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<p>BIO</p><p>G</p><p>EO</p><p>G</p><p>RAFIA E IM</p><p>PACTO</p><p>S AM</p><p>BIEN</p><p>TAIS</p><p>João Victor Pacheco G</p><p>om</p><p>es</p><p>Fundação Biblioteca Nacional</p><p>ISBN 978-85-387-6304-8</p><p>9 788538 763048</p><p>IESDE BRASIL S/A</p><p>2017</p><p>Biogeografia e</p><p>impactos ambientais</p><p>João Victor Pacheco Gomes</p><p>Todos os direitos reservados.</p><p>IESDE BRASIL S/A.</p><p>Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200</p><p>Batel – Curitiba – PR</p><p>0800 708 88 88 – www.iesde.com.br</p><p>Capa: IESDE BRASIL S/A.</p><p>Imagem da capa: Shutterstock</p><p>© 2017 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos</p><p>autores e do detentor dos direitos autorais.</p><p>CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO</p><p>SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ</p><p>G612b Gomes, João Victor Pacheco</p><p>Biogeografia e impactos ambientais / João Victor Pache-</p><p>co Gomes. - 1. ed. - Curitiba, PR : IESDE Brasil, 2017.</p><p>144 p.: il. ; 21 cm.</p><p>Inclui bibliografia</p><p>ISBN: 978-85-387-6304-8</p><p>1. Geografia - Estudo e ensino. 2. Impacto ambiental. I.</p><p>Título.</p><p>17-41716 CDD: 910</p><p>CDU: 910</p><p>Apresentação</p><p>Esta obra tem o objetivo de contribuir cientificamente para a cons-</p><p>trução do conhecimento acerca do meio ambiente e da distribuição das</p><p>formas de vida no planeta. São abordados temas distintos, mas que pos-</p><p>suem uma conexão inegável, cada um interferindo na dinâmica do outro.</p><p>Existe, porém, na literatura, uma lacuna nesse tipo de abordagem,</p><p>que fica restrita a uma segmentação do conhecimento científico, enfra-</p><p>quecendo as discussões de temas aparentemente distintos e que, na rea-</p><p>lidade, estão mesclados a um contexto histórico-político-social. Portanto,</p><p>apenas uma visão sistêmica do assunto pode possibilitar argumentações</p><p>e ações que tenham relevância e efetividade na prática dessa área de estu-</p><p>do. O objetivo deste livro não é o de solucionar todas essas questões, mas</p><p>estimular e dar início a esse tipo de análise e de estudo.</p><p>Buscando introduzir alguns dos principais conceitos relacionados</p><p>à Biogeografia e aos impactos ambientais, esta obra é destinada a estu-</p><p>dantes de graduação e pós-graduação dos cursos de Geografia, Ciências</p><p>Ambientais e afins, além de demais interessados no assunto. O conteú-</p><p>do está organizado em dois grandes temas. Os primeiros cinco capítu-</p><p>los abordam essencialmente a Biogeografia. O capítulo 1 busca conectar</p><p>o conceito de Biogeografia ao conceito de ambiente, trazendo aspectos</p><p>evolutivos e desafios do primeiro. No capítulo 2, são abordadas as ca-</p><p>racterísticas ambientais e a distribuição das espécies, compreendendo a</p><p>dimensão espacial, os biociclos e os padrões de distribuição geográfica</p><p>dos seres vivos. No capítulo 3 são evidenciadas as formações biológicas</p><p>do Brasil e do mundo e suas respectivas dinâmicas. Por sua vez, o capí-</p><p>tulo 4 apresenta os fatores ambientais e sua repercussão na Biogeografia,</p><p>esclarecendo sobre o seu impacto na distribuição dos seres vivos. Já o</p><p>capítulo 5 trata dos fatores ambientais e da Geografia, compreendendo a</p><p>Biogeografia e o ambiente como sistemas, de modo a destacar a atualida-</p><p>de da questão ambiental e dos estudos de impacto da área.</p><p>A segunda parte do livro discorre sobre os impactos ambientais,</p><p>fazendo um paralelo com os conhecimentos abordados nos capítulos</p><p>anteriores. No capítulo 6 são apresentadas questões sobre a relação en-</p><p>tre sociedade e natureza, a apropriação da natureza pelo homem e as</p><p>Apresentação</p><p>vertentes ambientalistas. No capítulo 7, a questão ambiental e sua contem-</p><p>poraneidade são abordadas sob o viés do impasse atual entre o desenvol-</p><p>vimento urbano/tecnológico e os problemas e desafios na área de meio am-</p><p>biente. O capítulo 8 trabalha conceitos do Estudo de Impacto Ambiental,</p><p>relacionando-os aos conteúdos dos capítulos anteriores. Já o capítulo 9</p><p>propõe uma visão técnica da avaliação do impacto ambiental, a fim de que</p><p>se possa identificá-lo e analisar a sua importância. Por fim, o capítulo 10</p><p>aborda o plano de gestão ambiental, buscando compreender como gerir o</p><p>ambiente de modo a diminuir os impactos e preservar as espécies.</p><p>Boa leitura!</p><p>Sobre o autor</p><p>João Victor Pacheco</p><p>Doutorando do Programa de Pós-Graduação em Ciências Geodésicas</p><p>da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestre pelo Instituto Militar</p><p>de Engenharia (IME). Possui licenciatura em Geografia pela Universidade</p><p>do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharelado em Geografia pela</p><p>Universidade Federal Fluminense (UFF).</p><p>6 Biogeografia e impactos ambientais</p><p>SumárioSumário</p><p>1 Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios 9</p><p>1.1 Definição de Biogeografia e de ambiente 10</p><p>1.2 Relação da Biogeografia com outras ciências 12</p><p>1.3 Desafios atuais e perspectivas futuras da Biogeografia 17</p><p>2 Características ambientais e distribuição das espécies 23</p><p>2.1 Os biociclos: vida na Terra, em águas salgadas e doces 24</p><p>2.2 Meios de expansão e barreiras para a vida na Terra 30</p><p>2.3 Padrões de distribuição das espécies: cosmopolitas, disjuntivas e endêmicas 32</p><p>3 As formações biológicas do Brasil e do mundo 41</p><p>3.1 Gelos polares e tundra; florestas de coníferas, decíduas e tropicais 42</p><p>3.2 Savanas e cerrado; vegetação rasteira: campos, estepes e pradarias 46</p><p>3.3 Desertos e semidesertos (caatinga); vegetação litorânea: restingas e manguezais 49</p><p>4 Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia 57</p><p>4.1 A incidência de luz solar e a variação de temperatura no planeta Terra 58</p><p>4.2 A distribuição geográfica da água e a influência da geomorfologia 62</p><p>4.3 A influência dos fatores ambientais na estrutura e dinâmica das populações 65</p><p>5 Sistemas ambientais e Geografia 71</p><p>5.1 Tipo e evolução dos sistemas ambientais 72</p><p>5.2 Geografia e geossistemas 74</p><p>5.3 A questão ambiental e seus impactos 77</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 7</p><p>Sumário</p><p>6 Sociedade e natureza 85</p><p>6.1 Relação sociedade-natureza 86</p><p>6.2 Histórico e desenvolvimento da relação sociedade-natureza 87</p><p>6.3 Vertentes ambientalistas 89</p><p>7 A questão ambiental e sua contemporaneidade 95</p><p>7.1 Desenvolvimento tecnológico e seus impactos 96</p><p>7.2 Problemas ambientais 98</p><p>7.3 O impacto ambiental nas relações internacionais: desafios atuais 101</p><p>8 Estudo de impactos ambientais 107</p><p>8.1 Impactos ambientais: definição e breve histórico 108</p><p>8.2 Difusão internacional dos Estudos de Impacto Ambiental 109</p><p>8.3 Elaboração de um Estudo de Impacto Ambiental 111</p><p>9 Avaliação do impacto ambiental 119</p><p>9.1 Formulação de hipóteses, identificação</p><p>das causas do impacto e análise das consequências 120</p><p>9.2 Métodos de previsão de impactos 122</p><p>9.3 Importância e dimensionalidade dos impactos 124</p><p>10 Plano de gestão ambiental 133</p><p>10.1 Prevenção de riscos e medidas compensatórias 134</p><p>10.2 Impactos benéficos, monitoramento e gestão ambiental 136</p><p>10.3 Componentes de um planejamento 138</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 9</p><p>1</p><p>Definições de Biogeografia e</p><p>ambiente – histórico e desafios</p><p>A sociedade, nas últimas décadas, adquiriu a ciência de que é necessário com-</p><p>patibilizar o crescimento demográfico, urbano e industrial com a questão ambiental</p><p>e biogeográfica. A Geografia já atua nessa perspectiva de estudo há muito tempo; os</p><p>estudos da paisagem e a forma como o homem relaciona-se com a natureza são temas</p><p>recorrentes nessa disciplina.</p><p>No entanto, a perspectiva atual de que os impactos no meio ambiente devem ser</p><p>minimizados e a dinâmica espacial dos seres vivos respeitada é um fenômeno recente.</p><p>Os estudos de Biogeografia e impactos ambientais entram nessa perspectiva, e neste</p><p>capítulo vamos começar a entender alguns conceitos para nos aprofundarmos nessas</p><p>questões tão atuais.</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais10</p><p>1.1 Definição de Biogeografia e de ambiente</p><p>A Geografia é uma ciência que não apresenta uma definição única, ta-</p><p>manha a complexidade do seu objeto de estudo, o espaço. Este, sempre mu-</p><p>tável, em constantes transformações, não permite ao geógrafo definir a pró-</p><p>pria Geografia de maneira fechada, abordando todos os pontos concernentes</p><p>sem qualquer tipo de</p><p>iniciaram-se os estudos sobre esses mamíferos e pode-</p><p>-se dizer que para mais de 70% delas nosso conhecimento é incipiente,</p><p>inclusive no caso de espécies consideradas comuns (A.L. Peracchi com.</p><p>pess., 1998). Mesmo o aspecto mais básico para o estudo da biodiversi-</p><p>dade, as listas de espécies (Kalko, 1997), inexistem ou estão desatualiza-</p><p>das para a quase totalidade do território brasileiro, inclusive para regiões</p><p>que sempre se destacaram na pesquisa zoológica, como os Estados do Rio</p><p>de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais36</p><p>Nesse contexto, o Estado do Paraná experimentou, especialmente nos últi-</p><p>mos 15 anos, um incremento de pesquisadores, tanto em campo como em</p><p>laboratório, o que resultou num significativo aumento na representativi-</p><p>dade do grupo em coleções, conferindo uma maior quantidade de infor-</p><p>mações sobre biologia, riqueza e abundância relativa de algumas espécies</p><p>que nele ocorrem (Miretzki, 2000). Todavia, esse crescimento somado às</p><p>informações históricas das pesquisas com morcegos no Estado, revela que</p><p>ainda existe muito a ser pesquisado e como o conhecimento disponível</p><p>está centralizado em poucas regiões do território paranaense.</p><p>A partir desse quadro elaborou-se este trabalho, atendendo a três pontos</p><p>básicos: reunir o conhecimento atual sobre a riqueza de espécies de qui-</p><p>rópteros no Paraná, avaliar a sua distribuição no Estado segundo suas</p><p>formações florestais e, por fim, diagnosticar as regiões mais carentes ou</p><p>com ausência de informações, definindo áreas prioritárias para novos</p><p>inventários.</p><p>[...]</p><p>Leia o texto na íntegra em: MIRETZKI, M. Morcegos do Estado do Paraná,</p><p>Brasil (Mammalia, Chiroptera): riqueza de espécies, distribuição e síntese</p><p>do conhecimento atual. Papéis Avulsos de Zoologia, v. 43, n. 6, p. 101-138,</p><p>2003. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttex-</p><p>t&pid=S0031-10492003000600001>. Acesso em: 13 fev. 2017</p><p>Atividades</p><p>1. Foi possível observar, neste capítulo, que os biociclos têm relação com as ativida-</p><p>des geológicas e geomorfológicas da Terra. Cite e explique, com suas palavras, que</p><p>processos geológicos/geomorfológicos influenciam na formação e diferenciação dos</p><p>biociclos.</p><p>2. O nicho fundamental e o limite de tolerância das espécies atuam diretamente no</p><p>processo de expansão e de barreiras para a distribuição das espécies. Explique, com</p><p>suas palavras, como ocorre esse processo e dê um exemplo.</p><p>3. Pesquise e relacione pelo menos três espécies para cada tipo de distribuição: cosmo-</p><p>polita, disjuntiva e endêmica. Explique as características de cada uma que as enqua-</p><p>dram no tipo de distribuição relacionado.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>37</p><p>Referências</p><p>AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. São Paulo: Difel, 1986.</p><p>BAPTISTA NETO, J. A.; PONZI, V. R. A.; SICHEL, S. E. Introdução à geologia marinha. Rio de Janeiro:</p><p>Interciência, 2004.</p><p>BROWN, J. H.; LOMOLINO, M. V. Biogeografia. 2 ed. Ribeirão Preto: Funpec, 2006.</p><p>CONTU, J. B.; FURLAN, S. A. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, J. L. S. Geografia do</p><p>Brasil. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2014.</p><p>CUNHA, S. B. da; GUERRA, A. J. T. Degradação ambiental. Geomorfologia e meio ambiente, v. 3,</p><p>p. 337-379, 1996.</p><p>FIGUEIRÓ, A. S. Diversidade geo-bio-sociocultural: a biogeografia em busca de seus conceitos.</p><p>Geonorte, ed. especial, v. 4, n. 4, p. 57-77, 2012.</p><p>GOCH, Y. G. de F. O bioma amazônico. In: PELEJA, J. R. P.; MOURA, J. M. S. Estudos Integrativos da</p><p>Amazônia – EIA, Pará, 2012.</p><p>LEPSCH, I. F. Formação e conservação dos solos. São Paulo: Oficina de textos, 2016.</p><p>MIRETZKI, M. Morcegos do Estado do Paraná, Brasil (Mammalia, Chiroptera): riqueza de espécies,</p><p>distribuição e síntese do conhecimento atual. Papéis Avulsos de Zoologia, v. 43, n. 6, p. 101-138, 2003.</p><p>Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0031-10492003000600001>.</p><p>Acesso em: 13 fev. 2017.</p><p>ROSS, J. L. S. Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.</p><p>TEIXEIRA, W. et al. (Org.) Decifrando a terra. São Paulo: Oficina Textos, 2001.</p><p>Resolução</p><p>1. Entre os principais processos geológicos/geomorfológicos que influenciam a forma-</p><p>ção e a diferenciação dos biociclos, podemos citar: intemperismo físico; intemperis-</p><p>mo químico; intemperismo biológico; alterações da morfologia do terreno; deriva</p><p>continental; curvatura da terra; e clima.</p><p>Os intemperismos físico, químico e biológico estão relacionados ao processo de for-</p><p>mação e desenvolvimento dos solos. Ajudam a compor os diferentes tipos de ecos-</p><p>sistemas por conterem substratos específicos que são adequados a uma variedade de</p><p>organismos. O intemperismo químico é o mais intenso e o mais importante, ocorre</p><p>principalmente com a presença de água e altas temperaturas. O intemperismo físico</p><p>é o processo que promove a quebra e desagregação do material rochoso pela força.</p><p>Pode estar relacionado a um processo de dilatação ou contração do material, ou até</p><p>mesmo a uma força local implementada por algum agente externo. O intemperismo</p><p>biológico é ocasionado pela ação dos animais, no entanto é extremamente controver-</p><p>so na comunidade científica.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais38</p><p>A morfologia do terreno é alterada por agentes internos e também devido à erosão.</p><p>Os processos erosivos e o transporte de sedimentos são diretamente influenciados</p><p>pela forma do terreno, que pode servir de depósito de sedimentos ou até mesmo</p><p>intensificar o processo de erosão.</p><p>A deriva continental é o processo que altera a configuração dos continentes, emer-</p><p>gindo, submergindo, juntando ou separando terras. Esse processo é de fundamental</p><p>importância para a Biogeografia, influenciando em diversos aspectos. A formação</p><p>de ecossistemas diferenciados e a distribuição dos organismos pode ter na deriva</p><p>continental o seu início.</p><p>A curvatura da Terra influencia a distribuição desigual da energia solar e, por con-</p><p>sequência, também o clima, que é um fator determinante na formação dos biociclos.</p><p>Algumas regiões do planeta são mais quentes que outras, e ocorrem mais precipi-</p><p>tações em alguns ambientes que outros. Esse padrão desigual de temperatura e até</p><p>mesmo de pluviosidade, por exemplo, promove a formação de ecossistemas diver-</p><p>sos em todo o planeta.</p><p>Os biociclos, por sua vez, são segmentos da biosfera, a região que compreende a</p><p>vida na Terra. A vida como nós a conhecemos só é possível onde existam condições</p><p>adequadas de temperatura e água, sendo moldada, portanto, ao longo de milhares</p><p>de anos, pelos agentes anteriormente mencionados.</p><p>Os biociclos são: epinociclo, talassociclo e limnociclo. Após fazer a relação, conforme</p><p>descrito, você deve relacionar as características de cada biociclo, de acordo com as</p><p>explicações do texto.</p><p>2. Nessa questão você deve explicar, primeiramente, os conceitos de nicho fundamental</p><p>e limites de tolerância.</p><p>Nicho fundamental é o ambiente que reúne as condições adequadas para que uma</p><p>determinada espécie possa habitar ao longo de sua existência, sem perturbações.</p><p>Apresenta condições adequadas de água, alimento, entre outros para seu desenvol-</p><p>vimento. Já os limites de tolerância estão relacionados à reação dos organismos ao se</p><p>depararem com barreiras à sua existência e à sua capacidade de resistir temporária</p><p>ou intermitentemente a uma alteração direta em seu habitat.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>39</p><p>3. Você deve efetuar, nessa questão, uma pesquisa e relacionar espécies que se enqua-</p><p>dram em cada padrão de distribuição. A seguir, são relacionadas algumas, como</p><p>exemplo, mas você pode pesquisar outras.</p><p>Cosmopolitas:</p><p>• Ratos: Ocorrem nos cinco continentes. Tiveram seu padrão de distribuição al-</p><p>terado para cosmopolita, principalmente no período das navegações. Possuem</p><p>capacidade de adaptação a ambientes</p><p>diversos.</p><p>• Baratas: Apesar da diferença que se pode obter no grau de desenvolvimento</p><p>desses insetos de um local para outro, as baratas ocupam os cinco continentes e</p><p>apresentam alto nível de tolerância, podendo sobreviver a condições adversas</p><p>que os seres humanos não suportariam.</p><p>• Homem: Também possui alta capacidade adaptativa, além de ocupar pratica-</p><p>mente toda a superfície do planeta.</p><p>O mesmo deve ser feito para os outros padrões de distribuição.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 41</p><p>3</p><p>As formações biológicas do</p><p>Brasil e do mundo</p><p>Os biomas são as condições ambientais, de fauna e de flora, para compor um</p><p>espaço com diferentes limites de tolerância às espécies. Essa diversidade ocorre devido</p><p>à forma do planeta e às condições climatológicas e geológicas. Neste capítulo, vamos</p><p>estudar os principais biomas do mundo, buscando sempre relacioná-los a outros tópi-</p><p>cos da Biogeografia, de modo a proporcionar um entendimento geográfico acerca de</p><p>sua existência.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais42</p><p>3.1 Gelos polares e tundra; florestas de coníferas,</p><p>decíduas e tropicais</p><p>3.1.1 Gelo polar</p><p>O desenvolvimento dos organismos pressupõe condições climáticas</p><p>equilibradas com temperaturas e pluviosidade variadas ao longo do tempo.</p><p>As regiões polares (Figura 1) apresentam poucas dessas variações, pois se ca-</p><p>racterizam pela elevada amplitude térmica e temperaturas extremamente baixas. O acúmu-</p><p>lo de neve ao longo do tempo ocasiona um processo de compactação desse material, devido</p><p>à pressão exercida pelo acúmulo de neve, o que faz com que o material seja compactado,</p><p>formando uma camada de gelo (TEIXEIRA et al., 2001). Por esse motivo, regiões permanen-</p><p>temente geladas são habitadas por vegetação simples, pouco desenvolvida. Sobre a neve,</p><p>algas vermelhas se desenvolvem absorvendo os nutrientes que ficam concentrados no gelo.</p><p>Figura 1 – Regiões polares da Terra.</p><p>Fonte: Foghe/Wikimedia Commons.</p><p>No gelo e nas águas, abaixo da camada superficial congelada, ecossistemas marinhos</p><p>desenvolvem-se. As algas e os animais que habitam essa região alimentam-se dos nutrientes</p><p>e dos pequenos animais, respectivamente, além de aproveitar a radiação solar que chega</p><p>através das camadas de gelo, principalmente na época do verão, para poder gerar energia</p><p>e armazenar. Os oceanos, interligados, trazem pelas marés e correntes marítimas a matéria</p><p>orgânica necessária para o abastecimento dos peixes da região e outros organismos.</p><p>3.1.2 Tundra</p><p>A tundra é um bioma que pode ser encontrado ao Norte, perto da calota polar em uma</p><p>região predominantemente fria, em que o inverno dura 10 meses e a precipitação é menor</p><p>que nos desertos quentes. É uma região em que a precipitação geralmente ocorre em forma</p><p>de neve, tornando o ambiente bem estressante por conta das temperaturas extremamente</p><p>Vídeo</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>43</p><p>baixas (BROWN; LOMOLINO, 2006). Esse bioma pode ser encontrado no Alasca, Canadá,</p><p>Groelândia, Noruega, Suécia, Finlândia e Sibéria.</p><p>É um bioma sem árvores, constituído por uma vegetação com poucos centímetros de altura,</p><p>líquens, gramíneas, arbustos anões e um tapete de musgo. Devido à baixa temperatura e pouca</p><p>pluviosidade, o solo da região não é muito desenvolvido, saturado de água pela baixa taxa de</p><p>evaporação ocasionada pelas temperaturas baixas e pelo isolamento térmico de uma camada</p><p>congelada e impermeável denominado permafrost. A camada superficial do solo armazena nu-</p><p>trientes necessários para o crescimento da vegetação típica (Figura 2), favorecendo também os</p><p>animais que habitam a região, como os ratos silvestres e lemingues, por exemplo (Figura 3).</p><p>Figura 2 – Tundra na Noruega.</p><p>Fonte: destillat/iStockphoto.</p><p>Devido ao ângulo de inclinação da Terra em relação ao Sol, há períodos do ano em que a luz</p><p>solar aparece por 24 horas. Durante esse período, as plantas compensam a maior parte do ano</p><p>com pouco sol, fazendo fotossíntese intermitentemente. Os produtos da fotossíntese criados em</p><p>maior quantidade e armazenados sustentam os animais que a consomem durante o ano.</p><p>Figura 3 – Lemingue, animal típico da região.</p><p>Fonte: Tinieder/iStockphoto.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais44</p><p>Os musgos e os líquens têm um ciclo de vida bastante curto, se decompondo e sendo</p><p>reintroduzidos ao ecossistema através da camada superficial do solo, que armazena essa</p><p>matéria orgânica, servindo de nutrientes para outros organismos, completando o ciclo.</p><p>3.1.3 Floresta de coníferas</p><p>A floresta de coníferas, também chamada de taiga ou floresta boreal, é formada, basi-</p><p>camente, por pinheiros, que têm um aspecto de cone (BROWN; LOMOLINO, 2006). É um</p><p>bioma localizado exclusivamente no hemisfério Norte (Figura 4), em regiões de clima frio e</p><p>com pouca umidade.</p><p>Figura 4 – Taiga nos Montes Sayan, Rússia.</p><p>Fonte: zhaubasar/iStockphoto.</p><p>Assim como o bioma tundra, os solos da taiga não são desenvolvidos devido à baixa</p><p>temperatura e baixa pluviosidade, que interferem no processo de intemperismo do solo.</p><p>Por esse motivo, os pinheiros apresentam raízes pouco profundas, transformando-o em um</p><p>ecossistema frágil e com baixa capacidade de recuperação.</p><p>3.1.4 Floresta decídua</p><p>A floresta decídua (Figura 5), também chamada de temperada, cresce em latitudes de</p><p>clima temperado, ou seja, em locais em que todas as estações do ano são bem definidas</p><p>(BROWN; LOMOLINO, 2006). É constituída de árvores de folhas decíduas ou caducifólias,</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>45</p><p>que caem totalmente das árvores até o fim do outono. Esse mecanismo é um processo de</p><p>hibernação para o inverno rigoroso, que diminui a atividade do organismo.</p><p>Figura 5 – Floresta decídua no Valle d’Aosta, Itália.</p><p>Fonte: fotografiche/iStockphoto.</p><p>O solo é rico em matéria orgânica e profundo devido a um processo de intemperismo</p><p>químico intenso, ocasionado pelas folhas que caem das árvores e pela pluviosidade mode-</p><p>rada. A floresta é praticamente homogênea, formada por vegetação de até 25 cm de altura</p><p>nas chamadas regiões de clima temperado. São facilmente encontradas na Europa e América do</p><p>Norte. No inverno, os invertebrados, que compõem a fauna da região, refugiam-se no solo</p><p>ou emigram no verão para os estratos herbáceo e arbustivo.</p><p>3.1.5 Floresta tropical</p><p>Localizado entre os Trópicos de Câncer e de Capricórnio, esse bioma tem como seu maior</p><p>referencial a Floresta Amazônica (Figura 6). Existem outros biomas parecidos na Ásia, África,</p><p>Oceania, no entanto a Amazônia é o principal deles, por conta de seu tamanho e sua diversidade.</p><p>A floresta tropical possui elevado índice pluviométrico, assim como temperaturas médias</p><p>elevadas (21 a 32°C). Isso se deve à vegetação bastante densa, que promove um intenso pro-</p><p>cesso de evapotranspiração para a atmosfera. As árvores possuem folhas grandes e lisas que,</p><p>quando caem, são imediatamente substituídas. O ar dessas florestas é bem úmido, e nelas são</p><p>encontradas muitas trepadeiras, cipós e epífitas, como samambaias, orquídeas e líquens.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais46</p><p>Figura 6 – Floresta Amazônica.</p><p>Fonte: filipefrazao/iStockphoto.</p><p>O solo é pobre, como a maioria dos solos tropicais, no entanto, a vegetação é adaptada</p><p>a esse ambiente, conseguindo obter os nutrientes necessários para sua manutenção a poucos</p><p>centímetros da camada superficial do solo (BROWN; LOMOLINO, 2006). Devido ao alto</p><p>índice pluviométrico e às elevadas temperaturas da região, a camada superficial do solo é</p><p>permanentemente coberta por matéria orgânica em decomposição, também chamada de</p><p>húmus, que contribui como fonte de nutrientes necessária para a exuberante mata da região.</p><p>A cobertura vegetal impede que a luz solar chegue com intensidade ao solo interferindo</p><p>diretamente no processo de intemperismo químico e contribuindo para o baixo desenvolvi-</p><p>mento do</p><p>solo. A fotossíntese de vegetações rasteiras também é prejudicada. Os animais que</p><p>vivem nessa região são bem diversificados, como onças, macacos, capivaras e uma grande</p><p>variedade de aves pode ser encontrada.</p><p>3.2 Savanas e cerrado; vegetação rasteira:</p><p>campos, estepes e pradarias</p><p>3.2.1 Savanas e cerrado</p><p>As savanas se caracterizam por apresentar uma vegetação rasteira,</p><p>como gramíneas, arbustos e árvores de pequeno porte (Figura 7). Esse bioma</p><p>ocorre em latitudes intertropicais e pode ser encontrado na América do Sul,</p><p>América do Norte, África e Austrália. As precipitações são sazonais, ocorrendo em média</p><p>duas vezes ao ano, seguidas por longos períodos de seca (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>As espécies são formadas, em grande parte, por mamíferos pastadores de atividade mi-</p><p>gratória, principalmente no período de seca, quando também ocorrem muitos incêndios nes-</p><p>sas regiões. A maior diversidade de espécies é encontrada na savana da África intertropical</p><p>Vídeo</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>47</p><p>(BROWN; LOMOLINO, 2006), e a quantidade de animais de porte pequeno, sejam eles her-</p><p>bívoros ou carnívoros, é maior do que de animais de grande porte. Algumas espécies que</p><p>habitam esse bioma são: búfalos, zebras, girafas, gaviões etc.</p><p>Figura 7 – Savana no Quênia, África.</p><p>Fonte: paulafrench/iStockphoto.</p><p>A precipitação pode variar entre 300 mm a 1.600 mm ao ano, o que obriga os animais e</p><p>comunidades da região a percorrerem grandes áreas buscando condições mais adequadas</p><p>para sobrevivência, como acesso à água e vegetação abundante. Brown e Lomolino (2006)</p><p>sugerem que os habitantes nativos da savana tenham sido os primeiros a domesticarem</p><p>vacas, cavalos e camelos e a explorarem grandes áreas, em um fluxo migratório que experi-</p><p>mentou as mudanças sazonais do ambiente físico e suas adversidades.</p><p>O cerrado é a savana que ocorre em território brasileiro, na região central do país (Figura 8).</p><p>Ele se desenvolveu à época do Quaternário (AB’SÁBER, 2003) e é um dos quadros de vegetação</p><p>mais antigos do Brasil. A composição florística é diferente das savanas africanas, e isso se deve</p><p>principalmente ao fato de existirem florestas de composições diversificadas nas proximidades</p><p>do cerrado, as quais interferem na dinâmica do bioma.</p><p>Figura 8 – Cerrado na Chapada dos Guimarães, no Estado de Mato Grosso.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais48</p><p>Fonte: LaureniFochetto/iStockphoto.</p><p>O cerrado apresenta períodos de seca quando, devido à sazonalidade, muitos rios de-</p><p>saparecem. É nesse período que também se intensificam as queimadas na região, muitas</p><p>delas causadas por atividade humana (AB’SÁBER, 2003). As cinzas provenientes das quei-</p><p>madas compõem uma quantidade de nutrientes capaz de recompor os solos e as raízes da</p><p>vegetação típica dessa região. Os seres humanos promovem essas queimadas como forma</p><p>de recompor o solo, no entanto, já se sabe que em excesso elas podem causar a saturação</p><p>da capacidade de recuperação do solo, além de criar uma coluna de fumaça que, ao atingir</p><p>grandes áreas, lança gases danosos, como o CO2, na atmosfera.