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Maria Adélia da Costa Organizadora e autora Pesquisas em Educação Profissional e Tecnológica Larissa Rodrigues Ribeiro Pereira Diretora Comercial Winstom Ercick Cardoso Pereira Diretor Administrativo CONSELHO EDITORIAL ACADÊMICO Prof. Me. Adriano Cielo Dotto (Una Catalão) Prof. Dr. Aguinaldo Pereira (IFRO) Profa. Dra. Christiane de Holanda Camilo (UNITINS/UFG) Prof. Dr. Dagoberto Rosa de Jesus (IFMT) Profa. Dra. Maria Adélia da Costa (CEFET-MG) Profa. Dra. Deise Nanci de Castro Mesquita (Cepae/UFG) Prof. Dr. José Maria Baldino (PUC Goiás) Profa. Dra. Márcia Gorett Ribeiro Grossi (CEFET-MG) Prof. Dr. Marcos Pereira dos Santos (FAQ) Profa. Me. Patrícia Fortes Lopes Donzele Cielo (Una Catalão) Profa. Dra. Rosane Castilho (UEG) Prof. Dr. Ulysses Rocha Filho (UFCAT) CONSULTIVO Nelson José de Castro Peixoto Núbia Vieira Welima Fabiana Vieira Borges Copyright © 2022 by Rubens Brosso Editora Alta Performance Rua 132-A, nº 100, Qd F-45 Lote 2 Setor Sul - CEP 74093-22 - Goiânia/Goiás CNPJ: 21.538.101/0001-90 Site: http://editoraaltaperformance.com.br/ Contatos: Larissa Pereira - (62) 98230-1212 Editoração: Maria Adélia da Costa Almindo Antônio da Silva Junior CIP - Brasil - Catalogação na Fonte Dartony Diocen T. Santos CRB-1 (1º Região) 3294 P261 COSTA, Maria Adélia da. Pesquisa em educação profissional e tecnológica. / Maria Adélia da Costa (org.). – 1ª ed. – Goiânia: Editora Alta Performance, 2022. 261p. : il. ISBN: 978-65-5447-014-8 1. Educação Profissional. 2. Ensino Remoto. 3. Jogo Tecnologia. I. Título. CDU 377 O conteúdo da obra e sua revisão são de total responsabilidade dos autores. DIREITOS RESERVADOS É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio, sem a autorização prévia e por escrito dos autores. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal. Apresentação Esta obra é uma coletânea com 19 artigos resultantes de pesquisa dos alunos concluintes da 1ª turma do Curso de Especialização Lato Sensu em Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG. Todos os textos foram submetidos a uma banca avaliadora presidida pelo professor orientador mais dois avaliadores professores do referido curso. Compõe-se a partir de um cardápio variado de temas a respeito da educação profissional no Brasil. Pesquisar a educação é condição sine qua non da materialidade da profissão docente, pois, sem compreender o porquê, como e para quê se ensina determinados conhecimentos pode-se ocorrer no vazio de uma prática alienante. Assim como Paulo Freire, entendo a educação como um ato de amor e coragem em que não se pode temer o debate, nem tampouco se pode fugir da realidade. Apreciem! Degustem! Abasteçam-se de bons argumentos e continuemos na luta por uma educação emancipadora, libertária, crítica e reflexiva. Maria Adélia da Costa Primavera de 2022 METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: um estudo da especialização lato sensu do CEFET-MG ...................................................................08 Almindo Antônio da Silva Junior Ana Cecília Estevão Maria Adélia da Costa A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017................................... 31 Nayara Aparecida Neres da Silva Maria Vardilene de Oliveira Maria Clara Lima Costa Irlen Antônio Gonçalves DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE NO ENSINO MÉDIO ..........................................................................................46 Ana Rosa Passos Pereira Caroline Kretezel Bandeira Alexandre da Silva Ferry OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre a relação entre professor e aluno ........................................................................56 Beuquis Fernanda dos Santos Marques Raquel Quirino 01 03 02 04 05 Leonardo dos Santos Maria Eugênio Barbosa de Oliveira Alexandre da Silva Ferry VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso ...............................................74 Sumário MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa ...............................................................................................85 Lívia Ramos Santos Pereira Raquel Quirino 06 O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro de Formação Artística e Tecnológica .........................................................99 Marcos Eustáquio da Silva 07 AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude momentânea ........................................................................108 Rafael Gregório Malaquias Silvio Luiz de Freitas Werner Masanossuke Magalhães Tanaka A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas em um período marcado pela COVID-19..........................................123 Débora Ferreira Rios José Carley de Souza Rezende Maria Adélia da Costa 08 09 10 Célia Maria Leal Delísia Ferreira Jussara Martins A neurociência contribuindo para as práticas pedagógicas na EJA........................................................................................135 TEORIA E PRÁTICA NA FORMAÇÃO DO ENGENHEIRO CIVIL: percepções de egressos ...........................................145 Joyce Cristine Theophilo Fernandes Maria Adélia da Costa O DESENVOLVIMENTO DE HABILIDADES COGNITIVAS E SOCIOEMOCIONAIS NA ESTRATÉGIA BRASILEIRA PARA INDÚSTRIA 4.0 ..................................................................157 Filipe de Amorim Ferreira José Geraldo Pedrosa RECOMEÇAR E REINVENTAR NOVAS FORMAS DE ENSINAR E APRENDER EM UM CURSO DE COSTUREIRO INDUSTRIAL DE BELO HORIZONTE .................................170 Hudson Pereira de Freitas Maria Adélia da Costa O USO DAS TECNOLOGIAS DIGITAIS NOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM NA PANDEMIA DA COVID 19: um estudo de caso em uma escola pública....................180 Adjenor Cristiano Queiroz Fábio da Silveira Soares Isabella Fernandes Valerio 13 12 14 11 16 Luciana Aparecida Cunha Soares Elizabeth Maria Pinto Maria Adélia da Costa EVASÃO EM UM CURSO TÉCNICO EM INFORMÁTICA DE UMA ESCOLA ESTADUAL NO PERÍODO DO ENSINO REMOTO.............................................................................204 O TRABALHO DOCENTE NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL NO CONTEXTO DO ENSINO REMOTO..............................191 Tiago Heitor Urias Fonseca Maria Adélia da Costa 15 18 Roberto Mauro Palhano Flávia Morais Gomes de Carvalho Irlen Antônio Gonçalves A REABILITAÇÃO DE PROFISSIONAIS QUE SOFRERAM LESÕES INCAPACITIVAS: problematizações sobre a efetividade da legislação brasileira........................................232 A EDUCAÇÃO DO FUTURO: inspirações de Edgar Morin para o ensino técnico integrado.....................................................221 Éverton Lucas Ferreira Garcia 17 ENSINO REMOTO EMERGENCIAL: um olhar sobre o processo de ensino-aprendizagem dos alunos de um curso Técnico em Administração....................................................241 Antônia do Socorro Pinheiro Gouvêa Elizabeth Maria Pinto Maria Adélia da Costa 19 Nota sobre a organizadora e autora......................................252 Nota sobre os autores...........................................................254 Comitê Científico...................................................................258 Índice Remissivo..................................................................260 01 Almindo Antônio da Silva Junior Ana Cecília Estevão Maria Adélia da Costa METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL: um estudo da especialização lato sensu do CEFET-MG | 08 INTRODUÇÃO De acordo com Costa (2020), na Educação Profissional e Tecnológica (EPT), desde os primórdios de 1909 sãofoco nas áreas de conhecimento e na formação técnica e profissional (BRASIL, 2017). Nesse contexto, dentre os pontos de maior destaque da Lei encontram-se a divisão do ensino médio em uma parcela comum de 1800 horas e outra dividida em cinco itinerários formativos, os quais seriam implementados até 2022 (BRASIL, 2017). Contudo, foi editada a Portaria nº 521, de 13 de julho de 2021 (BRASIL, 2021), a qual institui o cronograma nacional de implementação deste ensino de forma progressiva, em 2022 com as 1ª séries do ensino médio. Em 2023 com as 1ª e 2ª séries, completando o ciclo nas três séries do ensino médio em 2024. Sob essa perspectiva, dentre as discussões que se travam no âmbito das instituições de ensino, destaca-se o confronto entre os sistemas de formação mais generalistas e os sistemas profissionais que formam visando o mercado de trabalho, a distribuição de recursos para estas instituições e o caráter dualista na trajetória da educação profissional brasileira (FREITAS, 2018). Nesse contexto, estudos apontam que por trás de um discurso apresentado como ‘novo’, as propostas da nova lei da reforma e de sua Base Nacional Comum Curricular (BNCC), compõem um velho discurso e um conjunto de sentidos e finalidades pouco problematizados que envolvem esta etapa da educação básica nos últimos 20 anos. A centralidade conferida à noção de competências na BNCC recupera o discurso dos textos de políticas curriculares do final da década de 90 e reintroduz os limites já identificados em pesquisas anteriores, de que tal abordagem mostra-se limitada por seu caráter pragmático e a-histórico (SILVA, 2018). Nesse seguimento, a fim de avaliar o processo de constituição da reforma do ensino médio a partir da Lei 13.415/2017, a presente pesquisa buscou realizar uma revisão sistemática da literatura, tipo de estudo secundário que tem sua fonte de dados nos estudos primários, artigos científicos, que relatam os resultados de pesquisa em primeira mão. A partir disso, com vistas a colaborar para a compreensão da lei, a pesquisa teve a intenção de realizar um estudo que possibilite responder ao seguinte questionamento: o que revelam as pesquisas sobre a mudança na estrutura do ensino médio nos artigos publicados, no período de 2016 a 2021, em revistas classificadas pelo Qualis Capes em A ou B? Este tipo de pesquisa foi escolhido por permitir identificar, selecionar, avaliar e sintetizar concomitantemente estudos qualitativos, quantitativos e mistos a fim de realizar uma visão mais cooperativa e integrada das diferentes metodologias no contexto estudado. Nesse aspecto, a revisão consiste em uma pesquisa científica composta por seus próprios objetivos, problemas de pesquisa, metodologia, resultados e conclusão. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 32 Portanto, o estudo compõe-se não apenas como uma introdução de uma investigação maior, mas uma categoria de pesquisa que se direciona a partir de protocolos específicos a fim de compreender e dar alguma logicidade a um grande corpus documental diferindo de uma revisão da literatura de conveniência (GALVÃO; RICARTE, 2019). O levantamento dos artigos consistiu em uma pesquisa bibliométrica realizada no período de setembro a outubro de 2021 considerando a produção científica brasileira publicada em periódicos indexados nas bases de busca da Scientific Electronic Library Online (Scielo) e do Portal de Periódicos da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A investigação foi conduzida utilizando-se dos descritores: Base Nacional Comum Curricular (BNCC), Reforma do Ensino Médio e Itinerários Formativos, auxiliados pelos operadores booleanos AND e OR com a finalidade de informar ao sistema de busca como combinar os termos da pesquisa. O avanço da pesquisa consistiu em uma tentativa de alcançar uma abrangência maior no âmbito da produção científica vinculada às mudanças ocorridas a partir das primeiras menções no que se refere a reforma do ensino médio. Nesse contexto, foram realizadas também buscas considerando os descritores isoladamente o que permitiu o acesso a um número maior de artigos. Todavia, devido a repetição de alguns, estes foram desconsiderados na análise final. Com o propósito de empreender o objeto de estudo, a construção da pesquisa baseou- se nos temas abordados nos estudos selecionados, a partir de análises que permitiram interpretar as informações coletadas. Nesse sentido, conforme representado esquematicamente na Figura 1, na constituição do corpus de análise, após leitura dos títulos, do total dos 176 artigos encontrados foram selecionados 37 artigos, a exclusão baseou-se em artigos cujos títulos não condiziam com a temática abordada. Figura 1 - Fluxograma representativo da seleção de artigos Fonte: Elaboração própria, 2022. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 33 A classificação das revistas em A ou B de acordo com o novo Qualis Capes, resultou em 27 artigos, vez que dos 37, pois, 10 não se encaixavam em nenhuma das classificações. Ao final, após leitura de seus resumos, foram excluídos mais 3, que não atendiam o foco da pesquisa. Feito isto, a etapa seguinte neste processo metodológico de pesquisa em revisão sistemática de literatura consistiu na leitura dos 24 artigos selecionados, a partir da qual de acordo com os assuntos mais abordados emergiram quatro principais categorias, que de acordo com Bardin (2016), podem ser criadas a partir apenas da teoria ou após a coleta de dados, sendo elas: reforma, itinerários formativos, flexibilização e recursos. Dentre os 24 artigos, as categorias foram construídas de acordo com a classificação realizada considerando as palavras-chave, o título, o resumo e autores em comum. Também foram organizados em relação à metodologia de pesquisa utilizada. Neste cenário, no corpo dos artigos foi observado que o termo “reforma” foi citado 798 vezes, enquanto “itinerários formativos” apareceu 264 vezes, seguido de “flexibilização” com 118 aparições e “recursos” com 85, conforme Quadro 1. Referência Reforma Itinerários Formativos Flexibilização Recursos Almeida; Batista (2016) 15 3 1 1 Corrêa; Garcia (2018) 16 7 2 1 Henrique (2018) 18 8 2 0 Araújo (2018) 64 16 8 8 Leão (2018) 22 3 3 3 Lima; Maciel (2018) 64 16 8 8 Silva (2018) 21 7 0 2 Silveira; Silva (2018) 27 1 20 0 Ferretti (2018a) 31 24 18 3 Ferretti (2018b) 14 12 2 3 Andrade; Gawryszewski (2018) 53 1 7 0 Costa; Coutinho (2018) 31 14 0 2 Schütz; Cossetin (2019) 25 15 1 4 Coelho; Souza (2019) 25 13 1 1 Lopes (2019) 18 44 3 3 Miranda; March; Koifaman (2019) 64 12 8 1 Corti (2019) 59 5 4 1 Maciel (2019) 26 13 9 14 Thiesen (2019) 4 1 2 1 Costa; Silva (2019) 53 7 9 4 Hernandes (2020) 9 6 3 17 Koepsel; Garcia; Czernisz (2020) 32 10 1 2 Correia et al. (2020) 8 25 3 1 Lotta et al. (2021) 99 1 3 5 Total 798 264 118 85 Quadro 1 – Categorias do corpus de análise Fonte: Elaboração própria, 2022. Além disso, o levantamento da produção científica realizado, considerando o período de 2016 a 2021, indicou uma concentração destes estudos no ano de 2018, representando 41% das publicações de artigos científicos dentre os selecionados. Números que sugerem a influência da aprovação da Lei nº 13.415 em fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017), que apresenta as diretrizes para o Novo Ensino Médio e a publicação da primeira versão da BNCC para o ensino médio em 2018. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 34 Dentre os estudos analisados, 33% foram produzidos no ano de 2019, números que foram reduzidos entre 2020 e 2021, para 18% e 4%, respectivamente, sugerindo influência do período pandêmico da doença infecciosa viral respiratória causada pelo agente Coronavírus - Covid-19 -, como capaz de minimizar as movimentações acerca do assunto devido a implantação do ensino remoto no país.Conforme representado de maneira cronológica na Figura 3, a discussão em torno das mudanças no ensino médio e as questões sobre qual modelo de ensino médio e para quem seria destinado, assim como a Educação Profissional Técnica de Nível Médio, foi acompanhada de inúmeros marcos normativos no período de 1996 a 2018 e de ações do executivo federal (SILVA, 2018). Sendo estes marcos os mais citados na literatura pesquisada. Os primeiros apontamentos no que tange a criação de uma BNCC considerando o Ensino Básico surge na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (BRASIL, 1988). Enquanto as discussões sobre as finalidades do ensino médio tornaram-se mais contumazes após sancionada a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 (BRASIL, 1996). A partir daí, marcos normativos acompanharam os debates envolvendo os interesses políticos de cada um dos períodos registrados (SILVA, 2018). Figura 3 - Cronologia dos principais marcos normativos envolvendo o Ensino Médio e a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (1996 – 2018) Fonte: Elaboração própria, 2021. Dessarte, diante de tantas reformulações e ajustes as redes e sistemas de ensino se depararam com o desafio de aprofundar-se no estudo dos documentos a fim de planejar e colocar em prática o Novo Ensino Médio para 2022. Isto também implicará, provavelmente, a produção de regulamentações, em âmbito nacional, assim como nas esferas estaduais, “com as particularidades e limites relativos aos sistemas estaduais de ensino, podendo, tais regulamentações, tornar mais explícitas as intenções presentes no documento legal” (FERRETI, 2018a, p. 262). A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 35 Sob esse aspecto, segundo o autor, a efetivação da reforma curricular que certamente será precedida de tais regulamentações, apresenta-se como nova arena de disputa política, outrossim como espaço de pesquisa para aqueles que se envolverem na crítica à forma e ao conteúdo da lei da Reforma do Ensino Médio. Neste cenário, no período analisado, destaca-se também a produção científica concentrada em regiões específicas do país. Dentre os estudos selecionados, 48% foram desenvolvidos por pesquisadores do Sudeste do país, 22% no Sul, 15% no Nordeste, 11% no Norte e 4% no Centro- Oeste, distribuídos entre instituições públicas e privadas. Observando-se nos artigos analisados duas recorrências sobre a implementação do novo ensino médio, uma que argumenta em favor e outra em desfavor da reforma, no presente estudo, estes dois aspectos são tratados na primeira categoria “reforma”. Em relação à segunda categoria “itinerários formativos” evidencia-se nos artigos diferenciação entre os cinco itinerários no que tange a suas finalidades. Os quatro primeiros (Linguagens e suas Tecnologias; Matemática e suas Tecnologias; Ciências da Natureza e suas Tecnologias; Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) possuem caráter propedêutico para um público mais abastado e geral com base nas quatro grandes áreas do conhecimento de que trata a BNCC. Todavia, o itinerário de formação técnica e profissional apresenta caráter de terminalidade, cujo objetivo imediato é o mercado de trabalho para os menos abastados. A terceira categoria “flexibilização” emergiu do tratamento dado pelos artigos à flexibilização dos componentes curriculares fundamentados na BNCC, cuja oferta em última instância ficará a cargo das disposições em cada sistema de ensino. A última categoria “recursos” é abordada nos artigos no sentido de que para a implementação do Novo Ensino Médio os sistemas de ensino dependem de recursos financeiros, materiais e humanos, e isto num contexto de contenção de investimentos públicos ante a reforma fiscal implementada pela Emenda Constitucional nº 095/2016. Assim, com base no que vem sendo discutido sobre a temática pesquisada, passa-se à apresentação das quatro categorias objeto de análise: reforma, itinerários formativos, flexibilização e recursos. REFORMA Dentre os aspectos reportados no que tange à reforma do ensino médio, Lotta et al. (2021) destaca como a influência das mudanças federais trazidas por esta política afetaram a implementação da reforma tomando como referência os aspectos locais. Lotta et al. (2021) tomou como referência o movimento de reforma no período entre 2017 e 2018 e ressalta as particularidades que envolvem o Estado brasileiro, como o tamanho, a heterogeneidade e a desigualdade do país. Estas características influenciariam na implementação da reforma. Além disso, segundo a pesquisa, a implementação de reformas, de maneira geral, caracteriza-se por ciclos que envolvem períodos de estabilidade e instabilidade, que no caso específico da educação, implicaria em um processo politicamente audacioso. Sob essa perspectiva, a implementação de reformas educacionais apresentaria alguns condicionantes de sucesso como: a adesão da comunidade escolar, a necessidade de realização de experimentos piloto, ou ainda, em pequena escala e o conhecimento de possíveis falhas ocorridas em reformas anteriores. Após pesquisa coletada em todos os estados brasileiros, Lotta et al. (2021) observou que reformas não negociadas apresentam tendência a gerar efeitos distintos em cada contexto, de acordo com a reação dos atores locais. Foi verificado também que a baixa autonomia dos estados gerava estagnação e baixa capacidade de ação. Por outro lado, as iniciativas de incentivo provenientes do governo federal provocaram situações de implementação administrativa, sendo assim, as mudanças exógenas encontravam contextos distintos em cada localidade, obtendo resultados diferentes. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 36 Ainda sob a discussão de implementação da reforma, Lima e Maciel (2018) destacou a influência política no movimento de reforma, desde a destinação de recursos apenas para o ensino fundamental no Governo de Fernando Henrique Cardoso, até o discurso de autonomia de escolha do que se quer aprender, defendida pelo Governo de Michel Temer, negando ao jovem o acesso a um conjunto de conhecimentos que além de estruturar o direito à educação básica, também viabiliza o ingresso ao ensino superior. Lima e Maciel (2018) destacam ainda o autoritarismo do governo atual que tem por interesse desconstruir a função social do ensino médio e da BNCC a partir de um projeto privatista. Sob a perspectiva dos autores, a corrosão do direito à educação é evidente no conteúdo da Lei n° 13.415/2017, considerada como sendo um grande retrocesso. Além disso, o texto defendido pela política do Governo de Michel Temer e discursada também pelo governo atual, antes de manifestar preocupação com a juventude, tem como principal interesse atender aos preceitos da crise do capital a partir do esvaziamento do direito à educação. Corti (2019) destaca o crescente movimento de resistência a implementação da reforma tendo em vista a conjuntura do atual governo e seus antipopulares que estão cada vez mais acentuados. Para Andrade e GawryszewskiI (2018), as reformas educacionais, em geral, são sustentadas por uma base de necessidades, todas vinculadas ao objetivo de desprender a acumulação de capital. Nesse sentido, as crises capitalistas caracterizadas principalmente pelo obstáculo da reprodução ampliada e pela dificuldade de gerar e movimentar capital, torna incessante a busca pela transformação do fundo público em lucro privado, em que, sob o ponto de vista de Andrade e GawryszewskiI (2018), as reformas educacionais, de certa forma, contribuem. As ideias de Costa e Silva (2019) corroboram aquelas apresentadas por Lima e Maciel (2018) no que se refere às críticas relacionadas a política por trás da implementação da reforma. Sob o ponto de vista de Costa e Silva (2019), que designaram o termo contrarreforma da educação para denominar as mudanças em andamento.É preocupante a situação em relação aos ataques à escola pública promovidos por grupos e redes do mercado educacional global interessados em apropriar-se dos fundos políticos destinados à educação, e aos ataques voltados a seus professores a partir de movimentos políticos de caráter conservador e/ou reacionários, de extrema direita que lideram movimentos como o da Escola sem Partido. Costa e Silva (2019) destacam ainda os interesses privatistas de fundações bilionárias na articulação da BNCC. Toda esta movimentação tem gerado consequências como: a desvalorização e desqualificação dos sistemas públicos de ensino e todos que a ela pertencem, abrindo porta para as privatizações sob a forma de uso privado de recursos públicos. Para Costa e Silva (2019), o objetivo da tal reforma seria unicamente precarizar o direito à educação. Neste contexto, Araújo (2018) salienta que a reforma em curso refere-se principalmente ao interesse de seus principais interlocutores, no caso, o Conselho Nacional de Secretários da Educação – Consed-, ao tornar menos rígida a contratação de professores licenciados, e o Movimento Todos pela Educação que direciona o currículo para a formação de “personalidades produtivas” estimulando o mercado de recursos educacionais, situação reportada também por Corti (2019) e Ferretti (2018b). Sendo esses interesses os que se sobressaem em detrimento a formação dos jovens, resultando em maior desigualdade entre eles. A educação diferenciada com o objetivo de gerar categorias distintas de cidadãos também é destacada por Miranda; March e Koifman (2019) reforçando a necessidade de se combater a dualidade estrutural educacional. Segundo Andrade e GawryszewskiI (2018), as reformas educacionais constituem um projeto maior, econômico e ético- político operado pela burguesia com o propósito de conservar sua supremacia. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 37 ITINERÁRIOS FORMATIVOS Com vistas a substituir o modelo único de currículo do Ensino Médio por um modelo diversificado e flexível, a Lei nº 13.415/2017 (BRASIL, 2017), alterou a LDB, estatuindo no art. 36 (BRASIL, 1996), que O currículo do ensino médio será composto pela Base Nacional Comum Curricular e por itinerários formativos, que deverão ser organizados por meio da oferta de diferentes arranjos curriculares, conforme a relevância para o contexto local e a possibilidade dos sistemas de ensino, conforme figura 4. Fonte: Elaboração própria, 2021 Figura 4 – Itinerários formativos § 3º A critério dos sistemas de ensino, poderá ser composto itinerário formativo integrado, que se traduz na composição de componentes curriculares da Base Nacional Comum Curricular e dos itinerários formativos, considerando os incisos I a V do caput (BRASIL, 2017). De acordo com o serviço de perguntas e respostas do Portal informativo do Ministério da Educação (2017), os itinerários formativos: [...] são o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no ensino médio e podem se aprofundar nos conhecimentos de uma área do conhecimento e da formação técnica e profissional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais áreas e da FTP (BRASIL, 2017). Conforme a BNCC (BRASIL, 2018, p. 468), considerando as determinações do marco legal as competências gerais “estabelecidas para a Educação Básica orientam tanto as aprendizagens essenciais a ser garantidas no âmbito da BNCC do Ensino Médio quanto os itinerários formativos a ser ofertados pelos diferentes sistemas, redes e escolas.” Entretanto, os artigos analisados, com destaque para Correia et al. (2020); Ferretti (2018b) e Lopes (2019), apontam para a falta de condições de oferta dos cinco itinerários formativos em cada escola de ensino médio, tendo em vista que em muitos municípios há apenas uma escola que oferece essa etapa da educação básica, restringido desse modo as possibilidades dos alunos. Além disso, segundo os autores ainda que sejam oferecidos os cinco itinerários, o aluno tem direito a matricular em apenas um itinerário, e caso sobre vaga, então, poderá cursar um segundo, continuando o problema da fragmentação da oferta do conhecimento. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 38 Os autores também acenam que especialistas e profissionais da educação têm apresentado inúmeras críticas ao formato do Novo Ensino Médio, dentre elas que a pretendida flexibilidade curricular provocará desigualdade na oferta do ensino e que a liberdade de escolha não é verdadeira, devido às condições reais de oferta dos itinerários. Segundo Araújo (2018, p. 223), “esses itinerários serão oferecidos nos estados e no Distrito Federal conforme disponibilidade e decisão dos sistemas de ensino, e não por escolha dos estudantes.” De acordo com Corrêa e Garcia (2018, p. 615) “esses itinerários formativos não serão necessariamente escolhidos pelo estudante, uma vez que serão contemplados conforme as condições da escola em ofertá-los.” Para Schütz e Cossetin (2019): Ao fazer isso, o projeto cria a falsa ideia de que a escola ofertará possibilidades para a preparação profissional e que, diante delas, o aluno poderá fazer a sua escolha. Não revela, porém, que, antes, a escola já terá sido “escolhida”. Ofertará um reduzido número de cursos intencionalmente sugeridos pelo mercado, definidos segundo aquilo que o projeto denomina de “relevância dos contextos” (SCHÜTZ; COSSETIN, 2019, p.213-214). 6No Brasil, a expressão “itinerário formativo” tem sido tradicionalmente utilizada no âmbito da educação profissional, em referência à maneira como se organizam os sistemas de formação profissional ou, ainda, às formas de acesso às profissões. No entanto, na Lei nº 13.415/2017, a expressão foi utilizada em referência a itinerários formativos acadêmicos, o que supõe o aprofundamento em uma ou mais áreas curriculares, e também, a itinerários da formação técnica profissional (BRASIL, 2018, p. 467). Para o Ministério da Educação, a reforma veio para atender as necessidades dos alunos, garantindo uma formação básica geral e garantindo aos jovens o protagonismo de sua formação dado o poder de escolha do itinerário formativo que desejam cursar, com vistas a aprofundar os estudos ou escolher uma formação técnica ou profissionalizante. Entretanto, Schütz e Cossetin (2019, p. 215-216) afirmam que esta é uma promessa de “algo que será incapaz de cumprir, pois anuncia a viabilidade de escolha por determinadas áreas de interesse do aluno, mas que não serão necessariamente ofertadas pelas escolas.” Por exemplo, em escolas de pequenos municípios onde haja apenas uma escola de ensino médio, cuja obrigatoriedade é de ofertar apenas dois itinerários formativos, o aluno vir a cumprir com um itinerário que talvez não condiga com suas expectativas. E neste exemplo, a escola não ofertaria os cinco itinerários, especialmente por isto implicar em mais investimentos pela construção de laboratórios, compra de livros, contratação de professores etc. Com isso, para os autores, “parece óbvio que a proposição do ‘novo’ Ensino Médio nega o direito universalíssimo de uma Educação Básica comum a todos os alunos brasileiros.” Sob essa perspectiva, para Henrique (2018, p. 300) a fragmentação está presente com os itinerários formativos, e, em consequência, a formação humana integral está ameaçada. “A Lei nº 13.415/2017 separa o Ensino Técnico do Ensino Médio (dissimulada nos itinerários formativos específicos – quatro propedêuticos e um profissional).” Significando um retorno ao antigo entendimento do ensino médio como preparação para o mercado de trabalho para uns e formação para o ensino superior para outros. Ou seja, “para os egressos da Formação Técnica e Profissional restarão os cursos tecnológicos, mais curto e específicos; para os demais, cursos profissionais plenos e os bachareladosinterdisciplinares.” De acordo com Araújo (2018, p. 229): A lógica que preside esta ideia pressupõe, portanto, uma amarração entre currículo escolar e futuro dos jovens, como se isso fosse possível. Na prática, tende a calcificar as desigualdades educacionais diretamente ligadas às desigualdades sociais, promovendo um verdadeiro cerco ao futuro dos jovens pobres, que terão muito mais dificuldades de reconstruir o seu “destino” ou mesmo de ingressar numa universidade, se este tiver cursado um itinerário formativo diferente daquele por ele cursado ou se tiverem cursado o itinerário de formação profissional. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 39 Em relação ao ensino técnico, segundo Araújo (2018) é necessária a defesa, do Ensino Médio Integrado, com formação técnica específica e formação científica, e um combate a toda forma de aligeiramento que a nova legislação torna possível. E quanto à educação em tempo integral, que requer entre outras, a ampliação e a melhoria da infraestrutura das escolas, ao contrário do que prevê a reforma do ensino médio, é necessária a defesa de investimento para as escolas públicas. Sendo também necessário firme posicionamento em defesa da profissionalização docente e contra a admissibilidade do profissional de notório saber na educação profissional técnica. Coelho e Souza (2019) asseveram que o aspecto mais regressivo da reforma, relega aos jovens menos favorecidos, que necessitam ingressar logo no mercado de trabalho, uma formação mais tecnicista, e que dessa maneira, inferem que a dualidade histórica entre formação geral e profissional será reforçada, levando o país a admitir um projeto de sociedade marcado pelo acirramento da violência e da desigualdade. Trata-se de uma contrarreforma que oficializa a dualidade educacional. Os estudantes que cursarão o itinerário formação técnica e profissional serão prejudicados com uma formação aligeirada. Além disso, terão suas oportunidades de acesso à universidade comprometidas, pois os conteúdos de formação geral, ofertados em outros itinerários, comprometerá o desempenho deles nas provas que garantem o acesso as instituições de ensino superior. Nesse seguimento, Costa e Coutinho (2018) entendem que a reforma, mormente no que tange à educação profissional é um retrocesso à trajetória histórico-cultural da formação profissional. Nesse escopo, os itinerários representam qualificação da força de trabalho para atender os modos de produção capitalista e subordinação aos donos do capital, além de retomar a dualidade da educação básica que oferece um ensino propedêutico, acadêmico para a elite e uma formação tecnicista, pobre para os pobres*. O compromisso da educação profissional e tecnológica é formar o trabalhador em sua integralidade. Dessarte, nos artigos analisados sobressai que a nova estrutura do ensino médio, proposta pela reforma, aprofunda a separação entre formação propedêutica e formação profissional, uma vez que tanto a lei quanto a BNCC dispõem em seus conteúdos acerca da defesa de uma educação integral, mas que, na prática, entretanto fragmenta o currículo por meio de itinerários formativos. FLEXIBILIZAÇÃO Tema recorrente na literatura que aborda as movimentações para a implementação da reforma, a flexibilização curricular foi discutida por Silveira e Silva (2018), que percorre sobre as diversas reformas curriculares ocorridas na história da educação no Brasil e os impactos sob os sistemas de ensino. Sob o ponto de vista de Silveira e Silva (2018), “a flexibilização é um imperativo contínuo” a qual permite possibilidades de organização do currículo e de percursos formativos do alunado de responsabilidades das escolas e sistemas de ensino, o que implicaria na formação de um indivíduo responsável pela sua própria formação. Sob o ponto de vista de Andrade e Gawryszewski (2018), a flexibilização significa dar maior espaço para o empresariado que, a partir dessa oportunidade, poderia interferir sobre os processos formativos e no perfil da força de trabalho brasileira. O que para Lima e Maciel (2018) seria também uma forma de apropriar-se do fundo público para atender interesses do capital rentista, representando os interesses neoliberais e neoconservadores da política brasileira. * Pobre no sentido de não proporcionar a democratização dos conhecimentos, bem como desprover a organização do pensamento crítico e autônomo, Costa e Coutinho (2018, p. 1645-1646). A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 40 Por outro lado, Ferretti (2018b) observa a flexibilização como responsável por afetar o trabalho docente com a redução dos postos de trabalho perante a exclusão de disciplinas como Sociologia, Filosofia, Educação Física e Arte, restringindo o mercado de trabalho para docentes que atuam nessas áreas. Além disso, esta oferta de trabalho seria afetada também pela instituição dos itinerários formativos a partir da possibilidade de ocupação das vagas por “profissionais detentores de notório saber”. Ferretti (2018b) destaca ainda que: [...] não é possível considerar que os problemas da formação humana pela via escolar possam ser efetivamente resolvidos apenas por mudanças nas políticas educativas no que diz respeito ao currículo, aos métodos, à formação, pois a educação apresenta limites, especialmente considerado o papel que muitas vezes desempenha de mera reprodução social. É necessário, por isso, entendê-la, também, como campo de contradições e, portanto, como campo de possibilidades de mudança, pelo menos no âmbito cultural (em sentido amplo). Nesse sentido é necessário que o estudo das políticas educacionais considere o papel da ideologia, entendida não no sentido de visão distorcida da realidade, mas como “forma específica de consciência social, materialmente ancorada e sustentada”, pois as políticas educativas expressam as ideologias que se configuram a partir da materialidade social (FERRETTI, 2018b, p. 39). Costa e Silva (2019) ressaltam que o reaparecimento da figura do profissional de notório saber confere um desrespeito aos pesquisadores e a produção acadêmica na área de formação de professores e as universidades públicas do país e desvaloriza a formação docente no Brasil. Além disso, a flexibilização reflete na desregulamentação das relações de trabalho, que ganharam destaque com a reforma trabalhista, retirando assim, direitos dos trabalhadores e profissionais da educação. Sob a perspectiva de Costa e Silva (2019), a flexibilização curricular nada mais é que uma estratégia dos reformadores para restringir a formação dos jovens e criar mercados no ensino médio. Corroborando Araújo (2018) que reforça: [...] a chamada ‘flexibilização curricular’ implementada pela Lei, tomada portanto como estratégia de submersão dos valores da ‘educação básica’ e ‘educação pública, estatal e gratuita’ e de emersão de valores de ‘educação mínima’ e de ‘educação instrumental para o mercado’, colocando o Ensino Médio a serviço da produção de sujeitos produtivos (ARAÚJO, R. M. L., 2018, p. 226). Conforme Araújo (2018), a flexibilização curricular propicia processos de exclusão. Segundo Maciel (2019), essa flexibilização pode resultar em prejuízos tanto para o desenvolvimento físico quanto intelectual dos estudantes no que tange a construção de sua capacidade reflexiva e crítica. Sobre esse aspecto, Miranda; March e Koifman (2019) destacam que a ausência de certos conteúdos na formação dos jovens seria uma forma de admitir à educação o pragmatismo, o individualismo e a competitividade do “mercado”. Além disso, Maciel (2019) reforça que no que tange a Lei nº 13.415/2017, não houve a criação de novos recursos destinados a financiar a proposta de flexibilização, o que significa que os sistemas de ensino público terão que se adequar aos ditames legais sem necessariamente receberem novos fundos. Contudo, Maciel (2019) destacao esgotamento do modelo educacional brasileiro, no entanto, o projeto trazido pela Lei nº 13.415/2017 não constituiria a melhor alternativa para a solução do problema da educação no Brasil. A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 41 RECURSOS No conjunto dos textos analisados, em especial, Hernandes (2020), Lima e Maciel (2018) e Maciel (2019) com ênfase nas escolas públicas, problematizam os recursos físicos, financeiros e humanos sendo estes em relação principalmente ao corpo docente*, os quais podem indicar limites quanto às possibilidades de realização das ações indicadas para a implementação do Novo Ensino Médio. Segundo Lotta et al. (2021, p. 397-398) em contextos de implementação, ambiguidade e conflito podem existir em diferentes graus e combinações. Ainda para Lotta et al. (2021): De um lado, a reforma levou o contexto da política um alto conflito, na medida em que foi aprovada e estabelecida por um governo não legitimado por uma parcela da sociedade, sem levar em conta debates graduais anteriores. De outro lado, por não ter sido plenamente regulamentada, e por criar mudanças não consensuais, a reforma gerou um contexto de alta ambiguidade. Temos, portanto, o deslocamento de um contexto que variava entre implementação experimental e implementação administrativa para o de alta ambiguidade e alto conflito. Tal contexto é denominado de implementação simbólica, aquela em que não se esperam resultados, já que o conflito dificulta a mobilização de atores e a alta ambiguidade paralisa a capacidade de ação (Matland, 1995). Nesse caso, foram criados ambiguidades e conflitos tanto em relação a meios como a fins (LOTTA et al., 2021, p. 405). A implementação simbólica* em geral exige posicionamento dos governantes, todavia não há mobilização de recursos para colocar novos valores ou objetivos em prática. Ou seja, “os governantes assumem a temática, mas não enfrentam o conflito nem diminuem a ambiguidade para que a política se efetive.” Além do mais, a divisão de competências na educação presente na Constituição da República (1988) é de regime de colaboração entre a União, estados e municípios na organização de seus sistemas de ensino. Não sendo, portanto, estanque tal divisão, há uma sobreposição de ofertas em diferentes redes e um desequilíbrio em termos de distribuição de recursos. Costa e Coutinho (2018, p. 1648), ao analisarem a Lei nº 13.415/2017 no que tange ao acesso aos cursos de graduação, entendem que uma formação com base em itinerários formativos possa dificultar o ingresso daqueles que optarem pela formação profissional. Isto porque ao possibilitar que as instituições escolham a organização curricular, os conhecimentos necessários à ascensão aos cursos de graduação podem ser insuficientes para a aprovação em vestibulares. O que se torna “mais preocupante para a classe trabalhadora, que não terá direito de escolha, uma vez que as instituições públicas terão condições de ofertar, somente o que estiver dentro de suas possibilidades de recursos físicos, financeiros e humanos.” Por sua vez, Costa e Silva (2019, p. 2015) denunciam que a Medida Provisória nº 746/2016, posteriormente aprovada com algumas mudanças como Lei nº 13.415/2017, para além de uma proposta curricular, tem em vista “instituir uma Política de Fomento à implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral e de regulamentação do [Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação] Fundeb.” * Inobstante o uso do termo ‘recursos humanos’ pelos autores, Batitucci (2000) e Aktouf (1996) consideram-no inadequado para designar pessoas. O homem não pode ser otimizado, como se fosse máquina ou equipamento. O homem não é recurso, ele é o próprio agente, que irá dominar e utilizar os recursos disponíveis. O conceito de homem como ‘recursos’ ou ‘máquinas’ de produção precisa ser rompido com vistas a transformar os trabalhadores em verdadeiros parceiros das organizações. Ou seja, as pessoas não podem ser encaradas como insumo, como recurso a ser administrado. Por isso, é preciso revisitar a forma de gerir pessoas nas organizações, Maffei (2005, p. 22-23). A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 42 Isso significa que “na prática cria condições para o financiamento público de escolas privadas” vez que, no art. 5º preconiza que desde que cumpridos os critérios de elegibilidade nela estabelecidos não há qualquer distinção ou especificação da natureza das escolas que serão contempladas com o repasse dos recursos (BRASIL, 2016). Ainda, conforme esses autores, a Medida Provisória apresenta “claros sinais de propostas de reformadores educacionais e defensores da fragmentação do Ensino Médio e do estabelecimento de canais para parcerias público-privadas”. Conclui também que, dentre outros, “não é novidade que a contrarreforma do ensino médio e do currículo por meio da BNCC atende a interesses outros que não das juventudes e de suas diversidades,” especialmente daquelas originárias das camadas de maior vulnerabilidade social e que mais carecem de uma educação pública, gratuita e de qualidade científica, pedagógica e democrática. Lopes (2019, p. 67) assevera que é possível reforçar o argumento, divulgado amplamente pela Associação Brasileira de Currículo (ABdC) em nota pública, de que, “muito mais do que uma mudança de organização curricular, a reforma do ensino médio visa favorecer a transferência de recursos de instituições públicas para instituições privadas.” Por isso, “não sem razão, a reforma do Ensino Médio tem sido defendida e divulgada pelo Sistema S e outras entidades do setor privado” (COELHO; SOUZA, 2019, p.21). Para Corrêa e Garcia (2018, p. 615) os itinerários formativos não serão necessariamente escolhidos pelo estudante, já que serão implementados segundo as condições da escola em ofertá-los. E, portanto, tal escolha, principalmente quando se trata de escolas públicas, é irreal, já que com o déficit histórico e estrutural de recursos humanos nessas escolas, não é difícil prever o cenário. Nessa perspectiva, Maciel (2019, p. 12), afirma que a escolha do itinerário formativo depender das condições da escola em ofertá-los pode ser especialmente problemático diante da realidade das escolas públicas brasileiras que carecem de recursos financeiros, estrutura e corpo docente, sobretudo em municípios menores. Assim, a Lei nº 13.415/2017 não contribui para a consecução da meta 20 do Plano Nacional de Educação – PNE -, tendo em vista que não garante a efetiva ampliação de investimento público em educação, “pelo contrário, tendo em vista a Emenda Constitucional (EC) nº 95 (BRASIL, 2016), que congela os gastos públicos pelos próximos 20 anos, é prognosticado que haja cortes no financiamento da educação pública.” Nesse cenário, para Koepsel; Garcia e Czernisz (2020, p.4) o pressuposto liberal que ampararia a ideia de liberdade de escolha, projeto de vida e protagonismo “nasce morto na Lei nº 13.415/2017, porque cada sistema de ensino vai apresentar itinerários cuja combinação é dependente da disponibilidade orçamentária e de recursos materiais e humanos por parte dos sistemas de ensino.” Desse modo, da análise dos artigos pode se dizer que a alternativa que resta é a acomodação à disponibilidade de recursos, ao menos para aqueles que dependem da educação pública, vez que as classes que puderem arcar com os custos da educação seguramente terão alternativas. As demais classes ficarão à mercê dos sistemas de ensino. CONSIDERAÇÕES FINAIS A fim de avaliar a reforma do ensino médio estatuída na Lei n° 13.415/2017, que estabelece mudanças na estrutura dessa etapa do ensino da educação básica no Brasil, a partir da revisão sistemática da literatura buscou-se identificar o que revelam as pesquisas sobre este chamado Novo Ensino Médio. * Na implementação simbólica, a dificuldade deexecutar as políticas é evidente, considerando-se que, além de muito ambíguas, são objetos de disputa (MATLAND, 1995). Esse contexto está ligado, em geral, à existência de novos valores ou objetivos que exigem posicionamento por parte do governo, mas não há mobilização de recursos para colocá-los em prática, Lotta et al. (2021, p. 398). A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 43 Nos artigos publicados, no período de 2016 a 2021, com fundamento nos temas abordados nos 24 artigos selecionados, emergiram as seguintes categorias: reforma, itinerários formativos, flexibilização e recursos. Os resultados da análise apontaram como principais dificuldades da implementação: aprofundamento da dualidade da educação básica entre formação geral e profissional; fragmentação da oferta do conhecimento por meio dos itinerários formativos; flexibilização curricular como fator decisivo de qualidade da educação; limitações de recursos humanos, físicos e financeiros para a realização das ações indicadas como necessárias para a implementação. Constatou-se nos estudos analisados que tal implementação, em seu conjunto, configura uma profunda reforma na educação básica nacional, com implicações sobre a organização curricular, o trabalho docente, o financiamento da educação básica, e consequentemente no futuro profissional dos egressos dessa etapa de ensino. Dos estudos, depreendeu-se também que a reforma não objetiva a universalização de uma educação básica comum a todos, por não visar os interesses das juventudes e de suas diversidades, mas, sim, estão atendendo aos interesses do capital. Nessa conjuntura, agregando as respostas dos estudos primários analisados à questão de pesquisa proposta, evidencia-se, portanto, que o corpus documental contribui na compreensão das condições postas que implicam na implementação do Novo Ensino Médio e no resultado da reestruturação dessa etapa da educação básica. REFERÊNCIAS ALMEIDA, I. B. P.; BATISTA, S. S. S. 