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Organ�açõe� Política� Internacionai� Teoria Das Organizações Internacionais (M1) Origens das organizações internacionais Os estudiosos das Relações Internacionais datam o sistema estatal contemporâneo como um processo iniciado em 1648, quando o Tratado de Westfália encerrou a Guerra dos Trinta Anos. Embora a maioria dos artigos do tratado cite a alocação dos despojos de guerra, outras disposições revelaram-se pioneiras. Os artigos 64, 65 e 67 do referido tratado, por exemplo, estabeleceram vários princípios-chave de um novo sistema de Estado: a soberania territorial; o direito do Estado de escolher sua religião; e a proibição da interferência de autoridades supranacionais, como a Igreja Católica ou o Sacro Império Romano. O tratado marcou o fim do governo das autoridades religiosas na Europa e o surgimento de Estados seculares. Segundo Jean Bodin, ela é entendida como “a marca distintiva de que o soberano não pode, de forma alguma, estar sujeito aos comandos de outro, pois é ele quem faz a lei para o sujeito, revoga a lei já feita e altera a lei obsoleta” (1992, p. 25). O filósofo também reforça que a soberania pode ser limitada pela lei divina ou pela lei natural, assim como pelo tipo de regime ou até mesmo por promessas ao povo. Inovações iniciais em governança e as organizações internacionais No século XIX, o processo de organização internacional foi estimulado por uma série de tendências importantes. A derrota de Napoleão em 1815 pôs fim às convulsões que se seguiram à Revolução Francesa e ao esforço para criar um império na Europa. O surgimento de cinco grandes potências europeias — Áustria-Hungria, Grã-Bretanha, França, Prússia e Rússia — deu início a uma era de relativa paz que durou quase um século. As interações de Estado para Estado tornaram-se mais frequentes e intensas, enquanto a disseminação de ideias democráticas capacitava as pessoas a organizar grupos não governamentais para atender às suas necessidades, como os direitos dos trabalhadores, e aos interesses comerciais privados. Em um livro pioneiro sobre organização internacional, Inis Claude (1919) descreve três grandes inovações de governança que surgiram no século XIX: o Concerto da Europa, os sindicatos públicos internacionais e as Conferências de Haia. O Concerto da Europa, de 1815, foi um concerto das principais potências europeias que tomaram decisões em todo o sistema por meio de negociação e consenso. A primeira inovação foi que os membros concordaram em coordenar o comportamento com base em certos direitos e responsabilidades e expectativas de reciprocidade difusa. Mesmo operando como Estados e sociedades separadas, eles atuavam dentro de uma estrutura de regras e consultas. O sistema de concertos envolvia a prática de reuniões multilaterais periódicas entre as grandes potências europeias com o objetivo de resolver problemas e coordenar ações. A criação dos sindicatos públicos internacionais foi a segunda inovação organizacional do século XIX. Essas agências foram inicialmente estabelecidas entre os Estados europeus para lidar com os problemas decorrentes da Revolução Industrial, da expansão do comércio, das comunicações e das inovações tecnológicas. Esses problemas funcionais envolviam questões, como, por exemplo, padrões de saúde para viajantes, regras de transporte marítimo no rio Reno, aumento do volume de correspondência e uso transfronteiriço do recém-inventado telégrafo. A União Internacional do Telégrafo (UIT) foi formada em 1865; a União Postal Universal (UPU), em 1874. Elas facilitaram a comunicação, o transporte e, portanto, o comércio. Com níveis crescentes de interdependência, os Estados europeus achavam necessário cooperar voluntariamente para cumprir tarefas não políticas. Como a ITU e a UPU estavam entre as primeiras OIs a serem estabelecidas, elas determinaram vários precedentes. A terceira inovação de governança no século XIX foi o conceito de conferências amplas nas quais todos os Estados foram convidados a participar da solução de problemas, o chamado Sistema de Haia. Em 1899 e 1907, o czar Nicolau II da Rússia convocou duas conferências em Haia (Holanda), envolvendo Estados europeus e não europeus, para pensar proativamente sobre quais técnicas os Estados deveriam ter disponíveis para prevenir a guerra e em que condições a arbitragem, a negociação e o recurso legal seriam apropriados. As Conferências de Haia também produziram várias inovações importantes de procedimento. Foi a primeira vez que os participantes incluíram Estados pequenos e não europeus - e todos com voz igual. O que havia sido, em grande parte, um sistema de Estados europeu até o fim do século XIX tornou-se um verdadeiramente internacional no início do século XX. Pela primeira vez, os participantes utilizaram técnicas, como, por exemplo, eleição de presidentes, comitês organizadores e votação nominal, elementos que se tornaram características permanentes das organizações do século XX. As Conferências de Haia também promoveram as novas ideias de interesses comuns da humanidade e a codificação do direito internacional. Experiência da Liga das Nações e construção das organizações internacionais modernas Resultado das Conferências de Paz em Paris em 1919, a Liga das Nações moldou a comunidade de OIs de uma nova maneira. Agora, pela primeira vez, uma organização governamental internacional tentava influenciar substancialmente as relações internacionais em seu sentido mais amplo. A nova Liga se tornou um centro de atração para outras organizações, as quais, por conta disso, abriram suas sedes em Genebra, na Suíça. A Liga das Nações, em primeiro lugar, refletiu o ambiente em que foi concebida: o imediato pós-Primeira Guerra. Dois princípios básicos podem ser reforçados para se compreender essas movimentações: os Estados-membros concordaram tanto em respeitar e preservar o território, a integridade e a independência política das outras nações quanto em empregar distintos métodos de solução de controvérsias. Embora a ausência dos Estados Unidos na filiação à Liga tenha se mostrado uma fraqueza crítica, foi a relutância de outras potências importantes, principalmente a Grã-Bretanha e a França, que se mostrou essencial para o fim da organização. As duas potências foram lenientes nas respostas à agressão aberta do Japão, da Itália e da Alemanha, por exemplo. Também se pode argumentar que a própria ideia de segurança coletiva era impraticável e excessivamente idealista em um mundo de Estados soberanos. O próprio pacto continha uma série de lacunas. Assim, entre 1935 e 1939, muitos membros se retiraram. Dessa forma, a Liga foi inoperante durante os seis anos da Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Seus membros foram convocados uma última vez, em abril de 1946, para encerrar a organização e transferir seus ativos para as novas Nações Unidas. Desse modo, no início da Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas reconheceram a necessidade de começar a planejar uma nova organização, embora o escopo fosse muito maior que o da Liga. Esse planejamento começou logo depois que os Estados Unidos entraram na guerra em 1941 e se baseou nas lições da Liga ao estabelecer as bases para a instituição sucessora: as Nações Unidas. Os conselhos em algumas OIs não operam com base no princípio de “um Estado, um voto”, mas têm disposições para votação ponderada ou qualificada, como é o caso do poder de veto dos membros permanentes do conselho de segurança. Nem todas as entidades de membros plenos (denominadas “assembleia”, “assembleia geral” ou “conferência”) são iguais. Embora muitas sejam compostas por representantes de todos os Estados-membros, algumas funcionam como uma entidade no nível de encontros e cúpulas. Entre as organizações regionais, apenas a Organização dos Estados Americanos têm uma assembleia geral modelada nas assembleias da Liga e da ONU. (M2) Organizações internacionais: cenários e perspectivas ● Os Estados criam OIs (Organismos Internacionais) paraO MCCA nasceu, assim, em 1960, em meio ao contexto de conflitos na região da América Central. Sua criação foi parte de iniciativas voltadas para tentar aumentar os índices de cooperação e paz locais, a partir do Tratado de Manágua, que foi o marco inicial para os trabalhos, seguido pelo Tratado de Integração Centro-Americana, em 1961, que, no decorrer dos anos, deram vida ao bloco, que contava com Honduras, Guatemala, Nicarágua e El Salvador. A Costa Rica entrou em 1962. Todo esse arcabouço tinha metas com prazos que eram otimistas considerando as realidades da região. Não obstante, os resultados atingidos foram capazes de produzir alguns resultados na melhoria das trocas comerciais, ainda que por pouco tempo. ● Comércio saltou de 8, na década de 1950, para 30 milhões de dólares na década de 1960. ● Depois, obteve outros saltos estatísticos chegando a 286 milhões na década de 1970. ● Em 1960, o comércio intrarregional era 6% do total da área com o mundo, e saltou para 23% em 1970. ● A participação do setor industrial no PIB saltou de 13% para 17,5% e o PIB total da região cresceu 7% durante o período. A região carece da estabilidade necessária à integração, pois os conflitos bélicos e Estados imersos em problemas socioeconômicos geram desconfiança e impedem a liberdade econômica e de trânsito de fatores de produção, uma vez que muitos atores tendem a seguir agindo por sua própria conta por terem muitas divergências políticas e ideológicas entre si. A infraestrutura local é muito precária por conta de todos esses problemas, e a integração não foi capaz de promover estratégias de investimento que canalizassem os ganhos com o aumento da riqueza, oriunda da ampliação do comércio, para obras e melhorias na infraestrutura O balanço ao final da década de 1980 apontava um decréscimo do comércio, que caíra de 1.2 bilhão de dólares para 538 milhões. Somente o fim da Guerra Fria traria alguma estabilidade e chegada de investimentos à região. Em 1985, o bloco assinou um tratado com a Comunidade Europeia (hoje União Europeia), que visa ao aumento dos investimentos na região, a fim de promover o desenvolvimento. Foi o primeiro passo para rumos melhores. Em 1992, já em meio ao pós-Guerra Fria e à chamada “Iniciativa para as Américas” lançada pelo presidente dos EUA George Bush, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Panamá assinaram o Protocolo de Tegucigalpa, que retomará o impulso pela integração, que passa a contar também com a Guatemala e a Costa Rica pouco depois. Caricom Essa zona de integração compreende os países do Caribe e foi criada em 4 de julho de 1973 pelo Tratado de Chaguaramas, que só entraria em vigor em 2002. A Caricom é integrada por Anguila, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Bermudas, Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Ilhas Caimã, Ilhas Turcas, Ilhas Virgens Britânicas, Jamaica, Montserrat, St. Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinos, Suriname e Trinidad e Tobago. O Tratado de Chaguaramas segue o fio das integrações já vistas: abertura comercial, desenvolvimento regional, políticas exteriores em comum, melhoria do nível de vida dos povos locais, expansão do comércio com outros países, elevar os níveis de competitividade das economias caribenhas para enfrentar as nações fora da região, aumento dos investimentos em infraestrutura, e a busca conjunta por benefícios para a região nos fóruns internacionais, função primordial de qualquer bloco de integração de nações em desenvolvimento em um mundo marcado por imensas assimetrias de poder. A área total do bloco é de 500 mil km², com aproximadamente 15 milhões de habitantes. As exportações totais ultrapassam os 17 bilhões de dólares, a maioria para fora do bloco, pois o comércio intrarregional ainda é fraco. O turismo é a principal fonte de renda da região como um todo, o que não constitui elemento de exportação, e, nesse ponto, as economias locais competem. Nafta O Acordo de Livre-Comércio da América do Norte é um acordo entre EUA, Canadá e México assinado em 1990 pelos respectivos países, e entrou em vigor em 1994. O objetivo seria a implementação paulatina de uma zona de livre-comércio entre os três países, com a abolição total das tarifas aduaneiras entre eles. Desde o início, a integração suscitou desafios e preocupações. Integrar duas economias fortes com uma menor requer políticas cuidadosas para evitar possíveis desequilíbrios. O objetivo do processo é a melhoria dos resultados comerciais absolutos para todos, gerando mais riqueza e melhorias sociais. A seguir, veja como foi o processo de integração de Canadá e México: ● Canadá : Muito antes do Nafta, o Canadá era o principal parceiro comercial dos EUA. Em 1990, o comércio entre os dois girava em torno de 176 bilhões de dólares; em 1992 foi a 189 bilhões. O total de produtos estadunidenses exportados para o Canadá significava nada menos que 20% das exportações totais dos EUA. O Canadá, por sua vez, exportava 100 bilhões de dólares para seu vizinho, o que representava já 19% de toda importação dos EUA. Para se ter uma ideia, a exportação do Canadá para os EUA representava 75% do total exportado para o mundo, e mais de 60% das importações advinham também dos EUA. ● México : No caso do México, a situação era oposta. Com aspectos sociais e culturais diferentes dos EUA, as duas nações têm poucas afinidades além da proximidade territorial, e possuem, como vimos, um histórico complicado, conflituoso. Ainda assim, a proximidade fez o caminho: o México, também pouco antes do acordo ser assinado, era o terceiro parceiro mais importante dos Estados Unidos, com exportações em torno de 80 bilhões/ano. Assim como o Canadá, o México dependia intensamente da relação com o vizinho do norte: 75% das exportações e 70% das importações eram com os EUA. Fora isso, o mercado do turismo era ocupado por 85% de americanos, com uma taxa de investimento externo de 60% provenientes dos EUA. Os EUA vendiam para o México principalmente produtos eletrônicos, carros e equipamentos, enquanto os mexicanos exportavam petróleo e derivados, alimentos e também carros e algum maquinário, em menor escala. Quando da assinatura do acordo, criou-se um mercado de 370 milhões de pessoas (1994), com um PIB de quase 8 trilhões de dólares. “O Canadá e o México juntos eram, na verdade, cerca de 15% da economia dos Estados Unidos”. Hoje, segundo dados do Banco Mundial, o PIB gira em torno de 10/11 trilhões de dólares, com uma população de 420 milhões de pessoas. Os três países deveriam manter constantes diálogos para corrigir eventuais problemas e melhorar a transparência, e seria concedido o direito a certas salvaguardas, sendo a mais importante delas o direito à suspensão de redução de uma tarifa sobre algum bem estratégico cujo aumento da importação ameaçasse a indústria nacional. No balanço geral, a integração aumentou a produção e circulação de riqueza entre os três países. Entre os mexicanos, porém, observou-se a insistência dos mesmos problemas sociais anteriores ao acordo. Alguns deles até se agravaram, como o crime organizado e a prostituição na região da fronteira. Mais um exemplo que nos leva a concluir que a geração de riqueza não basta para promover a prosperidade: é preciso meios e políticas públicas para orientar a sua distribuição, algo que ainda passa muito pela soberania dos Estados, que, por sua vez, está sujeita aos interesses dominantes em cada um deles. Alca Nessa busca de maior unidade regional, o governo brasileiro, em 1993, sugere a criação da Área de Livre-Comércio Sul-Americana, ALCA. Com os problemas apresentados pelo Mercosul em seus primórdios, o governo brasileiro se viu incentivado a buscar o quanto antes um processo de integração ampliado a todo o continente sul-americano. Dessa forma, os EUA representariam quase 80% da Alca. Segundo Menezes e Pena Filho “essa disparidade assusta, e alguns falam em anexação, e não em integração, ou seja, temem que a economia maior acabe engolindoas menores.” A ideia brasileira para a Alcsa naufragou rapidamente, e foi logo após que, em Miami, em 1994, 34 países do continente se encontraram para a criação da Alca (Cuba sempre esteve fora, sob alegação de que era antagonista dos valores liberais e democráticos). A globalização se tornara um imperativo do sistema internacional, inegociável, e as economias mais vulneráveis precisavam pensar em estratégias para evitar o isolamento e aproveitar a integração, que cada vez mais desponta, em um mundo marcado por desigualdades estruturais, como um bom meio para o desenvolvimento do comércio e, por meio dele, do aumento da riqueza para as nações mais pobres (e a questão permanecerá sendo a da distribuição). Algumas dificuldades atrapalharam a Alca, sendo a principal delas, no campo das negociações comerciais, a questão dos subsídios agrícolas norte-americanos, que os EUA sistematicamente legaram para a esfera de negociações da OMC, o que significava, na prática, uma procrastinação. O Mercosul desejava uma maior abertura comercial do setor agrícola dos EUA e estes queriam mais abertura nos setores de serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Não obstante o receio em integrar uma zona de livre-comércio com uma nação tão mais rica e poderosa, os países latino-americanos temem o isolamento caso seus vizinhos alcancem acordos bilaterais ou sub-regionais com os EUA. Dessa competição podem surgir esforços regionais cada vez mais integrados que possam ajudar a cuidar dos problemas que assolam o continente. Isso depende de um amplo consenso em torno da integração regional, que ainda está em construção por aqui. Unasul A União das Nações Sul-Americanas constitui um bloco formado pelos 12 países da América do Sul (a única exceção é a Guiana Francesa) destinado à integração econômica, social, cultural e política entre seus membros. A Unasul constitui um modelo de integração mais profundo que os dois citados já no continente sul-americano. Ela se aproxima mais, pois, do modelo europeu ao visar uma área de integração não apenas de livre-comércio, mas também cultural, política e social. A ideia é aprofundar as relações entre as nações em todos os aspectos: políticos, econômicos, sociais, ambientais, científicos e tecnológicos e culturais entre países que somam quase 400 milhões de habitantes. Apesar da ampla adesão espontânea, com o agravamento das crises políticas e econômicas na região, os trabalhos da organização foram pouco priorizados, levando ao abandono por alguns membros, como Colômbia e Equador, respectivamente em 2018 e 2019. Nesse ano, foi criada, por oito países, outra iniciativa semelhante, o Fórum para o Progresso e Desenvolvimento da América do Sul, ou PROSUL, que contou com a migração praticamente imediata também de Brasil, Argentina, Chile e Paraguai. Atualmente, as iniciativas de integração regional na América do Sul enfrentam diversos problemas decorrentes das crises internas a diversos países, ainda agravadas pela pandemia do coronavírus. (M3) Organizações regionais não americanas Principais organizações regionais pelo mundo Desde 1945, a ordem internacional se conformou estrategicamente a partir do equilíbrio nuclear. Sobre ele, as nações se organizaram em torno de seus respectivos centros de gravidade – EUA e URSS –, o que nem sempre era uma escolha, e investiram em outros aspectos do poder nacional, todas elas protegidas por uma das superpotências. O desenvolvimento das zonas de integração esteve, pois, inserido nessa lógica, e foi facilitado por processos de “terceirização” da segurança, o que atenuou em muito tensões bilaterais sempre agravadas por históricas corridas