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Termodinâmica Trabalho e Energia em Mecânica Clássica: Trabalho realizado pela força F⃗ quando o seu ponto de aplicação percorre o trajecto ÃB: W ÃB (F⃗ ) = ∫ ÃB F⃗ · dr⃗. (1) Força conservativa: uma força é conservativa se o trabalho por ela realizado ao longo de um certo percurso não depende da forma do percurso mas apenas dos pontos inicial e final. Assim, se fixarmos o ponto final, o trabalho realizado entre um ponto qualquer e esse ponto será apenas função do ponto de partida: será um campo. A essa função dá-se o nome de energia potencial Ep. Pode-se definir energia potencial da seguinte forma: Energia potencial: a energia potencial de uma part́ıcula sujeita à acção de uma força conservativa num ponto é o trabalho realizado por essa força conservativa quando a part́ıcula se desloca desde esse ponto até um outro tomado para origem das energias potenciais: EpA = W ÃO (F⃗c), (2) em que EpA é a energia potencial da part́ıcula, associada à força F⃗c, no ponto A e O é o ponto definido como origem da energia potencial. A energia mecânica Em de uma part́ıcula define-se como a soma da sua energia cinética Ec com todas as suas energias potenciais Ep: Em = Ec + Ep (3) A variação da energia mecânica de uma part́ıcula quando ela descreve uma certa trajectória ÃB é igual ao trabalho realizado pela resultante das forças não conservativas que actuam sobre essa part́ıcula ao longo dessa trajectória: EmB − EmA = W ÃB (F⃗Rnc). (4) A energia mecânica de um sistema de part́ıculas pode escrever-se como Em = 1 2 Mv2CM + Eext p + U, (5) em que M á a massa do sistema, v⃗CM a velocidade do seu centro de massa, Eext p a sua energia potencial externa e U a sua energia interna, dada pela soma da energia cinética interna (energia cinética no referencial centro de massa) 2 com a energia potencial interna (soma das energias potenciais resultantes da interacção das part́ıculas do sistema umas com as outras). Para um sistema de part́ıculas, a eq.(4) toma a forma: EmB − EmA = N∑ i=1 W ÃB (F⃗nci), (6) em que F⃗nci, i = 1, ..., N representa cada uma das forças não conservativas que actuam sobre part́ıculas do sistema. Definições gerais e lei zero da Termodinâmica Termodinâmica: ramo da F́ısica que estuda as propriedades dos sistemas relacionadas com a temperatura. N.B. A Termodinâmica, ao contrário da Mecânica, por exemplo, não é uma teoria simétrica mediante uma inversão do tempo, i.e., na Termodinâmica, é posśıvel distinguir o sentido do tempo. N.B. A Termodinâmica estuda sistemas macroscópicos. É posśıvel uma compreensão dos fenómenos termodinâmicos em termos microscópicos através da Mecânica Estat́ıstica. Sistema termodinâmico: parte do Universo que se pretende estudar. Subsistema: uma parte do sistema que pode ter propriedades diferentes das do resto do sistema. Vizinhança: parte do Universo que pode influenciar o sistema. Universo: conjunto do sistema com a sua vizinhança. Fronteira: superf́ıcie que separa o sistema da vizinhança. Parede: fronteira f́ısica. Fronteira adiabática: fronteira que não permite trocas de calor do sistema com a sua vizinhança. Fronteira diatérmica: fronteira que permite trocas de calor do sistema com a sua vizinhança. Sistema aberto: sistema que pode trocar matéria com a sua vizinhança. Sistema fechado: sistema cujas fronteiras não permitem a troca matéria com a sua vizinhança. Sistema isolado: sistema fechado com paredes adiabáticas e inamov́ıveis. Estes sistemas não podem trocar matéria nem energia com a sua vizinhança. N.B. Considera-se sempre que o universo é um sistema isolado. Estado do sistema: situação em que o sistema se encontra do ponto de vista termodinâmico. Variáveis de estado: propriedades relevantes que caracterizam o sistema e cujo valor só depende do estado em que ele se encontra. Convém frisar que o valor de uma variável de estado não depende do processo que ele sofreu até atingir esse estado; apenas depende do próprio estado. Parâmetros de estado: variáveis de estado independentes entre si. 3 Funções de estado: funções dos parâmetros de estado. A diferença entre parâmetros de estado e funções de estado é ténue e pouco importante. Equiĺıbrio termodinâmico: estado do sistema em que todas as variáveis de estado assumem valores definidos e constantes. Este é o caso de um sistema simples. Quando um sistema é constitúıdo por vários subsistemas que estão em equiĺıbrio termodinâmico (sistema composto), ele pode estar em equiĺıbrio e não ter valores definidos para as variáveis de estado, mas os subsistemas têm. N.B. O equiĺıbrio termodinâmico implica sempre equiĺıbrio térmico, equiĺıbrio mecânico e equiĺıbrio qúımico (e equiĺıbrio relativamente a quaisquer outras reacções que, porventura, possam ter lugar, e.g., reacções nucleares). Leis da Termodinâmica: leis gerais que são válidas para qualquer sistema termodinâmico. Equações de estado: equações, obtidas por via experimental, que relacionam as variáveis de estado e que definem um sistema termodinâmico. Estas equações são relativas apenas ao sistema a que se referem e não são aplicáveis a outros sistemas. Contacto térmico: dois sistemas estão em contacto térmico se estiverem separados por uma fronteira diatérmica. Equiĺıbrio térmico: dois sistemas estão em equiĺıbrio térmico entre si se, colocados em contacto térmico, eles mantiverem o seu estado de equiĺıbrio termodinâmico. Obviamente, só se coloca a questão de dois sistemas poderem estar em equiĺıbrio térmico entre si se cada um deles estiver em equiĺıbrio termodinâmico. Lei zero da Termodinâmica: dois sistemas em equiĺıbrio térmico com um terceiro estão em equiĺıbrio térmico entre si. N.B. Vemos assim que o equiĺıbrio térmico estabelece uma relação de equivalência: esta lei permite agrupar os sistemas em conjuntos de sistemas que estão em equiĺıbrio térmico entre si. Além disso, existe uma relação de ordem entre as classes de equivalência, o que permite estabelecer uma escala de temperaturas. Temperatura: propriedade que todos os sistemas termodinâmicos em equiĺıbrio térmico entre si possuem em comum. Trata-se de uma variável de estado e é a lei zero que permite a existência desta propriedade. N.B. Ao permitir a definição de temperatura como uma variável de estado, a lei zero também permite assumir a existência de uma equação de estado. Ao variar a temperatura, variam também as outras variáveis de estado, pelo que deve ser posśıvel escrever a temperatura em função dessas outras variáveis de estado. Essa equação de estado é, por vezes, chamada de equação de estado térmica. Termómetro: sistema termodinâmico com uma variável de estado univocamente relacionada com a temperatura. Exemplos de sistemas termodinâmicos Gás perfeito (também chamado de gás ideal): modelo que pretende descrever o comportamento de um gás real a uma pressão muito baixa. Verifica-se que, nessas condições, todos os gases obedecem aproximadamente a três 4 leis: a lei de Boyle-Mariotte, que estabelece que a pressão e o volume do gás são inversamente proporcionais se a temperatura for mantida constante, a lei de Charles, que estabelece que o volume e a temperatura são directamente proporcionais se a pressão for mantida constante, e a lei de Gay-Lussac, que estabelece que a pressão e a temperatura são directamente proporcionais se o volume do gás for mantido constante. Daqui resulta que: PV ∝ T, (7) em que P é a pressão do gás, V o seu volume e T a sua temperatura. Se consideraremos dois sistemas iguais, constitúıdos por um gás perfeito em equiĺıbrio termodinâmico, e os juntarmos, eliminando a fronteira entre eles, obtemos um outro sistema que é constitúıdo por esse mesmo gás perfeito, com a mesma pressão e a mesma temperatura, mas com um volume duplo do do− SA = 0 transformação reverśıvel adiabática. (199) Seja agora uma transformação irreverśıvel A → B. Construamos um ciclo, acrescentando uma transformação re- verśıvel que começa no estado B e regressa a A. Então∮ d̄Q T = ∫ B A d̄Qirrev T + ∫ A B d̄Qrev T = ∫ B A d̄Qirrev T + SA − SB (200) em que usámos novamente a eq.(194). Como o ciclo é irreverśıvel, usamos a eq.(191) para escrever∫ B A d̄Qirrev T + SA − SB ∫ B A d̄Qirrev T (201) 39 Se, além de irreverśıvel, a transformação for também adiabática, então d̄Q = 0 e SB − SA > 0 transformação irreverśıvel adiabática. (202) Uma transformação ireverśıvel é, pela sua própria natureza, uma transformação espontânea, que parte de um estado de não equiĺıbrio e prossegue até o sistema se encontrar num estado de equiĺıbrio. Como os estados intermédios por que o sistema passa durante essa transformação espontânea não são estados de equiĺıbrio, não é posśıvel definir a entropia desses estados. Mas podemos partir de um sistema composto, por exemplo um sistema constitúıdo por dois subsistemas a temperaturas diferentes separados por uma parede adiabática. Este sistema está, por hipótese, em equiĺıbrio. Colocando os dois subsistemas em contacto térmico, eles vão sofrer uma transformação espontânea até atingir um novo estado de equiĺıbrio. A entropia dos estados intermédios não está definida, mas a dos estados inicial e final está. O que a eq. (202) nos diz é que, se o conjunto dos dois subsistemas estiver termicamente isolado da vizinhança, a entropia do estado final vai ser superior à do estado inicial. Obtemos, assim, o prinćıpio da não diminuição da entropia. Prinćıpio da não diminuição da entropia: A entropia de um sistema termicamente isolado não pode diminuir. Sendo assim, como o sistema referido atrás, constitúıdo por dois subsistemas, aumenta sempre a entropia ao longo da transformação espontânea, de todos os estados de equiĺıbrio posśıveis, o sistema irá evoluir para o estado em que não pode aumentar mais a entropia, i.e., para o estado de entropia máxima compat́ıvel com as suas restrições. Obtemos assim o prinćıpio da entropia máxima. Prinćıpio da entropia máxima: O estado de equiĺıbrio de um sistema é, de entre todos os que são compat́ıveis com as suas restrições, aquele que maximiza a sua entropia. Cálculo da variação da entropia de alguns sistemas: Fonte de calor Os processos de troca de calor de uma fonte são sempre reverśıveis. Assim, sendo T a temperatura da fonte, T é constante e ∆S = ∫ d̄Q T = 1 T ∫ d̄Q = Q T , (203) em que Q é a quantidade de calor que a fonte recebeu no processo. Processo isotérmico reverśıvel Sendo o processo isotérmico, T é constante e ∆S = ∫ d̄Q T = 1 T ∫ d̄Q = Q T , (204) 40 em que Q é a quantidade de calor que o sistema recebeu no processo. Processo não isotérmico reverśıvel Usando a definição de capacidade térmica (eq.(44)), temos d̄Q = C dT ⇔ dS = d̄Q T = C dT T . (205) Para o processo ser reverśıvel, é necessário admitir que o corpo está constantemente em contacto com uma fonte de calor com uma temperatura essencialmente igual à do corpo. Assim, quando a temperatura do corpo varia entre Ti e Tf , a variação de entropia obtém-se integrando a expressão anterior: ∆S = ∫ Tf Ti C dT T . (206) Se a capacidade térmica for constante, ∆S = C ln Tf Ti (207) Gás perfeito Para um gás perfeito, U = U(T ), independente de P ou de V . Assim, dU = CV dT. (208) Usando a eq.(196), obtemos CV dT = T dS − P dV (209) ou ainda dS = CV dT T + P T dV = CV dT T + nR dV V , (210) pelo que, assumindo que CV é constante e integrando, obtemos ∆S = CV ln Tf Ti + nR ln Vf Vi . (211) Para uma transformação isocórica, fica ∆S = CV ln Tf Ti (212) e, para uma transformação isobárica, como Vf Vi = Tf Ti , fica ∆S = CV ln Tf Ti + nR ln Tf Ti = CP ln Tf Ti (213) em que usámos a eq.(58). Estas expressões estão de acordo com a eq.(207). Corpo e fonte de calor Consideremos um corpo, de capacidade térmica CV constante, à temperatura TC , que é colocado em contacto térmico com uma fonte de calor à temperatura TF . Suponhamos que o volume do corpo é mantido constante. Haverá troca de calor entra o corpo e a fonte até ser atingido o equiĺıbrio, em que a temperatura do corpo será igual à da fonte. Este processo não é, obviamente, reverśıvel. Para calcular a variação da entropia do corpo, temos que imaginar um 41 processo reverśıvel que o leve da temperatura TC à temperatura TF , mantendo constante o seu volume. Esse processo é o que conduz à eq.(207): ∆SC = CV ln TF TC = −CV ln TC TF . (214) A variação da entropia da fonte é dada pela eq.(203) ∆SF = QF TF , (215) em que o calor recebido pela fonte QF é o calor −QC fornecido pelo corpo: QF +QC = 0 ⇔ QF = −QC = −CV (TF − TC). (216) Assim, ∆SF = −CV TF − TC TF = −CV Å 1− TC TF ã (217) e a variação de entropia do universo será ∆SU = ∆SC +∆SF = −CV ln TC TF − CV Å 1− TC TF ã = −CV (lnx+ 1− x) , (218) em que x = TC TF . (219) Os pontos estacionários da variação da entropia do universo são dados pela solução da equação d dx [−CV (lnx+ 1− x)] = 0 ⇒ x = 1 e − CV (lnx+ 1− x)x=1 = 0. (220) Calculando a segunda derivada, d2 dx2 [−CV (lnx+ 1− x)]x=1 = CV 1 x2 ∣∣∣∣ x=1 = CV > 0. (221) Assim, a variação de entropia do universo tem um mı́nimo quando x = 1, o que implica TC = TF . O valor desse mı́nimo é ∆SUmin = −CV (ln 1 + 1− 1) = 0. (222) Assim, só se as temperaturas forem iguais, em cujo caso nada acontece, pois os sistemas já estão em equiĺıbrio, é que a entropia não varia. Caso contrário, a entropia aumenta. Dois corpos Consideremos dois corpos A e B, com capacidades térmicas a volume constante CV A e CV B e às temperaturas iniciais TAi e TBi, respectivamente. CV A e CV B são ambos considerados constantes. Colocam-se em contacto térmico, mantendo constante o volume de cada um e supondo que o conjunto dos dois corpos está rodeado de uma fronteira adiabática (i.e. termicamente isolado da vizinhança). Mostremos que a nova situação de equiĺıbrio (máximo da entropia) exige que as suas temperaturas finais TAf e TBf sejam iguais. Como os corpos estão termicamente isolados do exterior, o calor total tem que ser nulo: Q = 0 ⇔ QA +QB = 0 ⇔ CV A(TAf − TAi) + CV B(TBf − TBi) = 0 (223) 42 e as variações de entropia são: ∆SA = CV A ln TAf TAi e ∆SB = CV B ln TBf TBi , (224) sendo a variação de entropia do universo ∆SU = CV A ln TAf TAi + CV B ln TBf TBi . (225) TAf e TBf não são variáveis independentes; estão relacionadas pela eq.(223). Assim, a entropia do universo será estacionária para d dTAf ∆SU = 0 ⇔ CV A TAf + CV B TBf dTBf dTAf = 0. (226) Da eq.(223) conclui-se que dTBf dTAf = −CV A CV B , (227) pelo que a eq.(226) fica CV A TAf + CV B TBf Å −CV A CV B ã = 0 ⇔ TBf = TAf . (228) A segunda derivada será d2 dT 2 Af ∆SU ∣∣∣∣∣ TBf=TAf = − ñ CV A T 2 Af + CV B T 2 Bf Å −CV A CV B ã2ô TBf=TAf = −CV A T 2 Af Å 1 + CV A CV B ã ∆SU = CV ln Tf TA + CV ln Tf TB = CV ln T 2 f TATB . (232) Facilmente vemos que T 2 f = Å TA + TB 2 ã2 ≥ Å TA + TB 2 ã2 − Å TA − TB 2 ã2 = TATB, (233) pelo que o argumento do logaritmo na eq.(232) é sempre maior ou igual a 1. A igualdade dá-se apenas quando as temperaturas são iguais. Então, a entropia do universo aumenta a não ser neste último caso, em que as temperaturas são iguais e, portanto, não há qualquer alteração no sistema. 