Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Organ�açõe� Política� Internacionai�
Teoria Das Organizações Internacionais
(M1) Origens das organizações internacionais
Os estudiosos das Relações Internacionais datam o sistema estatal contemporâneo
como um processo iniciado em 1648, quando o Tratado de Westfália encerrou a Guerra dos
Trinta Anos. Embora a maioria dos artigos do tratado cite a alocação dos despojos de guerra,
outras disposições revelaram-se pioneiras.
Os artigos 64, 65 e 67 do referido tratado, por exemplo, estabeleceram vários
princípios-chave de um novo sistema de Estado: a soberania territorial; o direito do Estado
de escolher sua religião; e a proibição da interferência de autoridades supranacionais,
como a Igreja Católica ou o Sacro Império Romano. O tratado marcou o fim do governo das
autoridades religiosas na Europa e o surgimento de Estados seculares.
Segundo Jean Bodin, ela é entendida como “a marca distintiva de que o soberano não
pode, de forma alguma, estar sujeito aos comandos de outro, pois é ele quem faz a lei
para o sujeito, revoga a lei já feita e altera a lei obsoleta” (1992, p. 25). O filósofo
também reforça que a soberania pode ser limitada pela lei divina ou pela lei natural, assim
como pelo tipo de regime ou até mesmo por promessas ao povo.
Inovações iniciais em governança e as organizações internacionais
No século XIX, o processo de organização internacional foi estimulado por uma
série de tendências importantes. A derrota de Napoleão em 1815 pôs fim às convulsões que
se seguiram à Revolução Francesa e ao esforço para criar um império na Europa. O surgimento
de cinco grandes potências europeias — Áustria-Hungria, Grã-Bretanha, França, Prússia e
Rússia — deu início a uma era de relativa paz que durou quase um século.
As interações de Estado para Estado tornaram-se mais frequentes e intensas,
enquanto a disseminação de ideias democráticas capacitava as pessoas a organizar grupos não
governamentais para atender às suas necessidades, como os direitos dos trabalhadores, e aos
interesses comerciais privados.
Em um livro pioneiro sobre organização internacional, Inis Claude (1919) descreve
três grandes inovações de governança que surgiram no século XIX: o Concerto da
Europa, os sindicatos públicos internacionais e as Conferências de Haia.
O Concerto da Europa, de 1815, foi um concerto das principais potências europeias
que tomaram decisões em todo o sistema por meio de negociação e consenso. A primeira
inovação foi que os membros concordaram em coordenar o comportamento com base em
certos direitos e responsabilidades e expectativas de reciprocidade difusa. Mesmo operando
como Estados e sociedades separadas, eles atuavam dentro de uma estrutura de regras e
consultas. O sistema de concertos envolvia a prática de reuniões multilaterais periódicas
entre as grandes potências europeias com o objetivo de resolver problemas e coordenar
ações.
A criação dos sindicatos públicos internacionais foi a segunda inovação organizacional
do século XIX. Essas agências foram inicialmente estabelecidas entre os Estados europeus
para lidar com os problemas decorrentes da Revolução Industrial, da expansão do
comércio, das comunicações e das inovações tecnológicas. Esses problemas funcionais
envolviam questões, como, por exemplo, padrões de saúde para viajantes, regras de transporte
marítimo no rio Reno, aumento do volume de correspondência e uso transfronteiriço do
recém-inventado telégrafo.
A União Internacional do Telégrafo (UIT) foi formada em 1865; a União Postal
Universal (UPU), em 1874. Elas facilitaram a comunicação, o transporte e, portanto, o
comércio. Com níveis crescentes de interdependência, os Estados europeus achavam
necessário cooperar voluntariamente para cumprir tarefas não políticas. Como a ITU e a UPU
estavam entre as primeiras OIs a serem estabelecidas, elas determinaram vários
precedentes.
A terceira inovação de governança no século XIX foi o conceito de conferências amplas
nas quais todos os Estados foram convidados a participar da solução de problemas, o chamado
Sistema de Haia. Em 1899 e 1907, o czar Nicolau II da Rússia convocou duas conferências
em Haia (Holanda), envolvendo Estados europeus e não europeus, para pensar proativamente
sobre quais técnicas os Estados deveriam ter disponíveis para prevenir a guerra e em que
condições a arbitragem, a negociação e o recurso legal seriam apropriados.
As Conferências de Haia também produziram várias inovações importantes de
procedimento. Foi a primeira vez que os participantes incluíram Estados pequenos e não
europeus - e todos com voz igual. O que havia sido, em grande parte, um sistema de Estados
europeu até o fim do século XIX tornou-se um verdadeiramente internacional no início do
século XX. Pela primeira vez, os participantes utilizaram técnicas, como, por exemplo, eleição
de presidentes, comitês organizadores e votação nominal, elementos que se tornaram
características permanentes das organizações do século XX. As Conferências de Haia também
promoveram as novas ideias de interesses comuns da humanidade e a codificação do direito
internacional.
Experiência da Liga das Nações e construção das organizações internacionais
modernas
Resultado das Conferências de Paz em Paris em 1919, a Liga das Nações moldou a
comunidade de OIs de uma nova maneira. Agora, pela primeira vez, uma organização
governamental internacional tentava influenciar substancialmente as relações
internacionais em seu sentido mais amplo. A nova Liga se tornou um centro de atração para
outras organizações, as quais, por conta disso, abriram suas sedes em Genebra, na Suíça.
A Liga das Nações, em primeiro lugar, refletiu o ambiente em que foi concebida: o
imediato pós-Primeira Guerra. Dois princípios básicos podem ser reforçados para se
compreender essas movimentações: os Estados-membros concordaram tanto em respeitar e
preservar o território, a integridade e a independência política das outras nações quanto em
empregar distintos métodos de solução de controvérsias.
Embora a ausência dos Estados Unidos na filiação à Liga tenha se mostrado uma
fraqueza crítica, foi a relutância de outras potências importantes, principalmente a
Grã-Bretanha e a França, que se mostrou essencial para o fim da organização. As duas
potências foram lenientes nas respostas à agressão aberta do Japão, da Itália e da
Alemanha, por exemplo. Também se pode argumentar que a própria ideia de segurança
coletiva era impraticável e excessivamente idealista em um mundo de Estados soberanos.
O próprio pacto continha uma série de lacunas. Assim, entre 1935 e 1939, muitos
membros se retiraram. Dessa forma, a Liga foi inoperante durante os seis anos da
Segunda Guerra Mundial, de 1939 a 1945. Seus membros foram convocados uma última
vez, em abril de 1946, para encerrar a organização e transferir seus ativos para as novas
Nações Unidas.
Desse modo, no início da Segunda Guerra Mundial, muitas pessoas reconheceram a
necessidade de começar a planejar uma nova organização, embora o escopo fosse muito maior
que o da Liga. Esse planejamento começou logo depois que os Estados Unidos entraram na
guerra em 1941 e se baseou nas lições da Liga ao estabelecer as bases para a instituição
sucessora: as Nações Unidas.
Os conselhos em algumas OIs não operam com base no princípio de “um Estado, um
voto”, mas têm disposições para votação ponderada ou qualificada, como é o caso do poder de
veto dos membros permanentes do conselho de segurança.
Nem todas as entidades de membros plenos (denominadas “assembleia”, “assembleia
geral” ou “conferência”) são iguais. Embora muitas sejam compostas por representantes de
todos os Estados-membros, algumas funcionam como uma entidade no nível de encontros e
cúpulas. Entre as organizações regionais, apenas a Organização dos Estados Americanos têm
uma assembleia geral modelada nas assembleias da Liga e da ONU.
(M2) Organizações internacionais: cenários e perspectivas
● Os Estados criam OIs (Organismos Internacionais) paraO MCCA nasceu, assim, em 1960, em meio ao contexto de conflitos na região da
América Central. Sua criação foi parte de iniciativas voltadas para tentar aumentar os índices
de cooperação e paz locais, a partir do Tratado de Manágua, que foi o marco inicial para os
trabalhos, seguido pelo Tratado de Integração Centro-Americana, em 1961, que, no decorrer
dos anos, deram vida ao bloco, que contava com Honduras, Guatemala, Nicarágua e El
Salvador. A Costa Rica entrou em 1962.
Todo esse arcabouço tinha metas com prazos que eram otimistas considerando as realidades
da região. Não obstante, os resultados atingidos foram capazes de produzir alguns resultados
na melhoria das trocas comerciais, ainda que por pouco tempo.
● Comércio saltou de 8, na década de 1950, para 30 milhões de dólares na década de
1960.
● Depois, obteve outros saltos estatísticos chegando a 286 milhões na década de 1970.
● Em 1960, o comércio intrarregional era 6% do total da área com o mundo, e saltou para
23% em 1970.
● A participação do setor industrial no PIB saltou de 13% para 17,5% e o PIB total da
região cresceu 7% durante o período.
A região carece da estabilidade necessária à integração, pois os conflitos bélicos e
Estados imersos em problemas socioeconômicos geram desconfiança e impedem a liberdade
econômica e de trânsito de fatores de produção, uma vez que muitos atores tendem a seguir
agindo por sua própria conta por terem muitas divergências políticas e ideológicas entre si.
A infraestrutura local é muito precária por conta de todos esses problemas, e a
integração não foi capaz de promover estratégias de investimento que canalizassem os ganhos
com o aumento da riqueza, oriunda da ampliação do comércio, para obras e melhorias na
infraestrutura
O balanço ao final da década de 1980 apontava um decréscimo do comércio, que caíra
de 1.2 bilhão de dólares para 538 milhões. Somente o fim da Guerra Fria traria alguma
estabilidade e chegada de investimentos à região. Em 1985, o bloco assinou um tratado com a
Comunidade Europeia (hoje União Europeia), que visa ao aumento dos investimentos na região,
a fim de promover o desenvolvimento. Foi o primeiro passo para rumos melhores.
Em 1992, já em meio ao pós-Guerra Fria e à chamada “Iniciativa para as Américas”
lançada pelo presidente dos EUA George Bush, Honduras, El Salvador, Nicarágua e Panamá
assinaram o Protocolo de Tegucigalpa, que retomará o impulso pela integração, que passa a
contar também com a Guatemala e a Costa Rica pouco depois.
Caricom
Essa zona de integração compreende os países do Caribe e foi criada em 4 de julho de
1973 pelo Tratado de Chaguaramas, que só entraria em vigor em 2002. A Caricom é
integrada por Anguila, Antígua e Barbuda, Bahamas, Barbados, Belize, Bermudas,
Dominica, Granada, Guiana, Haiti, Ilhas Caimã, Ilhas Turcas, Ilhas Virgens Britânicas,
Jamaica, Montserrat, St. Kitts e Nevis, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinos,
Suriname e Trinidad e Tobago.
O Tratado de Chaguaramas segue o fio das integrações já vistas: abertura comercial,
desenvolvimento regional, políticas exteriores em comum, melhoria do nível de vida dos povos
locais, expansão do comércio com outros países, elevar os níveis de competitividade das
economias caribenhas para enfrentar as nações fora da região, aumento dos investimentos em
infraestrutura, e a busca conjunta por benefícios para a região nos fóruns internacionais,
função primordial de qualquer bloco de integração de nações em desenvolvimento em um
mundo marcado por imensas assimetrias de poder.
A área total do bloco é de 500 mil km², com aproximadamente 15 milhões de
habitantes. As exportações totais ultrapassam os 17 bilhões de dólares, a maioria para fora
do bloco, pois o comércio intrarregional ainda é fraco. O turismo é a principal fonte de renda
da região como um todo, o que não constitui elemento de exportação, e, nesse ponto, as
economias locais competem.
Nafta
O Acordo de Livre-Comércio da América do Norte é um acordo entre EUA, Canadá e
México assinado em 1990 pelos respectivos países, e entrou em vigor em 1994. O objetivo
seria a implementação paulatina de uma zona de livre-comércio entre os três países, com a
abolição total das tarifas aduaneiras entre eles.
Desde o início, a integração suscitou desafios e preocupações. Integrar duas economias
fortes com uma menor requer políticas cuidadosas para evitar possíveis desequilíbrios. O
objetivo do processo é a melhoria dos resultados comerciais absolutos para todos, gerando
mais riqueza e melhorias sociais.
A seguir, veja como foi o processo de integração de Canadá e México:
● Canadá : Muito antes do Nafta, o Canadá era o principal parceiro comercial dos EUA.
Em 1990, o comércio entre os dois girava em torno de 176 bilhões de dólares; em 1992
foi a 189 bilhões. O total de produtos estadunidenses exportados para o Canadá
significava nada menos que 20% das exportações totais dos EUA. O Canadá, por sua
vez, exportava 100 bilhões de dólares para seu vizinho, o que representava já 19% de
toda importação dos EUA. Para se ter uma ideia, a exportação do Canadá para os EUA
representava 75% do total exportado para o mundo, e mais de 60% das importações
advinham também dos EUA.
● México : No caso do México, a situação era oposta. Com aspectos sociais e culturais
diferentes dos EUA, as duas nações têm poucas afinidades além da proximidade
territorial, e possuem, como vimos, um histórico complicado, conflituoso. Ainda assim, a
proximidade fez o caminho: o México, também pouco antes do acordo ser assinado, era
o terceiro parceiro mais importante dos Estados Unidos, com exportações em torno de
80 bilhões/ano. Assim como o Canadá, o México dependia intensamente da relação com
o vizinho do norte: 75% das exportações e 70% das importações eram com os EUA.
Fora isso, o mercado do turismo era ocupado por 85% de americanos, com uma taxa de
investimento externo de 60% provenientes dos EUA. Os EUA vendiam para o México
principalmente produtos eletrônicos, carros e equipamentos, enquanto os mexicanos
exportavam petróleo e derivados, alimentos e também carros e algum maquinário, em
menor escala.
Quando da assinatura do acordo, criou-se um mercado de 370 milhões de pessoas (1994), com
um PIB de quase 8 trilhões de dólares. “O Canadá e o México juntos eram, na verdade, cerca
de 15% da economia dos Estados Unidos”. Hoje, segundo dados do Banco Mundial, o PIB gira
em torno de 10/11 trilhões de dólares, com uma população de 420 milhões de pessoas.
Os três países deveriam manter constantes diálogos para corrigir eventuais problemas
e melhorar a transparência, e seria concedido o direito a certas salvaguardas, sendo a mais
importante delas o direito à suspensão de redução de uma tarifa sobre algum bem estratégico
cujo aumento da importação ameaçasse a indústria nacional.
No balanço geral, a integração aumentou a produção e circulação de riqueza entre os
três países. Entre os mexicanos, porém, observou-se a insistência dos mesmos problemas
sociais anteriores ao acordo. Alguns deles até se agravaram, como o crime organizado e a
prostituição na região da fronteira. Mais um exemplo que nos leva a concluir que a geração de
riqueza não basta para promover a prosperidade: é preciso meios e políticas públicas para
orientar a sua distribuição, algo que ainda passa muito pela soberania dos Estados, que, por
sua vez, está sujeita aos interesses dominantes em cada um deles.
Alca
Nessa busca de maior unidade regional, o governo brasileiro, em 1993, sugere a criação
da Área de Livre-Comércio Sul-Americana, ALCA. Com os problemas apresentados pelo
Mercosul em seus primórdios, o governo brasileiro se viu incentivado a buscar o quanto antes
um processo de integração ampliado a todo o continente sul-americano. Dessa forma, os EUA
representariam quase 80% da Alca. Segundo Menezes e Pena Filho “essa disparidade assusta,
e alguns falam em anexação, e não em integração, ou seja, temem que a economia maior acabe
engolindoas menores.”
A ideia brasileira para a Alcsa naufragou rapidamente, e foi logo após que, em Miami,
em 1994, 34 países do continente se encontraram para a criação da Alca (Cuba sempre esteve
fora, sob alegação de que era antagonista dos valores liberais e democráticos).
A globalização se tornara um imperativo do sistema internacional, inegociável, e as
economias mais vulneráveis precisavam pensar em estratégias para evitar o isolamento e
aproveitar a integração, que cada vez mais desponta, em um mundo marcado por desigualdades
estruturais, como um bom meio para o desenvolvimento do comércio e, por meio dele, do
aumento da riqueza para as nações mais pobres (e a questão permanecerá sendo a da
distribuição).
Algumas dificuldades atrapalharam a Alca, sendo a principal delas, no campo das
negociações comerciais, a questão dos subsídios agrícolas norte-americanos, que os EUA
sistematicamente legaram para a esfera de negociações da OMC, o que significava, na prática,
uma procrastinação. O Mercosul desejava uma maior abertura comercial do setor agrícola dos
EUA e estes queriam mais abertura nos setores de serviços, compras governamentais e
propriedade intelectual.
Não obstante o receio em integrar uma zona de livre-comércio com uma nação tão mais
rica e poderosa, os países latino-americanos temem o isolamento caso seus vizinhos alcancem
acordos bilaterais ou sub-regionais com os EUA. Dessa competição podem surgir esforços
regionais cada vez mais integrados que possam ajudar a cuidar dos problemas que assolam o
continente. Isso depende de um amplo consenso em torno da integração regional, que ainda
está em construção por aqui.
Unasul
A União das Nações Sul-Americanas constitui um bloco formado pelos 12 países da
América do Sul (a única exceção é a Guiana Francesa) destinado à integração econômica,
social, cultural e política entre seus membros.
A Unasul constitui um modelo de integração mais profundo que os dois citados já no
continente sul-americano. Ela se aproxima mais, pois, do modelo europeu ao visar uma área de
integração não apenas de livre-comércio, mas também cultural, política e social. A ideia é
aprofundar as relações entre as nações em todos os aspectos: políticos, econômicos, sociais,
ambientais, científicos e tecnológicos e culturais entre países que somam quase 400 milhões
de habitantes.
Apesar da ampla adesão espontânea, com o agravamento das crises políticas e
econômicas na região, os trabalhos da organização foram pouco priorizados, levando ao
abandono por alguns membros, como Colômbia e Equador, respectivamente em 2018 e 2019.
Nesse ano, foi criada, por oito países, outra iniciativa semelhante, o Fórum para o Progresso e
Desenvolvimento da América do Sul, ou PROSUL, que contou com a migração praticamente
imediata também de Brasil, Argentina, Chile e Paraguai.
Atualmente, as iniciativas de integração regional na América do Sul enfrentam diversos
problemas decorrentes das crises internas a diversos países, ainda agravadas pela pandemia
do coronavírus.
(M3) Organizações regionais não americanas
Principais organizações regionais pelo mundo
Desde 1945, a ordem internacional se conformou estrategicamente a partir do
equilíbrio nuclear. Sobre ele, as nações se organizaram em torno de seus respectivos centros
de gravidade – EUA e URSS –, o que nem sempre era uma escolha, e investiram em outros
aspectos do poder nacional, todas elas protegidas por uma das superpotências. O
desenvolvimento das zonas de integração esteve, pois, inserido nessa lógica, e foi facilitado
por processos de “terceirização” da segurança, o que atenuou em muito tensões bilaterais
sempre agravadas por históricas corridas armamentistas.