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A REFORMA DO ENSINO MÉDIO : uma revisão sistemática da literatura que discute a lei 13.415/2017 | 45 DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEMDO TEMA DE RADIOATIVIDADE NO ENSINO MÉDIO Ana Rosa Passos Pereira Caroline Kretezel Bandeira Alexandre da Silva Ferry 03 | 46 INTRODUÇÃO A discussão do tema Radioatividade no Ensino Médio é feito ao final do primeiro ou do segundo ano. E, normalmente, usa-se como abordagem temática os acidentes em usinas nucleares, como Chernobyl (1986) e Fukushima (2011), ou ainda, o acidente aqui no Brasil com Césio-137 (MEDEIROS; LOBATO, 2010). Essas contextualizações sempre deixam a impressão de que a atividade nuclear é algo ruim, que causa doenças e mortes, nem sempre mostrando o outro lado que pode, também, trazer benefícios para a sociedade. O ensino do tema pode tornar-se mais interessante e elucidativo se pensarmos que existem inúmeras aplicações para a radioatividade. Trata-se de uma questão de abordagem escolhida pelos professores ou autores de livros didáticos. Entretanto, compreende-se ser fundamental que a abordagem seja dialógica, de modo que as duas faces do tema possam ser genuinamente debatidas e incorporadas no discurso desenvolvido em sala de aula. Isso implica na forma ou estratégia de apresentação do tema aos estudantes. Nesse sentido, entende-se que as metodologias ativas podem contribuir com a aprendizagem sobre radioatividade, pois, permite que o aluno desenvolva um pensamento mais crítico e mais independente (TutorMundi, 2021). Assim, o professor passa a ter o papel de facilitador da aprendizagem, direcionando o aluno da melhor maneira para o seu desenvolvimento educacional e social (TutorMundi, 2021). Dito isso, destaca-se que o objetivo desse trabalho se fundamentou no desenvolvimento de um jogo que possa ser usado tanto na mediação quanto na avaliação do ensino e aprendizagem de radioatividade no Ensino Médio. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA METODOLOGIAS ATIVAS O conceito de metodologias ativas começou a partir da ideia de “aprendizado ativo”, entre os anos de 1970 e 1980. Esse conceito foi criado pelo professor inglês Reginald “Reg” William Revans, na década de 1940 (TutorMundi, 2021). As metodologias ativas de aprendizagem são formas diferentes que proporcionam o ensino de maneira que o aluno seja desafiado a ter um papel central no seu próprio processo de aprendizagem (COSTA, 2021). Com isso, o professor passa a ser um facilitador do conhecimento ao invés de ser, apenas, o protagonista no processo de ensino. As metodologias ativas de aprendizagem propõem que os alunos tenham mais independência na forma de aprender, usando situações tanto reais como simuladas que os auxiliem a solucionar desafios de práticas sociais (SANTOS, 2019; COSTA, 2020). Essas metodologias desafiam o aluno a se tornar o protagonista de seu próprio aprendizado, sendo o professor o antagonista, o facilitador e/ou mediador do conhecimento. Como benefícios, as metodologias ativas estimulam o pensamento crítico, trazem maior motivação para o aprendizado, desenvolvem a autonomia e autoconfiança dos alunos, além de uma maior interação entre os alunos, ao terem que trabalhar em grupos para solucionarem problemas (TutorMundi, 2021). Dentre as metodologias ativas, podemos citar a sala de aula invertida, aprendizagem baseada em problemas (PBL), aprendizagem baseada em equipes (TBL) e em jogos e a gamificação. DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 47 A metodologia escolhida neste trabalho para a avaliação do processo de ensino e aprendizagem na abordagem do tópico Radioatividade é a baseada em jogos didáticos. A principal diferença entre jogos e gamificação na educação é que os jogos são considerados algo completo, e a gamificação é uma abordagem que contém elementos de jogos, como sistema de pontuação, desafios, rankings em contexto escolar (COSTA; MARCHIORI, 2016; DUTRA, 2020), que possibilita verificar o progresso do aprendizado. Neste caso, deseja-se que os alunos ganhem autonomia e construam o conhecimento de forma coletiva. Pode-se usar aplicativos, criar jogos presenciais que impulsione uma competição, tornando as aulas mais atrativas (SANTOS, 2019; TutorMundi, 2021). RECURSOS E ESTRATÉGIAS DIDÁTICAS Apoiados no conceito vygotskyano da mediação (VYGOTSKY, 2007), definimos um recurso didático como sendo uma ferramenta cultural, material ou imaterial, concebida (criada, construída, elaborada, planejada) por profissionais da educação (professores, autores de livros didáticos, pesquisadores) exclusivamente com a finalidade de mediar os processos de ensino e aprendizagem. Ou ainda, segundo Souza (2007) que diz que “recurso didático é todo material utilizado como auxílio no ensino-aprendizagem do conteúdo proposto para ser aplicado pelo professor a seus alunos”. As estratégias didáticas, por sua vez, são as formas e procedimentos adotados por professores na utilização desses recursos, combinadas ou não com outras ferramentas (p. ex.: quadro, pincel, computador, projetor) e abordagens (VYGOTSKY, 2007). RADIOATIVIDADE De forma simplificada, a descoberta da radioatividade acontece após a descoberta dos raios-X por Wilhelm Konrad Röntgen, em 1895. Antoine Henri Becquerel, em 1896, começou a testar a hipótese de que as substâncias fosforescentes e as fluorescentes também poderiam emitir raios-X. Marie Curie se interessa pelos estudos de Becquerel e, juntamente com seu marido Pierre Curie, começam a pesquisar de onde eram provenientes as radiações que Becquerel observou no minério de urânio. E, Marie Curie denomina essa radiação de Radioatividade (XAVIER et al, 2007). O tópico Radioatividade é abordado, normalmente, no segundo ano do Ensino Médio, como conteúdo das disciplinas de Química e Física. A maioria dos livros didáticos usam como base para o desenvolvimento do tema, os acidentes em usinas nucleares, como Chernobyl, na Ucrânia em 1986 e Fukushima, no Japão, mais recentemente, em 2011 (MEDEIROS; LOBATO, 2010). Existem inúmeras aplicações das radiações que podem ser trabalhadas como base, como o uso da radioatividade na medicina, em alimentos para inibir o desenvolvimento de microrganismos ou na agregação de valor em pedras preciosas. Alguns autores têm proposto algumas modificações na forma como o tema é abordado, tornando-o menos assustador (MONTEIRO; SILVA, 2020; ARAÚJO; GAZINEU; LEITE; AQUINO, 2018). O uso de metodologias ativas tem sido responsável para essa modificação na maneira de abordagem desse tema (ZOCH; VANZ, 2018). DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 48 AVALIAÇÃO DE APRENDIZAGEM A avaliação da aprendizagem é muito mais que um simples processo de verificar o quanto um aluno aprendeu (quantificar), mas pretende identificar qual a maneira que o aluno usa para o seu aprendizado. Atualmente, vem crescendo a necessidade de se aprimorar as formas de avaliar os alunos, diferentes da forma do ensino tradicional (CHUEIRI, 2008; NETO; AQUINO, 2009). Uma forma de se realizar essa avaliação de maneira dinâmica é através do desenvolvimento de um jogo, no qual o aluno deve demonstrar seus conhecimentos para passar para uma próxima fase. Assim, o professor poderá identificar em qual tópico o aluno apresenta dificuldade, de acordo com a fase em que o aluno não consiga finalizar. METODOLOGIA Neste trabalho, utilizou-se uma abordagem qualitativa, desenvolvendo uma pesquisa aplicada, para a produção de um material didático, por meio do uso de metodologias ativas. Essa metodologia poderá ser empregada não somente com alunos do Ensino Médio, mas também com estudantes dos anos iniciais do Ensino Superior, em que se estuda o tema Radioatividade. A estratégia escolhida foi a metodologia ativa conhecida como Aprendizagem Baseada em Jogos, mais especificamente o jogo conhecido como Escape Room ou Sala de Fuga. Esse jogo é uma estratégia gamificada no qual seus participantes são colocados em uma sala fechada e para sair dela, precisam desvendar charadas ou enigmas de forma a encontrarem a resposta que os libertará. É um jogopara ser trabalhado em equipe, de forma colaborativa, pois envolve variadas habilidades como raciocínio lógico, criatividade, atenção, resolução de problemas, trabalho em equipe e sob pressão (ALCANTARA, 2020). Esse tipo de jogo pode ser usado como estratégia para a avaliação final de uma etapa ou para a fixação da aprendizagem. O ideal é que seja realizado de forma multidisciplinar pois, assim, a problematização e os enigmas podem ficar mais ricos em conhecimento. Entretanto, nada impede que seja usado como um tema único, como é o caso aqui proposto. Optou-se por dividir o assunto/radioatividade em quatro partes, começando com os princípios básicos, como modelo atômico e isótopos; passando para a descoberta da radioatividade, partículas e radiação. Em seguida, será abordado os processos como decaimento e as reações nucleares, como a fissão e a fusão nuclear. Por fim, na última etapa será abordado o lado positivo, como a utilização da radioatividade na medicina e o lado negativo da radioatividade, como os desastres ocorridos ao longo dos tempos. O jogo foi ambientado com base em um dos maiores acidentes radiológicos do mundo com Césio-137, que ocorreu aqui no Brasil, em 1987. Nesse acidente, dois homens encontraram uma fonte de Césio-137 blindada em uma carcaça de um equipamento de radioterapia em um hospital abandonado em Goiânia (VIEIRA, 2013). O material foi vendido em um ferro velho, cujo dono abriu a blindagem e encontrou o material radioativo. Como o material brilhava no escuro, logo chamou atenção e foi compartilhado com outras pessoas, causando uma contaminação em massa. Inspirado nesse acontecimento, o personagem do jogo, estará em um hospital abandonado, e em uma das salas terá um material radioativo que precisará ser descartado corretamente. Para chegar a essa sala, descartar o material e escapar do hospital, o jogador deverá responder corretamente as questões sobre Radioatividade. DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 49 A abordagem inicial do tema deverá ser realizada em aulas expositivas, desenvolvendo os conceitos necessários para a compreensão do tema. Assim sendo, pode-se usar, também, de recursos audiovisuais como filmes, documentários e simulações interativas para que o aluno observe as possíveis aplicações da radioatividade no cotidiano. O recurso utilizado para a construção do jogo de Escape Room proposto foi o Scratch. Ele possui uma versão para download que permite o desenvolvimento offline e também a versão web, cuja interface é mostrada na Figura 01, que permite o seu uso e compartilhamento online. Esse recurso foi desenvolvido pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e possibilita a programação em blocos, sendo utilizado também para o ensino de programação para crianças e adolescentes. Fonte: Elaboração própria (2021). Figura 01: Tela inicial do site do Scratch, utilizado para construção do jogo O ambiente do Scratch possibilita a inserção de planos de fundo, os Backgrounds, e a inserção de personagens, os Sprites. O site disponibiliza alguns exemplos de Sprites e Backgrounds que podem ser utilizados gratuitamente, porém para este trabalho foi empregado um personagem de autoria própria, mostrado na figura 02, que foi desenvolvido no software gratuito GIMP 2.10.12 e salvo como imagem no formato PNG. Esse personagem foi construído com base em imagens de trabalhadores que atuaram no acidente radiológico de Goiânia, no atendimento às vítimas e descontaminação do local. Ao ilustrá-lo com EPI’s buscou- se mostrar que os riscos da exposição à radiação são reduzidos quando são tomados os devidos cuidados. Após a sua construção, realizou-se o upload dele e dos Backgrounds para o Scratch. Estes consistem em imagens de quartos de hospitais abandonados, todos obtidas na internet em formato JPG, em sites de distribuição gratuita de imagens. Foram inseridos cinco Backgrounds, sendo que quatro correspondem às etapas do jogo e o quinto ao cenário final, correspondente a parte externa do hospital, a qual o jogador chegará após responder todas as perguntas. Figura 02: Personagem com EPI’s como ocorrido no acidente radiológico de Goiânia Fonte: Elaboração própria (2021). DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 50 Por fim, inseriu-se os Sprites, os bilhetes ou pistas das perguntas. Definiu-se que cada fase teria três perguntas, totalizando doze bilhetes, que foram confeccionados no Power Point e salvos em formato PNG. A lógica dos blocos de programação utilizados para construção do jogo foi: 1. Clique o ícone de início do jogo=> 2. Jogo inicia => 3. Direcionamento para o Cenário 1 => 4. Personagem apresenta o contexto e as regras => 5. Bilhetes são mostrados na posição camuflada e com tamanho reduzido em 3% do original => 6. Bilhetes aguardam o clique => 7. Bilhete recebeu um clique => 8. Vai para a posição central => 9. Tem o tamanho ajustado para 100% => 10.Bilhete aguarda resposta no teclado => 11.Se resposta incorreta => Mensagem: Tente novamente 12.Se resposta correta => Bilhete desaparece e variável pontuação aumenta o valor em uma unidade Cenário 1 permanece até todos os bilhetes desaparecerem e a pontuação atingir o valor igual a 3 Quando a pontuação chega ao valor 3 => Direcionamento para o cenário 2 => Bilhetes configurados do mesmo modo que no cenário anterior => Cenário 2 permanece até todos os bilhetes desaparecerem e a pontuação atingir o valor igual a 6 Quando a pontuação chega ao valor 6 => Direcionamento para o cenário 3 => Bilhetes configurados do mesmo modo que no cenário anterior => Cenário 3 permanece até todos os bilhetes desaparecerem e a pontuação atingir o valor igual a 9 Quando a pontuação chega ao valor 9 => Direcionamento para o cenário 4 => Bilhetes configurados do mesmo modo que no cenário anterior => Cenário 4 permanece até todos os bilhetes desaparecerem e a pontuação atingir o valor igual a 12 Quando a pontuação chega ao valor 12 => Direcionamento para o cenário 5 (final) => Personagem apresenta a mensagem final do jogo => Fim do Jogo RESULTADOS E DISCUSSÃO O jogo desenvolvido está disponível na própria plataforma do Scratch e pode ser acessado pelo link: https://scratch.mit.edu/projects/634275112/. Na tela inicial são apresentados o contexto e o objetivo ao jogador (Figura 03). DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 51 https://scratch.mit.edu/projects/634275112/ O objetivo do jogo é encontrar pistas com questões sobre radioatividade que, conforme forem respondidas corretamente, liberam o participante. O contexto inclui quatro salas dentro do hospital, cada uma corresponde a uma etapa do jogo que o personagem irá percorrer até encontrar a saída do hospital. Foram inseridas cinco imagens de Background - quatro salas e uma faixada externa de um hospital abandonado. O personagem incluído, chamado de Sprite, estava vestido com equipamentos de proteção individual (EPI’s), utilizados por trabalhadores em caso de um acidente nuclear. Os bilhetes também foram incluídos como “Sprites” para que fosse possível adicionar os comandos que permitem ao jogador ler a pergunta, responder e obter o feedback. Em cada sala foi escondido três bilhetes contendo uma pergunta de múltipla escolha. As figuras 04, 05 e 06 apresentam a estrutura das três primeiras salas. O jogador deverá pressionar no teclado a letra correspondente à alternativa escolhida. Caso a resposta esteja incorreta, aparecerá uma mensagem para que ele tente novamente, e se a resposta estiver correta, o bilhete com a pergunta irá desaparecer da tela. Quando o jogador responde corretamente, ele automaticamente avança para a próxima sala, que corresponde ao próximo tópico, até chegar a saída. Figura 04 - Cenário 1 do jogo Fonte: Elaboração própria, 2021. Figura 03 - Tela inicial do site do Scratch Fonte: Elaboração própria(2021). DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 52 Figura 05: Cenário 2 do jogo Figura 06: Cenário 3 do jogo Fonte: Elaboração própria, 2021. Fonte: Elaboração própria, 2021. A figura 07 apresenta a última sala percorrida pelo personagem, que contém o material radioativo a ser blindado antes da saída, cuja cena é mostrada na figura 08. Fonte: Elaboração própria, 2021. Fonte: Elaboração própria, 2021. Figura 07 - Sala com o material radioativo (verde) Figura 08: Cena final do jogo - área externa em frente ao hospital Os ícones no canto superior esquerdo das imagens são usados para controle do jogo de forma que a bandeira verde é usada para iniciar/reiniciar o jogo e o hexágono vermelho é utilizado para encerrar o jogo. DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 53 CONCLUSÕES Este trabalho apresentou o desenvolvimento de um jogo com aplicabilidade para avaliação do processo de ensino e aprendizagem de estudantes do Ensino Médio acerca do tema da Radioatividade. O jogo desenvolvido pode ser uma ferramenta inovadora no processo de avaliação, de forma a buscar o engajamento e interesse por parte dos estudantes sobre a Radioatividade, além de auxiliar os professores a identificarem os tópicos em que os alunos possuem mais dificuldade. Em trabalhos futuros, o jogo poderá ser testado em diferentes escolas para validação e verificação de melhorias em relação à jogabilidade e atualização de conteúdos abordados. REFERÊNCIAS ALCANTARA, E. F. S. Inovação e renovação acadêmica: guia prático de utilização de metodologias e técnicas ativas. Volta Redonda, RJ: FERP, 179p, 2020. ARAÚJO, L. A.; GAZINEU, M. H. P.; LEITE, L. F. C. C.; AQUINO, K. A. S. A radioatividade no cotidiano: Atividade com educandos do ensino médio. Experiências em ensino de ciências v.13, no.4, p. 160-169, 2018. CHUEIRI, M. S. F. Concepções sobre a Avaliação Escolar. Estudos em Avaliação Educacional, v.19, n. 39, p. 49-64, jan/abr. 2008. COSTA, A. C. S.; MARCHIORI, P. Z. Gamificação, elementos de jogos e estratégia: uma matriz de referência. InCID: R. Ci. Inf. E Doc., Ribeirão Preto, v. 6, n. 2, p. 44-65, set. 2015/fev. 2016. COSTA, M. A. Metodologias ativas de aprendizagem aplicadas ao ensino remoto emergencial. CEFET-MG: Belo Horizonte, 2020. COSTA, M. A. Elaboração de material didático: subsídios pedagógicos aos autores. CEFET-MG: Belo Horizonte, 2021. DUTRA, R. Gamificação na educação: como aumentar o interesse dos alunos. TutorMundi, 2020. Disponível em . Acessado em 04 fev. 2022. MEDEIROS, M. A.; LOBATO, A. C. Contextualizando a abordagem de radiações no ensino de química. Revista Ensaio, v.12, n.03, p.65-84, set-dez 2010. MONTEIRO, M. D. S.; SILVA, S. A. Sequência de ensino e aprendizagem sobre radioatividade pautada na perspectiva Ciência-Tecnologia-Sociedade (CTS). Dialogia, 36, p. 595-609, set./dez. 2020. NETO, A. L. G. C.; AQUINO, J. L. F. A Avaliação da Aprendizagem como um Ato Amoroso: o que o professor pratica? Educação em Revista, v.25, n. 02, p.223-240, ago. 2009. SANTOS, T. S. Metodologias Ativas de Ensino-Aprendizagem. Instituto Federal De Educação, Ciências e Tecnologia de Pernambuco – Campus Olinda/PE, 2019. 31p. SCRATCH. Disponível em: https://scratch.mit.edu/. Acesso em: 08 out. 2021. DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 54 about:blank about:blank SOUZA, S. E. O uso de recursos didáticos no Ensino Escolar. In: I Encontro de Pesquisa em Educação, IV Jornada de Prática de Ensino, XIII Semana de Pedagogia da UEM: Infância e Práticas Educativas. Arq Mudi, 2007. Disponível em: https://www.yumpu.com/pt/document/view/15823482/artigo-mudi-uem. Acessado em 04 fev. 2022. TutorMundi. Metodologias Ativas. E-book, 2021. Disponível em Acessado em 08 set. 2021. VIEIRA, S. A. Césio-137, um drama recontado. Estudos Avançados, v. 27, n.77, p. 217-233, 2013. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. Organizadores Michael Cole et al. Tradução José Cipolla Neto, Luís Silveira Menna Barreto, Solange Castro Afeche. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. XAVIER, A. M. et al. Marcos da história da radioatividade e tendências atuais. Quim. Nova, v. 30, n. 1, p. 83-91, 2007. ZOCH, A. N.; VANZ, L. Abordagem do conteúdo de radioatividade por meio de uma WebQuest. Educitec, Manaus, v. 04, n. 09, p. 250-265, dez. 2018. DESENVOLVIMENTO DE UM JOGO PARA AVALIAÇÃO DA APRENDIZAGEM DO TEMA DE RADIOATIVIDADE ... | 55 https://www.yumpu.com/pt/document/view/15823482/artigo-mudi-uem about:blank OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre a relação entre professor e aluno Beuquis Fernanda dos Santos Marques Raquel Quirino 04 | 56 INTRODUÇÃO A docência nos cursos de nível superior, incluindo as engenharias, tem sido objeto de pesquisa e estudo nos últimos anos. Entretanto, por se tratar de uma relação de troca e aprendizado recíproco, a relação humana e social entre o professor e o aluno torna-se um aspecto tão importante quanto a formação docente e os métodos e técnicas de ensino, que merecem a atenção das pesquisas acadêmicas. Para Bazzo (1998), nas áreas técnicas, o aluno é considerado como um recipiente vazio de conhecimentos técnicos e científicos, enquanto o professor é o detentor de todo o conhecimento; é o centro no processo de aprendizagem; é o elo entre aquele e a ciência. Aulas formais e conteúdos disciplinares seguem uma estrutura hierárquica, nos quais os papéis de seus participantes são muito bem definidos. Para Freire (2021a), essa relação é caracterizada como narradora ou dissertadora. Tal qual um recipiente vazio, a mente dos/as estudantes é enchida com os conteúdos transmitidos pelos professores. De acordo com Zabalza (2004) apud Dantas (2011, p. 212): [..] para muitos professores não é imprescindível conhecer pessoalmente seus alunos. Em outros casos, essa possibilidade nem sequer existe, principalmente quando se trata de grupos muito numerosos. Os alunos transformam-se em “sujeitos invisíveis”. No entanto, Enricone (2004, p. 59) afirma que “a interação entre professor e aluno tem sempre um caráter de reciprocidade, a qual marca o clima vivido em sala de aula”. Ou seja, muito do que é significativo para o aprendizado passa por essa interação. “O que se exige do professor é a vontade e a capacidade de escutar os alunos a formular seu pensamento” (GIL, 2010, p. 58 apud DANTAS, 2011, p. 95). Dessa forma, a pesquisa que origina o presente texto busca compreender em que medida a relação humana e social que ocorre entre o ser ensinante e o aprendente nos cursos de engenharia, pode afetar no processo ensino-aprendizagem. Diante do tempo e condições exíguos para a realização da pesquisa empírica, busca-se essa compreensão a partir da perspectiva de alunos de cursos de engenharia de instituições públicas e privadas. Reafirma-se sua relevância a partir da constatação que, em uma busca sobre o tema das relações humanas na educação, nos dados disponíveis no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), foram encontrados 733 trabalhos produzidos entre os anos de 2000 a 2020, sendo que, ao refinar a busca para o termo relação professor-aluno no ensino superior, foram encontrados apenas três trabalhos com foco mais generalizada na área educacional. Assim, valendo-se do que preconiza Gauthier (1998) apud Enricone (2004, p. 59), “conhecimentos mais concretos sobre essa relação, além de insuficientes, não são universais, diversificando-se em vários aspetos: em contexto, em grau e em natureza”. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 57 Uma breve contextualização histórica dos cursos superioresno Brasil Para contextualizar a temática desta investigação, apresenta-se uma descrição a respeito da implementação dos cursos superiores no Brasil. Assim, a ciência e a tecnologia no Brasil se desenvolveram de forma tardia, se comparadas à países europeus, aos Estados Unidos e até mesmo aos seus países vizinhos da América Latina. Isso se deve ao fato de que a Coroa Portuguesa vetou a divulgação de informações, e as viagens para o Brasil, pois queriam evitar quaisquer possibilidades de desenvolvimento de ideias sobre a independência em terras brasileiras, diferenciando-se dos países que foram colonizados pelos espanhóis, os quais criaram universidades, e até promoveram estudos sobre as grandes civilizações incas e astecas (CARNEIRO, 2005). Os brasileiros que queriam cursar a universidade tinham que deslocar-se para os países europeus, e somente em 1808 é que ocorreu o início das aulas de cursos superiores no Brasil, devido a transferência da corte portuguesa para o Rio de Janeiro, em que surgiu a necessidade da formação de profissionais para atender a nova realidade brasileira. Assim sendo, surgiram as primeiras Escolas Régias Superiores: a de direito, a de medicina e a de engenharia, localizadas respetivamente nas cidades de Olinda em Pernambuco, Salvador na Bahia e Rio de Janeiro (MASETTO, 1998). De acordo com Masetto (1998), o modelo universitário adotado para a elaboração curricular desses cursos foi o padrão francês da universidade napoleônica*, o qual tinha como característica a supervalorização das ciências exatas e tecnológicas, e consequentemente a desvalorização da filosofia, da teologia e das ciências humanas. Os currículos das disciplinas eram totalmente voltados para a profissionalização, e tinham as seguintes características: […] currículos seriados, programas fechados, que constavam unicamente das disciplinas que interessavam imediata e diretamente ao exercício daquela profissão e procuravam formar profissionais competentes em uma determinada área ou especialidade (MASETTO, 1998, p. 10). * [...] o modelo napoleônico de universidade era caracterizado por escolas isoladas de cunho profissionalizante, com dissociação entre ensino e pesquisa e grande centralização estatal (PAULA,, 2008, p. 74). Os profissionais eram formados por meio de um processo de ensino no qual os conhecimentos, e as experiências eram transmitidos de um professor que possuía experiência em sua área de atuação profissional, para um aluno sem conhecimento algum. Neste modelo de ensino o professor era o detentora de todo o conhecimento, o centro do processo de ensino- aprendizagem, enquanto o aluno era considerado como um recipiente vazio de conhecimentos técnicos e científicos (BAZZO, 1998; MASETTO, 1998). Mas quem eram os professores nesse contexto? Segundo Masetto (1998), os professores eram, inicialmente, pessoas formadas pelas universidades europeias, porém, com a expansão dos cursos superiores no país, fez-se necessária a formação de um corpo docente composto por diversas áreas de conhecimento. Desse modo, em solo brasileiro, os cargos de professores universitários passaram a ser ocupados por profissionais renomados, e que eram considerados bem-sucedidos em suas atividades profissionais. Ou seja, exigia-se deste profissional apenas a formação em ensino superior (bacharel) e o exercício competente profissional. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 58 Até a década de 1970, as exigências para se tornar professor universitário eram as mesmas citadas anteriormente. Entretanto, na década de 1980 passou-se a exigir os cursos de especialização, e atualmente exige-se o mestrado e o doutorado. Observa-se que os requisitos continuam os mesmos, no que tange a formação docente, visto que não é condição obrigatória para o exercício da profissão docente nos cursos superiores. Neste contexto, Gil (1997) apud Álvares (2006, p. 37) complementa que: […] a formação do professor universitário, no Brasil, é bastante precária. A maioria dos professores brasileiros lecionam em estabelecimentos de ensino superior, muitas vezes, possuidores de títulos de Mestre e Doutor, não passaram por qualquer processo sistemático de formação pedagógica. Ele aponta a crença de que, por lidar com adultos, o professor universitário não necessita tanto de formação pedagógica, em que o fundamental para o exercício da docência é o domínio adequado da disciplina (conteúdo) que o professor se propõe a lecionar, aliado sempre que possível à prática profissional. Assim, ao voltar o olhar para os cursos de engenharia, a situação é a mesma. No documento Padrões de Qualidade para os Cursos de Graduação em Engenharia, o qual é considerado como referência para o ensino destes cursos, a menção sobre a formação docente possui pouca relevância, visto que é citado a exigência de uma experiência docente, e não uma formação docente: Os professores devem ter qualificações adequadas. Sua competência global poderá ser inferida de fatores como qualificação acadêmica, experiência docente, habilidade para a comunicação, entusiasmo para o desenvolvimento de estratégias educacionais mais efetivas, participação em sociedades educacionais e técnico científicas, exercício efetivo de atividades de engenharia em áreas compatíveis com as do ensino no programa (COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE ENSINO DE ENGENHARIA, 1998, p. 3). Na perspectiva de Álvares (2006, p. 60), por se tratar de um documento específico da área de ensino de engenharia, à docência é relatada com superficialidade, e assim fica o questionamento: como seria possível a conscientização da importância e necessidade da formação pedagógica para o docente de engenharia, visto que o documento que estabelece os padrões de qualidade para os cursos não possui referências a essa formação? Diante dessa questão, evidencia-se que mesmo na contemporaneidade, ainda não é exigida uma formação docente para ser professor universitário; as competências pedagógicas exigidas são aquelas adquiridas por meio da experiência, e não da formação. Não obstante, entende-se que a ideia que se perpetua é que quem possui conhecimentos sobre um determinado conteúdo ou disciplina, automaticamente sabe ensinar. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 59 As tendências pedagógicas e a relação professor/a e aluno/a Para Mizukami (1992) apud Suhr e Silva (2012, p. 27-28) as concepções pedagógicas estão intrínsecas ao contexto histórico e, ao abordá-las, é fundamental a compreensão de que a constituição de escola perpassa diferentes conceitos de homem, mundo, sociedade, cultura e conhecimento, as quais não podem ser tratadas como um recorte da realidade. Ou seja, é de suma importância a contextualização na discussão desse tema. Mas então, o que são as concepções pedagógicas? Segundo Saviani, A expressão concepções pedagógica é correlata de ideias pedagógicas. A palavra pedagogia e, mais particularmente, o adjetivo pedagógico têm marcadamente ressonância metodológica denotando o modo de operar, de realizar o ato educativo. Assim, as ideias pedagógicas são as ideias educacionais entendidas, porém, não em si mesmas, mas na forma como se encarnam no movimento real da educação orientando e, mais do que isso, constituindo a própria substância da prática educativa (SAVIANI, 2005, p. 22). A esta definição pode-se acrescentar algumas perspectivas do educador Libâneo (1983, p. 3): É necessário esclarecer que as tendências não aparecem em sua forma pura, nem sempre, são mutuamente exclusivas, nem conseguem captar toda a riqueza da prática escolar. São, aliás, as limitações de qualquer tentativa de classificação. De qualquer modo, a classificação e descrição das tendências poderão funcionar como instrumento de análise para o professor avaliar sua prática de sala de aula. De acordo com Saviani (2005) e Libâneo (1983), as tendências ou concepções pedagógicasselecionados para atuar como docentes em disciplinas de formação técnica, profissionais oriundos do mercado do trabalho, com expertise nas áreas correlatas a formação pretendida. Tal realidade se ampara na justificativa da inexistência de profissionais formados nas licenciaturas que possam lecionar tais disciplinas. No entanto, Costa (2020, p. 18) destaca a importância de que a atuação docente na EPT possibilite “ uma formação profissional crítica e autônoma do trabalhador, o que depende do domínio docente sobre bases conceituais que possibilitem tal formação, como por exemplo a compreensão do trabalho como princípio educativo”. Desta forma é indispensável a formação complementar dos docentes que vem atuando na EPT ao longo dos anos, possibilitando para além dos conhecimentos técnicos a formação integral do sujeito. O CEFET-MG desde 1980 oferta cursos de formação de professores. Ainda nesta década transformou-se em uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES) e passou a ofertar cursos de formação pedagógica. A partir de 1999 passou a ofertar uma nova proposta de formação de professores por meio do Programa Especial de Formação Docente (PEFD). Em 2004 o programa foi avaliado pelo Ministério da Educação (MEC) com conceito A e, em 2005 obteve o reconhecimento. Destaca-se que em 2017 o PEFD obteve nota máxima (5), no processo de avaliação do MEC. Esse percurso histórico demonstra a experiência de mais de 35 anos do Departamento de Educação (DEDU) do CEFET-MG, departamento ao qual está vinculado a maior parte do corpo docente do PEFD, a credibilidade e a especialidade na formação de professores (CEFET-MG, 2019, p. 7 - 9). Partindo desse histórico, o DEDU propôs em 2020 a Especialização Latu Sensu em Docência para a Educação Profissional Tecnológica, primeiro curso superior dessa instituição na modalidade educação à distância (EaD). Grifa-se que até então o CEFET-MG não era credenciado para a oferta de educação a distância no ensino superior. O curso objetivou formar profissionais bacharéis e tecnólogos, para exercer a profissão docente, por meio da pós- graduação lato sensu em educação, conforme previsto na Resolução CNE/CP nº 01/2021, de 5 de janeiro de 2021 (BRASIL, 2021). A primeira turma da Especialização ocorreu de março a dezembro de 2021, com a participação de 55 discentes ingressantes e 52 discentes concluintes. Considerando ser essa a primeira experiência de formação de professores na modalidade EaD ofertada pelo DEDU, o desenvolvimento do curso exigiu práticas e experiências diferenciadas das até então materializadas no ensino presencial. Nesse sentido, ao final da oferta da primeira turma, essa pesquisa busca responder as seguintes questões: 1. A especialização atingiu o público alvo que pretendia? 2. Como os discentes egressos compreendem a estrutura de formação da especialização Lato Sensu em docência para educação profissional e Tecnológica do CEFET-MG? 3. Os objetivos específicos do PPC foram compreendidos pelos discentes ao final da especialização? 4. Qual o nível de satisfação dos discentes na forma como foi ministrada a especialização em seu primeiro ano? 5. Quais melhorias foram sentidas pelos discentes em sua formação? 6. Quais melhorias foram sugeridas pelos discentes a serem inseridas na continuidade de oferta do curso? METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 09 Entende-se que as respostas a esses questionamentos poderão subsidiar a continuidade de oferta da Especialização com a qualidade até então realizada na modalidade presencial, transposta para a modalidade EaD. Conhecer a proposta de curso prevista no PPC e compreender as percepções dos discentes permitirá adequações metodológicas que alinhem as duas visões e, portanto, contribuam para uma implementação alinhada ao pretendido no PPC e, ao mesmo tempo, a adequação do mesmo às necessidades demandadas pelo público-alvo. Nesse cenário, esse artigo é o relato de um estudo realizado no âmbito da Especialização Lato Sensu em Docência para Educação Profissional e Tecnológica do CEFET-MG, que objetivou investigar as percepções dos discentes egressos sobre a organização pedagógica implementada no primeiro ano da referida especialização. Por conseguinte, essas percepções serão analisadas as percepções em relação ao que se propôs o Projeto Pedagógico do Curso. Portanto, considera-se que essa pesquisa poderá contribuir com a identificação de possíveis entraves, possibilitando melhorias na continuidade de oferta dele. Ser professor na Educação Profissional e Tecnológica Retomamos neste ponto, a afirmação de Costa (2020, p.18) de que a atuação docente na EPT deve possibilitar uma formação crítica e autônoma. Citando Apple (1995) a autora discute que as bases conceituais do conhecimento direcionam a manutenção das composições econômicas, políticas e culturais vigentes. Assim sendo, é primordial que a formação do trabalhador possibilite o debate acerca dessas bases, possibilitando uma tomada de consciência da posição que ele se encontra na sociedade capitalista. Há que se reconhecer que para além da transmissão de conhecimentos, função fundamental da escola, “o currículo escolar pode ser instrumento de manutenção do poder como está posto na sociedade, a partir da seleção do que e como será ensinado na escola” (COSTA, 2020, p. 19). Segundo Sacristán (2000, p. 15), “o currículo terá funções distintas a depender do nível de ensino uma vez que em cada um desses há uma função social que se relaciona com uma determinada realidade social e pedagógica construída ao longo do tempo”. Essa distinção do currículo define a organização dos conteúdos, formas e esquemas de organização interna em cada espaço escolar. É importante reconhecer que o currículo manifesta o conflito de interesses em uma determinada sociedade sendo destacado os valores dominantes. A partir disso é possível compreender a diferença existente na forma como os conhecimentos são organizados em diferentes escolas do mesmo nível de ensino que, são frequentadas por alunos de origens sociais distintas e, portanto, com fins sociais igualmente distintos. A partir de Sacristán (2000), questiona-se: qual é o projeto societário basilar da educação profissional? A formação técnica para o mercado de trabalho ou a formação integral que possibilita, além da técnica, a continuidade de estudos no ensino superior? METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 10 A partir disso nos parece evidente que, especialmente na EPT, momento em que se forma o trabalhador para inserção ou ascensão ao mundo produtivo, a atuação docente não pode se desenvolver sem a devida problematização dos contextos socioeconômicos diversos, bem como debater as relações de trabalho existentes no modo neoliberal de gestão do capital. Rubega (2016, p.15), diz que a ação pedagógica do professor na EPT deve estar “alinhada às exigências do setor produtivo, que na atualidade se caracteriza pela forte influência das tecnologias da informação e do conhecimento, e concomitante a isso, possibilitar a formação de um sujeito crítico, que seja capaz de colaborar para uma sociedade sustentável”. Desse ponto de vista, considera-se que a educação tem um papel preponderante na formação de uma sociedade sustentável, tornando indispensável a discussão do tema com os sujeitos da escola. Por outro lado, a formação exclusivamente direcionada a atender às demandas do mundo do trabalho impede que o trabalhador realize todas as suas potencialidades humanas, formando um profissional que não compreende todo o processo produtivo e, portanto, não se preocupa com as consequências do seu trabalho para a sociedade como um todo. Nesse aspecto, discorda-se com o autor no que tange ao alinhamento ao setor produtivo. Uma das formas de organização curricular na EPT tem a perspectiva integrada, que considera a interdisciplinaridade e transversalidade, e a adoção de projetosestão relacionadas ao ato pedagógico e em como se dá o processo e realização do ato educativo. Além disso, pode-se constatar que em uma instituição de ensino, ou num ato de ensinar, tem-se características de mais de uma tendência pedagógica. Dando prosseguimento a esta investigação, as tendências pedagógicas são agrupadas em duas correntes: a Pedagogia Liberal e a Pedagogia Progressista. Libâneo (1983, p. 3) aponta que “o termo Liberal não possui o sentido de avançado, democrático, aberto, e surgiu devido ao sistema capitalista para defender a predominância da liberdade e dos interesses individuais na sociedade”. Assim, estabeleceu-se uma forma de organização da sociedade que se baseia na propriedade privada dos meios de produção, denominada sociedade de classes. Fonte: https://www.megatimes.com.br/2015/04/classes- sociais.html A Pedagogia Liberal é uma manifestação que possui características dessa sociedade, em que o indivíduo é preparado, por meio da escola para desempenhar papéis sociais, de acordo com suas competências individuais, ou seja, os indivíduos aprendem a adaptar-se aos valores e normas vigentes na sociedade, por meio do desenvolvimento da cultura individual. Embora algumas tendências liberais preguem a ideia de igualdade de oportunidades, a desigualdade de condições não é considerada (LIBÂNEO, 1983). OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 60 A Pedagogia Progressista, ao contrário da Liberal, surge a partir de uma análise crítica à sociedade de classes, e suas tendências sustentam implicitamente as finalidades sociopolíticas da educação, e devido a isso, não tem como estabelecer-se em uma sociedade capitalista (LIBÂNEO, 1983). Segundo Libâneo (1983) as tendências Pedagógicas Liberal e Progressistas podem ser divididas conforme apresentado na figura 1. Fonte: Elaborada pela autora, 2021. Dessa forma, no Quadro 01 e Quadro 02 são descritas as principais características de cada tendência pedagógica: o papel da escola, os conteúdos de ensino, os métodos de ensino, o relacionamento entre professor e aluno e os pressupostos de aprendizagem. TRADICIONAL RENOVADA PROGRESSITA RENOVADA NÃO DIRETIVA (ESCOLA NOVA) TECNICISTA Papel da Escol a Preparação intelectual e moral dos alunos. O compromisso da escola é com a cultura, não possui foco nos problemas sociais. Os menos capazes devem procurar o ensino mais profissionalizante. Adequar as necessidades individuais ao meio social. Deve retratar a vida em sociedade; educar o aluno em um processo ativo de construção e reconstrução do objeto. Proporcionar um ambiente que favoreça o autodesenvolvimento e realização pessoal. A escola se preocupa mais com os problemas psicológicos do que com os pedagógicos e sociais. Modeladora do comportamento humano, por meio de técnicas específicas. Atua como no aperfeiçoamento da ordem social vigente, articulando- se diretamente com o sistema produtivo. Produz indivíduos competentes para o mercado de trabalho. Cont eúdo s de Ensi no Conhecimentos e valores sociais repassados pelas gerações. As matérias são determinadas pela sociedade e ordenadas pela legislação. Conteúdos fragmentados. São estabelecidos em função das experiências e vivências do sujeito. Dá-se mais importância aos processos mentais e habilidades cognitivas do que a conteúdos organizados racionalmente. A transmissão de conteúdos possui papel secundário, pois esta tendência tem o foco nos processos de desenvolvimento das relações e comunicação. Informações, princípios científicos, leis; material instrucional sistematizado em manuais, livros didáticos, módulos de ensino, e dispositivos audiovisuais. Méto dos de Ensi no Exposição verbal e análise feitas pelo professor. Ênfase na repetição de conceitos e fórmulas para disciplinar a mente. Ideia de aprender na prática; tentativas experimentais, pesquisa, descoberta, estudo do meio natural e social; método de solução de problemas. Os métodos usuais são dispensados; o professor possui seu próprio estilo. O objetivo é melhorar o relacionamento interpessoal, como condição para o crescimento pessoal. Procedimentos e técnicas para transmissão/recepção de informações; tecnologia educacional* * A tecnologia educacional é a "aplicação sistemática de princípios científicos comportamentais e tecnológicos, a problemas educacionais, em função de resultados