43 Este é mais um exemplo de que a entropia do universo aumenta quando ocorre um processo irreverśıvel. Suponhamos agora que CV não é constante. Suponhamos que varia linearmente com a temperatura: CV = cT. (234) Cálculos semelhantes aos anteriores conduzem a d̄QA = CV dT = cT dT ⇔ QA = ∫ Tf TA cTdT = c 2 (T 2 f − T 2 A), (235) com a mesma expressão para d̄QB, d̄QB = CV dT = cT dT ⇔ QB = ∫ Tf TB cTdT = c 2 (T 2 f − T 2 B). (236) As expressões para d̄QA e d̄QB são iguais mas d̄QA ̸= d̄QB. Em cada expressão, T é a temperatura do corpo a que a expressão se refere. A variação da energia interna será ∆U = QA +QB = c 2 ( 2T 2 f − T 2 A − T 2 B ) . (237) Mais uma vez, ∆U = 0, pelo que Tf = T 2 A + T 2 B 2 . (238) A variação da entropia vai ser ∆S = ∫ Tf TA cT T dT + ∫ Tf TB cT T dT = c(2Tf − TA − TB). (239) Para mostrar que esta variação é sempre positiva ou nula, basta mostrar que: Tf ≥ TA + TB 2 ⇔ T 2 f ≥ Å TA + TB 2 ã2 , (240) em que esta equivalência vem de ambos os membros da primeira desigualdade serem necessariamente não negativos. Então, T 2 f − Å TA + TB 2 ã2 = T 2 A + T 2 B 2 − T 2 A + 2TATB + T 2 B 4 = T 2 A − 2TATB + T 2 B 4 = Å TA − TB 2 ã2 ≥ 0. (241) Experiência de Joule Na experiência de Joule, realiza-se trabalho dissipativo sobre água, que aumenta a sua temperatura e a sua energia interna: ∆U = Wdissipativo. (242) A variação de entropia da água pode ser calculada através de um processo reverśıvel que a leve do mesmo estado inicial até ao mesmo estado final. Fornecendo calor e admitindo que a capacidade térmica da água é constante, ∆S = CP ln Tf Ti . (243) 44 Expansão livre de um gás perfeito Neste caso, não se realiza trabalho sobre o sistema nem se transmite calor, pelo que W = Q = 0 (244) e a temperatura também não varia. Usando a expressão (211), ∆S = nR ln Vf Vi . (245) Poder-se-á perguntar como pode a entropia aumentar se não é transmitido calor ao sistema. A resposta é que a expressão (195) apenas se aplica a processos reverśıveis. Neste caso, temos que imaginar uma forma de aumentar o volume do gás, mantendo constante a sua temperatura. Para isso, é necessário colocar o gás em contacto térmico com uma fonte de calor a essa temperatura. À medida que o gás vai expandindo, vai realizando trabalho sobre a vizinhança, pelo que tem que receber calor da fonte para manter constante a sua energia interna. Equação de Clausius-Clapeyron Consideremos agora um ciclo de Carnot ao longo de uma transição de fase a pressão constante como mostra a figura 17. Nesta figura, supomos que a transição de fase é uma vaporização/condensação, sendo Vv o volme do vapor T - d T P P P - d P V l V v T Figura 17. Equação de Clausius-Clapeyron. saturado e Vℓ o volume do ĺıquido saturado. A isotérmica será, evidentemente, um segmento de recta horizontal no diagrama PV . Sejam T e T − dT as temperaturas das fontes. O ciclo será infinitesimal, correspondendo as duas isotérmicas a duas pressões que diferem de um infinitésimo dP . O seu rendimento será, também ele, infinitesimal (eq.(154)): dη = TQ − TF TQ = dT T . (246) Por outro lado, o trabalho realizado pelo sistema sobre a vizinhança será a área do rectângulo: d̄We = dP (Vv − Vℓ). (247) 45 Então, o rendimento pode ser escrito como: dη = d̄We Q = dP (Vv − Vℓ) Q = dT T , (248) sendo Q o calor fornecido ao ĺıquido para passar a vapor à temperatura T (em que o volume varia de Vℓ para Vv), de onde se conclui que dP dT = Q T (Vv − Vℓ) . (249) Esta equação é a equação de Clausius-Clapeyron, que relaciona a temperatura a que se dá uma transição de fase com a respectiva pressão. Variação da entropia e degradação da energia: Corpo e fonte de calor Vamos supor um corpo C à temperatura TC com capacidade térmica CV constante e uma fonte de calor FC à temperatura TF . Supomos que o volume do corpo se mantém sempre constante. Consideramos ainda que há um outro sistema CC que pode realizar um ciclo de Carnot e que os três formam um mega-sistema. Se colocarmos o corpo em contacto térmico com a fonte eles trocam calor até o corpo ficar à temperatura TF . A variação da entropia do mega-sistema será dada pela eq.(218), ∆S = ∆SC +∆SF = CV ln TF TC − CV Å 1− TC TF ã . (250) O sistema CC não efectuou qualquer transformação, pelo que não figura nesta equação. Suponhamos agora outra forma de atingir um estado de equiĺıbrio térmico entre o corpo e a fonte. Vamos usar o ciclo de Carnot e aproveitar a diferença de temperaturas para realizar trabalho, levando a uma transferência de calor entre o ciclo e o corpo e entre o ciclo e a fonte. Neste caso, uma das fontes do ciclo é o corpo, que tem uma temperatura T variável. Começa em TC e termina em TF . Sejam d̄Q′ e d̄Q′ F as quantidades de calor que o sistema CC recebe do corpo e da fonte respectivamente, quando o corpo está à temperatura T e CC descreve um ciclo infinitesimal. Teremos então que, ao fim de um ciclo de Carnot, a energia interna do sistema que realiza esse ciclo volta ao seu valor inicial, e d̄W + d̄Q′ + d̄Q′ F = 0 (251) em que d̄W é o trabalho que o ciclo recebe da vizinhança do mega-sistema. Sejam agora d̄Q e d̄QF as quantidades de calor que, respectivamente o corpo e a fonte recebem do ciclo e d̄We o trabalho que o ciclo realiza sobre a vizinhança. Teremos d̄Q = − d̄Q′ d̄QF = − d̄Q′ F e d̄We = − d̄W, (252) 46 de onde decorre d̄We + d̄Q+ d̄QF = 0. (253) Da mesma forma, d̄Q′ T + d̄Q′ F TF = 0 ⇔ d̄Q T + d̄QF TF = 0. (254) Desta última equação, podemos concluir que d̄QF = −TF T d̄Q, (255) e, da eq.(253), d̄We = − d̄Q− d̄QF = − d̄Q+ TF T d̄Q = Å TF T − 1 ã d̄Q. (256) Mas d̄Q é o calor que o corpo recebe e que faz a sua temperatura variar de dT , pelo que d̄Q = CV dT. (257) O trabalho total que o mega-sistema fornece à vizinhança obtém-se integrando a eq.(256), We = ∫ TF TC Å TF T − 1 ã CV dT = CV TF ln TF TC − CV (TF − TC) . (258) Pondo TF em evidência, obtemos finalmente We = TF ï CV ln TF TC − CV Å 1− TC TF ãò = TF∆S, (259) com ∆S dado pela eq.(250). Esta transformação, envolvendo o sistema CC, é reverśıvel, pelo que se extrai da diferença de temperaturas entre o corpo e da fonte o máximo de trabalho que é posśıvel. Caso o corpo tivesse sido colocado em contacto térmico com a fonte (transformação inicial), já não haveria uma diferença de temperaturas para possibilitar a realização deste trabalho. Verificamos, pois, que a variação de entropia quando se realiza o processo irreverśıvel inicial está relacionada com o trabalho que deixa de ser posśıvel realizar com o sistema. Dois corpos iguais Consideremos agora dois corpos iguais, A e B, com a mesma capacidade térmica a volume constante CV , que supomos que se mantém constante quando a temperatura dos corpos varia. Inicialmente, o corpo A está à temperatura TA e o corpo B à temperatura TB. O conjunto está isolado do meio exterior e os volumes dos corpos são constantes. Pretendemos colocá-los em contacto térmico, em equiĺıbrio, mas temos várias formas de o fazer. Coloquemos, então, a questão: qual é a temperatura de equiĺıbrio máxima e a temperatura de equiĺıbrio mı́nima que os corpos podem atingir? É claro que, quanto mais energia retirarmos dos corpos, menor vai ser a temperatura de equiĺıbrio. Consideremos os dois extremos: 47 (1) Colocamosos corpos em contacto térmico um com o outro e deixamos que haja transferência de calor até o equiĺıbrio ser atingido. Neste caso, a variação da energia interna é nula e a temperatura final TM será, como já vimos, dada pela eq.(231) TM = TA + TB 2 , (260) enquanto que a variação da entropia será dada pela eq.(232) ∆SU = CV ln T 2 M TATB . (261) Este é o caso em que não retiramos energia aos corpos e, portanto, a sua energia interna final é máxima. (2) O outro caso extremo é aquele em que colocamos uma máquina térmica a retirar energia aos corpos, fazendo as respectivas temperaturas aproximarem-se uma da outra. Se a máquina térmica for reverśıvel, já sabemos que retiramos o máximo posśıvel de energia aos corpos sob a forma de trabalho e a energia final será mı́nima. A reversibilidade leva a que, como o mega-sistema constitúıdo pelos corpos e pelo ciclo de Carnot está termicamente isolado, a variação de entropia seja nula. Assim, como a máquina térmica funciona em ciclo, a variação da sua entropia é nula. Isto significa que a variação da entropia do sistema de dois corpos também tem que ser nula e que a temperatura final Tm terá que verificar ∆SU = CV ln T 2 m TATB = 0, (262) e que a temperatura final será Tm = √ TATB. (263) Este é o valor mı́nimo que pode ter a temperatura depois de os corpos serem levados a um estado de equiĺıbrio térmico um com o outro. Máquina térmica Consideremos uma máquina térmica, reverśıvel ou não, cujo ciclo utiliza apenas duas fontes de calor às temperaturas TQ e TF , sendo TQ > TF . Os calores que as fontes às temperaturas TQ e TF recebem da máquina são, respectivamente, QQ 0. Como a máquina funciona em ciclo, a variação da sua entropia é nula e a variação da entropia do universo é só a variação da entropia das fontes: ∆SU = QQ TQ + QF TF , (264) pelo que QF = −QQ TF TQ .+ TF∆SU . (265) O trabalho que a máquina fornece à vizinhança será, a exemplo do que mostra a eq.(253), We = −QQ −QF = −QQ +QQ TF TQ − TF∆SU = −QQ TQ − TF TQ − TF∆SU ≥ 0. (266) 48 Este resultado é a diferença de duas parcelas: −QQ TQ−TF TQ e TF∆SU , a primeira positiva e a segunda não negativa. Assim, o valor máximo que pode tomar o trabalho realizado será We,max = −QQ TQ − TF TQ (267) pelo que podemos escrever We = We,max − TF∆SU . (268) Assim, vemos que o trabalho realizado será máximo se e só se o processo for reverśıvel e que, se isso não acontecer, a variação da entropia multiplicada pela temperatura da fonte fria corresponde ao trabalho que deixa de se poder realizar por se ter tido um processo irreverśıvel. Máquina frigoŕıfica Consideremos agora uma máquina frigoŕıfica, podendo igualmente ser ou não reverśıvel, cujo ciclo utiliza apenas as duas fontes de calor às temperaturas TQ e TF , sendo TQ > TF . Desta vez, os calores que as fontes às temperaturas TQ e TF recebem da máquina são, respectivamente, QQ > 0 e QF(286) é a variação de entropia do universo. Energia interna mı́nima Prinćıpio da energia interna mı́nima Já referimos o prinćıpio da entropia máxima. Sabemos que um sistema termicamente isolado da sua vizinhança ocupará sempre o estado de equiĺıbrio que corresponde a um valor máximo da entropia compat́ıvel com as suas restrições. De uma forma idêntica, se compararmos a energia interna para diversos estados de equiĺıbrio com a mesma entropia, o sistema irá escolher o estado com a energia interna mı́nima. De todos os estados com a mesma entropia, o estado de equiĺıbrio de um sistema composto é o estado que tem a energia interna mı́nima, compat́ıvel com as suas restrições. Em resumo, os corpos podem ser levados até ao equiĺıbrio térmico através de um processo que mantém a sua energia interna constante e, nesse caso, a entropia terá o valor máximo compat́ıvel com essa condição, ou então podem ser 51 levados até ao equiĺıbrio térmico através de um processo que mantém a sua entropia constante e, nesse caso, a energia interna terá o valor mı́nimo compat́ıvel com essa condição. Estes são o Prinćıpio da Entropia Máxima e o Prinćıpio da Energia Interna Mı́nima, que acabámos de referir. Note-se que ambos são estados de equiĺıbrio, mas que o estado de entropia máxima é atingido através de um processo espontâneo; basta colocar os corpos em contacto térmico e esperar que o equiĺıbrio térmico seja atingido. No caso da entropia constante, não existe essa espontaneidade; apenas sabemos que, mantendo a entropia constante, o estado de equiĺıbrio é o que tem a energia interna mı́nima, mas nós podemos sempre fazer o contrário e aumentar ainda mais a energia interna, bastando recorrer a uma máquina frigoŕıfica para aumentar ainda mais a diferença de temperaturas entre os dois corpos, mantendo constante a entropia. Formalismo matemático Equação fundamental A variação infinitesimal da energia interna de um sistema termodinâmico pode ser escrita como (eq.(196)) dU = TdS − PdV. (287) Como também podemos escrever dU em função das variáveis S e V como dU = ∂U ∂S ∣∣∣∣ V dS + ∂U ∂V ∣∣∣∣ S dV, (288) temos que T = ∂U ∂S ∣∣∣∣ V (289) e −P = ∂U ∂V ∣∣∣∣ S . (290) A expressão de U em termos de S e V descreve completamente o sistema termodinâmico. Gás perfeito Para o gás perfeito, temos U(S, V ) = U0 Å V V0 ã− nR CV exp Å S − S0 CV ã , (291) em que U0, V0 e S0 são constantes. Usando as eqs.(289) e (290), facilmente obtemos T = 1 CV U0 Å V V0 ã− nR CV exp Å S − S0 CV ã = U CV (292) e P = nR CV U V0 Å V V0 ã−1 = nRU V CV . (293) 52 A eq.(292) dá-nos a equação de estado energética U = CV T (294) e a eq.(293) dá-nos a equação de estado térmica P = nRT V . (295) A entropia pode obter-se em função de T e V através da primeira igualdade da eq.(292): S = S∗ 0 + CV lnT + nR lnV (296) em que S∗ 0 = S0 + CV ln CV V − nR CV 0 U0 (297) Relações de Maxwell Admitindo que U(S, V ) admite segundas derivadas cont́ınuas, ∂2U ∂V ∂S = ∂2U ∂S∂V . (298) Usando as eqs.(289) e (290), obtemos ∂T ∂V ∣∣∣∣ S = − ∂P ∂S ∣∣∣∣ V . (299) Esta é a primeira relação de Maxwell. Podemos obter as outras relações usando o teorema da reciprocidade eq.(39). Aplicando esta equação com S em vez de x, V em vez de y e P em vez de z, obtemos ∂V ∂S ∣∣∣∣ P = − ∂V ∂P ∣∣∣∣ S ∂P ∂S ∣∣∣∣ V . (300) Usando a primeira relação de Maxwell, esta equação toma a forma ∂V ∂S ∣∣∣∣ P = ∂V ∂P ∣∣∣∣ S ∂T ∂V ∣∣∣∣ S . (301) Agora, basta usar a eq.(41) (derivada da função composta) para finalmente obter ∂V ∂S ∣∣∣∣ P = ∂T ∂P ∣∣∣∣ S , (302) que é a segunda relação de Maxwell. O processo pode agora ser repetido com variáveis diferentes, ∂S ∂V ∣∣∣∣ T = − ∂S ∂T ∣∣∣∣ V ∂T ∂V ∣∣∣∣ S = ∂S ∂T ∣∣∣∣ V ∂P ∂S ∣∣∣∣ V , (303) em que usámos novamente a primeira relação de Maxwell. A eq.(41) permite obter ∂S ∂V ∣∣∣∣ T = ∂P ∂T ∣∣∣∣ V , (304) que é a terceira relação de Maxwell. Finalmente, podemos escrever ∂S ∂P ∣∣∣∣ T = − ∂S ∂T ∣∣∣∣ P ∂T ∂P ∣∣∣∣ S = − ∂S ∂T ∣∣∣∣ P ∂V ∂S ∣∣∣∣ P (305) 53 e obtemos finalmente ∂S ∂P ∣∣∣∣ T = − ∂V ∂T ∣∣∣∣ P , (306) que é a quarta relação de Maxwell. Estas equações são particularmente úteis porque fornecem relações entre as diversas variáveis termodinâmicas, no- meadamente entre variáveis que são pasśıveis de ser medidas, como o volume, a pressão ou a temperatura e as que não se podem medir, como a entropia. Equações TdS A expressão TdS está relacionada com o calor infinitesimal ao longo de um processo reverśıvel. Podemos encontrar expressões para TdS em termos das variáveis V e T , ou em termos das variáveis P e T , ou ainda das variáveis P e V . Comecemos com o primeiro caso: dS = ∂S ∂V ∣∣∣∣ T dV + ∂S ∂T ∣∣∣∣ V dT (307) e TdS = T ∂S ∂V ∣∣∣∣ T dV + T ∂S ∂T ∣∣∣∣ V dT. (308) Numa transformação reverśıvel, dS = d̄Q T ⇔ d̄Q = TdS. (309) Se, além disso, for a volume constante, d̄Q = CV dT e TdS = T ∂S ∂T ∣∣∣∣ V dT, (310) pelo que T ∂S ∂T ∣∣∣∣ V = CV . (311) Usando esta equação e a terceira relação de Maxwell na eq.(308), obtemos TdS = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V dV + CV dT (312) Esta é a primeira equação TdS. Vamos agora exprimir dS em termos de P e T dS = ∂S ∂P ∣∣∣∣ T dP + ∂S ∂T ∣∣∣∣ P dT (313) e TdS = T ∂S ∂P ∣∣∣∣ T dP + T ∂S ∂T ∣∣∣∣ P dT. (314) Um racioćınio idêntico ao anterior permite escrever T ∂S ∂T ∣∣∣∣ P = CP . (315) 54 Usando esta equação e a quarta relação de Maxwell, obtemos TdS = −T ∂V ∂T ∣∣∣∣ P dP + CPdT (316) Esta é a segunda equação TdS. Finalmente, exprimimos dS em termos de P e V , dS = ∂S ∂P ∣∣∣∣ V dP + ∂S ∂V ∣∣∣∣ P dV (317) e TdS = T ∂S ∂P ∣∣∣∣ V dP + T ∂S ∂V ∣∣∣∣ P dV. (318) Usando a eq.(41), TdS = T ∂S ∂T ∣∣∣∣ V ∂T ∂P ∣∣∣∣ V dP + T ∂S ∂T ∣∣∣∣ P ∂T ∂V ∣∣∣∣ P dV. (319) Usando as eqs.(311) e (315), obtemos TdS = CV ∂T ∂P ∣∣∣∣ V dP + CP ∂T ∂V ∣∣∣∣ P dV. (320) Esta é a terceira equação TdS. Relação de Mayer Igualando as duas primeiras equações TdS, obtemos T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V dV + CV dT = −T ∂V ∂T ∣∣∣∣ P dP + CPdT. (321) Dividindo ambos os membros da equação por dT a pressão constante (dP = 0) T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V ∂V ∂T ∣∣∣∣ P + CV = CP , (322) que se pode escrever como CP − CV = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V ∂V ∂T ∣∣∣∣ P . (323) Esta é a relação de Mayer. Equações da energia interna Vamos agora exprimir a energia interna em termos de V e T . Para isso, dividimos dU por dV a temperatura constante, dU = TdS − PdV ⇒ ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂S ∂V ∣∣∣∣ T − P. (324) Usando a terceira relação de Maxwell, obtemos ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V − P. (325) Esta é a primeira equação da energia interna. Usando agora as variáveis P e T e dividindo por dP , obtemos dU = TdS − PdV ⇒ ∂U ∂P ∣∣∣∣ T = T ∂S ∂P ∣∣∣∣ T − P ∂V ∂P ∣∣∣∣ T . (326) 55 Desta vez, usamos a quarta relação de Maxwell para obter ∂U ∂P ∣∣∣∣ T = −T ∂V ∂T ∣∣∣∣ P − P ∂V ∂P ∣∣∣∣ T . (327) Esta é a segunda equação da energia interna. Representação em termos dos coeficientes térmicos Temos vindo a descrever várias relações em termos de derivadas que envolvem apenas as variáveis mensuráveis P , V e T . Estas derivadas podem ser escritas em termos dos coeficientes térmicos definidos nas eqs.(30), (31) e (32), e ainda do coeficiente de compressibilidade adiabática reverśıvel κS , definido como κS = − 1 V ∂V ∂P ∣∣∣∣ S . (328) Assim, podemos escrever ∂P ∂T ∣∣∣∣ V = − ∂P ∂V ∣∣∣∣ T ∂V ∂T ∣∣∣∣ P = − ∂V ∂T ∣∣∣ P ∂V ∂P ∣∣∣ T = − V α −V κT = α κT (329) e a primeira equação TdS fica TdS = Tα κT dV + CV dT. (330) Usando a eq.(30), a segunda equação TdS fica TdS = −αV TdP + CPdT. (331) Usando o inverso da eq.(30) e o inverso da eq.(329) a terceira equação TdS fica TdS = CV κT α dP + CP αV dV.