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AULA 3 ÉTICA EMPRESARIAL Profª Daiane Medino da Silva 2 TEMA 1 – ÉTICA E DEONTOLOGIA O conceito de ética é como uma especulação sobre o que deve ser feito, apesar da confusão sobre o termo historicamente. Daí que ser ético, como vimos em conteúdos anteriores, equivale a agir em conformidade com um ideal de bom e de justo, independentemente de sancionamento jurídico ou moral: assim o é por ser o certo. Dentro dessa percepção, vale destacar o conceito de deontologia, entendido como filosofia que integra a filosofia moral contemporânea, que por sua vez remete à ciência do dever e da obrigação. O termo foi cunhado por Jeremy Bentham, em 1834, como um neologismo cunhado pelo filósofo como "teoria do dever". Vejamos (Bentham, 1834, tradução nossa): “DEONTOLOGIA é derivada das palavras gregas, δέον (o que é apropriado) e λόγος, (conhecimento) significando o conhecimento do que é direito (certo) ou próprio (devido); e é aqui especialmente aplicado ao assunto da moral, ou aquela parte do campo de ação que não seja objeto de legislação. Como arte, é o fazer que é apto a ser feito; como ciência, o saber o que é adequado para ser feito em todas as ocasiões [...] O negócio do Deontologista é trazer adiante, da obscuridade em que foram enterrados, aqueles pontos de dever, em que, pelas mãos da natureza, os interesses do homem associado aos seus prazeres, nos quais seu próprio bem-estar foi conectado, com combinados e identificados com o bem-estar dos outros; dar, numa palavra, ao social, a influência do motivo autorreferencial. Existe um entendimento diverso de que deontologia, como estudo das ciências normativas, ou seja, daquelas que lidam com enunciados de “dever ser” (Lazzarini, 1996). Ainda assim, o conceito mais utilizado é o de Bentham. O estudo da terminologia indica que o termo deontologia deriva do grego deon (particípio neutro do impessoal dei), com o sentido de “obrigatório”, “justo”, “adequado”; e logos, com o sentido de “ciência”. Essa mesma terminologia foi utilizada por Jeremias Bentham, no sentido de ciência que estuda os deveres que devem ser cumpridos a fim de alcançar o ideal utilitário do maior número possível de indivíduos. Elcias Ferreira da Costa (2013, p. 3) distingue as ciências ontológicas, que se ocupam do ser como é, das ciências deontológicas, que pensam o ser como deve ser. O autor ainda indica: Desnecessário, por outro lado, observar que ciência dos deveres é ciência moral. Deontologia é, pois, sinônimo de ciência moral ou ética. A palavra moral deriva do latim mores, assim como ética deriva do grego ethos. Tanto uma como outra significam a mesma cousa, a saber, costume. Como se sabe, a primeira fonte de deveres, numa sociedade 3 primitiva qualquer, identifica-se naquilo que “uma longa e inveterada repetição de atos tiver consagrado como necessário ao bom conviver” – tacitus consensus populi longa consuetudine inveteratus (Ulpiano, 1, 4, Inst., 1, 2, 9). Assim, a deontologia pode ser definida como a ciência que avalia a ação humana em termos do que é justo e conveniente, considerando ainda o valor visado pela ação e o dever da norma que dirige o comportamento humano (Lazzarini, 1996). Do ponto de vista da ética geral, podemos analisar a natureza do ato moral e do dever moral, da responsabilidade, da finalidade do esforço moral do homem. Já na ética especial, analisamos os meios que permitem atingir o fim último da ação moral, que por sua vez compreende duas subclasses (Costa, 2013, p. 4): • A ética individual estuda os deveres relativos à perfeição individual da pessoa, considerada isoladamente, como o dever da castidade para o solteiro. • A ética social estuda os deveres da perfeição do agente, não de forma isolada, mas considerando a promoção do bem comum, a partir de condutas que impactam o meio social, como o dever do profissional liberal ou do comerciante. A deontologia se enquadra na segunda subclasse, que pode ser definida como “conjunto de regras e princípios que regulam determinadas condutas do profissional, condutas de caráter não técnico, exercidas ou vinculadas, de qualquer modo, ao exercício da profissão e atinentes ao grupo