Prévia do material em texto
<p>POLÍTICAS</p><p>SETORIAIS III</p><p>Aline Michele Nascimento Augustinho</p><p>A construção do direito</p><p>à saúde e a sua inserção na</p><p>Seguridade Social Brasileira</p><p>Objetivos de aprendizagem</p><p>Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:</p><p> Descrever a trajetória histórica do direito à saúde no Brasil e no exterior.</p><p> Identificar a saúde como uma política universal que compõe a se-</p><p>guridade social.</p><p> Explicar os avanços e desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) e o</p><p>acesso a ele no Brasil.</p><p>Introdução</p><p>A construção do direito à saúde no Brasil possui uma trajetória longa e não</p><p>linear. Tal trajetória é permeada pelos múltiplos processos sociopolíticos</p><p>pelos quais a sociedade brasileira passou, especialmente ao longo do</p><p>século XX. Nas décadas de 1970 e 1980, a luta por um sistema de saúde</p><p>amplo e de atendimento universal tornou-se uma proposta alinhada à</p><p>luta pela reconstituição democrática. Assim, teve papel fundamental na</p><p>definição da participação social como dispositivo de controle democrático</p><p>após a Constituição de 1988.</p><p>Neste capítulo, você vai conhecer os principais eventos que compõem</p><p>a trajetória do direito à saúde no Brasil e as perspectivas sobre a saúde</p><p>no exterior. Você também vai ver que a saúde é uma política universal e</p><p>um componente da seguridade social. Por fim, você vai conhecer melhor</p><p>a criação, os limites e as possibilidades do SUS.</p><p>A história do direito à saúde</p><p>A constituição dos serviços de saúde no Brasil como um direito social é fruto</p><p>das lutas sociais. Em especial, é um refl exo das disputas e tensões que resul-</p><p>taram na reabertura democrática da década de 1980. Assim, a história desses</p><p>serviços é longa e peculiar, pertinente à constituição de um Estado brasileiro</p><p>com soberania nacional, em contraposição aos processos desenvolvidos ao</p><p>longo do período colonial.</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), divulgada pela</p><p>Organização das Nações Unidas - ONU (1948), é uma das primeiras expressões</p><p>internacionais da saúde como um direito. Entretanto, esse direito não aparece no</p><p>documento como universal, mas condicionado, como você pode observar a seguir:</p><p>Artigo 25</p><p>I – Todo o homem tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e</p><p>a sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação,</p><p>cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança</p><p>em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de</p><p>perda de meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (ONU,</p><p>1948, documento on-line).</p><p>O art. 25 da DUDH pontua que a saúde é um direito, mas que compõe</p><p>o conjunto de elementos que fomentam o padrão de vida de segurança e</p><p>qualidade que os homens devem ser capazes de manter para si e para a sua</p><p>família. Ou seja, tal artigo não indica que os Estados devem prover a saúde,</p><p>mas que devem oferecer condições estruturais tais que os indivíduos possam</p><p>garanti-la por si mesmos. O mesmo artigo menciona a proteção social em</p><p>casos nos quais os indivíduos não possam manter a sua subsistência. Assim,</p><p>a proteção social dos Estados, nessa declaração, se condiciona aos fatores</p><p>alheios ao controle dos indivíduos.</p><p>Essa proposição não se altera drasticamente ao longo do tempo e na obser-</p><p>vância da transição do capitalismo industrial para o capitalismo financeiro,</p><p>processo que ocorre antes nos países centrais e só depois na América Latina.</p><p>Embora agências específicas da ONU tenham sido criadas desde a divulgação</p><p>da DUDH, como a Organização Mundial da Saúde (OMS), os indicativos para</p><p>as práticas de saúde se referem mais ao controle e ao combate a epidemias, à</p><p>segurança alimentar e às mudanças climáticas.