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DA MONARQUIA À REPÚBLICA 287 perambular pelas estradas e a mendigar a caridade pública nas cidades. Tentou-se, várias vezes, sem resultado, aliás, cercear es- ses abusos. Em 1854, Cotegipe apresentava à Câmara dos Depu- tados um projeto que pretendia obrigar os senhores a sustentar e manter os escravos alforriados por doença. Em 1865, em São Paulo, uma lei provincial determinava: Todo senhor que, dispondo de meios suficientes, abandonar seus escravos morféticos, leprosos, doidos, aleijados ou afetados de qualquer moléstia incurável e que consentir em que eles mendi- guem, sofrerá 30$000 de multa e será obrigado a recebê-los com a necessária cautela, sustentá-los e vesti-los. Baldados eram os esforços dos legisladores. As Câmaras re- clamavam, a imprensa protestava, mas os negros alforriados con- tinuavam aos bandos, famintos, percorrendo os caminhos, importunando os viandantes e a população das cidades. Nada mais representavam como força de trabalho. Sua manutenção constituía um encargo oneroso que bem poucos estavam dispos- tos a enfrentar. Os precários conhecimentos médicos e o primitivismo da terapêutica improvisada, as más condições higiênicas das senza- las, a deficiência de alimentação e do vestuário, as penosas con- dições de trabalho, sob o sol e a chuva no campo, a poeira do café nas casas de beneficiar ou o calor das fornalhas no engenho de cana, os vermes, as picadas de animais venenosos, tudo con- tribuía para o alto índice de mortalidade da população escrava. Mortalidade infantil entre os escravos Na década de 1860 dizia-se que um fazendeiro que compras- se um lote de escravos, em boas condições de saúde, possuiria, após três anos, na melhor das hipóteses, um quarto dos escravos aptos ao trabalho. A duração média da força de trabalho era de quinze anos. Nas fazendas havia sempre alguns cativos momen- taneamente incapacitados: cerca de 10% a 25%. A mortalidade infantil atingia 88%. Dizia-se que era mais fácil criar três ou quatro filhos de brancos do que uma criança preta. Atribuía-se esse fato à maior fragilidade da raça negra. Mesmo nas fazendas 288 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA onde o tratamento dos escravos era considerado bom a mortali- dade infantil era de 75%. A proprietária de um dos maiores en- genhos de açúcar da Baixada Fluminense, uma das primeiras a introduzir máquinas a vapor – o que revela seu espírito progres- sista – contava a Maria Graham que nem a metade dos negros nascidos na fazenda vivia até alcançar dez anos. O barão de Piabanha, fazendeiro de Paraíba do Sul, na província do Rio de Janeiro, confessava anos mais tarde que, apesar do bom tratamen- to e cuidados, o número de cativos reduzia-se em 5% ao ano. Família e licenciosidade Nas senzalas havia sempre um número menor de mulheres em relação ao de homens, em certas regiões a proporção era de uma para cinco. A escassez de escravas estimulava a promiscui- dade. Os senhores fechavam os olhos para essa licenciosidade. Preferiam os escravos solteiros, seu cristianismo não ia a ponto de casá-los. A antiga estrutura familiar africana não podia sobreviver dentro das condições criadas pela escravidão. De outro modo, a família monogâmica recomendada pelo cristianismo não chega- va a estabelecer-se. A licença sexual imperava na senzala, dela participavam muitas vezes os brancos. Das numerosas ligações resultava uma população escrava mestiça, às vezes quase branca. Não eram raros os casos de filhos mantidos no cativeiro pelos próprios pais. Alguns eram alforriados incorporando-se à clien- tela de agregados que vivia sob a tutela senhorial. Desde a Inde- pendência tentara-se, sem sucesso, aliás, incluir na legislação um dispositivo que obrigasse o senhor a alforriar a escrava que desse à luz um filho seu. Tal medida, entretanto, obrigaria