</p><p>3.2.2 Vegetação rasteira: campos, estepes e pradarias</p><p>O campo (Figura 9) é um bioma que ocorre em zonas temperadas, caracterizado por</p><p>áreas abertas, sem cobertura arbórea, e por apresentar uma dinâmica climatológica anual</p><p>bem delimitada. A pluviosidade anual pode variar entre 250 mm e 750 mm (CONTU;</p><p>FURLAN 2014).</p><p>Figura 9 – Campos.</p><p>Fonte: lakovKalinin/iStockphoto.</p><p>As pradarias (Figura 10) constituem um bioma localizado entre as latitudes 30° e 60°, em</p><p>regiões temperadas e com uma variação sazonal de temperatura e de chuvas. A vegetação é</p><p>dominada por gramíneas e herbáceas, com altura variando quanto à precipitação (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006). As estepes, também constituídas de gramíneas e cobertura vegetal bai-</p><p>xa, ocorrem em latitudes mais frias, fora da zona temperada e com características semelhan-</p><p>tes à pradaria, diferenciando apenas no fator climatológico (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>A origem desses biomas é diversificada, alguns podem ter se originado nas queimadas</p><p>intensas que ocorriam em bosques, enquanto outros podem ter vindo da baixa precipitação,</p><p>que acarretaria na baixa altitude da vegetação.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>49</p><p>Figura 10 – Pradarias no Canadá.</p><p>Fonte: bobloblaw/iStockphoto.</p><p>Os animais que vivem nessa região são mamíferos grandes, com pouca diversidade en-</p><p>tre eles. Atraídos pelas pastagens naturais, movimentam-se em manadas migratórias, sem-</p><p>pre em busca da melhor pastagem. Búfalos, antílopes e cavalos selvagens são alguns dos</p><p>animais que habitam esse bioma.</p><p>3.3 Desertos e semidesertos (caatinga); vegetação</p><p>litorânea: restingas e manguezais</p><p>3.3.1 Desertos e semidesertos (caatinga)</p><p>Os desertos são biomas caracterizados pela ausência de água em estado</p><p>líquido, podendo ser quentes ou frios. Nos desertos quentes, a água é es-</p><p>cassa, as precipitações são baixas, menos de 250 mm por ano. Nos desertos</p><p>gelados, a água está presente em estado sólido, não podendo ser consumida por organismos</p><p>vivos. A escassez de água em estado líquido tem como principal fenômeno resultante a au-</p><p>sência de vegetação (CONTU; FURLAN, 2014). Mas existem plantas adaptadas a esse tipo</p><p>de clima, de pequeno porte e com folhagens reduzidas, capazes de absorver e armazenar</p><p>água por períodos prolongados; seu metabolismo também é diminuído para transpirar pou-</p><p>co (CONTU; FURLAN, 2014).</p><p>Os desertos apresentam elevada amplitude térmica, variando de forma acentuada entre</p><p>o dia e a noite, o que influencia muito a dinâmica da fauna que habita essas regiões. Em</p><p>desertos quentes, a fauna tem hábitos noturnos, para evitar a exposição ao calor excessivo</p><p>do dia. Lagartos e pequenos roedores são comuns nesse bioma, assim como aves, serpen-</p><p>tes e insetos, adaptados a esse tipo de clima, apresentando a capacidade de obter água das</p><p>Vídeo</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais50</p><p>sementes ou dos frutos e permanecer inativos, para não perderem água durante vários pe-</p><p>ríodos (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>A caatinga (Figura 11) é um semideserto brasileiro que ocorre predominantemente nos</p><p>sertões semiáridos do Nordeste e que corresponde a 11% do território brasileiro (CONTU;</p><p>FURLAN, 2014). A vegetação é seca, mas bem variada, crescendo em um solo fértil, mas de</p><p>granulometria grosseira, alternando entre o arenoso e o pedregoso. O clima é predominante-</p><p>mente seco, com as chuvas bem marcadas ao longo do ano e com volume abaixo de 700 mm.</p><p>Figura 11 – Caatinga.</p><p>Fonte: heckepics/iStockphoto.</p><p>O processo de desertificação desse bioma foi intensificado pela ação antrópica (AB’SÁBER,</p><p>2003), com intensa degradação da vegetação e do solo. A degradação do solo, causada pela ex-</p><p>ploração agrícola, paradoxalmente diminuiu seu potencial agrícola. Não sendo possível plan-</p><p>tar, o processo de desertificação antrópica (AB’SÁBER, 2003), ou seja, aquela causada pelo</p><p>homem, foi inevitável. A caatinga é a região de semiárido mais populosa do mundo; constitui</p><p>uma das regiões de situação mais crítica no que se refere à população brasileira.</p><p>Nem toda a caatinga está sujeita a uma precipitação menor que 700 mm ao longo do ano,</p><p>mas, nas áreas que chegam a ter 1.100 mm de precipitação, esse fenômeno climático acontece</p><p>de maneira concentrada ao longo do ano, restrita a alguns meses. Por outro lado, na região</p><p>conhecida como polígono das secas, a precipitação anual pode não passar de 400 mm.</p><p>As secas são fenômenos causados pela Zona de Convergência Intertropical (ZCIT), isto</p><p>é, quando as massas de ar dos dois hemisférios se contrapõem na região equatorial, onde</p><p>esse bioma se localiza. A posição da ZCIT vai determinar em que local do planeta ocorrerá</p><p>a chuva. No caso do continente americano, como o hemisfério Sul, que tem massa mais</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos</p><p>ambientais</p><p>3</p><p>51</p><p>reduzida e um volume maior de ar frio, a ZCIT se concentra acima do Equador, impedindo</p><p>a precipitação nessas áreas. Apenas eventualmente, em épocas específicas do ano, a ZCIT se</p><p>desloca mais ao sul, fazendo com que chova nessa região. Mas é um período breve e todo</p><p>esse processo pode ser visto e analisado, de forma que é possível prever as secas (CONTU;</p><p>FURLAN, 2014).</p><p>Segundo Ab’Sáber (2003), a caatinga é um bioma em constante transformação em que o</p><p>solo fica mais pedregoso ao longo do tempo e aparecem mais áreas estéreis, ou seja, aquelas</p><p>em que não é possível produzir. Esse processo constante de degradação interfere diretamen-</p><p>te na fauna e também nas condições antrópicas de subsistência. As populações dessa região</p><p>dependem de ações específicas do Estado para se manter. Por ser uma área que equivale a</p><p>11% do território brasileiro, é importante que haja mais atenção para que esse processo não</p><p>se intensifique e as condições de vida sejam aceitáveis.</p><p>3.3.2 Vegetação litorânea: restingas e manguezais</p><p>O manguezal (Figura 12) é um bioma que ocorre em terrenos baixos, em regiões costei-</p><p>ras (GUERRA, 1966). Em contato com o mar, o mangue está sujeito às inundações devido à</p><p>variação da maré. É um ambiente constituído predominantemente por lama, com a presença</p><p>de animais de pequeno porte, como os caranguejos.</p><p>Figura 12 – Manguezal.</p><p>Fonte: olga_sweet /iStockphoto.</p><p>O mangue é um ambiente sensível, necessário para o balanceamento do ecossistema.</p><p>O contato com o mar o torna um depósito de sedimentos e de diversos outros tipos de</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais52</p><p>materiais, que atuam como um filtro das águas. A maioria das pessoas não consegue identi-</p><p>ficar a importância do mangue para a manutenção do equilíbrio do ecossistema e, por esse</p><p>motivo, transforma-o em depósito de lixo ou efetua construções nessas áreas, ainda que seja</p><p>um ambiente inadequado para isso, principalmente por ser extremamente úmido.</p><p>Por sua vez, a vegetação de restinga (Figura 13) se estende paralelamente à faixa de</p><p>areia da praia. Está sujeita ao dinamismo do ambiente, que pode ser construtivo ou destruti-</p><p>vo, devido à força do mar (GUERRA, 1966). Os sedimentos que compõem o cordão arenoso</p><p>são de granulometria grosseira e sem agregação, de modo que estão sujeitos aos processos</p><p>erosivos que constantemente vão delineando os litorais. É um bioma sensível e pouco está-</p><p>vel, com alterações constantes ocasionadas pelos agentes erosivos.</p><p>Figura 13 – Parque Nacional da Restinga de Jurubatiba, no Estado do Rio de Janeiro.</p><p>Fonte: Halley Pacheco de Oliveira/Wikimedia Commons.</p><p>O mangue e a restinga são biomas sensíveis e, geralmente, encontram-se em regiões de</p><p>interesse urbano/industrial. O desconhecimento da população de que esses ambientes são</p><p>necessários para o sistema ambiental faz com que frequentemente sejam degradados. Sendo</p><p>assim, é preciso a implementação de políticas de educação ambiental que visem à preserva-</p><p>ção desses biomas.</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>53</p><p>Mudando o curso da conservação da</p><p>biodiversidade na Caatinga do Nordeste do</p><p>Brasil</p><p>(LEAL et al., 2005, p. 139-146).</p><p>[...]</p><p>Mais de 25 milhões de pessoas, aproximadamente 15% da população do</p><p>Brasil, vivem na Caatinga (Mittermeier et al., 2002). A população rural</p><p>é extremamente pobre e os longos períodos de seca diminuem ainda</p><p>mais a produtividade da região, aumentando o sofrimento da população</p><p>(Sampaio & Batista, 2004). A atividade humana não sustentável, como a</p><p>agricultura de corte e queima – que converte, anualmente, remanescentes</p><p>de vegetação em culturas de ciclo curto –, o corte de madeira para lenha, a</p><p>caça de animais e a contínua remoção da vegetação para a criação de bovi-</p><p>nos e caprinos têm levado ao empobrecimento ambiental, em larga escala,</p><p>da Caatinga. Os bovinos e caprinos foram introduzidos pelos europeus no</p><p>início do século XVI e rapidamente devastaram a vegetação da Caatinga,</p><p>não adaptada à pastagem intensiva (Leal et al., 2003b). O número esti-</p><p>mado de cabeças desses animais, atualmente, é de mais de 10 milhões</p><p>(Medeiros et al., 2000) e já são reconhecidos núcleos de desertificação</p><p>associados ao sobre pastejo e, principalmente, ao pisoteio dos mesmos</p><p>(Leal et al., 2003b). Desde o início da colonização europeia, as áreas de</p><p>solos mais produtivos também foram convertidas em pastagens e culturas</p><p>agrícolas. As florestas de galeria foram largamente substituídas por for-</p><p>mações abertas nos últimos 500 anos, afetando o regime de chuvas local e</p><p>regional e levando ao assoreamento de córregos e até mesmo de grandes</p><p>rios (Coimbra-Filho & Câmara, 1996). Rios anteriormente navegáveis, que</p><p>permitiam o transporte de animais e madeira do interior do país, estão,</p><p>agora, sazonalmente secos. Por fim, as técnicas de irrigação desenvol-</p><p>vidas nas últimas décadas para a fruticultura e plantações de soja têm</p><p>acelerado o processo de desertificação. Todos esses usos inapropriados</p><p>do solo têm causado sérios danos ambientais – p. ex., a desertificação já</p><p>atinge 15% da área da região (Universidade Federal de Pernambuco et al.,</p><p>2002; Casteletti et al., 2004) – e ameaçado a biodiversidade da Caatinga.</p><p>Uma prova disso é que 28 espécies se encontram, nacionalmente ou glo-</p><p>balmente, ameaçadas de extinção.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo3</p><p>Biogeografia e impactos ambientais54</p><p>Maiores iniciativas de conservação</p><p>Como a pobreza da população é considerada o principal desafio na</p><p>Caatinga, a conservação da biodiversidade está entre as menores prio-</p><p>ridades de investimento. Infelizmente, os governos e as organizações</p><p>não governamentais ainda não trataram, adequadamente, das potenciais</p><p>relações entre a conservação da biodiversidade e a redução da pobreza,</p><p>apesar de o Parque Nacional da Serra da Capivara oferecer um dos</p><p>melhores exemplos, no país, para isso (FUMDHAM, 1998). Esse parque,</p><p>com 92.228 ha é gerenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente</p><p>e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), pela Fundação Museu do</p><p>Homem Americano (Fumdham) e por uma organização não governamen-</p><p>tal local. O parque tem recebido considerável atenção nacional e inter-</p><p>nacional devido à sua importância como sítio arqueológico (ele recebeu</p><p>o título de Patrimônio Mundial da Humanidade, em 1998) e como área</p><p>de proteção da paisagem natural da região (Ibama, 1991). Ele está entre</p><p>os parques mais visitados do Brasil e o ecoturismo tem aquecido a eco-</p><p>nomia local, gerando empregos e oportunidades para a população extre-</p><p>mamente carente dessa região do Piauí, um dos estados mais pobres do</p><p>Brasil. Muito do sucesso dessa iniciativa é o resultado da forte liderança</p><p>de Niede Guidon, uma importante arqueóloga brasileira que, com esforço</p><p>incansável, tem recebido apoio de inúmeras fundações e de governos</p><p>nacionais e internacionais. O parque também protege um grande número</p><p>de aves ameaçadas de extinção, incluindo a maracanã-do-buriti (Ara</p><p>maracana), o pica-pau-anão-canela (Picumnus fulvescens), o arapaçu-do-</p><p>-nordeste (Xyphocolaptes falcirostris), o joão-chique-chique (Gyalophylax</p><p>hellmaryi), o bico-virado-da-caatinga (Megaxenops parnaguae) e o pin-</p><p>tassilvo (Carduellis yarelli), além de grandes mamíferos (Universidade</p><p>Federal de Pernambuco et al., 2002).</p><p>Em 2000, o MMA promoveu um workshop que reuniu mais de 150 pes-</p><p>quisadores, conservacionistas, tomadores de decisão e representantes do</p><p>setor privado para selecionar as áreas e ações mais importantes para a con-</p><p>servação da Caatinga (Universidade Federal de Pernambuco et al., 2002).</p><p>Esse esforço foi parte do Programa Nacional da Diversidade Biológica</p><p>(Pronabio), criado pelo MMA com o apoio do Banco Mundial e do Fundo</p><p>Global para o Meio Ambiente (GEF). O resultado foi a identificação de 57</p><p>áreas prioritárias para a conservação da biodiversidade, 25 áreas priori-</p><p>tárias para investigação científica e o esboço de um grande corredor</p><p>de</p><p>biodiversidade ao longo do rio São Francisco. Como parte dessa iniciativa,</p><p>As formações biológicas do Brasil e do mundo</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>3</p><p>55</p><p>Silva e colaboradores (2004) redigiram um documento com as principais</p><p>estratégias para a conservação da biota da Caatinga. Esse esforço conjunto</p><p>resultou na implementação de novas iniciativas de conservação, em escala</p><p>local e regional, e sensibilizou os tomadores de decisão sobre os valores e</p><p>problemas da biodiversidade da Caatinga.</p><p>[...]</p><p>Atividades</p><p>1. Identifique as principais características dos biomas apresentados neste capítulo.</p><p>2. Qual o principal bioma brasileiro e sua importância no contexto mundial?</p><p>3. Por que a Amazônia tem um solo considerado pobre? Explique.</p><p>Referências</p><p>AB’SÁBER, A. N. Os domínios de natureza no Brasil: potencialidades paisagísticas. São Paulo: Ateliê</p><p>Editorial, 2003.</p><p>BATISTA NETO, J. A. B.; PONZI, V. R. A.; SICHEL, S. E. Introdução à geologia marinha. Rio de</p><p>Janeiro: Interciência, 2004.</p><p>BROWN, J. H.; LOMOLINO, M. V. Biogeografia. 2. ed. Ribeirão Preto: Funpec, 2006.</p><p>CASTELLETTI, C. H. M. et al. Quanto ainda resta da Caatinga? Uma estimativa preliminar. In: SILVA,</p><p>J. M.C. et al. (Org.). Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Brasília:</p><p>Ministério do Meio Ambiente, 2004. p. 91-100.</p><p>CONTU, J. B.; FURLAN, S. A. Geoecologia: o clima, os solos e a biota. In: ROSS, J. L. S. Geografia do</p><p>Brasil. 6 ed. São Paulo: Edusp, 2014.</p><p>CUNHA, S. B. da; GUERRA, A. J. T. Degradação ambiental. Geomorfologia e meio ambiente, v. 3, p.</p><p>337-379, 1996.</p><p>FIGUEIRÓ, A. S. Diversidade geo-bio-sociocultural: a biogeografia em busca de seus conceitos.</p><p>Geonorte, ed. especial, v. 4, n. 4, p. 57-77, 2012.</p><p>GUERRA, A. T. Dicionário geológico-geomorfológico. Rio de Janeiro: IBGE, 1966.</p><p>LEAL, I. R. et al. Mudando o curso da conservação da biodiversidade na Caatinga do Nordeste do</p><p>Brasil. Megadiversidade, v. 1., n. 1, p. 139-146, 2005.</p><p>LEPSCH, I.F. Formação e conservação dos solos. São Paulo: Oficina de textos, 2016.</p><p>SÁNCHES, L. E. Avaliação de impactos ambientais: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de</p><p>Textos, 2013.</p><p>TEIXEIRA, W. et al. Decifrando a Terra. São Paulo: Oficina Textos, 2001.</p><p>Resolução</p><p>1. Nessa questão, você deve relacionar cada bioma às suas características quanto à fau-</p><p>na e flora, conforme apresentado no texto.</p><p>2. O principal é a floresta tropical, que tem como maior referência a Amazônia. A im-</p><p>portância no contexto mundial reside na biodiversidade encontrada.</p><p>3. A copa das árvores impede a incidência de energia solar e o intemperismo químico</p><p>não ocorre. A floresta é autossuficiente, utilizando a matéria orgânica que descarta,</p><p>o que não permite o desenvolvimento do solo.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 57</p><p>4</p><p>Os fatores ambientais e seu</p><p>impacto na Biogeografia</p><p>Os fatores ambientais têm um importante papel na Biogeografia, determinando</p><p>a espacialidade dos diferentes tipos de populações de qualquer espécie. Distribuídos</p><p>entre aspectos físicos e biológicos, esses fatores determinam a capacidade de uma</p><p>espécie de adaptar-se a certas condições e padrões climáticos e geomorfológicos do</p><p>planeta. Neste capítulo, serão apresentados alguns conceitos que determinam os prin-</p><p>cipais desses fatores ambientais.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais58</p><p>4.1 A incidência de luz solar e a variação de</p><p>temperatura no planeta Terra</p><p>Os elementos climáticos definem, em parte, as características dos biomas</p><p>terrestres e aquáticos. Pode-se entender esses elementos como “os atribu-</p><p>tos físicos que representam as propriedades da atmosfera geográfica de um</p><p>dado local” (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Os mais importantes</p><p>e que interferem na dinâmica da Biogeografia do planeta são a temperatura,</p><p>a pressão e a umidade, que juntos podem ser facilmente identificáveis pelos fenômenos de</p><p>precipitação, vento, ondas de frio e calor etc.</p><p>A variação no espaço da ocorrência desses elementos é chamada de fatores do clima.</p><p>Aspectos físicos, como correntes oceânicas e massas de ar, atuam como controladores para</p><p>que um ou outro elemento climático ocorra em uma porção do espaço. Um dos fatores que</p><p>mais influencia na dinâmica climática é a latitude, pois está relacionada à quantidade de</p><p>energia solar que chega ao planeta. A energia solar aquece a superfície da Terra, tornando-a</p><p>habitável, e, além disso, é absorvida por plantas verdes e convertidas em energia necessária</p><p>para o crescimento, a manutenção e a reprodução da maior parte dos seres vivos.</p><p>A incidência de energia solar na superfície terrestre, todavia, não ocorre de forma ho-</p><p>mogênea, existindo uma zona de maior incidência, chamada zona tropical, e também os cír-</p><p>culos polares, onde a radiação solar chega mais inclinada (Figura 1). Assim, alguns fatores</p><p>devem ser considerados, como será exposto a seguir.</p><p>Figura 1 – Regiões do planeta quanto à incidência solar. A região entre o Trópico de Câncer e o</p><p>Trópico de Capricórnio compreende a zona tropical, região mais quente, pois nela há maior inci-</p><p>dência solar.</p><p>Zona</p><p>tropical</p><p>Polo Norte</p><p>Polo Sul</p><p>Círculo Polar Antártico</p><p>Trópico de Capricórnio</p><p>Linha do Equador</p><p>Trópico de Câncer</p><p>Círculo Polar Ártico</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>A superfície terrestre é irregular e curva e encontra-se em constante transformação. A</p><p>Geodésia, ciência que estuda a forma e as dimensões da Terra, adota o geoide como o modelo</p><p>mais próximo de definição da superfície terrestre. Gemael (1999) define o geoide como uma</p><p>superfície equipotencial do campo da gravidade, uma superfície modelada considerando o</p><p>Vídeo</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>59</p><p>nível médio dos mares e que se encontra no interior da crosta terrestre. No entanto, é comum</p><p>adotar-se um elipsoide de revolução como figura matemática representativa da Terra. Isso</p><p>ocorre porque o geoide é uma figura extremamente irregular e em constante alteração, já</p><p>que é determinada considerando as medidas do potencial do campo gravitacional da Terra,</p><p>não sendo possível efetuar cálculos precisos nessa superfície. Já o elipsoide de revolução é</p><p>esférico, levemente achatado nos polos, sendo a figura matemática que mais se aproxima do</p><p>geoide, e por isso é adotado como figura representativa para a realização de cálculos mate-</p><p>máticos sobre a superfície.</p><p>É importante considerar essa irregularidade na forma da Terra e até mesmo o fato de</p><p>ela não ser uma esfera perfeita, pois isso influencia em diversos aspectos físicos, como na</p><p>estatura, pois as diferenças na aceleração da gravidade ao longo da superfície, intervêm no</p><p>desenvolvimento biológico de alguns organismos, que sofrem mais ou menos ação da gra-</p><p>vidade, dependendo da posição geográfica em que se encontram, ou seja, mais próximos do</p><p>centro de massa da Terra (regiões polares, devido ao achatamento) ou mais distantes. Além</p><p>disso, um dos principais fatores e o que mais interessa à Biogeografia é a incidência solar de</p><p>forma irregular na superfície. Desse modo, considerando a Terra como um elipsoide, não</p><p>é possível que a incidência de raios solares ocorra de forma homogênea, pois o ângulo de</p><p>incidência é diverso e afeta a quantidade de calor absorvido. Quanto mais perpendicular for</p><p>a energia dirigida em relação à superfície, mais quente será essa região.</p><p>Na Figura 2 podemos observar que, na região da linha do Equador, os raios solares</p><p>chegam de forma perpendicular à superfície. Percebe-se que o ângulo de inclinação é menor</p><p>em a e b em comparação com a’ e b’, que ficam mais ao norte. Isso faz com que a região com-</p><p>preendida entre a e b seja mais quente que a’ e b’.</p><p>Figura 2 – Inclinação e ortogonalidade dos raios solares na superfície da Terra.</p><p>Atmosfera</p><p>Polo Sul</p><p>Polo Norte</p><p>Luz solar</p><p>Luz solar</p><p>b’</p><p>b</p><p>a’</p><p>a</p><p>Equador</p><p>Terra</p><p>Fonte: BROWN; LOMOLINO, 2006. Adaptado.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais60</p><p>A atmosfera, contínua na superfície, absorve e mantém parte do calor proveniente da</p><p>energia emitida pelo Sol. Sendo assim, o aquecimento mais intenso ocorre quando a su-</p><p>perfície está perpendicular à radiação solar incidente, pois essa radiação vai percorrer um</p><p>caminho mais curto para chegar à superfície, perdendo menos calor para a atmosfera. Em</p><p>contrapartida, quando há uma inclinação maior no ângulo de incidência, a energia percorre</p><p>um caminho maior até chegar à superfície, perdendo calor para a atmosfera e, com isso,</p><p>esquentando menos essas regiões.</p><p>Essa diferença na entrada de energia explica o aquecimento mais intenso na região tro-</p><p>pical e o menor aquecimento nos polos. Não se pode descartar que o aquecimento não ocor-</p><p>re apenas pela forma de incidência de energia, existindo outros fatores de influência, como a</p><p>umidade relativa (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007). Esse elemento está relacionado</p><p>à presença de água na atmosfera, em uma posição geográfica específica, e tem a capacidade</p><p>de absorver e armazenar por mais tempo o calor da energia solar incidente. A umidade</p><p>relativa está condicionada à presença de cursos d’água e de intensa vegetação, atuando no</p><p>processo de evapotranspiração, além da incidência de raios solares ortogonais, como é ca-</p><p>racterístico das regiões tropicais que possuem alto nível de umidade relativa. Todavia, ainda</p><p>é um processo relacionado à forma de incidência da energia solar na superfície.</p><p>A posição da Terra em relação ao Sol também é um fator que deve ser considerado, pois</p><p>a Terra apresenta uma inclinação que forma um ângulo de 23,7° em relação à vertical ao</p><p>plano da órbita do planeta. Isso, associado ao movimento de translação, que é o movimento</p><p>terrestre em torno do Sol, influencia na duração dos dias e nas estações do ano, alterando a</p><p>temperatura média de um hemisfério em relação ao outro (Figura 3). Ao longo de um ano,</p><p>que é o tempo que a Terra leva para percorrer uma volta completa em torno do Sol, a incli-</p><p>nação do planeta, associada ao movimento de translação, determina onde haverá mais ou</p><p>menos calor em relação à linha do Equador.</p><p>Figura 3 – Movimento da Terra em torno do Sol.</p><p>Equinócio de primavera: Sol sobre</p><p>a linha do Equador</p><p>Solstício de verão: verão</p><p>no hemisfério Norte</p><p>Equinócio de outono: Sol</p><p>sobre a linha do Equador</p><p>Solstício de verão:</p><p>verão no hemisfério Sul</p><p>Fonte: lukaves/iStockphoto.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>61</p><p>A inclinação do eixo da Terra é fixa durante o movimento de translação (MENDONÇA;</p><p>DANNI-OLIVEIRA, 2007), o que resulta na variação de estações climáticas no planeta. Dessa</p><p>forma, quando a face do hemisfério estiver voltada para o Sol, teremos mais incidência solar</p><p>na região delimitada entre o Equador e o Trópico de Capricórnio, definindo assim o dia do</p><p>chamado solstício de verão, ou seja, o início do verão nesse hemisfério. Ao mesmo tempo, no</p><p>hemisfério Norte inicia-se o inverno e o denominado solstício de inverno (AYOADE, 1986).</p><p>O verão no hemisfério Sul promove alteração na duração do dia e da noite. Enquanto</p><p>no hemisfério Norte, no inverno, a duração do dia é mais curta e as noites são mais longas,</p><p>no hemisfério Sul os dias têm duração maior que as noites (Figura 4).</p><p>Quando a Terra mudar de posição, o que leva em torno de três meses, a ortogonalidade</p><p>da radiação solar vai acontecer diretamente sobre a linha do Equador e haverá a mesma</p><p>disponibilidade de energia para os dois hemisférios, assim como a duração do dia e da noi-</p><p>te, que será a mesma para ambos. O dia em que a Terra atinge essa posição é chamado de</p><p>equinócio, que marca o início do outono no hemisfério Sul e, consequentemente, o início da</p><p>primavera para o hemisfério Norte. A Terra leva mais três meses para mudar de posição e,</p><p>assim, mudar também a estação.</p><p>Figura 4 – Solstício de verão no hemisfério Sul.</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>Ao mudar de posição, a Terra estará com a face do hemisfério Norte mais voltada para</p><p>o Sol. Dessa forma, a região delimitada pelo Equador e o Trópico de Câncer receberá maior</p><p>incidência de energia solar, sendo esse trópico a região que vai receber os raios ortogonais.</p><p>Quando a Terra atinge essa posição, é o dia do solstício de inverno no hemisfério Sul, deter-</p><p>minando o início do inverno nesse hemisfério, e o dia do solstício de verão no hemisfério</p><p>Norte, determinando o início do verão (AYOADE, 1986).</p><p>A duração do dia também é alterada nesse período, em que se tem dias mais longos no</p><p>hemisfério Norte e menos longos no hemisfério Sul, onde as noites são mais longas (Figura 5).</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais62</p><p>Figura 5 – Solstício de inverno no hemisfério Sul.</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>Passados mais três meses, a Terra muda de posição e, mais uma vez, a ortogonalidade</p><p>da radiação solar coincide com a linha do Equador. Nesse período tem-se mais um dia de</p><p>equinócio, determinando o início da primavera para o hemisfério Sul e o início do outono</p><p>para o hemisfério Norte. A Terra leva mais três meses para mudar totalmente de posição e,</p><p>a partir daí, o ciclo das estações é reiniciado.</p><p>Além da sazonalidade da temperatura decorrente do movimento da Terra e da latitude,</p><p>tem-se também a influência dos fatores físicos do ar, que atuam diretamente na concentra-</p><p>ção do calor considerando a altitude. Pontos mais altos como os picos das montanhas apre-</p><p>sentam temperatura menor que as regiões mais baixas, o que ocorre por conta da pressão e</p><p>da densidade do ar. Esses fatores atuam de forma regional, pois variam conforme o relevo</p><p>específico de cada localidade (MENDONÇA; DANNI-OLIVEIRA, 2007).</p><p>A densidade do ar e a pressão exercida na superfície estão relacionadas à quantidade de</p><p>moléculas de ar. O ar esquenta com a incidência da radiação solar e retém o calor na superfície.</p><p>A umidade relativa, presença de partículas de água na atmosfera, intensifica esse processo de</p><p>retenção de calor. Como uma propriedade física, o aumento da pressão promove o acúmulo de</p><p>partículas e aumenta a temperatura, influenciando diretamente na variação térmica da região.