É nesse contexto que surge a União Europeia, com relativa desmilitarização entre os
Estados europeus a partir das garantias de segurança da superpotência norte-americana.
A análise desses processos precisa levar em consideração os movimentos de fundo, que
correspondem ao núcleo duro do sistema, ainda carente de um poder centralizado que produza
alguma forma de ordem sólida e duradoura. Tal condição do ambiente internacional sugere,
assim, os processos de integração como a melhor saída para promover harmonia entre as
nações, mesmo com a manutenção dos arsenais.
Ásia
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, o continente asiático tem passado por
tentativas de integração. A guerra deixou, assim como na Europa, bastante destruição e,
somado a ela, o processo de descolonização que emergiu levou a duros conflitos por toda a
segunda metade do século XX.
Todavia, com a revolução comunista na China, os EUA voltaram seus olhares para o
Japão. O papel de contendor na Ásia estava aberto pela lacuna deixada pela China, e deveria
ser preenchido pelos japoneses. Entretanto, estes jamais aceitaram passivamente o papel de
“peões” da estratégia americana na Ásia-Pacífico, e tentaram, durante todo esse tempo,
conservar sua soberania.
O Japão pouco ou nada participa de esforços militares internacionais, o que contraria
os EUA. Na guerra do Golfo, por exemplo, o país enviou apenas um navio médico. Isso faz
parte de uma política japonesa para evitar de se tornar a “Inglaterra” do Pacífico, em alusão à
aliança quase sempre incondicional dos ingleses com os americanos.
O crescimento da China tem significado uma ameaça para o Japão e as demais nações
da região, pois ninguém pode determinar com precisão quais serão as consequências dessa
alteração do equilíbrio de poder local com a substituição gradativa da hegemonia dos EUA pela
chinesa. Índia e Rússia também elevam, progressivamente, suas esferas de influência na
região, e as três têm participado, inclusive, de diversas iniciativas de cooperação em defesa
integradas, uma delas o Brics.
Quanto ao contexto geopolítico e econômico da Ásia, podemos destacar resumidamente:
● Contexto geopolítico: A Ásia, para muitos, se assemelha, hoje, à Europa de 1914.
Nesse sentido, discute-se onde chegará a China. É necessário pontuar que os tempos
são diferentes e os custos de um rompimento da ordem internacional seriam muito mais
elevados à China do que foram à Alemanha. No entanto, o ambiente internacional tem
por característica fundamental a volatilidade e imprevisibilidade. E é justamente para
lidar melhor com isso que instituições e processos de integração são pensados e
implementados.
● Contexto econômico: A região cresceu imensamente nas últimas décadas, muito em
parte devido ao astronômico crescimento chinês. Assim como o continente americano, a
Ásia não tem ainda as condições para um arranjo de cooperação continental. Pontua-se,
portanto, que a região é bastante heterogênea, com parcerias diversas, sub-regionais.
Segundo dados da OMC, atualmente (2021), há 186 acordos comerciais regionais
operando na Ásia, que respondem por mais de 50% do total do comércio global.
Asean
A Associação das Nações do Sudeste Asiático foi o primeiro bloco de integração
asiático, criado em 1967, e é composta, atualmente, por Brunei, Camboja, Cingapura,
Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã.
Embora acordada em 1967 na Declaração de Bangkok (firmada por cinco países, originalmente,
Filipinas, Cingapura, Malásia, Indonésia e Tailândia), o primeiro encontro só aconteceu em
1976, quando assinou-se o Tratado de Amizade e Cooperação que definiu os princípios e metas
a serem alcançados pela integração. São eles:
● O respeito mútuo pela soberania e identidade nacional dos Estados-membros; o direito
de cada Estado em conduzir seus negócios livres da interferência externa.
● A não interferência nos assuntos internos um do outro.
● A renúncia ao uso da força.
● A efetiva cooperação entre si.
● A aceleração do crescimento econômico, do progresso social e do desenvolvimento
cultural.
● Prover assistência mútua para educação, estudos sobre a região e administração.
● Promover mais colaboração mútua para expansão das atividades comerciais.
● Manter cooperação ativa com outrasorganizações regionais ou globais.
Nota-se que a maioria desses princípios se resumem, àquela altura, à preocupação com
a soberania e a paz, o que é sintomático de uma região envolvida pela insegurança. Uma das
razões desse estágio ainda “primitivo” para uma integração na região naquele momento é o
relativo abandono pela política das instituições internacionais ocidentais. Enquanto a Europa
contou, desde o princípio, com grande aproximação e ajuda dos EUA para mediar as
instituições, tomando a ONU como grande berçário, nada remotamente semelhante se passou
na Ásia, onde foram privilegiadas estratégias de relações bilaterais, incapazes de promover a
mesma estabilidade em escala regional.
Outra razão é a dificuldade da região para a estabilidade de regimes democráticos e,
portanto, mais capazes de instituir mecanismos de transparência para a efetividade de
relações de cooperação. A região sofre com os legados do sistema colonial e das guerras de
libertação, que deixaram muitas deficiências na infraestrutura e mazelas sociais diversas e
profundas, o que torna a política local carente da estabilidade necessária a um processo de
integração mais afirmativo.
Dessa forma, a intenção era uma rede de assistência mútua para a resolução dos
problemas comuns entre os países da região, notadamente aqueles relacionados ao
subdesenvolvimento herdado da posição da Ásia durante séculos do sistema colonial, seguido
por guerras intensas de descolonização.
Apec
Outro bloco que se destaca no cenário asiático e global é a Cooperação Econômica para
a Região da Ásia-Pacífico, Apec, criada em 1989. Trata-se do maior bloco regional do mundo,
que cobre 2.5 bilhão de pessoas distribuídas por diversos Estados com grande
heterogeneidade política, econômica e cultural (como a Asean) ao longo da Ásia e América, e é
responsável por 46% de todo o volume de exportações mundiais. O bloco é composto por
Austrália, Brunei, Canadá, Chile, China, Indonésia, Japão, Coreia do Sul, Malásia,
México, Nova Zelândia, Papua Nova Guiné, Peru, Filipinas, Rússia, Cingapura, Tailândia,
Vietnã e Estados Unidos, além de Taiwan (Formosa) e Hong Kong.
Além disso, a região engloba também outra grande potência: os EUA. Os interesses
norte-americanos na região são antigos, datando do século XIX. Lembremos que foi uma
expedição dos EUA, liderada pelo Comodoro Perry, em 1853, que abriu os portos do Japão,
forçando a abertura comercial do país. Desde então, os EUA se tornaram a principal potência
do Pacífico, tendo, inclusive, travado uma guerra total contra o Japão pela hegemonia local,
durante a Segunda Guerra Mundial.
Dessa forma, a expansão de algumas economias locais, impulsionadas por elevados
investimentos em educação, ciência e tecnologia, como os “tigres” (Hong Kong, Singapura,
Taiwan e Coreia do Sul), o Japão e a China, atraiu a atenção dos EUA, que se sentiam
ameaçados pela crescente capacidade competitiva desses países nos mercados locais. Para
além disso, as tensões políticas e militares, potencialmente agravadas por diferenças
ideológicas e religiosas, levaram à intensa militarização da região desde a Guerra Fria. Essa
corrida armamentista, dotada também de armamentos nucleares, tornou imperativo que se
buscasse mais formas de aumentar a integração e cooperação entre a região.
A expansão chinesa pelas águas do Mar do Sul da China tem se chocado com interesses
de outros países locais, sobretudo o Japão, gerando crescentes tensões também com os EUA.
Segundo o conceito de “uni-multipolaridade” de Huntington, já aludido, a hegemonia
norte-americana vem sofrendo diversas perdas de espaço pelo mundo, inclusive na
Ásia-Pacífico, à medida que a China se projeta.
África
O continente africano, à semelhança de outros que passaram pelo processo colonial, apresenta
diversos e profundos problemas socioeconômicos, de infraestrutura e de segurança humana,
em muitos países em níveis críticos, culminando em Estados falidos ou à beira da falência e
guerras civis que se alastram por décadas, como o conflito do Congo. Segundo o Relatório da
Organização das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Humano de 1998, pouco após o fim da
Guerra Fria, os quinze piores países foram todos da África. Segundo dados do IDH, entre os
primeiros 120 colocados, apenas 8 são países da África, e o primeiro deles está ranqueado na
posição 61 (Maurício). Entre os 70 piores, porém, os países africanos sobram: 46, inclusive os
últimos dez.
Ecowas ou Cedeao
A Comunidade dos Estados da África Ocidental foi criada em 1975, pelo Tratado de
Lagos, com representantes de 15 Estados da África Ocidental, com a ausência de Cabo Verde,
integrado um ano depois, quando entrou em funcionamento o acordo. A comunidade integrava,
na prática, quatro projetos interacionistas anteriores:
● Projeto liberiano, que preparou a Organização Interina para a Cooperação Econômica
da África Ocidental.
● Conferência para a Coordenação Industrial e pela Organização para a Agricultura e
Alimentação.
● Conferência de Niamey, no Niger, patrocinada pela ECA-ONU, que visava à ampliação
da atuação da Comunidade Econômica da África do Oeste (CEAO), organização atuante
nos ex-territórios franceses.
● Iniciativa patrocinada pela Nigéria e pelo Togo, que finalmente levou à Ecowas, em
1975.
Com a criação dessa organização, os países da África Ocidental iniciaram um amplo
projeto de cooperação. Os objetivos são os mesmos de outros projetos, como promover a
cooperação e integração econômica na política industrial, agrícola, energética, em
comunicações e transportes, recursos naturais, comércio, assuntos financeiros e questões
sociais e culturais.
De sua estrutura administrativa, cumpre sublinhar o Conselho dos Chefes de Estado e
de Governo, o Fundo para a Cooperação, Compensação e Desenvolvimento e a Secretaria
Executiva, que regulamentam e administram as iniciativas do grupo, resolvendo eventuais
conflitos dentro do espírito da cooperação que a integração encarna. Após alcançar alguns
resultados iniciais, o grupo traçou como meta a criação de uma União Econômica e Monetária,
ainda em fase de planejamento.
A partir dos anos 1990, a organização teve novos impulsos dentro do processo da
globalização. Entretanto, os impactos desse cenário de intensa abertura comercial não foram
bons para os países do bloco, incapazes, como vimos também em outras regiões periféricas, de
competir com a agressividade dos mercados mais ricos. Em função disso, em 1993, as nações
do bloco assinaram um novo tratado de revisão, para adaptarem-se às novas circunstâncias.
Como já vimos, a atuação em bloco bem planejada pode ser a única forma para compensar as
imensas assimetrias de poder entre as nações ricas e as periféricas. No caso das nações
africanas, essas assimetrias atingem o desnível mais acentuado.
Com tudo isso, o bloco vem produzindo alguns resultados, apesar de ser ainda muito
pouco competitivo em termos globais. A título de ilustração, o PIB do Mercosul é dez vezes
maior que o da Ecowas. Em perspectiva ampla, no entanto, a organização ainda não alcançou
resultados que sejam capazes de solucionar os principais problemas de desenvolvimento da
região, ainda que alguns resultados possam ser notados.
SADC
A Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (do inglês Southern Africa
Development Community) foi criada em 1992. A iniciativa está intimamente ligada aos
problemas geopolíticos gerados pela situação vivida pela África do Sul, que por toda segunda
metade do século XX foi governada pelo regime do apartheid. Essa situação fez da história da
África Austral um drama particular nas relações internacionais, marcada por intensa
instabilidade política com guerras que continuaram após as independências de nações da
região, como Angola e Moçambique. O regime da África do Sul foi responsável por financiar
regimes de minoria branca pela região, ocasionando guerras que só encontrariam o fim com a
desmobilização do dito regime, ao final da Guerra Fria.A africa do Sul, governado à época por descendentes de holandeses, financiou conflitos
em Angola, Moçambique e Zimbábue para frear o processo de tomada do poder na região por
governos africanos, que decorria dos processos de descolonização. O regime do apartheid foi
ficando gradualmente isolado pela comunidade internacional e ao nível local, cercado por
regimes não apenas agora liderados por africanos nativos, mas também alinhados ao bloco
soviético.
Para tentar reverter a situação, o governo sul-africano atuou para desestabilizar os
governos desses países por meio do financiamento de grupos como o RENAMO, em
Moçambique, e o UNITA, em Angola. Nesse último país, inclusive, chegou a haver envolvimento
direto de forças da SADF (forças armadas sul-africanas), durante os anos 1970 e 1980.
Somente após a queda do apartheid, foi possível a inclusão da África do Sul no
processo de integração, governada por Nelson Mandela. Ainda assim, os Estados que integram
a recém-criada SADC lidam com desconfianças em relação ao Estado sul-africano, em função
do desnível de desenvolvimento e poder militar, que só se compara ao de Angola na região.
Isso levou a políticas, por parte da África do Sul, voltadas para inspirar maior
confiança em seus vizinhos, como a desnuclearização de seus arsenais, único caso conhecido de
país que se “desnuclearizou”.
Sinalizando os novos tempos, o primeiro memorando da SADC tinha como princípios
fundamentais:
● Soberania e igualdade entre os Estados-membros.
● Solidariedade, paz e segurança.
● Direitos humanos, democracia e observância da lei.
● Equidade, equilíbrio e benefício.
Como se pode perceber, os princípios norteadores da SADC primam mais pela
cooperação do que pela criação de um mercado comum ou uma união aduaneira, como no caso
da Ecowas. Isso sugere um bom grau de realismo por parte das nações do bloco, conscientes
dos imensos problemas para produzir a integração almejada. Os países da África Austral
possuem realidades socioeconômicas bastante diferentes, com destaque para a desigualdade,
já citada, entre a África do Sul e os demais, herança de imensos investimentos ocidentais
durante a segunda metade do século XX, antes da progressiva condenação internacional que
impôs sanções ao país. Enquanto o PIB da África do Sul bate os 127 bilhões de dólares, o PIB
total dos países do SADC, incluindo a própria África do Sul, chega a 176 bilhões.
OrganizaçõesMundiais
(M1) Organização Mundial do Comércio (OMC)
O ambiente internacional e os Estados
A necessidade de organizações internacionais parte das condições imanentes do
sistema internacional. As relações internacionais se dão em um ambiente originalmente
desregulado, sujeito ao caos e ao imponderável gerados pelos diversos interesses em conflito,
ou seja: inóspito à paz.
Concebidas nessa perspectiva, as nações seriam entes de uma comunidade
internacional, reflexo da emergência dos povos nas relações internacionais, que marcou
profundamente o século XIX como um dos reflexos principais da Revolução Francesa. Como
toda comunidade, a internacional também seria gerida por interesses mútuos e laços de
solidariedade, ou seja, acima do sentimento nacional estaria a Humanidade, unida em todos
os povos e nações.
O período dos anos 1920 e 1930 foi marcado por antagonismos políticos profundos
herdados da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). A ordem internacional estabelecida pelo
Tratado de Versalhes (1919) excluiu a Alemanha e a recém-constituída União Soviética pelo
isolamento diplomático apelidado por Winston Churchill de cordão sanitário. Mal respaldada
diplomaticamente, a primeira organização da sociedade das nações foi incapaz de dissuadir
comportamentos agressivos que cresciam com a ascensão dos regimes nazifascistas (Itália,
Alemanha e Japão).
Foi somente após a tragédia humana sem precedentes da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945) que os líderes das grandes potências vencedoras (EUA, União Soviética,
Inglaterra, França e China), em acordo com as demais nações, conseguiram realizar a fundação
das Nações Unidas (ONU), responsável em demarcar uma clivagem sensível nas relações
internacionais, que passariam a estar sujeitas também a princípios universais e regras para
administrar a cooperação, a competição e o conflito entre os Estados.
Segundo a leitura da escola realista da teoria das Relações Internacionais (RI), os
Estados estão mergulhados em uma “anarquia sistêmica”, que seria semelhante ao “estado de
natureza” hobbesiano. Assim, da mesma forma que, naquele estado, o “homem é lobo do
homem”, na arena internacional os Estados são propensos a “devorar” uns aos outros.
Um sistema de Estados mais pacífico seria, nessa perspectiva, de interesse de todos,
pois a paz é precondição para o progresso e prosperidade entre os povos. Na perspectiva da
escola realista das RI, contudo, as condições do cenário internacional, descentralizado,
compõem constrangimentos inexpugnáveis que somente podem ser administrados pelas
capacidades relativas entre os Estados.
Breve panorama histórico do comércio internacional
O comércio internacional é tão antigo quanto a existência das civilizações. Desde
tempos remotos, antigas civilizações, organizadas em impérios e cidades-estados na
Antiguidade, mantiveram relações comerciais, e foi sobretudo dessas relações que surgiram
rotas que permitiram a expansão das atividades humanas pelo planeta, como a Rota da Seda
chinesa, dentre outras inúmeras que podem ser consideradas o estágio embrionário do
processo de globalização.
Foi a expansão da capacidade administrativa e tributária dos primeiros Estados que
demandou crescente organização nas relações diplomáticas e comerciais. À medida que os
Estados se desenvolviam, guerras se tornavam comuns em meio à busca por espaços e áreas de
influência que marcaram as primeiras fases do processo de desenvolvimento do Estado.
Vamos conhecer algumas dessas práticas aplicadas:
● Economia regrada : A riqueza era compreendida pelo pensamento econômico dessa
época – pré-Liberal – como limitada, o que fomentava intensa competição e disputas
violentas entre os entes estatais. As regras da economia eram ditadas totalmente por
eles, e até a colonização das terras fora da Europa era considerada um “negócio do
Rei”.
● Defesa de rotas comerciais : A defesa de rotas comerciais, segundo Kissinger (1997),
impulsionou a formação de exércitos e frotas militares cada vez maiores e
permanentes. Em primeiro momento, os incipientes Estados recorriam a mercenários
para defender seus interesses. Mas, com o devido tempo, o aumento da musculatura
tributária e administrativa, a partir da expansão das atividades comerciais, viabilizou o
desenvolvimento de forças militares profissionais permanentes, que se tornariam
exércitos nacionais até o século XIX. Um círculo virtuoso se formou entre o
desenvolvimento dos Estados, suas forças armadas e sua expansão comercial,
culminando nas expansões ultramarinas em busca de colônias.
● Poder militar e aumento das capacidades diplomáticas : As rotas transoceânicas e
os choques entre as potências imperialistas nas periferias do sistema (as áreas
coloniais) demandaram mais poder militar e aumento das capacidades diplomáticas a
fim de, cada vez mais, permitir a resolução das disputas segundo a fórmula diplomática
do período, o “equilíbrio de poder”, ou, na impossibilidade de qualquer resolução
pacífica, permitir a imposição dos interesses pela força.
