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Avaliação Psicológica nos Contextos de Saúde Hospitalar - 1 Edição - Claudio Simon Hutz - 2019

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Versão impressa desta obra: 2019
Porto Alegre
2019
© Artmed Editora Ltda., 2019.
Gerente editorial: Letícia Bispo de Lima
Colaboraram nesta edição:
Editora: Paola Araújo de Oliveira
Capa: Paola Manica
Preparação de originais: Camila Wisnieski Heck
Leitura final: Maria Lúcia Badejo
Editoração: TIPOS – design editorial e fotografia
Produção digital: Guilherme Hernandez Moraes
 
A945 Avaliação psicológica nos contextos de saúde e hospitalar
[recurso eletrônico] / Organizadores, Claudio Simon Hutz
[et al.]. – Porto Alegre : Artmed, 2019.
E-pub.
 
ISBN 978-85-8271-558-1
 
1. Psicologia - Avaliação. I. Hutz, Claudio Simon.
CDU 159.91
 
Catalogação na publicação: Karin Lorien Menoncin – CRB 10/2147
 
Reservados todos os direitos de publicação à ARTMED EDITORA LTDA., uma empresa do GRUPO A EDUCAÇÃO S.A.
Av. Jerônimo de Ornelas, 670 – Santana
90040-340 – Porto Alegre – RS
Fone: (51) 3027-7000 Fax: (51) 3027-7070
Unidade São Paulo
Rua Doutor Cesário Mota Jr., 63 – Vila Buarque
01221-020 – São Paulo – SP
Fone: (11) 3221-9033
SAC 0800 703-3444 – www.grupoa.com.br
É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, no todo ou em parte, sob quaisquer formas ou por quaisquer meios
(eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia, distribuição na Web e outros), sem permissão expressa da Editora.
AUTORES
Claudio Simon Hutz. Psicólogo. Professor titular e coordenador do Laboratório de Mensuração e do Núcleo de
Psicologia Positiva da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pesquisador 1A do Conselho Nacional
de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mestre e Ph.D. em Psicologia pela University of Iowa,
Estados Unidos. Foi presidente da Associação Brasileira de Psicologia Positiva (ABP+), da Associação Nacional de
Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP) e do Instituto Brasileiro de Avaliação Psicológica (IBAP). Foi
diretor do Instituto de Psicologia, coordenador do Curso de Graduação em Psicologia e do Programa de Pós-
graduação em Psicologia da UFRGS.
Denise Ruschel Bandeira. Psicóloga. Professora titular do Instituto de Psicologia da UFRGS. Coordenadora do
Grupo de Estudo, Aplicação e Pesquisa em Avaliação Psicológica (GEAPAP) da UFRGS. Pesquisadora 1C do
CNPq. Especialista em Diagnóstico Psicológico pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Mestra e Doutora em Psicologia pela UFRGS. Membro do Comitê Assessor (Psicologia e Serviço Social)
do CNPq.
Clarissa Marceli Trentini. Psicóloga. Professora dos Cursos de Graduação e Pós-graduação em Psicologia da
UFRGS. Coordenadora do Núcleo de Estudos em Avaliação Psicológica e Psicopatologia (NEAPP) da UFRGS.
Pesquisadora 1C do CNPq. Especialista em Avaliação Psicológica pela UFRGS. Mestra em Psicologia Clínica pela
PUCRS. Doutora em Ciências Médicas: Psiquiatria pela UFRGS.
Eduardo Remor. Psicólogo. Professor adjunto do Instituto de Psicologia da UFRGS. Coordenador do Grupo de
Pesquisa em Psicologia da Saúde da UFRGS. Pesquisador 1D do CNPq. Especialista em Promoção e Educação para
a Saúde pelo Centro Universitário de Saúde Pública, Espanha. Master em Psicologia da Atividade Física e do
Esporte pela Universidad Nacional de Educación a Distancia, Espanha. Doutor em Psicologia da Saúde pela
Universidad Autónoma de Madrid (UAM), Espanha. Editor-chefe da revista Psicologia: Reflexão e Crítica.
Adriano Valério dos Santos Azevêdo. Psicólogo. Professor adjunto e docente do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da Universidade Tuiuti do Paraná. Especialista em Psicologia Hospitalar pela Faculdade Pio Décimo.
Mestre em Psicologia Social pela Universidade Federal de Sergipe (UFS). Doutor em Psicologia pela Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC).
Alessandra da Rocha Arrais. Psicóloga. Docente permanente do Mestrado Profissional em Ciências da Saúde da
Fundação de Ensino e Pesquisa em Ciências da Saúde (FEPECS). Mestra e Doutora em Psicologia Clínica pela
Universidade de Brasília (UnB). Pós-doutorado em Psicologia Clínica e da Saúde na UnB.
Allana Almeida Moraes. Psicóloga. Especialista em Terapias Cognitivo-comportamentais pela Wainer e Piccoloto.
Mestra em Psicologia Clínica pela PUCRS. Doutoranda em Gerontologia Biomédica na PUCRS.
Angelo Brandelli Costa. Psicólogo. Professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da PUCRS.
Pesquisador associado do Programa de Identidade de Gênero (PROTIG) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre
(HCPA). Especialista em Psicologia Social e da Saúde. Mestre em Psicologia Social e Institucional pela UFRGS.
Doutor em Psicologia pela UFRGS.
Ariane de Brito. Psicóloga. Mestra em Psicologia Social pela UFS. Doutoranda em Psicologia na UFRGS.
Beatriz Schmidt. Psicóloga. Especialista em Saúde da Família pela UFSC. Mestra em Psicologia pela UFSC.
Doutora em Psicologia pela UFRGS. Pós-doutoranda em Psicologia (bolsista PDJ/CNPq) do Núcleo de Infância e
Família (NUDIF) da UFRGS.
Bianca Machado Borba Soll. Psicóloga clínica. Pesquisadora do PROTIG do HCPA. Especialista em Saúde: Saúde
da Criança pela UFRGS. Mestra em Psiquiatria e Ciências do Comportamento pela UFRGS. Doutoranda em
Psiquiatria na UFRGS.
Bruno Luis Schaab. Psicólogo. Mestrando em Psicologia na UFRGS.
Á
Camila de Matos Ávila. Psicóloga. Especialista em Informação Científica e Tecnológica em Saúde pela Fundação
Oswaldo Cruz (Fiocruz). Mestranda em Psicologia e Saúde na Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto
Alegre (UFCSPA).
Cristiane Olmos Grings. Psicóloga clínica. Preceptora da Residência Integrada Multiprofissional em Saúde: Onco-
hematologia do HCPA. Especialista em Saúde: Cardiologia pelo Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul
(IC/FUC). Especialista em Psicoterapia da Infância e Adolescência pelo Centro de Estudos, Atendimento e Pesquisa
da Infância e da Adolescência (CEAPIA). Especialista em Psicologia da Saúde pelo Conselho Federal de Psicologia
(CFP). Especialista em Saúde da Família pelo Instituto de Educação e Pesquisa (IEP) do Hospital Moinhos de Vento,
Porto Alegre.
Cristiano de Oliveira. Psicólogo. Especialista em Psicoterapia Cognitivo-comportamental pela PUCRS, em Psico-
oncologia pela Universidade de Araraquara (Uniara), e em Psicologia Clínica e Psicologia Hospitalar pelo CFP.
Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS. Doutorando em Psicologia na UFRGS.
Daniela S. Zanini. Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica e da Saúde pela Universitat de Barcelona, Espanha.
Erika Pizziolo Monteiro. Psicóloga. Mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).
Doutoranda em Psicologia na UFRGS.
Gabriela Pasa Mondelo. Psicóloga clínica. Mestranda em Psicologia na UFRGS.
Irani I. L. Argimon. Psicóloga clínica. Professora titular dos Cursos de Psicologia e de Gerontologia Biomédica da
PUCRS. Especialista em Toxicologia Aplicada pela PUCRS. Mestra em Educação pela PUCRS. Doutora em
Psicologia pela PUCRS.
Jenny Milner Moskovics. Psicóloga. Ex-professora da Faculdade de Psicologia da PUCRS (1989-2015). Psicóloga
do Serviço de Atendimento Especializado Santa Marta da Prefeitura Municipal de Porto Alegre. Especialista em
Psicologia Escolar pela PUCRS. Mestra em Psicologia Clínica pela PUCRS. Doutora em Psicologia pela PUCRS.
Joice Dickel Segabinazi. Psicóloga. Professora adjunta do Curso de Psicologia da PUCRS. Especialista em
Neuropsicologia pelo CFP. Mestra e Doutora em Psicologia pela UFRGS.
Juliana Bertoletti. Psicóloga clínica. Especialista em Psicologia Clínica pelo CFP. Mestra em Ciências da Saúde
pelo IC/FUC. Doutora em Psicologia pela UFRGS.
Karina Ferreira Leão Junqueira. Psicóloga. Docente e supervisora do estágio da Especialização de
Neuropsicologia na Faculdade UniEvangelica e no Núcleo de Ensino e Pesquisa em Neurociências. Especialista em
Neuropsicologia Clínica pelo Instituto Brasileiro em Neurociência e Ciências Cognitivas. Mestra em Psicologia pela
Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás). Doutoranda em Psicologia na PUC Goiás.
Katia Irie Teruya. Psicóloga. Especialista em Psicologia Clínica pela Universidade de São Paulo (USP).A Behavioral Medicine Perspective. New York: Springer.
2
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE CRIANÇAS
HOSPITALIZADAS
Adriano Valério dos Santos Azevêdo
Beatriz Schmidt
Maria Aparecida Crepaldi
Crianças hospitalizadas, assim como seus familiares, precisam lidar com uma série de estressores. Esses estressores
envolvem aspectos ligados à doença e ao tratamento (p. ex., dor, desconforto corporal, efeitos de medicamentos,
perda de autonomia) ou, ainda, à hospitalização (p. ex., ansiedade em virtude do ambiente desconhecido, dos
procedimentos médicos e do contato com múltiplos profissionais, além de interrupção da rotina, separação de
familiares e amigos). Logo, de certo modo, é esperado que crianças hospitalizadas venham a apresentar algumas
reações emocionais e comportamentais, como agitação psicomotora, retraimento nas relações interpessoais, enurese e
alterações de humor, sono e apetite, que podem ser temporárias ou crônicas (Whelan, 2007).
O acompanhamento psicológico nesse contexto é importante, sobretudo visando à redução dos impactos negativos
da doença, do tratamento e da hospitalização, tanto para a criança quanto para sua família (Azevêdo, Crepaldi, &
Moré, 2016). A avaliação psicológica faz parte do cotidiano de trabalho do psicólogo em unidades de internação
hospitalar infantil e é a primeira ação necessária para definir intervenções que possam melhor atender às
necessidades psicológicas da criança e da família (Kazak et al., 2015a). Além disso, a avaliação psicológica
possibilita a realização de encaminhamentos pertinentes, bem como oferece elementos para facilitar a comunicação
entre o psicólogo e os demais profissionais da equipe (Barbosa & Albuquerque, 2014), no sentido de informar sobre
variáveis psicológicas a serem consideradas no cuidado integral à criança hospitalizada (Schmidt, Bolze, & Crepaldi,
2017).
Este capítulo aborda a avaliação psicológica de crianças hospitalizadas. Inicialmente, são apresentados aspectos
históricos e conceituais da psicologia pediátrica, área de especialização que enfoca processos de saúde e doença de
crianças e adolescentes. Em um segundo momento, são abordadas diretrizes gerais do processo de avalição
psicológica no hospital, considerando-se a criança hospitalizada e sua família. Por fim, os principais tópicos a serem
investigados pelo psicólogo são sumarizados em um protocolo para avaliação psicológica em unidades de internação
hospitalar infantil, o qual apresenta etapas e recomendações para operacionalização.
A PSICOLOGIA PEDIÁTRICA COMO MARCO TEÓRICO PARA A AVALIAÇÃO
A área da psicologia que se dedica à pesquisa e à prática no contexto da pediatria é denominada psicologia
pediátrica. De acordo com a American Psychological Association ([APA], 2018), o principal objetivo da psicologia
pediátrica é a promoção da saúde e do desenvolvimento de crianças, adolescentes e suas famílias, por meio de
métodos baseados em evidências. Essa área busca conhecer e intervir sobre fatores psicossociais, desenvolvimentais
e contextuais que influenciam a etiologia, o curso e as implicações de condições pediátricas; avaliar e tratar
transtornos emocionais e comportamentais associados ao adoecimento ou à vulnerabilidade física; promover a saúde
e os comportamentos de cuidado; realizar treinamentos de psicólogos e outros profissionais que atuam em serviços
de saúde; e qualificar ações e políticas de saúde no sentido de melhor atender às necessidades de crianças,
adolescentes e suas famílias.
A inserção de psicólogos em contextos pediátricos vem ocorrendo desde meados das décadas de 1960 e 1970, em
âmbito internacional e nacional, respectivamente (Aylward & Lee, 2018; Crepaldi, Rabuske, & Gabarra, 2006).
Entretanto, nos Estados Unidos, por exemplo, somente em 2001 a psicologia pediátrica passou a ser reconhecida
como uma das divisões da APA (Divisão 54) (Aylward & Lee, 2018). De acordo com Crepaldi e colaboradores
(2006), a inserção de psicólogos em contextos pediátricos brasileiros ocorreu inicialmente na assistência hospitalar,
em equipes multiprofissionais, por meio do atendimento a crianças e adolescentes hospitalizados, bem como às suas
famílias. Os casos acompanhados incluem (embora não se limitem a) prematuridade, doenças crônicas ou agudas,
cirurgias e intervenções diagnósticas que demandem internação. Entre os locais de prática tradicionalmente ocupados
pelo psicólogo pediátrico no hospital, destacam-se ambulatórios, emergências, centros de tratamento intensivo, bem
como enfermarias, as quais também são conhecidas como unidades de internação hospitalar infantil. Mais
recentemente, as ações em psicologia pediátrica passaram a ocorrer em espaços físicos além do hospital, como
centros de saúde e escolas, com forte ênfase à promoção da saúde. Dessa forma, a área também é designada
nacionalmente como psicologia da saúde da criança e do adolescente.
Embora o hospital seja amplamente reconhecido como local para diagnóstico, tratamento e reabilitação, o
trabalho das equipes multiprofissionais nesse contexto deve abranger também a promoção da saúde e a prevenção de
agravos, conforme disposto na Política Nacional de Atenção Hospitalar ([PNHOSP], 2017). A PNHOSP também
estabelece que hospitais públicos ou privados, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), são considerados pontos
da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e, portanto, devem atuar de forma articulada a outros pontos da RAS, como
Unidades Básicas de Saúde (UBS) e Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), por exemplo. Assim, mesmo diante
da condição de doença e hospitalização, a atuação do psicólogo pediátrico se efetivará no sentido de promover a
saúde e valorizar a integralidade, ou seja, reconhecer a relação da criança com o mundo e as repercussões de suas
experiências nas diferentes esferas da vida.
Tal como referido anteriormente, entre as atividades atribuídas ao psicólogo em contextos pediátricos, está a
avaliação e o tratamento de transtornos emocionais e comportamentais associados ao adoecimento ou à
vulnerabilidade física (APA, 2018). A avaliação psicológica de crianças hospitalizadas, em particular, possibilita a
tomada de decisões sobre intervenções que melhor atendam às necessidades do doente e da sua família (Kazak et al.,
2015a), bem como a realização de encaminhamentos pertinentes, para serviços intra e extra-hospitalares,
considerando a integralidade na assistência à saúde e a atuação em redes de atenção (Schmidt et al., 2017). Com base
nessa perspectiva, são apresentadas a seguir diretrizes gerais do processo de avalição psicológica no hospital, com
ênfase em aspectos que envolvem a criança hospitalizada e sua família.
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA NO HOSPITAL: A CRIANÇA E A FAMÍLIA
De acordo com o Conselho Federal de Psicologia ([CFP], 2018), a avaliação psicológica diz respeito a um processo
estruturado de investigação de fenômenos psicológicos, com base em métodos, técnicas e instrumentos
cientificamente reconhecidos para uso profissional do psicólogo, que visa ao fornecimento de informações para
subsidiar a tomada de decisões na esfera individual, grupal ou institucional. Nesse processo, o psicólogo deve se
valer, obrigatoriamente, de fontes fundamentais de informação (p. ex., testes psicológicos aprovados pelo CFP para
uso profissional, entrevistas psicológicas e/ou registros de observação de comportamentos) e, eventualmente, de
fontes complementares de informações (p. ex., relatórios de equipes multiprofissionais e/ou instrumentos não
psicológicos que contem com respaldo na literatura científica). Ademais, no planejamento e na realização do
processo avaliativo, o psicólogo deve considerar as especificidades do contexto e dos propósitos da avaliação, bem
como a adequação dos métodos, técnicas e instrumentos aos indivíduos a serem avaliados (CFP, 2013).
No que diz respeito ao contexto, o hospital impõe complexidades adicionais ao processo de avaliação psicológica.
Em linhas gerais, métodos, técnicas e instrumentos rotineiramente utilizados para avaliar crianças em outros
contextos (p. ex., clínico e escolar)se mostram de difícil aplicação no hospital. Por exemplo, crianças hospitalizadas
frequentemente permanecem com hidratação venosa nos braços ou deitadas no leito, o que dificulta a elaboração de
desenhos e a execução de escalas autoaplicáveis. Além disso, dada a prioridade de procedimentos médicos no
hospital, os procedimentos referentes ao processo de avaliação psicológica podem ser interrompidos em virtude da
necessidade de deslocamento da criança para exames e de coleta de materiais biológicos, que muitas vezes precisa
ser realizada em intervalos específicos de tempo. Adicionalmente, o uso de determinados medicamentos pode
provocar alterações emocionais e cognitivas (Schmidt et al., 2017).
Em conjunto, esses fatores indicam a complexidade da avaliação psicológica de crianças hospitalizadas e a
necessidade de flexibilidade e capacidade de planejamento do psicólogo nesse contexto. Esses fatores também
sugerem a importância de o processo de avaliação psicológica de crianças hospitalizadas integrar diferentes
procedimentos qualitativos e quantitativos de coleta de dados (Barbosa & Albuquerque, 2014), de modo que pontos
fracos de alguns procedimentos sejam compensados por pontos fortes de outros (Garro, 2016). Ademais, a
comunicação com múltiplos informantes (p. ex., profissionais da saúde e familiares) se faz particularmente
importante no contexto hospitalar, pois aumenta as chances de o psicólogo obter informações amplas e precisas e,
consequentemente, tomar decisões mais apropriadas a cada caso (Schmidt et al., 2017). Assim, o melhor interesse da
criança hospitalizada poderá ser assegurado por meio de um processo de avaliação psicológica flexível,
multiprocedimental e colaborativo.
A avaliação psicológica é considerada a primeira etapa do trabalho do psicólogo no hospital (Kazak et al., 2015a).
Para realizá-la, é importante que o profissional esteja familiarizado com o contexto institucional, de modo amplo, e
com as características do local do hospital onde o indivíduo a ser avaliado se encontra, de modo específico. Isso é
necessário porque cada espaço físico (p. ex., ambulatórios, emergências, centros de tratamento intensivo, unidades de
internação) tem potencialidades para desencadear reações psíquicas. Portanto, os objetivos e os métodos de atuação
do psicólogo podem variar conforme os espaços físicos do hospital (Schmidt et al., 2017).
Em geral, a solicitação de avaliação psicológica no contexto hospitalar parte da equipe. Assim, o processo tem
início por meio da compreensão das razões da solicitação, o que se dá na comunicação com outros profissionais da
saúde. Em seguida, o psicólogo pode buscar fontes complementares de informação no prontuário hospitalar, para
identificação de dados sociodemográficos e psicossociais, diagnóstico, fase atual da doença e motivos da internação.
Esses pontos oferecem subsídios para o planejamento e a condução da entrevista psicológica com o paciente, quando
for o caso, bem como para a realização do exame do estado mental referente a funções psíquicas, sintomas
psicopatológicos, história de vida e suporte familiar, por exemplo (Amaral et al., 2014). A tríade doença, tratamento
e hospitalização deve ser considerada em todas as etapas do processo de avaliação psicológica, no sentido de
compreender manifestações apresentadas pelo paciente e identificar repercussões nas relações que ele estabelece com
familiares e membros da equipe de saúde (Giuliano et al., 2014).
Embora cuidados éticos e técnicos sejam inerentes a qualquer processo de avaliação psicológica (CFP, 2018), os
casos em que o indivíduo a ser avaliado é uma criança hospitalizada exigem especial atenção. Em linhas gerais, a
avaliação psicológica de crianças tende a ser desafiadora, principalmente no que diz respeito a métodos, técnicas e
instrumentos mais apropriados, pois elas podem apresentar dificuldades para expressar verbalmente emoções e
pensamentos (Garro, 2016). Isso costuma ser ainda mais complexo no caso de crianças hospitalizadas, as quais
costumam experimentar ansiedade diante do sofrimento físico, sensação de abandono e culpa, bem como regressão a
estágios anteriores do desenvolvimento (Azevêdo, 2010). Além disso, essas reações podem ser intensificadas nos
primeiros dias de hospitalização (Dias, Baptista, & Baptista, 2018). Dessa forma, recursos lúdicos, como brincadeiras
e desenhos, costumam ser amplamente utilizados na avaliação psicológica de crianças hospitalizadas, pois favorecem
a expressão de emoções e pensamentos, ao mesmo tempo que também contribuem para construir vínculo, entreter e
proporcionar maior bem-estar durante a internação (Azevêdo, 2010; Schmidt et al., 2017). Assim, jogos, livros,
filmes e brinquedos (inclusive aqueles referentes a procedimentos médicos) são importantes recursos a serem
utilizados durante o processo avaliativo.
Entre os aspectos a serem enfatizados na avaliação psicológica em unidades de internação pediátrica, destacam-se
a compreensão da criança sobre a doença e a hospitalização, a identificação de seu estágio de desenvolvimento
(Amaral et al., 2014; Azevêdo, 2010), além de características de sua personalidade e eventos estressantes em sua
história de vida, uma vez que eles podem influenciar o funcionamento psicológico diante do adoecimento (Sharp,
Rowe, Russell, Long, & Phipps, 2015). Ademais, embora a avaliação psicológica deva ser cuidadosamente planejada
à luz das particularidades de cada caso, alguns aspectos que potencialmente afetam a experiência de hospitalização e
os resultados do processo em questão devem ser considerados, como, por exemplo: tipo de acometimento físico,
gravidade do quadro clínico, cronicidade ou não da doença, tempo de internação atual, história de internações prévias
e caraterísticas do contexto familiar, hospitalar e social da criança (Azevêdo, 2010; Crepaldi et al., 2006; Kazak et
al., 2015a; Schmidt et al., 2017). Alguns desses aspectos podem ser explorados por meio da comunicação com outros
profissionais da saúde e da consulta ao prontuário hospitalar, como já referido anteriormente, mas também junto aos
familiares.
A inclusão de familiares no processo de avaliação psicológica de crianças hospitalizadas é particularmente
importante, uma vez que o adoecimento e a internação infantil estão associados ao sofrimento psicossocial de todos
os membros da família. Nessas situações, a família tende a experienciar maiores níveis de estresse, bem como
problemas relacionais e financeiros, o que impacta negativamente a saúde e o bem-estar da criança doente, de seus
pais e irmãos (McCarthy et al., 2016). Na internação, frequentemente a criança é acompanhada por um familiar
próximo; em hospitais brasileiros, a mãe costuma ser a principal acompanhante (Menezes, Moré, & Barros, 2016).
Além de assegurada por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Lei nº 8.069,1990), a permanência de
um dos pais ou responsáveis pela criança ao longo do período de internação favorece a adaptação ao ambiente
hospitalar, o processo de comunicação com a equipe e a adesão ao tratamento (Lançoni Júnior, Azevêdo, & Crepaldi,
2017). No que diz respeito à avaliação psicológica, a presença do acompanhante junto à criança durante os
procedimentos de coleta de dados pode prevenir estresse e desconforto adicionais, uma vez que a doença, o
tratamento e a hospitalização naturalmente já os desencadeiam (Schmidt et al., 2017).
Ademais, procedimentos de coleta de dados também junto aos pais ou aos responsáveis pela criança podem
oferecer informações importantes sobre o modo como a criança reage e se relaciona em outros contextos (p. ex.,
família, escola, comunidade) e, ainda, sobre fatores de risco (p. ex., depressão, conflitos familiares, vulnerabilidade
socioeconômica) e de proteção (p. ex., estratégias de enfrentamento adaptativas, coesão familiar, apoio social) à
saúde e ao bem-estar da criança e de sua família (Kazak et al., 2015a). A avaliação das repercussões da
hospitalização sobre a família é importante, na perspectiva de prevenir desdobramentosnegativos e fortalecer
recursos adaptativos desse que consiste no contexto primário de inserção da criança (Azevêdo et al., 2016). Por
exemplo, ao permanecerem como acompanhantes da criança hospitalizada em tempo integral, algumas mães podem
manifestar ansiedade, desamparo e culpa, em virtude da doença e das preocupações com o filho doente, bem como
de seu afastamento do trabalho remunerado, da rotina familiar e dos outros filhos, os quais muitas vezes também são
crianças. Ao abordar esses aspectos no processo de avaliação psicológica, é possível propor intervenções e
encaminhamentos a serviços intra e extra-hospitalares, além de refletir sobre estratégias para fortalecimento da rede
de apoio social significativa, quando for o caso.
As fontes fundamentais de coleta dessas informações junto aos pais ou responsáveis são entrevistas psicológicas e
registros de observação de comportamentos da criança e de seus familiares no ambiente hospitalar. Além disso,
também podem ser utilizados testes psicológicos, como a Entrevista Familiar Estruturada (EFE)1 e o Inventário de
Percepção de Suporte Familiar (IPSF)2. A EFE consiste em um método para avaliação da dinâmica de
funcionamento familiar que caracteriza interações facilitadoras e/ou dificultadoras do crescimento emocional
saudável dos membros da família (Féres-Carneiro, 2005). Por sua vez, o IPSF avalia como as relações familiares são
percebidas no que diz respeito a afetividade, autonomia e adaptação entre os membros (Baptista, 2010).
Além das fontes fundamentais, o psicólogo pode coletar informações junto aos pais ou responsáveis pela criança
hospitalizada por meio de fontes complementares. Nesse sentido, destacam-se duas técnicas de avaliação e
intervenção amplamente utilizadas em instituições de saúde e respaldadas pela literatura científica, embora não sejam
de uso privativo de psicólogos: Genograma Familiar (GF) e Mapa de Rede (MR). O GF consiste na representação
gráfica do mapa ou desenho da família, que permite visualizar a composição e os complexos padrões de interação
familiar (McGoldrick, Gerson, & Petry, 2012). Em sua construção, aspectos comportamentais, genéticos, médicos e
socioculturais podem ser incluídos. Em instituições de saúde no Brasil, o GF tem sido utilizado para investigar de
que modo as relações familiares podem estar relacionadas à origem e à manutenção de determinada doença, bem
como favorecer ou dificultar a recuperação da saúde dos membros da família (Crepaldi, Schmidt, & Bolze, 2017).
Por sua vez, o MR permite conhecer as relações entre indivíduo/família e rede social significativa, sendo
representado graficamente por meio de círculos concêntricos divididos em quadrantes, os quais se referem
respectivamente à proximidade das relações e aos membros da rede (Moré & Crepaldi, 2012; Sluzki, 2010). Esse
instrumento está alicerçado na perspectiva de que uma rede social estável, sensível, ativa e confiável influencia
positivamente a saúde. No que diz respeito a situações de adoecimento e hospitalização, em particular, a rede social
significativa (p. ex., relações com familiares, amigos, vizinhos, colegas de trabalho, profissionais da equipe
hospitalar ou mesmo de serviços externos ao hospital) pode desempenhar importantes funções em termos de apoio
emocional, auxílio financeiro e em atividades cotidianas (Menezes et al., 2016). A aplicação do MR costuma ser
rápida, e no contexto hospitalar é adequada para sumarizar pontos fortes e fracos da rede social do doente e de sua
família (Moré & Crepaldi, 2012; Sluzki, 2010).
No cenário internacional, um dos instrumentos mais difundidos para avaliação de risco psicossocial familiar para
crianças3 em contextos pediátricos é o Psychosocial Assessment Tool (PAT), cuja versão original em inglês já foi
traduzida para diversas línguas, como espanhol, italiano, holandês, grego, hebraico, japonês e, inclusive, português
(Kazak, Schneider, Didonato, & Pai, 2015b). Embora inicialmente desenvolvido para avaliação de risco psicossocial
familiar em casos de câncer infantil, o PAT tem sido consistentemente utilizado em outras condições pediátricas,
como transplante, anemia falciforme, dor crônica, doenças cardiológicas e cuidados intensivos (McCarthy et al.,
2016). No Brasil, o PAT foi adaptado transculturalmente e validado por Santos (2012). Esse instrumento é composto
por itens que avaliam fatores de risco relativos à criança, à família e ao sistema social mais amplo. Os domínios
cobertos pelo PAT são: características demográficas, diagnóstico, estrutura familiar, recursos familiares, apoio social,
conhecimento da criança sobre a doença, vinculação com a escola, problemas cognitivos ou de comportamento
apresentados pela criança, problemas apresentados pelos irmãos da criança (quando for o caso), crenças familiares e
reações ante situações estressoras. O PAT deve ser respondido pelos pais ou responsáveis, e sua aplicação permite
classificar as famílias em níveis de risco psicossocial, fornecendo subsídios para identificar intervenções alinhadas às
necessidades de cada caso (Kazak et al., 2015b).
Na sequência, apresenta-se um protocolo de avaliação psicológica para crianças hospitalizadas, o qual detalha
etapas e recomendações para operacionalização e dá especial ênfase a aspectos a serem explorados diretamente junto
à criança.
PROTOCOLO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA CRIANÇAS
HOSPITALIZADAS
Na avaliação psicológica de crianças hospitalizadas, inicialmente é necessário considerar as repercussões
psicológicas decorrentes da situação de doença e hospitalização, os impactos vivenciados pela criança e pela família
nos distintos contextos (familiar, escolar, comunitário), a identificação precoce de alterações no desenvolvimento, a
investigação de aspectos psicossociais e a análise das especificidades do contexto hospitalar. Para integrar o conjunto
de recomendações com o objetivo de desenvolver as estratégias de avaliação psicológica na pediatria, de maneira
qualificada e congruente com as demandas da criança e da família, a utilização de um protocolo auxilia a
sistematização das atividades e permite contribuir para o reconhecimento do psicólogo no hospital.
A Figura 2.1 apresenta as etapas de um protocolo para utilização na avaliação psicológica de crianças
hospitalizadas. Nas etapas de identificação de dados da criança e de estabelecimento de contatos, recomenda-se
enfatizar os aspectos centrais que são indicados para que a avaliação ocorra de maneira dinâmica, o que possibilita a
seleção adequada dos instrumentos e técnicas de avaliação. As instruções para a aplicação serão apresentadas com
descrições referentes a cada etapa, com o objetivo de auxiliar o processo de operacionalização.
Figura 2.1 Protocolo de avaliação psicológica para a criança hospitalizada.
Identificação de informações sobre a criança
A primeira etapa da avaliação psicológica da criança hospitalizada corresponde ao conhecimento das informações
registradas em seu prontuário, na unidade hospitalar. Os dados registrados são necessários para garantir o início da
organização e a documentação das informações. Identificar idade, sexo, local de origem da criança (crianças
provenientes de ambientes distintos – contextos urbanos ou rurais – ou de outros países reagem de forma diferente à
hospitalização; por isso, essa investigação é denominada avaliação situacional) é importante para conhecer as
características contextuais e sociodemográficas.
Outro ponto importante refere-se ao tipo e às características da doença (aguda/crônica), para cuja compreensão o
psicólogo deve consultar a equipe de saúde e a literatura, familiarizando-se com terminologias da área da saúde. Esse
conhecimento auxilia o profissional a compreender o estado de saúde da criança e a maneira como ela e sua família
estão vivenciando o período de hospitalização, bem como as repercussões emocionais e comportamentais que podem
advir da doença e da hospitalização. Doenças agudas e crônicas repercutem de diferentes maneiras nas vivências de
crianças e familiares; por isso,noções básicas sobre doenças auxiliam a compreender aspectos gerais.
Quando o psicólogo é solicitado a fazer avaliação psicológica no hospital por meio de interconsulta, ou seja,
quando não é membro da equipe de saúde da unidade hospitalar, é comum que tenha de elaborar um relatório ou
laudo psicológico sobre o caso. Para isso, terá de conhecer em primeiro lugar aspectos centrais da demanda, do
contexto, saber se trata-se de uma unidade pediátrica geral, uma unidade pediátrica oncológica ou uma unidade
pediátrica de queimados. Esses contextos recebem crianças para tratamentos específicos; assim, recomenda-se
estabelecer contatos com os profissionais de saúde da unidade hospitalar para conhecer o local e o público-alvo. Por
sua vez, quando o psicólogo é integrante da equipe de saúde e, nas atividades diárias, recebe solicitação para efetuar
uma avaliação psicológica, o fato de conhecer a dinâmica da unidade hospitalar, a equipe e o tipo de tratamento que é
dispensado facilita seu trabalho. Em ambos os casos, é possível realizar a avaliação psicológica da criança, desde que
o psicólogo esteja ciente dessas características e desenvolva habilidades para a tarefa.
Diante dos dados referentes ao tipo de doença, será investigado o motivo da hospitalização. Na leitura do
prontuário, a informação geralmente consta na primeira página. Contudo, quando não se encontra disponível, é
necessário solicitar a informação a algum profissional da equipe de saúde. A compreensão do motivo da
hospitalização auxiliará na análise da solicitação da avaliação psicológica, pois algumas vezes essa solicitação se
refere à preparação da criança para cirurgia, para verificar fatores de risco e de proteção, para avaliar alterações nas
funções psíquicas (p. ex., crianças que desenvolveram mutismo seletivo ou pânico), para esclarecer sobre as
mudanças no humor e no comportamento da criança ou para auxiliar a criança no enfrentamento da hospitalização.
As demandas serão diversas, e algumas vezes o psicólogo no hospital receberá o pedido para realizar a avaliação sem
uma descrição clara do objetivo do pedido. Independentemente do caso, o psicólogo iniciará a avaliação e informará
sucintamente no prontuário sobre o início desse processo.
Estabelecimento de contato com a criança
A identificação das informações coletadas por meio da consulta ao prontuário hospitalar e da comunicação com o
familiar cuidador e a equipe de saúde, como mencionado anteriormente, representa a etapa preliminar para organizar
as informações, portanto, viabiliza a próxima etapa, referente ao estabelecimento de contato com a criança. É no
momento do contato inicial que será oferecido acolhimento à criança e a sua família. O psicólogo se apresenta com o
objetivo de ressaltar o motivo de sua presença, o que ocorrerá de maneira sucinta (p. ex., Oi, hoje estou aqui para
conhecer você. Quando chegou a este hospital? O que você tem feito aqui?). Recomenda-se, inicialmente,
apresentar-se para o familiar cuidador da criança hospitalizada. Para facilitar a interação, neste primeiro momento,
apresentam-se e utilizam-se objetos intermediários, como material gráfico e brinquedos, a depender das
possibilidades da criança para manipulá-los, adotando-se uma postura informal e humanizada para minimizar as
resistências, que são esperadas. Nesse sentido, a entrevista lúdica se caracteriza como uma ferramenta adequada para
coleta de informações. No caso de a criança não estabelecer contato, por motivos diversos (p. ex., encontrar-se sob
efeito de medicamentos, em estado grave, sedada ou realizando algum procedimento com a equipe de saúde), as
informações serão obtidas mediante relatos do familiar cuidador. O familiar pode, ainda, desempenhar a função de
mediador da interação.
Diante dos relatos da criança ou do acompanhante, identifica-se a etapa de desenvolvimento da criança, o que
ocorrerá por meio de diferentes referenciais teóricos da psicologia do desenvolvimento. Em seguida, é realizada a
avaliação de funções psíquicas (p. ex., atenção, orientação no tempo e no espaço), pois é nesse momento que os
conhecimentos de psicopatologia são utilizados, e qualquer alteração identificada (p. ex., discurso incongruente,
desorientação) representa um aspecto para compartilhamento com a equipe de saúde e para exploração com o
familiar cuidador (p. ex., há alterações emocionais e de comportamento? Desde quando a criança se encontra com
essas alterações psíquicas? Isso ocorreu após a entrada no hospital? Existe algum histórico ao longo da vida da
criança?). Essas são algumas perguntas que o psicólogo pode formular para esclarecer o que foi observado e para
verificar a necessidade de encaminhamentos a outros profissionais da saúde para avaliação, como, por exemplo, o
psiquiatra.
Para compreender os significados atribuídos pela criança ao processo de hospitalização, recomenda-se formular
perguntas diretas (p. ex., Você sabe por que veio para o hospital? O que aconteceu desde quando você foi
hospitalizado? Como você está se sentindo aqui?). Deve-se investigar se a criança consegue compreender os motivos
da hospitalização, as informações que lhe foram transmitidas pela equipe de saúde e se consegue descrever a situação
atual que está vivenciando, o que inclui o tratamento oferecido pela unidade hospitalar. De maneira específica, é
importante investigar a compreensão da criança acerca do processo de hospitalização. As perguntas serão adaptadas
de acordo com a idade, o nível de compreensão e o entendimento dos conteúdos pela criança. Esse mesmo processo
será utilizado também na identificação dos dados psicossociais. Embora o psicólogo tenha coletado informações por
meio do prontuário, é importante escutar a criança e o familiar cuidador para conhecer a interação da criança em
diferentes contextos, a estrutura e a dinâmica familiares e as redes sociais significativas da família.
A utilização de recursos lúdicos auxilia no processo de avaliação psicológica hospitalar. Assim, a entrevista lúdica
e o desenho livre representam meios importantes para a aproximação da criança, a coleta de informações e a
definição do instrumento de intervenção.
Utilização de instrumentos de avaliação
A avaliação psicológica deve consistir em uma importante atividade da rotina do trabalho do psicólogo em unidades
pediátricas, permitindo, por meio da observação criteriosa da criança, de suas interações com familiares e o contexto
hospitalar, decidir como proceder e que instrumentos e técnicas utilizar. Estes serão utilizados no contexto hospitalar
mediante análise crítica de etapas anteriores do protocolo. Assim, se foi possível identificar os principais dados da
criança e estabelecer com ela um rapport, o próximo passo refere-se à delimitação de instrumentos para apresentar
respostas às demandas e aos objetivos da avaliação psicológica. São fundamentais nesta etapa os conhecimentos de
psicodiagnóstico, dos instrumentos e técnicas, que orientam a seleção adequada, considerando que se trata da
aplicação de instrumentos de maneira contextualizada, levando-se em conta as especificidades do contexto hospitalar
e da situação de doença e hospitalização da criança.
A Tabela 2.1 apresenta alguns dos instrumentos de avaliação psicológica que se mostram adequados para
utilização no contexto hospitalar, entre tantos outros disponíveis. As informações dos instrumentos referentes ao
objetivo, à faixa etária e à situação no SATEPSI possibilitam orientar o psicólogo no hospital para a seleção, de
acordo com o objetivo proposto para a avaliação psicológica. Recomenda-se evitar o uso de inventários e testes com
um número muito grande de itens e instrumentos que apresentem instruções de aplicações inadequadas ao contexto
hospitalar. Muitas vezes, essa avaliação deverá ser feita no leito e em plena unidade hospitalar, que costuma ter
pouca privacidade e fluxo considerável de pessoas. É importante estar atento às possibilidades de interrupções e
problemas de iluminação. Portanto, há pouco controle das variáveis no contexto hospitalar,o que não inviabiliza o
uso dos instrumentos, mas representa aspectos a serem considerados de maneira crítica. A utilização de recursos
lúdicos, como a entrevista lúdica e o desenho livre, auxilia no processo de avaliação psicológica hospitalar, como
referido anteriormente. A consulta periódica ao SATEPSI do CFP permite verificar se os instrumentos são favoráveis
para uso pelo psicólogo.
Clique aqui para visualizar a Tabela como imagem.
TABELA 2.1
Instrumentos de avaliação psicológica para utilização no contexto hospitalar
Instrumento Objetivo Faixa etária Autor Situação no SATEPSI*
Baralho das emoções Identificar as emoções de
crianças.
7 a 12 anos Caminha e Caminha
(2011)
Instrumento não
privativo, favorável
Casa-Árvore-Pessoa
(HTP)
Avaliar características da
personalidade.
A partir de 8 anos Buck (1992) Teste psicológico,
favorável
Escala de Stress Infantil
(ESI)
Avaliar sintomas de estresse
infantil.
6 a 14 anos Lipp e Lucarelli (2005) Teste psicológico,
favorável
Beck Youth Inventories
(BYI)
Avaliar comprometimento
emocional e social, incluindo
medidas de ansiedade,
depressão, comportamento
disruptivo, raiva e autoconceito.
7 a 18 anos Beck et al. (2005) Não consta**
Faces Pain Scale –
Revised (FPS-R)
Avaliar a intensidade da dor em
crianças.
4 a 12 anos Hicks et al.
(2001)
Não consta**
Instrumento de Avaliação
de Estratégias de
Enfrentamento da
Hospitalização (AEH)
Avaliar estratégias de
enfrentamento da
hospitalização.
6 a 12 anos Motta e Enumo (2004) Não consta***
Inventário da Tríade
Cognitiva para Crianças
e Adolescentes (ITC-CA)
Investigar a tríade cognitiva
negativa em crianças e
adolescentes.
