Prévia do material em texto
CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO - FAE JULIANA DIAS PINTO RIBEIRO PERCEPÇÃO DO TRABALHADOR DE FRIGORÍFICO SOBRE AS SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO, SAÚDE E VIDA SÃO JOÃO DA BOA VISTA - SP 2017 2 CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO – FAE JULIANA DIAS PINTO RIBEIRO PERCEPÇÃO DO TRABALHADOR DE FRIGORÍFICO SOBRE AS SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO, SAÚDE E VIDA SÃO JOÃO DA BOA VISTA - SP 2017 Dissertação de mestrado apresentada ao Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – FAE, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida. Área de concentração: Desenvolvimento Sustentável. Orientadora: Profª. Drª. Carmen Beatriz Rodrigues Fabriani. 3 JULIANA DIAS PINTO RIBEIRO PERCEPÇÃO DO TRABALHADOR DE FRIGORÍFICO SOBRE AS SUAS CONDIÇÕES DE TRABALHO, SAÚDE E VIDA Dissertação de mestrado apresentada ao Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – FAE, como requisito parcial para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida. Dissertação defendida e aprovada em: 23/06/2017, pela Banca Examinadora constituída pelos professores: ____________________________________________________________________ Profª. Drª. Carmen Beatriz Rodrigues Fabriani (Orientadora) UNIFAE/SP ______________________________________________________________________ Profª. Drª. Raquel Rangel Cesario UNI-FACEF/SP ______________________________________________________________________ Prof. Dr. Luciel Henrique de Oliveira UNIFAE/SP 4 Dedico Aos trabalhadores entrevistados, agradeço cada frase, cada palavra e cada emoção compartilhada. A Professora Carmen Beatriz pelo carinho, incentivo e encorajamento durante a elaboração desta pesquisa. Aos Professores Luciel e Ana Cristina pelas observações feitas no projeto de qualificação. Às minhas filhas, Maria Alice e Maria Beatriz por preencherem minha vida. Ao Meu esposo por acreditar incondicionalmente em mim. Ao Frigorífico por me conceder permissão para este estudo. As amigas de mestrado: Lara, Ana Cláudia, Daniele, Flávia, Paula, Marília e Sandra. Pelos momentos de alegria, debate e reflexão. Ao Brasil que nós temos e ao Brasil que nós queremos. Ao Ferando Hech que por meio de sua dissertação de mestrado me inspirou durante toda a confecção deste trabalho. 5 Mesmo quando tudo pede Um pouco mais de calma Até quando o corpo pede Um pouco mais de alma A vida não para... Enquanto o tempo Acelera e pede pressa Eu me recuso faço hora Vou na valsa A vida é tão rara... Enquanto todo mundo Espera a cura do mal E a loucura finge Que isso tudo é normal Eu finjo ter paciência... O mundo vai girando Cada vez mais veloz A gente espera do mundo E o mundo espera de nós Um pouco mais de paciência... Será que é tempo Que lhe falta para perceber? Será que temos esse tempo Para perder? E quem quer saber? A vida é tão rara Tão rara... Lenine 6 AUTOBIOGRAFIA Juliana Dias Pinto Ribeiro possui graduação em Engenharia de Produção e Qualidade pelo Centro Universitário da Fundação Educacional Guaxupé (Unifeg), especialização em Engenharia de Segurança do Trabalho pela Faculdade de Engenharia e Agrimensura de Pirassununga (FEAP), e apresenta aqui sua dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida pelo Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino – FAE (2016). Tem experiência na área de Segurança do Trabalho. Atuou como técnica de segurança do trabalho e coordenadora do sistema SASSMAQ (Sistema de Avaliação de Segurança, Saúde e Qualidade), no ramo de transporte de cargas perigosas. Posteriormente trabalhou no ramo da construção civil, em uma empresa de engenharia de fabricação e montagem de estruturas metálicas. Como Engenheira de Segurança do Trabalho atuou em um frigrífico de abate de aves, bem como em indústria de fabricação de plásticos. Foi professora no curso de pós graduação em engenharia de segurança do trabalho na Faculdade de Engenharia e Agrimensura de Pirassununga (FEAP). Atualmente trabalha como Engenheira de Segurança do Trabalho na RIOPLASTIC – Indústria e Comércio de Plásticos Rio Pardo EIRELI. Contato pelo e-mail julianaeng.dias@gmail.com 7 RESUMO Esta pesquisa visa contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável, principalmente nas dimensões da justiça social e cultural, dos grupos de trabalhadores empregados na produção avícola no segmento de frigorífico. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório com três enfoques básicos: primeiramente, buscou-se caracterizar as condições atuais da atividade de abate e processamento de aves por meio de pesquisa bibliográfica acerca das transformações ocorridas nos processos produtivos ao longo das décadas e seus impactos na vida e na saúde dos trabalhadores do segmento avícola. Em seguida procedemos com a observação participante na empresa objeto de estudo. A visita ao frigorífico ocorreu em dezembro de 2016, e nos possibilitou compreender como o trabalho é organizado neste segmento, bem como, descrevê-lo nesta pesquisa. O estudo de campo nos permitiu ainda, a preparação de um roteiro de entrevistas para o levantamento da percepção dos trabalhadores de frigorífico sobre as suas condições de trabalho, saúde e vida. Como forma de coleta de dados optamos pela entrevista semi- estruturada com questões norteadoras para o desenvolvimento do tema. Para tanto, buscou-se respaldo no método qualitativo por permitir uma leitura crítica e reflexiva sobre os fatos levantados, além de proporcionar a relação direta entre o pesquisador e o sujeito de pesquisa. A pesquisa teve como recorte, a Indústria Avícola localizada no Município de São José do Rio Pardo, sudeste de São Paulo. Justifica-se a inserção em tal empresa, em razão da mesma apresentar altos índices de doenças profissionais e de absenteísmo, traço predominante das empresas frigoríficas. Ao todo foram entrevistadados cinco ex- trabalhadores do frigorífico objeto de análise, sendo uma mulher e quatro homens, com idade entre 30 e 45 anos, totalizando cerca de 2h e 30 minutos de gravação. O processamento e análise dos dados foi realizado em três fases, a primeira consistiu na transcrição dos depoimentos. A segunda compreendeu a categorização segundo os seguintes descritores: estranhamento, medo, enfrentamento e compartilhamento do sofrimento. Os dados foram analisados sob o aspecto qualitativo que consiste na análise de conteúdo. Assim foi possível identificar a percepção do trabalhador sobre as formas de enfrentamento da adversidade inerente ao tipo de trabalho realizado e as implicações sobre seu cotidiano e de sua família. Constata-se o prejuízo à saúde psíquica e física e ainda que este ônus é vivido individualmente pelo empregado como se fosse uma externalidade do processo produtivo. Ao empresário cabe a lucratividade e ao empregado cabe a perda de sua saúde e a alienação da vida política e social quando lhe é negada o pleno exercício da cidadania. Palavras-chave: Percepção; Frigorífico; Condições de Trabalho. 8 ABSTRACT This research aims to contribute to the discussion on the transformations of work organization, following the paradigms of sustainable development, mainly in the dimensions of social and cultural justice, of the groups of workers employedpode nos trazer informações importantes sobre os impactos ocasionados à saúde e vida dos trabalhadores de frigorífico. O processamento de aves nas indústrias avícolas inicia na granja, pois existe uma preocupação em relação a qualidade das matrizes. O grande desafio nesta fase é manter a uniformidade do ganho de peso das aves, que depende da qualidade genética da matriz e do controle de doenças. Superada a fase de criação, os cuidados se voltam para a captura da ave, transporte em gaiolas e descanso da mesma. Os procedimentos adotados nas respectivas fases consistem em manter a integridade da ave, ou seja, efetuar a captura sem feri-la, conter o estresse do animal, bem com minimizar a exposição da ave ao calor. Na indústria avícola o processo produtivo inicia-se na recepção das aves e termina na expedição do frango embalado. A figura 2 mostra o fluxograma do processo produtivo de abate e processamento de aves. 42 Figura 2: fluxograma produtivo da empresa. Banco de dados: elaborado pela autora, 2016. 4.1.2. Processo de Recepção de Aves As aves são transportadas em gaiolas e chegam à empresa em caminhões. O transporte das aves é feito de madrugada por razões como controle de temperatura e estresse do animal. As gaiolas são descarregadas por um guincho elétrico e logo após são colocadas em uma esteira transportadora. Em seguida as aves são retiradas e penduradas na nória (linha aérea mecanizada) para serem abatidas. As atividades executadas neste setor são: operação do guincho elétrico, pendura do frango vivo na nória, lavagem de gaiolas e controle de qualidade. As figuras 3 e 4 demostram o respectivo setor. Recepção Sangria Escaldagem Depenagem Esviceração Higienização Resfriamento Expedição Classificação Armazenamento Inspeção Incineração Inspeção Comercialização Incineração Gotejamento Embalagem Cortes Sacos Plásticos e bandejas Retalhos 43 Figura 3: plataforma de carga e descarga Figura 4: esteira de pendura nória Fonte: banco de dados da empresa 4.1.3. Processo de Insensibilização e Sangria As aves vivas transportadas pela nória passam automaticamente pelo atordoador elétrico. O processo consiste no mergulho das aves em água com corrente elétrica provocando o choque elétrico para que haja a insensibilização. Continuando pendurada na nória, a ave passa pela área de sangria, onde um sangrador automático efetua o corte parcial do pescoço, tendo por finalidade extrair o sangue. É efetuado por um empregado o repasse do corte com uma faca manual. As figuras 5 e 6 ilustram os respectivos processos. 44 Figura 5: processo de insensibilização Figura 6: processo de sangria Fonte: banco de dados da empresa 4.1.4. Processo de Escaldagem e Depenagem O processo de escaldagem consiste no afrouxamento das penas das aves em um tanque de água quente, onde ficam de 2 a 3 minutos sob uma temperatura de 60°C. Nesta fase também ocorre a retirada das penas das aves, através de um rolo da máquina de depenagem. A figura 7 mostra esse processo. Figura 7: processo de escaldagem e depenagem Fonte: banco de dados da empresa 45 No setor de escaldagem são executadas ainda as atividades manuais de rependura das aves na nória, acondicionamento dos charutos de pés e inspeção na carcaça, conforme demostra a figura 8. Figura 8: processo de rependura, acondicionamento de charuto de pés e inspeção da carcaça Fonte: banco de dados da empresa 4.1.5. Processo de Evisceração O processo de evisceração consiste no corte da cloaca e abertura do abdome. São retiradas manualmente as vísceras comestíveis e as vísceras não comestíveis. As comestíveis como, coração, fígado e moela são embaladas e colocadas no frango (miúdos), as vísceras não comestíveis são enviadas para o tanque de resíduos. A figura 9 mostra o setor de evisceração. 46 Figura 9: setor de evisceração Fonte: banco de dados da empresa 4.1.6. Processo de Pré-resfriamento O processo de pré-resfriamento consiste no mergulho das aves em um tanque de inox a uma temperatura de entrada de 10ºC por período de 12 minutos. O resfriamento é feito durante 18 minutos, sob uma temperatura de 4º C. As atividades realizadas neste setor são: operação de chiller e pré-chiller e rependura do frango vindo do pré-resfriamento de carcaças. A figura 10 mostra o setor de resfriamento. 47 Figura 10: setor de resfriamento Fonte: banco de dados da empresa 4.1.7. Processo de Embalagem de Miúdos Coletar os miúdos da máquina de pré-resfriamento de miúdos para se efetuar a separação manual. As atividades executas neste setor são: coleta dos miúdos do chiller de miúdos, abastecimento das mesas de embalagem, envase manual de embalagens e abastecimento da embaladeira automática de miúdos. As figuras 11 e 12 demostram os respectivos processos. 48 Figura11: envase manual de embalagens Figura 12: coleta de miúdos do chiller Fonte: banco de dados da empresa 4.1.8. Processo de Embalagem do Frango Inteiro Este processo consiste em colocar a carcaça dentro de um funil. No funil a carcaça é acondicionada dentro de uma embalagem sendo fechada por um grampo metálico, utilizando-se para isso da máquina de grampear. A figura 13 mostra o setor de embalagem. 49 Figura 13: setor de embalagem Fonte: banco de dados da empresa 4.1.9. Processo de Cortes Os cortes são realizados manualmente, sendo corte de asa, coxa e sobre coxa, peito e filé. A figura 14 ilustra o setor de cortes. Figura 14: setor de cortes Fonte: banco de dados da empresa 50 4.1.10. Processo de Resfriamento e Congelamento Este processo consiste em realizar a tarefa de pesagem dos produtos embalados e empilhados em caixas plásticas e efetuar o trasporte manual, por meio de ganchos de arraste, e armazená-los em câmaras frias e túnel de congelamento. As figuras 15 e 16 mostram o setor de pesagem e câmara de refrigeração. Figura 15: setor de pesagem Figura 16: câmara de refrigeração Fonte: banco de dados da empresa Após os processos de refrigeração e de congelamento, o produto é destinado a expedição. 51 4.2. Análise dos Resultados Nesta seção, pretende-se analisar as entrevistas realizadas, a fim de problematizar e interpretar as categorias de análise: estranhamento, medo, enfrentamento e compartilhamento do sofrimento. Busca-se então, identificar nas falas dos sujeitos de pesquisa as formas de manifestação de tais categorias. 4.2.1. Trabalho Estranhado O que se percebe na atualidade, é que, o sistema capitalista, apesar de administrar suas crises e de se recompor, não é capaz de sustentar a civilização e seus anseios. Os adoecimentos laborais contemporâneos expressam a precarização do trabalho nas condições do capitalismo global. Assim, a crítica que se faz ao capital deve passar pelo fenômeno do estranhamento, que consiste num processo de desumanização do homem na sua subjetividade e corporalidade, bem como de destruição da natureza. Marx foi genial ao descrever a relação metabólica do homem com a natureza: “o homem vive da natureza, isto é, a natureza é o seu corpo, e ele precisa manter com ela um diálogo continuado para não morrer” (MARX, 2004). Nesse sentido, homem e natureza estão ligados entre si, e para si, por meio de relações de mediação, regulação e metabolismo. Neste processo, o homem movimenta as forças naturais do seu corpo se apropriando danatureza para criação de coisas úteis a humanidade, transformando a sí pelo trabalho e o trabalho a partir de sí num processo de exteriorização da personalidade e interiorização do resultado. Por esta razão, o trabalho é considerado ontológico, consciente, social e vital. O ser humano, por meio do trabalho desenvolve a sua socialização e a sua humanização, que são de extrema utilidade social. 