</p><p>Considerando o tipo de colônia que era o Brasil — de exploração de ri-</p><p>quezas naturais —, é possível compreender a ausência de projetos ou políticas</p><p>destinadas à saúde populacional: a população era composta por povos negros</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira2</p><p>escravizados e indígenas nativos, que não eram considerados cidadãos ou</p><p>súditos da coroa imperial portuguesa. Por outro lado, os brancos europeus</p><p>e os seus descendentes eram quase sempre parte da nobreza e recorriam a</p><p>serviços médicos particulares. Nesse contexto, as duas exceções destinadas</p><p>aos atendimentos de saúde pública eram restritas e irregulares: os hospitais</p><p>de campanha, em períodos bélicos, que assistiam os militares, e as Santas</p><p>Casas de Misericórdia.</p><p>As Santas Casas de Misericórdia foram a primeira rede de atenção à saúde</p><p>pública no Brasil, mas não tinham nenhuma conexão com as instituições</p><p>políticas do poder, sendo fomentadas pela Igreja Católica como ato de cari-</p><p>dade e filantropia. Eram criadas por iniciativas de religiosos e mantidas por</p><p>doações de pessoas abastadas. A partir do século XIX, hospitais financiados</p><p>por outras religiões também passaram a ser constituídos (DALLARI, 1988).</p><p>As Santas Casas eram uma forma constante de atenção à saúde no con-</p><p>tinente europeu na passagem entre a Baixa Idade Média e a Modernidade,</p><p>especialmente nos países ibéricos, e demonstravam a importância política da</p><p>Igreja Católica naquela região. No Brasil, foram criadas ainda no primeiro</p><p>quinquênio da colonização — a Santa Casa de Santos foi criada em 1543, e a</p><p>de Salvador, em 1549 (BRASIL, 2009). No panorama político, a composição</p><p>religiosa e filantrópica das Santas Casas como única rede de apoio à saúde</p><p>pública demonstra o afastamento entre essa necessidade humana e o entendi-</p><p>mento das instituições de poder sobre a constituição de um direito social. Com</p><p>a independência e a formação de um império brasileiro, há alguma alteração</p><p>no olhar sobre as necessidades da população, que a partir de então passa a</p><p>constituir “o povo brasileiro”.</p><p>Dom Pedro II, especialmente a partir da constituição da corte no Rio de</p><p>Janeiro, inicia um processo de desenvolvimento e urbanização das capitais</p><p>a fim de torná-las semelhantes às grandes cidades europeias. Por isso, cria</p><p>as primeiras faculdades de medicina brasileiras e dá início ao movimento</p><p>de higienização da capital do Império a partir da reconfiguração urbana e</p><p>da fundação de órgãos de fiscalização sanitária. Essa fiscalização sanitária</p><p>também procurava dar conta dos surtos de cólera, febre amarela, difteria, peste</p><p>e varíola, que eram associados à falta de higiene (BRASIL, 2009).</p><p>As práticas que ficaram conhecidas como “movimento higienista” pro-</p><p>curavam tornar a capital nacional o mais parecida possível com as capitais</p><p>europeias. Para isso, reconfigurou-se o descarte do esgoto, que era feito em</p><p>valas a céu aberto, e reconfigurou-se também a ocupação social da cidade,</p><p>excluindo-se à força a população negra e pobre. Nesse sentido, ocorreu a</p><p>destruição das casas simples para a criação de alamedas, praças e palacetes</p><p>3A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira</p><p>centrais, dando início à formação dos cortiços e das favelas. Assim, as ações</p><p>voltadas à saúde na constituição do período imperial tiveram mais resultados</p><p>sobre o processo de urbanização e sobre a constituição do saneamento básico</p><p>do que sobre a saúde pública.</p><p>O período republicano não avança muito na atenção à saúde se comparado ao</p><p>período imperial. A rede de atendimento ainda era formada por hospitais-escola</p><p>das faculdades de medicina, hospitais militares e as Santas Casas de Misericórdia,</p><p>que vivem seu auge entre meados do século XVIII e o início do século XX. Mas</p><p>a alteração socioestrutural ocorrida com o fim da escravatura e a constituição do</p><p>Estado-nação imprime novo significado à atenção das instituições em relação aos</p><p>cidadãos brasileiros. Os avanços nas pesquisas médico-biológicas, especialmente</p><p>as desenvolvidas pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, permitem a criação de</p><p>vacinas contra doenças que ainda ameaçavam as capitais, principalmente o Rio</p><p>de Janeiro, em surtos e epidemias. A capital federal era considerada o maior</p><p>reduto nacional de mortalidade por epidemias, especialmente</p><p>de estrangeiros</p><p>que se contaminavam nos portos (DALLARI, 2008; 1998).</p><p>No combate a esse cenário, institui-se a Reforma Oswaldo Cruz, na qual se</p><p>criam o Serviço de Profilaxia da Febre Amarela e a Inspetoria de Isolamento</p><p>e Desinfecção, pelo Decreto Legislativo nº 1.151, de 5 de janeiro de 1904.</p><p>Também é criada a Diretoria Geral de Saúde Pública, o primeiro órgão em nível</p><p>nacional que se orienta à saúde da população em todo o território brasileiro.</p><p>Nos primeiros anos do século XX, a população passa a ser vacinada contra</p><p>a sua vontade, com o uso de força militar e sem explicação sobre a necessidade</p><p>ou a função das vacinas, num conjunto de ações desenvolvidas por Oswaldo</p><p>Cruz, já no comando da Diretoria Geral da Saúde. Tal movimento é chamado</p><p>de “Sanitarismo Campanhista”. As residências consideradas não adequadas</p><p>aos novos padrões sanitários são multadas ou demolidas. Começam então as</p><p>insurgências que dão origem à Revolta da Vacina, uma das primeiras mobi-</p><p>lizações sociais que abalam a República recém-constituída.</p><p>Oswaldo Cruz travou uma longa batalha contra as epidemias, empregando ações</p><p>imprescindíveis e à frente de seu tempo, além de outras autoritárias. Ao final de alguns</p><p>anos, conseguiu-se erradicar a febre amarela do Rio de Janeiro e diminuir considera-</p><p>velmente a contaminação por varíola.</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira4</p><p>Com a chegada de Carlos Chagas à Diretoria Geral da Saúde, na década</p><p>de 1920, e com um cenário sanitário estabilizado, as ações drásticas imple-</p><p>mentadas por Oswaldo Cruz dão lugar a medidas educativas sobre higiene</p><p>e a informações sobre práticas sanitárias. Chagas institui o Departamento</p><p>Nacional de Saúde Pública, uma releitura da Diretoria Geral criada por Cruz,</p><p>com as reestruturações permitidas pelas estabilização sanitária e com um</p><p>alcance maior. Assim, ele estende as práticas sanitaristas às áreas rurais</p><p>e cria uma rede de cooperação entre as unidades federativas por meio da</p><p>Diretoria de Saneamento e Profilaxia Rural, pelo Decreto nº 15.003, de 15</p><p>de setembro de 1921.</p><p>A década de 1930 e o governo de Getúlio Vargas inauguram uma nova</p><p>fase nas políticas de saúde brasileiras. Isso ocorre a partir de dois elementos</p><p>principais: as práticas americanas derivadas do convênio com a Fundação</p><p>Rockefeller, por meio da associação da temática à educação, com a criação do</p><p>Ministério dos Negócios da Educação e da Saúde Pública; e a regulamentação</p><p>das relações trabalhistas.</p><p>A regulamentação das relações de trabalho foi produto de diversas mo-</p><p>bilizações nos centros urbanos brasileiros. Ela também foi um reflexo do</p><p>investimento na indústria, em substituição à importação, investimento este</p><p>que crescia após a Primeira Guerra Mundial. As mobilizações por direitos dos</p><p>trabalhadores nesse contexto emergem a partir de um processo semelhante</p><p>ao que acontece na Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra: o final de</p><p>um ciclo agrícola importante (no Brasil, a transição entre a crise do ciclo da</p><p>borracha e a primeira crise cafeeira) estimula a migração para os centros</p><p>urbanos, e a expansão do trabalho nas fábricas recebe os trabalhadores de</p><p>forma desordenada, levando a baixos salários, contextos insalubres e, por</p><p>fim, gerando greves e mobilizações. Para conter as tensões sociais, Getúlio</p><p>Vargas atende a algumas das reivindicações dos trabalhadores, cria os sin-</p><p>dicatos como mecanismo de defesa e diálogo entre instituições e sociedade</p><p>civil e regulamenta as práticas de trabalho, pontuando alguns dos direitos</p><p>dos trabalhadores.</p><p>É nesse contexto que surgem os sistemas de previdência baseados nos</p><p>institutos de pensões. Cada categoria profissional teria o seu próprio ins-</p><p>tituto, e este cuidaria da previdência, da saúde e da assistência social dos</p><p>trabalhadores vinculados. Na área da saúde, os institutos poderiam firmar</p><p>convênios com instituições filantrópicas a fim de garantir o acesso à saúde</p><p>para os filiados. Até esse momento, a saúde não era um direito social, mas</p><p>5A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira</p><p>um recurso disponível para algumas categorias de trabalho, excluindo os</p><p>trabalhadores cujas profissões não estivessem organizadas.</p><p>A transição da responsabilização do acesso da sociedade civil à saúde para</p><p>as instituições de poder permanece inalterada nas décadas seguintes e só é</p><p>mudada em 1966. Nesse ano, é criado o Instituto Nacional de Previdência</p><p>Social (INPS), que atende a população com o auxílio de instituições de saúde</p><p>filantrópicas. Posteriormente, é criado o Instituto Nacional de Assistência</p><p>Médica da Previdência Social (Inamps), que constitui uma rede de assistência</p><p>previdenciária e de saúde restrita aos trabalhadores com vínculo empregatício</p><p>legal, ou seja, que tivessem carteira de trabalho assinada pelo empregador.</p><p>Apesar da restrição do público atendido, o órgão não suportava a demanda</p><p>de atendimento médico (DALLARI, 2008).</p><p>Na década de 1970, ações de centralização de atenção à saúde são empre-</p><p>endidas, como a criação da Secretaria Nacional de Ações Básicas de Saúde</p><p>(Snabs) e da Secretaria Nacional de Programas Especiais de Saúde (Snpes),</p><p>em 1976.</p><p>É nesse período que emerge o conceito de “medicina comunitária”, que</p><p>dá início ao chamado Movimento da Reforma Sanitária. Tal movimento</p><p>propunha a descentralização da gestão e a universalização do atendimento.</p><p>Na defesa dessa perspectiva, surgem o Centro Brasileiro de Estudos em</p><p>Saúde e a Associação Brasileira de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, em</p><p>1979, além de um programa nacional que visava à atenção à saúde primária,</p><p>o Programa de Interiorização das Ações de Saúde e Saneamento (PIASS)</p><p>(BRASIL, 2009).</p><p>Na década de 1980, seguindo a proposta de descentralização do Movi-</p><p>mento Sanitarista, surge o Conselho Consultivo da Administração de Saúde</p><p>Previdenciária, que baseia a sua ação num programa de atenção médica</p><p>urbana, o Ações Integradas de Saúde (AIS). Em 1982, a fim de produzir</p><p>uma representatividade social coesa na busca por políticas públicas de saúde,</p><p>surge o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass), que atua, após</p><p>a promulgação da Constituição de 1988, na criação e na implementação de</p><p>uma rede de atenção à saúde universal, o SUS (BRASIL, 2009).</p><p>Com o fim da ditadura militar e a reabertura democrática, surge a pers-</p><p>pectiva de unificação dos serviços de saúde, a fim de estendê-los de forma</p><p>ampla à população. Assim, ocorre, por exemplo, a criação do Programa de</p><p>Desenvolvimento de Sistemas Unificados e Descentralizados de Saúde em</p><p>1987. Entretanto, é apenas na configuração da Constituição Federal de 1988</p><p>que a saúde aparece como uma responsabilidade do Estado e um direito</p><p>social, como dispõem os arts. 196, 197 e 198:</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira6</p><p>Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante</p><p>políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de</p><p>outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua</p><p>promoção, proteção e recuperação.</p><p>Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao</p><p>Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização</p><p>e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros</p><p>e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.</p><p>Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regiona-</p><p>lizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo</p><p>com as seguintes diretrizes:</p><p>I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;</p><p>II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem</p><p>prejuízo dos serviços assistenciais;</p><p>III – participação da comunidade.