</p><p>Em lugares de altitude elevada, o ar é mais rarefeito e a pressão e a umidade diminuem, de</p><p>forma que o acúmulo de calor nessas regiões é menor, o que promove fenômenos como picos</p><p>montanhosos cobertos de neve, enquanto as regiões mais baixas têm temperatura mais elevada.</p><p>4.2 A distribuição geográfica da água e a</p><p>influência da geomorfologia</p><p>A maior parte da superfície terrestre é coberta de água, distribuindo-se</p><p>na parte superficial da crosta. A água presente no planeta em oceanos, rios,</p><p>lagos e na forma de vapor constitui a hidrosfera (TEIXEIRA et al., 2001). A</p><p>água em estado líquido na hidrosfera corresponde a 71% da superfície, no</p><p>Vídeo</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>63</p><p>entanto, desse volume, 97,4% corresponde aos oceanos. A água doce corresponde apenas a</p><p>2,6% do volume total e aparece na forma sólida, como geleiras (1,6% da água doce), em sub-</p><p>superfície (0,96%) e o restante na forma de rios e lagos das áreas emersas dos continentes.</p><p>A água chega à superfície da Terra e na sua parte subsuperficial por um fenômeno cha-</p><p>mado ciclo hidrológico (Figura 6). Inicia a partir da precipitação, quando a água em estado</p><p>gasoso é transformada em cristais de gelo que, por aglutinação, adquirem tamanho e peso</p><p>específico até precipitar na forma de neve ou granizo. Quando a água em estado gasoso con-</p><p>densa na atmosfera em formato líquido, dá origem à chuva. Durante a precipitação, parte da</p><p>água evapora no trajeto, retornando assim para a atmosfera.</p><p>Figura 6 – Ciclo hidrológico.</p><p>Filtração</p><p>Transpiração</p><p>Precipitação</p><p>Lençóis freáticos</p><p>Evaporação</p><p>Condensação</p><p>Fonte: ttsz/iStockphoto.</p><p>Na superfície, a água pode ser absorvida pelo solo no processo de infiltração, cuja in-</p><p>tensidade será determinada pelas características do solo e pela capacidade de infiltração e</p><p>sua</p><p>taxa de saturação (LEPSCH, 2010). A água infiltrada no solo preenche os poros entre as</p><p>partículas formadoras do solo e percorre em direção subsuperficial, atraída pela gravidade,</p><p>até encontrar e abastecer o corpo d’água subterrâneo. Parte dessa água retorna à superfície em</p><p>forma de nascentes. Quando o solo atinge o seu ponto de saturação, o processo de infiltração</p><p>é interrompido, dando início ao escoamento superficial. Nesse processo, a água percorre a</p><p>superfície, também pela ação da gravidade, seguindo de áreas mais altas em direção às mais</p><p>baixas, convergindo em regiões mais baixas, como vales, dando origem aos rios de água doce.</p><p>A água na superfície sofre o processo de evaporação, retornando à atmosfera, forman-</p><p>do nuvens e reiniciando o ciclo hidrológico. A vegetação tem um papel importante nesse</p><p>processo, pois absorve a água que chega à superfície e a libera para a atmosfera pela evapo-</p><p>transpiração. Esse processo ocorre com a transpiração da vegetação e a evaporação da água</p><p>por meio da ação do vento e da energia solar (TEIXEIRA et al., 2001). Em áreas com florestas</p><p>abundantes, clima quente e úmido, a maior parte da precipitação provém do processo de</p><p>evapotranspiração.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais64</p><p>A geomorfologia e a geologia da região contribuem durante o ciclo hidrológico para a</p><p>formação de uma rede de drenagem na superfície. Do ponto de vista geológico, a água pre-</p><p>cipitada pode ser absorvida pelo solo e formar aquíferos ou percolar subsuperficialmente até</p><p>encontrar um curso d’água. As rochas também têm porosidade variada e podem absorver par-</p><p>te da água precipitada. A geomorfologia delimita a rede de drenagem a partir do momento em</p><p>que o solo atinge o seu ponto de saturação e escoa superficialmente. A morfologia do terreno</p><p>delimita os caminhos preferenciais que a água vai percolar (TEIXEIRA et al., 2001).</p><p>O escoamento superficial da água ocasiona processos erosivos como o transporte de</p><p>sedimentos, alterando a morfologia da região, além de ocasionar o surgimento de fenô-</p><p>menos geomorfológicos como ravinas. O escoamento subsuperficial da água pode causar</p><p>movimentos de massa, como desmoronamentos em áreas inclinadas e até o aparecimento</p><p>de voçorocas.</p><p>Todos esses processos culminam no acúmulo de água em regiões mais baixas, criando</p><p>a rede de drenagem conectada que vai formar a bacia hidrográfica. A bacia hidrográfica é</p><p>constituída de uma rede de drenagem composta por canais, corpos d’água em áreas emersas e</p><p>subterrâneas, interligados entre si, que drenam água, sedimentos e diversos outros elementos</p><p>para uma saída em comum em determinado ponto do canal fluvial (COELHO NETTO, 2007).</p><p>A bacia é delimitada pelos divisores de água, os pontos mais altos do terreno, e uma área pode</p><p>conter uma ou várias bacias, dependendo da abrangência do nível de observação.</p><p>A bacia hidrográfica é uma formação importante do relevo, pois apresenta caracterís-</p><p>ticas de drenagem e condições climáticas específicas que podem abrigar todo um bioma.</p><p>Por se tratar de um sistema interligado, ações implementadas nesse ambiente devem ser</p><p>cautelosas, pois um impacto em um manancial pode se propagar para toda a rede de drena-</p><p>gem, comprometendo o ambiente da bacia hidrográfica. O ciclo hidrológico abastece a rede</p><p>de drenagem e renova parte da água, mas, se o ambiente for muito impactado, perde sua</p><p>capacidade de regeneração.</p><p>O ciclo hidrológico tem a capacidade de renovar a água, pois, ao retornar à superfície,</p><p>ela precipita limpa e sem sais dissolvidos. No entanto, grande parte dessa água é perdi-</p><p>da, pois pode absorver poluentes da atmosfera ou precipitar sobre um oceano, adquirindo</p><p>instantaneamente a característica de água salgada, não sendo própria para o consumo do</p><p>homem e das outras formas de vida das áreas emersas.</p><p>Além disso, ao precipitar em uma região tóxica ou em um rio poluído, por exemplo, essa</p><p>água também adquire, instantaneamente, essas características, tornando-se outra vez impró-</p><p>pria para consumo. Esse é um fato importante de ser ressaltado, principalmente em um perío-</p><p>do que tanto se discute o acesso à água e sua escassez. Não é que a água no planeta vai acabar,</p><p>isso não tende a acontecer; o que se discute é a escassez de água potável, ou seja, água doce,</p><p>própria para o consumo humano e para agricultura. Apesar de o ciclo hidrológico renovar a</p><p>água que chega à superfície, os solos e a rede de drenagem continuam sofrendo um processo</p><p>de degradação que pode impossibilitar o acesso à água potável em um futuro próximo.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>65</p><p>4.3 A influência dos fatores ambientais na</p><p>estrutura e dinâmica das populações</p><p>Os fatores ambientais influenciam a dinâmica das espécies, definindo</p><p>limites para o padrão de distribuição. A Biogeografia histórica (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006) estuda como esses fatores ambientais atuaram na distri-</p><p>buição da vida ao longo das eras. Evidências encontradas na forma de fósseis</p><p>mostram como ocorreu o processo de distribuição das espécies.</p><p>Os fatores ambientais da região equatorial propiciaram o aparecimento dos primeiros</p><p>anfíbios. O desenvolvimento de plantas e invertebrados também se deu nessa região, apro-</p><p>veitando a incidência solar e a umidade (COX; MOORE; DA SILVA, 2005). Faunas ricas</p><p>surgiram na América do Sul e na África, pelo clima mais propício e a presença de água.</p><p>O estudo da evolução das espécies permite identificar as alterações específicas que so-</p><p>freram determinado organismo para que pudesse se adaptar às condições adversas, como</p><p>ocorre com os organismos do fundo oceânico. Essa é uma região de difícil acesso para o</p><p>homem, devido à pressão, porém o assoalho oceânico é composto de lama, iodo e restos</p><p>de animais que viveram nas camadas superficiais. A fauna dessa região é adaptada à baixa</p><p>temperatura e à ausência de luz, às vezes emitindo a sua própria luz, e tem como fonte de</p><p>energia os detritos que chegam das camadas superficiais (COX; MOORE; DA SILVA, 2005).</p><p>Acredita-se que os animais dessa zona, chamada de zona abissal, guardam muitas caracterís-</p><p>ticas de eras passadas, mas estudá-los ainda é um desafio.</p><p>Os fatores geobioclimáticos em uma região são também responsáveis pela diferencia-</p><p>ção observada na espécie humana. Homens que evoluíram em regiões de clima temperado</p><p>tendem a ter olhos claros e a pele mais branca, resultado do nível de inclinação da radiação</p><p>solar, e, por isso, a pele e os olhos têm de ser mais sensibilizados para captar mais energia.</p><p>Por outro lado, os homens que evoluíram com maior intensidade da energia solar tendem a</p><p>ter a pele e os olhos mais escuros, e, nesse caso, o efeito é contrário ao do exemplo anterior.</p><p>A cada dia os cientistas têm avançado nos estudos sobre o comportamento das espécies.</p><p>Entender como elas surgiram e se distribuíram no passado pode nos dar uma ideia de como</p><p>isso pode acontecer no futuro, inclusive com a espécie humana.</p><p>[...]</p><p>Vídeo</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais66</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>O papel do clima na evolução do relevo: a</p><p>contribuição de Julius Büdel</p><p>(ABREU, 2011, p. 111-118)</p><p>Geomorfologia Climática e Climatomórfica</p><p>Dois grupos de forças governam as formas de relevo dos continentes.</p><p>As endogenéticas são responsáveis pela distribuição espacial de soergui-</p><p>mentos e abatimentos, assim como pelo comportamento morfológico dos</p><p>afloramentos rochosos. A resistência geomorfológica das rochas, todavia,</p><p>altera-se entre as diferentes zonas climáticas. Devido a sua complexa his-</p><p>tória no transcorrer de alguns bilhões de anos, o padrão das montanhas</p><p>e dos afloramentos rochosos nos continentes é hoje muito irregular e a</p><p>influência dessas estruturas no relevo é meramente passiva: elas são ape-</p><p>nas obstáculos no caminho ativo e verdadeiro da formação do relevo,</p><p>que é executado apenas pelos processos exogenéticos. É por meio de suas</p><p>ações, que a verdadeira</p><p>forma da superfície da Terra é criada. Se, por</p><p>exemplo, os Alpes fossem apenas produto das forças endogenéticas de</p><p>soerguimento, eles apareceriam como um domo massivo, com cerca de</p><p>10 km de altura e com uma superfície caoticamente rugosa. Os processos</p><p>exogenéticos destruíram mais da metade desta forma imaginária, desde</p><p>o Terciário Inferior, mas, acima de tudo eles a remodelaram qualitativa-</p><p>mente durante o soerguimento e em resposta à gravidade, produziram as</p><p>formas intricadas que hoje percebemos.</p><p>Os modos e mecanismos de formação do relevo, todavia, diferem quantita-</p><p>tiva e qualitativamente na face da Terra. As diferenças não são, porém, distri-</p><p>buídas ao acaso. Elas são fortemente governadas pelo clima e, desta forma,</p><p>um sistema natural de formação do relevo só pode ser baseado no mesmo. As</p><p>diferenças entre os vários processos em operação e as diferenças resultantes,</p><p>entre as próprias formas, são o objeto da Geomorfologia climática.</p><p>Até recentemente apenas três zonas de formação exogenética do relevo</p><p>eram comumente reconhecidas: a zona glacial de atividade glacial predo-</p><p>minante; a zona úmida de atividade fluvial (que, todavia, está longe de ser</p><p>homogênea); e a zona árida, onde se supunha que o vento era o principal</p><p>agente. Na realidade esta não era uma subdivisão do relevo exogenético,</p><p>mas apenas um balanço da distribuição mundial da água.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>67</p><p>Consequentemente ela teve que ser substituída por um sistema verdadeira-</p><p>mente geomorfológico, baseado nas forças que modelam o relevo nas dife-</p><p>rentes zonas climáticas. O passo seguinte foi, então, a identificação da porção</p><p>do relevo visível que é realmente formada hoje, isto é, durante o Holoceno.</p><p>Isto levou a dois insights fundamentalmente novos. Um é que a geomor-</p><p>fologia climática identifica agora no Velho Mundo oito zonas muito dife-</p><p>rentes de formação do relevo (em vez das antigas três), entre o polo e o</p><p>Equador, que chamamos de zonas climatomórficas. O outro insight é que</p><p>o relevo atual, como aparece hoje, não é primariamente o produto dos</p><p>processos erosivos atualmente dominantes. Isto acontece porque é neces-</p><p>sário um tempo muito longo (pelo menos algumas dezenas de milhões</p><p>de anos) para que os processos exogenéticos produzam suas marcas no</p><p>modelado da superfície, totalmente de acordo com sua ação específica.</p><p>Em um período tão longo, todavia, houve repetidas alterações climáticas,</p><p>especialmente nas áreas de latitudes médias (ectropics). Assim, mais de</p><p>95% do relevo da Europa Central não é o resultado dos processos morfo-</p><p>lógicos governados pelo clima atual. Ele foi formado, em vez disso, por</p><p>processos antigos do Cretáceo Superior, do Terciário e do Pleistoceno.</p><p>Como hoje eles não estão mais em operações, não podem mais ser obser-</p><p>vados nem medidos no campo.</p><p>Felizmente formas relictuais amplamente distribuídas e, em alguns luga-</p><p>res, solos relictuais assim como alguns depósitos fósseis chaves foram</p><p>preservados para estudo. Destas evidências puderam ser identificadas</p><p>um número de gerações de relevo de diferentes idades. Para fazer isto</p><p>é necessário que se identifique os remanescentes de cada geração, junto</p><p>com os relictos pedológicos e os processos de intemperismo sincrônicos,</p><p>assim como seus depósitos correspondentes, os quais são então utiliza-</p><p>dos para identificar as várias gerações, separando-as umas das outras.</p><p>Frequentemente a informação assim organizada é suficiente para permitir</p><p>uma reconstrução experimental do clima e dos processos em operação</p><p>durante o período respectivo. Esta é a tarefa da Geomorfologia climato-</p><p>genética. Seus resultados podem ser melhor verificados pela comparação</p><p>das gerações relictuais do relevo com as formas vivas em uma das zonas</p><p>climatomórficas modernas. Desta maneira a geomorfologia climatogené-</p><p>tica se funde com a geomorfologia climática.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia4</p><p>Biogeografia e impactos ambientais68</p><p>Atividades</p><p>1. Relacione o papel da radiação solar ao desenvolvimento desigual dos biomas na</p><p>superfície da Terra.</p><p>2. Caracterize a geomorfologia fluvial e sua importância na questão da água na con-</p><p>temporaneidade.</p><p>3. De acordo com o texto do capítulo, como os fatores ambientais determinam a dinâ-</p><p>mica das populações?</p><p>Referências</p><p>ABREU, A. A. de. O papel do clima na evolução do relevo: a contribuição de Julius Büdel. Revista do</p><p>Departamento de Geografia, v. 19, p. 111-118, 2006.</p><p>AYOADE, J. O. Introdução à climatologia para os trópicos. São Paulo: Difel,1986.</p><p>BROWN, J. H.; LOMOLINO, M. V. Biogeografia. 2. ed. Trad. Iulo Feliciano Afonso. São Paulo:</p><p>Funpec, 2006.</p><p>COELHO NETTO, A. L. Hidrologia de encosta na interface com a geomorfologia. In.: GUERRA, A.</p><p>J. T.; CUNHA, S. B. (org.). Geomorfologia: uma atualização de bases e conceitos. Rio de Janeiro:</p><p>Bertrand Brasil, 2007.</p><p>COX, C. B.; MOORE, P. D.; DA SILVA, L. F. C.F. Biogeografia: uma abordagem ecológica e evolucio-</p><p>nária. São Paulo: LTC, 2000.</p><p>GEMAEL, C. Introdução à geodésia física. Curitiba: Ed. da UFPR, 1999.</p><p>LEPSCH, I. F. Formação e conservação dos solos. São Paulo: Oficina de textos, 2010.</p><p>MENDONÇA, F.; DANNI-OLIVEIRA, I. M. Climatologia: noções básicas e climas do Brasil. São</p><p>Paulo: Oficina de Textos, 2007.</p><p>TEIXEIRA, W. et al. Decifrando a terra. São Paulo: Oficina Textos, 2001.</p><p>TROPPMAIR, H. Biogeografia e meio ambiente. Rio Claro: Divisa, 2006.</p><p>Resolução</p><p>1. A superfície terrestre tem formato geoidal e, por esse motivo, a incidência dos raios</p><p>ocorre de forma desigual. Assim, existem áreas mais quentes e mais frias no planeta,</p><p>sendo a mais quente aquela compreendida na região tropical. Por causa dessa dife-</p><p>renciação, há biomas diversos na superfície. Alguns tipos de vegetação que precisam</p><p>de mais radiação solar ficam compreendidos nas áreas com maior incidência solar,</p><p>enquanto outros ocupam regiões mais frias.</p><p>Os fatores ambientais e seu impacto na Biogeografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>4</p><p>69</p><p>2. A geomorfologia fluvial estuda processos e formas relacionadas ao escoamento dos</p><p>cursos d’água para, com base no conhecimento das características morfológicas e</p><p>dos componentes responsáveis pela configuração natural dos rios, extrair conclu-</p><p>sões sobre seu estado. Sua importância está relacionada ao crescente problema de</p><p>escassez de água no planeta, que faz com que vertentes científicas que tenham por</p><p>objetivo a sustentabilidade dos recursos hídricos estejam em evidência.</p><p>3. Os fatores ambientais, sejam eles bióticos ou abióticos, atuam como elementos li-</p><p>mitantes à distribuição espacial das espécies. A distribuição espacial desses fatores</p><p>determina a distribuição espacial dos diferentes tipos de populações, considerando</p><p>a capacidade de sobrevivência sob condições adversas.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 71</p><p>5</p><p>Sistemas ambientais e</p><p>Geografia</p><p>É importante compreender a Biogeografia e os fatores ambientais como parte de</p><p>um sistema. Todos os temas citados nos capítulos anteriores apresentam uma ligação</p><p>direta ou indireta entre si, que promove um funcionamento sistêmico do ambiente.</p><p>Essa compreensão se faz necessária, pois nos capítulos subsequentes serão trabalhados</p><p>aspectos de impacto ambiental que só podem ser compreendidos a partir do contexto</p><p>aqui abordado.</p><p>Dessa forma, este capítulo traz conceitos e discussões referentes a sistemas, geos-</p><p>sistemas e questões ambientais que dão suporte ao que já foi abordado anteriormente</p><p>e ao que será apresentado nos próximos capítulos.</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais72</p><p>5.1 Tipo e evolução dos sistemas ambientais</p><p>Um sistema pode ser definido como um conjunto estruturado de obje-</p><p>tos e/ou atributos que operam conjuntamente de acordo com determinado</p><p>padrão (CHRISTOFOLETTI, 2007). Eles funcionam como pequenas engrena-</p><p>gens de um imenso mecanismo: sozinhas as partes têm um objetivo único e</p><p>singular, mas juntas compõem uma única estrutura. É um conceito utilizado</p><p>em diversas ciências, por exemplo, na Computação (sistema operacional), na Mecânica (sis-</p><p>tema mecânico), nas Relações Internacionais (sistema-mundo moderno) etc. O conceito, no</p><p>entanto, é o mesmo, o que muda é apenas a especificidade de atuação.</p><p>No âmbito das Geociências, o conceito foi introduzido em 1969 (CHRISTOFOLETTI, 2007),</p><p>em princípio para a Geomorfologia e, em seguida, adaptado e migrado para outros campos,</p><p>como a Hidrologia e Ecologia. Na Biogeografia e nas ciências ambientais, o conceito também</p><p>é aplicado, pois se entende o meio ambiente como um sistema, que varia com o tempo e com</p><p>a ação humana (ação antrópica). Existem, então, dois tipos de sistemas ambientais: o sistema</p><p>ambiental que varia sob a ação do tempo e o sistema ambiental que varia sob a ação antrópica.</p><p>Estando todos os componentes que compõem o sistema ambiental interligados, a dinâ-</p><p>mica espacial e individual de cada componente em um dado período fará com que a paisa-</p><p>gem se modifique ao longo do tempo. Dessa forma, seja em um período de tempo geológico,</p><p>seja no tempo da vida humana, a paisagem está em constante alteração.</p><p>O tempo é um fator fundamental de análise dos sistemas ambientais e pode ser dividi-</p><p>do em quatro escalas:</p><p>• Tempo geológico – Nesta escala de análise, também chamada de tempo da natureza,</p><p>os elementos naturais estão inter-relacionados, de maneira que seus processos e</p><p>formas existentes na organização do espaço natural se manifestem em uma escala</p><p>de tempo própria, específica, que difere da escala dos fenômenos do sistema an-</p><p>trópico, ou seja, aqueles relacionados ao ser humano.</p><p>• Tempo histórico – É o tempo relacionado com a história da humanidade. Começa</p><p>com a presença humana (mas não no sentido do ser humano pré-histórico, pois, como</p><p>o próprio termo mostra, ele é anterior à História). Esse tempo se inicia com as civiliza-</p><p>ções, quando o ser humano utiliza o desenvolvimento técnico para alterar os elemen-</p><p>tos que compõem a paisagem natural, na tentativa de deter o controle do ambiente.</p><p>• Tempo presente – É caracterizado pelos acontecimentos do sistema antrópico nas</p><p>últimas décadas e está relacionado ao desenvolvimento tecnológico que influencia</p><p>na relação com o ambiente.</p><p>• Tempo futuro – Refere-se aos eventos que, provavelmente, ocorrerão no futuro.</p><p>São predições de situações específicas, com base em estudos científicos e organiza-</p><p>ções espaciais, por meio de modelos ambientais. Essa prática é muito comum nos</p><p>estudos para previsão de impactos ambientais (CASTRO, 2006).</p><p>Vídeo</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>73</p><p>A abordagem antrópica também compõe um sistema ambiental, pois o homem faz par-</p><p>te do ambiente como agente modificador. A relação da humanidade com o ambiente é uma</p><p>relação de posse, domínio: o ser humano se apropria dele e o altera conforme a sua necessi-</p><p>dade, interferindo na dinâmica da natureza, extraindo recursos, modificando sua estrutura</p><p>e sua morfologia, desviando rios, desfazendo e refazendo habitats.</p><p>É importante destacar que os sistemas ambientais mencionados estão divididos por sua</p><p>escala de análise, mas apenas para uma interpretação didática. Na prática, é possível que</p><p>esses sistemas atuem em conjunto.</p><p>O sistema ambiental voltado à atividade antrópica não deve ser entendido como uma</p><p>parte destacada do ambiente natural em si. O ser humano compõe a natureza e age nela</p><p>como um agente modificador. Esse conceito, todavia, não pode ser confundido com os sis-</p><p>temas antrópicos, que tratam de questões relacionadas à economia e política e não são os</p><p>objetos de estudo nesse caso.</p><p>Devido à natureza do conceito de sistema, em que os elementos estão integrados e</p><p>cada ação em um ponto tende a se refletir em outro, o sistema ambiental antrópico deve</p><p>ser estudado com cautela. A atividade antrópica, muitas vezes, é a responsável por dese-</p><p>quilíbrios ambientais de grandes magnitudes (AMORIM; OLIVEIRA, 2007). Vejamos, a</p><p>seguir, alguns exemplos.</p><p>5.1.1 Clima</p><p>A dinâmica climatológica é uma das mais importantes para o meio ambiente e também</p><p>uma das que mais sofrem com a ação antrópica. Os gases estufa lançados à atmosfera pelas</p><p>indústrias (Figura 1) têm aumentado consideravelmente a temperatura do planeta; já os</p><p>desmatamentos interferem na dinâmica de chuvas, por exemplo. O aumento gradual na</p><p>temperatura faz com que habitats fiquem comprometidos, espécies morram, o volume dos</p><p>mares se eleve, entre outros aspectos.</p><p>Figura 1 – Gases de efeito estufa são lançados à atmosfera pelas indústrias.</p><p>Fonte: akiyoko/ iStockphoto.</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais74</p><p>5.1.2 Morfologia do terreno</p><p>A demolição de aclives para a construção de estradas e o soerguimento de edifícios e</p><p>construções diversas em ambientes que antes eram predominantemente planos fazem com</p><p>que a dinâmica dos ventos seja alterada e sombras sejam extintas, interferindo nos processos</p><p>intempéricos e erosivos das paisagens (Figura 2).</p><p>Figura 2 – Alteração na morfologia da paisagem para a construção de uma estrada.</p><p>Fonte: Bogdanhoda/iStockphoto.</p><p>Esses exemplos alteram significativamente a dinâmica da natureza, em função das</p><p>ações do ser humano como agente modificador, as quais podem ou não ser benéficas para</p><p>o sistema ambiental.</p><p>Assim, a visão do ambiente como um sistema deve permear todos os estudos biogeo-</p><p>gráficos e ambientais, compondo-se equipes multidisciplinares, o que propicia a análise sob</p><p>um viés abrangente, ou seja, sistêmico.</p><p>5.2 Geografia e geossistemas</p><p>Compreendendo a lógica sistêmica do meio ambiente e sua diversifi-</p><p>cação, devemos observar que a variação na configuração das paisagens se</p><p>relaciona à diferente organização dos elementos em diversas partes do pla-</p><p>neta. Essas formas de organização criam sistemas diferentes e complexos,</p><p>mas conectados. A hierarquia cria um encadeamento de sistemas ambientais</p><p>que reforça essa conectividade.</p><p>Vídeo</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>75</p><p>A cada sistema que compõe esse imenso encadeamento dá-se o nome de geossistema,</p><p>um conceito-chave na Geografia que significa parte de um sistema hierarquizado e subor-</p><p>dinado entre si. Geo, nesse caso, refere-se à espacialidade, pois a especificidade de cada</p><p>sistema está relacionada a fatores ambientais que não acontecem em todos os lugares, mas</p><p>são condicionados por uma série de elementos que devem acontecer ao mesmo tempo, em</p><p>determinado espaço. Dessa forma, podemos entender que as regiões de clima frio como a</p><p>tundra estão relacionadas entre si, uma é condicionante da outra. Da mesma maneira, esse</p><p>ambiente vai determinar alguns fatores como a baixa temperatura das massas de ar que se</p><p>movimentam até alcançarem uma região, as quais, ao encontrar outro tipo de vegetação e</p><p>fauna, acarretam outros tipos de fenômenos. São fatores conectados e hierarquizados, um</p><p>dependendo do outro.</p><p>Um geossistema pode ser identificado pelo arranjo do seu entorno, em que os elemen-</p><p>tos dos âmbitos de Pedologia, Geomorfologia e Hidrologia encontram-se dispostos forman-</p><p>do um ambiente homogêneo bem definido, com vegetação específica e sem intervenções</p><p>(CHRISTOFOLETTI, 1980). A partir do momento que se tem uma alteração abrupta da pai-</p><p>sagem, pode-se traçar o limite do geossistema.</p><p>O termo geossistema foi proposto no ano de 1962, pelo pesquisador Sochava, que atuava</p><p>na extinta União Soviética. Ele nomeou de geossistema a unidade natural de todas as cate-</p><p>gorias possíveis do sistema planetário. Esse conceito foi depois aprimorado e modificado</p><p>para o sistema ambiental natural que apresenta conexão de qualquer tipo com a sociedade</p><p>(SOCHAVA, 1963). Hoje em dia, geógrafos e profissionais da área de Geociências usam o</p><p>termo para se referir aos fenômenos que ocorrem no ambiente natural, mas considerando os</p><p>fatores sociais como seus agentes influenciadores.</p><p>Dessa forma, todo elemento do ambiente físico que tenha correlação com a sociedade</p><p>é parte do conjunto de elementos ao qual nos referimos como</p><p>geossistema. Tomemos como</p><p>exemplo a hidrologia de uma região: os rios que passam na área podem ser considerados</p><p>parte do geossistema se alguma conexão com a sociedade ocorrer. Seja em uma atividade de</p><p>pesca, seja na coleta de água para consumo, ou até mesmo servindo como divisor territorial,</p><p>esse tipo de relação conecta o rio com a sociedade e faz com que ele seja parte do geossistema.</p><p>Essa conexão pode ocorrer de forma direta ou indireta. Sendo o rio componente de um</p><p>sistema maior, que é a bacia hidrográfica, as atividades humanas que ali refletirem, ainda</p><p>que não estejam ocorrendo naquele ponto, farão com que o rio em questão faça parte do</p><p>geossistema, sendo este ainda maior e mais complexo que o sistema da bacia hidrográfica.</p><p>Pelas características apresentadas, os geossistemas podem ser associados aos estudos</p><p>ecológicos, pois a Ecologia também está relacionada às atividades sob influência dos seres</p><p>humanos. Na paisagem intacta e sem a presença da sociedade humana, não faz sentido falar</p><p>de Ecologia. Assim, a Ecologia trata de distúrbios ou alterações anormais do ambiente pela</p><p>ação da sociedade. O impacto dessas ações, por motivos econômicos ou não, influencia na</p><p>dinâmica da fauna e da flora do ambiente. A Ecologia, no entanto, trabalha a ideia da pre-</p><p>servação do ambiente intacto como ele deveria ficar, diferentemente do impacto ambiental</p><p>que é inevitável e necessita de um plano de gestão para evitar que o quadro se intensifique.