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EAD EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA UNIDADE I Relações Privadas e Internet Prof. Dr. Marcel SimõesI. Desenvolvimento da Internet e Surgimento da Contratação Eletrônica Vamos estudar as relações jurídicas de Direito Privado à luz do Direito Digital, no contexto da sociedade da informação (também chamada de sociedade em rede). Os dois temas que são os pilares centrais da disciplina são: (i) os contratos eletrônicos; e (ii) os direito das personalidade na rede (com especial destaque para o direito à privacidade). É preciso ter em mente a seguinte legislação fundamental: Constituição Federal; Código Civil, LINDB e Código de Defesa do Consumidor; Lei n. 12.965/2014 (Marco Civil da Internet); Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD); Decreto n. 7.962/2013 (Regulamentação do e-commerce).I. Desenvolvimento da Internet e O Surgimento da Contratação Eletrônica Conceito de internet: é um sistema global de redes de computadores interconectadas que usam um conjunto próprio de protocolos de comunicação (Internet Protocol Suite TCP/IP) para interligar dispositivos ao redor do mundo. Através dessa rede de dispositivos, que é a Internet, são executados: (i) a rede mundial de computadores; (ii) correio eletrônico (e-mail); (iii) telefonia; (iv) compartilhamento de arquivos; serviços de streaming etc. Internet # Rede Mundial de Computadores (em inglês: World Wide Web, também conhecida pelos termos web ou WWW). Conceito de rede mundial de computadores: é um sistema de documentos em hipermídia, os quais são interligados e executados na internet. Histórico da Internet e nascimento do e-commerce: 1958: os EUA criam a ARPA (Advanced Research Projects Agency). 1969: a ARPA inaugura a rede ARPANET, considerada a "mãe" da internet, com objetivos militares e científicos. 1972: a ARPANET é utilizada para uma operação de venda de droga ilícita entre estudantes de universidades americanas (primeiro contrato eletrônico da história?)I. Desenvolvimento da Internet e Surgimento da Contratação Eletrônica Década de 1980: surge o nome INTERNET (= Interconnected Networks), quando a tecnologia da ARPANET passou a ser usada para ligar universidades e grandes empresas. 1987: passam a ser permitidos conteúdos e comunicações de índole comercial (nascimento da internet moderna). Década de 1990: é a década da "explosão" da internet no mundo. 1994: foi criado o site NetMarket, por jovens formandos da universidade britânica LSE. Por meio desse site, teria sido feita a primeira transação online com efetivo pagamento (para muitos, essa foi a primeira operação de e-commerce da história). Pela primeira vez, tinha sido criado um sistema seguro online, envolvendo cartões de crédito. E o primeiro produto a ser vendido foi um CD do cantor Sting, em 11 de agosto de 1994. Histórico no Brasil: desenvolvimento da internet no final dos anos 1980. Em 1995, é criado o Comitê Gestor da Internet no Brasil, com a atribuição de coordenar e integrar todas as iniciativas de serviços de internet no país, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. Criado pela Portaria Interministerial n. 147, de 31 de maio de 1995 (alterada pelo Decreto n. 4.829/2003).I. Desenvolvimento da Internet e Surgimento da Contratação Eletrônica Em 06/01/2003, foi criado o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), associação civil sem fins lucrativos criada e supervisionada pelo Comitê Gestor para coordenar os diversos projetos, iniciativas e serviços em áreas de importância fundamental para o funcionamento e o desenvolvimento da internet no país. 10 Princípios para Governança e Uso da Internet no Brasil (Decálogo do aprovados por consenso pelos membros do Comitê em 2009 (Resolução (i) Liberdade, privacidade e direitos humanos; (ii) Governança democrática e colaborativa; (iii) Universalidade; (iv) Diversidade; (v) Inovação; (vi) Neutralidade da rede; (vii) Inimputabilidade da rede; (viii) Funcionalidade, segurança e estabilidade; (ix) Padronização e interoperabilidade; (x) Ambiente legal e regulatório.II. Contratos eletrônicos Conceito de contrato: contrato é o acordo entre duas ou mais partes para constituir, regular ou extinguir entre elas uma relação jurídica patrimonial. (Esse é o conceito expresso no art. 1.321 do Código Civil italiano, igualmente aplicável ao Direito brasileiro). Conceito de contrato eletrônico: contrato eletrônico é o contrato celebrado por meio de computadores (ou outros dispositivos eletrônicos equivalentes que utilizem software) interligados entre si, em rede local ou na internet, isto é, é o contrato celebrado pela forma eletrônica, em ambiente virtual. Ou seja: o contrato eletrônico não é um novo tipo contratual ao lado de outros tipos (como, por exemplo, o contrato