efetivos, utilizando uma metodologia e abordagem sistêmica abrangente”. Qualquer sistema instrucional (há uma grande variedade deles) possui três componentes básicos: objetivos instrucionais operacionalizados em comportamentos observáveis e mensuráveis, procedimentos instrucionais e avaliação (LIBANEO, 1983, p. 8). Quadro 01 – Pedagogia Liberal e suas Tendências Pedagógicas OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 61 Relacio nament o Profess or/Alun o Visão pedagógica centrada no professor; autoridade do professor; passividade dos alunos; disciplina imposta com rigidez. O papel do professor é de auxiliar o desenvolvimento do aluno. A disciplina é obtida por meio da tomada de consciência dos limites da vida grupal. Educação centrada na aprendizagem do aluno. O professor é o facilitador no processo de ensino e aprendizagem. Relações estruturadas e objetivas. O professor é o elo entre a verdade científica e o aluno. O aluno é responsivo e sua subjetividade não é considerada. Debates, discussões, questionamentos são desnecessários. Pressu postos de Aprend izagem Aprendizagem receptiva e mecânica; as características do aluno não são levadas em consideração. A motivação depende dos estímulos externos, das disposições internas e interesses dos alunos. O aprender se torna uma atividade de descoberta. A motivação é um ato interno. A retenção de conteúdo se dá pela relevância do aprendido em relação ao "eu", o que não envolve o "eu" não é retido e nem transferido. O ensino é um processo de condicionamento por meio do uso de reforçamento das respostas que se quer obter. Visam o controle do comportamento individual frente aos objetivos preestabelecidos. Fonte: adaptado de Libâneo (1983). PROGRESSITA LIBERTADORA PROGRESSITA LIBERTÁRIA CRÍTICO-SOCIAL DOS CONTEÚDOS Papel da Escol a Promover uma educação crítica que questiona a realidade das relações humanas com a natureza e as relações entre os humanos. Transformar a personalidade dos alunos num sentido libertário e autogestionário; desenvolvimento individual por meio do coletivo. Consiste na preparação do aluno para uma participação organizada e ativa na democratização da sociedade. Conte údos de Ensin o São extraídos da problematização da prática de vida dos educandos. Os conhecimentos tradicionais são recusados, pois importante é o despertar de uma nova forma de se relacionar com a experiência vivida. As matérias são colocadas à disposição dos alunos, mas não são exigidas. A importância do conhecimento que resulta das experiências vividas pelo grupo. Conteúdos culturais universais que se constituíram em domínios de conhecimento relativamente autônomos, incorporados pela humanidade; não são fechados à realidade social. Métod os de Ensin o A forma de trabalho educativo é o grupo de discussão. O professor adapta-se às características dos alunos e ao desenvolvimento próprio de cada grupo. É na vivência grupal, na forma de autogestão, que os alunos buscarão encontrar as bases satisfatórias de sua própria instituição. Utilizando de sua própria iniciativa e sem qualquer forma de poder; o processo de autonomia do aluno é levado em consideração. Os métodos de ensino partem de umarelação direta com a experiência do aluno, confrontada com o saber. Relaciona a vivência dos alunos com os conteúdos propostos pelo professor. Relaci onam ento Profes sor/Al uno A relação é feita de forma horizontal entre professores e alunos. Os alunos se posicionam como sujeitos do ato de conhecimento; elimina-se toda relação de autoridade. O professor é um orientador e um catalisador. Os alunos possuem papel ativo em seu processo de aprendizagem, ele deixa de ser um objeto receptor de conteúdo. A relação entre professor e aluno é colaborativa, em que o professor é o mediador, e o aluno participa ativamente do seu processo de aprendizagem. Press upost os de Apren dizage m A motivação se dá a partir da codificação de uma situação-problema e da análise crítica dessa situação. A motivação está no interesse em crescer dentro da vivência grupal. Supõe-se que o grupo desenvolva a cada um de seus membros a satisfação de suas aspirações e necessidades. A motivação se dá a partir do momento em que o aluno se reconhece nos conteúdos e modelos sociais apresentados pelo professor, podendo assim ampliar a sua própria experiência. Quadro 02 – Pedagogia Progressista e suas Tendências Pedagógicas Fonte: adaptado de Libâneo (1983). OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 62 Diante dos conceitos e concepções apresentadas, e para uma melhor contextualização das tendências pedagógicas presentes nas escolas de engenharia, foi realizada uma breve descrição de uma sala de aula que possui as seguintes características: o professor é o detentor de todo o conhecimento, é o centro do processo de ensino-aprendizagem, e o responsável por conduzir as aulas, que são em sua maioria, expositivas. O conteúdo a ser ensinado é tratado de forma isolada, sem levar em consideração os interesses dos alunos. A exposição das aulas é feita oralmente, e o principal método de ensino é a aplicação e utilização de exercícios, conceitos e fórmulas de forma repetitiva para a fixação e memorização do conteúdo. As aulas expositivas são bem-organizadas e silenciosas para garantir uma melhor fluidez da reprodução dos conhecimentos. Quanto aos alunos, estes possuem uma atitude passiva e receptiva, devido a imposição e exigência rígida de disciplina, e quase não se arriscam em interromper as aulas para sanar as dúvidas com receio de sua atitude ser julgada como falta de atenção (BAZZO, 1998). Ao observar esse comportamento, tanto do aluno quanto do professor, percebe-se que as escolas de engenharia têm como intenção o modelamento do comportamento do aluno. A finalidade é que ele/a possa se tornar um profissional que atenda as demandas do mundo do trabalho, com características muito bem definidas, e que se adeque ao sistema. Após a exposição de todas essas características, tanto das tendências pedagógicas relacionadas nos quadros 01 e 02, bem como de uma sala de aula comum nos cursos de engenharia retratada por Bazzo (1998), observa-se que há uma predominância das tendências pedagógicas tradicional e tecnicista nestes cursos, as quais pertencem a corrente Pedagógica Liberal. Reafirma-se que nessas tendências pedagógicas o aluno não é o centro do processo de aprendizagem, ele é o receptor do conhecimento, é um sujeito responsivo, que pode ser moldado para ter um papel bem definido na sociedade. Os professores não são facilitadores no processo de aprendizagem, eles/elas apenas transmitem os conteúdos para os alunos. Isto é, depositam os conteúdos, o que nos remete ao conceito de educação bancária de Freire (2021b): Eis aí a concepção “bancária” da educação, em que a única margem de ação que oferece aos educandos é a de receberem os depósitos, guardá- los e arquivá-los […] Educador e educandos se arquivam na medida em que, nesta distorcida visão da educação, não há criatividade, não há transformação, não há saber. Só existe saber na invenção, na reinvenção, na busca inquieta, impaciente, permanente, que os homens fazem no mundo, com o mundo e com os outros (FREIRE, 2021b, p. 81- 82). Portanto, não há uma troca de conhecimentos de forma dialógica, a subjetividade do/da aluno/a não é considerada e a relação entre professor e aluno. Nessa forma de ensinar, engessa-se a interatividade, a criatividade, e limita-se a troca de conhecimentos entre as partes, e devido a isso, não há transformação socioeducacional. Partindo dos conceitos, concepções e considerações feitas até aqui, é tratada adiante a relação entre professor e aluno nos cursos superiores, bem como nos cursos de engenharia. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 63 A relação professor e aluno: um olhar sobre os cursos de engenharia Muitos processos de ensino nos cursos de uma universidade se limitam a reproduções de conteúdos para um determinado número de pessoas, sendo esses os alunos que escutam e acompanham o professor expor verbalmente os conteúdos. Nesse contexto, de aulas expositivas, seguindo o modelo tradicional de ensino, tanto o professor quanto o aluno possuem seus papéis bem definidos: o professor é a autoridade inquestionável, a fonte do saber, e os alunos são seres passivos, obedientes e responsivos (PIMENTA E ANASTASIOU, 2019; SUHR E SILVA, 2012). Freire (2021b) caracteriza essa relação como narradora ou dissertadora: Quanto mais analisamos as relações educador-educandos, na escola, em qualquer de seus níveis (ou fora dela), parece que mais nos podemos convencer de que estas relações apresentam um caráter especial e marcante - o de serem relações fundamentalmente narradoras, dissertadoras. Narração de conteúdos que, por isto mesmo, tendem a petrificar-se ou a fazer-se algo quase morto, sejam valores ou dimensões concretas da realidade. Narração ou dissertação que implica um sujeito – o narrador – e objetos pacientes, ouvintes – os educandos (FREIRE, 2021b, p. 79). Nessa relação, feita por meio da narração de conteúdos, o aluno é considerado como um recipiente vazio, uma vasilha que é enchida de conteúdos transmitidos pelos professores. Desse modo, quanto mais conteúdos os professores conseguirem transmitir, mais irão encher a vasilha, e serão considerados os melhores pela sociedade do senso comum. Por outro lado, quanto mais os alunos se deixarem encher de conteúdos de forma passiva, sem questionamentos, melhores alunos serão. É possível observar características e reflexos do modelo tradicional de ensino na atualidade, em que os alunos do ensino superior ainda esperam que os professores tenham uma postura autoritária, que as aulas sejam silenciosas. Que haja exigência da obediência e da disciplina dos alunos por parte desses professores. Em pleno século 21, ainda existe professor que acredita na centralidade da exposição oral das aulas, considerando-a elemento fundamental na relação professor-aluno-conhecimento. Nessa perspectiva, eles acabam não permitindo interrupções e tampouco manifestações dos alunos em relação às dúvidas. No máximo, concedem aos alunos o direito de se manifestarem com perguntas certas, na hora certa (FREIRE, 2021b; SUHR E SILVA, 2012; BAZZO, 1998). Neste modelo de ensino, quando um aluno questiona uma informação, o ato é erroneamente considerado uma afronta a sabedoria inquestionável do professor da disciplina. Isso se deve ao fato de que se espera do aluno a passividade, o não questionamento do conteúdo, e nem mesmo se espera que ele desenvolva novas formas de pensar ou resolver um problema. Nessa forma de ensinar, é o professor quem administra as condições de transmissão da matéria, conforme um sistema institucional eficiente e efetivo. Portanto, ao aluno cabe receber, aprender e fixar as informações. “A relação professor e aluno com o saber é estabelecida como se este fosse algo pronto e acabado, um utilitário que precisa ser transmitido e aprendido” (SUHR; SILVA, 2012, p. 34). OSDESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 65 Essa interação entre professor-aluno-conhecimento não favorece uma relação afetiva positiva entre o aluno e o conhecimento. O aluno passa a memorizar palavras e fórmulas sem compreendê-las, ele estuda o conteúdo apenas para obter boas notas nas provas e avaliações, o conhecimento adquirido não proporciona assim, uma transformação na vida deste aluno, bem como na sua atuação na sociedade (SUHR; SILVA, 2012). Contextualizando as ideias e concepções apresentadas com uma sala de aula em um curso de engenharia, a qual foi descrita no tópico anterior por Bazzo (1998), percebe-se que as aulas, bem como a relação professor e aluno nas engenharias possui muito dessas características. Pode-se destacar mais algumas, visto que os cursos têm como um de seus principais objetivos formar os futuros profissionais engenheiros, e por conseguinte, as aulas são voltadas a preparar os alunos para os postos de trabalho. Isto é, o ensino nos cursos de engenharia visa a eficiência e a eficácia, a qualidade, a racionalidade e a produtividade, características bem semelhantes ao funcionamento de uma fábrica. Sendo assim, o processo mental do aluno não é levado em consideração, ou seja, o seu processo de descoberta e construção individual do saber não é a prioridade, e “a educação passa a ser compreendida como um processo de condicionamento/reforço da resposta que se quer obter [...] através da operacionalização dos objetos e mecanização do processo” (GAZIM et al., 2005, p. 42 apud SUHR; SILVA, 2012, p. 33). Nesse modelo de ensino, que possui características da tendência tecnicista, o professor e o aluno possuem papéis bem definidos, conforme descrição do educador Libâneo (1983): São relações estruturadas e objetivas, com papéis bem definidos: o professor administra as condições de transmissão da matéria, conforme um sistema instrucional eficiente e efetivo em termos de resultados da aprendizagem; o aluno recebe, aprende e fixa as informações. O professor é apenas um elo entre a verdade científica e o aluno, cabendo-lhe empregar o sistema instrucional previsto. O aluno é um indivíduo responsivo, não participa da elaboração do programa educacional (LIBÂNEO, 1983, p. 8-9). Percebe-se que o aluno não possui um papel ativo em seu processo de aprendizagem, e a sua interação com o professor é apenas com o intuito de esclarecimento dos conteúdos, e mesmo assim, de forma restritiva. Ainda de acordo com Libâneo (1983), na tendência pedagógica tecnicista, os debates, as discussões, os questionamentos são considerados como desnecessários, e as relações afetivas e pessoais não possuem um papel importante no processo de ensino- aprendizagem (LIBÂNEO, 1983, p. 9). Além disso, neste modelo de ensino tradicional e tecnicista, o não entendimento do conteúdo que está sendo transmitido, pode ser interpretado como falta de atenção por parte do aluno. Ou ainda, pode ser considerado uma deficiência da lógica da transmissão do conhecimento, mas nunca esse não entendimento estará relacionado com a própria constituição do conhecimento. Quando o aluno toma coragem para esclarecer uma dúvida, o professor explica o conteúdo não assimilado mais uma vez, e mesmo que o aluno não compreenda novamente, este não solicita mais uma explicação, haja vista a carga de compromissos comportamentais que o sistema impõe, e que ele próprio valida. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 65 Os reflexos e consequências desse comportamento somente serão percebidos nas ferramentas avaliativas, as quais são em sua grande maioria provas escritas, e as respostas devem ser o mais precisas e semelhantes aos conteúdos transmitidos pelo professor. É fato que por se tratar de um curso da área de exatas, a maioria dos conteúdos e disciplinas são pautadas em princípios científicos e matemáticos, e devido a isso as respostas para as questões avaliativas são bem exatas. Porém, a problematização está na aceitação daquilo que está posto, em não poder indagar e dialogar sobre os conteúdos e principalmente, na não possibilidade e, não valorização da construção individual do conhecimento de cada aluno. Isso faz com que o processo de ensino-aprendizagem se torne pouco prazeroso (BAZZO, 1998). Atrelado a todas essas características tem-se o fator de que não há exigência de uma formação pedagógica para os professores dos cursos de engenharia, basta serem engenheiros e ter uma especialização em uma área técnica para ministrar uma aula. E devido a isso, os professores não possuem conhecimento e saberes específicos relacionados à docência, para melhor conduzir uma aula, e consequentemente, entende-se que isso interfere na relação que se estabelece entre professor e aluno e que, possivelmente impacta no processo de ensino-aprendizagem. A influência da interação professor e aluno no processo ensino-aprendizagem em cursos de engenharia Para Libâneo (1983), em uma aula universitária tradicional, a maioria dos professores não possuem uma formação pedagógica. Pressupõe-se que este seja um dos motivos que conduz o professor a desconsiderar o mundo do aluno, a vivência e experiência do aluno, e as diferenças entre os alunos. Por não terem cursado disciplinas pedagógicas, eles não possuem conhecimentos suficientes para saber que o aluno precisa fazer parte da construção do próprio conhecimento, não passivamente, mas de forma ativa e consciente. O aluno precisa ser o protagonista de seu processo de aprendizagem. Os professores possuem um papel importante nesse processo como mediadores e facilitadores da aprendizagem, mas conforme as características descritas no decorrer deste artigo, o que se pode constatar é que existe uma tendencia da relação entre professor e aluno ser pautada pelas práticas tradicionais, conservadoras e engessadas. Diante das questões levantadas até aqui, fica o questionamento: a interação entre professor e aluno pode influenciar no processo de ensino-aprendizagem nos cursos de engenharia? Gil (2010) apud Dantas (2011), considera a relação entre professor e aluno complexa, visto que envolve a relação de caráter mais pessoal e que possui características como a cordialidade, respeito, autoconfiança, reconhecimento, assim como a busca por alternativas que visam facilitar a comunicação e o aprendizado. A forma como essa relação é efetivada influência no aprendizado dos conteúdos pelos alunos, tanto quanto na satisfação profissional do docente. Para esse autor, a sala de aula é vista como um lugar de relacionamentos e possibilidades didáticas. Para Surh e Silva (2012) se a relação entre professor e aluno acontece de forma respeitosa, na qual as duas partes se sintam aceitas, valorizadas, acolhidas e, ao mesmo tempo, instigadas e desafiadas, o sucesso no processo de aprendizagem é ampliado. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 66 A respeito do comportamento dos professores e alunos em sala de aula, Cunha (1997) apud Libâneo (2003) afirma que os professores universitários brasileiros possuem uma tendência em repetir o comportamento positivo de seus ex-professores. Há, portanto, uma possibilidade remota de que o processo de conhecimento desses atuais professores, e antigos alunos, tenha sido feito em um ambiente que proporcionasse o debate e o diálogo em classe, que houvesse tido uma oportunidade de construir o conhecimento de forma coletiva. Enquanto os alunos têm um comportamento condicionado a possuir uma expectativa em relação ao professor de que ele detém o conhecimento e de que eles precisam apenas ouvi-lo a dar a aula. Esse comportamento ocorre devido a não vivência em outro tipo de metodologia de ensino, tanto pelos professores quanto pelos alunos (DANTAS, 2011; SURH; SILVA, 2012; LIBÂNEO, 2003). Entretanto, de acordo com Libâneo (2003), os professores exercem uma influênciadireta sobre a formação e o comportamento dos alunos, por meio da sua conduta e relacionamento, tanto com alunos quanto com os demais colegas de profissão, da sua atitude em sala de aula e em relação a instituição de ensino, seus valores e sua metodologia de ensino. Para Tardif (2020), a interação entre o professor e seu objeto de trabalho, que é o aluno, é constituída de relações sociais: Dado que os professores trabalham com seres humanos, a sua relação com o seu objeto de trabalho é fundamentalmente constituída de relações sociais. Em grande parte, o trabalho pedagógico dos professores consiste precisamente em gerir relações sociais com seus alunos […] o professor tem de trabalhar com grupos, tem de se dedicar aos indivíduos; deve dar a sua matéria, mas de acordo com os alunos, que vão assimilá-la de maneira muito diferente; deve agradar aos alunos, mas sem que isso se transforme em favoritismo; deve motivá- los, sem paparicá-los; deve avaliá-los, sem excluí-los. Ensinar é, portanto, fazer escolhas constantemente em plena interação com os alunos (TARDIF, 2020, p. 132). Assim, de acordo com Tardif (2020), as interações com os alunos e o gerenciamento desta relação, seja ela individual ou em grupo, é um trabalho pedagógico exercido pelo professor, que tem de usar de seus conhecimentos, e saberes para conduzir os alunos em seu processo de aprendizagem, motivando-os, sem paparicá-los. Neste sentido, Masetto (2003) afirma que a interação entre professor e aluno é fundamental no processo de aprendizagem, a qual se manifesta na atitude de mediação pedagógica* do professor. Vasconcellos (1996) apud Pimenta e Anastasiou (2019) considera a interação professor, aluno e conhecimento, como a essência da relação pedagógica, e é esta relação que: * Por mediação pedagógica se entende a atitude, o comportamento do/da professor/a que se coloca como facilitador e incentivador ou motivador da aprendizagem, que se apresenta com a disposição de ser uma ponte entre o aprendiz e sua aprendizagem (MASETTO, 2003, p. 57). [...] permite o alcance da lógica própria das diversas áreas, numa construção inovadora, mobilizando o envolvimento e o comprometimento de alunos e professores no processo de compreensão da realidade e do seu campo profissional nela (VASCONCELLOS, 1996 apud PIMENTA; ANASTASIOU, 2019, p. 217). Após a explanação das ideias desses autores e a contextualização com a sala de aula em um curso de engenharia, conforme descrita anteriormente, e que possui como características o tradicionalismo e conservadorismo, percebe-se que o processo de ensino-aprendizagem muitas vezes não é satisfatório, e muito menos prazeroso. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 67 Primeiro, porque a relação entre professor e aluno é engessada, devido a imposição de uma sala de aula silenciosa e disciplinada para garantir a transmissão dos conhecimentos, e não há diálogo entre as partes com intuito de uma construção do conhecimento em conjunto. Segundo, porque o aluno não está no centro desse processo, na maioria das vezes ele não participa da construção de seu próprio conhecimento, a sua subjetividade e as suas vivências não são levadas em consideração, e não há muito diálogo durante a apresentação dos conteúdos em sala de aula, conteúdo que é afirmado como verdade e inquestionável: é assim e pronto. E por último, o professor é um comunicador de conhecimentos técnicos, ele apenas transmite o conteúdo da disciplina, muitas vezes por ele ser apenas um especialista técnico e por não possuir conhecimentos docentes e pedagógicos. Para que essa interação entre professor e aluno nos cursos de engenharia seja modificada, faz-se necessário repensar a forma tradicional de ensino. A sala de aula universitária da atualidade não pode ser mais um espaço físico no qual o professor apenas transmite conhecimentos aos seus alunos. A sala de aula tem de ser um espaço onde os sujeitos da aprendizagem, aluno e professor, se encontrem para realizarem interações em busca de uma construção de conhecimento em conjunto. METODOLOGIA A pesquisa apresentada possui uma abordagem qualitativa, exploratória e descritiva, por meio de um relato de experiência. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, compostas por 18 questões que abordaram a temática desta investigação: a relação e interação entre professores e alunos nos cursos de engenharia. As entrevistas foram feitas com quatro alunos egresso dos cursos de engenharia, entre os meses de dezembro de 2021 e janeiro de 2022. Por meio das plataformas Google Meet e Google Forms. Optou-se por entrevistar egressos do gênero feminino e masculino, que cursaram a engenharia em instituições públicas e privadas. Vale ressaltar que a escolha dos perfis dos entrevistados se fundamentou no intuito de investigar as visões de mundo, bem como as experiências distintas vivenciadas no decorrer do curso por cada um deles. RESULTADOS E DISCUSSÃO As entrevistas foram realizadas com quatro alunos egressos dos cursos de engenharia, dois do sexo masculino e dois do sexo feminino. Destes, três cursaram engenharia civil, e um cursou engenharia elétrica, divididos entre instituições públicas e privadas. Os entrevistados ingressaram na universidade na faixa etária entre os 18 aos 22 anos, dois fizeram o curso em tempo regular de cinco anos, e dois atrasaram em alguns períodos. As entrevistas foram feitas com egressos de áreas distintas da engenharia, visto que as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) estabelecem as condições de uma forma geral para os cursos de engenharia, ou seja, não há diretrizes para cada curso em específico. Dessa maneira, o Quadro 03, contém as características de cada entrevistado/a, bem como a sua identificação na apresentação dos resultados da pesquisa de campo. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 68 Quadro 03 – Identificação dos entrevistados Fonte: elaborado pela autora, 2021. Foram realizadas um total de 18 perguntas. A primeira interessava saber como os egressos dos cursos de engenharia percebiam seus professores. Para a Entrevistada 01, durante o ciclo básico, que foram os dois primeiros anos do curso, as aulas foram juntamente com os alunos de outros cursos, então as turmas eram numerosas, e devido a essas características, ela sentia os professores distantes. Houve uma mudança nesse cenário, a partir do momento que a entrevistada foi para o ciclo das matérias técnicas da engenharia: O ciclo básico, que foram os dois primeiros anos, eu fiz no prédio do ICEX, que é o prédio de ciências exatas e lá a gente tinha aulas juntamente com os alunos dos cursos de física, química, matemática e todas as engenharias, então as turmas eram muito grandes. A gente tinha aula nos auditórios. Então, realmente era distante por causa dessa quantidade de pessoas e acabava que os professores/as não tinham condições de dar um atendimento e esclarecimento. Mas isso mudou a partir do momento em que fomos para a engenharia, e aí as turmas já eram de mais ou menos de trinta alunos/as, e às vezes até menos, e lá nós conseguíamos ter um contato maior com os/as professores/as. Então eu diria assim, nos dois primeiros anos foi distante, por conta dessas características citadas e os 3 anos finais eu diria que alguns eram mais solícitos, mas que todos demonstravam condições de aproximação (sic) (ENTREVISTADA 01). Para a Entrevistada 02, o comportamento dos professores foi bem variado, alguns distantes, outros mais próximos: O comportamento dos professores foi bem variado, no geral, os professores, principalmente os homens eram mais distantes e queriam muito apresentar o currículo, mostrar demais que sabiam e que estavam trabalhando há muito tempo naquela área, com um ar de soberba. Algumas professoras eram mais próximas da turma, mais preocupadas em saber como foi o seu dia, demonstravam entender o dia a diado aluno (sic) (ENTREVISTADA 02). Nota-se uma dualidade no comportamento dos professores que pode ser distinguido da seguinte forma: os professores da instituição pública das disciplinas do ciclo básico (mais distantes) e do ciclo técnico (mais solícitos), e os professores da instituição privada, os quais possuíam um comportamento diferenciado devido ao gênero (distantes ou próximos). Para Tardif (2020), quando o professor entra em sala de aula, ele penetra em um ambiente constituído de interações humanas, as relações com os alunos não é um aspecto secundário ou periférico do trabalho desses professores e, portanto, o comportamento e as interações deles com os alunos determinam a própria natureza dos procedimentos, ou seja, a própria pedagogia. Portanto, o comportamento do professor, bem como a sua interação com os alunos irão interferir de forma direta na pedagogia* ali empregada. * A pedagogia é um conjunto de meios empregados pelo/pela professor/a para atingir seus objetivos no âmbito das interações educativas com os/as alunos/as. Noutras palavras, do ponto de vista da análise do trabalho, a pedagogia é a “tecnologia” utilizada pelos/as professor/es/as em relação ao seu objeto de trabalho (os/as alunos/as), no processo de trabalho cotidiano, para obter um resultado (a socialização e a instrução) (TARDIF, 2020, p.117). OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 69 Quando indagados a respeito de como se sentiam para fazer perguntas, bem como tirar dúvidas com os professores, o Entrevistado 04 respondeu que se sentia à vontade, mas quando não as tirava era porque tinha receio de o professor achar a sua pergunta irrelevante. O Entrevistado 03 relatou que não se sentia a vontade para fazer perguntas, pois sentia que os professores não gostavam de serem interrompidos: “sempre tirava as dúvidas com os professores, mas quando não o fazia era porque eu tinha receio de o professor achar a minha pergunta irrelevante” (ENTREVISTADO 04). E, “não me sentia a vontade para fazer perguntas. Na maioria dos casos, o professor não me tratava bem nas respostas, ou não gostava da interrupção da aula para repetir algo” (ENTREVISTADO 03). De acordo com as respostas das Entrevistadas 01 e 02, para esclarecer uma dúvida com os professores, elas precisavam se sentir seguras em relação ao conteúdo, e que para isso, as vezes estudavam o conteúdo em casa, ou tentavam esclarecer as dúvidas com um dos colegas antes mesmo de recorrer ao professor. Eu acho que principalmente, essa questão de o professor ou os colegas fazerem algum tipo de julgamento, juízo de valor, ou também por determinados professores terem uma atitude tipo sarcástica, eu evitava fazer perguntas para esse tipo de professor, e se eu fosse fazer, eu preferia não fazer em público, devido a esse perfil mais crítico e sarcástico. Eu preferia tentar esclarecer a minha própria dúvida seja pela internet, ou com um outro colega, e caso eu não conseguisse, aí sim eu perguntava para esse tipo de professor (ENTREVISTADA 01.) Na maioria das vezes eu tirava as dúvidas que para mim eram pertinentes. Eu nunca tirava dúvida com o professor se eu não entendesse muito bem o que ele havia acabado de explicar. Na maioria das vezes eu tinha que voltar com a dúvida para casa, estudar sobre o conteúdo para conseguir discutir aquele conteúdo que me gerou dúvida com o professor, quase que de igual para igual. Só tirava dúvida quando sentia que eu possuía um embasamento para argumentar. Nunca eu tirava as dúvidas da seguinte forma: “Não entendi, pode me explicar de novo? (ENTREVISTADA 02). Por meio dos relatos apresentados, pode-se notar aquilo que foi descrito por Bazzo (1998) em relação as características de uma sala de aula nos cursos de engenharia: as interrupções que poderiam quebrar a sequência da transmissão do conteúdo não eram bem-vindas. Suhr e Silva (2012) descrevem que alguns professores que consideram a exposição oral como o elemento central da relação professor-aluno-conhecimento não permitem que os alunos façam interrupções ou manifestações de dúvidas. Essas autoras destacam que esse tipo de comportamento não favorece o estabelecimento de uma relação afetiva positiva do aluno com o conhecimento, pois, o aluno estuda apenas o conteúdo referente as provas, e não o saber a ser apreendido para a transformação da vida do aluno e da sociedade. Ao serem indagados a respeito da disparidade no tratamento dos professores, levando em consideração o gênero, os Entrevistados 03 e 01 relataram que as professoras eram mais dialogáveis e negociáveis, se comparadas aos professores. “As professoras, em geral, eram mais receptivas com os alunos, incentivando mais o diálogo e as perguntas” (ENTREVISTADO 03), e Eu tive poucas professoras, e algumas delas não eram engenheiras civis, elas eram engenheiras químicas, principalmente na área ambiental. A diferença, eu não acho que seja uma diferença de homem para mulher, mas nenhuma das professoras que eu tive, elas tinham esse comportamento: ‘vou fazer uma prova superdifícil para o aluno ir mal’. Claro que eu tive professores que não tinham esse comportamento, mas nenhum dos professores que me marcou mais negativamente era mulher. E em geral, elas eram mais negociáveis, não todas, mas eram mais fáceis para negociar uma mudança de data, era mais fácil de interpelar em relação a mudar o tema de trabalhos. Então, o diálogo com as professoras era quase sempre possível. Com os professores, nem sempre (ENTREVISTADA 01). OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 70 Nesse contexto, Pimenta e Anastasiou (2019, p. 221) ressaltam que “o conhecimento se dá não apenas pela razão, mas pelo diálogo dela com o sensível e o emocional”. Mas como fica o processo de construção do conhecimento dos alunos em um ambiente no qual apenas as professoras, que são a minoria, estão mais abertas ao diálogo? Ao serem indagados sobre a relação professor e aluno e o processo de ensino- aprendizagem, todos os entrevistados apresentaram respostas que destacam a importância dessa relação e interação para a construção do conhecimento. “As disciplinas que tive o melhor processo de aprendizagem foram aquelas que os professores/as tinham um relacionamento de cumplicidade com os alunos” (ENTREVISTADO 03). “Acredito que se a relação professor e aluno for boa, o processo de aprendizagem pode ser facilitado” (ENTREVISTADO 04). Eu acho que é muito forte essa relação porque é aprender, é um processo que exige muita atenção, muito empenho. E quando ele é permeado pelo medo, por receios, seu estado de tensão interfere nesse processo. E a partir do momento que tem uma pessoa ali que você vê que ela está empenhada e que ela se sente satisfeita em ver o seu progresso, é muito mais gratificante (ENTREVISTADA 01). Quanto mais próxima, quanto mais o professor conseguir essa proximidade com o aluno, mais interessado o aluno ficará pela disciplina e mais fácil será a aprendizagem dele/a. No sentido de o professor não se mostrar superior, ou ser autoritário demais. Os/As professores/as que se mostram um pouco mais solícitos/as e compreensivos/as ele acaba inspirando os alunos, e faz com que os alunos queiram estar naquela sala de aula, queiram compartilhar algo que viram sobre a área (ENTREVISTADA 02). Assim, ao analisar os relatos e respostas aqui apresentados, pode-se concluir e constatar como se dá a dinâmica de ensino nos cursos de engenharia pesquisados. Ou seja, trata-se de uma forma tradicional, não dialógica e conservadora. Apesar de alguns professores serem mais abertos e solícitos, quando os entrevistados foram indagados a respeito da abertura para o diálogo, todos relataram que isso raramente ocorria. Percebe-se então, que o professor continua sendo o centro do processo ensino-aprendizagem, e não os alunos. Conforme descrito no decorrer deste artigo, constata-se o quanto esse modelo de ensinoimpacta no processo de ensino-aprendizagem, visto que o ideal seria uma aula dialógica em que ambos, aluno e professor pudessem trocar ideias e aprender. Para Freire (2021b, p. 96), “[…] o educador já não é o que apenas educa, mas o que, enquanto educa, é educado, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também educa. Ambos, assim, se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos e em que os “argumentos de autoridade” já não valem”. Dessa forma, tanto o aluno quanto o professor, como sujeitos do processo de ensino- aprendizagem, precisam andar lado a lado, em uma relação de equidade, e não de desigualdade e autoritarismo. CONCLUSÃO A sala de aula universitária é um espaço no qual os sujeitos do processo de ensino- aprendizagem, professor e alunos, se encontram para realizarem juntos diversas ações, ou interações que visam a construção do conhecimento. E é nesta relação humana e social que o professor transmite aos alunos, suas visões de mundo, compartilha conhecimentos e experiências profissionais e sociais. Entretanto, o aluno precisa estar envolvido também nesse processo de aprendizagem, não passivamente, mas ativamente como pessoa integrante de um contexto sociocultural, com suas vivências, suas ideias, suas emoções e seus desejos. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 71 Por meio das pesquisas bibliográfica e de campo, constata-se que a relação entre professores e alunos nos cursos de engenharia são fundamentadas no ensino tradicional e tecnicista, são relações que possuem objetivos específicos como a transmissão de conteúdo e a preparação do aluno de forma que este exerça um papel na sociedade e no mundo do trabalho. A subjetividade e o pensamento crítico dos alunos são desconsiderados, pois, não há muito diálogo, mas sim uma imposição de disciplina, de que o ser aprendente seja responsivo e passivo. Devido a estas características, as relações e interações humanas do processo ensino- aprendizagem ficam comprometidas, visto que o ideal seria que as aulas fossem mais dialógicas, menos engessadas, mais interativas, para que os alunos se sentissem mais a vontade para expor suas opiniões, ideias e experiências, participando assim, de forma ativa no seu processo de construção do conhecimento. Ou seja, a relação humana e social entre professores e alunos influencia de uma forma direta no processo de ensino-aprendizagem. E se esta relação for baseada na cumplicidade, diálogo, compreensão e respeito poderá gerar bons resultados para ambas as partes. Além disso, os resultados desta pesquisa também confirmam que há uma necessidade de mudança no modelo de ensino praticado nos cursos de engenharia. E para que haja essa mudança, visto que o ensino continua tão conservador e tradicional, faz-se necessária a capacitação, e principalmente incentivo, para que os professores universitários busquem uma formação pedagógica, seja num curso de licenciatura, numa especialização ou num curso de extensão, pois os saberes e conhecimentos docentes para se conduzir uma aula são tão importantes quanto a exigência de uma especialização técnica. REFERÊNCIAS ÁLVARES, Vanessa Oliveira de Moura. O docente-engenheiro frente aos desafios da formação pedagógica no ensino superior. 2006. 200f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, 2006. Disponível em: https://repositorio.ufu.br/bitstream/123456789/13824/1/VOMAlvaresDISSPRT.pdf. Acesso em: 18 dez. 2021. BAZZO, Walter Antônio. Ensino de engenharia: novos desafios para formação docente. 1998. 275 f. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 1998. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/77680. Acesso em: 17 dez. 2021. CARNEIRO, Henrique S. História da Ciência, da Técnica e do Trabalho no Brasil. Nuevo Mundo Mundos Nuevos. França, 2005. Disponível em: https://journals.openedition.org/nuevomundo/573. Acesso em: 18 dez. 2021. COMISSÃO DE ESPECIALISTAS DE ENSINO DE ENGENHARIA. Padrões de qualidade para cursos de graduação em engenharia. 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/sesu/arquivos/pdf/eng_pad.pdf. Acesso em: 20 dez. 2021. DANTAS, Cecília Maria Macedo. O desenvolvimento da docência nas engenharias: um estudo na Universidade Federal de Campina Grande (UFCG). 2011. 119 f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2011. Disponível em: https://repositorio.ufrn.br/jspui/bitstream/123456789/14453/1/CeciliaMMD_DISSERT.pdf. Acesso em: 17 dez. 2021. ENRICONE, Délcia (Org.). Ser professor. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004. OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 72 FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2021a. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2021b. LIBÂNEO, José Carlos. O ensino de graduação na universidade: a aula universitária. Goiânia: UCG, 2003. LIBÂNEO, José Carlos. Tendências pedagógicas na prática escolar. Revista da Associação Nacional de Educação–ANDE, v. 3, p. 11-19, 1983. Disponível em: https://www.academia.edu/download/61023628/tendencias_pedagogicas_libaneo20191026-104281- 2zt5nh.pdf. Acesso em: 18 dez. 2021. MASETTO, Marcos Tarciso. Competência pedagógica do professor do universitário. São Paulo: Summus, 2003. MASETTO, Marcos Tarciso. Docência na Universidade. São Paulo: Papirus, 1998. PAULA, Maria de Fátima de. A formação universitária no Brasil: concepções e influências. 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OS DESAFIOS NO PROCESSO ENSINO-APRENDIZAGEM EM CURSOS DE ENGENHARIA: um olhar sobre ... | 73 VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso Leonardo dos Santos Maria Eugênio Barbosa de Oliveira Alexandre da Silva Ferry 05 | 74 INTRODUÇÃO A Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica atualmente (RFEPCT) é composta por 38 Institutos Federais (IF), dois Centros Federais de Educação Tecnológica (CEFET- MG e CEFET-RJ), uma Universidade Tecnológica Federal (UTFPR) e o Colégio Pedro II (RJ). Sua gênese remonta ao ano de 1909 com a criação das Escolas de Aprendizes Artífices, as quais após décadas de evolução, experimentaram uma grande expansão, a partir de 2008, por meio da Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, responsável pela criação dos IF e da RFEPCT. Nesse contexto, uma das bandeiras levantadas pela Rede Federal é a verticalização do ensino, mediante a integração do ensino básico ao superior, ponto este que inclusive está disposto na Lei nº 11.892/2008. Nesta seara, nota-se ainda um vasto campo para de fato lograr a verticalização do ensino nestas instituições brasileiras, sobretudo por muitos dos campi da Rede serem relativamente novos, com infraestrutura e oferta de cursos ainda sendo implementados. Neste sentido é imperativo analisar as possibilidades e desafios no processo de verticalização do ensino profissional e tecnológico da Rede Federal. A verticalização do ensino vem para complementar as lacunas de formação existentes na sociedade brasileira, sobretudo nas classes menosfavorecidas (LEMOS, 2020). A educação profissional e tecnológica (EPT) apresenta um caráter de promoção do desenvolvimento regional, e é a partir desta perspectiva que o percurso integrado do Ensino Médio até a pós-graduação traria inúmeras oportunidades a comunidade na qual estas instituições da Rede Federal estão inseridas. Cidades pequenas, do interior, por exemplo, que nunca seriam cogitadas para abertura de uma universidade pública e consequentemente com as ofertas de graduação e pós-graduação, tem por meio dos institutos federais e CEFET, a possibilidade de democratizar o ensino, nos seus mais variados níveis. A partir de tal contexto, surge a questão que inspirou o presente trabalho: o que precisa ser levado em consideração para a criação de cursos que promovam a verticalização de ensino nos Institutos da Rede Federal? Portanto, nesta perspectiva, o objetivo desta pesquisa foi analisar o processo de concepção de um curso de pós- graduação em um Campus de Instituto da Rede Federal, em consonância com os cursos técnicos de nível médio e cursos superiores já ofertados. Para tanto, escolheu-se uma Instituição que estivesse com a intensão de promover a verticalização do ensino. Assim, foi escolhido o Instituto Federal do Tocantins (IFTO), Campus Araguaína, que atualmente oferta cursos de nível médio integrado e superior, mas ainda não tem a pós-graduação voltada para a área técnica, para o mercado de trabalho em geral, possuindo apenas uma pós-graduação direcionada à docência, e tem a pretensão de ofertar o curso de Pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção e Sistemas. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 75 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO A verticalização vem gerando uma expressiva mudança em relação às ofertas educacionais e ao público-alvo das instituições. Pois essa modalidade de ensino implica em uma mudança profunda do fazer pedagógico, no qual faz com que as instituições atuem, simultaneamente, em cursos de diferentes níveis de ensino, fazendo com que ofereçam cursos na mesma área de conhecimento, em diversos níveis na mesma instituição. Por exemplo, um estudante que cursou um técnico pode continuar na instituição e candidatar-se a uma vaga em um curso superior da mesma área e, até mesmo, um curso de pós-graduação. Pacheco (2011) diz que a verticalização tem como proposta pedagógica compreender desde a Educação Básica, o ensino técnico profissionalizante e o Ensino Superior, devendo ser um elemento constituinte do currículo da instituição. O autor reforça que a verticalização atuaria como uma força organizadora do currículo dos cursos e da proposta pedagógica, permitindo ao aluno de um instituto federal traçar seu itinerário formativo desde a sua chegada no ensino técnico integrado ao ensino médio até o doutorado. A verticalização pode exercer influências decisivas nos métodos e técnicas de ensino, na construção e no desenvolvimento dos currículos escolares das instituições, pois implicam no traçado de um perfil lógico e coerente das matérias como um aprendizado total, não apenas reunindo as disciplinas como fragmentos isolados (SILVA, 2015). As características da verticalização, por um lado, oferecem aos estudantes a possibilidade de traçar um itinerário formativo da educação básica ao nível superior e por outro traz modificações no trabalho dos professores, uma vez que leva o corpo docente a realizar um trabalho simultâneo no ensino, na pesquisa e na extensão, em diferentes níveis e modalidades de ensino. O estímulo às carreiras de cunho tecnológico é, também, um importante aspecto a ser observado. No âmbito da verticalização do ensino, a conclusão de um curso técnico de nível médio não deve se constituir no fim das aspirações individuais e sociais dos cidadãos e sim em uma base de conhecimentos sólidos, capazes de incentivar formações e/ou atividades em níveis mais elevados (PACHECO, 2011). Quevedo (2016) afirma que a verticalização não deve ser compreendida a partir do olhar de um segmento entre docente e/ou discente, ou mesmo no nível e diferentes modalidades de ensino - médio, superior, educação de jovens e adultos (EJA), dentre outros-, pois a verticalização é embasada em uma proposta institucional, sendo uma prática a ser construída coletivamente. Ou seja, a verticalização não pode ser concebida apenas na ótica de um segmento, seja ele qual for. Na medida em que se compreende que a instituição contempla todos os sujeitos e que a verticalização só é possível embasada em uma proposta institucional, esta se torna uma prática a ser construída coletivamente. OS INSTITUTOS DA REDE FEDERAL: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Durante o percurso histórico da Educação Profissional no Brasil, um dos destaques é a fundação das Escolas de Aprendizes Artífices, em 1909, que passaram a integrar à Rede Federal de Educação Profissional (RFEP). Isso possibilitou transformações históricas, educacionais, sociais e a reestruturação produtiva do modo capitalista, ocasionando modificações na maneira de pensar e realizar as políticas públicas na EPT, com consequências no trabalho docente. Com o passar do tempo, o ensino profissional avançou no país e, em 2008, foi criada a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, consolidando esse processo, a partir da transformação das escolas técnicas federais em Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFECT), também conhecidos como Institutos Federais (IF) (ROMANELLI, 2010). VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 76 Os Institutos Federais surgiram em consequência da reconfiguração de escolas federais existentes. Tratava-se de escolas com organização administrativa e pedagógica, corpo docente e técnico estruturados para certo tipo de ensino, fosse ele agrícola, industrial ou tecnológico. Para que essas escolas chegassem ao modelo verticalizado foi preciso percorrer um trajeto de mudanças na sua organização administrativa. A partir de 2004, as reformas da educação profissional foram impulsionadas pelo Decreto nº 5.154, de 23 de julho de 2004, que regulamentou a educação profissional e preparou o terreno nos CEFET para a criação dos Institutos Federais (OLIVEIRA; CRUZ, 2017) Segundo Oliveira e Cruz (2017), o caminho percorrido no Brasil pela educação profissional desde seus primórdios, com o estabelecimento das Escolas de Aprendizes Artífices em 1909, até a criação da RFEPCT em 2008, quase um século depois, foi de transformações históricas, educacionais, sociais e da reestruturação produtiva, encadeando modificações na maneira de pensar e realizar as políticas públicas para a educação profissional e tecnológica no país. Como consequência para o trabalho docente, os Institutos Federais foram pensados e implantados para atender as necessidades do mercado profissional e tecnológico, com a premissa de ofertar educação profissional e tecnológica de qualidade a fim de atender as necessidades socioeconômicas. A criação dos Institutos Federais fez parte das políticas de expansão da educação profissional e tecnológica, pautadas no apoio à elevação da titulação dos profissionais e pela defesa de que os processos de formação para o trabalho estivessem intrinsecamente ligados à elevação da escolaridade. Esse princípio justifica uma organização pedagógica verticalizada, assegurando aos profissionais e futuros profissionais a oportunidade de manterem-se em constante desenvolvimento. Desde a criação dos IF, observa-se a transformação do cenário da Educação Profissional e Tecnológica no país. Segundo Ortigara (2013), os Institutos Federais representam uma nova institucionalidade na oferta da educação profissional no Brasil, tendo a verticalização como particularidade. A VERTICALIZAÇÃO NOS INSTITUTOS FEDERAIS Os Institutos Federais representam uma nova institucionalidade na oferta da educação profissional no Brasil porque têm uma particularidade:a verticalização (ORTIGARA, 2013). Essa modalidade de ensino tem como objetivo otimizar a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão, bem como integrar a Educação Básica a Superior (BRASIL, 2008). Sendo assim, os Institutos Federais não são escolas técnicas, tampouco são universidades. Os IF têm uma institucionalidade diferenciada, dedicada a promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional, além de pesquisa e extensão, em uma mesma unidade educacional, com um mesmo corpo docente. Os IF são instituições destinadas a oferecer vagas a estudantes desde a modalidade de ensino médio e técnico, além de cursos de graduação (bacharelado, licenciatura e tecnologia), podendo disponibilizar ainda, especializações, mestrados profissionais, mestrados e doutorados acadêmicos voltados para a pesquisa aplicada à inovação tecnológica. Essa configuração permite uma articulação entre a educação básica e o ensino superior possibilitando ao professor percorrer níveis diferentes de ensino e ao aluno a compartilhar espaços de aprendizagem, constituindo uma nova institucionalidade que deve ir para além da compreensão da educação profissional e tecnológica como mera instrumentalizadora para ocupações determinadas pelo mercado (PACHECO, 2011). VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 77 Em vista disso, a estrutura verticalizada é um dos diferenciais do modelo de ensino adotado hoje pelo IF, pois permite que os docentes tenham uma atuação pedagógica mais rica, já que deverão interagir com alunos e currículos de diferentes níveis e contemplar os nexos possíveis entre os diversos campos do saber, aliando ensino, pesquisa e extensão e desenvolvendo propostas curriculares inovadoras (FERREIRA; MINEO, 2010). O INSTITUTO FEDERAL DE TOCANTINS E O CAMPUS ARAGUAÍNA O IFTO é um dos 38 IF que compõe a Rede Federal. Ele foi criado pela Lei nº 11.892/2008, a partir da união da Escola Técnica Federal de Palmas e da Escola Agrotécnica Federal de Araguatins (BRASIL, 2008). A reitoria da instituição está localizada em Palmas, capital do Estado do Tocantins. Além disto, tem unidades instaladas em todas as regiões do Estado, perfazendo 8 campi nos seguintes municípios: Araguatins, Araguaína, Colinas do Tocantins, Dianópolis, Gurupi, Palmas, Paraíso do Tocantins e Porto Nacional, além de 3 campi avançados: Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão e Pedro Afonso. O IFTO conta também com o Centro de Referência em Educação a Distância (CREAD), além de Polos de Apoio à Educação a Distância espalhados por todo Tocantins (IFTO, 2019). São ofertados mais de 60 cursos na instituição, desde as modalidades de ensino básico, com cursos de qualificação, educação de jovens e adultos, cursos técnicos de nível médio, técnicos concomitantes e subsequentes, cursos superiores e cursos de pós-graduação na modalidade lato sensu. Estes cursos atendem a mais de 12 mil estudantes de todo estado do Tocantins na modalidade presencial, e outros 5 mil estudantes através de cursos à distância pelo CREAD, os quais ultrapassam os limites estaduais, levando qualificação a estudantes de vários estados brasileiros (IFTO, 2021). O Campus Araguaína do IFTO, que faz parte da segunda fase do Plano de Expansão da Rede Federal de Educação Profissional e Tecnológica, agregou o Centro de Educação Profissional de Araguaína do Tocantins, construído a partir de um convênio celebrado entre a Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Tocantins e o PROEP/MEC (IFTO, 2021). Ele está localizado no município de Araguaína, cidade polo da Microrregião de Araguaína, composta por 17 municípios no norte do Tocantins. De acordo com o IBGE (2021), a cidade possui 186.245 habitantes, sendo a segunda cidade mais populosa do estado do Tocantins, atrás apenas da capital, Palmas. Em 2021 era ofertado no Campus Araguaína do IFTO os seguintes cursos: Técnico em Informática integrado ao ensino médio; Técnico em Biotecnologia integrado ao ensino médio; Formação Inicial e Continuada em Operador de Computador integrado ao ensino médio PROEJA; Técnico em Enfermagem (subsequente); Técnico em Análises Clínicas (subsequente); Superior de Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas; Superior de Tecnologia em Gestão da Produção Industrial; e, Pós-graduação Lato Sensu em Formação Docente em Educação Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Nesse sentido, mostra-se que a vocação de oferta de cursos no Campus Araguaína do IFTO, configura-se em três eixos tecnológicos: Ambiente e Saúde; Informação e Comunicação; e, Controle de Processos Industriais. METODOLOGIA Neste artigo, optou-se por uma pesquisa de abordagem qualitativa, do tipo exploratória e descritiva. Quanto aos procedimentos técnicos, foram adotadas as pesquisas bibliográfica e documental, e estudo de caso para verificar o caminho necessário para a criação de um curso de pós-graduação com vistas à verticalização do ensino, tomando como objeto de estudo o curso de Pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção e Sistemas. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 78 O ponto de partida da pesquisa foi a análise da vocação econômica de Araguaína, para que pudesse ser escolhido um curso que fosse ao encontro dos anseios da população. Em seguida, realizou-se uma análise da conjuntura do Campus Araguaína, tanto em relação ao quadro docente, quanto da infraestrutura física da unidade e outros recursos necessários para a criação do referido curso de pós-graduação. Após este procedimento, analisou-se o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do IFTO, de 2020-2024, verificando-se as diretrizes para este quadriênio no tocante a criação de novos cursos de pós-graduação, em especial, no Campus Araguaína. Da mesma forma, foi realizada uma minuciosa análise da Lei Federal nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008, que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e dá outras providências, verificando-se os pontos que se referem a verticalização do ensino dentro dos Institutos Federais. Por fim, elaborou-se um questionário estruturado, com questões abertas e fechadas, para verificar se existia demanda para criação do curso, caracterização do público interessado e outros pontos norteadores para o processo de criação do curso. O questionário foi disponibilizado no Google Formulários, sendo postado no site institucional e encaminhado por e-mail a egressos, comunidade interna do Campus Araguaína e a comunidade externa, entre os meses de abril e maio de 2021. De posse dos dados obtidos, foi possível analisar se havia viabilidade e os possíveis direcionadores deste projeto de verticalização. RESULTADOS E DISCUSSÃO A VOCAÇÃO INDUSTRIAL DE ARAGUAÍNA Araguaína detém uma grande expressão econômica e demográfica, além da função de espaço de acumulação do capital, seja pelos equipamentos públicos de âmbito regional, seja por sediar investimentos privados. A zona de influência econômica do município engloba as regiões sul do estado do Maranhão e sudeste do estado do Pará, e o centro-norte do Tocantins. A economia municipal é baseada nos setores de serviços e na agroindústria. Além disso, possui a segunda maior população estadual e, consequentemente o segundo maior mercado consumidor do Tocantins. Os Arranjos Produtivos Locais (APL) em Araguaína estão relacionados ao setor de serviços, principalmente comércio e serviços da saúde, e no setor agroindustrial, dando-se destaque para a movelaria, pecuária de corte, curtumes, confecções, piscicultura, apicultura e exploração dos frutos do cerrado (IFTO, 2021). Araguaína é considerada a Capital Econômica do Estado do Tocantins, sendo a principal força econômica do estado na atualidade (ARAGUAÍNA, 2021). Este fato é reflexo do grande crescimento experimentado pelo município ao longo dos últimos anos, o que se traduz em indicadores, como o PIB per capita, conformeapresentado na Figura 1. Figura 1: Evolução do PIB per capita do município de Araguaína/TO (2010-2018) Fonte: BRASIL/IBGE (2021). VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 79 Percebe-se que o PIB per capita saltou de aproximadamente R$ 13 mil em 2010, para quase R$ 25 mil em 2018 (IBGE, 2018), ou seja, quase dobrou em menos de uma década. As características econômicas das atividades agroindustriais e do setor de serviços demandam profissionais qualificados, sobretudo em relação às técnicas gerenciais. Destarte, a formação de especialistas com conhecimentos ligados à área da gerência da produção é imperativo para o desenvolvimento regional, atendendo aos anseios dos setores produtivos e da comunidade onde está inserido o Campus Araguaína do IFTO. Além disto, levando-se em conta as tendências tecnológicas ligadas à emergente Indústria 4.0, percebe-se também a necessidade de profissionais que estejam atentos às novas tecnologias, ligadas a sistemas de informação eficientes, que visem conectividade e respostas cada vez mais rápidas e assertivas. Uma vez que se sabe que as empresas buscam pela melhoria dos seus processos produtivos, a utilização das tecnologias de informação pode ser uma saída. Isto por meio da automação, uma vez que podem garantir a redução de custos, ganho de produtividade e melhorias na comunicação com clientes e fornecedores, gerando assim, demanda de profissionais especializados no desenvolvimento, implantação e manutenção de ferramentas que contribuam com os objetivos estratégicos das organizações. Nesse sentido, para a escolha do curso em Engenharia de Produção e Sistemas em nível de especialização a ser ofertado, no Campus Araguaína, considerou-se a legislação educacional vigente, os APL, que visam atender às necessidades locais e regionais da sociedade, em função do interesse por qualificação profissional por parte de estudantes e, também, de empresas/instituições absorvedoras desses profissionais. AS POSSIBILIDADES DE VERTICALIZAÇÃO NO CAMPUS ARAGUAÍNA Além dos pontos anteriormente citados, uma pós-graduação lato sensu na área de Engenharia de Produção e Sistemas não demanda um orçamento invasivo, além de atingir docentes de eixos do conhecimento distintos. Neste último aspecto, ressalta-se que o Campus Araguaína possui dois professores efetivos na área de Controle e Processos Industriais, dois professores efetivos na área de Gestão e Negócios, onze professores efetivos na área de Informação e Comunicação, e outros quarenta e um docentes de outras áreas do conhecimento que poderiam contribuir com o curso. Após considerar o quadro efetivo de docentes do Campus Araguaína, bem como seus respectivos eixos de atuação, , observa-se que há um completo quadro de servidores e infraestrutura, bem como, ao fato de o campus estar em condições adequadas para a manutenção do curso. No PDI 2020-2021 do IFTO havia uma previsão para oferta de dois cursos de pós- graduação lato sensu no Campus Araguaína, um na área de Gestão e Negócios e outro na área de Informação e Comunicação, porém, devido a novas formas de organização e aos impactos da pandemia da Covid-19 nos processos de criação de cursos na instituição, optou-se por criar apenas um na área de Controle e Processos Industriais. Este curso envolveria docentes das duas áreas anteriormente citadas. Além disto, há que ressaltar que o Campus Araguaína foi contemplado no Edital nº 30/2020/REI/IFTO, de 1 de junho de 2020, referente ao projeto enviado à SETEC/MEC para implementação de um Espaço IFMaker na instituição. O ambiente foi munido de equipamentos que utilizam tecnologias de última geração, sendo propício para o desenvolvimento de práticas ligadas ao empreendedorismo, inovação, criação e fabricação digital, atendendo à comunidade acadêmica e externa ao IFTO. O laboratório já está em funcionamento e deverá ser utilizado nas atividades de ensino, pesquisa e extensão ligadas ao curso. Uma vez que a vocação de oferta de cursos do Campus Araguaína está ligada, entre outros, aos eixos de Controle e Processos Industriais e Informação e Comunicação, este curso de Pós- graduação Lato Sensu em Engenharia de Produção e Sistemas acaba abarcando os dois eixos, possibilitando o aproveitamento da infraestrutura física já existente no Campus, bem como a expertise dos docentes destas duas áreas, que atuarão em sinergia na oferta do curso. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 80 Os alunos dos cursos técnicos de nível médio em Biotecnologia e Informática, que já tem a possibilidade de cursar a graduação em Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas e Tecnologia em Gestão da Produção Industrial, poderão com este curso de pós-graduação, completar seu percurso formativo na mesma instituição, de modo a efetivar a verticalização do ensino, uma das finalidades da Rede Federal. Outrossim, o curso de Engenharia de Produção e Sistemas, em nível de especialização, a ser ofertado, atende as premissas de atendimento às demandas locais fortalecendo os Arranjos Produtivos Locais, garantindo o desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional, bem como a verticalização do ensino, presente na Lei nº 11.892 de 29 de dezembro de 2008, conforme explicitado: Art. 6o Os Institutos Federais têm por finalidades e características: I - ofertar educação profissional e tecnológica, em todos os seus níveis e modalidades, formando e qualificando cidadãos com vistas na atuação profissional nos diversos setores da economia, com ênfase no desenvolvimento socioeconômico local, regional e nacional; (...) III - promover a integração e a verticalização da educação básica à educação profissional e educação superior, otimizando a infraestrutura física, os quadros de pessoal e os recursos de gestão; IV - orientar sua oferta formativa em benefício da consolidação e fortalecimento dos arranjos produtivos, sociais e culturais locais, identificados com base no mapeamento das potencialidades de desenvolvimento socioeconômico e cultural no âmbito de atuação do Instituto Federal (BRASIL, 2008, online). Além disso, o curso de especialização em Engenharia de Produção e Sistemas será ofertada de forma gratuita ao grande público. Depreende-se desta assertiva, a ênfase de que todas as pós- graduações lato sensu de outras instituições na região, em sua maioria, são ofertadas mediante pagamento. Dessa forma, o curso terá, possivelmente, uma grande demanda. O curso de pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção e Sistemas será o segundo ofertado na área e modalidade de toda a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica, atrás do pioneiro, o curso de pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção com ênfase em Tecnologias da Decisão ofertado pelo Campus Cariacica do Instituto Federal do Espírito Santo. Configura-se assim o primeiro curso da Rede Federal da categoria a ser ofertado fora da região Sudeste. Além disto, considerando-se a oferta de cursos públicos em nível de pós- graduação, tanto stricto quanto lato sensu, na área de Engenharia de Produção, observa-se que a Região Norte é a mais carente, com cursos públicos ofertados apenas nos estados do Amazonas e do Pará. Neste sentido, o referido curso visa atender uma forte demanda não só de âmbito regional, mas estadual, sendo o único público ofertado no Estado do Tocantins. RESULTADOS DA PESQUISA DE DEMANDA Através de uma pesquisa de opinião direcionada a comunidade onde está inserido o Campus Araguaína do IFTO, foi avaliada a possibilidade de viabilidade da proposta, bem como se traçar um panorama das características dos interessados, dentre outros aspectos relevantes para a construção do curso. O formulário ficou disponível entre os dias 13 de abril e 07 de maio de 2021. Foram obtidas 100 respostas válidas, cujos respondentes eram em sua maioria residentes em Araguaína (86%), e os demais (14%) de municípios do Tocantins,Pará e Maranhão. Destes, 33% são egressos dos cursos de Tecnologia em Análise de Desenvolvimento de Sistemas e Gestão da Produção Industrial, ofertados pelo Campus Araguaína do IFTO. Os demais, não possuem vínculo de curso de graduação com a instituição, evidenciando também o caráter abrangente da proposta, contemplando egressos de outras instituições. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 81 Outros dados relevantes a serem mencionados sobre os respondentes ao questionário é que a maioria possui jornada laboral acima de 30 horas na semana (51%), e atua predominantemente nas áreas de comércio/serviços ou industrial (40%). Isto denota que a pós- graduação deve ser ofertada em horário alternativo aos demais cursos da instituição, às sextas- feiras no período noturno e aos sábados, para que possibilite a adesão destes alunos. Uma parcela significativa dos entrevistados (70%), possui ensino superior completo, de diversas áreas, conforme pode ser observado na Figura 2. Figura 2: Área de formação dos respondentes à pesquisa de opinião Fonte: Dados de pesquisa (2021). Esse último ponto há de se considerar na oferta do curso, dada a diversidade de interessados vindos de outras áreas de formação além da própria Engenharia. Neste sentido, o curso foi pensado como especialização técnica que é, para suprir as carências de qualificação de trabalhadores já atuantes no mercado. Quando inquiridos sobre o fato de utilizarem ou não conhecimentos aplicados à área de Engenharia de Produção no contexto do trabalho, observou-se que 48% das pessoas utilizam/necessitam de conhecimentos em sua profissão, em detrimento de 29% que afirmam não os utilizar diretamente. Um percentual de 23% do total dos respondentes assinalou que não sabia responder a esta questão, isto talvez por desconhecerem as áreas de abrangência da Engenharia de Produção. O dado mais relevante constatado pela pesquisa foi a predisposição dos respondentes a cursarem o futuro curso de Engenharia de Produção, sendo os dados apresentados pela Figura 3. Figura 3: Predisposição dos entrevistados a cursar a Pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção Fonte: Dados de pesquisa (2021). Observa-se que grande maioria (79%) apontou que teria interesse em cursar essa pós- graduação, que somados aos que têm dúvidas se fariam (14%), perfazem um número muito mais significativo do que os que não teriam interesse em cursá-lo (7%). VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 82 Finalmente, o último item apontado pela pesquisa foi em relação à demanda por áreas específicas de estudo dentro do campo da Engenharia de Produção. Foi solicitado aos respondentes que apontassem no mínimo uma, e no máximo três opções, de áreas as quais gostariam que fossem contempladas na matriz curricular do curso. Os resultados podem ser observados na Figura 4. Figura 4 - Áreas de estudo demandadas dentro da Engenharia de Produção Fonte: Dados de pesquisa (2021). Dentre as opções assinaladas percebe-se que Logística Empresarial, Sistemas de Produção/Planejamento e Controle da Produção (PCP) e Gestão da Qualidade foram os mais indicados. Observa-se também uma forte predileção pela área de novas tecnologias, ligadas à Indústria 4.0, o que reforça o caráter do curso em se incorporar a variável de Sistemas ao título, configurando-se como pós-graduação Lato sensu em Engenharia de Produção e Sistemas. Haja vista de todos os pontos abordados, o curso de pós-graduação, em nível de Especialização do Campus Araguaína, Engenharia de Produção e Sistemas, tem potencial para atrair grande público na região de influência da instituição. Além disto, espera-se dar destaque ao IFTO a nível nacional na referida área, fomentando a participação dos alunos com trabalhos no Encontro Nacional de Engenharia de Produção (ENEGEP), maior encontro científico da área de engenharia da América Latina, realizado anualmente pela Associação Brasileira de Engenharia de Produção (ABEPRO). CONCLUSÕES Diante do que foi abordado neste trabalho, percebe-se que são necessários vários elementos para culminar com a criação de cursos que promovam a verticalização do ensino nos Institutos da Rede Federal, sendo este um grande desafio. Dentre estes elementos necessários, o primeiro a ser atendido se refere a avaliação se o curso sugerido é coerente com a realidade socioeconômica local, e se atenderá aos anseios da comunidade no qual a instituição está inserida. No caso do curso de Engenharia de Produção e Sistemas a ser ofertado pelo Campus Araguaína do IFTO percebe-se que ele vem para atender um anseio dos APL locais, que buscam profissionais qualificados sobretudo no que REFERÊNCIAS ARAGUAÍNA. Prefeitura Municipal de. Turismo. Crescimento. 2021. Disponível em: . Acesso em: 16 jul. 2021. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 83 BONFANTE, R.; SCHENCKEL, C. O Princípio da verticalização nos Institutos Federais: Possibilidades e desafios. Metodologias e Aprendizado, v. 1, p. 83–90, 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e dá outras providências. 2008. Disponível em: . Acesso em: 15 dez. 2021. BRASIL. Concepção e diretrizes: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia. Brasília: MEC/Setec, 2008. CONIF. Conselho Nacional das Instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica. Rede Federal. Histórico. 2021. Disponível em: . Acesso em: 22 jun. 2021. FERREIRA, N.; MINEO, M. Educação profissional tecnológica: múltiplos espaços educativos. Uberaba: IFTM, 2010. FLORO, E. F. O trabalho docente e verticalização do ensino nos institutos federais. IN: Didática e Prática de Ensino na relação com a Sociedade. Livro 3. Fortaleza: EdUECE, 2014. IBGE. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Cidades. Araguaína-TO. Panorama. 2021. Disponível em: . Acesso em 25 out. 2021. IFTO. Instituto Federal do Tocantins. Resolução nº 81/2019/CONSUP/IFTO, de 18 de dezembro de 2019. Aprova o Plano de Desenvolvimento Institucional - PDI (2020-2024) - IFTO. 2019. Disponível em:. Acesso em: 21 jun. 2021. IFTO. Instituto Federal do Tocantins. Projeto Pedagógico do Curso Técnico em Biotecnologia do Campus Araguaína. Aprovado pela resolução CONSUP/IFTO Nº 4, de 21 de janeiro de 2021. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2021. LEMOS, L. M. Os desafios à consolidação de uma Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica no Brasil. Geo UERJ, n. 36, p. 38134, 2020. OLIVEIRA, B.C.; CRUZ, S.P.S. Verticalização e trabalho docente nos Institutos Federais: uma construção histórica. Rev. HISTEDBR On-line, v.17, n.2, p.639-661, 2017. ORTIGARA, C. Institutos Federais: uma nova concepção de educação ou reorganização administrativa. In: Anais do II Colóquio Nacional - A Produção do Conhecimento em Educação Profissional. Natal: IFRN, 2013. PACHECO, E. M. (Org.). Institutos Federais: uma revolução na educação profissional e tecnológica. São Paulo: Ed. Moderna, 2011. QUEVEDO, M. Um olhar para o IFRS: concepções sobre a verticalização nos institutos federais de educação, ciência e tecnologia. Curitiba: UFPR, 2016a. QUEVEDO, M. Verticalização nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia: concepção(ões) e desafios no IFRS. 2016. 152f. Dissertaçãocontextualizados. A ação pedagógica do professor deve ser crítica e questionadora. Os currículos devem adotar projetos que visem a soluções de situações problema, a partir da interdisciplinaridade e transversalidade, contribuindo para a formação de sujeitos críticos e conscientes da sua responsabilidade no desenvolvimento sustentável do país (RUBEGA, 2016, p.16). Tratando de aspectos normativos, que interferem no que chamamos nesse trabalho de ser docente na EPT, a partir de 2008, com a promulgação da Lei no 11.741 que alterou os dispositivos da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) no 9.394/1996 a Educação Profissional Técnica de Nível Médio (EPTNM) passou a ser compreendida como uma modalidade de educação básica (BRASIL, 2008). A partir disso o exercício docente na EPTNM está condicionado a uma formação básica dos professores, o que significa curso de licenciatura plena e, em nível médio, curso normal (BRASIL, 1996). A Resolução CNE/CP nº 1, de 5 de janeiro de 2021, em seu art. 53 diz que os professores graduados, não licenciados, em efetivo exercício docente em unidades curriculares da parte profissional, é assegurado o direito de: I - participar de programas de licenciatura e de complementação ou formação pedagógica; II - participar de curso de pós-graduação lato sensu de especialização, de caráter pedagógico, voltado especificamente para a docência na educação profissional, devendo o TCC contemplar, preferencialmente, projeto de intervenção relativo à prática docente em cursos e programas de educação profissional; e III - ter reconhecimento total ou parcial dos saberes profissionais de docentes, mediante processo de certificação de competência, considerada equivalente a licenciatura, tendo como pré- requisito para submissão a este processo, no mínimo, 5 (cinco) anos de efetivo exercício como professores de educação profissional (BRASIL, 2021, p. 16). No entanto, em 2017 a Lei no 13.415 incluiu a possibilidade de os conteúdos de formação profissional serem ministrados por profissionais com notório saber, formados em áreas afins ou mesmo com experiência profissional na área (BRASIL, 2017). METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 11 Costa (2020) considera a referida lei um retrocesso na formação de professores no Brasil na medida em que desconsidera a regulamentação dada pela Resolução no 6/2012. Aponta ainda a contradição existente entre a LDB no 9.394/1996 que obriga a formação de professores em cursos de licenciatura ou complementação pedagógica e a Lei no 13.415/2017 que autoriza que profissionais sem formação pedagógica exerçam a profissão docente. Colocando em perspectiva a história da EPT no Brasil e o seu momento atual evidencia-se a necessidade de um reposicionamento do professor em relação à sua prática pedagógica, passando esse a ocupar um papel de mediador entre o aluno e o conhecimento, numa ação que adote o diálogo como instrumento e a resolução de problemas como estratégia pedagógica, considerando uma abordagem ampla e também local, com vistas a formar um sujeito autônomo, criativo e capaz de buscar o seu desenvolvimento pessoal e da sociedade como um todo. Essa mudança na atuação do professor na educação profissional, que parte da decisão crítica e reflexiva por parte do docente, deverá ser ampliada por uma formação inicial e continuada adequada às novas características do currículo e sempre atualizada às tecnologias da informação e do conhecimento, demandadas pelos setores produtivos. Grinspun (2001), Lima Filho e Queluz (2005) e Bastos (1998), concordam que ciência e tecnologia estão sempre juntas, a primeira se ocupa das teorias, enquanto a segunda transforma o conhecimento científico em técnica, que gera novos conhecimentos científicos. Conhecimento e ação formam um ciclo em fluxo contínuo. Esse ciclo teórico-prático produz a acumulação de conhecimento necessário ao homem para que se relacione com a natureza, transformando-a conforme suas necessidades. Nesse sentido, a tecnologia se relacionada ao trabalho produtivo. Esses autores argumentam que a educação tecnológica deve direcionar a construção de uma nova ordem social, a formar um cidadão crítico e consciente, que seja capaz por meio da produção, invenção e inovação da tecnologia, de construir um país com igualdade social. Em direção a esse objetivo a educação tecnológica tem natureza interdisciplinar, teórico-prática, integrada às necessidades da sociedade. A atuação docente buscará a formação de um sujeito crítico, que não seja depósito de conhecimentos, mas que seja capaz da construção de novos conhecimentos para a realidade na qual estiver inserido. Assim sendo, a partir do mundo do trabalho, a educação tecnológica possibilitará a capacitação para as novas exigências nas relações sociais, buscando a superação das dificuldades existentes, compreendendo que os setores produtivos estão em transformação, segundo novos paradigmas (GRINSPUN, 2001, BASTOS,1998). Para Lima Filho e Queluz (2005), as relações sociais do capitalismo detêm a hegemonia na atualidade, portanto, para que haja desenvolvimento social é necessária consciência dessa realidade, que permite avaliar os limites e possibilidades da tecnologia e da educação tecnológica, para a construção de uma nova realidade a partir da atuação dos sujeitos sociais. A educação tecnológica compreende a tecnologia como parte da modernidade. Desse modo, visa-se a formação do sujeito para que seja capaz de utilizar, criar, inovar e se relacionar com tecnologias que se transformam rapidamente e se tornam cada vez mais avançadas. Isso requer considerá-lo de forma holística, buscando o desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e emocionais. O processo de ensino-aprendizagem deve decorrer da relação empreendida entre docente, discente e conhecimento, numa perspectiva que relacione teoria e prática, e esteja contextualizada, do regional ao mundial. O método de ensino, portanto, deverá como base o diálogo, que reconheça o discente com um sujeito crítico e capaz de modificar a realidade na qual está inserido, e o docente como mediador entre esse e o conhecimento acumulado historicamente. Este sujeito, formado numa perspectiva integral, será capaz de se compreender como quem cria a história e, portanto, pode modificá-la, buscando a construção de uma sociedade justa e igualitária. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 12 O PROJETO PEDAGÓGICO DO CURSO NA MODALIDADE EAD A EaD, que no Brasil tem uma história de mais de 100 anos e, conforme sumarizado no quadro 1, pode ser definida como: A modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica nos processos de ensino e aprendizagem ocorra com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação, com pessoal qualificado, com políticas de acesso, com acompanhamento e avaliação compatíveis, entre outros, e desenvolva atividades educativas por estudantes e profissionais da educação que estejam em lugares e tempos diversos (BRASIL, 2017, online). 1904 Cursos oferecidos por correspondência com envio de materiais pelo correio 1923 Fundação da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro: instituição privada cujo principal objetivo era educação popular por meio um sistema de difusão em curso no Brasil e no mundo. 1967 O Código Brasileiro de Telecomunicações determina a transmissão de programas educativos pelas emissoras de radiodifusão e televisões educativas. 1970 Surgem os primeiros computadores na área da educação, em universidades no Brasil. A internet ajudou a consolidar a EaD no país. 1971 Criação da Associação Brasileira de Teleducação (ABT) que realizou uma série de Seminários Brasileiros de Tecnologias Educacionais e editou a Revista Tecnologia Educacional. 1972 Criação do Programa Nacional de Teleducação que foi logo substituído pelo Centro Brasileiro de TV Educativa. 1973 Criação do Instituto de Pesquisas e Administração da(Mestrado em Educação). Universidade de Caxias do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação. Caxias do Sul, 2016b. ROMANELLI, O. O. História da Educação no Brasil. 35. ed. Petrópolis: Vozes, 2010. SILVA, P. A expansão da educação superior e o trabalho docente no Instituto Federal do Norte de Minas Gerais. 2015. 223f. Dissertação (Mestrado em Educação). Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Educação. Belo Horizonte, 2015. VERTICALIZAÇÃO DO ENSINO NO INSTITUTO FEDERAL DO TOCANTINS: um estudo de caso | 84 MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa Lívia Ramos Santos Pereira Raquel Quirino 06 | 85 INTRODUÇÃO Este artigo discute acerca da presença feminina em curso de engenharia no contexto nacional. O objetivo da presente pesquisa foi identificar e discutir os principais estereótipos de gênero associados às mulheres na engenharia, observando as estratégias de resistência por elas desenvolvidas para conduzir suas carreiras. Foram entrevistadas seis engenheiras civis, com idades de 26 a 28 anos, atuantes em Belo Horizonte. Os nomes das respondentes foram substituídos por códigos alfanuméricos (E1-E6) a fim de preservar suas identidades. As entrevistas seguiram um roteiro semiestruturado, abrangendo questões sobre a divisão sexual do trabalho, os estereótipos e a violência simbólica de gênero. A decisão por esses temas deve-se à centralidade de tais questões na identificação dos desafios vivenciados pelas mulheres na engenharia e das estratégias de resistência desenvolvidas por essas mulheres para sobreviver a esse meio predominantemente masculino. ESTATÍSTICAS DE GÊNERO NO BRASIL A Constituição Brasileira de 1988 consolidou os direitos humanos e implicou em avanços para as mulheres. Em 1986, o movimento feminista escreveu uma carta aos constituintes, requerendo benefícios que igualassem legalmente homens e mulheres. Dentre as solicitações, estavam aquelas destinadas ao trabalho, pleiteando pela isonomia salarial, acesso ao mercado de trabalho e à ascensão profissional (BERTOLIN, ANDRADE e MACHADO, 2018). Embora esses direitos sejam há 33 anos assegurados por lei, a realidade brasileira segue distante da igualdade de gênero. Apesar do lento processo de alteração dos padrões culturais de gênero, o nível de escolaridade das mulheres nas últimas três décadas cresceu. O Plano Nacional de Amostra por Domicílios (PNAD) de 2019 revelou que as mulheres brasileiras são mais instruídas: dentre a população com idade igual ou superior a 25 anos, 19,4% das mulheres têm nível superior completo, indicador que cai para 15,1% entre homens. Todavia, a maior qualificação feminina não conduziu às melhores oportunidades, afinal, são elas quem recebem as menores remunerações (IBGE, 2021). Conforme o relatório de Estatísticas de Gênero do IBGE de 2021, mesmo sendo maioria no ensino superior de forma geral, as mulheres são sub-representadas em áreas ligadas às ciências e à tecnologia. O Censo da Educação Superior de 2019 aponta que elas correspondem a 21,6% das matrículas nos cursos de Engenharia. As mulheres também são minoria em posições de liderança (IBGE, 2019). Em 2020, constituíam apenas 14,8% dos parlamentares na câmara dos deputados e 7,1% dos cargos ministeriais. Nas empresas, dados de 2019, 62,6% dos cargos gerenciais eram ocupados por homens (IBGE, 2020). Quanto à isonomia salarial, o Censo Demográfico de 2010 apontou grande diferença de remuneração entre homens e mulheres na engenharia: enquanto eles tinham rendimento mensal médio de R$ 5985,60, esse valor era de R$ 3976,10 para elas – as engenheiras recebiam salários 34% menores. Além disso, o Censo informa que a força de trabalho feminina na engenheira se reduz a 21,9% do total (IBGE, 2014). Tais indicadores comprovam que a divisão sexual do trabalho permanece latente no Brasil atual. Esse fato não pode ser desassociado à sobrecarga de afazeres domésticos e à criação dos filhos, que recaem sobre as mulheres. São elas quem comprometem maior parcela do seu tempo com serviços domésticos e cuidados de terceiros. Em 2019, enquanto homens destinavam cerca de 11 horas semanais a atividades dessa natureza, as mulheres tinham 21,4 horas tomadas. Esses dados vão encontro do relatório da UNESCO (2018), que evidencia a necessidade de intervenções que estimulem o envolvimento de meninas e mulheres nas áreas STEM (sigla em inglês para Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática). Segundo a instituição, além do combate à discriminação de gênero, deve-se interferir em diferentes contextos (familiar, escolar e social) para a promoção da igualdade. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 86 MULHERES NA ENGENHARIA Existem diversos desafios profissionais que influenciam a presença, a permanência e o desempenho das mulheres na engenharia, os quais interagem de forma complexa. Esse trabalho não pretende esgotá-los, mas os compila em três grandes grupos para conceituá-los e compreendê-los: a divisão sexual do trabalho, os estereótipos de gênero e a violência simbólica de gênero. A divisão sexual do trabalho, conforme Hirata e Kergoat (2007), é a segregação de atividades segundo as relações sociais entre os sexos, em que os homens se dedicam à esfera produtiva e as mulheres à esfera reprodutiva. Como cabe aos homens as funções de maior valor social adicionado, é estabelecida uma hierarquia que explora e oprime as mulheres. Com a inserção no mercado de trabalho, a mulher ficou sujeita ainda à dupla jornada (trabalho assalariado e trabalho doméstico). Gonçalves (2019) destaca dois princípios organizadores que regem a divisão sexual do trabalho: o princípio da separação (segregação horizontal), que divide as atividades produtivas em trabalhos de homens e trabalhos de mulheres; e o princípio hierárquico (segregação vertical), que atribui maior valor ao trabalho masculino. Segundo as estatísticas da seção anterior, ambos princípios são observados na engenharia, dado o reduzido número de mulheres na área (exclusão horizontal) e a maior dificuldade das engenheiras em ascender profissionalmente (exclusão vertical). Para além da exclusão, ao transgredir o status quo e ingressar em profissões majoritariamente masculinas, as mulheres são alvo da violência simbólica de gênero, definida por Bourdieu (1999, p.7) como [...] uma violência suave, insensível, invisível a suas próprias vítimas, que se exerce essencialmente pelas vias puramente simbólicas da comunicação e do conhecimento, ou, mais precisamente do desconhecimento, do reconhecimento ou, em última instância, do sentimento. Casagrande e Souza (2015) citam como manifestações da violência simbólica de gênero o questionamento da sexualidade, as críticas e os comentários depreciativos relacionados à aparência das mulheres, as supostas diferenças cognitivas entre homens e mulheres, a diferença salarial e a postura abusiva de superiores. O próprio conceito de feminino é deturpado pelos estereótipos de gênero A imagem feminina é frequentemente julgada a partir do conjunto de crenças que cercam principalmente a sua função de mãe e dona de casa, sua posição de sexo frágil, mostrada como objeto sexual, submissa ou serviçal (TRINDADE E GRANTHAM, 2016, p. 258). Esse perfil destoa dos estereótipos relacionados aos profissionais de engenharia, área predominantemente masculina. Assim, as engenheiras, ao romper com o padrão socialmente aceito, estão sujeitas a múltiplos obstáculos, unicamente por serem mulheres, fenômeno designado labirinto de cristal (LIMA, 2013, p. 886). Como estratégia de resistência, muitas engenheiras optam pela negação do feminino, o que Lombardi (2017, p. 143) denomina como o não ser mulher. Tal negação leva ao sofrimento, uma vez que essas mulheres não podem ser quem são no ambiente profissional. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 87 METODOLOGIA Este estudo tem caráter qualitativo descritivo. Os procedimentos técnicos selecionados foram pesquisa bibliográficae relato de experiência. A pesquisa bibliográfica firmou conceitos sobre as relações de gênero na engenharia e levantou indicadores estatísticos do atual cenário da engenharia nacional e da participação feminina no setor. Essa etapa foi sucedida pela coleta de relatos de seis engenheiras civis atuantes em Belo Horizonte, selecionadas por amostragem não probabilística. As entrevistas seguiram formato semiestruturado (questionário da Quadro 1). 1 Por que você escolheu a Engenharia Civil? 2 Como as pessoas próximas a você reagiram à sua escolha profissional? 3 Quais as dificuldades você experienciou em sua formação? E no mercado de trabalho? 4 Como você concilia ou pretende conciliar carreira e vida pessoal (trabalho doméstico, casamento, maternidade etc.)? 5 Você acredita que há trabalhos que devam ser feitos exclusivamente por homens ou exclusivamente por mulheres? Por quê? 6 Você acredita que os homens têm maior aptidão para as engenharias? Por quê? 7 Ao ingressar no mercado de trabalho, você considera que teve as mesmas condições e oportunidades que seus colegas de profissão homens? Por quê? 8 Você acredita que engenheiros e engenheiras ocupam os mesmos cargos e funções no mercado de trabalho? Por quê? 9 Você acredita que há igualdade salarial entre engenheiras e engenheiros com as mesmas atribuições? Por quê? 10 Você acredita que há divisão de gênero dentro das Engenharias? Por quê? 11 Qual a imagem você acredita que a sociedade atribui ao profissional da Engenharia Civil? Você acredita que essa imagem representa a realidade? 12 Você se identifica com sua profissão? E com os estereótipos a ela associados? 13 Você acredita que há estereótipos vinculado às mulheres atuantes nas engenharias? 14 Você se descreveria como uma engenheira confiante das suas habilidades? Por quê? 15 Durante a graduação, os/as professores/as tratavam alunos e alunas da mesma forma? E no mercado de trabalho, seus/suas superiores/as e colegas fazem distinção por gênero? 16 Você se sente desconfortável em atuar em uma área predominantemente masculina? 