armamentistas. É nesse contexto que surge a União Europeia, com relativa desmilitarização entre os Estados europeus a partir das garantias de segurança da superpotência norte-americana. A análise desses processos precisa levar em consideração os movimentos de fundo, que correspondem ao núcleo duro do sistema, ainda carente de um poder centralizado que produza alguma forma de ordem sólida e duradoura. Tal condição do ambiente internacional sugere, assim, os processos de integração como a melhor saída para promover harmonia entre as nações, mesmo com a manutenção dos arsenais. Ásia Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o continente asiático tem passado por tentativas de integração. A guerra deixou, assim como na Europa, bastante destruição e, somado a ela, o processo de descolonização que emergiu levou a duros conflitos por toda a segunda metade do século XX. Todavia, com a revolução comunista na China, os EUA voltaram seus olhares para o Japão. O papel de contendor na Ásia estava aberto pela lacuna deixada pela China, e deveria ser preenchido pelos japoneses. Entretanto, estes jamais aceitaram passivamente o papel de “peões” da estratégia americana na Ásia-Pacífico, e tentaram, durante todo esse tempo, conservar sua soberania. O Japão pouco ou nada participa de esforços militares internacionais, o que contraria os EUA. Na guerra do Golfo, por exemplo, o país enviou apenas um navio médico. Isso faz parte de uma política japonesa para evitar de se tornar a “Inglaterra” do Pacífico, em alusão à aliança quase sempre incondicional dos ingleses com os americanos. O crescimento da China tem significado uma ameaça para o Japão e as demais nações da região, pois ninguém pode determinar com precisão quais serão as consequências dessa alteração do equilíbrio de poder local com a substituição gradativa da hegemonia dos EUA pela chinesa. Índia e Rússia também elevam, progressivamente, suas esferas de influência na região, e as três têm participado, inclusive, de diversas iniciativas de cooperação em defesa integradas, uma delas o Brics. Quanto ao contexto geopolítico e econômico da Ásia, podemos destacar resumidamente: ● Contexto geopolítico: A Ásia, para muitos, se assemelha, hoje, à Europa de 1914. Nesse sentido, discute-se onde chegará a China. É necessário pontuar que os tempos são diferentes e os custos de um rompimento da ordem internacional seriam muito mais elevados à China do que foram à Alemanha. No entanto, o ambiente internacional tem por característica fundamental a volatilidade e imprevisibilidade. E é justamente para lidar melhor com isso que instituições e processos de integração são pensados e implementados. ● Contexto econômico: A região cresceu imensamente nas últimas décadas, muito em parte devido ao astronômico crescimento chinês. Assim como o continente americano, a Ásia não tem ainda as condições para um arranjo de cooperação continental. Pontua-se, portanto, que a região é bastante heterogênea, com parcerias diversas, sub-regionais. Segundo dados da OMC, atualmente (2021), há 186 acordos comerciais regionais operando na Ásia, que respondem por mais de 50% do total do comércio global. Asean A Associação das Nações do Sudeste Asiático foi o primeiro bloco de integração asiático, criado em 1967, e é composta, atualmente, por Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã. Embora acordada em 1967 na Declaração de Bangkok (firmada por cinco países, originalmente, Filipinas, Cingapura, Malásia, Indonésia e Tailândia), o primeiro encontro só aconteceu em 1976, quando assinou-se o Tratado de Amizade e Cooperação que definiu os princípios e metas a serem alcançados pela integração. São eles: ● O respeito mútuo pela soberania e identidade nacional dos Estados-membros; o direito de cada Estado em conduzir seus negócios livres da interferência externa. ● A não interferência nos assuntos internos um do outro. ● A renúncia ao uso da força. ● A efetiva cooperação entre si. ● A aceleração do crescimento econômico, do progresso social e do desenvolvimento cultural. ● Prover assistência mútua para educação, estudos sobre a região e administração. ● Promover mais colaboração mútua para expansão das atividades comerciais. ● Manter cooperação ativa com outrasorganizações regionais ou globais. Nota-se que a maioria desses princípios se resumem, àquela altura, à preocupação com a soberania e a paz, o que é sintomático de uma região envolvida pela insegurança. Uma das razões desse estágio ainda “primitivo” para uma integração na região naquele momento é o relativo abandono pela política das instituições internacionais ocidentais. Enquanto a Europa contou, desde o princípio, com grande aproximação e ajuda dos EUA para mediar as instituições, tomando a ONU como grande berçário, nada remotamente semelhante se passou na Ásia, onde foram privilegiadas estratégias de relações bilaterais, incapazes de promover a mesma estabilidade em escala regional. Outra razão é a dificuldade da região para a estabilidade de regimes democráticos e, portanto, mais capazes de instituir mecanismos de transparência para a efetividade de relações de cooperação. A região sofre com os legados do sistema colonial e das guerras de libertação, que deixaram muitas deficiências na infraestrutura e mazelas sociais diversas e profundas, o que torna a política local carente da estabilidade necessária a um processo de integração mais afirmativo. Dessa forma, a intenção era uma rede de assistência mútua para a resolução dos problemas comuns entre os países da região, notadamente aqueles relacionados ao subdesenvolvimento herdado da posição da Ásia durante séculos do sistema colonial, seguido por guerras intensas de descolonização. Apec Outro bloco que se destaca no cenário asiático e global é a Cooperação Econômica para a Região da Ásia-Pacífico, Apec, criada em 1989. Trata-se do maior bloco regional do mundo, que cobre 2.5 bilhão de pessoas distribuídas por diversos Estados com grande heterogeneidade política, econômica e cultural (como a Asean) ao longo da Ásia e América, e é responsável por 46% de todo o volume de exportações mundiais. O bloco é composto por Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Malásia, México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Peru, Filipinas, Rússia, Cingapura, Tailândia, Vietnã e Estados Unidos, além de Taiwan (Formosa) e Hong Kong. Além disso, a região engloba também outra grande potência: os EUA. Os interesses norte-americanos na região são antigos, datando do século XIX. Lembremos que foi uma expedição dos EUA, liderada pelo Comodoro Perry, em 1853, que abriu os portos do Japão, forçando a abertura comercial do país. Desde então, os EUA se tornaram a principal potência do Pacífico, tendo, inclusive, travado uma guerra total contra o Japão pela hegemonia local, durante a Segunda Guerra Mundial. Dessa forma, a expansão de algumas economias locais, impulsionadas por elevados investimentos em educação, ciência e tecnologia, como os “tigres” (Hong Kong, Singapura, Taiwan e Coreia do Sul), o Japão e a China, atraiu a atenção dos EUA, que se sentiam ameaçados pela crescente capacidade competitiva desses países nos mercados locais. Para além disso, as tensões políticas e militares, potencialmente agravadas por diferenças ideológicas e religiosas, levaram à intensa militarização da região desde a Guerra Fria. Essa corrida armamentista, dotada também de armamentos nucleares, tornou imperativo que se buscasse mais formas de aumentar a integração e cooperação entre a região. A expansão chinesa pelas águas do Mar do Sul da China tem se chocado com interesses de outros países locais, sobretudo o Japão, gerando crescentes tensões também com os EUA. Segundo o conceito de “uni-multipolaridade” de Huntington, já aludido, a hegemonia norte-americana vem sofrendo diversas perdas de espaço pelo mundo, inclusive na Ásia-Pacífico, à medida que a China se projeta. África O continente africano, à semelhança de outros que passaram pelo processo colonial, apresenta diversos e profundos problemas socioeconômicos, de infraestrutura e de segurança humana, em muitos países em níveis críticos, culminando em Estados falidos ou à beira da falência e guerras civis que se alastram por décadas, como o conflito do Congo. Segundo o Relatório da Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano de 1998, pouco após o fim da Guerra Fria, os quinze piores países foram todos da África. Segundo dados do IDH, entre os primeiros 120 colocados, apenas 8 são países da África, e o primeiro deles está ranqueado na posição 61 (Maurício). Entre os 70 piores, porém, os países africanos sobram: 46, inclusive os últimos dez. Ecowas ou Cedeao A Comunidade dos Estados da África Ocidental foi criada em 1975, pelo Tratado de Lagos, com representantes de 15 Estados da África Ocidental, com a ausência de Cabo Verde, integrado um ano depois, quando entrou em funcionamento o acordo. A comunidade integrava, na prática, quatro projetos interacionistas anteriores: ● Projeto liberiano, que preparou a Organização Interina para a Cooperação Econômica da África Ocidental. ● Conferência para a Coordenação Industrial e pela Organização para a Agricultura e Alimentação. ● Conferência de Niamey, no Niger, patrocinada pela ECA-ONU, que visava à ampliação da atuação da Comunidade Econômica da África do Oeste (CEAO), organização atuante nos ex-territórios franceses. ● Iniciativa patrocinada pela Nigéria e pelo Togo, que finalmente levou à Ecowas, em 1975. Com a criação dessa organização, os países da África Ocidental iniciaram um amplo projeto de cooperação. Os objetivos são os mesmos de outros projetos, como promover a cooperação e integração econômica na política industrial, agrícola, energética, em comunicações e transportes, recursos naturais, comércio, assuntos financeiros e questões sociais e culturais. De sua estrutura administrativa, cumpre sublinhar o Conselho dos Chefes de Estado e de Governo, o Fundo para a Cooperação, Compensação e Desenvolvimento e a Secretaria Executiva, que regulamentam e administram as iniciativas do grupo, resolvendo eventuais conflitos dentro do espírito da cooperação que a integração encarna. Após alcançar alguns resultados iniciais, o grupo traçou como meta a criação de uma União Econômica e Monetária, ainda em fase de planejamento. A partir dos anos 1990, a organização teve novos impulsos dentro do processo da globalização. Entretanto, os impactos desse cenário de intensa abertura comercial não foram bons para os países do bloco, incapazes, como vimos também em outras regiões periféricas, de competir com a agressividade dos mercados mais ricos. Em função disso, em 1993, as nações do bloco assinaram um novo tratado de revisão, para adaptarem-se às novas circunstâncias. Como já vimos, a atuação em bloco bem planejada pode ser a única forma para compensar as imensas assimetrias de poder entre as nações ricas e as periféricas. No caso das nações africanas, essas assimetrias atingem o desnível mais acentuado. Com tudo isso, o bloco vem produzindo alguns resultados, apesar de ser ainda muito pouco competitivo em termos globais. A título de ilustração, o PIB do Mercosul é dez vezes maior que o da Ecowas. Em perspectiva ampla, no entanto, a organização ainda não alcançou resultados que sejam capazes de solucionar os principais problemas de desenvolvimento da região, ainda que alguns resultados possam ser notados. SADC A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (do inglês Southern Africa Development Community) foi criada em 1992. A iniciativa está intimamente ligada aos problemas geopolíticos gerados pela situação vivida pela África do Sul, que por toda segunda metade do século XX foi governada pelo regime do apartheid. Essa situação fez da história da África Austral um drama particular nas relações internacionais, marcada por intensa instabilidade política com guerras que continuaram após as independências de nações da região, como Angola e Moçambique. O regime da África do Sul foi responsável por financiar regimes de minoria branca pela região, ocasionando guerras que só encontrariam o fim com a desmobilização do dito regime, ao final da Guerra Fria.A africa do Sul, governado à época por descendentes de holandeses, financiou conflitos em Angola, Moçambique e Zimbábue para frear o processo de tomada do poder na região por governos africanos, que decorria dos processos de descolonização. O regime do apartheid foi ficando gradualmente isolado pela comunidade internacional e ao nível local, cercado por regimes não apenas agora liderados por africanos nativos, mas também alinhados ao bloco soviético. Para tentar reverter a situação, o governo sul-africano atuou para desestabilizar os governos desses países por meio do financiamento de grupos como o RENAMO, em Moçambique, e o UNITA, em Angola. Nesse último país, inclusive, chegou a haver envolvimento direto de forças da SADF (forças armadas sul-africanas), durante os anos 1970 e 1980. Somente após a queda do apartheid, foi possível a inclusão da África do Sul no processo de integração, governada por Nelson Mandela. Ainda assim, os Estados que integram a recém-criada SADC lidam com desconfianças em relação ao Estado sul-africano, em função do desnível de desenvolvimento e poder militar, que só se compara ao de Angola na região. Isso levou a políticas, por parte da África do Sul, voltadas para inspirar maior confiança em seus vizinhos, como a desnuclearização de seus arsenais, único caso conhecido de país que se “desnuclearizou”. Sinalizando os novos tempos, o primeiro memorando da SADC tinha como princípios fundamentais: ● Soberania e igualdade entre os Estados-membros. ● Solidariedade, paz e segurança. ● Direitos humanos, democracia e observância da lei. ● Equidade, equilíbrio e benefício. Como se pode perceber, os princípios norteadores da SADC primam mais pela cooperação do que pela criação de um mercado comum ou uma união aduaneira, como no caso da Ecowas. Isso sugere um bom grau de realismo por parte das nações do bloco, conscientes dos imensos problemas para produzir a integração almejada. Os países da África Austral possuem realidades socioeconômicas bastante diferentes, com destaque para a desigualdade, já citada, entre a África do Sul e os demais, herança de imensos investimentos ocidentais durante a segunda metade do século XX, antes da progressiva condenação internacional que impôs sanções ao país. Enquanto o PIB da África do Sul bate os 127 bilhões de dólares, o PIB total dos países do SADC, incluindo a própria África do Sul, chega a 176 bilhões. OrganizaçõesMundiais (M1) Organização Mundial do Comércio (OMC) O ambiente internacional e os Estados A necessidade de organizações internacionais parte das condições imanentes do sistema internacional. As relações internacionais se dão em um ambiente originalmente desregulado, sujeito ao caos e ao imponderável gerados pelos diversos interesses em conflito, ou seja: inóspito à paz. Concebidas nessa perspectiva, as nações seriam entes de uma comunidade internacional, reflexo da emergência dos povos nas relações internacionais, que marcou profundamente o século XIX como um dos reflexos principais da Revolução Francesa. Como toda comunidade, a internacional também seria gerida por interesses mútuos e laços de solidariedade, ou seja, acima do sentimento nacional estaria a Humanidade, unida em todos os povos e nações. O período dos anos 1920 e 1930 foi marcado por antagonismos políticos profundos herdados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A ordem internacional estabelecida pelo Tratado de Versalhes (1919) excluiu a Alemanha e a recém-constituída União Soviética pelo isolamento diplomático apelidado por Winston Churchill de cordão sanitário. Mal respaldada diplomaticamente, a primeira organização da sociedade das nações foi incapaz de dissuadir comportamentos agressivos que cresciam com a ascensão dos regimes nazifascistas (Itália, Alemanha e Japão). Foi somente após a tragédia humana sem precedentes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que os líderes das grandes potências vencedoras (EUA, União Soviética, Inglaterra, França e China), em acordo com as demais nações, conseguiram realizar a fundação das Nações Unidas (ONU), responsável em demarcar uma clivagem sensível nas relações internacionais, que passariam a estar sujeitas também a princípios universais e regras para administrar a cooperação, a competição e o conflito entre os Estados. Segundo a leitura da escola realista da teoria das Relações Internacionais (RI), os Estados estão mergulhados em uma “anarquia sistêmica”, que seria semelhante ao “estado de natureza” hobbesiano. Assim, da mesma forma que, naquele estado, o “homem é lobo do homem”, na arena internacional os Estados são propensos a “devorar” uns aos outros. Um sistema de Estados mais pacífico seria, nessa perspectiva, de interesse de todos, pois a paz é precondição para o progresso e prosperidade entre os povos. Na perspectiva da escola realista das RI, contudo, as condições do cenário internacional, descentralizado, compõem constrangimentos inexpugnáveis que somente podem ser administrados pelas capacidades relativas entre os Estados. Breve panorama histórico do comércio internacional O comércio internacional é tão antigo quanto a existência das civilizações. Desde tempos remotos, antigas civilizações, organizadas em impérios e cidades-estados na Antiguidade, mantiveram relações comerciais, e foi sobretudo dessas relações que surgiram rotas que permitiram a expansão das atividades humanas pelo planeta, como a Rota da Seda chinesa, dentre outras inúmeras que podem ser consideradas o estágio embrionário do processo de globalização. Foi a expansão da capacidade administrativa e tributária dos primeiros Estados que demandou crescente organização nas relações diplomáticas e comerciais. À medida que os Estados se desenvolviam, guerras se tornavam comuns em meio à busca por espaços e áreas de influência que marcaram as primeiras fases do processo de desenvolvimento do Estado. Vamos conhecer algumas dessas práticas aplicadas: ● Economia regrada : A riqueza era compreendida pelo pensamento econômico dessa época – pré-Liberal – como limitada, o que fomentava intensa competição e disputas violentas entre os entes estatais. As regras da economia eram ditadas totalmente por eles, e até a colonização das terras fora da Europa era considerada um “negócio do Rei”. ● Defesa de rotas comerciais : A defesa de rotas comerciais, segundo Kissinger (1997), impulsionou a formação de exércitos e frotas militares cada vez maiores e permanentes. Em primeiro momento, os incipientes Estados recorriam a mercenários para defender seus interesses. Mas, com o devido tempo, o aumento da musculatura tributária e administrativa, a partir da expansão das atividades comerciais, viabilizou o desenvolvimento de forças militares profissionais permanentes, que se tornariam exércitos nacionais até o século XIX. Um círculo virtuoso se formou entre o desenvolvimento dos Estados, suas forças armadas e sua expansão comercial, culminando nas expansões ultramarinas em busca de colônias. ● Poder militar e aumento das capacidades diplomáticas : As rotas transoceânicas e os choques entre as potências imperialistas nas periferias do sistema (as áreas coloniais) demandaram mais poder militar e aumento das capacidades diplomáticas a fim de, cada vez mais, permitir a resolução das disputas segundo a fórmula diplomática do período, o “equilíbrio de poder”, ou, na impossibilidade de qualquer resolução pacífica, permitir a imposição dos interesses pela força. Dessa forma, o desenvolvimento dos Estados Nacionais, dotados de grande poder bélico e comercial, tornou imprescindível a criação de instrumentos políticos capazes de amortizar os impactos da competição entre eles. A guerra, um instrumento usado sem constrangimentos pela política mercantilista e absolutista, apesar de jamais descartada e, mais do que isso, sempre considerada uma alternativa oportunista, tornou-se progressivamente um problema a ser evitado na medida em que os adventos produzidos na Revolução Industrialelevavam exponencialmente a carnificina dos campos de batalha, como atestaria a Primeira Guerra Mundial (1914-1918). As organizações mundiais são, assim, o fruto das reflexões e dos esforços políticos que já acumulam mais de um século desde as primeiras iniciativas para regular atividades econômicas no final do século XIX. Seria no século XX que as instituições floresceriam, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, que demandou imensos esforços políticos e conjuntos entre as nações para recuperar os países vitimados pela catástrofe que varreu a Europa e a Ásia por seis anos, tendo acometido também alguns outros territórios. OMC: origem, princípios e atribuições gerais Após a implementação dos valores do livre-mercado durante o século XIX, promovidos sobretudo pelos britânicos, os Estados retomaram medidas protecionistas drásticas, o que acabou por intensificar a competição em detrimento da cooperação. Esse contexto trouxe algumas consequências: ● Impactos na economia mundial : Durante a década de 1930, em plena vigência da crise iniciada com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, os EUA adotaram uma série de medidas protecionistas a fim de mitigar os abalos da crise, causando sérios impactos na economia mundial. A medida gerou uma reação em cadeia, levando ao fechamento das economias e ao agravamento geral da condição econômica internacional. ● Disputas comerciais : A década de 1930, segundo Hobsbawm (1995), foi marcada pela escassa cooperação entre as nações, e predominaram as intensas disputas comerciais que tiveram como consequência muita desvalorização cambial competitiva e o fechamento de diversas fronteiras às importações. Em função disso, após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se consenso entre os líderes políticos mundiais que alguma iniciativa coletiva deveria ser adotada para impedir algo semelhante no futuro, ou seja: alguma forma de instituição regulatória que garanta parâmetros seguros para as relações comerciais evitando o estado de anarquia que estimula cada Estado à busca de seus ganhos de modo egoísta. Os princípios da Carta tiveram impactos profundos não apenas para as atividades econômicas, mas também na organização política entre as nações, pois prescreviam o livre acesso às matérias-primas, liberdade de comércio e a melhoria das condições de trabalho e progresso social, o que representou um golpe poderoso no até então hegemônico sistema colonial, que seria superado no decorrer da segunda metade do século XX por meio de uma série de lutas de libertação. ● 1944 : Ainda durante o fim da guerra, foi realizada a conferência de Bretton Woods, uma entre várias iniciativas multilaterais (entre vários Estados) para discutir e formatar a nova ordem posterior à guerra, tais como a criação do Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que veremos mais à frente. ● 1947 : Nessa conferência, houve a sugestão para a criação de uma organização internacional do comércio (OIC) que seria formada pela também emergente Organização das Nações Unidas. Em 1947, na Conferência de Genebra, foi finalmente criada a OIC e o sistema de regulação comercial multilateral assinado por 23 países: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, de General Agreement on Tariffs and Trade. ● 1986 à 1994 : O sistema GATT foi reforçado e aprimorado por um total de oito “rodadas”, até que, durante a “rodada Uruguai” (iniciada em Punta del Este, em 1986, e concluída em Marraquech, em 15 de abril de 1994), 123 países acordaram sobre criação da Organização Mundial do Comércio, que passaria a funcionar no ano seguinte. Segundo Rodrigues (2014), as rodadas do GATT, por quatro décadas, concentraram-se em questões tarifárias, primordialmente. A rodada Uruguai (1986-1994), porém, foi além, com a adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias para regular o controle de doenças de animais e impactos nos produtos; código antidumping (abaixar demais os preços de um produto para “quebrar” a concorrência) para combater a concorrência desleal; normas de propriedade intelectual, como combate à pirataria de produtos autorais; regras sobre subsídios e medidas aduaneiras. Como consequência, o mundo vem observando a progressiva globalização das atividades econômicas, o que decorre do ambiente de maior transparência e segurança promovido por essas regulações e, principalmente, da diminuição das barreiras alfandegárias entre os Estados, além da crescente velocidade das inovações tecnológicas – sobretudo no campo das telecomunicações –, o que tem exigido mais mudanças na regulamentação do comércio internacional. Portanto, a Organização Mundial do Comércio (OMC), fundada em 1995, descende dessa rodada – considerada a mais ambiciosa de todas – que ampliou o escopo de atuação para políticas multilaterais sobre o controle do comércio entre os Estados, e pode ser definida como um fórum multilateral responsável pelo estabelecimento e vigilância de normas para regulamentar as atividades comerciais em escala internacional. As atividades monitoradas pela OMC incluem, resumidamente: ● Comércio de bens e serviços. ● Questões referentes à propriedade intelectual. ● Problemas gerais relativos ao comércio e exame de políticas comerciais. ● Solução de problemas e controvérsias; comitês de comércio e desenvolvimento. ● Restrições por problemas orçamentários e na balança de pagamentos. A OMC, segundo Hirst e Lima (2002), substituiu as rodadas GATT, mas não pertence à ONU formalmente, embora trabalhe em estreita cooperação com as Nações Unidas e diversas outras instituições. Além das metas relacionadas à regulamentação, fiscalização e controle das atividades comerciais, o objetivo geral da OMC é a institucionalização progressiva de uma arena multilateral de comércio que possa configurar um ambiente mais seguro e próspero para, não apenas a proveitosa relação comercial entre as nações, mas também para o desenvolvimento mediante a inclusão progressiva de novos atores. Dessa forma, o princípio fundamental dos acordos que orientam o sistema GATT-OMC é a “não discriminação”, segundo duas regras principais: ● Cláusula de nação mais favorecida (discriminação qualificada) : Os membros estão obrigados a conceder tratamento igual aos produtos de qualquer país (dessa forma, se uma dada taxa for x para um determinado produto, esta deve ser a taxa aplicada a qualquer membro, independentemente de afinidades ou animosidades políticas). ● Cláusula de tratamento nacional : Oferece boas oportunidades para os países com menor poder de negociação, que se beneficiam prontamente das reduções tarifárias negociadas de forma bilateral por grandes produtores e importadores, o que lhes garante, também, proteção contra medidas protecionistas por parte dos países desenvolvidos durante períodos de crise e desaceleração econômica. Em suma, essas regras básicas buscam impedir a discriminação entre os países fornecedores de dado produto e impedir que o produto importado sofra qualquer discriminação em relação ao mercado nacional que ele adentra. Custos da liberalização econômica A quebra de barreiras para o comércio é a razão fundamental da agenda da OMC, bem como das agendas de outros organismos internacionais voltados para o progresso e o desenvolvimento. A Declaração de Doha (2001) estabelece a facilitação do comércio como meta em direção à progressiva liberalização das relações internacionais simplificando ou eliminando barreiras comerciais a fim de promover a liberação do trânsito de mercadorias, maior transparência para a regulamentação do comércio, maior acesso aos mercados nos países em desenvolvimento, transferência de tecnologias e assistência técnica. Apesar das proclamadas vantagens na liberalização do comércio, há que se considerar variáveis políticas e sociais complexas. A abertura dos mercados dos países menos desenvolvidos produz consequências internas para essas nações que podem ser problemáticas, afetando questões distributivas na sociedade.É fato reconhecido na literatura sobre o comércio internacional que a liberalização comercial não acarreta somente vantagens, mas gera, também, danos. A experiência de diversos países subdesenvolvidos, como os países latino-americanos, mostra que os custos da exposição da economia menos desenvolvida à competição com produtos importados oriundos de países desenvolvidos podem ser duros e imediatos, podendo até mesmo levar a um processo de desindustrialização, enquanto os benefícios derivados da expansão do comércio precisam de um prazo mais longo e de condições específicas para que tenham efeitos sobre a economia. A OMC possui muitos membros com realidades socioeconômicas e comerciais distintas, o que dificulta sobremaneira a obtenção de consenso em diversas questões. (M2) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) Cooperação versus competição Segundo a escola realista das RI, a competição seria a dinâmica fundamental do sistema internacional. De acordo com Mearsheimer (2009), o próprio emprego do termo “sistema” (que contrasta com “comunidade”, empregado pelos liberais, conforme veremos adiante), traduz uma mecânica externa às intenções humanas: a relação entre os atores teria, em si mesma, um protagonismo capaz de constrangê-los a determinadas ações em busca de sua defesa e segurança. A perspectiva liberal, por outro lado, pauta-se no ser humano como agente principal da história, e esta seria fruto, construção, de nossas ações. Sendo assim, a realidade das relações internacionais seria uma construção política e social produzida por pessoas na qualidade de sujeitos históricos, o que significa que estaria sujeita, logo, a reparos ou à própria desconstrução em direção a outras possibilidades e formas. Enquanto o realismo contribui para manter os Estados vigilantes quanto às ameaças inquestionáveis de um mundo ainda permeado por muitas armas e violência, inclusive o poder nuclear, o liberalismo tem dado importantes contribuições na elaboração de organismos que, ainda que não sejam capazes de eliminar a guerra, têm demonstrado capacidade de melhorar substancialmente as relações entre os Estados. Dessa perspectiva, nasceu a ideia de uma “sociedade internacional” que se opõe àquela de “sistema”. Uma sociedade somente é possível se mediada por laços profundos de solidariedade entre seus indivíduos, e, por muito tempo, diversos pensadores têm idealizado este fim universal, isto é: um mundo unificado sob a premissa da Humanidade, acima dos nacionalismos que, por vezes, demonstraram ser tão nocivos à segurança dos povos – vide as duas guerras totais do século XX, dentre outros inúmeros conflitos ainda vigentes. Esse panorama descreve uma realidade ainda bastante insegura e, portanto, distante da “Paz perpétua” de Kant (1975). Não obstante, as instituições internacionais têm sido úteis para mediar muitos desses conflitos, alcançando bons resultados em uns, e fracassando em outros. Apresentaremos duas questões que servem como prova das limitações da comunidade internacional e seus recursos institucionais. ● Conflito árabe-israelense, desde 1948 : Decorrente da criação do Estado de Israel e as disputas locais. ● Genocídio de Ruanda (1994) : Conflitos desencadeados por líderes radicais hutus contra minorias étnicas, principalmente, tutsi, com facções e incentivados por lideranças políticas locais. A competição entre os Estados pode depender primordialmente de suas capacidades de poder. Essa capacidade, quando muita, pode resultar em um grau de independência como aquela observada no caso dos EUA na invasão do Iraque em 2003, quando a superpotência atravessou os vetos do Conselho de Segurança da ONU. A estrutura do sistema ou da comunidade internacional, portanto, ainda mantém contornos hobbesianos, ou seja, assemelha-se a um “estado de natureza”. A questão permanente é (a famosa “pergunta de um milhão de dólares”): é possível superá-lo? É nisso que se debatem as correntes teóricas das relações internacionais, basicamente divididas entre realistas e liberais, conforme procuramos sucintamente demonstrar aqui. E a pergunta não aparenta ter um horizonte próximo muito esclarecedor. Dentre essas instituições, destacaremos, agora, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). OCDE: origens, princípios e atribuições A OCDE constitui uma organização voltada para a promoção do desenvolvimento econômico e do bem-estar entre seus países-membros. É princípio da organização a defesa de regimes democráticos, bem como a garantia do livre-mercado. O ingresso nessa organização é altamente desejável, pois confere aos seus membros altos índices de credibilidade na arena internacional. Essa organização pertence ao círculo das nações mais desenvolvidas, apelidado de “clube dos ricos”, formado por países que somados compõem mais de 60% do PIB global. Sua história começa ao final da Segunda Guerra, em meio à constituição das Nações Unidas, quando foi criada a sua precursora, a OCEE, ou Organização para a Cooperação Econômica Europeia, cujo objetivo naquela altura era a administração do Plano Marshall, a ajuda financeira norte-americana para a reconstrução da Europa pós-guerra. Após a dissolução da União Soviética, a OCDE passou a destinar esforços para a liberalização dos países da Europa Central e Oriental, antigos membros da área de influência soviética, resultando na expansão da organização ao incluir os países da região, assim como o México e a Coreia do Sul, nos anos 1990. Entretanto, o Brasil permanece até os dias de hoje como “membro em potencial”, status que permite a realização de algumas parcerias voltadas para a educação e outras áreas. A OCDE organiza-se em diversos comitês (cerca de 30) voltados para diversos assuntos e a implementação de políticas públicas nos campos prioritários da educação, sustentabilidade e bem-estar social. A adoção dessa rede de proteção social visava conter os anseios mais radicais por reformas sociais, inspiradas no modelo soviético. Com a queda do socialismo real, durante a década de 1980, esse modelo de proteção social entrou em crise a partir da ascensão do neoliberalismo com os governos Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Reino Unido). A OCDE também adaptou suas funções à promoção de políticas neoliberais, agora menos atentas à equidade social e outras políticas típicas do período do Welfare State. A preocupação orientadora das políticas da OCDE desde então é : A manutenção do crescimento econômico, fundamento do neoliberalismo e um regime que se baseia numa prática extrativista em escala sem precedentes. A essas políticas de crescimento ininterrupto são associados o progresso e bem-estar universal, que passam a ser concebidos como “pedaços de um bolo” que pode crescer infinitamente. Uma das exigências da organização, e que muito se assemelha àquelas do FMI e Banco Mundial, é a estabilidade econômica, que, por sua vez, demanda estabilidade política. Esse fio é a ideia de uma superioridade da cultura ocidental que serviu de justificativa para os empreendimentos de conquista, passando por gregos, romanos, europeus modernos com poderosos impérios, chegando até as grandes potências contemporâneas lideradas pelos EUA, desde o fim da Segunda Guerra, com a mediação das organizações mundiais. Entre os antigos gregos, havia a ideia de superioridade. Nesse contexto, vejamos alguns acontecimentos em três locais distintos: ● Antiguidade : Foi Alexandre Magno, rei da Macedônia que, no século IV a.C., projetou a Grécia para muito além de suas fronteiras. Alexandre unificou os gregos (feito inédito até então) e protagonizou à frente deles uma expedição em direção à Ásia que deixou como legado a conquista de diversos territórios no Oriente Médio. Alexandre unificou os gregos (feito inédito até então) e protagonizou à frente deles uma expedição em direção à Ásia, que deixou como legado a conquista de diversos territórios no Oriente Médio. Depois, os romanoslevaram adiante um empreendimento civilizacional que conquistou toda a Bacia do Mediterrâneo e boa parte da Europa, Norte da África e Oriente Médio, entre os séculos III a.C e V d.C., o império mais longevo na história do Ocidente. ● Modernidade : Na era moderna, as potências europeias ergueram, também, seus impérios coloniais, a partir das expansões ultramarinas iniciadas no século XV, dentre os quais se destaca o Império Britânico, que, durante o século XIX, chegou a dominar todos os continentes com seu poderio naval e comercial, período conhecido como “Era Vitoriana”. Foi parte fundamental desse processo a cristianização dos povos conquistados, operada principalmente pela Companhia de Jesus. Os povos nativos conquistados eram considerados condenados por estarem fora da civilização cristã, ideia que serviu para sua violenta conquista, inclusive pela aculturação e escravização. ● Contemporaneidade : No século XX, após as duas guerras mundiais, os EUA tornaram-se os herdeiros diretos desse legado ocidental de conquistas e dominação sobre o mundo, em meio ao processo de globalização aprofundado com a descolonização e a consolidação das instituições internacionais. Estas carregam em sua gênese o legado dessa “tutela” ocidental sobre a Humanidade. Trata-se da dicotomia “civilização versus barbárie”, tão antiga quanto a civilização ocidental, que justificou todas as conquistas e massacres imperiais desde a Antiguidade greco-romana até o sistema colonial moderno, chegando até as profundas desigualdades entre os países no mundo em que vivemos, herdeiro das estruturas desse processo histórico. Uma nova nomenclatura emerge do pós-Guerra Fria, “países desenvolvidos e em desenvolvimento”, e carrega toda essa carga de uma história conduzida por uns sobre os outros por meio da conquista e imposição de valores que moldaram o sistema internacional segundo os padrões ocidentais. Este se baseou por séculos no sistema colonial, com recurso pleno, inclusive, à mão de obra escrava. Porém, o imperialismo não se esgota no colonialismo: com o fim do sistema colonial, outros meios de garantir a defesa da posição das grandes potências têm sido usados, inclusive instrumentalizando as organizações internacionais. Como demonstra Hayter (1974), organizações como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial têm se destinado a esse fim, perpetuando a condição de dependência dos países “em desenvolvimento”. Também a teoria da dependência tem sido enfática em demonstrar o “subdesenvolvimento” como uma condição específica, e não uma “etapa” em transição ao desenvolvimento. Essa condição carrega o ônus da colonização e configurou as nações periféricas para “funções” determinadas na economia internacional, como a de fornecer gêneros primários, não sendo uma prioridade aos interesses das potências a sua industrialização. (M3) Outras organizações Primeira fase das organizações mundiais (1815-1946) Como podemos deduzir do exposto até aqui, as organizações mundiais são o fruto de reflexões e esforços políticos que já se acumulam há mais de um século desde as primeiras iniciativas para regular atividades econômicas no final do século XIX. O Brasil aderiu às duas organizações em 1877, sendo um dos primeiros países não europeus a fazê-lo. D. Pedro II era grande entusiasta da ciência e tecnologia, o que pode ser notado pela fundação do Museu Nacional, a primeira instituição científica do país, uma das maiores do mundo (tristemente quase totalmente consumido pelas chamas da má gestão pública em 2018). Para o estadista brasileiro, aderir às organizações internacionais significava integrar o Brasil ao grande concerto das nações. Ainda na segunda metade do século XIX, com os conflitos na Europa, surgiu a primeira organização internacional da sociedade civil, isto é, sem a participação de Estados: Cruz vermelha - CICV ( Comitê Internacional da Cruz Vermelha ) : Em meio aos impactos humanitários das guerras de unificação na Itália. Foi o primeiro passo para o desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário, “um ramo essencial do Direito Internacional que coloca limites legais aos Estados em tudo quanto seja relacionado às suas obrigações durante a guerra”. Cumpre destacar que, durante os primeiros estágios, as organizações internacionais dependiam exclusivamente dos Estados e tinham pouca autonomia. A busca por maior autonomia decisória precisa estar devidamente acompanhada de mecanismos capazes de constranger os Estados, inclusive os mais poderosos, a respeitarem acordos e princípios acordados, o que, até hoje, apesar de alguns avanços, permanece sendo um desafio até para as mais sofisticadas organizações internacionais. No século XX, outras instituições surgiram, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, o que demandou imensos esforços políticos e conjuntos entre as nações para recuperar os países vitimados pela catástrofe. A já mencionada Sociedade ou Liga das Nações foi fundada nos estertores da Primeira Guerra Mundial, e herdeira do legado de conferências diplomáticas anteriores à guerra, mais precisamente em Haia, Países Baixos, em 1899 e 1907, eventos fundamentais para os primeiros passos de uma diplomacia multilateral – que envolve muitos Estados – que se tornaria, no decorrer do século seguinte, o mecanismo precípuo das organizações mundiais. A Liga atuou em diversos campos das relações entre os Estados, proporcionando uma importante experiência de diplomacia parlamentar internacional, algo sem precedentes. Além disso, foi dela que nasceram alguns dos mais caros princípios hoje vigentes nas relações internacionais, tais como a proteção de minorias e refugiados. Nações Unidas, FMI e Banco Mundial A Organização das Nações Unidas foi fundada ao final da Segunda Guerra Mundial e correspondia a um anseio antigo entre diplomatas e outros protagonistas das relações internacionais. A destruição provocada pelas guerras mundiais, especialmente a segunda – com uma estimativa em mais de 70 milhões de mortos –, elevou a urgência para a organização entre as nações com o objetivo de enfrentar os problemas oriundos da guerra e viabilizar a reconstrução das principais regiões afetadas, em diversos continentes. Nações Unidas (ONU) Além de auxiliar na reorganização do mundo do pós-guerra, a ONU pautou-seem princípios que buscam a transformação das relações internacionais, herdeira direta daqueles que deram corpo à Liga das Nações, sua antecessora. O Brasil lutou na Segunda Guerra ao lado dos Aliados contra o nazifascismo, e foi, portanto, signatário da Carta de São Francisco (1945), que deu origem à ONU, sendo membro fundador da organização. A ONU está organizada em diversos órgãos e secretarias, com destaque para duas esferas de participação multilateral: a Assembleia Geral (AG) e o Conselho de Segurança (CS). Esquematicamente, temos: ● Assembleia Geral : Composta por representantes de todos os países-membros. Discute os temas relacionados com a segurança e o bem-estar humano, e tem um presidente eleito anualmente. ● Secretariado : Administração da organização, dirigido pelo secretário-geral, a principal autoridade nominal da ONU, responsável pela negociação com os diplomatas representantes dos Estados-membros. ● Corte Internacional de Justiça : Responsável por estabelecer princípios de direito aceitos por todos os países e atua na resolução de contenciosos legais. ● Conselho Econômico e Social : Responsável por zelar pelo bem-estar dos povos, atua por meio de comissões diversas, como a Comissão de Direitos Humanos. Além disso, coordena algumas agências, como a Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo Monetário Internacional (FMI). ● Conselho de Segurança : Composto de 15 membros, cinco permanentes (os vencedores da Segunda Guerra) e10 rotativos, eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de dois anos. É o topo da hierarquia do sistema ONU, responsável pelas deliberações envolvendo intervenções militares, bloqueios e sanções. É o instrumento de Hard Power da ONU, isto é, o emprego de coerção e força militar. A Assembleia Geral (AG) representa toda a comunidade internacional, enquanto o segundo é integrado pelas potências vencedoras da Segunda Guerra (EUA, Rússia, Inglaterra, França e China). A Assembleia Geral possui um caráter decisório mais limitado, e se ocupa de questões gerais referentes às dimensões sociais e políticas das relações entre os Estados. Na AG são debatidos temas cruciais, como a autodeterminação dos povos, princípio que reconhece o direito dos povos à liberdade. O Conselho de Segurança (CS), por outro lado, representa o mais próximo de um centro de tomada de decisões internacional. Funciona, segundo Rodrigues (2014), como uma espécie de “clube das grandes potências” e é definido por diplomatas e especialistas diversos como um centro de “congelamento de poder”. Por ele passam as decisões mais importantes referentes à deliberação de intervenções militares e resolução de conflitos. Uma das atribuições mais sensíveis do CS é a determinação de intervenções militares humanitárias promovidas com tropas cedidas pelos Estados-membros, os “capacetes azuis”. Tais intervenções possuem diversos status jurídicos, sendo mais comum a intervenção de peacekeeping, ou seja, intervenções em auxílio a processos de paz. O Conselho Econômico e Social (Ecosoc) aborda questões referentes ao desenvolvimento econômico e social, incluindo problemas de gênero, raciais, sustentabilidade e drogas. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), sediada em Santiago (Chile), assumiu o planejamento e a implementação de estratégias de desenvolvimento entre as décadas de 1950-1960, e gestou a Teoria da Dependência, marcada por autores como Theotônio dos Santos, Fernando Henrique Cardoso e Celso Furtado (um dos fundadores da CEPAL). FMI e Banco Mundial Destacaremos o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ambos frutos do chamado “Sistema Bretton Woods” e integrantes da estrutura ONU. De acordo com Rodrigues, são organizações especializadas e centralizadoras, pois são controladas pelas grandes potências do eixo atlântico: EUA & EUROPA Os países pobres, ou “em desenvolvimento”, não participam delas, no entanto, são compelidos por suas decisões, tendo que aceitá-las, “embora a crise econômica de 2008 tenha criado uma oportunidade de reforma capitaneada pelos países emergentes, como o Brasil.” O FMI atua na regulação financeira internacional aplicando mecanismos de avaliação das contas públicas dos países, podendo ser invasivos e violadores da soberania de nações particularmente vulneráveis econômica e politicamente. Quando pedem dinheiro ao FMI, as condições do empréstimo estão sujeitas a uma série de medidas a serem adotadas pelo devedor, inclusive no campo político, normalmente vinculadas aos interesses das grandes potências, as gestoras dessa instituição que alterna exclusivamente europeus na sua presidência. O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) é parte integrante de um grupo de organizações internacionais financeiras que, juntas, compõem o Banco Mundial. Sua tarefa, segundo Rodrigues (2014), é financiar e assistir tecnicamente países menos desenvolvidos. Da mesma forma que o FMI, o Bird pratica ingerência nas políticas econômicas e sociais nacionais, tendo também atribuições nas áreas de infraestrutura, desenvolvimento urbano, meio ambiente, políticas educacionais, dentre outras. Tribunal Penal Internacional e Tratado de Não Proliferação Nuclear Essas duas organizações marcam passos mais firmes no sentido de uma ordem internacional capaz de exercer poder sobre as soberanias nacionais. No caso do TPI (Tribunal Penal Internacional), temos uma corte de justiça internacional dotada de poderes para condenar líderes e organizações por crimes contra a humanidade. No caso do TNP (Tratado de Não Proliferação Nuclear), observamos uma tentativa de contenção da expansão dos arsenais nucleares, dotada do recurso a sanções e outras reprimendas contra os eventuais infratores. O TPI As origens do TPI remontam aos tribunais de arbitragem do século XIX, que resolviam disputas entre os Estados, como o Tribunal de Arbitragem de Haia, criado em 1899. A ideia de um tribunal permanente ganhou força no Tratado de Versalhes (1919), que, como vimos, criou a Sociedade ou Liga das Nações, e também instituiu o primeiro tribunal internacional, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), com sede em Haia. Ressaltamos outros acontecimentos importantes ! Após a criação da CIJ, de escopo mais limitado aos Estados signatários e algumas organizações, foi somente após os genocídios da década de 1990, em Ruanda e na Bósnia, que foi criado o TPI, que até hoje já julgou e condenou diversos autores de genocídios, sobretudo no continente africano e nos Bálcãs, por crimes de guerra e contra a Humanidade. O Estatuto de Roma, de 1998, passou a vigorar em 2002, e o TPI iniciou suas atividades sediado em Haia, com a assinatura de 60 países, dentre eles, o Brasil. Ao contrário dos tribunais nacionais, o internacional somente tem poder sobre Estados que aceitem sua jurisdição, o que limita em muito os poderes da Corte. O TNP O TNP foi criado em 1968, e visa limitar a chamada “proliferação nuclear horizontal”, isto é, a disseminação da tecnologia das armas nucleares entre as nações, não sendo voltado para a limitação dos arsenais das potências já dotadas de poder nuclear naquele momento. Concluímos que, seja como for, é notório que as grandes potências não abrem mão de seus arsenais, e o compromisso pela desnuclearização não pode se limitar a um tratado que legitima o poder nuclear a uns e criminaliza a outros. Dessa forma, o poder nuclear, desde o seu aparecimento, tem sido empregado primordialmente como instrumento de dissuasão (com exceção das duas bombas lançadas sobre o Japão ao fim da Segunda Guerra Mundial), e, segundo muitos autores como Paret (2003) e Mearsheimer (2009), seria o principal responsável pela paz entre as grandes potências desde 1945. Nesse cenário, o TNP, apesar de sua clara aspiração à manutenção do poder nuclear das grandes potências, cumpriria a função de controlar a disseminação das armas nucleares por Estados fracos ou falidos, e, portanto, sujeitos à autoridade de grupos terroristas ou criminosos, algo que implica enormes riscos para a comunidade internacional. Organizações Não Governamentais de Alcance Transnacional (M1) Relevância da atuação dos atores na sociedade internacional contemporânea Atuação internacional das ONGs As Organizações Não Governamentais (ONGs) estão entre os agentes mais proeminentes da realidade internacional contemporânea. Dada sua importância, apresentaremos aqui uma reflexão crítica sobre a atuação internacional das ONGs, apontando suas diferentes características, espaços de ação e capacidade de influenciar diversas frentes da Sociedade Internacional. Em geral, entende-se que as ONGs detêm considerável poder normativo, por exemplo, promovendo a proteção dos direitos humanos em todo o mundo e ajudando a concretizar acordos internacionais, incluindo o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares e a Convenção sobre Munições Cluster. Algumas ONGs – como a Fundação Bill e Melinda Gates, que tem mais de 50 bilhões de dólares de ativos – também exercem considerável poder econômico, e até dois terços dos fundos de ajuda de emergência são canalizados por ONGs. A importância das ONGs na política mundial tem sido reconhecida em um crescente corpo de pesquisas em Relações Internacionais, particularmente desde o fim da Guerra Fria. No século XXI, as perspectivas críticas tornaram-se também presentes, destacando os déficits na eficácia das ONGs, e com olhar para sua responsabilidadee sua legitimidade. No discurso contemporâneo, em consonância como o uso feito pelas Nações Unidas, é cada vez mais comum considerar as ONGs como instituições sem fins lucrativos, não estatais, sejam elas de grande ou pequeno porte, e independentemente de seu campo de trabalho. A prática das Nações Unidas também tem se aberto cada vez mais a considerar como ONGs associações de status consultivo organizadas exclusivamente em uma base nacional. Enquanto alguns são mais orientados para a prestação de serviços, outros se concentram mais na defesa de direitos. Definir ONGs acaba sendo um problema-chave para determinar o que são e o que elas fazem. Neste material, adotamos a definição de ONGs da ONU: “Qualquer organização internacional que não seja estabelecida por acordo intergovernamental, ou seja, entre Estados, será considerada uma ONG”. Influência e interações transnacionais das ONGs De acordo com a maioria das definições, as ONGs não são apenas não governamentais, mas também não violentas. Visto que os Estados são vistos como detentores do monopólio do uso legítimo da violência no sistema internacional, as ONGs contam com outras formas de poder para alcançar seus objetivos. Embora algumas organizações – especialmente fundações como a Fundação Bill e Melinda Gates e algumas organizações de desenvolvimento como a World Vision – tenham recursos econômicos consideráveis, a maioria das ONGs depende especialmente do poder de persuasão de suas ideias e da credibilidade de seus conhecimentos. Há uma literatura crescente sobre as maneiras pelas quais as ONGs exercem o que Carr (1939) chamou de “poder sobre a opinião” na política mundial. Um aspecto importante disso, como Olesen (2011, p. 3) enfatiza, é o “poder comunicativo – ou de enquadramento”, valendo-se do rico acervo de estudos de movimentos sociais sobre esse tópico. Outro elemento importante de atuação diz respeito à "política simbólica", por meio de denúncias e políticas de responsabilização, expondo falhas de atores internacionais em garantir que suas práticas correspondam a seus compromissos. Um exemplo são os relatórios ambientais do Greenpeace que, muitas vezes, influenciam a política de determinados Estados nesse tema. Grande parte da literatura das Relações Internacionais sobre as ONGs concentra-se em seu papel como "grupos de pressão", por conta da capacidade de influenciar os procedimentos intergovernamentais e persuadir os governos a mudar seu comportamento. Cada vez mais, as ONGs estão sendo reconhecidas por suas ações como atores políticos por direito próprio, estabelecendo padrões transnacionais, prestando serviços tradicionalmente realizados por governos e influenciando diretamente o comportamento dos indivíduos. No entanto, as ONGs também podem servir como canais para a projeção do poder de outros atores, tanto governamentais quanto corporativos, e podem ser vulneráveis à cooptação quando participam de projetos conjuntos com outros atores. Embora grande parte da literatura tenha se concentrado na influência reformista das ONGs na definição, no monitoramento e na aplicação de padrões, os impactos internacionais mais amplos das ONGs podem incluir uma vasta gama de repercussões. De acordo com Willetts (2011, 144), as ONGs não apenas reformularam os debates sobre questões internacionais, participaram da formulação de políticas globais e influenciaram a implementação de políticas globais; mas também, nas últimas décadas, “foram os principais atores na transformação da natureza de política global de um sistema centrado no Estado para um sistema ‘multicêntrico’ ”. Influência das ONGs no cenário internacional Durante a maior parte do século XX, o que hoje chamamos de ONGs foram geralmente identificadas com caridade e ajuda humanitária. Essa imagem é legatária de grupos missionários cristãos realizando ações em regiões do Sul Global. Mas o que começou como funções missionárias, seguido por uma função de ajuda em emergências, assumiu novas formas e direções desde os anos 1970. Ao longo do Primeira Guerra Mundial, surgiu a percepção das entidades não governamentais. A recém-fundada Liga das Sociedades da Cruz Vermelha usou a descrição de “não governamental” para explicar seus estatutos: Embora seja esperado que a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha estabeleça relações íntimas com a Liga das Nações, deve ser entendido claramente que a primeira, sendo puramente organização voluntária, apolítica, não sectária, não governamental, não tem estatutária conexão com qualquer Liga das Nações ou com o governo (DAVIES, 2012, p. 423). Atualmente, as ONGs atuam em campos mais diversos, como meio ambiente, assistência oficial ao desenvolvimento e, às vezes, como espaços de críticas e vigilância do Direito Internacional. Independentemente de como são vistas, elas aumentaram o debate sobre o desenvolvimento e se tornaram uma parte importante da interação do Norte com o Sul. Práticas das ONGs Para explicar esse processo nesta subseção, iremos abordar três práticas das ONGs: ajuda humanitária, ações sociais e econômicas e atuação política. Até a década de 1970, as ONGs desempenhavam um papel ativo em situações de emergência. As organizações da Europa e da América do Norte têm raízes em organizações missionárias cristãs que datam, em alguns casos, do século XVI. Durante o período colonial, as organizações missionárias combinaram o trabalho religioso com a educação, o alívio da fome e a introdução da medicina ocidental nas sociedades indígenas em todo o mundo. Com uma redação um pouco diferente, essa fórmula ainda pode ser encontrada entre as organizações de assistência privada hoje. A criação da Cruz Vermelha, em 1860, materializa esses pontos, agora com uma dimensão não religiosa: várias das ONGs mais conhecidas atualmente surgiram em períodos de guerra, como Save the Children, fundada em 1920 durante os deslocamentos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, e a Oxfam e a CARE, após a Segunda Guerra Mundial. Cada vez mais, essas instituições estão explorando as áreas de desenvolvimento, considerando maneiras pelas quais as comunidades atingidas por desastres ou conflitos podem ser reabilitadas no longo prazo. Nesse sentido, as ONGs passaram a atuar em esforços para apoiar o desenvolvimento econômico e social nos países do Sul Global, passando a se preocupar com as questões de longo prazo da pobreza e da desigualdade econômica. Numerosas ONGs, tanto do Norte como do Sul, fornecem serviços nesse sentido: por exemplo, os programas de desenvolvimento da CARE incluem uma variedade de projetos agrícolas, como construção de sistemas de irrigação, estabelecimento de cooperativas de agricultores e combate ao desmatamento. Da mesma forma, a Catholic Relief Services (CRS) oferece empréstimos para pequenas empresas, constrói projetos de água e promove novas tecnologias agrícolas, além de exercer seu trabalho de assistência. Discutindo o papel ativo das ONGs na Palestina, Allam Jarrar relata: “Acredita-se que a participação do setor das ONGs na prestação de serviços cobre mais de 60% de todos os serviços de saúde, 80% de todos os serviços de reabilitação e quase 100% de toda a Educação pré-escolar”. No âmbito do combate ao tráfico de pessoas, por exemplo, as ONGs são creditadas como um grande impulso. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, entre 600 mil e 800 mil pessoas, principalmente mulheres, são comercializadas anualmente através das fronteiras internacionais. A Vital Voices Global Partnership é uma das principais ONGs internacionais que se engaja diretamente em atividades de defesa de direitos para promover fortes leis antitráfico. Essas organizações envolvem-se em várias estratégias e atividades, incluindo a publicação de um boletim eletrônico que não só fornece informações atualizadas, mas também se envolve em debates e discussões sobre as melhores práticas para lidar com o tráfico de pessoas em todo o mundo. A tentativa de influenciar Estadosnas mais diversas áreas também é uma atividade política bastante relacionada com ONGs contemporâneas. A proteção ambiental representa uma área importante na qual as ONGs são muito ativas. Embora a maioria dos grupos ambientais permaneça centrada em atividades baseadas em projetos específicos e enfoque os níveis local ou regional, muitas ONGs tentam exercer influência na política global. São não só agências grandes e conhecidas, como Greenpeace, World Wildlife Fund (WWF) e União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), mas também diversos grupos ambientais de base. Mais um caso do efeito bumerangue aconteceu no Brasil. ONGs locais fizeram, por anos, pressão para que o governo criasse normas mais robustas para enfrentar a violência doméstica contra mulheres. O Brasil é um dos países com o maior número de casos registrados no mundo e, apesar disso, não tinha um sistema para lidar com tais desafios. Após décadas sem sucesso, ONGs resolveram processar o governo brasileiro nos órgãos jurídicos da Organização dos Estados Americanos (OEA), argumentando que o país não cumpria acordos firmados com a instituição. Após anos de pressão e negociação, o governo brasileiro resolveu adotar práticas para lidar com a questão da violência doméstica, culminando na Lei nº 11.340, a chamada “Lei Maria da Penha”, promulgada em 2006. (M2) Mecanismos característicos das Organizações Não Governamentais (ONGs) de alcance transnacional Abordagens para estudo das relações internacionais As abordagens tradicionais para o estudo das relações internacionais são notórias por terem adotado perspectivas amplamente centradas no Estado. Como observado por Lake (2018), as abordagens neorrealistas e liberais são especialmente vulneráveis a tal crítica, ao ignorarem a atuação de outros atores. Abordagens como essas mantêm o Estado como a unidade central de análise nas relações internacionais, com as ONGs influentes na medida em que os Estados mudam seu comportamento em resposta a elas. Uma abordagem mais radical para entender o papel das ONGs na política mundial é abandonar o Estado como a principal unidade de análise e reconsiderar as relações internacionais em termos de relações que ignoram completamente a dinâmica estatal. Estrutura e legitimidade na prestação de serviços transnacionais Além de provocar mudanças políticas por meio da defesa de direitos através do Advocacy, como abordamos, as ONGs também desafiam uma compreensão centrada no Estado da política mundial por meio da prestação de serviços que, de outra forma, poderiam ser realizados pelos governos. Isso inclui não apenas seu papel bem conhecido na ajuda humanitária e assistência ao desenvolvimento, mas também na prestação de serviços mais amplos de saúde, bem-estar e outros serviços públicos. Governos têm fornecido assistência humanitária internacional a outros Estados desde, pelo menos, o terremoto de 1755 em Lisboa. O papel da caridade religiosa na assistência humanitária transnacional, por outro lado, tem uma história muito mais longa, e, nos últimos três séculos, uma vasta gama de ONGs humanitárias transnacionais seculares também forneceu essa assistência. No que diz respeito à assistência ao desenvolvimento mais ampla, os orçamentos de ajuda a algumas ONGs atualmente excedem os de alguns dos países mais ricos do mundo: o orçamento da World Vision, por exemplo, é maior do que o do Brasil e da Argentina juntos. Soma-se a esses aspectos o fato de as ONGs substituírem os Estados em relação a uma ampla gama de serviços educacionais e de bem-estar para suas populações. O International Planned Parenthood Federation (IPPF), por exemplo, forneceu diretamente 145,1 milhões de atendimentos de saúde sexual e reprodutiva em todo o mundo em 2016, superando aqueles fornecidos pelos governos em muitos países. As ONGs também desempenham funções de prestação de serviços transnacionais em conjunto com outros atores internacionais, incluindo corporações multinacionais com fins lucrativos. Não raro há realização de projetos conjuntos com empresas transnacionais. Essa é uma ação particularmente comum em projetos de conservação, com exemplos incluindo o lançamento, em 2010, de um projeto conjunto entre a Fauna & Flora International e a BHP Billiton para a conservação de orangotangos na Indonésia. ONGs também podem atuar com o fornecimento de padrões e certificações globais. Em alguns casos, as ONGs desenvolvem padrões que os governos são obrigados a cumprir para obter os privilégios oferecidos pelas ONGs: federações esportivas globais, como a FIFA e o Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, definem padrões que os governos devem respeitar se eles podem hospedar eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, respectivamente. Em comparação com corporações ou Estados, as ONGs internacionais têm menos meios coercitivos, normalmente obtendo autoridade ao convencer vários públicos de que agem de forma adequada, promovem o interesse do público e são guiadas por princípios morais. Mas, com o tempo, uma estrutura de ação mais filantrópica levou a maioria das ONGs a adotar uma visão de longo prazo e afirmar a solução das causas básicas dos males sociais. A Anistia Internacional (AI), por exemplo, mudou, na década de 1990, de uma ênfase na escrita de cartas para prisioneiros de consciências individuais para uma abordagem de campanha mais abrangente para erradicar tortura, desaparecimentos e outras violações dentro do seu mandato em expansão. Mais tarde, a Anistia abraçou direitos econômicos, sociais e culturais que expandiram ainda mais seu repertório estratégico. Explicando a variação no desenho institucional das ONGs Até agora, discutimos um número expressivo de atuações e estratégias das ONGs para atuar internacionalmente. A pergunta subsequente seria: por que razão tais instituições adotam determinadas práticas, deixando outras de lado? Em outras palavras, por que o design dessas instituições é cambiável? Muitas sugestões foram oferecidas, incluindo a crescente complexidade da globalização ou o declínio da capacidade dos governos de resolver novos problemas globais; ou as mudanças nas normas globais, destacando um imperativo moral do envolvimento da sociedade civil. Geralmente, entretanto, as explicações gerais não foram tão úteis para explicar a variação entre as instituições quanto poderiam ser para ilustrar uma tendência geral de aumento da participação das ONGs. Dentro dessa lógica, William E. DeMars e Dennis Dijkzeul (2019) argumentam que a melhor maneira de se compreender a forma de atuação das ONGs – seu design institucional – se dá por uma combinação de práticas racionalistas e construtivistas. Dinâmica racionalista A primeira, uma dinâmica racionalista, parte do princípio de que as ONGs são entendidas como entidades racionais que desejam maximizar sua chance de sobrevivência. Para fazer isso, as organizações precisam garantir financiamento público ou privado de pessoas ou Estados: se as ONGs têm apoio contínuo de seus membros privados e de governos, elas podem ser atores efetivos, cumprindo seus mandatos originais sem se preocupar com sua sobrevivência. No entanto, o número de ONGs aumentou dramaticamente nos últimos anos, enquanto as fontes de financiamento tornaram-se menos garantidas, o que significa que a sobrevivência não é um dado adquirido para as ONGs. Dentro dessa lógica, as ONGs agora enfrentam um mercado competitivo. Mallick e Nabin (2018), por exemplo, estudam a localização de ONGs de microfinanças locais em Bangladesh e apontam que vilas localizadas longe de cidades com alta visibilidade midiática têm menos atuação de ONGs locais. Este estudo mostra que as ONGs locais não consideram o nível de pobreza ao decidir onde iniciar projetos, mas, sim, enfocam a infraestrutura e as condições da vila, uma vez que um ambiente melhor na vila oferece uma oportunidade mais sustentável para arrecadar fundos. Dinâmica construtivista O segundo campo, o construtivista,buscar umas variedade de interesses comuns e servir a uma miríade de funções que as nações não poderiam realizar individualmente. Elas ajudam a implementar e monitorar os resultados dessas ações, auxiliando na coordenação das respostas globais, supervisionando e fiscalizando a conformidade dos atores com essas regras. ● No cenário de interdependência, as OIs também fornecem aos Estados a capacidade de coordenar suas ações reunindo recursos financeiros, tecnológicos e analíticos para cumprir objetivos comuns. Por exemplo, o Banco Mundial obtém recursos financeiros dos Estados-membros que, em seguida, levantam seu próprio dinheiro nos mercados de capital internacionais para que possam emprestar bilhões de dólares por ano aos países pobres. ● Os Estados pedem às OIs que elaborem leis, construam redes científicas, reconstruam Estados devastados pela guerra e ajudem a criar novas democracias. Nesse sentido, os Estados estão delegando autoridade e poder às OIs para cumprir seus interesses. Esse conjunto de princípios e práticas das Organizações Internacionais, como visto até aqui, pode ser resumido como espaços facilitadores das relações dos Estados, ao mesmo tempo em que constitui uma burocracia especializada que facilita esse processo. Organizações internacionais e os processos de cooperação e integração Se as OIs promovem integração, a definição do conceito de interdependência é essencial. Esse princípio envolve a criação de vínculos entre os atores do sistema internacional, mas significa mais do que simples interconexão. Como Milner apontou, a interdependência, assim como a anarquia, é uma característica-chave estrutural do sistema internacional. Ela argumenta que a anarquia e a interdependência não se opõem uma à outra, como é frequentemente afirmado. Ao contrário, ambas constituem características diferentes do sistema internacional. Por sua vez, enquanto a interdependência reflete uma acomodação mais próxima, o estabelecimento de alianças menos complexas pode ser entendido como cooperação, que surge quando os atores ajustam seu comportamento em relação às preferências reais ou previstas de outros. A cooperação, assim, pode ser entendida como um processo em que os Estados cumprem os acordos internacionais dos quais são parte, se abstendo de tomar ações unilaterais para resolver um problema coletivo. Essas pesquisas também enfatizam o papel ativo que as OIs desempenham no processo de gestão de guerras e violências armadas, servindo como mediadores ou juízes para ajudar os países membros a resolver conflitos internacionais. As OIs podem facilitar a cooperação entre os Estados-membros passivamente, pontuam Mitchell e Hensel (2006), algo há muito reconhecido na literatura de direito internacional. Por exemplo, se dois países reconhecem a jurisdição da Corte Internacional de Justiça (CIJ), a capacidade de os dois lados levarem disputas à CIJ pode aumentar as chances de um acordo entre ambos fora do tribunal. Resumindo : Teorias institucionalistas e racionalistas de OIs tratam as preferências do Estado como fixas e exógenas. Como os Estados são racionais e egoístas, eles teriam incentivos para abandonar os acordos cooperativos ou se aproveitar do fornecimento de bens públicos internacionais sem pagar por seus custos - o chamado bandwagon. As instituições internacionais, dentro dessa realidade, ajudam a mitigar essas tendências de várias maneiras. ● Em primeiro lugar, as instituições internacionais estabelecem padrões de responsabilidade legal ou estabilização. As instituições servem para reforçar acordos e contratos e ajudam a organizar relacionamentos de maneiras mutuamente benéficas, com os custos de renegociação de compromissos aumentando e os de operação dentro dessa estrutura sendo reduzidos. ● A segunda maneira pela qual as instituições facilitam a cooperação envolve a redução dos custos de transação e, assim, torna mais fácil para os Estados negociar acordos. A centralização e a independência das OIs aumentam suas eficiências e reduzem os custos de negociação para os membros. ● As instituições, dentro dessa lógica, servem como fóruns regulares para reuniões e negociações, e vinculam vários grupos de questões, facilitando o arranjo de grandes negociações. Por exemplo, debates realizados dentro da Organização Mundial do Comércio (OMC) normalmente aglutinam mais de um tema na mesma rodada de negociações. Interdependência e multilateralismo como poder das organizações internacionais Até agora, a discussão dos efeitos relativos das Organizações internacionais sobre o poder do Estado tem sido feita com base no pressuposto de que o papel principal delas é servir de mediadora entre os Estados. O próximo passo é perguntar o seguinte: as próprias OIs têm poder? Não há dúvida de que elas, como um todo, são assimetricamente dependentes de Estados. Elas são criadas pelos países, dependem deles para seu financiamento e podem ser fechadas e encerradas pelas nações. Mas isso não significa necessariamente que as OIs sejam inteiramente dependentes. Nesse sentido, até que ponto as OIs, como atores nas relações internacionais, têm um poder distinto do poder dos Estados que as apoiam? É mais usual que as OIs tenham o poder de julgar: exemplos incluem a Corte Internacional de Justiça (CIJ) e o Mecanismo de Solução de Controvérsias (DSM) da OMC. Nesse caso, tais órgãos judiciais adjudicam acordos e criam interpretações oficiais do direito internacional, tendo, de fato, o poder de afetar as normas internacionais de comportamento de maneiras que os Estados não podem controlar com precisão. Existem duas fontes principais de poder independente para as OIs: autoridade moral e informação. Autoridade moral é o poder de uma organização de falar legitimamente a respeito de sua área temática a fim de fazer com que as pessoas e os Estados prestem atenção nela, mesmo nos casos em que ela não dispõe de recursos materiais. Essa autoridade fortalece a capacidade de gerar constrangimento das OIs. A maioria dos Estados aceita os princípios do multilateralismo, e as OIs representam conjuntos de regras e procedimentos com os quais os países-membros já concordaram explicitamente. (M3) Negociações internacionais : Estados e Instituições Governança global e organizações internacionais Como já apontamos , os principais desafios transnacionais contemporâneos ultrapassam fronteiras nacionais e demandam a atuação de instituições que consigam articular diversas ferramentas políticas. Nesse sentido, as evidências crescentes das mudanças climáticas e a pandemia da covid-19, aliadas à contínua ameaça do terrorismo global e ao ressurgimento do nacionalismo, trouxeram para todo o mundo a dimensão dos problemas complexos que o sistema internacional enfrenta atualmente. Nenhum desses problemas pode ser resolvido por Estados soberanos agindo isoladamente, já que eles requerem algum tipo de cooperação entre os países e um número crescente de instituições internacionais, principalmente com o estabelecimento de novos mecanismos internacionais de monitoramento ou a negociação de novas regras. Desse modo, a governança global não é um governo global nem uma ordem mundial única. Não existe uma estrutura hierárquica de autoridade de cima para baixo, mas tanto o poder quanto a autoridade nessa governança estão presentes de várias maneiras e em vários graus. Parte do valor do conceito de "governança global", então, é a maneira que nos permite olhar para as OIs e sua atuação a longo prazo para estabelecer esforços coletivos a fim de lidar com problemas compartilhados. Organizações internacionais e a solução de questões globais As OIs fornecem o núcleo central do mecanismo multilateral formal que constitui a “arquitetura da governança global”, frisam Cooper e Thakur. Ao longo do século passado, um número expressivo de OIs foi criado para realizar as mais variadas tarefas, desempenhando funções diversas, incluindo a coleta de informações e o monitoramentoassume que o design institucional das ONGs é constituído pelas normas que impõem ou implementam, ao mesmo tempo em que representam reivindicações de grupos marginalizados. De fato, muitos estudiosos de RI são atraídos pela pesquisa de ONGs com a motivação de analisar organizações que detêm o poder de normas e a capacidade de transformar a política mundial. O construtivismo também tem o potencial de ajudar a esclarecer o que as ONGs fazem na política internacional. Essa abordagem da política internacional argumenta que interesses, identidades e papéis são socialmente definidos. (M3) Desafios contemporâneos: escravidão, meio ambiente e desigualdade Atuação das distintas ONGs Até agora, apresentamos um panorama sobre a história das organizações não governamentais, assim como abordamos sua importância para o Sistema Internacional e a forma como diversos desafios contemporâneos podem influenciar na constituição e no formato dessas instituições. Por fim, iremos nos dedicar a analisar a atuação de distintas ONGs em temas relevantes na atualidade: escravidão moderna, questões ambientais e questões ligadas à desigualdade. Escravidão moderna, tráfico de seres humanos e desafios para os Direitos Humanos O tráfico de pessoas, frequentemente descrito como escravidão moderna, é uma das questões humanitárias mais importantes do século XXI. Nas últimas duas décadas, o fenômeno se tornou um problema global de proporções sem precedentes, com governos, agências intergovernamentais, organizações não governamentais, acadêmicos e sociedade civil lutando para identificar, conceituar e quantificar o tráfico humano. A escravidão moderna está presente nas cadeias de abastecimento globais e nas rotas de migração; afeta todos os países do mundo, independentemente de seu status socioeconômico e político. Nas últimas duas décadas, o perfil das vítimas de tráfico mudou. A incidência de tráfico doméstico (dentro das fronteiras de um país) também aumentou significativamente. Essas tendências indicam que o entendimento comum sobre o tráfico está evoluindo. Atualmente, há uma maior consciência da diversidade de vítimas, formas de exploração e fluxos de tráfico. Incluem-se, nesse crime: servidão sexual, tráfico sexual infantil, trabalho forçado, servidão doméstica, trabalho infantil forçado, tráfico de órgãos, casamento forçado, recrutamento ilegal de crianças soldados, mendicância forçada e, mais recentemente, trabalho forçado para atividades criminosas. Teóricos recentes apontam que a campanha contra a escravidão moderna pelas ONGs obrigou as empresas a fazer mudanças em suas operações, em várias instâncias, principalmente na adoção de políticas contratuais com fornecedores e na criação de grupos de trabalho. Isso teria provocado mudanças em companhias na Ásia, por exemplo, que fornecem produtos para as contrapartes no Reino Unido, tornando mais difícil que mão de obra com trabalho análogo à escravidão fosse empregada. Atuação de ONGs em temas ligados à proteção do meio ambiente É cada vez maior o consenso sobre a necessidade de cooperação internacional em relação ao meio ambiente, embora nem sempre haja concordância sobre o que essa cooperação deva produzir. Os regimes ambientais globais são negociados em uma ampla variedade de projetos, desde a proteção das baleias à mudança climática, à desertificação e ao desenvolvimento sustentável. Estados, instituições internacionais e ONGs têm desempenhado papel fundamental na criação, no desenvolvimento e na operação de regimes ambientais internacionais. O problema da destruição ambiental e da mudança climática surgiu como uma questão importante na política internacional nas últimas quatro décadas. O World Wildlife Fund (WWF) foi criado em 1961, e, durante os anos de 1960 e 1970, as ONGs internacionais que trabalham com proteção ambiental cresceram exponencialmente; ao mesmo tempo, seu escopo de operações se expandiu. As questões ambientais foram além da preservação e da conservação, para incluírem a poluição, as preocupações nucleares, o esgotamento de recursos e a gestão de resíduos. Neste mesmo período, também se formaram Friends of the Earth International e Greenpeace. A origem do processo da Eco-92 remonta à Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, mais conhecida como Comissão Brundtland, criada em 1983. A comissão produziu o relatório Brundtland de 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”. À comissão Brundtland é comumente creditada a definição do conceito de desenvolvimento sustentável, embora, de fato, várias ONGs tenham desempenhado papel significativo nessa definição. Algumas ONGs mantêm grandes equipes profissionais e produzem relatórios regulares. O World Resource Institute (WRI) publica relatórios sobre o meio ambiente global e estudos de políticas, tendo ajudado a redigir tratados, além de já ter providenciado secretariado para várias convenções. Isso ajuda os Estados a obter informações importantes, minimizando despesas. Atuação de ONGs em práticas de desigualdade e questões econômicas internacionais As ONGs que atuam no âmbito internacional também se dedicam a atividades relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico. Historicamente, essas instituições se identificaram intimamente com o processo de desenvolvimento de países da África, Ásia e América Latina. Nessa função, também começaram a estabelecer relação com o sistema de comércio global, e a principal instituição transnacional que lida com o tema é a Organização Mundial do Comércio (OMC). Frequentemente, as ONGs são vistas como espaços para a promoção de democracia e justiça social, representando as preocupações dos cidadãos globais e comunicando-as aos que estão no poder. Como já apontado, as ONGs são compreendidas, na maior parte das vezes, como agentes de mudança, que podem contribuir para superar o déficit democrático na governança comercial, mitigando a tendência de acordos comerciais serem negociados de forma secreta por uma elite não representativa. Dar voz às ONGs nos processos da OMC é considerado o meio de ampliar a gama de opiniões e perspectivas comerciais representadas, garantindo maior foco nas preocupações além das elites e dos grupos de negócios e gerando um sistema de comércio mais democraticamente legítimo. Alguns exemplos importantes de ONGs no campo do comércio global são os membros da rede Nosso Mundo Não Está à Venda (OWINFS). A rede está focada em promover um sistema de comércio multilateral sustentável, socialmente justo, democrático e responsável. A OWINFS é a principal organizadora de políticas de mobilização nas conferências ministeriais da OMC. Seus membros também participam como convidados que defendem mudanças nas políticas em várias plataformas organizadas pela OMC e pelos Estados-membros no Fórum Público anual e em conferências ministeriais. Trademark East Africa (TMEA) é outra ONG que tem como estratégia principal a redução da desigualdade econômica internacionalmente. O TMEA usa a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por vários doadores importantes, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos, para construir parcerias com organizações locais e implementar projetos destinados a promover o comércio transfronteiriço.de tendências, a prestação de serviços e ajuda, o fornecimento de fóruns para negociação intergovernamental e a resolução de disputas. Outra função das OIs - e particularmente da ONU - tem sido o desenvolvimento de ideias e conceitos-chave sobre segurança e desenvolvimento econômico e social. A ONU gerou ideias, forneceu um fórum para debate, deu legitimidade a elas, promoveu sua adoção em políticas e gerou recursos para implementar e monitorar o progresso, apontam Jolly, Emmerij e Weiss. No entanto, a maneira como as OIs atendem às suas várias funções, em um contexto de governança global, varia dependendo da estrutura da organização, já que as instituições diferem quanto ao número de membros, ao escopo de atuação e às suas regras. De maneira geral, as OIs permitem a centralização das atividades coletivas por meio de uma estrutura organizacional concreta e estável e um aparato administrativo de apoio. Isso aumenta a eficiência das atividades coletivas e reforça a capacidade da organização de afetar os entendimentos e os interesses dos Estados. Assim, os Estados se unem para participar de um fórum de negociação estável, permitindo reações rápidas em tempos de crise. Como outras burocracias, as secretarias das OIs frequentemente fazem muito mais do que seus Estados-membros pretendiam. Como a maior parte dos burocratas dessas instituições é formada por funcionários públicos internacionais, eles tendem a levar suas responsabilidades a sério, promovendo o que consideram uma “boa política” e protegendo-a de interesses conflitantes. As burocracias de OIs também tendem a desenvolver as próprias culturas organizacionais. Isso pode influenciar a forma como elas definem as questões e quais tipos de soluções políticas recomendam. Por exemplo, o secretariado da ONU criou a manutenção da paz no auge da Guerra Fria e, mais tarde, planejou operações de consolidação da paz pós-conflito que incluíam uma ampla variedade de tarefas, desde assistência eleitoral até polícia e reforma judiciária. Política e eficácia da governança global Após o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética, os EUA emergiram como a única superpotência; sua economia impulsionou a globalização, enquanto a democracia parecia estar se espalhando por toda parte. No entanto, especialmente desde a invasão do Iraque em 2003, o poder e a influência dos EUA no mundo diminuíram substancialmente. Hoje, há muitos indicadores de que os Estados Unidos não estão mais no centro da política global da mesma forma que antes e que há mais Estados com mais relações entre si em uma gama mais ampla de questões. Por isso, pode ser surpreendente que muitas das definições de governança global "mascaram a presença de poder". Os arranjos de governança global existem porque os Estados e outros atores do sistema internacional os criam e os imbuem de poder, autoridade e legitimidade, bem como os consideram valiosos para desempenhar certas tarefas e servir a certas necessidades e interesses. É importante se ter em mente, contudo, que as questões de governança global desafiam uma categorização fácil. O tráfico de mulheres e crianças, assim como os problemas mais antigos de pirataria e escravidão, podem ter motivações econômicas, mas violam as normas fundamentais dos direitos humanos. A questão dos refugiados é da área de direitos humanos, mas o problema está intimamente ligado à dinâmica de Estados falidos, conflitos étnicos, guerras civis, aumento da pobreza e fraqueza do governo. As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade da floresta tropical são questões fundamentalmente ambientais, mas qualquer ação ou inação tem ramificações econômicas e políticas críticas. Como Stewart Patrick (2014, p. 59) prevê, “o futuro não verá a renovação ou a construção de uma nova arquitetura internacional, mas sim a disseminação contínua de uma expansão multilateral adaptável, que proporciona cooperação internacional em meio a uma confusão de arranjos informais e abordagens graduais”. Dentro dessa lógica, a interação entre as OIs e as possíveis soluções abarcadas pela governança global também serão múltiplas e difusas. Podemos reforçar três delas: a construção de novas ideias, a promoção de agendas específicas e o monitoramento de objetivos e estratégias. A ONU também tem sido fundamental para expandir o próprio conceito de segurança, partindo de uma lógica do Estado para a segurança humana. Nessa perspectiva, os indivíduos também precisam ser protegidos da violência, da privação econômica, da pobreza, de doenças infecciosas e de violações dos direitos humanos por parte dos Estados. Na área de desenvolvimento econômico, a ONU se beneficiou da criatividade de economistas que, em algum momento, foram empregados da instituição ou serviram como consultores e contribuíram com ideias-chave. Assim como a segurança foi redefinida como segurança humana, o desenvolvimento também foi reconhecido como desenvolvimento humano. Essa ideia representa uma mudança radical no pensamento internacional, partindo da teoria econômica tradicional que mede o desenvolvimento em termos de crescimento do PIB de um Estado ao longo do tempo. No entanto, uma das conclusões importantes que pesquisas sobre o tema reforçam é que o estabelecimento de metas provoca mudanças importantes no sistema internacional. Cerca de 50 objetivos econômicos e sociais, começando na década de 1960, foram criados. Tais objetivos têm sido acompanhados por meio de monitoramento sistemático e de relatórios anuais, um processo que é inclusive aceito pelos Estados. A longa lista de tratados de direitos humanos negociados sob os auspícios da ONU estabeleceu a base normativa para os direitos humanos globais, com a organização determinando um mecanismo internacional para sua promoção por meio de um escritório específico. Em suma, as metas forneceram um foco “para mobilizar interesses, e para gerar pressões para a ação” . (M4) Temas sensíveis e narrativas sobre as organizações internacionais Organizações internacionais: constituição, personalidade e funcionários Neste módulo vamos mapear, de forma crítica, a maneira com a qual as OIs se constituem, apontando sua dimensão jurídica e as estratégias de seus funcionários para influenciar o sistema internacional. A lógica de criação das instituições geralmente está dividida entre dois imperativos contraditórios. ● O desejo de tornar a organização o mais eficaz e eficiente possível. ● A compreensão de que resultados não podem ser alcançados sem a articulação de diversos atores importantes. Assim, em qualquer organização, existe uma disputa constante entre o imperativo da eficácia e o da legitimidade. Sempre que uma entidade é considerada muito formal, são formulados meios para contornar os procedimentos formais. Segundo a mesma lógica, sempre que ela for considerada muito informal, haverá uma chamada para fortalecer o controle sobre a tomada de decisão. Certamente, nenhum formulador teria planejado inicialmente dar a cinco Estados o direito de vetar quaisquer decisões no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com a filiação permanente provavelmente podendo ser justificada em uma base racional, como, por exemplo, o reforço de que esses países teriam responsabilidades especiais para a manutenção da paz e da segurança internacionais. No entanto, a constituição do P5 serve a um propósito eminentemente político. O P5 foi considerado o preço a se pagar para ter alguns desses Estados a bordo e, portanto, dar à Organização das Nações Unidas a chance de relevância que a Liga das Nações nunca teve. Personalidade jurídica das instituições internacionais Quando determinado indivíduo decide abrir uma empresa, por exemplo, no Brasil, ele precisa seguir uma série de procedimentos burocráticos para que a companhia passe a "existir'' formalmente. No nosso país, a materialização desse ponto se dá com a constituição do chamado Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), que faz com que uma empresapossa, por exemplo, abrir conta em bancos ou alugar salas comerciais. A empresa, nesse sentido, também passa a ser responsabilizada por eventuais erros, podendo ser processada judicialmente. Como resultado, poucos comentaristas sobre o direito institucional internacional despendem tempo ou energia para compreender ou explicar as sutilezas desse princípio nos últimos anos. O direito das Organizações Internacionais não é regido por um único instrumento jurídico universal, tampouco por um conjunto claro e universalmente aceito de normas. Normalmente, as organizações têm sistemas "internos" de regras, enquanto suas relações com o mundo exterior tendem a ser regidas pelo direito internacional. A questão de quando e se uma OI passa a existir é respondida com base no direito internacional, porém é de opinião geral que tais critérios não são precisos. A literatura especializada aceita um conjunto de quatro requisitos: as OIs, assim é sugerido, são normalmente (1) estabelecidas entre Estados (2) com base em um tratado (3) e com pelo menos um órgão, que, por sua vez, (4) supostamente tem uma vontade distinta dos Estados-membros da organização. Embora a personalidade jurídica, do ponto de vista do direito interno, seja considerada muito relevante para as OIs, a personalidade, segundo o direito internacional, pode não ser tão relevante. Há algum suporte empírico para essa proposição: a maioria dos documentos constituintes conterá uma concessão de personalidade de acordo com a legislação nacional dos Estados-membros da organização ou uma cláusula sobre as capacidades jurídicas específicas da organização de acordo com a legislação interna. Em contraste, as cláusulas que concedem explicitamente personalidade jurídica internacional têm sido tradicionalmente poucas e espaçadas, o que pode sugerir que a personalidade não foi considerada tão relevante. Ela, segundo o direito internacional, é um conceito problemático e, no que diz respeito às OIs, muitas vezes considerada de relevância limitada. A lei atual é mais bem apresentada da seguinte forma: há uma forte presunção de que, uma vez que uma organização é criada, ela será uma pessoa jurídica para fins de direito internacional, mas essa presunção pode ser refutada, por exemplo, quando os Estados-membros explicitamente retêm a personalidade. Isso também pode ser refutado quando não se espera que as organizações tenham negócios externos nem tenham a intenção de celebrar sequer um acordo de sede no próprio nome. Funcionários, redes e comunidades de especialistas Andresen e Skjaerseth, entre outros autores, definem um secretariado como "uma organização internacional estabelecida pelas partes relevantes para ajudá-los a cumprir os objetivos do tratado". Os secretariados internacionais são projetados para apoiar os Estados na criação e na implementação de uma ampla gama de funções e regimes internacionais. No entanto, estudos recentes da teoria da burocracia e da pesquisa de Relações Internacionais sugerem que a metáfora dos “servidores” frequentemente aplicada em relação às secretarias é parcialmente equivocada e enganosa, pois elas também exerceriam uma considerável influência burocrática por meio de seus dirigentes. A ideia de um serviço civil independente foi mais bem adotada e desenvolvida pela ONU, especialmente durante o mandato do segundo secretário-geral de sua história, Dag Hammarskjöld (1953-1961). Os funcionários da instituição deveriam se movimentar por meio de princípios de integridade e de independência política em relação aos interesses nacionais dos Estados-membros. A capacidade desses funcionários, nesse sentido, seria justamente a de mobilizar informações e construir conhecimentos técnicos. O secretariado pode exercer poder em relação a seus diretores — isto é, os Estados-membros —, classificando e organizando informações, fixando significados e oferecendo conhecimento técnico especializado e treinamento que não estão imediatamente disponíveis para representantes estatais. Organização Das Nações Unidas (M1) Reconhecer as atribuições e as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas A ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (AGNU) A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) é um dos seis principais órgãos da Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com o Conselho de Segurança, o Secretariado, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Internacional de Justiça. A AGNU é resultado de um longo processo de evolução na forma de negociação entre os Estados e se inspira nas práticas recorrentes das conferências internacionais do século XIX e na experiência da Liga das Nações. Com o avanço do multilateralismo – a prática de se discutir e trabalhar um tema simultaneamente entre diversos atores, contraposta ao bilateralismo – ao longo do século XIX, multiplicaram-se as chamadas conferências internacionais. Convocadas em resposta a momentos ou necessidades específicos, essas conferências ofereciam a oportunidade para que diversos Estados (ou outras formas de unidade política, como reinos e cidades-Estados) pudessem discutir problemas e chegar a soluções compartilhadas, aplicáveis a todos. Com frequência, essas conferências resultam em grandes tratados multilaterais que vinculam todos os signatários igualmente. Alguns exemplos são o Congresso de Viena, convocado após a derrota de Napoleão, e a Conferência de Berlim, que discutiu a repartição de territórios coloniais. A Liga das Nações já incluía, entre seus órgãos principais, uma Assembleia Geral em formato semelhante àquele adotado pela Carta da ONU. Baseava-se em práticas e regras parlamentares e tinha como presunção os princípios básicos de publicidade e diplomacia aberta. As atribuições da Assembleia Geral De acordo com a Carta da ONU, a Assembleia Geral tem as seguintes atribuições : ● ART. 11.1 : Discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos e fazer recomendações aos Membros das Nações Unidas ou ao Conselho de Segurança. ● ART. 11.3 : Solicitar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam constituir ameaça à paz e à segurança internacionais. ● ART. 13.1 : Iniciar estudos e fazer recomendações, destinados a: a) promover a cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo do Direito Internacional e a sua codificação; e b) promover a cooperação internacional nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno gozo dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. ● ART. 14 : Recomendar medidas para a solução pacífica de qualquer situação, qualquer que seja sua origem, que lhe pareça prejudicial ao bem-estar geral ou às relações amistosas entre as nações, inclusive em situações que resultem da violação dos dispositivos da presente Carta que estabelecem os Propósitos e Princípios das Nações Unidas. ● ART. 17.1 : Considerar e aprovar o orçamento da organização. (DECRETO 19.841/1945) Grande parte das votações na AGNU é decidida por maioria simples, exceto um conjunto de atribuições específicas, listado no artigo 18 da Carta, que depende de aprovação de dois terços dos membros. Nessas votações, destacam-se as atribuições de eleger os membros não permanentes do Conselho de Segurança e os membros do Conselho Econômico e Social e, conjuntamente com o Conselho de Segurança, a admissão de novos membros à organização, assim como a suspensão e a expulsão de membros da organização. O funcionamento da AGNU A agenda temática da AGNU é bastante ampla, segundo a própria designação da Carta da ONU: quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos órgãos nela previstos (art. 10). Estãoexcluídas, em tese, apenas as controvérsias ou situações sobre as quais o Conselho de Segurança já estiver atuando (art. 12) e questões relativas à jurisdição doméstica (art. 2.7). Na prática, a AGNU tem aceitado poucas restrições em relação a temas sobre os quais pode atuar. Justamente por conta dessa amplíssima agenda, a Assembleia Geral é integrada por seis comitês temáticos que lidam mais diretamente com cada tema: ● PRIMEIRO COMITÊ : Desarmamento e segurança internacional. ● SEGUNDO COMITÊ : Economia e finanças. ● TERCEIRO COMITÊ : Questões sociais, humanitárias e culturais. ● QUARTO COMITÊ : Política especial e descolonização. ● QUINTO COMITÊ : Administrativo e orçamentário. ● SEXTO COMITÊ : Legal (desenvolvimento do Direito Internacional). Usualmente, a AGNU funciona por meio de sessões regulares, que duram de setembro a dezembro e são iniciadas por uma cerimônia conhecida como a Abertura da Assembleia Geral, onde os chefes dos Estados-membros e outros líderes da ONU discursam, tratando de fatos relevantes no cenário internacional e perspectivas para a sessão que se inicia. O presidente da República do Brasil (ou seu indicado) costuma ser o primeiro dos líderes a discursar, em função de uma tradição histórica que remonta à fundação da ONU. A AGNU também pode convocar sessões especiais para discutir temas específicos ou mesmo para finalizar a aprovação de um tratado internacional que tenha sido elaborado pelo sexto comitê ou pela Comissão de Direito Internacional. As resoluções da Assembleia Geral Quanto às resoluções adotadas pela AGNU, é importante compreender a sua força normativa. Há resoluções que têm caráter obrigatório, como aquelas que definem questões relacionadas ao orçamento ou de administração da Organização das Nações Unidas (art. 17, da Carta da ONU). Em regra, no entanto, as resoluções têm caráter meramente recomendatório, expressando a opinião da maioria dos Estados sobre determinado assunto ou questão. Isso não quer dizer, no entanto, que as resoluções da AGNU sejam desprovidas de força normativa. Com o progressivo fortalecimento da AGNU e a expansão da sua agenda, foi aprovada uma série de resoluções com conteúdo inegavelmente importante, como, por exemplo, a Declaração sobre os princípios de Direito Internacional relativo às relações amistosas e à cooperação entre os Estados de acordo com a Carta da ONU e a Declaração sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais. As resoluções da Assembleia Geral passaram a ocupar um papel fundamental na própria comprovação do costume internacional, que é fonte primária do Direito Internacional, tradicionalmente entendido como composto, necessariamente, por dois elementos: (i) a prática reiterada dos Estados, fatos materiais, o comportamento propriamente dito dos Estados; (ii) a crença de que uma atividade estatal é legalmente obrigatória, a opinio juris. As resoluções da AGNU – fórum universal do qual fazem parte virtualmente todos os Estados – podem exercer um papel duplo na comprovação de costumes internacionais. A maneira como votam e argumentam os Estados constituem provas práticas dos Estados e do seu entendimento do Direito. As resoluções constituem, ainda, prova da existência de uma opinio juris formada ou em formação em relação aos temas dos quais tratam. A Corte Internacional de Justiça, no caso Legalidade da Ameaça ou do Uso de Armas Nucleares, manifestou-se no sentido de que as resoluções da Assembleia Geral, mesmo que não sejam vinculantes, podem às vezes ter valor normativo. Em certas circunstâncias, podem constituir provas importantes para se identificar a existência de uma norma ou o surgimento de uma opinio juris. Secretariado das Nações Unidas O Secretariado Geral da ONU é outro dos seis principais órgãos da organização. Composto por mais de 32 mil funcionários, é a máquina administrativa que realiza e concretiza as atividades da organização e apoia o funcionamento dos demais órgãos. É importante destacar o mandamento pela independência e autonomia dos funcionários do Secretariado da ONU em relação aos Estados-partes da organização, constante na Carta, no artigo 100: 1. No desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer governo ou de qualquer autoridade estranha à organização. Abster-se-ão de qualquer ação que seja incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente perante a Organização. 2. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a respeitar o caráter exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do Secretariado e não procurará exercer qualquer influência sobre eles, no desempenho de suas funções. Consta, assim, que, apesar de nacionais dos diferentes Estados-partes, os funcionários da ONU atuam de maneira independente em relação aos seus interesses, contribuindo, direta e unicamente, para as atividades, os princípios e objetivos da organização. O secretário-geral desempenha duas funções simultâneas: a chefia administrativa da Organização das Nações Unidas, como um todo, e a liderança do Secretariado, que é um órgão da ONU criado pela Carta, com competências e atribuições específicas (JONAH, 2008). É o principal representante e diplomata da ONU, a voz e a face da organização para o mundo. Frequentemente desempenha bons ofícios e atividades de mediação para contribuir com a identificação de soluções pacíficas de controvérsias e crises entre os Estados-partes. (SHAW, 2010) O secretário-geral desempenha um conjunto de atividades que lhe podem ser atribuídas pelo Conselho de Segurança, pela Assembleia Geral, pelo Conselho Econômico e Social das Nações Unidas (ECOSOC) e pelos demais órgãos do Sistema ONU. Pode também levar diretamente uma questão que, na sua percepção, ameaça a paz e a segurança internacional para o Conselho de Segurança (art. 99, da Carta da ONU). A escolha da pessoa que ocupará esse posto é realizada, em tese, pela Assembleia Geral, a partir de uma recomendação do Conselho de Segurança (art. 97, da Carta da ONU). Na prática, são o CSNU e, especialmente, os seus cinco membros permanentes que definem o escolhido. É comum a realização de amplas campanhas pelos pretendentes a esse cargo, que incluem altos funcionários de carreira da ONU, ministros de Relações Exteriores, chefes de Estado e Governo. Essas campanhas podem ser patrocinadas pelos governos que veem na elevação de seu nacional a esse posto uma demonstração de prestígio e influência, ainda que o secretário-geral seja independente de todo e qualquer governo, incluindo aquele de nacionalidade. O mandato do secretário-geral é de cinco anos, podendo ser renovado apenas uma vez, o que costuma acontecer. No processo de recrutamento profissional do Secretariado, há um esforço contínuo para se garantir que a representatividade do corpo de funcionários corresponda à diversidade de membros da Organização, como faz referência o art. 101.3 da Carta da ONU. Outros fatores, como a contribuição financeira de cada Estado para a ONU, também impactam o nível desejado/mínimo de nacionais de cada país entre os funcionários permanentes da ONU (JONAH, 2008). Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos O Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos é a principal entidade da ONU sobre os Direitos Humanos. Ele foi criado pela Assembleia Geral em 1993, por meio da Resolução 48/141. A recomendação para que fosse criado o Escritório surgiu na Conferência Internacional de Direitos Humanos, de 1993, que culminou na Declaração de Viena e no Programa de Ação. O mandato do Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos da ONU inclui diversas atribuições: ● Promover e proteger os Direitos Humanos para todos; ● Recomendar que todos os organismos do Sistema ONU aprimorem seus esforços de promoção e proteção dos Direitos Humanos; ● Promover e proteger o direito ao desenvolvimento; ● Fornecerassistência técnica aos Estados em atividades relacionadas aos Direitos Humanos; ● Coordenar os programas de educação e informação pública da ONU sobre Direitos Humanos; ● Trabalhar ativamente para remover os obstáculos para a concretização dos Direitos Humanos e prevenir violações a estes direitos; ● Engajar-se em diálogos com governos para garantir o respeito aos Direitos Humanos; ● Aprofundar a cooperação internacional para a promoção e proteção dos Direitos Humanos; ● Coordenar as atividades de promoção e proteção dos Direitos Humanos no Sistema ONU; ● Racionalizar, adaptar, fortalecer os mecanismos de proteção aos Direitos Humanos do Sistema ONU. A liderança do Escritório, ou seja, o Alto Comissário para Direitos Humanos, é selecionada pelo secretário-geral da ONU, cuja escolha deve ser ratificada pela Assembleia Geral. Desde 2018, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, é a Alta Comissária da ONU para Direitos Humanos. (M2) Reconhecer os Estados-membros permanentes e as atribuições do Conselho de Segurança das Nações Unidas O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS O Conselho de Segurança das Nações Unidas guarda a responsabilidade primária pela manutenção da paz e da segurança internacional. O CSNU tem atribuições mais específicas também, dentro do Sistema ONU. É responsável por recomendar o nome do secretário-geral da ONU para escolha da Assembleia Geral e por selecionar, também em conjunto com a AGNU, os juízes da Corte Internacional de Justiça. A admissão de novos membros à ONU depende também de recomendação por parte do CSNU. Atualmente, o reconhecimento de novos Estados tem passado, na prática, por sua admissão à ONU. Representa a consumação do amplo reconhecimento da comunidade internacional em relação àquele novo ente político, e a aprovação do Conselho de Segurança é passo-chave para esse reconhecimento. A agenda do CSNU tem se expandido de maneira progressiva, especialmente a partir do final da Guerra Fria. Do ponto de vista temático, as restrições à sua atuação dependem da interpretação conferida aos conceitos de paz e segurança internacional. Nota-se, especialmente, desde a década de 1990, uma disposição em se interpretar esses conceitos de forma cada vez mais extensa. Como resultado, atualmente, o Conselho de Segurança identifica como ameaças à paz e à segurança internacional uma série de fenômenos e situações bastante diversas daquelas relacionadas estritamente a agressões militares e conflitos armados que inspiraram a sua constituição. COMPOSIÇÃO E TOMADA DE DECISÃO DO CSNU O CSNU é composto por 15 membros, dos quais cinco (Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido) são membros permanentes. Os demais 10 membros são temporários, exercendo mandatos de dois anos. Esses 10 membros são escolhidos por meio de eleição da Assembleia Geral, de acordo com um critério que garante diversidade geográfica. Considera-se que 5 membros devem se originar na Ásia e na África, 1 na Europa Oriental, 2 na América Latina e 2 na Europa Ocidental. A depender da questão discutida, outros países poderão ser convidados para participar das reuniões, sem poder de voto. O secretário-geral da ONU também costuma participar das reuniões. O Conselho de Segurança tem um presidente que é o representante de um dos Estados-membros, mas esse posto rotaciona mensalmente, seguindo a ordem alfabética. Trata-se de uma posição mais procedimental, considerando que o presidente é responsável por guiar as reuniões. A determinação dos membros permanentes foi realizada durante as negociações sobre a Carta da ONU em São Francisco (EUA), reservando-se espaço de destaque justamente aos países que haviam vencido a Segunda Guerra Mundial. Além de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança, esses cinco países possuem também aquilo que ficou conhecido como poder de veto. Formalmente, a Carta da ONU prevê que qualquer resolução, para ser aprovada, precisa receber o voto favorável de nove membros do Conselho, incluindo os cinco membros permanentes. OS INSTRUMENTOS DE FUNCIONAMENTO DO CSNU De maneira geral, o Conselho de Segurança atua por meio de resoluções, que podem ter naturezas distintas, a depender da base jurídica que as fundamente. No caso das resoluções adotadas sob a égide do Capítulo VI da Carta da ONU (Solução Pacífica de Controvérsias), diz-se que a resolução tem caráter recomendatório. São os casos em que, confrontado com uma ameaça à paz e à segurança internacional, o Conselho busca resolvê-la por meios pacíficos, convidando as partes envolvidas a se engajar em esforços de negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. O caráter recomendatório é explicitado nos artigos 36.3 e 38. Por outro lado, as resoluções adotadas sob a égide do Capítulo VII da Carta da ONU (Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão) têm caráter obrigatório. Objetivando endereçar uma ameaça à paz e à segurança internacional, o CSNU poderá tomar dois tipos de medidas cujo cumprimento é compulsório a todos os Estados: MEDIDA 1 : Medidas que não envolvem o uso da força, como, por exemplo, a interrupção completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação, ferroviários, marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra espécie e o rompimento de relações diplomáticas. MEDIDA 2 : Medidas que envolvem o uso da força, como demonstrações, bloqueios e outras operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações Unidas. Essas medidas não só têm caráter obrigatório, como são também executáveis. Isso porque a própria Carta da ONU explicita os meios que devem ser colocados à disposição do Conselho, incluindo as Forças Armadas dos Estados, e detalha o estabelecimento de uma Comissão do Estado Maior para planejar e executar operações que envolvam o uso da força militar. O uso da força é uma medida extrema que será autorizada apenas em casos excepcionais. A solução pacífica de controvérsias é o princípio basilar do Sistema ONU, conforme preveem diversos dos seus dispositivos, inclusive o art. 2.3 da Carta da ONU. Deve ser, portanto, a primeira opção, como previsto no Capítulo VI, antes de o Conselho se voltar para as alternativas oferecidas pelo Capítulo VII. O caráter obrigatório das decisões tomadas pelo Conselho de Segurança é excepcional no sentido de que, no Direito Internacional, o consentimento é essencial para vincular um Estado a uma regra. O princípio basilar do Direito Internacional, o pacta sunt servanda, prevê que aquilo que foi pactuado deve ser cumprido, baseando-se, portanto, no consentimento. No caso das resoluções do CSNU, elas obrigam e vinculam mesmo os Estados que não votaram a seu favor e aqueles que sequer participaram do processo de deliberação sobre o seu conteúdo – hipótese mais comum, visto que apenas os 15 Estados-parte têm direito a voto nas deliberações do CSNU. Houve, na realidade, uma manifestação de consentimento prévia e genérica em relação a todas as decisões do CSNU quando os Estados ratificaram a Carta da ONU, a qual explicita, em seu artigo 25, que os Membros das Nações Unidas concordam em aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente Carta. O nível de obrigatoriedade e vinculação dessas decisões é notável, ainda, no sentido de que mesmo o princípio da não intervenção nos assuntos domésticos não é passível de ser alegado em relação às decisões tomadas pelo Conselho sob égide do Capítulo VII. Ou seja, não pode um Estado justificar o descumprimento de uma dessas decisões sob o argumento de que é ilegítima a interferência da ONU em suas questões internas. O Conselho de Segurança também poderá receber reclamações por parte de Estados que considerem que obrigações oriundas de uma decisão da Corte Internacional de Justiça não foram cumpridas. Nesse caso,poderá tomar qualquer das medidas previstas nos capítulos VI e VII da Carta da ONU com objetivo de garantir o cumprimento daquela decisão. (M3) Identificar as origens e o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS As origens e o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas Antes de apresentar o Conselho de Direitos Humanos, é importante discutir seu antecessor, a Comissão de Direitos Humanos. A Comissão foi um organismo subsidiário criado pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC), em 1946, com objetivo de constituir o principal órgão legislativo, no Sistema ONU, dedicado a promover e proteger os Direitos Humanos. O resultado da sua primeira sessão de reuniões, em 1947, foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada como resolução da Assembleia Geral. Durante os primeiros 20 anos de funcionamento, a Comissão se dedicou à definição e elaboração de normas internacionais de Direitos Humanos, utilizando, em larga medida, a Declaração Universal como fundamento. Como resultado desse esforço, foram elaborados e adotados o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais. No entanto, havia grande disputa entre os blocos capitalista e socialista que se manifestava no trabalho e nas votações da Comissão. Além de uma preferência daquele por questões relacionadas a direitos políticos e civis e deste pelos direitos econômicos e sociais – criando uma falsa dicotomia –, era frequente a participação de Estados com graves históricos de violação na Comissão. Buscavam, assim, blindarem-se de críticas e condenações em relação a questões que consideravam internas. Essas disfunções não se encerraram com o fim da Guerra Fria. Ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, esse cenário se agravou. Às questões mencionadas se somava uma crítica reiterada sobre a seletividade das críticas públicas realizadas pela Comissão, assim como a aparente contradição de ter países com histórico de graves violações aos Direitos Humanos decidindo sobre os rumos de seu trabalho, gerando uma grande perda de credibilidade. Conforme avançaram propostas sobre a reforma da Comissão, chegou-se à conclusão de que era necessário um respaldo institucional maior para o trabalho de promoção e proteção aos Direitos Humanos. Assim, foi aprovada uma resolução da Assembleia Geral (Resolução 60/251) que criava o Conselho de Direitos Humanos (UNHCR, na sigla em inglês) como órgão subsidiário da própria Assembleia, e não mais do ECOSOC. Criado em 2006, o Conselho de Direitos Humanos conta com 47 Estados-membros, contra os 53 membros da Comissão. Apesar de uma mudança relativamente pequena nessa composição, que se tornou também mais representativa de países em desenvolvimento, foram introduzidos critérios mais rígidos para a adesão ao Conselho. Objetivava-se, assim, evitar a participação de Estados com graves problemas nessa esfera. A Resolução 60/251 determinava que deveria ser levada em consideração, na eleição dos membros do CDH, (i) a contribuição dos candidatos à promoção e proteção dos Direitos Humanos e (ii) as promessas e os compromissos voluntários que tenham feito. Impunham-se, ainda, exigências aos membros, como se submeter ao mecanismo universal de exame periódico durante o seu mandato. Ainda que subjetivos, os critérios sinalizavam uma preocupação e criavam um possível constrangimento para Estados que desejassem integrar o Conselho: submeter-se ao Mecanismo Universal de Revisão Periódica. O Mecanismo Universal de Revisão Periódica (UPR, na sigla em inglês) foi criado com o objetivo de analisar como países vinham implementando as normas internacionais de Direitos Humanos. O UPR avalia o cumprimento dos Estados em relação à Carta da ONU, à Declaração Universal de Direitos Humanos, aos tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo país, aos compromissos voluntários assumidos e ao Direito Humanitário Internacional. O modelo de trabalho do CDH Para além dessas inovações, vale mencionar algumas outras modificações no modelo de trabalho do CDH, em relação à Comissão, sua antecessora: MODIFICAÇÃO 1: O CDH se reúne com mais frequência do que a Comissão, dando vazão à grande demanda que se criou. Além das reuniões anuais, o CDH pode se reunir em sessões especiais, a pedido de um membro, com apoio de um terço dos seus integrantes, para lidar com questões específicas e crises; MODIFICAÇÃO 2 : Foi estabelecido também um mecanismo para o recebimento de denúncias de graves violações a Direitos Humanos e liberdades fundamentais, realizadas por indivíduos, grupos ou ONGs, vítimas dessas violações ou com informações confiáveis e concretas sobre elas. Caso essas denúncias sejam admitidas, o que ocorrerá na hipótese do atendimento a requisitos básicos, seus fatos poderão ser levados à atenção do Conselho que decidirá as medidas cabíveis. Facilitou-se a participação de organizações da sociedade civil doméstica e internacional nas discussões do CDH e foi expandido ainda o rol de outros procedimentos e órgãos que compõem e contribuem para o funcionamento do CDH e para a realização do seu mandato de proteção e promoção dos Direitos Humanos. Os Procedimentos Especiais do CDH consistem na designação de especialistas para avaliar e monitorar uma temática ou um país sob a perspectiva de Direitos Humanos. Os Relatores Especiais (ou Special Rapporteurs) realizam visitas, atuam em casos individuais, emitem comunicados, conduzem pesquisas, reúnem especialistas, contribuem para o desenvolvimento de padrões de Direitos Humanos e se engajam em atividades de conscientização e advocacy, além de apresentar relatórios anuais ao CDH ou à Assembleia Geral. Em 2020, havia 44 mandatos temáticos e 11 mandatos específicos para determinados países. OUTROS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NO SISTEMA ONU Outros órgãos, ainda que não considerados subsidiários da ONU, são denominados adstritos aos tratados da ONU. Trata-se de órgãos colegiados (comitês) criados por tratados internacionais específicos com objetivo de monitorar e promover a implementação de suas normas. Têm uma relação próxima com a ONU, repassando informação por meio do Centro de Direitos Humanos (SHAW, 2010) Entre eles, destacam-se: ● Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, criado pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965; ● Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto de Direitos Civil e Políticos, de 1966; ● Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, criado pela Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979; ● Comitê contra a Tortura, criado pela Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984; ● Comitê para os Direitos das Crianças, criado pela Convenção sobre os Direitos da Criança, de 1989; ● Comitê sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, criado pela Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, de 2007. Esses comitês têm competências e atribuições específicas previstas nos tratados que os constituem. De modo geral, são grupos de especialistas ou peritos independentes, eleitos entre os Estados-partes do respectivo tratado. Eles são responsáveis por avaliar os relatórios periódicos preparados pelos próprios Estados sobre os esforços de implementação da convenção, com possibilidade de apresentarem recomendações. O foco desse processo é o desenvolvimento de um diálogo produtivo e construtivo, mas, eventualmente, podem ser publicadas considerações críticas sobre a situação em um Estado, como parte de uma estratégia de naming and shaming (nomear e envergonhar). Os comitês são, em alguns casos, empoderados para receber reclamações e petições individuais ou coletivas sobreviolações aos direitos previstos nos tratados correspondentes. Essa competência para recebimento e processamento de denúncias tem natureza mais sensível. Às vezes ela depende de um reconhecimento explícito por parte do Estado (art. 21, Convenção contra Tortura, por exemplo). Em outros, depende da ratificação de protocolo adicional (Pacto de Direitos Civis e Políticos, por exemplo). A apresentação de petição individual perante esses comitês temáticos de Direitos Humanos é um direito individual perante o Direito Internacional. O recebimento dessas petições pode estar, contudo, sujeito a condições específicas, como o esgotamento das instâncias internas (art. 2, Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência). Recebida a denúncia, o comitê poderá apresentá-la ao Estado denunciado e pedir maiores informações sobre o caso. Cabe, ainda, a realização de outras diligências independentes para investigar as denúncias. O comitê apresentará suas recomendações, em caráter cautelar ou definitivo, para que o Estado enderece a denúncia apresentada, e acompanhará a implementação dessas recomendações. Em geral, esses procedimentos correm em sigilo. Por fim, os comitês são também considerados intérpretes legítimos dos próprios tratados, publicando, com frequência, comentários e notas interpretativas sobre os dispositivos dos tratados, conferindo maior especificidade e detalhamento a direitos e obrigações previstos. Organizações Regionais Americanas e Não Americanas (M1) Organização dos Estados Americanos (OEA) A OEA é a organização de integração regional mais antiga do mundo, da qual foram colhidos diversos aprendizados para outras organizações posteriores. Surgiu no momento pós-Segunda Guerra Mundial, quando seus países buscavam formas de organização entre si com maior transparência e segurança em relação aos interesses nacionais e internacionais. Nessa toada, surgiu a Organização das Nações Unidas, concomitante com a OEA (1947 e 1948, respectivamente). Integração regional: conceito e experiências modernas Os principais exemplos de integração regional no mundo contemporâneo são: União Europeia, Nafta, Mercosul, Unasul, Mercado Comum Centro-Americano, Alca, Caricom ou dos países do Caribe, Asean, Apec, Ecowas, SADC. Essas organizações, segundo Menezes e Pena Filho (2006), se espalham por diversos continentes e se inspiram umas nas outras para buscarem suas respectivas evoluções, sempre atentas às suas respectivas condições geopolíticas para operar. Antes de mais nada, é importante que se diga: qualquer integração hoje no mundo é um processo em andamento, nada pode ser considerado acabado. A integração é um processo permanente, como a própria dinâmica da vida política, volátil às conjunturas. A integração regional é um fruto da globalização e um fato da realidade mundial. Os resultados da integração oferecem dados sobre o sucesso dessas iniciativas. De fato, existem momentos de maior e menor dificuldade nesses processos, mas, no decorrer do tempo, podemos constatar que o saldo das integrações é bastante positivo, e podemos afirmar que essas formas de organização constituem hoje o principal vetor para o desenvolvimento em escala regional. Breve panorama político da formação americana Na América do Norte, a partir da guerra de independência das 13 colônias americanas, observou-se mais conflitos que levaram à consolidação progressiva do atual território: guerras contra os nativos norte-americanos (“marcha para o oeste”), que fizeram do território original dos colonos recém-independentes um território continental, ao alcançar o Pacífico; e guerras contra o México que ampliaram o território demarcando a fronteira entre México e EUA no Rio Grande. Cumpre observar que a formação do território dos EUA se completou de porções adquiridas à Espanha, França e Inglaterra. Após a consolidação territorial, os EUA começaram a trilhar seu caminho como potência americana, voltando sua política para o conjunto das Américas, no que ficou conhecido como “Doutrina Monroe”, em 1823. Essa doutrina determinava que a América deveria ser gerida pelos interesses americanos, sem a ingerência das antigas potências coloniais europeias. A geopolítica da América do Norte, assim, passa a observar os EUA assumindo, no decorrer do século XIX, o protagonismo político, com boas relações com o Canadá e com um México submetido pela força das armas e das indústrias estadunidenses. A América Central, majoritariamente herança do império espanhol, cai rapidamente também na órbita hegemônica dos EUA. A América do Sul, mais distante, permanece especialmente atrelada às potências coloniais por mais algum tempo, enquanto os EUA consolidam sua posição mais ao norte e a Inglaterra exerce seu comando sobre as áreas de influência adquiridas aos ibéricos como consequência da proteção oferecida a eles contra Napoleão. A formação sul-americana, por sua vez, observa ao longo do século XIX o surgimento de diversos Estados-nações oriundos dos impérios espanhol e português, diferentemente de como ocorreu com as grandes potências. Esse panorama político da formação latino-americana, ainda que breve, elucida o pano de fundo dos processos de integração na região: ● A afinidade entre as elites contribuiu para elevar o subdesenvolvimento regional, pois pactuaram por políticas voltadas a seus próprios interesses (privados), em detrimento do interesse público (nacional). ● A dificuldade em promover o desenvolvimento é uma herança da formação social colonial a partir da carência de um projeto nacional. ● A fraqueza relativa dos Estados latino-americanos é um legado dessas circunstâncias, que não engendraram nações coesas socialmente e materialmente capazes de definirem e buscarem seus interesses. ● A hegemonia das grandes potências formatou condições externas constrangedoras ao desenvolvimento nacional latino-americano, uma vez que estavam articuladas aos interesses das elites locais já desinteressadas de qualquer projeto soberano. OEA: origens, princípios e atribuições A OEA surgiu em 1948, em meio ao grande impulso internacional pela formação e pelo fortalecimento das organizações mundiais, destinada a promover a integração especial entre as nações latino-americanas. Seu aparato institucional se formou sobre as estruturas anteriormente concebidas pela Conferência Internacional Americana, realizada entre 1889 e 1890, em Washington, EUA, quando foi aprovada a fundação e uma união internacional das repúblicas americanas. A dinâmica da integração no continente americano está relacionada ao legado colonial e à ascensão hegemônica dos EUA, orientada pela Doutrina Monroe (“América para os americanos”), diante da decadência das grandes potências europeias, desgastadas por intensos conflitos entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, com destaque para as guerras mundiais (1914-1945) das quais os EUA emergiriam como a liderança do hemisfério ocidental. Na primeira metade do século XX, no contexto interamericano, o Brasil assumia importância particular. Como isso era possível? Em 1938, um ano antes da guerra, a nomeação de Oswaldo Aranha para o cargo de ministro das Relações Exteriores foi um forte sinal de Vargas no sentido de uma aliança definitiva com os EUA. Aranha fora embaixador em Washington antes, e era notório por suas afinidades com os norte-americanos. Os rumos para a Aliança Brasil-EUA estavam se firmando, e conduziriam à progressiva influência norte-americana na sociedade e esferas políticas brasileiras, muito intensificadas depois pelo contexto da Guerra Fria. Assim, os EUA consolidaram a sua hegemonia sobre as Américas durante as décadas de 1930 e 1940. Em 1942, durante a Conferência do Panamá, em que ficou acertada a declaração de guerra continental aos países do Eixo, estavam dadas as bases para um processo de integração a partir da definição de uma base comum de valores: a liberdade econômica e a democracia. Surgimentoe principais atribuições da OEA A OEA pode ser considerada um grande fruto dessas articulações que elevaram os EUA à posição hegemônica hemisférica. Ela funciona como uma das instituições mais ligadas ao conjunto de valores norte-americanos que consubstanciam e legitimam o exercício de seu poder internacional, e tem o objetivo de promover a paz, a segurança, a democracia e o desenvolvimento no âmbito regional. Nas primeiras décadas do século XX, constituiu-se um sistema de integração americano com diversos tratados. Nesse período, foram adotados acordos diversos para o estabelecimento de princípios que mais tarde integrariam a Carta da Organização dos Estados Americanos : 1923: Quinta Conferência Internacional Americana. As nações americanas adotaram o Tratado de Gondra, ou Tratado para Evitar ou Prevenir Conflitos entre Estados Americanos. 1933: Sétima Conferência Internacional Americana em Montevidéu. Adotou-se a convenção sobre Direitos e Deveres dos Estados, reafirmando o princípio segundo o qual os entes soberanos signatários são juridicamente iguais e possuem os mesmos direitos e capacidade igual para exercê-los. Esse sistema resultou na União Pan-Americana e em instituições facilitadoras da cooperação regional: Organização Pan-Americana da Saúde (1902), Instituto Interamericano da Criança (1927), Comissão Interamericana de Mulheres (1928), Instituto Pan-Americano de Geografia e História (1928), entre outros. Em 1948, na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, adotou-se a Carta da Organização dos Estados Americanos, o Tratado Americano sobre Soluções Pacíficas, o “Pacto de Bogotá”, o Acordo Econômico de Bogotá e a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem. A função básica desses acordos era garantir a solução pacífica de controvérsias por conciliação. Além disso, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem sublinhava o compromisso regional com a proteção internacional dos Direitos Humanos. A Carta da OEA, que está inserida na Organização das Nações Unidas e destina-se à participação em atividades voltadas para a paz e a segurança da região, sofreu algumas modificações com o tempo. A partir da década de 1990, quando a defesa da democracia de livre-mercado se tornou um princípio categórico das relações internacionais, diversas cúpulas entre os chefes de Estado e de governo americanos têm ocorrido a fim de intensificar a determinação de planejamentos e ações efetivas para aumentar a integração e o desenvolvimento regionais. As funções da OEA podem ser resumidas em: ● Garantia da paz e segurança no continente. ● Solução pacífica de controvérsias e problemas políticos, econômicos e jurídicos. ● Promoção e consolidação da democracia representativa. ● Promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural por meio de iniciativas de cooperação. ● Combate à pobreza, considerada um obstáculo ao desenvolvimento dos povos e da democracia. ● Diminuição dos armamentos convencionais para aumento de recursos destinados aos problemas sociais do continente. (M2) Organizações americanas de alcance regional Organizações regionais de cooperação para o comércio A cooperação comercial é a razão principal por trás das organizações regionais pelo mundo. O continente americano não foge a essa regra e há diversas delas nele. Abordaremos as mais relevantes para a política e a economia regional. Mercosul O Mercosul nasceu do Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991 pelos presidentes do Paraguai, André Rodrigues, do Uruguai, Luís Alberto Lacalle Herrera, da Argentina, Carlos Sul Menem, e do Brasil, Fernando Collor de Mello. Ficou decidido, por meio desse acordo, a criação do mercado comum até o final do ano de 1994. O novo mercado comum abrangia uma área de 11 milhões de quilômetros quadrados, mais da metade de toda a América do Sul (algo em torno de 70%), abarcando 64% da população e 60% do PIB da região. O Mercosul configura, assim, um “mercado comum”, não sendo, portanto, uma forma de integração mais avançada. Seu acordo prevê livre circulação de bens, serviços e fatores de produção. E estabelece a intenção de firmar, no futuro próximo, uma política comercial comum em relação a outros países. Além disso, o tratado prevê a adoção de políticas coordenadas na área fiscal, monetária e cambial, de comércio exterior e de capital, visando garantir condições iguais de competição entre os membros integrados, mediante a adoção de políticas macroeconômicas coordenadas e uma tarifa externa comum para ser aplicada a países de fora. Para o Brasil, o Mercosul tem sido importante como atestam os números do comércio. No entanto, a integração tem falhado em seu objetivo maior, que visava a uma expansão sobre outros países do continente, como aqueles da Comunidade Andina. Uma vez estabelecida uma integração regional de maior amplitude, surgiriam as condições para um diálogo mais equilibrado com as grandes potências, sobretudo os EUA e sua proposição para a Área de Livre-Comércio das Américas (Alca). Comunidade Andina (CAN) Esse acordo de integração surgiu a partir de uma dissidência da Alalc, Associação Latino-Americana de Livre-Comércio, que, como vimos, não obteve sucesso na década de 1960. Em 1969, um grupo de países da região andina, por meio do Acordo de Cartagena (também conhecido como Pacto Andino), formou um bloco para integrar suas economias, composto por Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Durante a década de 1970, o grupo contou com a inclusão da Venezuela e teve uma baixa, o Chile, em 1973, que olhava mais para parceiros do mundo desenvolvido. As metas firmadas em Cartagena, que deram vida à CAN, incluíam a liberação comercial, a coordenação política para o desenvolvimento industrial dos membros, tratamento especial e coordenado para as multinacionais, criação de financiamentos de pesquisa em ciência, tecnologia e educação, a criação de uma tarifa externa comum, coordenação das políticas econômicas e investimentos em infraestrutura. Contudo, a ampliação dos mercados não gerou os investimentos na produção esperados, e os investimentos externos também foram tímidos. Como é típico da realidade local, o poder público tem limitações para planejamentos de longo prazo e a tendência a conceber empréstimos para resolver problemas que produzem elevados custos políticos a partir de tensionamentos sociais. A integração, assim como os respectivos Estados-membros, também sofrem com esses problemas, pois o bloco deixa de explorar suas possibilidades com a abertura do mercado para uma economia de escala. Foram décadas de reuniões para promover as metas concebidas na carta inicial. Acompanhe a seguir: ● ATÉ A DÉCADA DE 1990 : Poucas metas estavam sendo alcançadas. ● 1991: Venezuela, Colômbia, Bolívia e Equador criaram a Zona de Livre-Comércio (ZLC), adotando taxas comuns para a circulação de suas mercadorias, porém mantendo suas taxas individuais para países de fora do bloco. ● 1995 : Foi criada a União Aduaneira Andina, com uma tarifa externa comum, o que, como vimos, indica um processo de integração mais profundo. ● 1997 : O Peru se incorpora à ZLC e foi decidida a criação do Mercado Comum, e no ano seguinte os membros aceitaram estabelecer planos para uma política externa comum. Apesar das dificuldades, um balanço rápido dos números aponta para as vantagens dessa integração. Segundo dados do Banco Mundial de 2004, a CAN possuía 117 milhões de habitantes. O território abarcado por ela é de 4.721.000 de quilômetros quadrados e o PIB regional ultrapassava os 250 milhões de dólares. A renda per capita estava acima dos 2.000 dólares. Mercado Comum Centro-Americano (MCCA) A América Latina enfrenta problemas de desenvolvimento a partir de seu legado colonial, pois sua formação condicionou suas nações ao papel de complementação da economia dos países mais ricos (suas antigas metrópoles e seus parceiros), além daquele de comprar os gêneros industriais provenientes do mundo industrializado.