(332) Aplicando esta equação a um processo adiabático reverśıvel (em que TdS = 0), obtemos CV κT α dP + CP αV dV = 0 ⇔ − 1 V ∂V ∂P ∣∣∣∣ S = CV κT CP (333) ou, usando a eq.(328), κS κT = CV CP , (334) conhecida como a relação de Reech. Na relação de Mayer, usamos as eqs.(30) e (329) para escrever CP − CV = TV α2 κT . (335) Para a primeira equação da energia interna, usamos a eq.(329), ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = αT κT − P (336) e, para a segunda equação da energia interna, usamos as eqs.(30) e (31) ∂U ∂P ∣∣∣∣ T = −V Tα+ PV κT . (337) 56 Compatibilidade das equações de estado As equações de estado térmica e energética não podem ser escolhidas arbitrariamente. Reescrevendo as eqs.(54) e (325), ∂U ∂T ∣∣∣∣ V = CV e ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V − P (338) e admitindo que U admite segundas derivadas cont́ınuas, teremos que ter ∂2U ∂V ∂T = ∂2U ∂T∂V ⇒ ∂CV ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂2P ∂T 2 ∣∣∣∣ V . (339) Da mesma forma, podemos obter uma condição envolvendo CP escrevendo a entropia em termos de T e P , eqs.(315) e (306): ∂S ∂T ∣∣∣∣ P = CP T e ∂S ∂P ∣∣∣∣ T = − ∂V ∂T ∣∣∣∣ P . (340) Assumindo, agora, que a entropia admite segundas derivadas cont́ınuas relativamente a T e a P , ∂2S ∂P∂T = ∂2S ∂T∂P ⇒ ∂CP ∂P ∣∣∣∣ T = T ∂2V ∂T 2 ∣∣∣∣ P . (341) Cálculo de U Vamos calcular a energia interna para um gás perfeito e para um gás de van der Waals a partir da equação de estado térmica e da expressão para CV . Para isso, vamos resolver as eqs.(338) Para o gás perfeito, usamos as equações PV = nRT e CV = const. (342) obtemos ∂U ∂T ∣∣∣∣ V = CV e ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V − P = nRT V − P = 0, (343) de onde se obtém U = CV T + U0. (344) Para o gás de van der Waals, Å P + an2 V 2 ã (V − nb) = nRT e CV = const., (345) e temos que ∂U ∂T ∣∣∣∣ V = CV e ∂U ∂V ∣∣∣∣ T = T ∂P ∂T ∣∣∣∣ V − P = nRT V − nb − P = an2 V 2 . (346) Como a derivada em ordem a T não depende de V e a derivada em ordem a V não depende de T , podemos simplesmente somar as primitivas U = CV T − an2 V + U0. (347) Cálculo de S As equações dadas anteriormente também nos permitem calcular a entropia. Para isso, lembramos as eqs.(311) e (304) ∂S ∂T ∣∣∣∣ V = CV T e ∂S ∂V ∣∣∣∣ T = ∂P ∂T ∣∣∣∣ V . (348) 57 Para o gás perfeito, fica ∂S ∂T ∣∣∣∣ V = CV T e ∂S ∂V ∣∣∣∣ T = nR V , (349) que, integrando, dá S = CV lnT + nR lnV + S0. (350) Para o gás de van der Waals, obtém-se ∂S ∂T ∣∣∣∣ V = CV T e ∂S ∂V ∣∣∣∣ T = nR V − nb . (351) Integrando, fica S = CV lnT + nR ln(V − nb) + S0. (352) Considerações sobre a relação de Mayer A eq.(39) permite-nos escrever ∂P ∂T ∣∣∣∣ V = − ∂P ∂V ∣∣∣∣ T ∂V ∂T ∣∣∣∣ P (353) e a relação de Mayer também pode tomar a seguinte forma CP − CV = −T ∂P ∂V ∣∣∣∣ T Å ∂V ∂T ∣∣∣∣ P ã2 . (354) Para todos os sistemas conhecidos, a derivada ∂P ∂V ∣∣∣ T é negativa. Assim, desta equação conclúımos que CP nunca pode ser inferior a CV . Vemos ainda que CP será igual a CV se o só se uma das seguintes condições se realizar: T = 0, ou então ∂V ∂T ∣∣∣ P = 0, o que é equivalente a ter um coeficiente de dilatação nulo α = 0. Ciclo de Carnot imposśıvel Com base no que acabamos de referir, vamos imaginar um ciclo de Carnot em que a substância que sofre o ciclo tem um coeficiente de dilatação nulo à temperatura TF da fonte fria para uma pressão arbitrária. Comecemos por lembrar que a condição α = 0 existe na realidade. A água, a cerca de 4◦C e à pressão atmosférica, é um exemplo disso. Neste caso, a variação de entropia ao longo de um ciclo será (figura10) ∆S = ∆SAB +∆SBC +∆SCD +∆SDA = 0. (355) Esta soma terá que ser nula, uma vez que a entropia é uma função de estado. Ao longo das adiabáticas ter-se-á, evidentemente, ∆SBC = ∆SDA = 0. (356) Ao longo da isotérmica à temperatura TQ teremos ∆SAB = QQ TQ > 0. (357) No entanto, ao longo da outra isotérmica, teremos, de acordo com a eq.(331) TdS = −αV TdP + CPdT = 0, (358) 58 uma vez que assumimos α = 0 e, sendo uma isotérmica, dT = 0. Assim temos uma contradição, em que a variação de entropia ao longo de um ciclo deve ser nula mas, ao mesmo tempo, parece ter que ser positiva. A relação de Mayer permite compreender o motivo para esta contradição. Assumimos que α = 0 à temperatura TF , qualquer que seja a pressão. No entanto, de acordo com as eqs.(31), (328), (334) e (335) temos ∂P ∂V ∣∣∣ S ∂P ∂V ∣∣∣ T = ∂V ∂P ∣∣∣ T ∂V ∂P ∣∣∣ S = − 1 V ∂V ∂P ∣∣∣ T − 1 V ∂V ∂P ∣∣∣ S = κT κS = CP CV = 1 ⇒ ∂P ∂V ∣∣∣∣ S = ∂P ∂V ∣∣∣∣ T , (359) em que usámos o facto de a relação de Mayer estabelecer que, se α = 0, CP = CV . No entanto, sendo as derivadas de P em ordem a V iguais para uma isotérmica e para uma isentrópica (adiabática reverśıvel), desde que as funções P (V, T = const.) e P (V, S = const.) tenham o mesmo ponto de partida, elas serão iguais, i.e., a isotérmica coincidirá com a adiabática. No entanto, o ciclo de Carnot assume que se passa de uma isotérmica a outra através de uma adiabática. Se a adiabática coincide com a isotérmica, nunca a pode ligar a outra e não é posśıvel ter um ciclo de Carnot nestas condições. Exemplos Outros exemplos de aplicação deste formalismo podem ser abordados. Consideremos as seguintes equações de estado P (v − b) = RT e cv = const., (360) em que as letras minúsculas designam as variáveis extenśıvas correspondentes a 1 mol. Das equações da energia interna, facilmente podemos concluir que ∂u ∂v ∣∣∣∣ T = 0 e ∂u ∂P ∣∣∣∣ T = 0 (361) e temos u = cvT + u0. (362) Da relação de Mayer obtemos cP − cv = R ⇒ γ = cP cv = 1 + R cv . (363) A equação para a adiabática entre P e V pode ser obtida a partir da 3ª equação TdS cv v − b R dP + cP P R dv = 0 ⇒ P (v − b)γ = const.. (364) Como último exemplo, consideremos um gás de van der Waals e calculemos o calor que ele recebe ao longo de uma expansão isotérmica reverśıvel e a expressão para uma transformação adiabática reverśıvel. A 1ª equação TdS fica TdS = CV dT + nRT dV V − nb . (365) Uma vez que se trata de uma transformação isotérmica (dT = 0) e reverśıvel ( d̄Q = TdS), obtemos dQ = nRT dV V − nb ⇒ Q = nRT ln Vf − nb Vi − nb , (366) 59 em que Vi e Vf são o volume inicial e o volume final do gás. Para a adiabática em termos de V e T , podemos usar novamente a 1ª equação TdS, eq.(312) dS = 0 ⇒ nRT V − nb dV + CV dT = 0 ⇒ dV V − nb = −CV nR dT T , (367) e obtemos (V − nb)T CV nR = const.. (368) Rendimento de máquinas térmicas Corda elástica Vamos considerar um sistema termodinâmico diferente do sistema hidrostático que temos vindo a considerar até agora. Uma corda elástica com um comprimento em equiĺıbrio L0, cuja equação de estado térmica relaciona a tensão Γ com o comprimento L: Γ = KT (L− L0) para L ≥ L0. (369) Supomos K e L0 constantes positivas — não dependem da temperatura. A t́ıtulo de curiosidade, este sistema tem um coeficiente de dilatação negativo; quanto maior for a temperatura, com Γ constante, menor será L− L0: α = 1 L Å ∂L ∂T ã Γ = − 1 T L− L0 L em ordem a T e em ordem a L: S(L, T ) = CL lnT − 1 2 K(L− L0) 2 + S0. (375) 60 Para desenhar um ciclo de Carnot num diagrama PV , é necessário calcular as isotérmicas e as adiabáticas: T const. ⇒ Γ ∝ L− L0 ⇒ recta que passa pela origem. (376) S const. ⇒ CL lnT − 1 2 K(L− L0) 2 = const. ⇒ Te − K 2CL (L−L0)2 = const.. (377) Pretendemos a adiabática com Γ em função de L. Assim, substituindo T em termos de Γ e L, fica Γ L− L0 e − K 2CL (L−L0)2 = const. ⇒ Γ = const.(L− L0)e K 2CL (L−L0)2 . (378) Esta função é linear na origem, com inclinação dada pela constante, e sobe mais rapidamente do que uma exponencial. O ciclo de Carnot está representado na figura 18. O sentido da descrição do ciclo é anti-horário, como se pode ver A B C D L G T Q T F a d . a d . L 0 0 Figura 18. Ciclo de Carnot da corda elástica. facilmente da expressão para o trabalho eq.(371), uma vez que o trabalho We que o sistema realiza sobre o exterior é We = −W = − ∮ Γ dL. (379) Outra forma de verificar o sentido do ciclo é verificar se o sistema recebe calor da fonte quente, onde teremos QQ = TQ∆S > 0. (380) Da eq.(375) vemos que, mantendo a temperatura constante, a entropia aumenta quando L diminui, pelo que, nessa isotérmica, o sistema tem que contrair. O trabalho, o calor e a variação da energia interna são dados, tal como para o gás perfeito, pela tabela 1, em que QAB = TQ∆S = KTQ 2 [ (LA − L0) 2 − (LB − L0) 2 ] > 0, (381) 61 QBC = 0, (382) QCD = TF∆S = −KTF 2 [ (LD − L0) 2 − (LC − L0) 2 ] 0, (391) QBC = UC − UB = CV (TF − TQ) 0. (394) O trabalho realizado sobre a vizinhança é We = Qciclo = nRTQ ln V2 V1 − nRTF ln V2 V1 (395) 62 A B C D V P T Q T F V 1 V 2 Figura 19. Ciclo de Stirling. e o calor recebido é QQ = QAB +QDA = nRTQ ln V2 V1 + CV (TQ − TF ) (396) pelo que o rendimento será η = We QQ = nR ln V2 V1 (TQ − TF ) nRTQ ln V2 V1 + CV (TQ − TF ) = Å 1− TF TQ ã nR ln V2 V1 nR ln V2 V1 + CV (1− TF TQ ) , (397) que é, evidentemente, inferior ao rendimento de Carnot. Este resultado depende, não só dos volumes, V1 e V2, como também da substância que se usa para descrever o ciclo. Ciclo de Ericsson Vamos agora considerar o ciclo de Ericsson, que é constitúıdo por duas isotérmicas e duas isobáricas, como mostra a figura 20. Calculando novamente os calores, QAB = CP (TQ − TF ) > 0, (398) QBC = −WBC = nRTQ ln VC VB = nRTQ ln P2 P1 > 0, (399) QCD = CP (TF − TQ) 0. (408) O trabalho realizado sobre a vizinhança é We = Qciclo = CV (TC − TB + TA − TD) (409) e o calor recebido é QQ = QDA = CV (TA − TD) (410) 64 A B C D V P V 1 V 2 a d a d Figura 21. Ciclo de Otto. pelo que o rendimento será η = We QQ = CV (TC − TB + TA − TD) CV (TA − TD) = 1 + (TC − TB) (TA − TD) . (411) Usando a eq.(71) para as adiabáticas AB e CD, TAV γ−1 1 = TBV γ−1 2 (412) e TDV γ−1 1 = TCV γ−1 2 . (413) Subtraindo estas equações membro a membro,fica (TA − TD)V γ−1 1 = (TB − TC)V γ−1 2 . (414) Substituindo na equação para o rendimento, obtém-se finalmente η = 1− Å V1 V2 ãγ−1 . (415) Inclinação de curvas em gráficos Num diagrama PV , as isocóricas serão segmentos de recta verticais e as isobáricas segmentos de recta horizontais. Quanto às isotérmicas e adiabáticas, já vimos que CV , CP , κT , κS > 0 e CP ≥ CV . (416) 65 Lembrando, também, a eq.(359) ∂P ∂V ∣∣∣ S ∂P ∂V ∣∣∣ T = CP CV ≥ 1. (417) Daqui podemos concluir que ∣∣∣∣ ∂P∂V ∣∣∣∣ S ∣∣∣∣ ≥ ∣∣∣∣ ∂P∂V ∣∣∣∣ T ∣∣∣∣ , (418) i.e., quando uma isotérmica e uma adiabática se cruzam num diagrama PV , a inclinação da adiabática é sempre superior (ou, quando muito, igual) à da isotérmica. Consideremos, agora, um diagrama TS. Neste diagrama, serão as isotérmicas que serão representadas por um seg- mento de recta horizontal e as adiabáticas por um segmento de recta vertical. Um ciclo de Carnot será, evidentemente, representado por um rectângulo. Vejamos o cruzamento de uma isobárica com uma isocórica neste diagrama: ∂T ∂S ∣∣∣ P ∂T ∂S ∣∣∣ V = T CP T CV = CV CP ≤ 1 (419) em que usámos as eqs.(311) e (315). Assim, concluimos que∣∣∣∣ ∂T∂S ∣∣∣∣ P ∣∣∣∣ ≤ ∣∣∣∣ ∂T∂S ∣∣∣∣ V ∣∣∣∣ , (420) i.e., quando a isobárica e a isocórica se cruzam neste diagrama, a isocórica tem sempre uma inclinação superior à isobárica. Misturas de gases perfeitos A expressão para a entropia de um gás perfeito é dada pela eq.(296), que repetimos aqui: S = Cv lnT + nR lnV + S0 = n(cv lnT +R lnV + s0), (421) em que a letra minúscula significa o valor molar, i.e., por mole. Consideremos agora duas situações: Na primeira situação, representada na figura 22, temos um gás perfeito A num recipiente de volume V , que está à temperatura T e à pressão P . Num outro recipiente com o mesmo volume, temos um outro gás B exactamente nas mesmas condições: mesma temperatura e mesma pressão. Supomos que os gases são inertes e que não vai haver qualquer reacção qúımica entre eles quando os juntarmos. Colocamos os dois gases misturados à mesma temperatura num recipiente que tem o mesmo volume V e perguntamos qual a variação da entropia do conjunto dos dois gases. 66 A B A + B Figura 22. Mistura de dois gases diferentes num mesmo recipiente. Naturalmente, o número de moles de cada gás é o mesmo nA = nB. Assim, as entropias do gás A, do gás B e do conjunto A+B são SA = nA(cv lnT +R lnV + s0) (422) SB = nB(cv lnT +R lnV + s0) (423) SA+B = (nA + nB)(cv lnT +R lnV + s0) = SA + SB. (424) Este resultado parece paradoxal, uma vez que, intuitivamente, a mistura dos gases deveria ser um processo irreverśıvel, pelo que a entropia deveria ter aumentado. Vejamos agora a segunda situação, representadana figura 23. Aqui, temos também os dois gases em compartimentos A B A + B . . Figura 23. Mistura de dois gases diferentes num mesmo recipiente. separados por um anteparo. Retira-se o anteparo. Eles misturam-se e a entropia aumenta. Calculemos esse aumento. Quando os gases estão em compartimentos separados, as suas entropias são novamente dadas pelas eqs. (422) e (423). Depois de retirar o anteparo, a entropia será, após o equiĺıbrio ter sido atingido, SA+B = (nA + nB)(cv lnT +R ln 2V + s0) (425) 67 e a variação da entropia é SA+B − (SA + SB) = (nA + nB)R ln 2. (426) Até aqui, não há qualquer paradoxo. No entanto, se considerarmos que é o mesmo gás nos dois lados do compar- timento, não deve fazer diferença se colocamos o anteparo ou não. A entropia não deve variar. No entanto, as expressões são as mesmas e obteŕıamos o mesmo aumento de entropia ao retirar o anteparo, da mesma forma que obteŕıamos uma diminuição de entropia ao colocar de novo o anteparo. O que se passa é que ainda não considerámos a mistura de gases e as expressões que temos usado para esse caso carecem de justificação. Lei de Dalton Consideremos um recipiente de volume V onde temos um certo número c de gases ideais inertes misturados, em equiĺıbrio, à temperatura T . Sejam i e j variáveis que tomam valores inteiros entre 1 e c, cada uma das quais designa cada um dos gases. O número de moles do gás i é designado por ni. Definimos pressão parcial pi do gás i como sendo a pressão que ele teria se estivesse sozinho no recipiente. Assim, piV = niRT ⇔ pi = niRT V . (427) A pressão que a totalidade dos gases exerce sobre as paredes do recipiente é P . A lei de Dalton estabelece que essa pressão é a soma de todas as pressões parciais dos gases: P = c∑ i=1 pi = c∑ i=1 ni RT V . (428) Seja xi a fracção molar do gás i: xi = ni∑c j=1 nj ⇒ c∑ j=1 xj = 1. (429) Tem-se, evidentemente, pi = Pxi. (430) Teorema de Gibbs Consideremos a seguinte experiência: um tubo completamente selado, fechado por uma barra de paládio, dentro do qual foi criada uma pressão extremamente baixa. Essa pressão manter-se-á baixa sem alterações enquanto o paládio estiver à temperatura ambiente. Aquecendo o paládio com um bico de Bunsen, ele fica permeável a hidrogénio que esteja presente na chama e dá-se um fluxo de hidrogénio para dentro do tubo através do paládio, até as pressões parciais do hidrogénio serem iguais dentro do tubo e fora, na chama do bico de Bunsen. Um material com a propriedade de ser permeável a certos gases e não a todos os outros é chamado de semi-permeável. Nós vamos supor que existem materiais semi-permeáveis para todos os gases. Vamos agora considerar uma experiência de separação de dois gases, ilustrada na figura 24: temos dois gases A e B misturados no compartimento esquerdo de um recipiente, que tem uma parede fixa, semi-permeável, a meio, representada na figura a vermelho, a qual deixa passar o gás B e não o gás A. As paredes exteriores do recipiente são inamov́ıveis e impermeáveis a ambos os gases. Supõe-se que o sistema está em contacto com uma fonte de calor 68 . . . A B BA A + B A + B . Figura 24. Separação de uma mistura de dois gases. que mantém a temperatura constante durante todo o processo. Existem ainda dois êmbolos que se podem mover sem atrito, ligados por forma a se moverem sempre em conjunto, representados a azul e a cinzento na figura. O êmbolo da esquerda (azul) é semi-permeável, deixando passar o gás A mas não o gás B. O êmbolo da direita (cinzento) é impermeável aos dois gases. No compartimento da direita do recipiente foi feito inicialmente o vácuo. Deslocam-se os êmbolos para a direita muito lentamente, por forma a os estados intermédios serem sempre estados de equiĺıbrio. A figura mostra o estado inicial, quando os gases estão misturados, um estado intermédio, em que os gases já se começaram a separar, e o estado final, com os gases completamente separados. Trata-se, portanto, de um processo reverśıvel isotérmico. Vejamos quais as forças que o sistema exerce sobre os êmbolos. Da direita para a esquerda, é exercida sobre o êmbolo azul a força de pressão de A e de B. Sobre o êmbolo cinzento não há nenhuma força da direita para a esquerda. Sejam as pressões parciais de A e B no compartimento onde estão misturados pA e pB, respectivamente. Assim, a força total que se exerce sobre os êmbolos da direita para a esquerda é F (da direita para a esquerda) = (pA + pB)S, (431) em que S é a área dos êmbolos. Da esquerda para a direita exerce-se a força de pressão de A sobre o êmbolo azul e a força de pressão de B sobre o êmbolo cinzento. Sejam as pressões nos compartimentos onde A e B estão sozinhos PA e PB, respectivamente. 69 Então, a força que se exerce sobre os êmbolos da esquerda para a direita é F (da esquerda para a direita) = (PA + PB)S. (432) Como se supõe que o deslocamento é tão lento que o sistema está sempre em equiĺıbrio, as pressões parciais em ambos os lados de cada uma das membranas semi-permeáveis têm que ser iguais e temos que ter PA = pA e PB = pB. (433) Então F (da direita para a esquerda) = F (da esquerda para a direita) (434) e não é necessário nenhuma força para que os êmbolos continuem em movimento. Teoricamente, só precisamos de uma força infinitesimal para iniciar o movimento, o qual continuará até ao final sem mais qualquer intervenção. Isso significa que o trabalho realizado sobre o sistema é nulo. Como o processo é isotérmico, não há variação da temperatura e, sendo os gases ideais, também não irá haver alteração da sua energia interna. Então W = 0 e ∆U = 0 ⇒ Q = ∆U −W = 0. (435) Como o processo é reverśıvel e isotérmico, ∆S = Q T = 0, (436) i.e., a entropia do sistema mantém-se constante. Assim, embora pareça contra-intuitivo, verifica-se o teorema de Gibbs: a entropia de uma mistura de gases perfeitos que não sofrem qualquer reacção qúımica é a soma das entropias parciais desses gases. Agora podemos perceber que o primeiro paradoxo apresentado antes não é nenhum paradoxo; é mesmo assim que a entropia do mistura deve ser calculada. Não se pode simplesmente somar os números de moles e tratar a mistura como se fosse um só gás. O segundo paradoxo resolve-se notando que a definição de entropia dada na eq.(421) contém a constante s0, que não depende das variáveis que estamos a considerar (T e V ) mas pode depender de n (aliás, supusemos que S0 = ns0, impondo uma certa dependência de S0 em n). De mais a mais, é evidente que essa equação não pode representar uma variável extensiva. No entanto, facilmente a podemos modificar para resolver este problema: S = n(cv lnT +R ln V n + s0) = n(cP lnT −R lnP + s′0). (437) Com qualquer destas formas, S é uma variável extensiva (proporcional a n). Notemos que, embora o problema do segundo paradoxo fique resolvido, há uma descontinuidade no resultado da entropia após a retirada do anteparo quando se consideram gases diferentes ou o mesmo gás. Esta descontinuidade deixa alguns cientistas desconfortáveis e é conhecido por paradoxo de Gibbs. Sistemas abertos 70 Até agora, apenas considerámos sistemas fechados, que podem trocar energia mas não matéria com a vizinhança. Agora, vamos abordar a questão da possibilidade de os sistemas poderem igualmente trocar matéria. Claramente, a energia interna, além de depender das suas variáveis naturais, S e V , irá também depender de n e o diferencial de U pode ser escrito como dU = TdS − PdV + µdn. (438) em que T = ∂U ∂S ∣∣∣∣ V,n (439) é a temperatura, P = − ∂U ∂V ∣∣∣∣ S,n (440) é a pressão e a grandeza µ = ∂U ∂n ∣∣∣∣ S,V (441) chama-se potencial qúımico. Na representação da entropia, podemos escrever dS = 1 T dU + P T dV − µ T dn, (442) em que, evidentemente, 1 T = ∂S ∂U∣∣∣∣ V,n (443) é a temperatura, P T = ∂S ∂V ∣∣∣∣ U,n (444) é a pressão e a grandeza −µ T = ∂S ∂n ∣∣∣∣ U,V (445) A equação fundamental para um gás perfeito na representação da entropia é S = ns0 + nR ln [Å U U0 ã cv R V V0 Å n n0 ã− cv+R R ] , (446) em que as os valores constantes U0, V0 e n0 são os valores referentes a um estado padrão, cujas temperatura e pressão são T0 e P0, respectivamente. Facilmente se vê que esta função é extensiva. Basta escrevê-la como S = n Å s′0 + cv ln U n +R ln V n ã , (447) ou, em termos de variáveis molares, S = n Å s0 + cv ln u u0 +R ln v v0 ã . (448) Na eq.(447), todas as constantes foram reunidas em s′0: s′0 = s0 − cv ln U0 n0 −R ln V0 n0 . (449) 71 Podemos obter todas as equações para os gases perfeitos aplicando as eqs.(443), (444) e (445): 1 T = ncv U ⇒ U = ncvT, (450) P T = nR V ⇒ PV = nRT (451) e −µ T = s′0 − (cv +R) + cv ln U n +R ln V n , (452) ou, em termos de varáveis molares, −µ T = s0 − (cv +R) + cv ln u u0 +R ln v v0 . (453) Usando as eqs.(450) e (451) na eq.(453), obtemos µ = T (−s0 + cv +R)− cvT ln Å T T0 ã −RT ln Å TP0 T0P ã = RT lnP + f(T ), (454) em que f(T ) = T (−s0 + cv +R)− cPT ln Å T T0 ã −RT lnP0 (455) é uma função apenas da temperatura. A expressão para a entropia em termos de T e V obtém-se, substituindo a eq.(450) na eq.(448), S = n Å s0 + cv ln Å T T0 ã +R ln v v0 ã . (456) A partir da equação fundamental, obtivemos todas as expressões para as funções de estado que descrevem o gás perfeito. Teorema de Euler Vamos demonstrar um teorema matemático conhecido como Teorema de Euler. Seja f(x1, x2, ..., xN ) uma função de N variáveis. f é uma função homogénea de grau n nas suas variáveis se f(λx1, λx2, ..., λxN ) = λnf(x1, x2, ..., xN ) (457) para qualquer valor constante do parâmetro λ. Derivando esta função em ordem a λ, obtemos d dλ f(λx1, λx2, ..., λxN ) = N∑ i=1 ∂f(λx1, λx2, ..., λxN ) ∂(λxi) d(λxi) dλ = N∑ i=1 ∂f(λx1, λx2, ..., λxN ) ∂(λxi) xi (458) Derivando a eq.(457) em ordem a λ e usando este resultado, obtemos N∑ i=1 ∂f(λx1, λx2, ..., λxN ) ∂(λxi) xi = nλn−1f(x1, x2, ..., xN ). (459) Esta equação é válida para qualquer valor de λ. Para λ = 1, fica N∑ i=1 ∂f ∂xi xi = nf. (460) Equação de Gibbs-Duhem As variáveis naturais de U são S, V e n. São todas variáveis extensivas, tal como U . Assim, se considerarmos um 72 sistema hidrostático em equiĺıbrio, cujas variáveis são U0, S0, V0 e n0, e colocarmos um outro sistema exactamente igual ao lado, as suas variáveis vão ser 2U0, 2S0, 2V0 e 2n0: U(S0, V0, n0) = U0 ⇒ U(2S0, 2V0, 2n0) = 2U0 = 2U(S0, V0, n0). (461) É claro que o factor 2 podia ser substitúıdo por outro número qualquer: U(λS0, λV0, λn0) = λU(S0, V0, n0), (462) pelo que a função U(S, V, n) é uma função homogénea de grau 1 das suas variáveis naturais. Então, usando o teorema de Euler, U(S, V, n) = ∂U ∂S S + ∂U ∂V V + ∂U ∂n n = TS − PV + µn, (463) em que usámos as eqs.(439), (440) e (441). Diferenciando esta equação, obtemos dU = TdS + SdT − PdV − V dP + µdn+ ndµ. (464) No entanto, o diferencial de U é dado pela eq.(438). Usando essa equação, obtemos SdT − V dP + ndµ = 0. (465) Esta equação chama-se Relação de Gibbs-Duhem e mostra que a variação do potencial qúımico não é independente das variações da pressão e da temperatura. Podemos escrevê-la em termos das variáveis molares: dµ = −sdT + vdP. (466) Para um gás perfeito, usando a eq.(454), teŕıamos v = ∂µ ∂P ∣∣∣∣ T = RT P ⇒ Pv = RT (467) e s = − ∂µ ∂T ∣∣∣∣ P = −R lnP − f ′(T ). (468) Usando a forma eq.(455) para f(T ), s = −R lnP + s0 − cv −R+ cP ln Å T T0 ã + cP +R lnP0, (469) que também se pode escrever como s = s0 + cP ln Å T T0 ã −R ln Å P P0 ã = s0 + cv ln Å T T0 ã +R ln Å v v0 ã . (470) A energia interna molar pode ser obtida facilmente, em que a eq.(455) pode ser usada para simplificar o resultado, u = Ts− Pv + µ = Ts0 + cPT ln Å T T0 ã −RT ln Å P P0 ã −RT +RT lnP + f(T ) = cvT. (471) Potenciais termodinâmicos 73 Energia interna Já anteriormente referimos o prinćıpio da entropia máxima e vimos que, quando dois sistemas termodinâmicos A e B, com capacidades térmicas a volume constante CV A e CV B, supostas constantes, estão inicialmente às temperaturas TAi e TBi respectivamente e são colocados em contacto térmico um com o outro, mantendo os seus volumes constantes e o conjunto termicamente isolado da vizinhança, atingem o equiĺıbrio quando atingem a mesma temperatura, como mostra a eq.(228). Repetimos aqui as expressões para a variação da energia interna e da entropia, eqs.(223) e (225): ∆U = CV A(TAf − TAi) + CV B(TBf − TBi) (472) ∆S = CV A ln TAf TAi + CV B ln TBf TBi . (473) Maximizámos a entropia eq.(473), mantendo constante a energia interna eq.(472) e conclúımos que as temperaturas finais TAf e TBf têm que ser iguais eq.(228). A expressão não foi calculada nessa altura, mas calcula-se facilmente igualando ∆U a zero. Obtém-se: TBf = TAf = Tf = CV ATAi + CV BTBi CV A + CV B , (474) i.e., a temperatura final é uma média aritmética ponderada das temperaturas iniciais. Se tivéssemos usado o prinćıpio da energia interna mı́nima, teŕıamos minimizado a energia interna, mantendo a entropia constante. Esta última condição implica TBf = TBi Å TAf TAi ã−CV A CV B , (475) de onde se pode concluir que dTBf dTAf = −CV A CV B TBi 1 TAi Å TAf TAi ã−CV A CV B −1 = −CV A CV B TBf TAf (476) e d2TBf dT 2 Af = CV A CV B TBf T 2 Af − CV A CV B 1 TAf dTBf dTAf = CV A CV B TBf T 2 Af + Å CV A CV B ã2 TBf T 2 Af > 0. (477) Impondo a condição de energia interna estacionária a entropia constante, d∆U dTAf = 0 ⇒ CV A + CV B dTBf dTAf = 0 ⇒ CV A + CV B Å −CV A CV B TBf TAf ã = 0, (478) em que usámos a eq.(476), obtemos TAf = TBf = T ′ f , (479) tal como anteriormente, mas agora o valor de T ′ f é dado ela eq.(475) T ′ f = TBi Ç T ′ f TAi å−CV A CV B ⇒ T ′ f = Ä TCV A Ai TCV B Bi ä 1 CA+CB 0. (481) 74 Uma forma de manter a entropia constante é usar um ciclo de Carnot para obter trabalho, em que os corpos funcionam como fontes quente e fria. Nesse caso, como os ciclos voltam sempre ao estado inicial, a variação da energia interna do conjunto sistema A, sistema B e ciclo de Carnot é integralmente transformada em trabalho, pelo que o trabalho obtido é We = ∆U. (482) Este é o trabalho máximo que é posśıvel extrair do conjunto dos sistemas A e B. Lembremos que o prinćıpio da entropia máxima é um prinćıpio de espontaneidade. Um sistema isolado evoluirá sempre para o estado de equiĺıbrio de maior entropia compat́ıvel com a sua energia interna, que se mantém constante. O prinćıpio da energia interna mı́nima apenas diz que, de entre todos os estados com uma certa entropia, o estado de equiĺıbrio é o estado com a energia interna mı́nima, mas o sistema não tende espontaneamente para esse estado. Entalpia Vamos agora supor os mesmos sistemas A e B, com as mesmas temperaturas iniciais TAi e TBi, mas em contacto mecânico com uma fonte de trabalho à pressão P0. Ambos os sistemas têm, assim, uma pressão P0. No que se segue, o significado dos śımbolos é evidente. Prossigamos como no exemplo anterior. Ponhamos os sistemas em contacto térmico um com o outro. A variação da energia interna será ∆UA = QA +WA = CPA(TAf − TAi)− P0∆VA (483) para o sistema A, ∆UB = QB +WB = CPB(TBf − TBi)− P0∆VB (484) para o sistema B e ∆UFT = −P0∆VFT (485) para a fonte de trabalho. Como supomos que o conjunto corpo A + corpo B + fonte de trabalho está isolado, ∆VFT +∆VA +∆VB = 0 (486) e a variação da energiainterna total será ∆UT = ∆UA +∆UB +∆UFT = CPA(TAf − TAi) + CPB(TBf − TBi). (487) A variação da entropia será ∆ST = CPA ln TAf TAi + CPB ln TBf TBi (488) uma vez que, como a fonte de trabalho só sofre processos reverśıveis e não troca calor, a sua entropia é constante. Estando o conjunto corpo A + corpo B + fonte de trabalho isolado, podemos aplicar aqui novamente o prinćıpio da entropia máxima e o prinćıpio da energia interna mı́nima. Como as expressões são idênticas às anteriores, excepto pela troca de CV por CP , os resultados serão semelhantes. No entanto, agora também temos uma fonte de trabalho, pelo que a energia total será dada por ∆UT = ∆UA +∆UB +∆UFT = ∆UA +∆UB + P0∆VA + P0∆VB. (489) 75 Definindo entalpia H para cada sistema termodinâmico como H = U + PV (490) e, tendo em atenção que a pressão dos sistemas é constante (ou, pelo menos, é a mesma nos estados inicial e final) PA = PB = P0, tem-se ∆UT = ∆HA +∆HB. (491) Considerando que a entalpia é uma grandeza extensiva, a entalpia dos sistemas A + B é H = HA +HB (492) e então ∆UT = ∆H. (493) Assim, neste caso podemos concluir que, mantendo a entalpia constante, o sistema evolui espontaneamente para o estado de maior entropia. Mantendo a entropia constante, o estado de equiĺıbrio corresponde ao estado de menor entalpia, embora não haja uma evolução espontânea nesse sentido. A entalpia faz aqui as vezes da energia interna. De facto, a variação da entalpia é igual à variação da energia interna do conjunto dos sistemas A e B juntamente com a fonte de trabalho. Assim, a entalpia já inclui o efeito da fonte de trabalho, mas usando apenas variáveis de estado do sistema. Energia livre de Helmholtz Consideremos agora um sistema em contacto térmico com uma fonte de calor à temperatura T0 e com volume constante. A variação da energia interna do sistema + fonte térmica é ∆UT = ∆U +∆UFC = ∆U +QFC , (494) em que QFC = −Q, (495) uma vez que o sistema e a fonte estão isolados do exterior. A variação da entropia total é ∆ST = ∆S +∆SFC . (496) Usando agora o prinćıpio da entropia máxima, que é um prinćıpio de espontaneidade, supomos UT constante, ∆UT = 0 ⇒ QFC = −∆U (497) e a variação da entropia será ∆ST = ∆S + QFC T0 = ∆S − ∆U T0 = −∆U − T0∆S T0 , (498) em que usámos a eq.(203) para a variação da entropia da fonte de calor. Definimos a energia livre de Helmholtz F como F = U − TS. (499) 76 Como o sistema está em equiĺıbrio com a fonte de calor, pelo menos no estado inicial e no estado final, a sua temperatura nesses estados será T = T0 e a variação da energia livre de Helmholtz será ∆F = ∆U − T0∆S. (500) Assim, a variação da entropia total será ∆ST = −∆F T0 . (501) Já dissemos que o prinćıpio da entropia máxima é um prinćıpio de espontaneidade. Assim, ao contrário da energia interna e da entalpia, quando um sistema está em contacto térmico com uma fonte de calor, ele tende espontaneamente para o estado de energia livre de Helmholtz mı́nima. Se quiséssemos usar o prinćıpio da energia interna mı́nima, teŕıamos que a variação da entropia total seria nula ∆ST = 0 ⇔ ∆SFC = −∆S ⇔ QFC T0 = −∆S ⇔ QFC = −T0∆S (502) e a energia interna total seria mı́nima ∆UT = ∆U +∆UFC = ∆U +QFC = ∆U − T0∆S = ∆F (503) o que implica novamente que a energia livre de Helmholtz também será mı́nima. Assim, vemos que o sistema, em contacto térmico com uma fonte de calor, tende espontaneamente para o estado de energia livre de Helmholtz mı́nima, sendo a variação de F o trabalho máximo que teria sido posśıvel obter do conjunto sistema + fonte de calor. Energia livre de Gibbs Finalmente, consideremos um sistema em contacto térmico com uma fonte de calor à temperatura T0 e em contacto mecânico com uma fonte de trabalho à pressão P0. A variação da energia interna do conjunto sistema + fonte térmica + fonte de trabalho é ∆UT = ∆U +∆UFC +∆UFT = ∆U +QFC − P0∆VFT , (504) em que QFC = −Q e ∆VFT = −∆V, (505) Lembrando que a entropia da fonte de trabalho é constante, a variação da entropia total é ∆ST = ∆S +∆SFC . (506) Usando novamente o prinćıpio da entropia máxima, supomos UT constante, ∆UT = 0 ⇒ QFC = −∆U + P0∆VFT = − (∆U + P0∆V ) (507) e a variação da entropia será ∆ST = ∆S + QFC T0 = ∆S − ∆U + P0∆V T0 = −∆U + P0∆V − T0∆S T0 . (508) 77 Definimos a energia livre de Gibbs G como G = U + PV − TS. (509) Como o sistema está em equiĺıbrio com a fonte de calor e a fonte de trabalho, pelo menos no estado inicial e no estado final, a sua temperatura nesses estados será T = T0 e a sua pressão P = P0. Então, a variação da energia livre de Gibbs será ∆G = ∆U + P0∆V − T0∆S. (510) Assim, a variação da entropia total será ∆ST = −∆G T0 (511) e, tal como a energia livre de Helmholtz, a energia livre de Gibbs tende espontaneamente para o estado de energia livre de Gibbs mı́nima. Se quiséssemos usar o prinćıpio da energia interna mı́nima, teŕıamos que a variação da entropia total seria nula ∆ST = 0 ⇔ QFC = −T0∆S (512) tal como anteriormente e a energia interna total seria mı́nima ∆UT = ∆U +∆UFC +∆UFT = ∆U +QFC − P0∆VFT = ∆U − T0∆S + P0∆V = ∆G (513) e teremos novamente que a energia livre de Gibbs será mı́nima. O sistema, em contacto térmico com uma fonte de calor e em contacto mecânico com uma fonte de trabalho, tende espontaneamente para o estado de energia livre de Gibbs mı́nima, sendo a variação de G o trabalho máximo que teria sido posśıvel obter do conjunto sistema + fonte de calor + fonte de trabalho. Finalmente, podeŕıamos perguntar se o tratamento dado à energia livre de Helmholtz e à energia livre de Gibbs fosse dado à entalpia, obteŕıamos um prinćıpio de espontaneidade diferente. Facilmente podemos ver que não. Para esse caso, de um sistema em contacto apenas com uma fonte de trabalho, ∆UT = ∆U − P0∆VFT = ∆U + P0∆V = ∆H (514) e ∆ST = ∆S. (515) Como a fonte de trabalho tem uma variação de entropia nula, o prinćıpio de entropia máxima não se vai poder relacionar com a definição de entalpia, como acontecia nos outros dois casos. Em suma, mantendo o sistema termicamente isolado, quer esteja ou não em contacto com uma fonte de trabalho, o seu estado final ao maximizar a entropia enquanto se mantém constante a energia interna total (incluindo a fonte de trabalho, caso exista) é diferente do seu estado ao minimizar a energia interna total a entropia constante. A diferença nas energias desses estados finais corresponde ao trabalho máximo que é posśıvel obter desse sistema. Quando o sistema está em contacto térmico com uma fonte de calor, os estados finais do sistema são iguais, quer se maximize a entropia total, mantendo constante a energia interna total, quer se minimize a energia interna total 78 mantendo constante a entropia total. Em ambos os casos, esse estado final é o que minimiza a energia livre de Helmholtz do sistema, se não estiver em contacto com uma fonte de trabalho, ou da energia livre de Gibbs, se estiver. É claro que os processos de maximizar a entropia e minimizar a energia interna continuam a ser diferentes mas a diferença ocorre apenas no estado final da fonte de calor com a qual o sistema está em contacto térmico. O trabalho máximo que se pode obter desse sistema é dado pelo módulo da variação da energia livre correspondente. Note-se que, ao saber que o sistema passou de um certo estado inicial para um estado com uma energia livre inferior não nos permite saber nada acerca do trabalho que realmente se obteve nessa transformação. Considerações gerais A obtenção dos potenciais termodinâmicos a partir da energia interna corresponde a uma transformação chamada transformação de Legendre. Este tipo de transformação já foi efectuado em Mecânica Clássica para obter o hamil- toniano a partir do lagrangiano. É útil, sempre que temos uma função f(x) e y = df dx ⇔ df = ydx (516) equeremos exprimi-la em função de y e não de x. Limitarmo-nos a substituir x por x(y) iria fazer-nos perder informação, pelo que se pode mudar a função da seguinte forma: define-se uma nova função g = f − xy ⇔ dg = ydx− d(xy) = ydx− xdy − ydx = −xdy. (517) Para obter x, basta derivar esta nova função g: x = −dg dy . (518) A entalpia obtém-se efectuando uma transformação de Legendre sobre a energia interna dU = TdS − PdV, (519) ficando H = U + PV ⇒ dH = TdS + V dP. (520) A energia livre de Helmholtz obtém-se fazendo uma outra transformação de Legendre F = U − TS ⇒ dF = −SdT − PdV. (521) A energia livre de Gibbs obtém-se fazendo as duas transformações de Legendre G = U − TS + PV ⇒ dG = −SdT + V dP. (522) Destas expressões, obtêm-se as derivadas parciais ∂H ∂S ∣∣∣∣ P = T e ∂H ∂P ∣∣∣∣ S = V, (523) ∂F ∂T ∣∣∣∣ V = −S e ∂F ∂V ∣∣∣∣ T = −P (524) e ∂G ∂T ∣∣∣∣ P = −S e ∂G ∂P ∣∣∣∣ T = V. (525) 79 Vamos agora lembrar a expressão para a energia interna, eq.(463) e escrever as expressões para todos os potenciais termodinâmicos incluindo a variação com n: U = TS − PV + µn, (526) H = TS + µn, (527) F = −PV + µn (528) e G = µn. (529) As expressões para os valores molares serão u = Ts− Pv + µ, (530) h = Ts+ µ, (531) f = −Pv + µ (532) e g = µ. (533) Esta igualdade não surpreende, dadas as eqs.(466) e (522). Finalmente, vamos dar uma mnemónica para facilitar a memorização das definições dos potenciais termodinâmicos, respectivas variáveis naturais e relações de Maxwell. A mnemónica está esquematizada na figura 25. Para recordar G TFV U S H P Figura 25. Mnemónica para os potenciais termodinâmicos. a sucessão de letras basta recordar algumas frases e tomar as iniciais das palavras. Por exemplo, começando no meio do lado direito e dando a volta ao quadrado no sentido directo, “Good Physicists Have Studied Under Very Fine Teachers”, ou, em português, começando no canto inferior esquerdo e dando a volta ao quadrado, “Se Urso Vires, Foge Tocando Gaita Para Hamburgo”, ou ainda, novamente em inglês, começando no canto superior direito e prosseguindo por linhas, “Valid Facts and Theoretical Understanding Generate Solutions to Hard Problems”. As duas setas estão nas diagonais do quadrado e apontam para cima. A mnemónica é que cada potencial termodinâmico ocupa um lado do quadrado e as suas variáveis naturais estão nos vértices cont́ıguos. Assim, por exemplo, a energia interna U tem, como variáveis naturais, S e V : dU = ∗dS + ∗dV (534) 80 Para sabermos quais as variáveis que devem ocupar o lugar das estrelas nesta equação, vamos ver qual a variável que está associada a S e a V pelas setas. Vemos que é T para S e P para V . O sinal de cada termo é dado pelo sentido da seta. Se a seta aponta da variável natural para a que lhe está associada, o sinal é positivo (caso de TdS), se a seta aponta em sentido contrário, o sinal é negativo (caso de −PdV ). Assim, a equação para os diferenciais fica dU = TdS − PdV. (535) Facilmente se pode ver que, para H, F e G, também se obtêm as equações correctas. As relações de Maxwell podem ser obtidas ignorando os potenciais termodinâmicos e concentrando a atenção nos lados esquerdo e inferior do quadrado e, depois, nos lados direito e inferior do quadrado, como mostra a figura 26. A sequência de letras V S P T S P V S P T P S Figura 26. Mnemónica para as relações de Maxwell. obtém-se, dando a volta ao quadrado começando por cima. Assim, à esquerda temos, no sentido directo, V SP , o que corresponde a ∂V ∂S ∣∣∣ P . À direita, no sentido retrógrado, temos TPS, o que corresponde a ∂T ∂P ∣∣∣ S . O sinal é dado pela simetria (sinal positivo) ou não (sinal negativo) das setas. Neste caso, seria ∂V ∂S ∣∣∣∣ P = ∂T ∂P ∣∣∣∣ S , (536) que é a segunda relação de Maxwell. As outras equações obtêm-se rodando o quadrado de π 2 , π e 3π 2 . Por exemplo, T V S P V S T V S P S V Figura 27. Mnemónica para as relações de Maxwell. 81 rodando de π 2 no sentido directo, fica como mostra a figura 27 e obtemos a primeira relação de Maxwell ∂T ∂V ∣∣∣∣ S = − ∂P ∂S ∣∣∣∣ V . (537) Uma última consideração acerca da energia interna e da entalpia. De dU = d̄Q− PdV (538) podemos concluir que, num processo isocórico, ∆U = Q num processo a volume constante e CV = ∂U ∂T ∣∣∣∣ V . (539) De mesma forma, de dH = d̄Q+ V dP, (540) podemos concluir que, num processo isobárico, ∆H = Q num processo a pressão constante e CP = ∂H ∂T ∣∣∣∣ P . (541) Cálculo de derivadas de funções de estado Qualquer derivada das funções de estado que temos vindo a considerar pode ser escrita em termos das variáveis de estado e de cP , α e κT . Este resultado pode ser conseguido, usando as propriedades de derivação já mencionada nas eqs.(38), (40) e (41) e seguindo cinco passos: (1) Se a expressão contém os potenciais termodinâmicos, trazê-los para o numerador e eliminá-los. Seja, por exemplo, a seguinte expressão:Å ∂P ∂U ã G = ïÅ ∂U ∂P ã G ò−1 . (542) Escrevemos o diferencial de U : dU = TdS − PdV ⇔ Å ∂U ∂P ã G = T Å ∂S ∂P ã G − P Å ∂V ∂P ã G (543) Após eliminar U , procedemos a eliminar G da seguinte forma:Å ∂S ∂P ã G = − Å ∂S ∂G ã P Å ∂G ∂P ã S = − ( ∂G ∂P ) S( ∂G ∂S ) P (544) e o mesmo para o outro termo:Å ∂V ∂P ã G = − Å ∂V ∂G ã P Å ∂G ∂P ã V = − ( ∂G ∂P ) V( ∂G ∂V ) P . (545) Agora, usa-se o diferencial de G: dG = −SdT + V dP (546) para escrever Å ∂G ∂P ã S = −S Å ∂T ∂P ã S + V e Å ∂G ∂S ã P = −S Å ∂T ∂S ã P (547) 82 e Å ∂G ∂P ã V = −S Å ∂T ∂P ã V + V e Å ∂G ∂V ã P = −S Å ∂T ∂V ã P (548) Juntando todas as expressões, ficamos comÅ ∂P ∂U ã G = ñ −T −S ( ∂T ∂P ) S + V −S ( ∂T ∂S ) P + P −S ( ∂T ∂P ) V + V −S ( ∂T ∂V ) P ô−1 (549) (2) Se a expressão contém o potencial qúımico, eliminá-lo usando a relação de Gibbs-Duhem dµ = −sdT + vdP . Por exemplo: Å ∂µ ∂V ã S = −s Å ∂T ∂V ã S + v Å ∂P ∂V . ã S (550) (3) Se uma derivada contém a entropia, colocá-la no numerador. Em seguida, se uma das relações de Maxwell permitir eliminar essa derivada, utilizá-la. Caso contrário, usar a propriedade da derivada da função composta usando T como variável intermédia. Uma outra hipótese é usar uma das equações TdS. Por exemplo: Å ∂T ∂P ã S = − Å ∂T ∂S ã P Å ∂S ∂P ã T = − ( ∂S ∂P ) T( ∂S ∂T ) P (551) A quarta relação de Maxwell permite escrever, para o numerador,Å ∂S ∂P ã T = − Å ∂V ∂T ã P . (552) O denominador pode ser escrito como Å ∂S ∂T ã P = 1 T CP (553) pelo que fica Å ∂T ∂P ã S = T ncP Å ∂V ∂T ã P . (554) Um outro exemplo: Å ∂S ∂V ã P = Å ∂S ∂T ã P Å ∂T ∂V ã P = ncP T ( ∂V ∂T ) P . (555) Neste caso, poder-se-ia ter usado a terceira equação TdS. Após este terceiro ponto, a expressão já não contém derivadas com os potenciais termodinâmicos nem com a entropia. Apenas devem figurar nas derivadas as variáveis V , T e P . (4) Colocar o volume no numerador e exprimir as derivadas em termos de α e κT Por exemplo: Å ∂T ∂P ã V = − Å ∂T ∂V ã P Å ∂V ∂P ã T = − ( ∂V ∂P ) T( ∂V ∂T ) P = − 1 V ( ∂V ∂P ) T 1 V ( ∂V ∂T ) P = κT α (556) Agora, a expressão apenas deve conter α, κT , cv e cP , além das variáveis de estado, é claro. (5) Eliminamos cv, usando a relação de Mayer eq.(335): cP − cv = Tvα2 κT . (557) 83 Equiĺıbrio Começamos por lembrar a eq.(438) dU = TdS − PdV + µdn ⇔ dS = dU T + P T dV − µ T dn. (558) Daqui, podemos concluir que Å ∂S ∂U ã V,n = 1 T , (559)Å ∂S ∂V ã U,n = P T (560) e Å ∂S ∂n ã U,V = −µ T , (561) Equiĺıbrio térmico Consideremos um recipiente ciĺındrico completamente isolado do exterior, com uma parede a separá-lo em dois cilindros, A e B. Supomos que cada um destes cilindros contém uma certa quantidade de um gás G1 e que a parede é inamov́ıvel, impermeávelsistema inicial. O número de moles no sistema final é, igualmente, duplo do número de moles n do sistema inicial, Assim, vemos que a constante de proporcionalidade da eq.(7) terá que ser proporcional a n e a equação de estado para o gás perfeito virá PV = nRT, (8) em que a constante de proporcionalidade R ≃ 8, 314 J.mol−1 K−1 se chama constante dos gases perfeitos. Definindo o volume molar v por v = V n , (9) a equação também se pode escrever como Pv = RT. (10) Equação de van der Waals: A equação de van der Waals pretende descrever um gás real, cuja pressão não tem que ser baixa. Esta equação baseia-se no facto de o volume dispońıvel para as moléculas do gás se moverem não é o volume total, uma vez que as outras moléculas já estão a ocupar algum desse volume, e no facto de as moléculas interactuarem umas com as outras. Se a densidade for baixa, essa interacção será uma força de atracção, e a equação de van der Waals toma a forma ( P + a v2 ) (v − b) = RT. (11) Esta é uma equação cúbica em v: v3 − Å b+ RT P ã v2 + a P v − ab P = 0, (12) que, em prinćıpio, pode ter três soluções. Este é um exemplo onde a escolha de T e P como variáveis independentes não é aconselhável. Sistema hidrostático: um sistema hidrostático é um sistema cujas variáveis termodinâmicas são P , V e T , como, por exemplo, um sistema constitúıdo por uma substância pura. Fase: estado de agregação da matéria (como fase sólida, ĺıquida ou gasosa). Chamamos a atenção para o facto de poder haver várias fases sólidas, consoante a rede cristalina formada (o carvão 5 e a diamante, por exemplo, são duas fases diferentes do carbono). Também pode haver mais do que uma fase ĺıquida (como no caso do hélio, por exemplo). Vamos, seguidamente, estudar como ocorrem as mudanças de fase de uma substância pura. Um conceito muito importante é o de transição de fase: Transição de fase: mudança de fase de uma substância, passando por um estado em que essa substância existe simultaneamente em duas fases diferentes, que podem coexistir em equiĺıbrio. Desde que a pressão seja mantida constante, a temperatura também será constante ao longo da transição de fase. N.B. Apenas consideramos transições de fase de primeira ordem. A figura 1 mostra as isotérmicas de uma substância pura num diagrama V P . Nessa figura, podem ver-se seis isotérmicas. De baixo para cima temos uma a negro, ao longo da qual ocorre uma transição de fase vapor-sólido (sublimação); em seguida temos a isotérmica à temperatura do ponto triplo T3, representada a verde, ao longo da qual ocorre a transição de fase vapor-sólido, podendo haver ĺıquido em equiĺıbrio com o vapor e o sólido; depois, temos uma a negro, ao longo da qual ocorrem duas transições de fase: vapor-ĺıquido (condensação ou evaporação) e ĺıquido- sólido (solidificação ou fusão); novamente uma a negro ao longo da qual ocorre a transição de fase vapor-ĺıquido; em seguida a isotérmica à temperatura cŕıtica Tc, que apenas toca no ponto cŕıtico, mas não engloba qualquer transição de fase e, finalmente, uma a negro, na fase gasosa, ao longo da qual não ocorre qualquer transição de fase. P V g v ls v + l v + s T c T 3 P P c 3 s + l Figura 1. Diagrama V P de uma substância pura. Transições de fase. 6 As linhas que delimitam as zonas onde coexistem duas ou mais fases em equiĺıbrio estão representadas na figura, da esquerda para a direita: a curva de saturação sólida (a castanho na sublimação e a beje escuro na solidificação), a curva de saturação ĺıquida (a beje claro na fusão e a vermelho na condensação) e a curva de saturação de vapor (a carmim na evaporação e a lilás na sublimação). As letras designam a fase do sistema em equiĺıbrio nessas condições: s - sólido. ℓ - ĺıquido. v - vapor. g - gás. As zonas onde ocorrem as transições de fase estão assinaladas, indicando as fases que coexistem em equiĺıbrio: A sublimação está delimitada, à esquerda pela curva de saturação sólida (castanha), em cima pelo ponto triplo (segmento de recta verde) e à direita pela curva de saturação de vapor (lilás). A fusão está delimitada, em baixo pelo ponto triplo (segmento de recta verde), à esquerda pela curva de saturação sólida (beje escuro) e à direita pela curva de saturação ĺıquida (beje claro). Nunca foi encontrado um limite superior desta zona. A vaporização está delimitada, em baixo pelo ponto triplo (segmento de recta verde), à esquerda pela curva de saturação ĺıquida (vermelho) e à direita pela curva de saturação de vapor (carmim). N.B. A distinção entre gás e vapor é um tanto arbitrária e pouco relevante. Optamos por chamar gás se a temperatura for superior à temperatura cŕıtica e vapor se for inferior. Nas figuras 2 e 3 apresentamos dois diagrama de fases. Mais uma vez, as letras designam as fases do sistema em equiĺıbrio nessas condições. A linhas designam as transições de fase: a curva de sublimação a azul, a curva de vaporização (ou de condensação) a vermelho e a curva de fusão (ou de solidificação) a verde. A curva de sublimação tem sempre inclinação positiva e termina no ponto triplo. A curva de vaporização tem sempre inclinação positiva; começa no ponto triplo e termina no ponto cŕıtico. A curva de fusão começa no ponto triplo, nunca tendo sido encontrado o fim desta curva. Tem sempre inclinação positiva nas substâncias que expandem quando fundem (a maior parte; é o caso na figura 2) e inclinação negativa nas substâncias que contraem quando fundem (como o gelo; é o caso na figura 3). Termometria Termómetros de ĺıquido, de resistência e termopar. Termómetro de Galileu. Definição de temperatura com dois pontos fixos e com um ponto fixo. Dificuldades na definição quantitativa de temperatura. Termómetro de gás a volume constante. 