</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais76</p><p>A Ecologia está diretamente relacionada ao conceito de geossistema, pois uma pequena</p><p>ação desferida a um elemento da paisagem poderá comprometer todo o sistema, devido</p><p>à sua conectividade (SOCHAVA, 1978). A Ecologia estuda essas pequenas ações de modo</p><p>a evitar que a sociedade cause um impacto no ambiente, enquanto o Estudo de Impacto</p><p>Ambiental (EIA, que será abordado nos capítulos seguintes) busca estudar o impacto em si</p><p>e evitar que ele se propague.</p><p>A abrangência do geossistema é variável. Como dito anteriormente, o sistema depende</p><p>de conexões entre os elementos e de um determinado nível de similaridade, sendo que,</p><p>quando alterado, encontra-se seu limite. A partir dessa compreensão, entende-se que, no</p><p>que se refere a tamanho, o geossistema é extremamente variável, podendo ser limitado a</p><p>uma pequena parcela do terreno, como uma encosta, até a sua maior unidade, que é o geos-</p><p>sistema planetário (SOCHAVA, 1977).</p><p>Cada um desses sistemas é autônomo, independe do outro, e juntos compõem um sis-</p><p>tema hierarquizado que forma nosso planeta. Dessa forma, a maior unidade, o geossistema</p><p>planetário, é composto de várias “partes”, ou seja, diversos outros geossistemas. Cada um</p><p>deles é composto de diversas outras partes, e assim por diante. A hierarquia é dada sempre</p><p>da maior unidade para a menor.</p><p>Dentre as diversas partes que compõem o geossistema planetário, a maior delas (o geos-</p><p>sistema planetário em si) é classificado como epigeosfera e a menor parcela existente, como</p><p>fácies. Entre esses dois tipos, identificam-se as centenas de milhares de geossistemas que</p><p>compõem a superfície da Terra (SOCHAVA, 1977).</p><p>A epigeosfera pode ser classificada de diversas outras formas quanto à natureza do</p><p>estudo, como, por exemplo, as zonas climáticas já citadas anteriormente, que dividem a</p><p>epigeosfera em faixas de variação latitudinal, compondo as zonas climáticas da Terra, sendo</p><p>cada uma delas um geossistema específico. Outra forma de classificar pode ser vista na divi-</p><p>são de diferentes continentes, compostos por países com características similares de elemen-</p><p>tos naturais, sociais e políticos (Figura 3). À medida que aproximamos o nosso olhar, vamos</p><p>encontrando formas diversas de subdividir e classificar a superfície terrestre. Por exemplo,</p><p>o continente americano pode ser analisado como um único continente, ou, como mostra a</p><p>Figura 3, subdividido em América do Norte e América do Sul. Ao nos aproximarmos mais,</p><p>podemos subdividir o continente quanto ao seu idioma; enquanto se fala inglês em alguns</p><p>países, outros falam espanhol, e no Brasil se fala português. Dessa forma, notamos outras</p><p>diferenças, que podem caracterizar outras subdivisões.</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>77</p><p>Figura 3 – Divisão do mundo em continentes.</p><p>América</p><p>do Norte</p><p>América</p><p>do Sul</p><p>Europa</p><p>África</p><p>Ásia</p><p>Austrália</p><p>Antártida</p><p>Fonte: PeterHermesFurian/iStockphoto.</p><p>Outra forma de divisão dos geossistemas é quanto à incidência da energia solar na</p><p>superfície. Os diferentes padrões de incidência determinam os cinturões climáticos natu-</p><p>rais: Ártico, Antártico, Subártico e Subantártico; Temperado (setentrional e meridional);</p><p>Subtropical (setentrional e meridional); Tropical (setentrional e meridional); Subequatorial</p><p>(setentrional e meridional); e Equatorial. No âmbito da Geografia física, essa é uma forma</p><p>clássica de divisão dos geossistemas. O entendimento desse tipo de subdivisão é neces-</p><p>sário para que sejam sistematizados os estudos referentes à questão ambiental e aos im-</p><p>pactos subsequentes.</p><p>5.3 A questão ambiental e seus impactos</p><p>A questão ambiental passou a ser discutida pelos países na década de</p><p>1960, ao entenderem que os recursos naturais eram finitos e que não seria pos-</p><p>sível manter um sistema de exploração dos recursos, característico do capita-</p><p>lismo. Com isso, o próprio sistema capitalista ficou ameaçado e os governantes</p><p>passaram a olhar esse tema com maior atenção (CAVALCANTI, 1997).</p><p>A economia capitalista sempre se baseou na exploração de algum recurso natural para</p><p>produzir, ter mercado e ditar relações entre países. O petróleo é o mais proeminente desses</p><p>recursos e a sua escassez futura é capaz de produzir guerras e sanções econômicas entre paí-</p><p>ses. Não existe dialética na visão de meio ambiente pela sociedade; o meio biogeofísico e o</p><p>socioeconômico são encarados como perfis opostos e de tensão permanente (CAVALCANTI;</p><p>RODRIGUEZ, 1997).</p><p>Essa discussão não escapa das diferenças geradas pela cadeia de produção vigente que</p><p>ocasionaram alguns problemas, visto que desenvolvimento é entendido como implanta-</p><p>ção da ordem capitalista no seu nível material e ideológico. Foi necessária uma mudança</p><p>de mentalidade, o que guiou os chamados movimentos ambientalistas, apoiados nos reflexos</p><p>dos processos produtivos que exauriam com rapidez os recursos naturais e aumentavam,</p><p>Vídeo</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais78</p><p>inclusive, as taxas de poluição, impossibilitando o uso de alguns recursos por sua má admi-</p><p>nistração. O risco era de escassez em escala planetária, o que ameaçou o modelo capitalista</p><p>de produção e o consumo. Por isso, o modelo de desenvolvimento econômico precisa ser</p><p>revisto.</p><p>Com isso, ideias de desenvolvimento com base no uso consciente dos recursos, buscan-</p><p>do racionalizar a forma de exploração, colocou foco sob o discurso dos países ditos moder-</p><p>nos que propagavam a ideia de apropriação da natureza como parte do desenvolvimento</p><p>tecnológico (CAVALCANTI, 1997). As discussões colocaram como ordem do dia a necessi-</p><p>dade de regulamentar essas formas de exploração, estabelecendo uma maneira de apropria-</p><p>ção da natureza menos agressiva e que não exaurisse seus recursos.</p><p>Essas discussões têm como reflexo o quadro que observamos hoje no contexto político</p><p>em que regras, acordos e leis buscam compatibilizar o interesse do capital e o viés susten-</p><p>tável. A atual regulamentação praticada pelas grandes potências, com algumas eventuais</p><p>exceções, visa suprir uma necessidade econômica imediata ao mesmo tempo em que regula</p><p>a exploração buscando manter recursos para as gerações futuras.</p><p>Nesse sentido, as pesquisas científicas têm avançado no intuito de modificar a forma</p><p>com que o processo produtivo ocorre, buscando maior eficácia ao mesmo tempo em que</p><p>trabalha racionando o uso dos recursos naturais e a economia de energia. A demanda por</p><p>energia, observa-se, é algo impactante ao meio ambiente, pois o aumento</p><p>questionamento. Os conceitos são vários, assim como</p><p>são diversas as vertentes da Geografia, que, por sua vez, se modificam constantemente com</p><p>o mundo. Todavia, se não abordarmos essas questões epistemológicas e nos concentrarmos</p><p>na etimologia da palavra, podemos extrair um entendimento, ainda que geral, do que trata</p><p>essa ciência. A Geografia pode ser compreendida como o estudo da Terra, o termo por si só</p><p>denota a questão da espacialidade de algum fenômeno.</p><p>A Biologia, por sua vez, é a ciência que estuda as formas de vida nas mais diversas esca-</p><p>las e seu desenvolvimento. É uma ciência que tangencia com diversos outros ramos científi-</p><p>cos, como Genética, Botânica, Geologia, etc., de modo a ampliar o conhecimento acerca da</p><p>vida, sua evolução e seu funcionamento. É uma ciência que busca compreender a evolução</p><p>dos organismos vivos e sua relação com o ambiente. Tem-se, nesse contexto, a importância</p><p>de se compreender os conceitos relativos ao espaço físico ocupado por esses organismos e</p><p>seu dinamismo.</p><p>Dessa forma, pode-se concluir que a Biogeografia trata da relação entre os organismos</p><p>vivos e o espaço ou, melhor dizendo, da distribuição espacial dos organismos vivos. Uma</p><p>definição mais concreta de Biogeografia é apresentada por Brown e Lomolino (2006, p. 3):</p><p>“[...] É o estudo da distribuição dos organismos, tanto no passado quanto no presente, e</p><p>dos padrões de variação ocorridos na Terra, relacionados à quantidade e aos tipos de seres</p><p>vivos”. A Biogeografia preocupa-se com as alterações físicas e químicas da Terra que deter-</p><p>minam a organização dos seres vivos e da paisagem. É uma ciência baseada em conheci-</p><p>mentos relativos à Geologia, Climatologia, Ecologia, Hidrologia, Oceanografia e até mesmo</p><p>à Cartografia, entre outras áreas que compreendem o conhecimento geográfico. Além dos</p><p>conhecimentos relativos à Biologia, como a Zoologia, Botânica, Paleontologia, entre outros.</p><p>O biogeógrafo preocupa-se com questões como: Por que uma espécie é limitada a uma</p><p>área e não a outra na superfície terrestre? Qual a influência da topografia nessa distribuição?</p><p>Por que há mais espécies do que outras em determinada região do planeta?</p><p>Essas questões permeiam os estudos dos biogeógrafos e impulsionam as pesquisas que</p><p>visam responder à pergunta fundamental da Biogeografia: Como os organismos são distri-</p><p>buídos na superfície terrestre e ao longo de sua história na Terra? Para tanto, utiliza-se uma</p><p>visão de natureza cuja compreensão se dá de modo integrado, em que os elementos não são</p><p>vistos como partes fragmentadas, mas como partes de um todo.</p><p>A Biogeografia é intrinsecamente geográfica por estudar as alterações sob a perspectiva</p><p>espacial, sendo necessário correlacionar conhecimentos relativos às questões físico-químicas</p><p>com as questões político-sociais, apesar de não haver um consenso nesse aspecto, visto que</p><p>alguns autores a consideram uma parte fundamental da Biologia (BROWN; LOMOLINO,</p><p>Vídeo</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>11</p><p>2006). Assim, buscando compreender como os fatores humanos e físicos modificam a pai-</p><p>sagem, alterando os padrões de distribuição dos organismos, a Biogeografia configura-se</p><p>como um ponto de interseção entre a Geografia física e a Geografia humana. Não é possível</p><p>compreender os padrões de distribuição dos organismos apenas do ponto de vista físico ou</p><p>humano, é necessário compreender como essas áreas atuam em conjunto, contribuindo para</p><p>a construção e/ou desconstrução de espaços ao longo do tempo.</p><p>A Biogeografia articula-se também com os conhecimentos produzidos em outras áreas,</p><p>entendidas nesse contexto como subáreas da Geografia física. Na tentativa de encontrar</p><p>uma explicação para o componente complexo da paisagem, a Biogeografia utiliza elementos</p><p>da Geografia física criando laços ainda mais estreitos com a Geografia humana, da qual o</p><p>estudo da paisagem é integrador.</p><p>Ao longo do tempo as alterações naturais, ou seja, aquelas que ocorrem por força da</p><p>natureza, causaram modificações na superfície terrestre. A deriva continental alterou a</p><p>disposição dos continentes, os períodos climáticos pelos quais a Terra passou ajudaram a</p><p>desenvolver os diferentes tipos de solo e os padrões climatológicos, os processos geomor-</p><p>fológicos ajudaram a delinear a morfologia do planeta. Essas alterações contribuíram para</p><p>o atual padrão de distribuição dos organismos. O ambiente natural foi delineado ao longo</p><p>do tempo geológico a partir de diversos fatores físicos, químicos e também biológicos, pois</p><p>os organismos também contribuem para a alteração do ambiente, como veremos de forma</p><p>mais aprofundada nos capítulos a seguir. A ação antrópica aparece mais recentemente nesse</p><p>contexto, o desenvolvimento urbano e industrial promove uma série de alterações ambien-</p><p>tais interferindo diretamente no desenvolvimento físico químico e biológico.</p><p>Os diferentes processos apresentados determinam o padrão de distribuição dos or-</p><p>ganismos, configurando o chamado meio ambiente. Oficialmente, segundo a Lei Federal n.</p><p>6.938, de 31/08/1981, o conceito de meio ambiente é “[...] o conjunto de condições, leis, influên-</p><p>cias, e interações de ordem física, química e biológica que permite, abriga e rege a vida em</p><p>todas as suas formas” (BRASIL, 1981). O meio ambiente deve ser visto como um sistema no</p><p>qual qualquer tipo de alteração impacta, em maior ou menor escala, seu dinamismo.</p><p>O conceito de ambiente, por sua vez, é apresentado por Sánches (2013) como um ele-</p><p>mento subjetivo, um sistema de relações entre o homem e o meio, entre sujeitos e objetos.</p><p>Entende-se como sujeitos os agentes modificadores como indivíduos, grupos e sociedades;</p><p>os objetos são compostos por fauna, flora, água etc. O ambiente implica necessariamente a</p><p>relação entre esses sujeitos e os objetos acima citados.</p><p>Nas últimas décadas, a questão ambiental tem se colocado como assunto de extrema</p><p>importância no contexto geopolítico (GUERRA; CUNHA, 2003). Já se sabe que o planeta não</p><p>comporta o ritmo de desenvolvimento urbano e industrial que experimentamos, é necessá-</p><p>ria cautela na implementação de políticas desenvolvimentistas que impactem diretamente</p><p>o meio ambiente.</p><p>Na Tabela 1, a seguir, são apresentados os dados do Ministério do Meio Ambiente</p><p>(BRASIL, 2014) sobre as espécies de fauna e flora ameaçadas e/ou extintas no Brasil, re-</p><p>flexos de ações que, por muito tempo, não consideraram a sustentabilidade. É necessário</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais12</p><p>combater a extinção de organismos vivos da fauna e da flora, assim como trabalhar para a</p><p>manutenção do meio ambiente, a fim de que possamos, entre outras coisas, manter recursos</p><p>e biodiversidade para as gerações futuras. Para isso, é necessário atuar por meio de acordos</p><p>internacionais efetivos de comprometimento dos países na diminuição dos impactos causa-</p><p>dos no meio ambiente, com estudos efetivos sobre impacto ambiental, políticas públicas que</p><p>evitem a degradação dos sistemas, regeneração de ambientes, educação ambiental, entre</p><p>outras ações de educação e preservação ambiental.</p><p>Tabela 1 – Lista de espécies ameaçadas.</p><p>Categorias de ameaça Plantas Animais Total</p><p>Extinto na natureza (EW) 0 1 1</p><p>Criticamente em perigo (CR) 467 318 785</p><p>Em perigo (EN) 1.147 406 1.553</p><p>Vulnerável (VU) 499 448 947</p><p>Total 2.113 1.173 3.286</p><p>Fonte: BRASIL, 2014.</p><p>As modificações no ambiente e seus respectivos impactos interferem diretamente no</p><p>padrão de distribuição dos organismos, de forma que a Biogeografia e a questão ambiental</p><p>encontram-se diretamente relacionadas.</p><p>1.2 Relação da Biogeografia com outras ciências</p><p>A Biogeografia é uma ciência que se apoia em conhecimentos oriun-</p><p>dos da Biologia, Ecologia e ciências da terra, sendo considerada por alguns</p><p>autores como uma ramificação da Biologia (BROWN; LOMOLINO, 2006),</p><p>enquanto outros a consideram um ramo da Geografia (FIGUEIRÓ, 2012). De</p><p>fato, a Biogeografia serve a ambas, o biogeógrafo</p><p>no consumo exige</p><p>a construção de novas formas de produção de energia, como a construção de usinas a carvão</p><p>e hidrelétricas.</p><p>Alguns segmentos industriais têm desenvolvido técnicas de reciclagem de materiais</p><p>em sua cadeia produtiva e de reaproveitamento de resíduos, adaptando a questão ambien-</p><p>tal em sua discussão. Essas iniciativas têm como resultado a diminuição do desperdício de</p><p>materiais e dos índices de poluição no meio ambiente (CAVALCANTI, 1997). O reapro-</p><p>veitamento tem também como benefício a redução nos gastos da cadeia produtiva, pois a</p><p>reciclagem reaproveita um material que seria descartado, evitando os gastos com novos</p><p>materiais. Podemos afirmar, com isso, que a sustentabilidade acaba por se tornar um bom</p><p>negócio para os empresários.</p><p>Além da questão econômica, o processo de produção é otimizado ao se incorporar o dis-</p><p>curso sustentável. Ao poupar matéria-prima e energia no processo de produção, exploram-se</p><p>menos recursos naturais e energia, aumentando a capacidade de produção da empresa. O</p><p>discurso de explorar ao máximo para obter uma produção elevada, muito propagado nos</p><p>tempos de uso desenfreado dos recursos, não é mais válido. Sabe-se que, ao poupar, busca-se</p><p>menos material para produção e aperfeiçoa-se o processo produtivo. A otimização do proces-</p><p>so de produção aumenta a competitividade do produto, base fundamental para o processo de</p><p>produção capitalista.</p><p>Atualmente a questão ambiental começa a tomar mais espaço nas questões políticas,</p><p>não sendo mais vista como um problema a ser enfrentado, e sim como uma aliada dos in-</p><p>teresses econômicos atuais e futuros. Porém ainda há um caminho longo a ser percorrido,</p><p>sendo necessária a sensibilização da classe política e do agronegócio, que, no Brasil, por</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>79</p><p>exemplo, ainda se sobrepõe a esse tema. A proteção ao meio ambiente é combinada com a</p><p>legislação vigente que regula e administra os mecanismos da economia. Muitos países têm</p><p>investido em tecnologias para identificar atividades exploratórias que contrariam o discurso</p><p>vigente, como monitoramento para identificar desmatamentos e queimadas em tempo real.</p><p>Outros mecanismos, como regulamentação de atividades e leis que punem com multas</p><p>ações poluidoras, são estratégias que buscam enquadrar no discurso sustentável as ativida-</p><p>des que ainda não se adaptaram a ele. O Brasil teve algumas iniciativas, com leis que buscam</p><p>enquadrar as empresas na lógica da questão ambiental (CAVALCANTI, 1997), mas é impor-</p><p>tante refletir acerca da aplicação dessa legislação e de como o tema têm sido tratado no país,</p><p>pois ainda há necessidade de trabalhar a educação da população e sua sensibilização para</p><p>esses problemas.</p><p>Uma das atividades mais proeminentes nesse sentido é a Avaliação do Impacto</p><p>Ambiental (AIA), feita por meio de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA), antes e durante</p><p>a implantação de um empreendimento. Esse sistema é utilizado para incluir o discurso am-</p><p>biental antes mesmo da implantação de cada projeto, avaliando-se os possíveis impactos e</p><p>traçando um plano de gestão.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>Apropriação da gestão do território pelo poder</p><p>público federal: o aspecto formal e o real da</p><p>legislação ambiental no Rio de Janeiro</p><p>(FARIAS; CASTRO; SOARES, 2014, p. 23-26)</p><p>Introdução</p><p>O território do município do Rio de Janeiro tem sido cenário de disputa</p><p>de grupos com os mais variados tipos de interesses. A intensificação dos</p><p>conflitos pela apropriação/uso dessa região, ocorrida nas últimas três</p><p>décadas, tem influenciado a dinâmica socioespacial da segunda maior</p><p>metrópole brasileira. Os arranjos, entendidos também aqui como acordos,</p><p>implementação de projetos e reorganização territorial, pretenderam aten-</p><p>der às demandas econômicas do país e das três esferas de governo, que</p><p>tinham a região como “gargalo logístico” das atividades extrativistas e</p><p>como foco do interesse turístico nacional e internacional.</p><p>[...]</p><p>O estudo dessa dinâmica serve para o entendimento desses confli-</p><p>tos socioambientais do estado do Rio de Janeiro e em outros espaços</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais80</p><p>suscetíveis a interesses diversos, e será um valioso subsídio para quem se</p><p>debruça na análise das questões socioambientais.</p><p>O desenvolvimentismo brasileiro da década de 1970 e o</p><p>embate ecológico</p><p>Desde a apropriação do pensamento baconiano, em que o homem se torna</p><p>o senhor da natureza, e não mais parte do natural, a relação desequili-</p><p>brada entre homem-meio ambiente se acentuou. Diante do atual modelo</p><p>de desenvolvimento econômico, propagado como visão hegemônica, que</p><p>tem orientado o processo de modernização do Brasil e, de forma mais</p><p>acentuada, do estado do Rio de Janeiro, passaram a emergir conflitos</p><p>socioambientais quando houve adequação do meio ambiente e da socie-</p><p>dade a interesses particulares.</p><p>Santos (1994) afirma que a história do ser humano sobre a Terra é “a his-</p><p>tória de uma rotura progressiva entre homem e o entorno”. Se a técnica</p><p>permitiu à humanidade tornar a natureza artificial, esse processo cor-</p><p>respondeu a vários períodos dos estágios de evolução humana, o que</p><p>significa dizer que mesmo as comunidades primitivas intervinham de</p><p>alguma maneira sobre o meio e seus recursos com as técnicas que, naquele</p><p>momento, lhes permitiam efetivar tal intervenção. Mas quando a “ciência</p><p>e a técnica se associaram, resultando em sucessivas descobertas tecnológi-</p><p>cas, e a economia se tornou mundializada, todas as sociedades adotaram</p><p>um mesmo modelo, que se sobrepõe aos múltiplos recursos naturais e</p><p>humanos” (CARRIL, 2002 p. 4).</p><p>Existe um consenso na ideia de que grande parte dos projetos para o</p><p>desenvolvimento do país ocorreram e ocorrem com pouco planejamento e</p><p>de forma equivocada, principalmente quando estão atreladas às questões</p><p>ambientais (FOLADORI, 2001; LAYRARGUES, 2002; LOUREIRO, 2004).</p><p>Conforme o país assumia seu papel na divisão internacional do trabalho</p><p>(DIT), fornecendo ao mundo alimentos e energia, seus ambientes naturais</p><p>eram menosprezados e as leis pouco eficazes para proteger o que ainda</p><p>permanecia intocado (ACSERALD, 2012; ZHOURI, 2005), não servindo</p><p>ao menos para criar um parâmetro entre o certo e o errado, quando se</p><p>pretendia usufruir de algum recurso natural.</p><p>As legislações das décadas de 1930 e 1960 tinham um caráter desenvol-</p><p>vimentista que perdurou durante décadas, incentivando a exploração</p><p>do meio ambiente visando apenas aos estabelecimentos das cidades</p><p>provocando lesões ambientais. As esparsas e ineficientes leis que foram</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>81</p><p>surgiram ao longo dessa época foram feitas para regrar a utilização dos</p><p>bens naturais (DÓREA, 2012).</p><p>Segundo Santos (1994, p. 97):</p><p>É nessas condições que a mundialização do planeta unifica a natu-</p><p>reza. Suas diversas frações são postas ao alcance dos mais diversos</p><p>capitais, que as individualizam, hierarquizando-as segundo lógi-</p><p>cas com escalas diversas. A uma escala mundial corresponde uma</p><p>lógica mundial que nesse nível guia os investimentos, a circulação</p><p>das riquezas, a distribuição das mercadorias. Cada lugar, porém, é</p><p>ponto de encontro de lógicas que trabalham em diferentes escalas,</p><p>reveladoras de níveis diversos, e às vezes contrastantes, na busca da</p><p>eficácia e do lucro, no uso das tecnologias do capital e do trabalho.</p><p>A distribuição das competências de fiscalização e monitoramento da ati-</p><p>vidade industrial no Brasil teve uma nova dinâmica no final do século</p><p>XX. O ímpeto desenvolvimentista das décadas de 1950, 1960 e 1970, sem</p><p>grandes preocupações com danos ambientais, subverteu toda a organi-</p><p>zação das instituições responsáveis pela gestão ambiental no país. O país</p><p>travava uma luta ideológica, na qual a necessidade de progresso estaria</p><p>sempre à frente das decisões políticas e no escopo das discussões inter-</p><p>nas, mesmo que as deliberações vindas das conferências internacionais</p><p>de meio ambiente apontassem que os</p><p>países deveriam implantar os pro-</p><p>jetos para proteger, resguardar e restaurar os seus ambientes naturais</p><p>(LAYRARGUES, 2002; LOUREIRO, 2004).</p><p>No Brasil, a inserção tardia no processo de industrialização teve reflexos</p><p>em outras áreas. Os sucessivos períodos desenvolvimentistas ignoraram</p><p>uma gama de questões socioambientais, que não poderiam atravancar</p><p>o progresso do país e permaneceram em segundo plano por décadas. O</p><p>grande salto entre governos monopolistas de estado para o neolibera-</p><p>lismo com ausência do estado de bem-estar social foi o responsável pelos</p><p>inúmeros problemas sociais e econômicos que acometem a população.</p><p>Na década seguinte (1980), com a criação da Política Nacional de Meio</p><p>Ambiente (PNMA, 1981), as questões ambientais tiveram nova impor-</p><p>tância no escopo das agendas das três esferas de governo do país, sendo</p><p>a mesma reforçada pela “Constituição” de 1988. A PNMA foi instituída</p><p>para trabalhar conjuntamente e coordenadamente com o Sistema Nacional</p><p>de Meio Ambiente (Sisnama) e o Conselho Nacional de Meio Ambiente</p><p>(Conama), instrumentos de gestão e regulamentação – o Conama atua</p><p>Sistemas ambientais e Geografia5</p><p>Biogeografia e impactos ambientais82</p><p>através do acesso da opinião pública às informações relativas às agressões</p><p>ao meio ambiente e às ações de proteção ambiental, e o Sisnama, com-</p><p>posto de órgãos e instituições de diversos níveis do Poder Público, elabora</p><p>normas e padrões supletivos e complementares. [...]</p><p>Atividades</p><p>1. De acordo com o estudado neste capítulo, descreva as escalas temporais dos siste-</p><p>mas ambientais e suas características.</p><p>2. Quais são os cinturões naturais e seu papel na dinâmica geossistêmica?</p><p>3. Qual a importância da questão ambiental na contemporaneidade?</p><p>Referências</p><p>AMORIM, R. R.; OLIVEIRA, R. C. Análise geoambiental dos setores de encosta da área urbana de São</p><p>Vicente-SP. Sociedade e natureza, ano 19, n. 37, p. 19-40, 2007.</p><p>BERTALANFFY, L. V. Teoria geral dos sistemas. Petrópolis: Vozes, 1975.</p><p>BERTALANFFY, L. V. (Org.) Teoria geral dos sistemas. Rio de Janeiro: Ed. da FGV, 1976.</p><p>CAILLEAUX, A. TRICART, J. Le problème de la classification des faits géomorphologiques. Annalles</p><p>de Géographie, v. 65, p. 162-186, 1956.</p><p>CASTRO, I. E. O problema da escala. In: CASTRO, I. E.; GOMES, P. C. C.; CORRÊA, R. L. Geografia:</p><p>conceitos e temas. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. p. 117-140.</p><p>CAVALCANTI, A. P. B. (Org.). Desenvolvimento sustentável e planejamento: bases teóricas e con-</p><p>ceituais. Fortaleza: UFC, 1997.</p><p>CAVALCANTI, A. P. B; RODRIGUEZ, J. M. M. O meio ambiente: histórico e contextualização. In:</p><p>CAVALCANTI, A. P. B. (Org.). Desenvolvimento sustentável e planejamento: bases teóricas e con-</p><p>ceituais. Fortaleza: UFC, 1997. p. 9-26.</p><p>CHRISTOFOLETTI, A. Análise de sistemas em geografia. São Paulo: Hucitec, 1979.</p><p>____. Geomorfologia. 2. ed. São Paulo: Edgar Blücher, 1980.</p><p>____. Modelagem de sistemas ambientais. São Paulo: Edgar Blücher, 2007.</p><p>FARIAS, Saulo Cezar Guimarães de; CASTRO, Elza Maria Neffa Vieira de; SOARES, Mario Luiz</p><p>Gomes. Apropriação da gestão do território pelo poder público federal: o aspecto formal e o real da</p><p>legislação ambiental no Rio de Janeiro. ReBraM, v. 17, n. 1, p. 23-36, 2014.</p><p>SOCHAVA, V. B. Algumas noções e termos da geografia física. Relatórios do Instituto de Geografia</p><p>da Sibéria e do Extremo Oriente, n. 3, p. 50-59, 1963.</p><p>____. Introdução à teoria do geossistema. Novasibéria: Nauka, 1978. 320p.</p><p>____. O estudo de geossistemas. Métodos em questão, São Paulo, n. 16, p. 2-52, 1977.</p><p>Sistemas ambientais e Geografia</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>5</p><p>83</p><p>Resolução</p><p>1. As escalas temporais podem ser descritas como exposto a seguir:</p><p>• Tempo geológico – Nesta escala de análise, também chamada de tempo da natu-</p><p>reza, os elementos naturais estão inter-relacionados, de maneira que seus pro-</p><p>cessos e formas existentes na organização do espaço natural se manifestem em</p><p>uma escala de tempo própria, específica, que difere da escala dos fenômenos do</p><p>sistema antrópico, ou seja, aqueles relacionados ao ser humano.</p><p>• Tempo histórico – É o tempo relacionado com a história da humanidade.</p><p>Começa com a presença humana (mas não no sentido do ser humano pré-histó-</p><p>rico, pois, como o próprio termo mostra, ele é anterior à História). Esse tempo</p><p>se inicia com as civilizações, quando o ser humano utiliza o desenvolvimento</p><p>técnico para alterar os elementos que compõem a paisagem natural, na tentativa</p><p>de deter o controle do ambiente.