Dessa forma, o desenvolvimento dos Estados Nacionais, dotados de grande poder
bélico e comercial, tornou imprescindível a criação de instrumentos políticos capazes de
amortizar os impactos da competição entre eles. A guerra, um instrumento usado sem
constrangimentos pela política mercantilista e absolutista, apesar de jamais descartada e,
mais do que isso, sempre considerada uma alternativa oportunista, tornou-se
progressivamente um problema a ser evitado na medida em que os adventos produzidos na
Revolução Industrialelevavam exponencialmente a carnificina dos campos de batalha, como
atestaria a Primeira Guerra Mundial (1914-1918).
As organizações mundiais são, assim, o fruto das reflexões e dos esforços políticos que
já acumulam mais de um século desde as primeiras iniciativas para regular atividades
econômicas no final do século XIX. Seria no século XX que as instituições floresceriam,
sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, que demandou imensos esforços políticos e
conjuntos entre as nações para recuperar os países vitimados pela catástrofe que varreu a
Europa e a Ásia por seis anos, tendo acometido também alguns outros territórios.
OMC: origem, princípios e atribuições gerais
Após a implementação dos valores do livre-mercado durante o século XIX, promovidos
sobretudo pelos britânicos, os Estados retomaram medidas protecionistas drásticas, o que
acabou por intensificar a competição em detrimento da cooperação.
Esse contexto trouxe algumas consequências:
● Impactos na economia mundial : Durante a década de 1930, em plena vigência da
crise iniciada com a quebra da bolsa de valores de Nova York em 1929, os EUA
adotaram uma série de medidas protecionistas a fim de mitigar os abalos da crise,
causando sérios impactos na economia mundial. A medida gerou uma reação em cadeia,
levando ao fechamento das economias e ao agravamento geral da condição econômica
internacional.
● Disputas comerciais : A década de 1930, segundo Hobsbawm (1995), foi marcada pela
escassa cooperação entre as nações, e predominaram as intensas disputas comerciais
que tiveram como consequência muita desvalorização cambial competitiva e o
fechamento de diversas fronteiras às importações.
Em função disso, após a Segunda Guerra Mundial, tornou-se consenso entre os líderes
políticos mundiais que alguma iniciativa coletiva deveria ser adotada para impedir algo
semelhante no futuro, ou seja: alguma forma de instituição regulatória que garanta
parâmetros seguros para as relações comerciais evitando o estado de anarquia que estimula
cada Estado à busca de seus ganhos de modo egoísta.
Os princípios da Carta tiveram impactos profundos não apenas para as atividades
econômicas, mas também na organização política entre as nações, pois prescreviam o livre
acesso às matérias-primas, liberdade de comércio e a melhoria das condições de trabalho e
progresso social, o que representou um golpe poderoso no até então hegemônico sistema
colonial, que seria superado no decorrer da segunda metade do século XX por meio de uma
série de lutas de libertação.
● 1944 : Ainda durante o fim da guerra, foi realizada a conferência de Bretton
Woods, uma entre várias iniciativas multilaterais (entre vários Estados) para
discutir e formatar a nova ordem posterior à guerra, tais como a criação do
Fundo Monetário Internacional e do Banco Mundial, que veremos mais à frente.
● 1947 : Nessa conferência, houve a sugestão para a criação de uma organização
internacional do comércio (OIC) que seria formada pela também emergente
Organização das Nações Unidas. Em 1947, na Conferência de Genebra, foi
finalmente criada a OIC e o sistema de regulação comercial multilateral
assinado por 23 países: o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT, de
General Agreement on Tariffs and Trade.
● 1986 à 1994 : O sistema GATT foi reforçado e aprimorado por um total de
oito “rodadas”, até que, durante a “rodada Uruguai” (iniciada em Punta del Este,
em 1986, e concluída em Marraquech, em 15 de abril de 1994), 123 países
acordaram sobre criação da Organização Mundial do Comércio, que passaria a
funcionar no ano seguinte.
Segundo Rodrigues (2014), as rodadas do GATT, por quatro décadas, concentraram-se
em questões tarifárias, primordialmente. A rodada Uruguai (1986-1994), porém, foi além, com
a adoção de medidas sanitárias e fitossanitárias para regular o controle de doenças de animais
e impactos nos produtos; código antidumping (abaixar demais os preços de um produto para
“quebrar” a concorrência) para combater a concorrência desleal; normas de propriedade
intelectual, como combate à pirataria de produtos autorais; regras sobre subsídios e medidas
aduaneiras.
Como consequência, o mundo vem observando a progressiva globalização das atividades
econômicas, o que decorre do ambiente de maior transparência e segurança promovido por
essas regulações e, principalmente, da diminuição das barreiras alfandegárias entre os
Estados, além da crescente velocidade das inovações tecnológicas – sobretudo no campo das
telecomunicações –, o que tem exigido mais mudanças na regulamentação do comércio
internacional.
Portanto, a Organização Mundial do Comércio (OMC), fundada em 1995, descende
dessa rodada – considerada a mais ambiciosa de todas – que ampliou o escopo de atuação para
políticas multilaterais sobre o controle do comércio entre os Estados, e pode ser definida
como um fórum multilateral responsável pelo estabelecimento e vigilância de normas para
regulamentar as atividades comerciais em escala internacional.
As atividades monitoradas pela OMC incluem, resumidamente:
● Comércio de bens e serviços.
● Questões referentes à propriedade intelectual.
● Problemas gerais relativos ao comércio e exame de políticas comerciais.
● Solução de problemas e controvérsias; comitês de comércio e desenvolvimento.
● Restrições por problemas orçamentários e na balança de pagamentos.
A OMC, segundo Hirst e Lima (2002), substituiu as rodadas GATT, mas não pertence à
ONU formalmente, embora trabalhe em estreita cooperação com as Nações Unidas e diversas
outras instituições.
Além das metas relacionadas à regulamentação, fiscalização e controle das atividades
comerciais, o objetivo geral da OMC é a institucionalização progressiva de uma arena
multilateral de comércio que possa configurar um ambiente mais seguro e próspero para, não
apenas a proveitosa relação comercial entre as nações, mas também para o desenvolvimento
mediante a inclusão progressiva de novos atores.
Dessa forma, o princípio fundamental dos acordos que orientam o sistema GATT-OMC é a “não
discriminação”, segundo duas regras principais:
● Cláusula de nação mais favorecida (discriminação qualificada) : Os membros estão
obrigados a conceder tratamento igual aos produtos de qualquer país (dessa forma, se
uma dada taxa for x para um determinado produto, esta deve ser a taxa aplicada a
qualquer membro, independentemente de afinidades ou animosidades políticas).
● Cláusula de tratamento nacional : Oferece boas oportunidades para os países com
menor poder de negociação, que se beneficiam prontamente das reduções tarifárias
negociadas de forma bilateral por grandes produtores e importadores, o que lhes
garante, também, proteção contra medidas protecionistas por parte dos países
desenvolvidos durante períodos de crise e desaceleração econômica.
Em suma, essas regras básicas buscam impedir a discriminação entre os países
fornecedores de dado produto e impedir que o produto importado sofra qualquer
discriminação em relação ao mercado nacional que ele adentra.
Custos da liberalização econômica
A quebra de barreiras para o comércio é a razão fundamental da agenda da OMC, bem
como das agendas de outros organismos internacionais voltados para o progresso e o
desenvolvimento. A Declaração de Doha (2001) estabelece a facilitação do comércio como
meta em direção à progressiva liberalização das relações internacionais simplificando ou
eliminando barreiras comerciais a fim de promover a liberação do trânsito de mercadorias,
maior transparência para a regulamentação do comércio, maior acesso aos mercados nos
países em desenvolvimento, transferência de tecnologias e assistência técnica.
Apesar das proclamadas vantagens na liberalização do comércio, há que se considerar
variáveis políticas e sociais complexas. A abertura dos mercados dos países menos
desenvolvidos produz consequências internas para essas nações que podem ser problemáticas,
afetando questões distributivas na sociedade.É fato reconhecido na literatura sobre o comércio internacional que a liberalização
comercial não acarreta somente vantagens, mas gera, também, danos. A experiência de
diversos países subdesenvolvidos, como os países latino-americanos, mostra que os custos da
exposição da economia menos desenvolvida à competição com produtos importados oriundos de
países desenvolvidos podem ser duros e imediatos, podendo até mesmo levar a um processo de
desindustrialização, enquanto os benefícios derivados da expansão do comércio precisam de
um prazo mais longo e de condições específicas para que tenham efeitos sobre a economia.
A OMC possui muitos membros com realidades socioeconômicas e comerciais distintas,
o que dificulta sobremaneira a obtenção de consenso em diversas questões.
(M2) Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)
Cooperação versus competição
Segundo a escola realista das RI, a competição seria a dinâmica fundamental do
sistema internacional. De acordo com Mearsheimer (2009), o próprio emprego do termo
“sistema” (que contrasta com “comunidade”, empregado pelos liberais, conforme veremos
adiante), traduz uma mecânica externa às intenções humanas: a relação entre os atores teria,
em si mesma, um protagonismo capaz de constrangê-los a determinadas ações em busca de sua
defesa e segurança.
A perspectiva liberal, por outro lado, pauta-se no ser humano como agente principal da
história, e esta seria fruto, construção, de nossas ações. Sendo assim, a realidade das
relações internacionais seria uma construção política e social produzida por pessoas na
qualidade de sujeitos históricos, o que significa que estaria sujeita, logo, a reparos ou à
própria desconstrução em direção a outras possibilidades e formas.
Enquanto o realismo contribui para manter os Estados vigilantes quanto às ameaças
inquestionáveis de um mundo ainda permeado por muitas armas e violência, inclusive o poder
nuclear, o liberalismo tem dado importantes contribuições na elaboração de organismos que,
ainda que não sejam capazes de eliminar a guerra, têm demonstrado capacidade de melhorar
substancialmente as relações entre os Estados.
Dessa perspectiva, nasceu a ideia de uma “sociedade internacional” que se opõe àquela
de “sistema”. Uma sociedade somente é possível se mediada por laços profundos de
solidariedade entre seus indivíduos, e, por muito tempo, diversos pensadores têm idealizado
este fim universal, isto é: um mundo unificado sob a premissa da Humanidade, acima dos
nacionalismos que, por vezes, demonstraram ser tão nocivos à segurança dos povos – vide as
duas guerras totais do século XX, dentre outros inúmeros conflitos ainda vigentes.
Esse panorama descreve uma realidade ainda bastante insegura e, portanto, distante da “Paz
perpétua” de Kant (1975). Não obstante, as instituições internacionais têm sido úteis para
mediar muitos desses conflitos, alcançando bons resultados em uns, e fracassando em outros.
Apresentaremos duas questões que servem como prova das limitações da comunidade
internacional e seus recursos institucionais.
● Conflito árabe-israelense, desde 1948 : Decorrente da criação do Estado de Israel e
as disputas locais.
● Genocídio de Ruanda (1994) : Conflitos desencadeados por líderes radicais hutus
contra minorias étnicas, principalmente, tutsi, com facções e incentivados por
lideranças políticas locais.
A competição entre os Estados pode depender primordialmente de suas capacidades de
poder. Essa capacidade, quando muita, pode resultar em um grau de independência como aquela
observada no caso dos EUA na invasão do Iraque em 2003, quando a superpotência atravessou
os vetos do Conselho de Segurança da ONU.
A estrutura do sistema ou da comunidade internacional, portanto, ainda mantém
contornos hobbesianos, ou seja, assemelha-se a um “estado de natureza”. A questão
permanente é (a famosa “pergunta de um milhão de dólares”): é possível superá-lo? É nisso que
se debatem as correntes teóricas das relações internacionais, basicamente divididas entre
realistas e liberais, conforme procuramos sucintamente demonstrar aqui. E a pergunta não
aparenta ter um horizonte próximo muito esclarecedor.
Dentre essas instituições, destacaremos, agora, a Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE).
OCDE: origens, princípios e atribuições
A OCDE constitui uma organização voltada para a promoção do desenvolvimento
econômico e do bem-estar entre seus países-membros. É princípio da organização a defesa de
regimes democráticos, bem como a garantia do livre-mercado. O ingresso nessa organização é
altamente desejável, pois confere aos seus membros altos índices de credibilidade na arena
internacional.
Essa organização pertence ao círculo das nações mais desenvolvidas, apelidado de
“clube dos ricos”, formado por países que somados compõem mais de 60% do PIB global. Sua
história começa ao final da Segunda Guerra, em meio à constituição das Nações Unidas,
quando foi criada a sua precursora, a OCEE, ou Organização para a Cooperação Econômica
Europeia, cujo objetivo naquela altura era a administração do Plano Marshall, a ajuda
financeira norte-americana para a reconstrução da Europa pós-guerra.
Após a dissolução da União Soviética, a OCDE passou a destinar esforços para a
liberalização dos países da Europa Central e Oriental, antigos membros da área de influência
soviética, resultando na expansão da organização ao incluir os países da região, assim como o
México e a Coreia do Sul, nos anos 1990.
Entretanto, o Brasil permanece até os dias de hoje como “membro em potencial”,
status que permite a realização de algumas parcerias voltadas para a educação e outras áreas.
A OCDE organiza-se em diversos comitês (cerca de 30) voltados para diversos
assuntos e a implementação de políticas públicas nos campos prioritários da educação,
sustentabilidade e bem-estar social.
A adoção dessa rede de proteção social visava conter os anseios mais radicais por
reformas sociais, inspiradas no modelo soviético. Com a queda do socialismo real, durante a
década de 1980, esse modelo de proteção social entrou em crise a partir da ascensão do
neoliberalismo com os governos Ronald Reagan (EUA) e Margaret Thatcher (Reino Unido). A
OCDE também adaptou suas funções à promoção de políticas neoliberais, agora menos atentas
à equidade social e outras políticas típicas do período do Welfare State.
A preocupação orientadora das políticas da OCDE desde então é : A manutenção do
crescimento econômico, fundamento do neoliberalismo e um regime que se baseia numa prática
extrativista em escala sem precedentes. A essas políticas de crescimento ininterrupto são
associados o progresso e bem-estar universal, que passam a ser concebidos como “pedaços de
um bolo” que pode crescer infinitamente. Uma das exigências da organização, e que muito se
assemelha àquelas do FMI e Banco Mundial, é a estabilidade econômica, que, por sua vez,
demanda estabilidade política.
Esse fio é a ideia de uma superioridade da cultura ocidental que serviu de justificativa
para os empreendimentos de conquista, passando por gregos, romanos, europeus modernos
com poderosos impérios, chegando até as grandes potências contemporâneas lideradas pelos
EUA, desde o fim da Segunda Guerra, com a mediação das organizações mundiais.
Entre os antigos gregos, havia a ideia de superioridade. Nesse contexto, vejamos
alguns acontecimentos em três locais distintos:
● Antiguidade : Foi Alexandre Magno, rei da Macedônia que, no século IV a.C., projetou a
Grécia para muito além de suas fronteiras. Alexandre unificou os gregos (feito inédito
até então) e protagonizou à frente deles uma expedição em direção à Ásia que deixou
como legado a conquista de diversos territórios no Oriente Médio. Alexandre unificou
os gregos (feito inédito até então) e protagonizou à frente deles uma expedição em
direção à Ásia, que deixou como legado a conquista de diversos territórios no Oriente
Médio. Depois, os romanoslevaram adiante um empreendimento civilizacional que
conquistou toda a Bacia do Mediterrâneo e boa parte da Europa, Norte da África e
Oriente Médio, entre os séculos III a.C e V d.C., o império mais longevo na história do
Ocidente.
● Modernidade : Na era moderna, as potências europeias ergueram, também, seus
impérios coloniais, a partir das expansões ultramarinas iniciadas no século XV, dentre
os quais se destaca o Império Britânico, que, durante o século XIX, chegou a dominar
todos os continentes com seu poderio naval e comercial, período conhecido como “Era
Vitoriana”. Foi parte fundamental desse processo a cristianização dos povos
conquistados, operada principalmente pela Companhia de Jesus. Os povos nativos
conquistados eram considerados condenados por estarem fora da civilização cristã,
ideia que serviu para sua violenta conquista, inclusive pela aculturação e escravização.
● Contemporaneidade : No século XX, após as duas guerras mundiais, os EUA
tornaram-se os herdeiros diretos desse legado ocidental de conquistas e dominação
sobre o mundo, em meio ao processo de globalização aprofundado com a descolonização
e a consolidação das instituições internacionais. Estas carregam em sua gênese o
legado dessa “tutela” ocidental sobre a Humanidade.
Trata-se da dicotomia “civilização versus barbárie”, tão antiga quanto a civilização
ocidental, que justificou todas as conquistas e massacres imperiais desde a Antiguidade
greco-romana até o sistema colonial moderno, chegando até as profundas desigualdades entre
os países no mundo em que vivemos, herdeiro das estruturas desse processo histórico.
Uma nova nomenclatura emerge do pós-Guerra Fria, “países desenvolvidos e em
desenvolvimento”, e carrega toda essa carga de uma história conduzida por uns sobre os
outros por meio da conquista e imposição de valores que moldaram o sistema internacional
segundo os padrões ocidentais.
Este se baseou por séculos no sistema colonial, com recurso pleno, inclusive, à mão de
obra escrava. Porém, o imperialismo não se esgota no colonialismo: com o fim do sistema
colonial, outros meios de garantir a defesa da posição das grandes potências têm sido usados,
inclusive instrumentalizando as organizações internacionais. Como demonstra Hayter (1974),
organizações como o FMI (Fundo Monetário Internacional) e o Banco Mundial têm se
destinado a esse fim, perpetuando a condição de dependência dos países “em
desenvolvimento”. Também a teoria da dependência tem sido enfática em demonstrar o
“subdesenvolvimento” como uma condição específica, e não uma “etapa” em transição ao
desenvolvimento. Essa condição carrega o ônus da colonização e configurou as nações
periféricas para “funções” determinadas na economia internacional, como a de fornecer
gêneros primários, não sendo uma prioridade aos interesses das potências a sua
industrialização.
(M3) Outras organizações
Primeira fase das organizações mundiais (1815-1946)
Como podemos deduzir do exposto até aqui, as organizações mundiais são o fruto de
reflexões e esforços políticos que já se acumulam há mais de um século desde as primeiras
iniciativas para regular atividades econômicas no final do século XIX.
O Brasil aderiu às duas organizações em 1877, sendo um dos primeiros países não
europeus a fazê-lo. D. Pedro II era grande entusiasta da ciência e tecnologia, o que pode ser
notado pela fundação do Museu Nacional, a primeira instituição científica do país, uma das
maiores do mundo (tristemente quase totalmente consumido pelas chamas da má gestão
pública em 2018). Para o estadista brasileiro, aderir às organizações internacionais significava
integrar o Brasil ao grande concerto das nações. Ainda na segunda metade do século XIX, com
os conflitos na Europa, surgiu a primeira organização internacional da sociedade civil, isto
é, sem a participação de Estados:
Cruz vermelha - CICV ( Comitê Internacional da Cruz Vermelha ) : Em meio aos
impactos humanitários das guerras de unificação na Itália. Foi o primeiro passo para o
desenvolvimento do Direito Internacional Humanitário, “um ramo essencial do Direito
Internacional que coloca limites legais aos Estados em tudo quanto seja relacionado às suas
obrigações durante a guerra”.
Cumpre destacar que, durante os primeiros estágios, as organizações internacionais
dependiam exclusivamente dos Estados e tinham pouca autonomia. A busca por maior
autonomia decisória precisa estar devidamente acompanhada de mecanismos capazes de
constranger os Estados, inclusive os mais poderosos, a respeitarem acordos e princípios
acordados, o que, até hoje, apesar de alguns avanços, permanece sendo um desafio até para as
mais sofisticadas organizações internacionais.
No século XX, outras instituições surgiram, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial,
o que demandou imensos esforços políticos e conjuntos entre as nações para recuperar os
países vitimados pela catástrofe.
A já mencionada Sociedade ou Liga das Nações foi fundada nos estertores da Primeira
Guerra Mundial, e herdeira do legado de conferências diplomáticas anteriores à guerra, mais
precisamente em Haia, Países Baixos, em 1899 e 1907, eventos fundamentais para os
primeiros passos de uma diplomacia multilateral – que envolve muitos Estados – que se
tornaria, no decorrer do século seguinte, o mecanismo precípuo das organizações mundiais.
A Liga atuou em diversos campos das relações entre os Estados, proporcionando uma
importante experiência de diplomacia parlamentar internacional, algo sem precedentes. Além
disso, foi dela que nasceram alguns dos mais caros princípios hoje vigentes nas relações
internacionais, tais como a proteção de minorias e refugiados.
Nações Unidas, FMI e Banco Mundial
A Organização das Nações Unidas foi fundada ao final da Segunda Guerra Mundial e
correspondia a um anseio antigo entre diplomatas e outros protagonistas das relações
internacionais. A destruição provocada pelas guerras mundiais, especialmente a segunda – com
uma estimativa em mais de 70 milhões de mortos –, elevou a urgência para a organização entre
as nações com o objetivo de enfrentar os problemas oriundos da guerra e viabilizar a
reconstrução das principais regiões afetadas, em diversos continentes.
Nações Unidas (ONU)
Além de auxiliar na reorganização do mundo do pós-guerra, a ONU pautou-seem
princípios que buscam a transformação das relações internacionais, herdeira direta daqueles
que deram corpo à Liga das Nações, sua antecessora.
O Brasil lutou na Segunda Guerra ao lado dos Aliados contra o nazifascismo, e foi,
portanto, signatário da Carta de São Francisco (1945), que deu origem à ONU, sendo membro
fundador da organização.
A ONU está organizada em diversos órgãos e secretarias, com destaque para duas
esferas de participação multilateral: a Assembleia Geral (AG) e o Conselho de Segurança (CS).
Esquematicamente, temos:
● Assembleia Geral : Composta por representantes de todos os países-membros.
Discute os temas relacionados com a segurança e o bem-estar humano, e tem um
presidente eleito anualmente.
● Secretariado : Administração da organização, dirigido pelo secretário-geral, a
principal autoridade nominal da ONU, responsável pela negociação com os diplomatas
representantes dos Estados-membros.
● Corte Internacional de Justiça : Responsável por estabelecer princípios de direito
aceitos por todos os países e atua na resolução de contenciosos legais.
● Conselho Econômico e Social : Responsável por zelar pelo bem-estar dos povos, atua
por meio de comissões diversas, como a Comissão de Direitos Humanos. Além disso,
coordena algumas agências, como a Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (Unesco), a Organização das Nações Unidas para Alimentação e
Agricultura (FAO), a Organização Mundial da Saúde (OMS), a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e o Fundo Monetário Internacional (FMI).
● Conselho de Segurança : Composto de 15 membros, cinco permanentes (os vencedores
da Segunda Guerra) e10 rotativos, eleitos pela Assembleia Geral para mandatos de
dois anos. É o topo da hierarquia do sistema ONU, responsável pelas deliberações
envolvendo intervenções militares, bloqueios e sanções. É o instrumento de Hard Power
da ONU, isto é, o emprego de coerção e força militar.
A Assembleia Geral (AG) representa toda a comunidade internacional, enquanto o
segundo é integrado pelas potências vencedoras da Segunda Guerra (EUA, Rússia, Inglaterra,
França e China). A Assembleia Geral possui um caráter decisório mais limitado, e se ocupa de
questões gerais referentes às dimensões sociais e políticas das relações entre os Estados. Na
AG são debatidos temas cruciais, como a autodeterminação dos povos, princípio que reconhece
o direito dos povos à liberdade.
O Conselho de Segurança (CS), por outro lado, representa o mais próximo de um
centro de tomada de decisões internacional. Funciona, segundo Rodrigues (2014), como uma
espécie de “clube das grandes potências” e é definido por diplomatas e especialistas diversos
como um centro de “congelamento de poder”. Por ele passam as decisões mais importantes
referentes à deliberação de intervenções militares e resolução de conflitos.
Uma das atribuições mais sensíveis do CS é a determinação de intervenções militares
humanitárias promovidas com tropas cedidas pelos Estados-membros, os “capacetes azuis”.
Tais intervenções possuem diversos status jurídicos, sendo mais comum a intervenção de
peacekeeping, ou seja, intervenções em auxílio a processos de paz.
O Conselho Econômico e Social (Ecosoc) aborda questões referentes ao
desenvolvimento econômico e social, incluindo problemas de gênero, raciais, sustentabilidade e
drogas. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), sediada em Santiago
(Chile), assumiu o planejamento e a implementação de estratégias de desenvolvimento entre as
décadas de 1950-1960, e gestou a Teoria da Dependência, marcada por autores como
Theotônio dos Santos, Fernando Henrique Cardoso e Celso Furtado (um dos fundadores da
CEPAL).
FMI e Banco Mundial
Destacaremos o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, ambos frutos
do chamado “Sistema Bretton Woods” e integrantes da estrutura ONU.
De acordo com Rodrigues, são organizações especializadas e centralizadoras, pois são
controladas pelas grandes potências do eixo atlântico: EUA & EUROPA
Os países pobres, ou “em desenvolvimento”, não participam delas, no entanto, são
compelidos por suas decisões, tendo que aceitá-las, “embora a crise econômica de 2008 tenha
criado uma oportunidade de reforma capitaneada pelos países emergentes, como o Brasil.”
O FMI atua na regulação financeira internacional aplicando mecanismos de avaliação
das contas públicas dos países, podendo ser invasivos e violadores da soberania de nações
particularmente vulneráveis econômica e politicamente. Quando pedem dinheiro ao FMI, as
condições do empréstimo estão sujeitas a uma série de medidas a serem adotadas pelo
devedor, inclusive no campo político, normalmente vinculadas aos interesses das grandes
potências, as gestoras dessa instituição que alterna exclusivamente europeus na sua
presidência.
O Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) é parte integrante
de um grupo de organizações internacionais financeiras que, juntas, compõem o Banco
Mundial. Sua tarefa, segundo Rodrigues (2014), é financiar e assistir tecnicamente países
menos desenvolvidos. Da mesma forma que o FMI, o Bird pratica ingerência nas políticas
econômicas e sociais nacionais, tendo também atribuições nas áreas de infraestrutura,
desenvolvimento urbano, meio ambiente, políticas educacionais, dentre outras.
Tribunal Penal Internacional e Tratado de Não Proliferação Nuclear
Essas duas organizações marcam passos mais firmes no sentido de uma ordem
internacional capaz de exercer poder sobre as soberanias nacionais. No caso do TPI (Tribunal
Penal Internacional), temos uma corte de justiça internacional dotada de poderes para
condenar líderes e organizações por crimes contra a humanidade. No caso do TNP (Tratado de
Não Proliferação Nuclear), observamos uma tentativa de contenção da expansão dos arsenais
nucleares, dotada do recurso a sanções e outras reprimendas contra os eventuais infratores.
O TPI
As origens do TPI remontam aos tribunais de arbitragem do século XIX, que resolviam
disputas entre os Estados, como o Tribunal de Arbitragem de Haia, criado em 1899.
A ideia de um tribunal permanente ganhou força no Tratado de Versalhes (1919), que,
como vimos, criou a Sociedade ou Liga das Nações, e também instituiu o primeiro tribunal
internacional, a Corte Permanente de Justiça Internacional (CPJI), com sede em Haia.
Ressaltamos outros acontecimentos importantes ! Após a criação da CIJ, de escopo
mais limitado aos Estados signatários e algumas organizações, foi somente após os genocídios
da década de 1990, em Ruanda e na Bósnia, que foi criado o TPI, que até hoje já julgou e
condenou diversos autores de genocídios, sobretudo no continente africano e nos Bálcãs, por
crimes de guerra e contra a Humanidade.
O Estatuto de Roma, de 1998, passou a vigorar em 2002, e o TPI iniciou suas
atividades sediado em Haia, com a assinatura de 60 países, dentre eles, o Brasil.
Ao contrário dos tribunais nacionais, o internacional somente tem poder sobre Estados
que aceitem sua jurisdição, o que limita em muito os poderes da Corte.
O TNP
O TNP foi criado em 1968, e visa limitar a chamada “proliferação nuclear horizontal”,
isto é, a disseminação da tecnologia das armas nucleares entre as nações, não sendo voltado
para a limitação dos arsenais das potências já dotadas de poder nuclear naquele momento.
Concluímos que, seja como for, é notório que as grandes potências não abrem mão de
seus arsenais, e o compromisso pela desnuclearização não pode se limitar a um tratado que
legitima o poder nuclear a uns e criminaliza a outros.
Dessa forma, o poder nuclear, desde o seu aparecimento, tem sido empregado
primordialmente como instrumento de dissuasão (com exceção das duas bombas lançadas
sobre o Japão ao fim da Segunda Guerra Mundial), e, segundo muitos autores como Paret
(2003) e Mearsheimer (2009), seria o principal responsável pela paz entre as grandes
potências desde 1945.
Nesse cenário, o TNP, apesar de sua clara aspiração à manutenção do poder nuclear
das grandes potências, cumpriria a função de controlar a disseminação das armas nucleares
por Estados fracos ou falidos, e, portanto, sujeitos à autoridade de grupos terroristas ou
criminosos, algo que implica enormes riscos para a comunidade internacional.
Organizações Não Governamentais de Alcance Transnacional
(M1) Relevância da atuação dos atores na sociedade internacional contemporânea
Atuação internacional das ONGs
As Organizações Não Governamentais (ONGs) estão entre os agentes mais
proeminentes da realidade internacional contemporânea. Dada sua importância,
apresentaremos aqui uma reflexão crítica sobre a atuação internacional das ONGs, apontando
suas diferentes características, espaços de ação e capacidade de influenciar diversas frentes
da Sociedade Internacional.
Em geral, entende-se que as ONGs detêm considerável poder normativo, por exemplo,
promovendo a proteção dos direitos humanos em todo o mundo e ajudando a concretizar
acordos internacionais, incluindo o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares e a
Convenção sobre Munições Cluster.
Algumas ONGs – como a Fundação Bill e Melinda Gates, que tem mais de 50 bilhões de
dólares de ativos – também exercem considerável poder econômico, e até dois terços dos
fundos de ajuda de emergência são canalizados por ONGs.
A importância das ONGs na política mundial tem sido reconhecida em um crescente
corpo de pesquisas em Relações Internacionais, particularmente desde o fim da Guerra Fria.
No século XXI, as perspectivas críticas tornaram-se também presentes, destacando os
déficits na eficácia das ONGs, e com olhar para sua responsabilidadee sua legitimidade.
No discurso contemporâneo, em consonância como o uso feito pelas Nações Unidas, é
cada vez mais comum considerar as ONGs como instituições sem fins lucrativos, não estatais,
sejam elas de grande ou pequeno porte, e independentemente de seu campo de trabalho.
A prática das Nações Unidas também tem se aberto cada vez mais a considerar como
ONGs associações de status consultivo organizadas exclusivamente em uma base nacional.
Enquanto alguns são mais orientados para a prestação de serviços, outros se
concentram mais na defesa de direitos.
Definir ONGs acaba sendo um problema-chave para determinar o que são e o que elas
fazem. Neste material, adotamos a definição de ONGs da ONU: “Qualquer organização
internacional que não seja estabelecida por acordo intergovernamental, ou seja, entre
Estados, será considerada uma ONG”.
Influência e interações transnacionais das ONGs
De acordo com a maioria das definições, as ONGs não são apenas não governamentais,
mas também não violentas. Visto que os Estados são vistos como detentores do monopólio do
uso legítimo da violência no sistema internacional, as ONGs contam com outras formas de
poder para alcançar seus objetivos.
Embora algumas organizações – especialmente fundações como a Fundação Bill e
Melinda Gates e algumas organizações de desenvolvimento como a World Vision – tenham
recursos econômicos consideráveis, a maioria das ONGs depende especialmente do poder de
persuasão de suas ideias e da credibilidade de seus conhecimentos.
Há uma literatura crescente sobre as maneiras pelas quais as ONGs exercem o que
Carr (1939) chamou de “poder sobre a opinião” na política mundial. Um aspecto importante
disso, como Olesen (2011, p. 3) enfatiza, é o “poder comunicativo – ou de enquadramento”,
valendo-se do rico acervo de estudos de movimentos sociais sobre esse tópico.
Outro elemento importante de atuação diz respeito à "política simbólica", por meio de
denúncias e políticas de responsabilização, expondo falhas de atores internacionais em
garantir que suas práticas correspondam a seus compromissos. Um exemplo são os relatórios
ambientais do Greenpeace que, muitas vezes, influenciam a política de determinados Estados
nesse tema.
Grande parte da literatura das Relações Internacionais sobre as ONGs concentra-se
em seu papel como "grupos de pressão", por conta da capacidade de influenciar os
procedimentos intergovernamentais e persuadir os governos a mudar seu comportamento.
Cada vez mais, as ONGs estão sendo reconhecidas por suas ações como atores políticos
por direito próprio, estabelecendo padrões transnacionais, prestando serviços
tradicionalmente realizados por governos e influenciando diretamente o comportamento dos
indivíduos.
No entanto, as ONGs também podem servir como canais para a projeção do poder de
outros atores, tanto governamentais quanto corporativos, e podem ser vulneráveis à cooptação
quando participam de projetos conjuntos com outros atores.
Embora grande parte da literatura tenha se concentrado na influência reformista das
ONGs na definição, no monitoramento e na aplicação de padrões, os impactos internacionais
mais amplos das ONGs podem incluir uma vasta gama de repercussões.
De acordo com Willetts (2011, 144), as ONGs não apenas reformularam os debates
sobre questões internacionais, participaram da formulação de políticas globais e influenciaram
a implementação de políticas globais; mas também, nas últimas décadas, “foram os principais
atores na transformação da natureza de política global de um sistema centrado no Estado
para um sistema ‘multicêntrico’ ”.
Influência das ONGs no cenário internacional
Durante a maior parte do século XX, o que hoje chamamos de ONGs foram geralmente
identificadas com caridade e ajuda humanitária. Essa imagem é legatária de grupos
missionários cristãos realizando ações em regiões do Sul Global. Mas o que começou como
funções missionárias, seguido por uma função de ajuda em emergências, assumiu novas formas
e direções desde os anos 1970.
Ao longo do Primeira Guerra Mundial, surgiu a percepção das entidades não
governamentais. A recém-fundada Liga das Sociedades da Cruz Vermelha usou a
descrição de “não governamental” para explicar seus estatutos:
Embora seja esperado que a Liga das Sociedades da Cruz Vermelha estabeleça relações
íntimas com a Liga das Nações, deve ser entendido claramente que a primeira, sendo
puramente organização voluntária, apolítica, não sectária, não governamental, não tem
estatutária conexão com qualquer Liga das Nações ou com o governo (DAVIES, 2012, p. 423).
Atualmente, as ONGs atuam em campos mais diversos, como meio ambiente, assistência
oficial ao desenvolvimento e, às vezes, como espaços de críticas e vigilância do Direito
Internacional.
Independentemente de como são vistas, elas aumentaram o debate sobre o
desenvolvimento e se tornaram uma parte importante da interação do Norte com o Sul.
Práticas das ONGs
Para explicar esse processo nesta subseção, iremos abordar três práticas das ONGs:
ajuda humanitária, ações sociais e econômicas e atuação política.
Até a década de 1970, as ONGs desempenhavam um papel ativo em situações de
emergência. As organizações da Europa e da América do Norte têm raízes em organizações
missionárias cristãs que datam, em alguns casos, do século XVI.
Durante o período colonial, as organizações missionárias combinaram o trabalho
religioso com a educação, o alívio da fome e a introdução da medicina ocidental nas sociedades
indígenas em todo o mundo. Com uma redação um pouco diferente, essa fórmula ainda pode ser
encontrada entre as organizações de assistência privada hoje.
A criação da Cruz Vermelha, em 1860, materializa esses pontos, agora com uma
dimensão não religiosa: várias das ONGs mais conhecidas atualmente surgiram em períodos de
guerra, como Save the Children, fundada em 1920 durante os deslocamentos que se seguiram
à Primeira Guerra Mundial, e a Oxfam e a CARE, após a Segunda Guerra Mundial.
Cada vez mais, essas instituições estão explorando as áreas de desenvolvimento,
considerando maneiras pelas quais as comunidades atingidas por desastres ou conflitos podem
ser reabilitadas no longo prazo.
Nesse sentido, as ONGs passaram a atuar em esforços para apoiar o desenvolvimento
econômico e social nos países do Sul Global, passando a se preocupar com as questões de longo
prazo da pobreza e da desigualdade econômica. Numerosas ONGs, tanto do Norte como do
Sul, fornecem serviços nesse sentido: por exemplo, os programas de desenvolvimento da CARE
incluem uma variedade de projetos agrícolas, como construção de sistemas de irrigação,
estabelecimento de cooperativas de agricultores e combate ao desmatamento.
Da mesma forma, a Catholic Relief Services (CRS) oferece empréstimos para pequenas
empresas, constrói projetos de água e promove novas tecnologias agrícolas, além de exercer
seu trabalho de assistência.
Discutindo o papel ativo das ONGs na Palestina, Allam Jarrar relata: “Acredita-se que
a participação do setor das ONGs na prestação de serviços cobre mais de 60% de todos os
serviços de saúde, 80% de todos os serviços de reabilitação e quase 100% de toda a Educação
pré-escolar”.
No âmbito do combate ao tráfico de pessoas, por exemplo, as ONGs são creditadas
como um grande impulso. De acordo com o Departamento de Estado dos EUA, entre 600 mil e
800 mil pessoas, principalmente mulheres, são comercializadas anualmente através das
fronteiras internacionais.
A Vital Voices Global Partnership é uma das principais ONGs internacionais que se
engaja diretamente em atividades de defesa de direitos para promover fortes leis
antitráfico.
Essas organizações envolvem-se em várias estratégias e atividades, incluindo a
publicação de um boletim eletrônico que não só fornece informações atualizadas, mas também
se envolve em debates e discussões sobre as melhores práticas para lidar com o tráfico de
pessoas em todo o mundo.
A tentativa de influenciar Estadosnas mais diversas áreas também é uma atividade
política bastante relacionada com ONGs contemporâneas. A proteção ambiental representa
uma área importante na qual as ONGs são muito ativas.
Embora a maioria dos grupos ambientais permaneça centrada em atividades baseadas
em projetos específicos e enfoque os níveis local ou regional, muitas ONGs tentam exercer
influência na política global. São não só agências grandes e conhecidas, como Greenpeace,
World Wildlife Fund (WWF) e União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN),
mas também diversos grupos ambientais de base.
Mais um caso do efeito bumerangue aconteceu no Brasil. ONGs locais fizeram, por
anos, pressão para que o governo criasse normas mais robustas para enfrentar a violência
doméstica contra mulheres. O Brasil é um dos países com o maior número de casos registrados
no mundo e, apesar disso, não tinha um sistema para lidar com tais desafios.
Após décadas sem sucesso, ONGs resolveram processar o governo brasileiro nos
órgãos jurídicos da Organização dos Estados Americanos (OEA), argumentando que o país não
cumpria acordos firmados com a instituição. Após anos de pressão e negociação, o governo
brasileiro resolveu adotar práticas para lidar com a questão da violência doméstica,
culminando na Lei nº 11.340, a chamada “Lei Maria da Penha”, promulgada em 2006.
(M2) Mecanismos característicos das Organizações Não Governamentais (ONGs) de
alcance transnacional
Abordagens para estudo das relações internacionais
As abordagens tradicionais para o estudo das relações internacionais são notórias por
terem adotado perspectivas amplamente centradas no Estado. Como observado por Lake
(2018), as abordagens neorrealistas e liberais são especialmente vulneráveis a tal crítica, ao
ignorarem a atuação de outros atores.
Abordagens como essas mantêm o Estado como a unidade central de análise nas
relações internacionais, com as ONGs influentes na medida em que os Estados mudam seu
comportamento em resposta a elas.
Uma abordagem mais radical para entender o papel das ONGs na política mundial é
abandonar o Estado como a principal unidade de análise e reconsiderar as relações
internacionais em termos de relações que ignoram completamente a dinâmica estatal.
Estrutura e legitimidade na prestação de serviços transnacionais
Além de provocar mudanças políticas por meio da defesa de direitos através do
Advocacy, como abordamos, as ONGs também desafiam uma compreensão centrada no Estado
da política mundial por meio da prestação de serviços que, de outra forma, poderiam ser
realizados pelos governos. Isso inclui não apenas seu papel bem conhecido na ajuda
humanitária e assistência ao desenvolvimento, mas também na prestação de serviços mais
amplos de saúde, bem-estar e outros serviços públicos.
Governos têm fornecido assistência humanitária internacional a outros Estados desde,
pelo menos, o terremoto de 1755 em Lisboa. O papel da caridade religiosa na assistência
humanitária transnacional, por outro lado, tem uma história muito mais longa, e, nos últimos
três séculos, uma vasta gama de ONGs humanitárias transnacionais seculares também
forneceu essa assistência.
No que diz respeito à assistência ao desenvolvimento mais ampla, os orçamentos de
ajuda a algumas ONGs atualmente excedem os de alguns dos países mais ricos do mundo: o
orçamento da World Vision, por exemplo, é maior do que o do Brasil e da Argentina juntos.
Soma-se a esses aspectos o fato de as ONGs substituírem os Estados em relação a
uma ampla gama de serviços educacionais e de bem-estar para suas populações. O
International Planned Parenthood Federation (IPPF), por exemplo, forneceu diretamente
145,1 milhões de atendimentos de saúde sexual e reprodutiva em todo o mundo em 2016,
superando aqueles fornecidos pelos governos em muitos países.
As ONGs também desempenham funções de prestação de serviços transnacionais em
conjunto com outros atores internacionais, incluindo corporações multinacionais com fins
lucrativos. Não raro há realização de projetos conjuntos com empresas transnacionais. Essa é
uma ação particularmente comum em projetos de conservação, com exemplos incluindo o
lançamento, em 2010, de um projeto conjunto entre a Fauna & Flora International e a BHP
Billiton para a conservação de orangotangos na Indonésia.
ONGs também podem atuar com o fornecimento de padrões e certificações globais. Em
alguns casos, as ONGs desenvolvem padrões que os governos são obrigados a cumprir para
obter os privilégios oferecidos pelas ONGs: federações esportivas globais, como a FIFA e o
Comitê Olímpico Internacional, por exemplo, definem padrões que os governos devem
respeitar se eles podem hospedar eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos,
respectivamente.
Em comparação com corporações ou Estados, as ONGs internacionais têm menos meios
coercitivos, normalmente obtendo autoridade ao convencer vários públicos de que agem de
forma adequada, promovem o interesse do público e são guiadas por princípios morais.
Mas, com o tempo, uma estrutura de ação mais filantrópica levou a maioria das ONGs a
adotar uma visão de longo prazo e afirmar a solução das causas básicas dos males sociais.
A Anistia Internacional (AI), por exemplo, mudou, na década de 1990, de uma ênfase
na escrita de cartas para prisioneiros de consciências individuais para uma abordagem de
campanha mais abrangente para erradicar tortura, desaparecimentos e outras violações
dentro do seu mandato em expansão. Mais tarde, a Anistia abraçou direitos econômicos,
sociais e culturais que expandiram ainda mais seu repertório estratégico.
Explicando a variação no desenho institucional das ONGs
Até agora, discutimos um número expressivo de atuações e estratégias das ONGs para
atuar internacionalmente. A pergunta subsequente seria: por que razão tais instituições
adotam determinadas práticas, deixando outras de lado? Em outras palavras, por que o design
dessas instituições é cambiável?
Muitas sugestões foram oferecidas, incluindo a crescente complexidade da
globalização ou o declínio da capacidade dos governos de resolver novos problemas globais; ou
as mudanças nas normas globais, destacando um imperativo moral do envolvimento da
sociedade civil.
Geralmente, entretanto, as explicações gerais não foram tão úteis para explicar a
variação entre as instituições quanto poderiam ser para ilustrar uma tendência geral de
aumento da participação das ONGs.
Dentro dessa lógica, William E. DeMars e Dennis Dijkzeul (2019) argumentam que a
melhor maneira de se compreender a forma de atuação das ONGs – seu design institucional –
se dá por uma combinação de práticas racionalistas e construtivistas.
Dinâmica racionalista
A primeira, uma dinâmica racionalista, parte do princípio de que as ONGs são
entendidas como entidades racionais que desejam maximizar sua chance de sobrevivência.
Para fazer isso, as organizações precisam garantir financiamento público ou privado de
pessoas ou Estados: se as ONGs têm apoio contínuo de seus membros privados e de governos,
elas podem ser atores efetivos, cumprindo seus mandatos originais sem se preocupar com sua
sobrevivência.
No entanto, o número de ONGs aumentou dramaticamente nos últimos anos, enquanto
as fontes de financiamento tornaram-se menos garantidas, o que significa que a sobrevivência
não é um dado adquirido para as ONGs. Dentro dessa lógica, as ONGs agora enfrentam um
mercado competitivo.
Mallick e Nabin (2018), por exemplo, estudam a localização de ONGs de microfinanças locais
em Bangladesh e apontam que vilas localizadas longe de cidades com alta visibilidade midiática
têm menos atuação de ONGs locais. Este estudo mostra que as ONGs locais não consideram o
nível de pobreza ao decidir onde iniciar projetos, mas, sim, enfocam a infraestrutura e as
condições da vila, uma vez que um ambiente melhor na vila oferece uma oportunidade mais
sustentável para arrecadar fundos.
Dinâmica construtivista
O segundo campo, o construtivista,buscar umas variedade de
interesses comuns e servir a uma miríade de funções que as nações não poderiam
realizar individualmente. Elas ajudam a implementar e monitorar os resultados dessas
ações, auxiliando na coordenação das respostas globais, supervisionando e fiscalizando
a conformidade dos atores com essas regras.
● No cenário de interdependência, as OIs também fornecem aos Estados a capacidade
de coordenar suas ações reunindo recursos financeiros, tecnológicos e analíticos para
cumprir objetivos comuns. Por exemplo, o Banco Mundial obtém recursos financeiros
dos Estados-membros que, em seguida, levantam seu próprio dinheiro nos mercados de
capital internacionais para que possam emprestar bilhões de dólares por ano aos países
pobres.
● Os Estados pedem às OIs que elaborem leis, construam redes científicas, reconstruam
Estados devastados pela guerra e ajudem a criar novas democracias. Nesse sentido, os
Estados estão delegando autoridade e poder às OIs para cumprir seus interesses.
Esse conjunto de princípios e práticas das Organizações Internacionais, como visto até
aqui, pode ser resumido como espaços facilitadores das relações dos Estados, ao
mesmo tempo em que constitui uma burocracia especializada que facilita esse processo.
Organizações internacionais e os processos de cooperação e integração
Se as OIs promovem integração, a definição do conceito de interdependência é
essencial. Esse princípio envolve a criação de vínculos entre os atores do sistema
internacional, mas significa mais do que simples interconexão.
Como Milner apontou, a interdependência, assim como a anarquia, é uma
característica-chave estrutural do sistema internacional. Ela argumenta que a anarquia e a
interdependência não se opõem uma à outra, como é frequentemente afirmado. Ao contrário,
ambas constituem características diferentes do sistema internacional.
Por sua vez, enquanto a interdependência reflete uma acomodação mais próxima, o
estabelecimento de alianças menos complexas pode ser entendido como cooperação, que surge
quando os atores ajustam seu comportamento em relação às preferências reais ou previstas
de outros. A cooperação, assim, pode ser entendida como um processo em que os Estados
cumprem os acordos internacionais dos quais são parte, se abstendo de tomar ações
unilaterais para resolver um problema coletivo.
Essas pesquisas também enfatizam o papel ativo que as OIs desempenham no processo
de gestão de guerras e violências armadas, servindo como mediadores ou juízes para ajudar os
países membros a resolver conflitos internacionais.
As OIs podem facilitar a cooperação entre os Estados-membros passivamente,
pontuam Mitchell e Hensel (2006), algo há muito reconhecido na literatura de direito
internacional. Por exemplo, se dois países reconhecem a jurisdição da Corte Internacional de
Justiça (CIJ), a capacidade de os dois lados levarem disputas à CIJ pode aumentar as chances
de um acordo entre ambos fora do tribunal.
Resumindo : Teorias institucionalistas e racionalistas de OIs tratam as preferências do
Estado como fixas e exógenas. Como os Estados são racionais e egoístas, eles teriam
incentivos para abandonar os acordos cooperativos ou se aproveitar do fornecimento de bens
públicos internacionais sem pagar por seus custos - o chamado bandwagon.
As instituições internacionais, dentro dessa realidade, ajudam a mitigar essas tendências de
várias maneiras.
● Em primeiro lugar, as instituições internacionais estabelecem padrões de
responsabilidade legal ou estabilização. As instituições servem para reforçar acordos e
contratos e ajudam a organizar relacionamentos de maneiras mutuamente benéficas,
com os custos de renegociação de compromissos aumentando e os de operação dentro
dessa estrutura sendo reduzidos.
● A segunda maneira pela qual as instituições facilitam a cooperação envolve a redução
dos custos de transação e, assim, torna mais fácil para os Estados negociar acordos. A
centralização e a independência das OIs aumentam suas eficiências e reduzem os
custos de negociação para os membros.
● As instituições, dentro dessa lógica, servem como fóruns regulares para reuniões e
negociações, e vinculam vários grupos de questões, facilitando o arranjo de grandes
negociações. Por exemplo, debates realizados dentro da Organização Mundial do
Comércio (OMC) normalmente aglutinam mais de um tema na mesma rodada de
negociações.
Interdependência e multilateralismo como poder das organizações internacionais
Até agora, a discussão dos efeitos relativos das Organizações internacionais sobre o
poder do Estado tem sido feita com base no pressuposto de que o papel principal delas é
servir de mediadora entre os Estados. O próximo passo é perguntar o seguinte: as próprias
OIs têm poder? Não há dúvida de que elas, como um todo, são assimetricamente dependentes
de Estados.
Elas são criadas pelos países, dependem deles para seu financiamento e podem ser
fechadas e encerradas pelas nações. Mas isso não significa necessariamente que as OIs sejam
inteiramente dependentes. Nesse sentido, até que ponto as OIs, como atores nas relações
internacionais, têm um poder distinto do poder dos Estados que as apoiam?
É mais usual que as OIs tenham o poder de julgar: exemplos incluem a Corte Internacional de
Justiça (CIJ) e o Mecanismo de Solução de Controvérsias (DSM) da OMC. Nesse caso, tais
órgãos judiciais adjudicam acordos e criam interpretações oficiais do direito internacional,
tendo, de fato, o poder de afetar as normas internacionais de comportamento de maneiras
que os Estados não podem controlar com precisão.
Existem duas fontes principais de poder independente para as OIs: autoridade moral
e informação. Autoridade moral é o poder de uma organização de falar legitimamente a
respeito de sua área temática a fim de fazer com que as pessoas e os Estados prestem
atenção nela, mesmo nos casos em que ela não dispõe de recursos materiais.
Essa autoridade fortalece a capacidade de gerar constrangimento das OIs. A maioria
dos Estados aceita os princípios do multilateralismo, e as OIs representam conjuntos de
regras e procedimentos com os quais os países-membros já concordaram explicitamente.
(M3) Negociações internacionais : Estados e Instituições
Governança global e organizações internacionais
Como já apontamos , os principais desafios transnacionais contemporâneos ultrapassam
fronteiras nacionais e demandam a atuação de instituições que consigam articular diversas
ferramentas políticas.
Nesse sentido, as evidências crescentes das mudanças climáticas e a pandemia da
covid-19, aliadas à contínua ameaça do terrorismo global e ao ressurgimento do nacionalismo,
trouxeram para todo o mundo a dimensão dos problemas complexos que o sistema
internacional enfrenta atualmente.
Nenhum desses problemas pode ser resolvido por Estados soberanos agindo
isoladamente, já que eles requerem algum tipo de cooperação entre os países e um número
crescente de instituições internacionais, principalmente com o estabelecimento de novos
mecanismos internacionais de monitoramento ou a negociação de novas regras.
Desse modo, a governança global não é um governo global nem uma ordem mundial única.
Não existe uma estrutura hierárquica de autoridade de cima para baixo, mas tanto o poder
quanto a autoridade nessa governança estão presentes de várias maneiras e em vários graus.
Parte do valor do conceito de "governança global", então, é a maneira que nos permite
olhar para as OIs e sua atuação a longo prazo para estabelecer esforços coletivos a fim de
lidar com problemas compartilhados.
Organizações internacionais e a solução de questões globais
As OIs fornecem o núcleo central do mecanismo multilateral formal que constitui a
“arquitetura da governança global”, frisam Cooper e Thakur. Ao longo do século passado, um
número expressivo de OIs foi criado para realizar as mais variadas tarefas, desempenhando
funções diversas, incluindo a coleta de informações e o monitoramentoassume que o design institucional das ONGs é
constituído pelas normas que impõem ou implementam, ao mesmo tempo em que representam
reivindicações de grupos marginalizados. De fato, muitos estudiosos de RI são atraídos pela
pesquisa de ONGs com a motivação de analisar organizações que detêm o poder de normas e a
capacidade de transformar a política mundial.
O construtivismo também tem o potencial de ajudar a esclarecer o que as ONGs fazem
na política internacional. Essa abordagem da política internacional argumenta que interesses,
identidades e papéis são socialmente definidos.
(M3) Desafios contemporâneos: escravidão, meio ambiente e desigualdade
Atuação das distintas ONGs
Até agora, apresentamos um panorama sobre a história das organizações não
governamentais, assim como abordamos sua importância para o Sistema Internacional e a
forma como diversos desafios contemporâneos podem influenciar na constituição e no formato
dessas instituições.
Por fim, iremos nos dedicar a analisar a atuação de distintas ONGs em temas
relevantes na atualidade: escravidão moderna, questões ambientais e questões ligadas à
desigualdade.
Escravidão moderna, tráfico de seres humanos e desafios para os Direitos Humanos
O tráfico de pessoas, frequentemente descrito como escravidão moderna, é uma das
questões humanitárias mais importantes do século XXI. Nas últimas duas décadas, o fenômeno
se tornou um problema global de proporções sem precedentes, com governos, agências
intergovernamentais, organizações não governamentais, acadêmicos e sociedade civil lutando
para identificar, conceituar e quantificar o tráfico humano.
A escravidão moderna está presente nas cadeias de abastecimento globais e nas rotas
de migração; afeta todos os países do mundo, independentemente de seu status
socioeconômico e político.
Nas últimas duas décadas, o perfil das vítimas de tráfico mudou. A incidência de
tráfico doméstico (dentro das fronteiras de um país) também aumentou significativamente.
Essas tendências indicam que o entendimento comum sobre o tráfico está evoluindo.
Atualmente, há uma maior consciência da diversidade de vítimas, formas de exploração
e fluxos de tráfico. Incluem-se, nesse crime: servidão sexual, tráfico sexual infantil,
trabalho forçado, servidão doméstica, trabalho infantil forçado, tráfico de órgãos, casamento
forçado, recrutamento ilegal de crianças soldados, mendicância forçada e, mais recentemente,
trabalho forçado para atividades criminosas.
Teóricos recentes apontam que a campanha contra a escravidão moderna pelas ONGs
obrigou as empresas a fazer mudanças em suas operações, em várias instâncias,
principalmente na adoção de políticas contratuais com fornecedores e na criação de grupos de
trabalho. Isso teria provocado mudanças em companhias na Ásia, por exemplo, que fornecem
produtos para as contrapartes no Reino Unido, tornando mais difícil que mão de obra com
trabalho análogo à escravidão fosse empregada.
Atuação de ONGs em temas ligados à proteção do meio ambiente
É cada vez maior o consenso sobre a necessidade de cooperação internacional em
relação ao meio ambiente, embora nem sempre haja concordância sobre o que essa cooperação
deva produzir. Os regimes ambientais globais são negociados em uma ampla variedade de
projetos, desde a proteção das baleias à mudança climática, à desertificação e ao
desenvolvimento sustentável.