de compra e venda, o contrato de locação, contrato de mútuo etc. - todos estes tipos caracterizados pelo seu específico conteúdo), mas sim um fenômeno que tem a ver com a forma de contratação, com a conclusão do contrato. Assim, o termo "contrato eletrônico" corresponde a qualquer contrato (vale dizer, a qualquer tipo contratual) quando celebrado por meio eletrônico - destacadamente, pela internet.II. Contratos eletrônicos Conceito de contrato informático (que, para a doutrina mais exata, não se confunde com contrato eletrônico): contrato informático é o contrato que tem por objeto o equipamento ou o serviço de informática, incluindo o desenvolvimento, a venda e a distribuição de hardware, ou da licença de software, ou de outros bens ou serviços relacionados (como manutenção e assistência técnica). Formação dos contratos em geral e formação dos contratos eletrônicos. Os contratos eletrônicos, assim como os contratos em geral, se formam, via de regra, pela conjugação de dois negócios jurídicos unilaterais: a oferta (também chamada de proposta) e a aceitação. Esse modelo acerca da formação dos contratos é disciplinado nos artigos 427 a 435 do Código Civil. Como subespécie do modelo baseado na proposta e na aceitação, temos o modelo da formação do contrato por adesão a cláusulas predeterminadas (contratos de adesão). Caracteriza-se pela existência de cláusulas já predispostas por uma das partes, as quais não podem ser discutidas pela outra (o aderente). Confira-se os arts. 423 e 424 do Código Civil.II. Contratos eletrônicos O contrato por adesão se relaciona com a padronização para ganho econômico de escala, trazendo maior rapidez na contratação, o que é essencial em uma economia massificada. É importante ressaltar que grande parte dos contratos celebrados na internet são contratos de adesão, ou seja, aqueles em que uma das partes (o aderente) não tem poderes para discutir as cláusulas contratuais (ou aceita, ou recusa, não podendo fazer contraproposta). É a regra no campo dos contratos para consumo (chamados, em Direito Digital, de B2C - business to consumer). Muitas vezes, a adesão se dá por meio de um clique no "aceito" os "termos de uso" do site (e/ou aplicativo) em que se está navegando. Importante examinar, aqui, a problemática dos contratos de adesão eletrônicos (shrink-wrap e click-wrap) e dos termos e condições de uso (browse-wrap) - estes últimos, aliás, muito contestados judicialmente, quando não haja efetivo conhecimento (ou garantia de conhecimento) pelo usuário. Nos contratos de adesão, celebrados na internet via termos de uso (e política de privacidade) ou não, sempre que houver relação de consumo, aplica-se a disciplina do art. 54 do CDC.II. Contratos eletrônicos Shrink-wrap: diz respeito às compras de software no estabelecimento físico do fornecedor, cujos termos contratuais que vincularão as partes não podem ser visualizados antes da compra do produto, mas tão somente no decorrer da instalação do software, garantindo-se ao adquirente a possibilidade efetiva (o direito) de devolução do produto se não concordar com os termos da licença. Note-se: parte do conteúdo do contrato só aparece na hora da instalação. Importância da ciência do aderente, para poder ser vinculado em um contrato. Click-wrap: diz respeito a contratos celebrados inteiramente em meio eletrônico, em que consumidor tem a oportunidade de ler as cláusulas contratuais antes de manifestar, expressamente, seu consentimento ou não, clicando em uma caixa de diálogo indicativa de expressões do tipo "eu aceito", ou outras semelhantes. São considerados juridicamente vinculantes, desde que texto acompanhando a caixa ou ícone indique claramente que ao ticar ou clicar ali usuário está concordando com os termos do acordo.II. Contratos eletrônicos Browse-wrap: são os termos e condições de uso, disponibilizados habitualmente no canto inferior de uma página da internet em um hiperlink, (supostamente) vinculando toda e qualquer pessoa, que tão somente acesse o respectivo site, sem ao menos chamar a atenção do usuário para a existência destes termos, ou nem exigindo a manifestação de anuência a tais termos. Note-se: se o usuário nem ao menos tem consciência da existência de tais termos, eles ficam descaracterizados como contratos ou condições gerais, não podem vincular os destinatários. É claro que também existem casos de contratos eletrônicos que são amplamente negociados em ambiente virtual - esses são chamados de paritários, em oposição aos contratos de adesão. São paritários, geralmente, os contratos eletrônicos interempresariais (chamados em Direito Digital de B2B - business to business). Sua disciplina é dada pelo Código Civil.Interatividade ou Caso prático: contrato A compra de um microcomputador pelo site de uma loja é um contrato eletrônico um informático?Resposta Caso prático: A compra de um microcomputador pelo site de uma loja é um contrato eletrônico ou um contrato informático? Ambos! A forma é eletrônica (contrato eletrônico); e o objeto é um bem informático do tipo hardware (contrato informático).II. Contratos eletrônicos Prosseguindo com tema da formação dos contratos: Art. 427 do Código Civil: "Art. 427. A proposta* de contrato obriga o proponente, se o contrário não resultar dos termos dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso." * Conceito de proposta: negócio jurídico unilateral receptício que constitui a primeira manifestação de vontade, a que se há de seguir a aceitação, para que se conclua o negócio jurídico bilateral (contrato). Eficácia da proposta: ocorre com a chegada da proposta à possibilidade de conhecimento do destinatário (teoria da recepção). Dispensa-se o efetivo conhecimento pelo destinatário (não se poderia deixar isso ao alvedrio do destinatário - boa-fé objetiva: este tem o dever de estar a par do que lhe chega).II. Contratos eletrônicos Art. 428 do Código Civil: "Art. 428. Deixa de ser obrigatória a proposta: I - se, feita sem prazo a pessoa presente*, não foi imediatamente aceita. Considera-se também presente a pessoa que contrata por telefone ou por meio de comunicação semelhante; - se, feita sem prazo a pessoa ausente*, tiver decorrido tempo suficiente para chegar a resposta ao conhecimento do proponente; III - se, feita a pessoa ausente, não tiver sido expedida a resposta dentro do prazo dado; IV - se, antes dela, ou simultaneamente, chegar ao conhecimento da outra parte a retratação do proponente."II. Contratos eletrônicos * contrato entre presentes é aquele no qual se verifica a instantaneidade na troca de informações no momento da formação do contrato. contrato entre ausentes é aquele no qual esta instantaneidade não se verifica, havendo ao menos em tese o decurso de um lapso de tempo significativo entre a proposta e a possibilidade do seu conhecimento pelo destinatário. Não tem a ver com presença física, portanto.II. Contratos eletrônicos A maioria da doutrina afirma que os contratos eletrônicos podem ser qualificados como entre ausentes ou entre presentes, a depender do caso. Serão entre presentes aqueles interativos, isto é, firmados com proximidade cronológica, contato direito, possibilidade de simultaneidade, instantaneidade, de expedição instantânea da aceitação, com a presença do elemento "tempo real" (por exemplo, contratos firmados por chat ou sala de bate-papo, compra em site, webcam, whattsapp se estiverem as duas partes online). Serão entre ausentes aqueles com intermediação, ausência de instantaneidade, intervalo (ao menos potencial) entre proposta e aceitação (por exemplo, contrato firmado por e-mail; whattsapp ou mensagens de celular em que um dos sujeitos não está online). Art. 434 do Código Civil: "Art. 434. Os contratos entre ausentes tornam-se perfeitos desde que a aceitação é expedida, exceto: - no caso do artigo antecedente; - se o proponente se houver comprometido a esperar resposta; III - se ela não chegar no prazo convencionado."II. Contratos eletrônicos Teorias quanto ao momento da formação do contrato: 1. Da agnição (ou da declaração) 1.1. Da declaração propriamente dita (declaração da aceitação) 1.2. Da expedição da aceitação (art. 434, caput) 1.3. Da recepção da aceitação (exceções dos incisos do art. 434) 2. Da cognição (ou da informação) quanto à aceitação 3. Da confirmação: contrato se forma no momento em que o aceitante recebe a confirmação de que o proponente recebeu a aceitação. Momento da conclusão dos contratos: como regra, para os contratos entre ausentes, foi adotada, quanto à sua formação, a teoria da agnição, na submodalidade teoria da expedição. É que consta do art. 434, caput CC. Para essa teoria, o contrato entre ausentes se forma no momento em que a aceitação (= negócio jurídico unilateral receptício por meio do qual oblato entra em acordo com a proposta efetuada, gerando, assim, contrato) é expedida.II. Contratos eletrônicos Momento da conclusão dos contratos eletrônicos: para boa parte da doutrina, vale para os contratos eletrônicos também a teoria da expedição. Contudo, essa teoria pode trazer alguma complicação para os contratos celebrados via e-mail (e outros casos em que não haja interação instantânea), tendo em vista questões que podem obstaculizar o recebimento da aceitação, como, por exemplo, problemas no provedor, filtros etc. Talvez mais adequado aí fosse o momento do recebimento da mensagem, isto é, a adoção da teoria da recepção, o que é sustentado por autores como Flávio Tartuce, havendo também enunciado da III Jornada de Direito Civil nesse sentido: "Enunciado n. 173: A formação dos contratos realizados entre pessoas ausentes, por meio eletrônico, completa-se com a recepção da aceitação pelo proponente." Cf. Tarcisio Teixeira, Direito Digital e Processo Eletrônico. Alguns autores têm defendido a adoção da teoria da confirmação, pela qual o contrato se forma no momento em que aceitante recebe a confirmação de que o proponente recebeu a aceitação. Assim, art. III do Decreto n. 7.962/2013 (que regulamenta CDC sobre compras na internet) determina que fornecedor confirme imediatamente o recebimento da aceitação pelo comprador da oferta feita na internet.II. Contratos eletrônicos Lugar da conclusão dos contratos eletrônicos (entre partes fisicamente distantes): matéria importante para a determinação do foro de julgamento (em especial nas hipóteses em que o foro de eleição for o lugar da celebração do contrato) e para a determinação da lei aplicável. (i) Regra geral do local da conclusão dos contratos entre partes fisicamente ausentes (inclusive eletrônicos): lugar em que foi expedida a proposta (cf. art. 435 CC). Não há antinomia com art. 9°, § 2° da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro - LINDB, que fala em lugar onde residir proponente (este deve ser interpretado como residência mesmo, e não domicílio do proponente, ou seja, como lugar em que o proponente está quando faz a proposta), para fins de definição de foro e lei aplicável. No contrato celebrado na internet, seria o local da sede física do proprietário do site ou em que estiver instalado o computador que dá suporte ao site. (ii) Exceção à regra geral: contratos eletrônicos para consumo. Em se tratando de relação de consumo, foro deve ser sempre mais acessível/favorável ao consumidor (art. 101, I CDC; art. 22, II do CPC/2015), e também se sustenta o mesmo quanto à lei aplicável (lei mais favorável ao consumidor).II. Contratos eletrônicos Assinatura eletrônica X certificado eletrônico X assinatura digital. (i) Assinatura eletrônica é um gênero, que envolve todos os tipos de firma que usam os meios eletrônicos como validação, como por exemplo a assinatura eletrônica mediante senha (aquela utilizada para consolidar operações bancárias), e a assinatura digital. (i) Certificado eletrônico é arquivo eletrônico gerado por uma Autoridade Certificadora, cuja função será a de identificar com segurança pessoas naturais ou jurídicas que emitiram determinado documento eletrônico mediante um par de chaves criptográficas. A MP n. 2.200- 2/2001 criou a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil). (iii) Assinatura digital é uma espécie de assinatura eletrônica que usa operações matemáticas com base em algoritmos de criptografia assimétrica para garantir a proteção na autenticidade das documentações. É, portanto, um código anexado ou logicamente associado a um arquivo eletrônico que confere de forma única e exclusiva a comprovação da autenticidade e confiabilidade quanto à integralidade do conjunto de dados do referido documento conforme o original.Interatividade Caso prático: No dia 01/08, João envia mensagem a Pedro, por meio de um aplicativo de mensagens de celular, oferecendo a este a venda de um notebook pelo valor de R$ 7.000,00. O aparelho de Pedro estava desligado, de modo que este se encontrava off-line, somente vindo a tomar conhecimento da mensagem de João em 03/08, mesma data em que expede uma mensagem aceitando a proposta de venda do notebook. Pergunta-se: a) O contrato celebrado entre João e Pedro é entre ausentes ou presentes? b) Qual momento da formação do contrato entre João e Pedro?Resposta Caso prático: No dia 01/08, João envia mensagem a Pedro, por meio de um aplicativo de mensagens de celular, oferecendo a este a venda de um notebook pelo valor de R$ 7.000,00. O aparelho de Pedro estava desligado, de modo que este se encontrava off-line, somente vindo a tomar conhecimento da mensagem de João em 03/08, mesma data em que expede uma mensagem aceitando a proposta de venda do notebook. Pergunta-se: a) O contrato celebrado entre João e Pedro é entre ausentes ou presentes? Trata-se de contrato entre ausentes, pois Pedro estava off-line, de modo que não houve simultaneidade na troca de informações entre eles, não houve interatividade. b) Qual momento da formação do contrato entre João e Pedro? Segundo o art. 434, caput CC, contrato se formou no momento em que a aceitação por Pedro foi expedida (= momento em que a mensagem foi enviada). Mas, para parcela da doutrina, deve-se entender que o contrato se formou no momento em que a mensagem de aceitação chegou ao celular de João (teoria da recepção).Referências TARTUCE, F. Direito Civil - Teoria Geral dos Contratos e Contratos em Espécie - Vol. 3. 16. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2021. TEIXEIRA, T. Direito Digital e Processo Eletrônico. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2020.ATÉ A PRÓXIMA!