</p><p>• Tempo presente – É caracterizado pelos acontecimentos do sistema antrópico</p><p>nas últimas décadas e está relacionado ao desenvolvimento tecnológico que in-</p><p>fluencia na relação com o ambiente.</p><p>• Tempo futuro – Refere-se aos eventos que, provavelmente, ocorrerão no futuro.</p><p>São predições de situações específicas, com base em estudos científicos e organi-</p><p>zações espaciais, por meio de modelos ambientais. Essa prática é muito comum</p><p>nos estudos para previsão de impactos ambientais.</p><p>2. Os diferentes padrões de incidência solar determinam cinturões climáticos naturais.</p><p>São eles: Ártico, Antártico, Subártico e Subantártico, Temperado (setentrional e meri-</p><p>dional), Subtropical (setentrional e meridional), Tropical (setentrional e meridional),</p><p>Subequatorial (setentrional e meridional) e Equatorial.</p><p>3. A questão ambiental mobiliza uma grande parcela da sociedade, que se preocupa</p><p>com os rumos que a humanidade tem tomado na busca pelo lucro e o bom desem-</p><p>penho das atividades econômicas e extrativistas. Hoje essa questão busca combater</p><p>uma realidade catastrófica causada pelo desenvolvimento desenfreado.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 85</p><p>6</p><p>Sociedade e natureza</p><p>A sociedade e a natureza vivem uma relação conflituosa há anos. O maior desafio</p><p>da humanidade é se desenvolver sem degradar o ambiente natural. Isso, no entanto,</p><p>é uma forma recente de pensamento, pois só nas últimas décadas as relações políticas</p><p>começaram a considerar a finitude dos bens naturais e a escala de tempo geológico,</p><p>necessária para a recuperação de alguns. Este capítulo trata da relação entre sociedade</p><p>e natureza ao longo do tempo e de possíveis soluções a esse conflito.</p><p>Sociedade e natureza6</p><p>Biogeografia e impactos ambientais86</p><p>6.1 Relação sociedade-natureza</p><p>Pode-se dizer que o cerne da questão ambiental é a relação entre sociedade</p><p>e natureza, pois ela é a causa e consequência de tudo que se discute acerca de</p><p>meio ambiente. Nas Geociências não se estuda ou se discute algo que não tenha</p><p>interesse prático para a sociedade, pois o que interessa é justamente esse espaço</p><p>dinâmico que modifica o modo de ver e ser no cotidiano. A natureza deve ser</p><p>entendida dentro desse contexto, polarizando uma relação com a sociedade que ocorre desde a</p><p>Antiguidade (GUERRA; CUNHA, 2003).</p><p>A humanidade é integrante do ambiente físico-natural e, ao longo do tempo, aprendeu a</p><p>ver a natureza como fonte de recursos para seu desenvolvimento. Antigamente a relação se dava</p><p>por polos excludentes, ou seja, um subjugando o outro, sendo que a natureza era vista como</p><p>secundária, atuando como fornecedora ilimitada de recursos aos seres humanos (BERNARDES;</p><p>FERREIRA, 2012).</p><p>O desenvolvimento econômico passou a ocorrer com rapidez, acompanhando o surgimento</p><p>de novas técnicas e descobertas científicas. Acreditou-se que esse crescimento não tinha limites,</p><p>que os recursos naturais não tinham fim, e muito foi consumido da natureza por conta dessa</p><p>forma de pensar. Desenvolver era dominar o ambiente, ser capaz de ter técnicas que extraíssem</p><p>recursos e moldassem a natureza conforme a necessidade. Não se pensava nos impactos causa-</p><p>dos, pois se acreditava que a natureza tivesse capacidade regenerativa em curto espaço de tempo.</p><p>Quando se percebeu que os recursos eram finitos e que a natureza não teria condições de se</p><p>regenerar dos sucessivos impactos causados pelo desenvolvimento, a sociedade já se encontrava</p><p>no século XX, mais precisamente nas décadas de 1960 e 1970. Muito tempo se passou na história</p><p>da humanidade</p><p>com a exploração intensa da natureza, mas a mudança de comportamento veio</p><p>da compreensão de que a técnica poderia levar à devastação do planeta e que o homem deveria</p><p>começar a pensar o espaço sob a perspectiva da técnica (BERNARDES; FERREIRA, 2012).</p><p>De acordo com o pensamento de Marx e Engels, o processo de produção pode ser conside-</p><p>rado como um modo de alteração na forma da natureza; o ser humano, com o trabalho, modifica</p><p>o ambiente natural para satisfazer as suas necessidades (MARX; ENGELS, 1988). Assim, a hu-</p><p>manidade molda a natureza, mas também é moldada por ela, pois a natureza é fornecedora de</p><p>material e mantenedora, ambiente, palco em que o homem realiza as suas atividades. Logo, ao</p><p>se alterar o ambiente para satisfazer uma necessidade, a natureza altera a realidade do homem.</p><p>Desse modo, considera-se que a relação homem-natureza é dialética.</p><p>Entende-se, aqui, o homem como representante da sociedade de uma forma geral, o qual</p><p>transforma a natureza para si, humanizando-a. Marx, porém, ressalta que a dialética da relação</p><p>faz com que o efeito contrário também seja verdadeiro: ao humanizar a natureza, a humanidade</p><p>é naturalizada por ela. Ambos estão conectados; assim, preservar a natureza seria também pre-</p><p>servar a vida humana.</p><p>Essa compreensão quanto à relação do homem com o meio ambiente é recente, produ-</p><p>to de uma construção de conhecimentos. Houve diversas maneiras de ver e pensar a nature-</p><p>za ao longo da história, que variaram sempre de acordo com o quadro social de cada época. O</p><p>Vídeo</p><p>Sociedade e natureza</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>6</p><p>87</p><p>desenvolvimento de diversos valores das sociedades foram sempre incorporados à visão sobre a</p><p>natureza, adquirindo qualidades diversas quanto aos valores de uso. O valor é uma consequência</p><p>das relações sociais, a atribuição de valores sentimentais, econômicos ou culturais a qualquer que</p><p>seja o elemento, natural ou não, parte de uma relação entre duas ou mais pessoas.</p><p>O interesse por determinado elemento e a vontade de possuí-lo, inerente ao modelo capita-</p><p>lista vigente, acaba por atribuir um valor aos produtos caracterizado pelo valor de troca. Quando</p><p>nesse contexto tratamos de recursos naturais, estamos atribuindo uma lógica econômica ao meio</p><p>ambiente e determinando o tipo de relação que vai ocorrer.</p><p>A relação com o ambiente se intensifica, e sua exploração também, à medida que surgem</p><p>mais demandas por produtos e a tecnologia avança. Na era moderna, a exploração de recursos</p><p>também aumenta consideravelmente devido ao desperdício. O crescimento do consumo faz com</p><p>que os produtos sejam adquiridos e descartados rapidamente, criando uma cultura de consu-</p><p>mo desenfreada. Tal cultura vai culminar em uma escala extremamente elevada de processos de</p><p>produção, criada para dar conta das necessidades da sociedade, intensificando a exploração do</p><p>ambiente (BERNARDES; FERREIRA, 2003).</p><p>Os valores intrínsecos à relação do homem com os produtos interferem na sua relação com o</p><p>meio. É possível dizer, portanto, que a interação humana com o espaço está relacionada com sua</p><p>forma de consumo e de lidar com os bens adquiridos. Desse modo, o consumo elevado e a cultura</p><p>do desperdício determinam a forma de produção do espaço pela sociedade, que, em um sistema</p><p>capitalista, tem o espaço como condição e meio de produção.</p><p>A relação sociedade-natureza, portanto, está relacionada às questões econômicas, a um siste-</p><p>ma de exploração e produção do espaço que começa a ser repensado quando se toma ciência das</p><p>consequências dos atos praticados e da cultura de desperdício (BERNARDES; FERREIRA, 2003).</p><p>A mudança de pensamento que decorre dessas questões faz com que a sociedade busque</p><p>mecanismos de preservação, como legislação específica e estudos de impacto que tentam mudar</p><p>a forma de relação com o ambiente. Mas essa mudança é lenta e difícil, pois também está relacio-</p><p>nada a fatores culturais. O entendimento da população de que o ambiente natural é sensível e que</p><p>tem dificuldade regenerativa devido aos intensos impactos deve acontecer por meio de campa-</p><p>nhas e divulgação de estudos de forma massiva. Assim a sociedade compreenderá a dialética da</p><p>relação com a natureza, não a considerando apenas como provedora.</p><p>6.2 Histórico e desenvolvimento da relação</p><p>sociedade-natureza</p><p>Quando se começou a discutir acerca da questão ambiental, ela não era</p><p>ainda um assunto de cunho político e da ordem de relações internacionais,</p><p>como é hoje. O tema surgiu restrito a cientistas e permaneceu segmenta-</p><p>do nesses pequenos grupos nos seus períodos iniciais. Na Europa, grupos</p><p>de ativistas começaram a difundir o discurso entre a população; a criação</p><p>de movimentos organizados deu origem a partidos verdes que tentavam atingir a esfera</p><p>Vídeo</p><p>Sociedade e natureza6</p><p>Biogeografia e impactos ambientais88</p><p>política (GUERRA; CUNHA, 2003). O Greenpeace, por exemplo, surgiu nesse período (em</p><p>1971), realizando uma proeminente viagem de navio de Vancouver ao Alasca para protestar</p><p>contra testes militares que aconteceriam na região. O movimento, em seu simbólico barco</p><p>(Figura 1), ainda hoje faz expedições em todo o mundo em prol da causa ambiental.</p><p>Figura 1 – Navio do Greenpeace ancorado na Holanda.</p><p>Fonte: studioportosabbia/iStockphoto.</p><p>A questão ambiental logo se difundiu para a sociedade, ganhando peso e importância.</p><p>A representatividade do tema aconteceu por meio de uma discussão que gerou alarme e</p><p>interesse, sobretudo, na Organização das Nações Unidas (ONU), a qual criou comitês de</p><p>discussão e patrocinou eventos para reunir chefes de estado e rever a forma de apropriação</p><p>dos recursos naturais. Os países começaram então a criar legislações específicas para regular</p><p>o desenvolvimento da questão ambiental (TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995).</p><p>Dos eventos que ocorreram na época, um dos mais proeminentes foi a Conferência das</p><p>Nações Unidas sobre o Meio Ambiente, que aconteceu em 1972, em Estocolmo, na Suécia.</p><p>O evento reuniu 113 países e mais de duzentas organizações não governamentais (ONGs).</p><p>Nesse evento, diversos debates foram traçados e muitas ideias discutidas, destacando-se</p><p>aquelas relacionadas à ecodiplomacia, ou seja, que tratam diretamente do viés ecológico nas</p><p>relações internacionais. O evento ainda produziu um documento, a Declaração de Estocolmo</p><p>sobre o Meio Ambiente Humano, no qual se tentou definir os conceitos relativos às questões</p><p>ambientais e que deveriam integrar e auxiliar a formar os discursos e ações a partir de então</p><p>(TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995). O documento refletia a ideia, na época, dos</p><p>países desenvolvidos de que a culpa para o aumento do consumo e exploração do ambiente</p><p>estava na população dos países subdesenvolvidos. Sugeria-se, portanto, um rígido controle</p><p>de natalidade, para que o crescimento demográfico nesses países não comprometesse as</p><p>questões ambientais.</p><p>Mudanças nessa forma de pensar e traçar políticas ambientais aconteceriam anos de-</p><p>pois, em uma conferência do meio ambiente realizada no Rio de Janeiro, no ano de 1992,</p><p>Sociedade e natureza</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>6</p><p>89</p><p>a Eco-92. Nesse evento, a questão ambiental já era tratada como crise ecológica em todo o</p><p>mundo e foi associada às questões políticas, com metas e planos de ação. A Eco-92 produziu</p><p>estudos e estabeleceu maior relação entre meio ambiente e desenvolvimento, além de colo-</p><p>car a pobreza como tema associado à exploração/impacto ambiental. A questão ambiental e</p><p>a ecologia de fato estavam no cerne político global, sendo pauta de discussões internacionais</p><p>com a participação e o alinhamento dos Estados Unidos com o tema, algo que não havia</p><p>ocorrido até então (TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995).</p><p>No ano de 2012 ocorreu também a Rio+20, Conferência das Nações Unidas sobre</p><p>Desenvolvimento Sustentável. A ideia exposta no título do evento já demonstra a mudança</p><p>de pensamento da sociedade, buscando formas de desenvolvimento, mas preservando os</p><p>recursos naturais. Novamente na cidade do Rio de Janeiro, líderes mundiais</p><p>se encontraram</p><p>com o objetivo de debater e criar projetos que tivessem como objetivo evitar ou eliminar</p><p>o impacto ambiental de grandes empreendimentos. Outras questões relacionadas ao tema</p><p>também foram abordadas, como a pobreza e a fome, como já havia sido feito anteriormente.</p><p>No entanto, um dos grandes ganhos com a Rio+20 foi a contestação à tese, apresentada</p><p>por alguns países, de crescimento nulo ou crescimento zero. Segundo essa tese, o crescimen-</p><p>to zero estava relacionado às políticas ambientais. Esses líderes a apresentaram tendo como</p><p>objetivo subsidiar o retorno às atividades exploratórias anteriores às ideias e políticas am-</p><p>bientais. Todavia, a contestação a essa tese terminou por derrubá-la, deixando claro que não</p><p>existia relação entre preservação do ambiente e crescimento zero. Contestaram-se, ainda, as</p><p>teses antinatalistas que atrelavam o crescimento demográfico em países subdesenvolvidos</p><p>à exploração ambiental.</p><p>As ideias contestadas naquela época, no entanto, ainda hoje são defendidas por grupos</p><p>que negam a crise ambiental. Essas pessoas ainda atribuem os impactos ambientais aos paí-</p><p>ses mais pobres e são a favor da exploração intensa dos recursos, vendo o ambiente natural</p><p>como simples provedor. Esses grupos ignoram a dialética da relação sociedade-natureza,</p><p>pregando uma política intensa de exploração do ambiente.</p><p>Esses grupos contrários à questão ambiental vigente são em menor número, porém têm</p><p>força. Dessa forma, os debates a respeito chegaram ao topo das discussões políticas, onde</p><p>irão permanecer até que todo o mundo chegue a um consenso sobre a questão ambiental.</p><p>6.3 Vertentes ambientalistas</p><p>As vertentes ambientalistas, conforme tratadas neste livro, estão rela-</p><p>cionadas às mudanças de ideia e de políticas ambientais ao longo do tempo.</p><p>Não serão abordados aqui os pequenos grupos com definições específicas,</p><p>mas sim as grandes ações que modificaram, de uma forma ou de outra, as</p><p>relações internacionais em um contexto ambientalista. Dessas, destacaremos</p><p>as correntes conservacionistas, preservacionistas, Agenda 21 e o embate socioeconômico</p><p>(TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995).</p><p>Vídeo</p><p>Sociedade e natureza6</p><p>Biogeografia e impactos ambientais90</p><p>6.3.1 Correntes conservacionistas e preservacionistas</p><p>O movimento ambientalista é moldado e estruturado sob ideias e percepções diferen-</p><p>ciadas dos especialistas. É natural, portanto, que um movimento com essa característica</p><p>apresente diferentes vertentes. Destas, aquelas que mais se destacam são as conservacionis-</p><p>tas e preservacionistas, vertentes que se diferenciam quanto à percepção do ambiente e aos</p><p>impactos causados pela ação antrópica.</p><p>Na vertente conservacionista, existe a ideia de que é possível proteger o meio ambien-</p><p>te ao mesmo tempo em que se desenvolvem atividades econômicas e/ou de exploração</p><p>(GARCIA e NOVA, 2004). As atividades desenvolvidas no meio ambiente deveriam ser de</p><p>baixo impacto, permitindo a conservação junto com a exploração. Nessa vertente o ambiente</p><p>é um recurso que deve ser utilizado com cautela.</p><p>De outra forma, a vertente preservacionista entende que a ação antrópica é prejudicial à</p><p>dinâmica natural do meio ambiente. Assim, nessa vertente existe a ideia de que o ambiente</p><p>só não seria impactado sem a ação humana (GARCIA e NOVA, 2004). Os grupos preserva-</p><p>cionistas defendem a retirada de grupos e comunidades instalados em áreas de proteção</p><p>ambiental, pois entendem que a presença antrópica nesses ambientes causa e/ou acelera o</p><p>impacto e a destruição da região.</p><p>6.3.2 Agenda 21</p><p>Amplamente discutidas na Eco-92, as alterações climáticas ganharam maior destaque</p><p>a partir da Convenção sobre Mudanças Climáticas, resultante da conferência. As mudanças</p><p>climáticas já eram encaradas como um dos resultados dos impactos ao meio ambiente cau-</p><p>sados pela humanidade. Era necessário, assim, frear esse impacto e tentar frear também as</p><p>alterações climáticas que diminuíam o volume das geleiras e alteravam as condições médias</p><p>de temperatura em diversos pontos do planeta.</p><p>Chegou-se à conclusão que não apenas a quantidade de recursos disponíveis atingia ní-</p><p>veis críticos, mas o clima estava sendo afetado, o que iria causar grande impacto nas ativi-</p><p>dades econômicas, principalmente aos países com economia voltada para o setor agrícola. A</p><p>sustentabilidade surgia como a única alternativa para o padrão de desenvolvimento que não</p><p>poderia parar ou ser alterado. Era necessário adaptar novas práticas às atividades industriais.</p><p>Foi elaborada então a Agenda 21, um programa de ação construído com a participação</p><p>de diversos países. Esse documento estabeleceu uma série de ações como diretrizes para o</p><p>desenvolvimento sustentável. Como consequência desse desenvolvimento, teríamos a erra-</p><p>dicação da pobreza e a proteção ambiental.</p><p>A Agenda 21 apresenta cerca de 40 propostas de ação nas esferas sociais, econômicas</p><p>e de conservação e manejo de recursos. Os países deveriam seguir as diretrizes ali estabe-</p><p>lecidas para que conseguissem se alinhar ao pensamento político que dominava a esfera</p><p>global. Muitos, no entanto, não as seguiram, enquanto outros as ampliaram. São propostas</p><p>que tratam do planejamento e da gestão do meio ambiente, trazendo benefícios em diversas</p><p>escalas (TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995).</p><p>Sociedade e natureza</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>6</p><p>91</p><p>6.3.3 Embate socioeconômico</p><p>O embate socioeconômico atrela a crise ambiental às relações sociais, travando uma disputa</p><p>entre países ricos e pobres, a qual permeia o discurso ambiental já há bastante tempo. A culpa</p><p>sempre recai nos países com menos condições e população mais pobre, devido às altas taxas</p><p>de natalidade e menores condições econômicas para sofisticar o seu processo de produção. A</p><p>justificativa dada para culpar os mais pobres no contexto de crise ambiental recai, ainda, nos</p><p>governos corruptos que criaram empecilhos para a implementação de políticas ambientais.</p><p>Todavia, os países mais pobres argumentam que essas questões seriam pretextos para</p><p>não agir contra a política econômica desenvolvimentista dos países desenvolvidos: ao colo-</p><p>car a culpa nos mais pobres, as nações mais desenvolvidas se preservam quanto à necessi-</p><p>dade de frear suas atividades impactantes. É uma discussão complexa que envolve fatores</p><p>políticos e hegemônicos; os países ricos não querem deixar os países pobres, que dependem</p><p>deles e consomem seus produtos, alcançá-los na corrida econômica, o que poderia aconte-</p><p>cer caso freassem suas atividades. Dessa forma, o embate entre ricos e pobres entra no eixo</p><p>da discussão, com cada lado apresentando seus respectivos argumentos. De fato, os países</p><p>mais pobres têm conseguido frear a legitimidade desses discursos nos congressos ambien-</p><p>tais (GUERRA; CUNHA, 2003).</p><p>É fácil observarmos essa lógica de pensamento de ambas as partes, basta analisarmos a</p><p>situação de um país com grandes desigualdades como o Brasil, em que pobres e ricos dividem</p><p>o mesmo espaço em alguns casos, como, por exemplo, no caso de comunidades pobres que se</p><p>estabelecem em bairros nobres (Figura 2). Nessa perspectiva, o rico culpa o pobre pelo mau</p><p>uso do canal fluvial, por jogar lixo na rua ou por desmatar uma área, enquanto o pobre culpa o</p><p>rico pela falta de acesso a recursos, segregação e concentração de bens. Os dois lados possuem</p><p>pontos de vista específicos e querem defender suas posições. Isso também acontece em maior</p><p>escala, como no que diz respeito às questões ambientais que envolvem diversos países.</p><p>Figura 2 – Desigualdades sociais em Belo Horizonte, MG.</p><p>Fonte: fredcardoso/iStockphoto.</p><p>Sociedade e natureza6</p><p>Biogeografia e impactos ambientais92</p><p>A responsabilidade, no entanto, é de todos nós. A questão ambiental e seus respectivos</p><p>conceitos devem ser transmitidos para a nossa sociedade por meio de uma educação apro-</p><p>priada nas escolas e a criação de uma consciência nova para as gerações futuras. O fato é que</p><p>o problema ambiental do qual tanto se fala hoje é uma realidade, que vai se intensificando</p><p>a cada dia.</p><p>Assim, devemos trabalhar para que as próximas gerações absorvam a ideia de</p><p>sustentabilidade e não tenhamos uma crise ambiental de proporções ainda maiores, que até</p><p>o momento é apenas desenhada.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>“Crise Ambiental”, que crise é essa?</p><p>(DIÓGENES; ROCHA, 2008)</p><p>Quando se fala de “questão ambiental” ou “crise ambiental”, logo vem à</p><p>cabeça problemas como a poluição das águas, os referentes ao lixo (falta</p><p>de aterro sanitário, produção exagerada) ou, saindo de escalas locais, o</p><p>aquecimento global, a camada de ozônio, entre outros.</p><p>Se observarmos bem todos os problemas citados, mais do que problemas</p><p>da natureza são problemas da sociedade. Estes, explicitados na luta de</p><p>classes, estão cada vez mais evidentes e graves, isso é consequência “das</p><p>contradições do modo industrial de produzir mercadorias”, conforme</p><p>Rodrigues 1994, modo de produção que tem como base uma sociedade de</p><p>consumo e alienação e como principal objetivo a acumulação do capital.</p><p>Para garantir a sobrevivência do modo de produção capitalista utilizou-</p><p>-se e modificou-se a natureza tanto quanto foi necessário, para atender as</p><p>necessidades de acumulação de capital de uma minoria. Essa acumula-</p><p>ção, que é a responsável pela desigualdade econômica e social, é inerente</p><p>e condição “sine qua non” para a perpetuação do capitalismo. Essas ações</p><p>tiveram como consequência uma série de outros problemas que não se</p><p>limitam a animais em extinção, aquecimento global ou baixa na reserva</p><p>de petróleo. Mas, também, em divisão da sociedade em classes sociais (e</p><p>todas as consequências disso), fome, falta de moradia, e outras necessida-</p><p>des básicas à sobrevivência. Problemas esses, que por serem problemas</p><p>da sociedade, se refletem no ambiente. Como comenta Foladori, “os pro-</p><p>blemas ambientais da sociedade humana surgem como resultado da sua</p><p>organização econômica e social e que qualquer problema aparentemente</p><p>Sociedade e natureza</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>6</p><p>93</p><p>externo se apresenta, primeiro, como um conflito no interior da sociedade</p><p>humana” (FOLADORI, 2001:102).</p><p>Foladori confirma no seu comentário que a depredação da natureza,</p><p>assunto que virou tema nas discussões internacionais como a ONU, por</p><p>exemplo, não são problemas externos que devem ser resolvidos a parte,</p><p>que deve ter um plano de ação direcionado para a sua solução, mas são</p><p>consequências de conflitos internos da sociedade, do modo de produção</p><p>ou da cultura industrial/capitalista. Como afirma Brügger, “a questão</p><p>ambiental não e apenas a história da degradação da natureza, mas tam-</p><p>bém da exploração do homem (que também é natureza!) pelo homem”</p><p>(BRÜGGER, 1994:109).</p><p>De qualquer forma, mesmo que para nós a “questão ambiental” deva ser</p><p>admitida dessa maneira, para quem tem o “poder”, seja ele financeiro ou</p><p>político, os problemas referentes à depredação da natureza são analisa-</p><p>dos, estudados e divulgados como tema exclusivo, não como único tema</p><p>abordado, mas sendo visto separadamente dos outros, desenvolvendo</p><p>mundialmente e de relevante importância e reconhecimento programas</p><p>e/ou políticas exclusivas para essas questões, como o PNUMA (Programa</p><p>das Nações Unidas para o Meio Ambiente) em âmbito internacional, e</p><p>a PNMA (Política Nacional do Meio Ambiente) e outros como a PNEA</p><p>(Política Nacional de Educação Ambiental) e ProNEA (Programa Nacional</p><p>de Educação Ambiental) no Brasil.</p><p>Especificando esse último, o MMA (Ministério do Meio Ambiente) brasi-</p><p>leiro considera a Educação Ambiental como sendo fundamental na gestão</p><p>ambiental, onde o ProNEA tem um papel significativo na orientação de</p><p>agentes públicos e privados visando a reflexão e construção de alternati-</p><p>vas que almejem a sustentabilidade. [...]</p><p>Atividades</p><p>1. Identifique duas atividades contemporâneas que ressaltem o conflito entre socieda-</p><p>de e natureza, relacionando-as com as discussões feitas no capítulo.</p><p>2. Quais são as vertentes ambientalistas? Explique.</p><p>3. Identifique atividades que reflitam, no contexto atual, as vertentes mencionadas na</p><p>questão anterior.</p><p>Sociedade e natureza6</p><p>Biogeografia e impactos ambientais94</p><p>Referências</p><p>BERNARDES, Júlia Adão; FERREIRA, Francisco Pontes de Miranda. Sociedade e natureza. In:</p><p>GUERRA, Antonio Jose Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. A questão ambiental: diferentes abor-</p><p>dagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 17-41.</p><p>DIÓGENES, Kenia; ROCHA, C. Educação ambiental: mais uma expressão de interesses. Diez años de</p><p>cambios en el mundo, en la geografía y en las ciencias sociales, 1999-2008. 2008. Disponível em: <http://</p><p>www.ub.edu/geocrit/-xcol/322.htm>. Acesso em: 8 maio 2017.</p><p>GARCIA, M. A.; NOVA, Carlos Gilberto. Desenvolvimento sustentável, ambientalismo e cidadania</p><p>ambiental: conceitos e paradigmas do século XXI. Economia e Pesquisa, v. 6, n. 6, p. 7-18, mar. 2004.</p><p>GUERRA, J. T; CUNHA, S. B. A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand</p><p>Brasil, 2003.</p><p>MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. O capital: crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1988.</p><p>RODRIGUES, Ana Lúcia Silverio et al. Meio ambiente e sustentabilidade: a questão dos recursos hídri-</p><p>cos e tecnologias de tratamento. Revista Expressão, n. 9, 2016.</p><p>SOUZA LIMA; Josael Bruno de; LIMA, Maria Batista. A questão ambiental e a educação: uma reflexão</p><p>a partir da legislação. Revista Fórum Identidades, ano 9, v. 18, mai./ago. 2015.</p><p>TAUK-TORNISIELO, S. M.; GOBBI, N.; FORESTI, C. Análise ambiental: estratégias e ações. São</p><p>Paulo: Ed. da Unesp, 1995.</p><p>Resolução</p><p>1. Nessa questão, você deve buscar, em jornais, revistas ou na internet, acontecimentos</p><p>que reflitam o relacionamento conflituoso entre a sociedade e a natureza. É possível</p><p>citar como exemplo a exploração de petróleo e os seus impactos, a extração de ma-</p><p>deira sem o devido controle, a exploração de mananciais etc.</p><p>2. Nessa questão, você deve buscar no texto e explicar com suas próprias palavras as</p><p>vertentes ambientais.</p><p>3. Nesse caso, você precisa buscar, em jornais, revistas ou na internet, e explicar acon-</p><p>tecimentos que reflitam as vertentes mencionadas.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 95</p><p>7</p><p>A questão ambiental e sua</p><p>contemporaneidade</p><p>A questão ambiental está na ordem do dia das discussões políticas. Quando os países</p><p>começaram a debater sobre essa questão, o meio ambiente já estava bastante impactado.</p><p>Medidas importantes foram tomadas para tentar minimizar os impactos para as gera-</p><p>ções futuras, mas diferenças conceituais e o impacto dessas diligências no desenvolvi-</p><p>mento industrial têm causado polêmica no contexto geopolítico internacional.</p><p>Neste capítulo vamos estudar a contemporaneidade da questão ambiental e seu</p><p>desenvolvimento ao longo do tempo em um assunto de cunho político que promove</p><p>atitudes enérgicas e conflitantes entre países.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais96</p><p>7.1 Desenvolvimento tecnológico e seus impactos</p><p>O desenvolvimento econômico sempre se deu atrelado à tecnologia, o</p><p>que permitiu que a humanidade dominasse e moldasse o meio ambiente</p><p>(ROSS, 1996). Na Pré-História, ocorreram as primeiras manifestações técni-</p><p>cas (Figura 1), como a descoberta do fogo e das ferramentas. O desenvolvi-</p><p>mento tecnológico é, portanto, inerente ao ser humano.</p><p>Figura 1 – Primeiras manifestações técnicas na Pré-História.</p><p>Fonte: macrovector/iStockphoto.</p><p>O desenvolvimento do ser humano e da sociedade nos trouxe a indústria, a eletricidade</p><p>e o motor, alterando a forma de nos relacionar e interagir com o espaço. A evolução tecnoló-</p><p>gica permitiu que a sociedade se transformasse e subordinasse a natureza, avançando sobre</p><p>ela e explorando seus recursos. A Revolução Industrial trouxe um novo modo de produção,</p><p>alterando o ambiente em proporções gigantescas, desmatando, poluindo o ar e a água com</p><p>seus resíduos, utilizando e reutilizando os solos até chegar ao nível de saturação (ROSS, 1996).</p><p>O meio técnico e científico (SANTOS, 1996) que se estabeleceu a partir do surgimento</p><p>das fábricas, na Revolução</p><p>Industrial (Figura 2), marcou o período de maior exploração do</p><p>ambiente natural. Foi uma época caracterizada pelo produtivismo, em que o desenvolvimento</p><p>econômico era o motor principal e ditava a expansão da produção, desconsiderando os im-</p><p>pactos causados ao meio ambiente. A fábrica e seus gases poluentes tornaram-se símbolos do</p><p>produtivismo que consumiu e deteriorou expressivamente o meio ambiente no período áureo</p><p>da Revolução Industrial. Essa época instaurou a técnica como meio contemporâneo, como</p><p>produtora do espaço geográfico, e a ciência como estruturadora e base desse modelo.</p><p>Vídeo</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>7</p><p>97</p><p>Figura 2 – Maquinário de uma fábrica de tecelagem do período da Revolução Industrial.</p><p>Fonte: Catmacey/iStockphoto.</p><p>O produtivismo, então, tornou-se o principal elemento das economias socialistas, en-</p><p>quanto nas economias capitalistas o lucro do empresário era o fator primordial. Em ambos</p><p>os casos, o meio ambiente foi deixado de lado, sendo consumido e deteriorado com ativi-</p><p>dades impactantes (BERNARDES; FERREIRA, 2003). As análises econômicas e seus indica-</p><p>dores não levaram em consideração o meio ambiente, pois ele não era visto como uma das</p><p>riquezas dos países. O Produto Interno Bruto (PIB), por exemplo, é um indicador que não</p><p>considera o ambiente natural em suas análises.</p><p>Esse quadro, no entanto, começa a mudar no século XX, com os movimentos ambienta-</p><p>listas demonstrando preocupação com o meio ambiente e alertando para uma crise ecológi-</p><p>ca. A partir da década de 1960, começou-se a tratar desses assuntos no contexto geopolítico;</p><p>porém, foi apenas na década de 1980 que se instalou o que foi chamado de crise ecológica</p><p>mundial — ou crise ecológica global. Essa foi uma tomada de consciência acerca do modelo</p><p>desenvolvimentista adotado e a decisão por revê-lo.</p><p>Esse foi um período importante que marca uma quebra de paradigma no contexto eco-</p><p>nômico, fazendo com que as sociedades revissem suas formas de geração de energia e os</p><p>modelos de produção, consumo e a cultura do desperdício. O meio ambiente não compor-</p><p>tava mais os métodos que eram usados e o impacto não podia mais ser descartado, pois</p><p>influenciava na economia, em diversos aspectos (BERNARDES; FERREIRA, 2003).</p><p>Os solos impactados, como citado anteriormente, criavam um problema crítico para o</p><p>agricultor. A cultura de usar a terra até exaurir seus recursos, até atingir o seu limite, inca-</p><p>pacitava o ambiente para outras práticas agrícolas, pois o impacto causado no solo era per-</p><p>manente, se pensarmos em uma escala de tempo humana. O solo pode se recuperar em uma</p><p>escala de tempo geológica, mas para isso é necessário que uma série de fatores ambientais</p><p>seja preservada no seu entorno. Esse quadro, no entanto, não era possível, pois os problemas</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais98</p><p>ocasionados eram de grandes proporções, o que prejudicava, inclusive, os fatores necessá-</p><p>rios para a recuperação do ambiente.</p><p>O solo é a base de toda atividade humana, por isso a sua degradação se tornou um fator crí-</p><p>tico a ser observado pelos ambientalistas (LEPSCH, 2016). Quando se chegou à conclusão de que</p><p>grande parte dos solos do mundo tinha sido prejudicada, com elevados índices de degradação,</p><p>tornou-se necessário estudar como modificar as formas de uso da terra nas atividades indus-</p><p>triais. Solos degradados não produzem recursos, não podem ser reestruturados, não são bons</p><p>para atividades industriais e, consequentemente, não são adequados para ocupação humana.</p><p>A questão da água também surgiu nesse período. Antes, acreditava-se que os rios e mares</p><p>tinham a capacidade de diluir com facilidade os rejeitos despejados e recuperar a sua caracte-</p><p>rística inicial. Isso é verdade em parte, porém, os despejos em quantidades elevadas superam</p><p>a capacidade dos rios e mares de dissolver e transformar o material. Os rejeitos passam então</p><p>a se acumular nos rios, contaminando os peixes, a vida aquática de modo geral e as águas.</p><p>A contaminação dos rios, principalmente nas cidades, era algo natural na época em que</p><p>o problema de acesso à água não era um assunto a ser considerado. No entanto, verificou-se</p><p>que a água doce, necessária principalmente para o consumo humano, estava ficando com-</p><p>prometida com o elevado índice de poluição, e assim o custo para tratamento da água se ele-</p><p>vava cada vez mais (ROSS, 1996). Com isso, começou a se formar a ideia de que, se o rejeito</p><p>for tratado antes de despejá-lo nos rios, ou se outro destino for criado para esse material, não</p><p>será necessário tratar a água, que é um processo mais caro.</p><p>Além disso, se o modelo de desenvolvimento atual não mudar, a água, os solos e to-</p><p>dos os outros elementos do meio natural estarão comprometidos. Os recursos naturais são</p><p>finitos e a capacidade de recuperação do meio ambiente é limitada diante da velocidade do</p><p>desenvolvimento industrial. A crise ambiental que se instalou e a tomada de consciência</p><p>vieram em um momento crítico para o meio ambiente. Os níveis de degradação são altos e o</p><p>futuro de muitas espécies de fauna e flora é incerto, ainda que políticas ambientais estejam</p><p>sendo implementadas.</p><p>7.2 Problemas ambientais</p><p>A crise ambiental foi constatada pelos impactos observados e suas in-</p><p>fluências na economia mundial. Alguns impactos no ambiente podem causar</p><p>o que chamamos de problemas ambientais, os quais são alterações estruturais</p><p>no ambiente que têm o seu impacto sentido em longo prazo. Os problemas</p><p>ambientais mais evidentes e que destacaremos a seguir são o aquecimento</p><p>global e os desmatamentos.</p><p>7.2.1 Aquecimento global</p><p>O aquecimento global é um tema ainda controverso, muito debatido e questionado. Há</p><p>um consenso de grande parte da sociedade, da mídia inclusive, de que existe um processo de</p><p>Vídeo</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>7</p><p>99</p><p>aquecimento, como veremos a seguir. No entanto, existem grupos que questionam essa teo-</p><p>ria, alegando que a Terra estaria passando por uma redução em sua temperatura, e não um</p><p>aumento, além de grupos que dizem que a humanidade não tem influência nesse fenômeno.</p><p>Neste item vamos abordar o tema como ele é aceito e visto pela maior parte da população,</p><p>procurando entender qual o seu papel na questão ambiental da contemporaneidade.</p><p>Fenômenos observados no fim da década de 1980 indicavam a possibilidade de um</p><p>aquecimento a nível global. Regiões em que a precipitação era recorrente enfrentaram se-</p><p>cas e viram seus rios secarem, como foi o caso das planícies centrais dos Estados Unidos.</p><p>Começou-se então a pensar que um aquecimento anormal da atmosfera estivesse aconte-</p><p>cendo, e essa suspeita foi confirmada na década de 1990, quando registros globais da tem-</p><p>peratura indicaram que aqueles eram os anos mais quentes da história, desde quando as</p><p>medições começaram a ser feitas (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>A teoria do aquecimento global tem a sua origem no século XIX, com base na teoria do</p><p>efeito estufa, que diz que alguns gases, como dióxido de carbono e metano, encontram-se na</p><p>atmosfera e têm a capacidade de reter parte da radiação solar, impedindo que ela seja refle-</p><p>tida para o espaço. O efeito estufa é fundamental à existência de vida na Terra, pois sem ele</p><p>o calor necessário para a presença de água em estado líquido, de temperaturas adequadas</p><p>para existência de vida, não seria possível. Portanto, o efeito estufa é um fenômeno natural</p><p>e fundamental, e o problema relacionado a ele é, na verdade, a concentração dos chamados</p><p>gases estufa, que intensificam a retenção do calor na atmosfera, causando desequilíbrio.</p><p>Os gases estufa são oriundos, geralmente, de atividades cuja consequência é a retenção de</p><p>calor (Figura 3), como a combustão de carvão e petróleo. O acúmulo em excesso desses gases</p><p>produz aumento na temperatura em diversas partes do planeta. Esse aquecimento exagerado</p><p>pode ocasionar o derretimento das calotas polares, o que, segundo algumas teorias,</p><p>interfere</p><p>no nível médio dos mares e poderá inundar cidades costeiras no mundo inteiro.</p><p>Figura 3 – Atividades industriais com geração de calor emitem gases na atmosfera.</p><p>Fonte: JohnDWilliams/iStockphoto.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais100</p><p>A maior parte dos gases estufa na atmosfera foi emitida nas últimas décadas. A partir</p><p>de 1960, o nível de concentração desses gases se acentuou, sendo que, até pouco tempo atrás,</p><p>esse aumento era associado à queima de combustíveis fósseis. Essa ideia sempre colocou</p><p>os países desenvolvidos, que possuem maior estrutura industrial e mais carros nas ruas,</p><p>como responsáveis pela emissão desses gases. Estudos recentes, no entanto, revelam uma</p><p>concentração de dióxido de carbono no hemisfério Sul em montante similar ao encontrado</p><p>nos países desenvolvidos (SÁNCHEZ, 2015), principalmente em função do desmatamento e</p><p>das queimadas, que contribuem também para a emissão dos gases estufa.</p><p>7.2.2 Desmatamento</p><p>O desmatamento foi uma atividade intensa durante o desenvolvimento tecnológico e</p><p>industrial. Regiões como América do Sul, América Central, Ásia Meridional, entre outras,</p><p>abrigavam vastas florestas tropicais. A exploração de madeira, a geração de energia ou, até</p><p>mesmo, o uso das terras para pasto, foram motivos para o desmatamento dessas regiões.</p><p>O desflorestamento das regiões ainda acontece. Atualmente, esse processo cresce na</p><p>média de 1% a 2% ao ano. Alguns estudos indicam que, se o ritmo de desflorestamento con-</p><p>tinuar, em duas ou três décadas as florestas tropicais não existirão mais (SÁNCHEZ 2015).</p><p>Na Floresta Amazônica, o maior patrimônio ambiental brasileiro, a ocupação avança e o</p><p>desmatamento acontece, ainda que fiscalizações tentem combatê-lo (Figura 4). Ao desmatar</p><p>a Amazônia, cria-se um impacto ambiental difícil de ser recuperado. Estudos indicam que</p><p>o solo pobre da região tende à desertificação se for retirada sua cobertura vegetal. O clima é</p><p>intensamente afetado, pois os regimes de chuvas, influenciados pela evapotranspiração, são</p><p>interrompidos. Além dessas questões, com o desmatamento tem-se a emissão de gases estufa.</p><p>O governo investe em tecnologias de monitoramento da regressão da cobertura vegetal</p><p>na floresta, além do uso de satélites para identificar clareiras e queimadas. No entanto, ain-</p><p>da não foi possível acabar com a exploração indevida no local, pois a extração de madeira</p><p>continua sendo uma atividade que envolve muito dinheiro.</p><p>Figura 4 – Desmatamento na Amazônia.</p><p>Fonte: daniel_wiedemann/iStockphoto.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>7</p><p>101</p><p>Uma forma de combater o desmatamento é a criação de áreas de preservação (SÁNCHEZ,</p><p>2015), atividade já realizada em muitos países, inclusive no Brasil. Mas acabar com o des-</p><p>matamento depende de outras ações além da regulamentação de áreas, como a contratação</p><p>de efetivo suficiente para fiscalização e a mudança de pensamento da população acerca do</p><p>meio ambiente. Este último fator é essencial, pois em muitos lugares a natureza é encarada</p><p>ainda como mero recurso. Quando uma empresa extrai madeira em uma região que deveria</p><p>ser preservada, muitas vezes conta com o auxílio de pessoas da própria localidade, as quais</p><p>não compreendem que o desmatamento pode causar impactos no solo que impedirão a</p><p>agricultura. Após a saída da empresa do território explorado, a tendência é a intensificação</p><p>do quadro de pobreza da população local.</p><p>7.3 O impacto ambiental nas relações</p><p>internacionais: desafios atuais</p><p>A tomada de consciência acordos entre os países acerca dos problemas</p><p>ambientais incentivou para que atuassem em conjunto, a fim de diminuir os</p><p>impactos em nível mundial. A Convenção-Quadro das Nações Unidas so-</p><p>bre Mudança do Clima ou simplesmente Convenção da Mudança Climática</p><p>(CMC), que aconteceu durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio</p><p>Ambiente e Desenvolvimento – Eco-92, foi uma das primeiras iniciativas nesse sentido.</p><p>A CMC foi discreta, propondo apenas algumas metas para que os níveis de emissão de</p><p>CO2 registrados em 1990 se mantivessem os mesmos até o ano 2000 (TAUK-TORNISIELO et</p><p>al., 1995). Todavia, essa meta foi negligenciada por quase todos os países participantes, em es-</p><p>pecial as grandes potências mundiais, fazendo com que a CMC fosse considerada um fracasso.</p><p>Já no ano de 1997, aconteceu uma conferência internacional na cidade de Kyoto, no Japão,</p><p>onde um protocolo foi elaborado e incorporado à CMC, estabelecendo uma meta de redu-</p><p>ção de 5% da emissão dos gases estufa em relação às medições realizadas no ano de 1990. O</p><p>Protocolo de Kyoto determinava, ainda, que os países desenvolvidos deveriam atingir essa</p><p>meta até o ano de 2012, enquanto os países subdesenvolvidos teriam de cumpri-la até 2010. A</p><p>diferença nos prazos é reflexo do princípio de responsabilidades diferentes, que considera a</p><p>diferença econômica e tecnológica entre os países (BERNARDES; FERREIRA, 2003).</p><p>O Protocolo de Kyoto refletiu em mudanças na dinâmica internacional, visto que países</p><p>desenvolvidos poderiam comprar créditos de carbono de países que emitissem gases estu-</p><p>fa abaixo da meta estabelecida. Esses créditos dariam aos países a possibilidade de lançar</p><p>determinados níveis de poluição na atmosfera. Esse processo impactou as relações inter-</p><p>nacionais, pois, ao comprar créditos de países subdesenvolvidos, os países ricos estariam</p><p>transferindo recursos, o que acabou se tornando uma medida a ser trabalhada com cuidado.</p><p>O Protocolo de Kyoto não foi uma unanimidade entre as nações por muito tempo. Em</p><p>2001, os Estados Unidos se retiraram dos acordos ambientais estabelecidos até então, e isso</p><p>refletiu em um crescimento considerável da emissão de gases estufa nesse país na década de</p><p>2000 (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>Vídeo</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais102</p><p>Outro marco nas relações internacionais para tratar de questões ambientais ocorreu no</p><p>ano de 2010: a 16ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima (COP-16). Esse</p><p>evento costurou uma série de acordos e trouxe os Estados Unidos novamente para o rol de</p><p>países que compactuam com os acordos ambientais.</p><p>Um dos maiores legados da COP-16 foi a criação do Fundo Verde, constituído de con-</p><p>tribuições dos países desenvolvidos para investimento em pesquisa científica que buscas-</p><p>sem formas de deter as mudanças climáticas. A pretensão é de que o Fundo Verde alcance</p><p>o valor de U$$100 bilhões anuais até 2020. Além da pesquisa científica, esse fundo deve ser</p><p>destinado à manutenção de áreas de conservação florestal espalhadas em todo o planeta</p><p>(SÁNCHEZ, 2015). Em relação à temperatura média do planeta, foi estabelecido um teto de</p><p>aumento de 2°C.</p><p>Esses são apenas alguns exemplos de acordos ambientais que traçam a forma com que</p><p>as relações internacionais vêm se desenvolvendo. Os desafios atuais envolvem o cumpri-</p><p>mento dos acordos estabelecidos e a busca por soluções ao quadro presente que ajudem a</p><p>manter as condições ambientais necessárias para as gerações futuras.</p><p>É importante observar as mudanças no contexto geopolítico internacional, que sempre</p><p>vai determinar se os acordos traçados serão cumpridos. Alterações no quadro político dos</p><p>Estados Unidos, por exemplo, podem deixar a comunidade científica em alerta, por se tra-</p><p>tar da maior potência global e a que mais contribui para os impactos ao ambiente com suas</p><p>atividades industriais.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>Educação ambiental como política pública</p><p>(SORRENTINO et al., 2005, p. 285-299)</p><p>A abordagem do Programa Nacional de Educação Ambiental reitera um</p><p>entendimento, historicamente construído, dos desafios desta como pro-</p><p>cesso dialético de transformação social e cultural. Grasmci considera a</p><p>sociedade civil como sede da superestrutura (BOBBIO, 1999), ou seja, é em</p><p>seu âmbito que nasce a ideia de uma nova ordem e de novos valores que</p><p>implicam uma nova estrutura, um novo Estado. O Estado, neste sentido,</p><p>vive o paradoxo de ser</p><p>representação de uma tese senescente ao tempo em</p><p>que congrega atores e setores (na mão esquerda do Estado, em Bourdieu</p><p>(1998) que tendem a aliar-se à sociedade civil na transformação cultural e</p><p>social e na função de estimular a transformação do próprio Estado nessas</p><p>novas direções. Santos (1999) fala dessa perspectiva de ação do Estado</p><p>como se ele próprio compusesse um “novíssimo movimento social”.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>7</p><p>103</p><p>A urgente transformação social de que trata a educação ambiental visa</p><p>à superação das injustiças ambientais, da desigualdade social, da apro-</p><p>priação capitalista e funcionalista da natureza e da própria humanidade.</p><p>Vivemos processos de exclusão nos quais há uma ampla degradação</p><p>ambiental socializada com uma maioria submetida, indissociados de</p><p>uma apropriação privada dos benefícios materiais gerados. Cumpre à</p><p>educação ambiental fomentar processos que impliquem o aumento do</p><p>poder das maiorias hoje submetidas, de sua capacidade de autogestão e</p><p>o fortalecimento de sua resistência à dominação capitalista de sua vida</p><p>(trabalho) e de seus espaços (ambiente). A educação ambiental trata de</p><p>uma mudança de paradigma que implica tanto uma revolução científica</p><p>quanto política. As revoluções paradigmáticas, sejam científicas, sejam</p><p>políticas, são episódios de desenvolvimento não cumulativo nos quais</p><p>um paradigma antigo é substituído por um novo, incompatível com o</p><p>anterior. Já as revoluções políticas decorrem do sentimento que se desen-</p><p>volve em relação à necessidade de mudança. Tais revoluções não mudam</p><p>apenas a ciência, mas o próprio mundo, na medida em que incidem na</p><p>concepção que temos dele e de seu caminho (KUHN, 1969).</p><p>A educação ambiental, em específico, ao educar para a cidadania, pode</p><p>construir a possibilidade da ação política, no sentido de contribuir para</p><p>formar uma coletividade que é responsável pelo mundo que habita. Nesse</p><p>sentido, podemos resgatar o pensamento de Edgar Morin, que vislum-</p><p>bra para o terceiro milênio a esperança da criação da cidadania terrestre.</p><p>A política de educação ambiental desenvolvida no Brasil apresenta-se,</p><p>assim, como aliada dos processos que promovem uma “sociologia das</p><p>emergências” (SANTOS, 2002), como estratégia para superar o para-</p><p>digma da racionalidade instrumental que operou, no Brasil e no mundo,</p><p>silenciamentos opostos à participação, à emancipação, à diversidade e à</p><p>solidariedade.</p><p>[...]</p><p>O meio ambiente como política pública, não pontual, no Brasil, surge após</p><p>a Conferência de Estocolmo, em 1972, quando, devido às iniciativas das</p><p>Nações Unidas em inserir o tema nas agendas dos governos, foi criada</p><p>a SEMA (Secretaria Especial de Meio Ambiente) ligada à Presidência</p><p>da República. Mas apenas após a I Conferência Intergovernamental de</p><p>Educação Ambiental de Tibilise, em 1977, a educação ambiental foi intro-</p><p>duzida como estratégia para conduzir a sustentabilidade ambiental e social</p><p>do planeta. Ainda na década de 1970, começou-se a discutir um modelo</p><p>de desenvolvimento que harmonizasse as relações econômicas com o</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais104</p><p>bem-estar das sociedades e a gestão racional e responsável dos recursos</p><p>naturais que Ignacy Sachs (1986) denominou de ecodesenvolvimento.</p><p>Em 1983, sob a presidência da primeira-ministra norueguesa Gro Brudtland,</p><p>foi criada a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento</p><p>e, em 1987, a comissão publicou Nosso futuro comum, que ficou conhe-</p><p>cido também como Relatório Brudtland. A partir desse relatório, o conceito</p><p>de desenvolvimento sustentável passou a ser utilizado em substituição à</p><p>expressão ecodesenvolvimento e constituiu a base para a reorientação</p><p>das políticas de desenvolvimento e sua relação direta com as questões</p><p>ambientais.</p><p>[...] o conceito de desenvolvimento sustentável indica claramente o trata-</p><p>mento dado à natureza como um recurso ou matéria-prima destinado aos</p><p>objetivos de mercado cujo acesso é priorizado a parcelas da sociedade que</p><p>detém o controle do capital. Este paradigma mantém o padrão de desen-</p><p>volvimento que produz desigualdades na distribuição e no acesso a esses</p><p>recursos, produzindo a pobreza e a falta de identidade cidadã.</p><p>Nesse sentido, passamos a vislumbrar como meta uma educação ambien-</p><p>tal para a sustentabilidade socioambiental recuperando o significado do</p><p>ecodesenvolvimento como um processo de transformação do meio natu-</p><p>ral que, por meio de técnicas apropriadas, impede desperdícios e realça</p><p>as potencialidades deste meio, cuidando da satisfação das necessidades</p><p>de todos os membros da sociedade, dada a diversidade dos meios natu-</p><p>rais e dos contextos culturais. A educação ambiental entra nesse contexto</p><p>orientada por uma racionalidade ambiental, transdisciplinar, pensando o</p><p>meio ambiente não como sinônimo de natureza, mas uma base de intera-</p><p>ções entre o meio físico-biológico com as sociedades e a cultura produzida</p><p>pelos seus membros. Leff (2001) coloca a racionalidade ambiental como</p><p>produto da práxis, ou seja, seria “um conjunto de interesses e de práticas</p><p>sociais que articulam ordens materiais diversas que dão sentido e organi-</p><p>zam processos sociais através de certas regras, meios e fins socialmente</p><p>construídos” (LEFF, 2001, p. 134).</p><p>Essa concepção de educação ambiental foi parcialmente apropriada pela</p><p>Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA – lei 9795/99) que em</p><p>seu artigo primeiro define a educação ambiental como processos por meio</p><p>dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conheci-</p><p>mentos e habilidades, atitudes e competências voltadas para conservação</p><p>do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia quali-</p><p>dade de vida e sua sustentabilidade.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>7</p><p>105</p><p>Ainda enfatiza a questão da interdisciplinaridade metodológica e episte-</p><p>mológica da educação ambiental como “componente essencial e perma-</p><p>nente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada</p><p>em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal</p><p>e não formal” (art. 2º). Reforça a responsabilidade coletiva da sua imple-</p><p>mentação, seus princípios básicos, objetivos e estratégias. Esta lei fornece</p><p>um roteiro para a prática da educação ambiental e na sua regulamentação</p><p>(Decreto 4281/02) indica os Ministério da Educação e do Meio Ambiente</p><p>como órgãos gestores dessa política.</p><p>Apesar de no Brasil existir a ideia de leis que “não pegam”, uma lei existe</p><p>para ser cumprida ou questionada, de modo que, logo após a promulga-</p><p>ção da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), foi criada no</p><p>Ministério da Educação a Coordenação Geral de Educação Ambiental</p><p>e no Ministério do Meio Ambiente, a Diretoria de Educação Ambiental</p><p>como instâncias de execução da PNEA.</p><p>Assim, a educação ambiental insere-se nas políticas públicas do Estado</p><p>brasileiro de ambas as formas, como crescimento horizontal (quantita-</p><p>tivo) e vertical (qualitativo) [...].</p><p>Atividades</p><p>1. Existe uma estreita relação entre política e problemas ambientais. Identifique ao me-</p><p>nos dois exemplos do contexto geopolítico atual que comprove essa afirmativa.</p><p>2. Explique o que é o aquecimento global e como surgiu esse conceito.</p><p>3. Os Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro, foram marcados por promessas não</p><p>realizadas pelo poder público e que impactaram diretamente os jogos, como a des-</p><p>poluição da Baía de Guanabara, onde aconteceram diversas provas aquáticas. Trace</p><p>uma relação entre o exemplo apresentado e os assuntos abordados no capítulo, aten-</p><p>tando para a questão ambiental e não para o legado de infraestrutura.</p><p>Referências</p><p>BECKER, B. K.; GOMES, P. C. da C. Meio ambiente: matriz do pensamento geográfico. In: VIEIRA,</p><p>P. F.; MAIMON, D. As ciências sociais e a questão ambiental: rumo à interdisciplinaridade. Belém:</p><p>APED/UFPA, 1993.</p><p>A questão ambiental e sua contemporaneidade7</p><p>Biogeografia e impactos ambientais106</p><p>BERNARDES, Júlia Adão; FERREIRA, Francisco Pontes de Miranda. Sociedade e natureza. In:</p><p>GUERRA, Antonio Jose Teixeira; CUNHA, Sandra Baptista da. A questão ambiental: diferentes abor-</p><p>dagens. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003, p. 17-41.</p><p>CARSON, Rachel. A primavera silenciosa. São Paulo: Crítica, 2001.</p><p>CASTELLS, Manuel. A era da informação: economia, sociedade e cultura. v. 2: O poder da identidade.</p><p>Tradução de Klauss Brandini Gerhardt. São Paulo: Paz e Terra, 1999.</p><p>GIDDENS, A. As consequências da modernidade. São Paulo: Ed. da Unesp, 1991.</p><p>LEPSCH, Igo F. Formação e conservação dos solos. São Paulo: Oficina de Textos, 2016.</p><p>ROSS, Jurandyr Luciano Sanches. Geografia do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.</p><p>SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2015.</p><p>SANTOS, M. A natureza do espaço: técnica e tempo, razão e emoção. São Paulo: Hucitel, 1996.</p><p>SORRENTINO, Marcos et al. Educação ambiental como política pública. Educação e Pesquisa, São</p><p>Paulo, v. 31, n. 2, p. 285-299, 2005.</p><p>TAUK-TORNISIELO et al. Análise ambiental: estratégias e ações. São Paulo: T.A. Queiroz; Fundação</p><p>Salim Farah Maluf, 1995.</p><p>Resolução</p><p>1. Diversos exemplos podem ser apresentados, como as medidas dos Estados Unidos</p><p>que visam passar dutos de petróleo em áreas preservadas, o desmatamento da Ama-</p><p>zônia e a falta de controle ambiental do governo brasileiro.</p><p>2. Conforme explicado na seção 7.2.1, a teoria do aquecimento global tem a sua origem</p><p>no século XIX, com base na teoria do efeito estufa, que diz que os gases como dióxido</p><p>de carbono e metano, entre outros, encontram-se na atmosfera e têm a capacidade de</p><p>reter parte da radiação solar, impedindo que ela seja refletida para o espaço. O efeito</p><p>estufa é fundamental para a existência de vida na Terra, sem ele o calor necessário</p><p>para a presença de água em estado líquido, de temperaturas adequadas para exis-</p><p>tência de vida, não seria possível.</p><p>3. A partir de 1960, o nível de concentração dos gases estufa se acentuou e, até pouco</p><p>tempo atrás, esse aumento era associado à queima de combustíveis fósseis. O aque-</p><p>cimento global, portanto, é o resultado desses processos.</p><p>4. O caso apresentado é um exemplo típico de como o governo descarta os acordos am-</p><p>bientais firmados em prol de uma atividade que vai gerar um elevado fator econô-</p><p>mico. No exemplo apresentado, trata-se dos Jogos Olímpicos, ou seja, uma atividade</p><p>temporária que não traria reais benefícios em longo prazo, a não ser que os acordos</p><p>ambientais fossem de fato respeitados.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 107</p><p>8</p><p>Estudo de impactos</p><p>ambientais</p><p>Neste capítulo serão apresentados conceitos relativos à concepção de um Estudo</p><p>de Impacto Ambiental e seu respectivo Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA).</p><p>O objetivo é fazer com que o leitor aguce o seu senso crítico avaliando os possíveis</p><p>impactos por meio de alguns exemplos que serão apresentados para seu melhor</p><p>entendimento. Os conceitos e a forma de elaboração de um EIA/RIMA aqui abordados</p><p>permitem uma predição dos acontecimentos impactantes ao ambiente, com base em</p><p>observações científicas, seguindo a metodologia do estudo.</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais108</p><p>8.1 Impactos ambientais: definição e breve</p><p>histórico</p><p>O conceito de impacto ambiental não está apenas relacionado ao am-</p><p>biente natural, ao ecossistema, mas sim ao ambiente natural e antrópico, in-</p><p>cluindo as áreas urbanas. Sánchez (2015) apresenta esse conceito como sendo</p><p>qualquer alteração no meio ambiente, ou em algum de seus componentes,</p><p>provocada por uma atividade humana.</p><p>A Resolução n. 01/1986 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) define o</p><p>impacto ambiental como uma atividade que afeta direta ou indiretamente:</p><p>I – a saúde, a segurança e o bem-estar da população;</p><p>II – as atividades sociais e econômicas;</p><p>III – a biota;</p><p>IV – as condições estéticas e sanitárias do meio ambiente;</p><p>V – a qualidade dos recursos ambientais. (BRASIL, 1989)</p><p>De forma mais simplificada, podemos entender o impacto ambiental como o resultado</p><p>de uma ação. Seguindo a regra de que toda ação provoca uma reação, tem-se uma relação de</p><p>causa e efeito. Assim, qualquer ação em um ambiente vai acarretar uma mudança, ou seja, o</p><p>ambiente inicial não será mais o mesmo e, com isso, será impactado. O impacto ambiental,</p><p>portanto, é a diferença entre o estado inicial e o final, após ocorrer uma ação.</p><p>Alguns exemplos clássicos de impacto ambiental estão no campo da agricultura. O</p><p>bombeamento de água dos mananciais para irrigar plantações causa um descontrole eco-</p><p>lógico que diminui a vazão do manancial e aumenta o fluxo d’água no campo. Ao mesmo</p><p>tempo, os agricultores costumam usar agrotóxicos para controle de pragas, que consequen-</p><p>temente se misturam à água irrigada na plantação, infiltrando-se no solo e chegando aos</p><p>mananciais, os quais, por sua vez, fornecem água para o consumo da população local. É um</p><p>processo que contamina aos poucos o solo, o manancial e a própria população, podendo</p><p>causar problemas à saúde.</p><p>Esse tipo de situação é bastante comum na agricultura e reflete o impacto ambiental</p><p>como um evento de proporcionalidade sistêmica. Essa noção, porém, é um fenômeno re-</p><p>cente. A sensibilização política para o estudo de impactos ambientais começou a se formar</p><p>somente a partir da década de 1960, quando os reflexos da revolução industrial e, conse-</p><p>quentemente, da evolução tecnológica, foram percebidos (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>O Clube de Roma, em 1968, a conferência de Estocolmo, em 1972, e a Eco-92, em 1992,</p><p>foram eventos que não apenas evidenciaram as discussões acerca dos impactos globais ao</p><p>meio ambiente, mas também marcaram uma busca por uma melhor qualidade de vida.</p><p>O Brasil adotou instrumentos para a Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) no ano de</p><p>1981, por meio da Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Essa lei estabelece a Política Nacional</p><p>do Meio Ambiente, determinando como seus instrumentos a avaliação de impactos e o licen-</p><p>ciamento de atividades que sejam efetivamente ou potencialmente poluidoras (BRASIL, 1981).</p><p>Vídeo</p><p>Estudo de impactos ambientais</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>8</p><p>109</p><p>No ano de 1986, a Resolução Conama n. 1, de 23 de janeiro de 1986, determinou que o</p><p>licenciamento de atividades que de alguma forma modificam o meio ambiente só pode ser</p><p>fornecido depois de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e, consequentemente, de um</p><p>Relatório de Impacto Ambiental (RIMA). Esses documentos, que devem ser elaborados por</p><p>profissionais competentes, ligados à área de meio ambiente, passam por uma avaliação do</p><p>órgão competente para que possam ser aprovados.</p><p>O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) é um documento produzido por uma equipe</p><p>multidisciplinar, que analisa as possíveis consequências no meio ambiente da implantação</p><p>de um empreendimento, obra ou projeto, de diferentes segmentos, por meio de técnicas de</p><p>previsão de impactos (MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006).</p><p>Na equipe multidisciplinar, cada profissional deve avaliar minuciosamente o conjunto</p><p>de fatores de sua própria área, de forma a prever as possíveis consequências da ação a ser</p><p>empreendida. Para isso, considera o quadro atual da região a ser impactada, confronta o</p><p>tipo de empreendimento com a realidade local, como proximidade de escolas, hospitais,</p><p>residências para o tipo de atividade, e também o impacto da execução (a construção de um</p><p>edifício ao lado de uma escola, em horário comercial, pode inviabilizar o andamento das</p><p>aulas, por exemplo). Questões de ordem física e natural também devem ser consideradas,</p><p>como o impacto no solo e nas águas, o tipo de vegetação e fauna local e até mesmo impactos</p><p>na dinâmica de uso do ambiente. Este último caso tem como um de seus exemplos a praia</p><p>do Balneário Camboriú, em Santa Catarina, em que os prédios extremamente altos para a</p><p>região projetam sombras no cordão arenoso, impactando o lazer das pessoas que usam a</p><p>praia e o bioma da região que necessita da incidência solar (BACHTOLD,</p><p>2015).</p><p>Após a avaliação de impacto, a equipe monta o seu relatório empregando terminologia</p><p>técnica e científica, deixando claro quais as metodologias utilizadas e como chegaram ao re-</p><p>sultado apresentado. Esse é um documento de caráter essencialmente técnico, voltado para</p><p>especialistas. No entanto, é papel também dos especialistas elaborar um relatório simplificado</p><p>e com linguagem não técnica, mais informal, para permitir o acesso e compreensão do texto</p><p>por qualquer cidadão. Esse segundo documento é o Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).</p><p>O EIA/RIMA, portanto, é uma avaliação dos especialistas para a população em geral</p><p>sobre os impactos que um ambiente pode sofrer. É um importante instrumento para evitar</p><p>a degradação/perturbação ambiental e deve estar à disposição dos técnicos e de leigos antes</p><p>que a ação seja implementada no ambiente.</p><p>8.2 Difusão internacional dos Estudos de Impacto</p><p>Ambiental</p><p>A Avaliação de Impactos Ambientais (AIA) começou a se difundir pelo</p><p>mundo quando os Estados Unidos aprovaram, em 1969, a AIA como o me-</p><p>canismo de prevenção de dano ambiental. A partir daí outros países apro-</p><p>varam leis semelhantes, e esse fenômeno foi se propagando pelo mundo</p><p>(SÁNCHEZ, 2015). Atualmente, entende-se o meio ambiente como algo a ser</p><p>Vídeo</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais110</p><p>respeitado e preservado em consonância com o desenvolvimento. O discurso de preserva-</p><p>ção e diminuição dos impactos e de como fazê-los sem que a economia pare de crescer, em</p><p>um mundo cada vez mais capitalista, é o desafio atual.</p><p>As conferências internacionais que discutem a preservação do ambiente para as ge-</p><p>rações futuras proporcionaram grandes avanços na disseminação desse tema no contexto</p><p>geopolítico. Durante muitos anos, a sustentabilidade foi tema central nos debates acerca</p><p>do desenvolvimento e nas pesquisas científicas. Atualmente, no entanto, o assunto tem re-</p><p>cebido duras críticas da comunidade internacional. Países como os Estados Unidos estão</p><p>voltando atrás e descartando suas políticas ambientais, tentando promover um crescimento</p><p>econômico em um contexto de crise econômica mundial.</p><p>O Brasil, por preservar biomas tão peculiares como a Amazônia, que tanto despertam o</p><p>interesse da comunidade internacional, tem uma legislação que é respeitada e considerada</p><p>moderna, mas não está isento de problemas de proporções internacionais.</p><p>Em novembro de 2015, uma tragédia ambiental atingiu a cidade de Mariana, em Minas</p><p>Gerais. As barragens da mineradora Samarco romperam e despejaram rejeitos sobre a cida-</p><p>de, soterrando casas e inclusive matando pessoas. Os rejeitos encontraram o leito do rio e</p><p>contaminaram uma área considerável da região, incluindo outros municípios (Figuras 1 e 2).</p><p>Figura 1 – Mariana (MG) antes do rompimento da barragem.</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor com a Banda 4 do satélite Landsat 8.</p><p>Figura 2 – Mariana (MG) depois do rompimento da barragem.</p><p>Estudo de impactos ambientais</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>8</p><p>111</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor com a Banda 4 do satélite Landsat 8.</p><p>Essa tragédia ainda não teve uma solução e constitui um problema grave de impacto</p><p>ambiental, o maior do Brasil até hoje. O evento demonstra a importância do EIA/RIMA na</p><p>dinâmica ambiental e na vida das pessoas. Se um estudo tivesse sido feito e seguido, isso</p><p>poderia ter sido evitado.</p><p>8.3 Elaboração de um Estudo de Impacto</p><p>Ambiental</p><p>O EIA/RIMA é elaborado na fase inicial de viabilização de um empreen-</p><p>dimento (MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006). Assim, a legislação</p><p>brasileira determina que os documentos sejam produzidos logo após a etapa</p><p>do projeto, ainda como parte dos primeiros estudos, que são levados à au-</p><p>diência pública (Figura 3).</p><p>As etapas seguintes equivalem ao licenciamento, operação e fiscalização do empreen-</p><p>dimento pelo Poder Executivo e o Ministério Público. Dessa forma, é necessário que o pro-</p><p>jeto esteja adequado às questões ambientais para que se possa dar prosseguimento a ele. O</p><p>RIMA tem grande importância nesse momento, pois em audiências públicas é ele que traz a</p><p>informação sobre as alterações ambientais a que a população está sujeita, caso o projeto seja</p><p>aprovado. A audiência com a população é a oportunidade de conversar diretamente com os</p><p>responsáveis e propor melhorias que possam beneficiar ambos os lados.</p><p>Figura 3 – Estrutura de um licenciamento para promover uma ação/empreendimento.</p><p>Vídeo</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais112</p><p>Projeto Projeto técnico EIA/RIMA</p><p>Licenciamento</p><p>Operação</p><p>Fiscalização</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>A elaboração de um EIA, segundo SÁNCHEZ (2015), deve ocorrer em duas etapas: a</p><p>primeira é o planejamento e a segunda, a execução.</p><p>8.3.1 O planejamento</p><p>A etapa de planejamento começa com um reconhecimento ambiental da região, para</p><p>que a equipe conheça todas as fragilidades e os potenciais do ambiente a ser impactado</p><p>(nesse contexto, utiliza-se o termo impactado sem considerar se as consequências serão de</p><p>pequeno, médio ou grande porte). Em seguida, a equipe deve avaliar as alternativas ao</p><p>projeto. É uma etapa importante para que se criem alternativas em um possível confronto</p><p>durante a audiência pública.</p><p>O tópico seguinte, ainda na etapa de planejamento, deve identificar preliminarmente</p><p>os impactos potenciais do empreendimento na região. Essa fase deve considerar inclusive</p><p>os impactos sazonais, ou seja, aqueles que serão sentidos durante a instalação do projeto.</p><p>Por fim, a determinação do escopo do projeto, aquilo que se pretende atingir, e um plano de</p><p>trabalho devem ser elaborados. Um plano de trabalho deve conter essencialmente os itens</p><p>a seguir (Quadro 1):</p><p>Quadro 1 – Conteúdo de um planejamento.</p><p>Descrição do empreendimento</p><p>Alternativas para o empreendimento</p><p>Localização</p><p>Área de estudo</p><p>Características ambientais da área</p><p>Possíveis impactos</p><p>Questões relevantes acerca do empreendimento</p><p>Estudo de impactos ambientais</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>8</p><p>113</p><p>Estrutura do estudo – descrição dos capítulos</p><p>Metodologia de levantamento e análise dos dados</p><p>Metodologia de análise dos impactos</p><p>Formas de apresentação dos resulta-</p><p>dos (geralmente em mapas)</p><p>Consulta pública</p><p>Fonte: SÁNCHEZ, 2015; MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006. Adaptado.</p><p>8.3.2 A execução</p><p>A execução do EIA começa com o plano de trabalho elaborado no planejamento. A par-</p><p>tir daí deve-se fazer os estudos de base necessários para a realização da análise ambiental, os</p><p>quais envolvem a identificação dos impactos, de sua magnitude e importância.</p><p>Os dados coletados são cruzados para a simulação de quadros impactantes. Esse proce-</p><p>dimento deve ser feito utilizando-se dados georreferenciados, em um Sistema de Informação</p><p>Geográfica, no qual as informações são modeladas de acordo com as características do pro-</p><p>jeto e, assim, possibilitam estimar a magnitude do impacto oferecido. Atualmente, dados</p><p>desse tipo podem ser adquiridos gratuitamente com os órgãos gestores; no entanto, pode</p><p>haver custos para fazer um aerolevantamento1 ou adquirir imagem de satélite de boa re-</p><p>solução, variando o valor de acordo com o tamanho da área, sua magnitude e o nível de</p><p>detalhamento necessário para identificar todos os quadros possíveis.</p><p>Após esses estudos, a equipe deve elaborar um plano de gestão. Esse plano deve gerir</p><p>de maneira sustentável o ambiente, sempre que possível, com um mínimo de impactos pos-</p><p>síveis. Isso vai depender, todavia, do tipo de empreendimento que será proposto.</p><p>Por fim, é elaborado o documento do EIA/RIMA. O Quadro 2 demonstra os passos</p><p>principais para a construção do estudo.</p><p>Quadro 2 – Etapas para a construção de um EIA.</p><p>Aquisição de bases cartográficas</p><p>Fotografias aéreas da região ou imagens de satélite</p><p>Levantamento de dados socioambientais</p><p>Estudos sobre a região</p><p>Dados sobre o projeto – planta, planejamento</p><p>Esclarecimentos com os responsáveis</p><p>Visitas a empreendimento do mesmo segmento</p><p>Reconhecimento da área em campo</p><p>1 Operação aérea de medição, computação e registro</p><p>deve possuir sólidos co-</p><p>nhecimentos em Biologia e em Geografia, devendo o profissional estar familiarizado com os</p><p>grupos de plantas e animais e o seu desenvolvimento evolutivo, assim como com a dinâmica</p><p>espacial, os processos físicos e sociais que influenciam na dispersão e no desenvolvimento</p><p>dos organismos.</p><p>Somente com o cruzamento de conhecimentos oriundos dessas duas áreas é possível</p><p>compreender o que leva um grupo de determinada espécie migrar de um ponto a outro da</p><p>superfície da Terra enquanto outros ficam confinados em um único habitat. As explicações</p><p>podem ir desde à capacidade de sobrevivência em ambientes distintos, até mesmo às altera-</p><p>ções climáticas em dada região. É a partir do cruzamento dessas informações que é possível</p><p>traçar um histórico evolutivo e migratório das diversas espécies e como a vida ocorre em</p><p>ambientes tão distintos como desertos, florestas tropicais, regiões montanhosas e glaciais.</p><p>Vídeo</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>13</p><p>A formação de ambientes tão diversificados, que determinam o padrão de distribuição</p><p>da vida na Terra, são oriundos de processos topográficos, geológicos, geomorfológicos e cli-</p><p>matológicos, que atuam de forma diferenciada no planeta. É necessário compreender algu-</p><p>mas teorias relacionadas a esses processos e que ajudaram a compor a estrutura dos estudos</p><p>ambientais e biogeográficos ao longo do tempo. A compreensão dessas teorias dará suporte</p><p>ao que veremos nos próximos capítulos.</p><p>1.2.1 Forma da Terra e a interferência nas condições climáticas</p><p>A forma da Terra foi motivo de debates intensos durante séculos. Na Antiguidade, já</p><p>se conhecia a esfericidade da superfície, por métodos de observação, principalmente da-</p><p>queles relacionados à forma das sombras projetadas pela incidência de luz solar. Na Idade</p><p>Média, devido a uma forte influência religiosa, a Terra foi considerada plana, até a época do</p><p>Iluminismo, em que estudos científicos voltaram a considerar sua esfericidade.</p><p>Atualmente já se sabe que o formato da Terra é irregular, a superfície topográfica é</p><p>extremamente acidentada sendo impossível uma reprodução fidedigna. Além disso, a su-</p><p>perfície terrestre sofre diversas alterações, constantemente, sendo impossível elaborar um</p><p>modelo definitivo que a represente. Geodésia é a ciência que estuda, dentre outras coisas,</p><p>essas alterações. Temos, no entanto, o geoide como a figura que mais se assemelha à forma</p><p>real da Terra, possuindo uma superfície irregular e levemente achatada nos polos. Para fins</p><p>de estudos e análises da superfície terrestre utiliza-se como base o elipsoide, superfície ma-</p><p>temática que se assemelha ao geoide e permite que sejam realizados cálculos precisos. A</p><p>diferença entre as superfícies pode ser observada na Figura 1.</p><p>Figura 1 – Formas de representação da superfície terrestre.</p><p>Superfície geoidal</p><p>Superfície elipsoidal</p><p>Superfície topográfica</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>A esfericidade e a forma irregular da Terra e sua inclinação em relação ao Sol determi-</p><p>nam diferentes padrões de incidência solar. Os raios solares não chegam de forma perpen-</p><p>dicular em toda a superfície; à medida que nos aproximamos dos polos aumenta o ângulo</p><p>de inclinação da luz solar (Figura 2).</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais14</p><p>Figura 2 – Incidência solar na superfície terrestre.</p><p>Baixa densidade de</p><p>raios incidentes</p><p>(inverno no hemisfério Norte)</p><p>Alta densidade de</p><p>raios incidentes</p><p>(verão no hemisfério Sul)</p><p>Fonte: Rhcastilhos/Wikimedia Commons.</p><p>A Figura 3, a seguir, representa as zonas climáticas da Terra. A zona tropical, ou seja,</p><p>a zona compreendida entre os Trópicos de Câncer e de Capricórnio, recebe os raios solares</p><p>mais perpendicularmente e, por isso, é a região mais quente. As zonas temperadas do norte</p><p>e do sul recebem a luz solar de modo mais inclinado e, por isso, suas temperaturas são mais</p><p>baixas e as estações do ano, bem delimitadas. A zonas polares ártica e antártica recebem a</p><p>luz solar com um elevado ângulo de inclinação, constituindo-se regiões com temperaturas</p><p>extremamente baixas.</p><p>Figura 3 – Zonas climáticas da Terra.</p><p>Fonte: ROBINSON, H. et al., 1995. Adaptado.</p><p>Os padrões de iluminação e o movimento de translação, ou seja, o movimento da Terra</p><p>em torno do Sol, determinam condições climatológicas distintas e as diferentes estações do</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>15</p><p>ano (Figura 4). Os organismos que habitam as diferentes regiões do planeta são adaptados</p><p>às condições climatológicas específicas, de modo que a migração para ambientes muito di-</p><p>versos pode demandar um processo evolutivo ou a não adaptação, ocasionando a extinção</p><p>de espécies.</p><p>Figura 4 – Movimento de translação da Terra e as estações do ano.</p><p>Equinócio</p><p>(21 de março)</p><p>Solstício</p><p>(22 de dezembro)</p><p>Equinócio</p><p>(23 de setembro)</p><p>Solstício</p><p>(22 de junho)</p><p>Verão Outono</p><p>Inverno</p><p>Primavera</p><p>Fonte: lukaves/iStockphoto.</p><p>No passar do tempo geológico, a disposição da fauna e flora na Terra foi influenciada</p><p>também pela mudança na disposição dos continentes. Ao mudar de posição, um continente</p><p>pode passar a receber mais ou menos energia solar, o que também altera a climatologia da</p><p>região, como aborda a teoria da deriva continental.</p><p>1.2.2 Deriva continental</p><p>A teoria da deriva continental só foi incorporada aos estudos da Biogeografia no final</p><p>da década de 1960. Até então, os biogeógrafos consideravam os continentes como estáticos.</p><p>A incorporação dessa teoria foi de extrema importância para o desenvolvimento da ciência,</p><p>pois a partir dela foi possível chegar a conclusões acerca da dinâmica e da distribuição da</p><p>fauna e flora, e elaborar teorias para a formulação dos continentes.</p><p>A teoria postula o movimento constante dos continentes ao longo das eras geológicas.</p><p>Anteriormente, os continentes situavam-se em posições diferentes daquelas que se encon-</p><p>tram hoje (Figura 5). Os continentes anteriormente eram unidos e foram se separando ao</p><p>longo do tempo até chegar na configuração atual.</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais16</p><p>Figura 5 – Deriva continental.</p><p>Mundo</p><p>moderno</p><p>Pangeia Laurásia e</p><p>Gondwana</p><p>Fonte: ttsz/iStockphoto.</p><p>A crosta terrestre é constituída de placas tectônicas que se deslocam sobre um manto</p><p>pastoso que constitui a camada mais subsuperficial da Terra. Na região do manto, os movi-</p><p>mentos convectivos do magma (que compõem essa região) empurram as placas tectônicas</p><p>uma sobre as outras, modificando constantemente a sua posição (TEIXEIRA et al., 2001).</p><p>Devemos levar em conta que devido à sua extensão os movimentos entre as placas não são</p><p>perceptíveis para nós, a não ser quando ocorre um choque entre as placas que pode ocasio-</p><p>nar, dentre outros fenômenos, um terremoto.</p><p>Dessa forma, ao longo do tempo geológico, as placas tectônicas foram se movimentan-</p><p>do e o supercontinente Pangeia deu origem a dois supercontinentes chamados Laurásia e</p><p>Gondwana. A divisão prosseguiu ao longo do tempo até chegarmos na configuração atual</p><p>(TEIXEIRA et al., 2001). Além do formato dos continentes, que parecem se encaixar como</p><p>peças de um quebra-cabeça, existem outras evidências que provam que eles já foram unidos,</p><p>como a similaridade entre a fauna da Austrália e Índia, Brasil e África, além de registros fós-</p><p>seis que provam que uma mesma espécie esteve presente em continentes distintos.</p><p>1.2.3 Desenvolvimento da Biogeografia</p><p>O desenvolvimento da Biogeografia ocorreu concomitantemente ao desenvolvimento</p><p>das ciências às quais tangencia. Pode-se dizer que essa ciência começou a se desenvolver na</p><p>Antiguidade com as primeiras observações da dinâmica da paisagem e dos fenômenos que</p><p>ali ocorriam. No entanto, a Biogeografia como hoje a conhecemos começou a ser delineada no</p><p>século XX, a partir da década de 1960, quando quatro grandes desenvolvimentos marcaram</p><p>esse período:</p><p>de dados do terreno, com o emprego de sensores</p><p>e/ou equipamentos adequados, bem como a interpretação dos dados levantados.</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais114</p><p>Análise da legislação</p><p>Identificação da equipe necessária</p><p>Orçamento para execução</p><p>Fonte: SÁNCHEZ, 2015; MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006. Adaptado.</p><p>Essas etapas foram abordadas de forma genérica, pois, na realidade, as etapas variam de</p><p>acordo com o empreendimento em questão e com as características do terreno. É importante que</p><p>a equipe seja composta por profissionais das áreas de Geografia, Biologia, Direito, Arquitetura,</p><p>Engenharia, Sociologia etc., de modo a permitir que todas as variáveis sejam observadas.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>Estratégia de avestruz</p><p>na questão de “energia limpa”</p><p>(FEARNSIDE, 2011, p. 8-10)</p><p>Hidrelétricas emitem metano, um gás de efeito estufa com 25 vezes mais</p><p>impacto sobre o aquecimento global por tonelada de gás do que o gás car-</p><p>bônico, de acordo com o último relatório do Painel Intergovernamental de</p><p>Mudanças do Clima (IPCC) (FORSTER et al., 2007). Estudos mais recen-</p><p>tes, que incluem efeitos indiretos não incluídos no valor do IPCC, indi-</p><p>cam um impacto 34 vezes o de CO2, considerando a mesma escala de</p><p>tempo de 100 anos (SHINDELL et al., 2009). O EIA-RIMA de Belo Monte</p><p>afirma que “uma das conclusões principais dos estudos realizados até o</p><p>momento indica que, em geral, as UHEs (Usinas Hidrelétricas) apresen-</p><p>tam menores taxas de emissão de GEEs (Gases de Efeito Estufa) do que</p><p>as Usinas Termelétricas (UTEs) com a mesma potência” (BRASIL, 2009,</p><p>v. 5, p. 47). Infelizmente, pelo menos para a época dos inventários nacio-</p><p>nais sobre a Convenção de Clima (1990), todas as “grandes” hidrelétricas</p><p>na Amazônia brasileira (Tucuruí, Samuel, Curuá-Una e Balbina) tinham</p><p>emissões bem maiores do que a geração da mesma energia com termelé-</p><p>tricas (FEARNSIDE, 1995, 2002, 2005a,b). O EIA-RIMA afirma que “o</p><p>trabalho realizado no rio Xingu, na área do futuro reservatório do AHE</p><p>(Aproveitamento Hidrelétrico) Belo Monte, aponta para a estimativa de</p><p>emissão de metano de 48 kg/km2/dia, da mesma ordem de grandeza que</p><p>os reservatórios de Xingó e Miranda” (BRASIL, 2009, v. 5, p. 47). Xingó e</p><p>Miranda são duas hidrelétricas não amazônicas que os autores calculam</p><p>ter um impacto bem menor do que uma termoelétrica do tipo mais efi-</p><p>ciente (BRASIL, 2009, v. 5, p. 48).</p><p>Estudo de impactos ambientais</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>8</p><p>115</p><p>Os autores calculam essas baixas emissões de metano das hidrelétricas</p><p>por ignorarem duas das principais rotas para emissão desse gás: a água</p><p>que passa pelas turbinas e pelos vertedouros. Essa água é tirada de uma</p><p>profundidade suficiente para ser isolada da camada superficial do reser-</p><p>vatório, e tem uma alta concentração de metano dissolvido. Quando a</p><p>pressão é subitamente reduzida ao sair das turbinas ou dos vertedouros,</p><p>muito desse metano é liberado para a atmosfera, como tem sido medido</p><p>em hidrelétricas como Balbina, no Amazonas (KEMENES et al., 2007) e</p><p>Petit Saut, na Guiana Francesa (ABRIL et al., 2005; RICHARD et al., 2004).</p><p>O EIA-RIMA considera apenas o metano emitido na superfície do próprio</p><p>lago, e nem menciona as emissões das turbinas e vertedouros.</p><p>A revisão da literatura incluída nos EIA-RIMA sobre emissões de gases</p><p>por hidrelétricas está restrita aos estudos dos grupos ELETROBRAS e</p><p>FURNAS, como se o resto do mundo não existisse (ver BRASIL, 2009, v.</p><p>5, 8). A revisão é tão seletiva que não há a menor chance de ser explicada</p><p>por omissões aleatórias. Apenas são mencionados trabalhos que não des-</p><p>mentem a crença dos autores do EIARIMA, de que as emissões de hidrelé-</p><p>tricas são muito pequenas. Não é mencionado o corpo volumoso de pes-</p><p>quisa na hidrelétrica de Petit Saut, na Guiana Francesa, onde há uma</p><p>série de monitoramento de metano bem mais completa do que em qual-</p><p>quer barragem brasileira (GALY-LACAUX et al., 1997, 1999; DELMAS</p><p>et al., 2004; RICHARD et al., 2004; ABRIL et al., 2005; GUÉRIN et al.,</p><p>2006). Também não são mencionados os trabalhos do grupo que estuda</p><p>o assunto no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais-INPE (DE LIMA,</p><p>2002; DE LIMA et al., 2002, 2005, 2008; BAMBACE et al., 2007; RAMOS</p><p>et al., 2009), nem as contribuições do grupo na Universidade de Quebec,</p><p>no Canadá, que também estudou barragens amazônicas (DUCHEMIN et</p><p>al., 2000), ou os estudos do laboratório de Bruce Forsberg, no Instituto</p><p>Nacional de Pesquisas da Amazônia-INPA (KEMENES et al., 2006, 2007,</p><p>2008; KEMENES; FORSBERG, 2008), e, tampouco, as minha próprias con-</p><p>tribuições a essa área, também no INPA (FEARNSIDE, 1995, 1996, 1997,</p><p>2002, 2004a,b, 2005a,b,c, 2006b,c, 2007, 2008a,b). Os resultados de todos</p><p>esses grupos contradizem, de forma esmagadora, o teor da EIA-RIMA em</p><p>sugerir que hidrelétricas têm pequenas emissões de metano.</p><p>[...]