7 P T P P c 3 T cT 3 s l g v Figura 2. Diagrama de fases. Substância que dilata quando funde. P T P P c 3 T cT 3 s l g v Figura 3. Diagrama de fases. Substância que contrai quando funde. Trabalho termodinâmico e 1a. lei da Termodinâmica: 8 Consideremos um sistema termodinâmico em equiĺıbrio constitúıdo por um gás contido num cilindro de área da base A, tapado com um êmbolo hermético de massa desprezável que pode deslizar sem atrito como mostra a figura 4. O equiĺıbrio impõe que a pressão do gás P seja igual à pressão exterior. Suponhamos agora que a pressão exterior Figura 4. Cilindro com um êmbolo. aumenta de um infinitésimo, passando a ser Pe = P + dP . Então, o êmbolo desloca-se para baixo de uma distância dx. Qual o trabalho realizado sobre o sistema? Como a única coisa que se move é o êmbolo, será o produto escalar da força que o êmbolo exerce sobre o gás pelo deslocamento: d̄W = F⃗ · dr⃗ = F dx = PeAdx = −Pe dV = −P dV, (13) em que dV = −Adx é a variação do volume do gás e se desprezou o termo de segunda ordem dP dV . Esta é a expressão para o trabalho infinitesimal realizado sobre um sistema hidrostático. Processo termodinâmico ou transformação é a passagem de um sistema termodinâmico de um estado para outro. Processo quase-estático Transformação infinitamente lenta, tal que, em cada instante, o estado do sistema está infinitamente próximo de um estado de equiĺıbrio. Processo reverśıvel Transformação quase-estática, pasśıvel de ocorrer em sentido contrário. Outra definição será: transformação após a qual o sistema e a sua vizinhança podem todos regressar ao estado inicial simultaneamente. O trabalho realizado sobre um sistema ao longo de uma transformação finita quase-estática, quando o volume do sistema varia de V1 para V2 é dado pela expressão: W = − ∫ V2 V1 P dV. (14) Trabalho realizado sobre o sistema ao longo de uma transformação isocóricae diatérmica. A energia interna de cada um dos cilindros será UA(SA, VA, nA) e UB(SB, VB, nB), em que o significado dos śımbolos é o habitual. Invertendo estas equações, exprimimos a entropia em termos de U , V e n e a entropia total será ST = SA(UA, VA, nA) + SB(UB, VB, nB) (562) O estado de equiĺıbrio é aquele que maximiza a entropia total enquanto a energia interna total se mantém constante. As condições são dST = 0 (563) e dUA + dUB = 0 ⇒ dUB = −dUA. (564) A eq.(563), que torna a entropia estacionária, condição necessária para ela assumir um valor máximo, pode ser escrita como dST = Å ∂SA ∂UA ã VA,nA dUA + Å ∂SB ∂UB ã VB ,nB dUB = 0, (565) em que usámos a eq.(562) e tivemos em conta que os volumes e os números de moles em cada cilindro se mantêm constantes. Usando a eq.(559), obtemos dST = 1 TA dUA + 1 TB dUB = 0 (566) que, usando agora a eq.(564) fica dST = Å 1 TA − 1 TB ã dUA = 0. (567) 84 Como este resultado tem que se verificar para qualquer valor de dUA, obtemos TA = TB, (568) i.e., os sistemas só estarão em equiĺıbrio quando ficarem com a mesma temperatura. Se a temperatura não for a mesma, então a variação da entropia terá que ser positiva e dST = Å 1 TA − 1 TB ã dUA > 0. (569) Assim, se TA > TB, dUA 0 ⇒ (PA − PB)dVA > 0. (576) Conclúımos que, se, por exemplo, PA > PB, dVA > 0 e o êmbolo move-se no sentido de aumentar o volume do compartimento com maior pressão e diminuir o volume do compartimento com menor pressão. Equiĺıbrio de matéria Vamos agora supor que os recipientes contêm outros gases inertes e que a parede que separa os dois cilindros é diatérmica, inamov́ıvel mas permeável apenas ao gás G1. Um racioćınio idêntico ao anterior conduz às equações dnA + dnB = 0 ⇒ dnB = −dnA. (577) 85 dST = Å ∂SA ∂UA ã VA,nA dUA + Å ∂SB ∂UB ã VB ,nB dUB + Å ∂SA ∂nA ã UA,VA dnA + Å ∂SB ∂nB ã UB ,VB dnB = 0. (578) dST = 1 TA dUA + 1 TB dUB − µA TA dnA − µB TB dnB = 0, (579) dST = Å 1 TA − 1 TB ã dUA − Å µA TA − µB TB ã dnA = 0. (580) Como dUA e dnA são variáveis independentes e podem assumir qualquer valor, temos que ter TA = TB (581) e µA = µB. (582) Se esta última condição não se verificar, assumindo que a eq.(581) se verifica, então dST = − Å µA TA − µB TA ã dnA > 0 ⇒ (µA − µB)dnA µB, dnA S(U, V, n). (584) Suponhamos que temos dois sistemas iguais, colocados ao lado um do outro e os separamos por uma parede diatérmica. Se a entropia variar com a energia interna como mostra a figura, então teremos, como já foi referido, que S(U −∆U, V, n) + S(U +∆U, V, n) > 2S(U, V, n) (585) e, embora os sistemas estejam à mesma temperatura, a entropia aumentará se um deles fornecer uma energia ∆U sob a forma de calor ao outro. Obviamente, isto não pode acontecer, pelo que um gráfico como o apresentado na figura não é posśıvel. O problema reside na curvatura do gráfico, com a concavidade virada para cima. Para evitar este problema, temos que admitir que, na situação de equiĺıbrio, d2S 0. (589) É claro que este racioćınio pode ser estendido, com as devidas adaptações aos prinćıpios de energia mı́nima. Por exemplo, o Prinćıpio da Energia Interna Mı́nima permite-nos escreverÅ ∂2U ∂S2 ã V,n > 0 (590) e, usando as eqs.(289) e (311), obtemos novamente a condição de a capacidade térmica ter que ser positivaÅ ∂2U ∂S2 ã V,n = Å ∂T ∂S ã V,n = T ncv > 0. (591) Derivando em ordem a V , fica Å ∂2U ∂V 2 ã S,n > 0. (592) Usamos as eqs.(290) e (328), Å ∂2U ∂V 2 ã S,n = − Å ∂P ∂V ã S,n = 1 V κS > 0 (593) 87 e conclúımos que o coeficiente de compressibilidade adiabática tem que ser sempre positivo. Fazendo agora um racioćınio idêntico para a energia livre de Helmholtz,Å ∂2F ∂V 2 ã T,n > 0 (594) de onde se obtém Å ∂2F ∂V 2 ã T,n = − Å ∂P ∂V ã T,n = 1 V κT > 0. (595) Destes resultados e da equação de Mayer, conclúımos que, para qualquer sistema, cP > cv > 0 (596) e, da eq.(334) κT > κS > 0. (597) Prinćıpio de Le Chatelier: se um sistema está em equiĺıbrio estável, qualquer variação brusca dos seus parâmetros conduz a processos que tendem a recuperar o equiĺıbrio. Este prinćıpio pode ser ilustrado através do desaparecimento de inhomogeneidades que se formam nos sistemas termodinâmicos resultantes de flutuações. Prinćıpio de Le Chatelier-Braun: quando um sistema em equiĺıbrio é perturbado por uma acção A, qualquer acção indirecta I ocorre no sentido de diminuir o efeito da perturbação. Um exemplo: Suponhamos um sistema em contacto térmico com uma fonte de calor e em contacto mecânico com uma fonte de trabalho. Seja uma flutuação que desloca ligeiramente o êmbolo do sistema e aumenta o volume. Um primeiro efeito é a diminuição da pressão. Isso faz com que a pressão exterior, empurre novamente o êmbolo para o śıtio onde estava. Isto é descrito pelo Prinćıpio de Le Chatelier. Um outro efeito será a alteração de temperatura causada pela repentina expansão, que será dT = Å ∂T ∂V ã S dV = − Tα ncvκT dV. (598) Esta alteração, que tanto pode ser um aumento como uma diminuição, depende do sinal de α. Consequentemente, haverá um fluxo de calor entre o sistema e a fonte de calor. Q (o calor que o sistema recebe) será positivo se α for positivo (o sistema arrefeceu) e negativo se α for negativo (o sistema aqueceu). Este fluxo de calor também vai fazer variar a pressão. Supondo que o fluxo de calor ocorre a volume constante e é reverśıvel, d̄Q T = dS = Å ∂S ∂P ã V dP ⇔ dP = Å ∂P ∂S ã V d̄Q T = α ncvκT d̄Q. (599) Como d̄Q tem o mesmo sinal de α, dP será sempre positivo e irá contribuir para o sistema regressarao seu estado inicial, quer α seja positivo, quer seja negativo. Este é um exemplo de uma acção indirecta, que também tende a restaurar a situação inicial. Esta é uma acção descrita pelo Prinćıpio de Le Chatelier-Braun. Regra das fases de Gibbs Suponhamos um sistema hidrostático constitúıdo por uma substância pura numa única fase, um gás, por exemplo. O seu estado é inteiramente descrito por 3 variáveis, que podem ser todas extensivas, como S, V e n, que são as variáveis 88 naturais de U . É evidente que podemos sempre, em prinćıpio, colocar n moles de um gás encerrados num recipiente com um volume V e aquecê-lo até atingir um estado de entropia S. No entanto, também podemos substituir algumas das variáveis extensivas por variáveis intensivas. De facto, podemos ter, no máximo, 2 variáveis intensivas, como, por exemplo, T , P e n, que são as variáveis naturais de G. Um estado deste sistema nunca pode ser descrito por 3 variáveis intensivas, como T , P e µ, por causa da relação de Gibbs-Duhem, que estabelece uma relação entre elas tornando uma delas dependente das outras. Chama-se número de graus de liberdade de um sistema ao número de variáveis intensivas que se podem usar para definir um estado desse sistema. Neste caso, o sistema tem 2 graus de liberdade Vamos agora supor que este sistema tem duas fases em equiĺıbrio. Nesse caso, temos mais uma condição: o potencial qúımico dessas duas fases tem que ser igual. Esta condição diminui o número de graus de liberdade de 2 para 1, pois temos duas condições que relacionam µ T e P . Por isso, para cada valor da pressão, existe uma e uma só temperatura de ebulição da água, por exemplo. Se existirem 3 fases em equiĺıbrio, os 3 valores de µ têm que ser iguais e o número de graus de liberdade é zero. Um exemplo é o ponto triplo da água, que acontece a uma pressão e a uma temperatura bem definidas. E claro que, se existirem várias substâncias misturadas, haverá mais graus de liberdade, pois cada substância terá o seu potencial qúımico e o seu valor de n. Assim, a regra das fases de Gibbs estabelece que o número de graus de liberdade de um sistema termodinâmico é dado por f = r − l + 2 (600) em que r é o número de componentes e l o número de fases. Equação de Clausius-Clapeyron Numa transição de fase, as duas fases da substância coexistem em equiĺıbrio à pressão P e à temperatura T . Sejam as fases ĺıquida e de vapor. Então, de acordo com a eq.(582), os potenciais qúımicos de ambas as fases têm que ser iguais: µℓ = µv. (601) Alterando ligeiramente a pressão, a temperatura a que se realiza a transição de fase também se vai alterar ligeiramente, mas a igualdade acima mantém-se. Usando a equação de Gibbs-Duhem eq.(466) −sℓdT + vℓdP = −svdT + vvdP, (602) de onde se pode obter dP dT = sv − sℓ vv − vℓ . (603) Como a transição de fase é um processo reverśıvel, λ = T∆s, (604) 89 em que λ é o calor latente. Obtém-se, assim, a equação de Clausius-Clapeyron, que já se tinha obtido antes, na eq.(249): dP dT = λ T (vv − vℓ) . (605) 3a. lei da Termodinâmica: A origem histórica da 3ª lei da Termodinâmica remonta ao Prinćıpio de Thomsen e Berthelot, formulado no século XIX, que estabelece que, numa reacção qúımica, o estado de equiĺıbrio para que tende essa recção é o estado a que corresponde uma maior libertação de calor. As reacções decorrem, em geral, a pressão e temperatura constantes, pelo que é a variação de entalpia que mede o calor que o sistema recebe nesse processo. O Prinćıpio de Thomsen e Berthelot estabelece, portanto, que o sistema tende para o estado onde a sua entalpia assume o seu valor mı́nimo. Este prinćıpio foi aceite durante décadas, até se ter demonstrado que o sistema tende, de facto, para o estado onde a sua energia livre de Gibbs é mı́nima. O motivo para o Prinćıpio de Thomsen e Berthelot ter sido aceite durante tanto tempo é ele descrever bastante bem muitas das reacções qúımicas, especialmente a baixas temperaturas. A diferença entre a variação da entalpia e a variação da energia livre de Gibbs é ∆G = ∆H − T∆S. (606) Assim, uma vez que ∆S é, certamente, limitado, quando T → 0, as variações de G e de H tendem a ser iguais. No entanto, é necessário mais do que isso para explicar o sucesso do Prinćıpio de Thomsen e Berthelot ao longo de uma gama de temperaturas que pode chegar a temperaturas da ordem da temperatura ambiente. Reescrevendo a eq.(606) como ∆S = ∆G−∆H T , (607) vemos que, quando T → 0, o membro direito tende para uma indeterminação. Usando a regra de l’Hôpital, obtemos lim T→0 ∆S = d∆G dT ∣∣∣∣ T=0 − d∆H dT ∣∣∣∣ T=0 , (608) Se assumirmos que lim T→0 ∆S = 0, (609) então as derivadas de G e de H são iguais e esses dois potenciais termodinâmicos vão divergir muito mais lentamente do que se essas derivadas fossem diferentes. Isso explicaria as variações da entalpia e da energia livre de Gibbs serem tão parecidas numa gama de temperaturas tão vasta. Isso levou Nernst a enunciar a 3ª lei da seguinte forma: Enunciado de Nernst da 3ª lei da Termodinâmica: o limite da variação da entropia em qualquer processo reverśıvel e isotérmico entre dois estados de equiĺıbrio é zero quando a temperatura tende para zero kelvin. Mais tarde, Planck deu um enunciado mais forte para a 3ª lei: 90 Enunciado de Planck da 3ª lei da Termodinâmica: A entropia de qualquer sistema à temperatura T = 0 K é S = 0 J.K−1 Isto significa que a isotérmica T = 0 K coincide com uma adiabática S = 0 J.K−1 . No estudo que fizemos da Termodinâmica, definir a origem de S, não tem nenhum significado particularmente interessante, não é relevante, pois estivemos sempre a considerar variações de entropia entre estados de equiĺıbrio. No entanto, esta formulação tem significado na interpretação estat́ıstica da Termodinâmica. Consequências da 3ª lei da Termodinâmica A 3ª lei estabelece que as variações de entropia tendem para zero à medida que nos vamos aproximando da temperatura T = 0 K. Então, todas as derivadas de S terão que se anular nesse limite, nomeadamenteÅ ∂S ∂P ã T = − Å ∂V ∂T ã P −−−→ T→0 0 K, (610) em que usámos a quarta relação de Maxwell. Isto significa que o coeficiente de dilatação α também se anula no limite T → 0 K. α = 1 V ∂V ∂T ∣∣∣∣ P −−−→ T→0 0 K. (611) Da mesma forma, temos Å ∂S ∂V ã T = Å ∂P ∂T ã V −−−→ T→0 0 K, (612) em que usámos a terceira relação de Maxwell. Para as capacidades térmicas, precisamos de supor que as derivadas da entropia não divergem no limite em que T tende para zero: cv = T Å ∂s ∂T ã v −−−→ T→0 0 K (613) e cP = T Å ∂s ∂T ã P −−−→ T→0 0 K. (614) A equação dos gases perfeitos, por exemplo, não pode ser válida a baixas temperaturas, pois viola as eqs.(611) e (612).(volume constante): W = 0. (15) Trabalho realizado sobre o sistema ao longo de uma transformação isobárica (pressão P constante), de um volume V1 até um volume V2: W = −P (V2 − V1). (16) 9 Trabalho realizado sobre o sistema ao longo de uma transformação isotérmica (temperatura T constante), de um volume V1 até um volume V2: W = − ∫ V2 V1 P (V, T ) dV. (17) Este trabalho depende da equação de estado do sistema. Para um gás perfeito, obtém-se W = −nRT ln V2 V1 . (18) Para um gás de van der Waals, obtém-se: W = −nRT ln v2 − b v1 − b − na Å 1 v2 − 1 v1 ã . (19) Trabalho realizado sobre um gás perfeito desde uma pressão Pi até uma pressão Pf , ao longo de um processo isotérmico constitúıdo por N passos, da seguinte forma: após j− 1 passos, o sistema tem uma pressão Pj ; o passo j consiste em alterar a pressão exterior para o valor constante Pj+1 e esperar que seja atingido o equiĺıbrio. Todo este processo é realizado mantendo o sistema em contacto térmico com uma fonte de calor à temperatura inicial T . O valor mı́nimo para o trabalho realizado sobre o sistema é dado por WN = nRTN [Å Pf Pi ã 1 N − 1 ] . (20) Tomando o limite quando N → +∞, obtém-se: lim N→+∞ WN = nRT ln Pf Pi = −nRT ln V2 V1 , (21) pelo que o processo reverśıvel é o processo ao longo do qual o trabalho realizado sobre o sistema é mı́nimo (ou o trabalho que o sistema realiza sobre a vizinhança é máximo. O trabalho realizado sobre um sistema ao longo de uma transformação quase-estática representada num diagrama V P é, assim, dado em valor absoluto pela área delimitada pela curva P (V ) e pelo eixo dos V V entre o volume inicial e o volume final. O sinal será positivo se o volume diminuir (será realizado trabalho ĺıquido sobre o sistema) e negativo se o volume aumentar (o sistema realizará trabalho ĺıquido sobre a vizinhança). N.B. O trabalho não é uma função de estado, é uma função do processo. Podem-se efectuar duas transformações quase-estáticas com os mesmos estados inicial e final a que correspondem duas linhas diferentes num diagrama V P . A área debaixo dessas linhas pode, evidentemente, assumir valores diferentes. Chama-se ciclo a um processo termodinâmico em que o estado final coincide com o estado inicial. Ao longo de um ciclo quase-estático, supondo que a linha que descreve o ciclo no diagrama V P não se cruza a si própria, o trabalho realizado sobre o sistema é dado pela área delimitada pelo ciclo com o sinal positivo se o ciclo for descrito em sentido directo (ou anti-horário) e negativo se for descrito em sentido retrógrado (ou horário). Trabalho adiabático: é o trabalho realizado por um sistema que apenas tem fronteiras adiabáticas. 