17 Opine sobre a atuação das mulheres na engenharia: desafios, possibilidades e contribuições. Quadro 1 - Questões abordadas nas entrevistas Fonte: Elaboração própria (2021). As entrevistas ocorreram em formato remoto (via Google Meets e Microsoft Teams), entre 18 e 27 de outubro de 2021, durante a pandemia do Coronavírus. As engenheiras foram informadas sobre a possibilidade de reprodução das suas falas, fornecendo seu consentimento. A fim de preservar a identidade das entrevistadas, seus nomes foram substituídos por códigos alfanuméricos (E1-E6). Cada entrevista durou cerca de uma hora e foram analisadas à luz da teoria da divisão sexual do trabalho, os estereótipos de gênero e a violência simbólica de gênero. De posse dos relatos, esses tiveram excertos associados à bibliografia revisada. Nessa etapa, optou-se pela Análise Crítica do Discurso (ACD), capaz de extrair da descrição de fatos sua essência e identificar fenômenos sociais que mesmo as entrevistadas ignorem. Por fim, realizou-se a exegese das entrevistas para responder: quais os desafios profissionais enfrentados pelas engenheiras devido à questão de gênero e as estratégias de resistência adotadas para superar o labirinto de cristal? RESULTADOS E DISCUSSÃO A primeira etapa da pesquisa traçou o perfil das entrevistadas. E1 tem 27 anos, é graduada em Engenharia Civil (2013-2019) e entre 2015 e 2016 esteve em intercâmbio pelo Ciências sem Fronteiras. Atua como engenheira júnior na área de recursos hídricos. Seu pai é físico e sua mãe é bibliotecária. Reside com o namorado MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 88 E2 tem 28 anos e se formou em Engenharia Civil (2012-2018). É professora em uma rede preparatória para concursos e sócia de uma empresa na área da educação. Sua mãe tem ensino médio incompleto e é comerciante. Seu pai tem ensino médio completo, é policial aposentado e atua no comércio. Mora com o companheiro. E3 tem 26 anos e cursou Engenharia Civil (2013-2019), com duplo diploma Brasil-França. Seus pais são graduados e têm especialização lato sensu. É consultora de transportes em uma instituição internacional. Mora com os pais e a irmã. E4 tem 26 anos, é formada em Engenharia Civil (2013-2018) e mestranda em Saneamento Ambiental (2020-atual). É analista de programação em uma empresa de instalações prediais. Reside com a família. Sua mãe atua no setor administrativo e faz pós-graduação; seu pai tem ensino médio completo e é motorista de ônibus. E5 é graduada em Engenharia Civil (2013-2019) e realizou intercâmbio pelo Ciências sem Fronteiras (2015- 2016). É engenheira júnior em uma empresa de recursos hídricos. Seus pais são aposentados; sua mãe tem mestrado em educação e seu pai trabalhava como advogado. Mora com o namorado. Por fim, E6 tem 26 anos, é formada em Engenharia Civil (2013-2018) e assistente técnica em uma empresa de tecnologia de materiais de construção. Seus pais são pós-graduados e ambos são servidores públicos. Vive com a mãe e a irmã. Escolha profissional Lima et. al (2017) destacam que a escolha profissional pode ser influenciada por fatores étnicos, sociais, econômicos, familiares, pessoais e de gênero. Quanto aos papéis e expectativas de gênero, há um processo de socialização que relaciona às profissões crenças sobre a existência de ocupações femininas e masculinas, estereótipos que podem ser determinantes na escolha profissional. A pesquisa de Santos, Canever e Frotta (2013) apontou que as principais profissões descartadas pelas mulheres entrevistadas foram ciências da computação e engenharia civil. As principais justificativas foram: não gostar, não se identificar e falta de vocação. A partir desse contexto, elaboramos questões relativas à decisão profissional. A maioria das respondentes citaram como motivação a identificação com disciplinas de exatas (E2, E3 E4, E5 e E6). E1 destacou que seu desejo era cursar jornalismo, mas um ex-namorado a apresentou a engenharia como uma área de maior retorno financeiro. E5 também enfatizou a segurança financeira como um critério de decisão. Já E2 frisou que a sociedade lhe fez enxergar a graduação como “único caminho”. Com base nos relatos, constata-se que o interesse por disciplinas de exatas foi decisivo dentre as entrevistadas. O sucesso financeiro, a identificação profissional e as possibilidades de atuação no mercado apareceram como fatores secundários. A respeito da reação das pessoas próximas (famílias, amigos e parceiros) à sua escolha profissional, as entrevistadas apontaram receptividade à Engenharia Civil. Por ser considerado um curso difícil e uma profissão bem remunerada, os pais não questionaram tal escolha. Nenhuma das entrevistadas relatou indagações de gênero. Ao analisar o apoio familiar recebido pelas entrevistadas diante da sua decisão profissional a partir de Poncinho et al. (2010), percebe-se que tal informação não surpreende, dado o elevado nível educacional da maior parte dos pais das engenheiras. Os autores destacam que pais com níveis socioculturais e econômicos altos prezam mais pela autonomia dos filhos, enquanto pais de níveis socioculturais e econômicos desfavorecidos tendem a valorizar a obediência, restringindo as escolhas dos filhos e suas expectativas de formação e sucesso profissional. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 89 Divisão sexual do trabalho A entrevista contemplou perguntas sobre a divisão sexual do trabalho. Quando inquiridas se há trabalhos que devam ser realizados exclusivamente por homens ou mulheres, todas as engenheiras responderam que não. E1 ressaltou “não há diferença de capacidade, o que existe são profissões que são mais aceitas pela sociedade quando exercidas por um dado gênero”. E2 citou que o senso comum atribui aos homens o serviço braçal e destacou a importância do feminismo em defender que “a mulher pode estar onde quiser”. E3 pontuou quea distinção por gênero não deveria ocorrer em cargos que exijam formação superior e predomine o “trabalho intelectual”, onde “somos todos iguais”. E4 disse que há ambientes profissionais hostis para as mulheres e ambientes em que os homens são alvo de preconceito. As falas das entrevistadas indicam que elas não se sentem incapazes de atuar em funções tipicamente masculinas. Porém, E1, E2 e E4 mostraram consciência da existência de profissões que privilegiam indivíduos de certo gênero, o que ilustra os princípios da segregação horizontal e vertical na divisão sexual do trabalho. Sobre a crença dos homens terem maior aptidão para as engenharias, as entrevistadas se posicionaram negativamente. E1 relatou que muitos dos seus colegas engenheiros não ingressaram no setor. E2 argumentou que esse tipo de crença reproduz uma “mentalidade arcaica.” Para E3 e E4 não há distinção biológica entre os cérebros de homens e mulheres: “são as influências externas que promovem maior identificação dos homens com a área”, destacou E3. Segundo E4, essa aptidão é socialmente construída: “os meninos são incentivados desde a infância a brincar com objetos que promovem o raciocínio”. E5 também acredita que a criação interfira nas aptidões: “a engenharia é um ambiente que requer casca grossa. O homem geralmente é criado para isso, enquanto as mulheres são educadas para serem submissas.” E5 e E6 destacaram trabalhar com engenheiras muito competentes. Como disseram E4, E5 e E6, a divisão sexual do trabalho é caracterizada pelas diferenças entre as práticas de homens e mulheres não provenientes de causalidade biológica, mas sim de construções sociais (MESQUITA, 2017). Assim, ao alegar que homens têm maior aptidão para uma área, perpetua-se a ideologia naturalista, que reduz gênero a sexo biológico e as práticas sociais a papéis sociais sexuados. Com relação ao ingresso no mercado de trabalho, as engenheiras, de forma geral, acreditam ter tido as mesmas oportunidades que seus colegas homens. E2 disse que seu principal problema para entrar no mercado foi a exigência de experiência, mesma dificuldade citada por E3. E5 salientou que foi entrevistada por mulheres, o que contribuiu para que acreditasse que a instituição não faz distinção de gênero. E6 destacou que a mulher é menos valorizada no mercado. Apesar de não ser óbvio e nítido, percebe diferenças de tratamento entre homens e mulheres. E4 foi a única a relatar que sentiu suas possibilidades limitadas pelo gênero, já que evitou trabalhos em regiões remotas por ser mulher e temer pela sua integridade física. As entrevistadas também foram inqueridas sobre como conciliam ou pretendem conciliar carreira com vida pessoal (trabalho doméstico, casamento, maternidade etc.). Nenhuma das entrevistadas tinha filhos no período da entrevista. Três delas viviam com seus companheiros (E1, E2 e E5) e as demais (E3, E4 e E6) com familiares. E1 pretende ter filhos, mas não planeja abdicar da profissão. Espera contar com a ajuda de empregada e babá. Atualmente ela e o companheiro dividem os afazeres domésticos, apesar de ela fazer mais serviços por estar em home office. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 90 E2 e seu parceiro dividem o trabalho doméstico igualmente. Priorizando a praticidade, contam com eletrodomésticos que reduzem suas tarefas. Sobre a maternidade, demonstrou receio sobre a reação do mercado. Todavia, quer ter filhos e acredita que isso só será viável com uma rede de apoio (mãe, sogra, irmã). Não se sente confortável em empregar alguém para cuidar dos filhos. Relata que as mulheres temem ser punidas por engravidar. E3 deseja casar-se e ter filhos. Conciliar maternidade e carreira lhe preocupa, mas cogita deixar de trabalhar enquanto os filhos estiverem pequenos. E4 não tem planos de ser mãe nos próximos anos, “ou talvez nunca”. Casar é uma possibilidade. Acredita que um casal deva dividir afazeres domésticos e responsabilidades. E5 aponta que não consegue imaginar alguém que trabalha e estuda tendo vida pessoal. Pondera parar de trabalhar para continuar os estudos. Não sabe se quer casar “no papel” ou ter filhos, mas pensa que como autônoma teria mais tempo para a maternidade. Pretende contar com rede de apoio (família, babá e creche). E6 disse que seus planos de casar e ter filhos a motivam a mudar de área. Não vê o mercado de engenharia como favorável às mulheres que querem ser mães. Embora a maioria das entrevistadas queira ter filhos, temem comprometer suas carreiras. Esse receio encontra fundamento nos relatos colhidos por Lombardi (2017), em que uma engenheira civil disse que seu chefe depreciava as funcionárias: “mulher para trabalhar tinha que nascer sem útero”. Outra situação citada foi a demissão de uma engenheira que retomou ao trabalho um mês após do nascimento do filho, sendo demitida seis meses depois por “não ser mais a mesma”. Observa-se que o medo das engenheiras em serem punidas pela maternidade reflete a realidade. Quanto ao trabalho doméstico, as engenheiras acreditam que o justo, considerando um casal com jornadas de trabalho equivalentes, é que as tarefas sejam divididas igualmente. Em contrapartida, quanto questionadas sobre a criação dos filhos, boa parte das respondentes disse que buscaria uma rede de apoio familiar (mãe, sogra) e/ou profissionais (empregada e babá). Os parceiros quase não foram mencionados, enquanto todos os indivíduos citados como apoio são mulheres. Esses relatos reforçam que, ainda que a mulher exerça atividade remunerada, é a ela que naturalmente se atribui o cuidado das crianças, velhos e incapazes (2011, QUIRINO). Sobre as funções exercidas por engenheiros e engenheiras no mercado de trabalho, todas as entrevistadas relataram não acreditar que há equidade. E1 disse que homens “chegam mais fácil aos cargos de liderança”. E2 acredita que em qualquer área há disparidade: “os homens são mais promovidos e isso tem relação com a maternidade.” Para ela, as empresas consideram a mulher uma funcionária mais cara. Destaca-se ainda que as mulheres são mal interpretadas quando líderes: “Uma mesma atitude é vista de forma distinta quando tomada por um homem (decidido, firme) e uma mulher (arrogante, histérica). Esses erros de julgamentos fazem com que a mulher precise remar mais para ser igual (ao homem)”. E3, apesar de nunca “ter sentido na pele” essa diferenciação, acredita que o crescimento profissional da mulher na engenharia é dificultado. E4 mencionou desigualdades causadas pelo preconceito. E5 comentou que a empresa em que trabalha realizou uma pesquisa sobre as funções de homens e mulheres, cujos resultados apontaram que os cargos de liderança ainda são ocupados por homens. E6 disse que no seu nível profissional há equidade de gênero, mas que “no topo, definitivamente, não.” As entrevistadas demonstraram compreender o papel da mulher no mercado de trabalho nacional. Como apresentado nas estatísticas de gênero previamente descritas, as mulheres seguem sub-representadas nos cargos de liderança e na engenharia não é diferente. Lombardi (2006) chegou a conclusões parecidas em seu estudo: há uma tendência de haver menos engenheiras entre gerentes e diretores (segregação vertical) e, quando essas assumem cargos de chefia, parecem se concentrar em certos setores (segregação horizontal). Outro trecho relevante é a fala de E2: “a mulher precisa remar mais para ser igual (ao homem)”, aspecto citado na literatura como a necessidade da mulher se destacar para alcançar o mesmo que um homem, o que Gonçalves (2019) denominou como “ser mais para ser igual”. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 91 Dando continuidade, as entrevistadas foram questionadas sobre a igualdade salarial entre engenheiros e engenheiras com as mesmas atribuições. E1 disse que na empresa em que trabalha a igualdade salarial é uma realidade. E2, por outro lado, não considera que há equivalência salarial entre homens e mulheres no Brasil. Paraela, essa diferença penaliza a mulher pela maternidade. E3 relatou que, durante sua experiência na França, conviveu com engenheiras que suspeitavam receber menos que seus colegas homens. Já E4 levantou uma hipótese: “talvez as mulheres aceitem ficar em uma empresa recebendo menos por receio de não encontrar outro emprego.” E5 acredita que nos níveis mais baixos há igualdade salarial, mas não crê na isonomia salarial: “talvez o homem pense, “eu sou bom, eu peço mais dinheiro (por um serviço)”, enquanto a mulher se satisfaz com um valor menor”. E6 nunca ouviu relatos de disparidade salarial, embora também não acredite na igualdade de remuneração. Mais uma vez as engenheiras entrevistadas demonstraram conhecer, ou suspeitar, da existência de disparidade salarial entre homens e mulheres. O Censo Demográfico de 2010 quantificou essa disparidade ao apontar que engenheiras recebem cerca de 34% menos que engenheiros. As hipóteses levantadas pelas entrevistadas sobre a mulher aceitar menores remunerações foram ao encontro do argumento apresentado por Abramo (2007), que alega que as mulheres têm uma menor expectativa em relação às suas possibilidades no mercado de trabalho. As entrevistadas foram inquiridas sobre a divisão de gênero nas Engenharias, analisando se há áreas ditas mais ou menos femininas. E1 crê que a área de recursos hídricos atrai o público feminino por ser uma área “mais jovem”. Já na área de estruturas, prevalece a presença masculina e as poucas mulheres são “mais velhas e carrascas”. E2 relatou que no ambiente de obras “as mulheres não são bem-vindas, sequer são tratadas como profissionais ou seres pensantes.” Para E3 os preconceitos surgem no momento da escolha profissional, com os rótulos “Engenharia Ambiental é de mulher, é menos bruto, mais light”. E4 também presenciou segregação: teve oportunidade de estagiar em obras, mas desistiu da vaga quando a engenheira que lhe entrevistou contou não ter suas orientações acatadas pelos funcionários que coordenava nem ser respeitada. E5 não vê sentido nessa divisão, mas admitiu que ela existe. “Entre as engenharias, Engenharia Ambiental e Química têm mais mulheres. Aeroespacial e Elétrica são mais masculinas. Na Civil, em geotecnia e estruturas há mais homens”. E6 acredita que atualmente não há tanta divisão. Essas respostas evidenciam que a universidade está distante de ser um espaço democrático e igualitário. Casagrande e Souza (2015) corroboram com os relatos colhidos: as mulheres sofrem estranhamento ao optar pela engenharia, havendo um estigma acerca das suas habilidades para as Ciências Exatas. O que se espera é que elas se dediquem a cursos “mais leves”, adequados às “tendências femininas”. Estereótipos de gênero Viana, Sousa e Torres (2018) pesquisaram a inserção profissional contra-normativo segundo os estereótipos. Estereótipos são “fotografias mentais”, que atribuem certos traços a uma categoria social. Essas categorias classificam as informações que recebemos, para nos orientarmos no mundo com um menor esforço cognitivo. Aqui incluem-se os estereótipos de gênero e o estereotípico de profissionais do sexo masculino e feminino. Em busca de compreender os efeitos desses estereótipos na trajetória das engenheiras, algumas perguntas foram realizadas. MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 92 Quando questionadas sobre o estereótipo que a sociedade atribui a Engenharia Civil, as respostas convergiram para a imagem do engenheiro de obras. “É o engenheiro que vai para a obra, com projeto na mão e capacete”, descreveu E1. “É um profissional multitarefa, que vai resolver todos os pepinos”, relatou E2. A entrevistada E2 destacou ainda que as pessoas confiam mais em engenheiros homens e que, quando se deparam com uma engenheira, tendem a assumir uma postura cética: “será que ela sabe mesmo?”. Para ela “as mulheres são muito questionadas no mercado de engenharia”. E3 relatou: “(O engenheiro civil) é seguro de si, usa botina e capacete. É um líder.” Enquanto E4 descreveu “imagino uma pessoa metida, com roupa de obra, capacete. Homem ... ou uma mulher mais despachada.” Imagem reforçada por E5: “é um cara de calça jeans, camisa azul, caneta no bolso, que sabe tudo de obras e estruturas” e por E6 “o engenheiro de obra, de botina, bruto.” Esse estereótipo, entretanto, não representa os profissionais da área em sua completude. Todas as entrevistadas disseram não se sentirem representadas por essa imagem. Ainda sobre estereótipos de gênero, discutiu-se com as entrevistadas se essas se identificam com sua profissão e com os estereótipos a ela associados. E1 disse que se identifica com a área em que atua, mas não com os estereótipos, por não ser “durona ou incisiva”. E2 também se identifica com a profissão, porém, por destoar dos estereótipos, acredita que eles têm efeito nocivo sobre ela: “me sinto insegura, na defensiva, sou atingida por eles”. E3, por sua vez, relata se identificar com a profissão, com a ressalva: “tenho dificuldade de me ver com o rótulo de Engenheira Civil, por nunca ter trabalhado com aquilo que de fato esperam de um engenheiro civil.” E4 se identifica com sua função, mas não com a engenharia: “sinto que não sei nada do que esperam de um engenheiro”. E5 disse se identificar com a profissão, “gosto bastante do que faço e acho muito interessante”. Em contrapartida, não se identifica com o estereótipo “masculino, sério, sem espaço para inovação”. E6 apontou que se identifica em partes. Acredita que tem capacidade de exercer seu ofício, mas “não ama”. “O mercado (da engenharia) me desanima a longo prazo, foge do que eu quero”, e aqui reforça seu desejo em ter horários mais flexíveis para ser mãe. A análise desses comentários nos permite identificar um conflito entre o estereótipo do engenheiro civil e a personalidade das engenheiras entrevistadas. Embora a maioria delas tenha declarado se identificar com sua profissão e funções, o descolamento entre o que de fato são e o que a sociedade espera que o engenheiro seja fazem com que sintam inseguras e/ou tenham dificuldade de construir uma identidade profissional. Os dados da pesquisa de Viana Sousa e Torres (2018) justificam esse fenômeno. Segundo as autoras, para serem engenheiras, as mulheres precisam abdicar da sua feminilidade haja vista que os estereótipos associados à profissão são atributos totalmente tidos como masculinos (forte, determinada, competente, profissional), enquanto atributos socialmente construídos sobre mulheres (compreensiva, sociável, amável) não são valorizados nesse setor. Uma das perguntas tratou dos estereótipos associados às mulheres engenheiras, abrangendo personalidade, aparência e orientação sexual. E1 comentou já ter ouvido que “mulher bonita faz letras, mulher feia faz engenharia”. Para ela, o estereótipo da engenheira é “carrancuda, fora do padrão de beleza, mais masculina, que tem brothers e faz piadinhas machistas.” E2 acredita que na Engenharia Civil não há tantos estereótipos como na Engenharia Mecânica, onde as mulheres têm sua sexualidade questionada. Para ela esse não é um problema exclusivo das mulheres, há setores, como arquitetura e estética, que quando ocupados por homens levam terceiros a dizer que esses são homossexuais. E3 acredita que as engenheiras ambientais são vistas como “mais arrumadinhas”, enquanto na Engenharia Mecânica e Aeroespacial há comentários sobre a orientação sexual das mulheres. E4 disse que o estereótipo de engenheira se resume em “lésbica e não bonita” e E5 o descreve como “feia, ou não gosta de homem, ou muito brava”. E6 comentou: “não é uma mulher superfeminina, quietinha e fofinha; não usa salto, não faz unha.” MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 93 Essa temática é abordada por Casagrande e Souza (2015), que reafirmam tais relatos ao analisar o julgamento da aparência física e o questionamento da sexualidade das engenheiras. Essas autoras apresentam narrativas de universitáriasque foram rotuladas como “mulheres macho” por cursarem Engenharia Mecânica, ou que ouviram que “mulher que faz civil é tudo lésbica […], é o curso com maior concentração de mulher feia”. Aqui observamos como os estereótipos de gênero conduzem à violência simbólica, comprometendo a autoestima de jovens mulheres. Violência simbólica de gênero Soihet (1997) define violência simbólica como uma violência que não se restringe à violência física, mas se estende à normatização da cultura, à discriminação e à submissão feminina. Diante desse conceito, as engenheiras foram questionadas quanto às dificuldades que vivenciaram no ensino superior e no mercado de trabalho. De modo geral, os desafios apontados pelas engenheiras em sua formação foram o nível de dificuldade das disciplinas e a demanda de atividades. E2, contudo, presenciou comentários machistas e racistas, afirmando: “a universidade não é acolhedora com as minorias, em especial a Escola de Engenharia”. Evidencia-se que, nem sempre, a universidade é democrática, reproduzindo preconceitos da sociedade. Quanto ao mercado de trabalho, E1 disse não se sentir representada nos cargos de liderança, ocupados em sua maioria por homens. Relatou ainda um constrangimento: seu ex-chefe elogiou sua aparência e ela se questionou se estava no cargo por ser competente ou bonita. Aqui dois pontos chamam atenção: as barreiras de ascensão hierárquica que limitam as engenheiras e o assédio sexual. E2 relatou obstáculos para ingressar no mercado da engenharia. Dada a dificuldade de encontrar vagas na área, decidiu por tentar concursos públicos e chegou a boas colocações. Com isso, a empresa de preparação para concursos onde fora cliente lhe convidou para trabalhar com eles. Segue como professora no curso. E3 acredita que se adaptou muito bem à universidade. O mesmo não ocorreu no mercado de trabalho. Sua insegurança lhe prejudicou e questionava-se constantemente se seria capaz de se provar nesse ambiente. Sua primeira experiência profissional ocorreu na França, onde não teve dificuldade em estagiar. Ao retornar para o Brasil, enfrentou uma realidade diferente. Não recebeu respostas dos processos seletivos que participou e sentiu que seu currículo não foi valorizado. E4 e E5 também tiveram dificuldade em encontrar estágio. Foi a partir de uma iniciação científica e dos seus conhecimentos de programação que E4 conseguiu sua primeira vaga, empresa em que trabalha até hoje. E5 disse que, após outras tentativas, ingressou em uma boa empresa, onde hoje é engenheira júnior. As respostas ficaram divididas quanto ao sentimento de confiança no exercício da engenharia. E2 e E5 se descreveram como confiantes dentro dos seus cargos. E1 se considera parcialmente confiante. Reconheceu seu progresso profissional e disse que é elogiada por colegas, todavia, sofre com a “síndrome da impostora”, questionando sua própria capacidade. E6 relatou que até pouco tempo não era confiante, mas que ultimamente acredita mais no seu potencial. E3 e E4, contudo, não se consideram confiantes. E3 relatou que em boa parte do tempo sente que está indo mal, sem atender às expectativas. Apesar desses sentimentos, recebe feedbacks positivos. E4 destacou que sente um “pouquinho” de confiança na área que atua, mas não acha que prestou atenção o suficiente nas disciplinas enquanto aluna e não gosta de conversar sobre engenharia fora do trabalho. Ao serem questionadas se seus colegas homens demonstram maior confiança, com exceção de E2, todas as entrevistadas disseram que os homens têm postura mais confiante. Para elas, isso MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 94 se deve a maior receptividade a ideias propostas por homens, enquanto mulheres são ignoradas; ou mesmo pela forma de socializar dos homens, que são automaticamente confiantes ao defender ideias e acreditar que qualquer trabalho que façam é bom. As mulheres, por outro lado, mesmo quando muito experientes e capacitadas, tendem a se diminuir e sentem que precisam “provar mais” ou “se explicar”. E2, entretanto, não acha os homens mais confiantes e crê que essa é uma característica pessoal e não de gênero. Ao analisar o nível de confiança das engenheiras, observa-se que, para a maioria das entrevistadas, acreditar nas suas capacidades é um desafio. As principais causas que alimentam essa insegurança são: a síndrome da impostora, a falta de identificação com o estereótipo do engenheiro civil e a tendência a serem diminuídas ou ter de se provar no trabalho. Essas são práticas classificadas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) como assédio moral, que segundo Pezé (2001) apud Lombardi (2017) conduzem ao sofrimento psíquico da vítima, que sente necessidade de demonstrar elevada capacidade e produtividade em reação à desvalorização sofrida. Esse tipo de assédio é velado e, embora tenham descrito suas características, nenhuma das entrevistadas associou sua insegurança a esse fenômeno social. As entrevistadas foram questionadas sobre a sensação de desconforto quando atuam em equipes majoritariamente masculinas. E1 e E5 não relataram desconforto. E1 pontuou que quando os rapazes têm comportamentos machistas, vê a oportunidade de “puxar a orelha” deles. Já E5 destacou não se sentir intimidada. E3 relatou estar acostumada com a maior presença masculina, mas enfatizou: “mina a segurança, o clima fica pesado”. E6 citou dificuldade em ser ouvida, “vou ter que me provar mais”. E2 relatou que, enquanto estagiária na construção civil, experienciou situações de assédio. Hoje não passa mais por tal situação, mas sente que há desconfiança sobre ela por ser mulher, “preciso provar que consigo”. E4, por fim, se sente desconfortável em grupos com muitas pessoas (sejam homens ou mulheres). A variedade de respostas para essa pergunta mostra que cada engenheira se adaptou de forma distinta aos ambientes majoritariamente masculinos. Todavia, Lombardi (2017) salienta que a mulher que integra a comunidade da engenharia passa pelo mesmo processo de socialização do homem e se vê diante do desafio de conviver com o machismo e a discriminação, que se manifestam via assédios moral e sexual. Sobre diferenças de tratamento entre homens e mulheres na universidade e no mercado, E4, E5 e E6 disseram não se lembrar de tratamentos distintos vindo dos professores. E1, por sua vez, destacou que teve dois professores que faziam piadas machistas. E E3 contou que alguns poucos professores “paparicavam (algumas meninas)”. E2 citou que certos professores não eram receptivos às minorias. Com relação ao mercado, E1 alegou que na área que atua o tratamento é igualitário. E4 também destacou que onde trabalha não há distinção de gênero. Já E3 disse que nunca foi alvo de diferenciação, mas que já viu acontecer com outras mulheres. E5 relatou que em seu trabalho atual não percebe distinção entre homens e mulheres, mas que já vivenciou isso em um estágio, onde conviveu com pessoas “mais antiquadas” que faziam “piadinhas machistas”. E6 disse que essa diferenciação é “sutil”, no “jeito de falar”. E2 concluiu que as mulheres não são tratadas como iguais e, especialmente em profissões técnicas, são sempre alvos de desconfiança. Por fim, as entrevistadas opinaram sobre a atuação das mulheres na engenharia, destacando desafios, possibilidades e contribuições. E1 acredita que a participação feminina deveria ser igual à masculina e enfatizou que cabe às mulheres mostrarem que são capazes. Apontou que ambos os gêneros devem contribuir nas tarefas domésticas e criação dos filhos. E2 destacou a dificuldade de ingressar no mercado “precisamos provar coisas, em especial quando os superiores são homens”. Para ela, o perfil feminino é bem-vindo para formar equipes versáteis. E3 também acredita que a mulher traz uma visão diferente para o setor. E4 e E5 argumentaram que as possibilidades das mulheres estão aumentando. “Quanto mais mulheres ingressarem na engenharia, mais fácil será para as próximas”,disse E4. E5 frisou “muitas mulheres já MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 95 nos abriram portas”. Para E5, as mulheres devem investir em sua formação para se destacarem. Acredita que o “coleguismo feminino” é importante para atrair mais mulheres para a engenharia. E6 pontuou o desafio de alcançar cargos de liderança, ressaltando que as mulheres não são consideradas pela crença de priorizarem a família. “O mercado de engenharia não é receptivo às mulheres”. CONSIDERAÇÕES FINAIS As mulheres ganharam espaço nas universidades e no mercado de trabalho. Contudo, a alteração dos padrões culturais é lenta. A divisão sexual do trabalho persiste, e os estereótipos de gênero reforçam essa segregação, recaindo sobre as mulheres. Aquelas que transgridem esse status quo e ingressam em atividades contra-normativos, são alvo de violência simbólica. Nesse artigo essas teorias foram estudadas a partir do relato de seis engenheiras. Apesar da violência simbólica se manifestar de forma sutil e imperceptível, as entrevistadas mostram-se exceção à regra. Esse grupo de mulheres demonstrou ciência da realidade e de muitos dos preconceitos sofridos por elas. Destacaram pontos como a falta de representatividade feminina em cargos de liderança e a disparidade salarial. Essa percepção aguçada dos fenômenos sociais pode estar relacionada ao elevado nível sociocultural dessas mulheres e de suas famílias. Tal hipótese poderá ser investigada em um estudo futuro, com um grupo mais amplo de respondentes, avaliando interseccionalidades de gênero, raça e classe. Todavia, alguns aspectos permaneceram naturalizados aos olhos dessas mulheres: o impacto do assédio moral na autoconfiança profissional e a delegação das mulheres aos cuidados da prole. Embora capacitadas, algumas dessas engenheiras convivem com o sentimento de insuficiência, devido à interiorização do dever da mulher em apresentar um diferencial para chegar ao mesmo patamar profissional que um homem. Sobre a maternidade, transpareceram preocupação em conciliar carreira e filhos, demandando uma rede de apoio. Os membros dessa rede, entretanto, são sempre outras mulheres. A figura do pai foi quase ausente nos relatos. Dentre as principais estratégias de resistência citadas para superar obstáculos profissionais, destacam-se: demonstrar capacidade e produtividade, investir em um diferencial e o “coleguismo feminino”. Ressalta-se que esse esforço da mulher para se sobressair e conquistar cargos antes inalcançáveis é necessário, mas tal estratégia precisa ser temporária, pois, enquanto um indivíduo tiver que se esmerar mais que seus pares para atingir um mesmo objetivo, não romperemos com as desigualdades. REFERÊNCIAS ABRAMO, Laís Wendel. A inserção da mulher no mercado de trabalho: uma força de trabalho secundária? Tese (Doutorado em Sociologia) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007. BERTOLIN, Patrícia Tuma Martins; ANDRADE, Denise Almeida; MACHADO, Monica Sapucaia. Carta das mulheres brasileiras aos constituintes: 30 anos depois. São Paulo: Autonomia Literária, 2018. BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 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MULHERES NA ENGENHARIA: relatos em primeira pessoa | 98 O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro de Formação Artística e Tecnológica Marcos Eustáquio da Silva 07 O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 99 INTRODUÇÃO A pandemia mundial em virtude da COVID-19, obrigou os gestores dos países, estados e municípios a adotarem protocolos de segurança a fim de conter a disseminação do vírus e mitigar as mortes face à sua letalidade (LEITE at al., 2020). Neste contexto, Schmidt (2020) informa que a pandemia da COVID-19 é um desafio em saúde pública no século XXI, em que países têm adotado medidas extremas para tentar frear o contágio e possível mortes. Por isso, se fez fundamental o isolamento social e o fechamento de lugares frequentados por muitas pessoas. Em Belo Horizonte, a medida restritiva se deu com advento do Decreto municipal nº 17.328, de 08 de abril de 2020, em houve a suspenção por tempo indeterminado dos Alvarás de Localização e Funcionamento e autorizações emitidos para todas as atividades comerciais enquanto perdurasse a situação de emergência em saúde pública, como escrito no art. 1º desse Decreto: Ficam suspensos, por prazo indeterminado, os Alvarás de Localização e Funcionamento (ALF) de todas as atividades comerciais e com potencial de aglomeração de pessoas no âmbito do Município de Belo Horizonte, consideradas as exceções previstas neste decreto. XVI - atividades presenciais em: a) escolas para ensino de esportes, música, arte e cultura; b) escolas de idiomas; c) cursos diversos e centro de treinamento; d) centro de formação de condutores; e) cursos preparatórios (BELO HORIZONTE, 2020). Mediante a publicação desse Decreto, o Centro de Formação Artística e Tecnológica (CEFART), publicou uma nota, suspendendo todas as suas atividades presenciais, tanto para professores, como também para os alunos, adotando o regime de teletrabalho e criando um comitê de monitoramento da pandemia da COVID-19. Tais medidas restritivas as quais o mundo inteiro vivenciou nos primeiros dois anos de pandemia e, de certa forma ainda vivência, e o isolamento social, inviabilizou os encontros presenciais, afetando diretamente as escolas e instituições de ensino de modo geral. As Tecnologias Digitais de Comunicação e Informação (TDIC) assumiram um papel central na vida das pessoas, de modo que é diante de várias telas que as elas passaram a vivenciar suas relações profissionais, afetivas, sociais e também educacionais. Os gestores, professores, alunos e famílias, tiveram que quebrar paradigmas e aprender a lidar com este universo que até então era tido como exclusividade da Educação a Distância (EaD). Possibilitou a reflexão para compreender como acontece o processo educacional na EaD e como ela pode contribuir para a aprendizagem do aluno, uma vez que ele terá que fazê-la de forma totalmente remota, sem o contato físico com o professor. Diante desse panorama, surge a questão que originou este estudo: como realizar o ensino musical remoto utilizando as plataformas digitais? Para responder essa questão, foi realizada uma pesquisa com o objetivo de analisar a atuação dos professores de música do CEFART no ensino musical remoto, a partir da suspensão das atividades presenciais, durante a pandemia da COVID-19. Vale informar que esta pesquisa foi orientada pela professora Márcia Gorett Ribeiro Grossi. Esta pesquisa se justifica, pela relevância e benefícios que a música pode proporcionar a vida das pessoas, e quando sua aplicabilidade é feita de forma responsável, evidencia que o professor tem o papel fundamental na disseminação do conhecimento da arte musical. Nesse sentido, Nogueira (2017, p. 15) afirma que “a música inventa e insere, a linguagem musical coloca as pessoas no mesmo tom, e, ao mesmo tempo, a música, por força de seus vários ritmos torna-se a própria ambiência ética”. Para o autor: O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 100 A música torna o mundo menos assustador para quem convive com alguma deficiência ou diversidade, pois através dela as pessoas podem se comunicar, se conhecer e se expressar. A educação musical também tem importante papel no desenvolvimento sensorial e motor, trazendo assim, além de um novo olhar sobre o corpo e suas habilidades, novos limites e possibilidades de um caminho que é tão amplo. Concluindo, assim, a música é um efetivo instrumento de reconhecimento pessoal e um caminho para a integração da pessoa na comunidade. Além de trazer para essas pessoas um olhar sobre as artes, o que na maioria das vezes se faz novo, pois o número de pessoas com acesso à cultura ainda é pequeno. Vemos então na música, nas artes e na cultura de forma geral uma possibilidade de inclusão e principalmente de construção do ser. (...) Por meio da música somos envolvidos e a partir daí nos tornamos pessoas iguais sem distinção, essas ações que buscam a igualdade podem mudar o futuro do nosso país (NOGUEIRA, 2017, p. 125 - 126). Além de sua relevância, a música pode trazer consigo outros benefícios como cita a psicóloga da clínica e saúde Lobo (2017) que diz: O treino musical produz alterações no cérebro, beneficiando e desenvolvendo algumas áreas que se mantêm ao longo da vida, mesmo que a música tenha sido abandonada, entretanto. Mantém o cérebro com um funcionamento mais jovem durante mais tempo, sobretudo no que diz respeito à capacidade de processamento de sons, algo que vai declinando com a idade, e protegendo contra a degradação cognitiva inevitável com o somatório dos anos que passam (LOBO, 2017, p. 2). Na Figura 1 pode-se ver os benefícios físicos e psicológicos da música, de acordo com os ensinamentos da neurociência. Figura 1 - Benefícios físicos e psicológicos da música Fonte: https://br.pinterest.com/pin/760897299558209098/ O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 101 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA O ensino de música, tendo como suporte as TDCI, tem por objetivo desenvolver o aprendizado musical que possa contribuir com o aprendizado e desenvolvimento do aluno, com aportes teóricos e metodológicos para o processo de ensino e aprendizagem em ambientes virtuais através do ensino remoto por meio das plataformas digitais. Sobre essa questão, Matos (2020) aponta que pode ocasionar questionamentos de como desenvolver as atividades de ensino remoto para ensinar, se antes eram executadas de forma presencial, prática e compartilhada. Contudo, o autor esclarece que, não se pretende substituir ou anular a natureza e as potenciais das práticas de ensino e aprendizagem em música que ocorrem de modo presencial, nem tampouco equipará-las às ações de ensino remoto. Cada formato, seja ele presencial ou remoto, tem suas características próprias e compete ao professor realizar essa mediação de modo a garantir que o aluno, mesmo em um ambiente virtual, possa ter experiências musicais que não sejam exclusivamente expositivas, tendo as tecnologias digitais como aliadas no processo de ensino e aprendizagem. Ensino Remoto Mediante o cenário vivenciado pelas instituições de ensino, entraram em cena as TDCI para dar subsídio ao ensino remoto, tornando-se o modo de trabalho mais utilizado no panorama educacional. Matos (2020), traz o seguinte relato: A pandemia da Covid-19 que se instaurou em 2020 impôs grandes desafios aos professores de música da escola básica. Como e até que ponto podemos desenvolver nossas atividades pedagógicas emambientes virtuais? O ensino no espaço virtual sob uma perspectiva emergencial – denominado pelo Conselho Nacional de Educação através da resolução CNE/CP nº 2 como ensino remoto (Brasil, 2020) – caracteriza-se como um formato no qual equipe pedagógica, professores, alunos e familiares adotam processos de ensino e aprendizagem de forma inédita e provisória, enquanto durar a pandemia (MATOS, 2020, p.76). Nesse período de pandemia os alunos tiveram suas aulas ofertadas via internet, por meio do ensino remoto, o qual foi uma estratégia pedagógica emergencial que tentou seguir o cronograma escolar do ensino presencial para não prejudicar a aprendizagem dos alunos. Então, os conteúdos das disciplinas formam disponibilizados virtualmente e, as atividades acadêmicas ocorrem em ambientes virtuais de aprendizagem. Portanto, é importante ressaltar que o ensino remoto não é uma modalidade de educação, mas sim, um meio utilizado pelas escolas, para dar continuidade no processo de ensino e aprendizagem, por ser este na atualidade, a opção mais viável. Segundo Grossi (2020), o ensino remoto tem sido confundido com algumas modalidades de educação como: EaD, homeschooling, ensino híbrido, dentre outros. A partir dessa autora, pode-se afirmar que o ensino remoto não é uma modalidade de educação. Ele é uma estratégia pedagógica que foi escolhida para acontecer durante o isolamento social com o objetivo de que os alunos não ficassem sem suas aulas. Música Priolli (1994, p. 06), em seu livro Princípios básicos da música para a juventude define música da seguinte maneira: Música é a arte dos sons, combinados de acordo com as leis da estética; são três elementos fundamentais de que se compõe a música: melodia, ritmo e harmonia. A melodia – consiste na sucessão dos sons formando sentido musical. O ritmo – é o movimento dos sons regulados pela sua maior ou menor duração. A harmonia – consiste na execução de vários sons ouvidos ao mesmo tempo, observadas as leis que regem os agrupamentos dos sons simultâneos. A melodia e o ritmo combinados já encerram um sentido expressivo musical, onde para exprimir profundamente qualquer sentimento, ou descrever por meio da música qualquer quadro da natureza, torna-se imprescindível a participação em comum desses três elementos: melodia, ritmo e harmonia. O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 102 Karnal (2017, p. 36) define a música da seguinte forma: [...] música não é um deleite ocioso de aristocratas. Música é parte da formação da cidadania e elemento estruturante do pensamento. Aprender sobre notas e melodias não é detalhe ou firula de formação. Sem música não é possível construir pessoas equilibradas e inteligentes. Alfabetizou seu filho nas letras? Fundamental. Parabéns! Falta alfabetizá-lo em duas linguagens extraordinárias: a musical e a artística. Ler letras é parte das habilidades essenciais para existir no mundo. Ler sons e imagens constitui outras facetas do equilíbrio do homem pleno. Neste aspecto, Caiado (2021, online) quando cita a importância da música no processo de ensino e aprendizagem, diz que os “benefícios das aulas de música são vistos desde os primeiros anos escolares”. A autora complementa dizendo que pesquisadores reconhecem que a música é “uma espécie de modalidade que desenvolve a mente humana, promovendo o equilíbrio e proporcionando um estado agradável de bem-estar, concentração e o desenvolvimento do raciocínio, principalmente nas questões voltadas ao pensamento filosófico”. Plataformas Digitais Pode-se entender como plataforma digital de comunicação, toda solução que, por meio da rede de dados, disponibiliza um conjunto de funcionalidades que torna possível a comunicação em tempo real entre duas ou mais pessoas, coletando, organizando e disponibilizando informações para consultas. No que se refere à plataforma digital, Lopes (2020) apud Charnet (2009, p.5), afirma que a sua principal função é “facilitar a criação de ambientes virtuais à distância sustentados pela tecnologia de informação e comunicação (TIC) e, geralmente à distância, no qual se podem gerir conteúdos a lecionar e acompanhar os alunos”. Segundo Prat (2012), as plataformas educativas digitais, são programas que englobam diferentes tipos de ferramentas cujo papel é permitir que o ensino a distância seja exequível. Nesta perspectiva, existem muitas possibilidades de uso de TDIC para o ensino remoto. Dentre as quais serão apresentados as duas mais utilizadas pelos professores do CEFART foi o Google Meet, Zoom Meetings e o CEFART VIRTUAL. Conforme está descrito na plataforma GOOGLE, O Google Meet (Figura 2) é uma plataforma de comunicação desenvolvida pelo Google. Ela é compatível com a maioria dos navegadores e também pode ser acessada por meio de dispositivos móveis com o sistema Android e iOS. Figura 2 - Plataforma Google Meet Fonte: www. https://meet.google.com/ O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 103 Os recursos dessa ferramenta são: compartilhamento de tela; chat de vídeo com até 100 pessoas; legendas em tempo real; ajustes de iluminação; e cancelamento de ruídos. O Zoom Meetings (Figura 3) é uma ferramenta de videoconferência e funciona nos principais navegadores do sistema Windows, Mac OS e Linux. Nos dispositivos móveis é preciso fazer o download do aplicativo. A versão gratuita desse aplicativo possui menos recursos, mas permite fazer reuniões com até 100 participantes e com o limite de 40 minutos de duração. No entanto, não há limite para a quantidade de reuniões que se pode fazer. Alguns de seus recursos são chat; transferência de arquivos; controle de microfones; quadro de anotações; e compartilhamento de tela. Figura 3 - Plataforma Zoom Meet Fonte: https://zoom.us/. Conforme descrito na página virtual (https://cefartvirtual.aix.com.br/), o CEFART VIRTUAL (Figura 4) é uma plataforma de acesso para os alunos matriculados nos cursos disponibilizados na Fundação Clovis Salgado em parceria com a AIX, que permitiu a realização do ensino à distância, possibilitando a continuidade dos cursos regulares. Figura 4 - Plataforma CEFART VIRTUAL Fonte: www. https://cefartvirtual.aix.com.br METODOLOGIA Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa. Quando ao objetivo, o tipo da pesquisa foi descritiva. Quanto ao procedimento técnico, escolheu-se o estudo de caso no CEFART, situado me Belo Horizonte, especificamente com os três professores de música (universo da pesquisa). Como instrumento de coleta de dados foi utilizado um questionário criado no google docs e aplicado aos professores para verificar o uso das tecnologias digitais em suas aulas remotas. Vale informar que, foram enviados questionários para todos os professores e, a taxa de retorno foi de 100%. APRESENTAÇÃO E ANÁLISES DOS DADOS No Quadro 2 estão apresentadas as questões feitas aos professores participantes da pesquisa (coluna 1 do desse Quadro) e as suas respostas (colunas 2, 3 e 4 desse Quadro). O PERFIL DOS RESPONDENTES ENTREVISTADO A ENTREVISTADO B ENTREVISTADO C Idade 59 anos 40 anos 39 anos Formação PhD em música Doutorando e música, mestre e bacharel em regência Pós graduado em música Tempo atuação na docência de música 40 anos 23 anos 12 anos AS TECNOLOGIAS DIGITAIS UTILIZADAS PARA ENSINAR MÚSICA Facilidade com as tecnologias digitais Muita facilidade Razoável Tem facilidade experiências anteriores com a EaD, como professor ou aluno Sim, sempre atuou com EaD Não Razoável Tecnologias digitais utilizadas durante pandemia Google Meet Zoom Meet CEFART Digital Google Meet Zoom Meet CEFART Digital Google Meet Zoom Meet CEFART Digital Quadro 2: Síntese das questões feitas aos professores O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 104 https://cefartvirtual.aix.com.br/ AS DIFICULDADES PARA ENSINAR MÚSICA A DISTÂNCIAPrincipais dificuldades No início, é muito limitante sobre vários aspectos. Contudo, inclusivo sobre outros aspectos, o qual aponta como ideal, o híbrido. No primeiro momento, a maior dificuldade foi a de estabelecer o formato e qual seria plataforma mais adequada à atividade Teve muitas dificuldades A PERCEPÇÃO DO PROFESSOR SOBRE O ENVOLVIMENTO DOS ALUNOS DURANTE AS AULAS REMOTAS Percepção do professor Alguns respondem bem, outros não. É algo variável. Isto ocorre na sala de aula física também Em muitos casos tiveram um envolvimento com ótimos índices de aproveitamento, principalmente no segundo semestre de 2020 e no primeiro de 2021. Contudo, lidaram com realidades diversas, onde muitos alunos tiveram que retornar aos postos de trabalho ou até mesmo para outras instituições de ensino. Assim, nesta última fase, a qual corresponde o segundo semestre de 2021, tiveram inconstâncias no rendimento de muitos alunos. Os alunos no início tiveram muita dificuldade, alguns sem internet, outros sem interesse. Mas com o passar do tempo conseguiu uma ótima participação. Quanto às aulas de instrumentos, a evasão foi muito grande. Uma parte considerável de desistência e até mesmo de trancamento do curso veio acontecer. Fonte: Dados de pesquisa (2021). Na coleta de dados realizado por meio do questionário, verificou-se que os professores participantes da pesquisa possuem algum tipo de familiaridade quanto ao uso das TDIC, desenvolvida antes da pandemia e do ensino remoto. Porém, ao migrarem 100% para as aulas no formato digital, começaram a ter algumas dificuldades, pois foi uma mudança abrupta para professores e alunos. Esses tiveram que se adequar ao novo formato de aula, onde no início foi muito limitante, principalmente no que tange à escolha do formato das aulas, e qual plataforma seria mais adequada à proposta do ensino remoto. Notou-se também que, em muitos casos, tiveram um envolvimento com ótimos índices de aproveitamento principalmente no segundo semestre de 2020 e no primeiro semestre de 2021, contudo, lidaram com realidades diversas, pois alguns alunos não possuíam internet, outros não se adaptaram ao formato digital e muitos alunos tiveram que retornar aos postos de trabalho ou até mesmo para outras instituições de ensino, causando uma inconsistência no rendimento de muitos alunos. CONSIDERAÇÕES FINAIS A pandemia da COVID-19, mudou drasticamente o convívio e a interações entre as pessoas, face à sua forma de contágio e evolução para patamares mais gravoso, onde a população foi obrigada a estabelecer novos padrões de convivência e isolamento social, através de protocolos pré-estabelecidos pelas autoridades, a fim de frear o avanço e contágio do vírus. O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectiva de professores de música do Centro... | 105 Contudo, os gestores educacionais, mesmo com o isolamento social, tiveram que adotar medidas emergências, para que o ensino tivesse sua continuidade regular, de forma a mitigar os problemas que possivelmente pudessem afetar o ensino de música para os alunos do CEFAR. Uma dessas medidas foi a adoção de um plano contingencial de educação musical com incremento de TDIC, que pudesse fazer frente ao atual momento vivenciado, onde professores e alunos se viram na obrigação de se adequarem à nova realidade. Então, foi realizado um estudo para responder a questão: Como realizar o ensino musical remoto utilizando as plataformas digitais? Verificou-se sob as perspectivas dos professores de música do CEFART que, com uma metodologia e plataforma digital adequada, é possível estabelecer o ensino e aprendizado remoto e, mesmo em ambientes virtuais, desenvolver diversas possibilidades de interação com os alunos, de forma que eles consigam se beneficiar do atual modelo proposto. Enfim, concluiu-se que o ensino remoto, apesar de ter se tornado uma das principais formas de comunicação digital, proporcionou mudanças significativas no padrão de ensino e aprendizagem, em que foi necessário a quebra de paradigmas, fazendo com que professor e aluno, saíssem da zona de conforto, e buscassem novos conhecimentos. REFERENCIAS BELO HORIZONTE. Decreto nº 17.328, de 08 de abril de 2020. Disponível em: . Acesso em: 23 abr. 2020. BRASIL. Ministério da Educação. Decreto no 5.622, de 19 de dezembro de 2005. Diário oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 dez. 2005. Disponível em: . Acesso em: 23 ago. 2020. BRASIL. 