52 Contudo, sob o controle do capital, o trabalho assume um caráter contraditório, pois ao mesmo tempo em que o trabalho é fonte de humanização e fundador do ser social, sob a lógica do capital ele se torna degradado, alienado e estranho ao sujeito. O que significa dizer que o trabalho sob o controle do capital decaí na condição de mercadoria sendo mediado pelo valor, interposição do dinheiro e alimentação de um metabolismo que destrói a produção de coisas úteis e reproduz a produção do valor. Dessa forma, a apropriação dos recursos naturais pelo homem não visa a constituição de uma forma útil para a sua própria existência, mas sim, a acumulação de valor estranhado (ALVES, 2013). O trabalho estranhado e suas manifestações reflexivas tem como ponto de partida a propriedade privada do capital e a divisão hierárquica do trabalho, que, promovem, por sua vez, a precarização das relações contratuais, das relações inter-pessoais e inter-hierárquicas, das condições do ambiente interno de trabalho, das formas de gerenciamento e da organização do trabalho. Segundo Antunes (2013) pode-se verificar que os fenômenos de estranhamento típicos do taylorismo/fordismo que vigorou ao longo de quase todo o século XX, tiveram e ainda tem uma configuração acentuadamente mais controlada, embora mais regulamentada e contratualista, com uma formatação mais maquinal. O trabalho rígido, parcelado e fragmentado nos moldes taylorista-fordista é traço predominante nos processos produtivos dos frigoríficos avícolas. Portanto, iniciou-se as nossas análises da percepção que o trabalhador de frigorífico tem do seu trabalho, saúde e vida buscando identificar os fenômenos do estranhamento, enfrentamento, medo e compartilhamento do sofrimento nos relatos dos sujeitos de pesquisa. Iniciaremos as análises pela categoria de estranhamento a partir da definição de Antunes: o que significa dizer que, sob o capitalismo, o trabalhador repudia o trabalho; não se satisfaz, mas se degrada; não se reconhece, mas se nega, daí que o trabalhador só se sinta junto a si fora do trabalho e fora de si no trabalho o seu trabalho não é, portanto, voluntário, mas compulsório, trabalho forçado. Por 53 conseguinte, não é a satisfação de uma necessidade, mas somente um meio para satisfazer necessidades fora dele. (ANTUNES, 2011, p.145). O fenômeno do estranhamento aparece na fala dos sujeitos entrevistados, que, de maneira geral vão revelando seus sentimentos de repulsa e insatisfação em relação ao trabalho, como pode ser apreendido na fala de Paulo, ao se lembrar do período em que trabalhou no frigorífico. Ali era muito sofrido né, (...) só pensava em sair dali, só, (...) o pior é saber que se você não der um jeito de sair dali você vai morrer ali e nunca vai ser nada, pois não vai passar de nada, (...) pensava, as vezes eu pensava “o que eu tô fazendo aqui que eu não arrumei outra coisa”, mas é como eu te falei, é difícil arrumar outra coisa (Paulo, 34 anos, 7 anos de trabalho). Tal relato nos mostra que o trabalho em frigorífico, para o entrevistado, assim como a origem da palavra trabalho se resumem em fonte de tortura e sofrimento e a única possibilidade de sobrevivência do sujeito é fugir. Do depoimento de Paulo pode-se perceber ainda, que além do sentimento de repulsa em relação àquele tipo de trabalho, há um sentimento de indignação quando ele se pergunta o que está fazendo ali. Paulo conta que trabalhou em vários setores da empresa, entretanto, dois setores produtivos lhe vem a cabeça e o deixam indignado em relação ao trabalho vivido naquele ambiente. O pior serviço lá é a plataforma. Além do cheiro, que é forte, o frango faz cocô na gente, dá assadura nas juntas. Lá e a câmara fria, que precisa fazer muita força. (Paulo, 34 anos, 7 anos de trabalho). Paulo se refere à plataforma de descarga de frangos vivos (ver figura 3). Em meio a execução das tarefas neste setor, o trabalhador convive com a presença de fezes e urina do frango, bem como poeira da ave viva, que lhe causavam assaduras no corpo. Ao se referir ao trabalho na câmara fria (ver figura 16), Paulo relata que não compreendia a razão de realizar o transporte manual das caixas através de uma rampa. Para ele, o local deveria ter um elevador de cargas. A fala de Paulo demonstra indignição em relação ao trabalho realizado nos respectivos setores e nos faz refletir sobre a busca do homem em reduzir seu esforço físico mediante a regulação de suas atividades. Diante dos relatos 54 de Paulo, retomamos a passagem bíblica em Gênesis “Ganharás o teu pão com o suor de teu rosto”, neste caso, além do suor há também as fezes e urina. Para Dejours (1988), a indignidade é um tema que se repete na fala operária quase como um refrão obsessivo. Para este autor, a indignidade operária pode ser apreendida no sentimento de vergonha que o trabalhador experimenta por ser robotizado, por não passar de um complemento da máquina, de por vezes ser sujo, de estar despersonalizado, sem imaginação e inteligência. Assim como Paulo nos relatou, Milton também experimentou o trabalho na plataforma de descarga de frango vivo e o retratou como sendo o pior trabalho da empresa, conforme suas palavras: Porque é muito sujo, frango fazendo cocô na cara da gente, você trabalhava assado, pois, o pó assa as juntas, e o dia que chove é horrível, a parte da pendura é horrível. Pra mim,o pior lugar que tinha lá no frigorifico é a pendura (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). A fala de Milton demonstra o quanto o trabalho em frigorífico pode ser estranhado e destituído de significado. A falta de sentido no trabalho também pode ser percebida na fala de Ruth. Minha vontade era ir embora, sair correndo dali porque juntava dor, cansaço e estresse e eu só queria ir para casa e tomar um banho, (...) eu era a única mulher lá, no meio de um monte de homem, trabalhando numa bancada de alumínio que cabia só os meus pés, não podia me mexer que eu desequilibrava e voava agua suja na sua cara, pena e eu trabalhava chorando ali e eu só ia porque eu precisava (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). O sentimento de angústia, dor física, cansaço, desespero e indignação em relação ao trabalho aparecem na fala de todos os entrevistados. Dessa forma, o trabalho em frigorífico vai se revelando sem significado para o trabalhador. A esse respeito, podemos indagar: Em que tipo de trabalho Max Weber (1905) pensava ao afirmar que o trabalho enobrece o homem? Certamente não era o trabalho em frigorífico. 55 Dejours chama atenção para o fato de que, o trabalho destituído de significado e de reconhecimento (tanto dos supervisores, como pelo próprio trabalhador) pode estar associado ao sofrimento e à depressão. Assim, quando o trabalhador é impossibilitado de gozar do reconhecimento de suas tarefas, de alcançar o sentido de sua relação para com o trabalho, o mesmo se vê reconduzido ao seu sofrimento e somente a ele (DEJOURS, 2000). Dessa forma, a questão do sentido é central para a ergonomia. Esta disciplina busca compreender a relação entre a vivência do homem no trabalho e suas transformações pelo trabalho. Hubault (1994), coloca que a questão do sentido (ou não) é fundamental, tanto para o operador, como para a empresa, sendo um e outro interligado numa questão que precisa ser compreendida e explicada. A partir daí, o trabalho terá outro significado, que passa pelovalor deste. Francisco, outro entrevistado, também demonstrou o mesmo sofrimento em relação ao trabalho sem significado. Só pensava em sair dali, arrumar outro serviço. Até que eu não aguentei. Serviço eu arrumo qualquer um, (...) terrível, e o pior é que se você falava pro encarregado ele achava graça, (...) um dia ele falou pra eu escolher qualquer setor e eu falei que não tinha o que escolher, em qualquer um eu sofreria do mesmo jeito (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). Na fala de Francisco pode-se compreender melhor a afirmação Marxiana de que “tão logo inexista coerção física ou outra qualquer, foge-se do trabalho como de uma peste” (MARX, 2004, p. 83). A coerção pode ser aprendida na fala do sujeito em dois momentos, quando o mesmo sinaliza para o encarregado que não há trabalho sem sofrimento na empresa, bem como quando o encarregado acha graça da queixa do empregado. A rigidez da organização do trabalho na linha de frigorífico somada às condições ambientais, são percebidas como fatores de repulsa e sofrimento, conforme pode ser apreendido na fala do entrevistado. 56 É ruim né, você trabalha molhado, das seis até as duas da tarde, e lá é frio, um serviço pesado e repetitivo, não tinha revezamento, é fixo, (...) é terrível, eu não desejo mal a ninguém, mas naquele lugar lá, é pra desejar mal pro cara. É ruim mesmo (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). Pode-se notar que o entrevistado descreve algumas características do ambiente de trabalho que são por ele percebidas, como a umidade proveniente do uso de água nos processos produtivos; o frio, decorrente da climatização dos ambientes de trabalho e das câmaras frigoríficas; a velocidade da linha de produção; e o sentimento de repulsa em relação a este ambiente. O relato de Paulo também demonstra sua percepção sobre a rigidez dos processos e da organização do trabalho. Era tudo corrido né (pausa). O que tinha de mais complicado era ficar parado no lugar, sem movimento. Trocava até de serviço, de um serviço para o outro, mas ficava de pé sem mobilidade, (pausa) sem poder movimentar (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). É interessante salientar que há uma similaridade na fala dos sujeitos de pesquisa em relação ao depoimento dos participantes do documentário Carne e Osso (CAVECHINI; BARROS, 2011), quando demostra, de maneira excepcional, o trabalho no interior dos frigoríficos do sul do país e as consequências que esse tipo de ocupação causa à saúde dos trabalhadores. Ao assistir a esse documentário, pode-se perceber que apesar de todo desenvolvimento tecnológico alcançado nos últimos anos, do taylorismo-fordismo ao toyotismo, da passagem do operário “de empregado para colaborador”, o trabalho humano continua precarizado, da mesma forma que foi descrito no clássico Tempos Modernos de Charles Chaplin. O filme Tempos Modernos, de Charles Chaplin (1936) expressa de forma genial a organização fragmentada e apartada do trabalho com uma brutal intensificação do processo produtivo e desumanização do trabalhador. No filme podemos perceber as formas como aquele trabalho limitava as possibilidades de raciocínio dos trabalhadores e os levava a exaustão. Isto pode ser apreendido na fala de Milton. 57 Porque eu tinha que me matar de trabalhar, e em alguns lugares é me matar mesmo, eu cheguei a trabalhar das seis da manhã até as onze da noite. É se matar mesmo, é trabalhar doze ou quatorze horas pra ganhar um salário baixo (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). Pode-se observar na fala do trabalhador que além da divisão dos processos de trabalho e sua rígidez, o controle do tempo aparece como um fator de estranhamento. Tompson (1979) descreve que no capitalismo, o trabalhador é movido pelo ciclo do tempo e este tem sido um elemento fundamental para disciplinar e domesticar os trabalhadores. Podemos perceber isto na fala de Ruth. Trabalhei na linha de produção e lá é assim, o que passa tem que pegar, (...) eu acordava 4 horas da manhã para pegar ônibus e ir para lá trabalhar, quase não dava para ir ao banheiro (Ruth, 32 anos, 8 de trabalho). A fala de Ruth pode nos ilustrar o pensamento de Marx sobre o tempo valor, aonde o trabalhador rompe com o tempo natural e passa a ser regido pelo tempo do capital (MARX, 1985), não obtendo espaço nem para realizar suas necessidades fisiológicas. Com base na fala de Ruth podemos notar que o trabalho em frigorífico consiste numa batalha diária travada entre trabalhador e linha de produção. Nesta arena, o trabalhador tem que vencer a linha de produção e ainda manter-se inteiro. O tempo aparece então, como um ingrediente mágico na produção de sobretrabalho. Embalados pelo ritmo e por altas cadências de produção, o trabalhador de frigorífico vai sendo conduzido a jornadas de trabalho exaustivas. Na fala de Paulo pode-se observar o quanto o tempo no trabalho pode comprometer a vida fora dele. Lá a gente trabalhava praticamente 12 horas por dia (pausa), tinha uma hora pra ir e uma hora pra voltar, a convivência em família fica prejudicada. Eu saía de casa 5 horas da manhã e voltava 7 horas da noite, não tem vida, é só aquilo lá, o trabalho (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). 58 Do exposto acima podemos compreender que o trabalhador percebe que a sua jornada de trabalho o impossibilita de organizar a sua vida além do trabalho. Isto fica muito evidente no depoimento de Júlio. Ah, a gente pensava em mudar de emprego, mudar de vida, mas não dava tempo de buscar outra coisa, pois a jornada era muito longa (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). Na fala de Júlio, o tempo aparece como um empecilho para que ele pudesse mudar a sua própria condição de vida e buscar um trabalho melhor. Júlio demonstra ainda tristeza pela falta de tempo para convívio social e familiar. Ah... (voz abafada) muita tristeza, mais pelo horário, não tinha tempo para viver, eu não fazia mais nada, só trabalhava (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). Além do tempo reduzido fora do trabalho, a percepção do adoecimento é apreendida na fala do entrevistado. Eu não conseguia dormir, dormia com dor, levantava com dor, vivia a base de remédio, (...) tinha dia que eu falava que não ia aguentar... (Pausa), (...) minhas mãos e braços inchavam de pegar o frango gelado... (silêncio) (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). Silva (2013) aponta em suas pesquisas que o setor de frigoríficos de aves e suínos, em principal o de aves, estão dentre as empresas do grupo alimentício que mais causam doenças ocupacionais. Os efeitos do trabalho repetitivo, intensificado e degradante podem ser apreendido na fala de Ruth. E quando meu filho nasceu eu não pude fazer nada, pois não conseguia movimentar minhas mãos. Meus braços e mãos inchavam e eu não conseguia nem fechar a mão, fiquei 4 meses em casa, (...) eu tinha dores todo dia, a tendinite adormece os braços, eu tentava de tudo. Só parava quando eu ia no médico e tomava injeção (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Tal relato nos mostra a degradação do trabalho parcelado e fragmentado do frigorífico, manifestado na incapacidade física da entrevistada em pegar o filho recém nascido ao colo. Isto nos leva a pensar que, no ambiente de frigorífico, o trabalhador luta 59 para vencer a linha e, ao mesmo tempo, luta pela manutenção da sua própria saúde e existência. Em consequência da batalha em vencer as altas cadências produtivas, Ruth conta que engessou o braço cinco vezes durante o período em que trabalhou no frigorífico. Heck (2013), ao estudar as condições de trabalho do território fabril da Sadia de Toledo, no Paraná, evidenciou que os impactos do trabalho degradante atingem a esfera da vida dentro e fora do trabalho. O mesmo autor descreve em sua tese o sofrimento de trabalhadoresque fazem uso de remédios para amenizar as dores provocadas pelo trabalho. 4..2.2. O Medo Para Dejours (1988), o medo constitui uma vivência dos trabalhadores e está presente em todos os tipos de ocupações. Para este autor, o medo é uma categoria específica da relação do trabalhador com a realidade vivenciada no ambiente de trabalho. O trabalho ritmizado por altas cadências produtivas, os ambientes climatizados, as baixas temperaturas, a umidade e o calor ameaçam a saúde dos trabalhadores de frigoríficos e o medo pode ser percebido na fala do entrevistado. Eu tinha medo de perder a força do ombro e do braço (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). Além do medo de adoecer descrito por Júlio, outra entrevistada demonstrou medo de perder o emprego em razão de suas faltas no trabalho motivadas pela fadiga física. Eu tinha medo pelas minhas faltas, eu não queria perder meu trabalho então eu procurava ser o mais eficiente possível para que eles vissem que eu compenso as minhas faltas (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). A fala de Ruth nos mostra que a negação do sofrimento na atividade industrial tanto é realizada pelas empresas que atribuem as faltas dos empregados a atos de vadiagem, 60 quanto pelos próprios empregados que se degradam como forma de compensação. Nesse sentido, o trabalhador, visando manter sua existência, nega o próprio sofrimento. Para Dejours (1988), a vivência do medo existe efetivamente, mas só raramente aparace à superfície, pois encontra-se contida nas estratégias defensivas. A fala de Milton nos mostra que ele tem consciência de que o trabalho em frigorífico gera impactos na saúde e na vida do trabalhador e, por esta razão, o medo aparece em sua fala. Quando você trabalha um ano e meio no mesmo setor o corpo dói muito, dava desgaste, mas o psicológico também ficava bem abalado, (...) eu tinha medo até de pegar uma gripe, (...) eu vi gente afastar de muita depressão. Será que vai fazer esse mal pra mim também? (...) ver gente prender a mão em chiller, prender o pé em rosca de gelo, perder dedo. Eu vi isso (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). Milton revela que além do aviltamento ocasionado pela doença e pela lesão provocada pelo acidente de trabalho, a vergonha pelo absenteísmo é constante na cabeça do empregado de frigorífico. Se você falta um dia tem aquele negócio né, o funcionário não é bom por que falta, não tinha valor (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). Segundo Dejours (1988), ao lado do medo da cadência de produção, os trabalhadores falam sem disfarces dos riscos à sua integridade física. Para este autor, os trabalhadores sabem que apresentam um nível de morbidade superior ao resto da população. Ruth demonstra em seu relato consciência dos riscos a que estava exposta e o medo de não se recuperar das lesões. Tinha medo, medo de sair de lá e não servir mais para trabalhar. Os médicos me aconselhavam a mudar de emprego (...) Passei dois anos fazendo fisioterapia e com medo de derrubar meus filhos, eu não conseguia nem dar banho neles (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). As pesquisas de Heck ainda revelam que além das doenças físicas e psicológicas, o trabalhador de frigorifico está sujeito a acidentes que tiram vidas ou membros. Dessa forma, o relato da ocorrência de acidentes vão surgindo na fala dos entrevistados, como na de Francisco. 61 Eu trabalhava lá fora, a caixa bateu de ponta e bateu em mim e eu tenho cicatriz até hoje, (...) um outro prendeu o dedo, (pausa) as meninas lá viviam cortadas (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). Júlio também relata que apesar de não ter sofrido acidentes durante o período em que trabalhou no frigorifico, ele presenciou a ocorrência de acidentes com colegas de trabalho. A moça enroscou o braço no chiller de pé, teve o rapaz que prendeu o pé na rosca também (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). Paulo, outro entrevistado, relata que apesar de não ter sofrido lesão grave por acidente e nem ter adoecido em decorrência do trabalho, se lembra dos acidentes que presenciou no período em que trabalhou no frigorífico. Já tive cortinho na mão, machucadinho, assim né. Mas já vi gente perder o dedo na máquina, lá, na linha. Pendurar o dedo na linha. Já vi gente cair na câmara fria, problema nas costas, quebrar a bacia na câmara fria (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). Ruth relata que também foi vítima de um corte no braço, entretanto ela se comove ao contar os acidentes que presenciou quando trabalhava no frigorífico. Eu cheguei a ver um acidente feio, o rapaz que tinha acabado de chegar lá colocou a perna dentro da máquina, teve aquele que ficou pendurado pelos 3 dedos quando subiu na linha. Já cortaram o meu braço trabalhando na linha, um homem acabou passando a faca no meu braço (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Os constrangimentos relatados pelos entrevistados vão tomando forma, pouco a pouco, do relato de acidentes a doenças ocupacionais. Assim surge a figura da supervisão. Francisco se emociona ao lembrar da forma como o encarregado de produção da empresa abordava os trabalhadores. O encarregado, ele fazia pressão.Você não podia parar que ele gritava e perguntava o que você estava fazendo. (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). 62 A hostilidade da chefia vai se repetindo nas falas dos entrevistados, o que nos parece ser traço marcante do trabalho em frigorífico, como pode ser apreendido na fala de Paulo. O encarregado era meio bruto, ele não deixava nada passar, ele não quer saber por que a pessoa não está trabalhando. (Paulo, 34 anos, 7 anos de trabalho). Francisco também relatou ter sido constrangido pelo encarregado de produção: O encarregado, ele fazia pressão, você não podia parar que ele gritava e perguntava o que você estava fazendo (...) Um dia (...) ele começou a gritar comigo, saiu e voltou depois gritando comigo ainda. Eu tirei o uniforme e queria ir embora e ele não queria me deixar ir. (...) Ele é insuportável, não tinha um pingo de educação (Francisco, 43 anos, 4 meses de trabalho). Os depoimentos dos entrevistados expressam as situações de medo de ser demitido do trabalho ao medo de ser degradado por ele. Neste cenário cheio de tensões, a supervisão aparece na figura de constrangimento e aviltamento. Nos resta então compreender como os trabalhadores conseguem resistir a este ambiente. 4.2.3. Enfrentamento do sofrimento As estratégias defensivas, segundo Dejours (1992), são mecanismos aos quais os trabalhadores lançam mão na tentativa de amenizar a dor e enfrentar o sofrimento no trabalho. Para este autor, o conformismo, a negação do perigo, individualismo, entre outros, são comportamentos utilizados pelo sujeito com a finalidade de dar conta do sofrimento vivido no ambiente de trabalho. Paulo, em sua fala demonstra duas estratégias de defesa citadas por Dejours, o conformismo e a negação do risco. Vencer a linha, você acaba acostumando com aquilo e acaba nem pensando, (...) o complicado era a dor nas juntas, o cansaço, era mais difícil, (...) você pegava caixas de 50 kg e tinha que carregar e jogar lá em cima, (...) umas mil ou duas mil caixas por dia (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). Do exposto acima podemos apreender que Paulo, apesar da dor física e do cansaço, nega sua dor ao dizer que se acostumou com a atividade. É importante observar 63 na fala de Paulo que o não pensar na atividade o impede até de ter precisão da “quantidade” de caixas transportadas por ele no dia-a-dia. É como se Paulo esquesse de sua liberdade de escolha e aceitasse conformadamente o seu destino. Como Paulo, Ruth também expressou sentimentos de negação do perigo e conformismo. Tinha medo, medo de sair de lá e não servir mais para trabalhar, (...) Se eusaisse de lá e não conseguisse encontrar outro emprego que pagasse o mesmo, (...) chegava no fim do mês e chegava o salário “nossa, um salario e meio! ” dava um incentivo (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Tal relato nos indica que apesar de Ruth ter consciência de estar se degradando, a relação com o trabalho continuava graças ao incentivo financeiro. É interessante ressaltar que em todas as entrevistas constatamos que a falta de qualificação profissional do trabalhador de frigorífico e o sentimento de conformismo do mesmo, atuavam como fator impossibilitante de mudança de trabalho e, consequentemente, de vida. Podemos verificar isso na fala de Milton. Na roça eu trabalhei desde os meus quartorze até os dezoito, dezenove, é, dezenove, que eu saí da roça e fui direto para o frigorifico, (...) você tem que trabalhar e a cidade não dá muita escolha (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). O conformismo e a falta de possibilidades são traços marcantes na fala dos entrevistados, assim, trazemos de volta a questão da alienação em Marx (1844), aonde o trabalhador vai contra os seus desejos, necessidades e saúde. Isso pode ser observado na fala de Júlio, que ao ser questionado sobre o que sentia por querer sair do frigorífico e não conseguir, argumentou: Não tinha sentimento por isso não, (...) a vontade era só de sair, quando não conseguia só ficava mais desanimado ainda, (...) pensava em fazer outra coisa, voltar pra roça (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). Júlio em sua fala demonstrou não pensar muito em relação às suas condições de trabalho, segundo ele, só pensava em sair de lá. Júlio, no final da entrevista, revelou ser 64 casado com Ruth. Emocionado, ele relembrou o sofrimento vivenciado pela esposa no período em que ambos trabalhavam no frigorífico. Diferente de Júlio, Ruth utilizava de outras estretégias para permanecer na linha de produção, ou seja negar o risco. A gente fazia de tudo pra distrair, conversava e até cantava pra passar o tempo (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Do exposto acima podemos apreender que os entrevistados reagiam de forma diferente para enfrentar as tensões do dia-a-dia. Milton relata que só pensava em vencer a linha e em mais nada. Tinha, tinha que vencer a linha e ajudar os que não conseguiam vencer, (...) lá tinha muita distração, a gente conversava para distrair a cabeça, se ficasse ali sem conversar seria muito pior (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). A linha que Milton se refere, transportava na época 70 mil frangos por dia, segundo ele, a metade ía para o corte e a outra metade ía para embalagem. No setor de embalagem, os 35 mil frangos eram divididos para oito pessoas, dentre elas, Milton. Retomamos Dejours (1988), ultrapassado pelas cadências, o operário que não acompanha, atrasa os que estão atrás dele na corrente dos gestos produtivos. Nesse sentido, as estratégias defensivas e suas formas de enfrentamento do sofrimento são vividas de forma individual, pois, mesmo os trabalhadores compartilhando do ruído proveniente das máquinas e equipamentos, da cadência da linha e exigência das tarefas, das temperaturas extremas, da umidade e do odor de sangue e vísceras do frango abatido, é na solidão que eles lutam contra as violências da produtividade. 4.2.4. Compartilhamento do sofrimento O trabalho nos moldes taylorista-fordista, para Dejours (1988), gera mais separações entre os indivíduos do que laços de união. Dessa forma, mesmo que os trabalhadores experimentem a mesma vivência no local de trabalho, compartilhem dos 65 mesmos riscos e da mesma estrutura organizacional, eles são confrontados individualmente, e assim, conduzidos ao sofrimento individual. Nesse sentido, a condição essencial da vida social propiciada pela solidariedade não encontra lugar na linha de produção. O que se vê nos depoimentos dos trabalhadores de linha de produção são estratégias de defesa individuais e formas de compartilhamento de vivências, não há solidariedade entre eles, como pode ser apreendido na fala de Ruth. Tinha amizade, tinha fofoca, tinha briga. Sabe quando você faz uma amizade? (...) então, eu tinha uma amiga que era parceira mesmo, que tinha intimidade de conversar de brincar, (...) quando gostava da pessoa que estava com você, ai o tempo passava e nem percebia. Mas quando era aquela pessoa que não gostava, ai o tempo não passava (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Do exposto acima podemos perceber que as relações afetivas construídas no ambiente de trabalho amenizam o sofrimento, embora não sejam constituidas de cooperação ou solidariedade, ao contrário, a rigidez da organização do trabalho, em certos momentos, coloca o trabalhador em oposição ao próprio colega. Isto pode ser observado na fala de Ruth. Eu ficava irritada, tem pessoas que por natureza já não conseguem fazer tão rápido. Eles colocavam pessoas rápidas com pessoas muito lentas. Enquanto eu embalava três frangos a outra pessoa embalava um. Eu tinha que fazer o trabalho pelo outro (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). A fala de Ruth nos remete aos estudos da administração científica, ao qual Taylor apropriou-se do saber fazer do operário, da diversidade dos modos operatórios, justamente, para ajustar a variabilidade do trabalhador. Esta variabilidade ele atribuí à burrice ou má vontade dos mais lentos. No caso de Ruth, ela conta que era considerada pelo encarregado de produção como sendo muito rápida e ágil no desempenho de suas funções. (...) um dia o encarregado falou pra mim, tem muito homem que não consegue fazer o serviço que você faz, ele olhava pra mim, eu estava chorando e ele nem se sensibilizava (Ruth, 32 anos, 8 anos de trabalho). Dessa forma, podemos afirmar que o contato entre os trabalhadores taylorizados não passa de compartilhamento de vivências, boas ou ruins, mas apenas experiências 66 vividas. Para Dejours (1988) a Administração Científica não se limita apenas em desapropriar o trabalhador do saber, ela cala a liberdade de organização, de reorganização ou de adaptação do trabalho. No trabalho taylorista-fordista o que resta para o trabalhador são os laços de afinidade que vão sendo tecidos pela vivência de sofrimento do dia-a-dia, conforme pode ser apreendido na fala de Paulo. (...) lá tinha muita afinidade, apesar de lá ser um serviço corrido né, um serviço sofrido, ter que trabalhar na correria, tinha amizade (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). A afinidade de que Paulo se refere se trata do fato dos trabalhadores compartilharem o sofrimento decorrente do trabalho estranhado, aviltado e degradante. Outro entrevistado também nos revela que a proximidade entre os colegas de trabalho no frigorífico e o convívio ameniza o sofrimento e distraí a mente. Eu tinha muito contato, trabalhava bem perto e conversava bastante, então distraía bem a mente. Naquele tempo que eu trabalhava lá, tinha nem vinte centímetros de distância, hoje, para sair pra conversar tem que andar quase três metros pra poder conversar um pouquinho e depois voltar. Lá tinha muita distração, a gente conversava para distrair a cabeça, se ficasse ali sem conversar seria muito pior (Milton, 30 anos, 6 anos de trabalho). Milton compara o trabalho em frigorífico à ocupação que ele tem hoje. A empresa que Milton trabalha atualmente não possui linha de produção, lá os setores são divididos em células produtivas, por esta razão, o entrevistado tem que se deslocar para conversar com o colega de trabalho. Apesar da distração descrita por Milton em sua fala, um atraso no gesto produtivo poderia por fim no que os entrevistados chamavam de “união”. (...) três horas da tarde, a pessoa tá cansada e tem serviço pra fazer, não pode deixar o frango passar na linha, tem que fazer e ponto, (...) dava uma sensação ruim, tá vendoque a pessoa tá cansada dessa correria e ainda vem xingar a gente ou o companheiro (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). Paulo apesar da indignição por ser constrangido pelo encarregado de produção, revela ter feito muitos amigos no frigorífico, segundo ele, lá tinha gente ruím, mas sobretudo, muita gente boa. Em suas palavras: 67 O pessoal que trabalhava lá é como uma segunda família, por causa da convivência, você acaba convivendo mais lá do que em casa mesmo. Eles acabam se tornando uma segunda família, acaba criando um vínculo. Qualquer coisa que acontece com um colega de trabalho, você acaba ficando comovido (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). E é no depoimento de Paulo que surge a sobrecarga de trabalho e consequentemente a quebra da “união”. Esta “união” é vencida pela cadência da produção, ela se manifesta quando o trabalhador perde a luta pra linha, deixando o frango passar ou faltando ao trabalho por fadiga. Nas palavras de Paulo: Sobrecarrega, se uma pessoa falta, pesa para todos os outros. Tem um a menos, mas a produção continua a mesma então sobrecarrega os outros (Paulo, 32 anos, 7 anos de trabalho). Júlio, marido de Ruth vivenciou de forma intensa o sofrimento da esposa, ele relata o que de ruim o marcou no período em que trabalhou no frigorífico. Ver a minha esposa lá, até que quando ela saiu eu desanimei e saí. O que me dava força era ela, eu e ela. A gente ia junto e voltava junto (Júlio, 32 anos, 5 anos e 3 meses de trabalho). O compartilhamento do sofrimento fica claro na fala de Júlio ao dizer que desanimou do trabalho quando a esposa saiu do frigorífico. O sentimento de alívio pela cessação do sofrimento dela veio junto com a sensação de desânimo por ter que enfrentar a jornada de trabalho sozinho. Observa-se, pela análise de conteúdo das entrevistas realizadas, que foi possível identificar a percepção do trabalhador sobre as formas de enfrentamento da adversidade inerente ao tipo de trabalho realizado e as implicações sobre seu cotidiano e de sua família. Constata-se o prejuízo à saúde psíquica e física e ainda que este ônus é vivido individualmente pelo empregado como se fosse uma externalidade do processo produtivo. Ao empresário cabe a lucratividade e ao empregado cabe a perda de sua saúde e a alienação da vida politica e social, quando lhe é negado o pleno exercício da cidadania. 68 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS O processo perverso de acumulação e reprodução do capital vem, ao longo do tempo, causando efeitos devastadores à vida humana e ao meio ambiente. A ausência de ética na vida em sociedade, impulsionada pela lei da mais-valia, pode ser observada em diversos territórios, inclusive nos fabris. Por essa razão, acreditamos que com este trabalho possamos contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável, principalmente nas dimensões da justiça social e cultural, dos grupos de trabalhadores empregados na produção avícola, no segmento de frigorífico. Pensar em desenvolvimento sustentável nos sugere levar em consideração três critérios: o economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente inofensivo. Neste sentido, o conceito de sustentabilidade não pode ser reduzido ao ecologicamente correto e, tampouco, ao economicamente viável. Um dos pilares em que se estrutura o paradigma do desenvolvimento sustentável refere-se à equidade social, que deve prevalecer nas relações entre as pessoas e seu ambiente. Assim, a dimensão social e ética deve ser priorizada, assegurando os direitos humanos e a justiça social para todos. Ao referirmos a equidade social pensamos no cidadão como sendo portador de direitos básicos, como saúde, distribuição econômica de renda, liberdade de fazer escolhas, e de trabalhar e conviver em arranjos sociais adequados e seguros. Isto implica no direito de escolher sobre quais bens serão produzidos, como e para usufruto de quem. Quebrar com o ciclo vicioso do capital requer que nós sejamos capazes de compreendermos nosso papel como cidadãos, trabalhadores, consumidores e, principalmente como seres políticos e sociais. 69 Todavia, a sociedade do capital produz controvérsias. O Brasil é o maior exportador de carne de frango do mundo, contudo sua produção é marcada pelo desgaste da população de trabalhadores, que segue um ritmo alucinante para garantir uma oferta que é muitas vezes acima da demanda. Este sistema produtivo leva à exaustão do trabalhador e também da matéria prima. A produção de aves em massa requer uma alimentação enriquecida de hormônios que irão com o passar do tempo, trazer consequências ainda não inteiramente mapeadas para os consumidores. Durante esta pesquisa, pudemos observar que o trabalho rígido, parcelado e fragmentado nos moldes taylorista-fordista, mesclado às fortes cadências da reestruturação produtiva, produzem a desumanização do trabalhador e a degradação de sua saúde. Neste cenário, o trabalhador de frigorífico convive diariamente com uma realidade dicotômica, pois de um lado um sistema de produção maquinal e arcaico, de outro, o acesso à era digital, em que o trabalhador pode observar os recursos tecnológicos disponíveis que reduziriam o seu sofrimento, se o dono dos meios de produção assim o quisesse. Dessa forma, o setor de frigorífico vai deixando suas impressões, ao mesmo tempo que produz riqueza, gera miséria ao trabalhador. A hostilidade do ambiente de trabalho dos frigoríficos, as fortes cadências, o ritmo intenso de trabalho e a falta de sentido do mesmo, domestica o corpo e captura a subjetividade do trabalhador. Não há estranheza que o trabalhador de frigorífico só se sinta bem fora do trabalho e que sinta se mal ao ter que retornar à produção no dia seguinte. A indignação em relação ao trabalho, as jornadas excessivas, o medo do adoecimento, da mutilação e a falta de perspectiva de vida é traço marcante na fala dos entrevistados. Isto nos leva a pensar sobre o compromisso de refletir sobre este tipo de atividade laboral, bem como, o nosso papel político e social, pois, os impactos causados aos trabalhadores são imensuráveis e os custos dessas mazelas podem ser expressados de diversas formas na sociedade, como violência, dependências químicas, pensões por invalidez, pensões por morte do trabalhador e as formas de depressão e sofrimento do ser. 70 Diante do exposto, é possível imaginar uma sociedade capaz de equalizar desenvolvimento econômico, preservação do meio ambiente e desenvolvimento humano? É possível pensar no trabalho como sendo fonte de realização do ser? Quais os rumos que a humanidade deve percorrer para isto? A este despeito, o que sabemos até então, é que a mudança depende de uma quebra de paradigma. Isto envolve modos de vida sustentável e uma nova visão e consciência ambiental. Os novos rumos para esta mudança dependem da participação politica e social da sociedade, do uso sustentável dos recursos naturais, de uma educação voltada para o desenvolvimento humano, do uso da tecnologia e ciência a favor da sustentabilidade e da emancipação do homem. 71 REFERÊNCIAS ALVES, Giovanni. O avesso do trabalho III: Saúde do trabalhador e questões contemporâneas. Vera Lúcia Navarro e Edvânia Ângela de Souza Lourenço (orgs). 1 ed. São Paulo: Outras Expressões, 2013. ALVES, Giovanni. Trabalho e Saúde: a precarização do trabalho e a saúde do trabalhador no século XXI. André Luis Vizzaccaro-Amaral, André Pestana Mota, Giovanni Alves (orgs). 1 ed. São Paulo: LTr, 2011. ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho: Ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1. Ed. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999. ANTUNES, Ricardo. O avesso do trabalho III: Saúdedo trabalhador e questões contemporâneas. Vera Lúcia Navarro e Edvânia Ângela de Souza Lourenço (orgs). 1 ed. São Paulo: Outras Expressões, 2013. BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1979. BRAVERMAN, H. Trabalho e capital monopolista: a degradação do trabalho no século XX, Rio de Janeiro: Ed. Guanabara (1987). BIERNACKI, P; WALDORF, D. Snowball sampling – problems and techniques of Chain referral sampling. In: Sociological methods and Research, 1981. BOSI, E. Memória e sociedade: lembranças de velhos (3ª ed.). São Paulo: Companhia das Letras, 1994. BOSI, E. Simone Weil: a condição operária e outros estudos sobre a opressão. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1996. CAMARGO, A. B. “Entra em vigor a NR dos Frigoríficos”. CIPA, Nº 407, 100-160 – 2013. CAMARGO, A. Governança para o século 21. In: TRIGUEIRO, A. Meio ambiente no século 21: 21 especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Rio de Janeiro: Sextante, 2003. CARNE OSSO: um mergulho no mundo dos frigoríficos brasileiros. Produção de Caio Cavechinni e Carlos Juliano de Barros. Coordenação Caio Cavechinni. São Paulo: Repórter Brasil, 2011. 1 DVD (65 min.). DVD, son., color. 72 CERIGUELI, M. J. Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados. São Paulo: LTr, 2013. DECCA, E. S. O nascimento das fábricas: vol. 51. Tudo é História. São Paulo, SP: Brasiliense, 1988. DEJOURS, C. A loucura do trabalho: estudo de Psicopatologia do Trabalho. São Paulo: Cortez, 1998. __________.A banalização da injustiça social.Rio de janeiro: FGV, 2000, 3° edição. ENGELS, FRIEDRICH (1985). A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, São Paulo: Global. GIL, Antonio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2008. GRAMSCI, A. Americanismo e Fordismo. In: A. Gramsci. Obras escolhidas. São Paulo, SP: Martins Fontes, 1978, p. 328. HARVEY, D. Condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens das mudanças cultural. São Paulo: Loyola, 1996. HECK, F. Degradação anunciada do trabalho formal na Sadia, em Toledo (PR). Tese de Mestrado em Geografia, Presidente Prudente, Unesp, 2013. LANCMAN, S. “O mundo do trabalho e a psicodinâmica do trabalho”.In LANCMAN, Selma; SZNELWAR, Laerte Idal (Orgs). Christophe Dejours: da psicopatologia à psicodinâmica do trabalho. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, Brasília: Paralelo 15, 2004 MARGLIN, S. Origem e funções do parcelamento das tarefas (Para que servem os patrões?). InA. Gorz. (Ed.) Crítica da divisão do trabalho (p. 37-77). São Paulo, SP: Martins Fontes. 1989. p. 37-77. Disponivel em: Acesso em: 17/11/2016. MARX, K. Manuscritos econômicos filosóficos. São Paulo: Martin Claret, 2004. MARX, K. O Capital: crítica da economia política, 2ª ed. São Paulo: Nova Cultural, 1985. MARX, K.ENGELS, F. O capital. 13. Ed. Livro 1. Rio de Janeiro: Beltrand, 1989. V.I e V.II. MARX, K. O Capital. São Paulo: Nova Cultural, 301p, (Coleção "Os Economistas"). Disponivel em: Acesso em: 17/11/2016 73 MINAYO, M.C.S. (org.) Pesquisa Social – Teoria, Método e Criatividade. Petrópolis: vozes, 1994. NELI, M. A.; NAVARRO, V. L. Riqueza e miséria do trabalho no Brasil II. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2013. PINTO, G. A. A organização do trabalho no século 20: taylorismo, fordismo e toyotismo. 3 ed. São Paulo: Expressão Popular, 2013. RIZZI, A. T. Mudanças tecnológicas e reestruturação da indústria agroalimentar: o caso da indústria de frangos do Brasil. Tese de Doutorado em Economia, Campinas, Instituto de Economia/Unicamp, 1993. SANCHES, R. P. Um olhar reflexivo sobre o Programa de Aprendizagem “Vou Conseguir – Capacitação Profissional”. 2006. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Serviço Social) – Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Faculdade de Historia, Direito, e Serviço Social. Campus Franca. Franca. 2006. SCHARF, Regina. Manual de Negócios Sustentáveis. São Paulo, Amigos da Terra, 2004. SEN, A. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SEN, Amartya; KLIKSBERG, Bernardo. As pessoas em primeiro lugar: a ética do desenvolvimento e os problemas do mundo globalizado. Tradução de Bernardo Azjemberg. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. SILVA, A. R. O. A Flexibilização da jornada de trabalho e seus reflexos na saúde do trabalhador. O avesso do trabalho III: Saúde do trabalhador e questões contemporâneas. Vera Lúcia Navarro e Edvânia Ângela de Souza Lourenço (orgs). 1 ed. São Paulo: Outras Expressões, 2013. THOMAS JÚNIOR. Não há nada de novo sob o sol num mundo de heróis! (A civilização da barbárie na agroindústria canavieira). Pegada, Presidente prudente, v. 8, n. 2, p. 5-25, dez. 2007. Disponível em: Acesso em: 17/11/2016 TOMPSON, P. A voz do passado. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. TOMPSON, E. Tradición, revela y consciência de classe: estúdios sobre la crisis de la sociedade pré-industrial. Barcelona: crítica, 1979. 74 APÊNDICES 75 APÊNDICE I - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE) ___________________________ (nome), _______________ (nacionalidade), ____________ (idade), ___________ (estado civil), ______________ (profissão), _____________ (endereço), ______________(Rg), participar de um estudo denominado "Um estudo da percepção do trabalhador de frigorífico sobre as suas condições de trabalho, saúde e vida” cujos objetivos e justificativas são: contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável. A minha participação no referido estudo será no sentido de participar de uma entrevista, respondendo às perguntas formuladas. Fui alertado de que, da pesquisa a se realizar, posso esperar alguns benefícios, tal como o beneficio indireto, pois as informações aqui recolhidas serão utilizadas para a construção de conhecimento das condições de trabalho, saúde e vida do trabalhador do setor de frigorífico. Recebi, por outro lado, os esclarecimentos necessários sobre os possíveis desconfortos e riscos decorrentes do estudo, levando-se em conta que é uma pesquisa, e os resultados positivos ou negativos somente serão obtidos após a sua realização. Assim, como cansaço, desconforto pelo tempo gasto na entrevista, e ao relembrar algumas sensações diante do vivido com situações altamente desgastantes. Se isto ocorrer eu poderei interromper a entrevista e retomá-la posteriormente, se desejar. Estou ciente de que minha privacidade será respeitada, ou seja, meu nome ou qualquer outro dado ou elemento que possa, de qualquer forma, me identificar, será mantido em sigilo. Também fui informado de que posso me recusar a participar do estudo, ou retirar meu consentimento a qualquer momento, sem precisar justificar, e de, por desejar sair da pesquisa, não sofrerei qualquer prejuízo à assistência que venho recebendo. Foi- me esclarecido, igualmente, que eu posso optar por métodos alternativos, que é, o preenchimento de formulários. 76 A pesquisadora envolvida com o referido projeto é Juliana Dias Pinto Ribeiro, vinculada ao Centro Universitário das Faculdades Associadas de Ensino- FAE e com ela poderei manter contato pelos telefones (19) 3662 1098. É assegurada a assistência durante toda pesquisa, bem como me é garantido o livre acesso a todas as informações e esclarecimentos adicionais sobre o estudo e suas consequências, enfim, tudo o que eu queira saber antes, durante e depois da minha participação. Enfim, tendo sido orientado quanto ao teorde todo o aqui mencionado e compreendido a natureza e o objetivo do já referido estudo, manifesto meu livre consentimento em participar, estando totalmente ciente de que não há nenhum valor econômico, a receber ou a pagar, por minha participação. No entanto, caso eu tenha qualquer despesa decorrente da participação na pesquisa, haverá ressarcimento na forma de depósito em conta-correntes. De igual maneira, caso ocorra algum dano decorrente da minha participação no estudo, serei devidamente indenizado, conforme determina a Lei. Em caso de reclamação ou qualquer tipo de denúncia sobre este estudo devo ligar para o CEP UNIFAE (19) 0800173022 Ramal 228, ou mandar um email para comiteetica@fae.br Declaro que estou recebendo nesta oportunidade uma via deste documento com todas as assinaturas. São José do Rio Pardo, 29 de novembro de 2016. _______________________________________________________ Nome e assinatura do participante da pesquisa Juliana Dias Pinto Ribeiro 77 CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO – FAE APÊNDICE II – CARTA DE AUTORIZAÇÃO PARA PESQUISA DE CAMPO CENTRO UNIVERSITÁRIO DAS FACULDADES ASSOCIADAS DE ENSINO – FAE APÊNDICE II - CARTA DE AUTORIZAÇÃO PARA PESQUISA DE CAMPO Informamos que AUTORIZAMOS que à acadêmica JULIANA DIAS PINTO RIBEIRO do Curso de MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E QUALIDADE DE VIDA, está autorizada a realizar sua pesquisa de campo nesta empresa, cuja denominação é a seguinte: VILLA COSTINA FRANGOS LTDA, CGC N° 00.377.944/0001-82, ramo de atividade FRIGORÍFICO AVÍCOLA. A presente pesquisa é requisito parcial para obtenção do título de mestre em Desenvolvimento Sustentável e Qualidade de Vida será realizada na área de Desenvolvimento Sustentável, tendo seu período e término compreendido entre dezembro de 2016 a fevereiro de 2017. Outrossim, informamos ainda que a acadêmica está autorizado a divulgar o nome desta instituição em sua pesquisa de mestrado e/ou artigo científico. Moises Teixeira Gerente Administrativo 78 ANEXO 79 ANEXO I – COMPROVANTE DE SUBMISSÃO DE PROJETO DE PESQUISAin poultry production in the fridge segment. This is an exploratory research with three basic approaches: first, it was sought to characterize the current conditions of the slaughtering and processing of birds by means of a bibliographical research about the transformations that occurred in the productive processes throughout the decades and their impacts Life and health of poultry workers. Then we proceed with the participant observation in the company object of study. The visit to the fridge occurred in December 2016, and enabled us to understand how the work is organized in this segment, as well as to describe it in this research. The field study also allowed us to prepare a script of interviews for the survey of the perception of the workers of the refrigerator on their conditions of work, health and life. As a form of data collection we opted for the semi-structured interview with guiding questions for the development of the theme. For that, we sought support in the qualitative method by allowing a critical and reflexive reading on the facts raised, besides providing the direct relationship between the researcher and the research subject. The research had as a cut, the Poultry Industry located in the Municipality of São José do Rio Pardo, southeast of São Paulo. It is justified the insertion in such company, as it presents high rates of occupational diseases and absenteeism, a predominant feature of cold stores. A total of five former employees of the slaughterhouse were interviewed, one woman and four mens, aged between 30 and 45 years, totaling about 2 hours and 30 minutes of recording. The data were processed and analyzed in three phases, the first one consisted of the transcription of the statements. The second included categorization according to the following descriptors: estrangement, fear, confrontation and sharing of suffering. The data were analyzed under the qualitative aspect of content analysis. Thus, it was possible to identify the worker's perception about the ways of coping with the inherent adversity of the type of work performed and the implications on his daily life and his family. It is observed the damage to the physical and mental health and even though this burden is experienced individually by the employee as if it were an externality of the productive process. The employer is responsible for profitability and the employee is responsible for the loss of his health and the alienation of political and social life when he is denied the full exercise of citizenship. Keywords: Perception; Fridge; Work conditions. 9 LISTA DE FIGURAS LISTA DE FIGURAS Figura 1 Localização geográfica de São José do Rio Pardo/SP............................................. 35 Figura 2 Fluxograma produtivo da empresa............................................................................ 42 Figura 3 Plataforma de carga e descarga............................................................................... 43 Figura 4 Esteira de pendura nórea.......................................................................................... 43 Figura 5 Processo de insensibilização.................................................................................... 44 Figura 6 Processo de sangria.................................................................................................. 44 Figura 7 Processo de escaldagem e depenagem................................................................... 44 Figura 8 Processo de rependura, acondicionamento de charuto de pés e inspeção da carcaça....................................................................................................................... 45 Figura 9 Setor de evisceração................................................................................................. 46 Figura 10 Setor de resfriamento................................................................................................. 47 Figura 11 Envase manual de embalagem................................................................................. 48 Figura 12 Coleta de miúdos do chiller........................................................................................ 48 Figura 13 Setor de embalagem ................................................................................................. 49 Figura 14 Setor de cortes........................................................................................................... 49 Figura 15 Setor de pesagem...................................................................................................... 50 Figura 16 Câmara de refrigeração ............................................................................................ 50 10 LISTA DE QUADROS Quadro 1 Temas tratados, contribuições e principais autores referenciados em cada seção do referencial teórico.................................................................................................. 17 Quadro 2 Síntese das informações dos sujeitos entrevistados.................................................. 37 11 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO 12 1.1 Objetivo geral.................................................................................................................... 14 1.1.1 Objetivos específicos......................................................................................................... 14 1.2 Justificativa e problema de pesquisa ............................................................................... 14 2 REFERENCIAL TEÓRICO 17 2.1 Condições de trabalho e sofrimento do trabalhador: uma perspectiva histórica............... 18 2.2 Formas de intensificação do trabalho e controle do trabalhador....................................... 20 2.3 A reestruturação produtiva na agroindústria avícola......................................................... 25 2.4 A reestruturação produtiva e a saúde do trabalhador da indústria avícola....................... 27 2.5 Desenvolvimento Sustentável: justiça social, equidade e autonomia............................... 31 3 MÉTODO 34 3.1 Caracterização do campo de pesquisa: Frigorífico Avícola localizado em São José do Rio Pardo/SP..................................................................................................................... 35 3.1.1 Município de São José do Rio Pardo................................................................................ 35 3.1.2 Registro histórico do município......................................................................................... 36 3.1.3 Dados econômicos do município....................................................................................... 36 3.1.4 Apresentação dos sujeitos de pesquisa............................................................................ 36 3.1.5 Procedimentos de coleta de dados.................................................................................. 38 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO 41 4.1 Frigrífico Avícola................................................................................................................ 41 4.1.1 Descrição dos processos produtivos................................................................................. 41 4.1.2 Processo de recepção de aves......................................................................................... 42 4.1.3 Processo de insensibilização e sangria............................................................................. 43 4.1.4 Processo de escaldagem e depenagem........................................................................... 44 4.1.5 Processo de evisceração.................................................................................................. 45 4.1.6 Processo de pré-resfriamento...........................................................................................46 4.1.7 Processo de embalagem de miúdos................................................................................. 47 4.1.8 Processo de embalagem do frango inteiro........................................................................ 48 4.1.9 Processo de cortes............................................................................................................ 49 4.1.10 Processo de resfriamento e congelamento....................................................................... 50 4.2 Análise dos resultados...................................................................................................... 51 4.2.1 Trabalho estranhado......................................................................................................... 51 4.2.2 O medo.............................................................................................................................. 59 4.2.3 Enfrentamento do sofrimento............................................................................................ 62 4.2.4 Compartilhamento do sofrimento...................................................................................... 64 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS 68 REFERÊNCIAS 71 ANEXOS/ APÊNDICES 12 1. INTRODUÇÃO O crescimento econômico e a diversificação dos processos produtivos vêm sendo, historicamente, acompanhados de agravos à saúde dos trabalhadores. A percepção de que o trabalho traz consequências a saúde dos indivíduos é antiga e pode ser encontrada no clássico Tempos Modernos de Charlie Chaplin – o qual demonstra as degradações física e mental sobre os trabalhadores, provocadas pelo modelo taylorista/fordista – e nas pesquisas de Friedrick Engels (1985), que relatam situações cruéis não só do trabalho nas fábricas mas também da vida dos trabalhadores, ou ainda, mais recentemente, no documentário Carne e Osso, de Caio Cavechinni e Carlos Juliano de Barros – o qual mostra as condições precárias de trabalho e o adoecimento e sofrimento de trabalhadores nos frigoríficos brasileiros. Heck (2013), estudando o território fabril da Sadia de Toledo - PR, descreve o caso de uma trabalhadora de cinquenta e dois anos, que teve artrose nos dois braços, desgaste no osso da perna, quatro desgastes na coluna e um acidente de trabalho, o qual abriu sua mão. Para Heck, os inúmeros exemplos de adoecimento de trabalhadores do setor de frigoríficos no Brasil e no mundo são exemplos de que há uma degradação anunciada. O que para ele significa pensar que a condição para mutilar, adoecer e matar, é estar empregado no Brasil, com registro em carteira. Neli (2006) constatou em sua pesquisa que o adoecimento ou os riscos a que os trabalhadores de frigorífico estão expostos são vistos pela indústria avícola como sendo inerentes ao descuido ou ao próprio organismo do trabalhador. Para o mesmo autor, o sofrimento alheio é negado em nome do aumento da produtividade e dos lucros, e o desmonte de seres humanos se processa em conformidade com as etapas de produção. Nas palavras de Marx (1985, p.215) “o capital não tem a menor consideração pela saúde e duração da vida do trabalhador, a não ser quando é coagido pela sociedade para ter consideração”. 13 Assim, o trabalho no modo de produção capitalista é determinado pela eficácia da produção, no qual acidentar e adoecer são resultantes de relações sociais em que o trabalhador é apenas um complemento da máquina. O trabalho que deveria ser fonte de prazer e realização, sob a égide do capital, causa fadiga, doenças e acidentes de trabalho que, quando não matam, podem deixar mutilações e dependências. Weil (1996), ao longo de sua produção teórica dedicou diversos textos à discussão das causas da opressão social e sua forma capitalista de organização do trabalho. No seu texto Diário de vida na fábrica, a autora afirma que o trabalho está intrinsicamente ligado a humilhação social. Segundo a autora, à humilhação é determinada pela pressão de se alcançar uma forte cadência produtiva, pela ameaça constante de demissão caso não se alcance esta meta, pela maneira de suportar as ordens e pela contínua simplificação e fragmentação das atividades. Nesse sentido, apesar dos importantes avanços científicos e tecnológicos alcançados em todo planeta, o trabalho contemporâneo se apresenta como um paradoxo, sendo uma combinação de precarização social, adoecimento do trabalhador e destruição ambiental. Assim, esta pesquisa dedica-se a descrever a percepção que o trabalhador de frigorífico tem sobre suas condições de saúde, trabalho e vida sob a luz do desenvolvimento sustentável. A pesquisa parte do pressuposto de que os trabalhadores de frigorífico, para darem conta da tarefa prescrita sem adoecerem, lançam mão de estratégias de enfrentamento, ou seja, estratégias defensivas. A razão da escolha do tema de pesquisa decorreu da atuação profissional desta pesquisadora neste ramo de atividade. Durante o trabalho em um frigorífico avícola, no período de 2011 à 2012, esta pesquisadora testemunhou altos índices de doenças do trabalho e sofrimento humano. Desta forma, surgiu a inquietação e o desejo de compreender a problemática das transformações no mundo do trabalho e suas consequências para a vida e saúde do trabalhador de frigorífico. 14 1.1. Objetivo Geral A pesquisa visa contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável, principalmente nas dimensões da justiça social e cultural, dos grupos de trabalhadores empregados na produção avícola no segmento de frigorífico. 1.1.1. Objetivos Específicos 1. Caracterizar as condições atuais da atividade de abate e processamento de aves com relação as situações de risco bio-psico-social. 2. Recolher a percepção do trabalhador com relação as suas condições de trabalho e suas implicações sobre o seu cotidiano. 3. Identificar a relação entre o trabalho e o adoecimento com base na percepção dos trabalhadores de frigorífico avícola. 1.2. Justificativa e Problema de Pesquisa Um levantamento, realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentos e Afins, revelou que pelo menos 30% dos frigoríficos brasileiros apresentam condições inadequadas de trabalho e, 25% dos trabalhadores da indústria de frigoríficos estavam ou deveriam estar afastados em função de acidentes e doenças ocupacionais (CAMARGO, 2013). Segundo Cerigueli (2013), o setor Frigorífico Brasileiro se profissionalizou, estabeleceu altas escalas de produção e se tornou o maior exportador de carnes do mundo, no entanto, se deparou com enormes desafios no campo de seus recursos humanos. O trabalho fragmentado e parcelado reduzido a tarefas mecânicas e repetitivas, nos moldes do trabalho taylorista-fordista, é traço característico na seção de abate e corte 15 das indústrias avícolas do Brasil. Tal atividade faz parte da cadeia produtiva da agroindústria avícola, de grande destaque na economia nacional (NELI; NAVARRO, 2013). Apesar de o processo produtivo da agroindústria ter sido alvo de constantes inovações tecnológicas na década de 1970, nem todas as etapas de produção industrial puderam ser mecanizadas (RIZZI, 1993). Nas últimas décadas, observou-se nessa atividade a intensificação crescente do ritmo de trabalho para cumprir metas diárias de produção. Em virtude da repetição de movimentos, do ambiente insalubre e do ritmo intenso de produção, que oscila de acordo com a necessidade do mercado consumidor, a atividade de processamento de aves apresenta altos índices de adoecimento e de acidentes do trabalho (NELI; NAVARRO, 2013). Dessa forma, ainda há muitas questões a serem investigadas quanto aos impactos do trabalho em frigorífico na saúde ena vida dos trabalhadores. O tema do presente estudo se justifica principalmente pelo momento histórico atual da luta dos trabalhadores de frigorífico por melhores condições de trabalho. A luta por melhores condições de trabalho no seto iniciou-se em Santa Catarina em 1999, com o projeto “Frigo” desencadeado pela Secretaria Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), com fiscalizações focadas junto às empresas frigoríficas. Em 2001, diversas empresas do segmento do estado de Santa Catarina assinaram um Termo de Ajustamento e Conduta coletivo, comprometendo-se a trabalhar um conjunto de melhorias em Saúde e Segurança do Trabalho (SST). Em 2003, surge a Proposta de Norma Técnica para o segmento por parte do Ministério do Trabalho e Emprego, entretanto, não foi publicada. No ano de 2007, houve 16 a estruturação e implementação do Protocolo de Segurança & Saúde do Trabalho (PSST) por parte das principais empresas vinculadas ao Sindicarne/SC. Em 2008, surgem as primeiras Ações Civis Públicas (ACPs) contra as empresas do segmento, tendo como foco aspectos exclusivos de SST, promovidas pelo Ministério Público do Trabalho com apoio da Secretaria Regional do Trabalho e Emprego (CERIGUELI, 2013). Em 2010, iniciam-se as tratativas para a criação da Norma Regulamentadora para o setor. Em 2011, a ONG Repórter Brasil produziu o documentário “Carne Osso: um mergulho no mundo dos frigoríficos brasileiros”. O documentário mostra a dura realidade do trabalho dentro dos frigoríficos. Finalmente, em abril de 2013, foi publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados (NR-36). A NR 36 é fruto de mais de nove anos de discussões e de dois anos de trabalho do Grupo de Estudos Tripartite (GET), que reuniu representantes dos trabalhadores, do Governo Federal e dos empresários, a norma surgiu atendendo as antigas reivindicações da classe trabalhadora. Dessa forma, este trabalho busca responder a seguinte questão: Qual a percepção do trabalhador de frigorífico sobre as suas condições de trabalho, saúde e vida? A pesquisa visa contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável, principalmente nas dimensões da justiça social e cultural, dos grupos de trabalhadores empregados na produção avícola no segmento de frigorífico. Para tanto, partimos do pressuposto de que as relações interpessoais desenvolvidas entre os trabalhadores no ambiente de trabalho são importantes para o enfrentamento das condições adversas do trabalho em frigorífico. 17 2. REFERENCIAL TEÓRICO Qadro 1: Temas tratados, contribuições e principais autores referendados em cada seção do referencial teórico. Temas abordados Tópicos ou Contribuições Referências ou Fontes Condições de Trabalho e Sofrimento do Trabalhador Perspectiva Histórica Bosi, 1983 Decca, 1988 Dejours, 1998 Engels, 1985 Heck, 2013 Marglin, 1989 Thomaz Junior, 2007 Formas de Intensificação do Trabalho e Controle do Trabalhador Taylorismo, Fordismo e Toyotismo Antunes, 1999 Braverman, 1987 Gramsci, 1978 Harvey, 1992 Sanches, 2006 A Reestruturação Produtiva na Agroindústria Avícola Brasileira O Crescimento do Setor Rizzi, 1993 UBABEF, 2011 UBABEF, 2012 UBABEF, 2014 A Reestruturação Produtiva na Agroindústria Avícola Brasileira e a Saúde do Trabalhador O Adoecimento na Indústria Avícola Camargo, 2013 Heck, 2013 Neli e Navarro, 2013 Neli, 2006 Rizzi, 1993 Desenvolvimento Sustentável Justiça Social, Equidade e Autonomia Sen; Kliksberg, 2010 Fonte: Elaborado pela autora 18 2.1. Condições de Trabalho e Sofrimento do Trabalhador: uma perspectiva histórica O período de desenvolvimento do capitalismo industrial caracteriza-se pelo crescimento da produção, pelo êxodo rural e pela concentração de novas populações urbanas. Segundo Dejours (1988), esse período foi marcado por precárias condições de trabalho, emprego de crianças na produção industrial, salários insuficientes para a subsistência e elevado número de acidentes. A sociedade industrial convivia com alta morbidade, crescente mortalidade e uma longevidade extremamente reduzida, e a batalha pela saúde era a própria luta pela sobrevivência (DEJOURS, 1988). Em 1845, Engels apresentava o retrato de uma situação cruel não só no trabalho nas fábricas, mas também da vida dos trabalhadores. Na maior parte dos ramos, a atividade do operário reduz-se a um gesto mesquinho, puramente mecânico, que se repete minuto a minuto, ano após ano, sempre o mesmo. Quem quer que tenha trabalhado a mais tenra idade doze e mais horas por dia, fabricando cabeças de prego ou limando rodas dentadas, e que viva nas condições de vida de um proletário inglês, quantas faculdades e sentimentos humanos pode conservar aos trinta anos? A atividade do operário encontra-se facilitada, o esforço muscular reduzido, e o próprio trabalho é insignificante, mas extremamente monótono (ENGELS, 1985, p. 139). Se a natureza do trabalho, no seu modo de execução, por si só já era suficiente para embrutecer os trabalhadores, suas condições de realização os humilhavam ainda mais, pois o ambiente de trabalho era insalubre, as condições de trabalho degradantes e o salário insuficiente para garantir aos trabalhadores condições adequadas de moradia, alimentação e saúde. O trabalho tornou-se mecânico e repetitivo, um meio de tortura já que a máquina não livra o trabalhador do trabalho, mas o trabalho de seu conteúdo. Dessa forma, pode se afirmar que o avanço das forças produtivas ao mesmo tempo em que capacita o capital, suprime o trabalho e intensifica o estranhamento. A lógica deste avanço tecnológico é a lógica do capital. O capital conseguiu que a ciência se colocasse a seu serviço, o que se deu num processo de docilização da mão-de-obra 19 (DECCA, 1988). Isso fica claro quando conhecemos a história do surgimento das fábricas: Dentre todas as utopias criadas a partir do século XVI, nenhuma se realizou tão desgraçadamente como a sociedade do trabalho. Fábricas-prisões, fábricas- conventos, fábricas sem salário, que aos nossos olhos adquirem um aspecto caricaturial, foram sonhos realizados pelos patrões e que tornaram possível esse espetáculo atual da glorificação do trabalho (DECCA, 1998, p. 7). A dimensão crucial da glorificação do trabalho deu-se com o surgimento da fábrica mecanizada que aparecia aos olhos do mundo ocidental como a nova ilusão de que não haveria limites para a produtividade humana. Assim o sucesso da fábrica não decorre da mecanização e do desenvolvimento tecnológico, mas sim do fato dela ter sido um local priveligiado da disciplinarização dos trabalhadores que acabaram por introjetar dentro de cada um o relógio moral do desenvolvimento capitalista. Dessa forma, a tecnologia pode ser vista como mais um mecanismo de controle social. Esse processo pode ser abordado: A origem e o sucesso da fábrica não se explicam por uma superioridade tecnológica, mas pelo fato dela despojar o operário a qualquer controle e de dar ao capitalista o poder de prescrever a natureza do trabalho e a quantidade a produzir. A partir disso, o operário não é livre para decidir como e quanto quer trabalhar para produzir o que lhe é necessário; mas é preciso que ele escolha trabalhar nas condições do patrão ou não trabalhar, o que não lhe deixa nenhuma escolha (MARGLIN, 1989, p.41). É na lógica do capitalismo que o trabalhador torna-se um complemento da máquina, ou seja um homem alienado, pois é ele que deve se ajustar ao aparato produtivo. Os relatos de Weil, professora de filosofia na França que optou portrabalhar como operária na fábrica durante os anos 1935 e 1936 demonstra o sofrimento do jovem aprendiz que sai da escola e entra na fábrica tornado-se assim um complemento da máquina: Precocemente ele ingressa na fábrica. Da noite para o dia ele se torna um complemento de máquina, uma coisa que deve obedecer ao ritmo da produção, e não importa quais sejam seus motivos para obedecer. Começa para o jovem, para a criança egressa da escola, uma existência dobrada sobre a matéria, atenta às exigências da máquina, segregada como se fora outra humanidade: o operário imagina uma repetição interrupta de peças sempre idênticas, regiões tristes e desérticas que o pensamento não consegue percorrer. Para mudar de região, só através de uma ordem súbita; imprevisível; portanto, de uma humilhação. Esse dobrar-se sobre o presente produz uma espécie de estupor. (BOSI, 1983, p. 21). 20 No seu texto Diário de vida nas fábricas, Weil (1996) afirma que o trabalho fábril está intrinsicamente relacionado a uma experiência de humilhação social. A humilhação é determinada pela pressão de se alcançar uma forte cadência produtiva, pela ameaça constante de demissão caso não alcance esta meta, pela maneira de suportar as ordens, pela contínua simplificação e fragmentação das atividades. Assim o estranhamento, nas palavras de Weil, refere-se a humilhação social. Portanto, ao longo do desenvolvimento do processo de trabalho nos séculos XIX e XX, apesar de algumas transformações, não houve uma verdadeira ruptura com o caráter capitalista do modo de produção. Os avanços científicos ocorridos em nome do progresso não conseguiram eliminar as formas de exploração física e psíquica dos trabalhadores, nas fábricas e fora delas. Os instrumentos de trabalho altamente desenvolvidos não facilitaram ou diminuíram o esforço do trabalhador no processo de trabalho. Nas palavras de Thomaz Júnior (2007, p. 8) “seja na cana, seja na laranja, seja na Scania, seja na IBM, seja no Bradesco, seja no McDonald´s, seja na Odebrecht, enfim o trabalho é precarizado”. Nas palavras de Hech (2013, p. 48): A degradação do trabalho se expressa nas diferentes escalas territoriais, com diferentes formas e procedimentos que só as pesquisas poderão ajudar a desvendar. É por esse motivo que seja na cana, nos frigoríficos, nos bancos, nos call centers, o trabalho, sob a égide do capital, é e será degradado. 2.2. Formas de Intensificação do Trabalho e Controle do Trabalhador: Taylorismo/Fordismo/Toyotismo No final do século XIX, novos modelos de produção industrial capitalista são desenvolvidos com objetivo de racionalizar a organização do trabalho visando garantir melhores resultados na produção e aumento na produtividade. Os modelos Taylorista e Fordista surgiram nesta fase. 21 O modelo Taylorista surgiu nos EUA, no final do século XIX e início do século XX, período em que a eletricidade passou gradativamente a fazer parte do cotidiano das cidades e a alimentar os motores das fábricas. Esse período caracterizou-se pela administração científica do trabalho e pela produção em série. Nesta fase, o conhecimento científico se tornou relevante, sobretudo para o desenvolvimento das indústrias. A preocupação original do taylorismo era eliminar o fantasma do desperdício das perdas sofridas pelas indústrias e aumentar os níveis de produtividade com aplicação de métodos e técnicas da engenharia industrial. Para Taylor, boa parte dos problemas estava na baixa produtividade das fábricas provocada pela enorme variação de tempo e de rendimento do trabalho individual dos operários, pois existiam na mesma empresa diversas maneiras de executar uma mesma atividade. Taylor percebeu que a perda na produtividade era resultado do desconhecimento dos empregadores quanto ao conteúdo do trabalho e do tempo necessário para a execução de cada atividade, somado ao fato dos operários deterem o conhecimento de parte do processo de trabalho. A questão implicava em buscar métodos objetivos de execução, os quais, além de serem uniformes, deveriam ser determinados de forma externa, prescritos pela gerência. Assim, o taylorismo teve como principal preocupação desenvolver métodos de trabalho que permitissem à gerência controlar o tempo do trabalhador. Isso só foi possível por meio da divisão planejada do trabalho em tarefas padronizadas e realizáveis no menor tempo possível, o que por sua vez, possibilitou a total ruptura entre as atividades de concepção e de execução. No taylorismo, o trabalhador deve ser poupado de pensar para que possa repetir os movimentos ininterruptamente, ganhando rapidez e exatidão. Assim, foi retirada do trabalhador qualquer possibilidade de iniciativa e liberdade de movimento. Nas palavras de Gramsci: 22 Taylor de fato exprime, com cinismo brutal, o fim da sociedade americana: desenvolver no trabalhador, no máximo grau, atitudes maquinais e automáticas, despedaçar o velho nexo psicofísico do trabalho profissional qualificado, que exigia uma certa participação ativa da inteligência, da fantasia, da iniciativa do trabalhador e reduzir as operações produtivas ao seu único aspecto físico maquinal (GRAMSCI, 1978, p.328). Portanto, no modelo taylorista, a principal fonte de agressão à saúde do trabalhador é a própria organização do trabalho, na medida em que a concepção passa a ser posse exclusiva da gerência científica. Segundo Braverman (1987), Taylor alegava que a gerência se tornaria um empreendimento limitado e frustrado se deixasse ao trabalhador qualquer tipo de decisão sobre o trabalho. Para o mesmo autor, o que Taylor buscava não era a melhor maneira de trabalhar em geral mas uma resposta ao problema específico de como controlar o trabalhador alienado (BRAVERMAN, 1987). O fordismo, por sua vez, manteve as características essenciais do taylorismo, mas aprofundou-as ao introduzir a linha de montagem e um novo modo de gerir a força de trabalho, com destaque aos incentivos dados aos trabalhadores através de aumento de níveis salariais. A divisão do trabalho e a parcealização das tarefas foram intensificadas no fordismo. Os trabalhadores ficaram mais submetidos ao ritmo automático, à cadência das máquinas, à rotina, executando, várias vezes, um mesmo movimento em uma linha de montagem. A esteira rolante reduzia o transporte entre as operações e fixava a cadência regular de trabalho. Este processo fica claro na citação de Antunes: Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor dos veículos. Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, tecendo vínculos entre as ações individuais da qual a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o tempo necessário para a realização das tarefas. Esse processo produtivo caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção em série fordista com o crônometro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre a elaboração e execução. A atividade de trabalho reduzia-se a uma ação mecânica e repetitiva (ANTUNES, 1999, p.37). 23 Dessa forma, as políticas salarial e de benefícios tornavam-se então os estímulos mais imediatos para que os trabalhadores se submetessem às exigências de ritmos e de produção nos moldes definidos pela gerência. Assim, o fordismo consolidou um novo modelo de desenvolvimento, caracterizado pela produção em massa e pelo consumo de massa, o que colocava as necessidades de ampliar mercados e de estabelecer um novo patamar de rendimentos para os trabalhadores. Ford propôs a jornada de oito horas e quase dobrou o salário médio do trabalhador, como forma de estimular a produção e o consumo. Segundo Harvey (1996, p. 121), especiale inovador em Ford foi: seu reconhecimento explícito de que a produção de massa significava consumo de massa, um novo sistema de reprodução da força de trabalho, uma nova política de controle e gerência do trabalho, uma nova estética e uma nova psicologia, em suma, um novo tipo de sociedade democrática, racionalizada, modernista e populista. Em sua análise sobre a expansão do fordismo nos EUA, Gramsci (1978) salienta que novos métodos de trabalho são inseparáveis de um novo modo de viver. Questões relacionadas à sexualidade, à moralidade e ao consumismo estavam vinculadas ao surgimento de um novo tipo de trabalhador, de um novo padrão de produção e de consumo, enfim, de um novo tipo de sociedade. Assim, o modelo fordista está estreitamente associado ao modo norte-americano de trabalhar e viver, quanto aos aumentos salariais para estimular o consumo e, de certa forma, convencer o trabalhador a submeter-se ao ritmo acelerado de trabalho. A produção em série atingia seu ápice ligada, inevitavelmente, ao triunfo da sociedade de consumo e à melhoria do nível de vida norte-americano de 1920 a 1929. O modelo fordista foi recebido, no mundo, como o american way of life no final da Segunda Guerra Mundial, fundado no hedonismo – na busca da felicidade por meio do aumento do consumo como uma meta a ser alcançada. 24 O modelo taylorista/fordista, com suas particularidades, prevaleceu como modo de organizar o trabalho e a produção nos países capitalistas desenvolvidos até meados dos anos 70. Nessa época, a “era de ouro” do capitalismo, com crescimento econômico e relativa redistribuição de renda, estava chegando ao fim. O modelo de produção em massa exigia crescimento estável em mercados de consumo constantes. Os modelos taylorista e fordista começam a dar sinais de esgotamento devido a crise estrututural vivida pelo capitalismo. O taylorismo e o fordismo passam a conviver ou mesmo a ser substituídos por outros modelos considerados mais enxutos e flexíveis, melhor adequado às novas exigências capitalistas de um mercado cada vez mais globalizado. A partir de 1980, obeserva-se os sinais da chamada reestruturação produtiva. Em um cenário de competitividade, as empresas visando a redução dos custos de produção, a maior variabilidade de suas mercadorias, a melhoria da qualidade de seus produtos e serviços e de sua produtividade, investiram em mudanças de ordem tecnológica e organizacionais. Assim, surgem em várias partes do mundo novas formas de organização do trabalho, alternativas à “rigidez” do taylorismo-fordismo. São exemplos destas novas experiências o modelo sueco, o modelo italiano e o modelo japonês. No entanto, foi este último que conseguiu maior capacidade de propagação. Este modelo é marcado pela forte precarização do trabalho e pelo crescente processo de terceirização. No toyotismo a produção em série e de massa é substituída pela flexibilização da produção e pela flexibilidade, através de novos padrões de produtividade e novas formas de adequação à lógica do mercado. Nas palavras de Sanches: O toyotismo traz em seu bojo uma verdadeira revolução tecnológica e imensa capacidade de propagação. A produção é bastante heterogênea, os estoques são reduzidos e há forte processo de terceirização e precarização do trabalho. Para efetiva flexibilização do aparato produtivo, é também imprescindível a flexibilização dos trabalhadores, o que implica na consequente desregulamentação/flexibilização de seus direitos e conquistas históricas. As novas formas de gestão do trabalho assumem cada vez mais um caráter de superexploração dos trabalhadores (SANCHES, 2006, p.25). 25 O toyotismo causou grande impacto tanto pela resolução técnica que operou na indústria japonesa, quanto pela potencialidade de propagação. Alguns pontos básicos do toyotismo têm demonstrado expansão e hoje atingem uma escala mundial. 2.3. A Reestruturação Produtiva na Agroindústria Avícola Brasileira Em 2012, o Brasil teve uma produção de carne de frango de 12,645 milhões de toneladas. Manteve a posição de maior exportador mundial e de terceiro maior produtor de carne de frango, atrás dos Estados Unidos e da China (UBABEF, 2012). Do volume total de frangos produzido pelo país, 69% foi destinado ao consumo interno, e 31% para exportações. Com isto, o consumo per capita de carne de frango atingiu 45 quilos por pessoa. A produção brasileira de frangos teve um crescimento de 118% no período de 2000 a 2012, e a exportação cresceu 330%. As exportações alcançaram mais de 150 países. As indústrias de abate de aves estão presentes em todo território nacional, principalmente nos estados do Paraná, com 30,39% da produção, Santa Catarina com 17,29%; Rio Grande do Sul com 14,12% e São Paulo com 12,96% (UBABEF, 2014). Segundo dados da União Brasileira de Avicultura (Ubabef), o setor de avicultura gera 3,5 milhões de empregos diretos e indiretos, com movimentação de R$ 36 bilhões em negócios e participação em 1,5% do Produto Interno Bruto (UBABEF, 2011). No Brasil, embora a criação de aves tenha iniciado na década de trinta, os reflexos desses avanços começaram a ser percebidos no final da década de 50 e início da década de 60, quando inciaram as importações de linhagens híbridas americanas de frangos, mais resistentes e produtivas. 26 No entanto, foi na década de 1970 que a indústria de frangos brasileira passou por redefinições comerciais e produtivas, com importantes transformações na agricultura e na indústria. Essas transformações envolvem o consumo, os aspectos tecnológicos, bem como o comércio internacional. Segundo Rizzi (1993), a agroindústria avícola brasileira passou por profundas alterações, com a instalação de modernos frigoríficos e abatedouros de aves, a partir dos anos 1970. Esse processo foi viabilizado pela política agrícola, que subsidiou a instalação de frigoríficos, a comercialização e a instalação de aviários fornecedores de matérias- primas, via produtor integrado. O consumo de carne de frango está diretamente ligado à reestruturação do processo de produção da agroindústria avícola. As implementações tecnológicas permitiram o aumento da produção, bem como diminuição do preço final ao consumidor. O consumo de carnes de frango, ainda segundo Rizzi (1993), representa a partir da década de 1990 mais de 40% do consumo total de proteínas no Brasil. A implementação tecnológica na agroindústria avícola brasileira, a partir do fim da década de 1960 e início de 1970 permitiu a substituição de procedimentos manuais por outros automáticos. As operações de evisceração, que eram feitas manualmente, passaram a ser realizadas automaticamente, como alternativa a escassez de mão de obra. Assim, uma das primeiras operações a serem automatizadas depois da escaldagem e depenagem foi o corte das pernas, seguido pelo corte automático do rabo e do pescoço. Também se introduziu a pistola automática para a remoção das vísceras e o separador de moelas. Introduziu-se ainda o eviscerador totalmente automatizado, que se constitui na mais significativa inovação no processo de produção na indústria de aves, realizando assim, numerosas operações em um único ciclo. A capacidade de produção aumentou sem a necessidade de aumentar o departamento de evisceração, pois diversas operações formam combinadas em uma mesma máquina (RIZZI, 1993, p. 39- 40). Entretanto, ainda segundo o mesmo autor, a produção agroindustrial de aves durante a década de 1970 é marcada por grande homogeneidade da produção, tendo 27 como principal produto o processamento da ave inteira. A partir da década de 1980, começam a ocorrer mudanças significativas no processo de abate com a introdução de máquinas automáticas, como também em etapas subsequentes, com vistas à produção de cortes especiais e fabricaçãode produtos diferenciados. 2.4. A Reestruturação Produtiva e a Saúde do Trabalhador da Indústria Avícola O aumento significativo das exportações no setor agroindustrial avícola brasileiro, principalmente a partir da segunda metade da década de 1990, originou uma exploração extrema do trabalho vivo no interior dessas empresas (NELI, 2006). Nas últimas décadas, observou-se nessa atividade a intensificação crescente do ritmo de trabalho para cumprir metas diárias de produção. Em virtude da repetição de movimentos, do ambiente insalubre e do ritmo intenso de produção, que oscila de acordo com a necessidade do mercado consumidor, a atividade de processamento de aves apresenta altos índices de adoecimento e de acidentes do trabalho (NELI; NAVARRO, 2013). O trabalho parcelado, fragmentado, estruturado na decomposição crescente das tarefas, reduzido a ações mecânicas e repetitivas, nos moldes do trabalho fundado pelo taylorismo-fordismo, é traço marcante e característico na seção de abate e corte das indústrias avícolas do Brasil (NELI; NAVARRO, 2013). Segundo Rizzi (1993), apesar de o processo produtivo da agroindústria ter sido alvo de constantes inovações tecnológicas na década de 1970, nem todas as etapas de produção industrial puderam ser mecanizadas. As atividades realizadas em abatedouros e frigoríficos estão sujeitas a riscos diversos. A cadência fixa imposta pelas máquinas, com ciclos curtos, caracteriza repetitividade, o que favorece o aparecimento de LER (Lesão por Esforço Repetitivo) e 28 DORT (Distúrbio Osteomuscular Relacionado ao Trabalho). Aliadas à crescente pressão por produtividade, em um momento em que o Brasil bate recordes de consumo interno e de exportação de carne, essas atividades repetitivas podem também contribuir para o aparecimento de uma série de problemas psíquicos, como estresse, insatisfação e depressão (CAMARGO, 2013). Os trabalhadores desses estabelecimentos realizam também atividades que mantêm os membros superiores e inferiores estáticos, resultando em tensão muscular prolongada e prejuízos ao fluxo sanguíneo, o que pode ocasionar o surgimento de doenças vasculares, como as varizes. A exposição prolongada ao frio e manuseio de produtos com baixa temperatura também são problemas relacionados ao trabalho em frigoríficos, e podem causar vasoconstrição. Combinada ao uso de luvas e aos movimentos repetitivos, a exposição ao frio pode contribuir ainda para o desenvolvimento da LER e da Sindrome do Túnel do Carpo, que pode gerar dormência, formigamentos, fraqueza e danos muscalares nas regiões afetadas. Outras doenças que podem estar relacionadas ao trabalho em abatedouros e frigoríficos são contaminações por agentes biológicos e perdas auditivas, em função da exposição contínua a ruídos acima de 80 dB (A). A exposição ao barulho pode ainda contribuir para o aumento dos níveis de estresse e contração dos vasos sanguíneos. Segundo dados do Ministério da Previdência Social (MPAS), em 2012 ocorreram 18.952 acidentes de trabalho em frigoríficos (suíno, bovino e avícola). Esse número representa cerca de 2,68% de todos os demais acidentes de trabalho registrados no mesmo ano. Ainda segundo dados do MPAS, do número total de acidentes registrados pelo setor de abate e processamento de carnes, 687 resultaram em doença ocupacional. Um levantamento, realizado pela Confederação Nacional dos Trabalhadores das Indústrias de Alimentos e Afins, revelou que pelo menos 30% dos frigoríficos brasileiros 29 apresentam condições inadequadas de trabalho e, 25% dos trabalhadores da indústria de frigoríficos estavam ou deveriam estar afastados em função de acidentes e doenças ocupacionais (CAMARGO, 2013). Em nível internacional o emprego nas atividades frigoríficas de carnes, segundo Heck (2013) também é extremamente degradante, seja nos frigoríficos americanos, franceses e italianos, salvo as especialidades, a degradação do trabalho é evidenciada pelo elevado risco de adoecer física e mentalmente (HECK, 2013). Portanto nas palavras de Heck: Fica claro que o adoecimento desses trabalhadores não é fruto do acaso, mas antes, a imposição de um metabolismo em que o trabalho é reduzido à mera mercadoria vendável (HECK, 2013, p.47). Para o mesmo autor, a degradação do trabalho é consentânea na atividade frigorífica, as publicações citadas que tratam do trabalho em frigoríficos americanos, italianos e franceses apontam para os esforços repetitivos constantes, ritmos de trabalho intensos e pressão por produção, o que resulta no adoecimento físico e mental dos trabalhadores. No Brasil, em abril de 2013, foi publicada pelo Ministério do Trabalho e Emprego a Norma Regulamentadora de Segurança e Saúde no Trabalho em Empresas de Abate e Processamento de Carnes e Derivados (NR-36). A NR-36 fornece diretrizes para 15 itens relativos à segurança do trabalhador e proteção ao meio ambiente: mobiliário e postos de trabalho; estrados, passarelas e plataformas; manuseio de produtos; levantamento e transporte de produtos e cargas; recepção e descarga de animais; máquinas; equipamentos e ferramentas; condições ambientais de trabalho; equipamentos de proteção individual (EPI) e vestimentas de trabalho; gerenciamento dos riscos; programa de prevenção de riscos ambientais e controle médico de saúde ocupacional; organização temporal do trabalho; organização das atividades; análise ergonômica do trabalho; informações e treinamentos em segurança e saúde no trabalho. 30 Entre as principais ações introduzidas pela norma estão a regulamentação do uso de amônia e da concentração de dióxido de carbono nos ambientes, a exigência de treinamento específico para a realização de cada função e a alternância entre funções que demandam diferentes atividades físico-motoras. Também devem ser garantidas pausas aos trabalhadores de todas as etapas do processo produtivo com objetivo de amenizar os impactos físicos e psicológicos das atividades. Para jornadas de até 6h20, a pausa deve ser de 20 minutos; para jornadas de 6h20 a 7h40, 30 minutos; de 7h40 a 9h10, 40 minutos; e de 9h10, de 60 minutos. A Norma também estabelece importantes exigências relativas a alterações no mobiliário, que visam aliviar os impactos relacionados a movimentos repetitivos e a postura dos trabalhadores: “ A Norma estabelece que sejam fornecidos bancos para que o funcionário possa trabalhar algumas horas em pé e algumas horas sentado. Também se exige que as próprias bancadas sejam adequadas ao trabalho”. Para trabalhos realizados exclusivamente em pé, devem ser disponibilizados assentos ou bancos próximos ao local de trabalho a serem utilizados durante as pausas. Os postos de trabalho, segundo a NR-36, deverão possuir ainda pisos com características antederrapantes, sistema de escoamento de água e resíduos, áreas de trabalho e de circulação dimensionadas de forma a permitir a movimentação segura de materiais e pessoas, proteção contra intempéries quando as atividades forem realizadas em área externa e limpeza e higienização constantes. As máquinas utilizadas no trabalho, bem como plataformas, escadas fixas e passarelas, devem atender às exigências da NR-12 (Segurança e Saúde no Trabalho em Máquinas e Equipamentos). Também devem ser adotadas medidas de proteção contra riscos químicos e biológicos. Dessa forma, a NR-36 traz para o setor de frigorífico o desafio de tornar as atividades de abate e processamento de carnes menos árdua. 31 2.5. Desenvolvimento Sustentável O modelo presente de desenvolvimento do mundo não é sustentável e o grande desafio que se impõe a humanidade é o desenvolvimento com sustentabilidade. O conceito de sustentabilidade surgiu pela primeira vez na década de 1980, quando a Organização das Nações Unidas retomouo debate das questões ambientais e criou uma Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento. Criada após uma avaliação dos dez anos da Conferência de Estocolmo, a Comissão Mundial sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento foi liderada pela primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland (indicada pela ONU) com o propósito de promover audiências em todo o mundo e produzir um resultado formal das discussões. O documento final desses estudos chamou-se Nosso Futuro Comum ou Relatório Brundtland. O relatório foi publicado após três anos de audiências com líderes de governo e o público em geral, ouvidos em todo o mundo, sobre questões relacionadas ao meio ambiente e ao desenvolvimento. No Relatório Brundtland, a primeira ministra norueguesa, Gro Harlem Brundtland, apresentou a seguinte definição para o conceito de desenvolvimento sustentável: É a forma com atuais gerações satisfazem as suas necessidades sem, no entanto, comprometer a capacidade de gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades (Brundtland apud Scharf, 2004, p.19). Em Camargo (2003, p.43) encontra-se outra definição para o termo, também apresentado no relatório de Bundtland: Em essência, o desenvolvimento sustentável é um processo de transformação no qual a exploração dos recursos, a direção dos investimentos, a orientação do desenvolvimento tecnológico e a mudança institucional se harmonizam e reforçam o potencial presente e futuro, a fim de atender às necessidades e aspirações humanas. 32 Durante a ECO-92 realizada no Rio de Janeiro, o plano de sustentabilidade resultou na Agenda 21 fixando três dimensões do desenvolvimento sustentável: economicamente viável; socialmente equitativo e ecologicamente inofensivo. Embora tenha ocorrido uma evolução sobre o conceito de desenvolvimento sustentável ao longo das décadas, o desenvolvimento econômico se sobrepõe, aos interesses sociais e ambientais. Assim, o conceito de desenvolvimento tem sido objeto de controvérsia, e, até recentemente, a abordagem era de ver desenvolvimento e crescimento econômico como sinônimos. O crescimento econômico, muitas vezes refletido como ter um melhor PIB, não significa melhor qualidade de vida, em termos de saúde, educação e mais liberdade de opções. Número crescente de estudiosos consideram o crescimento econômico como condição necessária, porém não suficiente para o desenvolvimento. Para Kliksberg e Sen (2010), as profundas frustrações experimentadas nas últimas décadas por muitas sociedades, dentre elas várias latino-americanas, que avaliadas pelos critérios usuais de taxas de crescimento anual, Produto Interno Bruto per capita, baixos níveis de inflação, pareciam exibir todos os sinais do progresso, mas nas quais, no entanto, produziram-se profundos processos de deteriorização nas bases econômicas, com parcelas crescentes da população sendo excluídas. Segundo os mesmos autores, no cenário internacional renovado em que vivemos, surgem mudanças fundamentais na visão de como saber se as sociedades estão realmente progredindo e de como mensurar o desenvolvimento. Nesse sentido, a nova visão, que começa a ganhar força crescentemente, amplia totalmente as dimensões a serem levadas em conta para saber se uma sociedade progride ou não, inclue, ao lado dos indicadores econômicos comuns, aspectos que têm a ver com o desenvolvimento social, o desenvolvimento ambiental, o acesso a cultura, as liberdades e a construção da cidadania (KLIKSBERG; SEN, 2010). 33 Em setembro de 2015, líderes mundiais reuniram-se na sede da Organização das Nações Unidas, em Nova York, e decidiram um plano de ação para as pessoas, o planeta e a prosperidade: a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, a qual contém o conjunto dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Nesta agenda estão previstas ações mundiais nas áreas de erradicação da pobreza, segurança alimentar, agricultura, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização, entre outros. 34 3. MÉTODO A presente pesquisa teve por objetivo contribuir com o debate sobre as transformações da organização do trabalho, seguindo os paradigmas do desenvolvimento sustentável, principalmente nas dimensões da justiça social e cultural, dos grupos de trabalhadores empregados na produção avícola no segmento de frigorífico. Trata-se de uma pesquisa de caráter exploratório com três enfoques básicos: primeiramente, buscou-se caracterizar as condições atuais da atividade de abate e processamento de aves por meio de pesquisa bibliográfica acerca das transformações ocorridas nos processos produtivos ao longo das décadas e seus impactos na vida e na saúde dos trabalhadores do segmento avícola. Em seguida procedemos com a observação participante na empresa objeto de estudo. A visita ao frigorífico ocorreu em dezembro de 2016, e nos possibilitou compreender como o trabalho é organizado neste segmento, bem como, descrevê-lo nesta pesquisa. O estudo de campo nos permitiu ainda, a preparação de um roteiro de entrevistas para o levantamento da percepção dos trabalhadores de frigorífico sobre as suas condições de trabalho, saúde e vida. Para Gil (2008), a pesquisa exploratória visa proporcionar maior familiaridade com o problema, envolvendo levantamento bibliográfico e entrevistas com pessoas experientes no problema pesquisado. Como forma de coleta de dados optou-se pela entrevista semi-estruturada com questões norteadoras para o desenvolvimento do tema. Para tanto, buscou-se respaldo no método qualitativo por permitir uma leitura crítica e reflexiva sobre os fatos levantados, além de proporcionar a relação direta entre o pesquisador e o sujeito de pesquisa. 35 A pesquisa teve como recorte a indústria avícola localizada no município de São José do Rio Pardo, sudeste de São Paulo. Justifica-se a inserção em tal empresa, em razão da mesma apresentar altos índices de doenças profissionais e de absenteísmo, traço predominante das empresas frigoríficas. 3.1. Caracterização do campo de pesquisa: frigorífico avícola localizado em São José do Rio Pardo/SP 3.1.1 . Município de São José do Rio Pardo/SP A indústria avícola objeto de pesquisa está localizada no município de São José do Rio Pardo Estado de São Paulo. Segundo levantamento realizado no último censo demográfico, com dados referentes ao ano de 2010, São José do Rio Pardo possui uma população de 51.900 habitantes distribuída numa unidade territorial de 419,186 km², o que resulta numa densidade demográfica de 123,81 hab/km² (IBGE, 2014). A figura 1 mostra a localização geográfica do município de São José do Rio Pardo/SP. Figura 1: Localização geográfica de São José do Rio Pardo-SP Fonte: Portal cidades paulistas 36 3.1.2. Registro Histórico do Município Os primeiros registros históricos relativos a São José do Rio Pardo datam de 1870, quando o coronel Antônio Marçal Nogueira de Barros, proprietário de um vasto território na região, congregou os fazendeiros locais para a construção de uma pousada no caminho entre Caconde e Casa Branca, junto ao rio pardo, onde foi construída uma capela sob a invocação de São José. Ao redor da capela formou-se um povoado que os antigos chamavam de Cabeceiras do Rio Pardo. O progresso justificou a criação, em 1874, da freguesia de São José do Rio Pardo. Em 1885 foi elevado à categoria de Município. A cidade de São José do Rio Pardo situa-se à 34 kmde Casa Branca, à 23,6 km de Mococa, 165,8 km de Campinas, 131,2 km Ribeirão Preto 54,3 km de São João da Boa Vista. 3.1.3. Dados Econômicos do Município O município de São José do Rio Pardo, segundo dados do IBGE (2011), possui 2.750 empresas com uma população ocupada assalariada de 15.875 pessoas, sendo a média salarial de 2,5 salários minímos. 3.1.4. Apresentação dos Sujeitos da Pesquisa Ao todo foram entrevistados cinco ex-trabalhadores do frigorífico objeto de análise, sendo uma mulher e quatro homens, com idade entre 30 e 45 anos, totalizando cerca de 2h e 30 minutos de gravação. O grau de instrução dos entrevistados varia entre o ensino fundamental e o ensino médio. Os entrevistados autorizaram as gravações para posterior transcrição, compilação e análise de dados. O quadro 2 apresenta uma sintese com base nos dados coletados nas entrevistas com os sujeitos de pesquisa (S1 a S5). 37 Quadro 2 – Sintese das informações dos sujeitos entrevistados Nome fictício Idade Descrição S1 Ruth 32 anos Casada, 2 filhos, trabalhou no frigorífico por 8 anos, foi seu primeiro emprego. No frigorífico trabalhou nos setores de corte, evisceração, embalagem e carimbo. S2 Francisco 43 anos Casado, sem filhos, trabalhou no frigorífico por 4 meses. Trabalhou nos setores de chiller, lavagem de caixas e câmara fria. S3 Paulo 34 anos Casado, dois filhos, trabalhou no frigorífico por 7 anos. Trabalhou na roça antes do frigorífico. No frigorífico, trabalhou na plataforma, evisceração, embalagem, corte e câmara fria. S4 Milton 30 anos Casado, dois filhos, trabalhou no frigorífico por seis anos e meio. Trabalhou na pendura, evisceração, escaldagem, plataforma, corte, embalagem e câmara fria. Trabalhava na roça antes do frigorífico. S5 Júlio 32 anos Casado, dois filhos, trabalhou no frigorífico por 5 anos e 3 meses. Trabalhou nos setores de embalagem e câmara fria. Trabalhou na roça antes do frigorífico. Fonte: Pesquisa de Campo, 2017 As entrevistas foram realizadas no atual local de trabalho dos sujeitos de pesquisa. O roteiro de entrevistas foi elaborado sem perguntas fechadas, assim, a partir de uma questão disparadora (como é a vida de um trabalhador de frigorífico?) o sujeito estava livre para relatar suas experiências. No desenrolar das entrevistas foram feitas perguntas norteadoras com objetivo de conduzir as conversas e atingir os objetivos da pesquisa. As perguntas que nortearam as entrevistas consistiram em: No que você pensava quando estava na linha de produção? O que você sentia, no corpo e na alma? Você chegou a adoecer ou a se acidentar no trabalho? Você chegou a afastar do trabalho? Quando o trabalhador voltava ao trabalho depois de um afastamento, como era? Como era a relação com as pessoas no trabalho? Quando você pensa naquele ambiente, o que te vem na cabeça? O que era pior? O que era melhor? 38 3.2. Procedimentos de Coleta de Dados A realização deste estudo foi baseada na Resolução CNS Nº 404, de 1º de agosto de 2008. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEPE) do UNIFAE. CAAE: 65971816.2.0000.5382 (Anexo I – Comprovante de Submissão de Pesquisa). Para realização da pesquisa, primeiramente foi feito um contato prévio com os responsáveis pela empresa com a intenção de se obter a permissão para a condução deste estudo através de um termo de autorização (Carta de autorização - Apêndice II). De posse da autorização concedida pela empresa, fizemos uma visita ao frigorífico objeto de análise, a fim de caracterizar o ambiente de trabalho. Em seguida, foi feito contato com um possível sujeito de pesquisa, empregado do frigorífico, escolhido aleatoriamente. Por telefone, por meio de uma conversa rápida, marcamos uma entrevista, a ser realizada, a pedido do mesmo, na sua residência. Dirigimos então, na data e no horário combinado até a residência do possível entrevistado. Contudo, por razões não reveladas, ele decidiu por não nos conceder a entrevista. Foram feitas várias tentativas no sentido de selecionar sujeitos para pesquisa dentre os funcionários da empresa. Entretanto, todas foram em vão. Diante do exposto, procuramos por ex-trabalhadores do frigorífico objeto de análise. A primeira entrevistada, Sra. Ruth (nome fictício) foi indicada por um colega de trabalho desta pesquisadora. A Sra. Ruth nos concedeu a entrevista no local onde trabalha atualmente. Após a entrevista, ela nos indicou um segundo participante, chamado por mim de Francisco. No final da entrevista, Francisco nos indicou Paulo que sucessivamente indicou Milton que indicou Júlio. O métoto de indicação sucessiva ou bola de neve consiste segundo Biernacki e Waldorf (1981), numa técnica que possibilita o encontro de pessoas com características 39 definidas de acordo com pressupostos e necessidades da pesquisa. Desta forma, um entrevistado indica o outro até que se obtenha um ponto de saturação. A identidade dos entrevistados foi preservada. Para tanto, conforme já mencionado, foram utilizados nomes fictícios. Os funcionários que participaram da presente pesquisa assinaram um termo de consentimento e receberam cópia deste termo (Termo de Consentimento Livre e Esclarecido - Apêndice I). As entrevistas foram gravadas e transcritas para posterior compilação e análise de dados. Na sequência fizemos uso da análise de conteúdo das entrevistas, objetivando evidenciar as categorias significativas baseadas nos questionamentos que nortearam este estudo. O processamento e análise dos dados foi realizado em três fases: a primeira consistiu na transcrição dos depoimentos; a segunda compreendeu a categorização segundo os seguintes descritores: estranhamento, medo, enfrentamento e compartilhamento do sofrimento. Destaca-se aqui, que a escolha dos descritores teve como base o referencial bibliográfico escolhido, bem como os questionamentos que surgiram durante as entrevistas. Finalmente, a terceira fase consistiu na análise do conteúdo. Os dados foram analisados sob o aspecto qualitativo que consiste na análise de conteúdo. Segundo Bardin (1979), o método de análise de conteúdo compreende as iniciativas de explicitação, sistematização e expressão do conteúdo de mensagens, com a finalidade de se efetuarem deduções lógicas e justificadas a respeito da origem dessas mensagens, levando em consideração quem as emitiu, em que contexto e ou quais efeitos se pretende causar por meio delas. Mais especificamente, a análise de conteúdo constitui: Um conjunto de técnicas de análise de comunicação visando a obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção destas mensagens (BARDIN, 1979,p. 42). 40 As narrativas dos sujeitos de pesquisa foram fundamentais para compreender como o trabalhador de frigorífico percebe suas condições de trabalho, saúde e vida. 41 4. RESULTADOS E DISCUSSÃO 4.1. Frigoríco Avícola A indústria frigorífica está situada às margens da rodovia que liga o município de São José do Rio Pardo ao município de Itobi. A empresa tem como atividade econômica o abate e processamento de frangos inteiros e em cortes; a empresa foi instalada no ano de 1994 e atualmente conta com 420 empregados diretos, operando em dois turnos, com 8 horas diárias, de segunda à sexta-feira, com produção média de 70.000 frangos abatidos por dia, conforme informações fornecidas pela empresa. 4.1.1. Descrição dos Processos Produtivos A estrutura do ambiente de trabalho, bem como a forma de organização das atividades,