1a. lei da Termodinâmica O trabalho adiabático realizado sobre um sistema termodinâmico depende apenas dos 10 estados inicial e final e não da respectiva transformação. Da mesma forma que o carácter conservativo de uma força permite definir o campo de energia potencial, esta lei permite definir a variável de estado energia interna U . A variação da energia interna de um sistema que realiza uma transformação adiabática define-se como sendo igual ao trabalho realizado sobre o sistema ao longo dessa transformação, Uf − Ui = Wif (adiabático). (22) Esta definição está de acordo com a noção de energia dada na Mecânica e com o prinćıpio da conservação da energia. Se a única forma que o sistema tem de trocar energia com a vizinhança é o trabalho, então esse trabalho vai medir a variação da energia acumulada no sistema sob a forma de energia interna. Calor (definição qualitativa) é aquilo que é trocado entre dois sistemas termodinâmicos a temperaturas diferentes quando são colocados em contacto térmico. Calor Q (definição quantitativa) que o sistema recebe numa transformação é definido por Q = ∆U −W, (23) em que ∆U é a variação da energia interna do sistema nessa transformação e W é o trabalho que foi realizado sobre o sistema ao longo dessa transformação. Assim, a variação de energia interna de um sistema que sofre uma certa transformação é dada por ∆U = Q+W. (24) Se o processo for infinitesimal, teremos dU = d̄Q+ d̄W (25) e se, além disso, o processo for quase-estático, dU = d̄Q− P dV. (26) Se um sistema estiver isolado, não pode trocar energia com o exterior sob qualquer forma e W = Q = 0 ⇒ ∆U = 0, (27) pelo que a energia interna do sistema se conserva Uf = Ui. (28) Ao longo de um ciclo, a variação da energia interna é nula (pois o estado inicial é igual ao estado final), e Q = −W. (29) Coeficientes térmicos, capacidades térmicas e calor latente 11 Coeficiente de dilatação α: variação relativa de volume por unidade de variação da temperatura a pressão constante: α = 1 V Å ∂V ∂T ã P = Å ∂ lnV ∂T ã P . (30) Para sólidos, pode-se definir ainda um coeficiente de dilatação linear e um coeficiente de dilatação superficial. Coeficiente de compressibilidade isotérmica κT : variação relativa de volume por unidade de variação da pressão a temperatura constante: κT = − 1 V Å ∂V ∂P ã T = − Å ∂ lnV ∂P ã T . (31) O sinal menos destina-se a tornar o coeficiente de compressibilidade isotérmica positivo. Coeficiente relativo de pressão αP : variação relativa da pressão por unidade de variação da temperatura a volume constante: αP = 1 P Å ∂P ∂T ã V = Å ∂ lnP ∂T ã V . (32) Estes coeficientes não são todos independentes. Teorema da reciprocidade (cálculo) Sejam três variáveis x ,y e z, relacionadas por uma equação, pelo que só duas são independentes. Então, desde que as derivadas existam, temos que dy = Å ∂y ∂x ã z dx+ Å ∂y ∂z ã x dz, (33) e dz = Å ∂z ∂x ã y dx+ Å ∂z ∂y ã x dy, (34) Substituindo dz dado pela eq.(34) na eq.(33), obtém-se dy = Å ∂y ∂x ã z dx+ Å ∂y ∂z ã x ñÅ ∂z ∂x ã y dx+ Å ∂z ∂y ã x dy ô , (35) pelo que ïÅ ∂y ∂z ã x Å ∂z ∂y ã x − 1 ò dy + ñÅ ∂y ∂x ã z + Å ∂y ∂z ã x Å ∂z ∂x ã y ô dx = 0. (36) Sejam x e y as duas variáveis independentes. Então, os coeficientes de dx e de dy têm que se anular e obtemosÅ ∂y ∂z ã x Å ∂z ∂y ã x − 1 = 0 e Å ∂y ∂x ã z + Å ∂y ∂z ã x Å ∂z ∂x ã y = 0, (37) ou ainda Å ∂y ∂z ã x = 1Ä ∂z ∂y ä x (38) e ∂y ∂x ∣∣∣∣ z = − ∂y ∂z ∣∣∣∣ x ∂z ∂x ∣∣∣∣ y , (39) que é frequentemente escrito da seguinte forma:Å ∂z ∂x ã y Å ∂x ∂y ã z Å ∂y ∂z ã x = −1. (40) 12 Este é o teorema da reciprocidade. Não devemos confundir a eq.(39) com a propriedade da derivada da função composta: ∂y ∂x ∣∣∣∣ t = ∂y ∂z ∣∣∣∣ t ∂z ∂x ∣∣∣∣ t . (41) Na eq.(39), temos 3 variáveis que se relacionam através de 1 equação, que pode ser escrita como z = z(x, y), como y = y(x, z) ou como x = x(y, z). Assim, duas das variáveis x, y e z são sempre independentes. Já na eq.(41), temos 4 variáveis que se relacionam através de 2 equações que, neste caso, poderiam ser y = y(z, t) e z = z(x, t). Nas derivadas referidas nesta equação, t é sempre uma das variáveis independentes. Assim, das restantes variáveis x, y e z, só uma pode também ser independente. Em ambos os casos, temos 2 variáveis independentes, mas as variáveis que ficam constantes nas derivações em cada caso são diferentes. Aplicando o teorema da reciprocidade às variáveis V , P e T , obtemosÅ ∂V ∂P ã T Å ∂P ∂T ã V Å ∂T ∂V ã P = −1 ⇔ Å ∂V ∂P ã T Å ∂P ∂T ã V = − Å ∂V ∂T ã P (42) Substituindo as derivadas pelas expressões em termos dos respectivos coeficientes, fica (−V κT )(PαP ) = −(V α) ⇔ αP = α κTP . (43) Capacidade térmica C: Quantidade de calor que é necessário fornecer a um sistema para aumentar a sua tempe- ratura de uma unidade: C = d̄Q dT . (44) Integrando tem-se, evidentemente, que o calor recebido pelo sistema ao longo de uma certa transformação é Q = ∫ Tf Ti C dT. (45) Se a capacidadetérmica for constante ao longo da transformação, então Q = C(Tf − Ti). (46) Em geral, a capacidade térmica depende da transformação. As mais frequentemente utilizadas são as seguintes: Capacidade térmica a volume constante CV : Quantidade de calor que é necessário fornecer a um sistema para aumentar a sua temperatura de uma unidade, mantendo constante o seu volume: CV = d̄Q dT ∣∣∣∣ V . (47) Capacidade térmica a pressão constante CP : Quantidade de calor que é necessário fornecer a um sistema para aumentar a sua temperatura de uma unidade, mantendo constante a sua pressão: CP = d̄Q dT ∣∣∣∣ P . (48) Capacidade térmica mássica c: capacidade térmica da unidade de massa da substância em questão. c = C m , (49) 13 em que m é a massa do sistema. Capacidade térmica molar c: capacidade térmica de uma mole da substância em questão. c = C n , (50) em que n é o número de moles do sistema. Os śımbolos para as capacidades térmicas mássica e molar são iguais mas isso não deve criar nenhuma confusão pois as unidades de c são diferentes nos dois casos. As capacidades térmicas mássica e molar também dependem da transformação, sendo as mais frequentemente utili- zadas as que mantêm constante o volume (cv) e as que mantêm constante a pressão (cP ). Coeficiente adiabático γ: γ = Cp CV = cp cv . (51) Usando a eq.(26), podemos escrever: C = d̄Q dT = ∂U ∂T − d̄W dT , (52) ou, para uma transformação quase-estática, C = d̄Q dT = ∂U ∂T + P ∂V ∂T . (53) Assim, a volume constante teremos, evidentemente, CV = ∂U ∂T ∣∣∣∣ V (54) e, a pressão constante, CP = ∂U ∂T ∣∣∣∣ P + P ∂V ∂T ∣∣∣∣ P . (55) Sistema ideal: sistema para o qual a energia interna só depende da temperatura: U = U(T ). Para um sistema ideal, as equações eqs.(54) e (55) ficam: CV = dU dT (56) e CP = CV + P ∂V ∂T ∣∣∣∣ P . (57) O gás perfeito é um sistema ideal. Para este caso, teremos, calculando a derivada, CP = CV + nR. (58) Para os sistemas em que CV é constante, a integração da eq.(54) é imediata e obtemos U(T, V ) = CV T + f(V ) + U0. (59) Se, não só CV for constante, mas o sistema também for ideal, teremos U(T ) = CV T + U0. (60) 14 A definição de gás perfeito não exige que as capacidades térmicas sejam constantes. No entanto, para uma gama variada de condições, considera-se frequentemente que CV é constante. A mecânica estat́ıstica permite relacionar a temperatura com o número de componentes que formam a energia interna de cada part́ıcula. Mostra-se que cada componente energética com a forma cq2, em que c é constante e q uma variável canónica contribui com o valor 1 2kBT para a energia de uma part́ıcula e, consequentemente, com o valor 1 2nRT para a energia interna de um gás com n moles, uma vez que: R = NAkB e 1 2 NkBT = 1 2 nNAkBT = 1 2 nRT, (61) em que R é a constante dos gases perfeitos, kB a constante de Boltzmann, NA o número de Avogadro, N o número de part́ıculas do gás e n o número de moles. No entanto, se a energia térmica kBT 2 for inferior ao espaçamento entre ńıveis de energia de um certo grau de liberdade, a contribuição desse grau de liberdade para a capacidade térmica será inferior; se a energia térmica for muito inferior, a contribuição será desprezável e diz-se que esse grau de liberdade está congelado. Assim, para um gás monoatómico, teremos 3 graus de liberdade de translação e U = 3 2 nRT + U0 e CV = 3 2 nR (gás monoatómico). (62) Para um gás diatómico a baixas temperaturas, os graus de liberdade de rotação estão congelados e temos igualmente U = 3 2 nRT + U0 e CV = 3 2 nR (gás diatómico, só translação). (63) Aumentando a temperatura, acrescentamos dois graus de liberdade associados à rotação e obtemos, para uma gama de valores da temperatura que inclui a temperatura ambiente, a expressão U = 5 2 nRT + U0 e CV = 5 2 nR (gás diatómico, translação e rotação). (64) Aumentando ainda mais a temperatura, os graus de liberdade de vibração ficam descongelados e obtemos U = 7 2 nRT + U0 e CV = 7 2 nR (gás diatómico, translação, rotação e vibração). (65) O motivo para considerarmos a vibração com dois graus de liberdade é existirem dois termos de energia: a energia cinética e a energia potencial de vibração. Para moléculas poliatómicas não lineares, e não considerando as vibrações, teremos U = 3nRT + U0 e CV = 3nR (gás poliatómico). (66) A unidade de calor no Sistema Internacional de Unidades é o Joule (tem as dimensões de energia). No entanto, ainda é muito usada a caloria, definida como a quantidade de calor que é necessário fornecer a 1 g de água para aumentar a sua temperatura de 1◦C. (Em nutrição, define-se 1 Cal=1 kcal.) Como a capacidade térmica da água não é constante (embora varie pouco), define-se, presentemente, caloria através da sua conversão para Joule: 1 cal = 4, 184 J. (67) Note-se que a capacidade térmica de uma transformação ao longo da qual a temperatura se mantém constante diverge, pelo que não se pode definir C para uma transformação isotérmica, nomeadamente para uma transição de 15 fase. Assim, para a transição de fase, define-se um outro conceito: calor latente. Calor latente: quantidade de calor que é necessário fornecer a (ou receber de) uma substância que sofre uma transição de fase, para fazer a unidade de massa dessa substância mudar de fase a temperatura e pressão constantes. Transformação adiabática de um gás perfeito: numa transformação adiabática quase-estática, dU = d̄W = −P dV. (68) Por outro lado, dU = CV dT (69) Usando a equação dos gases perfeitos, obtemos CV dT = −P dV = −nRT V dV ⇔ CV dT T = −nRdV V . (70) Admitindo CV =const. e integrando, CV lnT = −nR lnV + const. ⇔ TCV V nR = const. ⇔ TV nR CV = TV γ−1 = const., (71) em que γ é o coeficiente adiabático, definido na eq.(51). Usando novamente a equação dos gases perfeitos, podemos escrever esta expressão em termos de P e V ou em termos de T e P : PV γ = const. (72) e TP 1−γ γ = const. (73) Transmissão de calor Vamos estudar três processos de transmissão de calor: condução, convecção e radiação. Condução: Chama-se condução de calor à transmissão de calor que ocorre quando dois sistemas termodinâmicos fechados a temperaturas diferentes são colocados em contacto térmico através de uma parede diatérmica constitúıda por um corpo sólido. É uma transmissão de calor por contacto, sem que haja movimento do meio através do qual se dá essa transmissão. Se um sistema está à temperatura T1 e o outro à temperatura T2, forma-se um gradiente de temperaturas no corpo sólido que constitui a fronteira. Consideremos a transmissão de calor através de uma placa de área A e espessura dx quando de um lado e do outro da placa as temperaturas são T e T +dT . A quantidade de calor que atravessa a placa por unidade de tempo será claramente proporcional à área A. Será, igualmente, proporcional à diferença de temperaturas dT e inversamente proporcional à espessura da placa dx: Q̇ ∝ A, Q̇ ∝ dT e Q̇ ∝ 1 dx . (74) 16 A constante de proporcionalidade K chama-se condutividade térmica do material de que é feita a placa. Assim, A d x T T + d T Figura 5. Condução. podemos escrever Q̇ = −KA dT dx ⇔ dT = − Q̇ KA dx. (75) O sinal negativo deve-se ao facto de a transmissão de calor ocorrer no sentido contrário ao da temperatura crescente. Exemplos: Q̇ = −KA T2 − T1 x (placa plana), (76) em que T1 e T2 são as temperaturas dos dois lados da placa, A a área da placa e x a sua espessura. Q̇ = −2πℓKT2 − T1 ln r2 r1 (placa ciĺındrica), (77) em que T1 e T2 são as temperaturas dentro e fora da placa, ℓ a altura do ciĺındro e r1 e r2 os raios interior e exterior da placa ciĺındrica. Q̇ = −4πK(T2 − T1) r2r1 r2 − r1 (placa esférica), (78) em que T1 e T2 são as temperaturas dentro e forada placa e r1 e r2 os raios interior e exterior da placa esférica. Convecção: transmissão de calor por contacto, havendo movimento do meio através do qual se transmite o calor, como nos ĺıquidos e nos gases. Convecção natural: o movimento do meio é provocado pelo próprio processo de transmissão de calor. Convecção forçada: o movimento do meio é provocado por uma influência externa e não pelo processo de trans- missão de calor. Radiação: a matéria é constitúıda por part́ıculas carregadas em constante agitação térmica, sofrendo constante- mente acelerações e desacelerações que causam a emissão de radiação electromagnética. A energia dessa radiação é proporcional à sua frequência f : E = hf, (79) 17 frequência essa que é inversamente proporcional ao seu comprimento de onda λ: λ = c f ⇒ E = hc λ , (80) em que c é a velocidade da luz no vazio. Assim, todos os corpos estão constantemente a emitir (e a absorver) radiação electromagnética. Esta emissão obedece a 4 propriedades: 1 - Espectro cont́ınuo: o espectro da radiação térmica é cont́ınuo e abrange uma elevada gama de frequências. 2 - Reciprocidade Para cada comprimento de onda, a energia de radiação absorvida por unidade de tempo por um corpo que está à mesma temperatura que a sua vizinhança é igual à energia de radiação emitida por unidade de tempo por esse mesmo corpo. Isto significa que, neste caso, a potência de radiação recebida pelo corpo é igual à potência de radiação emitida e há equiĺıbrio. Se a temperatura do corpo for diferente da da vizinhança, o corpo recebe a radiação que a vizinhança emite e já não há equiĺıbrio. O corpo emite radiação à temperatura a que ele está e absorve radiação à temperatura a que está a vizinhança. 3 - Lei de Wien: o comprimento de onda a que corresponde a intensidade máxima de emissão varia inversamente com a temperatura: λmáx = Bλ T , em que Bλ = 2, 898× 10−3m K (81) o que é equivalente a dizer que a frequência a que corresponde a intensidade máxima de emissão é directamente proporcional à temperatura: fmáx = BfT, em que Bf = 5, 88× 1010s−1K−1. (82) 4 - Lei de Stefan-Boltzmann: a energia radiada por unidade de tempo pela superf́ıcie A de um corpo varia com a quarta potência da temperatura: Q̇ = eσAT 4 em que σ = 5, 67× 10−8 W m−2 K−4 (83) e e é a emissividade da superf́ıcie e verifica 0 ≤ e ≤ 1. e = 0 corresponde ao reflector perfeito; e = 1 corresponde ao corpo negro. Efeito estufa: numa estufa, as paredes e o tecto de vidro são transparentes à radiação viśıvel e reflectoras da radiação infravermelha. A radiação solar entra e aquece o interior, que emite radiação infravermelha, a qual não pode sair. A temperatura dentro da estufa é, assim, mais elevada do que fora dela. Teoria cinética dos gases: 18 Equação dos gases perfeitos Anteriormente, definimos gás perfeito através das propriedades macroscópicas dos gases reais obtidas pela via expe- rimental. Vimos que, a baixas pressões, todos os gases obedecem aproximadamente à equação PV = nRT. (84) A teoria cinética dos gases faz uma descrição do comportamento dos gases através de métodos estat́ısticos e foi um percursor da Mecânica Estat́ıstica. Nesta teoria, supõe-se que o gás perfeito é constitúıdo por part́ıculas que ocupam um volume muito pequeno e cujas interacções consistem apenas em colisões elásticas das part́ıculas entre si e com as paredes do recipiente que o contém. Mais concretamente, a teoria cinética dos gases assenta nas seguintes hipóteses: • A soma dos volumes das part́ıculas é desprezável, quando comparada com o volume do recipiente que contém o gás. Isto significa que a distância média entre as part́ıculas é grande, quando comparada com o seu tamanho. • O número de part́ıculas do sistema é tão grande que se justifica o tratamento estat́ıstico do problema. • As part́ıculas estão constantemente a colidir entre si e com as paredes do recipiente, sendo todas estas colisões elásticas. • Não há qualquer interacção entre as part́ıculas excepto nas colisões elásticas entre si. Isto significa que as part́ıculas se comportam como esferas duras, i.e., como se fossem pequenas bolas de bilhar e que o tempo que dura uma colisão é muito inferior ao intervalo de tempo entre duas colisões sucessivas. Embora a Teoria Cinética dos Gases possa ser aplicada a misturas de gases diferentes, iremos usar a hipótese simplificadora de que as part́ıculas são todas iguais. Iremos ainda descrever o comportamento do sistema através das equações da Mecânica Clássica. Neste contexto, a pressão exercida por um gás na parede do recipiente que o contém é o resultado dos inúmeros choques das part́ıculas do gás com a parede. Seja dS uma superf́ıcie infinitesimal da parede e seja o eixo dos zz perpendicular a dS, como mostra a fig.(6). Comecemos com uma única part́ıcula. Quando uma part́ıcula choca (choque elástico) com uma superf́ıcie lisa, o ângulo de incidência vai ser igual ao ângulo de reflexão. Como o módulo da velocidade se mantém, só a componente da velocidade perpendicular à superf́ıcie (a componente vz) sofre uma alteração e essa alteração é constitúıda apenas por uma mudança de sinal. Se a velocidade antes do choque for v⃗ = (vx, vy, vz), então a velocidade depois do choque será v⃗ ′ = (vx, vy,−vz). Assim, a única componente do seu momento linear que muda é pz, sendo a sua variação ∆pz = −2pz = −2mvz > 0, (85) 19 α α z vzk̂−vzk̂ �v Figura 6. Choque de uma part́ıcula com a parede do recipiente. em que m é a massa da part́ıcula e vzcom um módulo entre v e v+ dv e uma direcção e sentido que estão dentro do ângulo sólido dΩ e que irão colidir com a superf́ıcie infinitesimal dS no intervalo de tempo dt será, em coordenadas esféricas, ρ |vz| dS dt× f(v) dv × 1 4π sin θ dθ dφ. (93) Cada part́ıcula comunica à superf́ıcie um momento linear dado pela eq.(86), pelo que o momento linear comunicado à superf́ıcie dS por estas part́ıculas no intervalo de tempo dt é perpendicular à superf́ıcie e terá uma componente 21 segundo o eixo dos zz dada por ρ |vz| dS dt× f(v) dv × 1 4π sin θ dθ dφ× 2mvz = − 1 2π ρf(v) dvmv2z sin θ dθ dφ dS dt 0. (119) Obviamente, uma vez calculados I0 e I1, os outros integrais podem ser calculados através da relação dIn dα = −In+2. (120) É claro, também, que I2n+1 = 0, (121) uma vez que a função integranda é impar. No entanto, para estes casos, podemos definir I2n+1 como o integral de 0 a ∞ e calcular: I1 = ∫ ∞ 0 x e−αx2 dx = ñ e−αx2 −2α ô∞ 0 = 1 2α . (122) Em seguida usamos a eq.(120) para calcular os outros integrais, por exemplo, I3 = 1 2α2 . (123) I0 pode ser calculado da seguinte forma: I20 = ∫ ∞ −∞ e−αx2dx ∫ ∞ −∞ e−αy2 dy. (124) Mudando para coordenadas polares, I20 = ∫ ∞ 0 ∫ 2π 0 e−αr2 r dφ dr = 2π 2α , (125) pelo que I0 = … π α . (126) Usando a eq.(120) I2 = − dI0 dα = − d dα … π α = 1 2α … π α (127) e I4 = − dI2 dα = − d dα Å √ π 2α 3 2 ã = 3 4α2 … π α (128) Podemos agora calcular o valor da constante C para a densidade de probabilidade estar devidamente normalizada. Para os integrais convergirem, temos de assumir que a constante D é negativa. Então:∫ ∞ −∞ f1 ( v2x ) dvx = 1 ⇔ ∫ ∞ −∞ C eDv2x dvx = C I0(−D) = C … π −D = 1 (129) pelo que C = … −D π ⇒ f1 ( v2x ) = … −D π eDv2x . (130) 25 Podemos calcular a constante D, através da média do quadrado da velocidade: v2x = ∫ ∞ −∞ v2xf1 ( v2x ) dvx = ∫ ∞ −∞ v2x … −D π eDv2x dvx =, … −D π I2(−D) = − 1 2D . (131) Usando a relação entre energia e temperatura 1 2 mv2x = 1 2 kBT ⇔ − m 4D = 1 2 kBT ⇔ D = − m 2kBT (132) e a densidade de probabilidade fica f1 ( v2x ) = … m 2πkBT e − m 2kBT v2x . (133) Esta é a densidade de probabilidade a uma dimensão. A três dimensões, teremos (da eq.(110)): f(v⃗) = f1 ( v2x ) × f1 ( v2y ) × f1 ( v2z ) = Å m 2πkBT ã 3 2 e − m 2kBT (v2x+v2y+v2z) (134) em coordenadas cartesianas. Para passar para as coordenadas esféricas, é necessário multiplicar pelo jacobiano: f(v, θ, φ) = Å m 2πkBT ã 3 2 e − mv2 2kBT v2 sin θ. (135) A probabilidade de a velocidade de uma part́ıcula escolhida ao acaso ter uma velocidade dentro de um volume infinitesimal no espaço das velocidades é f(v⃗) dv⃗ = Å m 2πkBT ã 3 2 e − m 2kBT (v2x+v2y+v2z) dvx dvy dvz (136) em coordenadas cartesianas e f(v, θ, φ) dv dθ dφ = Å m 2πkBT ã 3 2 e − mv2 2kBT v2 sin θ dv dθ dφ (137) em coordenadas esféricas. Integrando esta última expressão nas coordenadas angulares, obtemos a distribuição de Maxwell, que nos dá a densidade de probabilidade do módulo da velocidade das part́ıculas do gás: f(v) = Å m 2πkBT ã 3 2 4πv2e − mv2 2kBT . (138) A fig.(8) mostra o gráfico de f(v). 0.5 1.0 1.5 2.0 0.5 1.0 1.5 Figura 8. Densidade de probabilidade do módulo da velocidade das part́ıculas do gás f(v) para m 2πkBT = 1. 26 A raiz da velocidade quadrática média vrms já foi calculada antes 1 2 mv2 = 1 2 m Ä v2x + v2y + v2z ä = 3 2 kBT ⇔ vrms = √ v2 = … 3kBT m , (139) mas podemos confirmar esta expressão com o cálculo expĺıcito do integral da eq.(97) v2 = ∫ ∞ 0 f(v)v2 dv = Å m 2πkBT ã 3 2 4π × 1 2 I4 Å m 2kBT ã = Å m 2πkBT ã 3 2 4π × 1 2 3 4 Å 2kBT m ã2…2πkBT m = 3kBT m . (140) Podemos ainda calcular a velocidade mais provável vmax (máximo de f(v)), df dv = 0 ⇔ 2v − 2v3 m 2kBT = 0 ⇔ vmax = … 2kBT m , (141) e a velocidade média v, v = ∫ ∞ 0 vf(v) dv = Å m 2πkBT ã 3 2 4π × I3 Å m 2kBT ã = Å m 2πkBT ã 3 2 4π × 1 2 Ä m 2kBT ä2 = … 8kBT πm . (142) Verificamos que a velocidade média é inferior à raiz da velocidade quadrática média e superior à velocidade mais provável vmax 0, (145) QF = −WF = nRTF ln VD VC = −nRTF ln VC VD Máquina frigoŕıfica: sistema termodinâmico que, funcionando num ciclo, recebe calor de uma fonte fria e fornece calor a uma fonte quente. Eficiência µ de uma máquina frigoŕıfica que opera entre duas fontes de calor: razão entre a quantidade de calor que retira da fonte fria ao longo de um ciclo e o trabalho que é necessário fornecer-lhe para descrever esse ciclo. µ = QF W . (155) De notar que µ pode ser superior à unidade. Frigoŕıfico de Carnot: ciclo de Carnot descrito no sentido directo: ADCBA. É necessário realizar trabalho sobre o sistema. Além disso, o sistema recebe calor da fonte fria e fornece calor à fonte quente. Todos os cálculos efectuados para a máquina de Carnot são válidos para o frigoŕıfico de Carnot, trocando os sinais dos calores e trabalhos que o sistema recebe, nomeadamente, QQ = −WQ = −nRTQ ln VB VA 0, (157) e W = −Q = −QQ −QF > 0. (158) 30 Obviamente, a equação (153) continua a ser válida. A eficiência do frigoŕıfico de Carnot é dada por µ = QF W = QF −QQ −QF = QF |QQ| −QF = 1∣∣∣QQ QF ∣∣∣− 1 = 1 TQ TF − 1 = TF TQ − TF (159) Equivalência dos enunciados de Kelvin-Planck e de Clausius da 2a. lei da Termodinâmica: (1) A negação do enunciado de Clausius implica a negação do enunciado de Kelvin-Planck: imaginemos a máquina MC, que viola o enunciado de Clausius e que, ao longo de um ciclo, retira uma certa energia EF , sob a forma de calor, da fonte fria e a entrega, também sob a forma de calor, à fonte quente sem qualquer outra alteração no sistema ou na sua vizinhança. Então, acoplando essa máquina a uma máquina de Carnot (CC) que retira a energia EQ, sob a forma de calor, da fonte quente e devolve uma energia EF , igualmente sob a forma de calor, à fonte fria, realizando, sobre a vizinhança, um trabalho dado por EW = EQ−EF (figura 11), teŕıamos que o conjunto dessas duas máquinas seria uma máquina que retiraria calor da fonte quente e o transformaria integralmente em trabalho, violando, assim, o enunciado de Kelvin-Planck. M C C C F Q E F E F E F E Q F F E W Figura 11. Negação do enunciado de Clausius implica negação do enunciado de Kelvin-Planck. (2) A negação do enunciado de Kelvin-Planck implica a negação do enunciado de Clausius: imaginemos a máquina MKP , que viola o enunciado de Kelvin-Planck e que, ao longo de um ciclo, recebe a energia EW da fonte quente sob a forma de calor e a transforma em trabalho sem qualquer outra alteração no sistema ou na sua vizinhança. Então, acoplando essa máquina a um frigoŕıfico de Carnot (FC), que recebe esse trabalho e retira a energia EF , sob a forma de calor, da fonte fria, devolvendo à fonte quente a energia EW +EF (figura 12), teŕıamos que o conjunto dessas duas máquinas seria uma máquina que retiraria calor da fonte fria e o devolveria à fonte quente sem alterar o sistema ou a sua vizinhança, violando, assim, o enunciado de Clausius. 31 M K P C C F Q E W E F E F F F E W E W + Figura 12. Negação do enunciado de Kelvin-Planck implica negação do enunciado de Clausius. Teorema de Carnot: De todas as máquinas térmicas que funcionam entre duas fontes de calor, a máquina de Carnot é a que proporciona o rendimento máximo. Consideremos a máquina térmica MM que, ao longo de um ciclo, recebe da fonte quente a energia EQ sob a forma de calor. Seja agora o frigoŕıfico de Carnot, que recebe da fonte fria a energia EF sob a forma de calor, recebe o trabalho EW e fornece à fonte quente a energia EQ sob a forma de calor. A máquina MM realiza um trabalho EW + ∆ e entrega à fonte fria a energia EF −∆ sob a forma de calor. Tem-se, naturalmente, EW + EF = EQ. (160) Uma violação do teorema de Carnot corresponderia a ter ∆ > 0 (violação do teorema de Carnot), (161) pois o rendimento da máquina MM é ηMM = EW +∆ EQ = EW EQ + ∆ EQ = ηC + ∆ EQ , (162) sendo ηC o rendimento da máquina de Carnot. Acoplando as duas máquinas, (figura 13), a máquina MM fornece o trabalho EW ao frigoŕıfico de Carnot, sobrando ainda o trabalho ∆ a realizar sobre a vizinhança e ficamos com uma máquina que recebe a energia ∆ da fonte fria sob a forma de calor e a converte integralmente em trabalho em contradição com o enunciado de Kelvin-Planck (a fonte quente fica inalterada, pois recebe a energia EQ do frigoŕıfico de Carnot e fornece essa mesma energia à máquina MM). Assim, o enunciado de Kelvin-Planck exige que ∆ ≤ 0 (163) ficando assim demonstrado que nenhuma máquina térmica, funcionando entre as mesmas temperaturas que uma máquina de Carnot, pode ter um rendimento superior. 32 M M C C F Q E Q E F F F E W E Q E F - D D Figura 13. Teorema de Carnot. Corolário do teorema de Carnot: Todas as máquinas reverśıveis, funcionando entre as mesmas duas fontes de calor, têm o mesmo rendimento. Para demonstrar este corolário, basta inverter o sentido dos dois ciclos considerados anteriormente, ficando a máquina MM a funcionar como frigoŕıfico e o frigoŕıfico de Carnot a funcionar como máquina térmica como mostra a figura 14. M M C C F Q E Q E F F F E W E Q E F - D D Figura 14. Corolário do teorema de Carnot. Acoplando as duas máquinas, temos agora uma máquina que recebe trabalho ∆ e o fornece à fonte fria. Para não haver contradição com o enunciado de Kelvin-Planck, temos de ter ∆ ≥ 0. (164) 33 As duas inequações (163) e (164) só podem ser ambas válidas se ∆ = 0, (165) pelo que todas as máquinas reverśıveis funcionando entre as mesmas temperaturas têm o rendimento da máquina de Carnot η = 1− TF TQ . (166) Note-se que este argumento apenas exige que a máquina MM seja reverśıvel e opere entre as mesmas temperaturas que a máquina de Carnot. Vimos anteriormente que, para um ciclo de Carnot, as equações (146) e (147) permitem escrever QF QQ = −nRTF ln VC VD nRTQ ln VB VA = −TF TQ . (167) Assim, podemos concluir que, para o ciclo de Carnot, QQ TQ + QF TF = 0. (168) Temperatura absoluta Até agora, temos considerado a definição de temperatura obtida da equação dos gases perfeitos, uma vez que o comportamento era o mesmo para qualquer gás, no limite em que a sua pressão tende para zero. Esta definição é muito pouco prática pois, para baixas temperaturas, todas as substâncias passam à fase ĺıquida e, eventualmente, à fase sólida. No entanto, a 2a. lei tem, como consequência, que o rendimento de uma máquina térmica reverśıvel só dependa das temperaturas das suas duas fontes e não da substância usada para descrever o ciclo. Podemos usar como propriedade termométrica o calor trocado com cada fonte de calor. A definição de temperatura absoluta T com um ponto fixo é T = T ∗ ∣∣∣∣ QQ∗ ∣∣∣∣ . (169) Uma consequência é que, se a quantidade de calor que o sistema fornecer à fonte fria for nula, então a temperatura dessa fonte será o zero absoluto. A eq.(169) pode ser escrita da forma∣∣∣∣QF QQ ∣∣∣∣ = TF TQ . (170) Mas já vimos que a 2a. lei da Termodinâmica permite escrever a equação (153), usando a escala de temperaturas T ′ definida pela equação dos gases perfeitos. Assim, teremos que∣∣∣∣∣T ′ F T ′ Q ∣∣∣∣∣ = TF TQ , (171) e a temperatura absoluta é proporcional à temperatura definida pela equação dos gases perfeitos T = cT ′. (172) 34 Como a escolha da constante c apenas vai determinar o tamanho do grau, podemos escolher c = 1 e as escalas de temperatura coincidem. T = T ′. (173) Teorema de Clausius: Seja um sistema S, que descreve um ciclo ao longo do qual troca calor com n fontes de calor. Então, n∑ i=1 (ciclo) Qi Ti ≤ 0, (174) em que Qi é o calor que S recebe da fonte i e Ti é a temperatura da fonte i. A igualdade verifica-se se e só se todos os processos forem reverśıveis. N.B. Para processos reverśıveis, a temperatura Ti da fonte é igual à temperatura do sistema. Para processos irreverśıveis,o sistema pode não ter temperatura definida. Neste caso, Ti tem mesmo que ser a temperatura da fonte i, não a do sistema. Para demonstrar este teorema, vamos considerar n ciclos de Carnot Ci, i = 1, ..., n. O ciclo Ci funciona entre duas fontes de calor, às temperaturas Ti e T0, sendo esta fonte, à temperatura T0, a mesma para todos os ciclos Ci. O ciclo Ci é escolhido de forma a que o calor que ele fornece à fonte i ao longo de um ciclo seja igual ao calor Qi que essa fonte fornece ao sistema. Isto significa que, ao longo de um ciclo do sistema S e do ciclo de Carnot Ci, o calor que a fonte i fornece ao sistema é igual ao calor que essa fonte recebe de Ci, pelo que a fonte não sofre qualquer alteração (ver figura 15). Chamaremos Q0i ao calor que o ciclo de Carnot Ci recebe da fonte à temperatura T0. C S T w 1 0 . . . . . . . . . . . . . . . . . .T 1 T i 1 Q 0 1 Q 1 Q 1 C w i i Q 0 i Q i Q i Figura 15. Teorema de Clausius. Consideremos agora o mega-sistema constitúıdo pelo sistema S, juntamente com todos os ciclos de Carnot Ci. Como 35 todos são processos ćıclicos, o mega-sistema S + ∑ iCi também segue um processo ćıclico. Como já vimos que as fontes ficam inalteradas ao fim de um ciclo, o resultado ĺıquido é que, em cada ciclo, o mega-sistema recebe o calor Q0 da fonte de calor à temperatura T0 e recebe o trabalho W (ou realiza o trabalho −W ), em que −W = Q0 = n∑ i=1 (ciclo) Q0i. (175) Já vimos que, num ciclo de Carnot, as quantidades de calor que ele recebe das fontes se relacionam com as tempera- turas pela eq.(168). Lembrando que, neste caso, o ciclo de Carnot Ci recebe o calor −Qi da fonte i e recebe o calor Q0i da fonte à temperatura T0, obtemos −Qi Ti + Q0i T0 = 0 (176) e Q0i = T0 Qi Ti . (177) Assim, fica, finalmente, −W = Q0 = T0 n∑ i=1 (ciclo) Qi Ti . (178) Se W for negativo, o que implica que Q0 seja positivo, então, após realizar um ciclo, o mega-sistema recebe o calor Q0 da fonte à temperatura T0 e realiza o trabalho −W , contrariando o enunciado de Kelvin-Planck. Assim, W tem que ser nulo ou positivo e Q0 nulo ou negativo, ou seja, n∑ i=1 (ciclo) Qi Ti ≤ 0, (179) o que significa que, após um ciclo, o mega-sistema, ou não troca calor nem trabalho com a vizinhança, ou recebe trabalho e fornece calor à fonte a temperatura T0, demonstrando assim o teorema de Clausius. Consideremos inicialmente o caso em que o ciclo que o sistema S realiza é reverśıvel. Nesse caso, o ciclo pode ser descrito em sentido contrário, caso em que todas as trocas de energia (seja sob a forma de calor seja sob a forma de trabalho) têm um valor simétrico do anterior. Então, o calor total que o mega-sistema recebe da fonte à temperatura T0 será Q′ 0 = −Q0 = −T0 n∑ i=1 (ciclo) Qi Ti ≤ 0. (180) Como ambas as condições, Q0 ≤ 0 e −Q0 ≤ 0, têm que ser válidas, teremos que ter n∑ i=1 (ciclo) Qi Ti = 0 (ciclos reverśıveis). (181) Consideremos agora o caso em que o ciclo que o sistema S realiza é irreverśıvel. Suponhamos que a irreversibilidade vem apenas da troca de calor Q1. Então, para esse caso, teremos Q1 T ′ 1 + n∑ i=2 Qi Ti ≤ 0, (182) 36 em que T ′ 1 é a temperatura da fonte com a qual o sistema realiza a troca de calor Q1. No caso anterior, em que esta troca de calor era reverśıvel, a fonte de calor estava à temperatura T1 que é igual (a menos de um infinitésimo) à temperatura do sistema. No caso presente, a temperatura T ′ 1 da fonte depende de o sistema estar a receber ou a ceder calor. Se Q1 for positivo (o sistema recebe calor), então a troca de calor tem que se dar porque a fonte está a uma temperatura superior a T1 e Q1 > 0 e T ′ 1 > T1 ⇒ 1 T ′ 1 1 T1 e Q1 T ′ 1