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O ENSINO MUSICAL REMOTO: uma análise sob a perspectivade professores de música do Centro... | 107 https://www.scielo.br/j/estpsi/a/L6j64vKkynZH9Gc4PtNWQng/?lang=pt AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude momentânea Rafael Gregório Malaquias Silvio Luiz de Freitas Werner Masanossuke Magalhães Tanaka 08 | 108 INTRODUÇÃO Estudos realizados em uma das disciplinas do Programa de Pós-graduação Lato Sensu em Docência na Educação Profissional e Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais - CEFET-MG e estudos autodirigidos nos aproximaram de algumas obras de Paulo Freire e nos fizeram compreender o quão importante são, para ele, as relações dialógicas, a palavra e a concepção de que a leitura do mundo precede a leitura da própria palavra. A partir da leitura da obra Pedagogia da autonomia: Saberes necessário à prática educativa (2011) — leitura indicada no plano didático da disciplina supracitada —, Paulo Freire apresenta saberes indispensáveis à formação docente que contribuíram para condução à questão e ao objetivo deste trabalho. É preciso, sobretudo, e aí já vai um destes saberes indispensáveis, que o formando, desde o princípio mesmo de sua experiência formadora, assumindo-se como sujeito também da produção do saber, se convença definitivamente de que ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua produção ou a sua construção (FREIRE, 2011, p.). Ainda no mesmo contexto de estudo, realizamos algumas leituras do russo Mikhail Bakhtin e percebemos que, também para ele, o diálogo é fundamental nas relações sociais. Tão imprescindível que, na visão desse autor, a linguagem, constituída por signos, é quem constitui o sujeito. O “outro” também tem relação essencial nessa constituição a partir de relações de alteridade. Segundo Amorim (2004 apud SOSNOWSKI, 2019, p. 283): A alteridade para Bakhtin está no colocar-se no lugar do outro ou no tornar-se o outro em mim. Esse exercício de alteridade possibilita que as marcas do outro apareçam na minha vida, na minha atividade docente ou discente, de maneira a transformá-la e obrigá-la a “falar” de outro modo (AMORIM, 2004), com outra linguagem, outros caminhos (SOSNOWSKI, 2019, p. 283). Ainda segundo a mesma autora, o conceito de alteridade é tão importante para Bakhtin que está presente em todo o processo do tornar-se professor. Nesse sentido, aplicando a teoria de Bakhtin ao processo de ensino-aprendizagem, fica explícita a importância do aluno na construção do professor. Diante dessas reflexões, surgiu a questão motivadora deste artigo, de cunho bibliográfico: qual a importância das relações dialógicas entre Bakhtin e seu círculo e Paulo Freire para a prática docente do professor brasileiro que visa formar um aluno crítico, ético, responsável e responsivo? A partir desse questionamento, delineou-se o seguinte objetivo: apresentar a importância das relações dialógicas na prática pedagógica do professor para a formação de um aluno crítico, ético, responsável e responsivo tanto para Paulo Freire quanto para Bakhtin e seu círculo. Sabemos que Bakhtin e Paulo Freire não ocuparam o mesmo espaço e nem se debruçaram sobre as mesmas questões. Pinheiro (2009) afirma que “Mikhail Bakhtin dedicou a vida à definição de noções, conceitos e categorias de análise da linguagem com base em discursos cotidianos, artísticos, filosóficos, científicos e institucionais”. Suas preocupações eram direcionadas pela forma como a linguagem, a literatura e a arte vinham sendo estudadas no século XX. Em contraponto, Lima (2014) afirma que a maior preocupação de Paulo Freire, por sua vez, foi com a Educação. Esse reconhecido professor defendia que a educação sozinha, desagregada do social, não é capaz de transformar a realidade, ainda que sem ela não haja mudança possível. Freire dedicou-se, sobretudo, à questão da alfabetização de jovens e adultos, como expõe Lima (2014): Entre os anos de 1961-1962, as condições de vida e educação das populações campesinas passaram a ser tema de sua indignação e busca de encaminhamentos para a construção de uma sociedade mais igualitária e alicerçada na justiça. Propunha que seria necessária uma leitura de mundo do sujeito cognoscente, de sua situação como protagonista, e isso só seria possível por meio de uma educação problematizadora (p. 67). AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 109 Lima (2014) aponta ainda que a finalidade de Freire com as classes de alfabetização de adultos, nomeadas por ele de Círculos de Cultura/Leitura, não era instrumental, mas, sim, um meio de provocar a consciência das massas, “[...] isto é, nesses Círculos, os processos históricos de exclusão social — denunciados entre a leitura de mundo e a leitura da palavra — passavam a ser objeto de estudo, temário do conteúdo de seu método” (LIMA, 2014, p. 68). Apesar de se debruçarem sobre objetos de estudo distintos, ambos os autores, Bakhtin e Freire, “[...] utilizaram da palavra como forma de luta e posicionamento político-social” (ASSUNÇÃO; SOUZA, 2019, p. 288) e, ao trazê-los para as nossas discussões, estamos dando centralidade à linguagem em sala de aula. Visto que a linguagem é composta por signos e o signo é o mediador por excelência, acreditamos que um dos muitos papéis do professor seja o de prover uma prática pedagógica através do ato dialógico. Se é a linguagem que constitui o sujeito, são as trocas entre os sujeitos — as relações sociais entre aluno e professor —, portanto, que devem mediar todo ato de ensino. Esse raciocínio pode ser concatenado com os estudos de Bakhtin (SOSNOWSKI, 2019, p. 283): Para Bakhtin, as linguagens, sejam elas da arte ou não, são construídas a partir de um conjunto de signos organizados segundo códigos culturais e ideológicos. Essa construção é feita por um sujeito-autor-locutor que almeja alcançar o sentido na relação interativa de comunicação com o “outro”. Nesta via, Bakhtin (2011) ajuda-nos a refletir sobre o processo autoral que envolve o sujeito-locutor que se utiliza da linguagem para produzir enunciados tendo em seu horizonte um interlocutor. As discussões apresentadas aqui são resultado de uma pesquisa bibliográfica de cunho qualitativo. Conforme explica Gil (2002), a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de materiais já elaborados, principalmente livros e artigos científicos. O autor destaca que basicamente quase todos os estudos têm a sua parte bibliográfica, mas existem aqueles que são construídos exclusivamente a partir de fontes bibliográficas, como é o caso deste estudo. Creswell (2007) aponta que a pesquisa qualitativa é fundamentalmente interpretativa, cabendo ao pesquisador interpretar os dados coletados, podendo assim incluir a descrição e análise de cenários, culminando nas conclusões do pesquisador e oferecendo a possibilidade de novas perguntas. Essas características possibilitam que os pesquisadores captem as similaridades entre os autores estudados e encontrem as convergências quanto às práticas dialógicas amorosas na construção de conhecimento e crescimento mútuo. A partir disso, selecionamos obras de Paulo Freire e Bakhtin para leituras e fichamentos e, também, textos de autores que abordam tanto as temáticas sobre Paulo Freire quanto os que estudam Bakhtin, sejam de formas dissociada, sejam a partir das convergências entre esses dois estudiosos, e que, em ambos os casos, estivessem em consonância com a importância do ato dialógico e a amorosidade na prática pedagógica. As leituras das obras de Freire, de Bakhtin e de seus estudiosos foram selecionadas a partir de experiências prévias e estudos autodirigidos anteriores. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 110 A escolha de textos de estudiosos de Freire e Bakhtin não se deram de forma aleatória, ambas leituras realizadas deveriam apresentar confluência com o temaEducação (IPAE) que realizou os primeiros Encontros Nacionais de EaD e Congressos Brasileiros de EaD. 1980 O governo credenciou a ABT para ministrar cursos de pós-graduação com ensino tutorial. 1988 O IPAE ajudou a formular as disposições normativas que foram incorporadas a Lei de Diretrizes e Bases da educação nacional (LDB). 1990 Retrocesso: as emissoras ficam desobrigadas de ceder horários diários para transmissão dos programas educacionais. 1993 O IPAE lança a Revista Brasileira de EaD colaborando na produção científica sobre EaD. Criação do Sistema Nacional de EaD (SINEAD). 1995 Criação a Associação Brasileira de EaD (ABED). Criação da Secretaria de EaD (SEED) junto ao Ministério da Educação. 1996 LDB torna a EaD possível em todos os níveis de ensino, no entanto, os marcos regulatórios são insuficientes e confusos impedindo a expansão da EaD. 1998 Regulamentação da LDB através do Decreto no 2.494 que regulamenta de forma cautelosa, equiparando a EaD com a educação presencial 2005 Promulgação do Decreto no 5.622, que revoga o Decreto no 2.494 e abre um espaço maior para a EaD. 2006 ABED sedia a 22ª conferência mundial de Educação Aberta e a Distância. Promulgação do Decreto no 5.800 que dispõe sobre o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). 2009 Entra em vigor o programa e-Tec Brasil, pela Resolução nº 36, de 13 de julho de 2009, com alterações da Resolução nº 18, de 16 de junho de 2010, com objetivo de contribuir para a democratização, expansão e interiorização da oferta de ensino técnico de nível médio a distância, público e gratuito. 2016 Resolução CNE nº 1, de 11 de março de 2016 que institucionaliza a figura do tutor como um profissional da Educação. 2017 Decreto Nº 9.057, de 25 de maio de 2017, possibilita o credenciamento de instituições de ensino superior (IES) para cursos de educação a distância (EaD) sem o credenciamento para cursos presenciais. 2019 Censo da Educação Superior, realizado pelo INEP, aponta que em 2019 a modalidade de EaD respondia por 50,7% das matrículas realizadas em instituições privadas de ensino superior. 2020 Portaria nº 343, publicada pelo Ministério da Educação em 2020, autoriza a substituição das aulas presenciais pela modalidade EAD devido a pandemia de COVID-19, por até trinta dias, prorrogáveis, a depender de orientação do Ministério da Saúde e dos órgãos de saúde estaduais, municipais e distrital Fonte: Elaborado pelos autores a partir de BRASIL (2020), INEP (2019), TONINI, TEIXEIRA (2020), PLANALTO (2017), FNDE (2009), MEC (2017). Quadro 1 – Linha do tempo com fatos históricos da EaD no Brasil METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 13 https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000036&seq_ato=000&vlr_ano=2009&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC https://www.fnde.gov.br/fndelegis/action/UrlPublicasAction.php?acao=abrirAtoPublico&sgl_tipo=RES&num_ato=00000018&seq_ato=000&vlr_ano=2010&sgl_orgao=CD/FNDE/MEC Apesar de todo o histórico apresentado a EaD pode ser considerada uma modalidade nova de educação no Brasil, em crescimento nos últimos anos, que tem sido objeto de críticas baseadas muitas vezes em preconceito (TONINI, TEIXEIRA, 2020, p. 61). Citando Medeiros et al (2001) os autores destacam que a consolidação da EaD enfrenta a dificuldade de romper com a cultura da educação presencial e instaurar os pressupostos da EaD que exigem autonomia e interatividade. Na história da educação, as teorias pedagógicas tradicionais têm sido as mais utilizadas pelos professores em salas de aulas. Na EPT, essa tendência permanece, sobretudo, pelo alto índice de professores não formados para a profissão docente, estarem atuando como regentes de classe. Vale destacar que o contexto do isolamento social, da suspensão das aulas presenciais e a implantação do ensino remoto, consequência da pandemia provocada pelo coronavírus SARS- CoV-2*, que deu origem a covid-19 , exigiu que os docentes se apropriassem das tecnologias digitais de comunicação e informação (TIC), recursos estes que fazem parte do cotidiano da educação a distância. Destaca-se que no ensino remoto, assim como na modalidade EaD, os sujeitos da escola – professores, alunos e gestores, se encontram em espaços físicos diferenciados. Neste sentido, torna-se indispensável que o estudante desenvolva autonomia e independência, podendo tal realidade ser propulsora para o que se entende como aprendizagem ativa, na qual o estudante se torna o centro da aprendizagem (TONINI, TEIXEIRA, 2020, p. 61). A materialização da matriz curricular determinada no PPC do Lato Sensu em Docência para a EPT, objeto deste estudo, ocorreu de forma diferenciada do que se propõe o documento orientador do Ministério da Educação (MEC), o qual apresenta novas funções como os tutores que atuam como guias da experiência pedagógica (BRASIL, 2017). No caso do lato sensu do CEFET-MG, a coordenadora do curso esclareceu que o planejamento desta pós-graduação não considerou a figura do tutor pois, a intencionalidade foi que a comunicação entre professores e alunos ocorressem sem mediação. Isto é, compete ao professor conduzir todo o processo de aprendizagem, bem como de avaliação da disciplina. Com efeito, ainda sobre as especificidades deste curso cita-se a partir da entrevista com a coordenadora, o percentual de aulas síncronas ofertadas por cada uma das disciplinas. As aulas síncronas, em sua maioria, eram gravadas e disponibilizadas para aqueles alunos que não puderam assistir em tempo real, assistirem no tempo que lhes coubessem. AS METAS O PPC do Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Docência para EPT, foi elaborado para atender professores que atuam na EPT, que não possuem licenciatura ou curso de complementação pedagógica, conforme determina o art. 53 da Resolução nº 01/2021 (BRASIL, 2021). Teve como alicerce a trajetória do ensino para a docência dentro do histórico institucional do CEFET-MG, conforme quadro 3, e dá sequência a finalidade da instituição para a formação de professores para a educação profissional, conforme determinado pelo art. 2º da Lei n. 6545/78 (BRASIL, 1978), que transformou os CEFET’s de Minas Gerais, do Paraná e do Rio de Janeiro em instituições que têm como um dos seus objetivos a oferta de licenciaturas para as disciplinas específicas do ensino técnico e tecnológico (CEFET-MG, 2016). * A Covid-19 é “uma infecção respiratória aguda, potencialmente grave, de elevada transmissibilidade e de distribuição global” (BRASIL, 2021b, online). Disponível em: https://tinyurl.com/2p9wnk8d. Acessado em 17 jan. 2022. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 13 Imagem 1 – Sedes do CEFET-MG Fonte: https://www.memoria.cefetmg.br Em 2020 foi inaugurada a exposição virtual CEFET-MG Memória: espaços, trajetórias e práticas. Essa foi uma iniciativa do Departamento de História (DHIS), que teve o objetivo de divulgar documentos e imagens relacionadas à história do CEFET-MG. A Diretoria Geral (DG) e a Coordenação de Arquivo e Memória Institucional (ARQMI) foram parceiras na execução desse projeto, que busca atrelar pesquisa, ensino e divulgação, com caráter permanente (CEFET-MG, 2020, online). Assim, os leitores estão convidados a navegar nesse espaço virtual para conhecer os espaços arquitetônicos, as práticas escolares, as vivências e trajetórias discentes ao longo de uma história centenária (CEFET-MG, 2020, online). 1909 Criação de Escolas de Aprendizes Artífices nas 19 capitais dos Estados da República, subordinadas ao Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio, através do Decreto 7.566 do presidente Nilo Peçanha. 1910 Início das atividades Escolas de Aprendizes Artífices com 20 alunos inscritos, oferecendo como cursos o primário e o de desenho e as oficinas de trabalhos manuais: carpintaria, marcenaria, ourivesaria, sapataria e ferraria. 1941 Alteração da denominação da Escola para Liceu Industrial“amorosidade dialógica como prática educativa”. A escolha de bell hooks, por exemplo, se deu pela convergência das obras da autora com Freire e por abordarem o diálogo sincero e sobre ensinar com amor. Além disso, bell hooks se define camarada e estudiosa de Paulo Freire. Essa conexão também é explícita nos títulos de suas obras selecionadas para este artigo. Para novos achados, que transpassam os estudos autodirigidos e leituras realizadas na pós-graduação, foram realizadas buscas no Google Acadêmico utilizando as palavras-chave: “Amorosidade e Bakhtin”, “Amorosidade e Freire”, “Bakhtin e Freire”, “alteridade e amorosidade Bakhtin”. A partir do termo “alteridade e amorosidade Bakhtin”, por exemplo, fomos ao encontro de Patrícia Zaczuk Bassinello e sua tese onde pudemos mergulhar mais na importância da amorosidade para Bakhtin. Concluído esse levantamento inicial, extraímos os pontos que consideramos convergentes entre os dois autores para analisar as práticas educativas a partir de suas perspectivas e posterior uso neste artigo. As obras de Paulo Freire e de Bakhtin foram lidas no intuito de buscar aproximações entre ambas com relação ao papel desempenhado pelo professor. Sendo assim, traremos as concepções de Paulo Freire e de Bakhtin para dialogarem a partir deste momento do nosso artigo, na expectativa de compreendermos as aproximações dessas duas teorias referentes à prática educativa. Mais uma vez, reforçamos que Bakhtin não pesquisou as relações professor-aluno, mas questões referentes à linguagem. Contudo, a linguagem certamente perpassa todas as relações educativas, tornando exequível esta confluência. Antes, porém, de apresentarmos os pontos de convergência, temos alguns pontos importantes e significativos desses dois teóricos que devem ser destacados. Mikhail Mikhailovich Bakhtin nasceu em Oriol, na Rússia, em 1895, e faleceu em 1975, aos 80 anos. Bakhtin foi pensador, filósofo, teórico das artes e da cultura e definiu-se como um filósofo da linguagem. Ao longo de sua trajetória, escreveu ensaios, artigos e livros, todos demonstrando preocupações com as formas como a linguagem deveria ser estudada. Ele uniu vários outros estudiosos com essa mesma preocupação em um grupo de estudo que ficou conhecido como o Círculo de Bakhtin. Nesse círculo estavam presentes pesquisadores como Valentin Volóchinov, Pavel e Medvedev. Talvez a maior contribuição desse filósofo do diálogo tenha sido compreender a linguagem como processo de interações sociais. Para estudar a linguagem, ele usou categorias como o diálogo, a alteridade, as relações dialógicas, entre tantas outras. Para o Círculo de Bakhtin, a palavra só ganha sentido inserida nos enunciados usados nas trocas verbais dentro de todas as relações humanas: AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 111 Na realidade, nunca pronunciamos ou ouvimos palavras, mas ouvimos uma verdade ou mentira, algo bom ou mal, relevante ou irrelevante, agradável ou desagradável e assim por diante. A palavra está sempre repleta de conteúdo e de significação ideológica ou cotidiana (VOLÓCHINOV, 2017, p. 181). Por sua vez, Paulo Freire, patrono da educação brasileira, nasceu em 1927 e faleceu em 1997, aos 70 anos. Além de se dedicar aos estudos de alfabetização para adultos, ficou conhecido por defender uma educação libertadora, capaz de conscientizar os estudantes. Diante disso, é importante destacar que o que ele queria era uma educação humanizadora. Por suas ideias contrárias à ditadura militar brasileira, foi exilado em 1970 e retornou ao Brasil apenas em 1985. Por acreditar em uma educação como ferramenta para a transformação social, posicionou-se contra a educação nomeada por ele de bancária — aquela que considera o professor como detentor do conhecimento e o aluno como depositório de informações prontas. A palavra também ocupa lugar de destaque nos estudos de Paulo Freire. De uma forma resumida em Assunção e Souza (2019), percebemos a importância da palavra tanto para Freire quanto para Bakhtin: Se pela perspectiva bakhtiniana, entendemos a linguagem verbal como discurso, ligação de enunciados que dialogam responsivamente constituindo sujeitos históricos, para Paulo Freire a palavra é a própria tomada de consciência, é o que justifica a escola enquanto entidade promotora do letramento. Daí que para Freire, principalmente em Pedagogia do Oprimido, fica claro que há uma luta de classes e que a libertação do oprimido não pode vir pelas mãos do opressor e essa libertação só se dará quando as classes que sempre ficaram relegadas tomarem a palavra como forma de autonomia e libertação (ASSUNÇÃO; SOUZA, 2019, p.292). Ambos os estudiosos vivenciaram, cada um a seu tempo, algumas situações difíceis. Enquanto Freire viveu a ditadura militar brasileira e foi exilado, Bakhtin vivenciou a Revolução Russa em 1917. Ou seja, os dois vivenciaram regimes autoritários, de silenciamento de vozes. Talvez por isso, o diálogo e as relações sociais tenham se tornado temas tão importantes para eles, como será exposto ao longo deste artigo. Assim, a ação pedagógica do educador se origina numa leitura de mundo, da realidade de sua turma, do conhecimento e das trocas entre os sujeitos cognoscentes. O professor, como ator social que também aprende ao ensinar, deve ter sempre em vista que o trabalho com a realidade envolve uma responsabilidade pontual: o planejamento de ações que favoreçam o desenvolvimento de seus alunos num movimento de ressignificação de conhecimentos (LIMA, 2014, p. 69). AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 112 AS RELAÇÕES DIALÓGICAS COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA: PONTE ENTRE FREIRE E BAKHTIN Na obra Pedagogia da Autonomia, Paulo Freire (2011) defende que uma das funções do professor é refletir criticamente suas práticas pedagógicas. Nas palavras do autor: “A prática docente crítica, implicante do pensar certo, envolve o movimento dinâmico, dialético, entre o fazer e o pensar sobre o fazer'' (FREIRE, 2011, p. 42-43). Ele argumenta, ainda, contra aquelas teorias tradicionais que concebem o ato de ensino como sinônimo de transferência de conteúdos, defendendo uma construção dos saberes. Portanto, podemos concluir que a visão desse pesquisador se distancia daquelas que concebem o conteúdo como um conjunto de verdades inquestionáveis passadas para os alunos, aqui considerados meros receptores. Freire (2011, p. 25) também propõe que no processo de interação entre professor e aluno, ambos aprendam. Para ele, “[...] quem forma se forma e (re)forma ao formar e quem é formado forma-se e forma ao ser formado”. O ‘reformar’ e o ‘reconstruir’ ditos por Freire só são possíveis porque há trocas, ou seja, relações sociais entre professor e aluno. Para Freire, não há como separar o ato de ensinar do diálogo, explica Ambrósio (2013). Por isso, em uma sala de aula, as relações dialógicas fazem com que ambos sejam atuantes no processo de ensinar e aprender. “É através da dialogicidade que ocorre a conscientização dos educandos, é a forma pela qual o professor demonstra respeito pelo saber que o educando traz à escola, e sem o qual não se pode ensinar” (AMBROSIO, 2013, p. 1074). Ambos os sujeitos, professor e aluno, dialogam sobre o objeto de conhecimento: “A relação gnosiológica, por isto mesmo, não encontra seu termo no objeto conhecido. Pela intersubjetividade, se estabelece a comunicação entre os sujeitos a propósito do objeto” (FREIRE, 2013a, p. 50-51). Freire (2013a, p. 51) defende que o ato de pensar necessita de um sujeito pensante; de um objeto a ser pensado, “[...] que mediatiza o primeiro sujeito do segundo” (FREIRE, 2013a, p. 51); e da “comunicação entre ambos, que se dá através de signos linguísticos. O mundo humano é, desta forma, um mundo de comunicação” (FREIRE, 2013a, p. 51). Já o ato de dialogar, por sua vez, requer a presença de um outro sujeito, acompanhia. Deste modo, além do sujeito pensante, do objeto pensado, haveria, como exigência (tão necessária como a do primeiro sujeito e a do objeto), a presença de outro sujeito pensante, representado na expressão de companhia. Seria um verbo “co-subjetivo- objetivo”, cuja ação incidente no objeto seria, por isto mesmo, co-participada (FREIRE, 2013a, p. 51). Se o processo de comunicação começa na relação entre o sujeito pensante e o objeto a ser pensado, e que para que ocorra o diálogo, há a necessidade de um segundo sujeito, a leitura da palavra com o mundo na qual se pensa o objeto a partir da realidade em que está inserido, é mais uma etapa que deve preceder esse ato dialógico para que aconteça de forma crítica. A partir dessa relação da palavra com o mundo, sempre em uma vertente dialógica, os alunos podem problematizar as suas realidades, construir os conhecimentos e, assim, libertar-se dos sistemas opressores. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto (FREIRE, 1982, p. 5). Assim como Freire, Bakhtin destacou a centralidade do diálogo, das trocas verbais nos relacionamentos humanos. Na concepção de Pinheiro (2009), dentre os aspectos “inovadores da produção do Círculo de Bakhtin, como ficou conhecido o grupo, foi enxergar a linguagem como um constante processo de interação mediado pelo diálogo — e não apenas como um sistema autônomo”. O diálogo é tão importante para Bakhtin (2011, p. 395) que ele define o homem como sendo “sujeito expressivo e falante”. A ideia de formar-se e de reformar-se defendida por Paulo Freire também foi evidenciada por Bakhtin. Pena (2017, p. 768), estudioso italiano das obras de Bakhtin, afirma que é “Esse outro que me altera e atribui novos significados ao meu discurso”. Isso significa que, nas duas teorias, os sujeitos saem alterados das relações. Essas relações são, portanto, alteritárias. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 113 Geraldi (2013, p. 12), outro estudioso de Bakhtin, afirma que “[...] tanto o diálogo quanto a alteridade devem ser abordados como espaço da constituição das individualidades: é sempre o outro que dá ao eu uma completude provisória e necessária, fornece os elementos que o encorpam e que o fazem ser o que é”. Portanto, neste artigo optamos por considerar o diálogo como ponto de aproximação entre as duas teorias. O diálogo pressupõe a escuta. Nessa perspectiva, o professor, apesar de precisar dominar o conhecimento para ensinar, deve considerar uma teoria pedagógica que incidirá sobre os métodos para que haja a interação, em substituição ao ensino catequético predominante. As relações com os estudantes serão, assim, alteritárias e dialógicas. Em ambas as teorias, fica explicitada a importância em escutar todas as presenças plurais no qual se promove o diálogo, e, quando ocorre essa relação, todos os sujeitos envolvidos no diálogo se alteram em crescimento mútuo. O educador aqui cumpre aqui o importante papel de mediador do ato dialógico. Segundo Freire (2011a, p. 39): A tarefa coerente do educador que pensa certo é, exercendo como ser humano a irrecusável prática de inteligir, desafiar o educando com quem se comunica a produzir sua compreensão do que vem sendo comunicado. Não há inteligibilidade que não seja comunicação e intercomunicação e que não se funde na dialogicidade. O pensar certo, por isso, é dialógico e não polêmico. Bakhtin afirma que não há o eu sem o outro. No mesmo sentido, Freire escreve: “Não há docência sem discência, as duas se explicam e seus sujeitos, apesar das diferenças que os conotam, não se reduzem à condição de objeto um do outro. Quem ensina aprende ao ensinar e quem aprende ensina ao aprender” (FREIRE, 2011, p. 25). Ambos os estudiosos consideram o sujeito como um ser histórico, social e cultural, cujas construções nunca estão prontas, mas em processo de constituição a partir das relações sociais. Silva (2012, p. 27), em sua tese de Doutorado intitulada Bakhtin e Paulo Freire: a relação do eu e do outro e as relações dialógicas para a prática da liberdade, afirma que “O homem e a mulher, na perspectiva freireana, não podem estar no mundo sem estar sendo; assim ambos se humanizam em coletividade” (SILVA, 2012, p.27, grifo da autora). Para apresentar a importância do outro na constituição do eu, Bakhtin (2011, p. 21) usa o termo excedente de visão e afirma: Quando contemplo no todo um homem situado fora e diante de mim, nossos horizontes concretos efetivamente vivenciáveis não coincidem. Porque em qualquer situação ou proximidade que esse outro que contemplo possa estar em relação a mim, sempre verei e saberei algo que ele, da sua posição fora e diante de mim, não pode ver: as partes do seu corpo inacessíveis ao seu próprio olhar [...]. Quando nos olhamos, dois diferentes mundos se refletem na pupila dos nossos olhos. Utilizando essa concepção para as práticas pedagógicas, consideramos que o excedente de visão do professor completa o aluno e vice-versa. Contudo, essa completude é sempre inacabada. As pupilas dos olhos do aluno e do professor refletem experiências e vivências distintas e, deste encontro de dois mundos, de dois sujeitos e de dois modos de pensar, surgem novas perspectivas e universos diferentes. É por isso que refletir sobre o papel do docente sob a óptica desses dois autores requer afastamento das tendências tradicionais em que o professor ocupava o espaço de destaque e o de único detentor do conhecimento. Nesse sentido, a ideia de Paulo Freire de que não existe docência sem discência encontra respaldo em Bakhtin em trechos como: AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 114 O excedente de minha visão em relação ao outro indivíduo condiciona certa esfera do meu ativismo exclusivo, isto é, um conjunto daquelas ações internas ou externas que só eu posso praticar em relação ao outro, a quem elas são inacessíveis no lugar que ele ocupa fora de mim; tais ações completam o outro justamente naqueles elementos em que ele não pode completar-se (BAKHTIN, 2011, p. 22-23). Sendo assim, consideramos que tanto Paulo Freire quanto Bakhtin acreditavam em uma relação professor-aluno movida pelo diálogo. É preciso escutar o que os alunos têm a dizer a partir de suas experiências e vivências tão diferentes. A escuta em sala de aula é uma categoria fundamental: o outro fala e é preciso escutá-lo, presumindo que escutar seja diferente de ouvir, pois com a escuta há uma alteração dos sujeitos envolvidos nas relações sociais. A AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA PEDAGÓGICA Outro ponto de convergência entre Bakhtin e Paulo Freire é a necessidade das relações amorosas no ato dialógico, sendo inclusive o ato dialógico e amoroso indissociáveis, estabelecendo assim a amorosidade dialógica como importante prática educativa. Bassinello (2017, p. 118), em sua tese de Doutorado, afirma que: [...] a amorosidade está na potência dada pela voz do outro no momento em que o encontro e busco entendê-lo em um movimento responsivo. A amorosidade está em desprender-se das amarras da minha definição pré-concebida sobre esse outro e passar a ouvi-lo abertamente, a dar uma atenção a outrem na sua alteridade. (BASSINELLO, 2017, p.118). Sobre as relações amorosas envolvendo práticas pedagógicas, Freire defende uma educação dialógica amorosa. Em seu livro Pedagogia do Oprimido, o autor informa que não existe diálogo “[...] se não há um profundo amor ao mundo e aos homens. Não é possível a pronúncia do mundo, que é um ato de criação e recriação, se não há amor que a infunda. [...] Sendo fundamento do diálogo, o amor é, também, diálogo” (FREIRE, 2013b). Umaeducação vertical, que somente comunica e que promove o antidiálogo é uma prática desamorosa, acrítica, arrogante e desesperançosa, como defende Freire (2015) em seu livro Educação como prática da liberdade. Gloria Jean Watkins, academicamente e intelectualmente conhecida por seu pseudônimo bell hooks, é uma das grandes intelectuais que estiveram em aprendizagem viva, amorosa e dialógica com Paulo Freire. Pela convergência e, para falar sobre diálogo sincero e sobre ensinar com amor, invocamos bell hooks, camarada e estudiosa de Paulo Freire, definida assim por ela mesma pelo encontro de amorosidade dialógica entre eles. Os dois pensadores foram influenciados de forma recíproca pelas críticas e pensamentos que tinham a respeito de uma educação como prática de liberdade e de uma pedagogia da esperança, da alteridade, do afeto e do diálogo. As próprias obras de bell hooks expõem essa enorme conexão entre eles nos títulos dos seus livros Ensinando a Transgredir: a educação como prática de liberdade (2017), Ensinando o pensamento crítico: sabedoria e prática (2020) e Ensinando em comunidade: uma pedagogia da esperança (2021a). Para bell hooks (2020, p. 239) a relação amorosa na sala de aula “[...] estabelece uma base para o aprendizado que acolhe e empodera todo mundo”. E, contrariando o objetivismo em sala de aula — prática da educação bancária e desamorosa que enxerga os estudantes como recipientes vazios e que é contrária às relações de afeto, pois elas retiram a objetividade do ensino —, bell hooks (2020, p. 241-242) apresenta justamente o efeito contrário. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 115 Na verdade, quando ensinamos com amor, é muito mais provável que tenhamos uma compreensão mais aprofundada das capacidades de nossos estudantes e de suas limitações, e esse conhecimento garante que haverá limites apropriados em sala de aula. E ajuda a promover uma atmosfera de segurança em que erros podem ser cometidos, em que estudantes podem aprender a assumir total responsabilidade por averiguar suas habilidades de aprendizagem de tal forma que não fiquem dependentes do professor. [...] Quando ensinamos com amor, combinando cuidado, comprometimento, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança, normalmente conseguimos entrar na sala de aula e ir direto ao cerne da questão. Isso significa ter lucidez para saber o que fazer em qualquer dia, a fim de criar o melhor clima para o aprendizado ideal (HOOKS, 2020, p. 241- 242). Pela citação acima, podemos compreender que, para bell hooks (2020), o ensino significativo se faz com amor. Por meio da amorosidade é possível compreendermos as potencialidades e dificuldades de nossos alunos e criarmos um espaço seguro para que todas as presenças, de forma mútua, façam parte de uma aprendizagem viva. A crítica ao objetivismo não é uma exclusão da objetividade e, como aponta Freire e Macedo (2011, p. 102-103), “a ação humana só tem sentido e prospera quando se compreende a subjetividade em sua relação dialética, contraditória e dinâmica com a objetividade, da qual ela provém.” Ainda sobre a educação desamorosa, bancária e objetivista, bell hooks (2020) apresenta que ela promove, dentro de um ambiente que deveria ser de aprendizagem, uma competição onde as pessoas que dividem aquele espaço são adversárias. Esse contexto de competição, conforme afirma Freire em seu livro Extensão ou comunicação?, apresenta-se como desfavorável ao encontro dialógico e amoroso, em que “o diálogo não pode travar-se numa relação antagônica” (FREIRE, 2014, p. 30). O diálogo é o encontro amoroso dos homens que, mediatizados pelo mundo, o “pronunciam”, isto é, o transformam, e, transformando-o, o humanizam para a humanização de todos. [...] Este encontro amoroso não pode ser, por isso mesmo, um encontro de inconciliáveis (FREIRE, 2014, p. 30). Bell Hooks (2021b, p. 41-42) se dedica, ainda, aos estudos sobre a amorosidade em seu livro Tudo sobre o amor: novas perspectivas e nos apresenta ingredientes que devem ser misturados e expressados para amar verdadeiramente. Seriam eles “[...] carinho, afeição, reconhecimento, respeito, responsabilidade, compromisso e confiança, assim como honestidade e comunicação aberta”. Se para Freire (2011, 2013a, 2013b, 2015) o amor é fundamento do diálogo, e o próprio é amor, seriam esses os ingredientes essenciais para a boniteza e as relações amorosas envolvendo as práticas pedagógicas. Acreditamos que a boniteza e a educação dialógica-amorosa apresentada por Paulo Freire, reforçada na conexão com bell hooks, converge com o conceito de amorosidade de Bakhtin. O Grupo de Estudos dos Gêneros do Discurso (GEGe), coordenado pelo professor brasileiro Valdemir Miotello, produziu um livro no qual apresentou as dez teses bakhtinianas e, entre elas, está a amorosidade dialógica. Segundo esse professor, ao estudar Bakhtin, chega-se à conclusão de que: Precisamos agora sobretudo amar as relações. Relações de todos os tipos. De todos os lados. Em todas as esferas de nossas vivências. Amar o ódio. Amar o amor. Amar a amizade. Precisamos sobretudo amar o não-amável. Esse é o genuíno amor. Radicalizemos. Amor ao mundo. Amor aos animais e às plantas. Aos amigos e inimigos. Somente assim poderemos compreender a verdadeira dialogia que Bakhtin tanto nos ensinou. A amorosidade dialógica deve ser o centro norteador de todas as relações dos estudos Bakhtinianos (GEGE, 2010, p. 15). Além da tese afirmativa supracitada, que estabelece a amorosidade dialógica como compromisso radical, de amor a todos os seres vivos e até como ato de compreensão dos estudos de Bakhtin, outra tese ou asseveração apresentada pelo autor é A vivência e a amorosidade na academia e na ciência. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 116 Nesse texto, Miotello (GEGE, 2010) descreve a importância da amorosidade na produção de conhecimento acadêmico e nos leva à importante reflexão sobre a construção do conhecimento na prática dialógica amorosa entre professor e aluno. No entanto, de que amor fala Bakhtin? Patrícia Zaczuk Bassinello (2017), em sua tese intitulada Uma viagem ao encontro do tempo de alteridade no turismo: desmembrando horizontes epistemológicos a partir das contribuições de uma filosofia dialógica da linguagem do Círculo de Bakhtin, fala sobre o amor para Bakhtin na produção de conhecimento. Não se trata de um esforço de pensar a amorosidade enquanto um elemento psicológico, subjetivo, biológico ou egoísta do ser humano. Trata-se, sobretudo, de amar as relações. Relações de todos os tipos. De todos os lados, em todas as esferas de nossas vivências. Amorosidade dialógica como elemento norteador constitutivo para pensar o universo das relações sociais, para pensar a própria vida e para a análise das materialidades que interagimos. Constituir uma relação dialógica com o outro. Construir vivências, percepções e pensamentos na relação com o outro, que traz consigo outro modo de sentir, de perceber o mundo (BASSINELLO, 2017, p. 61). A amorosidade dialógica é, também, importante ato para desocultar ideologias dominantes, pautadas pela objetividade e pelo desamor. Bassinello (2017) apresenta a ciência dominante na perspectiva de Bakhtin como: [...] uma relação de indiferença com o objeto e/ou sujeito, coisificando e tornando-o mudo, estabelecendo uma relação sobre o objeto e/ou sujeito. Somente em uma relação de amor se descobre a absoluta incapacidade de ser consumido o objeto. Só o amor é capaz de instaurar uma relação produtiva e rica com o outro (sujeito ou objeto), tornando-se único e concreto para mim. É envolvimento ativo e responsivo do eu na sua relação com o outro. É estar com o outro, ouvir sua voz, conversar com e não sobre ele (BASSINELO, 2017, p. 62). Para conectar ao que se propõe este artigo, tomamos aqui o objeto como o conhecimento mediador no ato dialógico-amoroso,em que a falta de relação entre objeto e sujeitos dialógicos é, para Freire, característica da tão criticada “educação bancária”. Se o sujeito “A” não pode ter no objeto o termo de seu pensamento, uma vez que este é a mediação entre ele e o sujeito “B”, em comunicação, não pode igualmente transformar o sujeito “B” em incidência depositária do conteúdo do objeto sobre o qual pensa. Se assim fosse — e quando assim é —, não haveria nem há comunicação. Simplesmente, um sujeito estaria (ou está) transformando o outro em paciente de seus comunicados (FREIRE, 2013a, p. 51). Com isso, Freire (2013a) defende que o ato comunicativo deve ser recíproco. O diálogo, as trocas e as interações sociais são essenciais para a constituição humana. Nesse ato comunicativo defendido por Freire não há a presença de sujeitos passivos: “Os sujeitos co-intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu conteúdo” (FREIRE, 2013a, p. 52). Ainda em consonância com Bakhtin no que diz respeito aos discursos dominantes, Freire, em um ato dialógico com Donaldo Macedo (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 100), professor na Universidade de Massachusetts em Boston, Estados Unidos, aponta que “um programa de alfabetização que rejeita a pluralidade de vozes e de discursos é autoritário, antidemocrático” e diz dos impactos dessas presenças plurais na alfabetização. A legitimação desses diversos discursos legitimaria a pluralidade de vozes na reconstrução de uma sociedade verdadeiramente democrática. Então, nessa sociedade imaginada, a compreensão do ato de ler e do ato de escrever forçosamente mudaria. A compreensão atual da alfabetização também teria que mudar. Por definição, haveria verdadeiro respeito por aqueles educandos que ainda não se acostumaram a dizer a palavra para lê-la. Esse respeito implica a compreensão e a apreciação das muitas contribuições que os que não leem dão à sociedade em geral (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 98). AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 117 Com isso, Freire (2013a) defende que o ato comunicativo deve ser recíproco. O diálogo, as trocas e as interações sociais são essenciais para a constituição humana. Nesse ato comunicativo defendido por Freire não há a presença de sujeitos passivos: “Os sujeitos co-intencionados ao objeto de seu pensar se comunicam seu conteúdo” (FREIRE, 2013a, p. 52). Ainda em consonância com Bakhtin no que diz respeito aos discursos dominantes, Freire, em um ato dialógico com Donaldo Macedo (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 100), professor na Universidade de Massachusetts em Boston, Estados Unidos, aponta que “um programa de alfabetização que rejeita a pluralidade de vozes e de discursos é autoritário, antidemocrático” e diz dos impactos dessas presenças plurais na alfabetização. A legitimação desses diversos discursos legitimaria a pluralidade de vozes na reconstrução de uma sociedade verdadeiramente democrática. Então, nessa sociedade imaginada, a compreensão do ato de ler e do ato de escrever forçosamente mudaria. A compreensão atual da alfabetização também teria que mudar. Por definição, haveria verdadeiro respeito por aqueles educandos que ainda não se acostumaram a dizer a palavra para lê-la. Esse respeito implica a compreensão e a apreciação das muitas contribuições que os que não leem dão à sociedade em geral (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 98). Para Freire e Macedo (2011, p. 96), “uma sociedade diferente, na qual dizer a palavra seja um direito fundamental e não simplesmente um hábito, no qual dizer a palavra seja o direito de tornar-se partícipe da decisão de transformar o mundo” lembra até mesmo um sonho. E é o amor exposto por bell hooks (2020, p. 244) que “sempre nos afastará da dominação em todas as suas formas. O amor sempre nos desafiará e nos transformará”. Sendo então, o amor, um dos elementos para alcançar esse sonho. Um achado importantíssimo dessa ação dialógica-amorosa como prática pedagógica analisada nesta pesquisa, caminho para a “reconstrução de uma sociedade verdadeiramente democrática” que legitima suas múltiplas vozes (FREIRE e MACEDO, 2011) é a ampliação desses estudos em conexão com a pluriversalidade e polirracionalidade, sobretudo em uma prática educativa no Brasil que, por vezes, em um ato de epistemicídio, desconsidera as vozes plurais afro-referenciadas e ameríndias. Esse “ato dialógico” acima, que nos sugere uma “amorosidade dialógica pluriversal”, foi um achado na leitura de O ensino da filosofia e a lei 10.639 do professor Renato Noguera, que tece seus pensamentos sobre a pluriversalidade na filosofia brasileira e na educação através do filósofo sul-africano Mogobe Ramose. Diferentemente das práticas pedagógicas bancárias de dominação, que pautam a universalidade e excluem a pluriversalidade, o conceito de pluriversal defendido por Noguera “não se opõe ao de universal; distante da lógica dicotômica — ‘ou isso ou aquilo’ —, a pluriversalidade nos convida a pensar usando a tática da inclusão — ‘isso e aquilo’” (NOGUERA, 2012, p. 33-34). É importante ressaltar que a pluriversalidade pautada por Noguera (2014) não defende o pluralismo intelectual. Não é sobre colocar tudo em um caldeirão e misturar a ponto de nada ser identificado. A pluriversalidade não age no apagamento das especificidades e, sim, na defesa das perspectivas plurais. Noguera (2014, p. 35) defende que: [...] através da pluriversalidade, da polirracionalidade e do reconhecimento da humanidade de todos os povos, dentro de uma perspectiva pluriversal, todos os saberes emergem de contextos culturais específicos, isto é, adventos locais que, por conta do seu caráter humano, podem ser validados em outros contextos culturais. Katiúscia Ribeiro, em sua dissertação de Mestrado intitulada Kemet, escolas e arcádeas: a importância da filosofia africana no combate ao racismo epistêmico e a lei 10639/03, defende que a polirracionalidade “é um caminho e tanto para o diálogo com uma nova perspectiva de saber que AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 118 abarque o pluriverso de saberes com os quais podemos interagir” (RIBEIRO, 2017, p. 61). A pluriversalidade é, aqui, importante instrumento para romper as cápsulas da “[...] dominação eurocêntrica, imperialistas e universalistas sobre o conhecimento” (RIBEIRO, 2017, p. 62). O pensamento único nos impede de imaginar, de ler e de escrever as histórias, nossas vidas e futuros de formas diferentes. Esse ato de pluriversalidade, essa amorosidade dialógica pluriversal que é afro- perspectivada é encontrada em Paulo Freire em suas obras A África ensinando a gente: Angola, Guiné-Bissau, São Tomé e Príncipe e em Cartas a Guiné-Bissau: registro de uma experiência em processo. Em Cartas a Guiné-Bissau, podemos destacar as próprias palavras de Freire que detonam a pluriversalidade em suas práticas educativas diante da sua participação na campanha nacional de alfabetização em Guiné-Bissau. A nossa opção política e a nossa prática em coerência com ela nos proibiam, também, de pensar sequer que nos seria possível ensinar aos educadores e aos educandos da Guiné-Bissau sem com eles aprender. Se toda dicotomia entre ensinar e aprender, de que resulta que quem ensina se recusa a aprender com aquele ou aquela a quem ensina, envolve uma ideologia dominadora, em certos casos, quem é chamado a ensinar algo deve aprender primeiro para, em seguida, começando a ensinar, continuar a aprender (FREIRE, 2013c, p. 12). Nesse ato de amorosidade dialógica pluriversal, guiada pela polirracionalidade e polidiálogos, de todo material que poderia ser acessado, Freire deu atenção especial aos conhecimentos e conceitos educacionais produzidos por Amílcar Cabral. Freire, inclusive, dedica o livro a ele, com as palavras: "A Amílcar Cabral, educador-educando de seu povo”. Na epígrafe do livro, é possível notar que as práticas e pensamentos de Freire, que defende que “a leitura do mundodeve preceder a leitura da palavra” (FREIRE, 2013c), estão em confluência com Amílcar. Posso ter minha opinião sobre muitos temas, sobre a maneira de organizar a luta; de organizar um partido; uma opinião que se formou em mim, por exemplo, na Europa, na Ásia ou ainda em outros países da África, a partir de livros, de documentos, de encontros que me influenciaram. Não posso, porém, pretender organizar um partido, organizar a luta, a partir de minhas ideias. Devo fazê-lo a partir da realidade concreta do país (CABRAL apud FREIRE, 2013c). As palavras de Amílcar, supracitadas, ressoam também nas palavras de Freire sobre sua contribuição no processo de alfabetização em contextos distintos e sua atenção às práticas de universalização em detrimento da pluriversalidade. Na verdade, as experiências não se transplantam, se reinventam. Porque, disto convencidos, uma de nossas preocupações básicas, permanentes, durante todo o tempo em que nos preparávamos, em equipe, para a primeira visita à Guiné-Bissau, foi a de nos vigiar quanto à tentação de, superestimando este ou aquele aspecto desta ou daquela experiência de que antes participáramos, pretender emprestar-lhes validade universal. (FREIRE, 2013c). A amorosidade dialógica e pluriversal, além de ser importante prática educativa que promove o crescimento mútuo dos sujeitos envolvidos em diálogo, é também instrumento para descortinar discursos dominantes, para denunciar a realidade opressora, para (re)conhecer as potencialidades de presenças plurais e para que prosperemos em alcançar outros sonhos possíveis e transformadores. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 119 CONCLUSÕES Como vimos ao longo da nossa análise, o diálogo é primordial para as relações sociais tanto para o Círculo de Bakhtin quanto para Paulo Freire, sendo que as relações de alteridade constituem elemento relevante no processo construtivo de educadores e educandos. Apesar de os autores se dedicarem a objetos de estudo diferentes — Bakhtin na análise da linguagem e Freire na alfabetização e em uma educação libertadora —, nota-se uma convergência dupla quanto à importância das relações dialógicas e amorosas na prática educativa. Ambos os autores reforçam que não existe o “eu sem o outro” ou, reajustando os termos para a lente deste artigo, não existe aluno sem professor, nem docência sem discência e, portanto, ensinar e aprender caminham juntos em uma troca mútua de experiências. A alteridade surge como a capacidade de reconhecer nossas diferenças, de cuidar e amar radicalmente da pessoa a qual nos aproximamos em um ato dialógico, de forma a valorizar justamente o que nos difere e que nos completa momentaneamente. Ela potencializa os encontros plurais no qual há crescimento mútuo entre os sujeitos em diálogo — assim como Amílcar Cabral — tornam-se sujeitos “educadores-educandos” e “educando-educadores”, onde em amorosidade dialógica mediada pelo objeto a ser pensado e imersos em um contexto, se completam provisoriamente e saltam para uma nova e potente incompletude. No segundo ponto abordado em nosso estudo, no que diz respeito às relações amorosas que envolvem as práticas pedagógicas, é possível novamente perceber a convergência entre Bakhtin e Freire. A educação dialógica amorosa defendida por Freire pressupõe o amor nas relações entre nossas humanidades e em relação ao mundo, ou seja, fundamental ao diálogo. Nesse sentido, a amorosidade de Bakhtin é um movimento presente ao entendermos a alteridade, uma vez que não existem relações responsivas sem o ato dialógico e amoroso. Aprender e ensinar através de uma prática amorosa, dialógica e pluriversal, reconhecendo todas as presenças em um espaço de aprendizagem, é potencializar a nossa capacidade de polirracionalizar e de polidialogar, de pluriversalizar os nossos pensamentos e práticas educacionais em busca de uma transformação radical amorosa, tão democrática que é capaz de romper os discursos dominantes que enclausuram a nossa energia criativa. Nesse sentido, é função do professor, no momento em que há necessidade de uma comunicação discursiva, fazê- la de forma que seja também transformadora. Como defendem Freire e Macedo, quando assim é feito, o discurso passa a “assumir uma participação ativa e decisiva relativa ao que se quer produzir e para quem” (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 97). E sobre a quebra das ideologias dominantes, defende que “a reinvenção do poder que passa pela reinvenção da produção não pode ter lugar sem a amplificação das vozes que participam do ato produtivo” (FREIRE e MACEDO, 2011, p. 97). Chegar até as (in)conclusões deste artigo é aceitar as nossas incompletudes. É reconhecer e nos encantar com o que se propõe a própria amorosidade dialógica como prática pedagógica, ao gerar uma completude momentânea em um encontro de alteridades e pluriversalidades. Ao nos completarmos momentaneamente, através de nossas presenças plurais, em prática educativa responsiva, pluriversal, amorosa e dialógica, nos transmutamos gerando uma nova incompletude que potencializa a nossa capacidade de imaginar e de sonhar coletivamente e, assim, de criar outras histórias e futuros de bem-viver para todas as vidas em nossa “casa viva” Terra. AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 120 REFERÊNCIAS AMBRÓSIO, Ana Cristina da Silva. O diálogo em Paulo Freire: contribuições para o ensino de Matemática em classes de recuperação intensiva. Colloquium Humanarum, vol. 10, n. Especial, Jul–Dez, 2013, p. 1072-1077. ASSUNÇÃO, Emerson Tadeu Cotrim; SOUZA, Ester Maria de Figueiredo. Diálogos entre Mikhail Bakhtin e Paulo Freire: A Palavraponte e a Palavramundo, face social de uso do signo. Rev. Bras. de Educ. de Jov. e Adultos, vol. 7, 2019. Disponível em: www.revistas.uneb.br/index.php/educajovenseadultos/article/view/9850/6921. Acesso em: 18 nov. 2021. BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Tradução Paulo Bezerra. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BASSINELLO, Patrícia Zaczuk. 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AMOROSIDADE DIALÓGICA COMO PRÁTICA EDUCATIVA NAS PERSPECTIVAS DE FREIRE E BAKHTIN: completude... | 122 https://www.scielo.br/j/pp/a/xgjd3cdzh4QzBXdzYSm3R7r/?lang=pt https://novaescola.org.br/conteudo/1621/mikhail-bakhtin-o-filosofo-do-dialogo https://filosofia-africana.weebly.com/uploads/1/3/2/1/13213792/kati%C3%BAscia_ribeiro_-_dissertac%CC%A7a%CC%83o_final.pdf https://repositorio.ufscar.br/bitstream/handle/ufscar/2275/4358.pdf?sequence=1 A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas em um período marcado pela COVID-19 Débora Ferreira Rios José Carley de Souza Rezende Maria Adélia da Costa 09 | 123 INTRODUÇÃO O fim do ano letivo anuncia a chegada de um próximo ciclo, com metas pré-definidas, novas turmas com suas respectivas salas de aulas e muitas expectativas de aprendizagens, tanto dos professores como dos alunos. Nesta ocasião as escolas se planejam e se organizam, definindo a direção e a administração para o início do próximo ano letivo. O plano de ensino é desenvolvido, com a finalidade de apresentar aos alunos aspectos relacionados ao fazer pedagógico como: a definição de quais dias e horários serão as aulas de cada disciplina, a data da semana de provas, as reuniões de professores para o planejamento de trabalhos pedagógicos, a metodologia utilizada e a referência bibliográfica para os estudos. No entanto, em 2019 ocorreu o inimaginável onde o Mundo passou por mudanças significativas, que afetaram todos os setores e também se refletiram no universo escolar, de uma maneira tão profunda que foi necessária a implementação de outras abordagens metodológicas pelas instituições de ensino. Conforme (G1, 2020), o marco ocorreu em 31 de dezembro de 2019, quando o Governo da República Popular da China enviou um comunicado oficial à Organização Mundial da Saúde (OMS), notificando a existência de vários casos de uma pneumonia com causa desconhecida, na cidade de Wuhan, província de Hubei. Em pouco tempo, cientistas detectaram que o agente transmissor da doença cuja o nome oficial escolhido pela OMS é COVID-19, se tratava de um novo coronavírus. Denominado como SARS-CoV-2, um vírus da mesma família da Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) identificada em 2003 e da Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS) descoberta em 2012. No dia 11 de março de 2020, a OMS declarou estado de pandemia causada pela COVID- 19, que assim como em vários países, provocou no Brasil uma crise de saúde pública, social, política e econômica em virtude da fácil e rápida disseminação do vírus, do alto nível de contágio, do número insuficiente de leitos nos hospitais, além da ausência de vacinas para a população. Em meio ao caos foi necessária a adoção de medidas de restrição em alta escala, como o isolamento social, a suspensão de muitas atividades, incluindo a Educação conforme aborda Castioni et al. (2021). A educação em seus diversos setores teve suas atividades interrompidas e posteriormente modificadas, afetando a rotina de milhares de estudantes e professores. Segundo Gomes, Sant’Anna e Maciel (2020, p. 3) “Com as pessoas em casa, os escritórios, escolas e campus esvaziaram-se. Na área educacional, o isolamento social levou a mudanças bruscas e rápidas no cenário do ensino”. Como solução para que os alunos não ficassem sem aula, foi necessária a implementação por meio da tecnologia, o Ensino Remoto Emergencial (ERE). Destarte, a adesão não ocorreu na maioria das instituições de ensino como foi nos EUA e nos países da Europa, o que segundo Castioni et al. (2021, p. 400) “[...] as universidades federais justificaram que a limitação do acesso à tecnologia e a falta de formação docente e discente não permitiria transpor as disciplinas do ensino presencial para o ensino remoto”. Diante deste contexto, as instituições optaram pela suspensão temporária das atividades de ensino até que se restabelecesse a normalidade, entretanto, a solução do problema não ocorreu imediatamente e em consequência dessa paralisação foi necessário alterar significativamente todo o calendário escolar. Em meio a esse período tão conturbado, os professores foram a peça fundamental na continuidade do ensino e aprendizagem. Eles adaptaram seus planos de aula e, aprenderam a utilizar novas práticas de ensino, especificamente as que utilizam as tecnologias digitais como recurso pedagógico. Nesta perspectiva, surge a questão norteadora deste artigo: os meios digitais utilizados no processo de ensino remoto durante o período de isolamento social devido a COVID-19, deixou alguma contribuição aos professores que possa ser utilizada durante as aulas na otimização do ensino quando da retomada das aulas presenciais? A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 124 Para responder este questionamento foi realizado um estudo com o objetivo de verificar a atuação pedagógica dos professores no Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais (CEFET-MG) durante a pandemia no modo de Ensino Remoto Emergencial.Cabe salientar a relevância da temática para a área da educação, destacando-se a necessidade de um apoio pedagógico aos professores, na utilização dos recursos tecnológicos digitais, os quais são fundamentais quando o processo de ensino e aprendizagem não é mais presencial, mas quando esse ocorre a distância por meio da internet e várias outras tecnologias. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Desafios na continuidade do processo ensino e aprendizagem A pandemia causada pela COVID-19 caracterizou-se na maior interrupção do processo ensino e aprendizagem da história. Segundo dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), em 21 de setembro de 2020, constatou-se que 52% da população de estudantes do mundo foi afetada pelo fechamento das escolas; 850 milhões de estudantes fora da escola; e 48,6 países afetados pelo fechamento das escolas. Como solução para continuidade aos estudos, as instituições de ensino passaram a ofertar por meio da tecnologia o ERE, um exemplo é o caso do CEFET-MG, bem como outras instituições de ensino conforme abordado por Castioni et al. (2021): Entre as universidades públicas, as estaduais paulistas não paralisaram as atividades. Segundo o Portal de acompanhamento da Covid-19, do Ministério de Educação (MEC), em 15 de julho de 2020, dentre as 69 Universidades Federais, 53 haviam interrompido as aulas de Graduação, 10 delas estavam realizando atividades remotas e fazendo uso de Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e outras 6 realizavam atividades parciais (BRASIL, 2020). Com relação às aulas na Pós-Graduação, 29 de tais instituições estavam com atividades suspensas, 23 com atividades mediadas por TIC, 16 com atividades parciais e 1 relatava atividades normais (CASTIONI et al., 2021, p. 400). Para as instituições de ensino que optaram pela continuidade do ensino no modo ERE, foi necessária a adoção de mudanças significativas de planejamentos nas atividades do processo de ensino e aprendizagem visando a continuidade do ano letivo*. As aulas que anteriormente eram presenciais passaram a ser disponibilizadas mediante meios digitais, ocorrendo por transmissão simultânea ou gravadas. Na ocasião foram utilizados dos mais diversos meios**: Teams, RNP, Moodle, Google Meet, SIGAA, Zoom, entre outros. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece uma carga horária de 800 horas para o ensino médio e fundamental distribuídos em 200 dias letivos, sendo que o Ensino Superior são 200 dias letivos conforme artigo 47. Plataformas unificadas de comunicação e colaboração que combinam videoconferências, outras permitem o armazenamento de arquivos etc. * Resolução CEPE nº 02-2020, de 2 de julho de 2020, aprova, em caráter excepcional e temporário, a implementação de Ensino Remoto Emergencial para os cursos da Educação Profissional e Tecnológica de Nível Médio, para os cursos de Graduação e para os cursos de Pós-Graduação, em todos os campi do CEFET-MG. ** A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) nº 9394, de 20 de dezembro de 1996, estabelece uma carga horária de 800 horas para o ensino médio e fundamental distribuídos em 200 dias letivos, sendo que o Ensino Superior são 200 dias letivos conforme artigo 47. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 125 Toda essa experiência que está sendo vivenciada pelas agências governamentais, diversas instituições de ensino, e a sociedade em geral, contribuirá em mudanças significativas para a aprendizagem. A compreensão das práticas educacionais que emergiram ainda ocorre e as metodologias educacionais nunca mais serão as mesmas, conforme Costa (2020): Sobre os ganhos e as mudanças vividas pela educação na pandemia, presumo que muitos aprendizados serão permanentes e/ou definitivos, tanto no ensino público quanto no privado. Eu já tenho ouvido relatos de colegas que estão fazendo curso de formação continuada e que, mesmo quando voltarem ao ensino presencial, irão inserir muitas das metodologias em suas práticas pedagógicas, nas aulas presenciais. Além disso, muitos professores conhecem plataformas interessantes que auxiliarão o ensino presencial e trarão ganho para a aprendizagem dos alunos. Estes, por sua vez, aprenderão a ter mais autonomia e gerir melhor o processo de aprendizagem (COSTA, 2020, p. 88 - Grifo nosso). O fato é que os professores tiveram que superar vários obstáculos impostos pelas tecnologias. Muitos deles precisaram aprender como ensinar, utilizando a tecnologia em tempo recorde, assim como os alunos, a maioria também não dispunha de conhecimento para operar instrumentos tecnológicos, apesar de estar vivendo numa era digital. Além disso, é preponderante considerar que a utilização de meios digitais como computador, tablet e celular, não implica necessariamente que o usuário saiba operar os diversos recursos para assistir as aulas e quiçá ensinar. Costa (2020) apresenta o real cenário em que foram submetidas muitas instituições. Devido ao advento da COVID-19 deferiram pela implementação das aulas no modo Ensino Remoto Intencional (ERI): De certo modo, todos os professores foram provocados a pesquisar novas maneiras de se fazer essa modalidade de ensino, até então desconhecida. A sala de aula, aquele espaço retangular, cadeiras enfileiradas, professor à frente dos alunos, por vezes de costas, desapareceu em um toque de mágica. Os professores que dominavam muito bem, com excelência, os conhecimentos de sua área de formação inicial, sentiram-se sem chão (COSTA, 2020, p.30-31). Pelas novas circunstâncias as quais passou toda a sociedade, foram imprescindíveis à implementação de outras ferramentas pedagógico-didáticas. O corpo docente aliado aos alunos e seus familiares, tiveram de se adaptar e empenhar-se, frente a essa alternativa de metodologia de ensino. O uso das redes sociais para aqueles que tinham acesso e sabiam manusear corroboraram de maneira significativa em muitos casos para superar os desafios impostos. Segundo Costa (2020, p.33) “Assim, o professor trocou a caneta e o quadro branco pelas plataformas digitais e, de repente, não mais que de repente, tornou-se um projeto de professor Youtuber”. Pode-se dizer, então, que a educação em meio a tantas lutas está sendo capaz de superar mais esse obstáculo. Mesmo com o fechamento momentâneo das escolas, o ensino continuou mesmo que de uma forma diferente. Os alunos não se deslocavam para a escola, era a instituição que ia ao encontro deles. Os exercícios, provas e materiais didáticos assim como as aulas online eram compartilhados via E-mail, WhatsApp, Facebook, Youtube, Telegram, Classroom, Googlemeet, Googledrive, Instagram, dentre outras mídias sociais. Em muitos casos a família teve que se envolver no processo de ensino e aprendizagem de forma mais intensa, principalmente, em apoio aos alunos do ensino fundamental. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 126 Segundo Costa (2020) foi necessário o envolvimento de todos os sujeitos sociais do processo educacional utilizando tecnologias digitais para que o ano letivo continuasse. De certo modo, foi necessário que os professores, atores, entrassem em cena, se envolvessem, mesmo aqueles resistentes às tecnologias foram provocados a pesquisar novas formas de ensinar. É fato que, toda mudança envolve sair da zona de conforto, promovendo insegurança, principalmente porque determinados professores, uma vez que, dominavam o conteúdo a ser ensinado, viam o ano de 2020 como mais um semelhante aos anteriores. No entanto, todo o planejamento precisou ser revisado e adequado, e os grandes mestres foram submetidos a um desafio compulsório, pois, só dominar o conteúdo era insuficiente, era preciso ir além, se reinventar, conforme aborda Costa (2020, p. 86): De repente, apenas dominar o conteúdo a ser ensinado não é mais suficientepara ser professor (aqui eu abro parêntese para dizer que se podemos pensar em alguma coisa boa, essa é uma delas). Isto é, o professor entendeu, no susto, que a profissão professor exige mais que dominar o conteúdo. É preciso conhecer, minimamente, o campo da educação como a pedagogia, didática, avaliação de aprendizagem. (Grifo nosso). Portanto, quero acreditar que, embora seja um momento doloroso para todos nós - porque não há como comparar o ensino presencial com o ERI, uma vez que nada substitui o contato, o olhar, os gestos, o cheiro…-, uma das lições que ficará é que não dá mais para sermos professores do século 19 para alunos do século 21. Assim, as aulas tiveram que ser modificadas completamente, já que os recursos pedagógicos empregados anteriormente necessitaram ser readequados ou retirados, ao menos durante o período em que se tornou impossível o acesso direto aos alunos. Muitos dos instrumentos de trabalho do professor tais como o quadro branco, o pincel, o giz, os exercícios impressos, entre outros, foram substituídos pela tela do computador, do celular, do tablet, pelo Padlet, pelo preenchimento do Google Forms, dentre outros. A presença de chamada era marcada no chat, assim como muitas perguntas foram respondidas utilizando o fórum da plataforma digital. Esses meios digitais na maioria das vezes permitiram a interação entre professor e aluno. O sinal da sirene indicando que a aula finalizou, muitas vezes passou a ser marcado pelo tempo da reunião agendada nos diversos aplicativos de software de videoconferência* utilizados ou mesmo quando um aluno informava ao professor. Não se pode negar a resistência na adaptação às circunstâncias em um primeiro momento. Nem todos os professores aceitaram de imediato as alterações nas formas de ensinar e aplicar novas tecnologias em sala de aula. Isso foi uma das dificuldades vivenciadas no início do ERE: usar as tecnologias digitais para ofertar as aulas a distância, uma vez que não era possível ter aulas na modalidade presencial. Salienta-se que muitos professores reconhecem que as mídias digitais promovem a otimização da aprendizagem no campo educacional, no entanto, a obstinação em não utilizar tais recursos envolve muitos fatores, sendo os mais comuns a insegurança, por inicialmente, não dispor de competências e habilidades para operar tais ferramentas digitais. Evidencia-se que, estão ocorrendo mudanças substanciais na maneira de ensinar e cada vez mais professores estão buscando se aprimorar nesse universo tecnológico, seja devido a praticidade, ou mesmo por imposição das instituições de ensino. Os professores estão percebendo o potencial em aliar as tecnologias à sua prática pedagógica. É relevante deixar explícito que a idade ou o tempo de atuação não está condicionado ao utilizar ou não a tecnologia, e sim, o despertar do professor para algo que visa otimizar o ensino e aprendizagem. Conforme Costa (2020) o desafio é uma possibilidade de crescimento quando o docente busca investir na sua formação. * O uso da tecnologia permitiu o contato visual e sonoro entre pessoas mesmo estando em lugares totalmente diferentes, em outros estados ou em outros países. A sensação é que os interlocutores se encontravam no mesmo local. O professor precisava gerenciar o tempo de cada aluno, pois muitos queriam falar. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 127 Uma pesquisa realizada em 2018 pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), apresentou a ocorrência de um aumento no interesse dos professores pelo uso das tecnologias em atividades educacionais. Conforme a Cetic.br, cerca de 76% dos professores utilizaram a internet para aprimorar seus conhecimentos sobre o uso de tecnologias nos processos de ensino e de aprendizagem. Dentre os assuntos mais buscados, estão o uso de tecnologias em sua própria disciplina de atuação (65%), o uso de tecnologias em novas práticas de ensino (65%) e formas de orientar os alunos sobre o uso seguro do computador, da internet e do celular (57%). Diversos artigos foram publicados sobre o tema ensino e aprendizagem durante a pandemia, com a utilização de softwares educacionais via internet, em apoio às atividades de educação, seja à distância ou presencial. Ressalta-se, que o Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) não substitui as aulas presenciais, mas se trata de um complemento do processo de ensino favorecendo a aprendizagem. Não obstante, é preponderante considerar que, para a adoção de metodologias ativas de aprendizagem é necessário que seja realizada uma análise da estrutura disponível na escola. É preciso verificar quais metodologias utilizadas estejam presentes no Projeto Político Pedagógico da escola de maneira a tornar acessíveis para a comunidade escolar, em especial, aos alunos e professores considerados pelos autores deste trabalho como a pedra angular do processo de ensino e aprendizagem. Outrossim, os professores precisam estar capacitados para operar os recursos tecnológicos, visto que, muitos não tiveram na sua formação acadêmica o acesso a esse conteúdo. É necessário que haja investimento no professor, que sejam ofertados cursos ou incentivos a sua formação continuada, uma vez que, o uso de tecnologias digitais de informação e comunicação (TDIC) exige do professor apropriação tecnológica (GROSSI, 2021): As TDIC e os AVA estão sendo responsáveis pela reconfiguração do espaço social, no qual a educação faz parte, modificando o fazer docente. Pois, essas tecnologias permitem inúmeras alternativas de estratégias de aprendizagem. Porém, o uso das tecnologias digitais na prática pedagógica exige dos professores apropriação tecnológica, a qual representa um processo de evolução instrucional. Para Sandholtz, Ringstaff e Dwyer (1997) essa evolução compreende cinco etapas: exposição, adoção, adaptação, apropriação e inovação. Mas, devido à suspensão das aulas e, o ensino passar a ser ofertado remotamente, os professores não tiveram o tempo necessário para completar todo o processo (GROSSI, 2021, p. 7 - Grifo nosso). Nem todos os professores puderam adotar meios 100% digitais em suas aulas, pois os estudantes vulneráveis e desfavorecidos financeiramente não dispuseram de acesso às plataformas digitais, por conseguinte, eles precisaram trabalhar dobrado, sendo preciso planejar aulas online, além de material didático impresso, para que os responsáveis pudessem retirar na escola. É de suma importância frisar que nada disso iria parar aqueles que dedicam a sua vida a ensinar conforme declara Grossi (2021): Enfim, o segredo do sucesso do processo de ensino e aprendizagem, seja no ensino presencial ou no ofertado remotamente, não está na escolha das tecnologias digitais de apoio às aulas. O segredo está na alma do professor, fazendo com que a educação continue sendo humana, mesmo quando intermediada por máquinas (GROSSI, 2021, p.10). Em meio às perdas imensuráveis causadas pela COVID-19, se faz importante a realização de uma reflexão sobre o conhecimento que as instituições de ensino juntamente com seu corpo docente agregaram durante esse período de aprendizagem, principalmente, para aqueles professores que se dispuseram e tiveram a oportunidade de implementar os recursos tecnológicos em seus afazeres. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 128 METODOLOGIA Esta pesquisa teve uma abordagem qualitativa. No que tange os tipos de pesquisa científica, optou-se pelo uso da descritiva. O universo desta pesquisa foi o grupo de professores lotados no Programa de Pós- Graduação em Educação Tecnológica desta instituição de ensino. O universo desta pesquisa foram os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do CEFET-MG, localizado no Campus II no município de Belo Horizonte/Minas Gerais. Esses participantes correspondem a um totalde 17 professores dos quais, oito aceitaram participar da pesquisa, o que representa um retorno de 47,06%, respondendo a um questionário de forma online, o qual foi criado no Google. Quanto à estrutura do questionário, este foi dividido em três conjuntos de questões: a primeira parte caracterizou-se no perfil dos entrevistados. Na segunda parte procurou-se saber se foi utilizado o ambiente virtual para aprendizado e/ou ministrar aulas durante a pandemia causada pela COVID-19; e na terceira parte buscou-se investigar como foi o desenvolvimento e condução das atividades. O questionário foi compartilhado entre os dias 03 de agosto a 20 de novembro de 2021, no e-mail e WhatsApp particular dos professores participantes da pesquisa. Vale ressaltar que, devido às limitações impostas pela pandemia, os autores desta pesquisa consideraram no momento o e-mail e WhatsApp, os meios mais usuais pelo público alvo, bem como os mais eficazes para a coleta das informações, visto a possibilidade de um maior esclarecimento caso os participantes constatassem alguma dúvida durante as respostas. No instrumento de coleta de informações, os pesquisadores esclareceram que seriam mantidas as informações sigilosas e os dados pessoais em anonimato. RESULTADOS E DISCUSSÃO 1ª parte - perfil dos entrevistados Primeiramente buscou-se identificar a área de atuação dos professores do programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do CEFET-MG, bem como quanto tempo eles atuam na área de ensino. Dos oito professores participantes dessa pesquisa, 87% era da área de Ciências Humanas, e 13% das Ciências Exatas e da Terra. É relevante destacar que essas disciplinas são organizadas na produção voltada à formação humana que integra ciência, tecnologia, sociedade, educação, o contexto sociopolítico e histórico-cultural. Quanto ao tempo em que lecionam, 87,5% dos professores disseram ser a mais de 15 anos e somente 12,5% lecionam entre 10 e 15 anos, ou seja, numa análise inicial, desconsiderando outros cursos de capacitação que os professores tiveram durante suas carreiras, pode-se destacar uma vasta experiência acadêmica e profissional. No que tange ao segmento de ensino, verificou-se que dos 8 professores participantes, 100% lecionam para o mestrado e para a Graduação; 62,5% lecionam para a Pós-Graduação; e por fim 37,55% lecionam para o Ensino Técnico. Com base nos dados constantes, percebe-se que o CEFET- MG abarca vários segmentos de ensino que vão desde o técnico ao mestrado. Além disso, verifica-se que os professores participantes da pesquisa apresentam um perfil com vasta experiência no ensino, desde a formação acadêmica bem como o tempo em que lecionam. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 129 A formação acadêmica corrobora para que os professores sejam capacitados na aplicação de novas metodologias pedagógicas, entretanto, a formação do professor não se limita apenas a acumulação de cursos, mas também na aplicação do ensino, ou seja na práxis pedagógica apresentada por Freire (1987), envolvendo a inter-relação entre teoria e prática. Nesse ponto da pesquisa constatou-se que os professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Tecnológica do CEFET-MG apresentam os requisitos basilares considerando o tempo em que atuam e sua formação acadêmica, além de lecionarem nos quatro segmentos de ensino. 2ª parte - utilização do ambiente virtual durante a COVID-19 Sobre o uso do ambiente virtual de aprendizagem, constatou-se que 100% dos professores participantes utilizaram o recurso durante a pandemia causada pela COVID-19, para fins de ministrar as aulas, bem como em apoio às demais atividades escolares. A utilização desse meio de inter-relação entre professores, alunos e coordenação está amparada pela Resolução CEPE nº 02, de 2 de julho de 2020, exarada pelo CEFET-MG, o qual aprovou em caráter excepcional e temporário, a implementação do ERE para os cursos da Educação Profissional e Tecnológica de Nível Médio, de Graduação e Pós-Graduação, em todos os campi do CEFET-MG, visando diminuir os impactos das medidas de isolamento social sobre o processo de ensino e aprendizagem (CEFET-MG, 2020). Conforme prevê o § 1º da referida Resolução, o ERE constitui em um conjunto de estratégias didático-pedagógicas que podem ser mediadas por tecnologias digitais ou não. Foi constatado que dos oito professores participantes, 100% utilizaram tecnologias digitais. No entanto, para a devida implementação foi necessário verificar quesitos como: provimento das condições pedagógicas, infraestrutura para os alunos em situação de vulnerabilidade socioeconômica, além dos servidores para participação no processo-aprendizagem. Acentua-se que, no uso desse modo de ensino foram implementadas aulas síncronas e assíncronas. A finalidade da implementação das atividades síncronas visa uma maior interação entre professor e aluno acontecendo em tempo real e de maneira virtual, entretanto, tais atividades não se limitam apenas às aulas, podendo ser implementadas outras, como exercícios avaliativos, por exemplo. As atividades assíncronas ocorrem mediante aulas gravadas por alguns professores e disponibilizadas para os alunos, além de tarefas computadas como carga horária da disciplina, entre outras. Destarte, é mister considerar que a referida Resolução em seu art. 3º, inciso V estabelece que, ao aluno é garantido o direito de não adesão ou participação nas atividades do Ensino Remoto Emergencial. Nesse caso, os discentes poderiam realizar o trancamento de matrícula, parcial ou total, sem quaisquer prejuízos na contagem de tempo para finalizar o curso. Conforme o parágrafo único do artigo 3º, incluído pela Resolução CEPE nº 12, de 17 de novembro de 2020, tal garantia não se aplicava aos alunos da Pós-Graduação Lato Sensu. No que tange a participação dos professores na condição de aluno em aula online durante a pandemia, dos 8 participantes, 50% declararam que participaram de aulas online e 50% responderam não terem participado de nenhuma aula como discente. Entende-se que a participação em aulas online possibilita ao professor na condição de aluno poder experienciar como é estar do outro lado da tela do computador, do tablet, do celular, entre outros. Observar se o material exposto para dar aula prende a atenção do aluno ou o deixa totalmente disperso e se é possível ouvir o professor com clareza. Ainda, permite ao professor verificar se os planejamentos de atividades são exequíveis seguindo os critérios de compatibilidade e razoabilidade, visando não sobrecarregar tanto os alunos como o professor, conforme estabelece a Resolução CEPE nº 02/20, artigo 3º, inciso VII. E por fim, possibilita ao professor demonstrar ao aluno que ele está atento às solicitações, como envio de chats, acompanhamento das correções, dando um feedback das atividades e respostas. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 130 Quanto a formação para a utilização das plataformas digitais, 62,50% dos professores manifestaram que tiveram treinamento realizado pelo CEFET-MG, ao passo que 37,50% declararam que aprenderam por intermédio de outros professores, amigos, e por meios próprios acessando sites. Sobre esse ponto, é importante observar que a Resolução CEPE nº 02/20, artigo 3º, inciso II, estabelece que o processo de organização do ERE deverá anteceder à sua implantação, sendo preponderante observar algumas diretrizes como: garantir a qualificação dos servidores para o uso de ferramentas e metodologias de ensino. Por conseguinte, constata-se que tais dados vão ao encontro da pesquisa do Cetic.br realizada em 2018, apontando que 76% dos professores utilizam da internet para o seu desenvolvimento e aplicação no processo de ensino e aprendizagem. Percebe-se também um grande interesse por parte dos professores em buscar na internet o seu desenvolvimento com finsde aprimorar seus conhecimentos sobre o uso de tecnologias nos processos de ensino e aprendizagem, bem como veem a necessidade de estarem habilitados para manusear tais ferramentas digitais para um uso eficaz. 3ª parte - desenvolvimento e condução das atividades no ambiente virtual Quanto à disponibilização de materiais didáticos verificou-se que dos oito professores participantes da pesquisa 100% utilizaram plataformas digitais para o devido compartilhamento dos materiais aos alunos. Por conseguinte, verifica-se que tanto os professores como os alunos dispunham de infraestrutura, que os permitiram interagir 100% virtualmente, não sendo necessária a produção de materiais impressos para serem entregues na residência dos alunos ou na instituição de ensino. Dentre os principais meios utilizados para postar o conteúdo, verifica-se pelas informações constantes no Gráfico 1 que, 100% dos professores participantes declaram ter usado SIGAA para postar o conteúdo. Diante desses dados é relevante considerar que o uso de determinada plataforma está condicionado à disponibilização pela instituição de ensino, entretanto, há casos em que a escolha da plataforma muitas vezes é influenciada pela facilidade com a qual o professor está mais ambientado a operar. Gráfico 1: Meios utilizados para disponibilização dos materiais didático-pedagógicos Fonte: Dados da pesquisa (2021). Nesta etapa da pesquisa, os autores observaram que os AVA utilizados pelos professores proporcionaram grande contribuição para o processo de ensino e aprendizagem, visto que, o recurso permitiu aos professores registrarem as atividades, gravarem aulas para os alunos que não compareceram à reunião online (faltaram a aula) possibilitando assistirem num momento oportuno, além de reverem quantas vezes fosse necessário para compreensão do que foi explicado. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 131 Outro quesito relevante que fez grande diferença durante a pandemia é a possibilidade ao aluno assistir às aulas e interagir com a turma sem se deslocar para a escola, ou seja, o processo de ensino e aprendizagem não parou, apenas mudou-se o ambiente de interação entre professores e alunos. Dentre os dados levantados o que se destacou para os autores é que a maioria dos professores acreditam que, a aplicação das tecnologias digitais durante as aulas traz inovadoras contribuições para o processo de ensino e aprendizagem, permitindo a execução de uma aula amplificada, além de otimizar o tempo de ensino e a facilidade no envio das atividades e materiais didáticos. Os professores declararam que são diversas as estratégias de aprendizagem e ferramentas digitais que pretendem utilizar nas aulas presenciais, a partir do que foi utilizado durante suas aulas no Ensino Remoto Emergencial. Dentre as mais usuais destacam-se: seminários online, formulários online, simulados online, fóruns de discussão, repositórios, reuniões virtuais, plataformas de compartilhamento de arquivos, vídeo aulas, produção de vídeos, Podcast, metodologias ativas juntamente com as TDIC e plataformas de postagem, interação e armazenamento de material produzido por estudantes, especificamente, os murais do Padlet e o Jambord. Por conseguinte, com a retomada da normalidade e das aulas presenciais, os professores participantes declaram que aplicarão a metodologia utilizada durante as aulas remotas (na pandemia da COVID-19) visando otimizar o processo de ensino e aprendizagem. Levando-se em consideração essa proposta a ser inserida na retomada das aulas, verifica-se que vai ao encontro do que traz Moura (2008), no que tange ao papel das instituições que formam os professores, compreendendo que uma formação que opte por uma didática tecnológica e integrada com o universo digital deve ser desejada. Desta maneira, os professores terão maiores ferramentas pedagógicas que estimulem o conhecimento dos alunos. Dos professores que participaram da pesquisa 62,5% consideraram que os alunos estão, de fato, conseguindo aprender os conteúdos das disciplinas no ERE e não haverá necessidade de revisão na retomada das aulas presenciais, ao argumento de que as aulas por serem teóricas e direcionadas para um público adulto não ficam comprometidas. Os outros 37,5% dos professores consideraram que será necessária a retomada de determinados conteúdos disciplinares na volta das aulas presenciais, em razão do comprometimento do aproveitamento estudantil e da inacessibilidade aos recursos tecnológicos por parte de alguns alunos. Os professores acreditam ser fundamental o provimento das condições pedagógicas e de infraestrutura, visando possibilitar aos alunos, em especial, aqueles em situação de vulnerabilidade socioeconômica, a participação no ambiente virtual, promovendo a equidade aos estudantes. CONSIDERAÇÕES FINAIS No final dessa pesquisa foi possível responder à questão que a norteou: os meios digitais utilizados no processo de ensino remoto durante o período de isolamento social devido a COVID-19, deixou alguma contribuição aos professores que possa ser utilizada durante as aulas na otimização do ensino quando da retomada das aulas presenciais? A implementação do Ensino Remoto Emergencial no curso pesquisado propiciou a continuação do ensino e a aprendizagem durante a Pandemia da COVID-19 e possibilitará que os professores continuem aplicando as tecnologias digitais no ensino presencial, promovendo inovações para o processo de ensino e aprendizagem. Para os autores com o fim da pandemia e a retomada da normalidade com as aulas presenciais, para que seja adotada a metodologia de ensino utilizada no ERE, é essencial que haja a disponibilização de infraestrutura que possibilite a interação entre estudantes e professores. Considera-se que o uso dessas práticas pedagógicas contribuirá na otimização do processo de ensino e aprendizagem, desde que, haja um planejamento adequado e o envolvimento de toda a comunidade escolar, não ficando tão somente a cargo dos professores. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 132 Depreende-se que os ambientes escolares, universitários, técnicos e profissionais vêm sofrendo alterações com o surgimento e desenvolvimento das tecnologias. Consideram que a familiaridade com o uso de programas de computador, aplicativos de celular e com a navegação na web, são imprescindíveis para o exercício da cidadania, devendo ser incentivados pelos professores aos alunos. Considera-se também de suma importância, que as escolas e universidades, possam abrir tempo e espaço para o uso das tecnologias e os professores se apropriem das mesmas e as utilizem como relevantes ferramentas didáticas para a propagação do conhecimento na retomada do ensino presencial. Visto que, em nada diminui as tecnologias não digitais, que também integram os espaços escolares, universitários e tecnológicos, sendo aliados na educação. E nesse viés, reitera-se por fim que o uso das tecnologias digitais quando encontra seu espaço nas aulas sejam online ou presenciais, pode conduzir o aluno a proatividade e responsabilidade pelo seu processo de aprendizagem. O conhecimento é construído de maneira dinâmica, interativa e dialógica. Entende-se, portanto, que as tecnologias são significativas ferramentas pedagógico- didáticas, assim como uma formação docente que habilite o professor a usá-las. Deve-se levar em consideração que sua utilização nos ambientes escolares abrange uma política de investimento na educação. Mesmo em meio à crise econômica que assola o país potencializada pelo surgimento da COVID-19, se faz necessário investir recursos financeiros para que as tecnologias venham a ser aplicadas. REFERÊNCIAS CASTIONI, Remi; MELO, Adriana Almeida Sales de; NASCIMENTO, Paulo Meyer; RAMOS, Daniela Lima. Universidades federais na pandemia da Covid-19: acesso discente à internet e ensino remoto emergencial.de Minas Gerais. 1942 Alteração para Escola Industrial de Minas Gerais. 1959 Alteração da denominação para Escola Técnica Federal de Minas Gerais. E, em 6 fevereiro, a Lei 3.552 concede à instituição autonomia didática, técnica, financeira e administrativa. 1978 Alteração da denominação para Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais – CEFET- MG, passando a ter como um dos seus objetivos a oferta de licenciaturas para as disciplinas específicas do ensino técnico e tecnológico. 1980 Nesta década, o CEFET-MG inicia sua cosolidação como instituição de Educação Tecnológica, encampando a oferta de cursos de formação de professores. Também inicia sua identidade como uma Instituição Federal de Ensino Superior (IFES), multicampi e com atuação no Estado de Minas Gerais. 1981 Criação dos Cursos para Formação de Professores da Parte de Formação Especial do Currículo do Ensino Médio, na sede e no interior, e em outros estados, com várias edições ofertadas em convênios com as Secretarias de Estado da Educação de Minas Gerais e de outros Estados. 1994 O Curso de Licenciatura Plena para Formação de Professores da Parte de Formação Especial do Currículo do Ensino Médio é reconhecido pelo Ministério da Educação (MEC) através da portaria nº 1.835 de 29 de dezembro. Quadro 3 - Trajetória do ensino para a docência dentro do CEFET-MG METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 15 https://www.memoria.cefetmg.br/ 1999 O Programa Especial de Formação de Docentes é autorizado pelo MEC, tendo suas atividades disciplinadas pelo Parecer CNE/CES nº 214 de 24/02/1999, contando com oferta regular e gratuita desde então. 2004 O programa foi avaliado com conceito A pela Comissão de Avaliação do MEC, recebendo parecer favorável do CNE e, em 2006, é reconhecido conforme Portaria do nº 2.372 de 05/07/2006. 2012 A Resolução nº 06/2012, art. 40, § 2º, assegura aos professores graduados, não licenciados, em efetivo exercício na profissão docente o direito de participar ou ter reconhecidos seus saberes profissionais em processos destinados à formação pedagógica ou à certificação da experiência docente, podendo ser considerado equivalente às licenciaturas, na forma de pós-graduação lato sensu, de caráter pedagógico 2017 O Programa Especial de Formação Docentes (PEFD) conquistou nota máxima – 5, na avaliação de reconhecimento do curso, pelo Ministério da Educação (MEC). 2018 Pesquisa de Iniciação Científica, (COSTA; MALTA, 2018, p. 216) realça a discrepância do percentual de bacharéis em relação aos licenciados e os de complementação pedagógica, onde 88% dos professores da formação técnica, dos campi de Belo Horizonte não se formaram para a profissão professor. 2020 Autorizada a modalidade EaD no CEFET-MG, Portaria MEC nº 242, de 20 de julho de 2020. 2021 É iniciado o Curso de Pós-graduação Lato Sensu em Docência para EPT, modalidade EaD, vinculado ao DEDU, com o objetivo geral de oferecer formação teórica e prática com bases filosóficas, pedagógicas, científicas, políticas e técnicas para os profissionais docentes, não licenciados, em exercício na profissão professor, tanto no nível médio quanto no superior. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CEFET-MG (2019, p. 7-8). O Curso de Especialização Lato Sensu em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica (EPT), ofertado na modalidade à distância (EaD), com carga horária de 360 horas e com um prazo de 12 meses, foi concebido dentro das diretrizes didático-pedagógicas em consonância com o Plano de Desenvolvimento Institucional (PDI) do CEFET-MG. Envolveu especialmente os objetivos e a função social do CEFET-MG que se propõe a “construção de políticas e ações de extensão, em que se equilibram dois polos: o da prestação de serviços públicos e disseminação da cultura e o da integração escola- comunidade e a construção cultural” (CEFET-MG, PDI, 2017, p.77 apud CEFET-MG, 2019). Elaborado com o propósito de oferecer a comunidade acadêmica interna do CEFET- MG, bem como a sociedade de um modo geral, como bacharéis e tecnólogos, não formados para a profissão professor, a oportunidade de se formarem para a docência na Educação Profissional e Tecnológica, tanto no nível médio quanto no superior, este PPC tem seus objetivos definidos conforme descrição no quadro 4: OBJETIVO GERAL Oferecer formação teórica e prática com bases filosóficas, pedagógicas, científicas, políticas e técnicas para os profissionais docentes, não licenciados, em exercício na profissão professor, tanto no nível médio quanto no superior. OBJETIVOS ESPECÍFICOS Relacionar os saberes originados da prática com os necessários para uma ação docente comprometida com a formação omnilateral do profissional que atua na área da educação. Desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores pertinentes às atividades da docência, da intervenção técnico-pedagógica, da extensão tecnológica, da pesquisa aplicada e da gestão na Educação. Identificar princípios, métodos e ferramentas que Possibilitem o desenvolvimento de estratégias de planejamento, intervenção pedagógica e avaliação na Educação. Propor estratégias inovadoras de ensino e de aprendizagem na Educação. Compreender o conceito de trabalho como princípio educativo e integrador de currículos entre o ensino médio, técnico e superior. Quadro 4 – Objetivos do PPC Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CEFET-MG (2019, p. 13) METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 16 No escopo do PPC está salientado que sua “proposta de capacitação, ao se adequar à resolução CNE/CEB nº 01/2021 (BRASIL, 2021), a exemplo do que acontece em outras instituições da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica (RFEPCT), como os Institutos Federais (IFs), atenderá uma demanda do CEFET-MG e da própria RFEPCT, no que diz respeito à qualificação pedagógica do seu corpo docente que, em elevada escala, possui bacharéis e tecnólogos, sem formação específica, atuando na educação profissional (EP)” (CEFET-MG, 2019, p. 13). OS MÉTODOS Para ingressar no curso o candidato terá que ter nível superior (obrigatório) em qualquer área de conhecimento e deverá apresentar seu Currículo Lattes mostrando sua experiência profissional e acadêmica, além de uma carta de intenções mostrando sua motivação em realizar o curso e a importância que curso terá para sua atuação profissional. Metodologia de ensino - entende-se que a metodologia de ensino em cursos de formação docente requer especial atenção no sentido de valorizar os saberes históricos, pedagógicos e técnicos que serão mobilizados, problematizados, sistematizados e incorporados à experiência de construção do saber profissional. Tabela 1 – Distribuição modular das disciplinas por docente, e ementas Disciplinas Nº horas Créditos MÓDULO 1 = 120h 1. Bases Conceituais em EPT 45 3 Ementa - Bases e princípios teórico-metodológicos da Educação Profissional e Tecnológica: definições e concepções da EPT. Trajetória histórico-social da EPT no cenário educacional brasileiro. Políticas Públicas para a Educação Profissional e Tecnológica. A busca da rearticulação entre trabalho e educação para uma formação humana integral ou omnilateral. As mudanças no mundo do trabalho e as novas exigências formativas dos trabalhadores em uma perspectiva de emancipação dos sujeitos. O trabalho como princípio educativo. 2. Juventude, Trabalho, Escola e Diversidade 45 3 Ementa - Juventude e inserção social. Culturas juvenis. Juventude, educação e mundo do trabalho. Socialização juvenil. Juventude e contemporaneidade. Juventude e diversidade. 3. História da Ciência, da Técnica e da Tecnologia 30 2 Ementa - Visão histórica da ciência e da tecnologia: da antiguidade à contemporaneidade. Da técnica antiga à engenharia. A revolução científica do século XVII. Conhecimento científico e conhecimento tecnológico. A emergência da ciência moderna e contemporânea. A ciência eEnsaio: aval. pol. públ. Educ., Rio de Janeiro, 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ensaio/a/53yPKgh7jK4sT8FGsYGn7cg/?lang=pt. Acesso em: 20 out. 2021. CEFET-MG. Resolução nº 02/2020, de 02 de julho de 2020. Aprova, em caráter excepcional e temporário, a implementação de Ensino Remoto Emergencial para os cursos da Educação Profissional e Tecnológica de Nível Médio, para os cursos de Graduação e para os cursos de Pós- graduação, em todos os campi do CEFET-MG. Belo Horizonte: CEPE, 2020. Disponível em: http://www.cepe.cefetmg.br/galerias/Arquivos_CEPE/Resolucoes_CEPE/Resolucoes_CEPE_2020/ RES_CEPE_02_20.htm. Acesso em: 6 ago. 2021. COSTA, Maria Adélia da. Avaliar no ERE exige superar paradigmas. CEFET-MG: Belo Horizonte, 2020. COSTA, Maria Adélia da. Ensino remoto intencional: reinventando saberes e práticas na educação profissional e tecnológica - 1. ed. Curitiba: Brazil Publishing, 2020. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 17ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. G1. Cronologia da expansão do novo coronavírus descoberto na China. 22 jan.2020. Disponível em: https://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2020/01/22/cronologia-da-expansao-do- novo-coronavirus-descoberto-na-china.ghtml. Acesso em: 25 ago. 2021. GOMES, Maria Antunizia, SANT’ANNA; Eduardo Paulo Almeida de; MACIEL, Harine Matos. Contexto atual do ensino remoto em tempos de covid-19: um estudo de caso com estudantes do ensino técnico. Braz. J. of Develop. Curitiba, v. 6, n. 10, p.1-18, oct. 2020. Disponível em: https://cetic.br/pesqui-sa/educacao. Acesso em: 10 set. 2021. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 133 GROSSI, M. G. R. Usar tecnologias digitais nas aulas remotas durante a pandemia da COVID- 19? Sim, mas quais e como usar? Olhar de Professor, v. 24, p. 1-12, 12 jun. 2021. GROSSI, M. G. R.; MINODA, D. de S. M.; FONSECA, R. G. P. Impacto da pandemia do covid- 19 na educação: reflexos na vida das famílias. Teoria e Prática da Educação, v.23, n. 3, p. 150-170, 2020. Disponível em: https://doi.org/10.4025/tpe.v23i3.5367. Acesso em: 10 set. 2021. MOURA, Dante Henrique. A formação de docentes para a educação profissional e tecnológica. Revista Brasileira de Educação Profissional e Tecnológica, v. 1, p. 23-38, 2008. Disponível em: https://www2.ifrn.edu.br/ojs/index.php/RBEPT/article/view/2863. Acesso em: 28 nov. 2021. UNESCO. Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura. A UNESCO reúne organizações internacionais, sociedade civil e parceiros do setor privado em uma ampla coalizão para garantir a #AprendizagemNuncaPara. 2020. Disponível em: https://pt.unesco.org/news/unesco-reune-organizacoes-internacionais-sociedade-civil-e- parceiros-do-setor-privado-em-uma. Acesso em: 01 ago. 2021. A UTILIZAÇÃO DOS MEIOS DIGITAIS NO ENSINO: o desafio na implementação de novas práticas pedagógicas... | 134 A neurociência contribuindo para as práticas pedagógicas na EJA Célia Maria Leal Delísia Ferreira Jussara Martins 10 | 135 INTRODUÇÃO No Brasil, o sistema educacional apresenta uma divisão em níveis, etapas, fases, cursos e modalidades. Dentre essas modalidades encontra-se a Educação de jovens e adultos (EJA), a qual foi implementada pelo Governo Federal, com o objetivo de promover a inclusão social e o acesso de jovens e adultos à educação. E, assim, reduzir o número de jovens e adultos, que, por qualquer motivo como, por exemplo, de ordem social, econômica, cognitiva, não tiveram acesso ao aprendizado na idade considerada normal e adequada à sua educação. Apesar de a EJA ser uma modalidade de educação amparada pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LBDN) nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, já na década de 1970 existia uma legislação que fixava diretrizes para a educação de adultos e adolescentes que não a tenham seguido ou concluído na idade própria: a Lei no 5.691, de 11 de agosto de 1971, especificamente no seu capítulo IV- do ensino Supletivo. Foi dessa forma que os sujeitos com pouca escolarização começaram a retomar seus estudos e buscaram mais oportunidades de crescimento pessoal e social. Conforme afirmam Torres et al. (2002), embora na atualidade os jovens reconheçam a importância em prosseguir com os estudos, a falta de oportunidade de muitos descreve uma realidade conturbada perante a evolução educacional no Brasil. Para Porto (2004), essa falta de oportunidade não é o único problema enfrentado por esses jovens, pois aqueles que conseguem se matricular e se manter na EJA, encontram outras dificuldades tais, como um baixo nível de conhecimento para prosseguir com os estudos. São sujeitos que trazem consigo um histórico onde o preconceito e a discriminação se fazem presentes no seu cotidiano. Essas são algumas das razões pelas quais os alunos da EJA buscam mudar sua realidade, pois somente a aquisição de conhecimento e informação podem transformar sua trajetória de vida. Neste grupo de indivíduos que buscam acesso à educação e informação se cruzam interesses variados, com necessidades múltiplas. E é a partir dessa diversidade humana que vão existir, por exemplo, aqueles considerados analfabetos funcionais, ou seja, os que só conseguem ler e fazer as operações matemáticas básicas. Segundo afirma Arroyo (2006), muitos desses jovens e adultos que passam a ser educados através da EJA relatam que o abandono estudantil ocorreu devido à vulnerabilidade socioeconômicas presentes em suas vidas desde cedo. Nesta perspectiva proposta pelo autor, entende-se que a maior evasão ocorre justamente porque esses jovens vão em busca de inserção no mercado de trabalho, com intuito de contribuir financeiramente para o grupo familiar e, isso ocorre com frequência, principalmente pelo baixo desenvolvimento econômico e ausência de políticas públicas que visam contribuir para o baixo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) no Brasil. Cury (2013) aponta que é necessário levar em consideração que a educação, além de ser um procedimento a longo prazo, deve ser contínuo e que também é um direito assegurado ao cidadão pela constituição promulgada em 5 de outubro de 1988. Sendo assim, com essa afirmação, Cury (2013) demonstra que a falta de compromisso da máquina pública também se faz presente em outros quesitos fundamentais, como saúde, segurança e moradia, ou seja, em diretos de necessidade básica de qualquer pessoa. E há de se considerar que esse cenário contribui cada vez mais para exaltar e aprofundar o desequilíbrio e as desigualdades dentro da educação básica tão importante para esse nicho estudantil. Trabalho realizado com a orientação da Professora Doutora Marcia Gorett Grossi. A neurociência contribuindo para as práticas pedagógicas na EJA | 136 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA A Educação de Jovens e Adultos: breves considerações Na busca de um estudo e análise sobre a EJA e suas relações no sentido humanitário, aprofundamos em estudos baseados em alguns autores, como Álvaro Vieira Pinto, Moacir Gadotti, Maria Antônia de Souza e, principalmente, em Paulo Freire, o grande pedagogo pernambucano, considerado como o patrono da educação brasileira, cujas obras refletem sua incansável defesa ao direito de todos à educação. Segundo Gadotti (2009), o poder público tem como demanda o grande desafio de dar atendimento a um público cada vez mais crescente de pessoas que, por vários motivos, não conseguiram ou não puderam concluir sua educação estudantil dentro da idade considerada ideal e oportuna. Devido a essas circunstâncias, muitas delas sofrem com o preconceito, com a exclusão social. Conforme aponta Lima et al. (2015), a segregação e ausência de políticas públicas também são marcos históricos da EJA, visto que, oportunizar ao público EJA a conclusão dos estudos em idade desejável tornou-se desafiador ao poder público. De acordo com Pinto (2010), o saber configura-se como conjunto de dados da cultura de uma sociedade consciente e apta a expressá-loa tecnologia no Brasil. Técnicas indígenas. A Mineração. A Eletrotécnica. A Construção Civil. A Mecânica. A Informática. Energia e Tecnologia. MÓDULO 2 = 120h 4. Metodologia do Trabalho Científico 15 1 Ementa - Conceitos de ciência, pesquisa científica, método científico. Tipos de pesquisa científica. Pesquisa quantitativa. Pesquisa qualitativa. Pesquisa mista. Técnicas de coleta de dados. Relato de pesquisa. Comunicação científica. 5. Psicologia e Neurociência aplicada a Educação 45 3 Ementa - Conceito de Psicologia da Educação. Correntes da Psicologia do desenvolvimento e da Aprendizagem. Psicanálise e Educação. Processos psicossociais e contexto educativo. Neurociência hoje. A articulação entre neurociência e educação. Bases neurobiológicas da aprendizagem. Percepção, pensamento e comportamento. A emoção em ambientes educativos. O estudo do cérebro e implicações pedagógicas. 6. Teorias e Práticas do Ensino e Aprendizagem 30 2 Ementa - Fundamentos da organização dos trabalhos pedagógicos na EP. Tendências do ensino e da aprendizagem na EP. Práticas Pedagógicas ialógicas. Saberes necessários à prática docente. Planejamento de ensino: objetivos, tipologias de conteúdos, metodologias de ensino. 7. Avaliação da Aprendizagem: Fundamentos e Práticas 30 2 Ementa - Concepções e fundamentos teóricos da avaliação da aprendizagem. Processos de avaliação de aprendizagem na educação profissional. Avaliar ou examinar? Avaliação como processo de formação e de aprendizagem. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 17 MÓDULO 3 = 120h 8. Currículo e Formação Integrada 45 3 Ementa - Concepções e história de Currículo. Teorias curriculares. Interdisciplinaridade. Elementos estruturantes de um currículo integrado. Currículo como processo e prática. 9. Elaboração de Materiais Didáticos 45 3 Ementa - Estrutura e composição de uma sequência didática. Produção, avaliação e desenvolvimento de sequências didáticas. Recursos educacionais impressos e digitais na EPT: características; produção; utilização. Abordagens comunicativas aplicadas ao desenvolvimento de sequências didáticas. Estratégias e metodologias de ensino mediadas com analogias. Atividades de ensino centradas em abordagens conceituais e em abordagens temáticas. Contextualização e problematização aplicadas no desenvolvimento de recursos mediacionais. Planejamento de diferentes tipos de atividades práticas para EPT. Recursos educacionais alternativos: mapas conceituais, jogos, maquetes, vídeos, softwares educativos, aplicativos em tablets ou smartphones, experimentos, simulações, laboratórios virtuais, etc. 10. Seminário de Integração 30 2 Ementa - Vivenciar momentos de prática pedagógica. Intercâmbio de experiencias docentes. Memorial descritivo. MÓDULO 4 11. Elaboração de Trabalho de Conclusão de Curso 0 0 TOTAL 360h 24 Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CEFET-MG (2019, pág. 15) AS METAMORFOSES Planeja-se que ao final do Curso de Especialização Lato Sensu em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica os egressos tenham se tornado docentes capazes de desenvolverem uma prática educativa transformadora e orientada pela e para a responsabilidade social; explicitadas no quadro 5. A - envolvidos com os processos de formação de profissionais de nível médio e superior, com práticas educativas com maior capacidade transformadora; B - capacitados para desenvolverem ações que consolidem a indissociabilidade ensino, pesquisa e extensão; C - comprometidos com o processo educativo de caráter crítico-reflexivo com atitude orientada pela e para a responsabilidade social; D. orientadores do processo ensino-aprendizagem a partir da problematização e da mediação, visando à formação crítica, humanística e a competência técnica na área do conhecimento e de atuação profissional dos estudantes. E. conectores das relações entre estado, sociedade, ciência, tecnologia, trabalho, cultura, formação humana e educação. Quadro 5 – Perfil do egresso Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CEFET-MG (2019, p. 14). METODOLOGIA A pesquisa teve abordagem qualiquantitativa. Considerando o objetivo proposto é do tipo exploratória e descritiva. Teve como lócus e universo a Especialização Latu Sensu em docência para educação profissional e Tecnológica do CEFET-MG. Os procedimentos técnicos utilizados foram o estudo de campo e o levantamento. Para o estudo de campo inicialmente foi realizada análise documental do PPC do curso que resultou na organização do mesmo em metas (objetivos), método (disciplinas, organização curricular, carga horária, entre outros) e metamorfoses (perfil do egresso). Na sequência foi elaborada uma entrevista estruturada que foi realizada com a coordenadora do curso, responsável também pela elaboração do PPC. A entrevista ocorreu de forma remota e foi dividida em duas partes. A primeira ocorreu através de videoconferência, utilizando a plataforma Microsoft, foi gravada mediante autorização da entrevistada. A segunda parte ocorreu através do aplicativo whatsapp, por meio de áudios gravados. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 18 Todo o conteúdo gravado foi transcrito utilizando o aplicativo Google Docs. A entrevista foi divida em cinco blocos, totalizando quatorze perguntas. O primeiro bloco objetivou conhecer a entrevistada do ponto de vista pessoal e profissional, constando de duas perguntas, possibilitando maior proximidade entre entrevistada e entrevistadores e, consequentemente, maior fluidez na entrevista. O segundo bloco buscou compreender o histórico de criação e implementação da especialização, bem como atores que participaram do processo, constando de duas perguntas. O objetivo foi identificar novos entrevistados, através do sistema de rede. O terceiro bloco visou aprofundamento a respeito das metas do PPC, ou seja, os objetivos propostos. Este bloco constou de cinco perguntas direcionadas a esclarecer dúvidas que surgiram na análise documental do PPC. O quarto bloco diz respeito ao método e constou de três perguntas. A partir da análise documental, os objetivos foram relacionados com as disciplinas e buscou-se compreender se a interpretação dos pesquisadores convergia para o que pretendia a entrevistada na elaboração do PPC. O quinto bloco, finalizando a entrevista, objetivou compreender quais as metamorfoses, ou seja, qual o perfil do egresso esperado pela entrevistada. Buscou-se também compreender as metamorfoses da própria entrevistada após o primeiro ano de implementação da pós graduação. Para o levantamento foi elaborado um questionário e aplicado entre os discentes da pós graduação, utilizando o aplicativo de gerenciamento de pesquisa google forms. O questionário foi dividido em sete seções. A primeira seção foi elaborada apresentando a pesquisa, os pesquisadores e orientadora, solicitando o apoio na participação e informando contato para dúvidas. A segunda seção constou de três perguntas não obrigatórias com o objetivo de conhecer melhor a pessoa entrevistada. A terceira seção objetivou verificar o alcance da Metas propostas pelo PPC do curso, ou seja, os objetivos específicos. Foram elaboradas seis afirmações relacionadas aos objetivos expostos no PPC e o entrevistado respondeu segundo a escala: concordo totalmente, concordo parcialmente, não concordo, nem discordo, discordo parcialmente e discordo totalmente. Em adição foi elaborada uma questão aberta com vistas a compreender a capacidade de inovação dos respondentes, sendo este também um dos objetivos do PPC do curso. Da quarta a sexta seção objetivou-se analisar o método. A quarta seção buscou compreender a visão do discente sobre a estrutura da especialização. O entrevistado avaliou cada uma das dez disciplinas do curso, na escala muito insatisfeito, insatisfeito, pouco satisfeito, satisfeito e muito satisfeito, considerando nove itens conforme apresentado na figura 1. Fonte: Elaborado pelos autores,2021. Figura 1 – Itens avaliados pelos alunos METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 19 Na quinta seção o entrevistado avaliou a coordenação do curso na escala muito insatisfeito, insatisfeito, pouco satisfeito, satisfeito e muito satisfeito, considerando quatro itens, conforme figura 2. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Figura 2 – Itens avaliados pelos alunos em relação a coordenação de curso RESULTADOS E DISCUSSÃO Metas A partir da entrevista realizada com a coordenação foi construído um mapa mental (figura 3) que ilustra as interfaces entre as Metas do PPC e as disciplinas. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 20 Figura 3 – Mapa conceitual objetivos/disciplinas METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 21 A partir de dados de matrícula fornecidos pela coordenação de curso foi possível verificar que dos 55 estudantes que iniciaram a pós-graduação quatro informaram terem licenciatura e quatro informaram terem graduação ou estarem cursando o curso de pedagogia, o que demonstra que o público atendido foi o previsto no PPC do curso. Participaram da pesquisa 24 discentes, dos quais apenas um informou ter licenciatura e dois informaram ter cursado ou estar cursando pedagogia na segunda seção do questionário. Quanto a motivação para realizar a pós- graduação um respondente informou buscar habilitação para se tornar docente, os demais responderam que a motivação é, entre outras, melhorar a atuação docente, a didática, adquirir habilidades para a docência, ou seja, o interesse em capacitação para o exercício da docência. Conforme descrito na metodologia, a terceira seção do questionário objetivou verificar o alcance da Metas propostas pelo PPC do curso, ou seja, os objetivos específicos. As Metas estão descritas no quadro 6 e foram numeradas para facilitar a apresentação dos resultados. 1. Relacionar os saberes originados da prática com os necessários para uma ação docente comprometida com a formação omnilateral do profissional que atua na área da educação. 2. Desenvolver conhecimentos, habilidades, atitudes e valores pertinentes às atividades da docência, da intervenção técnico-pedagógica, da extensão tecnológica, da pesquisa aplicada e da gestão na Educação. 3. Identificar princípios, métodos e ferramentas que possibilitem o desenvolvimento de estratégias de planejamento, intervenção pedagógica e avaliação na Educação. 4. Propor estratégias inovadoras de ensino e de aprendizagem na Educação. 5. Compreender o conceito de trabalho como princípio educativo e integrador de currículos entre o ensino médio, técnico e superior. Fonte: Elaborado pelos autores a partir de CEFET-MG (2019, p. 13). Quadro 6 - Metas específicas do PPC Tabela 2 - Resultados da seção 3 do questionário sumarizados METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 22 Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Na entrevista com a coordenação de curso ao ser questionada sobre o que esperava do discentes ao final do curso a entrevista explicou: A maior expectativa é que esses alunos compreendam a importância de se formar para ser professor. Que eles avancem na ideia do senso comum que a docência é vocação, que você nasceu para isso, e compreenda que para ser professor é preciso estudar, e estudar muito, não é estudar pouco não. Porque a profissão docente necessita de outros saberes para além daqueles da formação, da graduação, da formação acadêmica do professor. Eu espero que eles tenham compreendido isso, e que tenham adquirido o conhecimento minimamente necessário para utilizar diferentes ferramentas, diferentes técnicas e estratégias de aprendizagem (COORDENADORA CURSO, 2022). Nesse sentido, entende-se que o respondente atingiu minimente a resposta esperada quando escolheu as opções totalmente e parcialmente, correta ou incorreta, a depender da afirmação. Considerou-se para a análise dos resultados dessa seção o seguinte critério em relação a compreensão das Metas do PPC: compreendida (75% ou mais respostas na opção esperada), parcialmente compreendida (entre 25% e 75% respostas na opção esperada), não compreendida (25% ou menos respostas na opção esperada). METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 23 Em relação à Meta 1 os resultados sugerem que ela não foi compreendida pela maioria dos respondentes uma vez que 4,1% responderam conforme o esperado. No entanto, ao reavaliar posteriormente a afirmação proposta, entendemos que a redação da mesma pode gerar dúvida em sua interpretação prejudicando a confiabilidade do resultado. Considerando a afirmação elaborada de acordo com a Meta 5 os resultados sugerem que a referida Meta foi compreendida, uma vez que 75% das respostas atendem o esperado. As Metas 2 e 3, se fundamentaram em quatro temáticas, conforme figura 4. Figura 4 – Temas basilares das Metas 2 e 3 Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Nesse sentido, considera-se que os resultados indicam que as Metas 2 e 3, de modo geral, foram compreendidas. Em relação a Meta 4 optou-se por elaborar um questão aberta, na qual os respondentes dissertaram sobre a capacidade de inovação na prática docente adquirida na pós graduação. Os resultados demonstram que os participantes da pesquisa consideram que a prática docente depende do contexto no qual será realizada, sendo as estratégias decorrentes do perfil da turma e da escola na qual a prática ocorrerá. Indicam ainda, a preocupação dos participantes da pesquisa em elaborar estratégias que considerem as especificidades sociais e emocionais dos estudantes, bem como os diferentes estilos de aprendizagem. A prática dialógica e amorosa aparece como opção de inovação na ação docente de forma recorrente nas respostas. Assim como a utilização de metodologias ativas, ou seja, metodologias que colocam o estudante no centro do processo de ensino-aprendizagem, e recursos tecnológicos que facilitem a aprendizagem. O planejamento da aula e elaboração correta de objetivos de aprendizagem também foram citados como inovação na prática dos respondentes. Houve destaque entre as respostas a mudança na compreensão da avaliação da aprendizagem, destacando a importância que tal procedimento ocorra com a intenção de coletar dados que subsidiem a ação docente na busca pela aprendizagem do estudante, de forma contrária à prática de classificação dos mesmos. Foram citadas como inovações na prática dos respondentes a utilização da avaliação diagnóstica para planejamento da ação docente, diferentes estratégias na avaliação formativa e feedback constante como estratégia de motivação para desenvolvimento do estudante. Outra importante inovação que se destaca nas respostas é a compreensão da importância de uma prática docente que contribua para a formação omnilateral do sujeito, não se limitando a formação para o exercício de uma atividade profissional, sendo valorizadas e indicadas como inovações a serem adotadas a busca pela formação humana, que prepare o estudante para a vida em sociedade e desenvolva habilidades socioemocionais. Além da compreensão da Meta 4 este resultado aponta para a compreensão dos participantes da pesquisa em relação as Metas 1 e 5. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 24 MÉTODO A quarta seção buscou compreender a visão do discente sobre a estrutura da especialização. A Tabela 3 relaciona os itens avaliados com as disciplinas, que foram numeradas de 1 a 10, informando a porcentagem de respondentes satisfeitos e muito satisfeitos. Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Tabela 3 - Porcentagem de respondentes satisfeitos e muito satisfeitos A análise dos dados em relação aos alunos muito satisfeitos e satisfeitos, tem-se a seguinte situação: em cinco disciplinas 87%; em três 79%; uma com 83%; e uma com 41%. Esses dados sugerem que, de maneira geral,os participantes da pesquisa se mostraram satisfeitos ou muito satisfeitos em todos os itens avaliados. Investigando os dados a partir dos itens avaliados os dados sugerem que a plataforma utilizada para as aulas síncronas é um ponto que merece atenção, de forma a possibilitar melhorias na continuidade de oferta do curso, visto que, embora os professores tenham utilizado diferentes plataformas, nenhuma disciplina alcançou mais de 87% de respondentes muito satisfeitos e satisfeitos. A revisão teórica realizada para este trabalho mostrou que a interação entre todos os atores na modalidade EaD é fator fundamental para a aprendizagem, considerando tal realidade o item interação professor/aluno deve ser considerado nas melhorias para continuidade de oferta da pós-graduação pois, a metade das disciplinas obtiveram índices de muito satisfeitos e satisfeitos menores ou iguais a 87%. Por outro lado, os itens material didático, atividades assíncronas e didática obtiveram mais de 90% dos respondentes muito satisfeitos e satisfeitos em oito disciplinas o que sugere que estes itens se destacam positivamente no primeiro ano de implementação da pós- graduação. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 25 Itens avaliados Escala MI I PS S MS Disponibilidade de horário para atendimento aos alunos 4,1% 8,4% 25% 62,5% Organização, fornecimento de informações, divulgação de atividades 4,1% 4,1% 12,5% 37,5% 41,8% Relacionamento com os alunos 4,1% 29,2% 66,7% Comprometimento e envolvimento com o curso 4,1% 33,4% 62,5% Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. Tabela 4 – Avaliação coordenação de curso Os dados demonstram que em todos os itens avaliados a maioria dos participantes da pesquisa se mostraram muito satisfeitos e satisfeitos com a coordenação do curso. Como estratégia de melhoria na continuidade de oferta da pós-graduação sugere-se atenção ao item “Organização, fornecimento de informações, divulgação de atividades” que obteve o maior número de respondentes de pouco satisfeitos a insatisfeitos, comparando aos outros itens avaliados. Na sexta seção o entrevistado realizou uma autoavaliação e a Tabela 5 apresenta os resultados. Itens avaliados Escala 1 2 3 4 5 Cheguei no horário nas aulas síncronas e permaneci até o final. 4,1% 54,2% 41,7% Me comprometi com o estudo e a realização das atividades assíncronas, e por isso, aprendi os conteúdos postados pelos(as) professores(as). 4,1% 45,9% 50% Nas aulas síncronas, contribui com as discussões e debates. 4,1% 25% 29,2% 41,7% Nas aulas síncronas interagi com os(as) professores(as) e colegas. 8,3% 20,8 29,2% 41,7% Sou comprometido com as tarefas das aulas assíncronas, mesmo sabendo que não estou sendo avaliado. 12,5% 29,2% 58,3% Faço as atividades apenas pensando em notas. 58,3% 20,8% 12,5% 8,3% Tabela 5 – Autoavaliação dos discentes Fonte: Elaborado pelos autores, 2021. É possível perceber a partir dos dados apresentados que a maioria dos participantes da pesquisa se autoavalia pontual, comprometida e participativa nas atividades síncronas. E não fizeram as atividades apenas pensando em notas. Estes dados sugerem que os estudantes se sentiram motivados, e as dificuldades encontradas na plataforma utilizada nos encontros síncronos não comprometeram de forma significativa o aproveitamento dos estudantes. Nas aulas assíncronas os participantes da pesquisa também se consideram comprometidos, inclusive em atividades não avaliativas. Este dado reforça o nível de santificação encontrado na análise da seção anterior a respeito das aulas assíncronas. A interação entre pares e com os professores ocorreu para maioria dos participantes da pesquisa, reforçando que o modelo de EaD adotado atende a este pré-requisito, considerado fundamental nesta modalidade de ensino. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 26 METAMOFORSES Conforme descrito na metodologia foi elaborada uma questão aberta com o objetivo de compreender as metamorfoses dos discentes, ou seja, quem é o aluno egresso da pós-graduação. A maioria dos discentes relatam melhorias em sua formação e que estas os tornaram profissionais mais capacitados e seguros, com instrumentos adequados ao exercício da docência. Os estudantes se reconhecem mais conscientes, críticos, reflexivos, abertos a novas propostas e a novos conhecimentos, e também mais comprometidos com a sua própria capacitação. O aprendizado obtido a partir da atuação dos docentes da pós-graduação foi citado como importante, sendo destacadas habilidades de organização, disciplina, carisma, entusiasmo, técnica e domínio do conteúdo. Foi apontada como metamorfose a mudança de visão do mundo e a compreensão da importância de integrar a formação profissional e humana. Aparecem indicadas como “lentes adicionadas à formação” o histórico da educação profissional tecnológica, o conceito de tecnologia e técnica e suas implicações. A compreensão da função do docente enquanto formador de um sujeito transformador da sociedade da qual faz parte foi citada como metamorfose, bem como a aprendizagem significativa como instrumento para a ação docente na formação deste estudante. Sobre os conteúdos abordados foi dado destaque à avaliação da aprendizagem, elaboração de planos de aula, diferentes estilos de aprendizagem e metodologias ativas de aprendizagem. A organização das disciplinas e as referências teóricas (livros, textos, documentários, vídeos, etc.) utilizadas foram citadas como pontos positivos. A abordagem interativa dialógica foi citada como prática docente que potencializa o aprendizado, tanto do docente quanto do discente. Os respondentes se mostram satisfeitos com os aprendizados e experiências que ocorreram através da interação entre pares oportunizada durante a pós-graduação. A evolução no entendimento dos conteúdos teóricos, que inicialmente se apresentaram densos e de difícil leitura se tornando, ao final da pós-graduação, de mais fácil compreensão, especialmente para os docentes com formação na área das ciências exatas. Dificuldades no cumprimento de prazos e em conciliar os estudos com as atividades profissionais foram contornadas a partir da ação dos docentes, que avaliaram os estudantes segundo suas especificidades. Os respondentes relataram mudanças na compreensão do jovem, que extrapolam os recorrentes estereótipos, e na confiança docente em relação às perspectivas de futuro deles. Dentre as sugestões apresentadas está o aumento de carga horária das disciplinas iniciais, que são mais densas e, portanto, exigem mais tempo para o desenvolvimento das atividades. Nestas disciplinas foi sugerida melhor dosagem nas atividades propostas, por serem o primeiro contato de vários profissionais de outras áreas do conhecimento com os conteúdos teóricos da educação e pela natureza da especialização, que atende estudantes que conciliam as atividades profissionais com o estudo. Aparecem também como sugestões a oferta constante de turma na modalidade EaD para atender pessoas que estão fora dos centros urbanos; a unificação da plataforma para aulas síncronas, disponibilização de materiais e atividades para melhor organização dos estudantes; uma maior diversidade entre os docentes das disciplinas e maior motivação e engajamento de alguns nas atividades da pós-graduação. Foi citada a importância da gravação das aulas síncronas especialmente por se tratar de curso na modalidade EaD, podendo o estudante ter problemas momentâneos de acessibilidade digital. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 27 Em algumas disciplinas foi indicada a necessidade de um plano de ensino mais detalhado, com atividades a serem realizadas em momentos síncronos e assíncronos, distribuição de pontos, prazos de entrega e orientações para desenvolvimento de atividades. Como críticas aparecem a falta de informações claras sobre datas/horários das aulas, ausência de feedbackde diversos professores das atividades realizadas, especialmente em uma especialização na qual aprende-se a importância do mesmo para compreensão dos erros e correção do percurso ao longo da formação. Neste sentido, foi sugerido informação clara aos estudantes, antes da matrícula, sobre dias e horários reservados a atividades síncronas e limite para lançamento de notas e feedback das atividades. CONSIDERAÇÕES FINAIS A avaliação da prática da professora se impõe por uma série de razões. A primeira está ligada ou faz parte da própria natureza da prática, de qualquer prática. Quero dizer o seguinte: simplesmente toda prática coloca a seus sujeitos, de um lado, sua programação, de outro, sua avaliação permanente (FREIRE, 2021, p. 34). No momento das considerações finais recorremos as perguntas que motivaram essa pesquisa, no intento de então voltar a reflexão para as indagações iniciais. A especialização atingiu o público-alvo que pretendia? A pesquisa mostrou que o público atendido na especialização converge em direção a motivação inicial para criação da pós-graduação, que foi documentada na elaboração do PPC do curso e relatada na entrevista com a coordenação. Como os discentes egressos compreendem a estrutura de formação da especialização Lato Sensu em docência para educação profissional e Tecnológica do CEFET-MG? Os objetivos específicos do PPC foram compreendidos pelos discentes ao final da especialização? De modo geral as Metas (objetivos específicos) foram parcialmente compreendidas pelos discentes. Foi possível perceber, tanto na seção do questionário que buscava esta resposta, como nos relatos em outros pontos do questionário, que as Metas pretendidas fazem parte do vocabulário dos estudantes egressos, e são entendidas por eles como pontos altos de sua formação. Qual o nível de satisfação dos discentes na forma como foi ministrada a especialização em seu primeiro ano? De modo geral os discentes se mostraram satisfeitos ou muito satisfeitos em relação a estrutura de organização da especialização. A análise realizada nesta pesquisa sugere que sejam implementadas melhorias em pontos como a plataforma para realização de atividades síncronas e interação professor/aluno. Em relação à coordenação de curso os respondentes, de forma geral, se mostraram igualmente satisfeitos e muito satisfeitos. Os dados desta pesquisa sugerem melhorias em relação a organização e divulgação de informações. Quais melhorias foram sentidas pelos discentes em sua formação? Compreendemos a partir da análise dos resultados que as metamorfoses percebidas pelos discentes convergem para o perfil do egresso documentado no PPC do curso e relatado na entrevista com a coordenação. Os participantes da pesquisa relataram metamorfoses que atendem a todos os pontos pretendidos. Quais melhorias foram sugeridas pelos discentes a serem inseridas na continuidade de oferta do curso? Foram sugeridas melhorias que englobam questões de conteúdo, performance docente e plataformas utilizadas, que poderão ser implementadas na continuidade de oferta. METAS, MÉTODOS E METAMORFOSES PARA A DOCÊNCIA NA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL | 28 Por fim, é necessário destacar a importância de realização desta pesquisa como conclusão da formação dos pesquisadores, que são estudantes da pós-graduação, e dos participantes da pesquisa como pode-se perceber a partir do seguinte relato obtido na aplicação do questionário: Gostaria de parabenizá-los por este trabalho e formulário! Foi muito interessante preenchê-lo. Foi um exercício de autoavaliação e autoconhecimento! O desenvolvimento desta pesquisa nos permitiu concluir a pós-graduação com clareza, a respeito da importância da capacitação docente, recorremos a Silva (2021, p. 21) para sintetizar os nossos aprendizados, quando ele diz que a profissão docente necessita de qualificação e responsabilidade no seu desenvolvimento, pois, “não é mais suficiente o discurso romântico da vocação ou as considerações abstratas (...) dos tempos em que a professora e o professor eram simples instrumentos dóceis do poder dos poderosos”. Assim, ficamos com a certeza que a profissão docente requer muito mais do que o domínio da técnica e do conhecimento disciplinar, mais do que nunca, a contemporaneidade exige um professor que materialize suas práticas educativas na perspectiva da formação omnilateral. REFERÊNCIAS BASTOS, João Augusto. A educação tecnológica: Conceitos, Características e Perspectivas. Coletânea Educação & Tecnologia. 1998. Disponível em: http://revistas.utfpr.edu.br/pb/index.php/revedutec-ct/article/view/1986. Acesso em 15 nov. 2021. BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Diário Oficial da União: Brasília, 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 jan. 2022. BRASIL. Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008. Diário Oficial da União: Brasília, 2008. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 17 jan. 2022. BRASIL. Resolução nº 6, de 16 de julho de 2008. Diário Oficial da União: Brasília, 2008. Disponível em: