente elevada. A ponta dos de dos, os lábios, os mamilos, os órgãos</p><p>sexuais, as zonas erógenas etc. são considerados os mais sen síveis, por isso</p><p>também têm a maior importância para a comunicação.</p><p>Filogeneticamente, o tato está associado ao aumento da superfície</p><p>corporal ou cutânea vira da para o mundo exterior, de onde surge o sistema</p><p>háptico (GIBSON, 1966), que reúne a dimensão analítica do tato e a sintética</p><p>do sentido quinestésico, algo crucial ao vertebrado dotado de mai or</p><p>disponibilidade proprioceptiva e motora. Visto tratar-se de um sistema de</p><p>convergência sen sorial que está na origem da consciência somática, só</p><p>possível com uma integração sensorial complexa, algo que justi�ca, em</p><p>termos evolutivos, pois, por que motivo os pequenos mamíferos possuíam</p><p>maior índice de encefalização do que os dinos sauros de grande tonelagem?</p><p>A proprioceptividade, promovida superiormente, superou as áreas motoras</p><p>corticalmente, fornecendo-lhes profun didade associativa e integrativa e, em</p><p>consequ ência disso, poder expressivo e intencional de onde decorrerão os</p><p>gestos e as mímicas (CNV) e, mais tarde, a linguagem.</p><p>O feto humano rodeado pelo líquido amniótico está já sofrendo na pele</p><p>múltiplas es timulações táteis, estimulações de segurança, conforto, agitação,</p><p>instabilidade etc. No par to, a cor da pele, a sua textura e tonicidade de�nem</p><p>a integridade do seu desenvolvimen to intrauterino. A estimulação</p><p>envolvimental vai mais tarde condicionar igualmente a pele como órgão de</p><p>comunicação e de interação, não só pela quantidade e qualidade das esti‐</p><p>mulações e cuidados induzidos sobre o bebê mas também ele próprio, com o</p><p>seu corpo e com o seu tato, inicia a exploração do seu mundo interno e</p><p>externo.</p><p>A forma como a mãe toca, acaricia, explora, apalpa etc. tem</p><p>importância no despertar da vigi lância e da reciprocidade do bebê para a</p><p>interação ou para a comunicação, e assume um papel essen cial na sua</p><p>autocon�ança e autossegurança, e mes mo, na iniciação das suas secreções</p><p>hormonais. (KLAUS e KENNELL, 1982)</p><p>As mamadas, momentos de grande comunicabilidade tônica e tátil</p><p>entre o bebê e a mãe, desencadeiam nesta a libertação de ocitocina e</p><p>prolactina, quando o bebê chupa o seu seio. Isto prova que a sua interação</p><p>tátil tem uma enorme signi�cação nos processos precoces de comuni cação,</p><p>certamente inscritos e projetados no de senvolvimento emocional da criança,</p><p>cujo para digma antagônico é ilustrado nas crianças autistas ou</p><p>emocionalmente perturbadas, onde a intensa sincronização entre os dois</p><p>protago nistas é inexistente.</p><p>Olfato</p><p>O sentido do olfato é um potente meio de comunicação,</p><p>profundamente associado a situa ções de prazer e desprazer e, também, de</p><p>sobre vivência, ocupando o nariz o papel primordial nes te âmbito, apesar de</p><p>a Evolução o ter diminuído consideravelmente.</p><p>Efetivamente, o olfato está ligado ao mun do dos cheiros, potentes</p><p>meios de orientação es pacial à noite, ou quando a visão está afetada (pa‐</p><p>radigma dos de�cientes visuais). Com ele, podem-se construir mapas</p><p>territoriais e topográ� cos que permitem deambulações na escuridão e</p><p>plani�cações mentais das ações, por isso, em ter mos de contexto ecológico</p><p>inicial, o olfato ligado à audição permitiu a evolução dos mamíferos, pois</p><p>desencadeia processos de atenção seletiva e com parativa e processos de</p><p>rechamada de situações e experiências passadas, daí a expansão dos seus cé‐</p><p>rebros auditivos e olfativos (neopalium), um primeiro estágio da evolução da</p><p>inteligência. O odor não contém detalhes que são a base da inteligência su‐</p><p>perior, ele entra diretamente no cérebro sem pas sar pelo tálamo, por isso</p><p>evoca recordações e asso ciações muito fortes. Talvez isso explique por que</p><p>muitas crianças autistas e de�cientes mentais in sistem e se �xam em jogos</p><p>odorí�cos.</p><p>A aceitação e a rejeição ou a aproximação e o afas tamento de um</p><p>indivíduo depende muito, em ter mos de comunicação, de como ele cheira.</p><p>Muitas mensagens são recebidas ou emitidas mais rapida mente por cheiros</p><p>do que por expressões gestuais, verbais ou vocais. Este segredo da</p><p>comunicação é já muito bem compreendido pelo bebê humano</p><p>(BRAZELTON, 1981), ele rejeita energicamente cheiros de substâncias</p><p>químicas, como o ácido acético, a benzina, o álcool etc., virando a cara e</p><p>pro duzindo mímicas de insatisfação. Em contraparti da, os bebês revelam</p><p>comportamentos de aceitação em face dos cheiros de leite ou de soluções</p><p>açucaradas, chegam mesmo a identi�car os seios da mãe pelo cheiro, a</p><p>reagir mais</p><p>ativamente e a respirar mais rapidamente diante de estimulações</p><p>olfativas. (LIPSITT e col., 1983)</p><p>Outras experiências com mães revelaram que a maioria delas pode</p><p>identi�car o cheiro dos seus próprios bebês (KLAUS e KENNEL, 1982).</p><p>Paralelamente, outros estudos revelaram que os bebês são capazes de</p><p>identi�car mais rapidamen te os seios de suas mães, virando a cabeça mais</p><p>frequentemente, quando comparados com os sei os de outras mães.</p><p>(MACFARLANE, 1975)</p><p>Em síntese, o olfato parece ser um canal não verbal muito importante</p><p>na comunicação, extre mamente relevante no processo de vinculação entre</p><p>mãe e filho, podendo ser mesmo problemático em alguns casos de doenças</p><p>metabólicas (fenilcetonúria, diabetes etc.), quando a tolerância aos cheiros,</p><p>das amas ou puericultoras, é muito sensível, e, por esse fato, pode provocar</p><p>rejeições inconscientes. Os cheiros podem provocar efeitos de rejeição e</p><p>comportamentos de evitamento muito importan tes, como podemos</p><p>constatar em crianças abando nadas ou privadas e tal, como é óbvio, pode ter</p><p>algum impacto na sua sociabilização.</p><p>Gosto</p><p>O gosto lida também com substâncias quími cas, e os bebês humanos</p><p>evidenciam preferências por determinados sabores de alimentos sólidos ou</p><p>líquidos, aos quais estão associados a situações po sitivas de interação e de</p><p>satisfação, e todos sabe mos da importância biocultural da nutrição e do</p><p>papel de estabilidade afetivo-emocional que se passa em torno dos</p><p>momentos de refeição.</p><p>Se se força a alimentação, os choros e os comportamentos indesejáveis</p><p>podem criar barrei ras comunicativas que se prolongam ao longo do</p><p>desenvolvimento da infância, pois muitas expec tativas e percepções, que</p><p>circulam entre a mãe e o �lho, podem ocorrer em momentos de insatis fação</p><p>que se repetem nas refeições. O gosto, por tanto, representa um canal de</p><p>CNV de grande importância na comunicação, pois a mesa à dinâ mica</p><p>interativa é da maior importância, não só pela intensa comunicação que</p><p>ocorre mas também pela dimensão afetiva e gregária que ela subentende.</p><p>Visão e expressão facial</p><p>A visão é o primeiro e mais importante modo de comunicação</p><p>interpessoal (DILL, 1984). Os olhos são efetivamente a fonte mais usada,</p><p>mais fascinante, mais rica, mais ativa e rápida da comunicação.</p><p>As expressões faciais são fontes inesgotáveis de CNV. Olhos,</p><p>sobrancelhas, pestanas, testa, ca beça, queixo, nariz, lábios e boca são os</p><p>ingredi entes da comunicação primeiramente integrados no bebê, muito</p><p>antes da fala. A motricidade faci al, expressiva e singular, de primatas e</p><p>humanos, são potentes sistemas de transmissão de mensa gens não verbais.</p><p>O conforto, a segurança, a satisfação ou a in satisfação, a dialética</p><p>hipertônica e hipotônica atin gem o seu auge nos músculos da face. O sorriso</p><p>soci al, em que se baseia muita da CNV entre a mãe e o seu bebê, é suscetível</p><p>de ser visto a partir da segun da semana, e desenvolve-se</p><p>extraordinariamente nos próximos quatro meses, reciprocidade visual essa</p><p>que caracteriza a intimidade da vinculação primária de Bowlby (1969).</p><p>A dilatação e a contração da pupila, o con traste colorido entre a pupila,</p><p>a íris e a córnea atraem ou afastam o contato olho a olho que se veri�ca na</p><p>comunicação interpessoal, além de se veri�carem �xações e regulações</p><p>periorbitais que reforçam e modelam a comunicação, pondo no olhar o</p><p>papel comunicador mais profundo, onde a contemplação e a admiração</p><p>assentam as suas signi�cações, momentos excelsos da interação precoce</p><p>entre mãe e �lho.</p><p>A visão assume um papel de vigilância, de alerta, de atenção e de</p><p>prontidão para a comunica ção, que mais nenhum outro sentido pode</p><p>desem penhar, ainda por cima, exigindo o mínimo de ba rulho e de</p><p>motricidade.</p><p>Filogeneticamente, a visão, um telerreceptor unidirecional,</p><p>descontínuo (os olhos podem-se fechar) e simultâneo, um sentido de �gura</p><p>(fore ground sense), básico para lidar com ângulos, linhas, distâncias e</p><p>profundidades, diferentes intensidades luminosas, diferentes perspectivas,</p><p>posições, ori entações e projeções virtuais e ímpar para analisar e simpli�car</p><p>o envolvimento, é o sentido do espa ço, sem o qual a visão estereoscópica e a</p><p>especiali zação arborial não seriam possíveis, pois, em tal nicho ecológico, os</p><p>cálculos espaciais são essenci ais à adaptação bem-sucedida. Com 125</p><p>milhões de células fotorreceptoras instaladas na retina, nos cones e nos</p><p>bastonetes, ligados a células corticais especí�cas, rearranjadas em colunas</p><p>(HUBEL e WIESEL, 1968), permitindo uma análise e uma síntese</p><p>verdadeiramente extraordinárias, a visão de sempenha um papel primordial</p><p>no desenvolvimento motor e linguístico do ser humano, sem a qual a</p><p>caminhada do Homo Sapiens (BRONOWSKI, 1986) não seria alcançada.</p><p>Ontogeneticamente, o bebê humano respon de visualmente a objetos</p><p>colocados a cerca de 30cm (BRAZELTON, 1969). A resposta a cores —</p><p>branco, vermelho e amarelo — é também obtida mesmo induzindo sinais de</p><p>perseguição de peque na amplitude. A exploração visual do envolvimen to é,</p><p>portanto, veri�cada logo a seguir ao nasci mento, evidenciando o papel</p><p>relevante da visão na interação com o meio envolvente. Perante um ci clo de</p><p>luz-escuridão, os bebês humanos aumentam de peso e requerem menos</p><p>oxigênio, como provam várias experiências daquele mesmo autor em pre‐</p><p>maturos. Com os olhos abertos, a dinâmica intera tiva das mães é mais</p><p>intensa, próxima e afetiva, o que vem reforçar a importância da visão na</p><p>comu nicação precoce e explicar as di�culdades das mães de crianças</p><p>invisuais. A reciprocidade visual é con cludente, um potente reforçador da</p><p>CNV do bebê (1. sistema visual mesencefálico de Bronson, 1974). Mais</p><p>tarde, com a maturação ascendente, o segun do sistema visual occipital e</p><p>frontal entra em ação para permitir a formação e a reconstrução das ima‐</p><p>gens, indispensável à gênese da linguagem falada. Para Skeffington, citado</p><p>por Getman (1965), o sistema visual é o mais complexo dos sentidos</p><p>(axioma já avançado por Leonardo da Vinci), re sultante de uma hierarquia</p><p>funcional composta pelos seguintes subsistemas de aprendizagem:</p><p>antigravítico (postural e vestibular); corporal (lateralização e</p><p>direcionalidade); somatognósico (identi �cação); e �nalmente, linguístico.</p><p>Audição e vocalização</p><p>A audição é o órgão especializado para receber vocalizações. O bebê</p><p>humano responde a sons inten sos de forma tônica, e com motricidade a</p><p>sons muito baixos no sono profundo, podendo atingir o estado de alerta se a</p><p>mesma voz se prolongar (BRAZEL- TON, 1981), demonstrando igualmente</p><p>uma prefe rência especial por vozes semelhantes à da mãe.</p><p>Filogeneticamente, a audição se caracteriza por ser um sentido</p><p>pluridirecional, ininterrupto e sequencial, trata-se de um sistema sensorial</p><p>de fun do (background sense, MUKLEBUST, 1981), básico para a</p><p>compreensão situacional (e para situações de sobrevivência nos animais) e,</p><p>mais tarde, para a compreensão da linguagem falada nos seres huma nos,</p><p>algo a que os de�cientes auditivos não têm acesso, daí as suas di�culdades</p><p>simbólicas.</p><p>Chorar, rir, tossir, expressões, focalizações, guturações etc. são</p><p>produzidos pelo mecanismo da fala no bebê ouvinte e no bebê de�ciente au‐</p><p>ditivo (e mesmo no bebê multide�ciente cego e surdo), o que vem pôr em</p><p>relevo a interdepen dência dos sistemas sensoriais na fase inicial do</p><p>desenvolvimento precoce.</p><p>A fase pré-verbal constitui o verdadeiro pre cursor da fala, daí a sua</p><p>signi�cação em termos de evolução da linguagem. Nela são expressos os pri‐</p><p>meiros estados de satisfação e insatisfação que acarretam dimensões e</p><p>estados afetivos de enor me importância no desenvolvimento da criança,</p><p>traduzindo-se em nuances comunicativas funcio nais e facilitações de</p><p>interação social que são fa cilmente identi�cáveis pelos adultos.</p><p>(MOERCVK, 1977, HIRSCH, 1966 e REYNELL, 1980)</p><p>Gestos e motricidade</p><p>Em muitas situações, a comunicação gestual substitui a própria fala,</p><p>pois não podemos negli genciar o sentido antropológico da emergência da</p><p>linguagem, que decorre do gesto à palavra.</p><p>A comunicação gestual é universal e multi cultural, na medida em que</p><p>transcende</p><p>a limitação cultural da linguagem falada. Todo o ato social na</p><p>criança começa a ser compreendido e expresso pelo gesto. Apontar, evocar,</p><p>chamar a atenção, apanhar etc. começa por substituir o choro para induzir,</p><p>posteriormente, a emergência da signi�cação so cial que termina na palavra.</p><p>Muitas das interpreta ções verbais que os adultos percepcionam dos ges tos</p><p>das crianças são a ilustração mais clara do poder comunicativo dos gestos e</p><p>das mímicas a que já �zemos referência.</p><p>A criança usa os gestos exatamente porque, para ela ilustrar objetos e</p><p>ações, ainda é difícil de verbalizar. Antes de verbalizar, a criança tem de</p><p>gestualizar para exprimir as signi�cações, o mes mo se observa em crianças</p><p>mais velhas que possu em frágeis instrumentos verbais. Por alguma razão, a</p><p>expressão manual e gestual constitui um potente modo de comunicação, e,</p><p>na criança, assume uma intencionalidade própria é característica, uma es‐</p><p>pécie de linguagem que se mistura com emoções e atitudes que se vão</p><p>progressivamente reduzindo, à medida que o vocabulário se expande.</p><p>Piaget (1964), no seu célebre livro sobre a for mação do símbolo na</p><p>criança, situa a gênese da imi tação e o jogo como paradigmas iniciais da</p><p>comuni cação gestual, prelúdio da comunicação verbal, reforçando o início</p><p>da representação na gestualidade, ponto de partida da percepção social e da</p><p>CNV.</p><p>Antes de atingir a linguagem, o terreno da ação é o lugar onde</p><p>decorrem as primeiras ações mentais, o gesto reconstrói, assim, as primeiras</p><p>intuições representativas da interação social. O ges to precede a</p><p>representação e dá-lhe suporte opera cional, a partir do qual as primeiras</p><p>formas de pensamento imitativo e lúdico se enraízam evolu tivamente. Os</p><p>primórdios da linguagem (a protolin guagem e a pré-linguagem) só são</p><p>compreensíveis à luz da integração das associações sensório-motoras</p><p>precedentes, onde o gesto exprime emoções e necessidades de forma</p><p>singular.</p><p>Em outra dimensão, mais de caráter neuropsicológico, a linguagem</p><p>verbal, que de�ne a pre ferência funcional do hemisfério esquerdo, é ante‐</p><p>cedida da linguagem não verbal, cuja preferência funcional pertence ao</p><p>hemisfério direito (MYKLE- BUST, 1975, GESCHWIND, 1970, 1972). Não é</p><p>de estranhar, portanto, que alguns afásicos com le sões no hemisfério</p><p>esquerdo possam exibir vestí gios de gestualidade e de pantomimas, que</p><p>podem ser muito bem aproveitados na sua reabilitação por evidenciarem</p><p>integridade funcional no hemisfério direito. (ZANGWILL, 1975)</p><p>Quiros (1975), neste âmbito, reforça a ideia de que o hemisfério direito</p><p>é eminentemente pos tural e gestual (não-simbólico), enquanto o hemisfé rio</p><p>esquerdo é linguístico e simbólico, evocando que o controle postural e</p><p>gestual se deve automatizar antes que as funções integrativas superiores,</p><p>como a linguagem, se possam desenvolver. Muitos casos de crianças com</p><p>desordens de comunicação e com di�culdades de aprendizagem apresentam</p><p>traços de dispráxia e de impercepção social, denotando di�culdades</p><p>relacionais com outras crianças e, pa ralelamente, problemas de controle</p><p>postural, lateralização, orientação espacial, desenho etc., sutis sinais</p><p>difuncionais não verbais, muito comuns na prática clínica daqueles casos,</p><p>talvez demonstran do o papel do gesto e da motricidade, ou melhor, da</p><p>psicomotricidade na comunicação, uma ativi dade complexa e especí�ca dos</p><p>humanos.</p><p>A especialização hemisférica requer que evo lutivamente o hemisfério</p><p>direito assuma a lideran ça dos processos de comunicação centrados em</p><p>atividades não verbais, como os gestos, as postu ras, as imitações e as</p><p>emoções, as expressões lúdi cas etc., em síntese, a integração motora. Mais</p><p>tar de, o hemisfério esquerdo liberta-se e transcende esta dimensão da CNV</p><p>para se projetar e disponi bilizar para atividades linguísticas, verbais e cog‐</p><p>nitivas, mais diferenciadas e complexas.</p><p>Proxêmica</p><p>Hall (1959) descreve a proxêmica como o uso que o ser humano faz do</p><p>espaço na comunicação interpessoal, enquanto produto cultural especí�co.</p><p>As distâncias espaciais, as posições, os ter ritórios etc. já tinham sido</p><p>estudados em animais (LORENZ, 1968, TINBERGEN, 1951), mas em seres</p><p>humano eles constituem outro importante pa radigma da CNV. O uso do</p><p>espaço, a possessão do espaço, as regras territoriais na comunicação hu mana</p><p>são, em termos práticos, uma verdadeira aprendizagem social.</p><p>Hall de�ne, em termos proxêmicos, quatro zonas importantes na</p><p>interação adulta: zona ínti ma (0 a l5cm; é a distância do ato sexual, da luta,</p><p>no bebê, de�ne a distância do conforto e da pro teção e da aprendizagem da</p><p>linguagem. No fundo é o espaço que de�ne o seu desenvolvimento até os</p><p>três anos); zona pessoal (45 a 75cm; é a distân cia da proximidade do espaço</p><p>próprio e do alcan ce do tamanho do braço, no bebê, é a distância das</p><p>funções de higiene, nutrição, base da segu rança, universo da manipulação</p><p>dos objetos e dos brinquedos, do contato olho a olho peculiar da sua relação</p><p>preferencial com a mãe e dos familia res mais próximos. Estranhos que</p><p>invadam este espaço podem desencadear reações emocionais imprevisíveis.