a con- fissão pública da imoralidade oculta nas senzalas: preferiu-se a situação ambígua em que viveram muitos senhores que manti- nham no cativeiro filhos ou irmãos. Uma decisão judicial, pos- terior à lei do Ventre Livre, determinou que seria considerado motivo de preferência para emancipação pelo Fundo, então criado, o fato de uma escrava pertencer a seu próprio filho. Nessa época, um acórdão proibia ao senhor a venda de seus filhos naturais obrigando-o a continuar com a mãe e os filhos como escravos (!). DA MONARQUIA À REPÚBLICA 289 Relações de afetividade A legislação destinada à defesa do cativo era de efeito duvi- dosa. No campo imperava livremente a autoridade senhorial. O senhor representava a Igreja, a Justiça, a força policial e militar. Seu domínio era sem peias. Seu arbítrio só encontrava limites na sua própria benevolência. Entretanto, casos de brandura e paternalismo, relações de amizade entre senhores e escravos, exemplos de fidelidade existiram sempre e em toda parte, tanto no Norte como no Sul. Muita sinhá conservou toda a vida e transmitiu a seus filhos e netos a afeição pela ama que a criara e que mais tarde viu crescer seus filhos. Muito filho de senhor de engenho manteve pela vida afora, na saudade da infância, re- cordação carinhosa do preto velho que o iniciou na arte de mon- tar e pescar, nos mistérios da natureza, nas histórias africanas. Não foram poucos os jovens estudantes que, no dia da formatu- ra, deram carta de alforria ao escravo companheiro de folguedos, o moleque que os acompanhara como pajem durante os anos de Academia e a que estavam ligados desde a infância por uma cá- lida amizade. Esses fatos contribuíram para que se forjasse uma imagem idealizada da escravidão. As imagens da Mãe Negra, do Pai João, do moleque de engenho, do companheiro de brinque- dos na infância, da Mucama Fiel fixaram-se na literatura. Mas essa mesma literatura não pôde deixar de registrar o escravo vin- gativo que atentava contra a vida do senhor, incendiava os cam- pos, matava o feitor, e a escrava que destruía lares e insuflava o ódio e a rebelião nas senzalas. As afirmações sobre a suavidade do sistema escravista no Brasil ou sobre a atitude paternalista dos fazendeiros, os retratos do escravo fiel e do senhor benevolente, que acabaram fixando- se na literatura e na história, não passam de mitos forjados pela sociedade escravista para defesa de um sistema que julgava im- prescindível. Essas idealizações persistiram mesmo depois do de- saparecimento da instituição. As gerações posteriores à Abolição herdaram do passado a visão que a sociedade senhorial criou. A escravidão como instituição possibilitava, exigia até, o domínio, a exploração do homem pelo homem, a violência e o arbítrio. O direito do senhor fundamentado na violência estava fatalmente condenado à violência para se poder manter, já o 290 EMÍLIA VIOTTI DA COSTA notara Victor Schoelcher, líder abolicionista, a propósito da es- cravidão nas Antilhas. Dos escravos esperava-se humildade, obediência e fidelidade. Do senhor autoridade benevolente. Nem sempre as expectativas eram satisfeitas: o escravo roubava, era infiel, fugia, praticava de- satinos. O senhor excedia-se nos castigos, era violento e cruel. Preconceito contra o negro A intimidade entre senhor e escravo era maior nas áreas em que prevalecia o modo tradicional de produção, onde se con- centrava grande número de escravos. Nas áreas de transição para o sistema assalariado, principalmente nas regiões em que se acen- tuara o caráter capitalista das relações de produção, aumentou a distância entre a Casa Grande e a Senzala. O fato ocorreu, par- ticularmente, nas zonas cafeeiras mais novas, onde o convívio entre senhores e escravos foi diminuindo até cessar quase com- pletamente. Entretanto, mesmo na fase de maior intimidade o preconceito racial separou sempre as duas categorias tão íntimas e tão distantes. O preconceito de cor, cuja existência foi tantas vezes negada pela ideologia senhorial, evidenciava-se a cada passo. A começar pela caracterização do negro como uma raça inferior. Os próprios viajantes estrangeiros, que afirmavam em seus livros não existir preconceito racial no Brasil, eram muitas vezes os primeiros a divulgar idéias preconceituosas.Um deles, Hermann Burmeister, que percorreu as províncias do Rio e Mi- nas, afirmava, em meados do século passado, que sempre tivera grande simpatia pelo preto, sempre o contemplara com interes- se, “como produto exótico da natureza”. Não escondia, entre- tanto, que os amava “teoricamente”, a distância, e que eles lhe causavam repugnância. Dizia-se convencido “por observação própria” da inferioridade física e mental do preto em relação ao branco e concluía que o negro jamais passaria da condição ser- vil.4 Não faltou quem afirmasse que o negro constituía uma es- pécie de sub-raça, muito mais próxima do macaco que do homem branco. Dizia-se que seu sangue, seu cérebro eram diferentes. 4 Hermann Burmeister, Viagem pelo Brasil através do Rio de Janeiro e de Mi- nas Gerais, p.54. c) Direcionou sua ação propagandística em favor do nacionalismo, da democracia e da liberdade política com vistas a conseguir maior legitimidade às suas políticas sociais, sobretudo a partir da criação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e de políticas educacionais. d) Fez uso da propaganda política contra os comunistas, embora não tivesse recebido apoio da Igreja Católica que, naquele momento, se aproximava da União Soviética para combater o nazi- fascismo. e) Utilizou propaganda política feita por meio de rádio, cinema, TV e jornais e teve por objetivo contribuir para democratizar e desenvolver o Brasil. 108 - (UFRN) Em uma cerimônia cívica realizada no Rio de Janeiro, em dezembro de 1937, o presidente Getúlio Vargas participou da queima e da destruição das bandeiras estaduais e do hasteamento do pavilhão nacional. O cartaz abaixo foi divulgado no período e ilustra uma das diretrizes do governo Vargas, expressa também na cerimônia referida. RODRIGUE, Joelza Ester. História em documento: Imagem e Texto. São Paulo: FTD, 2002. p.165 Essa cerimônia pode ser simbolicamente identificada com o desejo de Vargas de a) demonstrar que o poder forte centralizado havia liquidado a força política dos coronéis em todos os estados da Federação. b) afrontar as lideranças políticas do Congresso Nacional, por ele considerado um órgão inoperante e distanciado dos interesses vigentes nos estados da Federação. c) distribuir a renda nacional de acordo com as necessidades da população, minimizando as disparidades entre trabalhadores e empresários dos diferentes estados brasileiros. d) instituir um Estado Nacional unificado em torno de padrões nacionais, em oposição às unidades federadas dominadas pelos interesses das oligarquias. 109 - (UNICID SP) O período constitucional do governo Getúlio Vargas (1934-1937) foi marcado, entre outros, pela polarização ideológica, materializada pelo conflito AIB X ANL. Embora ideologicamente antagônicas, as duas instituições políticas apresentavam pontos em comum, tais como a) defesa do partido único e da luta de classes, como meios legítimos para se atingir a derrocada do capitalismo liberal. b) defesa da democracia liberal, valorização do pluripartidarismo e culto à personalidade do líder. c) crítica ao Estado liberal e ao capitalismo, valorização da democracia e culto à personalidade do líder. d) crítica ao Estado liberal, valorização do partido único e culto à personalidade do líder. e) busca da harmonia entre as classes sociais, por meio da criação de um governo que representasse, simultaneamente, os anseios da burguesia e do proletariado. 110 - (UNISC RS) A chamada “Era Vargas” começa com a Revolução de 30, que depôs Washington Luís, e termina com a deposição de Getúlio Vargas em 1945. O período foi marcado pelo aumento gradual da intervenção do Estado na economia e na organização da sociedade. Durante o Estado Novo (1937- 1945), houve um crescente autoritarismo e a centralização do poder. Refere-se a esse período a) a decretação do AI-5, que fechou o Congresso e estabeleceu a censura prévia. b) a Revolução Federalista liderada pela oposição paulista em 1932. c) o suicídio de Vargas em 1945, que abriu caminho para a redemocratização. d) o controle sobre os sindicatos, com exceção das confederações como a CUT e a CGT. e) a promulgação da Constituição de 1937, que considerava o Executivo “órgão supremo do Estado”. 111 - (UFU MG) A década de1930 no Brasil e no mundo foi marcada por vários conflitos políticos. Sobre esse assunto, marque a alternativa INCORRETA. Um casal integralista. FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: EDUSP/FDE, 2004. p. 354. a) O Partido Comunista do Brasil (PCB) representava um contraponto e uma estratégia de resistência ao espírito fascista e às práticas autoritárias do governo de Getúlio Vargas. No entanto, a implementação do Estado Novo (o golpe), a suspensão das liberdades civis, a censura à imprensa e a prisão de vários líderes comunistas desmantelaram o partido, que só retornaria à legalidade com a derrocada do Estado Novo. b) A Ação Integralista Brasileira combatia o capitalismo financeiro e negava a pluralidade dos partidos políticos. Sua proposta política e os rituais e símbolos utilizados (por exemplo, a letra grega sigma ) atraíram militantes e adeptos durante o seu período auge na década de 1930. c) A partir do lema “Deus, Pátria e família”, o movimento integralista no Brasil pregava a autonomia e igualdade entre homens e mulheres. Eram nacionalistas com fervor, porém o valor espiritual do casal estava acima da importância dada à organização do Estado, pois este não deveria gerir nem a economia nem a família. O Estado deveria limitar-se à garantia da soberania nacional. d) Para a espetacularização do espaço público, o nazismo utilizou grandes eventos, nos quais Hitler fazia questão de aparecer, sob aplausos das multidões. Palavras, músicas e imagens de efeito foram utilizadas para mobilizarem os sentimentos dos alemães de pertencimento a uma grande comunidade. Para Hitler, quanto mais simples, repetitiva e sentimental a mensagem, mais facilmente atingiria as massas incultas. 112 - (UNIFOR CE) Leia a seguir um trecho de um Manifesto divulgado em 1932, no Brasil. À Nação Brasileira − Ao operariado do país e aos sindicatos de classe − Aos homens de cultura e pensamento − À mocidade das escolas e das trincheiras − Às classes armadas! (...) A Nação Brasileira deve ser organizada, una, indivisível, forte, poderosa, rica, próspera e feliz. Para isso precisamos de que todos os brasileiros estejam unidos. Mas o Brasil não pode realizar a união intima e perfeita de seus filhos, enquanto existirem Estados dentro do Estado, partidos políticos fracionando a Nação, classes lutando contra classes, indivíduos isolados, exercendo a ação pessoal nas decisões do governo; enfim todo e qualquer processo de divisão do povo brasileiro. Por isso, a Nação precisa de organizar-se em classes profissionais. (...) Essas classes elegem, cada uma de per si, seus representantes nas Câmaras Municipais, nos Congressos Provinciais e nos Congressos Gerais. Os eleitos para as Câmaras Municipais elegem o seu presidente e o prefeito. Os eleitos para os congressos Provinciais elegem o governador da Província. Os eleitos para os Congressos Nacionais elegem o Chefe da Nação. (Raymundo Campos. História do Brasil. São Paulo: Atual, 1999. p. 243) Ao associar as idéias do Manifesto ao contexto político de sua divulgação, é possível afirmar que ele foi elaborado por