</p><p>Parágrafo único. O Sistema Único de Saúde será financiado, nos termos do art.</p><p>195, com recurso do orçamento da Seguridade Social da União, dos Estados,</p><p>do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes</p><p>(BRASIL, 1988,</p><p>documento on-line).</p><p>A seguir, você vai ver como as disposições da Constituição associam a</p><p>atenção à saúde ao panorama da seguridade social e às suas especificidades.</p><p>A saúde e a seguridade social</p><p>Na confi guração da saúde como um direito social no Brasil, é preciso considerar a</p><p>composição da seguridade social que se institui a partir da Constituição de 1988.</p><p>A chamada “Constituição Cidadã” orienta a relação entre Estado e sociedade civil,</p><p>fundamentando as bases dessa relação a partir da constituição jurídica da nação.</p><p>A Constituição Federal de 1988 apresenta particularidades importantes</p><p>quando comparada às outras constituições brasileiras, porque vincula os direitos</p><p>sociais à estabilidade da própria construção democrática. Assim, apresenta os</p><p>direitos sociais dos brasileiros e os objetivos da atuação destinada à defesa e</p><p>à efetividade desses direitos: a cidadania e o enfrentamento da pobreza e da</p><p>desigualdade. Os direitos sociais definem as políticas sociais, as premissas</p><p>teóricas e os conjuntos jurídicos que são direcionados à sua promoção.</p><p>Nesse panorama, a seguridade social é uma política social que expressa os</p><p>principais direitos direcionados ao bem-estar do cidadão brasileiro. O Estado</p><p>é o responsável pelo oferecimento de tais direitos, como expressa o art. 196</p><p>da Constituição de 1988, que você viu no tópico anterior, e como também</p><p>salienta o art. 194:</p><p>7A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira</p><p>Art. 194 A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de</p><p>iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos</p><p>relativos à saúde, à previdência e à assistência social.</p><p>Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a</p><p>seguridade social, com base nos seguintes objetivos:</p><p>I – universalidade da cobertura e do atendimento;</p><p>II – uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas</p><p>e rurais; [...] (BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>O chamado “tripé da seguridade social” é composto por: saúde, previdência</p><p>social e assistência social. A saúde se constitui como um direito universal,</p><p>destinado a todos os cidadãos brasileiros, independentemente de contribuição</p><p>ou quaisquer outras condições, além de ser definida na Constituição como</p><p>responsabilidade e obrigação do Estado para com seus cidadãos. A previdên-</p><p>cia social tem caráter contributivo, ou seja, os benefícios são proporcionais à</p><p>contribuição dos indivíduos ao sistema. Já a assistência social está disponível a</p><p>quem dela necessite, a partir das situações de vulnerabilidade social.</p><p>As políticas sociais que compõem o tripé da seguridade social representam direitos</p><p>que não são excludentes. Todo cidadão pode acessá-las: segundo a necessidade, para</p><p>a assistência social, e segundo a contribuição, para a previdência. Tais acessos podem</p><p>ser realizados concomitantemente à utilização dos serviços de saúde.</p><p>A partir das políticas sociais, que expressam os direitos sociais, constituem-</p><p>-se as políticas públicas, práticas para que os direitos sociais sejam efetivos</p><p>e acessados pela população. Especificamente na área da saúde, além da uni-</p><p>versalização do atendimento e da responsabilização do Estado sobre o seu</p><p>oferecimento, há ainda a abertura de novos espaços na arena deliberativa para</p><p>a participação social. Assim, existe um ciclo de observância e controle social</p><p>sobre a democracia, equilibrando o poder das instituições e fomentando a</p><p>qualidade democrática e a efetividade das políticas públicas, como demonstram</p><p>os arts. 197 e 198, que discorrem sobre a organização e a gestão, determinando</p><p>a descentralização e abrindo a arena para a participação da comunidade.</p><p>Como você vê, a saúde, constituída como um direito, passou a ser parte de</p><p>um conjunto de três elementos componentes da seguridade social, direcionados</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira8</p><p>à segurança, ao bem-estar e ao fomento da cidadania. A seguir, você vai ver</p><p>como esse direito social é aplicado de forma universal por meio do sistema</p><p>de atenção à saúde brasileiro, o SUS.</p><p>Na Constituição de 1988, a definição dos direitos sociais do cidadão brasileiro é expressa</p><p>no art. 6º e salienta o bem-estar social, a segurança física e alimentar e a proteção à</p><p>família:</p><p>Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o traba-</p><p>lho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,</p><p>a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados,</p><p>na forma desta Constituição (BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>Avanços e desafios do SUS</p><p>A construção do SUS foi uma das respostas ao panorama da defi nição da saúde</p><p>como um direito social dos brasileiros, surgido a partir da Constituição de 1988.</p><p>Entretanto, esse sistema se constituiu progressivamente. Em 1987, paralelamente</p><p>ao exercício da Assembleia Nacional Constituinte, surgiu um projeto inicial</p><p>chamado Sistema Unifi cado e Descentralizado de Saúde (Suds), que procurava</p><p>integrar as propostas do movimento sanitarista, como a descentralização e a</p><p>democratização da gestão, à universalização do atendimento (BRASIL, 2009).</p><p>Já em 1988, a fim de implementar os pressupostos da Reforma Sanitarista e</p><p>da nova Constituição, o Ministério da Saúde e o Conass, junto ao recém-criado</p><p>Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), constituem</p><p>a Comissão Intergestora Tripartite, um colegiado que seria responsável pela</p><p>gestão do SUS (BRASIL, 2009).</p><p>A implementação do SUS alcança resultados positivos imediatos, espe-</p><p>cialmente ligados à universalização do atendimento. De acordo com o Conass</p><p>(BRASIL, 2009, documento on-line), o SUS elimina a figura dos chamados</p><p>“[...] indigentes sanitários”, os indivíduos que, por não contribuírem com a</p><p>previdência e/ou não terem acesso aos institutos de pensões associados aos</p><p>sindicatos, não podiam acessar serviços de saúde, ou não tinham políticas de</p><p>saúde direcionadas especificamente às suas necessidades. O SUS também integra</p><p>9A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira</p><p>o Inamps ao sistema de atendimento universal e rompe com a ideia promovida</p><p>durante os governos militares de que os direitos sociais estariam vinculados à</p><p>inserção dos indivíduos no mercado de trabalho (BRASIL, 2009).</p><p>A perspectiva da descentralização e da universalização da saúde, bem como</p><p>da sua composição como um direito social, está fundamentalmente atrelada à</p><p>noção de cidadania no Brasil em seu Estado Democrático de Direito. Nesse</p><p>sentido, coloca-se a responsabilidade pela segurança e pelo bem-estar social,</p><p>promotores da cidadania, sobre o Estado, e não sobre a capacidade individual</p><p>de cada cidadão de se manter ativo no mercado de trabalho. A cidadania passa,</p><p>então, a ser não condicionada, constituindo-se como um projeto de Estado.</p><p>Entre os desafios do SUS, estão a qualidade dos serviços e a efetividade das</p><p>políticas públicas delineadas. Tais dificuldades são causadas por ineficiências na</p><p>gestão, no planejamento e na viabilização da participação da comunidade. Além</p><p>disso, há a necessidade de maiores investimentos que permitam a ampliação e a</p><p>melhoria dos serviços já oferecidos, bem como a incorporação tecnológica de pro-</p><p>cedimentos, equipamentos e sistemas mais modernos e eficazes (BRASIL, 2009).</p><p>Diante dos desafios, porém, é preciso trabalhar pela melhoria do SUS, es-</p><p>pecialmente na luta contra o sucateamento do sistema. Considerando que o</p><p>atendimento universal foi instituído há pouco mais de três décadas, o risco da</p><p>emergência de propostas políticas que diminuam o investimento na área em prol</p><p>da defesa das finanças do Estado não pode ser desconsiderado, como pontua o</p><p>Conass (BRASIL, 2009, documento on-line):</p><p>O CONASS entende que esses temas devem fazer parte da agenda dos gestores</p><p>visando definir as alternativas de enfrentamento e a construção de propostas</p><p>concretas de intervenção que permitam a consolidação</p><p>do SUS como Política</p><p>de Estado e Patrimônio do povo brasileiro.</p><p>Nessa perspectiva, ainda que o atendimento à saúde apresente falhas e de-</p><p>safios, a sua constituição como um direito social é fruto de lutas sociais e</p><p>caracteriza o viés participativo do Estado Democrático de Direito. Por isso,</p><p>é importante que as categorias profissionais que atuam na defesa dos direitos</p><p>sociais, incluindo o Serviço Social, mobilizem-se na defesa do SUS. A ideia</p><p>é promover a sua manutenção diante de políticas econômicas e de gestão que</p><p>possam fragilizá-lo, assim como ampliar e melhorar a qualidade do atendimento.</p><p>Como expressão do direito social universal à saúde e da responsabilidade do</p><p>Estado sobre essa porção do fomento à justiça social, o SUS reflete a possibilidade</p><p>de uma cidadania efetiva para brasileiros, especialmente aqueles provenientes</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira10</p><p>da classe trabalhadora. Os profissionais que atuam na defesa dos direitos sociais</p><p>podem se mobilizar pelo SUS nas arenas deliberativas específicas da participação</p><p>social, oriundas da descentralização da gestão, como participantes dos conselhos</p><p>e conferências. Além disso, é possível se mobilizar nas arenas reivindicativas,</p><p>por meio dos movimentos sociais.</p><p>A constituição da saúde como um direito se dá paralelamente à abertura dos espaços</p><p>de participação social. Nesse contexto, a participação das comunidades no processo de</p><p>observância e controle democrático pode favorecer a qualidade das políticas públicas</p><p>e práticas de atenção à saúde. Acesse o link a seguir e veja uma reportagem sobre a</p><p>importância da participação social na gestão da saúde pública.</p><p>https://qrgo.page.link/GATXk</p><p>BRASIL. (Constituição [1988]). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF:</p><p>Senado federal, 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/</p><p>Constituicao.htm. Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>BRASIL. Conselho Nacional de Secretários de Saúde. SUS 20 anos. Brasília: CONASS,</p><p>2009. Disponível em: https://www.conass.org.br/bibliotecav3/pdfs/sus20anosfinal.</p><p>pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>DALLARI, S. A construção do direito à saúde no Brasil. Revista de Direito Sanitário, v. 9,</p><p>n. 3, 2008. Disponível em: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9044.v9i3p9-34. Acesso</p><p>em: 23 jul. 2019.</p><p>DALLARI, S. G. O direito à saúde. Revista de Saúde Pública, v. 22, n. 1, 1988. Disponível em:</p><p>http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89101988000100008.</p><p>Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>ONU. Declaração Universal dos Direitos do Homem. [Paris: ONU, 1948]. Disponível em:</p><p>http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-huma-</p><p>nos/declar_dir_homem.pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>11A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira</p><p>Leituras recomendadas</p><p>BRASIL. Ministério da Saúde. Caminhos do direito à saúde no Brasil. Brasília, DF: MS, 2007.</p><p>Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/caminhos_direito_saude_</p><p>brasil.pdf. Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>SUS: Segunda reportagem especial fala da participação popular na gestão de saúde.</p><p>[S. l.: s. n.], 2012. 1 vídeo (5 min). Publicado pelo canal Rede TVT. Disponível em: https://</p><p>www.youtube.com/watch?v=xG1AJeVhjUk. Acesso em: 23 jul. 2019.</p><p>A construção do direitoà saúde e a sua inserção na Seguridade Social Brasileira12</p>