</p><p>Zona onde as crianças operam en tre os três e os oito anos); zona social (1,2 a</p><p>2,10m; é a distância fronteira entre o pessoal e o social, o limite do poder</p><p>sobre o outrem, do bebê, de�ne o território de vigilância e interação mímica</p><p>e lúdi ca com os outros) e, por último, a zona pública (mais de 3m; que situa</p><p>o exterior do círculo ime diato de referência do indivíduo, no bebê, com‐</p><p>preende um espaço imperceptível em termos de CNV). A aprendizagem</p><p>social das posições, dos espaços reservados e das situações interativas é um</p><p>processo lento, que de�ne a dimensão oculta e profundamente cultural da</p><p>comunicação, daí a sua importância na gênese da CNV.</p><p>Aproximar ou atingir pessoas e objetos, tocálos, abraçá-los e explorá-</p><p>los retrata outras manifestações proxêmicas não verbais importantes que vão</p><p>sendo integradas na criança à medida que o es paço das suas relações</p><p>interpessoais se complexi�ca.</p><p>POSTURA BÍPEDE E MUDANÇAS CONSEQUENTES NO</p><p>ESQUELETO CRANIANO</p><p>Além do que já abordamos sobre a postura bí pede, importa sublinhar</p><p>que a postura é considerada um fenômeno locomotor sem paralelo nos</p><p>mamífe ros, cujas mudanças e transformações no esqueleto pós-craniano são</p><p>responsáveis pela expansão cerebral que tornou o ser humano no vertebrado</p><p>dominante e falante. Para Gould (1977), a postura bípede criou o próprio</p><p>Homem, e, na criança, o controle postural de�ne o grau de organização</p><p>neurológica que ante cede a aprendizagem da linguagem. Engels (1925)</p><p>considerou a postura uma das três características da evolução da</p><p>Humanidade, ao lado da linguagem e do tamanho do cérebro.</p><p>Postura e cérebro evoluíram paralelamente com interações funcionais</p><p>mútuas, interações re volucionárias responsáveis pela complexi�cação</p><p>interneurossensorial de onde emerge a CNV, como tentamos demonstrar, e</p><p>pela transformação hierár quica dos sentidos, onde o olfato foi superado pela</p><p>visão. A transição da braquiação nas árvores, para a postura e a marcha</p><p>bípedes terrestres, uma opor tunidade ecológica ímpar, produziu uma</p><p>adapta ção superior que está na base de um novo estilo de vida que, no fundo,</p><p>vai orientar o Homo Sapiens para a produção de instrumentos com base na</p><p>liberta ção da mão, que irão provocar novas relações com o envolvimento,</p><p>um passo decisivo na transforma ção do macaco em Homem.</p><p>A postura bípede, arrastando a libertação da mão e da face, produz nos</p><p>seres humanos um avan ço exponencial das suas inteligências práticas, na</p><p>medida em que paralelamente elas resultam do domínio dos instrumentos.</p><p>Na criança, o domínio dos objetos, que está na origem da própria lingua gem,</p><p>pressupõe o controle postural e a segurança gravitacional, isto é, põe em</p><p>jogo a aquisição prioritária de uma macromotricidade original, de onde</p><p>decorrerão, posteriormente, a micromotricidade e a oromotricidade,</p><p>verdadeiras motricidades triun fantes que explicam o fenômeno cultural e</p><p>linguís tico na espécie humana.</p><p>O aparecimento de novos substratos neuro lógicos está certamente</p><p>associado</p><p>a novas propri edades funcionais que decorreram da conquista da</p><p>postura e da motricidade bípede. Devem-se a esta emergência de novos</p><p>atributos adaptativos a CNV e o surgimento da fala nos seres humanos, daí a</p><p>signi�cação neuropsicológica das desordens de equilibração, que</p><p>caracterizam a maioria das cri anças com de�ciência mental, e a existência de</p><p>si nais vestibulares e cerebeloso em inúmeras crian ças com desordens de</p><p>comunicação e de aprendizagem. O controle postural revela a inte gridade de</p><p>importantes centros e circuitos neuro lógicos, sem os quais a aprendizagem</p><p>da lingua gem se pode operar de forma e�caz.</p><p>EVOLUÇÃO CULTURAL E DESENVOLVIMENTO DO CÉREBRO</p><p>COMO ORGÃO DE COMUNICAÇÃO E APRENDIZAGEM</p><p>Finalmente, a evolução cultural e o desenvolvi mento do cérebro como</p><p>órgão de comunicação e de aprendi zagem traduzem a enteléquia evolutiva</p><p>que temos vindo a desenhar. O desenvolvimento do cérebro decorre</p><p>�logeneticamente da síntese integrada e sistemática de todas as adaptações</p><p>que acabamos de apresentar, síntese evolutiva transcendente, que explica a</p><p>singularidade da CNV e da comunicação verbal humanas.</p><p>A transformação da Natureza produzida pela motricidade construtiva,</p><p>única da espécie, mediatizada pelos instrumentos que ela própria imaginou</p><p>e criou, está na origem da consciência, o verdadeiro mistério de Popper</p><p>(1977), que expli ca o aparecimento de formas de comunicação. Porque sai</p><p>fora dos limites do subjetivo, como nos assegura Vygotsky (1987), a</p><p>motricidade humana projeta formas objetivas da vida social. A consciência</p><p>ao pressupor uma evolução do cérebro (es paço interior) emerge como um</p><p>processo e como produto da motricidade, ou seja, da ação conce bida como</p><p>intencionalidade para a resolução de problemas (espaço exterior), na relação</p><p>com os outros e com os objetos, relação e inter-relação essas geradoras,</p><p>inicialmente, de uma dinâmica interpsicológica e, posteriormente, de uma</p><p>dinâ mica intrapsicológica, com que se tem de conce ber também o</p><p>aparecimento das formas de co municação e de aprendizagem.</p><p>A motricidade intencional, desencadeadora de tais relações e inter-</p><p>relações, re�ete-se e se duplica sobre os objetos sociais e, ao se interiori zar</p><p>sobre as formas de sistemas funcionais (es quemas de ação) de</p><p>autorregulação, modi�ca intrinsecamente a própria estrutura do cérebro.</p><p>Gestos, mímicas e imitações como expressões não verbais, associados a sons</p><p>oromotormente sequencializados, vão permitir ao cérebro, órgão da Evo‐</p><p>lução, a multiplicidade das suas expressões ver bais que substantivam a</p><p>enteléquia da sua evolução biológica, que antecede e sustenta a evo lução</p><p>cultural e tecnológica.</p><p>Em suma e em termos evolutivos, antes de atingir o sistema de</p><p>comunicação verbal, o ser hu mano se apropria de funções de comunicação</p><p>que não são dependentes de palavras, objetivando um sistema de</p><p>comunicação não verbal de enorme importância e relevância para a</p><p>compreensão do papel da motricidade na aquisição do sistema to tal de</p><p>comunicação humana.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>O Estudo da Motricidade</p><p>AJURIAGUERRA, J. de. 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O estar em situação permite perceber a</p><p>�nalidade do comportamento.</p><p>Entre o homem e o envolvimento coexiste uma unidade dialética, na</p><p>medida em que o homem reconhece no meio um conteúdo significante que o</p><p>leva a produzir um comportamento. É este com portamento signi�cativo que</p><p>leva o homem a to mar contato com a sua subjetividade, produzin do-se nele</p><p>um sistema de referências que dão consciência ao seu “estar no mundo”.</p><p>Para se reconhecer a conduta humana, é pre ciso estabelecer uma</p><p>relação significativa e inteligen te entre a situação e a ação.</p><p>A unidade signi�cante da situação e da ação é concreta no momento do</p><p>movimento. É o mo vimento que estabelece uma sucessão temporal que</p><p>caracteriza a efetivação do comportamento. É em cada momento que se</p><p>experimenta a signi �cação própria entre o precedente (passado) e o seguinte</p><p>(futuro), o que a traduz uma simbiose acordante entre o sujeito e a situação</p><p>que deter mina o caráter melódico-cinético do comporta mento humano,</p><p>como ilustram funções implíci tas na práxis humana, quer na arte, quer no</p><p>trabalho.</p><p>Fig. 8.1 - O trabalho é um produto �nal da organização cerebral do</p><p>movimento humano, envolvendo uma complexa miríade de processos</p><p>neuropsicossensoriais.</p><p>Para que se estabeleça um ajustamento entre o indivíduo e o meio, é</p><p>necessário que a situação seja compreendida pelo indivíduo, e é o</p><p>movimento, a partir de uma representa ção mental da situação, que</p><p>concretiza essa tomada de consciência.</p><p>O movimento humano é sempre um mo vimento situado; ele é sempre</p><p>uma relação sig ni�cativa entre a situação e a ação, é sobretu do a</p><p>concretização de uma presença dinâmica no mundo, que caracteriza e</p><p>dimensiona a ex periência pessoal.</p><p>O meio é integrado no homem por meio da sua experiência individual.</p><p>É pelo movimento que o homem estrutura a individualização do meio. O</p><p>movimento e a situação são uma unidade cujas partes estão ligadas por uma</p><p>relação consciente. Há, entre elas, uma lei mínima e uma ordem lógica e</p><p>interior orientadas para um �m.</p><p>Entre o indivíduo e o meio, há uma domi nante individualidade que</p><p>condiciona as ações re cíprocas entre o organismo e o meio.</p><p>As tentativas contínuas de adaptação ao mun do, que o indivíduo</p><p>experimenta na sua evolução, permitem-lhe descobrir, pela vivência, o valor</p><p>e a signi�cação vital-situacional que esse mundo toma para ele.</p><p>É pela conduta, como veículo e símbolo de signi�cações, que o homem</p><p>transporta o seu pró prio mundo. Perante o mundo, o homem experi menta</p><p>as coisas e os outros, por meio da consci ência subjetiva determinante das</p><p>suas adaptações singulares ao próprio mundo.</p><p>Perante a sua adaptação intencional, o ho mem</p><p>Fácil torna-se agora compreender o</p><p>aparecimento da vida por meio de elementos químicos e de fenô menos</p><p>físicos, integrando um processo evolutivo que tem a sua origem no Sol.</p><p>O Sol, como núcleo energético gigantesco e superaquecido, passou por</p><p>períodos de alteração, em um dos quais, por arrefecimento, deu-se o des‐</p><p>locamento de elementos que formaram os plane tas, um dos quais a Terra.</p><p>A Terra, composta, como já vimos, por litosfera, hidrosfera e</p><p>atmosfera, que não existem em Marte nem em Vênus, tem hoje uma história</p><p>calculada em torno de 4,55 bilhões de anos, en quanto o Universo tem uma</p><p>história de cerca de 16 bilhões de anos. A vida surgiu há cerca de 2 bi lhões</p><p>de anos. Tendo sido primeiro uma nuvem de poeiras cósmicas, passou</p><p>posteriormente a modi�car a sua forma esférica e sólida por meio de uma</p><p>complexa atividade vulcânica que lhe conferiu uma estrutura dependente da</p><p>solidi� cação dos metais (litosfera) e, concomitantemen te, um invólucro</p><p>gasoso (atmosfera).</p><p>A Terra, sofrendo pressões atmosféricas e forças eletromagnéticas e</p><p>radioativas, alterou seus</p><p>elementos químicos, os quais, por sua vez, combi naram-se, adquirindo</p><p>novas propriedades.</p><p>A mais importante destas propriedades ge rou a proteína, composto a</p><p>partir do qual se justi� ca o aparecimento da própria vida.</p><p>A proteína encontra-se no mundo vegetal e no mundo animal. Trata-se</p><p>de uma substân cia plástica e protetora essencial aos seres vi vos, podendo</p><p>conter mais de 500 moléculas de aminoácidos.</p><p>Esquema 1.1 - Acontecimentos mais signi�cativos da origem da vida</p><p>(depois de Flint e cols.)</p><p>O número de aminoácidos, segundo Bro nowski, é uma medida de</p><p>distância, em termos de evolução, entre o ser humano e qualquer ma mífero.</p><p>Vinte aminoácidos (espécies químicas) encontram-se em todos os seres</p><p>vivos, da bac téria ao Homem.</p><p>Podemos perceber, efetivamente, que a vida não surgiu de repente.</p><p>Antes, resultou de uma pro gressiva estrutura e de uma organização</p><p>evolutiva de elementos químicos que permitiram uma cons tante recriação</p><p>de novos atributos que explicam a impossibilidade de separar radicalmente</p><p>o mundo inorgânico do mundo orgânico.</p><p>A complexidade crescente, que vai das subs tâncias simples (as quais,</p><p>como o metano, os hidrocarbonetos, a água e o azoto, pairam no seio da</p><p>hidrosfera e da atmosfera) às substâncias proteicas, encontra</p><p>necessariamente a sua explicação na biologia molecular, problema este de</p><p>signi�cação genética, de onde ressaltam os ácidos nucleicos, que,</p><p>propriamente, de�nem a vida no seu todo.</p><p>A vida exige naturalmente um determinado tipo de composição</p><p>química da atmosfera e da hidrosfera. Só assim se veri�cam fenômenos di‐</p><p>versos que se dão em limites aceitáveis de tempe ratura, gravitação e</p><p>radiação,</p><p>Stanley Miller, em 1950, com amônia, meta no, hidrogênio e por vapor</p><p>de água, obteve aminoácidos em condições laboratoriais, por meio de</p><p>descargas elétricas e por condensações, provando, assim, que é possível,</p><p>experimentalmente, a sínte se não biológica de moléculas orgânicas. Um pas‐</p><p>so crucial se deu em termos de evolução, dado que os aminoácidos são</p><p>considerados como os tijolos do grande edifício da vida. Deles se fazem as</p><p>pro teínas, e estas são, nem mais nem menos, os cons tituintes de todos os</p><p>seres vivos.</p><p>A massa, o raio e o afastamento do Sol per mitiram o aparecimento de</p><p>vida na Terra, por meio de radiações, gravitações, radioatividade, umida de,</p><p>calor, vento, eletricidade natural, luminosida de etc., resultantes de reações</p><p>ditadas por leis físico-químicas e, por acumulação, a atividade vulcânica, as</p><p>erupções, as glaciações, as condensações, as polimerizações e as</p><p>oxirreduções, asso ciadas às reações do protoplasma (composto proteico) nos</p><p>oceanos primitivos. Nos oceanos primiti vos — meios privilegiados de vida,</p><p>livres de radiações ultravioletas mortais —, surge a matéria viva. O</p><p>protoplasma, matéria básica de que são fei tos os corpos de todas as plantas e</p><p>os animais, con tém inúmeras propriedades, como, por exemplo, ir‐</p><p>ritabilidade, sensibilidade, contratibilidade, bem como propriedades pré-</p><p>formadas e pré-elaboradas, que permitem a transmissão, a seleção, a</p><p>acumula ção e a conservação de energia, suscetível de ser transferida e</p><p>autorreproduzida. Essa missão é es sencialmente controlada pelos ácidos</p><p>nucleicos.</p><p>A condição da matéria orgânica é a condi ção dos seres vivos, que, por</p><p>de�nição, são orga nismos compostos de órgãos, compreendendo uma</p><p>organização que mais não é que uma adaptação às condições do meio</p><p>exterior.</p><p>Os organismos vivem na razão direta de se alimentarem ou de</p><p>traduzirem a energia existente no exterior. No organismo, subentende um</p><p>corpo (aspecto morfológico) que vive em permanente troca energética</p><p>(aspecto comportamental) com o meio, isto é, transforma o meio exterior</p><p>para criar condições indispensáveis à sua atividade, ou seja, a manutenção</p><p>de um estado relacional em um dado estado estrutural. Isto quer dizer que</p><p>há, nos seres vivos, a necessidade de uma permanente adapta ção ao meio</p><p>exterior, a qual resulta de processo de assimilação e acomodação que</p><p>concretizam biolo gicamente a dialética organismo-meio.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BAKER, R. Astronomy. Ed. Van Nostrand Co., Inc. Nova Jersey, 1975.</p><p>BAKER, R. Atomic Physics and Human Knowledge. Ed. John Wiley e Sons, Inc., Nova lorque, 1958</p><p>BORR, N. Atomic Physics and Human Knowledge. Ed. Jonhn Wiley and Sons, Inc., Nova lorque,</p><p>1958.</p><p>BOSCHKE, F. L. Os Sete Dias da Criação. Ed. Bertrand, Lisboa, 1970. BRONOWSKI, J. e Ascent</p><p>of Man. Ed. 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É</p><p>essencialmente no e pelo movimento que o homem constrói essa relação his‐</p><p>tórica, estabelecendo a fecundidade da sua dimen são existencial e social.</p><p>O mundo existe para e por meio do homem, que em si constitui não só</p><p>uma estrutura signi�cante mas também uma estrutura estruturante.</p><p>É conscientemente que o homem reinte gra e apropria o que o rodeia,</p><p>porque dá ao movimento uma signi�cação psicológica. A sua estrutura</p><p>projetiva é observável pelo mo vimento por meio de uma convicção e</p><p>intenção íntima, pessoal e subjetiva.</p><p>O homem responde conscientemente às sig ni�cações das situações, por</p><p>meio do movimento, pois é por ele que “vive com” e “onde vive”. “Com‐</p><p>portar-se” não é mais do que “adaptar-se” ou “pro curar adaptar-se”,</p><p>respondendo favoravelmente às signi�cações do meio.</p><p>Nas respostas sucessivas e permanentes, o homem cria a sua</p><p>individuação própria, estabele ce-se no mundo como ser único,</p><p>caracterizado por um processo de integração particular que o torna</p><p>responsável pela sua unidade coexistencial.</p><p>O homem, enquanto vive, não está des provido de movimentos de</p><p>sensações e de per cepções; é por eles que autoelabora a sua orga nização</p><p>integrativa superior. Todo o seu conhecimento e saber é em razão das</p><p>percepções, carregadas em si de signi�cações diferenciadas que traduzem o</p><p>processo histórico e a matura ção orgânica progressiva.</p><p>Toda a situação tem uma signi�cação ime diatamente perceptível, a</p><p>partir da qual se esbo ça um plano de ação, um projeto, um pensamento</p><p>determinante em relação a ela. Só somos cons cientes para um determinado</p><p>�m. A partir daí, a nossa consciência desenha um esquema de res posta</p><p>motora (conduta) que traduz a adaptabili dade ao �m proposto.</p><p>O movimento é, como resposta e como ex periência total, um meio de</p><p>enriquecimento perceptivo, visto que dá signi�cado à percepção quan do a</p><p>exterioriza e a materializa.</p><p>O movimento humano é construído em fun ção de um objetivo. A</p><p>partir de uma intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-</p><p>se em com portamento significante.</p><p>O ser humano vive em unidade com o mun do exterior, e é no e pelo</p><p>movimento que ele o descobre, autodescobrindo-se.Nessa linha de</p><p>abordagem, teremos de encarar o movimento não por uma ótica</p><p>mecanicista mas tam bém por uma justi�cação antropológica cultural.</p><p>Os estudos sobre comportamento revelam que é insustentável imaginar</p><p>qualquer comporta mento sem uma representação antecipada dos meios que</p><p>caracterizam a situação.</p><p>Desta forma, dando ao movimento um ca ráter de exteriorização</p><p>signi�cativa, só o pode mos entender dentro de uma representação</p><p>psicológica, portanto, inserido e programado a partir das estruturas</p><p>associativas superiores que precisam e determinam o equilíbrio dialético en‐</p><p>tre o organismo (unidade de signi�cação) e o meio (unidade de relação).</p><p>O ser humano só pode fazer qualquer coisa a partir do momento em</p><p>que dá ao seu movimento e à situação exterior uma signi�cação.</p><p>Não devemos ver o homem como uma má quina perfeita, mas sim ver o</p><p>homem no seu envolvimento próprio. É essencialmente no movimento em</p><p>que o homem exprime e atuali za as suas potencialidades subjetivas e profun‐</p><p>das; é por ele que se atinge o signi�cado da au tonomia e da liberdade.</p><p>Toda a interiorização humana constitui a base do comportamento, é o</p><p>motivo que justi�ca e determina a ação.</p><p>Para Jung, todo o comportamento, quer pro cure um �m, quer não o</p><p>procure, é motivado, isto quer dizer que é casualmente determinado pela li‐</p><p>bertação ou pela transformação da energia. Cada vez mais, os estudiosos do</p><p>comportamento dão re levância aos impulsos interiores e às motivações</p><p>inconscientes. Os estudos de Freud, Adler, Jung, Rank e tantos outros são</p><p>hoje comprováveis e jus ti�cam muito do “obscuro” e do “profundo” que</p><p>existe em cada indivíduo.</p><p>A libertação da vinda interior é uma das necessidades fundamentais</p><p>para a conquista do mundo exterior. A noção da libido e as teorias do “id”,</p><p>“ego” e “superego” dão uma vez mais signi�cado unitário ao comportamento</p><p>e ao mo vimento humano.</p><p>A motivação é um processo dinâmico que se desenrola no interior do</p><p>indivíduo, dado que cada motivo tem a sua signi�cação pessoal e constitui o</p><p>“�at” do comportamento personalizado.</p><p>Há na experiência e no contato com o mun do uma autenticidade</p><p>pessoal das vivências, dan do ao comportamento uma signi�cação imanente</p><p>da unidade do indivíduo.</p><p>O mundo fora de nós assume uma perspec tiva pessoal e social que o</p><p>faz transformar no nos so próprio mundo. A estruturação e a reestruturação</p><p>do mundo, operada pela percepção e pela ação, está em dependência mútua</p><p>com a satisfação das ne cessidades biológicas, afetivas, emotivas e cogni tivas</p><p>da unicidade individual.</p><p>Entre a espontaneidade do indivíduo e a inércia do envolvimento, o</p><p>movimento surge como elo de relação, renovação, construção e retroação.</p><p>O mundo é experimentado e percebido ob jetivamente pelo homem,</p><p>contendo em si uma ima gem subjetiva. Há no ser humano uma disposição</p><p>subjetiva e afetiva, em face do seu desenvolvimen to, dado que o mundo</p><p>ocupa signi�cado por ser concreto e possibilitar o comportamento.</p><p>O comportamento humano está diretamen te e indiretamente ligado a</p><p>uma sociologia das moti vações que são incorporadas no indivíduo pela edu‐</p><p>cação ou pelas relações socioculturais.</p><p>O homem, como a�rmou Engels, represen ta no fundo um conjunto de</p><p>relações sociais. O outro ou outros são para o indivíduo a condição essencial</p><p>do seu desenvolvimento e maturação.</p><p>A maturação do indivíduo não está subordi nada ao contexo biológico;</p><p>ela é também depen dente do contexto histórico e cultural (mundo dos</p><p>valores humanos). Deste modo, o movimento do Homem apresenta-se sob a</p><p>forma sociológica, não só porque provoca a transição de uma interioridade</p><p>mas também porque modi�ca o próprio ambi ente dos outros e dos objetos.</p><p>Todo o ser humano executa movimentos re �exos, involuntários,</p><p>inconscientes, não percep tíveis a ele mesmo, mas só ele pode sentir e mo‐</p><p>di�car o próprio movimento em função da situação, ou em função da</p><p>modi�cação imprevis ta do envolvimento.</p><p>O mundo do homem é permanentemente mutável e, portanto,</p><p>renovado nas suas signi�ca ções. A estrutura de resposta do ser humano não</p><p>pode ser uma adaptação mecânica a um meio imu tável. O indivíduo precisa</p><p>responder e�cazmente a uma modi�cação do envolvimento, a uma nova</p><p>signi�cação da situação como nas situações de jogo ou de desporto, que são</p><p>continuamente modi�cáveis e exigem uma adaptação plástica às novas re‐</p><p>lações provocadas.</p><p>A verdade do movimento não está no início, mas no �m. O homem</p><p>necessita utilizar o movi mento para a satisfação das necessidades que lhe são</p><p>inerentes. A plasticidade e a disponibilidade adaptativa do ser humano</p><p>traduzem-se pela exe cução do movimento ajustado à situação, por meio de</p><p>um controle biopsíquico consciente.</p><p>A dominante do movimento situa-se essen cialmente no processo</p><p>decisivo e intencional que encerra o próprio indivíduo.</p><p>O movimento puramente humano tem uma interferência nos processos</p><p>integrativos, dado que ele tem na sua exteriorização a marca de uma per‐</p><p>sonalidade. A importância do movimento é demais signi�cativa no processo</p><p>consciente, ou seja, nas estruturas da consciência social.</p><p>O movimento humano re�ete uma interli gação dos processos</p><p>emotivos, volitivos e inte lectuais, dado que constitui em si uma conquis ta</p><p>biológica da espécie humana, como vimos anteriormente.</p><p>O movimento, como a linguagem, são os pro cessos superiores da</p><p>comunicabilidade sociológica.</p><p>Desde o nascimento até a maturidade ple na, o movimento deve</p><p>contribuir para o desen volvimento de todas as faculdades humanas e para o</p><p>alongamento do período criador da vida do ser humano.</p><p>Reconhecemos que o movimento é uma ne cessidade vital essencial do</p><p>ser humano. Desde a exteriorização das emoções à consciência e à</p><p>individualização do próprio corpo até a consciência de si, o movimento</p><p>de Lamar ck (1809), A Lei que</p><p>Regula a Introdução das Novas Espécies, de Wallace (1855), e a Origem das</p><p>Espécies, de Darwin (1859), são, de fato, marcos cruciais na teoria da</p><p>evolução, independentemente de todos eles desconhecerem os mecanismos</p><p>de hereditari edade, só enunciados por Mendel em 1866 e prati camente</p><p>desconhecidos até 1900.</p><p>Para vários autores, nomeadamente Burma, Mayr, Gregg, Simpson e</p><p>Dobzhansky, a noção de espécie implica a noção de descendência e a no ção</p><p>de continuidade biogenética, isto é, requer a observância de processos de</p><p>reprodução sexual. Embora a “espécie” seja uma �cção, uma constru ção</p><p>mental sem existência objetiva, convém de� nir espécie biológica como o</p><p>maior grupo natural de indivíduos que, atual e potencialmente, são ca pazes</p><p>de reprodução e intercriação, ou seja, de pro duzirem descendências férteis</p><p>do ponto de vista biológico. Isto quer dizer que a noção da espécie leva-nos</p><p>à noção de animal individual e sexualmen te reprodutivo. Daqui,</p><p>necessariamente, surge a no ção de animal e de parentesco, pelo fato de um</p><p>certo esperma e de um certo óvulo se fundirem em um dado núcleo,</p><p>contendo uma informação que permitirá a divisão celular e o aparecimento</p><p>con sequente de uma nova cria.</p><p>A espécie é vista como uma continuidade biológica e genética, isto é, o</p><p>segmento de uma linha, de uma sequência ancestral, descendente, portanto,</p><p>de populações biológicas integradas em uma dimensão temporal e em uma</p><p>mudança gené tica. A noção de espécie não é ambígua, embora, do ponto de</p><p>vista zoológico e palentológico, sur jam muitas controvérsias. Ela inclui uma</p><p>noção de tempo, uma sequência de populações genéticas e um conjunto de</p><p>realidades biológicas que compre endem: a criação, a variabilidade e a</p><p>fertilidade.</p><p>As espécies não são senão segmentos da �logênese, digo, de sucessões e</p><p>de criações contí nuas sem interrupção que se dividem em subespécies e</p><p>variedades classi�cadas, segundo a taxionomia animal. Há de se encarar,</p><p>pelo me nos, uma relação dialética entre amostras ou en tidades (unidades) e</p><p>as populações que se trans formam através dos tempos e migram de umas</p><p>zonas geográ�cas para outras.</p><p>É evidente que com 1.000.000 de espécies animais e 350.000 espécies</p><p>vegetais, com toda a sua diversidade e especi�cidade, necessário se tor nou</p><p>classi�cá-las. Neste aspecto, temos de desta car dois naturalistas, Raye Linné,</p><p>a quem se deve o Sistema Natural (1735) que motivou a taxionomia</p><p>moderna, e Linné que a�rma que a sistemá tica dos seres vivos devia integrar</p><p>as seguintes categorias: reino, �lo, classe, ordem, família, gê nero e espécie.</p><p>Fig. 2.1 . Taxionomia dos animais e evolução. O lugar do Homem na</p><p>Natureza. Uma história dentro de outra história</p><p>Para Linné e muitos dos seus contemporâ neos, as espécies eram</p><p>distintas e imutáveis, cate gorizadas, segundo a sua semelhança morfológica.</p><p>Só mais tarde, com Erasmos, Darwin e Lamarck, foram reconhecidas a</p><p>variabilidade e a diversidade das espécies. A espécie passou a não ser</p><p>explicada puramente por um simples ato de criação, mas por um processo</p><p>lento de transformação em longos períodos de tempo.</p><p>Estas concepções, ridicularizadas, como sempre, pelos cientistas</p><p>contemporâneos de Lamar ck, levaram cerca de 100 anos para serem</p><p>reinterpretadas, e aqui surgem Darwin e Wallace. Estes autores expuseram a</p><p>teoria da seleção natural, se gundo um princípio evolutivo, no qual todas as</p><p>espécies vivas evoluíram a partir de formas pree xistentes mais simples.</p><p>A taxionomia, a partir daqui, abandonou a categorização por</p><p>semelhanças e entrou em um novo horizonte: a categorização por evolução.</p><p>As pressões da evolução vão posteriormente explicar por que é que os</p><p>animais não relacionados entre si se transformam em novas espécies: as</p><p>espécies pas saram a ter laços de parentesco, mesmo com um antepassado</p><p>muito remoto. Daí fundamentar-se, por exemplo, que o Homem e os Símios</p><p>superiores têm um antepassado comum, que Simons desig nou por</p><p>Procônsul.</p><p>Por meio desta visão, a taxionomia não é mais que um resumo da</p><p>história da evolução, exempli� cando a evolução das espécies em termos de</p><p>com plexidade crescente, organização e adaptação bio lógica. Como Simpson,</p><p>concordamos que as espécies devem ter uma de�nição em relação com o</p><p>processo da evolução. Só assim a de�nição de espécie atinge uma</p><p>signi�cação biológica, porque é profundamente evolutiva e genética.</p><p>Esta visão de que as espécies mudam no es paço e no tempo é �lha da</p><p>obra de Darwin, aliás já contida no seu trabalho Origem das Espécies, con‐</p><p>siderado o livro mais importante do século XIX, e só possível depois da sua</p><p>viagem no “Beagle” à volta do Mundo.</p><p>É evidente que há dados de fósseis que per mitem a defesa desta</p><p>perspectiva, embora os pa leontólogos não se encontrem su�cientemente sa‐</p><p>tisfeitos com os fatos evidenciados pelas provas contidas nos fósseis. O que</p><p>interessa, aqui, é per ceber a grande mensagem darwiniana que encerra uma</p><p>visão multidimensional que surge como uma di�culdade para os</p><p>taxionomistas. Estes terão de contar com variações de populações,</p><p>polimor�smos, adaptações, ecofenótipos, isolamentos, mi grações, variações</p><p>etárias, alterações do envolvi mento etc., isto é, com a noção de que a espécie</p><p>contém também em si um movimento, aliás, em analogia com a própria</p><p>vida.</p><p>Como se justi�ca então a evolução das es pécies? Para Wallace e</p><p>Darwin, a justi�cação en contra-se no processo de seleção natural e na luta</p><p>pela sobrevivência. Tais processos geram variações favoráveis (daí a</p><p>preservação de espécies), ou va riações desfavoráveis e destruição de outras</p><p>espé cies, ou, eventualmente, o aparecimento e a for mação de novas.</p><p>Além desta explicação, Darwin introduz dois novos conceitos: a</p><p>variação e a hereditariedade.</p><p>No primeiro, demonstrou que nenhum ser da mesma espécie é igual a</p><p>outro ser: subsistem diferenças de tamanho, proporção, adaptação etc. No</p><p>segundo, tentou equacionar que todas as es pécies são suscetíveis de</p><p>transmissão hereditária reprodutiva.</p><p>Destas duas novas concepções, resultam dois signi�cativos conceitos</p><p>biológicos, de uma importância crítica para a compreensão da evo lução. O</p><p>primeiro põe em destaque a noção de adaptação que mais não é que um</p><p>ajustamento contínuo do organismo ao meio em mudança, contendo</p><p>complicados processos de assimilação (do meio para o organismo) e da</p><p>acomodação (do orga nismo para o meio). O segundo abre a porta à</p><p>Genética e ao estudo da hereditariedade, iniciado por Mendel, na qual se</p><p>explicam os mecanismos de Vitor da Fonseca da duplicação genética de enti‐</p><p>dades biológicas, transmitidos por mapas cromossômicos para as novas</p><p>gerações. Tal transferência requer não só a conservação de uma herança ge‐</p><p>nética como pode compreender mutações, que, se gundo Hugo de Vries,</p><p>produzem genuinamente novas características, das quais dependem a evo‐</p><p>lução e a seleção orgânica e natural.</p><p>Sulton, Boveri e Morgan são os principais responsáveis por</p><p>recombinarem as teses de Men del e de Hugo de Vries. Os autores acima</p><p>foca dos partem do reconhecimento dos cromosso mos, estruturas que se</p><p>encontram localizadas no núcleo e que transportam os caracteres heredi‐</p><p>tários (genoma).</p><p>Foi Morgam quem demonstrou, com a Dro sophila, que os</p><p>determinantes genéticos se apre sentam em uma ordem linear e em uma</p><p>sequência ou encadeamento contido no próprio cromosso mo. A célula, ao</p><p>dividir-se, leva à individualização de pequenas barras ou bastões em forma</p><p>de X, denominados cromossomos. Os cromossomos são o substrato</p><p>citológico da hereditariedade, e o seu número é par, �xo em cada espécie</p><p>animal. No ser humano, por exemplo, o número de pares é de 23, dos quais</p><p>22 são autossomos, isto é, cro mossomos somáticos, e um par é genossomo,</p><p>ou seja, um cromossomo sexual. É necessário que se note que esta</p><p>individualização cromossômica se mantém, desde a fecundação até a morte,</p><p>e é de 46XX para o sexo feminino e de 46XY para o sexo masculino.</p><p>Depois da união de Denver (1960), os gru pos de cromossomos</p><p>encontram-se diferenciados desde o grupo A ao grupo G, segundo o</p><p>compri mento total</p><p>e respectivo dos braços articulados pelo centrômero.</p><p>À montagem da divisão celular em estado de metafase, é dado o nome</p><p>de carótipo que mais não é que a carta geográ�ca dos traços hereditári os, ou</p><p>seja, o mapa cromossômico de McKusick. A divisão celular, como é óbvio,</p><p>obedece a um complicado mecanismo hierarquizado e controla do,</p><p>dependente do AND1 e ANR2.</p><p>O ADN detém a informação genética e o ARN assegura o transporte e</p><p>a recepção da men sagem genética. Toda a perturbação da mensagem</p><p>codi�cada do ser humano (“dislexia genética”) pro voca aberrações, quer nos</p><p>autossomos (trissomias: Down (21), Patau (13), Edwards (18), quer nos</p><p>genossomos (Klinefelter, Turner e outros), as quais traduzem normalmente</p><p>anomalias de desenvolvi mento. São conhecidas outras malformações dos</p><p>genes mutantes, como, por exemplo: a acondroplasia (nanismo), a gota, a</p><p>coreia de Huntington, a diabetes, a distro�a muscular de Duchenne etc.</p><p>Estes exemplos da genética humana servem para demonstrar que a</p><p>evolução da espécie não pode ser interpretada sem o esclarecimento neces‐</p><p>sário da genética, daí este desvio em termos de contexto. É evidente que a</p><p>mutação de genes de pendente da mudança de condições do meio, põe em</p><p>jogo processos bioquímicos e �siológicos que determinam posteriormente</p><p>os aspectos comportamentais dos diferentes organismos.</p><p>Os extraordinários trabalhos de Watson, Cri ck e Wilkins são</p><p>demonstrativos do que acabamos de citar. A vida e as espécies são</p><p>explicadas por transmissão hereditária, traduzida em termos de- ADN e</p><p>ARN que mediatizam as proteínas e são a razão de ser da evolução dos seres</p><p>vivos, contro lando o seu desenvolvimento e o seu movimento, isto é, toda</p><p>uma engenharia genética que explica as mutações e as populações animais.</p><p>A vida é pos sível a partir da reprodução de organismos, por meio da divisão</p><p>celular.</p><p>A divisão celular, por natureza, produz ge rações idênticas, como regra,</p><p>e mutações, como exceção. É esta capacidade de autocópia que caracteriza</p><p>os seres vivos, pois, como a�rma Jacques Monod, “os organismos vivos são</p><p>estruturas que se constroem por si próprias”, isto é, os seres vi vos justi�cam-</p><p>se pela realização de um projeto. As moléculas simples, básicas, como as</p><p>bases (adenina, timina, guanina e citosina), que, por sinal, com põem o ADN</p><p>em espirais de fosfato e açúcar, autorreproduzem-se, descondi�cando a</p><p>mensagem genética em uma série de arranjos atômicos que im plicam uma</p><p>sequência de ações que operam a sínte se das proteínas. É nesta linguagem</p><p>que se passa o fenômeno da hereditariedade em todas as criaturas que</p><p>conhecemos, desde a bactéria ao elefante, des de o vírus à rosa, desde o réptil</p><p>ao Homem.</p><p>O segredo da vida emerge da reprodução sexual, primeiro no mundo</p><p>vegetal, depois no mun do animal. A partir daí, a norma biológica que per‐</p><p>mite a integração da noção da espécie advém de dois sexos. O sexo produz</p><p>adversidade, e esta é a mola da evolução. A multiplicidade de formas, de</p><p>cores e de comportamentos nos indivíduos e nas espécies é produzida por</p><p>pares de genes, uns de um sexo, outros de outro, como Mendel focou. Os</p><p>genes, ocupando uma posição nos cromossomos, somente visível na divisão</p><p>celular, são compostos de ácidos nucleicos e, como tal, participam na pro‐</p><p>dução das proteínas, que, organizadas e estrutura das, dão origem aos seres</p><p>vivos.</p><p>Para penetrar nos parâmetros ocultos da ge nética, foi preciso que,</p><p>desde Mendel a Watson e Crick, decorressem cerca de 90 anos. Em 1953, o</p><p>ADN foi decifrado. O ADN é um ácido nucleico, ácido contido na parte</p><p>central (núcleo) das células que contêm as mensagens químicas da</p><p>hereditari edade, as quais passam de umas gerações para as outras. A</p><p>arquitetura (química) do ADN é feita de açúcares e de fosfatos e de quatro</p><p>pequenas molé culas ou bases, como já vimos anteriormente. Duas são</p><p>pequenas, a timina e a citosina, e as outras duas são maiores, a guanina e a</p><p>adenina. As primeiras estão organizadas em hexágonos, e as segundas em</p><p>hexágonos e pentágonos, dentro dos quais se en contram átomos de carbono,</p><p>nitrogênio, oxigênio e hidrogênio. O ADN é, portanto, uma longa cadeia em</p><p>espiral, com uma estrutura invariante e rígida, uma espécie de cristal</p><p>orgânico, como diz Brono wski. A ligação das bases não é arbitrária, os seus</p><p>pares são obrigatoriamente: timina-adenina, guanina-citosina, os quais,</p><p>ordenados por andares sem pre da mesma forma, contêm o código genético.</p><p>As quatro letras do ADN são um código que transmite à célula, passo a</p><p>passo, todas as infor mações, que permitem a manufatura das proteí nas. Um</p><p>código, o do ADN, implica outro código, o das proteínas. Podemos</p><p>acrescentar que o ADN traz os planos de mais de mil proteínas que são</p><p>manufaturadas pela célula viva. O ADN, contido nos cromossomos, passa as</p><p>suas informações ao ARN mensageiro, que, por sua vez, desloca-se aos</p><p>ribossomos, para aí fabricar as proteínas, materiais fundamentais de</p><p>construção dos organismos vivos.</p><p>Temos, assim, elementarmente concluído o ciclo da hereditariedade,</p><p>onde surge o invariante fundamental do ADN (MONOD), ou seja, o gene,</p><p>portador imutável das características hereditárias já designado por Mendel,</p><p>o que constitui, sem dú vida alguma, a mais importante descoberta da bio‐</p><p>logia, à qual necessariamente se deve juntar a teo ria da seleção natural, de</p><p>Darwin, que só agora é entendida na sua dimensão mais plena.</p><p>Temos então explicada sumariamente a relação de prioridade entre a</p><p>invariância e a teleonomia: dilema fundamental da vida. Como a�rma</p><p>Jacques Monod, no seu ensaio sobre a � loso�a natural, “a invariância</p><p>precede necessa riamente à teleonomia, ou, para ser mais explí cito, a ideia</p><p>darwiniana de que a aparição, a evolução e o aperfeiçoamento progressivo</p><p>das estruturas, cada vez mais intensamente teleonômicos, são por causa das</p><p>perturbações ocorridas em uma estrutura, possuindo já a propriedade de</p><p>invariância, capaz, portanto, de conservar o acaso e, por isso mesmo, de</p><p>submeter os seus efeitos ao jogo da seleção natural”.</p><p>O ADN não é senão uma instrução ativa e dinâmica que transmite à</p><p>célula todas as infor mações que vão alterar a sua estrutura e função. A vida é</p><p>uma sequência de fenômenos, ou me lhor, um encadeamento rigoroso de</p><p>operações que têm o seu início no próprio mecanismo e sinergismo do</p><p>ADN. A célula limita-se a ler a informação do ADN, leitura essa sem</p><p>omissões nem adições, que reagrupa as moléculas básicas em triplas (códãos</p><p>ou códon ou mesmo triplete), para formar um aminoácido, ponte para jun‐</p><p>tar duas enzimas, que, por sua vez, originam a formação de proteínas,</p><p>resultantes de 20 aminoácidos, isto é, o código do código.</p><p>Voltando a Bronowski, “todas as células transportam no seu soma o</p><p>potencial necessário para fazer um animal no seu todo, excetuando as</p><p>células do espermatozoide e do óvulo. O espermatozoide e o óvulo são</p><p>incompletos, e não pas sam de metades de células: elas transportam meta de</p><p>do número total de genes”. É um fato, e só quando o óvulo é copulado pelo</p><p>espermatozoide, ele é fertilizado, para dar origem ao zigoto, que está</p><p>organizado, como já vimos, em pares de genes. Só a partir daqui, podemos</p><p>encontrar a totalidade das instruções hereditárias que vão originar os suces‐</p><p>sivos estados de desenvolvimento embriológico.</p><p>Podemos agora compreender a diversidade da vida e a sua variação e</p><p>perceber que as combi nações de genes presentes nas populações animais são</p><p>astronômicas. É provável que, neste mecanis mo complexo, se veri�quem</p><p>mudanças de direção genética (genótipo) naturalmente implicadoras de um</p><p>processo evolutivo dependente do meio (fenótipo), onde surgem novos</p><p>arranjos e recombinações que justi�cam a evolução das espécies.</p><p>Fig. 2.2</p><p>Esquema 2.1</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BOORER, M. Mammals of the World. Ed. e Hamlyn Publish Group Limited, Londres, 1970.</p><p>BURMA, B. H. Reality, Existence and Classification. Ed. Madrono, Vol. 12, 1954.</p><p>BURMA, B. H. e Species Concept: A Semantic Review. In: Munson, R. Man and Nature. Ed. 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Atheneum and Weindenfeld and Nicolson, 1968.</p><p>1 ADN - Ácido desoxiribonucleico</p><p>2 ARN - Ácido ribonucleico</p><p>- 3 -</p><p>Dos invertebrados aos</p><p>vertebrados</p><p>Depois de termos feito esta viagem pela he reditariedade, estamos em</p><p>condições de retomar a abordagem �logenética e, ao mesmo tempo, o pro‐</p><p>cesso de evolução das espécies, basicamente ex plicado por duas variáveis</p><p>cruciais: hereditarieda de e adaptação.</p><p>Para compreendermos os caminhos da �logênese, que nos levam até o</p><p>Homem, temos, em primeiro lugar, de destacar a unidade da vida e o</p><p>signi�cado da sua síntese, que nos impede de se parar, radical e</p><p>abruptamente, o mundo inorgâni co do mundo orgânico e, evidentemente, o</p><p>mundo vegetal do mundo animal.</p><p>Só nesta unidade, vamos equacionar o me canismo que justi�ca a</p><p>evolução, que vai dos seres unicelulares aos seres multicelulares, dos</p><p>protozoários aos metazoários, dos invertebrados aos ver tebrados, da</p><p>bactéria ao Homem.</p><p>Em termos esquemáticos, podemos apresen tar o seguinte quadro, que</p><p>reforça exatamente o sen tido do Universo, da Vida e da Evolução das espé‐</p><p>cies, bem como o lugar do Homem na Natureza.</p><p>Dentro de uma linha �logenética, os metazoários são formados por</p><p>duas camadas de cé lulas, a ectoderme e a endoderme (exterior e interi or), que</p><p>caracterizam um tipo de movimento dependente de uma simetria radial. Tal</p><p>caracte rística tende a transformar-se, em termos evo lutivos, em uma</p><p>simetria bilateral, dado que uma nova estrutura se interpõe no meio das</p><p>duas ca madas acima apontadas, isto é, a mesoderme, implicadora de uma</p><p>morfologia esquelética e de uma musculatura especí�ca, colocando em jogo</p><p>grupos musculares agonistas e antagonistas, �exores e extensores, esquerdos</p><p>e direitos, anteri ores e posteriores. É, evidentemente, a partir da qui que as</p><p>condutas sensório-motoras tendem a uma complexidade crescente.</p><p>Podemos já disse car a adaptação progressiva, que vai dos inver tebrados aos</p><p>vertebrados.</p><p>Os vertebrados expandem-se pela água, pelo ar e pela terra. Como</p><p>características adaptativas fundamentais, temos a caixa craniana óssea, o de‐</p><p>senvolvimento do esterno, da cintura pélvica e da escapular, o</p><p>desenvolvimento dos membros, o de senvolvimento muscular, o</p><p>alongamento da colu na cervical e a independência da cabeça.</p><p>Como representantes fósseis que justi�cam os primeiros vertebrados,</p><p>temos os placodermes, os crossopterígeos e os actinopterígeos.</p><p>Dos peixes aos anfíbios, dão-se de novo adap tações, tal como dos</p><p>anfíbios aos répteis. Assim, o peixe, ao levantar a cabeça das águas, inicia a</p><p>con quista da terra �rme, transformando-se em um pei xe blindado que</p><p>comporta novas adaptações que o vão levar aos répteis. As características</p><p>�logenéticas primordiais são a transformação da barbatana em membros, a</p><p>estrutura pulmonar com narinas, uma circulação sanguínea dependente de</p><p>um cora ção, o robustecimento do esqueleto e a aquisição de uma coluna</p><p>cervical móvel, dado que os pro blemas de orientação em terra requerem</p><p>maior número de conexões sensório-motoras.</p><p>Fig. 3.1 - Os crossopterígeos elevam a cabeça das águas.</p><p>Os vertebrados iniciam um passo muito importante da evolução</p><p>(segundo F. H. T. Rhodes).</p><p>Fig. 3.2 - Ichthyostega (esqueleto e reconstituição esquemática) (segundo</p><p>F. H. T. Rhodes).</p><p>Uma das características mais importantes do vertebrado, e que convém</p><p>desde já assinalar, é a simetria bilateral, em que uma parte do corpo é es‐</p><p>pelho da outra.</p><p>Romer chega mesmo a diferenciar a simetria bilateral morfológica</p><p>como a condição fundamen tal de os vertebrados serem considerados</p><p>animais ativos que se deslocam facilmente, daí o seu su cesso de adaptação</p><p>ao meio ambiente.</p><p>A simetria bilateral está na base da �logênese da motricidade, é ela que</p><p>explica a evolução adaptativo-funcional que mais tarde justi�cará o</p><p>desenvolvimento do órgão de maior diferenciação do mundo animal — o</p><p>cérebro humano.</p><p>A simetria bilateral depende da coluna ver tebral que suporta a cabeça,</p><p>o tórax e o abdômen.</p><p>E é a chave da filogênese da motricidade que evolui da reptação (dos</p><p>répteis) ao bipedismo (do Homem), passando pela quadrupedia (dos</p><p>mamíferos) e pela braquiação ou quadrumania (dos primatas).</p><p>A simetria bilateral ajuda-nos a perceber a importância capital da</p><p>coluna vertebral, não só porque sustenta os órgãos mas também porque</p><p>constitui o princípio e o �m de todas as condutas sensório-motoras. A</p><p>coluna contém na sua extre midade anterior a cabeça (cefalização) e, na sua</p><p>extremidade posterior, a cauda. É interessante no tar que daqui advém uma</p><p>lei fundamental de de senvolvimento dos vertebrados — a lei cefalocaudal —,</p><p>lei essa que exempli�ca o desenvolvimento em briológico e a ontogênese da</p><p>motricidade no ser humano que iremos estudar na segunda parte.</p><p>É óbvio que as aquisições motoras huma nas, que se iniciam primeiro</p><p>na posição de deita do (maturação neuromuscular dos metâmeros dorsais e</p><p>lombares) até a posição de pé (matura ção neuromuscular dos metâmeros</p><p>sagrados), põem em destaque a importância da lei cefalocaudal,</p><p>característica inerente à motricidade de todos os animais vertebrados.</p><p>Os animais vertebrados dispõe todos de uma coluna e de uma cabeça.</p><p>A coluna suporta os ór gãos responsáveis pelas grandes funções (respira ção,</p><p>circulação, digestão), enquanto a cabeça con centra as estruturas mais</p><p>sensíveis dos órgãos sensoriais (orientação e adaptação). Estes dois ele‐</p><p>mentos constituem o esqueleto axial, o mais funda mental, ao passo que os</p><p>membros anteriores (supe riores) e os membros posteriores</p><p>(inferiores)</p><p>constituem o esqueleto apendicular, unido à coluna por duas cinturas</p><p>articulares: a escapular e a pélvica.</p><p>Um estudo de anatomia comparada levarnos-ia muito longe, saindo</p><p>fora desta introdução, onde se pretende dar uma visão, tanto quanto pos‐</p><p>sível, adequada e rigorosa, entre a �logênese e a ontogênese da motricidade;</p><p>porém, ela é fundamen tal para a compreensão dos aspectos osteológicos e</p><p>anatômicos, não só importantes para a leitura dos fósseis mas também</p><p>necessários para a explicação das adaptações mais diferenciadas que se</p><p>deram nos vertebrados.</p><p>A evolução que vai dos seres unicelulares, como os protozoários, e que</p><p>passa, segundo Oparine e tantos outros, pelos colonialismos celulares ou</p><p>coacervatos, até atingir os metazoários maríti mos, seres multicelulares, sem</p><p>espinha dorsal, tam bém designados por invertebrados, é a mais difícil de</p><p>determinar, exatamente porque faltam dados fósseis, ou melhor, dados</p><p>paleontológicos.</p><p>Embora a Paleontologia, como ciência do pas sado, segundo nos</p><p>assegura Piveteau, nos garanta muitos fragmentos formulativos da história</p><p>da evo lução dos invertebrados, não restam dúvidas de que o estudo dos</p><p>ossos (osteologia) nos permite mais seguramente redescobrir a idade</p><p>relativa aos res tos animais, por meio de um conjunto de conexões (ST.</p><p>HILAIRE) e de processos adaptativos que nos con�rmam uma perspectiva</p><p>materialista da evolu ção dos vertebrados.</p><p>O esqueleto é um elemento importante para o estudo dos vertebrados;</p><p>só por ele se po dem analisar as espécies extintas. O que resta para além das</p><p>partes moles é efe tivamente o que interessa para o es tudo dos fósseis e, mais</p><p>global mente, para os estudos dos dados arqueológicos.</p><p>Além das características que já apontamos, importa de terminar</p><p>objetivamente como se deu a evolução dos verte brados para conhecermos</p><p>por que é que os animais verte brados (e, portanto, o Ho mem) se</p><p>transformaram no que são.</p><p>A simetria bilate ral é, como já vimos, fundamental, daí ad virem as</p><p>seguintes adaptações nos animais vertebrados:</p><p>• maior facilidade de movimentos;</p><p>• melhores condições de resistência ao sedentarismo;</p><p>• separação das narinas da cavidade bucal (aparecimento do sistema</p><p>olfativo);</p><p>• emergência de um sistema de equilíbrio (sis tema vestibular), dado</p><p>que o equilíbrio e a orienta ção são mais complexos em terra �rme;</p><p>• coluna vertebral �exível;</p><p>• cefalização progressiva com assimetria fun cional dos dois hemisférios</p><p>cerebrais.</p><p>Fig. 3.3 - Filogênese do SNC (Sistema Nervoso Central) (segundo Max</p><p>Ceccatty)</p><p>A transformação de uns seres em outros ex plica-se, como já vimos, em</p><p>termos genéticos, e, por isso, fácil se torna, agora, perceber a evolução que</p><p>decorre do vertebrado ao Homem, não apenas em termos anatômicos mas</p><p>também em termos funcionais, ou seja, perspectivar toda uma evolu ção que</p><p>parte de um aspecto biológico para outra já extrabiológico.</p><p>Nesta revolução biológica, é evidente que uma das características</p><p>fundamentais dos vertebra dos, quer sejam os peixes, os anfíbios ou os rép‐</p><p>teis, é a sua atividade. A atividade, melhor, a motricidade no seu sentido</p><p>biológico total foi e é uma das chaves do sucesso dos animais vertebrados.</p><p>A motricidade, por si só, além de ter permi tido ao peixe do Devônio-</p><p>Crossopterígeo a con quista da terra �rme, levou o animal vertebrado às</p><p>seguintes libertações anatômicas sucessivas, foca das por Leroi-Gourhan:</p><p>1º - do corpo em relação à água (répteis);</p><p>2º - da cabeça em relação ao solo (mamíferos);</p><p>3º - da mão em relação à locomoção (primatas);</p><p>4º - do cérebro em relação ao maciço faciodental (Homem).</p><p>Em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação</p><p>vital. Só por ela, a nutrição é satisfeita e, só em função desta necessidade,</p><p>jus ti�ca-se o processo de relação com o meio, dado que todos os animais,</p><p>inclusive o Homem, neces sitam de obter determinados alimentos a partir do</p><p>seu envolvimento.</p><p>A motricidade, como berço signi�cativo da evolução, deve permitir ver</p><p>a Adaptação Huma na, não só pela inteligência mas igualmente pela sua</p><p>motricidade, que lhe deu a origem e que suces sivamente a determinou.</p><p>A motricidade é o complemento da cerebração, isto é, a regulação e o</p><p>controle que a motricidade humana atingiu através dos tempos, é a con dição</p><p>(em termos ontogenéticos) e foi a condição (em termos �logenéticos) da</p><p>evolução do cérebro, órgão central de localização cefálica que assume os</p><p>comportamentos, ou seja, os processos moto res materializadores de</p><p>adaptação e da relação “in teligível” entre a situação (fatores exógenos) e a</p><p>ação (fatores endógenos).</p><p>O cérebro bene�ciou-se da �logênese da motricidade, por meio da</p><p>conquista locomotora que decorre da reptação, da quadrupedia e, especial‐</p><p>mente, do bipedismo.</p><p>No princípio, é a motricidade que explicita a progressiva diferenciação</p><p>do cérebro: O cére bro não provoca a motricidade como muitas ve zes as</p><p>explicações idealistas quiseram argumen tar. A motricidade é o invariante da</p><p>evolução biológica e, como tal, da evolução do sistema ner voso central. Aqui</p><p>está outra das chaves da evo lução, a qual aponta necessariamente para uma</p><p>visão cientí�ca baseada em fatores conhecidos e controlados pela ação e pelo</p><p>saber humanos, in dependentemente de muitas teorias acientí�cas</p><p>continuarem a subsistir, exatamente porque não podem ser cienti�camente</p><p>analisadas.</p><p>A função e a utilização constante do apa relho locomotor justi�ca, em</p><p>parte, a Hominização, que resume uma evolução anatômica, es sencialmente</p><p>associada a uma revolução re�exiva ou cerebral. O problema tem ainda uma</p><p>justi�cação lamarckiana: as característi cas adaptativas, explicadas em termos</p><p>genéti cos, veri�cam-se em termos de uso ou desuso, isto é, a função faz o</p><p>órgão. Assim, explicamos o pescoço comprido da girafa, a ausência de</p><p>membros da cobra, o bipedismo humano. Tra ta-se, como diz Romer, de uma</p><p>teoria simples, razoável e natural, à qual devemos juntar as mutações, quer</p><p>sejam vantajosas ou não, e o mecanismo de seleção natural explicado inici‐</p><p>almente por Clarles Darwin.</p><p>No caso dos vertebrados, e é isso que im porta agora abordar, a</p><p>adaptação à vida terrestre levou à transformação dos peixes em anfíbios,</p><p>que, como sabemos, têm um duplo habitat. A�r ma Sanides que as larvas</p><p>destes anfíbios conser vam ainda a vida aquática, como aliás, pode-se</p><p>observar no processo de maturação da rã.Os primeiros peixes a “tirarem a</p><p>cabeça fora de água” surgiram na segunda metade do Silúrico e, durante o</p><p>Devônio, atingiram maior variabili dade e adaptabilidade. São considerados</p><p>peixes pulmonados (ou dipnoicos) e também são desig nados peixes</p><p>blindados, dada a estrutura extre mamente rígida da sua ectoderme,</p><p>exatamente porque só assim se protegiam das radiações mui to intensas da</p><p>época. Nesta transição, a bexiga nadatória transforma-se em pulmão; as</p><p>barbata nas em membros; as extremidades em cinco de dos; a coluna cervical</p><p>rígida em um pivot móvel para permitir à cabeça uma maior independência</p><p>de movimentos (pescoço) e, consequentemente, uma orientação visual e</p><p>auditiva mais ampla; as fossas nasais diferenciam-se da cavidade bucal e</p><p>adquirem uma comunicação com a faringe, o que permite desenvolver um</p><p>telerreceptor químico, isto é, o olfato, de grande signi�cado adaptativo para</p><p>todos os mamíferos terrestres.</p><p>Todas estas adaptações funcionais podiam ser rejeitadas de um ponto</p><p>de vista explicativo. Porém, em 1936, na Groenlândia, surge um fóssil que</p><p>permite ligar a adaptação aquática à adapta ção terrestre e atmosférica.</p><p>Tratava-se de um pei xe de quatro pernas, o Ichthyostega, apresentando já um</p><p>conjunto de condutas que podemos carac terizar como inerentes aos</p><p>anfíbios. Convém reprecisar que este exemplar encontra um testemu nho</p><p>atual em um peixe da ordem dos crossopterígeos que ainda hoje habita as</p><p>ilhas Comores, perto de Madagáscar.</p><p>É evidente que as exigências da vida na ter ra são diferentes das</p><p>exigências da vida na água, e mais uma vez essas diferenças têm a ver</p><p>essencial mente com a motricidade. Para se movimentar em terra �rme, o</p><p>animal necessita</p>