profissional. É, na substância, uma espécie de urbanidade do profissional” (Lega, 1992, tradução nossa). Está ligada ao comportamento ético aplicado aos setores diversos do agir humano. Daí que o termo deontologia pode ser seguido da área em questão: médica, odontológica, jurídica ou negocial. TEMA 2 – CÓDIGOS DE ÉTICA PROFISSIONAL Diversas profissões, impulsionadas pelas ideias originais de Bentham, passaram a buscar a sua autorregulação a partir de códigos de ética. É importante notar que o conceito de Jerehmy Bentham afasta expressamente a atuação externa, do legislador – ou seja, do direito. No Brasil, o primeiro código de ética de que se tem notícia é o dos advogados vinculados ao Instituto dos Advogados do Brasil. Foi editado em 1921, 4 redigido pelo professor Francisco de Almeida Morato.1 Antes dele, encontramos diferentes registro registros da conduta profissional. É o caso do juramento de Hipócrates, que traça os limites e possibilidades do agir médico (Machado, 2016). Atualmente, praticamente todas as organizações profissionais organizadas apresentam códigos de ética. Muitos deles são marcados com sanções coorporativas, como suspensão ou até proibição do exercício daquela arte ou profissão. Em regra, a sua composição é de responsabilidade exclusiva das organizações, não havendo qualquer valor legislativo. Pela própria designação, o código de ética indica um código de condutas que devem ser observadas naquela esfera de normatividade, sem se confundir com a esfera da normatividade jurídica, propriamente dita, visto que “um dos aspectos em que a norma de moral se distingue da norma jurídica reside na propriedade que caracteriza a norma jurídica de impor condutas coercitivamente, propriedade que falta à norma de moral” (Costa, 2013, p. 128). Todavia, a partir do momento em que o legislador, através de uma norma positiva, explicitamente dispõe sobre um determinado ramo de atividade – como é o caso da Lei n. 8.906/94, art. 33, que indica que “o advogado se obriga a cumprir rigorosamente os deveres consignados no Código de Ética e de Disciplina” (Brasil, 1994)–, impingindo uma sanção à transgressão de seus dispositivos com a aplicação de pena de censura, acaba por elevar o que seria apenas uma norma moral (preceito de eficácia precária) para a categoria de norma jurídica, atribuindo- lhe coercibilidade. Quanto à caracterização da responsabilidade jurídica e moral pelo sigilo em certas profissões, Elcias Costa (2013, p. 128) indica que o ordenamento jurídico regula o sigilo da seguinte forma: Entretanto, não só a ética implica a obrigação de guardar o segredo profissional; a própria ordem jurídica também o assume como valor jurígeno essencial. Regulam o sigilo profissional os seguintes dispositivos de lei: – No art. 154 do Código Penal, capitula-se como crime revelar, sem justa causa, segredo de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem. – Mais longe vai o Código de Processo Penal, arrolando entre as pessoas proibidas de depor aquelas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão devam guardar segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar o seu testemunho (art. 207). 1Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2022. 5 – Também a norma do Código Civil assegura que ninguém pode ser obrigado a depor sobre fato a cujo respeito, por estado ou profissão, deve guardar segredo (Lei nº 10.406/2002, art. 229, inc. I). – Noutro inciso,o XIX do art. 7º da Lei nº 8.906/94, corrobora o legislador o direito-dever que onera o advogado de recusar-se a depor como testemunha em processo no qual haja funcionado ou deva funcionar, ou sobre fato relacionado com pessoa de quem seja ou foi advogado, mesmo quando autorizado ou solicitado pelo constituinte, bem como sobre fato que constitui sigilo profissional. Noutro lugar, tipifica o legislador como infração disciplinar, punível com pena de censura, violar sem justa causa, sigilo profissional (Lei nº 8.906, art. 36, I, c/c art. 34, VII). Verifica-se concludentemente que o dever do sigilo profissional, além de preceito da Lei Natural, decorre ainda da ordem pública e não de mero contrato entre cliente e advogado. No ensinamento de Maurice Garçon, para o advogado como para o médico, o segredo é matéria de ordem pública, baseia-se na confiança que obriga necessariamente o cliente a informar o profissional a quem se dirige, sem receio de que as suas confidências venham a ser divulgadas e a prejudicá-los. O segredo do advogado, todavia, difere do segredo do médico, na medida em que grande parte das confidências do cliente se destinam a assegurar a sua defesa perante os tribunais e, portanto, a ser divulgado. Seria impossível – acrescenta o autor – advogar, sem revelar certas confidências recebidas ou o conteúdo de certos documentos. Na atualidade, a ética tem sido reduzida e simplificada, de modo extremado, a uma tecnologia ética, com a proliferação de códigos de ética profissional, visto que “todas as principais profissões têm seus códigos de ética, principalmente no Brasil. Na realidade são todos códigos de conduta, na exata significação desta palavra. Em alguns casos são denominados códigos de deveres” (Brandão, 1999, p. 95). Segundo Bittar (2018, p. 408), esse fenômeno está ligado à esperança de imediatizar o dever ético na consciência do profissional, dentro de uma onda positivista, na tentativa de viabilizar os princípios e deveres éticos, com a produção dos códigos de ética ou dos códigos de dever, específicos para cada profissão. Ainda de acordo com Bittar (2018), as consequências diretas desse tipo de raciocínio são: • transformação das prescrições éticas em mandamentos legais; • reificação excessiva dos campos conceituais da ética; • compartimentação da ética em tantas partes quantas profissões existentes; • juridicização dos mandamentos éticos. Assim, a ética profissional é considerada desde a sua regulamentação como um conjunto de prescrições de conduta, deixando de existir enquanto normas puramente éticas, pois elas se tornam normas jurídicas de direito 6 administrativo. Desse modo, o seu descumprimento implica sanções administrativas, na forma de advertência, suspensão e até a perda do cargo. TEMA 3 – CÓDIGO DE ÉTICA EMPRESARIAL O movimento de construção da ética negocial surge especialmente com a publicidade dos casos de corrupção, considerando a inobservância dos direitos fundamentais e os grandes golpes econômicos (Arredondo Trapero; Villa Castnao; De la Garza Garcia, 2014). Para além da reação legislativa, com as leis que regem a concorrência, leis relativas à relação entre empresa e Poder Público, bem como leis comerciais, o mundo dos negócios entendeu a importância da construção de códigos de ética de conduta empresarial. Errol P. Mendes e Jeffrey Clark (1996) desenvolveram em pesquisa que aponta a existência de cinco gerações de códigos de ética empresariais: • Primeira geração: evitação dos conflitos laborais entre empresas e funcionários. • Segunda geração: voltada à conduta comercial, especialmente subornos para autoridades públicas ou condutas antiéticas com fornecedores e clientes privados. • Terceira geração: enfoque nas relações aos direitos de funcionários e terceiros, como consumidores. • Quarta geração: enfoca a responsabilidade social, considerando os impactos nas comunidades e no meio ambiente. • Quinta geração: preocupa-se com o investimento em países com déficit, com respeito aos direitos humanos básicos e ao Estado de Direito, com foco especial em justiça social e responsabilidade política das empresas. Diversas propostas de códigos de ética empresariais estão em voga, especialmente aquelas com base em modelos que obedecem alguns princípios fundamentais. Entre eles, destacamos (Schwartz, 2002, citado por Marcondes, 2017): confiabilidade (honestidade, integridade, lealdade); respeito (direitos humanos); responsabilidade (assumir as responsabilidades pelos atos decorrentes de suas atividades); justiça (ser justo, imparcial); ser cuidadoso (evitar danos ou prejuízos desnecessários); cidadania (obedecer à lei). 7 A instituição de uma comissão de ética interna garante, no ambiente coorporativo, maior adesão às missões institucionais, servindo como guia a diferentes decisões e atitudes, o que permite melhorias e uma maior adesão às missões institucionais, especialmente com agregação de valor à imagem da organização, além de ajudar a levar felicidade nos relacionamentos com clientes internos e externos da empresa (Fernandes; Da Luz, 2009). É importante lembrar, por outro lado, que o código de ética empresarial pode ser tanto de uma empresa ou corporação, como de um ramo (por exemplo, empresas com selos). Eles ainda podem ser setorizados para cada área específica de uma empresa (código do setor de tecnologia, de vendas etc.). Como regra, o código de ética empresarial contempla os princípios norteadores, chamados de “orientadores da conduta”, incorporando valores (ética, respeito às pessoas, dedicação, transparência, segurança e saúde, responsabilidade e inovação), missão, visão, princípios do pacto global, da governança corporativa e do programa de integridade, além dos direitos e deveres dos colaboradores no que se refere ao exercício correto da profissão, considerando o seu relacionamento com clientes, empregadores, colegas e meio ambiente nos diversos compromissos profissionais, com a rejeição de práticas ilegais, corrupção, ou qualquer tipo de preconceito e assédio moral e sexual. O termo ética empresarial é definido por Joaquim M. Moreira (1999, p. 28) como “o comportamento da empresa – entidade lucrativa – quando ela age de conformidade com os princípios morais e as regras do bem proceder aceitas pela coletividade (regras éticas)”. Mario E. Humberg (2006, p. 82), por sua vez, leciona: A ética empresarial (ou organizacional, num sentido mais amplo), envolve a definição clara de posturas adotadas pela empresa e por seus colaboradores, a partir dos dirigentes e, embora baseada em conceitos morais, distingue-se destes pela sua característica mais utilitária. Trata- se de estabelecer os procedimentos para o dia-a-dia [sic] da empresa e não conceitos filosóficos ideais. Já para Alonso et al. (2006, p. 147), trata-se do “conjunto de princípios, valores e padrões que regula o comportamento das atividades da empresa do ponto de vista do bem ou do mal”. Extraímos, dessa forma, que a ética organizacional é uma postura adotada por toda a organização, de forma clara e responsável, em todas as atividades organizacionais. Um programa de ética envolve todos os integrantes da 8 organização, principalmente a alta administração, na adoção de posturas éticas capazes de atender os objetivos organizacionais. Com isso, muito se fala em mudanças de paradigmas nas organizações, de forma que uma boa empresa não é apenas aquela que apresenta grandes lucros, mas que, para além disso, oferece um ambiente moralmente gratificante, em que as pessoas (colaboradores em geral) podem desenvolver os seus conhecimentos especializados e também as suas virtudes. Segundo Aguilar (1996, p. 26), uma empresa ética é aquela organização que, em suas decisões e atividades, “conquistou o respeito e a confiança de seus empregados, clientes, fornecedores, investidorese outros, estabelecendo um equilíbrio aceitável entre seus interesses econômicos e os interesses de todas as partes afetadas.” Acerca do código de conduta, Neves (2018, p. 3) ensina o seguinte: O código de conduta pode determinar que a empresa se comprometa a não fazer acordos com concorrentes para fixar preços, dividir mercados, territórios ou fornecedores; não determinar preços dos produtos a serem praticados por revendedores; adotar conduta apropriada nas reuniões de associações profissionais ou comerciais, e não tratar de temas que viole a livre concorrência. Além disso, ter uma agenda prévia das reuniões, atas posteriores as reuniões e uma postura de ausentar-se e deixar registrada a ausência, caso as conversas durante as reuniões derivem para temas indicando os ilícitos [...]. O código de conduta deve também abordar o conflito de interesses. [...] havendo transparência, boa-fé e medidas efetivas, a maioria dos problemas podem ser resolvidos. Já o autor Rodrigo de Pinho Bertoccelli (citado por Venturini, 2018, p. 49) enfatiza: Além disso, as decisões da Administração Pública, do Poder Judiciário, assim como as exigências do próprio mercado devem valorizar os esforços concretos pelas empresas na implementação dos Programas de Compliance, especialmente nos acordos de leniência, termos de ajustes de conduta e na aquisição de ativos nacionais por grupos e fundos de investimentos internacionais, objetivando trazer maior segurança e transparência nas relações entre diferentes atores. No código de conduta, é preciso desenvolver a estruturação de regras e instrumentos, de forma que os padrões de ética e de conduta representem o comportamento esperado de todos os funcionários e dirigentes da empresa, explicitando os valores e princípios da empresa, bem como a conduta a ser seguida pelos membros da empresa. Portanto, a simples publicação de um código de conduta em uma empresa, ou um conjunto de políticas corporativas e treinamentos, não é suficiente para 9 garantir a efetividade de um programa de compliance. Afinal, junto com tais atos, é importante seguir ações concretas para punir ilícitos praticados contra as normas da empresa, que devem ser detectados sempre o quanto antes, a fim de prevenir eventuais prejuízos, considerando desconformidades com o programa de integridade e a necessidade de punição. TEMA 4 – REPONSABILIDADE PROFISSIONAL A responsabilização profissional pode tanto ser jurídica como deontológica, ou seja, decorrente de questões profissionais. Em regra, a responsabilidade profissional decorre da obrigação de reparar e/ou compensar qualquer dano causado. O profissional que, no exercício do seu trabalho, fere alguém ou causa um tipo de dano, tem a obrigação legal de cobrir os prejuízos. O dever de responder por danos causados advêm, inicialmente, do art. 5º, X, da Constituição Federal: “são invioláveis a inti-midade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (Brasil, 1988), fundamento constitucional para a defesa da pessoa humana em resposta a investidas injustas contra os direitos personalíssimos. No Código Civil de 1916, estava expresso a disciplina do dano moral por atentados à personalidade, no art. 159: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a re-parar o dano” (Brasil, 1916). Mantido o mesmo preceito, com base na responsabilidade aquiliana, dispõe o art. 186 do atual Código Civil, como fundamento legal para a responsabilidade civil por dano moral e atentados à personalidade humana. Assim, a responsabilidade é atribuir a alguém o dever de reparar ou indenizar a outrem por um dano gerado ou um risco criado. Em vários seguimentos, a responsabilidade profissional acaba por ampliar-se no sentido de responsabilidades contratuais (fornecedores, clientes, empregados etc.), aquilianas (sem contrato), direito do consumidor (objetiva), além de técnicas, trabalhistas e outras. Por isso, em regra os códigos de éticas, sejam de empresas ou organizações, são indicativos da responsabilização jurídica, especialmente na definição de condutas conhecidas ou que deveriam ser conhecidas. 10 Diante disso, os códigos de ética profissional implicam muitas vezes a atribuição de sanções para a prática das atividades profissionais. Como exemplo, Soares e Santos (2011, p. 51) indicam: “Nesse sentido, a responsabilidade civil do advogado pode ser classificada como contratual, direta e subjetiva, constituída mediante obrigação de meio, na maioria dos casos”. Outro exemplo é a cassação de registro de habilitação de médicos, psicólogos e contadores. Nas organizações empresariais, pode acontecer a responsabilização dos gestores por fato de terceiros, conforme prescreve o Código Civil 2. Contudo, no caso dos códigos de éticas empresariais, a responsabilização da pessoa jurídica e até de seus diretores pode ser mitigada pela presença de um código de ética empresarial, desde sejam utilizados métodos corretos, com treinamento constante e controles. A Justiça do Trabalho costuma atribuir responsabilidade à empresa por condutas de assédio moral do trabalho cometida por seus colaboradores. No entanto, se há uma cultura interna para evitar essas ocorrências, ou instrumentos/meios de denúncia, essa responsabilidade pode ser diminuída (Manus, 2019). A existência de um Código de Ética Empresarial pode ainda, permitir que a empresa cobre certas condutas de seus colaboradores condutas, abrindo a possibilidade de demissão por justa causa, como vemos a contrario sensu no seguinte julgado: AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RECURSO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DA LEI Nº 13.467/2017. REVERSÃO DA JUSTA CAUSA EM JUÍZO - MATÉRIA FÁTICA - SÚMULA 126 DO TST. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O processamento do recurso de revista, na vigência da Lei nº 13.467/2017, exige que a causa apresente transcendência com relação aos aspectos de natureza econômica, política, social ou jurídica (artigo 896-A da CLT). Sucede que, pelo prisma da transcendência, o apelo interposto não atende a nenhum dos requisitos referidos. No caso, não há transcendência política, visto que o Tribunal Regional analisou o conjunto probatório, concluindo não haver elementos suficientes nos 2 Art. 932: “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia”. (Brasil, 2002) Art. 933: “As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos". (Brasil, 2002) 11 autos a corroborar a dispensa do autor por justa causa no curso do aviso prévio. O TRT ainda consignou que a demandada não logrou comprovar que o autor teria agido em contrariedade ao código de ética empresarial. A Corte a quo sublinhou que "os elementos de prova indicam a destinação da comissão ao empregador do autor e não diretamente ao autor", acrescentando que "o ato foi cometido em 08/01/2018 (fls. 84 - id 1b2a65f) e não há prova de que a ré só tomou conhecimento da alegada falta grave após a rescisão contratual". Desse modo, para se acolher a versão defendida pela agravante, seria necessário o revolvimento do acervo probatório,o que esbarra no óbice da Súmula nº 126 do TST. Ademais, não se verifica o preenchimento dos requisitos de natureza econômica, social ou jurídica a justificar o provimento do apelo. Agravo de instrumento a que se nega provimento. [...] (AIRR-1000266-77.2018.5.02.0318, 7ª Turma, Relator Ministro Renato de Lacerda Paiva, DEJT 25/03/2022). No caso citado, se a empresa tivesse demonstrado que a conduta de seu empregado foi contrária ao que entabula o Código de Ética Empresarial, ele poderia ter sido demitido por justa causa. Em outro julgado, o Tribunal Superior do Trabalho aponta que um dos colaboradores poderia ter sido demitido por concorrência desleal se houvesse um código empresarial vigente e conhecido3. Dessa forma, em regra, o desenvolvimento de programas e ferramentas para o combate à corrupção (compliance) e a aplicação de códigos de conduta- ética buscam a aplicabilidade de leis que dispõem sobre responsabilidade civil, administrativa pública e privada, entre outros fatores. Robert H. Srour (2003), ao discutir a responsabilidade social empresarial, as vantagens e as atitudes capazes de contribuir para a construção da chamada “empresa cidadã”, indica que o comportamento ético influencia diretamente na formação de reputação e no aumento do grau de confiança na empresa. Ressalta-se que a responsabilidade de cada integrante da organização empresarial, com a valorização pessoal do comportamento ético, colabora para a confiabilidade e credibilidade empresarial e dos profissionais envolvidos. Segundo Elizete Passos (2006, p. 106), os códigos empresariais ou os códigos de ética devem ter como finalidade “levar as pessoas a pensar. Mais do que isso, a refletir sobre seus atos, tomando por base o respeito à pessoa e à verdade”. Dessa forma, as organizações devem se conscientizar dos limites da norma, priorizando o ser humano, ou seja, as pessoas envolvidas em todo o processo, o que favorece o diálogo na organização. Tal atitude é relevante para a 3RR-114-11.2014.5.10.0012, 2ª Turma, Relatora Ministra Maria Helena Mallmann, DEJT 09/08/2019. 12 criação de um ambiente favorável ao desenvolvimento organizacional, com base em preceitos éticos (Aguilar, 1996, p. 113): “nenhum programa ético, por mais bem elaborado que seja, pode ter sucesso se os indivíduos que dele participam não dão nenhum valor a preceitos éticos básicos”. TEMA 5 – DEONTOLOGIA E PRÁTICA PROFISSIONAL Como vimos, a deontologia é o conjunto de deveres profissionais do médico, estabelecidos em um código específico. Ou seja, é a teoria dos deveres, assim considerada como uma série de princípios e regras que disciplinam comportamentos particulares de integrantes de uma determinada profissão. Podemos definir que existem mandamentos éticos comuns a todas as profissões, o que se deve ao fato de todas elas desempenharem uma função social importante. Conforme indica Bittar (2018, p. 408): “de fato, o profissional deve adaptar sua ética pessoal aos mandamentos mínimos que circundam o comportamento da categoria à qual adentra”. Assim, a grande maioria das profissões encontra os seus mandamentos basilares estruturados em princípios gerais de atuação, de acordo com as especificidades de cada atividade social e com os efeitos dessa atividade. Por essas razões, os códigos de ética profissionais são úteis como mandamentos mínimos para a atuação de colaboradores, gestores e clientes. A doutrina entende a expressão “mandamentos mínimos” no sentido de que a ética profissional é “minimalista (em geral, só diz o que não deve ou que não pode ser feito, enunciando-se por discursos proibitivos), uma vez que se expressa no sentido de coibir condutas futuras e possíveis de determinada categoria profissional” (Bittar, 2018, p. 410). De modo similar ao brocado “o meu direito vai até onde começa o do outro”, a liberdade ética do profissional “vai até onde esbarra nas exigências da sociedade, corporação ou instituição que controla os seus atos”. Ou seja, no exercício profissional, essa “liberdade” implica responsabilidade com o coletivo, de forma imanente, pois vai até onde determinado comportamento fere as exigências coletivas que giram em torno daquele exercício profissional. Segundo Lopes de Sá, “A ausência de responsabilidade para com o coletivo gera, como consequência natural, a irresponsabilidade para com a qualidade do trabalho” (1998, p. 131). 13 Na prática, é importante que existam normas éticas, uma vez que elas garantem publicidade, oficialidade e igualdade. De acordo com a doutrina: Além de ser a todos acessível, e de ser declarada como pauta de conduta dos membros da corporação, seu conteúdo, malgrado os problemas práticos de exegese e aplicação, oferece a possibilidade de pré-ciência do conjunto de prescrições existentes para os profissionais, de modo que, ao escolher e optar pela carreira, já se encontra ciente de quais são seus deveres éticos. Nesse sentido, os códigos servem como uma bússola, mas não são toda a luz. Se essa é a importância dos códigos de ética, deve-se destacar que a ética não se reduz a esse tipo de preocupação. O uso dos códigos de ética como modo de incremento do controle sobre o comportamento dos trabalhadores desvirtua a ideia de que a ética lida sobretudo com estímulos e não somente com punições. Ademais, a ética filosófica está a indicar a abertura da vontade e da consciência humana para além de preceitos normativos e jurídicos constantes de códigos de comportamento de determinadas categorias profissionais. (Bittar, 2018, p. 411) Nesse sentido, os profissionais têm o dever ético de conhecer os códigos de ética aos quais está submetido, bem como as regras básicas de cada profissão, com a demanda de capacitação e habilidades técnicas e intelectuais. Trata-se de um pré-requisito para a admissão ao exercício profissional e também para a sua continuidade naquela prática. Além disso, diversas profissões exigem dos profissionais a isenção de ânimo, a higidez e a irreprovabilidade de comportamento, com elevada moralidade, de modo a garantir a confiabilidade no trato empresarial. Na prática, o meio ambiente do trabalho acaba por influenciar as atitudes dos profissionais no âmbito empresarial e coorporativo. O comprometimento com as normas éticas profissionais e com as atitudes consideradas certas deve ser incentivado. Além disso, é importante revisitar esses aspectos constantemente, por meio de treinamentos e da disponibilização dos códigos, considerando ainda o exemplo da alta direção e gestão. Por isso, diversas qualidades estão atreladas às atividades laborais, como empenho, inteligência, capacidade, disciplina, organização, força e cooperação. Contudo, para que esses valores se manifestem, é essencial considerar o meio ambiente em que a atividade é exercida. Em regra, as pessoas passam muito mais tempo nos ambientes de trabalho do que com os seus familiares, o que acaba influenciando a sua forma de ser e