9 a 14 anos Kaslow et al. (1992) Não consta**
Inventário de Depressão
Infantil (CDI)
Rastrear sintomas depressivos. 7 a 17 anos Kováks (1992) Não consta**
Pediatric Quality of Life
Inventory (PedsQL)
Avaliar a qualidade de vida
relacionada à saúde.
2 a 18 anos Varni et al.
(2001)
Não consta**
* Informações coletadas no SATEPSI em maio de 2018.
** Instrumentos desenvolvidos no exterior, não constantes no SATEPSI.
*** Instrumento desenvolvido no Brasil, não constante no SATEPSI.
Ao final do processo de avaliação psicológica, o psicólogo deverá realizar a devolução dos resultados, os registros
e os devidos encaminhamentos, quando necessários. No contexto hospitalar, a devolução dos resultados pode ocorrer
por meio de entrevistas e/ou elaboração de documentos, como o relatório ou laudo psicológico. Estes devem
relacionar de forma clara e objetiva a demanda inicial ou os objetivos do processo avaliativo, bem como os
resultados obtidos por meio dos procedimentos realizados.
Nas entrevistas, devem ser comunicados aos pais ou cuidadores, de forma sucinta e acolhedora, os principais
aspectos observados, esclarecendo como podem contribuir para o restabelecimento da saúde e o desenvolvimento da
criança, além dos recursos familiares e da rede social significativa. A criança também deve ser informada, por meio
de linguagem simples e receptiva, pois, além de ter direito à informação, pode se tornar colaboradora em seu
processo de restabelecimento. Da mesma forma, na comunicação com os demais membros da equipe
multiprofissional, serão compartilhadas informações estritamente essenciais para favorecer o atendimento ao
paciente no contexto hospitalar, indicando o caráter confidencial do atendimento psicológico e a necessidade de
manutenção de sigilo. Essa devolução deve estar em conformidade com o que é estabelecido no Código de Ética
Profissional do Psicólogo (CFP, 2005).
Os encaminhamentos necessários, intra ou extra-hospitalares, podem ser comunicados tanto aos pais ou
cuidadores quanto aos membros da equipe. É importante notar que, no prontuário hospitalar, o psicólogo deve
registrar somente informações pontuais para cumprir os objetivos do trabalho em equipe multiprofissional. Detalhes
adicionais serão registrados exclusivamente no prontuário psicológico. As informações constantes em ambos os
prontuários (i.e., hospitalar e psicológico) poderão ser acessadas apenas por quem tem o direito de conhecê-las (p.
ex., usuários do serviço hospitalar ou seus representantes legais). Da mesma forma, os documentos resultantes da
avaliação psicológica serão mantidos em arquivos seguros, acessados exclusivamente pelo psicólogo. Destaca-se a
necessidade de o psicólogo considerar a legislação referente à avalição psicológica no Brasil, com destaque ao
Código de Ética Profissional do Psicólogo, à Cartilha de Avaliação Psicológica e à Resolução nº 009/2018 do CFP
(CFP, 2005; 2013; 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, foram apresentados aspectos referentes à avaliação psicológica de crianças hospitalizadas.
Inicialmente, sumarizou-se a trajetória de desenvolvimento e o panorama atual da psicologia pediátrica, de forma a
contextualizar brevemente a realidade de trabalho dos psicólogos na área e alguns desafios que podem ser
enfrentados por esses profissionais. Em seguida, foram exploradas as particularidades da avaliação psicológica no
hospital, com ênfase às unidades de internação pediátrica e às repercussões vivenciadas pela criança doente e pela
sua família. Ademais, foi apresentado um protocolo, buscando-se favorecer o planejamento do processo avaliativo.
Dessa forma, este capítulo abordou algumas características e orientações gerais para a avaliação psicológica de
crianças hospitalizadas, em vez de diretrizes a serem seguidas rigidamente.
Assim, o planejamento do processo avaliativo deve considerar as particularidades de cada caso, de modo que a
seleção de métodos, técnicas e instrumentos a serem aplicados esteja alinhada aos objetivos estabelecidos para a
avaliação psicológica, no sentido de atender ao melhor interesse da criança doente e de sua família. Conforme
referido anteriormente, o hospital impõe complexidades adicionais ao processo de avaliação psicológica, em virtude
de características do ambiente físico, da doença e do tratamento, de modo que métodos, técnicas e instrumentos
aplicados em outros contextos podem se mostrar de difícil uso no hospital. Além disso, nem sempre psicólogos que
trabalham em hospitais dispõem de recursos financeiros destinados à aquisição de determinados instrumentos, como
testes psicológicos. Desse modo, as fontes de informação mais comumente utilizadas para a avaliação psicológica no
hospital parecem ser entrevistas psicológicas e registros de observação de comportamentos. Dados os desafios
atinentes ao processo de avaliação psicológica de crianças hospitalizadas, destaca-se a importância do fortalecimento
de pesquisas sobre essa temática, de forma a contribuir para o aprimoramento do trabalho na área de psicologia
pediátrica.
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1 A EFE é um teste psicológico que atualmente tem parecer favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos ([SATEPSI],
consulta realizada em maio de 2018) e pode ser aplicado a famílias com crianças (Féres-Carneiro, 2005).
2 O IPSF é um teste psicológico que atualmente tem parecer favorável no SATEPSI (consulta realizada em maio de 2018) e pode ser
aplicado a pessoas na faixa etária entre 11 e 57 anos (Baptista, 2010).
3 O PAT também pode ser aplicado na avaliação de risco psicossocial familiar para adolescentes em contextos pediátricos (Kazak et al.,
2015b). Entretanto, em virtude do foco deste capítulo, será discutida apenas a aplicação no contexto da hospitalização de crianças.
3
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE CUIDADORES
PEDIÁTRICOS: CARACTERIZAÇÃO, DESAFIOS E
PROPOSTA DE ROTEIRO AVALIATIVO
Marina Kohlsdorf
Sílvia Maria Gonçalves Coutinho
Alessandra da Rocha Arrais
A avaliação psicológica é elemento cru-cial no processo de acompanhamento de cuidadores pediátricos de pacientes
em situação de adoecimento agudo ou crônico. Os cuidadores pediátricos são aqueles responsáveis pelos cuidados
imediatos à criança durante um episódio de adoecimento, tratamento ou mesmo prevenção em saúde, além de
exercerem também as principais práticas educativas parentais. Em geral, são os pais da criança que desempenham
esse papel, embora familiares ou outras pessoas também possam exercê-lo. Neste capítulo, os termos “cuidadores”,
“pais” e “acompanhantes”serão utilizados de maneira intercambiável.
Tratamentos em saúde e hospitalizações infantis caracterizam-se por uma situação de potencial vulnerabilidade e
risco ao desenvolvimento não apenas da criança, mas também de seus pais, tendo em vista o contexto geralmente
caracterizado por exames frequentes e dolorosos, necessidade de medicação, manejo de respostas emocionais e
preocupações dos cuidadores acerca do sucesso do tratamento, interação e comunicação com a equipe de saúde,
manifestações comportamentais da criança diante de situações aversivas, entre outros desafios (Campbell,
DiLorenzo, Atkinson, & Riddell, 2017; Lisanti, Allen, Kelly, & Medoff-Cooper, 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-
Knight et al., 2018; Rodday, Terrin, Leslie, Graham, & Parsons, 2017). Esse contexto potencialmente adverso,
somado à condição cotidiana de práticas educativas parentais, pode representar uma intensa sobrecarga de cuidados,
oferecendo aos pais uma situação de risco de desenvolvimento de diversas perturbações somáticas e psicológicas
(Lisanti et al., 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017).
Além da importância da avaliação psicológica de cuidadores pediátricos para acolhimento e acompanhamento da
saúde física e mental dos pais, destaca-se também o papel crucial desse processo para os cuidados à própria criança.
A literatura em psicologia pediátrica é unânime ao afirmar a relevância do papel parental no estabelecimento de
hábitos saudáveis em saúde física e mental a partir dos modelos comportamentais (Campbell et al., 2017; Psihogios
et al., 2018; Rodday et al., 2017). Esses modelos também constituem elemento primário de aprendizagem da criança
sobre como lidar com situações adversas, como adoecimento, tendo em vista que a maneira como os pais lidam com
ameaças e dificuldades influencia diretamente a maneira como ela enfrenta tais condições; além disso, os pais são a
principal fonte de modelo comportamental e suporte social diante de procedimentos invasivos, dolorosos e
desconfortáveis característicos de uma internação hospitalar (Campbell et al., 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-
Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017). O ambiente imediato de cuidados e desenvolvimento de uma criança é
constituído por seus cuidadores primários, que estabelecerão regras, normas de conduta, modelos de comportamento
e, de modo especial, vínculos afetivos e de apego; avaliar cuidadores pediátricos constitui, portanto, o elemento
primordial para o cuidado e o acompanhamento do paciente pediátrico em seu próprio processo saúde-doença
(Campbell et al., 2017; Lisanti et al., 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017).
Considera-se, portanto, que a avaliação psicológica de cuidadores pediátricos é o primeiro passo para o
acolhimento e o acompanhamento técnico do profissional da psicologia que atua em níveis primários, secundários e
terciários de assistência em saúde. Este capítulo tem como objetivo apresentar uma proposta de roteiro para avaliação
de acompanhantes pediátricos, empregado na enfermaria de doenças respiratórias e cardíacas do Hospital Materno-
Infantil de Brasília (HMIB) como parte principal do acolhimento a famílias internadas. O roteiro está disponível no
Apêndice deste capítulo, e as seções seguintes apresentam considerações sobre os itens contemplados na proposta
avaliativa aqui apresentada: (1) caracterização do episódio de hospitalização, incluindo história de hospitalizações e
adoecimentos, duração da internação atual, características do diagnóstico e do tratamento, queixas da criança e do
acompanhante, dificuldades cognitivas e/ou emocionais da criança e do cuidador, condição de humor atual da criança
e do acompanhante; (2) processos psicológicos básicos a serem avaliados, que abrangem adesão aos cuidados,
comunicação com a equipe de saúde, estratégias de enfrentamento, rede de apoio sociofamiliar e condição de
risco/vulnerabilidade psicossocial ao desenvolvimento.
CARACTERIZAÇÃO DO EPISÓDIO DE HOSPITALIZAÇÃO
Ç Ç
O episódio de internação pediátrica em curso é o primeiro elemento a ser avaliado, tendo em vista que fornece
informações importantes para a compreensão do processo de adaptação da criança e de seus pais à vivência
hospitalar. De modo especial, a história de vida relacionada a doenças e hospitalizações anteriores pode ser um
elemento tanto de risco quanto de resiliência à família, dependendo das relações estabelecidas com o adoecimento
anterior e das aprendizagens desenvolvidas (Campbell et al., 2017; Lisati et al., 2017; Pertence & Kohlsdorf, 2017;
Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017).
Por um lado, a repetição de procedimentos invasivos dolorosos, a recorrência de sintomas, a angústia pela
resposta clínica, a exigência de adaptação à rotina hospitalar e o afastamento de ambientes acolhedores e já
conhecidos pela criança podem representar um aprendizado de condições extremamente aversivas relacionadas à
hospitalização, contribuindo para uma condição de risco a perturbações psicológicas (p. ex., ansiedade, depressão e
estresse pós-traumático) tanto para os cuidadores quanto para a criança (Campbell et al., 2017; Chaibub &
Kohlsdorf, 2017; Lisanti et al., 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018).
Por outro lado, uma história de internações anteriores pode também contribuir para uma rápida familiarização de
crianças e seus pais à nova internação, tendo em vista que o paciente pediátrico e os cuidadores já reconhecem
processos comuns à hospitalização, como a rotina hospitalar e os exames necessários, e podem já ter desenvolvido
estratégias de enfrentamento mais adaptativas a esse contexto a partir da ampliação do repertório comportamental
para lidar com as diversas situações características de uma internação pediátrica já experimentadas pela família
(Pertence & Kohlsdorf, 2017). Essa história de internações, aliada à duração prevista da internação em tela, constitui,
portanto, elemento crucial para a contextualização da avaliação psicológica dos cuidadores pediátricos.
Além disso, as características do diagnóstico e do tratamento também são fatores importantes para a compreensão
da condição psicológica dos cuidadores. Diagnósticos limitantes e com prognóstico adverso, aliados a planos
terapêuticos restritivos e com exames invasivos e dolorosos frequentes, contribuem para maiores dificuldades de
adaptação de crianças e acompanhantes, ao apresentarem demandas intensas e bastante desafiadoras ao bem-estar
emocional da família (Campbell et al., 2017; Chaibub & Kohlsdorf, 2017; Holley & Palermo, 2018; Lisanti et al.,
2017; Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018).
Essa caracterização da história de hospitalização e dos desafios à internação em curso pode aumentar a
probabilidade de perturbações diversas por parte da criança e de seus cuidadores: queixas físicas (dor, desconforto),
demandas emocionais, dificuldades relacionadas às rotinas do hospital e prejuízos no relacionamento com a equipe
de saúde são fatores comuns nas internações pediátricas (Campbell et al., 2017; Holley & Palermo, 2018; Lisanti et
al., 2017; Psihogios et al., 2018; Reed-Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017). Essa situação globalmente adversa
pode contribuir para o estabelecimento de condições emocionais bastante prejudiciais, envolvendo sintomatologia de
humor deprimido e/ou ansioso, estresse pós-traumático, comportamentos agressivos, evitativos, fóbicos e até mesmo
ideação suicida grave em cuidadores (Chaibub & Kohlsdorf, 2017; Holley & Palermo, 2018; Lisanti et al., 2017;
Reed-Knight et al., 2018).
Cabe destacar, nessa contextualização primária sobre a história de adoecimento e internações, que as dificuldades
cognitivas ou de ordem psiquiátrica por parte dos acompanhantes podem estabelecer uma restrição importante para a
compreensão de informações relacionadas ao diagnóstico e ao tratamento, bem como para a elaboração das respostas
emocionais diante da hospitalização, constituindo também umelemento crucial para a avaliação psicológica de
cuidadores (Campbell et al., 2017; Kohlsdorf & Costa Junior, 2009).
PROCESSOS PSICOLÓGICOS BÁSICOS RELACIONADOS À SITUAÇÃO DE
TRATAMENTO PEDIÁTRICO
A seguir, serão descritos os principais processos psicológicos básicos envolvidos em uma situação de tratamento
pediátrico, bem como as possibilidades de avaliação dos pais acerca da vivência desses processos.
Adesão aos cuidados em saúde
O fortalecimento do modelo biopsicossocial de cuidados com a saúde contribuiu para aumentar o interesse pelo
estudo de aspectos comportamentais relacionados ao sucesso/não sucesso de alguns tratamentos, destacando o
conceito de adesão ao tratamento (adherence) em oposição ao conceito de obediência ao tratamento (compliance),
adotado pelo modelo biomédico tradicional. Para a medicina, compliance significa correspondência entre a
prescrição e o comportamento do paciente, na maioria das vezes desconsiderando a possibilidade de participação
ativa e a vontade do paciente em querer ou não cumprir o que lhe foi prescrito (Gusmão & Mion, 2006).
Ferreira (2006) lembra que, em sua origem etimológica, o termo “adesão” significa obediência, fidelidade,
aprovação ou solidariedade a uma ideia ou causa. Em uma revisão da literatura que aborda a avaliação de estudos
sobre adesão a tratamentos médicos em psicologia pediátrica, Quittner (2008) afirma que, pelo menos nos últimos 30
anos, a literatura médica sobre adesão também esteve fundamentada sobre esse conceito. A autora apresenta uma das
primeiras definições para o termo (de Haynes, em 1979), segundo a qual se considerava adesão ao tratamento a
proporção em que o comportamento do paciente coincidia com a orientação médica. Quittner (2008) ressalta que
uma das dificuldades relacionadas a essa definição é determinar, com precisão, o que se considera “orientação
médica” (orientações verbais? Prescrição de medicamento? Ambas?) e como essa orientação pode ser mensurada. Ao
mesmo tempo, estudos sobre adesão que tenham como base essa definição se preocupam, basicamente, com a
topografia dos comportamentos e devem seguir um delineamento que analise a correspondência perfeita entre
orientações descritas pelo médico e ações realizadas pelos pacientes, adotando a concepção do paciente como um
seguidor de regras (Ferreira, 2006).
Arruda (2002) analisa alguns aspectos da aplicação do termo “adesão” que contribuíram para a flexibilização de
seu uso e para a modificação do conceito inicial. Em primeiro lugar, por ser um conceito técnico, os profissionais
atribuem sentidos diferentes à adesão, uma vez que as recomendações médicas tendem a ser personalizadas. Ou seja,
pacientes com um mesmo diagnóstico, atendidos pelo mesmo médico, podem receber recomendações diferentes
quando forem consideradas as peculiaridades de cada pessoa, a evolução da doença e a resposta dos pacientes aos
procedimentos terapêuticos. Em segundo lugar, a adesão aos cuidados pode corresponder a mais de uma
recomendação, de acordo com a qualidade e a quantidade de sintomas clínicos. Nesse caso, o paciente pode não
atender a todas as recomendações, selecionando e privilegiando aquelas que sejam mais facilmente adaptáveis a sua
rotina de vida. Assim, como devem ser avaliadas as respostas de adesão?
Segundo Arruda (2002), é preciso estabelecer a qual parte do tratamento o paciente está aderindo e considerar
níveis hierárquicos de adesão. Um problema do uso desses níveis hierárquicos é a adoção de categorias “não
formais” para conceituar e medir adesão, como, por exemplo, adesão boa, moderada ou fraca. Essas categorias não
constituem indicadores claros o suficiente para favorecer o planejamento de intervenções que favoreçam a adesão.
Conclui-se que a adesão aos cuidados em saúde tem um caráter multidimensional, que deve ser considerado na
definição do termo e no delineamento dos estudos que pretendam avaliar essa questão.
Pierin, Strelec e Mion (2004) também falam em níveis diferentes de adesão. Discriminam pelo menos três níveis:
aderentes, desistentes e persistentes. O nível mais alto seria o dos aderentes, indivíduos que seguem completamente o
tratamento. Os desistentes seriam aqueles que abandonam o tratamento, e os persistentes, os que o seguem
parcialmente (p. ex., comparecem às consultas, mas não seguem o tratamento proposto). A partir desses níveis, esses
autores definem adesão como um processo comportamental complexo, fortemente influenciado por uma série de
variáveis de difícil mensuração, como variáveis do meio ambiente, do contexto de cuidados e da relação com os
profissionais da saúde.
A definição da Organização Mundial da Saúde (OMS), de 2003, considera a influência de aspectos
comportamentais e culturais e atribui um papel mais ativo para o paciente no planejamento e no seguimento do
tratamento, embora ainda apresente um caráter prescritivo. Para a OMS, a adesão é a “medida na qual o
comportamento de uma pessoa (de usar uma medicação, seguir uma dieta e/ou modificar estilo de vida) corresponde
às recomendações feitas por um profissional da saúde e à concordância entre paciente e profissional quanto a essas
recomendações” ([OMS], 2003, p. 3). Com essa definição, a OMS considera que a relação estabelecida entre
pacientes e profissionais da saúde deve ser uma parceria, construída a partir das habilidades de cada um, e destaca a
importância da qualidade dessa relação como variável determinante do sucesso da adesão. A OMS também ressalta
que a adesão é um processo multidimensional, determinado pela interação de cinco fatores ou dimensões: (a) fatores
relacionados ao paciente; (b) fatores relacionados à doença; (c) fatores relacionados ao tratamento; (d) fatores
socioeconômicos; e (e) fatores relacionados ao sistema e à equipe de saúde. Assim, os fatores relacionados ao
paciente são apenas um dos determinantes de adesão, o que reforça a ideia de que considerá-los como os únicos
responsáveis por seguir o tratamento é um erro. Em pediatria, esse erro torna-se ainda mais claro, uma vez que não é
possível ignorar a importância e a influência da família (especialmente dos cuidadores principais) no processo de
adesão.
Crianças e adolescentes apresentam características peculiares que têm merecido atenção diferenciada quando se
consideram os estudos sobre adesão aos cuidados (Ferreira, 2006; Graves et al., 2010; Pai & Drotar, 2010; Psihogios
et al., 2018; Quittner et al., 2008). Entre essas peculiaridades, pode-se citar, em primeiro lugar, o fato de crianças e
adolescentes serem uma população ainda em processo de crescimento e desenvolvimento, com transformações
rápidas e intensas. Ao mesmo tempo, crianças e adolescentes não são autônomos, pois dependem de terceiros para
receber cuidados com a saúde. Tais fatores contribuem para que esse grupo seja mais vulnerável diante de fatores de
risco, como a ocorrência de uma doença crônica, por exemplo (Ferreira, 2006; Psihogios et al., 2018), e estão
associados a alta taxa (cerca de 50%) de não adesão ao tratamento médico em pediatria (Graves, Roberts, Rapoff, &
Boyer, 2010; Pai & Drotar, 2009; Quittner et al., 2008). As pesquisam ainda indicam que a adesão em pediatria
depende da complexidade da doença e do tratamento: orientações mais simples, como tomar comprimidos,
costumam ter mais adesão do que orientações mais complexas, como modificação de dieta ou monitoramento
periódico de taxas de glicose (DiMatteo, 2004; Quittner et al., 2008).
Assim, não se pode falar em adesão ao tratamento em pediatria sem considerar as dificuldades conceituais e
metodológicas associadas ao estudo desse processo. Observam-se dois problemas principais: (a) a dificuldade de
medida do comportamento de adesão; e (b) a eficácia das estratégias de intervenção sobre adesão em pediatria.
McGrady, Ryan, Brown e Cushing (2015), por exemplo, ressaltam que a não adesão, ou a discordância entre os
comportamentos de um indivíduo e o aconselhamento médico (ou de membros da equipe de saúde), é uma
preocupação de saúde pública, com implicações significativaspara o paciente, a família e o sistema de cuidados com
a saúde. Os autores observam que as pesquisas sobre adesão ainda não foram capazes de apontar, sistematicamente,
quais domínios ou grupos de variáveis contextuais são efetivamente relevantes para proporcionar a mudança de
comportamento em saúde e que deveriam ser direcionados para melhorar a adesão dos usuários aos tratamentos
propostos. McGrady e colaboradores (2015) propõem, então, um modelo de marcos teóricos norteadores que
deveriam ser incluídos em programas de promoção de adesão às intervenções pediátricas. O modelo sintetiza 33
teorias de mudança comportamental e 128 construtos teóricos, em 12 domínios: habilidades, conhecimentos,
regulação comportamental, reforço, otimismo, intenções, metas, emoções, crenças sobre consequências, crenças
sobre capacidades, contexto e recursos ambientais e influências sociais. Dependendo dos objetivos a serem atingidos
com o tratamento e das vulnerabilidades do paciente, alguns domínios poderiam ser treinados com maior ênfase.
Em texto clássico, ainda na década de 1990, Zannon (1999) propunha que se considerasse outra variável
importante para medida e intervenção sobre os processos de adesão em pediatria: a comunicação médico-paciente.
Falando especificamente da dificuldade de medida do comportamento e da dificuldade de avaliação da eficácia das
intervenções no contexto da psicologia pediátrica, a autora lembrava que uma das metas dessa área era explicar a
relação entre comportamentos e processo saúde-doença, bem como demonstrar a possibilidade de controle proposital
dessa relação. A autora questionava, então, o conceito de adesão como mero seguimento de regras, relacionando esse
conceito com controle instrucional e comunicação médico-paciente, e sugeria que a descrição da ação esperada e do
contexto no qual essa ação era solicitada ao paciente e/ou a sua família fosse comunicada claramente e incluída como
conteúdo essencial da medida de adesão. Hoje a comunicação médico-paciente é um dos principais temas de estudo
em psicologia da saúde e psicologia pediátrica e será aprofundada no tópico seguinte.
Comunicação com a equipe de saúde
A comunicação entre a família e a equipe de saúde constitui elemento de importância sumária na avaliação de
cuidadores pediátricos por ser a base preditora sobre a qual se constituem processos de adesão aos cuidados,
enfrentamento e adaptação ao tratamento. Além disso, a interação entre o núcleo familiar e os profissionais da saúde
ocorre ainda primariamente mediada pelos pais da criança, que precisam assimilar as informações recebidas, orientar
a criança quanto ao tratamento e administrar elementos de ordem emocional e social nas interações comunicativas
(Campbell et al., 2017; Kohlsdorf & Costa Junior, 2016a; Lisanti et al., 2017; Reed-Knight et al., 2018).
A qualidade da comunicação é preditora de sucesso terapêutico e de adaptação de pais e crianças aos desafios
pediátricos, pois influencia diretamente a adesão aos cuidados, a compreensão do diagnóstico e das prescrições
terapêuticas, o manejo de respostas de ansiedade diante do tratamento, a melhor aliança terapêutica, a adoção de
estratégias de enfrentamento eficientes, a melhoria de respostas fisiológicas e sintomas, o manejo de eventos
estressores, a melhor satisfação com suporte social, a satisfação do usuário com o serviço e o desenvolvimento de
comportamentos preventivos, inclusive em saúde mental (Campbell et al., 2017; Lisanti et al., 2017; Reed-Knight et
al., 2018).
Ademais, a comunicação em contextos pediátricos representa condição primordial para a promoção de um
desenvolvimento saudável ao paciente pediátrico, pois promove a abordagem de assuntos relacionados a cuidados
educativos parentais e elementos psicossociais moderadores em saúde-doença pediátrica; em outras palavras, a
comunicação, em pediatria, ultrapassa orientações terapêuticas relacionadas exclusivamente ao diagnóstico e ao
tratamento e envolve elementos de ordem afetiva e psicossocial que constituem a essência da dinâmica familiar da
criança em foco (Kohlsdorf & Costa Junior, 2016a, 2016b; Lisanti et al., 2017).
A literatura aponta dificuldades relacionadas ao estabelecimento de uma comunicação eficiente e satisfatória entre
os cuidadores e os profissionais da saúde. De modo especial, a escassez de possibilidades de treinamento durante a
graduação e os aspectos relacionados à sobrecarga nos atendimentos a partir da organização do serviço respondem
por lacunas no repertório comunicativo de profissionais (De Cristo, 2014; Kohlsdorf & Costa Junior, 2016a; 2016b).
Por sua vez, o modelo tradicional biomédico, aliado a características particulares dos cuidadores (como baixa
escolaridade, dificuldades de compreensão das informações e orientações, padrões culturais repressivos e repertório
comunicativo pouco assertivo), contribui para manter relações paternalistas na comunicação pediátrica, em que a
criança permanece excluída da comunicação, de modo geral, e o resultado dessa interação entre cuidadores e
profissionais é geralmente insatisfatório (De Cristo, 2014; Kohlsdorf & Costa Junior, 2016a; Kohlsdorf & Costa
Junior, 2016b).
Kohlsdorf e Costa Junior (2016b), em revisão de literatura na área, sumarizam que uma interação comunicativa
eficiente inclui essencialmente: (a) adaptação da interação às demandas particulares dos pais e da criança; (b)
adaptação da linguagem e das explicações ao nível de compreensão dos cuidadores, com repetição das orientações
sempre que necessário; (c) inclusão de orientação sobre temas psicossociais, educacionais e afetivos; (d) promoção
de suporte social por parte do profissional, possibilitando acolhimento emocional e aliança terapêutica para o
tratamento; (e) habilidades clínicas e técnicas satisfatórias por parte dos profissionais; (f) disponibilidade de tempo
para perguntas e dúvidas; (g) focalização da comunicação no paciente pediátrico e nos cuidadores, com identificação
pelo nome próprio e atenção a elementos paraverbais, como contato visual, tom de voz, expressão facial e gestos.
A comunicação em contexto pediátrico, que pode ser caracterizada de forma resumida tanto pela qualidade e
clareza das informações providas como por aspectos como acolhimento, afetividade e vínculo com o profissional,
tem sido avaliada principalmente a partir de índices de satisfação dos usuários com o serviço, embora alguns estudos
nacionais tenham apresentado propostas de intervenção e avaliação desses processos comunicativos de forma
funcional (Coutinho, 2013; Kohlsdorf, 2012). Destaca-se a escassez de instrumentos avaliativos que possam de fato
avaliar a comunicação e seus resultados para além da satisfação do usuário com a interação; no entanto, ressaltamos
o estudo de De Cristo (2014) como um exemplo de proposta avaliativa acerca da comunicação pediátrica. Nesse
trabalho, De Cristo (2014) procedeu à elaboração, adaptação e avaliação de um Sistema de Análise Interacional para
Tríades (SAIT), com resultados bastante satisfatórios quanto às características de confiabilidade e fidedignidade do
instrumento. Contudo, a proposta da autora se refere à avaliação da comunicação triádica especificamente durante
consultas pediátricas ambulatoriais, contexto em que muitas vezes participam apenas médico e cuidador principal.
Estratégias de enfrentamento
Tradução livre da palavra em inglês coping, o termo “enfrentamento” é definido por Lazarus e Folkman (1984, p.
141) como “esforços cognitivos e comportamentais em constante mudança, com objetivo de manejar (minimizar,
evitar ou tolerar) demandas específicas internas e/ou externas que são avaliadas como sobrecarga ou excedendo os
recursos pessoais”. Trata-se de uma concepção intrinsecamente associada ao conceito de estresse, construto definido
por Selye (1973, p. 693) como um “resultado inespecífico, comumente vivenciado, de qualquer demanda que seja
caracterizada como sobrecarga aos recursos mentais, físicos, somáticos ou psicológicos”. Portanto, o contato com um
evento estressor gera necessariamenterespostas de ansiedade, e o manejo dessa demanda se constitui em
comportamentos de enfrentamento.
A vivência de um diagnóstico e tratamento pediátrico é essencialmente um evento estressor, de risco potencial ao
bem-estar e à qualidade de vida da família, que demanda a mobilização de recursos para enfrentamento. A proposta
de Lazarus e Folkman (1984) destaca a importância das avaliações cognitivas diante desse elemento gerador de
estresse, ou seja, o modo como os cuidadores consideram as questões relacionadas à saúde-doença pediátrica é
aspecto crucial para a adoção de estratégias de enfrentamento e para a adaptação a esse contexto adverso. Ademais, a
literatura mostra fortes associações entre a maneira como os pais lidam com os desafios do tratamento pediátrico e a
qualidade de vida, o enfrentamento e a adaptação desenvolvidos por seus filhos (Campbell et al., 2017; Psihogios et
al., 2018; Reed-Knight et al., 2018; Rodday et al., 2017).
Em condição de tratamento pediátrico, é necessário enfatizar que a adoção de estratégias de enfrentamento não é
um evento imediato, mas um processo relacional e multifacetado, em que elementos individuais da história de vida
dos pais e do contexto imediato de atendimento influenciarão a adoção de estratégias que podem ser aprendidas,
instruídas, descartadas e modeladas (Lazarus & Folkman, 1984). A literatura nacional aponta alguns instrumentos e
escalas validados para a população brasileira (p. ex., Brasileiro, 2012; Savóia, Santana, & Mejias, 1996; Seidl,
Tróccoli, & Zannon, 2001) que têm sido utilizados para avaliar as estratégias de enfrentamento adotadas em
contextos diversos: (a) Escala Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP), versão traduzida e adaptada para o
português por Seidl e colaboradores (2001); (b) Inventário de Estratégias de Coping de Folkman e Lazarus, adaptado
para o português por Savóia e colaboradores (1996); (c) Brief COPE, adaptado para o português por Brasileiro
(2012). Contudo, todos são propostas para avaliação do enfrentamento em contextos genéricos, desconsiderando as
particularidades de uma condição de adoecimento pediátrico.
Entre esses instrumentos, diversas categorias de estratégias têm sido empregadas para avaliação dos cuidadores,
inclusive busca por suporte social, uso de substâncias psicoativas, procura por informações e religiosidade. Nos
contextos específicos de tratamentos em saúde, a EMEP (Seidl et al., 2001) tem sido bastante empregada, com
resultados interessantes. Essa escala enfatiza a caracterização do enfrentamento em quatro categorias principais, com
bons índices de fidedignidade: (a) estratégias focalizadas no manejo do problema, como buscar informações sobre o
tratamento e realizar um plano terapêutico; (b) estratégias focalizadas nas respostas emocionais, como, por exemplo,
expressar emoções negativas ou culpabilização; (c) estratégias focalizadas em práticas religiosas e espiritualistas,
como rezar/orar e pensar de modo otimista; (d) estratégias focalizadas na busca por suporte social, como conversar
com amigos ou familiares e solicitar conselhos.
Rede de apoio sociofamiliar, práticas parentais e condição de risco/proteção
psicossocial ao desenvolvimento infantil
Contexto de vulnerabilidade e/ou violência na família
Em contexto de adoecimento pediátrico, a qualidade da dinâmica familiar tem papel preponderante na vivência e na
adaptação da criança às demandas e aos desafios de um tratamento. Além disso, é no contexto de atendimento
pediátrico que questões relacionadas aos vínculos afetivos parentais aparecem de forma importante, sendo, portanto,
elemento essencial a ser abordado por parte da avaliação psicológica e interdisciplinar. Em todos os níveis de
assistência em saúde, avaliar a condição sociofamiliar e as práticas parentais se torna elemento essencial para a
promoção de qualidade de vida e para a prevenção de agravos à saúde do infante. No Brasil, não há publicação de
instrumento avaliativo desse contexto psicossocial validado e adaptado à cultura nacional; contudo, há iniciativas
ainda não concluídas para adaptação do Psychosocial Assessment Tool (PAT) (Kazak et al. 2001), instrumento
bastante utilizado internacionalmente como possibilidade de avaliação da rede de apoio sociofamiliar dos cuidadores,
bem como de condições de risco e proteção ao desenvolvimento infantil.
Nas últimas décadas, apesar de a estrutura familiar ter mudado rapidamente, sua importância e significação na
vida dos seus integrantes, especialmente crianças e adolescentes, permanece sólida. Essa instituição social ainda é
reconhecida como berço de proteção e afetividade, por meio do qual os indivíduos buscam acolhimento e apoio
afetivo e financeiro, entre outros. Assim, a família constitui-se lócus primário de socialização, onde seus membros
terão as primeiras vivências e ensinamentos de vida (Ribeiro, Santos, & Freitas, 2015).
Dessa forma, por se tratar de uma instituição primária, recai sobre a família a responsabilidade de participar
ativamente da vida de seus membros e acompanhá-los durante o processo de desenvolvimento. No entanto, nem
sempre a família consegue exercer esse papel de primeiro e principal núcleo de proteção de suas crianças e
adolescentes. Pelo contrário, diversos estudos revelam que a maioria dos agressores é algum familiar e/ou amigo da
família, uma pessoa em quem a criança/adolescente confia. A violência frequentemente ocorre perto ou mesmo
dentro da casa da vítima ou do agressor.
No estudo de Franzin, Franzin e Moysés (2012), a mãe aparece como a principal perpetradora da violência física
intrafamiliar. Na pesquisa de Assis e Deslandes (2006) e Rocha e Moraes (2011), o pai foi identificado como o
principal perpetrador das violências física, sexual e psicológica, enquanto a negligência e o abandono tiveram como
principal autor a figura materna. A madrasta e as avós também se apresentaram com elevados percentuais,
caracterizando-se como perpetradores da violência psicológica no contexto familiar, de acordo com esses estudos.
Esses dados revelam que a família parece configurar-se como potencial fator de risco ao desenvolvimento de seus
membros, invertendo-se, assim, seu papel de protetora (Maia, Nunes Silva, & Silva, 2017).
Segundo o Ministério da Saúde (Brasil, 2010), a violência intrafamiliar ocorre nas relações intergeracionais e
hierárquicas, atingindo mais as crianças e os adolescentes, dada sua fragilidade emocional e física. Essa violência
“consiste em formas agressivas de a família se relacionar, por meio do uso da violência como solução de conflito e
como estratégia de educação. Inclui, ainda, a falta de cuidados básicos com seus filhos” (Brasil, 2010, p. 26-27).
Nesse sentido, o Ministério da Saúde (Brasil, 2010) adverte que a violência intrafamiliar é um grave problema de
saúde, estabelecendo obstáculos para o desenvolvimento econômico e social, bem como para a garantia dos direitos
humanos.
Por essa razão, não só os pais, familiares e responsáveis, mas também profissionais da saúde e da educação que
lidam cotidianamente com indivíduos nessas fases do desenvolvimento, devem prevenir situações de violência,
promover contextos de proteção. Todos esses atores sociais envolvidos, ao fortalecerem as competências familiares
para intervir nos fatores de risco, ao potencializarem os mecanismos protetores e reconhecerem formas de violência,
especialmente sexual, podem evitar danos adicionais para o desenvolvimento das crianças e dos adolescentes (Vilela,
2003).
A violência intrafamiliar se manifesta de diversas formas: violência psicológica, física, sexual, negligência e
abandono. A violência psicológica ocorre em situações nas quais o sujeito é “desqualificado de suas capacidades,
potencialidades, desejos e emoções ou cobrado excessivamente por pessoa significativa durante o período de
crescimento e desenvolvimento” (Assis & Avanci, 2006, p. 59). A violência psicológica pode abranger ameaça,
humilhação, chantagem, ridicularização, desvalorização, entre outras formas de violência (Brasil, 2010).Mestranda
em Psicologia na UFRGS.
Larissa de Oliveira e Ferreira. Psicóloga. Professora do Curso de Psicologia da Faculdade Estácio de Sá de Goiás.
Especialista em Neuropsicologia pela PUC Goiás. Mestra em Psicologia pela PUC Goiás. Doutoranda em Psicologia
na PUC Goiás.
Márcia Camaratta Anton. Psicóloga do HCPA. Especialista em Psicologia Hospitalar pela UFRGS e em
Psicoterapia de Orientação Psicanalítica pelo ESIPP – Estudos Integrados de Psicoterapia Psicanalítica. Mestra e
Doutora em Psicologia do Desenvolvimento pela UFRGS.
Maria Aparecida Crepaldi. Psicóloga clínica e hospitalar. Professora titular do Programa de Pós-graduação em
Psicologia da UFSC. Coordenadora pedagógica do Familiare Instituto Sistêmico. Especialista em Psicologia Clínica
Infantil pela USP e em Terapia de Família e Casais pelo Instituto de Terapia Familiar de São Paulo (ITF/SP). Mestra
em Psicologia Clínica pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio). Doutora em Saúde Mental
pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Marília Dalva Turchi. Infectologista. Professora titular do Departamento de Saúde Coletiva do Instituto de
Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (UFG). Mestra e Doutora em Doenças
Infecciosas pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Marina Kohlsdorf. Psicóloga. Mestra e Doutora em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela UnB.
Pâmela de Freitas Machado. Psicóloga. Mestra em Psicologia pela PUCRS.
Prisla Ücker Calvetti. Psicóloga. Professora substituta do Departamento de Psicologia da UFCSPA. Especialista em
Terapias Cognitivo-comportamentais pela Wainer e Piccoloto. Mestra e Doutora em Psicologia pela PUCRS. Pós-
doutorado em Medicina: Ciências Médicas na UFRGS.
Rosemary Inácio Viana. Psicóloga. Especialista em Psicologia da Saúde e Trabalho pela Universidade do Oeste de
Santa Catarina (UNOESC).
Sílvia Maria Gonçalves Coutinho. Psicóloga da Secretaria de Saúde do Distrito Federal. Mestra em Psicologia da
Saúde e Desenvolvimento Humano pela UnB. Doutora em Psicologia da Saúde e Desenvolvimento Humano:
Comunicação de Más Notícias pela UnB.
Suelen Bordignon. Psicóloga. Especialista em Psicoterapia Cognitivo-comportamental pela Wainer e Piccoloto.
Mestra e Doutora em Psicologia pela UFRGS.
Tatiana Quarti Irigaray. Psicóloga clínica. Professora adjunta do Programa de Pós-graduação em Psicologia da
PUCRS. Especialista em Avaliação Psicológica e Neuropsicologia pela UFRGS. Mestra e Doutora em Gerontologia
Biomédica pela PUCRS.
Thais Cristina Delazeri. Psicóloga clínica. Especialista em Psicologia Clínica pelo Instituto Fernando Pessoa.
Formação em Psicoterapia de Orientação Analítica pelo Centro de Estudos Luís Guedes (CELG) do HCPA.
Valéria Gonzatti. Psicóloga clínica. Professora convidada dos Cursos de Atenção Geriátrica Integrada do Instituto
de Geriatria e Gerontologia da PUCRS. Especialista em Neuropsicologia pelo CFP e UFRGS. Especialista em
Psicologia Hospitalar: Avaliação Psicológica pela USP. Mestra em Psicologia pela PUCRS. Doutoranda em
Psicologia na PUCRS.
PREFÁCIO
Quando iniciamos a organização deste novo livro da coleção Avaliação Psicológica, nosso objetivo, além de
contribuir para a visibilidade do trabalho dos psicólogos atuantes nos contextos de saúde e hospitalar, era propor um
modelo de atuação que incluísse a atenção aos processos de avaliação psicológica, entendendo-os como um dos
pilares da prática psicológica baseada em evidências.
É comum ocorrerem interpretações equivocadas acerca do conceito e da prática da avaliação psicológica no
âmbito da saúde. Como procedimento técnico e baseado em método científico, a avaliação psicológica engloba muito
mais do que a mera utilização e aplicação de testes padronizados (testagem psicológica), que podem, na realidade,
fazer parte ou não desse processo. Assim, os conteúdos selecionados para este livro consideraram os últimos avanços
em pesquisa e a discussão dos melhores métodos e instrumentos de avaliação para psicólogos que atuam nos
contextos de saúde e hospitalar. Em cada capítulo, o leitor encontrará uma abordagem complexa e ampla da
problemática de saúde específica, que irá guiá-lo no processo de avaliação de cada casuística.