Estados, instituições internacionais e ONGs têm desempenhado papel fundamental na
criação, no desenvolvimento e na operação de regimes ambientais internacionais.
O problema da destruição ambiental e da mudança climática surgiu como uma questão
importante na política internacional nas últimas quatro décadas.
O World Wildlife Fund (WWF) foi criado em 1961, e, durante os anos de 1960 e 1970,
as ONGs internacionais que trabalham com proteção ambiental cresceram exponencialmente;
ao mesmo tempo, seu escopo de operações se expandiu.
As questões ambientais foram além da preservação e da conservação, para incluírem a
poluição, as preocupações nucleares, o esgotamento de recursos e a gestão de resíduos. Neste
mesmo período, também se formaram Friends of the Earth International e Greenpeace.
A origem do processo da Eco-92 remonta à Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento, mais conhecida como Comissão Brundtland, criada em 1983. A comissão
produziu o relatório Brundtland de 1987, intitulado “Nosso Futuro Comum”. À comissão
Brundtland é comumente creditada a definição do conceito de desenvolvimento sustentável,
embora, de fato, várias ONGs tenham desempenhado papel significativo nessa definição.
Algumas ONGs mantêm grandes equipes profissionais e produzem relatórios regulares.
O World Resource Institute (WRI) publica relatórios sobre o meio ambiente global e estudos
de políticas, tendo ajudado a redigir tratados, além de já ter providenciado secretariado para
várias convenções. Isso ajuda os Estados a obter informações importantes, minimizando
despesas.
Atuação de ONGs em práticas de desigualdade e questões econômicas internacionais
As ONGs que atuam no âmbito internacional também se dedicam a atividades
relacionadas ao desenvolvimento socioeconômico. Historicamente, essas instituições se
identificaram intimamente com o processo de desenvolvimento de países da África, Ásia e
América Latina.
Nessa função, também começaram a estabelecer relação com o sistema de comércio
global, e a principal instituição transnacional que lida com o tema é a Organização Mundial do
Comércio (OMC).
Frequentemente, as ONGs são vistas como espaços para a promoção de democracia e
justiça social, representando as preocupações dos cidadãos globais e comunicando-as aos que
estão no poder. Como já apontado, as ONGs são compreendidas, na maior parte das vezes,
como agentes de mudança, que podem contribuir para superar o déficit democrático na
governança comercial, mitigando a tendência de acordos comerciais serem negociados de
forma secreta por uma elite não representativa.
Dar voz às ONGs nos processos da OMC é considerado o meio de ampliar a gama de
opiniões e perspectivas comerciais representadas, garantindo maior foco nas preocupações
além das elites e dos grupos de negócios e gerando um sistema de comércio mais
democraticamente legítimo.
Alguns exemplos importantes de ONGs no campo do comércio global são os membros da
rede Nosso Mundo Não Está à Venda (OWINFS). A rede está focada em promover um
sistema de comércio multilateral sustentável, socialmente justo, democrático e responsável.
A OWINFS é a principal organizadora de políticas de mobilização nas conferências
ministeriais da OMC. Seus membros também participam como convidados que defendem
mudanças nas políticas em várias plataformas organizadas pela OMC e pelos Estados-membros
no Fórum Público anual e em conferências ministeriais.
Trademark East Africa (TMEA) é outra ONG que tem como estratégia principal a
redução da desigualdade econômica internacionalmente.
O TMEA usa a assistência oficial ao desenvolvimento fornecida por vários doadores
importantes, incluindo o Reino Unido e os Estados Unidos, para construir parcerias com
organizações locais e implementar projetos destinados a promover o comércio
transfronteiriço.de tendências, a
prestação de serviços e ajuda, o fornecimento de fóruns para negociação intergovernamental
e a resolução de disputas.
Outra função das OIs - e particularmente da ONU - tem sido o desenvolvimento de
ideias e conceitos-chave sobre segurança e desenvolvimento econômico e social. A ONU gerou
ideias, forneceu um fórum para debate, deu legitimidade a elas, promoveu sua adoção em
políticas e gerou recursos para implementar e monitorar o progresso, apontam Jolly, Emmerij
e Weiss.
No entanto, a maneira como as OIs atendem às suas várias funções, em um contexto de
governança global, varia dependendo da estrutura da organização, já que as instituições
diferem quanto ao número de membros, ao escopo de atuação e às suas regras. De maneira
geral, as OIs permitem a centralização das atividades coletivas por meio de uma estrutura
organizacional concreta e estável e um aparato administrativo de apoio.
Isso aumenta a eficiência das atividades coletivas e reforça a capacidade da
organização de afetar os entendimentos e os interesses dos Estados. Assim, os Estados se
unem para participar de um fórum de negociação estável, permitindo reações rápidas em
tempos de crise.
Como outras burocracias, as secretarias das OIs frequentemente fazem muito mais do
que seus Estados-membros pretendiam. Como a maior parte dos burocratas dessas
instituições é formada por funcionários públicos internacionais, eles tendem a levar suas
responsabilidades a sério, promovendo o que consideram uma “boa política” e protegendo-a de
interesses conflitantes.
As burocracias de OIs também tendem a desenvolver as próprias culturas
organizacionais. Isso pode influenciar a forma como elas definem as questões e quais tipos de
soluções políticas recomendam. Por exemplo, o secretariado da ONU criou a manutenção da
paz no auge da Guerra Fria e, mais tarde, planejou operações de consolidação da paz
pós-conflito que incluíam uma ampla variedade de tarefas, desde assistência eleitoral até
polícia e reforma judiciária.
Política e eficácia da governança global
Após o fim da Guerra Fria e a dissolução da União Soviética, os EUA emergiram como a
única superpotência; sua economia impulsionou a globalização, enquanto a democracia parecia
estar se espalhando por toda parte. No entanto, especialmente desde a invasão do Iraque em
2003, o poder e a influência dos EUA no mundo diminuíram substancialmente.
Hoje, há muitos indicadores de que os Estados Unidos não estão mais no centro da
política global da mesma forma que antes e que há mais Estados com mais relações entre si em
uma gama mais ampla de questões. Por isso, pode ser surpreendente que muitas das definições
de governança global "mascaram a presença de poder".
Os arranjos de governança global existem porque os Estados e outros atores do
sistema internacional os criam e os imbuem de poder, autoridade e legitimidade, bem como os
consideram valiosos para desempenhar certas tarefas e servir a certas necessidades e
interesses.
É importante se ter em mente, contudo, que as questões de governança global desafiam
uma categorização fácil. O tráfico de mulheres e crianças, assim como os problemas mais
antigos de pirataria e escravidão, podem ter motivações econômicas, mas violam as normas
fundamentais dos direitos humanos.
A questão dos refugiados é da área de direitos humanos, mas o problema está
intimamente ligado à dinâmica de Estados falidos, conflitos étnicos, guerras civis, aumento da
pobreza e fraqueza do governo. As mudanças climáticas e a perda da biodiversidade da
floresta tropical são questões fundamentalmente ambientais, mas qualquer ação ou inação tem
ramificações econômicas e políticas críticas.
Como Stewart Patrick (2014, p. 59) prevê, “o futuro não verá a renovação ou a
construção de uma nova arquitetura internacional, mas sim a disseminação contínua de uma
expansão multilateral adaptável, que proporciona cooperação internacional em meio a uma
confusão de arranjos informais e abordagens graduais”.
Dentro dessa lógica, a interação entre as OIs e as possíveis soluções abarcadas pela
governança global também serão múltiplas e difusas. Podemos reforçar três delas: a
construção de novas ideias, a promoção de agendas específicas e o monitoramento de
objetivos e estratégias.
A ONU também tem sido fundamental para expandir o próprio conceito de segurança,
partindo de uma lógica do Estado para a segurança humana. Nessa perspectiva, os indivíduos
também precisam ser protegidos da violência, da privação econômica, da pobreza, de doenças
infecciosas e de violações dos direitos humanos por parte dos Estados.
Na área de desenvolvimento econômico, a ONU se beneficiou da criatividade de
economistas que, em algum momento, foram empregados da instituição ou serviram como
consultores e contribuíram com ideias-chave.
Assim como a segurança foi redefinida como segurança humana, o desenvolvimento
também foi reconhecido como desenvolvimento humano. Essa ideia representa uma mudança
radical no pensamento internacional, partindo da teoria econômica tradicional que mede o
desenvolvimento em termos de crescimento do PIB de um Estado ao longo do tempo.
No entanto, uma das conclusões importantes que pesquisas sobre o tema reforçam é
que o estabelecimento de metas provoca mudanças importantes no sistema internacional.
Cerca de 50 objetivos econômicos e sociais, começando na década de 1960, foram criados.
Tais objetivos têm sido acompanhados por meio de monitoramento sistemático e de relatórios
anuais, um processo que é inclusive aceito pelos Estados.
A longa lista de tratados de direitos humanos negociados sob os auspícios da ONU
estabeleceu a base normativa para os direitos humanos globais, com a organização
determinando um mecanismo internacional para sua promoção por meio de um escritório
específico. Em suma, as metas forneceram um foco “para mobilizar interesses, e para gerar
pressões para a ação” .
(M4) Temas sensíveis e narrativas sobre as organizações internacionais
Organizações internacionais: constituição, personalidade e funcionários
Neste módulo vamos mapear, de forma crítica, a maneira com a qual as OIs se
constituem, apontando sua dimensão jurídica e as estratégias de seus funcionários para
influenciar o sistema internacional. A lógica de criação das instituições geralmente está
dividida entre dois imperativos contraditórios.
● O desejo de tornar a organização o mais eficaz e eficiente possível.
● A compreensão de que resultados não podem ser alcançados sem a articulação de
diversos atores importantes.
Assim, em qualquer organização, existe uma disputa constante entre o imperativo da
eficácia e o da legitimidade. Sempre que uma entidade é considerada muito formal, são
formulados meios para contornar os procedimentos formais. Segundo a mesma lógica, sempre
que ela for considerada muito informal, haverá uma chamada para fortalecer o controle sobre
a tomada de decisão.
Certamente, nenhum formulador teria planejado inicialmente dar a cinco Estados o
direito de vetar quaisquer decisões no Conselho de Segurança das Nações Unidas, com a
filiação permanente provavelmente podendo ser justificada em uma base racional, como, por
exemplo, o reforço de que esses países teriam responsabilidades especiais para a manutenção
da paz e da segurança internacionais.
No entanto, a constituição do P5 serve a um propósito eminentemente político. O P5 foi
considerado o preço a se pagar para ter alguns desses Estados a bordo e, portanto, dar à
Organização das Nações Unidas a chance de relevância que a Liga das Nações nunca teve.
Personalidade jurídica das instituições internacionais
Quando determinado indivíduo decide abrir uma empresa, por exemplo, no Brasil, ele
precisa seguir uma série de procedimentos burocráticos para que a companhia passe a
"existir'' formalmente. No nosso país, a materialização desse ponto se dá com a constituição
do chamado Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), que faz com que uma empresapossa, por exemplo, abrir conta em bancos ou alugar salas comerciais. A empresa, nesse
sentido, também passa a ser responsabilizada por eventuais erros, podendo ser processada
judicialmente.
Como resultado, poucos comentaristas sobre o direito institucional internacional
despendem tempo ou energia para compreender ou explicar as sutilezas desse princípio nos
últimos anos. O direito das Organizações Internacionais não é regido por um único
instrumento jurídico universal, tampouco por um conjunto claro e universalmente aceito de
normas. Normalmente, as organizações têm sistemas "internos" de regras, enquanto suas
relações com o mundo exterior tendem a ser regidas pelo direito internacional.
A questão de quando e se uma OI passa a existir é respondida com base no direito
internacional, porém é de opinião geral que tais critérios não são precisos. A literatura
especializada aceita um conjunto de quatro requisitos: as OIs, assim é sugerido, são
normalmente (1) estabelecidas entre Estados (2) com base em um tratado (3) e com pelo
menos um órgão, que, por sua vez, (4) supostamente tem uma vontade distinta dos
Estados-membros da organização.
Embora a personalidade jurídica, do ponto de vista do direito interno, seja considerada
muito relevante para as OIs, a personalidade, segundo o direito internacional, pode não ser
tão relevante.
Há algum suporte empírico para essa proposição: a maioria dos documentos
constituintes conterá uma concessão de personalidade de acordo com a legislação nacional dos
Estados-membros da organização ou uma cláusula sobre as capacidades jurídicas específicas
da organização de acordo com a legislação interna.
Em contraste, as cláusulas que concedem explicitamente personalidade jurídica
internacional têm sido tradicionalmente poucas e espaçadas, o que pode sugerir que a
personalidade não foi considerada tão relevante. Ela, segundo o direito internacional, é um
conceito problemático e, no que diz respeito às OIs, muitas vezes considerada de relevância
limitada.
A lei atual é mais bem apresentada da seguinte forma: há uma forte presunção de que,
uma vez que uma organização é criada, ela será uma pessoa jurídica para fins de direito
internacional, mas essa presunção pode ser refutada, por exemplo, quando os
Estados-membros explicitamente retêm a personalidade. Isso também pode ser refutado
quando não se espera que as organizações tenham negócios externos nem tenham a intenção
de celebrar sequer um acordo de sede no próprio nome.
Funcionários, redes e comunidades de especialistas
Andresen e Skjaerseth, entre outros autores, definem um secretariado como "uma
organização internacional estabelecida pelas partes relevantes para ajudá-los a cumprir os
objetivos do tratado". Os secretariados internacionais são projetados para apoiar os Estados
na criação e na implementação de uma ampla gama de funções e regimes internacionais.
No entanto, estudos recentes da teoria da burocracia e da pesquisa de Relações
Internacionais sugerem que a metáfora dos “servidores” frequentemente aplicada em relação
às secretarias é parcialmente equivocada e enganosa, pois elas também exerceriam uma
considerável influência burocrática por meio de seus dirigentes.
A ideia de um serviço civil independente foi mais bem adotada e desenvolvida pela
ONU, especialmente durante o mandato do segundo secretário-geral de sua história, Dag
Hammarskjöld (1953-1961). Os funcionários da instituição deveriam se movimentar por meio
de princípios de integridade e de independência política em relação aos interesses nacionais
dos Estados-membros.
A capacidade desses funcionários, nesse sentido, seria justamente a de mobilizar
informações e construir conhecimentos técnicos. O secretariado pode exercer poder em
relação a seus diretores — isto é, os Estados-membros —, classificando e organizando
informações, fixando significados e oferecendo conhecimento técnico especializado e
treinamento que não estão imediatamente disponíveis para representantes estatais.
Organização Das Nações Unidas
(M1) Reconhecer as atribuições e as resoluções da Assembleia Geral das Nações
Unidas
A ASSEMBLEIA GERAL DAS NAÇÕES UNIDAS (AGNU)
A Assembleia Geral das Nações Unidas (AGNU) é um dos seis principais órgãos da
Organização das Nações Unidas (ONU), juntamente com o Conselho de Segurança, o
Secretariado, o Conselho Econômico e Social, o Conselho de Tutela e a Corte Internacional de
Justiça.
A AGNU é resultado de um longo processo de evolução na forma de negociação entre
os Estados e se inspira nas práticas recorrentes das conferências internacionais do século
XIX e na experiência da Liga das Nações.
Com o avanço do multilateralismo – a prática de se discutir e trabalhar um tema
simultaneamente entre diversos atores, contraposta ao bilateralismo – ao longo do século XIX,
multiplicaram-se as chamadas conferências internacionais. Convocadas em resposta a
momentos ou necessidades específicos, essas conferências ofereciam a oportunidade para que
diversos Estados (ou outras formas de unidade política, como reinos e cidades-Estados)
pudessem discutir problemas e chegar a soluções compartilhadas, aplicáveis a todos. Com
frequência, essas conferências resultam em grandes tratados multilaterais que vinculam todos
os signatários igualmente. Alguns exemplos são o Congresso de Viena, convocado após a
derrota de Napoleão, e a Conferência de Berlim, que discutiu a repartição de territórios
coloniais.
A Liga das Nações já incluía, entre seus órgãos principais, uma Assembleia Geral em
formato semelhante àquele adotado pela Carta da ONU. Baseava-se em práticas e regras
parlamentares e tinha como presunção os princípios básicos de publicidade e diplomacia
aberta.
As atribuições da Assembleia Geral
De acordo com a Carta da ONU, a Assembleia Geral tem as seguintes atribuições :
● ART. 11.1 : Discutir quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das
finalidades da presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de
qualquer dos órgãos nela previstos e fazer recomendações aos Membros das Nações
Unidas ou ao Conselho de Segurança.
● ART. 11.3 : Solicitar a atenção do Conselho de Segurança para situações que possam
constituir ameaça à paz e à segurança internacionais.
● ART. 13.1 : Iniciar estudos e fazer recomendações, destinados a: a) promover a
cooperação internacional no terreno político e incentivar o desenvolvimento progressivo
do Direito Internacional e a sua codificação; e b) promover a cooperação internacional
nos terrenos econômico, social, cultural, educacional e sanitário e favorecer o pleno
gozo dos Direitos Humanos e das liberdades fundamentais, por parte de todos os
povos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião.
● ART. 14 : Recomendar medidas para a solução pacífica de qualquer situação, qualquer
que seja sua origem, que lhe pareça prejudicial ao bem-estar geral ou às relações
amistosas entre as nações, inclusive em situações que resultem da violação dos
dispositivos da presente Carta que estabelecem os Propósitos e Princípios das Nações
Unidas.
● ART. 17.1 : Considerar e aprovar o orçamento da organização. (DECRETO
19.841/1945)
Grande parte das votações na AGNU é decidida por maioria simples, exceto um
conjunto de atribuições específicas, listado no artigo 18 da Carta, que depende de aprovação
de dois terços dos membros. Nessas votações, destacam-se as atribuições de eleger os
membros não permanentes do Conselho de Segurança e os membros do Conselho Econômico e
Social e, conjuntamente com o Conselho de Segurança, a admissão de novos membros à
organização, assim como a suspensão e a expulsão de membros da organização.
O funcionamento da AGNU
A agenda temática da AGNU é bastante ampla, segundo a própria designação da Carta
da ONU: quaisquer questões ou assuntos que estiverem dentro das finalidades da
presente Carta ou que se relacionarem com as atribuições e funções de qualquer dos
órgãos nela previstos (art. 10).
Estãoexcluídas, em tese, apenas as controvérsias ou situações sobre as quais o
Conselho de Segurança já estiver atuando (art. 12) e questões relativas à jurisdição doméstica
(art. 2.7). Na prática, a AGNU tem aceitado poucas restrições em relação a temas sobre os
quais pode atuar.
Justamente por conta dessa amplíssima agenda, a Assembleia Geral é integrada por
seis comitês temáticos que lidam mais diretamente com cada tema:
● PRIMEIRO COMITÊ : Desarmamento e segurança internacional.
● SEGUNDO COMITÊ : Economia e finanças.
● TERCEIRO COMITÊ : Questões sociais, humanitárias e culturais.
● QUARTO COMITÊ : Política especial e descolonização.
● QUINTO COMITÊ : Administrativo e orçamentário.
● SEXTO COMITÊ : Legal (desenvolvimento do Direito Internacional).
Usualmente, a AGNU funciona por meio de sessões regulares, que duram de setembro a
dezembro e são iniciadas por uma cerimônia conhecida como a Abertura da Assembleia Geral,
onde os chefes dos Estados-membros e outros líderes da ONU discursam, tratando de fatos
relevantes no cenário internacional e perspectivas para a sessão que se inicia. O presidente da
República do Brasil (ou seu indicado) costuma ser o primeiro dos líderes a discursar, em
função de uma tradição histórica que remonta à fundação da ONU.
A AGNU também pode convocar sessões especiais para discutir temas específicos ou
mesmo para finalizar a aprovação de um tratado internacional que tenha sido elaborado pelo
sexto comitê ou pela Comissão de Direito Internacional.
As resoluções da Assembleia Geral
Quanto às resoluções adotadas pela AGNU, é importante compreender a sua força
normativa. Há resoluções que têm caráter obrigatório, como aquelas que definem questões
relacionadas ao orçamento ou de administração da Organização das Nações Unidas (art. 17, da
Carta da ONU). Em regra, no entanto, as resoluções têm caráter meramente recomendatório,
expressando a opinião da maioria dos Estados sobre determinado assunto ou questão.
Isso não quer dizer, no entanto, que as resoluções da AGNU sejam desprovidas de
força normativa. Com o progressivo fortalecimento da AGNU e a expansão da sua agenda, foi
aprovada uma série de resoluções com conteúdo inegavelmente importante, como, por
exemplo, a Declaração sobre os princípios de Direito Internacional relativo às relações
amistosas e à cooperação entre os Estados de acordo com a Carta da ONU e a Declaração
sobre a concessão de independência aos países e povos coloniais.
As resoluções da Assembleia Geral passaram a ocupar um papel fundamental na própria
comprovação do costume internacional, que é fonte primária do Direito Internacional,
tradicionalmente entendido como composto, necessariamente, por dois elementos: (i) a
prática reiterada dos Estados, fatos materiais, o comportamento propriamente dito dos
Estados; (ii) a crença de que uma atividade estatal é legalmente obrigatória, a opinio juris.
As resoluções da AGNU – fórum universal do qual fazem parte virtualmente todos os
Estados – podem exercer um papel duplo na comprovação de costumes internacionais. A
maneira como votam e argumentam os Estados constituem provas práticas dos Estados e do
seu entendimento do Direito. As resoluções constituem, ainda, prova da existência de uma
opinio juris formada ou em formação em relação aos temas dos quais tratam.
A Corte Internacional de Justiça, no caso Legalidade da Ameaça ou do Uso de Armas
Nucleares, manifestou-se no sentido de que as resoluções da Assembleia Geral, mesmo que
não sejam vinculantes, podem às vezes ter valor normativo. Em certas circunstâncias,
podem constituir provas importantes para se identificar a existência de uma norma ou o
surgimento de uma opinio juris.
Secretariado das Nações Unidas
O Secretariado Geral da ONU é outro dos seis principais órgãos da organização.
Composto por mais de 32 mil funcionários, é a máquina administrativa que realiza e concretiza
as atividades da organização e apoia o funcionamento dos demais órgãos.
É importante destacar o mandamento pela independência e autonomia dos funcionários
do Secretariado da ONU em relação aos Estados-partes da organização, constante na Carta,
no artigo 100:
1. No desempenho de seus deveres, o Secretário-Geral e o pessoal do
Secretariado não solicitarão nem receberão instruções de qualquer governo ou de
qualquer autoridade estranha à organização. Abster-se-ão de qualquer ação que seja
incompatível com a sua posição de funcionários internacionais responsáveis somente
perante a Organização.
2. Cada Membro das Nações Unidas se compromete a respeitar o caráter
exclusivamente internacional das atribuições do Secretário-Geral e do pessoal do
Secretariado e não procurará exercer qualquer influência sobre eles, no desempenho de
suas funções.
Consta, assim, que, apesar de nacionais dos diferentes Estados-partes, os funcionários
da ONU atuam de maneira independente em relação aos seus interesses, contribuindo, direta
e unicamente, para as atividades, os princípios e objetivos da organização.
O secretário-geral desempenha duas funções simultâneas: a chefia administrativa da
Organização das Nações Unidas, como um todo, e a liderança do Secretariado, que é um
órgão da ONU criado pela Carta, com competências e atribuições específicas (JONAH, 2008).
É o principal representante e diplomata da ONU, a voz e a face da organização para o mundo.
Frequentemente desempenha bons ofícios e atividades de mediação para contribuir com a
identificação de soluções pacíficas de controvérsias e crises entre os Estados-partes.
(SHAW, 2010)
O secretário-geral desempenha um conjunto de atividades que lhe podem ser
atribuídas pelo Conselho de Segurança, pela Assembleia Geral, pelo Conselho Econômico e
Social das Nações Unidas (ECOSOC) e pelos demais órgãos do Sistema ONU. Pode também
levar diretamente uma questão que, na sua percepção, ameaça a paz e a segurança
internacional para o Conselho de Segurança (art. 99, da Carta da ONU).
A escolha da pessoa que ocupará esse posto é realizada, em tese, pela Assembleia
Geral, a partir de uma recomendação do Conselho de Segurança (art. 97, da Carta da ONU).
Na prática, são o CSNU e, especialmente, os seus cinco membros permanentes que definem o
escolhido. É comum a realização de amplas campanhas pelos pretendentes a esse cargo, que
incluem altos funcionários de carreira da ONU, ministros de Relações Exteriores, chefes de
Estado e Governo. Essas campanhas podem ser patrocinadas pelos governos que veem na
elevação de seu nacional a esse posto uma demonstração de prestígio e influência, ainda que o
secretário-geral seja independente de todo e qualquer governo, incluindo aquele de
nacionalidade.
O mandato do secretário-geral é de cinco anos, podendo ser renovado apenas uma vez,
o que costuma acontecer.
No processo de recrutamento profissional do Secretariado, há um esforço contínuo
para se garantir que a representatividade do corpo de funcionários corresponda à diversidade
de membros da Organização, como faz referência o art. 101.3 da Carta da ONU. Outros
fatores, como a contribuição financeira de cada Estado para a ONU, também impactam o nível
desejado/mínimo de nacionais de cada país entre os funcionários permanentes da ONU
(JONAH, 2008).
Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos
O Escritório do Alto Comissariado para Direitos Humanos é a principal entidade da
ONU sobre os Direitos Humanos. Ele foi criado pela Assembleia Geral em 1993, por meio da
Resolução 48/141. A recomendação para que fosse criado o Escritório surgiu na Conferência
Internacional de Direitos Humanos, de 1993, que culminou na Declaração de Viena e no
Programa de Ação.
O mandato do Escritório do Alto Comissário para Direitos Humanos da ONU inclui
diversas atribuições:
● Promover e proteger os Direitos Humanos para todos;
● Recomendar que todos os organismos do Sistema ONU aprimorem seus esforços de
promoção e proteção dos Direitos Humanos;
● Promover e proteger o direito ao desenvolvimento;
● Fornecerassistência técnica aos Estados em atividades relacionadas aos Direitos
Humanos;
● Coordenar os programas de educação e informação pública da ONU sobre Direitos
Humanos;
● Trabalhar ativamente para remover os obstáculos para a concretização dos Direitos
Humanos e prevenir violações a estes direitos;
● Engajar-se em diálogos com governos para garantir o respeito aos Direitos Humanos;
● Aprofundar a cooperação internacional para a promoção e proteção dos Direitos
Humanos;
● Coordenar as atividades de promoção e proteção dos Direitos Humanos no Sistema
ONU;
● Racionalizar, adaptar, fortalecer os mecanismos de proteção aos Direitos Humanos do
Sistema ONU.
A liderança do Escritório, ou seja, o Alto Comissário para Direitos Humanos, é selecionada
pelo secretário-geral da ONU, cuja escolha deve ser ratificada pela Assembleia Geral. Desde
2018, Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile, é a Alta Comissária da ONU para Direitos
Humanos.
(M2) Reconhecer os Estados-membros permanentes e as atribuições do Conselho
de Segurança das Nações Unidas
O CONSELHO DE SEGURANÇA DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
O Conselho de Segurança das Nações Unidas guarda a responsabilidade primária pela
manutenção da paz e da segurança internacional. O CSNU tem atribuições mais específicas
também, dentro do Sistema ONU. É responsável por recomendar o nome do secretário-geral
da ONU para escolha da Assembleia Geral e por selecionar, também em conjunto com a AGNU,
os juízes da Corte Internacional de Justiça.
A admissão de novos membros à ONU depende também de recomendação por parte do
CSNU. Atualmente, o reconhecimento de novos Estados tem passado, na prática, por sua
admissão à ONU. Representa a consumação do amplo reconhecimento da comunidade
internacional em relação àquele novo ente político, e a aprovação do Conselho de Segurança é
passo-chave para esse reconhecimento.
A agenda do CSNU tem se expandido de maneira progressiva, especialmente a partir
do final da Guerra Fria. Do ponto de vista temático, as restrições à sua atuação dependem da
interpretação conferida aos conceitos de paz e segurança internacional. Nota-se,
especialmente, desde a década de 1990, uma disposição em se interpretar esses conceitos de
forma cada vez mais extensa.
Como resultado, atualmente, o Conselho de Segurança identifica como ameaças à paz e
à segurança internacional uma série de fenômenos e situações bastante diversas daquelas
relacionadas estritamente a agressões militares e conflitos armados que inspiraram a sua
constituição.
COMPOSIÇÃO E TOMADA DE DECISÃO DO CSNU
O CSNU é composto por 15 membros, dos quais cinco (Estados Unidos, Rússia, China,
França e Reino Unido) são membros permanentes. Os demais 10 membros são temporários,
exercendo mandatos de dois anos. Esses 10 membros são escolhidos por meio de eleição da
Assembleia Geral, de acordo com um critério que garante diversidade geográfica.
Considera-se que 5 membros devem se originar na Ásia e na África, 1 na Europa Oriental, 2 na
América Latina e 2 na Europa Ocidental. A depender da questão discutida, outros países
poderão ser convidados para participar das reuniões, sem poder de voto. O secretário-geral
da ONU também costuma participar das reuniões.
O Conselho de Segurança tem um presidente que é o representante de um dos
Estados-membros, mas esse posto rotaciona mensalmente, seguindo a ordem alfabética.
Trata-se de uma posição mais procedimental, considerando que o presidente é responsável por
guiar as reuniões.
A determinação dos membros permanentes foi realizada durante as negociações sobre
a Carta da ONU em São Francisco (EUA), reservando-se espaço de destaque justamente aos
países que haviam vencido a Segunda Guerra Mundial. Além de uma cadeira permanente no
Conselho de Segurança, esses cinco países possuem também aquilo que ficou conhecido como
poder de veto. Formalmente, a Carta da ONU prevê que qualquer resolução, para ser
aprovada, precisa receber o voto favorável de nove membros do Conselho, incluindo os cinco
membros permanentes.
OS INSTRUMENTOS DE FUNCIONAMENTO DO CSNU
De maneira geral, o Conselho de Segurança atua por meio de resoluções, que podem ter
naturezas distintas, a depender da base jurídica que as fundamente.
No caso das resoluções adotadas sob a égide do Capítulo VI da Carta da ONU (Solução
Pacífica de Controvérsias), diz-se que a resolução tem caráter recomendatório. São os casos
em que, confrontado com uma ameaça à paz e à segurança internacional, o Conselho busca
resolvê-la por meios pacíficos, convidando as partes envolvidas a se engajar em esforços de
negociação, inquérito, mediação, conciliação, arbitragem, solução judicial, recurso a
entidades ou acordos regionais, ou a qualquer outro meio pacífico à sua escolha. O
caráter recomendatório é explicitado nos artigos 36.3 e 38.
Por outro lado, as resoluções adotadas sob a égide do Capítulo VII da Carta da ONU
(Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão) têm caráter obrigatório.
Objetivando endereçar uma ameaça à paz e à segurança internacional, o CSNU poderá tomar
dois tipos de medidas cujo cumprimento é compulsório a todos os Estados:
MEDIDA 1 : Medidas que não envolvem o uso da força, como, por exemplo, a interrupção
completa ou parcial das relações econômicas, dos meios de comunicação, ferroviários,
marítimos, aéreos, postais, telegráficos, radiofônicos, ou de outra espécie e o
rompimento de relações diplomáticas.
MEDIDA 2 : Medidas que envolvem o uso da força, como demonstrações, bloqueios e outras
operações por parte das forças aéreas, navais ou terrestres dos Membros das Nações
Unidas.
Essas medidas não só têm caráter obrigatório, como são também executáveis. Isso
porque a própria Carta da ONU explicita os meios que devem ser colocados à disposição do
Conselho, incluindo as Forças Armadas dos Estados, e detalha o estabelecimento de uma
Comissão do Estado Maior para planejar e executar operações que envolvam o uso da força
militar.
O uso da força é uma medida extrema que será autorizada apenas em casos
excepcionais. A solução pacífica de controvérsias é o princípio basilar do Sistema ONU,
conforme preveem diversos dos seus dispositivos, inclusive o art. 2.3 da Carta da ONU. Deve
ser, portanto, a primeira opção, como previsto no Capítulo VI, antes de o Conselho se voltar
para as alternativas oferecidas pelo Capítulo VII.
O caráter obrigatório das decisões tomadas pelo Conselho de Segurança é excepcional
no sentido de que, no Direito Internacional, o consentimento é essencial para vincular um
Estado a uma regra. O princípio basilar do Direito Internacional, o pacta sunt servanda,
prevê que aquilo que foi pactuado deve ser cumprido, baseando-se, portanto, no
consentimento.
No caso das resoluções do CSNU, elas obrigam e vinculam mesmo os Estados que não
votaram a seu favor e aqueles que sequer participaram do processo de deliberação sobre o seu
conteúdo – hipótese mais comum, visto que apenas os 15 Estados-parte têm direito a voto nas
deliberações do CSNU. Houve, na realidade, uma manifestação de consentimento prévia e
genérica em relação a todas as decisões do CSNU quando os Estados ratificaram a Carta da
ONU, a qual explicita, em seu artigo 25, que os Membros das Nações Unidas concordam em
aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança, de acordo com a presente
Carta.
O nível de obrigatoriedade e vinculação dessas decisões é notável, ainda, no sentido de
que mesmo o princípio da não intervenção nos assuntos domésticos não é passível de ser
alegado em relação às decisões tomadas pelo Conselho sob égide do Capítulo VII. Ou seja, não
pode um Estado justificar o descumprimento de uma dessas decisões sob o argumento de que
é ilegítima a interferência da ONU em suas questões internas.
O Conselho de Segurança também poderá receber reclamações por parte de Estados
que considerem que obrigações oriundas de uma decisão da Corte Internacional de Justiça não
foram cumpridas. Nesse caso,poderá tomar qualquer das medidas previstas nos capítulos VI e
VII da Carta da ONU com objetivo de garantir o cumprimento daquela decisão.
(M3) Identificar as origens e o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos
das Nações Unidas
O CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS DA ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS
As origens e o funcionamento do Conselho de Direitos Humanos da Organização das
Nações Unidas
Antes de apresentar o Conselho de Direitos Humanos, é importante discutir seu
antecessor, a Comissão de Direitos Humanos. A Comissão foi um organismo subsidiário criado
pelo Conselho Econômico e Social (ECOSOC), em 1946, com objetivo de constituir o principal
órgão legislativo, no Sistema ONU, dedicado a promover e proteger os Direitos Humanos. O
resultado da sua primeira sessão de reuniões, em 1947, foi a Declaração Universal dos
Direitos Humanos, adotada como resolução da Assembleia Geral.
Durante os primeiros 20 anos de funcionamento, a Comissão se dedicou à definição e
elaboração de normas internacionais de Direitos Humanos, utilizando, em larga medida, a
Declaração Universal como fundamento. Como resultado desse esforço, foram elaborados e
adotados o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional
sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais.
No entanto, havia grande disputa entre os blocos capitalista e socialista que se
manifestava no trabalho e nas votações da Comissão. Além de uma preferência daquele por
questões relacionadas a direitos políticos e civis e deste pelos direitos econômicos e sociais –
criando uma falsa dicotomia –, era frequente a participação de Estados com graves históricos
de violação na Comissão. Buscavam, assim, blindarem-se de críticas e condenações em relação
a questões que consideravam internas. Essas disfunções não se encerraram com o fim da
Guerra Fria. Ao longo da década de 1990 e início dos anos 2000, esse cenário se
agravou.
Às questões mencionadas se somava uma crítica reiterada sobre a seletividade das
críticas públicas realizadas pela Comissão, assim como a aparente contradição de ter países
com histórico de graves violações aos Direitos Humanos decidindo sobre os rumos de seu
trabalho, gerando uma grande perda de credibilidade.
Conforme avançaram propostas sobre a reforma da Comissão, chegou-se à conclusão de
que era necessário um respaldo institucional maior para o trabalho de promoção e proteção
aos Direitos Humanos. Assim, foi aprovada uma resolução da Assembleia Geral (Resolução
60/251) que criava o Conselho de Direitos Humanos (UNHCR, na sigla em inglês) como órgão
subsidiário da própria Assembleia, e não mais do ECOSOC.
Criado em 2006, o Conselho de Direitos Humanos conta com 47 Estados-membros,
contra os 53 membros da Comissão. Apesar de uma mudança relativamente pequena nessa
composição, que se tornou também mais representativa de países em desenvolvimento, foram
introduzidos critérios mais rígidos para a adesão ao Conselho. Objetivava-se, assim, evitar a
participação de Estados com graves problemas nessa esfera. A Resolução 60/251 determinava
que deveria ser levada em consideração, na eleição dos membros do CDH, (i) a contribuição
dos candidatos à promoção e proteção dos Direitos Humanos e (ii) as promessas e os
compromissos voluntários que tenham feito. Impunham-se, ainda, exigências aos membros,
como se submeter ao mecanismo universal de exame periódico durante o seu mandato.
Ainda que subjetivos, os critérios sinalizavam uma preocupação e criavam um possível
constrangimento para Estados que desejassem integrar o Conselho: submeter-se ao
Mecanismo Universal de Revisão Periódica.
O Mecanismo Universal de Revisão Periódica (UPR, na sigla em inglês) foi criado com o
objetivo de analisar como países vinham implementando as normas internacionais de Direitos
Humanos. O UPR avalia o cumprimento dos Estados em relação à Carta da ONU, à Declaração
Universal de Direitos Humanos, aos tratados internacionais de Direitos Humanos ratificados
pelo país, aos compromissos voluntários assumidos e ao Direito Humanitário Internacional.
O modelo de trabalho do CDH
Para além dessas inovações, vale mencionar algumas outras modificações no modelo de
trabalho do CDH, em relação à Comissão, sua antecessora:
MODIFICAÇÃO 1: O CDH se reúne com mais frequência do que a Comissão, dando vazão à
grande demanda que se criou. Além das reuniões anuais, o CDH pode se reunir em sessões
especiais, a pedido de um membro, com apoio de um terço dos seus integrantes, para lidar com
questões específicas e crises;
MODIFICAÇÃO 2 : Foi estabelecido também um mecanismo para o recebimento de
denúncias de graves violações a Direitos Humanos e liberdades fundamentais, realizadas por
indivíduos, grupos ou ONGs, vítimas dessas violações ou com informações confiáveis e
concretas sobre elas. Caso essas denúncias sejam admitidas, o que ocorrerá na hipótese do
atendimento a requisitos básicos, seus fatos poderão ser levados à atenção do Conselho que
decidirá as medidas cabíveis.
Facilitou-se a participação de organizações da sociedade civil doméstica e internacional
nas discussões do CDH e foi expandido ainda o rol de outros procedimentos e órgãos que
compõem e contribuem para o funcionamento do CDH e para a realização do seu mandato de
proteção e promoção dos Direitos Humanos.
Os Procedimentos Especiais do CDH consistem na designação de especialistas para
avaliar e monitorar uma temática ou um país sob a perspectiva de Direitos Humanos. Os
Relatores Especiais (ou Special Rapporteurs) realizam visitas, atuam em casos individuais,
emitem comunicados, conduzem pesquisas, reúnem especialistas, contribuem para o
desenvolvimento de padrões de Direitos Humanos e se engajam em atividades de
conscientização e advocacy, além de apresentar relatórios anuais ao CDH ou à Assembleia
Geral. Em 2020, havia 44 mandatos temáticos e 11 mandatos específicos para determinados
países.
OUTROS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS
NO SISTEMA ONU
Outros órgãos, ainda que não considerados subsidiários da ONU, são denominados
adstritos aos tratados da ONU. Trata-se de órgãos colegiados (comitês) criados por
tratados internacionais específicos com objetivo de monitorar e promover a implementação de
suas normas. Têm uma relação próxima com a ONU, repassando informação por meio do
Centro de Direitos Humanos (SHAW, 2010)
Entre eles, destacam-se:
● Comitê para a Eliminação da Discriminação Racial, criado pela Convenção sobre a
Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, de 1965;
● Comitê de Direitos Humanos, criado pelo Pacto de Direitos Civil e Políticos, de 1966;
● Comitê para a Eliminação da Discriminação contra a Mulher, criado pela Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, de 1979;
● Comitê contra a Tortura, criado pela Convenção contra a Tortura e outros
Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 1984;
● Comitê para os Direitos das Crianças, criado pela Convenção sobre os Direitos da
Criança, de 1989;
● Comitê sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência, criado pela Convenção
Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo
Facultativo, de 2007.
Esses comitês têm competências e atribuições específicas previstas nos tratados que
os constituem. De modo geral, são grupos de especialistas ou peritos independentes, eleitos
entre os Estados-partes do respectivo tratado. Eles são responsáveis por avaliar os relatórios
periódicos preparados pelos próprios Estados sobre os esforços de implementação da
convenção, com possibilidade de apresentarem recomendações. O foco desse processo é o
desenvolvimento de um diálogo produtivo e construtivo, mas, eventualmente, podem ser
publicadas considerações críticas sobre a situação em um Estado, como parte de uma
estratégia de naming and shaming (nomear e envergonhar).
Os comitês são, em alguns casos, empoderados para receber reclamações e petições
individuais ou coletivas sobreviolações aos direitos previstos nos tratados correspondentes.
Essa competência para recebimento e processamento de denúncias tem natureza mais
sensível. Às vezes ela depende de um reconhecimento explícito por parte do Estado (art. 21,
Convenção contra Tortura, por exemplo). Em outros, depende da ratificação de protocolo
adicional (Pacto de Direitos Civis e Políticos, por exemplo).
A apresentação de petição individual perante esses comitês temáticos de Direitos
Humanos é um direito individual perante o Direito Internacional. O recebimento dessas
petições pode estar, contudo, sujeito a condições específicas, como o esgotamento das
instâncias internas (art. 2, Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos de Pessoas
com Deficiência). Recebida a denúncia, o comitê poderá apresentá-la ao Estado denunciado e
pedir maiores informações sobre o caso. Cabe, ainda, a realização de outras diligências
independentes para investigar as denúncias. O comitê apresentará suas recomendações, em
caráter cautelar ou definitivo, para que o Estado enderece a denúncia apresentada, e
acompanhará a implementação dessas recomendações. Em geral, esses procedimentos correm
em sigilo.
Por fim, os comitês são também considerados intérpretes legítimos dos próprios tratados, publicando, com frequência,
comentários e notas interpretativas sobre os dispositivos dos tratados, conferindo maior especificidade e detalhamento a
direitos e obrigações previstos.
Organizações Regionais Americanas e Não Americanas
(M1) Organização dos Estados Americanos (OEA)
A OEA é a organização de integração regional mais antiga do mundo, da qual foram
colhidos diversos aprendizados para outras organizações posteriores. Surgiu no momento
pós-Segunda Guerra Mundial, quando seus países buscavam formas de organização entre si
com maior transparência e segurança em relação aos interesses nacionais e internacionais.
Nessa toada, surgiu a Organização das Nações Unidas, concomitante com a OEA (1947 e 1948,
respectivamente).
Integração regional: conceito e experiências modernas
Os principais exemplos de integração regional no mundo contemporâneo são: União
Europeia, Nafta, Mercosul, Unasul, Mercado Comum Centro-Americano, Alca, Caricom ou
dos países do Caribe, Asean, Apec, Ecowas, SADC. Essas organizações, segundo Menezes e
Pena Filho (2006), se espalham por diversos continentes e se inspiram umas nas outras para
buscarem suas respectivas evoluções, sempre atentas às suas respectivas condições
geopolíticas para operar.
Antes de mais nada, é importante que se diga: qualquer integração hoje no mundo é
um processo em andamento, nada pode ser considerado acabado. A integração é um
processo permanente, como a própria dinâmica da vida política, volátil às conjunturas.
A integração regional é um fruto da globalização e um fato da realidade mundial.
Os resultados da integração oferecem dados sobre o sucesso dessas iniciativas. De fato,
existem momentos de maior e menor dificuldade nesses processos, mas, no decorrer do
tempo, podemos constatar que o saldo das integrações é bastante positivo, e podemos afirmar
que essas formas de organização constituem hoje o principal vetor para o desenvolvimento em
escala regional.
Breve panorama político da formação americana
Na América do Norte, a partir da guerra de independência das 13 colônias americanas,
observou-se mais conflitos que levaram à consolidação progressiva do atual território: guerras
contra os nativos norte-americanos (“marcha para o oeste”), que fizeram do território original
dos colonos recém-independentes um território continental, ao alcançar o Pacífico; e guerras
contra o México que ampliaram o território demarcando a fronteira entre México e EUA no
Rio Grande. Cumpre observar que a formação do território dos EUA se completou de porções
adquiridas à Espanha, França e Inglaterra.
Após a consolidação territorial, os EUA começaram a trilhar seu caminho como
potência americana, voltando sua política para o conjunto das Américas, no que ficou
conhecido como “Doutrina Monroe”, em 1823. Essa doutrina determinava que a América
deveria ser gerida pelos interesses americanos, sem a ingerência das antigas potências
coloniais europeias.
A geopolítica da América do Norte, assim, passa a observar os EUA assumindo, no
decorrer do século XIX, o protagonismo político, com boas relações com o Canadá e com um
México submetido pela força das armas e das indústrias estadunidenses. A América Central,
majoritariamente herança do império espanhol, cai rapidamente também na órbita hegemônica
dos EUA.
A América do Sul, mais distante, permanece especialmente atrelada às potências
coloniais por mais algum tempo, enquanto os EUA consolidam sua posição mais ao norte e a
Inglaterra exerce seu comando sobre as áreas de influência adquiridas aos ibéricos como
consequência da proteção oferecida a eles contra Napoleão.
A formação sul-americana, por sua vez, observa ao longo do século XIX o
surgimento de diversos Estados-nações oriundos dos impérios espanhol e português,
diferentemente de como ocorreu com as grandes potências.
Esse panorama político da formação latino-americana, ainda que breve, elucida o pano de fundo
dos processos de integração na região:
● A afinidade entre as elites contribuiu para elevar o subdesenvolvimento regional, pois
pactuaram por políticas voltadas a seus próprios interesses (privados), em detrimento
do interesse público (nacional).
● A dificuldade em promover o desenvolvimento é uma herança da formação social
colonial a partir da carência de um projeto nacional.
● A fraqueza relativa dos Estados latino-americanos é um legado dessas circunstâncias,
que não engendraram nações coesas socialmente e materialmente capazes de definirem
e buscarem seus interesses.
● A hegemonia das grandes potências formatou condições externas constrangedoras ao
desenvolvimento nacional latino-americano, uma vez que estavam articuladas aos
interesses das elites locais já desinteressadas de qualquer projeto soberano.
OEA: origens, princípios e atribuições
A OEA surgiu em 1948, em meio ao grande impulso internacional pela formação e pelo
fortalecimento das organizações mundiais, destinada a promover a integração especial entre
as nações latino-americanas. Seu aparato institucional se formou sobre as estruturas
anteriormente concebidas pela Conferência Internacional Americana, realizada entre 1889 e
1890, em Washington, EUA, quando foi aprovada a fundação e uma união internacional das
repúblicas americanas.
A dinâmica da integração no continente americano está relacionada ao legado colonial e
à ascensão hegemônica dos EUA, orientada pela Doutrina Monroe (“América para os
americanos”), diante da decadência das grandes potências europeias, desgastadas por intensos
conflitos entre o fim do século XIX e a primeira metade do século XX, com destaque para as
guerras mundiais (1914-1945) das quais os EUA emergiriam como a liderança do hemisfério
ocidental.
Na primeira metade do século XX, no contexto interamericano, o Brasil assumia
importância particular. Como isso era possível?
Em 1938, um ano antes da guerra, a nomeação de Oswaldo Aranha para o cargo de ministro
das Relações Exteriores foi um forte sinal de Vargas no sentido de uma aliança definitiva com
os EUA. Aranha fora embaixador em Washington antes, e era notório por suas afinidades com
os norte-americanos.
Os rumos para a Aliança Brasil-EUA estavam se firmando, e conduziriam à progressiva
influência norte-americana na sociedade e esferas políticas brasileiras, muito intensificadas
depois pelo contexto da Guerra Fria.
Assim, os EUA consolidaram a sua hegemonia sobre as Américas durante as décadas de
1930 e 1940. Em 1942, durante a Conferência do Panamá, em que ficou acertada a declaração
de guerra continental aos países do Eixo, estavam dadas as bases para um processo de
integração a partir da definição de uma base comum de valores: a liberdade econômica e a
democracia.
Surgimentoe principais atribuições da OEA
A OEA pode ser considerada um grande fruto dessas articulações que elevaram os
EUA à posição hegemônica hemisférica. Ela funciona como uma das instituições mais ligadas ao
conjunto de valores norte-americanos que consubstanciam e legitimam o exercício de seu
poder internacional, e tem o objetivo de promover a paz, a segurança, a democracia e o
desenvolvimento no âmbito regional.
Nas primeiras décadas do século XX, constituiu-se um sistema de integração americano com
diversos tratados. Nesse período, foram adotados acordos diversos para o estabelecimento
de princípios que mais tarde integrariam a Carta da Organização dos Estados Americanos :
1923: Quinta Conferência Internacional Americana. As nações americanas adotaram o
Tratado de Gondra, ou Tratado para Evitar ou Prevenir Conflitos entre Estados Americanos.
1933: Sétima Conferência Internacional Americana em Montevidéu. Adotou-se a convenção
sobre Direitos e Deveres dos Estados, reafirmando o princípio segundo o qual os entes
soberanos signatários são juridicamente iguais e possuem os mesmos direitos e capacidade
igual para exercê-los.
Esse sistema resultou na União Pan-Americana e em instituições facilitadoras da cooperação regional:
Organização Pan-Americana da Saúde (1902), Instituto Interamericano da Criança (1927), Comissão
Interamericana de Mulheres (1928), Instituto Pan-Americano de Geografia e História (1928), entre outros.
Em 1948, na Nona Conferência Internacional Americana, em Bogotá, adotou-se a Carta
da Organização dos Estados Americanos, o Tratado Americano sobre Soluções Pacíficas, o
“Pacto de Bogotá”, o Acordo Econômico de Bogotá e a Declaração Americana dos Direitos e
Deveres do Homem. A função básica desses acordos era garantir a solução pacífica de
controvérsias por conciliação. Além disso, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do
Homem sublinhava o compromisso regional com a proteção internacional dos Direitos Humanos.
A Carta da OEA, que está inserida na Organização das Nações Unidas e destina-se à
participação em atividades voltadas para a paz e a segurança da região, sofreu algumas
modificações com o tempo.
A partir da década de 1990, quando a defesa da democracia de livre-mercado se tornou um
princípio categórico das relações internacionais, diversas cúpulas entre os chefes de Estado e
de governo americanos têm ocorrido a fim de intensificar a determinação de planejamentos e
ações efetivas para aumentar a integração e o desenvolvimento regionais.
As funções da OEA podem ser resumidas em:
● Garantia da paz e segurança no continente.
● Solução pacífica de controvérsias e problemas políticos, econômicos e jurídicos.
● Promoção e consolidação da democracia representativa.
● Promoção do desenvolvimento econômico, social e cultural por meio de iniciativas de
cooperação.
● Combate à pobreza, considerada um obstáculo ao desenvolvimento dos povos e da
democracia.
● Diminuição dos armamentos convencionais para aumento de recursos destinados aos
problemas sociais do continente.
(M2) Organizações americanas de alcance regional
Organizações regionais de cooperação para o comércio
A cooperação comercial é a razão principal por trás das organizações regionais pelo
mundo. O continente americano não foge a essa regra e há diversas delas nele. Abordaremos
as mais relevantes para a política e a economia regional.
Mercosul
O Mercosul nasceu do Tratado de Assunção, assinado em 26 de março de 1991 pelos
presidentes do Paraguai, André Rodrigues, do Uruguai, Luís Alberto Lacalle Herrera, da
Argentina, Carlos Sul Menem, e do Brasil, Fernando Collor de Mello. Ficou decidido, por meio
desse acordo, a criação do mercado comum até o final do ano de 1994. O novo mercado comum
abrangia uma área de 11 milhões de quilômetros quadrados, mais da metade de toda a América
do Sul (algo em torno de 70%), abarcando 64% da população e 60% do PIB da região.
O Mercosul configura, assim, um “mercado comum”, não sendo, portanto, uma forma de
integração mais avançada. Seu acordo prevê livre circulação de bens, serviços e fatores de
produção. E estabelece a intenção de firmar, no futuro próximo, uma política comercial comum
em relação a outros países.
Além disso, o tratado prevê a adoção de políticas coordenadas na área fiscal,
monetária e cambial, de comércio exterior e de capital, visando garantir condições iguais de
competição entre os membros integrados, mediante a adoção de políticas macroeconômicas
coordenadas e uma tarifa externa comum para ser aplicada a países de fora.
Para o Brasil, o Mercosul tem sido importante como atestam os números do comércio.
No entanto, a integração tem falhado em seu objetivo maior, que visava a uma expansão sobre
outros países do continente, como aqueles da Comunidade Andina. Uma vez estabelecida uma
integração regional de maior amplitude, surgiriam as condições para um diálogo mais
equilibrado com as grandes potências, sobretudo os EUA e sua proposição para a Área de
Livre-Comércio das Américas (Alca).
Comunidade Andina (CAN)
Esse acordo de integração surgiu a partir de uma dissidência da Alalc, Associação
Latino-Americana de Livre-Comércio, que, como vimos, não obteve sucesso na década de 1960.
Em 1969, um grupo de países da região andina, por meio do Acordo de Cartagena (também
conhecido como Pacto Andino), formou um bloco para integrar suas economias, composto por
Bolívia, Chile, Colômbia, Equador e Peru. Durante a década de 1970, o grupo contou com a
inclusão da Venezuela e teve uma baixa, o Chile, em 1973, que olhava mais para parceiros
do mundo desenvolvido.
As metas firmadas em Cartagena, que deram vida à CAN, incluíam a liberação
comercial, a coordenação política para o desenvolvimento industrial dos membros, tratamento
especial e coordenado para as multinacionais, criação de financiamentos de pesquisa em
ciência, tecnologia e educação, a criação de uma tarifa externa comum, coordenação das
políticas econômicas e investimentos em infraestrutura.
Contudo, a ampliação dos mercados não gerou os investimentos na produção esperados,
e os investimentos externos também foram tímidos. Como é típico da realidade local, o poder
público tem limitações para planejamentos de longo prazo e a tendência a conceber
empréstimos para resolver problemas que produzem elevados custos políticos a partir de
tensionamentos sociais. A integração, assim como os respectivos Estados-membros, também
sofrem com esses problemas, pois o bloco deixa de explorar suas possibilidades com a
abertura do mercado para uma economia de escala.
Foram décadas de reuniões para promover as metas concebidas na carta inicial. Acompanhe a
seguir:
● ATÉ A DÉCADA DE 1990 : Poucas metas estavam sendo alcançadas.
● 1991: Venezuela, Colômbia, Bolívia e Equador criaram a Zona de Livre-Comércio (ZLC),
adotando taxas comuns para a circulação de suas mercadorias, porém mantendo suas
taxas individuais para países de fora do bloco.
● 1995 : Foi criada a União Aduaneira Andina, com uma tarifa externa comum, o que,
como vimos, indica um processo de integração mais profundo.
● 1997 : O Peru se incorpora à ZLC e foi decidida a criação do Mercado Comum, e no
ano seguinte os membros aceitaram estabelecer planos para uma política externa
comum.
Apesar das dificuldades, um balanço rápido dos números aponta para as vantagens dessa
integração. Segundo dados do Banco Mundial de 2004, a CAN possuía 117 milhões de
habitantes. O território abarcado por ela é de 4.721.000 de quilômetros quadrados e o PIB
regional ultrapassava os 250 milhões de dólares. A renda per capita estava acima dos 2.000
dólares.
Mercado Comum Centro-Americano (MCCA)
A América Latina enfrenta problemas de desenvolvimento a partir de seu legado
colonial, pois sua formação condicionou suas nações ao papel de complementação da economia
dos países mais ricos (suas antigas metrópoles e seus parceiros), além daquele de comprar os
gêneros industriais provenientes do mundo industrializado.

Mais conteúdos dessa disciplina