as suas atitudes éticas, tanto na dimensão pessoal quanto profissional. Atualmente, muitas empresas aderiram a ambientes virtuais, ou híbrido. Ainda assim, o contato com o trabalho em geral é superior a 8 horas diárias. Conforme indica Bittar (2018, p. 413): 14 Se o meio ambiente é tão determinante para a vida em comum, o meio ambiente do trabalho, em específico, tem a ver com a condição objetiva e subjetiva para o desempenho da atividade laboral. Não por outro motivo, a Constituição Federal de 1988 trata do tema ao elencar entre os direitos do trabalhador urbano e rural (art. 7o, XXII): “redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança”. Relacionando o tema das condições objetivas e subjetivas da execução das atividades inerentes ao trabalho, outro dispositivo constitucional, igualmente, relaciona o tema do meio ambiente do trabalho à dimensãoda saúde do trabalhador. Trata-se do art. 200, VIII, da CF 88: “colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho”. Tem-se assistido com recorrente atualidade à intensificação da produção de danos morais, psíquicos e físicos aos trabalhadores em ambiente de trabalho. A jurisprudência reconhece o assédio moral na relação de trabalho, e lida com questões sutis em torno do tema do dano moral nas relações de trabalho, e isso porque as violações são de muitas naturezas no exercício das profissões. Por isso, a qualidade do meio ambiente do trabalho não tem a ver apenas com a periculosidade ou com a insalubridade, mas também com aspectos psicofísicos capazes de criar as condições adequadas para a vida sustentável em ambiente profissional. Em um ambiente empresarial, as normas regem o conjunto dos direitos e deveres atinentes às atividades profissionais. Contudo, tais normas e sua aplicabilidade devem levar em conta que, em meio à legislação, um misto de autoridade e liberdade deve prosperar no exercício profissional. Dessa forma, as autoridades responsáveis por metas e objetivos, além da disciplina no convívio diário do trabalho, devem analisar, além de questões empresariais, questões pessoais dos trabalhadores e interrelações com a sociedade, com colaboradores e com os clientes como um todo. A finalidade é buscar equilíbrio entre a permissividade e a repressão, pois ambientes permissivos são infensos ao profissionalismo, enquanto ambientes repressivos são anticriativos. Vejamos: Num ambiente permissivo, as faltas e os erros, os desvios e as atitudes antiéticas não são recriminadas, e num ambiente repressivo o poder da autonomia dos profissionais envolvidos não é expresso, pois o medo domi-na a atmosfera de trabalho, induzido por temor reverencial, por temor disciplinar, por temor econômico, ou por temor de desonra pessoal. Assim, o meio-termo parece indicar o caminho para a administração do convívio, conhecendo-se que as dificuldades do convívio humano são grandes e sérias, persistentes e difíceis de serem administradas. Mas, por isso, não apenas um é responsável, mas todos aqueles que do ambiente participam, podendo agregar algo de relevante para a solução de dinâmicas de interações humanas tendentes à competição, à rapinagem, à perversidade ou à luta fratricida. (Bittar, 2018, p. 413) Por fim, cabe lembrar que as regras inerentes às atividades profissionais e empresariais, além de estarem previstas em códigos ou normas, devem ser aplicadas efetivamente, por meio de treinamentos e incentivos a um meio ambiente que viabiliza atitudes éticas e responsáveis, a fim de evitar prejuízos de 15 diversas ordens, tais como psicológicas, danos civis, danos aos consumidores e problemas objetivos e trabalhistas. 16 REFERÊNCIAS AGUILAR, F. J. A ética nas empresas: maximizando resultados através de uma conduta ética nos negócios. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996. ALONSO, F. R. et al. Curso de ética em administração. São Paulo: Atlas, 2006. ARREDONDO TRAPERO, F. G.; VILLA CASTANO, L. E.; DE LA GARZA GARCIA, J. Propuesta para el diseño de un código de ética empresarial basado en la ética kantiana. Cuad. adm., Cali, v. 30, n. 52, p. 9-19, dez. 2014. Disponível em: . Acesso em: 22 jul. 2022. BENTHAM, J. 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