Além disso, integramos práticas profissionais diferenciadas em uma única obra e, portanto, mencionamos ambos
os contextos, de saúde e hospitalar. Embora no exterior essa diferenciação não exista, no Brasil a prática profissional
da psicologia historicamente desenvolveu seu campo de atuação nesses âmbitos de maneira independente. O próprio
Conselho Federal de Psicologia mantém diferenciações para as especialidades de “Psicologia Hospitalar” (Resolução
nº 013/2007) e “Psicologia em Saúde” (Resolução nº 03/2016). Assim, o leitor encontrará neste livro capítulos afins
tanto a espaços de atenção de saúde não hospitalar quanto ao contexto do hospital, escritos por especialistas
brasileiros, que buscaram dar ênfase à relação entre a teoria e a prática.
A presença da psicologia nos contextos de saúde e hospitalar é uma realidade no Brasil. Porém, se olharmos para
as prateleiras das livrarias, obras dedicadas à prática profissional da psicologia nesses âmbitos ainda são escassas.
Notamos, portanto, a falta de livros e recursos de consulta com o propósito da avaliação clínica voltada para tais
contextos a fim de informar e orientar os psicólogos que entram nesse ambiente a respeito das características e do
desenvolvimento de suas atividades no que concerne ao aspecto avaliativo. Poder servir de modelo para a atuação
profissional e fonte de conhecimento com qualidade para guiar a prática psicológica é, talvez, um dos principais
vetores que diferenciam este livro dos demais.
Buscamos, com esta obra, preencher a lacuna no conjunto de ferramentas e recursos disponíveis para treinar
psicólogos que desenvolvem ou pretendem desenvolver suas atividades em serviços de saúde e hospitais. Uma
prática efetiva e eficiente sustenta-se em uma atualização constante, para a qual são necessários estudo e leituras,
assim como a incorporação do conhecimento fornecido pela pesquisa. Desse modo, a leitura de Avaliação
psicológica nos contextos de saúde e hospitalar é essencial para estudantes e profissionais da área, bem como para
pesquisadores das ciências da saúde.
O conjunto dos capítulos aqui reunidos abarca diferentes demandas profissionais, como, por exemplo, diretrizes
para a avaliação psicológica de crianças em situação de hospitalização, atenção à avaliação de pais e cuidadores de
pacientes pediátricos, abordagem da avaliação no contexto da atenção primária em saúde, atenção à avaliação de
intervenções para a prevenção e a promoção da saúde, bem como para a modificação de hábitos e estilos de vida não
saudáveis.
Também são abordados desafios atuais para a psicologia no contexto de saúde, como infecções virais emergentes
e reemergentes (p. ex., dengue, zika e chikungunya), reabilitação física e cognitiva, distúrbios cardiovasculares,
serviços de screening e check-up de saúde, doenças crônicas não transmissíveis, situação de transplante, câncer,
cirurgia bariátrica e cirurgia de afirmação de gênero, além de avaliação psicológica e de seguimento em clínicas
geriátricas e asilos.
A atenta leitura desta obra ajudará o profissional em sua atualização, a fim de oferecer o melhor tratamento
possível a partir da avaliação psicológica criteriosa, mostrando compromisso e engajamento com o sistema de saúde,
em busca da excelência na atenção e no cuidado à saúde.
Para concluir, não poderíamos deixar de agradecer de maneira especial a todos os autores que dedicaram seu
tempo, seu esforço, seu conhecimento e sua experiência ao desenvolvimento dos conteúdos deste livro.
Claudio Simon Hutz
Denise Ruschel Bandeira
Clarissa Marceli Trentini
Eduardo Remor
SUMÁRIO
1Avaliação psicológica em contextos de saúde e hospitalar
Eduardo Remor
2Avaliação psicológica de crianças hospitalizadas
Adriano Valério dos Santos Azevêdo
Beatriz Schmidt
Maria Aparecida Crepaldi
3AvaliaçãoA violência
física é todo ato violento com uso da força física de forma intencional, praticado com o objetivo de ferir, lesar ou
destruir a criança ou adolescente, deixando ou não marcas evidentes em seus corpos e chegando a provocar sua
morte. Essa é a forma de violência identificada com mais frequência, inclusive pelos serviços de saúde (Rocha &
Moraes, 2011).
Já a violência sexual está baseada em uma “relação de poder que pode incluir desde carícias, manipulação da
genitália, mama ou ânus, exploração sexual, ‘voyeurismo’, pornografia e exibicionismo, até o ato sexual com ou sem
penetração, com ou sem violência física” (Associação Brasileira Multiprofissional de Proteção à Infância e
Adolescência, 2002, p. 6). A negligência também tem sido considerada outra forma de violência intrafamiliar, que se
refere a omissões de pais ou de responsáveis por crianças e adolescentes, caracterizada pela privação das
“necessidades básicas para o desenvolvimento físico, emocional e social” desses sujeitos (Souza & Jorge, 2006, p.
25), sendo o abandono considerado a forma de negligência mais grave.
Assis e Deslandes (2006) afirmam que os homens são os maiores agressores contra a mulher e que são eles que
causam os maiores danos, enquanto as mulheres são as maiores agressoras contra as crianças. Alguns autores (Assis
& Deslandes, 2006; Rocha & Moraes, 2011) indicam as mães como principais agressoras dos filhos em decorrência
de maior interação e convivência com eles e da ausência paterna para compartilhar os cuidados com a prole. Também
mencionam que a ocorrência da violência intrafamiliar raramente é denunciada pelas vítimas devido a motivos
afetivos, medo de causar discórdia/separação familiar ou medo do agressor.
Diante desse contexto, tornam-se urgentes políticas de proteção para as famílias, a fim de prevenir a violência, e,
mais do que isso, fortalecer o papel protetivo desse contexto para o desenvolvimento saudável na infância e na
adolescência. Tendo em vista o nível de gravidade de condições violentas para o desenvolvimento infantil, torna-se
premente a avaliação dessa condição familiar no contexto pediátrico.
Conhecendo os fatores de risco e de proteção da violência contra a criança e o adolescente
Em primeiro lugar, é preponderante destacar o caráter dinâmico e subjetivo de fatores de risco, que devem ser
trabalhados como processo, e não como variável em si, e devem ser relativizados de acordo com a própria
subjetividade da pessoa, assim como os fatores de proteção, que devem estar em equilíbrio com a história de vida da
criança e do adolescente (Calvetti, Muller, & Nunes, 2007).
Os fatores de risco são eventos ou situações já estabelecidos propícios ao surgimento de problemas físicos,
psicológicos e sociais (Calvetti et al., 2007). Um estudo de Poletto e Koller (2008) destaca que esses riscos estão
relacionados aos acontecimentos/eventos de vida negativos, que podem potencializar e predispor o indivíduo a
apresentar problemas emocionais, físicos ou sociais.
De acordo com Poletto e Koller (2008), o estabelecimento de fatores de risco pode contribuir para a melhor
compreensão da problemática e para a elaboração de estratégias de prevenção e de diagnóstico precoce de um
contexto de vulnerabilidade para violência na infância e na adolescência. Pesquisas apontam diversos fatores de risco
para a violência contra crianças e adolescentes:
a. pobreza, desigualdades sociais, contexto de violência, exclusão social e vulnerabilidade (Abramovay, Castro,
Lima, & Martinelli, 2002);
b. pais/responsáveis com transtornos da personalidade, impulsividade, agressividade, transtornos do humor, doenças
mentais e físicas, deficiências físicas, depressão pós-parto e uso de drogas lícitas e ilícitas (Maia, Nunes Silva, &
Silva, 2017);
c. altos níveis de tensão e falta de diálogo, história de uso de drogas e antecedentes criminais, bem como história ou
relatos de violência intrafamiliar na juventude, violência, maus-tratos ou abandono entre os membros da família
(Brasil, 2010);
d. presença de violência conjugal, práticas educativas punitivas e estilo parental negligente e autoritário do pai (De
Antoni & Batista, 2014);
e. história de violência transgeracional, com relações de poder desiguais nos relacionamentos familiares, falta de
comunicação, segredos, ameaças, baixa coesão familiar e altos níveis de conflitos (Abramovay et al., 2002);
f. nos casos de violência sexual: longa permanência da criança sozinha com o agressor, falta de comunicação,
segredo, inversão de papéis, sobreposição de tipos de violência no contexto familiar e famílias isoladas, as quais
se encontram distantes dos serviços de rede de apoio e nas quais há um maior padrão de segredo familiar (De
Antoni & Koller, 2010).
Com relação à violência sexual, cabe observar que esta ocorre em todas as classes sociais, mas as estatísticas
mostram que é mais frequente entre meninas de 7 a 14 anos negras e pardas das classes sociais menos favorecidas.
Cabe observar, porém, que meninos também são vítimas de violência sexual (Maia, Nunes Silva, & Silva, 2017).
Em contrapartida, Figueira, Gomes, Diniz e Silva Filho (2011) enfatizam a necessidade de considerar nessa
equação do risco a presença dos chamados fatores de proteção. Estes são condições do próprio indivíduo ou do
contexto em que vive que podem contribuir para um melhor enfrentamento de determinados eventos de risco. São
medidas preventivas ou situações já estabelecidas que funcionam como proteção às influências que transformam ou
melhoram respostas pessoais (Calvetti, Muller, & Nunes, 2007).
Esses fatores dizem respeito às influências que podem modificar, melhorar ou alterar as respostas pessoais a
determinados riscos de desadaptação (Poletto & Koller, 2008). O surgimento de um fator de proteção pode
determinar o aparecimento de outros em um dado instante, e, com isso, esses fatores podem minimizar ou abrandar o
impacto dos riscos, ampliando as opções no enfrentamento dos problemas (De Antoni & Koller, 2010). Constituem
os principais fatores de proteção contra a violência na infância e na adolescência:
a. a participação das famílias em grupos de apoio, tratamentos psicoterápicos, redes de apoio sociais, como
trabalho, escola e igreja, bem como o aumento da autoestima como fator de prevenção de abuso e maus-tratos na
família (De Antoni & Koller, 2010);
b. a presença de relacionamentos emocionais estáveis na família, a possibilidade da família de acessar serviços, a
valorização das conquistas e o desejo de mudança (De Antoni & Koller, 2010);
c. a presença de uma boa e articulada rede de apoio social e afetiva da criança/adolescente, formada por família,
escola, comunidade, serviços da rede de assistência social, Ministério Público, Conselho Tutelar, Delegacia, que
pode minimizar os efeitos da violência sofrida ou prevenir sua ocorrência (Maia et al., 2017);
d. o fornecimento de suporte à mãe, como tratamento psicológico, a ênfase no desejo de mudar a situação familiar e
a exploração de valores morais e espirituais (De Antoni & Batista, 2014);
e. o afastamento do agressor, a atitude de confiança da família diante da revelação e a atitude de denunciar o abuso
(Habigzang, Ramos, & Koller, 2011).
Em suma, a definição de um fator de risco ou de proteção depende “da qualidade das relações e da presença da
afetividade e reciprocidade que estes ambientes propiciam” (Poletto & Koller, 2008, p. 405). Assim, a necessidade de
apoio da família, inclusive o cuidado das crianças e dos adolescentes, depende da forma como o sistema familiar está
estruturado, bem como das condições nas quais a criança ou o adolescente vive. Ou seja, a família exerce forte
influência sobre a juventude e, dependendo da situação, pode agir como um potencial fator de risco (Maia et al.,
2017) ou um importante fator de proteção, promovendo uma rede de apoio social e afetiva na vida dos jovens e
auxiliando seu desenvolvimento físico, psicológico e social.
Na atualidade, muitas crianças e adolescentes são vítimas de violência intrafamiliarno Brasil, o que a torna um
problema de saúde pública e enfatiza a necessidade de a condição sociofamiliar da criança e de seus cuidadores ser
avaliada sob o aspecto psicológico. A presença de fatores de risco severos, intensos e crônicos se torna tanto causa
como consequência das relações impostas e vividas pelos membros da família (De Antoni & Batista, 2014). De
modo geral, observa-se uma presença maior de fatores de risco do que de fatores de proteção das crianças e
adolescentes, o que merece atenção especial por parte dos serviços de saúde que atendem esses casos. Essa equação
entre a interação de fatores de risco e de proteção revela a importância da qualificação do contexto familiar como
uma rede de apoio ao desenvolvimento de seus membros, por meio da articulação dos fatores de risco aos fatores de
proteção para diminuir o desenvolvimento da violência contra crianças e adolescentes.
Entretanto, percebe-se uma lacuna teórico-prática nas pesquisas sobre os fatores de proteção que possam
contribuir para a superação da violência. Isso significa que os estudos enfocam muito mais os fatores de risco
presentes no contexto da violência na infância e na adolescência. É fundamental, portanto, enfocar e trabalhar com os
fatores de proteção, procedendo à avaliação do risco nas condições de adoecimento infantil, intensificando a rede de
apoio social familiar e a rede de atendimento para poder amenizar essa forma violenta de interação familiar.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ponderando as questões descritas neste capítulo relacionadas a uma proposta para avaliação psicológica de
cuidadores pediátricos, destacam-se como considerações finais as dificuldades e os desafios existentes ao exercício
dessa avaliação.
Entre os desafios e dificuldades, ressalta-se a fragilidade da rede de apoio psicossocial em saúde como um
elemento crítico à efetiva avaliação, acolhimento e encaminhamento das famílias. A rede de proteção à criança e ao
adolescente se constitui por serviços da rede de assistência social, centros de atendimento psicossocial, Ministério
Público, Conselho Tutelar, delegacias de proteção especializadas, abrigos filantrópicos, entre outros, mas o diálogo
entre esses atores institucionais de saúde pública precisa ser estreitado, e sua atuação precisa primar pela eficiência e
efetividade. Questões urgentes de risco e de proteção à criança, quando detectadas em uma avaliação de cuidadores
pediátricos, precisam ser imediatamente acompanhadas; contudo, o encaminhamento formal aos estabelecimentos
que zelam pelo desenvolvimento infantil saudável é burocrático, vagaroso e tardio, e por vezes as próprias
instituições de amparo não têm condições mínimas para manejar as demandas em cuidados psicossociais.
Além disso, os serviços de saúde mental se encontram, em grande parte, sobrecarregados pelas demandas
complexas características do cuidado pediátrico. Essa condição é resquício do modelo biomédico tradicional, ainda
enraizado nos serviços de saúde, que fragmenta a atuação e o acompanhamento em áreas independentes, em vez de
proporcionar a integração interdisciplinar como fundamento para a avaliação e o acolhimento pediátricos.
Destacam-se, ainda, dificuldades relacionadas especificamente à história de vida, à escolarização e à formação
pessoal dos cuidadores pediátricos, elementos que influenciarão potencialmente as dificuldades do autorrelato,
conforme já sinalizado por Kohlsdorf e Costa Junior (2009). De forma genérica, a condição emocional do cuidador
pode estar bastante fragilizada no momento da avaliação, aspecto que pode prejudicar sua compreensão acerca das
perguntas avaliativas e enviesar as conclusões sobre a condição real dos pais de crianças em tratamento. Além disso,
o envolvimento emocional intenso dos pais nesse contexto de demandas em cuidados é variável moderadora de sua
percepção da situação e, consequentemente, das respostas que fornecerão em contexto avaliativo. No entanto, essa é
uma variável central, que não pode ser retirada do contexto de acolhimento, por fazer parte da própria condição de
avaliação.
Outros fatores, como a baixa escolarização e a desejabilidade social, também podem enviesar as respostas dos
pais, dificultando a comunicação e a avaliação fidedigna da relação dos cuidadores com o adoecimento pediátrico e a
vivência dos processos psicológicos básicos envolvidos (Kohlsdorf & Costa Junior, 2009). A própria adesão dos pais
ao processo avaliativo também é um elemento delicado, considerando que o Brasil ainda não tem uma cultura
educacional e assistencial caracterizada por avaliações em saúde mental: há, muitas vezes, desconfiança por parte dos
cuidadores acerca dos objetivos da entrevista e do uso que será feito dos resultados obtidos, especialmente em
relação a avaliações de risco psicossocial. Como consequência, em geral são obtidas respostas muito curtas, objetivas
e pouco explicativas para questões familiares, além de relatos que não correspondem fielmente à realidade afetiva e
psicossocial vivenciada pelos pais e pela criança.
A falta de instrumentos validados para o contexto nacional também responde por uma dificuldade importante na
avaliação de cuidadores. De modo geral, existem escalas e questionários genéricos para avaliação de processos como
enfrentamento, comunicação, adesão aos cuidados, condição psicológica global (ansiedade, depressão, ideação
suicida, estresse pós-traumático) e avaliação de risco psicossocial, mas faltam instrumentos particulares ao contexto
pediátrico que possam delinear de modo mais fidedigno as vivências particulares dos pais nessa condição.
Considerando que o contexto de saúde-doença pediátrico é extremamente específico, instrumentos eficientes para a
avaliação de cuidadores deveriam considerar elementos característicos dessa conjuntura, que são moderadores
diretos da condição psicológica dos acompanhantes pediátricos. Como consequência, a avaliação dos pais permanece
restrita ao autorrelato, que não se configura como medida plenamente confiável e fidedigna em psicologia da saúde
(Kohlsdorf & Costa Junior, 2009).
Por fim, destaca-se, ainda, a necessidade de rever a própria formação do profissional em psicologia, que muitas
vezes não contempla os processos avaliativos de modo aprofundado e como um instrumento valioso em contextos de
saúde. A avaliação de cuidadores pediátricos precisa ser considerada de forma processual, complexa e dinâmica,
evitando-se juízos reducionistas e superficiais, tendo em vista que esse procedimento consiste no primeiro e mais
importante passo para o acolhimento da família em suas necessidades específicas e em um aspecto extremamente
importante no contexto preventivo em psicologia pediátrica. A avaliação psicológica de cuidadores pediátricos é, em
última instância, o passo primordial para o cuidado pediátrico qualificado e eficiente, tendo em vista que os pais
constituem o ambiente imediato de desenvolvimento da criança e exercem papel essencial na adaptação do paciente
pediátrico a contextos potencialmente aversivos característicos do processo de adoecimento.
AGRADECIMENTOS
As autoras agradecem à colega Carolina Garcia Coutinho Leão, responsável pela formulação da versão preliminar do
roteiro de avaliação psicológica de cuidadores pediátricos (Apêndice) composta por dados sociodemográficos e
caracterização da internação.
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4
AVALIAÇÃO EM SAÚDE MENTAL NA ATENÇÃO
PRIMÁRIA
Jenny Milner Moskovics
Pâmela de Freitas Machado
A ATENÇÃO PRIMÁRIA E AS PRÁTICAS DA PSICOLOGIA
A inserção da psicologia e das práticas em saúde mental na assistência pública à saúde no Brasil, a partir do final dos
anos 1970, contribuiu para a construção de uma alternativa ao modelo psiquiátrico hospitalocêntrico, ao mesmo
tempo que atendeu à demanda de ampliação do campo de trabalho dos psicólogos, que viam esgotado o mercado de
atendimento psicológico no setor privado (Zurba, 2011; Poubel, 2014).
O ideário individualista e adaptacionista que marcava a cultura profissional dos psicólogos brasileiros à época não
permitia a análise das dimensões culturais, históricas e políticas dos comportamentos e limitava sua atenção às
técnicas próprias da psicologia, demarcando um espaço de atuação isolado dos demais profissionais da saúde e da
comunidade. Essa prática levava à psicologização dos problemas sociais, à seleção e à hierarquização da clientela e,
consequentemente, à baixa eficácia das terapêuticas e ao alto índice de abandono dos tratamentos (Medeiros,
Bernardes, & Guareschi, 2005).
À medida que a psicologia foi se deparando com esses impasses, viu-se obrigada a revisar sua concepção de
subjetividade, suas representações de saúde-doença, assim como sua perspectiva universal-essencialista, que acredita
na eficácia intrínseca dos procedimentos psicoterápicos de qualquer natureza. Os psicólogos começaram a perceber,
então, que seu arsenal teórico-técnico nem sempre era adequado para as ações do campo da assistência pública à
saúde, já que estava orientado por parâmetros típicos da classe média, utilizados para a padronização de seus
instrumentos, métodos e técnicas (Poubel, 2014).
A implantação do Sistema Único de Saúde (SUS), em 1990, demarca uma importante revisão dos modelos
epistemológicos e metodológicos no campo da saúde, que passa a ser abordada como uma questão integral,
interdisciplinar, plural e coletiva. A Atenção Primária à Saúde (APS) constitui a porta de entrada dos usuários ao
SUS e caracteriza-se por um conjunto de ações no âmbito individual e coletivo, que abrangem a proteção, a
recuperação e a promoção da saúde, assumindo seu cuidado integral e longitudinal. Seus principais serviços e
atividades são conduzidos pela Estratégia de Saúde da Família (ESF), composta por médico generalista, enfermeiro e
agentes comunitários de saúde, cujo enfoque está na família, e não no indivíduo, substituindo o modelo tradicional de
atenção, tipicamente curativo e hospitalocêntrico, por um modelo interdisciplinar, intersetorial e territorializado
(Freire & Pichelli, 2013; Poubel, 2014).
Segundo o Ministério da Saúde, os profissionais da APS podem e devem atuar na abordagem dos usuários com
sofrimento emocional/transtorno mental, possibilitando o cuidado longitudinal que fortifique o vínculo com os
usuários e suas famílias. Nesse nível de atenção à saúde, as intervenções são concebidas na realidade do dia a dia do
território, com as singularidades dos usuários e de suas comunidades. A proposta é que os profissionais exerçam
algum grau de cuidado, para além do desenfreado sistema de medicalização, atuando como terapeutas e gestores da
atenção e referenciando os usuários aos serviços especializados de saúde mental quando necessário. Porém, é comum
que os profissionais tenham dúvidas sobre a abordagem e a avaliação das demandas dos usuários e sobre o que falar
ou perguntar em seu atendimento, temendo piorar sua situação (Brasil, 2013; Chiaverini, 2011).
Assim, as diversas demandas existentes no cotidiano dos serviços de APS no território apontaram para a
necessidade da incorporação de outros profissionais, o que resultou na criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da
Família (NASF), em 2008, que ampliaram suas ações, auxiliando a ESF por meio de apoio matricial, atendimento
compartilhado, troca de saberes, capacitação e responsabilidades mútuas (Freire & Pichelli, 2013). A psicologia
passa a se articular com outros campos de saber e começa a construir um novo olhar para o sofrimento psíquico
gerado na população, buscando técnicas mais próximas de sua realidade (Medeiros et al., 2005; Poubel, 2014).
Formulado por Gastão Wagner Campos, o apoio matricial, ou matriciamento, tem a função de proporcionar ajuda
especializada, suporte técnico-pedagógico e apoio institucional no processo horizontal de construção coletiva de
projetos terapêuticos e de intervenção. Funciona como um importante dispositivo para propiciar momentos de
encontro entre as equipes que trabalham em diferentes níveis de atenção, valorizando as trocas de saberes entre
especialistas de diferentes áreas e generalistas, com o intuito de garantir corresponsabilização e integralidade da
atenção em todo o sistema de saúde (Cunha & Campos, 2011).
O apoio matricial passa a ser, então, uma nova maneira de produzir saúde mental, na qual duas ou mais equipes,
em um processo de construção em conjunto, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. O papel do
psicólogo apoiador matricial não é mais o de “curador”, mas o de agente de mudanças, superando o modelo de
atuação clínico-assistencialista (Freire & Pichelli, 2013).
O NASF se constitui no espaço de trabalho do psicólogo na APS, que procura construir, conjuntamente com as
equipes, respostas para as mais variadas demandas de saúde mental do território. Dessa forma, não é o psicólogo,
isoladamente, a partir de sua área de conhecimento e de seu conjunto de técnicas, o único responsável pela
construção da avaliação dos indivíduos que apresentam sofrimento psíquico individual ou familiar, já que estes
explicitam toda sorte de problemas sociais, institucionais e econômicos que precisam ser levados em consideração,
sob pena de se reproduzirem as históricas abordagens individualistas e adaptacionistas presentes na origem de suas
práticas. É fundamental que o profissional procure integrar recursos oriundos das abordagens clínicas tradicionais ao
trabalho em equipe e à sensibilidade para com as peculiaridades culturais e socioeconômicas das comunidades. As
demandas precisam ser avaliadas para mais além do indivíduo, como expressão subjetiva de sofrimento de uma dada
coletividade (Jimenez, 2011).
Segundo Jimenez (2011), não existem respostas, métodos ou técnicas prêt-à-porter que atendam às necessidades
de todas as comunidades. Portanto, o psicólogo precisa lançar mão de recursos que, agregando instrumentos da
clínica com as contribuições das abordagens social e institucional, ampliem o olhar, a escuta e, consequentemente,
suas possibilidades de intervenção. As abordagens domiciliares em equipe e o apoio matricial são importantes
ferramentas de cuidado, que podemcontribuir para a análise das demandas.
A interconsulta é o principal instrumento do apoio matricial na APS. Trata-se de uma prática interdisciplinar, que
se caracteriza por uma ação colaborativa entre profissionais de diferentes áreas, podendo consistir em discussões de
casos, consultas e visitas domiciliares conjuntas. Possibilita a construção de uma compreensão integral do processo
saúde/doença, a construção de projetos terapêuticos, assim como a ampliação de abordagens psicossociais
(Chiaverini, 2011).
Nesse sentido, foi relevante a introdução da diretriz da Clínica Ampliada junto à Política Nacional de
Humanização (PNH) do Ministério da Saúde, em 2003. Trata-se de uma ferramenta teórica e prática que tem como
finalidade contribuir para uma abordagem clínica do adoecimento e do sofrimento que leva em conta a singularidade
do sujeito e a complexidade do processo saúde/doença, permitindo a superação da fragmentação do conhecimento e
das ações de saúde. Parte-se do reconhecimento de que os conhecimentos e as tecnologias empregados pelos
profissionais da saúde apresentam limitações, o que torna essencial a busca de auxílio em outros setores para além da
saúde (intersetorialidade) (Brasil, 2009).
Essa ferramenta modificou a escuta dos profissionais da saúde mental, que não pode mais se esgotar nas falas dos
sujeitos atendidos, mas requer, também, um olhar sobre as questões presentes na sociedade mais ampla. É essa
escuta, que inclui as relações familiares e as redes sociais, a que possibilita perceber o usuário a partir de sua
singularidade e integralidade e promove uma clínica que lida não apenas com a interioridade psicológica do sujeito,
mas também com a rede de subjetividade que o envolve, levando em conta os princípios de igualdade e equidade.
Um grande avanço no campo da saúde mental ocorreu em 2011, quando, por meio da Portaria nº 3.088, de 23 de
dezembro de 2011, foi instituída a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), que propõe um modelo de atenção em
saúde mental aberto e de base comunitária, que garante o acesso e a circulação das pessoas com sofrimento psíquico
pelos serviços de saúde de diferentes níveis de complexidade. A RAPS tem como objetivo articular ações de saúde
de diferentes serviços na busca da promoção dos direitos das pessoas que necessitam de cuidados de saúde mental:
Atenção Primária à Saúde; Centros de Atenção Psicossocial; Atenção de Urgência e Emergência; Serviços
Residenciais Terapêuticos; Atenção Hospitalar; Estratégias de Reabilitação Psicossocial, considerando a
horizontalidade do cuidado e o protagonismo do usuário. A RAPS atua em uma perspectiva territorial, o que permite
conhecer as especificidades locorregionais, promover a equidade na atenção e facilitar a organização dos serviços em
rede regionalizada, por meio de ações intersetoriais, para garantir a integralidade do cuidado e a qualidade do
acolhimento e do acompanhamento contínuo (Brasil, 2018).
O diagnóstico é compreendido como uma construção conjunta entre os diferentes pontos da RAPS, que permite a
formulação do Projeto Terapêutico Singular (PTS) ancorado nos princípios do SUS, sendo um processo dinâmico e
em constante avaliação. Na formulação do PTS, devemos considerar alguns critérios norteadores: abordagem
biológica e farmacológica; abordagens psicossocial e familiar; apoio do sistema de saúde; apoio da rede comunitária;
trabalho em equipe; e distribuição de responsabilidades e tarefas (Chiaverini, 2011).
Assim, o processo de construção de rede em saúde requer do profissional um olhar ampliado do sujeito, que
considere os diferentes atravessamentos que constituem sua vida e sua singularidade. O PTS exige uma postura
interdisciplinar e crítica do trabalhador em saúde, tendo em vista o desafio de dialogar com diferentes perspectivas e
áreas do conhecimento. Nesse cenário, pensar a construção da avaliação em saúde mental na APS significa entrar em
contato com um processo complexo, que possibilite o diálogo de aspectos intrapsíquicos do sujeito com uma
variedade de aspectos intersubjetivos e sociais.
A CONSTITUIÇÃO DA AVALIAÇÃO EM SAÚDE MENTAL NO CAMPO DA
ATENÇÃO PRIMÁRIA
Levando-se em consideração a complexidade do SUS, a avaliação em saúde mental no campo da atenção primária
pode ser uma ferramenta fundamental para a construção de um PTS com objetivos mais claros e específicos. Além
disso, pode significar um grande diferencial com relação ao tipo e à qualidade do atendimento oferecido ao usuário,
bem como diminuição do sofrimento e de custos operacionais institucionais.
No entanto, constituir uma prática de avaliação em saúde mental considerando também a utilização de
instrumentos apresenta-se como um desafio para os serviços da atenção primária, visto que a psicologia não compõe
a equipe mínima da ESF. O trabalho do psicólogo nesse campo está vinculado às práticas de matriciamento, as quais
costumam não se ancorar em paradigmas que compartilham a utilização de instrumentos mais objetivos para
avaliação do usuário. Contudo, muitas pesquisas internacionais vêm demonstrando a importância de aproximar
diferentes perspectivas no sentido de promover complementariedade e qualificação do atendimento prestado na
atenção primária. Pesquisas em psicologia da saúde e medicina comportamental, principalmente internacionais, vêm
crescendo exponencialmente nas últimas três décadas (Montgomery, 2004). Tal cenário nos convoca a investir em
um corpo de conhecimento acumulado por intermédio do binômio prática/pesquisa, preconizando a importância do
contínuo desenvolvimento de pesquisas para a criação de protocolos específicos de avaliação em saúde mental em
diferentes nichos nos vários ambientes de saúde.
No campo da psicologia, a avaliação psicológica está baseada no método científico, e a aplicação de instrumentos
psicológicos é apenas uma parte, porém importante, de todo um processo. A avaliação psicológica é considerada um
processo que pode (ou não) incluir testes padronizados como um dos recursos para atingir seus objetivos. Nela estão
envolvidos a coleta das informações, os instrumentos e as diversas formas de medidas para que se possa chegar a
uma conclusão. Ou seja, o processo de avaliação psicológica pode incluir diferentes procedimentos de medidas,
identificar dimensões específicas do sujeito, de seu ambiente e da relação entre eles. Portanto, cada procedimento de
medida, como explica Pasquali (2001), ou de investigação, requer um resultado síntese, que não pode ser confundido
com o resultado final, pois este está relacionado com a análise de todos os dados colhidos durante o processo.
Contudo, a aplicação de testes psicológicos é uma tarefa restrita ao campo da psicologia, e o objetivo é apenas
inspirar-se na avaliação psicológica com a disponibilização de algumas ferramentas que não se constituem como
testes, mas como instrumentos de rastreio, podendo ser utilizados por outro profissional da ESF. Apesar da confusão
entre avaliação psicológica e aplicação de instrumentos observada na população leiga, e mesmo entre alguns
profissionais, a avaliação deve sempre manter um compromisso ético e humanitário, que leva obrigatoriamente a
compreender as técnicas utilizadas, suas funções, vantagens e limitações. Seu objetivo não é simplesmente rotular,
mas descrever, por meio de técnicas reconhecidas e de uma linguagem apropriada, a melhor compreensão de alguns
aspectos da vida de uma pessoa ou de um grupo (Pasquali, 2001).
No contexto da saúde, a avaliação vem ao encontro da formulação atual do conceito de saúde e das causas das
doenças. A saúde não é considerada apenas como ausência de sintomas, pois uma pessoa pode estar gravemente
enferma sem apresentar qualquer sintomatologia. Já as em relação às doenças, atualmente, não se considera que
tenham uma única determinação, mas que sejam multideterminadas (Straub, 2005). A avaliação no contexto da saúde
tem como objetivo principal a sistematização das informações dos vários aspectos do funcionamento do usuário. É
importante levar em consideração que há umainter-relação entre condições crônicas de saúde, intervenções
farmacológicas, fatores psicológicos, sociais e econômicos, associada a uma investigação compreensiva para a
identificação das causas do problema do usuário e das melhores possibilidades de tratamento e acompanhamento.
Assim, a qualidade da avaliação depende, em grande parte, da habilidade do profissional em recolher e contingenciar
as diversas variáveis relativas ao estado de saúde (Straub, 2005). Nesse sentido, deve-se tomar um cuidado extra para
não transformar instrumentos de avaliação em formas "enfaixadas" de avaliação, as quais, de forma contrária, em vez
de propiciarem linhas guias para o tratamento, acabam por limitar a compreensão do problema.
Dispositivos de avaliação em saúde mental na atenção primária
A APS é a principal articuladora das ações de saúde mental de diferentes pontos da RAPS, já que costuma ser a porta
de entrada dos usuários no que diz respeito às suas queixas e demandas. Tendo em vista que seus profissionais
costumam construir um forte vínculo com os usuários e suas famílias, já que se encarregam de seu cuidado
longitudinal, eles têm as melhores condições para acolher suas demandas em saúde mental. Porém, segundo Bolsoni
e Zuardi (2015), estudos recentes evidenciam que médicos generalistas falham em detectar 50% dos casos de
transtorno mental, o que reforça a importância da capacitação de profissionais da APS para a utilização de diferentes
dispositivos e para a aplicação de instrumentos breves de rastreio para esses transtornos.
O acolhimento é um dispositivo fundamental para a formação de vínculo e a prática de cuidado entre profissional
e usuário. Tendo em vista que a saúde mental não está dissociada da saúde em geral, as demandas podem aparecer
juntamente com diversas queixas orgânicas dos usuários que procuram atendimento, e muitos desses usuários
apresentam reações emocionais decorrentes das dificuldades da vida e de problemas psicossociais. No acolhimento, a
equipe do serviço oferece um espaço de escuta, possibilitando que usuários e famílias possam expressar suas aflições
e dúvidas, refletir sobre seu sofrimento e suas causas (Chiaverini, 2011; Brasil, 2013).
Delziovo, Pedebôs e Moretti-Pires (2012), utilizando a clínica ampliada como metodologia de trabalho, salientam
a importância de conhecer quem é o usuário e recomendam que este conte sua história de vida a sua maneira,
especialmente em relação a sua dinâmica familiar, sua origem cultural e rede social e se expresse sobre o sentido de
sua doença, levantando hipóteses sobre as razões por que acha que ficou doente, e o impacto em sua vida, seus
medos e forma de enfrentamento. Chiaverini (2011) propõe algumas questões importantes na investigação sobre os
motivos de busca de atendimento: ouvir sem menosprezo as queixas orgânicas, mesmo aquelas causadas por
mecanismos fisiopatológicos de origem emocional; descartar qualquer possível patologia orgânica para tranquilizar o
usuário; conversar com o usuário sobre sua vida naquele momento; perguntar-lhe o que acha que está causando seus
sintomas e se acha que há uma relação entre estes e o que está ocorrendo em sua vida; avaliar o grau de gravidade de
seu sofrimento emocional; discutir com o usuário como poderia ser apoiado para superar seus problemas na vida.
Chiaverini (2011) também aponta alguns aspectos que considera importantes para a análise do caso atendido:
informações sobre a pessoa, a família e o ambiente; problema apresentado no atendimento, nas palavras da própria
pessoa, de sua família e outros; história do problema atual (quando e como iniciou, fator desencadeante,
manifestações sintomáticas, evolução, intervenções biológicas ou psicossociais realizadas); configuração familiar
(genograma); vida social (participação em grupos, instituições, rede de apoio social, situação econômica).
No atendimento de crianças e adolescentes, Jimenez (2011) considera que a anamnese, ferramenta da clínica
psicológica tradicional, possibilita conhecer com a maior riqueza de dados e sentimentos possível a história de uma
criança ou adolescente. Indo além das questões que envolvem a queixa ou o sintoma, atentando para seu
desenvolvimento, assim como o de sua família, desde o ponto de vista orgânico, psicológico e sistêmico, propõe a
inclusão de questões como a migração, a presença de outras culturas, valores e crenças, os modos de subsistência e as
formas de lazer. Dessa forma, possibilita a compreensão do desenvolvimento da criança ou do adolescente de forma
contextualizada, tanto na dinâmica familiar quanto no plano social.
Desse modo, Delziovo e colaboradores (2012) salientam a importância de não reduzir a escuta à coleta de sinais,
prestando especial atenção aos sentimentos e aos significados do usuário e evitando que seus próprios valores,
crenças, estilo de vida e preconceitos interfiram em sua avaliação. As perguntas devem ser abertas, favorecendo
espaço para a narrativa do usuário.
Contudo, tendo em vista a dificuldade de detecção de transtornos mentais por parte dos profissionais da APS, a
aplicação de instrumentos breves de rastreio é um dispositivo que pode auxiliar na avaliação dos casos e na
construção do PTS. Bolsoni e Zuardi (2015) afirmam que a aplicação deve ter boa aceitabilidade, baixo custo e boa
acurácia. Destaca-se que esses instrumentos objetivam o levantamento de hipóteses diagnósticas. Em casos de
usuários em que for detectada a possibilidade aumentada de terem um transtorno mental, indica-se o aprofundamento
diagnóstico com a participação de outros pontos da RAPS, como o NASF e o Centro de Atenção Psicossocial
(CAPS)1.
Existem inúmeros instrumentos de rastreio para transtornos mentais que podem ser aplicados na atenção primária,
por serem de aplicação rápida e fácil. O Guia Prático de Matriciamento em Saúde Mental, publicado pelo Ministério
da Saúde, utilizado pelos profissionais da APS, sugere alguns instrumentos, como Miniexame do Estado Mental
(MEEM), Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (Teste de rastreamento para envolvimento
com álcool, tabaco e outras substâncias – ASSIST) e Cut down, Annoyed, Guilty, and Eye-opener Questionnaire
(Questionário CAGE). Bolsoni e Zuardi (2015), a partir de uma revisão sistemática sobre as características
psicométricas de instrumentos breves para rastreamento de múltiplos transtornos mentais em cuidados primários de
saúde, destacam os seguintes: Self-Reporting Questionnaire 20-items (SRQ-20), The 5-item World Health
Organization Well-being Index (WHO-5) e The Dartmouth COOP Functional Health Assessment Charts/WONCA
(COOP/WONCA charts), pois apresentaram-se bastante consistentes, coerentes e precisos em relação à
confiabilidade, com resultados excelentes.
A seguir, é apresentada uma breve descrição desses instrumentos.
Miniexame do Estado Mental (MEEM)
O MEEM (Folstein, Folstein, & McHugh, 2007) é um importante instrumento de rastreio de comprometimento
cognitivo. Como instrumento clínico, pode ser utilizado na detecção de perdas cognitivas, no seguimento evolutivo
de doenças e no monitoramento de resposta ao tratamento ministrado. Tendo em vista que o MEEM é um
instrumento de rastreio, sugere-se que sujeitos com escores inferiores aos das medianas descritas sejam submetidos a
melhor avaliação quanto a eventuais perdas funcionais em relação ao nível prévio, bem como sejam encaminhados
para avaliação mais detalhada. O MEEM é organizado por módulos diagnósticos independentes, elaborados de forma
a otimizar a sensibilidade do instrumento, a despeito de um possível aumento de falso-positivos. Para permitir a
redução da duração da entrevista, são utilizadas as seguintes estratégias: a prioridade é a exploração dos transtornos
atuais, de forma a guiar o clínico na escolha da terapêutica mais adaptada; a cotação das questões é dicotômica
(sim/não); para todas as seções diagnósticas (exceto a seção de transtornos psicóticos), uma ou duas questões de
entrada que exploram critérios obrigatórios permitem excluir o diagnóstico em casode respostas negativas; a
disfunção induzida pelos transtornos e a exclusão de causas somáticas e/ou tóxicas dos sintomas não são
sistematicamente exploradas; os algoritmos são integrados à estrutura do questionário, permitindo estabelecer ou
excluir os diagnósticos ao longo da entrevista.
Alcohol, Smoking and Substance Involvement Screening Test (ASSIST)
Produzida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para uso na atenção primária, permite detectar a gravidade do
consumo de substâncias, como álcool, tabaco, Cannabis, cocaína, estimulantes de tipo anfetamina, inalantes,
ansiolíticos/sedativos/hipnóticos, alucinógenos, opiáceos e outras. É um questionário composto de oito questões, de
fácil e rápida aplicação, aferição de resultados e interpretação. Os resultados podem ser relacionados com os níveis
de consumo e com as intervenções a preconizar. O instrumento foi traduzido para várias línguas e validado no Brasil
(Henrique, Micheli, Lacerda, Lacerda, & Formigoni, 2004). A versão desse instrumento dirigida para a triagem de
adolescentes (entre 12 e 18 anos), denominada ASSIST-Teen, também foi validada para o público brasileiro e
apresenta as mesmas vantagens e questões da versão adulta (Carminatti, 2010). O instrumento pode ser aplicado por
entrevistador ou autoaplicado, com duração entre sete e nove minutos, e, considerando que o uso de drogas é ilegal,
deve ser garantido ao usuário o sigilo das informações fornecidas, sendo fundamental que o entrevistador mantenha
uma postura neutra e não julgadora.
Cut down, Annoyed, Guilty, and Eye-opener Questionnaire (Questionário CAGE)
É um instrumento para avaliação do alcoolismo, simples e curto, ideal para triagens rápidas, composto por quatro
perguntas, cujas palavras-chave formam, em inglês, este acrônimo: cut down (“já tentou parar de beber?”); annoyed
(“sente-se incomodado com seu hábito de beber?”); guilty (“sente culpa por beber?”); eye-opener (tem que beber
para rebater a ressaca de manhã?”). No Brasil, sua validação foi feita em 1983 por Masur e Monteiro (1983)
(Chiaverini, 2011). A aplicação desse instrumento permite prevenir complicações devidas ao uso de álcool e a
progressão de quadros de uso abusivo para dependência. Segundo Amaral (2016), ele pode ser aplicado em serviços
de atenção primária, hospitais e locais de trabalho, e um resultado positivo no instrumento deve ser considerado
sugestivo de transtorno por uso de álcool – abuso e dependência, sendo necessário o encaminhamento do usuário
para avaliação mais detalhada.
Self-Reporting Questionnaire 20-items (SRQ-20)
Elaborado na década de 1970, em uma iniciativa da OMS, para ser aplicado prioritariamente na atenção primária, é
amplamente utilizado em diversos contextos culturais. Trata-se de um teste que avalia o sofrimento mental, por meio
de 20 questões relacionadas a dores e problemas que podem ter incomodado o sujeito nos últimos 30 dias. Para uma
pessoa ser considerada como possível caso de transtorno mental comum, utiliza-se a pontuação de sete ou mais
respostas afirmativas (sim), que valem 1 ponto cada. O instrumento foi desenvolvido por Harding e colaboradores
(1980) e validado no Brasil por Mari e Willians (1986). Uma de suas vantagens, segundo Gonçalves (2016), é que
pode ser aplicado por profissionais de várias especialidades, já que prescinde de um treinamento mais aprofundado
para sua aplicação junto a indivíduos com baixo nível de instrução e analfabetos. Seu resultado não permite formular
o diagnóstico, e sim a detecção de casos suspeitos de transtornos do humor, de ansiedade e de somatização. Sua
aplicação leva de 5 a 10 minutos, e a obtenção do escore é quase imediata.
The 5-item World Health Organization Well-being Index (WHO-5)
O WHO-5 é um questionário breve, traduzido em mais de 30 idiomas, que consiste em cinco perguntas simples e não
invasivas, que exploram o bem-estar subjetivo da pessoa avaliada. Pode ser aplicado a uma ampla faixa etária a partir
dos 9 anos de idade. O escore bruto total, que varia de 0 a 25, é multiplicado por 4 para dar a pontuação final, com 0
representando o pior bem-estar imaginável e 100 representando o melhor bem-estar possível. O instrumento é
amplamente utilizado para detecção de depressão no âmbito clínico. Recomenda-se a aplicação de um instrumento
clínico para avaliação de depressão se a pontuação bruta for inferior a 13 ou se a pessoa respondeu 0 ou 1 a qualquer
um dos cinco itens. Uma pontuação inferior a 13 revela baixo bem-estar, constituindo indicação para avaliação de
depressão de acordo com a Classificação internacional de doenças e problemas relacionados à saúde (CID-10).
The Dartmouth COOP Functional Health Assessment Charts/WONCA (COOP/WONCA charts)
É um instrumento breve, para a medição do estado funcional, desenvolvido a partir da colaboração de Dartmouth
Primary Care Cooperative Research Network e World Organization of National Colleges, Academies and Academic
Associations of General Practitioners/Family Physicians. Avalia, a partir de vinhetas, seis dimensões principais do
funcionamento físico: aptidão física, sentimentos, atividades diária e social, mudanças no estado de saúde e saúde em
geral, com bons resultados de validade preditiva.
A CONSTRUÇÃO DO PROJETO TERAPÊUTICO SINGULAR
Diante do processo de acolhimento, da escuta do usuário e de uma eventual aplicação de instrumentos, realiza-se
uma compreensão acerca de suas demandas e de como realizar um acompanhamento, considerando a integralidade
do sujeito. Nesse momento, é essencial a formulação do PTS, que deve ser discutido com a equipe, com o usuário e
sua família.
Esse dispositivo considera, sobretudo, a historicidade e as necessidades singulares do usuário inserido em
determinado contexto. Além disso, preconiza o estabelecimento de vínculos em uma concepção horizontal de
cuidado, na qual a sinceridade, a responsabilidade e as limitações aparecem de todos os lados, possibilitando que as
intervenções terapêuticas realmente estejam de acordo com as necessidades elencadas. Destaca-se que essa
“parceria” possibilita a troca de informações, questionamentos e mudança de estratégias sem constrangimentos e
com mais efetividade (Carvalho, Moreira, Rézio, & Teixeira, 2012).
Desenvolver um PTS exige também reconhecimento da forma como nos comunicamos e propomos diálogos,
entendendo-se que a comunicação, seja por meio de palavras, seja por meio gestos e até mesmo de silêncios, afeta e
impacta decididamente o comportamento humano. Desse modo, cada estratégia de cuidado que compõe o PTS deve
ser discutida e pactuada com o usuário, para que ele consiga encontrar sentido e compreender o porquê de
determinada intervenção terapêutica (Carvalho et al., 2012). O desenvolvimento do PTS pode criar um espaço para a
efetivação da clínica ampliada e de uma prática de cuidado não segmentada ou isoladamente desenvolvida pelo
profissional, evitando-se, assim, a referência e a contrarreferência a outros níveis de atenção à saúde sem antes
esgotar as possibilidades terapêuticas disponíveis para responder às necessidades identificadas pelas ESF na atenção
primária. Não significa a extinção da referência e da contrarreferência a outros níveis, mas a produção mais racional
e eficaz do cuidado nesse nível de atenção à saúde.
Ao profissional da ESF cabem a identificação do caso e a intervenção direta, podendo, inclusive, contar com o
auxílio de outros profissionais da APS, da ESF ou do NASF. Cabe aos profissionais do NASF a orientação dos
profissionais da ESF para o desenvolvimento do PTS, compartilhando saberes específicos que contribuam para a
resolutividade do caso considerado, além da intervenção interdisciplinar quando for identificada a necessidade e
estabelecido o acordo de todos os envolvidos (Brasil, 2010).
Segundo a Portaria nº 2.488, de 21 de outubro de 2011 (Brasil, 2011), faz parte do processo de trabalho das
equipes da ESF realizar o acolhimento com escuta qualificada, classificar os riscos, avaliar as necessidades de saúde
e analisar a vulnerabilidade do sujeito, individualou coletivo, tendo em vista a responsabilidade da assistência
resolutiva à demanda espontânea. Também cabem a essas equipes a elaboração, o acompanhamento e a gestão dos
PTSs. Aos profissionais do NASF cabe acolher as necessidades das equipes da ESF e apoiá-las no desenvolvimento
dos PTSs, com uma postura de compartilhamento de saberes, capacitando os profissionais das equipes da ESF a
compreender a complexidade sob a perspectiva dos profissionais do NASF. Esse envolvimento interdisciplinar e a
integração de diferentes saberes de várias disciplinas devem visar à diversificação das estratégias por meio da
ampliação da abrangência e do escopo das ações da APS, de forma a ordenar o cuidado e, consequentemente, as
redes de atenção à saúde.
Tendo a integralidade como base norteadora, uma das diretrizes da APS é a corresponsabilidade no trabalho em
equipe e com a rede de apoio profissional disponível no sistema. Desse modo, quando o caso apresenta uma
complexidade e ultrapassa os limites disponíveis pela equipe da ESF, torna-se necessária a solicitação de apoio
matricial à equipe de NASF (Bonfim, Bastos, Góis, & Tófoli, 2013).
No que tange à constituição do PTS no campo da saúde mental, a relação entre NASF, ESF e CAPS é preconizada
pelo Ministério da Saúde. A expectativa é de que as ESF identifiquem as necessidades no campo da saúde mental
para, em conjunto com os NASF e os CAPS (a depender dos recursos existentes no território), elaborarem estratégias
de intervenção e compartilharem o cuidado. De acordo com Oliveira e colaboradores (2017), em um cenário que
apresenta uma complexa rede de determinantes sociais da saúde, da qual se destacam as condições sociais de
existência da população, é necessário que os profissionais e as equipes desenvolvam um trabalho articulado com
redes e instituições que estão fora de seu próprio setor, a fim de superar a fragmentação dos conhecimentos e das
estruturas sociais, produzindo efeitos mais significativos na saúde da população e reestruturando a lógica de
atendimento. Os diferentes elementos dessa complexidade são representados graficamente no fluxograma da Figura
4.1.
Figura 4.1 Fluxograma dos dispositivos de avaliação em saúde mental na atenção primária.
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS NA AVALIAÇÃO EM SAÚDE MENTAL NA
ATENÇÃO PRIMÁRIA
A saúde coletiva exige do profissional um modo ampliado de atuação, que permita a troca de saberes
interdisciplinares e que ultrapasse a submissão ao modelo de saúde pública institucionalizado. No campo da saúde
mental, em especial, a valorização da dimensão subjetiva das práticas de saúde e das vivências dos usuários é
fundamental, assim como a constante visão crítica do profissional sobre si mesmo, sobre seu mundo e sobre sua
inserção nesse mundo. Assim, pode-se considerar que há algumas características, competências e habilidades
profissionais e pessoais desejáveis:
• Capacidade de escuta do sofrimento, da potencialidade e do desejo do outro, caracterizando um profissional que
consiga criar enquadres protegidos e acolhedores, mas, ao mesmo tempo, que construa relações que favoreçam
autonomia e não dependência.
• Forte formação teórica, porém, com capacidade de integração teórico-prática, para não reduzir o outro a objeto,
na medida em que não se veja escravizado pela técnica e rituais profissionais, nem enclausurado nos modelos
teóricos aprendidos na formação acadêmica.
• Competência para construir um “artesanato em saúde”, investindo na produção de modos heterogêneos de
cuidado e na singularização da atenção.
• Capacidade de sair de si mesmo, de sua cultura e valores, respeitando a diversidade cultural e subjetiva dos
usuários, mas também com capacidade de propor ofertas e intervenções.
• Competência para fazer planejamentos, mas também para superar obstáculos e lidar com as intercorrências.
• Habilidade para o trabalho em equipe, pensando de forma interdisciplinar, mas a partir de seu núcleo de formação
(p. ex., medicina, enfermagem, psicologia, serviço social, etc.).
• Paixão, gosto e envolvimento pessoal e emocional pela defesa da vida, voltado para a qualidade do cuidado e
para a criação de estratégias de modificação da realidade dos usuários, reconhecendo-se como trabalhador da
saúde, preocupado com a promoção do bem-estar da população.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho no contexto da atenção primária é complexo e requer do profissional o embasamento amplo de várias
áreas de conhecimento. O campo da avaliação e o uso de instrumentos de rastreio apresentam-se como possibilidades
de contribuição e de qualificação do PTS. Destaca-se a importância de dialogar sobre diferentes práticas com o
intuito de compreender o usuário em sua integralidade.
Nesse sentido, ampliar o conhecimento acerca de instrumentos que possam complementar a avaliação em saúde
mental pode ser um diferencial importante no estabelecimento de objetivos e na construção de redes de atendimento.
A proposta aqui apresentada não tem a pretensão de reduzir ou estereotipar o usuário, mas de elencar diferentes
subsídios que sustentem uma avaliação mais consistente. Entretanto, esse diálogo entre perspectivas distintas de
avaliação em saúde mental no campo da atenção primária ainda requer aprofundamento no que tange às pesquisas e
às publicações em relação à temática.
REFERÊNCIAS
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1 O CAPS é um serviço de saúde de caráter aberto e comunitário constituído por equipe multiprofissional, que atua sobre a ótica
interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, entre elas aquelas com
necessidades decorrentes do uso de álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise, seja nos processos de
reabilitação psicossocial, e é substitutivo ao modelo asilar (http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-mental/acoes-e-pr
ogramas-saude-mental/centro-de-atencao-psicossocial-caps, recuperado em 26 de abril, 2018).
5
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA PARA A MODIFICAÇÃO
DE HÁBITOS E ESTILOS DE VIDA NÃO SAUDÁVEIS
Ariane de Brito
Katia Irie Teruya
Eduardo Remor
Comportamentos preventivos ou comportamentos de saúde (health behaviors) têm sido definidos de várias maneiras,
desde: (a) qualquer atividade desenvolvida com o objetivo de prevenir ou detectar precocemente doenças ou
melhorar a saúde; (b) ação para aliviar o impacto de riscos potenciais e ameaças do ambiente; até (c) padrões de
comportamento, ações e hábitos relacionados à manutenção, à restauração e à melhora da saúde (Kirscht, 1983;
Monteiro, Teruya & Remor, 2018). Portanto, no contexto de saúde e doença, o papel dos comportamentos
direcionados à promoção e à manutenção da saúde, como exercitar-se com regularidade, usar protetor solar, seguir
uma dieta com baixo teor de gordura, controlar os níveis de estresse e dormir bem, é essencial (Kern de Castro &
Remor, 2018; Straub, 2014).
Além do estilo de vida expresso por meio da adoção desses hábitos, aspectos psicológicos também podem
contribuir para as diferenças individuais no processo de adoecimento. Por exemplo, personalidade, atitudes e
expectativas sobre a saúde, percepção de competência e controle pessoal têm sido associadas a alterações dos
processos imunológicos, modificando a vulnerabilidade do organismo (Remor, 2018; Straub, 2014). Uma possível
explicação para a ocorrência de tais efeitos está relacionada à ação de hormônios do estresse, que, ao repercutirem na
atividade dos linfócitos (p. ex., redução da atividade das células natural killers), na produção de anticorpos e na
reatividade a infecções virais latentes, podem levar a graves consequências para a saúde, inclusive atraso na
cicatrização de feridas, respostas deficientes à vacinação e desenvolvimento e progressão do câncer (Marketon &
Glaser, 2008).
Portanto, acredita-se que os caminhos pelos quais os fatores psicossociais possam impactar o desenvolvimento de
doenças sejam indiretos, mediados pelos comportamentos adotados pelo indivíduo. Por exemplo, quadros de
estresse, ansiedade e depressão poderiam contribuir para a adoção de comportamentos de risco, aumentando a
vulnerabilidade às doenças. Alguém sob estresse poderia optar por fazer uma alimentação rápida tipo fast food, rica
em gorduras e açúcares e pobre em nutrientes, para “ganhar tempo” ante a elaboração de um almoço completo em
casa, como resposta ao limitado tempo diante das demandas de trabalho. Esse comportamento repetido e a longo
prazo poderia ter consequências sobre a saúde cardiovascular e o controle do peso. De fato, alguns estudos (p. ex.,
Bonnet et al., 2005) identificaram que, quando indivíduos relatam sintomas de estresse, ansiedade e depressão,
observam-se comportamentos associados, como tendência ao sedentarismo, dieta rica em gordura e tabagismo, todos
fatores de risco para o desenvolvimento de doenças cardiovasculares. Baixo status socioeconômico, falta de apoio
social, estresse no trabalho e no ambiente familiar e hostilidade também têm sido fatores associados, tanto para o
desenvolvimento quanto para a piora do quadro clínico e do prognóstico de pacientes já afetados por doenças
coronarianas (Albus, 2010).
Tendo em vista a natureza multifatorial e complexa do desenvolvimento e do diagnóstico de doenças, uma
avaliação psicológica seguindo o modelo da psicologia da saúde (Kern de Castro & Remor, 2018) deve buscar a
identificação de informações relativas às dimensões biopsicossociais do indivíduo (veja uma descrição detalhada no
Cap. 1). Dados relativos ao histórico de doenças, internações e outras experiências de adoecimento devem fazer parte
da avaliação. Também devem ser levantados hábitos que podem ser protetivos à saúde, comportamentos que são
fatores de risco, informações relativas ao apoio social disponível e o sistema de saúde ao qual o paciente tem acesso,
normas culturais, questões relativas a seguro-saúde, acessibilidade ao sistema e dispositivos de saúde (Capitão,
Scortegagna, & Baptista, 2005; Sarma, 2015).
Assim, uma coleta de informações sobre o paciente o mais completa possível, abrangendo o maior número de
aspectos e facetas da vida da pessoa, é fundamental para se estratificar os esforços em direção à prevenção de danos,
considerando o perfil de risco de cada indivíduo (Albus, 2010). Para o processo de avaliação investigativa, o
profissional em psicologia vai contar com diversas ferramentas, como questionários, diários, observações, medidas
psicofisiológicas, dados de prontuários e instrumentos com qualidade psicométrica (Albus, 2010; Belar, & Deardorff,
2009). A escolha e a utilização de cada uma dessas estratégias que formam um protocolo depende tanto da demanda
do paciente quanto dos objetivos dessa avaliação.
Como se pode observar, o volume de informações necessárias à construção de um perfil do problema com uma
abordagem biopsicossocial pode ser considerável, de forma que um planejamento desse processo se faz necessário. A
coleta e posterior organização dos dados de forma estruturada auxilia o profissional em psicologia a obter maior
confiabilidade nos dados levantados ao longo da avaliação pelas diversas fontes examinadas (Azevedo, 2010). Esse
processo, entendido no marco da avaliação psicológica, é análogo a um processo científico de resolução de
problemas, associado à produção e à verificação de hipóteses, no qual tarefas, operaçõese ações fornecem elementos
para que essa deliberação seja efetuada (Fernández-Ballesteros et al., 2001).
Assim, no contexto hospitalar e de saúde, o processo avaliativo tem início, do ponto de vista da pessoa (paciente),
no momento em que busca o auxílio de um profissional da saúde para, por exemplo, obter um diagnóstico ou ser
auxiliada a modificar um comportamento ou hábito que prejudica sua saúde. A chegada até o profissional da
psicologia pode ocorrer por iniciativa própria ou por encaminhamento de outros profissionais da saúde.
Segundo Fernández-Ballesteros e colaboradores (2001), o processo diagnóstico pode ser comparado a um
procedimento de tomada de decisão e consiste em etapas sequenciais, nas quais se buscam a clarificação do
problema, o planejamento, o desenvolvimento, a implementação, os resultados, a comunicação e o encaminhamento.
Muitas vezes, esse processo pode ser percebido pelo paciente como angustiante, estressante ou carregado de
sofrimento (veja mais detalhes no Cap. 11, sobre screening e check-up de saúde).
Por isso, alguns dos principais objetivos da primeira etapa são a escuta e a compreensão da queixa ou pedido,
devendo o profissional captar igualmente as fraquezas e os potenciais da pessoa que o procura e a percepção de
gravidade ou urgência da demanda apresentada (Fernández-Ballesteros et al., 2001). Deve-se também investigar o
ambiente familiar e ocupacional e a qualidade do apoio social (Romano, 2011), ou seja, é preciso avaliar como o
indivíduo e seu contexto interagem e como suas atividades e relações interpessoais foram afetadas pelas demandas da
doença ou serão impactadas quando forem modificados hábitos e costumes, na medida em que podem estar sendo
compartilhados pelas pessoas com as quais convive.
Com os dados dessa etapa, faz-se, então, uma síntese, e as queixas iniciais são representadas em termos de
construtos psicológicos a investigar, os quais, por sua vez, serão definidos em termos de formulação de hipóteses e
análise funcional do problema (Fernández-Ballesteros et al., 2001). Seguindo o modelo desses autores, o psicólogo
deve escolher, entre vários instrumentos que possam avaliar cada construto, qual o mais adequado para o objetivo
estabelecido. Como ressaltam os autores, deve-se consultar o paciente sobre sua concordância em relação ao próximo
passo da avaliação e orientá-lo sobre os procedimentos relativos aos instrumentos que serão aplicados.
Em seguida, os dados coletados devem ser analisados e interpretados, e é feita uma integração entre as conclusões
inferidas e as hipóteses formuladas para, enfim, organizar e comunicar os resultados da avaliação realizada. Assim,
as hipóteses são retomadas e analisadas conforme os resultados encontrados, de maneira a se elaborar uma integração
dos dados que seja pertinente e útil para responder às demandas do paciente. Para Fernández-Ballesteros e
colaboradores (2001), a entrega dos resultados é feita por meio de um relatório, seja escrito, seja oral, ou de ambas as
formas, no qual podem ser encontradas referências quanto aos autores, ao paciente, ao assunto, a quem é destinado e
aos procedimentos realizados. Os autores enfatizam a importância da clareza tanto na forma como o relatório é
escrito quanto na relação entre as informações levantadas e as recomendações fornecidas. Ao final, esses resultados
são discutidos com o paciente, e com ele busca-se um acordo para a definição dos próximos passos, sendo o processo
de formulação de intervenções ou o plano de tratamento um deles (Fernández-Ballesteros et al., 2001).
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DO PROFISSIONAL DA
PSICOLOGIA DA SAÚDE E HOSPITALAR
Saúde e doença podem ser entendidas como um contínuo que abrange desde a prevenção e o bem-estar até quadros
agudos e doenças crônicas (McDaniel et al., 2014, Straub, 2014). Assim, segundo esses autores, o psicólogo deve
desenvolver habilidades, estratégias de avaliação e práticas baseadas em evidências e intervenções adequadas a cada
componente desse contínuo. Essa competência, enfatizam McDaniel e colaboradores (2014), relaciona-se à
flexibilidade do profissional no contexto de saúde e hospitalar, a fim de que possa alternar entre atividades de
promoção de saúde, intervenções precoces, intervenções breves, avaliação diagnóstica e psicoeducação e atenção a
quadros mais avançados de enfermidade até cuidados paliativos e atenção a pacientes no final da vida. Do mesmo
modo, tal competência auxilia no contexto de demandas por avaliação e diagnóstico psicológico. O psicólogo deve
estar preparado para adequar-se a demandas por serviços diferentes ao longo do tempo, de acordo com as
necessidades de mudança do paciente/família, incluindo apoio psicológico e fomento às áreas de força e resiliência
do paciente. Assim, mesmo em um contexto hospitalar, o profissional pode adotar uma prática focada na descoberta
precoce dos problemas nos pacientes hospitalizados e na antecipação à cronicidade das dificuldades, atendendo a um
modelo preventivo de atuação (Remor, Arranz, & Ulla, 2003). O foco em uma postura de avaliação sistemática e
contínua para guiar a prática e as decisões clínicas permite maior eficácia profissional.
Em síntese, tendo em vista o modelo biopsicossocial, no qual a psicologia da saúde se sustenta, o psicólogo, por
meio do processo de avaliação psicológica, identifica e descreve os aspectos e elementos psicológicos que estão
ligados a ou contribuem para o adoecimento ou doença (Kern de Castro & Remor, 2018; Pais-Ribeiro, 2013). A
partir da avaliação psicológica, a equipe de saúde pode acessar informações fundamentais oferecidas pela perspectiva
da psicologia científica para o entendimento do caso, auxiliando no planejamento das intervenções de modificação de
hábitos de vida que virão a seguir e contribuindo para resultados mais positivos e duradouros na saúde.
Instrumentos de avaliação de hábitos e estilos de vida
Considerando a relevância dos fatores comportamentais na determinação de doenças, tem-se procurado, no campo da
pesquisa e da intervenção em psicologia, promover saúde física e mental a partir da modificação de hábitos e estilos
de vida. A investigação e a mensuração dos hábitos e estilos de vida vêm acontecendo a partir da utilização de
diferentes medidas, como entrevistas semiestruturadas, questionários não padronizados e instrumentos específicos de
estilo de vida padronizados e validados, além de instrumentos que abordam construtos relacionados com o estilo de
vida (p. ex., qualidade de vida). A literatura internacional tem disponibilizado uma ampla variedade de instrumentos
específicos, que possibilitam identificar, principalmente, os indivíduos que necessitam de modificações em
determinados comportamentos e planejar estratégias para a concretização dessas mudanças (Walker, Sechrist, &
Pender, 1987; Wilson & Ciliska, 1984). Esses instrumentos também podem auxiliar nas avaliações dos efeitos das
intervenções voltadas para a modificação desses hábitos, indicando se houve ou não mudança de comportamento. No
entanto, no Brasil, observa-se a escassez de instrumentos disponíveis, adaptados e válidos para mensurar tais
aspectos de saúde. A seguir, serão descritas resumidamente as características de alguns dos instrumentos validados e
utilizados em estudos da área, destacando quais deles já se encontram disponíveis para o contexto brasileiro.
Health Promoting Lifestyle Profile (HPLP)
O HPLP (Walker et al., 1987) é um instrumento de autorrelato amplamente utilizado para investigar padrões e
determinantes comportamentais do estilo de vida promotor de saúde. No estudo original e de desenvolvimento, o
HPLP apresentava 48 itens respondidos a partir de uma escala Likert de 4 pontos (1 = nunca, 2 = esporadicamente, 3
= frequentemente e 4 = rotineiramente). A análise fatorial da escala indicou um modelo de segunda ordem como
melhor solução, isto é, um fator geral e com os itens distribuídos em seis domínios: (1) autorrealização, (2)
responsabilidade pela saúde, (3) exercício, (4) nutrição, (5) apoiopsicológica de cuidadores pediátricos: caracterização, desafios e proposta de roteiro
avaliativo
Marina Kohlsdorf
Sílvia Maria Gonçalves Coutinho
Alessandra da Rocha Arrais
4Avaliação em saúde mental na atenção primária
Jenny Milner Moskovics
Pâmela de Freitas Machado
5Avaliação psicológica para a modificação de hábitos e estilos de vida não saudáveis
Ariane de Brito
Katia Irie Teruya
Eduardo Remor
6Avaliação psicológica e infecções virais emergentes e reemergentes
Larissa de Oliveira e Ferreira
Daniela S. Zanini
Karina Ferreira Leão Junqueira
Marília Dalva Turchi
7Avaliação psicológica em contexto de reabilitação física e cognitiva
Karina Ferreira Leão Junqueira
Daniela S. Zanini
Larissa de Oliveira e Ferreira
8Avaliação psicológica da dor em pessoas adoecidas
Prisla Ücker Calvetti
Joice Dickel Segabinazi
9Avaliação psicológica de pessoas diagnosticadas com distúrbios cardiovasculares
Camila de Matos Ávila
Eduardo Remor
10 Avaliação psicológica da disforia de gênero e candidatos à cirurgia de afirmação de gênero
Bianca Machado Borba Soll
Angelo Brandelli Costa
11 Avaliação psicológica em serviços de screening e check-up de saúde
Eduardo Remor
Thais Cristina Delazeri
12 Avaliação psicológica de pacientes com doenças crônicas não transmissíveis
Ariane de Brito
Bruno Luis Schaab
Eduardo Remor
13 Avaliação psicológica de candidatos à cirurgia bariátrica e seguimento de pacientes no
período pós-cirúrgico
Suelen Bordignon
Juliana Bertoletti
Clarissa Marceli Trentini
14 Avaliação psicológica em situação de transplante
Cristiane Olmos Grings
Márcia Camaratta Anton
Rosemary Inácio Viana
15 Avaliação psicológica de pessoas diagnosticadas com câncer
Cristiano de Oliveira
Eduardo Remor
16 Avaliação psicológica e de seguimento em clínicas geriátricas e asilos
Irani I. L. Argimon
Valéria Gonzatti
Allana Almeida Moraes
Tatiana Quarti Irigaray
17 Avaliação de indicadores psicológicos em intervenções para a prevenção de doenças e a
promoção da saúde
Erika Pizziolo Monteiro
Gabriela Pasa Mondelo
Eduardo Remor
1
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM CONTEXTOS DE
SAÚDE E HOSPITALAR
Eduardo Remor
Um psicólogo recebe a solicitação para realizar uma avaliação de um paciente admitido no hospital, a fim de que
possam ser obtidos dados para complementar o diagnóstico médico e as decisões em relação às opções de tratamento
e ao ajuste psicológico perante a doença, bem como recomendar e aplicar determinada intervenção psicológica
coadjuvante ao tratamento médico, seja esta planejada de forma personalizada, seja baseada em um protocolo
específico. Para realizar essa avaliação, o profissional coletará informações de várias fontes – por exemplo, história
médica (prontuário), observação do paciente, testagem com alguma medida de screening, algum questionário
validado e/ou entrevistas com o paciente e sua família (ou acompanhantes) para obter e complementar dados sobre
sua história pessoal e características (p. ex., nível educativo, rotina e hábitos, interesses e preocupações, aspectos
culturais ou religiosos que possam interferir nas decisões em relação ao processo de doença), comportamentos e
estilos de vida e recursos psicológicos (p. ex., o modo como enfrentou situações semelhantes no passado,
assertividade e habilidades sociais, autoeficácia para lidar com o estresse e o potencial tratamento).
Com base em todas as informações obtidas, o psicólogo escreve um relatório psicológico que será mantido como
prontuário psicológico. De forma alternativa, em virtude das normas da instituição ou serviço multiprofissional no
qual o profissional está integrado, serão anexadas ao prontuário único as principais informações e dados da avaliação
psicológica e as recomendações para um tratamento específico (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2003; 2009).
Embora, em geral, seja nesse momento que dizemos que a intervenção começa – após a avaliação finalizada e
identificado o diagnóstico, em conjunto com a equipe médica –, em determinadas circunstâncias, a intervenção pode,
na verdade, ter começado mais cedo, com o próprio processo de avaliação. Portanto, apesar de a avaliação
psicológica preceder a intervenção clínica em saúde, a avaliação isoladamente também pode ser de algum modo uma
intervenção, pois refletir sobre a situação e condição atuais pode desencadear um processo de mudança (Miller &
Rollnick, 2013), de modo que, com a entrevista e a exploração do problema, o psicólogo pode estar ajudando o
paciente a refletir ou a reavaliar aspectos do problema ou da situação em que se encontra, esclarecendo as
informações, amenizando as preocupações e ventilando emoções, obtendo, assim, algum benefício terapêutico.
Como nos casos de doenças agudas os pacientes não costumam permanecer hospitalizados por longos períodos,
no ambiente de saúde e hospitalar a avaliação e a intervenção estão especialmente ligadas, e em geral o psicólogo
não consegue planejar uma intervenção análoga àquela desenvolvida na prática clínica em consultório, por exemplo.
Portanto, a intervenção deve começar o mais cedo possível, sobretudo em casos que requerem intervenção em crise,
especialmente frequentes no contexto hospitalar, em que as pessoas têm de enfrentar situações altamente aversivas
para si ou para seus familiares e pessoas próximas. A psicoeducação em técnicas de autorregulação emocional (p.
ex., respiração, relaxamento ou mindfulness) após uma sessão de testagem ou entrevista pode ser uma alternativa.
Por sua vez, nas ocasiões em que o psicólogo está dentro de uma unidade de medicina específica, como pediatria,
oncologia, medicina interna, reabilitação, hematologia, transplantes, entre outras, pode intervir preventivamente,
identificando e antecipando possíveis indicadores de desajuste no paciente ou reforçando recursos pessoais e
habilidades que possam ajudá-lo a enfrentar com menos sofrimento sua situação. Nesse caso, a avaliação e a
intervenção também são frequentemente mescladas.
Mais tarde, terminada a intervenção, o psicólogo volta a examinar o paciente, avaliando as mudanças ocorridas
em seu comportamento e em sua adaptação à doença. Para esse propósito, considera os objetivos inicialmente
propostos e seleciona os instrumentos de medição mais adequados para avaliar as mudanças produzidas pela
intervenção e sua manutenção ao longo do tempo; esse procedimento pode ajudar o psicólogo a identificar se sua
intervenção foi útil e eficaz. A partir daí, pode continuar trabalhando com o paciente para atingir os objetivos iniciais
ou prepará-lo, se necessário, para mudanças futuras relacionadas à doença – por exemplo, facilitando uma preparação
adequada para os eventos futuros. Um exemplo seria a preparação para o retorno para casa após longas internações
hospitalares ou tratamentos longos e complexos. Essa situação pode ser grande fonte de estresse para a família e os
cuidadores, assim como para o paciente, independentemente de sua faixa etária (embora com mais risco para
pacientes de idade avançada), e requerer avaliação e intervenção preventiva (Pinto, Ribeiro, & Pettengill, 2010; Toh,
Lim, Yap, & Tang, 2017; Wilson et al., 2012). Diante de cada condição particular, poderão ser usadas diferentes
estratégias – por exemplo, a abordagem a partir do protocolo de resolução de problemas; a psicoeducação, junto à
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Nota
O exame de indivíduos assintomáticos para a identificação presuntiva de doença não reconhecida anteriormente
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enfermagem, sobre as preocupações relacionadas ao autocuidado e ao tratamento; o empoderamento do paciente,
incentivando-se o retorno às funções que ocupava antes da doença (p. ex., escola, trabalho, etc.).
Como se pode observar, para os psicólogos clínicos da saúde, a atividade de avaliação está muitas vezes
entrelaçada com a atividade deinterpessoal e (6) manejo de estresse.
Posteriormente, em 1995, a escala foi revisada como HPLP-II e passou a ser constituída por 52 itens, mantendo os
seis domínios anteriores. Quanto às propriedades psicométricas de ambas as versões, têm-se encontrado bons índices
de fidedignidade tanto para o fator geral (estilo de vida promotor da saúde) quanto para suas subescalas em estudos
com amostras clínicas e não clínicas (Walker et al., 1987; Walker, Kerr, Pender, & Sechrist, 1990; Walker et al.,
1995). O HPLP encontra-se disponível em vários idiomas, como espanhol (Kuster & Fong, 1993; Walker et al.,
1990), chinês (Chen et al., 1997), turco (Esin, 1997) e português – esta última versão adaptada culturalmente com
uma pequena amostra de imigrantes brasileiros bilíngues e biculturais residentes nos Estados Unidos (Tajik, Galvão,
& Siqueira, 2010). Ou seja, ressalta-se que a versão em português do Brasil, apesar de estar disponível, foi validada
com uma amostra bastante específica, portanto esse aspecto deve ser levado em conta ao se fazer uso desse
instrumento.
FANTASTIC Lifestyle
O instrumento foi elaborado pelos médicos Wilson e Ciliska (1984), no Canadá, com o intuito de auxiliar o trabalho
de prevenção durante o atendimento da equipe médica e visa à compreensão e à identificação dos fatores envolvidos
no estilo de vida do paciente. O desenvolvimento dos itens do FANTASTIC Lifestyle partiu da ideia dos sete hábitos
de saúde propostos pelo epidemiologista Lester Breslow em suas pesquisas relacionando hábitos saudáveis e
longevidade (Breslow & Enstrom, 1980; Breslow, 1999) combinados a outros aspectos físicos, emocionais e fatores
de estilo de vida social considerados relevantes pelos autores. Trata-se de um questionário de autorrelato composto
por 25 itens divididos em nove domínios, os quais estão representados em cada letra da palavra FANTASTIC: F =
Family and friends (família e amigos); A = Activity (atividade física); N = Nutrition (nutrição); T = Tobacco and
toxics (cigarro e drogas); A = Alcohol (álcool); S = Sleep, seatbelts, stress, safe sex (sono, cinto de segurança,
estresse e sexo seguro); T = Type of behavior (tipo de comportamento; padrão de comportamento A ou B); I = Insight
(introspecção); e C = Career (trabalho; satisfação com a profissão). Além da mensuração dos nove domínios em
específico, o instrumento também indica, a partir de seu escore total, o índice de bem-estar do respondente. Os itens
são respondidos a partir de três opções de respostas que têm valores numéricos de 0 a 2 pontos. As opções de
resposta de maior valor (2) são as que têm maior associação com um estilo de vida saudável. Desse modo, com a
pontuação obtida pelo indivíduo, é possível verificar as áreas que precisam de educação ou mudança de
comportamento; quanto menor for a pontuação, maior será a necessidade de mudança (Wilson & Ciliska, 1984;
Wilson et al., 1984).
O instrumento encontra-se validado em alguns países para populações clínicas, como mexicanos com hipertensão
(Carmona, Moctezuma, Miranda, Santiago, & Torre, 2000) e com diabetes tipo 2 (Moctezuma, Carmona, Miranda,
Santiago, & Bermúdez, 2003), e para populações não clínicas, como universitários portugueses (Silva, Brito, &
Amado, 2014), adultos colombianos (Ramírez-Vélez & Agredo, 2012) e estudantes brasileiros de graduação e pós-
graduação (Añez, Reis, & Petroski, 2008). Ressalta-se, então, que, no Brasil, o instrumento encontra-se disponível e
validado para uso em adultos jovens ou estudantes universitários sem problemas aparentes de saúde (Añez et al.,
2008). Bons índices de fidedignidade do instrumento foram encontrados em todos esses estudos.
Lifestyle and Habits Questionnaire-brief version (LHQ-B)
Trata-se da versão reduzida do Lifestyle and Habits Questionnaire (LHQ), desenvolvido por Nevid, Rathus e
Rubenstein (1998), com o intuito de que alunos em idade escolar pudessem avaliar seus próprios
comportamentos/atitudes de saúde. A versão completa do instrumento contém 80 itens que avaliam 10 domínios
(oito itens para cada) de estilo de vida: (1) saúde física, (2) exercício e condicionamento físico, (3) uso de álcool,
tabaco e outras drogas, (4) práticas preventivas de saúde, (5) prevenção de acidentes, (6) nutrição e controle de peso,
(7) saúde psicológica, (8) saúde espiritual, (9) saúde social e (10) saúde ambiental. Os itens são respondidos
mediante uma escala que varia de 1 (“discordo totalmente") a 5 (“concordo totalmente”). Além disso, os
respondentes podem receber feedback imediato sobre sua pontuação geral, obtida a partir de uma seção interpretativa
na parte final do instrumento (Dinzeo, Thayasivam, & Sledjeski, 2014). Entretanto, Dinzeo e colaboradores (2014)
pontuam que, apesar de estar disponível, a falta de informações precisas acerca do valor psicométrico e preditivo do
LHQ, assim como o número de itens e o feedback imediato apenas da pontuação geral, e não dos domínios
separadamente, limitam seu uso. Assim, foi considerando tais aspectos que esses autores propuseram a versão
reduzida do instrumento, o LHQ-B, para estudantes universitários com idades entre 18 e 25 anos.
O LHQ-B foi validado com uma amostra de estudantes universitários norte-americanos e ficou constituído por 42
itens distribuídos em oito domínios: (1) saúde física e exercício físico, (2) saúde psicológica, (3) uso de substâncias,
(4) nutrição, (5) preocupação ambiental, (6) preocupação social, (7) prevenção de acidentes e (8) senso de propósito.
Assim como o LHQ original, as diretrizes interpretativas do LHQ-B correspondem a três categorias de alcance das
pontuações: inferior, intermediário e superior. No entanto, a versão breve do instrumento utilizou informações
normativas para determinar os pontos de corte para cada domínio e a pontuação geral, assim como por sexo
(masculino e feminino). Quanto aos seus indicadores psicométricos, o instrumento, no estudo realizado em 2014,
apresentou boa consistência interna e evidências de validade a partir das relações observadas entre o LHQ-B e os
indicadores de bem-estar, qualidade de vida e estresse (Dinzeo et al., 2014). Até a conclusão deste capítulo, não
foram encontrados estudos brasileiros de uso e validação do instrumento no País.
Personal Lifestyle Questionnaire (PLQ)
Originalmente, o PLQ foi desenvolvido por Muhlenkamp e Brown (1983) para avaliar o envolvimento do indivíduo
com práticas positivas de saúde. Ele é composto por 24 itens distribuídos em seis subescalas: Nutrição (4 itens),
Exercício (4 itens), Relaxamento (4 itens), Segurança (4 itens), Uso de Substâncias (4 itens) e Promoção da Saúde (4
itens). As respostas aos itens são dadas mediante a escolha de uma das opções de uma escala Likert de 4 pontos que
varia de 1 = “nunca” a 4 = “quase sempre”. É um instrumento amplamente utilizado em pesquisa com amostras,
tanto de adultos quanto de adolescentes (Mahon, Yarcheski, & Yarcheski, 2002).
O PLQ tem boas evidências de validade de construto e de validade concorrente com instrumentos que medem
bem-estar (Stevens’ Point Lifestyle Assessment Questionnaire) e diminuição dos riscos ou perigos por meio de
modificação das atividades de saúde (Health Hazard Appraisal Instrument). A versão do PLQ para adolescentes foi
validada por Mahon e colaboradores (2002) e revisada um ano depois pelos mesmos autores (Mahon, Yarcheski, &
Yarcheski, 2003). A versão do PLQ para adolescentes difere da versão original, principalmente quanto a sua estrutura
fatorial, número e conteúdo de itens, alguns dos quais precisaram ser excluídos e substituídos por outros mais
relacionados com as práticas adolescentes (Mahon et al., 2003). Por fim, não se encontraram estudos de validação de
nenhuma das versões do instrumento (para adultos e adolescentes) no Brasil.
VISA-TEEN Questionnaire (Questionário VISA-TEEN)
O VISA-TEEN é um instrumento direcionado para adolescentes e foi desenvolvido por Costa-Tutusaus e Guerra-
Balic em 2016 para avaliar o estilo de vida saudável. O VISA de seu nome refere-se ao acrônimo da língua espanhola
“VIda SAludable”,que significa “vida saudável”, e a palavra em inglês TEEN diz respeito à população a quem se
destina, isto é, os adolescentes. De modo geral, o que diferencia o VISA-TEEN de outros instrumentos similares é
que ele inclui a avaliação de aspectos específicos do estilo de vida dos adolescentes da geração atual, como os
hábitos relacionados ao uso de novas tecnologias e contatos on-line por meio de redes sociais. O desenvolvimento do
instrumento levou em consideração ainda o layout, que foi projetado em formato de livreto ilustrado para ser mais
aceito pelo público-alvo (Costa-Tutusaus & Guerra-Balic, 2016).
O VISA-TEEN é constituído por 11 itens de pontuação, os quais são respondidos por meio uma escala do tipo
Likert que varia de 0 a 3 pontos, sendo que as opções de menor valor estão relacionadas com respostas menos
saudáveis ou que possam ser prejudiciais à saúde, e as de maior valor são referentes a respostas mais saudáveis ou
que possam promover saúde. O conteúdo das questões e dos itens do instrumento versa sobre seis indicadores de
estilo de vida do adolescente: (1) alimentação, (2) atividade física, (3) abuso de substâncias, (4) relaxamento/sono,
(5) higiene e (6) redes sociais e jogos eletrônicos (Costa-Tutusaus & Guerra-Balic, 2016).
A análise de confiabilidade indicou valores aceitáveis de consistência interna e valores muito satisfatórios de
estabilidade temporal do instrumento. Vale ressaltar que o VISA-TEEN foi validado para uma amostra de
adolescentes catalães com idades entre 13 e 19 anos, o que impede seu uso para amostras de adolescentes de outros
países (Costa-Tutusaus & Guerra-Balic, 2016). No Brasil, até a conclusão deste capítulo, não foram encontrados
estudos que tivessem utilizado, adaptado e/ou validado o instrumento para o contexto brasileiro.
Perfil do Estilo de Vida Individual (PEVI)
O PEVI (Nahas, Barros, & Francalacci, 2000) é um instrumento brasileiro desenvolvido por autores da área de
educação física. É composto por 15 itens que investigam o estilo de vida das pessoas com base em cinco
componentes: (1) nutrição, (2) atividade física, (3) comportamento preventivo, (4) relacionamentos sociais e (5)
controle do estresse. As respostas aos itens são dadas a partir de uma escala Likert que varia de 0 a 3 (0 =
absolutamente não faz parte do seu estilo de vida, 1 = às vezes corresponde ao seu estilo de vida, 2 = quase sempre
verdadeira no seu comportamento, e 3 = sempre verdadeira no seu dia a dia; faz parte do seu estilo de vida). Quanto
às propriedades psicométricas do PEVI, no estudo de validação realizado por Both e colaboradores (2008), foram
analisadas as evidências de validade relacionadas ao construto, mediante análise fatorial exploratória, e foi calculada
a fidedignidade para cada um dos cinco fatores encontrados. Os fatores identificados não alcançaram índices
adequados de fidedignidade, e não é possível assumir que a estrutura fatorial encontrada seja estável. Embora a
proposta dos autores seja interessante, mais estudos com o instrumento são necessários para poder recomendar seu
uso no âmbito clínico.
Pesquisas relacionando comportamentos de saúde, hábitos e estilo de vida com
indicadores de saúde
Comportamento e estilo de vida saudável e qualidade de vida relacionada à saúde
A modificação de hábitos e estilo de vida não saudáveis costuma estar direcionada para a prática de promoção e
prevenção da saúde física e mental, bem como para a melhoria da qualidade de vida do indivíduo. Um estudo
conduzido por Muros, Pérez, Ortega, Sánchez e Knox (2017), por exemplo, investigou a associação entre
comportamentos e estilo de vida saudável e qualidade de vida relacionada à saúde entre adolescentes espanhóis. Os
indicadores dos comportamentos saudáveis considerados no estudo foram índice de massa corporal (IMC), atividade
física e adesão à dieta mediterrânea. Os dois últimos foram mensurados pelos questionários padronizados Physical
Activity Questionnaire for Older Children (PAQ-C) e Mediterranean Diet Quality Index (KIDMED),
respectivamente. A qualidade de vida também foi mensurada por um instrumento padronizado, o KIDSCREEN-27.
Responderam aos instrumentos do estudo 456 adolescentes com idades entre 11 e 14 anos. Os resultados encontrados
revelaram que IMC, atividade física e dieta mediterrânea explicaram 20% da variância na qualidade de vida
relacionada à saúde dos adolescentes entrevistados. Observou-se, ainda, que a variável “atividade física” foi a melhor
preditora, isto é, a que mais influenciou a qualidade de vida relacionada à saúde desses adolescentes, explicando
11,3% da variância, quando comparada com “dieta mediterrânea” (4,6% da variância explicada) e “IMC” (4,1% da
variância explicada). Esses dados sugerem, principalmente, que um estilo de vida saudável com níveis elevados de
prática de atividade física está relacionado à alta qualidade de vida em adolescentes e, portanto, intervenções que
incentivem ou recomendem tal prática podem ser benéficas para a promoção de saúde e bem-estar nesse público
(Muros et al., 2017).
Estilo de vida e efeitos intergeracionais
Alguns estudos recentes também têm-se debruçado sobre os efeitos intergeracionais que um estilo de vida saudável
pode exercer nas futuras gerações. Por exemplo, Dhana e colaboradores (2018) procuraram examinar a associação
entre o estilo de vida de mulheres antes da gravidez e o risco de obesidade nos filhos durante a infância até o início
da idade adulta. Participaram da pesquisa 5.701 crianças e adolescentes com idades entre 9 e 14 anos e suas mães. Os
autores consideraram o estilo de vida saudável pré-gestacional das mães a partir de IMC normal, não fumar, tempo
de prática de atividade física por semana (≥ 150 minutos) e dieta. Já a obesidade durante a infância e a adolescência
foi estabelecida utilizando-se pontos de corte da Força-tarefa Internacional para Obesidade, específicos para idade e
sexo. Entre os principais achados do estudo, observou-se que o peso corporal saudável das mães e não fumar antes da
gravidez estiveram significativamente associados com um menor risco de obesidade entre os filhos. Além disso, os
filhos de mães que aderiram aos quatro fatores de estilo de vida saudável apresentaram 75% menos risco de
obesidade quando comparados com os filhos de mães que não aderiram a esses fatores. Tais resultados evidenciam os
efeitos intergeracionais de adesão a um estilo de vida saudável geral antes da gravidez e o menor risco de obesidade
nos filhos. Os autores pontuam a relevância de um estilo de vida saudável antes da gravidez como estratégia de
prevenção para a obesidade nas gerações futuras (Dhana et al., 2018).
Crenças e preferência por mudanças no estilo de vida versus medicação
Outro aspecto relevante que vem sendo investigado dentro da temática de mudanças no estilo de vida é o quanto as
pessoas preferem mudar o estilo de vida a utilizar medicamentos, além das crenças acerca de sua capacidade para
iniciar e manter essas mudanças. Jarbøl e colaboradores (2017) realizaram um estudo com uma amostra
representativa dinamarquesa com o objetivo de descrever os fatores associados à preferência por mudanças no estilo
de vida versus medicação para prevenção de doenças cardiovasculares. Além disso, o estudo focou nos fatores
associados às expectativas de autoeficácia sobre a capacidade de iniciar e manter mudanças no estilo de vida. Aos
participantes, 1.069 indivíduos com idades entre 40 e 60 anos, foi apresentado um cenário hipotético, no qual eles
tinham sido diagnosticados com risco aumentado para doença cardíaca. Em seguida, foi apresentada uma oferta de
intervenção médica preventiva destinada a reduzir esse risco. Os efeitos colaterais e a eficácia da medicação foram
mencionados e foram explicados os benefícios do tratamento em termos de redução do risco de 10% a 5%. Após
receberem essas informações, os participantes respondiam se eram favoráveis ou contrários à aceitação da
medicação, além de indicarem sua preferência por mudanças no estilo de vida como substitutas da medicaçãoe até
que ponto eles acreditavam que seriam capazes de iniciar tais mudanças e mantê-las por um ano. Vale mencionar que
essas mudanças, que diziam respeito a aumento na atividade diária em 30 minutos, adoção de uma dieta pobre em
gorduras e evitação do tabagismo, foram consideradas tão benéficas quanto o regime de medicação (Jarbøl et al.,
2017).
Todas essas perguntas faziam parte de um questionário que também investigou a autoavaliação do estado de
saúde, o estilo de vida atual (tabagismo, atividade física, IMC), sexo, idade, experiência com doença cardíaca
(própria e na família), nível educacional e renda familiar. Apesar de o questionário não ter sido validado
anteriormente, os autores o testaram previamente quanto a sua viabilidade e compreensibilidade. Os resultados
indicaram uma preferência substancial por mudanças no estilo de vida em substituição ao uso de medicamentos no
contexto de tratamento para reduzir o risco de doença cardíaca grave. Mesmo apresentando fatores como sofrer de
doenças cardíacas ou vivenciar a doença em suas famílias, ter baixa renda ou ser fumante, 90% desses participantes
preferiram a mudança de estilo de vida. Ademais, observou-se que as mulheres tenderam mais a escolher as
mudanças de estilo de vida do que os homens; o mesmo ocorreu com pessoas que avaliavam sua saúde como ruim.
Por sua vez, os participantes que trabalhavam de maneira autônoma e que tinham baixa renda e sobrepeso foram
menos propensos a optar por mudanças de estilo de vida (Jarbøl et al., 2017).
Tabagismo, baixos níveis de atividade física, IMC elevado, baixa renda e baixa escolaridade foram fatores que se
relacionaram à dificuldade relatada em iniciar e manter mudanças no estilo de vida. A experiência anterior com
doença cardíaca foi associada a uma baixa crença em manter essas mudanças de estilo de vida por um ano (Jarbøl et
al., 2017). Por fim, nota-se que pesquisas como essa são relevantes para se conhecer as crenças dos pacientes antes
mesmo de se sugerir intervenções em saúde. A identificação precoce dessas crenças, da autoeficácia e das possíveis
barreiras do paciente com relação a iniciar e manter mudanças comportamentais é relevante para um melhor
direcionamento das intervenções em saúde, devendo, portanto, ser integrada na comunicação de riscos nesse
contexto (Jarbøl et al., 2017).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste capítulo, foi elucidada a importância da adoção de mudanças no estilo de vida como um meio de prevenção e
promoção da saúde física e mental. No entanto, a efetividade dessas modificações é influenciada por diversos fatores
– individuais, sociais e contextuais –, que podem facilitar ou dificultar a tomada de decisão sobre substituir
comportamentos relacionados a fatores de risco por hábitos saudáveis. Portanto, é fundamental que o profissional da
psicologia da saúde esteja apto a avaliar e identificar esses comportamentos e determinar o grau de dificuldade para
sua modificação, além da motivação e da preparação do indivíduo para a mudança. Essa deve ser uma etapa
prioritária antes de engajar-se em e conduzir um processo de mudança de comportamentos relacionados ao estilo de
vida.
Conforme descrito, as pesquisas em psicologia da saúde têm utilizado diferentes abordagens para mensurar o
construto do estilo de vida e comportamentos de saúde, como roteiros de entrevistas, questionários e escalas,
inventários e uma diversidade de instrumentos de autorrelato, mas nem todos preenchem os critérios psicométricos
requeridos para uso de medidas no âmbito clínico. Fica evidente que essa é uma área de pesquisa ainda precária no
Brasil, e esforços devem ser realizados para superar a lacuna de bons instrumentos para a avaliação integral dos
comportamentos de saúde e estilos de vida, o que auxiliará no processo de avaliação e complementará o trabalho do
psicólogo junto com outros métodos e técnicas de coleta de informação comportamental.
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6
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA E INFECÇÕES VIRAIS
EMERGENTES E REEMERGENTES
Larissa de Oliveira e Ferreira
Daniela S. Zanini
Karina Ferreira Leão Junqueira
Marília Dalva Turchi
O processo de avaliação psicológica é complexo e exige dos psicólogos habilidades e conhecimentos para identificar
o construto a ser avaliado, selecionar a melhor forma de medi-lo, escolher os instrumentos mais adequados ao
contexto específico que pretendem avaliar, reunir as informações obtidas e integrá-las de forma a contribuir para a
compreensão do funcionamento do indivíduo e sua relação com a sociedade. Dessa forma, a avaliação psicológica
não é simplesmente uma área técnica produtora de ferramentas profissionais, mas uma área da psicologia responsável
pela operacionalização das teorias psicológicas em eventos observáveis (Primi & Nunes, 2010), com vistas a
produzir hipóteses ou diagnósticos sobre uma pessoa ou um grupo (Hutz, Bandeira, & Trentini, 2015). Na prática,
agregar todas essas informações em uma análise que seja capaz de utilizá-las ainda é um desafio, sobretudo quando a
avaliação psicológica ocorre em contextos que extrapolam o setting terapêutico estruturado da clínica ou quando
envolve indivíduos em condições especiais. Um exemplo disso é a avaliação psicológica realizada em contextos de
saúde e hospitalar. Além dos desafios típicos da avaliação psicológica, nesse contexto ainda existem os desafios das
condições especiais em que se encontra o indivíduo, o que exige do avaliador maiores habilidades e conhecimentos
na área. Somam-se a isso o dinamismo do contexto de saúde, o trabalho em equipes interdisciplinares e as doenças
emergentes. Estas últimas constituem desafios, pois demandam dos profissionais da saúde resposta e tratamento ao
mesmo tempo em que o fenômeno se revela.
Um exemplo de doenças emergentes que demandou das equipes interdisciplinares respostas integradas foram os
casos de microcefalia decorrentes de infecção pelo Zika vírus (ZIKV) no Nordeste do Brasil. Em um período de
poucos meses, observou-se um grande número de pessoas com quadro febril agudo e manchas avermelhadas pelo
corpo (exantema), cujo diagnóstico não se enquadrava em nenhuma das doenças exantemáticas conhecidas. Poucos
meses depois, foi identificado um aumento inusitado de pessoas com alterações neurológicas compatíveis com a
síndrome de Guillain-Barré. Essa síndrome é caracterizada por fraqueza muscular progressiva, acompanhada ou não
de alterações da sensibilidade, que pode evoluir para paralisia flácida. Em seguida, também no Nordeste, observou-se
um aumento de casos de crianças nascidas com microcefalia. Essa sequência de eventos inusitados, graves e com
potencial de deixar sequelas permanentes assustou a população e os profissionais da saúde. Havia muitas incertezas
em relação às possíveis causas e em relação às melhores estratégias de prevenção. Nesse contexto, a psicologia e,
mais especificamente, a avaliação psicológica também foram chamadas a contribuir.
Este capítulo discute o papel da avaliação psicológica em alguns agravos emergentes na área da saúde. De forma
mais específica, aborda a avaliação psicológica de pessoas infectadas por arbovírus de maior relevância no Brasil,
entre eles os vírus da dengue (DENV), chikungunya (CHIKV) e febre amarela e o ZIKV. Serão apresentadas algumas
complicações não infecciosas decorrentes da infecção pelo ZIKV, especialmente a síndrome Guillain-Barré e as
alterações congênitas, assim como os instrumentos psicológicos que podem ser utilizados para a avaliação
psicológica nesses casos.
BREVE HISTÓRICO
No final de 2014, em várias cidades do Nordeste do Brasil, foi observado um grande número de pessoas com uma
doença aguda caracterizada por febre, dores musculares, dores articulares, conjuntivite e manchas avermelhadas no
corpo. Os pacientes apresentavam um quadro clínico leve e aparentemente sem maior gravidade. As manifestações
clínicas se assemelhavam àquelas descritas na dengue (dengue-like), porém os exames laboratoriais não
confirmavam esse diagnóstico. O edema articular, outro sintoma presente nessa doença febril, era observado na
infecção por CHIKV, porém os exames sorológicos apontavam resultados negativos para o CHIKV. Diante desse
agravo inusitado, médicos e pesquisadores de diferentes instituições se mobilizaram para investigar essa nova
doença. A hipótese era a de que se tratava de um novo vírus (Brito et al., 2016).
No Brasil, casos autóctones de infecção pelo ZIKV foram confirmados a partir de abril de 2015(Zanluca et al.,
2015). O ZIKV foi identificado pela primeira vez em 1947, na floresta de Zika, em Uganda. Era um vírus pouco
conhecido e considerado causador de infecções ocasionais e leves. Durante décadas, ficou restrito a algumas regiões
da África e da Ásia. Em 2013, foi notificada uma epidemia de ZIKV em ilhas do Pacífico, com posterior
disseminação para o Brasil (Kindhauser, Allen, Frank, Santhana, & Dye, 2016).
Após a disseminação do ZIKV nas ilhas da Polinésia Francesa, foi documentado um surto de síndrome de
Guillain-Barré (Cao-Lormeau, Blake, & Mons, 2016), e, posteriormente, de forma retrospectiva, também foi
evidenciado um aumento de abortos e de crianças com alterações congênitas (Cauchemez et al., 2016). Estudos
conduzidos no Brasil contribuíram de forma efetiva para estabelecer a relação causal entre infecção pelo ZIKV e
microcefalia e também com síndrome de Guillain-Barré (Araujo et al., 2018; Brasil et al., 2016; Krauer et al., 2017;
Krow et al., 2018).
INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS
O ZIKV é um arbovírus emergente. O termo “arbovírus” (arthropod-borne virus) designa um grupo de vírus que são
transmitidos por artrópodes, em sua maioria mosquitos hematófagos, ou seja, que se alimentam de sangue. Os
arbovírus apresentam uma grande dispersão geográfica. No Brasil, já foram identificados mais de 200 arbovírus, a
maioria dos quais infecta animais silvestres (zoonose). Diferentemente da maioria dos outros arbovírus, DENV,
CHIKV e ZIKV circulam em regiões urbanizadas e têm grande impacto na saúde das populações humanas. No
Brasil, DEN, CHK e ZIKV em gestantes são doenças de notificação compulsória (Eder et al., 2018).
Vias de transmissão
O ZIKV pode ser transmitido por via vetorial, sexual, sanguínea e vertical. Porém, a principal forma de transmissão é
vetorial, que ocorre pela picada do mosquito infectado, principalmente o Aedes aegypti. Os mosquitos do gênero
Aedes picam normalmente durante o dia, sobretudo no início da manhã e no fim da tarde/início da noite. Esse é o
mesmo mosquito que transmite a dengue e a chikungunya. Dessa forma, a incidência dessas três viroses está
diretamente relacionada à proliferação vetorial e, consequentemente, às condições de moradia das populações
urbanas (Donalisio, Freitas, & Zuben, 2017).
Sintomatologia
A cocirculação dos vírus DENV, CHIKV e ZIKV dificulta o diagnóstico clínico em razão de similaridades das
manifestações clínicas e das limitações do diagnóstico laboratorial do ZIKV. De modo geral, as infecções causadas
por esses vírus podem ser assintomáticas ou caracterizadas por um conjunto de manifestações clínicas pouco
específicas. Esses três vírus podem causar doença exantemática febril aguda associada com manifestações gerais.
A infecção pelo ZIKV é descrita como uma doença febril aguda, autolimitada, com duração de 3 a 7 dias,
geralmente sem complicações graves. Os principais sintomas são semelhantes aos apresentados por pacientes com
dengue ou chikungunya e incluem febre, manchas avermelhadas (exantema), conjuntivite, dores nos músculos e nas
articulações, mal-estar ou dor de cabeça. Na infecção pelo ZIKV, geralmente a febre é baixa. Nos casos sintomáticos
de dengue, a febre tende a ser mais alta, e os sintomas gerais, mais intensos em relação à Zika. De modo geral, o
comprometimento articular na infecção pelo ZIKV é menos intenso e mais fugaz quando comparado com o
provocado pelo CHIKV. O CHIKV está associado com o aparecimento de alterações articulares crônicas. O ZIKV
tem potencial para causar alterações neurológicas que podem se manifestar pouco tempo após a infecção, por ação
direta ou, mais provavelmente, em decorrência de quadros autoimunes, expressos pela síndrome de Guillain-Barré.
Não foram encontrados estudos sobre alterações cognitivas ou microcefalias em fetos acometidos pelos vírus DENV
e CHIKV.
A Tabela 6.1 mostra as principais diferenças clínicas entre essas três infecções.
Clique aqui para visualizar o Quadro como imagem.
TABELA 6.1
Principais diferenças nas manifestações clínicas de dengue, zika e chikungunya
Sinais/sintomas Dengue Zika Chikungunya
Febre (duração) Acima de 38°C (4-7
dias)
Sem febre ou subfebril 38°C
(1-2 dias subfebril)
Febre alta > 38°C (2-3 dias)
Manchas na pele
(frequência)
A partir do 4° dia (30-
50% dos casos)
Surge no 1° ou 2° dia (90-
100% dos casos)
Surge 2-5 dias (50% os
casos)
Dor nos músculos
(frequência)
+++/+++ ++/+++ +/+++
Dor nas articulações
(frequência)
+/+++ ++/+++ +++/+++
Intensidade da dor
articular
Leve Leve/moderada Moderada/intensa
Edema da articulação Raro Frequente e de intensidade
leve
Frequente e de intensidade
moderada a intensa
TABELA 6.1
Principais diferenças nas manifestações clínicas de dengue, zika e chikungunya
Conjuntivite Raro 50-90% dos casos 30%
Dor de cabeça
(frequência e
intensidade)
+++ ++ ++
Coceira Leve Moderada/intensa Leve
Hipertrofia ganglionar
(frequência)
Leve Intensa Moderada
Discrasia hemorrágica
(frequência)
Moderada Ausente Leve
Acometimento
neurológico
Raro Mais frequente que dengue
e chikungunya
Rara (predominante em
neonatos)
Fonte: Lang (2015).
Exames laboratoriais específicos (exames de biologia molecular e/ou testes sorológicos) ajudam no diagnóstico
diferencial dessas infecções. Entretanto, pode haver reação cruzada entre os testes sorológicos para detecção do
ZIKV e do DENV, o que dificulta o diagnóstico laboratorial.
Síndrome congênita do zika
A infecção pelo ZIKV durante a gestação pode resultar em abortos, natimortos ou nascimento de crianças com
alterações congênitas. Em conjunto, as alterações congênitas recebem a denominação de síndrome congênita do zika.
A microcefalia foi a primeira das alterações identificadas. Hoje se sabe que a microcefalia representa a ponta do
iceberg e que muitas outras alterações anatômicas podem ser detectadas durante a gestação ou após o parto. Além
disso, um conjunto de alterações funcionais pode ser diagnosticado durante o desenvolvimento da criança (Costello
et al., 2016; Miranda-Filho et al., 2016).
A microcefalia é definida como a medida da circunferência occipitofrontal inferior a dois desvios-padrão, ou seja,
mais de dois desvios-padrão abaixo da média para idade gestacional e sexo. Existe um conjunto de parâmetros e
cuidados que deve ser utilizado para definir a presença de microcefalia. Destaca-se também que há casos em que,
embora o crânio tenha dimensões normais, os ventrículos cerebrais estão dilatados e ocorre uma atrofia cerebral.
Na síndrome congênita do zika, pode haver um conjunto de alterações anatômicas e funcionais em vários órgãos e
sistemas. Pode haver dilatação dos ventrículos cerebrais (cavidades por onde circula o líquido cerebral), calcificações
intracranianas, problemas visuais e auditivos, atraso no desenvolvimento, crises epiléticas, alterações musculares,
contração das articulações, deformações das mãos, punhos e joelhos.
Implicações neurológicas e cognitivas
A epidemia de ZIKV no Brasil e em vários países causou uma preocupação particular. Em muitas séries de casos, há
uma variedade de anormalidades cerebrais que podem ser encontradas em fetos expostos à infecção intrauterina pelo
ZIKV. De acordo com a pesquisa, o vírus pode perturbar a multiplicação das células do cérebro, acarretando graves
consequências no desenvolvimento do órgão, inclusive anormalidades no tamanho ventricular, perda de volume de
substância branca e cinzenta, anormalidades do tronco encefálico e calcificações (Oliveira et al., 2016).
Ainda são desconhecidas todas as alterações orgânicas e cognitivas causadas pelo ZIKV. Contudo, sabe-se que
elas são de natureza congênita e transmitidas ao feto pela placenta (Marchiori, Ventura, Gaparetto, Muniz, & Ribeiro,
2017). Contudo, as primeiras alterações que chamaram a atenção dos médicos foram a microcefalia e a síndrome de
Guillain-Barré. Posteriormente, verificou-se que, mesmo em crianças com cérebro de tamanho normal, poderia haver
outras alterações neurológicas e mesmo em outros órgãos que não o sistema nervoso, embora o vírusdemonstre
predileção por esse sistema.
Estima-se que o risco de alterações congênitas seja maior quando a infecção pelo ZIKV acontece até o segundo
trimestre da gestação. Entretanto, em qualquer fase da gestação, esse vírus pode causar alterações anatômicas ou
funcionais. É possível que, dependendo do momento em que a agressão ocorra, o vírus possa alterar o
desenvolvimento de uma ou outra área do cérebro, provocando sintomas diferentes. É isso que faz a síndrome
congênita do zika não ser sempre a mesma em todas as pessoas (Melo et al., 2016)
Como em outras síndromes, é possível que a criança apresente somente alguns dos sintomas e, raramente, todos
eles. Mesmo crianças com perímetro cerebral normal podem apresentar outras alterações orgânicas. Esse fato está
fazendo o problema da atrofia cerebral e outras alterações serem aparentemente escondidos. As alterações mais
comumente associadas à microcefalia estão relacionadas ao déficit intelectual e a outras condições, que incluem
epilepsia, paralisia cerebral, atraso no desenvolvimento da linguagem e/ou motor, estrabismo, distúrbios
oftalmológicos, cardíacos, renais, do trato urinário, entre outros. Ainda não existem indicadores específicos
relacionados ao comprometimento cognitivo e comportamental de crianças infectadas pelo ZIKV. Contudo, a partir
dos relatos de casos clínicos, infere-se que se trata de um grupo que demandará intervenções precoces, uma vez que
são evidentes múltiplos riscos de alterações globais do neurodesenvolvimento que apresentam elevado impacto no
funcionamento adaptativo das crianças (Brunoni et al., 2016).
Profissionais envolvidos no atendimento de casos de síndrome congênita do zika
A infecção pelo ZIKV durante a gestação pode resultar na síndrome congênita do zika. As lesões no sistema nervoso
central (SNC) podem acarretar alterações anatômicas e funcionais. Devido ao grau de comprometimento, as crianças
necessitam de atendimento multiprofissional. A Organização Mundial da Saúde (OMS), o Ministério da Saúde e
grupos de especialistas disponibilizam protocolos e guias de manejo para a atenção a essas crianças e a sua família
(ver, p. ex., WHO, 2016; Movimento Zika, 2017; MERG – Grupo de Pesquisa da Epidemia da Microcefalia, c2018).
Entre os profissionais envolvidos no diagnóstico e no tratamento, destacam-se neurologistas, oftalmologistas,
pediatras, infectologistas, fisioterapeutas e psicólogos. O Ministério da Saúde e a OMS preconizam que todas as
crianças cujas mães tiveram zika devem ser acompanhadas até o terceiro ano de vida, e apresentam diretrizes
específicas sobre os aspectos a serem observados e trabalhados com elas. O profissional de psicologia participa tanto
no processo de avaliação do possível déficit cognitivo da criança (por meio da avaliação psicológica) como no
processo de estimulação precoce e apoio e orientação às famílias.
A avaliação psicológica
Como todo processo científico, a avaliação psicológica parte de encaminhamento e/ou hipótese que deve ser
investigada. Para isso, alguns passos devem ser realizados, entre eles, entrevista inicial, contrato de trabalho,
estabelecimento de um plano de avaliação, escolha de escalas, testes e técnicas que serão utilizados, interpretação e
análise dos dados, elaboração de laudo e entrevista devolutiva (Cunha, 2003). Entre as escalas, testes, técnicas e
instrumentos utilizados no Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) regulamenta que sejam usados somente
testes psicológicos padronizados e validados no Brasil e com propriedades psicométricas reconhecidas para o uso
profissional.
Nesse aspecto, em 2001, foi criado pelo CFP o Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) ([CFP],
2003). Trata-se de um sistema de avaliação dos testes psicológicos que os classifica em favoráveis ou desfavoráveis
para uso profissional em psicologia. Essa classificação se faz a partir da verificação de um conjunto de requisitos
mínimos definidos pela área (Primi & Nunes, 2010). Assim, ao realizar uma avaliação psicológica, esse profissional
precisa se certificar de que o instrumento que pretende usar é avaliado como favorável ao uso profissional.
Na avaliação psicológica de crianças, o desenvolvimento cognitivo deve ser minuciosamente analisado. O
conceito de desenvolvimento cognitivo está atrelado ao de desenvolvimento cerebral e se refere aos processos de
maturação de habilidades da infância à adolescência, considerando a evolução do conhecimento e do pensamento
(Miranda, Borges, & Rocca, 2018).
Avaliação do desenvolvimento
As teorias clássicas do desenvolvimento cognitivo, como as de Piaget, Luria e Vygostky, identificam a formação e a
elaboração das várias funções cognitivas por meio de um processo que passa por várias etapas. Esses modelos, que
advêm da psicologia do desenvolvimento, buscam explicar o desenvolvimento da cognição. Assim, são apresentados
dois modelos das capacidades inatas: o do associacionismo (associações mentais com as propriedades do objeto) e o
do construtivismo (criar representações construídas a partir da integração do intelecto). Para muitos teóricos,
modelos sociocognitivos devem ser considerados a partir da importância da aquisição de novos conhecimentos em
um contexto social (Miranda, Borges, & Rocca, 2018).
Para avaliar o desenvolvimento cognitivo, é preciso identificar se as etapas do desenvolvimento estão dentro do
esperado para o mês/idade ou se alguns aspectos e funções não acompanham o desenvolvimento. Para esse tipo de
avaliação, são usados escalas e testes. A primeira etapa deve ser a avaliação do desenvolvimento motor, que pode ser
realizada até em recém-nascidos.
Na avaliação do desenvolvimento neuropsicomotor, deve-se destacar a importância do uso de escalas de
comprovada sensibilidade e especificidade, que fazem parte das qualidades psicométricas dos testes e escalas (Silva
et al., 2011). A sensibilidade é a capacidade da escala de identificar corretamente os indivíduos que apresentam
algum transtorno – no caso do desenvolvimento neuropsicomotor, se apresentam alguma inabilidade compatível com
alguma disfunção. A especificidade é a capacidade de identificar corretamente os indivíduos que não têm nenhum
transtorno, ou seja, que estão dentro do esperado (Santos et al., 2013).
Para avaliar as alterações motoras, algumas escalas podem ser usadas (ver Tabela 6.2). Em geral, essas escalas
foram desenvolvidas fora do Brasil, e seus protocolos foram traduzidos para a língua portuguesa (Silva et al., 2011).
Na avaliação do desenvolvimento psicomotor, são utilizadas escalas de uso multiprofissional; portanto, elas não são
consideradas testes psicológicos, e seu uso pode ser feito por diferentes categorias profissionais, como psicólogos,
médicos e fisioterapeutas. Nesse sentido, algumas delas estão descritas no SATEPSI como instrumentos não
privativos dos psicólogos, como é o caso da Escala de Desenvolvimento do Comportamento da Criança no Primeiro
Ano de Vida: Padronização de uma Escala para Avaliação e o Acompanhamento. O objetivo dessa escala é oferecer
um instrumento para avaliação do desenvolvimento do comportamento infantil utilizando como indicador a
manifestação motora da criança (Batista, Vilanova, & Vieira, 1997).
Existem outras escalas não privativas dos psicólogos que servem como fonte complementar de observação para a
avaliação do desenvolvimento psicomotor: Teste Gesell, Escala Motora Infantil de Alberta, Avaliação dos
Movimentos da Criança (MAI), Peabody Developmental Motor Scale (PDMS). A Tabela 6.2 apresenta a faixa etária
e o que cada escala avalia.
TABELA 6.2
Escalas que avaliam o desenvolvimento neuropsicomotor de recém-nascidos
Nome da escala Idade O que avalia
TABELA 6.2
Escalas que avaliam o desenvolvimento neuropsicomotor de recém-nascidos
Teste Gesell 4 semanas a 36
meses
Avalia o desenvolvimento infantil por meio de observações e
reações registradas por nível etário. Em cada nível etário, um
inventário de atividades é dividido em quatro categorias de
comportamento: (1) motor; (2) adaptativo; (3)linguagem; (4)
pessoal-social. Cada uma dessas categorias de comportamento é
avaliada observando-se a criança em um certo número de situações
padronizadas.
Escala Motora
Infantil de Alberta
0 a 18 meses É um instrumento observacional da motricidade ampla que avalia a
sequência do desenvolvimento motor e o controle da musculatura
antigravitacional nas posturas prono, supino, sentado e de pé de
crianças a termo e pré-termo.
Avaliação dos
Movimentos da
Criança (MAI)
0 a 12 meses Teste baseado em critérios para tônus muscular, reflexos, reações
automáticas e movimento voluntário.
Peabody
Developmental
Motor Scale (PDMS)
36 a 71 meses Avalia as habilidades motoras grosseiras e finas divididas em seis
subtestes: reflexos, estática, locomoção, manipulação de objetos,
garra e integração visuomotora.
Além dessas escalas, que avaliam o desenvolvimento psicomotor, ainda existe a Escala de Desenvolvimento
Infantil Bayley III, que busca avaliar o desenvolvimento geral, englobando também aspectos emocionais, cognitivos
e adaptativos. A versão atual da Escala de Desenvolvimento Infantil Bayley III está subdividida em cinco domínios:
cognição, linguagem (comunicação expressiva e receptiva), motor (grosso e fino), social-emocional e componente
adaptativo. Os três primeiros domínios são observados com a criança em situação de teste, e os dois últimos são
observados por meio de questionários preenchidos pelos pais ou cuidadores.
Apesar de a Escala de Desenvolvimento Infantil Bayley III ser uma escala de avaliação cognitiva, não se trata de
um instrumento específico para avaliação dessas funções. Nesse sentido, outros testes psicológicos poderiam
complementar a informação relativa ao comprometimento ou não das funções cognitivas na infância.
É importante ressaltar que, apesar de a Escala de Desenvolvimento Infantil Bayley III apresentar bons resultados
nos estudos estrangeiros, ainda não existem estudos suficientes sobre ela no Brasil. Além disso, a escala também não
passou pela avaliação do SATEPSI.
Avaliação cognitiva
Uma vez que a microcefalia causada pelo ZIKV interfere no desenvolvimento cerebral, a avaliação das funções
cerebrais e cognitivas se faz necessária. A avaliação neuropsicológica é uma atividade que emerge no campo da
neuropsicologia e consiste em um método para investigar as funções cognitivas e o comportamento, relacionando-os
com o funcionamento normal e deficitário do SNC, determinando a natureza e a etiologia dos sintomas, a gravidade
das sequelas, a evolução do caso e oferecendo bases para a reabilitação (Haase, Gauer, & Gomes, 2010).
Na avaliação neuropsicológica, podem ser utilizados instrumentos do tipo screening, que são aplicados
rapidamente, sem a intenção de diagnosticar, mas de identificar suspeitas. Também podem ser usadas baterias breves,
que avaliam de forma mais abrangente as funções cognitivas e demandam pouco tempo, pois não apresentam muitas
tarefas para a avaliação de uma mesma função. As baterias breves também não têm função diagnóstica. Por fim,
podem ser usadas baterias completas, que têm por objetivo identificar com clareza funções cognitivas conservadas e
prejudicadas (Salles, Sbicigo, & Piccolo, 2018).
Entre as baterias breves, encontra-se o Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve (NEUPSILIN), que foi
desenvolvido no contexto brasileiro, considerando aspectos culturais e psicolinguísticos. O público-alvo são crianças,
adolescentes e idosos, com idades entre 6 e 90 anos (NEUPSILIN infantil e adulto). O tempo de aplicação é, em
média, de 50 minutos. O teste é dividido em 32 tarefas e avalia oito funções neuropsicológicas, consideradas
principais. São elas: orientação temporoespacial, atenção concentrada (auditiva), percepção (visual), memória
(trabalho, episódica, semântica, visual e prospectiva), habilidades aritméticas, linguagem (oral e escrita), praxias
(ideomotora, construtiva e reflexiva) e funções executivas (resolução de problemas simples e fluência verbal
fonêmico-ortográfica). Uma vez que é considerado um teste de rastreio, o NEUPSILIN identifica rapidamente
funções cognitivas preservadas e deficitárias. No caso específico da avaliação de crianças, essas funções cognitivas
impactam diretamente os processos de aprendizagem (Pires & Simão, 2017).
Pires e Simão (2017) avaliaram 21 crianças do ensino fundamental, 11 sem indicação de dificuldades de
aprendizagem e 10 com indicação de dificuldades de aprendizagem pelo professor. As crianças com queixas de
aprendizagem demonstraram um desempenho inferior nos instrumentos que avaliam funções neuropsicológicas
(NEUPSILIN) em comparação às crianças sem dificuldades. Os resultados demonstram que as habilidades cognitivas
interferem no desempenho satisfatório na escola e que conhecer as funções neuropsicológicas envolvidas contribui
para o desenvolvimento de estratégias de melhorias no desempenho escolar.
O SON-R é um instrumento de avaliação de habilidades cognitivas em fases precoces do desenvolvimento válido,
fidedigno e com normas brasileiras para a avaliação de crianças pré-escolares. É capaz de contribuir para
diagnósticos clínicos de atrasos ou dificuldades específicas do desenvolvimento cognitivo de crianças em faixa etária
prioritária para intervenção precoce (Laros, 2013). Nesse sentido, possibilita auxiliar a criança que apresenta
alterações cognitivas (microcefalia) na primeira infância a identificar quais funções estão comprometidas. Em
consequência, torna-se possível o planejamento de intervenções mais efetivas e eficazes.
O SON-R é considerado um teste não verbal de inteligência que consiste em uma bateria de quatro subtestes:
Mosaicos, Categorias, Situações e Padrões. Para o subteste de Mosaicos, a criança deve copiar um mosaico para uma
moldura, utilizando e manipulando três tipos de quadrados coloridos. No subteste Categorias, a criança precisa
completar categorias apresentadas. No subteste Situações, a criança deve escolher a parte que completa o desenho.
No subteste Padrões, a criança precisa copiar, utilizando o lápis, os desenhos impressos em um caderno de papel. O
teste apresenta três escores: QI de execução (composto por Mosaicos e Padrões), QI de raciocínio (Categorias e
Situações) e QI geral (quatro subtestes) (Macedo et al., 2013).
Macedo e colaboradores (2013) investigaram a adequação do teste não verbal de inteligência SON-R para a
avaliação de um grupo de crianças com transtorno do espectro autista (TEA). Crianças com TEA apresentam
alterações cognitivas com diferentes graus de severidade, porém revelam um perfil específico de habilidades
intelectuais que se caracterizam por QI não verbal superior ao QI verbal, e, por isso, a utilização de testes não verbais
seria uma vantagem na avaliação dessa população. No estudo, identificaram um perfil específico de desempenho dos
TEA. No entanto, não foram encontrados estudos com crianças pré-escolares com microcefalia causada por ZIKV.
Acredita-se que, por ser uma epidemia relativamente recente, estudos sobre as alterações cognitivas em crianças
ainda estão sendo desenvolvidos.
Outra bateria breve amplamente utilizada na avaliação de funções cognitivas e que abrange uma faixa etária mais
ampla, de 6 a 16 anos, é a Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI). Ela fornece uma medida breve de
inteligência com propriedades psicométricas confiáveis para ser utilizada em contextos clínicos e de pesquisa. É
composta por dois subtestes verbais (Vocabulário e Semelhanças) e dois não verbais (Cubos e Raciocínio Matricial),
que possibilitam obter o QI de três diferentes maneiras: QI total, QI de execução e QI verbal. A WASI oferece uma
estimativa cognitiva na avaliação de problemas de aprendizagem no contexto psicoeducacional, no diagnóstico
diferencial de distúrbios neurológicos e transtornos psiquiátricos, no planejamento de programas de reabilitação e em
pesquisas (Heck, Yates, & Trentini, 2018). Nesse sentido, também é considerada uma boa bateria para avaliar
funções cognitivas e, a partir da detecção de disfunções, possibilitar intervençõespara a melhoria dos aspectos
comprometidos.
A intervenção
Uma vez detectadas as disfunções por meio de testes e instrumentos, torna-se fundamental intervir a partir da
estimulação precoce para a melhoria da qualidade de vida dessas crianças. A estimulação precoce é definida como
uma técnica terapêutica que aborda diversos estímulos que podem intervir na maturação da criança, com a finalidade
de estimular e facilitar posturas que auxiliem no desenvolvimento motor e cognitivo de crianças com alguma
deficiência. O objetivo da estimulação precoce é atuar de forma efetiva em crianças, desde os primeiros anos de vida
até aproximadamente os 4 anos de idade. De forma preventiva, a estimulação precoce pode evitar e/ou minimizar os
déficits psicomotores e de linguagem e auxiliar na relação entre mãe e bebê (Giacchini, Tonial, & Mota, 2013).
Os programas de estimulação precoce podem ser benéficos para qualquer recém-nascido de risco que apresente
condições de saúde que interfiram em seu desenvolvimento neuropsicomotor. Para crianças com microcefalia, é
importante que a estimulação precoce seja iniciada logo após a constatação dessa condição, buscando-se otimizar o
desenvolvimento e prevenir ou minimizar sequelas e deformidades (Macedo et al., 2013).
No início de 2016, o Ministério da Saúde (Brasil, 2016) divulgou uma cartilha com orientações de atendimento
especial a crianças de 0 a 3 anos com microcefalia causada pelo ZIKV. A cartilha tem orientações sobre
desenvolvimento neuropsicomotor da criança, como a avaliação do desenvolvimento auditivo, visual, motor,
cognitivo e da linguagem.
Macedo e colaboradores (2013) realizaram um estudo com o objetivo de apresentar a evolução de uma criança
com síndrome congênita do zica atendida no Projeto de Extensão em Estimulação Precoce do Centro Universitário
do Rio Grande do Norte (PROEESP-UNIRN). Para avaliar o padrão neuromotor da criança, utilizou-se a ficha de
avaliação fisioterapêutica em pediatria das Clínicas Integradas do UNIRN a fim de definir o diagnóstico cinético
funcional, com o propósito de orientar o trabalho de estimulação precoce. Os resultados apontaram que, após 18
meses de estimulação precoce, observou-se melhora nos aspectos atenuação dos reflexos primitivos, aquisição do
rolar, alcance, capacidade de ficar sentado e início da habilidade de arrastar. Ao final do estudo, os pesquisadores
comprovaram a importância do programa de estimulação precoce desde os primeiros anos de vida e sua influência na
maturação motora e sensitiva das crianças com microcefalia, contribuindo efetivamente para o bem-estar da criança e
da família.
A importância do suporte familiar
Uma vez que a criança recebe um diagnóstico de microcefalia, que interfere no desenvolvimento, ou de síndrome
congênita do zika, que causa alterações em funções cognitivas, o suporte dos pais é fundamental. O ambiente
familiar precisa ser estimulador; sempre que possível, a criança deve estar perto dos pais, cuidadores e/ou irmãos
enquanto estiverem trabalhando, conversando, se alimentando ou brincando. Ela precisa participar da dinâmica da
casa (Brasil, 2016).
Os familiares têm papel fundamental no tratamento de uma criança com microcefalia. Por isso, entre as
atribuições da equipe multidisciplinar, estão acolher, orientar e estimular os pais durante o processo de reabilitação
do filho. Deve-se ensinar aos pais quais são as melhores formas de interagir com a criança, para que, durante as
brincadeiras, seja fortalecido o vínculo com o bebê e, ao mesmo tempo, sejam implementadas ações que visem ao
desenvolvimento e favoreçam a funcionalidade, a autonomia e a independência da criança (Brasil, 2016).
Os efeitos psicológicos imediatos da informação da deficiência de uma criança aos pais e o processo de aceitação
desta variam de acordo com a história familiar, a patologia do bebê e a percepção dos pais. Entre esses aspectos,
podemos citar a relação dos pais, os traços de personalidade de cada um deles, as experiências individuais e em
conjunto e a cultura em que estão inseridos, principalmente no que diz respeito ao enfrentamento de situações
frustrantes (Fiemanghi Jr & Messa, 2007). Quanto mais visíveis são os efeitos, maiores são a preocupação e o
constrangimento (Klaus, Kennel, & Klaus, 2000). A microcefalia, por ser visível, já implica o possível
constrangimento e a preocupação dos pais. Porém, outros aspectos podem interferir diretamente na aceitação do
diagnóstico.
Carmargo e Londero (2008) investigaram as implicações do modo como são fornecidos o diagnóstico médico e as
orientações aos pais de crianças com deficiência em seu processo de aceitação. A partir dos relatos dos participantes,
foram extraídas cinco categorias que impactam na aceitação: a vivência dos pais – negação e revolta; a informação e
suas implicações; a fala de esclarecimentos; a maneira de informar; a forma de comunicar o diagnóstico; a palavra
dos pais. Das categorias analisadas, as implicações da maneira como é fornecido o diagnóstico no processo de
aceitação e rejeição da criança são o aspecto mais importante e significativo para os pais.
Oliveira e Poletto (2015) realizaram uma revisão da literatura nacional acerca das vivências emocionais de mães e
pais de filhos com deficiência. Foram recuperados e analisados 19 estudos. Os resultados indicaram uma carência de
estudos sobre o tema. Indicaram também que os progenitores apresentam sentimentos iniciais de choque, raiva,
tristeza e culpa, porém, com o passar do tempo, adaptam-se à nova realidade, organizando-se.
Assim, a comunicação aos pais e familiares de um diagnóstico de microcefalia e, consequentemente, de
deficiência cognitiva traz inicialmente ansiedade, revolta e negação. Por isso, o suporte familiar, sobretudo nas
atividades de estimulação precoce, é fundamental para um melhor desenvolvimento das crianças. Nesse aspecto, é
importante saber informar de forma clara e objetiva o diagnóstico, explicando-se detalhadamente o que é a síndrome
e quais são suas implicações, para que o suporte e o cuidado dos pais possibilitem uma melhor qualidade de vida
para a criança.
Habilidades e competências do psicólogo na avaliação de crianças com
microcefalia ou síndrome congênita causada por ZIKV
Uma vez que a criança é diagnosticada com microcefalia ou síndrome congênita causada por ZIKV, sabe-se que ela
deverá passar por uma série de exames ao longo da vida. Assim, o psicólogo que acompanhará a criança deve ter
competências e habilidades específicas.
O domínio do desenvolvimento neuropsicomotor e psicológico é fundamental, uma vez que é preciso investigar
se existe um atraso e em que medida este vai impactar o desenvolvimento da criança. Para essa avaliação, é
necessário que o profissional domine técnicas, testes e escalas de avaliação do desenvolvimento infantil e funções
cognitivas.
Os pais têm papel fundamental do desenvolvimento da criança, e mesmo no processo de avaliação psicológica.
Nesse sentido, cabe ao psicólogo desenvolver competências e habilidades para dar suporte aos pais, buscando
também formas de lidar com as questões iniciais de rejeição e técnicas para o manejo da ansiedade (expectativas) em
relação ao tratamento/avaliação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo discutiu o papel da avaliação psicológica em casos emergentes no contexto de saúde e hospitalar. Mais
especificamente, teve como objetivo discutir a avaliação psicológica em casos pós-contágio por arbovírus, ou seja,
nos casos de zika, dengue e chikungunya. Para isso, foram apresentados a avaliação psicológica e os desafios
associados a sua prática, sobretudo no contexto de saúde e hospitalar. Entre esses desafios, foi apontada a emergência
de novos casos que demandam atendimento ao mesmo tempo em que se produz conhecimento sobre eles. Entre os
casos emergentes vivenciados em saúde recentemente, têm-se as infecções por arboviroses. Este capítulo atentou
mais às infecções pelo ZIKV devido à comprovação de que a infecção por esse tipo de vírus no período gestacional
produz um impacto no desenvolvimentoneurocognitivo da criança. Nesses casos, diferentes profissionais precisam
estar envolvidos no tratamento, entre os quais se destaca o psicólogo, tanto na realização da avaliação psicológica
como na intervenção e no acompanhamento da família.
Em termos da avaliação psicológica em casos de microcefalia e da síndrome congênita causada pelo ZIKV, foi
apontada a necessidade de o profissional dominar técnicas, testes e escalas de avaliação do desenvolvimento infantil
e funções cognitivas. Em termos da avaliação do desenvolvimento infantil, podem ser usados instrumentos de
avaliação psicomotora ou de rastreio de problemas cognitivos. Contudo, para melhor avaliação das funções
cognitivas, é necessário o uso de testes psicológicos aprovados pelo SATEPSI e, portanto, com normas específicas
para a população brasileira. Foram elencados os testes disponíveis para a avaliação cognitiva infantil e as
especificidades de sua aplicação.
Por fim, o capítulo destacou que a atuação do psicólogo nesse contexto também pode ocorrer em termos de
orientação e psicoeducação da família, com vistas a melhorar a qualidade de vida tanto da criança como da família e
aumentar a adesão ao tratamento.
AGRADECIMENTOS
Este trabalho recebe o apoio do Programa de Apoio a Núcleos Emergentes (PRONEM/FAPEG/CNPq, edital
07/2016).
REFERÊNCIAS
Araújo T. V. B., Ximenes R. A. A., Miranda-Filho DB, Souza, W.V., Montarroyos, U. R., de Melo, A.P.L,... Rodrigues, L. C. (2018).
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7
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA EM CONTEXTO DE
REABILITAÇÃO FÍSICA E COGNITIVA
Karina Ferreira Leão Junqueira
Daniela S. Zanini
Larissa de Oliveira e Ferreira
O aumento da expectativa de vida e o estilo de vida moderno modificaram o perfil das enfermidades no mundo e no
Brasil. Se na década de 1930 as doenças infecciosas e parasitárias eram as que mais levavam a população brasileira a
óbito, sendo responsáveis por 46% das mortes, na atualidade esse número caiu de maneira significativa. Desde a
década de 1990, essas patologias correspondem a apenas 5% das mortes dos brasileiros. Em contrapartida, as
doenças associadas ao estilo de vida sedentário e as violências passaram a contribuir significativamente não só para a
mortalidade, mas também para a morbidade. Dados do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde
(DATASUS) demonstram que as doenças crônicas do tipo infarto, acidente vascular encefálico, assim como as
consequências dos diferentes tipos de violência (acidentes de trânsito, homicídios, etc.), são responsáveis pelo maior
número de mortes no Brasil atualmente (DATASUS, 2018).
Além de contribuírem para a mortalidade, essas patologias também aumentam a morbidade da população e
sobrecarregam os centros de saúde, demandando atendimento especializado e multiprofissional. Na busca por um
atendimento global, a psicologia pode contribuir em diferentes etapas do processo: na avaliação psicológica, na
reabilitação, na reavaliação do quadro e no enfrentamento emocional e cognitivo do quadro de saúde. Nesse sentido,
este capítulo pretende discutir os desafios da atuação do psicólogo no contexto da reabilitação física e cognitiva.
Mais especificamente, discutirá as possibilidades de avaliação psicológica no contexto da reabilitação física e
cognitiva e suas possibilidades de contribuição para o serviço. Para isso, serão apresentados o conceito de habilitação
e reabilitação física e cognitiva, o perfil de pessoas atendidas nesses contextos, as etapas e o processo da avaliação
psicológica, as habilidades e as competências necessárias para atuação nesse contexto e, por fim, serão oferecidos
exemplos de casos clínicos. Espera-se que, ao final do capítulo, o leitor possa vislumbrar a atuação do psicólogo da
saúde e hospitalar no contexto de reabilitação física e cognitiva e identificar a contribuição da avaliação psicológica
realizada nesse contexto tanto para a melhoria do serviço quanto para o atendimento global do paciente.
HABILITAÇÃO X REABILITAÇÃO
Diferentemente da habilitação, que visa a auxiliar os indivíduos que nasceram com alguma doença congênita ou
adquirida na primeira infância, a reabilitação intervém junto àqueles que perderam suas funções ao longo da vida e
terão que as readquirir. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), reabilitação é um conjunto de medidas
que ajudam pessoas prestes a adquirir deficiências ou com deficiências já estabelecidas a terem e manterem uma
funcionalidade ideal na interação com seu ambiente (Organização Mundial de Saúde, 2012). Essas medidas se
caracterizam como uma restauração da funcionalidade das deficiências que advêm de uma doença, lesão ou alteração
do desenvolvimento. A reabilitação, portanto, é um processo, um método global e dinâmico com o propósito de
recuperar a saúde física e psicológica da pessoa com deficiência ou com funções prejudicadas devido a doença ou
evento traumático (Hertsy, 2015).
A finalidade do processo de reabilitação é que o indivíduo tenha uma vida autônoma e dependa de terceiros no
menor grau possível (Gradljevec, Papez, Kos, & Plaskam, 2015). Mais especificamente, a reabilitação tem como
meta final a reintegração do paciente nos âmbitos social, estudantil e laboral, produzindo um grande impacto nas
condições de saúde.
O QUE É REABILITAÇÃO FÍSICA?
A reabilitação física está associada ao tratamento e à recuperação das funções alteradas, visando aspectos físicos e
psíquicos de uma pessoa que vivenciou uma condição ou estado devido a uma doença ou lesão incapacitante. Esse
tratamento pode ocorrer durante um período de tempo, envolvendo, assim, intervenções singulares ou múltiplas, as
quais podem ser executadas por um único profissional ou por uma equipe multidisciplinar.
Tanto em intervenções singulares como múltiplas, o processo de reabilitação segue algumas etapas (Achour et al.,
2016):
1. inicia-se com a identificação dos déficits e das necessidades do indivíduo;
2. buscam-se descrever as influências dessas limitações sobre seu ambiente;
3. definem-se as metas e as prioridades da reabilitação;
4. planejam-se as técnicas que serão utilizadas no processo;
5. avaliam-se ou mensuram-se os efeitos das técnicas/intervenções para a reaquisição das funções comprometidas
inicialmente.
Entende-se que a reabilitação física viabiliza a busca do desenvolvimento das capacidades remanescentes,
permitindo que o indivíduo alcance o objetivo principal, que é a reintegração social dentro das maiores
possibilidades físicas e funcionais.
A reabilitação física pode ocorrer na fase aguda, ou seja, logo após a ocorrência do trauma ou doença adquirida.
Nessa fase, atua-se principalmente por meio dos cuidados preventivos contra a formação de úlceras de pressão e
piora dos quadros respiratórios e digestivos, promovendo melhora motora, prevenindo deformidades dos segmentos
“paralisados” e proporcionando cuidados com os distúrbios vasomotores.
Nas fases pós-aguda e de manutenção, a reabilitação ocorre com treino básico de habilidades em cadeiras de rodas
(tradicional e/ou motorizada), independência no leito, transferências, vestuário, alimentação, autocuidados e o uso de
ferramentas de tecnologia da informação. A reabilitação não pode ser considerada uma estratégia isolada, mas uma
estratégia integrada ao tratamento do usuário (Hertsyr, 2015).
As deficiências e limitações que o indivíduo pode apresentar estão presentes na condição humana, uma vez que
são termos com diversas possibilidades de entendimento e abordam inúmeros aspectos. De maneira geral, todas as
pessoas são passíveis de ter algum tipo de deficiência temporária ou permanenteconsulta e o acompanhamento.
Dando um passo à frente na compreensão da prática de avaliação no contexto em saúde, este capítulo apresenta
um modelo de avaliação que aborda os componentes biológicos (ou físicos), afetivos, cognitivos e comportamentais
no âmbito do paciente, da família, do sistema de saúde e do contexto sociocultural. Esse modelo é conhecido como
modelo biopsicossocial (proposto por Engel, 1977), sobre o qual a psicologia da saúde se apoia (Remor, 1999; Kern
de Castro & Remor, 2018; Straub, 2014). Procura-se compreender as interações entre esses componentes e descrever
alguns dos métodos e estratégias de avaliação mais usados.
Como é conhecido, a avaliação psicológica é uma atividade frequente dos psicólogos clínicos da saúde (Linton,
2004). Embora os psicólogos frequentemente usem a avaliação como o primeiro passo no desenvolvimento de um
programa de tratamento para seus pacientes, na psicologia clínica da saúde (Belar, 2008), ela é com frequência usada
para responder perguntas e, assim, resolver problemas relacionados ao atendimento de outros profissionais e
especialidades em saúde.
Os tipos de demandas ou pedidos de interconsulta feitos a psicólogos da saúde dependem do tipo de contexto em
que o profissional está inserido, seja serviço de psicologia, seja unidade médica especializada (p. ex., oncologia,
pediatria, transplantes, cirurgia plástica) ou centro de saúde. Portanto, o contexto de inserção do psicólogo
determinará os tipos de questões e demandas de avaliação (e intervenção) que o professional deverá atender. Alguns
exemplos de situações de avaliação que um profissional em uma equipe multidisciplinar de saúde provavelmente
encontrará são:
a. comorbidades psicológicas de doenças orgânicas (p. ex., insuficiência renal crônica apresentando-se com
depressão ou transtorno de ansiedade generalizada em pacientes com obesidade extrema (Pagoto, 2011);
b. complicações psicológicas da doença orgânica (p. ex., delírio pós-operatório);
c. reações psicológicas à doença orgânica (p. ex., depressão subsequente a amputação ou retirada de mama);
d. efeitos somáticos de sofrimento psicológico (p. ex., angina);
e. diagnóstico diferencial ou descarte de causas de sintomas inexplicáveis ou diagnóstico diferencial de transtorno
de ansiedade generalizada em paciente com diabetes devido às mudanças fisiológicas associadas com os
episódios de hipoglicemia (Pagoto, 2011).
Psicólogos da saúde também podem estar envolvidos em consultas sobre questões de como lidar com a doença,
adesão ao tratamento, preparação para cirurgia, ou exames pré-cirúrgicos, questões de diagnóstico e tratamento
associadas a dor crônica e avaliações neuropsicológicas ou que envolvam a inteligência (habilidades cognitivas).
A literatura tem descrito um crescimento do conhecimento alcançado pela pesquisa aplicada em psicologia da
saúde, o que resultou em uma maior possibilidade de serviços clínicos especializados ou protocolos de intervenção
(Pérez-Álvarez, Fernández-Hermida, Fernández-Rodríguez, & Amigo-Vázquez, 2003; Steptoe, 2011). Dada a
amplitude de atividades de consultoria e avaliação em psicologia clínica da saúde, não é foco deste capítulo detalhar
problemas associados a doenças específicas ou abordar o uso de medidas de avaliação específicas, que são mais bem
descritas nos outros capítulos deste livro.
UM MODELO DE AVALIAÇÃO EM PSICOLOGIA CLÍNICA DA SAÚDE
Seguindo o modelo médico, a avaliação psicológica tem tradicionalmente dois objetivos principais: identificação e
tratamento de transtornos psicológicos. Como tal, medidas de avaliação psicológica foram desenvolvidas para
focalizar uma única dimensão do paciente – o estado psicológico ou mental do paciente –, sem consideração
complementar de sua dimensão “física” ou “biológica”. Por sua vez, a medicina tradicionalmente se concentra no
tratamento da doença, excluindo a personalidade, o estresse ou fatores emocionais.
Cada abordagem tem algum valor, mas o campo da psicologia clínica da saúde requer uma integração dessas
atitudes divergentes, muitas vezes na ausência de modelos conceituais adequados.
As tarefas do psicólogo clínico da saúde são avaliar as interações entre a pessoa, a doença, o ambiente da pessoa
ou contexto e formular um diagnóstico ou estratégia de tratamento com base nessa compreensão. Dada a necessidade
de incorporar informações biofisiológicas, psicológicas e sociais, o psicólogo da saúde em geral trabalha a partir de
uma perspectiva biopsicossocial de saúde e doença (Dana, 1984; Engel, 1977; Remor, 1999). A partir do trabalho de
Engel (1977) com o modelo biopsicossocial, a avaliação para a abordagem de situações clínicas também pode seguir
essa estrutura, pois facilita a organização de informação e a subsequente tomada de decisão sobre estratégias de
avaliação. Trata-se de estabelecer metas de avaliação sobre cada uma das dimensões do modelo biopsicossocial.
Para exemplificar essas dimensões e facetas do processo avaliativo, elaborou-se o Quadro 1.1, com a descrição
dos alvos para a avaliação em cada dimensão de informação (biológica ou física, psicológica [afetiva, cognitiva e
comportamental] e social) e a unidade de avaliação (paciente, família ou contexto). Dentro de cada bloco, estão
listados exemplos dos tipos de informações que podem ser reunidas na condução da avaliação ou de que o psicólogo
deve estar ciente ao tentar entender o paciente a partir de uma perspectiva biopsicossocial (Dana, 1984; Kern de
Castro & Remor, 2018). Em cada área, o psicólogo deve tentar entender o estado atual do paciente, as mudanças
desde o início da doença e a história pregressa (possíveis preditores e fatores de vulnerabilidade à doença). Ademais,
o foco da avaliação não deve ser apenas a identificação de problemas e vulnerabilidades, mas também a identificação
de recursos, forças e virtudes do paciente e de seu ambiente (Quiceno, Remor, & Vinaccia, 2016; Remor & Amorós-
Gómez, 2013).
Clique aqui para visualizar o Quadro como imagem.
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
QUADRO 1.1
Avaliação psicológica em contextos de saúde e hospitalar a partir do modelo biopsicossocial
Dimensão biológica Dimensão psicológica Dimensão
social
Aspectos afetivo-emocionais Aspectos
cognitivos
Aspectos do
comportamento
QUADRO 1.1
Avaliação psicológica em contextos de saúde e hospitalar a partir do modelo biopsicossocial
Dimensão biológica Dimensão psicológica Dimensão
social
Aspectos afetivo-emocionais Aspectos
cognitivos
Aspectos do
comportamento
Paciente Idade, sexo, raça
Sintomas e estado de
saúde
Analíticas laboratoriais
Medicamentos
prescritos
(medicamentos
isentos de prescrição,
automedicação)
Fatores de risco
constitucional (dados
genéticos),
incapacidades
História de lesões,
cirurgias
Humor, afeto
Sentimentos sobre a doença, o
tratamento, a equipe médica, o centro
de tratamento, si mesmo, a família, o
trabalho, a rede social
Estilo cognitivo
(coping)
Conteúdo dos
pensamentos
Inteligência
Nível educativo
Conhecimento
sobre a doença
Crenças de
saúde e
cognições sobre
a doença
Atitudes e
expectativas em
relação a doença
e tratamento
“Sentido da
doença”
Filosofia de vida
Crenças de
transcendência,
espiritualidade,
religião
Tabagismo
Dieta
Consumo de álcool
Uso de substâncias
Nível de atividade
física
Atividade social
Uso dos serviços
de saúde
Adesão ao
tratamento e
cuidados
Habilidade de
controle de
sintomas físicos
Hábitos de saúde e
de risco
Rede social
Apoio social
percebido
Situação
laboral e
ocupacional
Recursos
econômicos
Família |
Cônjuge
|
Cuidador
Tamanho da família
História familiar em
relação à doença
Sentimentos da família sobre o
paciente, a doença e o tratamento
Conhecimento
sobre a doença e
o tratamento
Atitudes e
expectativas
sobre o paciente
e a doença
Participação nos
cuidados do
paciente
Reforço
contingente
relacionado a
comportamento de
saúde e doença
Interação e estiloem algum momento de suas vidas.
As deficiências também são consideradas uma condição com grande impacto econômico e social para os indivíduos,
famílias e comunidades (Pradat-Diehl et al., 2014).
Essas limitações devem ser vislumbradas desde a atenção básica até os serviços especializados, como os centros
de reabilitação, tendo como foco prioritário a atenção integral à saúde do indivíduo. Oferecendo-se esse tipo de
atuação, pode-se melhorar os resultados de saúde, reduzir custos pela diminuição de períodos de internação, prevenir
agravos, minimizar a deficiência e proporcionar qualidade de vida. A intervenção precoce mostra-se mais eficaz,
produzindo resultados funcionais melhores para quase todas as condições de saúde associadas à deficiência (Franchi
et al., 2017).
O QUE É REABILITAÇÃO COGNITIVA?
Reabilitação cognitiva é o termo dado ao conjunto de estratégias de intervenção aplicado a pacientes que tiveram
suas funções cognitivas comprometidas devido a algum tipo de lesão encefálica adquirida ou congênita. Esses
processos terapêuticos têm como objetivo minimizar as alterações cognitivas, para que o paciente consiga atingir o
melhor nível de funcionalidade possível em suas atividades da vida diária, proporcionando, assim, qualidade de vida
tanto aos pacientes quanto às pessoas que estão envolvidas no processo de reabilitação (Wilson, 2014).
Em geral, podem-se identificar algumas etapas da reabilitação cognitiva. Ela se inicia com um processo de
avaliação inicial, a fim de identificar o funcionamento das funções cognitivas do indivíduo, suas possíveis perdas ou
comprometimentos (identificação da demanda). A avaliação inicial também permite o reconhecimento das limitações
cognitivas, emocionais e psicossociais que possam estar interferindo diretamente na vida do paciente ou no programa
de reabilitação.
De posse das informações obtidas pela avaliação inicial, podem-se determinar as metas terapêuticas, em conjunto
com o paciente e os familiares. Tais metas demandam o envolvimento do paciente e dos familiares, pois estão
diretamente relacionadas às demandas de sua vida social e exigirão participação ativa no processo de reabilitação.
Com essas informações, o psicólogo pode planejar o processo de reabilitação cognitiva, identificando as prioridades
a serem trabalhadas e o melhor procedimento para isso. Ao final do processo de reabilitação cognitiva, repete-se a
avaliação das funções cognitivas, a fim de avaliar os ganhos terapêuticos experimentados e a evolução do paciente
(Fig. 7.1).
Figura 7.1 Etapas da reabilitação cognitiva.
O resultado de uma reabilitação cognitiva não é necessariamente o restabelecimento total das funções perdidas.
Entretanto, em todo o caso, ela possibilita o restabelecimento de algumas funções, o reconhecimento de seus déficits,
o enfrentamento adaptativo e o desenvolvimento de recursos auxiliares e compensatórios para eles. Dessa forma, o
foco da reabilitação é diminuir o impacto que as deficiências podem causar no indivíduo, compreendendo-se, assim,
que não se objetiva extinguir os déficits cognitivos, mas minimizá-los e adaptar-se a eles (Soares & Soares, 2014).
Em relação aos aspectos metodológicos que podem garantir a eficácia desse programa, destacam-se a
identificação das habilidades e das inabilidades do indivíduo, o direcionamento das expectativas físicas, cognitivas,
emocionais e sociais, o estabelecimento do vínculo e da unidade do processo entre paciente, família e terapeuta, a
participação e a colaboração ativa do paciente, os atendimentos estruturados e os planos de tratamento desenvolvidos
a partir de uma linha de base do paciente para a mensuração de sua evolução no programa. Utilizam-se várias
técnicas e estratégias que visam a melhorar algumas habilidades, ensinar outras novas e compensar déficits para
reduzir o número de falhas (Nikaedo, Piza, & Orsati, 2017).
As atividades realizadas com o paciente vão ao encontro de suas demandas, contemplando seu contexto
psicossocial, pois cada sujeito apresenta uma limitação específica em seu cotidiano. As intervenções são voltadas
para essas limitações e incluem o planejamento antecipado de ações; a decomposição de planos em etapas ou “passo
a passo”; o checklist de tarefas; as formas de organizar e monitorar o comportamento; o treino de ensaio expandido; a
aprendizagem sem erro e o apagamento de pistas (Sohlberg & Mateer, 2011).
Os maiores desafios dos estudos de reabilitação estão vinculados à metodologia, uma vez que o processo é
individualizado, ou seja, as estratégias são focadas nas demandas funcionais de cada indivíduo, e não apenas em
treino de função especificamente. O objetivo principal é proporcionar a máxima independência possível e a
autonomia nas atividades da vida diária. Nesse sentido, os estudos de caso em reabilitação cognitiva de lesões
adquiridas ou congênitas possibilitam a melhor descrição das técnicas e das intervenções na atuação com pacientes e
pessoas envolvidas no processo de reabilitação, pois contribuem com as informações do contexto clínico e narram os
obstáculos comuns no dia a dia de quem atua nessa área de atenção à saúde (Wall, Turner, & Clarke, 2013).
CARACTERÍSTICAS E LIMITAÇÕES DAS PESSOAS ATENDIDAS
A reabilitação física e cognitiva não é restrita a um grupo ou faixa etária, nem a uma extensão ou intensidade da
lesão. Desse modo, as técnicas de reabilitação podem contemplar desde bebês prematuros até pessoas em condições
de cuidados paliativos. Entretanto, reconhece-se que intervenções precoces e próximas ao evento causador do
prejuízo cognitivo tendem a proporcionar melhores resultados. Segundo os estudos sobre neuroplasticidade, o
sistema nervoso pode alterar sua estrutura e função em decorrência das alterações existentes, e ela pode ser avaliada a
partir de uma perspectiva estrutural (configuração sináptica) ou funcional (modificação do comportamento), o que
possibilita um melhor aproveitamento dos programas de reabilitação (Mourão Junior & Faria, 2015).
Na primeira infância, costuma ser recorrente a intervenção de reabilitação em bebês que apresentam alterações
cognitivas e físicas congênitas, contemplando as paralisias cerebrais, bem como as doenças neurodegenerativas e as
malformações identificadas desde a fase inicial da vida e que produzem dificuldade no desenvolvimento
neuropsicomotor, de linguagem e de interação social. Em casos de adultos e idosos, é frequente a intervenção da
reabilitação cognitiva em situações de lesões encefálicas adquiridas (tumores, traumatismo craniencefálico, doenças
vasculares, encefalites, etc.). Está cada vez mais evidente o papel da reabilitação cognitiva até mesmo em casos de
síndromes demenciais que evocam perda cognitiva progressiva; contudo, em conjunto com o tratamento
medicamentoso, a reabilitação pode reduzir a velocidade das perdas cognitivas e, consequentemente, prolongar a
autonomia e a qualidade de vida (Kreber & Griesbach, 2016).
à Ó
O PROCESSO DE AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA
Conforme exposto anteriormente, a reabilitação cognitiva inicia-se com a avaliação das funções cognitivas, e esta,
por sua vez, permite a investigação mais detalhada de diversas capacidades cognitivas, por meio de instrumentos
específicos para cada habilidade que se pretende avaliar, permitindo a observação de sintomas associados a
comorbidades. O impacto dessas disfunções, associado ao tipo de lesão encefálica, à gravidade, ao tempo e à
extensão, pode interferir na autonomia do paciente e no seu retorno às atividades prévias (Gouveia, Lacerda, &
Kernkraut, 2017).
Atualmente, a avaliação psicológica é importante e útil na investigação clínica de uma ampla variedade de
condições neurológicas e possibilita a obtenção de informações gerais e específicas sobre o funcionamento cognitivo
de um indivíduo. Com o desenvolvimento de técnicas de neuroimagem, que permitem localizar lesões cerebrais de
forma mais eficaz, a neuropsicologia clínica passa a preocupar-se com a descrição de habilidades cognitivas
preservadas e prejudicadas do paciente, bem como dosmecanismos compensatórios disponíveis (Scott, Ostermeyer,
& Shah, 2016).
Instrumentos de rastreio das funções cognitivas podem ser aplicados por diversos profissionais da área da saúde,
não sendo de uso restrito do psicólogo no Brasil. O Miniexame do Estado Mental (MEEM) e o Neupsilin, por
exemplo, são instrumentos de aplicação mais rápida que podem ser usados para identificar em menor tempo as
habilidades comprometidas e preservadas. Os testes de rastreio, entretanto, por serem compostos por tarefas mais
curtas e restritas, tendem a ter menor sensibilidade para a descrição de casos de menor gravidade, assim como não
contemplam a descrição de todas as funções cognitivas superiores (Dantas, Torres, Farias, Sant'Ana, & Campos,
2014).
Em um estudo de revisão da literatura, Wolfe e Lehockey (2016) sinalizam a importância da avaliação psicológica
com a utilização de testes mais específicos e sensíveis para a verificação da capacidade individual de dirigir com
segurança em indivíduos que sofreram lesão cerebral. As funções que podem interferir nessa aptidão são percepção
visual, habilidades espaciais e visuais, atenção, velocidade de processamento e funcionamento executivo. Esse
estudo ressalta que a utilização de instrumentos de rastreio pode negligenciar algumas disfunções e colocar em risco
a terapêutica oferecida a esses indivíduos, devido à baixa sensibilidade do instrumento.
Alguns estudos vêm demonstrando a presença de avaliações cognitivas abrangentes para a identificação das
funções cognitivas preservadas e alteradas. Internacionalmente, em uma pesquisa realizada com indivíduos
diagnosticados com epilepsia, na qual foi identificado que as descargas epileptiformes interictais podem afetar a
cognição, os autores descreveram os seguintes instrumentos para a averiguação das disfunções apresentadas: Escala
de Inteligência Wechsler para Adultos (WAIS-III), Boston Naming Test, Semantic Fluency, Letter Fluency, Teste de
Aprendizagem Auditivo-verbal de Rey (RAVLT), Wechsler Memory Scale III, Trail Making Test, Finger Tapping
Test, Grip Strength, Category Test e Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI). Esse protocolo foi aplicado
em uma fase inicial com as descargas epileptiformes interictais, e a reavaliação foi realizada após seis semanas, sem
as descargas. Os resultados mostraram alterações mnemônicas durante o procedimento, e, após as seis semanas, as
limitações eram reduzidas em até dois desvios-padrão nas pontuações dos testes (Drane et al., 2016).
Wolfe e Lehockey (2016), em revisão de literatura referente à habilidade de dirigir após lesão encefálica
adquirida, descrevem vários instrumentos que podem ser considerados de relevante utilidade na verificação das
funções cognitivas: Block Design, Hooper Visual Organization Test, Motor Free Visual Perceptual Test, Figuras
Complexas de Rey, Wechsler Memory Scale III, Trail Making Test, WAIS-III, entre outros.
Um estudo nacional mostra a caracterização de déficits neuropsicológicos em 96 pacientes após traumatismo
craniencefálico, divididos em diferentes níveis de gravidade (leve, moderado e grave). Os autores fizeram o uso do
seguinte protocolo: Teste Wisconsin de Classificação de Cartas, Test Hayling, Fluência Verbal da Bateria Montreal,
Trail Making Test e RAVLT. Esse estudo pôde constatar uma diferença estatística em relação à gravidade do trauma e
de algumas disfunções cognitivas, como memória episódica no contexto de maior número de informações novas, no
controle da interferência entre memórias, flexibilidade mental e controle inibitório (Pereira et al., 2016).
Gouveia, Lacerda e Kernkraut (2017) descrevem, em seu estudo, um protocolo de avaliação das funções
cognitivas em um relato de caso de um paciente com lesão encefálica adquirida. Foram aplicados os seguintes
instrumentos: WAIS-III, Trail Making Test, Teste Stroop de Cores e Palavras, Teste Wisconsin de Classificação de
Cartas, RAVLT, Boston Naming Test, Teste do Desenho do Relógio, Hooper Visual Organization Test, Figuras
Complexas de Rey. A partir dessa avaliação, foi possível identificar alterações cognitivas na memória operacional, na
amplitude de aprendizagem verbal, na fluência verbal e nas funções visuais, alterações atentivas e disexecutivas e na
velocidade de processamento. Após o conhecimento das disfunções do paciente, foi possível nortear e estabelecer o
programa de reabilitação.
A psicologia mostra-se cada vez mais eficiente para identificar as funções cognitivas mediante instrumentos
validados e reconhecidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP). O Quadro 7.1 apresenta alguns instrumentos
de uso do profissional psicólogo, validados pelo Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI) (CFP,
2017), que identificam funções cognitivas específicas e podem contribuir para o desenvolvimento do plano
terapêutico de reabilitação.
QUADRO 7.1
Testes reconhecidos pelo SATEPSI e funções cognitivas avaliadas
Testes Funções cognitivas avaliadas
Teste de Atenção Concentrada AC-15 Atenção sustentada e seletiva
Bateria Psicológica para Avaliação da Atenção (BPA) Atenção concentrada, dividida e alternada
Teste Pictórico de Memória Visual (TEPIC-M) Memória visual
QUADRO 7.1
Testes reconhecidos pelo SATEPSI e funções cognitivas avaliadas
Figuras Complexas de Rey – Teste de Cópia e de
Reprodução de Memória de Figuras Geométricas
Complexas
Memória visual imediata e tardia
Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve
(NEUPSILIN)
Rastreio cognitivo (atenção, memória operacional,
funções executivas, percepção, praxia e linguagem)
Escala de Inteligência Wechsler para Crianças – 4ª edição
(WISC-IV)
Atenção, memória operacional, funções executivas,
percepção, praxia e linguagem
Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI) Atenção, memória operacional, funções executivas,
percepção, praxia e linguagem
Manual do Teste Wisconsin de Classificação de Cartas Funções executivas
Matrizes Avançadas de Raven Raciocínio lógico abstrato
Teste de Memória Visual (TMV) Memória visual
Bateria de Provas de Raciocínio (BPR-5) Raciocínio verbal, abstrato, mecânico, espacial e
numérico
Dessa forma, pode-se observar o importante papel que a avaliação desempenha nesse processo de investigação
das funções cognitivas. A partir dessa avaliação, é possível traçar um programa de reabilitação, e, uma vez finalizado
esse processo, a avaliação novamente torna-se algo elementar para a identificação da melhora ou até mesmo da
estabilização cognitiva. Ressalta-se que, após a reabilitação, nem sempre os resultados quantitativos poderão sofrer
alterações, visto que o programa tem como foco primordial proporcionar autonomia e independência funcional aos
indivíduos com lesões cerebrais.
Ressalta-se a relevância da avaliação psicológica e dos instrumentos psicológicos, uma vez que, mediante os
dados coletados, o profissional da reabilitação cognitiva poderá, em conjunto com o paciente e seus familiares,
nortear as metas e os objetivos do tratamento de reabilitação cognitiva, usufruindo das habilidades preservadas para a
intervenção de estratégias de readaptação e identificando as alterações apresentadas para que sejam propostas
possibilidades restaurativas.
HABILIDADES E COMPETÊNCIAS ESPECÍFICAS DO PROFISSIONAL
Os testes devem obedecer às diretrizes formuladas pela Comissão Internacional de Testes (ITC). Tais diretrizes visam
a facilitar e uniformizar a construção de habilidades dos profissionais. Essas habilidades englobam necessariamente
alguns aspectos, como escolha e aplicação adequada dos instrumentos, produção de um laudo descritivo e capacidade
de explicar o laudo de maneira compreensível para pacientes, acompanhantes e familiares. Todo o processo deve
transcorrer obedecendo a aspectos legais e éticos. O profissional também deverá ser capaz de avaliar a interação dos
testes com outras fontes de avaliação menos formais, como dados sociodemográficos e entrevistas não estruturadas
(International Test Commission, 2017).
Dessa forma, o profissional de reabilitação necessita de conhecimentoem avaliação psicológica e alterações
cognitivas (tanto em quadros neurológicos como psiquiátricos), além de conhecimento técnico em relação ao
desenvolvimento dessas habilidades cognitivas e técnicas de intervenção. Somente assim poderá proporcionar
soluções possíveis para a singularidade de atendimento que realiza.
O profissional deve entender a patologia, conhecer profundamente as funções cognitivas superiores e saber avaliá-
las, compreender a aplicação eficiente de intervenções de reabilitação e apresentar, ainda, preparo didático ante as
estratégias de psicoeducação que se fazem pertinentes ao tratamento da reabilitação. É importante que o paciente e o
familiar compreendam da forma mais clara possível as patologias e as intervenções. Compete ao profissional ter
habilidade didática para repassar as informações de modo que os questionamentos sejam contemplados.
Deve-se levar em consideração que não basta utilizar instrumentos de avaliação de qualidade; é fundamental que
o profissional que aplica e interpreta os resultados tenha conhecimento técnico e experiência na utilização desses
instrumentos.
EXEMPLOS DE CASOS CLÍNICOS
Para ilustrar algumas demandas específicas do processo de avaliação psicológica no contexto da reabilitação, serão
apresentados três exemplos de casos clínicos. Trata-se de casos fictícios construídos para ilustrar demandas reais dos
serviços de reabilitação.
Casos clínicos 1 e 2
Estes dois primeiros casos buscam exemplificar a importância das avaliações psicológicas feitas no início e no final
do processo de reabilitação. Dessa forma, podemos estimar a eficácia da reabilitação cognitiva. Contudo, cabe
ressaltar que, em alguns casos, a melhora não se expressa na forma de aumento de pontuação nos instrumentos
psicológicos usados na avaliação, mas pode ser constatada uma evolução funcional do paciente. Nesses casos, pode-
se supor que a falta de tabelas normativas para populações clínicas específicas pode contribuir para a não
discriminação das pontuações em casos mais críticos. Cabem, portanto, a análise criteriosa do construto avaliado, a
seleção adequada do instrumento e o bom nível de compreensão de ambos para realizar a interpretação adequada.
 CASO CLÍNICO 1
Identificação
A.T.M, 38 anos, destra, solteira, graduada em Administração de Empresas.
Relato de caso
Encaminhada para a avaliação psicológica para verificação do perfil cognitivo após um episódio de acidente
vascular encefálico (AVE). Segundo relato da genitora, a paciente apresentou um mal súbito, sendo, então,
diagnosticada com AVE isquêmico e submetida a neurocirurgia. Permaneceu internada por 16 dias na
Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e 41 dias na enfermaria. Foi encaminhada para um centro de
reabilitação, onde permaneceu por 35 dias. A paciente evoluiu com dificuldade significativa na linguagem
expressiva e compreensiva, hemiplegia à direita, esquecimentos recentes frequentes, lentidão no
pensamento e labilidade emocional.
Exames complementares
Tomografia computadorizada de crânio: craniotomia frontotemporal parietal esquerda, área de
encefalomalácia associada a extensa lesão cortical e subcortical frontotemporoparietal esquerda, com efeito
de massa, causando herniação do tecido cerebral através da craniectomia. Lesão corticossubcortical
parassagital/frontoparietal à esquerda; discreta ectasia do ventrículo lateral esquerdo.
Avaliação inicial
Instrumentos selecionados para a testagem
• Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da
Linguagem
Funções cognitivas analisadas
• Linguagem: a paciente apresentou prejuízo
importante, sendo caracterizada com um quadro
de afasia expressiva e compreensiva. Vale
ressaltar que a paciente demonstrava
compreensão de palavras e frases simples;
entretanto, a compreensão de comandos
complexos encontrava-se assistemática. Não
realizava repetição, leitura, escrita ou cópia de
frases.
• Bateria Psicológica de Atenção • Atenção: foram identificadas alterações na
atenção sustentada, dividida e alternada. Em
tarefa de cancelamento, apesar de o teste ser
respondido com a mão não dominante (baixa
destreza motora), a paciente demonstrou alto
nível de distratibilidade.
• Figuras Complexas de Rey • Memória: a capacidade mnemônica visual
imediata encontrava-se abaixo do esperado,
devido a baixa destreza motora, alteração no
planejamento e na habilidade visuoespacial.
Essas disfunções podem ter favorecido a
limitação mnemônica visual, visto que interferem
nas etapas do processo mnemônico.
• WAIS-III (Subtestes: Cubos, Completar figuras e
Raciocínio matricial)
• Funções executivas: foram avaliadas por meio
dos subtestes e identificadas alterações
referentes a planejamento, organização,
flexibilidade mental, controle inibitório e
raciocínio lógico abstrato.
Reabilitação cognitiva: definição de metas
Meta principal: melhorar a linguagem e aumentar a quantidade de atividades sociais.
Identificação das prioridades
Estabelecer uma comunicação sistemática, encontrar-se com amigos e familiares e ir a locais públicos
(shopping centers, praças e bares).
Meta 1
Estabelecer uma comunicação sistemática.
Estratégias de intervenção
• Realizar treino de respostas por meio de gestos e sinalização com a cabeça.
• Produzir uma prancha de comunicação com itens mais complexos (tipos de alimentos, atividades, entre
outros).
Avaliação da evolução
A paciente conseguiu aderir às estratégias, principalmente à prancha de comunicação, pois esta
proporcionou maior abrangência de conteúdos para estimular a comunicação.
Meta 2
Estimular a realização de atividades sociais.
Estratégias de intervenção
• Promover encontros familiares na casa da paciente. Em outro momento, viabilizar encontros com os
amigos nesse mesmo ambiente.
• Estimular a paciente a ir a ambientes com menor número de pessoas. Em seguida, inserir ambientes
mais agitados, como shopping centers e bares.
Avaliação da evolução
A paciente conseguiu encontrar-se com os familiares e amigos. O uso da prancha de comunicação ajudou a
diminuir o nível de ansiedade (originada na limitação da linguagem).
Nos ambientes com mais estímulos (sons, indivíduos conversando e efeitos de iluminação), a paciente
demonstrou maior fadiga mental e fácil distratibilidade.
Avaliação final (após 6 meses)
Instrumentos selecionados para a testagem
• Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da
Linguagem
Funções cognitivas analisadas
• Linguagem: a paciente continuou apresentando
prejuízo importante na linguagem, mas foi
possível identificar melhora na compreensão de
comandos complexos.
• Bateria Psicológica de Atenção • Atenção: a paciente conseguiu selecionar
melhor os estímulos (atenção seletiva), mas
permaneceu com alterações na atenção
sustentada, dividida e alternada.
• Figuras Complexas de Rey • Memória: não houve alteração na capacidade
mnemônica visual imediata, que continuou
abaixo do esperado para escolaridade e faixa
etária.
• WAIS-III (Subtestes: Cubos, Completar figuras e
Raciocínio matricial)
• Funções executivas: foram identificadas
alterações referentes a planejamento,
organização, flexibilidade mental, controle
inibitório e raciocínio lógico abstrato.
Conclusão
• A paciente conseguiu aderir a todas as estratégias de intervenção propostas no programa de
reabilitação.
• Nota-se que a paciente apresentou alterações cognitivas importantes, o que poderia alterar o processo
de avaliação, principalmente pelo quadro afásico. Contudo, por meio dos dados da avaliação inicial e
final e do embasamento teórico a respeito das lesões neuroanatômicas, foi possível estabelecer um
programa de reabilitação que mostrou ganhos funcionais no cotidiano da paciente.
CASO CLÍNICO 2
Identificação
S.F.X., 30 anos, sexo feminino, casada, nível de escolaridade superior, professora universitária.
Relato de caso
Em junho de 2012, foi vítima de um episódio de traumatismo craniencefálico (TCE) em região temporal
esquerda. Evoluiu com leve hemiparesia à direita, déficits mnemônicos e atentivos. Permaneceu na UTI
para recuperação do quadro por 10 dias, e na enfermariadurante uma semana. Em seguida, foi
encaminhada para a avaliação neuropsicológica.
Avaliação inicial
Instrumentos selecionados para a testagem
• Bateria Psicológica de Atenção
Funções cognitivas analisadas
• Atenção: a paciente demonstrou maior prejuízo
na atenção seletiva e alternada.
• Figuras Complexas de Rey • Memória: a memória visual imediata apresentou-
se com alteração na evocação da informação
aprendida.
• Teste dos Cinco Dígitos (FDT) • Funções executivas: observaram-se escores
dentro do esperado para escolaridade e faixa
etária tanto nas atividades de processos
automáticos quanto nas que exigiam processos
controlados.
Reabilitação cognitiva: definição de metas
Meta principal: melhorar a memória, retornar ao trabalho (como era antes do TCE).
Identificação das prioridades
Compreender a origem das suas dificuldades, lembrar-se do nome das pessoas, lembrar-se de atividades
programadas e organizar sua rotina no trabalho.
Meta 1
Entender suas dificuldades e as interferências no dia a dia.
Estratégias de intervenção
• Realizar psicoeducação (sobre o funcionamento cognitivo).
• Fazer diário de registro para automonitoração dos déficits.
Avaliação da evolução
A paciente referiu maior compreensão do funcionamento cerebral e de suas dificuldades. Relatou que, com
o diário de registro, identificou que negligenciava algumas de suas limitações e superestimava outras.
Meta 2
Evocar nomes de pessoas do trabalho.
Estratégias de intervenção
• Realizar treinamento de estratégia mnemônica com associação de pistas visuais e semânticas aos
nomes. Realizado o treinamento em consultório, fomos para a recepção, etc.
Avaliação da evolução
A paciente aderiu de forma satisfatória à técnica e passou a usá-la com frequência. Houve menos
esquecimento dos nomes das pessoas em seu ambiente de trabalho.
Meta 3
Lembrar-se de compromissos e organizar sua rotina de trabalho.
Estratégias de intervenção
• Utilizar agenda para organizar atividades e rotina profissional.
• Utilizar o despertador do celular para lembrar dos horários dos compromissos.
Avaliação da evolução
A paciente aderiu ao despertador, tornando-se mais organizada. Diminuiu a frequência de esquecimentos.
Não conseguiu utilizar a agenda, pois sempre a esquecia em casa.
Avaliação final (após 6 meses)
Instrumentos selecionados para a testagem
• Bateria Psicológica de Atenção
Funções cognitivas analisadas
• Atenção: não houve alteração na pontuação dos
testes. A paciente apresentou-se com maior
prejuízo na atenção seletiva e alternada.
• Figuras Complexas de Rey • Memória: a paciente permaneceu com limitação
na memória visual imediata (evocação).
• Teste dos Cinco Dígitos (FDT) • Funções executivas: os escores se mantiveram
dentro do esperado para escolaridade e faixa
etária, tanto nas atividades de processos
automáticos quanto nas que exigiam processos
controlados.
Conclusão
• A paciente conseguiu alcançar todas as metas estabelecidas no primeiro momento da reabilitação.
• Aderiu às estratégias propostas e conseguiu criar novas estratégias mnemônicas.
• Melhorou o reconhecimento de suas limitações.
• Retornou ao trabalho, com menos ansiedade em relação à percepção das pessoas.
• Não houve melhora quantitativa em relação à testagem psicológica, visto que a reabilitação mostrou-se
funcional para o cotidiano da paciente.
Caso clínico 3
Um dos desafios encontrados na psicologia é a avaliação de indivíduos que apresentam demandas emergentes. A
avaliação psicológica possibilita a identificação de habilidades e inabilidades cognitivas de indivíduos que
necessitam de adaptações tecnológicas para minimizar o impacto das limitações físicas em situações do cotidiano.
Uma dessas adaptações é o uso da cadeira de rodas motorizada, que permite maior independência e autonomia ao
indivíduo. Contudo, é preciso que este tenha condições cognitivas para operar o veículo, já que se trata de um meio
de transporte e um acidente envolvendo esse indivíduo pode significar uma nova situação de trauma e agravamento
da saúde dos envolvidos. Este caso clínico descreverá uma avaliação psicológica específica de um paciente em
processo de reabilitação física, que necessita dessa investigação para evitar situações de risco para sua vida e a de
outras pessoas.
CASO CLÍNICO 3
Identificação
G.S.T., 45 anos, casado, formado em Letras e pós-graduado em Língua Portuguesa e Literatura. Já
escreveu dois livros e é membro da Sociedade Brasileira de Letras.
Relato do caso
Segundo relato do próprio paciente, ao nascer, faltou-lhe oxigenação cerebral, o que ocasionou paralisia
cerebral. Esta desencadeou limitação na articulação da fala e na habilidade motora. Não exercia nenhuma
atividade laborativa devido à limitação motora. Fora encaminhado para avaliação neuropsicológica, pois
estava aguardando que o Sistema Único de Saúde (SUS) atendesse sua solicitação para a obtenção de
uma cadeira de rodas motorizada e era exigida a comprovação de condições cognitivas para conduzir a
cadeira: qualidade atentiva, controle inibitório, julgamento e organização visuoespacial preservados.
Exames complementares
Ressonância magnética de crânio: encefalopatia/gliose no vermis, na porção inferior do hemisfério
cerebelar esquerdo e na tonsila cerebelar ipsilateral.
Avaliação psicológica
Instrumentos selecionados para a testagem
• Subteste Dígitos da Bateria WAIS-III e do Teste
dos Cinco Dígitos (FDT)
Funções cognitivas analisadas
• Atenção: demonstrou boa capacidade atentiva.
Apesar de a atenção encontrar-se dentro do
esperado para escolaridade e faixa etária, foi
possível identificar lentidão na execução das
atividades que exigiam agilidade em virtude do
fator tempo.
• Bateria Montreal-Toulouse de Avaliação da
Linguagem
• Linguagem: foi possível identificar um padrão
disartrofônico. O paciente revelou boa
capacidade de nomeação, compreensão e
ordem simples e complexa. Não realiza escrita
em virtude da limitação motora.
• RAVLT • Memória: sobre a habilidade mnemônica
auditiva de curto e longo prazo, o paciente
denotou desempenho satisfatório, mesmo com
dificuldade na articulação da linguagem.
Demonstrou execução crescente na curva de
aprendizado, visto que se beneficiava da
repetição.
• Subtestes Raciocínio matricial, Semelhanças e
Compreensão da Bateria WAIS-III
• Funções executivas: revelou ótimo desempenho
em todas as atividades que exigiam as funções
executivas.
Conclusão
• Quadros graves de comprometimento neurológico implicam respostas bastante lentificadas, bem como
curto período de atenção sustentada, o que também inviabiliza a aplicação de vários instrumentos
formais. Em instrumentos que priorizavam a variável tempo, o paciente mostrou comprometimento
significativamente mais acentuado do que em instrumentos que priorizavam a frequência de acerto e
erro. Portanto, era um paciente de perfil lento, mas que conseguia apresentar frequência de acertos de
acordo com sua faixa etária.
• A avaliação psicológica também demandava respostas motoras na execução dos testes formais. Diante
de um paciente que apresenta comprometimento de expressão motora, nota-se limitação da aplicação
dos referidos instrumentos. Quando foram aplicados testes de respostas verbais, observou-se
desempenho cognitivo preservado, coerente com sua desenvoltura e autonomia na funcionalidade geral
de seu dia a dia.
• A avaliação psicológica viabilizou o reconhecimento de aptidão ao uso de cadeira de rodas motorizada,
uma vez que o paciente demonstrou condições cognitivas para usufruir do recurso de readaptação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este capítulo discutiu os desafios da atuação do psicólogo no contexto da reabilitação física e cognitiva. Mais
especificamente, discutiu as possibilidades de avaliação psicológica no contexto da reabilitação física e cognitiva e
sua contribuição para o atendimento global do paciente e na equipe multidisciplinar. Dessa forma, foi demonstrado
que a reabilitação tanto física quanto cognitiva é norteada pela avaliação psicológica. A avaliação psicológica é um
processo complexoque exige do psicólogo habilidades e conhecimentos para identificar o construto a ser avaliado,
selecionar a melhor forma de medi-lo e os instrumentos mais adequados ao contexto específico que pretende avaliar,
reunir as informações obtidas e integrá-las de forma a contribuir para a compreensão do funcionamento do indivíduo
e sua relação com a sociedade.
No contexto da reabilitação, os desafios da avaliação psicológica são ainda mais proeminentes. Em muitos casos,
não há instrumentos específicos ou tabelas normativas sensíveis a quadros mais comprometidos ou a indivíduos com
maiores limitações, o que demanda maior habilidade por parte do psicólogo na seleção de instrumentos e
interpretação de seus dados. Por isso, em muitos casos, a melhor forma de descrever os processos de reabilitação é
por meio de estudos de casos que levem em consideração aspectos específicos de cada quadro, como idade do
indivíduo, tipo de lesão ou patologia, tempo do evento, funções comprometidas e habilidades preservadas. Apesar
disso, ressalta-se a importância da avaliação psicológica nos processos de reabilitação e os ganhos terapêuticos e para
o trabalho em equipe que ela pode proporcionar.
Em suma, a avaliação psicológica no contexto da reabilitação pode contribuir para o aumento da qualidade de
vida do paciente, a diminuição da morbidade e a melhoria do serviço multiprofissional.
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LEITURAS RECOMENDADAS
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8
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DA DOR EM PESSOAS
ADOECIDAS
Prisla Ücker Calvetti
Joice Dickel Segabinazi
A aplicação da psicologia da saúde no contexto da dor visa a compreender o fenômeno por meio do modelo
biopsicossocial. Essa abordagem integra em sua compreensão os mecanismos biológicos pelos quais estímulos
dolorosos são processados pelo corpo, a experiência emocional e subjetiva da dor e os fatores sociais e
comportamentais que moldam a resposta a ela. Neste capítulo, são apresentados conceitos e tipos de dor, avaliação
psicológica nesse contexto, peculiaridades da avaliação desse fenômeno, testes e técnicas nacionais e internacionais
mais comumente utilizados e sua aplicação, bem como perspectivas e desafios em contextos de saúde e hospitalar.
ABORDAGEM BIOPSICOSSOCIAL DA DOR
Na avaliação da dor, é frequente a utilização de escalas como a Escala Visual Analógica (EVA) (Fig. 8.1), na qual o
paciente deve fazer um sinal no ponto da linha que representa a intensidade de sua dor, e posteriormente o clínico
deve medir a distância entre o início da linha (que corresponde a zero) e o local assinalado (medido posteriormente
em milímetros; a linha completa deve medir 100 milímetros), obtendo-se uma classificação numérica. Embora seja
bastante comum o uso de EVAs em pesquisa clínica, principalmente no âmbito da dor oncológica, pelas vantagens
que a escala oferece (p. ex., brevidade, possibilidade de aplicar-se repetidamente, boa capacidade preditiva, alta
fidedignidade intrassujeito, correlação com escalas multidimensionais de avaliação da dor), na avaliação específica
da dor (Hjermstad et al., 2011), a simplicidade dessas escalas pode levar o clínico a pensar (erroneamente) que a dor
é um fenômeno fácil de avaliar.
Figura 8.1 Exemplo de modelo de Escala Visual Analógica (EVA).
A seguir, daremos início à apresentação de uma vinheta de caso clínico que tem como objetivo ilustrar a
complexidade de um processo de avaliação psicológica no contexto da dor crônica. Ressaltamos que foi obtido o
consentimento verbal e por escrito da paciente para esta publicação.
R.,sexo feminino, 36 anos, foi encaminhada pelo seu psiquiatra para avaliação psicológica com o objetivo de obter
mais informações para auxiliar no processo de psicoterapia. A paciente faz tratamento para dor crônica há pelo menos
10 anos. Apresenta uma disfunção no desenvolvimento da coluna vertebral (síndrome de Scheuermann), que provoca
fortes dores na coluna. No momento da avaliação, encontrava-se afastada de suas atividades laborais (técnica de
enfermagem). Durante as primeiras sessões, relatou sentir muita ansiedade e um forte sentimento de vazio, apesar dos
inúmeros tratamentos medicamentosos e psicoterapêuticos tradicionais e alternativos que realizou para tratamento da
dor.
Diante da EVA, uma paciente como R. poderia questionar ao psicólogo:
Eu devo pensar na minha dor quando estou deitada ou sentada? Você quer que eu responda a média de dor que eu senti
na última semana ou a dor que estou sentindo agora? Doutor, o que você entende por “dor de intensidade máxima
imaginável”? Outro psicólogo me disse que deveria ser aquela dor que você sente e tem vontade de morrer, mas eu não
sou suicida.
Além da medida exemplificada de avaliação da dor, o caso suscita um breve entendimento sob a perspectiva do
modelo biopsicossocial da dor para o início de uma avaliação psicológica. R. chega ao psicólogo devido ao impacto
da doença em suas atividades laborais, aparentemente apresentando sinais e sintomas de tristeza, que também podem
estar relacionados à característica de hiperalgesia, condição em que a pessoa acometida por dor crônica se torna mais
sensível a ela. É importante essa compreensão do modelo biopsicossocial para uma avaliação psicológica integrada
ao problema de saúde da paciente, no intuito de até mesmo discriminar entre as características relacionadas à doença.
A seguir, explanamos o entendimento da dor e suas categorias, bem como sua prevalência e seus componentes.
A dor é uma condição que todos experimentam ao longo do ciclo vital e uma das principais causas de
incapacidade e sofrimento. Segundo a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP), ela pode ser definida
como uma experiência sensorial e emocional desagradável, associada a lesão tecidual real ou potencial, sendo um
fenômeno multifatorial e multissistêmico (Merskey et al., 1979). Em 2018, a IASP redefiniu o conceito de dor: uma
experiência somática mutuamente reconhecível que reflete a apreensão de uma pessoa de ameaça a sua integridade
física ou existencial (Cohen, Quintner, & Van Rysewyk, 2018). Pesquisadores e profissionais clínicos atualmente
rediscutem essa questão, por considerarem mais específica a definição anterior de dor, propondo um retorno à
original, de 1979; porém, como a proposta ainda não foi formalizada, mantém-se a nova.
De forma geral, a dor é dividida em três categorias: aguda, recorrente e crônica, dependendo da duração. A dor
aguda é localizada, como uma queimadura, fratura ou fadiga muscular. A dor recorrente ocorre de modo intercalado
com períodos em que a pessoa fica sem a dor, como a enxaqueca. Ainda que a dor apresente uma função adaptativa
para o organismo, quando sua duração ultrapassa três meses, ela passa a ser considerada crônica, alterando a
fisiologia, a cognição, a emoção e o comportamento. Ela pode ser contínua ou intermitente, moderada ou grave em
intensidade e pode ser sentida em quase todos os tecidos do corpo – por esse motivo considerada como
multissistêmica. Ela reduz a qualidade de vida e muitas vezes acarreta dificuldades funcionais, bem como ansiedade,
depressão e prejuízos na vida escolar ou de trabalho (afastamento, absenteísmo e aposentadoria), conforme o ciclo
vital. Além disso, deixa a pessoa ainda mais vulnerável a outras doenças, em especial no âmbito da saúde mental
(Albery & Munafò, 2008; Straub, 2014).
Em relação à prevalência de dor crônica na população, ela pode ser encontrada em aproximadamente um quinto
da população mundial, porém acomete mais mulheres com o aumento da idade, acarretando impacto biopsicossocial.
Entre as dores crônicas mais prevalentes estão cefaleia, dores neuropáticas e dores osteomusculares. A dor lombar
(cervical, torácica, lombar e pélvica) é a segunda condição de saúde mais prevalente no Brasil (13,5%) entre as
patologias crônicas diagnosticadas, superada apenas pela hipertensão (14%), conforme revisão sistemática de
Nascimento e Costa (2015). Além disso, a dor se relaciona ao estado de saúde, ao estilo de vida e ao comportamento,
sendo um dos motivos de absenteísmo ou afastamento do trabalho devido à diminuição da capacidade funcional.
Acredita-se que a suscetibilidade genética e as influências ambientais negativas, como situações de estresse em
um contexto familiar hostil, possam provocar alterações na expressão de genes e dos mecanismos de modulação da
dor. Além disso, outros fatores podem levar a pessoa a ter dor crônica, como infecções e inflamações e lesões físicas
(Krebs, Weinberg, & Akesson, 2013). As experiências emocionais e as respostas comportamentais ao ambiente
podem influenciar negativamente o agravamento da dor do indivíduo. Outro aspecto enfrentado por indivíduos que
têm dor crônica é a hiperalgesia, que se refere à condição de a pessoa se tornar mais sensível à dor com o passar do
tempo.
Nesse sentido, sob a perspectiva do modelo biopsicossocial, a teoria da neuromatrix da dor, proposta pelo
psicólogo Ronald Melzack, da Universidade McGill, em Montreal, Canadá, destaca que a experiência de dor é
definida por estímulos neurais provindos de influências genéticas e sensoriais, bem como por processos cognitivos,
estresse físico e psicológico, que impactam a musculatura e desencadeiam a dor aguda e crônica (Melzack, 1975). De
modo geral, há dois componentes qualitativos da dor: sensório-discriminativo, que permite a localização da dor no
córtex somatossensorial primário, e afetivo-emocional, responsável pela dor que é vaga, pouco localizada e latejante
(Krebs et al., 2013).
Além do contexto da dor crônica, outras patologias apresentam sintomatologia de dor, como o lúpus eritematoso
sistêmico, uma doença autoimune crônica que se associa a ansiedade, depressão e fadiga e tem impacto na qualidade
de vida. Um estudo sobre a prevalência de depressão de pacientes com lúpus apresentou que dor, índice de massa
corporal, fadiga e ansiedade se correlacionam positivamente com depressão, e as avaliações das características físicas
e mentais da qualidade de vida, negativamente com a depressão. Sob a perspectiva do modelo biopsicossocial,
aspectos físicos, psicológicos e sociais provavelmente contribuem para a depressão e a ansiedade no lúpus
(Figueiredo-Braga et al., 2018).
Em suma, para melhor compreender o processo saúde-doença da dor, o modelo biopsicossocial da psicologia da
saúde abrange o entendimento de que as doenças são originárias e desenvolvidas por diversos fatores, entre eles
características hereditárias, genéticas, sociais, psicológicas, como personalidade, crenças e humor, bem como pela
etnia, escolaridade, condições socioeconômicas e outras. Essa explicação, por sua vez, pode ser aplicada a diversos
contextos de saúde, entre eles o da dor.
PECULIARIDADES DA AVALIAÇÃO DA DOR EM PESSOAS ADOECIDAS
Culturalmente, costumamos distinguir a dor física da dor emocional, porém é cada vez maior o conjunto de
evidências científicas que demonstra que ambas compartilham as mesmas redes neurais (Hashmi et al., 2013;
Mansour, Farmer, Baliki et al., 2014; Vachon-Presseau, Centeno, Ren et al., 2016). Dessa forma, entende-se que
tanto experiências emocionais quanto respostas comportamentais ao ambiente influenciam na experiência de dor da
pessoa. Nesse sentido, as medidas psicológicas também ficam suscetíveis ao estado situacional, e em mulheres até
mesmo as influências hormonais podem alterar comportamentos. Tais aspectos físicos, bem como culturais, devem
ser incluídos na percepção da avaliação da dor pelo psicólogo.
Considerando a origem multifatorial e multissistêmica da dor no campo da avaliação psicológica e no contexto de
pessoasacometidas por doenças crônicas, as principais medidas utilizadas são: ansiedade, depressão, resiliência,
memória, atenção, estresse percebido e qualidade de vida. Entre os processos cognitivos, ressaltam-se,
especificamente, a memória, a atenção e a percepção da dor. Existe uma complexa relação entre estresse psicológico
e sintomas de dor crônica. Atualmente, o diagnóstico da dor crônica baseia-se na história clínica, no exame físico e
em estudos complementares para descartar outras patologias. Nesse contexto, investiga-se a localização da dor, sua
intensidade, horário em que costuma ocorrer e outros sintomas, como, fadiga, sono não reparador e problemas
cognitivos. Entretanto, estudos têm sido realizados para o aprimoramento de medidas de dor por meio da validação
de escalas e outros instrumentos (Souza & Calvetti, 2016).
Assim, devido ao grande impacto da dor crônica, estabelecer um diagnóstico rápido e confiável na avaliação de
um paciente é o principal desafio. A história clínica do paciente é usada como ferramenta para estabelecer a tomada
de decisão do plano terapêutico, que é compartilhada com o modelo biopsicossocial. Nesse contexto, a avaliação
psicológica da dor torna a tomada de decisão para estratégias de tratamento mais efetiva. Portanto, nem todos os
pacientes que têm dor crônica precisam ou devem realizar um processo de avaliação psicológica; contudo, uma
abordagem multidisciplinar, que inclua avaliações psicológicas como rotina, pode auxiliar em uma melhor adequação
do tratamento do paciente às suas características psicológicas. Siqueira e Morete (2014) revisaram artigos nacionais e
internacionais que abordaram o assunto e destacaram que um dos objetivos fundamentais da avaliação psicológica
deve ser fornecer informações sobre a presença de características psicológicas e sociais que possam ampliar as
chances de benefícios dos procedimentos realizados.
Esse aspecto é especialmente importante porque, apesar do sucesso do tratamento, muitas vezes o paciente pode
não perceber uma mudança significativa em seu estado; assim, o “fracasso” estaria relacionado à forma como cada
paciente vivencia sua dor. É por isso que, entre as justificativas para a avaliação psicológica do paciente com dor,
podemos destacar: 1) compreender a influência das emoções na dor; 2) elucidar estressores e estilos de
enfrentamento (coping); 3) avaliar expectativas do paciente; 4) identificar dificuldades; e 5) apontar alvos para
intervenções. Nesse sentido, os principais motivos de encaminhamento para avaliação psicológica são: baixa adesão
ao tratamento, evitação, catastrofização, culpa, raiva, angústia, desesperança, ideação suicida e preparação para a
realização de procedimentos intervencionistas.
Além dos construtos psicológicos já citados, ressalta-se a importância de avaliar a percepção de si mesmo pelo
paciente, além da percepção de cada caso pelo psicólogo. Primordialmente, deve-se atentar para as habilidades do
psicólogo em realizar uma boa entrevista clínica, acolhendo as demandas de escuta do paciente, mas ao mesmo
tempo sendo objetivo em levantar eventos marcantes de sua história de vida, relações sociais íntimas de amizade,
percurso ocupacional, histórico médico e outros tratamentos já realizados. Nesse sentido, destaca-se a importância de
contar com a supervisão de colegas com expertise na área, pois com frequência as discussões dos casos são
reveladoras de sentimentos e percepções do próprio psicólogo, que podem dificultar a análise do caso.
R. é a terceira filha de uma prole de sete irmãos. Relata que teve uma infância difícil, em virtude do ambiente familiar
conturbado e repleto de brigas e discussões. Na infância, fora do ambiente familiar, sentia-se muito solitária, tinha
dificuldades em aceitar a opinião de outras crianças e não conseguia manter relações de amizade, isolando-se na maior
parte do tempo. Aos 12 anos, em uma consulta de rotina, foi descoberta uma hérnia em sua virilha, que necessitou de um
processo cirúrgico. Segundo o relato da própria paciente, nesse período, ela usava a dor pós-cirúrgica como desculpa
para não frequentar o colégio, o que ocasionou sua reprovação naquele ano escolar. Em relação a sua adolescência,
relatou dois episódios bastante significativos: o primeiro ocorreu aos 13 anos, quando sua mãe a obrigou a engolir
(literalmente) uma carta de amor que havia escrito secretamente para um menino de quem gostava e nunca havia
enviado; o segundo ocorreu aos 15 anos, quando, em sua festa de aniversário, a mãe (que fazia aniversário no mesmo
dia) adicionou um bolo para si mesma na festa da filha. Nos relatos de R., eram frequentemente observados sentimentos
de falta de individualidade, pois ela precisava usar as roupas que eram das irmãs mais velhas, dormir em um quarto que
não era somente seu, e nem ao menos a festa de 15 anos foi somente sua.
O entendimento do caso sob o modelo biopsicossocial revela que R. teve uma infância e adolescência com
adversidades em um ambiente familiar hostil. Apresentava desde o início da vida baixa autoestima e aparentemente
um sentimento de desvalor, por não ter tido cuidadores que pudessem validar suas emoções, nomeando-as e a
auxiliando na expressão verbal, inclusive de ideias. As dificuldades dos anos iniciais com cuidadores repercutiram
em outros contextos de sua vida, levando-a ao afastamento interpessoal e, consequentemente, ao isolamento. A dor
diagnosticada no início da adolescência, período de fortes transformações físicas, emocionais e sociais, pode estar
relacionada à dor emocional vivida nos anos anteriores, também refletida nos sinais e sintomas de depressão,
fortemente agravados pelo contexto social de não validação de suas emoções e percepções em tal período crítico da
vida. Pode-se ainda pensar que a dor da paciente foi agravada pela ausência de individualidade devido a uma postura
de anulação de seus sentimentos e da formação da identidade.
Para uma melhor compreensão do caso, o psicólogo deve fazer entrevistas clínicas, com o objetivo de obter uma
anamnese completa, constituída de experiências do momento gestacional ao tempo presente do paciente, com
detalhamento dos períodos de passagem de uma fase do desenvolvimento para outra, bem como das características
dos cuidadores além dos pais, como avós, outros familiares, pessoas de seu círculo de vivências e até mesmo
professores e auxiliares da escola. Além das entrevistas, o profissional pode escolher instrumentos de avaliação
psicológica psicométricos e/ou projetivos conforme os objetivos a serem definidos, levando em consideração a etapa
do ciclo vital da pessoa e o contexto clínico em investigação. Como sugestão de possíveis medidas de avaliação para
a paciente, estas podem ser relacionadas principalmente a personalidade, sinais e sintomas de depressão e ansiedade,
coping ante a situação vivenciada de dor, qualidade de vida, entre outros aspectos. A seguir, explanamos questões a
serem consideradas pelo psicólogo no momento da escolha dos métodos de avaliação e instrumentos.
DESCRIÇÃO DOS MÉTODOS DE AVALIAÇÃO E INSTRUMENTOS
Para além das entrevistas, outro importante aspecto da avaliação psicológica é a seleção dos instrumentos a serem
aplicados: a medida está adaptada e traduzida? Há publicações nacionais e internacionais com evidências de validade
suficientes para justificar sua utilização? O instrumento é de fácil aplicação e interpretação? O psicólogo tem
conhecimentos suficientes sobre a técnica ou teste em questão? A técnica está listada entre as que têm parecer
favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI)? Em especial, deve-se atentar para o Art. 2º da
Resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP) nº 009/2018, o qual determina que o profissional deve basear
sua decisão, obrigatoriamente, em métodos e/ou técnicas e/ou instrumentos psicológicos reconhecidos
cientificamente para uso na prática profissional da psicóloga e do psicólogo (fontes fundamentais de informação),
podendo, a depender do contexto, recorrer a procedimentose recursos auxiliares (fontes complementares de
informação). Entre as pesquisas no contexto da dor crônica que utilizam instrumentos psicométricos, evidencia-se a
associação da dor com variáveis psicológicas como catastrofismo (Sehn et al., 2012), ansiedade (Caumo, Calvetti, &
Henriques, 2016), depressão (Iijima et al., 2018), afetos positivos e negativos (Domingos, Santos Júnior, & Donner,
2014), entre outras. A seguir, conceituamos as principais medidas estudadas no contexto da dor, destacando-se que se
trata de fontes complementares de informação; não são caracterizadas como testes psicológicos e não são de uso
restrito dos psicólogos.
Instrumentos específicos para a avaliação da dor
Questionário de Dor de McGill (McGill Pain Questionnaire – MPQ)
Tem por objetivo identificar as qualidades sensoriais, afetivas, motivacionais e avaliativas do fenômeno doloroso.
Instrumento originário de Melzack (1975), adaptado para o português brasileiro por Pimenta e Teixeira (1996),
constituído de palavras que frequentemente descrevem a dor dos pacientes. As palavras são divididas em subgrupos
– por exemplo, os itens de 1 a 10 são respostas sensitivas à experiência dolorosa (pulsante, latejante, punhalada, etc.);
de 11 a 15 são respostas de caráter afetivo (exaustiva, sufocante, castigante, etc.); o item 16 é avaliativo (da
experiência global); e os itens de 17 a 20 pertencem ao grupo denominado miscelânea. O MPQ contém, ainda, uma
escala de intensidade (0 a 5), um diagrama corporal para representação do local da dor e a caracterização de aspectos
como periodicidade e duração da dor.
Brazilian Profile of Chronic Pain Screen (B-PCP:S)
Consiste em quatro questões relacionadas à gravidade da dor, seis questões relacionadas à interferência da dor e
cinco questões relacionadas à carga emocional. Dois dos itens de gravidade da dor são apresentados como escalas de
classificação numérica, com 0 = sem dor e 10 = dor insuportável. Dois dos itens são pontuados em uma escala de 0
(nunca) a 6 (diariamente). A versão original, desenvolvida por Ruehlman, Karoly, Newton e Aiken (2005), foi
traduzida e adaptada pelos pesquisadores brasileiros Caumo e colaboradores (2016). O B-PCP:S instrui o paciente a
classificar a frequência de qualquer dor, a frequência de dor intensa, a dor média e a maior intensidade de dor nos
últimos seis meses. Um índice de gravidade da dor pode ser calculado adicionando-se as pontuações nos itens de
gravidade da dor (quatro itens; intervalo possível de 0 a 30). Os seis itens que avaliam a interferência da dor na
funcionalidade do paciente também são apresentados como escalas, sendo 0 = nunca interfere a 6 = interfere
diariamente. Os itens de interferência perguntam com que frequência a dor interfere em atividades como
passatempos, autocuidado básico, tarefas domésticas, relações com os outros, objetivos pessoais, etc. (seis itens;
variação da pontuação de 0 a 36). Os itens de carga emocional determinam a frequência com que a dor levou a
pessoa a sentir-se triste ou deprimida, ansiosa, zangada, isolada ou ter experienciado alegria da vida, com 0 = nunca e
5 = muito frequentemente (cinco itens; intervalo de pontuação possível de 0 a 25).
Fibromyalgia Impact Questionnaire (FIQ)
Trata-se de um questionário que envolve perguntas relacionadas a capacidade funcional, situação profissional,
transtornos psicológicos e sintomas físicos. Burckhardt e colaboradores (1991) desenvolveram e avaliaram a
qualidade psicométrica desse instrumento para a avaliação da qualidade de vida especificamente no contexto da
fibromialgia. A medida foi traduzida e adaptada para o Brasil por Marques e colaboradores (2006) e é composta por
19 questões, que estão organizadas em 10 itens. Durante o processo de adaptação, os autores atentaram para aspectos
socioculturais na tradução dos itens que produziam vieses de resposta nas aplicações. Nesse instrumento, quanto
maior o escore, maior é o impacto da fibromialgia na qualidade de vida. As conclusões do estudo indicam que o
questionário pode ser utilizado em situações clínicas e de pesquisa.
Pain Catastrophizing Scale (BP-PCS)
A escala, originalmente desenvolvida no Centre for Research on Pain and Disability, na Universidade de Montreal,
Canadá, avalia o catastrofismo, que consiste em emoções e pensamentos negativos exagerados e ruminativos durante
ou antecipadamente a situações que envolvem dor (Sullivan, Bishop, & Pivik, 1995). Foi traduzida e adaptada para o
Brasil por Sehn e colaboradores (2012), os quais demonstraram a fidedignidade da escala, considerando-se que o
modelo estrutural foi mantido, com suficiente consistência interna, em três fatores/subescalas: desesperança,
magnificação e ruminação. Os escores da escala total variam de 0 a 52 pontos, e quanto maior o escore, maior o grau
de catastrofismo. Não há pontos de corte, e a interpretação é feita por meio do escore contínuo da escala total, bem
como das subescalas. Além disso, foi verificada a validade preditiva do instrumento, por meio da relação entre
catastrofismo e intensidade da dor e do humor dos pacientes. A escala tem-se mostrado como uma ferramenta útil
para contextos clínicos em dor crônica.
Medidas complementares de variáveis associadas à dor
Outras medidas utilizadas no contexto da avaliação da dor são as seguintes:
Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE)
Desenvolvido por Spielberger em 1970 e adaptado para o Brasil por Angela Biaggio em 1990, o instrumento divide-
se em duas subescalas: o estado-ansiedade, entendido como a condição temporária de ansiedade referida em
situações agudas e específicas, em um passado recente, e o traço-ansiedade, compreendido como um padrão mais
estável e habitual de ansiedade do indivíduo ao longo da vida. Em relação à validade de sua estrutura fatorial de dois
fatores, como estado e traço, obteve indicadores de precisão superior a 0,70 (Kaipper, Chachamovich, Hidalgo,
Torres, & Caumo, 2010; Caumo, Calvetti, & Henriques, 2016).
Escala de Afetos Positivos e Negativos (Positive and Negative Affect Schedule – PANAS)
Os afetos positivos e negativos caracterizam-se pela própria expressão de sentimentos e emoções, e a PANAS, de
Watson e Clark (1994), foi adaptada por Zanon e Hutz (2014). Um estudo com mulheres com fibromialgia e
síndrome reumática avaliou a influência da afetividade positiva e negativa nos sintomas físicos das pacientes. A
média de afeto positivo foi menor em comparação à de afeto negativo. Evidenciou-se correlação entre afeto positivo
e limiar de dor (r = 0,32; p = 0,04) e afeto negativo e impacto da doença por meio do FIQ (r = 0,72; p = 0,04). Os
resultados apontam para a associação entre variáveis afetivas e fisiológicas, corroborando, assim, o entendimento do
componente afetivo-emocional na percepção da dor (Domingos et al., 2014).
Escala de Resiliência (ER – Brasil)
Medida de resiliência de Wagnild e Young (1993) adaptada ao contexto brasileiro por Pesce e colaboradores (2005),
reúne 25 itens avaliados por escalas do tipo Likert de 7 pontos. Na primeira versão brasileira da medida, o
instrumento obteve indicadores de precisão superiores a 0,80, em uma estrutura de três dimensões: competência
pessoal e aceitação de si e da vida; independência e determinação; e autoconfiança e capacidade de adaptação. A
medida da resiliência de um paciente com dor crônica pode fornecer valor preditivo do impacto da dor crônica e dos
resultados do tratamento e pode ser um alvo para a terapia comportamental (Hemington et al., 2017).
Avaliação de correlatos neuropsicológicos da dor
No campo específico da avaliação neuropsicológica dos processos cognitivos, estudos apontam que a dor interfere e
perturba a atenção e afeta o desempenho em tarefas complexas e nas estratégias utilizadas pela pessoa para atingir
resultados adequados ou ideais. Um estudo (Keogh, Moore, Duggan, Payne, & Eccleston, 2013) examinou o efeito
da dor em processos de controle executivo envolvidos no gerenciamento de tarefas complexas, como funções de
controle executivo. Os resultados apontam que a dorafetou a alocação de percepção de tempo para a tarefa, bem
como a percepção de dor, e diferenças entre os sexos também foram encontradas. Efeitos de interferência
relacionados à dor são variados e podem resultar em mudanças sutis ou indiretas na cognição. Outra pesquisa recente
com mulheres com fibromialgia sobre avaliação da atenção e sua modulação por treino e estimulação transcraniana
por corrente contínua revelou aumento das funções executivas e de orientação (Silva et al., 2017).
A síndrome da fibromialgia é uma condição crônica caracterizada por dor generalizada acompanhada de sintomas
como depressão, ansiedade, distúrbios do sono e fadiga. Além disso, os pacientes afetados frequentemente relatam
distúrbios cognitivos, como esquecimento, dificuldade de concentração ou lentidão mental. Embora os déficits
cognitivos tenham sido confirmados em vários estudos, pouco se sabe sobre os mecanismos envolvidos em sua
origem. Um estudo recente (Galvez-Sánchez, Reyes Del Paso, & Duschek, 2018) mostrou que pacientes com
fibromialgia apresentaram desempenho marcadamente pior que os controles saudáveis em todos os domínios
cognitivos avaliados, entre eles velocidade de processamento, atenção, memória visuoespacial e verbal, flexibilidade
cognitiva e habilidades de planejamento, além de maiores níveis de depressão, ansiedade, afeto negativo,
catastrofização por alexitimia e dor e baixa autoestima e afeto positivo. O menor desempenho cognitivo associou-se
a maior intensidade da dor, depressão, ansiedade, afeto negativo, catastrofização da alexitimia e da dor, assim como
baixa autoestima e afeto positivo.
São diversos as tarefas e os testes neurocognitivos utilizados com pacientes com dor crônica e síndromes
dolorosas. Notadamente, boa parte dos instrumentos é a mesma utilizada para avaliação em contextos neurológicos e
psiquiátricos, possivelmente em razão de sua qualidade psicométrica e disponibilidade. Portanto, o rastreio de
aspectos cognitivos é amplo e complexo. Especificamente na fibromialgia, são queixas comuns esquecimentos,
facilidade de distração, dificuldades de linguagem e pensamento desorganizado. Quando foram realizadas avaliações
objetivas por testes e tarefas, os prejuízos reportados envolveram memória explícita e implícita, memória de trabalho,
vulnerabilidade à distração, dificuldade no controle inibitório de estímulos, velocidade de processamento, eficiência
no acesso a palavras de conhecimento geral, bem como dificuldade no reconhecimento das emoções de outros
(cognição social) (Teodoro, Edwards, & Isaacs, 2018). No entanto, esses autores indicam estudos em que boa parte
desses prejuízos não foi encontrada, o que sugere a heterogeneidade dos achados neurocognitivos.
O Teste de Aprendizagem Auditivo-verbal de Rey (RAVLT), em sua versão adaptada para o contexto brasileiro
por Salgado e colaboradores (2011), é comumente utilizado para avaliação da memória episódica, dos processos de
evocação imediata e tardia e do reconhecimento no contexto clínico da dor. A memória de trabalho (entendida aqui
como uma função executiva), tanto seu componente auditivo quanto o visuoespacial de curto prazo, tem sido
mensurada por tarefas do tipo n-back (Attridge, Noonan, Eccleston, & Keogh, 2015), as quais têm a vantagem de
adequar-se à carga cognitiva de processamento do paciente. Desse modo, é possível testar essa função por meio de
diferentes níveis de dificuldade da tarefa. Outras medidas utilizadas para a avaliação de funções executivas em
pacientes com dor são as tarefas de fluência verbal, span de dígitos e o Teste das Trilhas (Tesio et al., 2015). A
fluência verbal, utilizada no contexto nacional (Brucki, Malheiros, Okamoto, & Bertolucci, 1997; Rodrigues,
Yamashita, & Chiappetta, 2008), consiste em dizer em voz alta o maior número de palavras conforme um critério
específico em um determinado tempo. Ela avalia aspectos de velocidade de processamento, inibição e acesso lexical.
A subescala Dígitos da Escala de Inteligência Wechsler (WAIS-III) (Wechsler, 2004) é outra medida importante de
memória de curto prazo e de memória de trabalho, em que o paciente deve repetir uma sequência de números em
ordem direta ou inversa. Já o Teste das Trilhas, com aplicações no cenário nacional (Campanholo et al., 2014), visa à
avaliação da flexibilidade cognitiva e da velocidade de processamento por meio de estímulos visuoespaciais.
Pacientes com fibromialgia, por exemplo, têm apresentado escores reduzidos no Subteste Dígitos e no Teste das
Trilhas (Tesio et al., 2015).
A atenção é uma das funções de mais ampla investigação nas síndromes dolorosas. Um dos motivos para tanto
refere-se às teorias de hipervigilância (Crombez, Eccleston, Van den Broeck, Goubert, & Van Houdenhove, 2004), as
quais, de modo geral, postulam que pacientes com dor crônica apresentam prejuízos no controle atencional geral,
bem como na capacidade de direcionar o foco atencional para informações que não as relacionadas à dor ou
desengajar o foco disso. Além disso, esse tipo de informação tem saliência maior nesses pacientes, o que os mantêm
hipervigilantes a estímulos negativos. A Tarefa de Redes Atencionais (Attention Network Task – ANT) (Fan,
McCandliss, Fossella, Flombaum, & Posner, 2005) foi particularmente delineada para a avaliação das dimensões de
alerta, orientação espacial e controle executivo da atenção, portanto permite ampla avaliação dos processos
atencionais. Em um estudo sobre síndrome da fadiga crônica, observou-se que os pacientes apresentavam tempos de
reação maiores do que os participantes saudáveis. Apesar de não haver ainda estudos que exponham se há
particularidades em síndromes dolorosas com essa tarefa, um estudo brasileiro com pacientes com fibromialgia
demonstrou melhora na capacidade de orientação e atenção executiva após uma intervenção com estimulação elétrica
transcraniana (Silva et al., 2017). Assim, é necessária a realização de maiores investigações nesse sentido.
Se, por um lado, utilizam-se tarefas padronizadas e bem estabelecidas para avaliar funções neurocognitivas, por
outro, há estudos que enfocam o uso adaptado de tarefas e testes para se adequar aos modelos psicológicos da dor
crônica. Tais modelos, embasados no funcionamento de redes neurais, postulam problemas cognitivos e atencionais,
alterações na interocepção (percepção das condições fisiológicas e corporais internas do organismo), na motivação e
no circuito de recompensas, além da percepção alterada sobre a natureza emocional de estímulos (Simons, Elman, &
Borsook, 2014). Nesse sentido, utilizam-se estímulos ou itens que exploram o funcionamento cognitivo diante das
informações relacionadas à dor, ameaçadoras ou de conteúdo negativo de forma geral. O Teste de Stroop Emocional
é um exemplo (Crombez, Hermans, & Adriaensen, 2000). Ele consiste na apresentação de palavras, e o paciente deve
nomear a cor em que foram escritas. Nessa versão emocional, utilizam-se algumas palavras relacionadas à dor, como
adjetivos que caracterizam a qualidade sensorial e perceptual da dor (“ardida”, “latejante”). Diferentemente das
versões clássicas do Stroop (Campanholo et al., 2014), que avaliam controle a interferências, o Stroop Emocional
avalia o viés atencional a esses estímulos, uma vez que pacientes com dor crônica tendem a apresentar latência maior
na nomeação das cores dessas palavras (Crombez et al., 2000). Outra tarefa geralmente utilizada para a avaliação do
viés emocional é o Visual-probe Task (Schoth, Nunes, & Liossi, 2012). Nele são apresentados dois estímulos (pistas)
na tela do computador, um neutro e outro relacionado à dor (imagens, palavras), os quais são posteriormente
substituídos por uma probe (geralmente uma seta), e o paciente deve indicar no teclado qual o sentido dessa seta. O
viés é inferido em função do tempo de resposta menor e da maior acurácia em indicar o sentido da seta quando ela
substitui um estímulo relacionado à dor, uma vez que o paciente tende a focalizar o olhar e a permanecer por mais
tempo sobre esse estímulo.
Fatores afetivostambém contribuem substancialmente para a gênese dos prejuízos cognitivos. Assim, além da
atenção, a memória em pacientes com dor crônica também diminui. Cabe destacar que a diminuição da memória
pode estar associada a comorbidades, como depressão e distúrbios do sono, o que afeta os processos cognitivos do
indivíduo. Os padrões de humor e sono sofrem influências hormonais, como baixos níveis de serotonina e melatonina
e cortisol elevado. Pessoas com dor crônica e distúrbios do sono apresentam vulnerabilidade cognitiva.
Portanto, a avaliação psicológica no contexto da dor de pessoas adoecidas apresenta complexidade, pois a dor,
com seu componente afetivo-emocional, se relaciona com outras características psicológicas, como sinais e sintomas
de ansiedade e depressão, e características de personalidade. Além disso, pode afetar a qualidade do sono do
paciente, o que acarreta problemas em processos cognitivos, como a atenção e a memória. Assim, o psicólogo deve
estar atento à perspectiva da abordagem biopsicossocial da dor no momento da avaliação do paciente.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Entre as principais medidas de avaliação da dor, pode-se observar que têm destaque catastrofismo, ansiedade traço-
estado, afetos positivos e negativos, além das tradicionais do tipo visual analógico da dor. A área da avaliação
psicológica da dor em pessoas adoecidas ainda carece de protocolos validados em contextos de saúde e hospitalar.
Para o contexto de saúde e hospitalar, especificamente em dor crônica, é importante o profissional e pesquisador
conhecer previamente a literatura existente sobre as medidas utilizadas, bem como os mecanismos do processo
saúde-doença da investigação, a fim de tornar mais precisa a seleção dos instrumentos. Além disso, o psicólogo deve
estar atento às peculiaridades, como estimar a intensidade, a frequência ou a mudança na sintomatologia da dor, é
importante também estar atento ao tipo de dor (aguda ou crônica). No caso de dor crônica, verificar quais
características estão relacionadas à patologia (enxaqueca, dor lombar, fibromialgia, entre outras). É também
necessário considerar a personalidade do indivíduo.
Por fim, o psicólogo que atua em contexto de saúde e hospitalar deve desenvolver, além das habilidades técnicas
para a administração de medidas, um entendimento sob a perspectiva do modelo biopsicossocial da dor, bem como
uma prática interdisciplinar para o aprimoramento de uma visão mais perspicaz da totalidade do fenômeno em
avaliação. Dessa maneira, poderá propor estratégias terapêuticas eficazes com o intuito de diminuir a dor e seus
sinais e sintomas relacionados.
Como perspectiva de novos estudos, encontram-se as pesquisas sobre a compreensão dos fatores de proteção da
dor e seus agravos, fortalezas e vulnerabilidades da pessoa adoecida em prol da melhora da qualidade de vida.
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Pesce,de comunicação
Violência
interpessoal
Recursos
econômicos
Suporte e
apoio social
Atitudes
religiosas em
relação ao
paciente e à
doença
Contexto
| Equipe
de saúde
Características do
centro de tratamento
Tratamento disponível
Sentimentos da equipe de saúde
sobre o paciente, a doença e o
tratamento
Conhecimento e
especialização da
equipe no
problema de
saúde
Interação com o
paciente e
familiares
Acesso ao
sistema de
saúde
Situação de
moradia do
paciente
Estigma
relacionado à
doença
Avaliação de indicadores no paciente: aspectos biológicos, psicológicos, sociais e
contextuais
Uma série de indicadores podem ser considerados na avaliação de uma perspectiva do modelo biopsicossocial (veja a
síntese no Quadro 1.1). Vejamos, a seguir, cada uma das dimensões principais.
Entre os aspectos biológicos (ou “físicos”, ou “do organismo”) mais evidentes, estão a idade, a raça, o sexo (e a
identidade de gênero) e características físicas do paciente. Trata-se de obter uma avaliação o mais completa possível
da compreensão dos sintomas fisiológicos atuais do paciente e de como eles são semelhantes ou diferentes dos
sintomas prévios. Mudanças físicas recentes (p. ex., perda ou aumento de peso, experiência de dor, surgimento de
nódulos) poderiam ser particularmente salientes para a avaliação, porque elas são com frequência os eventos
precipitantes que provocam o encaminhamento ou levam ao início do processo diagnóstico da doença. Caso se trate
de uma doença já diagnosticada e em tratamento, essas mudanças podem indicar o fracasso do tratamento ou efeitos
adversos, como, por exemplo, perda de cabelo recente como resultado de tratamento com radiação, incontinência,
edemas após o não cumprimento do regime alimentar, fadiga, insônia. O psicólogo deve obter informações sobre as
especificidades da doença em questão: natureza, localização e frequência dos sintomas; regime de tratamento atual; e
estado clínico da doença (p. ex., estágios de I a IV no caso de câncer). Outras fontes de informação de saúde podem
incluir os resultados de testes laboratoriais relevantes (p. ex., níveis de creatinina, níveis de álcool no sangue, status
de HIV, glicemia e hemoglobina glicada), procedimentos cirúrgicos prévios, informações genéticas relevantes, caso
haja, medicamentos e uso de drogas ilícitas.
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
No que se refere aos aspectos psicológicos, podemos separar aqueles relacionados aos componentes afetivos
daqueles relacionados aos componentes comportamentais. Os primeiros envolvem a compreensão do
comprometimento de humor e afeto atuais, inclusive seus elementos contextuais, e da história pessoal (p. ex., história
prévia de transtorno afetivo), informações sobre os sentimentos do paciente sobre sua doença e tratamento,
expectativas perante os profissionais da saúde, expectativas de futuro e percepção de apoio social e afetivo. Os
aspectos relacionados aos componentes comportamentais envolvem o que o paciente está fazendo (a ação:
comportamentos motores, como fazer expressões faciais, bater o pé no chão, mexer as pernas constantemente,
apresentar bruxismo, ter postura corporal e fazer contato com os olhos) e a maneira como ele o faz (o estilo: em
várias formas, pode incluir comportamento hesitante, pouco assertivo, inapropriado para a idade, hostil ou passivo-
agressivo). O psicólogo deve compreender o nível geral, o padrão e o estilo de atividade do paciente em relação ao
autocuidado (p. ex., como controla voluntariamente seus sintomas físicos) e na interação com outras pessoas
significativas para ele (também com seu médico e equipe de saúde), atividades ocupacionais e recreativas. Aqui, uma
perspectiva histórica também é importante, pois o comportamento passado é, em geral, o melhor preditor do
comportamento atual e futuro. Extremamente importante na psicologia clínica da saúde é a avaliação dos hábitos de
saúde atuais e prévios (p. ex., tabagismo, atividade física, padrões alimentares, uso de álcool) e de habilidades de
autocuidado com sua saúde (p. ex., sua adesão aos tratamentos atual e prévios; motivos alegados para o
descumprimento, caso tenha ocorrido). Por sua vez, os componentes cognitivos envolvem desde os aspectos
relacionados às percepções associadas ao enfrentamento do problema (doença); quem é responsável pelo problema
(doença) e pela solução (tratamento) (locus of control); controle percebido; até atitudes e crenças em relação a saúde
e doença, passando pelas expectativas, competências e habilidades cognitivas.
Em relação aos aspectos sociais e contextuais, é preciso avaliar elementos dos vários contextos nos quais o
paciente interage – por exemplo, a unidade familiar, o sistema de saúde, com seus vários cenários e provedores, e o
ambiente sociocultural, inclusive rede social, bairro de residência (p. ex., se há envolvimento com a comunidade),
situação ocupacional e aspectos relacionados à etnia e à bagagem cultural.
Avaliação de indicadores relacionados a família, sistema de saúde, situação e
contexto sociocultural
Complementares aos indicadores das dimensões principais no modelo biopsicossocial, também são relevantes
informações relacionadas a família, sistema de saúde, situação e contexto sociocultural (ver Quadro 1.1).
Família
Ao avaliar a dimensão familiar, é importante saber sobre recursos econômicos disponíveis, clima familiar e
características físicas da moradia, pois eles podem afetar o problema que está sendo avaliado (p. ex., condições em
que a mobilidade está limitada irão requerer maior apoio). Também se deve indagar sobre outras doenças em
membros da família (p. ex., história de hipertensão, diabetes, câncer, distúrbios cardiovasculares) e modelos
familiares para vários sintomas (p. ex., cefaleia, dor). É importante entender os sentimentos dos membros da família
sobre o paciente, a doença e seu tratamento e os recursos intelectuais dos membros da família, bem como possíveis
transtornos afetivos ou conflitos passados ou presentes entre os familiares, além de mudanças nos seus papéis e
responsabilidades. Também é importante descobrir em que grau os membros da família participam dos cuidados do
paciente e como o comportamento deles poderia influenciar a recuperação ou a adaptação do paciente, seja
facilitando, seja prejudicando.
Sistema de saúde
O sistema de saúde também deve ser considerado no processo de avaliação, pois o psicólogo precisa conhecer as
características do ambiente em que o paciente está sendo atendido ou tratado (p. ex., unidade oncológica, hospital-dia
ou ambulatório, centro de saúde). Devem-se conhecer as condições e os recursos da unidade de saúde ou serviço, o
leito, a privacidade e o acesso dos familiares e os tipos de procedimentos diagnósticos e do regime de tratamento ao
qual o paciente esteve, está sendo ou será exposto (p. ex., curativos, medicamentos mediante infusão lenta,
colostomia, hemodiálise, quimioterapia).
Outros aspectos de interesse estão relacionados a como os profissionais da saúde se sentem em relação ao
paciente e a sua doença (p. ex., status de HIV, tuberculose, cirrose). Situações especiais e difíceis podem ocorrer, por
exemplo, em serviços de hospital geral que recebam populações carcerárias ou unidades de queimados, em que tanto
perpetradores quanto vítimas de eventos gravemente lesivos podem ser alojados dentro da mesma unidade. Os
profissionais da saúde e os familiares muitas vezes se sentem dissonantes em seus sentimentos e atitudes diante
desses pacientes. Outro aspecto relevante diz respeito às atitudes dos próprios prestadores dos serviços de saúde em
relação ao sistema em que trabalham, as quais podem aumentar ou diminuir os cuidados gerais de saúde que prestam,
como no caso, por exemplo, de situação de inadimplência salarial por parte da instituição, desconsideração de
reivindicações da categoria ou ausência de plano de carreira. Também pode fazer diferença se a atenção ocorre em
um serviço público ou privado.
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9
AVALIAÇÃO PSICOLÓGICA DE PESSOAS
DIAGNOSTICADAS COM DISTÚRBIOS
CARDIOVASCULARES
Camila de Matos Ávila
Eduardo Remor
Este capítulo apresenta as atividades e práticas avaliativas realizadas pelo psicólogo no contexto da doença
cardiovascular, com enfoque na prática de avalição do estado psicológico de pessoas com cardiopatia, a fim de
observar a presença de fatores de risco psicossociais que possam contribuir para o agravamento da doença ou
identificar o funcionamento psicológico atual e prévio que possa estar relacionado com o diagnóstico atual. O
capítulo aborda também a utilidade da escuta ativa (atenta, verbal e não verbal, empática e reflexiva) na identificação
desses fatores de risco psicossociais, a fim de auxiliar a pessoa no processo de tomada de consciência e
enfrentamento do diagnóstico e do adoecimento. Além disso, propõe o desenvolvimento de estratégias de prevenção
secundária, do ponto de vista psicológico, a fim de minimizar o sofrimento psíquico e reduzir a prevalência de
transtornos psicológicos associados a distúrbio cardiovascular, bem como a implementação de mudanças que
permitam desenvolver comportamentos mais saudáveis como meio para recuperar a qualidade de vida.
PSICOCARDIOLOGIA E CARDIOLOGIA COMPORTAMENTAL
Embora, na atualidade, a psicocardiologia e a cardiologia comportamental sejam duas novas subespecialidades
estreitamente relacionadas em saúde mental e cardiologia (Katz & Wajngarten, 2015) e, de certo modo, impulsadas
pelo desenvolvimento e extensão internacional da psicologia da saúde (Kern de Castro & Remor, 2018), a interface
entre psicologia e cardiologia vem se desenvolvendo já há algum tempo, com centenas de estudos publicados na
última década. A evolução desse campo ocorreu a partir de 1970, quando a American Heart Association observou
que as doenças cardiovasculares estavam entre as principais causas de morte e morbidade nos países desenvolvidos
e, em particular, o infarto do miocárdio tem estado entre as principais causas de morte entre adultos no mundo
ocidental (Martín, 2003). Desde então, tem sido observado que, especificamente em países desenvolvidos, grupos
socioeconomicamente vulneráveis apresentam maior prevalência de fatores de risco, maior incidência dessas doenças
e alta mortalidade. Embora passados todos esses anos, um estudo verificou que as doenças cardiovasculares ainda
estão entre as principais causas de mortalidade (Lozano et al., 2012), inclusive no Brasil (Marinho et al., 2018).
Essas especialidades evoluíram com uma hipótese unificadora de que as variáveis psicológicas e sociais,
denominadas "fatores psicossociais", podem afetar o desenvolvimento e o resultado da doença coronariana cardíaca,
a principal causa de mortequanto os provedores de serviços de saúde estão conscientes dos
problemas apresentados pelo paciente e do tratamento que ele requer. É preciso também avaliar suas atitudes e
expectativas sobre essas questões, bem como sobre o futuro do paciente. Além disso, é útil estar ciente do tratamento
padrão e do que é recomendado para o problema.
Ao considerar o sistema de saúde na avaliação, o psicólogo precisa estar ciente das políticas públicas, regras e
regulamentos que afetarão o paciente e seu tratamento (p. ex., gratuidade do tratamento oferecido, atendimento pelo
chefe de serviço, médico responsável ou residentes, horários de consultas, políticas de controle de infecção,
atendimento em UTI). Também é importante entender quais comportamentos específicos os prestadores de serviços
de saúde podem apresentar que podem influenciar o comportamento do paciente (p. ex., informar sobre a doença,
treinar o paciente em habilidades de autocuidado, reforçar as queixas verbais ou evitar a expressão emocional do
paciente).
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
Simone
Realce
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Simone
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Simone
Realce
Situação e contexto sociocultural
Os aspectos socioculturais do paciente incluem tanto sua situação socioeconômica e recursos financeiros como sua
condição ocupacional, condições de moradia, acesso aos serviços sociais e de saúde, tipo e qualidade do plano de
saúde. Também se devem considerar as características da rede social do paciente (p. ex., tamanho, disponibilidade,
apoio instrumental e afetivo). Parece relevante saber se os médicos e enfermeiros e demais membros da equipe
entendem os sentimentos, as atitudes e as expectativas em relação à raça do paciente, gênero, etnia, estilo de vida,
religião, doença e tratamento. Em termos do funcionamento de sistemas socioculturais, o psicólogo pode precisar
conhecer políticas de emprego específicas relacionadas ao problema que está sendo avaliado (p. ex., legislação em
relação ao retorno ao trabalho para pacientes com certo grau de incapacidade, requerimento de aposentadoria por
invalidez). Ademais, o psicólogo deve estar ciente dos costumes étnicos (p. ex., pacientes imigrantes ou refugiados)
ou características de gênero que podem estar relacionados ao relato de sintomas (ou subnotificação) e ao uso de
cuidados de saúde.
Integrando a informação coletada na avaliação
Ao revisar os variados indicadores e metas para avaliação, percebe-se que esses diferentes aspectos estão inter-
relacionados e que a natureza ou importância relativa da informação obtida em uma dimensão do modelo
biopsicossocial é frequentemente afetada pela informação encontrada em outra (ver Quadro 1.1). Por exemplo, o tipo
e a localização dos sintomas físicos (dimensão biológica) podem afetar o significado percebido da doença devido ao
significado psicológico de certas partes do corpo, como genitália, coração, rosto (dimensão psicológica: aspectos
cognitivos). Assim, as reações emocionais podem ser mais pronunciadas em um paciente com câncer de boca do que
aquelas encontradas em uma pessoa com um estado de saúde objetivamente pior (p. ex., paciente com doença renal
crônica em hemodiálise).
As reações emocionais também podem ser influenciadas pela idade. Por exemplo, a perda de oportunidade de ter
filhos pode ser significativamente menos traumática para uma mulher de 45 anos do que para uma adolescente de 17
anos. A etnia (e bagagem cultural) pode afetar ainda mais essa relação, se os valores familiares e culturais impõem a
maternidade como um símbolo de status social e realização pessoal. Um corpo crescente de pesquisas está
explorando o papel da etnia no tratamento, na percepção dos sintomas e na prestação de serviços de saúde (p. ex.,
Kreling, Pimenta, & Garanhani, 2014; Salyers & Bond, 2001).
Na condução de uma avaliação, é importante entender que os dados obtidos podem ser influenciados pelo tipo de
cenário em que a avaliação ocorre. Por exemplo, pacientes com dor podem andar ou movimentar-se com maior ou
menor flexibilidade dependendo de quem os está assistindo e em que cenário eles estão sendo observados. Assim,
expectativas sobre o objetivo da avaliação afetam claramente os dados obtidos. Por exemplo, as características de
demanda para pacientes que requerem cirurgia como sua única esperança de sobrevivência versus aqueles que
buscam a avaliação como meta para obter um benefício por incapacidade são tremendamente diferentes e devem ser
consideradas na interpretação dos dados. A presença de outras pessoas, seus papéis e seu comportamento também
podem afetar as respostas durante a avaliação.
Alguns pacientes sentem necessidade de ser um “bom paciente” para o médico, que é percebido como detentor de
poder sobre a vida e a morte; outros podem sentir-se receosos em revelar sintomas físicos significativos, porque
percebem que seu médico parece muito ocupado e apressado. Doenças graves que ameaçam a vida desencadeiam
ansiedade; quando manifestada pelo paciente à equipe, às vezes esta se expressa como queixas e, quando estas são
evitadas ou negadas pelos profissionais, acabam reforçando o medo e a angústia, o que pode agravar a experiência.
As configurações do serviço de saúde também podem agrupar determinados fenômenos psicológicos. Por
exemplo, as unidades de internação de ortopedia e traumatologia tendem a ter mais pacientes que tiveram acidentes
motivados pela tendência a tomar riscos do envolvido, incluindo, portanto, mais pessoas com marcante traço de
personalidade de busca de sensações (Fan et al., 2014; Scott-Parker, Hyde, Watson, & King et al., 2013), o que
oferece oportunidade para protocolos de intervenção preventiva específicos que considerem essas características.
Sabe-se também que existem efeitos fisiológicos condicionados a determinados ambientes e situações, como, por
exemplo, o conhecido efeito da “hipertensão do avental branco” (Guedis et al., 2018), em que a pressão arterial
elevada é observada na medição em presença de profissionais da saúde. Outro exemplo é a pesquisa que foi
desenvolvida em um hospital suburbano da Pensilvânia entre 1972 e 1981, a qual encontrou índices de recuperação
mais rápidos e menos uso de medicação para dor em pacientes cirúrgicos que tinham uma visão de um parque
arborizado em comparação àqueles com vista para uma parede de tijolos (Ulrich, 1984).
Além dessa complexidade na interpretação das informações coletadas, cabe ainda considerar que, nesse contexto,
o paciente precisará lidar com uma série de tarefas adaptativas no enfrentamento da doença e da condição de saúde.
Essas tarefas podem ser agrupadas em (a) tarefas relacionadas com a doença versus (b) tarefas gerais ante o problema
(Belar & Deardorff, 2009; Remor, Arranz, & Ulla, 2003), e cabe ao profissional da psicologia identificar na
avaliação a capacidade e o preparo do paciente para lidar com elas. Entre as tarefas relacionadas com a doença, é
preciso saber como o paciente está lidando com dor, incapacitação e outros sintomas; como está lidando com o
ambiente hospitalar e os procedimentos especiais de tratamento; e se está desenvolvendo e mantendo um
relacionamento adequado com a equipe de saúde. No que se refere às tarefas gerais ante a condição de doença, deve-
se identificar se o paciente está preservando o equilíbrio emocional; se está preservando uma autoimagem satisfatória
e mantendo um senso de competência e domínio; se está preservando os relacionamentos com familiares e amigos; e
como o paciente está se preparando para um futuro incerto. Essas informações serão de grande ajuda na compreensão
do paciente e no estabelecimento de um planejamento para a intervenção psicológica e devem ser integradas às
demais informações coletadas.
Assim, no final do processo de avaliação, o psicólogo terá um conjunto de informações em relação a natureza da
doença, diagnóstico médico e prognóstico; regime de tratamento, ambiente físico e contexto social; sintomasou
indicações de psicopatologia e habilidades de enfrentamento, necessidades e recursos do paciente. Essas informações
devem ser integradas para se atingir uma compreensão do caso e permitir a tomada de decisões sobre a intervenção
psicológica.
Portanto, as inter-relações entre os diferentes aspectos da avaliação são complexas. Os psicólogos da saúde devem
estar cientes e atualizados acerca dos problemas médicos que apresentam sintomas psicológicos. Para ser capaz de
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interpretar com competência as informações obtidas, o psicólogo deve ter uma base sólida nas referências teóricas e
empíricas da psicologia da saúde (Kern de Castro & Remor, 2018). Ao desenvolver uma conceituação do caso, o
psicólogo considera tanto informações referendadas por meio de pesquisa (prática baseada em evidências) como
aquelas aprendidas por meio de sua experiência de trabalho com pacientes nesse contexto.
Métodos de avaliação
Ao se realizar avaliação psicológica em psicologia da saúde, vários métodos podem ser usados. Muitos deles
fornecem informações sobre um ou mais domínios em nosso modelo de avaliação (Quadro 1.1). A escolha do
método depende do domínio a ser avaliado, do objetivo da avaliação e do conhecimento técnico do profissional.
Nesse processo, uma boa entrevista clínica parece essencial como método principal e norteador, alinhada a um
modelo de medição múltipla com uma abordagem de avaliação sustentada em hipóteses diagnósticas.
Para auxiliar nesse processo, serão apresentados os seguintes métodos de avaliação: entrevista, questionários,
diários (autorregistros), instrumentos psicométricos e observação.
Entrevista
A entrevista clínica talvez seja o método mais frequentemente utilizado para a coleta de informações. Ela tem a
capacidade de extrair dados atuais e passados em todos os domínios de interesse. A entrevista também é um meio de
desenvolver um vínculo e uma relação de trabalho e terapêutica com o paciente (Rosengren, 2009), além de permitir
a aquisição de dados de autorrelato e observacionais do paciente, de familiares e amigos e da equipe de saúde.
O conteúdo e o estilo das entrevistas individuais variam dependendo da questão de avaliação. O tipo e a estrutura
do processo de entrevista (p. ex., não estruturada, semiestruturada, estruturada) dependem da preferência e do
treinamento pessoal do psicólogo, bem como das restrições de configuração e tempo. Programas de intervenção
específicos (p. ex., programas de cirurgia bariátrica) costumam utilizar entrevistas estruturadas. Isso ajuda a evitar o
viés do entrevistador e permite a ele permanecer aberto para explorar áreas não reconhecidas imediatamente como
importantes. Entrevistas semiestruturadas e estruturadas foram desenvolvidas para muitos propósitos, como, por
exemplo, a The Stanford Integrated Psychosocial Assessment for Transplantation (SIPAT). A SIPAT é uma
ferramenta de triagem abrangente, em forma de entrevista estruturada, para auxiliar na avaliação psicossocial de
candidatos ao transplante de órgãos (Maldonado et al., 2012).
No entanto, em muitas situações, pode ser útil desenvolver a própria entrevista estruturada ou semiestruturada
para uma população específica de pacientes. Um formato de entrevista semiestruturada permite flexibilidade e
desenvolvimento de rapport, garantindo que a informação essencial não seja negligenciada.
Alguns autores sugerem que toda entrevista clínica inclua alguns elementos do exame do estado mental (Belar &
Deadorff, 2009). A abrangência e a profudindade do exame do estado mental dependerão dos sintomas apresentados
e das descobertas preliminares. Os elementos desse exame costumam incluir as seguintes seções:
a. aparência, atitude e atividade;
b. humor e afeto;
c. fala e linguagem;
d. processo do pensamento, conteúdo do pensamento e percepção;
e. cognição;
f. percepção e julgamento.
Para Belar e Deadorff (2009), o exame do estado mental produz informações que não costumam ser previamente
avaliadas por outro profissional da saúde, pois muitas das áreas de avaliação são desconfortáveis para outros
profissionais explorarem, mas são de grande preocupação para o paciente. Um excelente recurso de exame do estado
mental é o Miniexame do Estado Mental (MEEM) (Melo, Barbosa, & Neri, 2017). Anormalidades no MEEM podem
fornecer orientação quanto à etiologia das alterações do estado psicológico (p. ex., organicidade, transtornos afetivos,
medicamentos) e orientar recomendações (p. ex., sugerindo uma avaliação neurológica e neuropsicológica mais
detalhada).
Em alguns casos, a entrevista com o paciente se faz difícil – ele pode estar muito agitado ou não suficientemente
alerta para atender às demandas da entrevista ou simplesmente não cooperar, casos em que o psicólogo precisa usar
formas alternativas de avaliação, atrasar a consulta ou descontinuar o processo na ausência de consentimento
adequado. O aprendizado em técnicas de entrevista motivacional (Rosengren, 2009) pode ser um grande aliado em
situações de dificuldade na entrevista.
Questionários
O uso de um questionário de coleta de informações desenvolvido pelo próprio psicólogo, focado no problema em
questão, é útil no processo de avaliação. No ambulatório, pode ser estabelecida uma coleta na sala de espera. Esse
método pode supor uma economia considerável na avaliação de áreas diversas e em pacientes com diferentes
problemas de saúde. O entrevistador pode, posteriormente, revisar os dados do questionário com o paciente e
concentrar mais tempo em áreas que precisam de mais esclarecimentos e em questões psicológicas mais gerais.
Estabelecer o rapport e revisar algumas informações com o paciente são atitudes que demonstram o valor dos dados
para o psicólogo, o que pode contribuir para a colaboração do paciente. Os questionários também são um mecanismo
para o registro sistemático de dados que podem facilitar o desenvolvimento de pesquisa no contexto de saúde e a
avaliação subsequente da intervenção psicológica (Ulla & Remor, 2003). Em geral, quando os pacientes são
solicitados a preencher um questionário, a porcentagem de recusa é baixa; porém, se o protocolo for demasiado
extenso, sua execução pode ficar difícil no contexto de internação hospitalar. Deve-se lembrar que clareza e
facilidade de resposta são características importantes. Entretanto, o psicólogo deve tomar cuidado para não usar o
questionário de maneira que este substitua o desenvolvimento de uma interação profissional de qualidade com o
paciente ou outras fontes de informação.
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É importante lembrar que o desenvolvimento de questionários e instrumentos de avaliação (psicométricos) requer
uma série de conhecimentos especializados e competências metodológicas de pesquisa (Tourangeau, Rips, &
Rasinski, 2000); portanto, o profissional que decide elaborar um questionário deve estar apto para essa tarefa ou
solicitar assessoria de especialistas.
Diários ou autorregistros
Os diários ou autorregistros do paciente são comumente usados para registrar comportamentos, tanto evidentes (p.
ex., vômitos, tiques, nível de atividade, frequência de micção, uso de medicamentos) quanto encobertos (p. ex.,
pensamentos, sentimentos, lembranças, intensidade da dor). Eles são usados como medidas de referência e como
intervenções para promover o aprendizado sobre antecedentes, consequências e as relações entre comportamentos
internos e externos (Beck, 2011). Os diários e autorregistros podem ser uma importante fonte de informação para
ajudar a avaliar a eficácia do tratamento de saúde ou programas de intervenção. Embora haja controvérsias sobre aconfiabilidade e a validade dos dados do diário, esses métodos continuam a ser clinicamente úteis.
Ao se propor o uso de diários e autorregistros como estratégia de coleta de informações, é necessário garantir que
eles sejam fáceis de usar, breves e não intrusivos. É importante que o paciente tenha sido treinado em seu uso, para
que possa completar a tarefa corretamente, e que se sinta capaz e disposto a realizá-la. Na atualidade, com as novas
tecnologias, o uso de registros via e-mail ou aplicativos (app), bem como mensagens via WhatsApp como lembretes
para registrar informações, pode aumentar a adesão a essas tarefas. Essas ferramentas podem ser especialmente
relevantes e úteis com pacientes jovens. Por último, deve-se considerar que nem todos os registros são mantidos pelo
paciente; as anotações de processos psicológicos são mantidas pelo profissional no histórico clínico e no prontuário
psicológico de cada paciente.
Instrumentos padronizados e testes
Em geral, os tipos de instrumentos padronizados (psicométricos) e testes que são usados no processo de avaliação em
psicologia da saúde são medidas de amplo espectro (screening) ou de foco especializado; também é possível
classificá-los como medidas genéricas (aplicáveis a qualquer tipo de problema de saúde) ou medidas específicas
desenvolvidas especialmente para algum tipo de doença. O Quadro 1.2 apresenta algumas das medidas mais usadas
no âmbito da saúde, com informação sobre a adaptação e a validação no contexto brasileiro. É importante assinalar
que, na aplicação de qualquer uma dessas medidas não específicas, deve-se ter cautela e avaliar cuidadosamente sua
adequação às populações de pacientes e aos problemas específicos que estão sendo abordados: caso não haja
validação para a população em questão, os testes psicológicos de autorrelato não específicos podem classificar
erroneamente como disfuncional o que é normal ou esperado para o paciente médio em tratamento médico ou
reabilitação. O Quadro 1.2 apresenta exemplos de instrumentos padronizados e testes de utilidade e aplicação no
âmbito da psicologia da saúde; essa lista não é exaustiva, pois na atualidade há uma variedade de medidas
desenvolvidas e validadas para uso em processos de avaliação (embora o uso de algumas delas seja limitado à
pesquisa). Ao consultar e usar essas ferramentas, é importante que o psicólogo esteja ciente das questões de
adaptação, fidedignidade e validade para cada medida e para cada uso, além da disponibilidade de pontos de corte ou
normas para a interpretação. A falta de compreensão das limitações na interpretação dos resultados dos testes é
contrária não apenas à boa prática, mas também ao código de ética da psicologia.
QUADRO 1.2
Exemplos de instrumentos padronizados e testes para aplicação no âmbito da psicologia da saúde
Medidas de amplo espectro
(screening)
Escala de Inteligência Wechsler Abreviada (WASI)
Questionário de Dor McGill (McGill Pain Questionnaire – MPQ)*
Escala de Estresse Percebido (Perceived Stress Scale – PSS)*
Instrumento de Avaliação Neuropsicológica Breve (NEUPSILIN)
Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT)*
Índice de Qualidade de Sono de Pittsburgh (PSQI-BR)*
Escala de Ansiedade e Depressão no Hospital (Hospital Anxiety and Depression
Scale – HADS)
Miniexame do Estado Mental (MEEM)
Escala Transversal de Sintomas de Nível 1 Autoaplicável do DSM-5 – Adulto*
Medidas de foco especializado Inventário de Depressão de Beck (BDI-II)
Inventário de Ansiedade de Beck (BAI)
Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço (STAXI-2)
Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (Positive and Negative Affect
Schedule – PANAS)*
Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT)
Medidas genéricas Inventário de Percepção de Suporte Familiar (IPSF)
Escala de Apoio Social (MOS-SSS)*
Inventário de Cinco Fatores NEO Revisado – versão curta (NEO FFI-R)
Questionário de Qualidade de Vida da OMS – versão breve (WHOQOL-Bref)*
Questionário de Saúde SF-36 (Health Survey SF-36)*
Escala de Avaliação da Incapacidade da Organização Mundial da Saúde 2.0
(WHODAS 2.0)*
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QUADRO 1.2
Exemplos de instrumentos padronizados e testes para aplicação no âmbito da psicologia da saúde
Medidas específicas Escala de Depressão Geriátrica (GDS)
Questionário de Qualidade de Vida – Câncer (EORTC QLQ-C30)*
Questionário de Qualidade de Vida Relacionada à Saúde para Hemofilia
(HemoLatin-QoL)*
Instrumento de Qualidade de Vida para HIV/AIDS (HAT-QoL)*
Nota: Para informação mais abrangente sobre instrumentos validados para o Brasil com avaliação favorável no Sistema de
Avaliação de Testes Psicológicos (SATEPSI), consultar: http://satepsi.cfp.org.br.
* Instrumentos de uso não exclusivo do psicólogo.
A cada ano, novas medidas psicológicas (ou atualizações) são publicadas (Butt, 2016a); entretanto, de acordo com
Butt (2016b), não se trata de desenvolver mais e mais medidas para usar com populações específicas de pacientes,
mas de construir e adaptar medidas mais inteligentes e mais flexíveis que possam ser usadas para diversos fins, entre
os quais pesquisa, educação do paciente, atendimento clínico e avaliação da qualidade do atendimento médico. Na
atualidade, estão disponíveis alguns manuais que compilam informações resumidas sobre uma grande variedade de
instrumentos de avaliação para uso em saúde (p. ex., Gorenstein, Wang, & Hungerbühler, 2017; Hutz, 2014).
Observação
A observação do paciente é um método muito útil de avaliação, pois pode fornecer informações relevantes de muitas
das áreas delimitadas no modelo biopsicossocial (ver Quadro 1.1). A observação supõe um comportamento
deliberado do observador (ante a observação cotidiana e habitual), cujo objetivo é coletar dados para poder formular
ou verificar hipóteses (Fernandez-Ballesteros, 2001). A observação pode ser livre ou estruturada – pode ocorrer
como parte de uma entrevista ou em um cenário natural, por exemplo, um tratamento que envolva interações com a
equipe de enfermagem. Observações estruturadas podem incluir tarefas como solicitar uma interação com a família
abordando-se uma questão específica, realizar um perfil de estresse com o paciente (perfil psicofisiológico)
(Carrobles, 2016) ou, ainda, observar a autoadministração de insulina por parte de um paciente com diabetes ou a
autoinfusão de fator de coagulação de um paciente com hemofilia. Eventualmente, pode-se solicitar a colaboração de
familiares na observação do comportamento em situações cotidianas. Além disso, essas observações podem ser
gravadas em áudio ou vídeo com autorização do paciente. Por tratar-se de uma medida de certo modo gerada
artificialmente e reativa, a influência do processo de medição nos dados obtidos deve ser considerada na
interpretação. As observações podem ser quantificadas por meio de diferentes métodos de classificação (Leichtman,
2002), e pode-se analisar sua precisão e validade (Fernandez-Ballesteros, 2001). Pode ser de grande utilidade
comparar a observação direta do comportamento com as percepções dos familiares (ou até da equipe de saúde) sobre
o comportamento ou com a própria percepção do paciente sobre seu comportamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A psicologia da saúde, com a qual todas as áreas da ciência psicológica contribuem, tornou-se um importante campo
de especialidade, e sua aplicação na prática de cuidados de saúde tem prosperado. Entre as tarefas do profissional que
trabalha nesse âmbito está a avaliação. A avaliação psicológica no contexto de saúde apresenta muitas oportunidades
(p. ex., como campo de especialização para muitos psicólogos ou ferramenta para avaliar a qualidade da atenção à
saúde), mas também desafios (p. ex., desenvolver uma prática de avaliação apoiada empiricamente).
Neste capítulo, procurou-se apresentar elementos que possam auxiliar o psicólogo que atua em contextos de saúde
a desenvolver uma prática de avaliação apoiada empiricamente. A avaliaçãopsicológica e a testagem são
amplamente utilizadas em ambientes de saúde, como clínicas especializadas e ambulatórios, centros de saúde,
hospitais públicos, privados e militares. Utilizam-se procedimentos, técnicas e instrumentos para auxiliar no
diagnóstico de problemas de comportamento ou psicológicos que podem constituir fatores de risco e vulnerabilidade
para a deterioração da saúde, o agravamento da doença existente, a falta de engajamento (e adesão) do paciente no
tratamento, as dificuldades de enfrentamento e ajuste mental ou a incapacidade de lidar com um futuro incerto, por
exemplo. Os fatores emocionais e psicológicos influenciam o desenvolvimento de muitos problemas de saúde e
podem desempenhar um importante papel no curso e na progressão da doença; portanto, a identificação precoce
desses fatores é fundamental para seu manejo adequado.
Entre os objetivos da avaliação psicológica em contextos de saúde está, principalmente, entender o paciente e seu
problema para chegar a uma estratégia de intervenção psicológica personalizada ou auxiliar na tomada de decisões
médicas em relação à situação de saúde e doença. Embora observemos que o referencial teórico dos profissionais que
trabalham em contextos de saúde e hospitalar é diverso, e diferentes estratégias de avaliação possam ser aplicadas,
em função do treinamento do profissional, recomenda-se aderir à estrutura conceitual do modelo biopsicossocial, que
permite uma compreensão do fenômeno saúde e doença a partir de uma ótica multicausal e multideterminada.
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