</p><p>Fingir que emissões apenas ocorrem pela superfície do lago, sem conside-</p><p>rar a água passando pelas turbinas e vertedouros, é uma distorção ainda</p><p>mais grave no caso de Belo Monte do que para outras barragens, uma</p><p>vez que a área do reservatório da Belo Monte é relativamente pequena,</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais116</p><p>porém, com grande volume de água passando pelas turbinas. No caso de</p><p>Belo Monte junto com Babaquara/Altamira, as emissões das turbinas são</p><p>enormes, especialmente nos primeiros anos, e esse conjunto de barragens</p><p>levaria 41 anos para começar a ter um saldo positivo em termos do efeito</p><p>estufa (FEARNSIDE, 2005c). [...]</p><p>Atividades</p><p>1. Considere a construção de um shopping center em um bairro residencial de uma ci-</p><p>dade, próximo a um manguezal. O objetivo do grupo responsável pelo empreen-</p><p>dimento é revitalizar o bairro com um grande shopping, com o argumento de que</p><p>isso aumentaria o fluxo e até a segurança local. A população está receosa por causa</p><p>de uma possível mudança na rotina. Imagine-se como integrante da equipe que vai</p><p>elaborar o EIA/RIMA do empreendimento. Elenque os principais pontos a serem</p><p>observados nesse estudo.</p><p>2. Após a sua inauguração, o mesmo shopping não teve o fluxo de pessoas esperado,</p><p>configurando-se como um “elefante branco”. Esse seria um quadro previsível, se-</p><p>gundo a natureza do estudo? Quais as alternativas para essa situação, que deveriam</p><p>aparecer em um EIA/RIMA?</p><p>3. Depois de algum tempo, aparecem rachaduras no shopping, que sofre constantes re-</p><p>formas. A população local diz que a construção tende a cair em algum momento,</p><p>enquanto os empreendedores dizem que tudo está sob controle. Essas rachaduras</p><p>configuram uma falha no Estudo de Impacto Ambiental? Explique.</p><p>Referências</p><p>BACHTOLD, Felipe. Prédios mais altos do país cobrem o sol em Balneário Camboriú (SC). Folha de</p><p>S. Paulo, São Paulo, 27 dez. 2015. Disponível em: <http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/</p><p>1723364-predios-mais-altos-do-pais-cobrem-o-sol-em-balneario-camboriu-sc.shtml>. Acesso em: 12</p><p>mar. 2017.</p><p>BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,</p><p>seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União,</p><p>Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>.</p><p>Acesso em: 13 mar. 2017.</p><p>______. Resolução Conama n. 01, de 23 de janeiro de 1986. Dispõe sobre os critérios básicos e as dire-</p><p>trizes para uso e implementação da Avaliação de Impacto Ambiental como um dos instrumentos da</p><p>Política Nacional do Meio Ambiente. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 17 fev. 1986. Disponível</p><p>em: <http://www.mma.gov.br/port/conama/res/res86/res0186.html>. Acesso em: 15 mar. 2017.</p><p>http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/1723364-predios-mais-altos-do-pais-cobrem-o-sol-em-balneario-camboriu-sc.shtml</p><p>http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2015/12/1723364-predios-mais-altos-do-pais-cobrem-o-sol-em-balneario-camboriu-sc.shtml</p><p>Estudo de impactos ambientais</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>8</p><p>117</p><p>FEARNSIDE,</p><p>Philip. Gases de efeito estufa no EIA-RIMA da hidrelétrica de Belo Monte. Novos</p><p>Cadernos NAEA, v. 14, n. 1, out. 2011.</p><p>FERNANDEZ, F. A. dos S. O poema imperfeito: crônicas de Biologia, conservação da natureza, e seus</p><p>heróis. 2. ed. Curitiba: Ed. da UFPR, 2004.</p><p>IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo 2000: Indicadores de desenvolvimen-</p><p>to sustentável – disposição de resíduos sólidos urbanos. Disponível em: <http://www.Ibge.gov.br>.</p><p>Acesso em: 15 mar. 2017.</p><p>______. Pesquisa nacional de saneamento básico – 2000. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br/</p><p>ibgeteen>. Acesso em: 15 mar. 2017.</p><p>MUCELIN, Carlos Alberto; BELLINI, Marta. Lixo e impactos ambientais perceptíveis no ecossistema</p><p>urbano. Sociedade &Natureza, v. 20, n. 1, p. 111-124, 2008.</p><p>MÜLLER-PLANTENBERG, Clarita; AB’SABER, Aziz Nacib (Org.). Previsão de impactos. São Paulo:</p><p>Edusp, 2006.</p><p>OTT, C. Gestão pública e políticas urbanas para cidades sustentáveis: a ética da legislação no meio</p><p>urbano aplicada às cidades com até 50.000 habitantes. Florianópolis, 2004. 198p. Dissertação (Mestrado</p><p>em Engenharia de Produção) – Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2004.</p><p>RICKLEFS, R. E. A economia da natureza. 3. ed. Trad. Cecília Bueno. Rio de Janeiro: Guanabara</p><p>Koogan, 1996.</p><p>SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2015.</p><p>TAUK-TORNISIELO et al. Análise ambiental: estratégias e ações. São Paulo: T. A. Queiroz; Fundação</p><p>Salim Farah Maluf, 1995.</p><p>Resolução</p><p>Os exercícios propostos se referem a uma situação real, que aconteceu no município</p><p>de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro (RJ). As perguntas feitas são</p><p>questionamentos que deveriam ter sido feitos à época; dessa forma, as respostas se</p><p>referem ao que deveria ter sido seguido na situação do shopping.</p><p>1. Como se trata de uma área residencial, uma das primeiras preocupações deve ser</p><p>com a população local e o seu nível de aceitação. Em seguida, deve ser condiderada</p><p>a infraestrutura de energia, telefonia etc.; o transporte público também deve ser ava-</p><p>liado, quanto à demanda para os funcionários e os futuros clientes, além da largura</p><p>das ruas e das condições do asfalto, para suportarem a entrada e saída de caminhões</p><p>no período de construção.</p><p>O especialista deve verificar também a presença de algum hospital ou escola na re-</p><p>gião, pois, por ser uma área residencial, o barulho da obra não pode ocorrer o dia</p><p>todo, e, caso haja hospitais ou escolas, isso fica ainda mais difícil. A iluminação e a</p><p>segurança também têm de ser observadas.</p><p>O ambiente natural é próximo a um manguezal, então o especialista deve observar</p><p>se será necessário construir rodovias ou estradas nesse bioma. Deve-se analisar a</p><p>Estudo de impactos ambientais8</p><p>Biogeografia e impactos ambientais118</p><p>profundidade e qualidade do solo, além da fauna e das pessoas que vivem do man-</p><p>gue, os quais podem ser impactados com a construção do shopping.</p><p>2. Sim, seria um quadro previsível, por se tratar de um bairro residencial. Pesquisas po-</p><p>dem ser feitas diretamente com a população a fim de verificar a demanda existente</p><p>para esse empreendimento na localidade.</p><p>A alternativa para a falta de público pode ser o investimento em atividades que</p><p>reflitam o gosto da população local, com preços acessíveis, e atendimento a uma</p><p>necessidade local, como centro médico, programas de qualidade de vida etc.</p><p>3. Sim, configuram uma falha. Por estar próximo a um manguezal, o solo tende a ser</p><p>muito úmido e o peso do shopping tende a acomodar os sedimentos. Dessa forma,</p><p>haverá movimentação da estrutura, ocasionando rachaduras. Isso deveria estar pre-</p><p>visto no Estudo de Impacto Ambiental, no tópico que estuda os solos da região e sua</p><p>adequação ao empreendimento.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 119</p><p>9</p><p>Avaliação do impacto</p><p>ambiental</p><p>A elaboração do Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) depende de uma</p><p>série de fatores internos e externos ao projeto. Neste capítulo veremos como construir</p><p>um estudo, desde a formulação de hipóteses até a sua dimensionalidade. Os tópicos</p><p>aqui apresentados não devem ser tratados como um manual, mas sim como um guia</p><p>de construção que ressalta os pontos principais que um EIA/RIMA precisa conter,</p><p>devendo ser lido de forma flexível quanto à importância dada a cada um deles, de</p><p>acordo com a especificidade de cada empreendimento. No entanto, todos os tópicos</p><p>elencados no capítulo devem fazer parte da construção do estudo.</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais120</p><p>9.1 Formulação de hipóteses, identificação das</p><p>causas do impacto e análise das consequências</p><p>9.1.1 Formulação de hipóteses</p><p>A primeira coisa a ser feita na elaboração de um EIA/RIMA é a formu-</p><p>lação de hipóteses sobre quais seriam os impactos sofridos em um dado</p><p>ambiente. A equipe pode usar análises comparativas de outros trabalhos da</p><p>mesma linha ou a sua própria experiência para fazer as previsões, além de empregar traba-</p><p>lho de campo (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>O trabalho de campo é uma atividade fundamental para formulação de hipóteses, pois</p><p>por meio dele se tem contato com a área a ser estudada, identificando a dinâmica local. É</p><p>importante que esse trabalho seja preparado para que a maior parte da equipe multidiscipli-</p><p>nar compareça, pois a região deve ser observada sob olhares técnicos distintos, em que cada</p><p>profissional é responsável por apreender o aspecto fundamental da sua área na localidade</p><p>(MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006).</p><p>De volta ao gabinete, os profissionais devem fazer um cruzamento de informações</p><p>entre o que foi observado em campo e os estudos técnicos e oficiais da área. Nesse ponto, o</p><p>uso de mapas topográficos se faz necessário, para uma visão mais abrangente do local, além</p><p>da observação de aspectos físicos, como a geomorfologia da região, a hidrografia, as cons-</p><p>truções etc. No Brasil, esse tipo de mapa pode ser obtido na Fundação Instituto Brasileiro de</p><p>Geografia e Estatística (IBGE) ou com o Exército brasileiro. Mapas temáticos também devem</p><p>ser utilizados, para verificar o tipo de solo, seu uso e cobertura etc. É importante verificar</p><p>a disponibilidade desses dados com a prefeitura local, mas, caso não estejam disponíveis,</p><p>pode ser necessário gerá-los.</p><p>Após a caracterização da área, com base no empreendimento a ser construído, os téc-</p><p>nicos devem comparar o que obtiveram com outros estudos feitos na mesma linha. É uma</p><p>etapa importante, pois a busca de estudos similares pode auxiliar não apenas a predição</p><p>de impactos, como também para verificar como o órgão público tende a apreciar o estudo,</p><p>assim como a sua repercussão. Um cuidado importante nessa etapa é a busca por fontes de</p><p>pesquisa. O ideal é que elas sejam buscadas nos sites de órgãos oficiais que atuam direta-</p><p>mente com o assunto em questão. Estudos adquiridos em outros canais podem estar erra-</p><p>dos ou até mesmo serem tendenciosos, como documentos presentes em sites de empresas</p><p>(SÁNCHEZ, 2015), visto que elas podem ter adulterado os estudos em benefício próprio.</p><p>Outra questão importante é que os membros da equipe devem ter familiaridade com</p><p>o tema e, por isso, ela precisa ser montada com cuidado. A figura de um coordenador é</p><p>necessária, pois é preciso ter alguém que guie os estudos da equipe, organize todos os co-</p><p>nhecimentos e elabore o texto da hipótese (que é um quadro de previsão de riscos), baseado</p><p>em tudo o que foi estudado.</p><p>Vídeo</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>121</p><p>9.1.2 Identificação das causas do impacto</p><p>O impacto ambiental é causado por um conjunto de ações que tem por objetivo colocar</p><p>em prática um empreendimento. O EIA/RIMA é elaborado quando a atividade em ques-</p><p>tão é de grande porte e envolve alteração no ambiente, seja ela física, cultural, social ou</p><p>econômica. Portanto, identificar as causas do impacto envolve conhecer a técnica utilizada</p><p>na implementação do projeto, assim como todos os estudos técnicos efetuados (MÜLLER-</p><p>PLANTENBERG; AB’SÁBER, 1994).</p><p>Não é papel da equipe responsável pelo EIA/RIMA realizar estudos preliminares de</p><p>ordem técnica, como verificação de características pedológicas, elaboração de projeto, técni-</p><p>cas implementadas, viabilidade etc. Esses materiais devem ser produzidos na parte inicial</p><p>do projeto pela empresa responsável e interessada em realizar o empreendimento. Todos</p><p>os estudos, documentos, mapas e materiais de interesse da equipe multidisciplinar que vai</p><p>realizar o EIA devem ser fornecidos por quem realiza o projeto. Em situações específicas,</p><p>alguns estudos não existentes podem ser solicitados. É importante que o profissional que</p><p>irá elaborar o EIA esteja ciente de que o seu trabalho consiste em fazer um estudo avaliativo</p><p>das consequências futuras, e não a construção de um arcabouço documental para liberação</p><p>do projeto, que é responsabilidade do empreendedor em questão.</p><p>De posse dos documentos necessários para a análise, a equipe responsável pela elabo-</p><p>ração do estudo deve avaliar as técnicas implementadas e suas consequências. Isso varia de</p><p>acordo com o projeto em análise, pois cada empreendimento terá um conjunto de técnicas</p><p>específicas a serem colocadas em ação. Por isso, a equipe montada para realizar o estudo</p><p>deve contar com profissionais que estejam capacitados e ambientados na área de atuação do</p><p>empreendimento (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>Por exemplo, os profissionais selecionados para estudar os impactos da instalação de</p><p>uma mina não podem ser os mesmos escolhidos para avaliar os impactos da construção de</p><p>um shopping center. São atividades de natureza diferente, ainda que as formações de alguns</p><p>profissionais sejam na mesma área. O engenheiro civil responsável pela parte técnica da</p><p>construção da mina deverá ter conhecimentos específicos desse empreendimento, traba-</p><p>lhando com geólogos, considerando os impactos sociais e econômicos da instalação da mina</p><p>e de sua derradeira desativação. Um quadro diferente daquele enfrentado pelo engenheiro</p><p>civil que deve avaliar as consequências da instalação do shopping center e sua perturbação,</p><p>pois há impactos sociais e econômicos de ordens distintas.</p><p>A identificação das causas do impacto, portanto, deve ser feita por profissionais com</p><p>certa experiência ou preparação técnica na especificidade da ação a ser implementada, co-</p><p>nhecendo as técnicas e suas consequências. Cada projeto envolverá um conjunto de ações</p><p>sistematizadas, e, para isso, a equipe responsável pelo estudo deverá ter todas as ações de-</p><p>vidamente elencadas, como um roteiro a ser seguido, para a execução do projeto. A partir</p><p>dessas ações determinadas, a equipe de avaliadores identificará ponto a ponto os impactos</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais122</p><p>envolvidos e, ao final, observará os impactos de caráter sistêmico, aqueles que envolvem um</p><p>conjunto de ações.</p><p>9.1.3 Análise das consequências</p><p>Efetuados os estudos preliminares e as aproximações necessárias entre teoria e prática,</p><p>a equipe deve analisar as possíveis consequências e apresentá-las de forma clara e objetiva</p><p>no documento. Nessa etapa, não poderão ser aceitas dubiedades ou generalizações; a in-</p><p>formação da consequência de um impacto deve ser feita sem deixar dúvidas para o leitor,</p><p>mesmo que ele não tenha a capacitação técnica para entender a fundo o problema.</p><p>Descritas em tópicos e de maneira concisa, as consequências de um impacto podem ser</p><p>assim apresentadas (SÁNCHEZ, 2015):</p><p>• impacto visual;</p><p>• bloqueio de rotas escolares;</p><p>• contaminação do aquífero;</p><p>• crescimento na oferta de empregos.</p><p>Com visto, as consequências exemplificadas são concisas e autoexplicativas, podendo</p><p>ser facilmente entendidas. O estudo deverá oferecer um detalhamento desses impactos e de</p><p>como eles vão ocorrer. Não existe dubiedade em nenhum dos tópicos relacionados; quando</p><p>se lê “impacto visual”, por exemplo, tem-se a exata noção do que é apresentado. Assim, não</p><p>se deve deixar margens a interpretações, pois isso pode influenciar na qualidade do EIA</p><p>(MÜLLER-PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006).</p><p>Os impactos cumulativos, ou seja, aqueles que derivam de outros impactos e que só</p><p>podem ser previstos à medida que o estudo avança e a equipe consegue estimar um quadro</p><p>futuro de impactos possíveis, também devem constar no estudo. A presença de impactos</p><p>cumulativos é identificada por meio de uma análise sistêmica das ações.</p><p>9.2 Métodos de previsão de impactos</p><p>A metodologia de previsão de impactos faz parte do procedimento de</p><p>análise das ações implementadas e deve permitir à equipe responsável rea-</p><p>lizar um prognóstico futuro do ambiente, estimar a magnitude do impac-</p><p>to, fornecer informações para estudo das etapas subsequentes, assim como</p><p>gerar subsídios para medidas mitigadoras. A previsão de impactos segue</p><p>algumas premissas básicas que devem orientar a criação da metodologia que a equipe vai</p><p>utilizar, pois cada projeto tem sua especificidade e, portanto, métodos específicos (MÜLLER-</p><p>PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006). A seguir, relacionam-se cinco etapas que devem orien-</p><p>tar a metodologia de previsão de impactos:</p><p>• Escolha de indicadores: Os indicadores podem ser definidos como variáveis ou</p><p>parâmetros que fornecem uma interpretação de dados ambientais (SÁNCHEZ,</p><p>Vídeo</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>123</p><p>2015). É um termo amplo que pode ser utilizado em diversos campos das Ciências.</p><p>Nas Geociências, os indicadores nos fornecem informações para medir e acom-</p><p>panhar as mudanças no espaço físico causadas pela ação humana, como o asso-</p><p>reamento de rios, desmatamento, entre outras ações que, juntas, podem causar</p><p>impactos de diferentes magnitudes.</p><p>Os indicadores, no contexto aqui aplicado, referem-se aos impactos físicos e econômicos</p><p>no ambiente, como a mudança na demanda de bens e serviços, aumento dos processos erosi-</p><p>vos, interferência na topografia local, apenas para citar alguns exemplos. Ao escolher os indi-</p><p>cadores que vão trabalhar, os profissionais devem considerar a capacidade de monitoramento</p><p>desses indicadores para que possa ser avaliado um quadro antes e depois, se necessário.</p><p>• Escolha de como fazer a previsão: Utiliza-se de modelos matemáticos para criar</p><p>uma simplificação da realidade e estimar os impactos por meio de métodos esta-</p><p>tísticos e cálculos de probabilidade. A modelagem matemática depende de um</p><p>conhecimento avançado de matemática aplicada, já que o modelo ideal não existe,</p><p>pois o modelo muda para cada situação. A presença de profissionais familiariza-</p><p>dos com essas técnicas na equipe é fundamental para a criação de modelos ade-</p><p>quados a cada situação (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>Na elaboração do EIA/RIMA, os modelos matemáticos são amplamente aplicados. Eles</p><p>podem ser testados em ambientes computacionais para criar uma modelagem ambiental futu-</p><p>ra acerca dos possíveis impactos. Os cálculos estatísticos entram nesse processo, respaldando</p><p>a análise e evitando uma margem de erro grosseira. A escolha do modelo ideal para a aplica-</p><p>ção é parte fundamental do processo e a sua justificativa também deve constar no relatório.</p><p>• Validação do método: Quando não é possível utilizar um modelo matemático</p><p>existente, nem desenvolver um novo, há a possibilidade de adaptar um modelo</p><p>de outra situação similar e aplicá-lo. Nesse ponto, o modelo deve ser validado, por</p><p>meio da calibração do método e também da adaptação dos pressupostos do estudo</p><p>para a realidade modelada (SÁNCHEZ, 2015).</p><p>Caso não ocorra a validação do método, deve-se descartá-lo, buscar outro e validá-lo.</p><p>Cálculos estatísticos que buscam uma margem de erro definida podem ser utilizados para</p><p>definir o uso ou não de um modelo.</p><p>• Aplicação do método: De posse de todo o material, validado e com as informa-</p><p>ções de entrada preparadas, nesta etapa deve-se rodar o modelo matemático es-</p><p>colhido, junto dos dados coletados, e verificar os resultados. Essa fase geralmente</p><p>é feita utilizando-se um programa de computador (MÜLLER-PLANTENBERG;</p><p>AB’SÁBER, 2006).</p><p>• Análise e interpretação: Após a aplicação do modelo matemático,</p><p>a equipe terá</p><p>em mãos dados brutos para analisar. Essas informações devem ser estudadas com</p><p>muita atenção pelos membros da equipe técnica, individualmente, pois os dados</p><p>brutos não têm utilidade em um EIA/RIMA. A análise e a interpretação estão rela-</p><p>cionadas ao refinamento dos dados e a seu preparo para publicação.</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais124</p><p>Nesse ponto, uma condição numérica ou uma variável de probabilidade pouco impor-</p><p>tam para o produto final, pois eles devem ser lidos e vir acompanhados de uma explicação</p><p>fundamentada de seu real valor no impacto ambiental. Para isso, busca-se a experiência do</p><p>profissional especialista.</p><p>Outras formas de fazer a previsão de impactos existem e envolvem essencialmente a</p><p>comparação e a análise laboratorial (SÁNCHEZ, 2015). A primeira se refere à comparação</p><p>com situações semelhantes e que se tem conhecimento de um EIA já realizado. Ou seja,</p><p>comparam-se os casos buscando similaridades e implementa-se um estudo comparativo. O</p><p>segundo diz respeito a situações que podem ser reproduzidas em laboratório e estimadas,</p><p>como a capacidade do solo de reter determinado material, o nível de saturação etc. A mode-</p><p>lagem matemática, no entanto, consegue envolver todos esses fatores.</p><p>9.3 Importância e dimensionalidade dos impactos</p><p>Diversos elementos são importantes para a construção de um EIA/</p><p>RIMA e os seus usos variam quanto ao tipo de empreendimento estudado.</p><p>A espacialização das informações analisadas, no entanto, difere de outros</p><p>aspectos por ela se fazer presente em todos os estudos, independentemen-</p><p>te da especificidade (SÁNCHEZ, 2015). O uso da cartografia para estudar/</p><p>avaliar a dimensionalidade dos impactos ajuda a estabelecer o nível de sua importância nos</p><p>respectivos contextos sociais e ambientais.</p><p>Os mapas são documentos fundamentais para o planejamento de ações e a intepretação</p><p>de variáveis espaciais, os quais carregam alto nível de informação acerca das áreas represen-</p><p>tadas. Os mapas podem ser de dois tipos: topográfico e temático (RAISZ, 1969). O topográ-</p><p>fico apresenta o ambiente e tudo nele presente, utilizando de simbologia cartográfica para</p><p>representar feições específicas ou generalizadas, curvas de nível para variação topográfica</p><p>e gradícula de coordenadas para localização precisa. Já o temático particulariza uma dada</p><p>região, um fenômeno específico, ou seja, é o mapa que apresenta uma temática, não se preo-</p><p>cupando em representar tudo que se encontra na superfície do local (SLOCUM et al., 2009).</p><p>A escala dos mapas é um fator de grande importância no Brasil. Mapas com alto nível</p><p>de detalhes, na escala de 1:25.000 ou 1:10.000, não são facilmente encontrados no país e</p><p>sequer todo o território brasileiro está mapeado na escala de 1:50.000. Além disso, muitos</p><p>desses documentos são sigilosos, por tratar de áreas de enorme interesse, principalmente na</p><p>região costeira, e de propriedade do Exército, não sendo possível consultá-los.</p><p>O IBGE libera gratuitamente diversos mapas e malhas digitais (para processamento em</p><p>Sistemas de Informação Geográfica – SIGs), mas carece de cobertura e atualização de sua</p><p>base cartográfica. É comum encontrar, ainda hoje, documentos produzidos na década de</p><p>1960 que não foram atualizados. Isso ocorre devido ao alto custo do processo de mapeamen-</p><p>to, além do tempo elevado para a produção desse material (FITZ, 2008). O Brasil é um país</p><p>de dimensões continentais, e mapear todo esse território não é tarefa fácil.</p><p>Vídeo</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>125</p><p>Considerando que um bom planejamento e análise sempre serão baseados em uma vi-</p><p>são completa da área, com informações precisas acerca do que se tem, a equipe responsável</p><p>deve buscar as bases cartográficas oficiais, em uma escala que atenda sua necessidade. Se os</p><p>mapas necessários não forem encontrados, será necessário avaliar a viabilidade de mapear a</p><p>área. Esse procedimento, no entanto, vai aumentar o custo e o tempo necessário do projeto.</p><p>Outras ferramentas podem ser utilizadas na impossibilidade do uso de mapas, no en-</p><p>tanto, deve-se sempre buscar informações precisas e de fontes confiáveis. O uso da fotogra-</p><p>fia aérea para esse fim é fundamental, pois é uma técnica de elevada precisão geométrica. A</p><p>fotogrametria cartográfica é parte do processo de mapeamento de uma região e trata-se de</p><p>um dos produtos-base da construção de mapas topográficos (FITZ, 2008). Órgãos dos go-</p><p>vernos federal e municipais devem ter um catálogo de fotografias para consulta e confecção</p><p>de mapas, o qual, no entanto, deve ser atualizado de tempos em tempos, pois o espaço se</p><p>modifica continuamente.</p><p>Não sendo possível obter as fotografias com os órgãos do governo ou mesmo trabalhar</p><p>com fotografias atualizadas, os profissionais poderão realizar o trabalho contratando uma</p><p>empresa de aerofotogrametria. Atualmente essas empresas prestam serviços não apenas de</p><p>cobertura fotográfica da região, como também de mapeamento. É um serviço caro, pois</p><p>envolve aparato técnico, aeronave, piloto, processamento dos dados, além de depender de</p><p>condições climatológicas específicas para obtenção das imagens.</p><p>Outra alternativa é o uso de sensoriamento remoto. Essa técnica está relacionada aos</p><p>sistemas de nível orbital, os satélites, que geram imagens da Terra continuamente (LIU,</p><p>2007). É um serviço que tem tido maior demanda nos últimos anos, por conta da melhoria</p><p>na qualidade das imagens e do custo menor das imagens de satélite se comparadas às foto-</p><p>grafias. A precisão não é a mesma, as fotografias aéreas ainda são mais precisas geometri-</p><p>camente, inclusive por serem tiradas próximas à superfície. Os satélites estão mais distantes</p><p>e, com isso, sofrem mais variações quanto à sua órbita (posicionamento), além de terem de</p><p>lidar com o movimento constante e rápido da superfície terrestre.</p><p>No entanto, a correção das imagens de satélite é uma realidade e tem ficado mais preci-</p><p>sa a cada dia. Essa é uma área que se expande rapidamente com o desenvolvimento tecno-</p><p>lógico, e seu uso depende de diversos fatores, como a resolução espacial da imagem, a reso-</p><p>lução radiométrica, a resolução espectral e o tempo de revisita do satélite. Além disso, nem</p><p>todas as áreas da superfície podem ser registradas em imagem a todo momento, pois isso</p><p>depende da presença de nuvens, da condição da atmosfera, da data em que se deseja coletar</p><p>a imagem etc. (LIU, 2007). Alguns satélites já permitem o desvio de visão do sensor para</p><p>captar imagens de uma dada região, ainda que não estejam passando por ela. Esses satélites</p><p>são mais caros e o serviço depende da posição em que o equipamento estará no dia.</p><p>O Processamento Digital das Imagens (PDI) de satélite também deve ser feito por pro-</p><p>fissionais especializados. Envolve desde a correção geométrica e atmosférica da imagem até</p><p>a aquisição de informação e o processamento dos dados na forma de mapa, gráfico ou tabela</p><p>(LIU, 2007). É um serviço de alto custo, que envolve também o trabalho de campo, pois visi-</p><p>tas à área devem ocorrer para se ter maior precisão e fazer a correção geométrica da imagem.</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais126</p><p>O uso de veículos aéreos não tripulados (VANTs ou drones) ainda não é regulamentado</p><p>e também não existe uma técnica estabelecida cientificamente para o tratamento das ima-</p><p>gens provenientes desses aparelhos. O que significa dizer que, geometricamente, as imagens</p><p>de drones não são adequadas para análise ou mapeamento, ainda que o serviço seja ofere-</p><p>cido atualmente. Não existe, ainda, uma forma de aquisição e tratamento de imagens de</p><p>drones que permita imagens tão precisas quanto as da aerofotogrametria.</p><p>Apesar das dificuldades aqui descritas, a equipe responsável pelo EIA/RIMA não deve</p><p>descartar a utilização de mapas e imagens em seus trabalhos para ilustrar a dimensionali-</p><p>dade do fenômeno e trabalhar a sua importância. Assim, faz-se necessário que a equipe de-</p><p>libere sobre qual a melhor opção para uso em</p><p>seu estudo, considerando os custos, a rapidez</p><p>e a precisão do serviço.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>Análise Quantitativa de Risco de uma</p><p>unidade de recuperação de enxofre em uma</p><p>refinaria de petróleo</p><p>(DUARTE; DROGUETT, 2012, p. 23)</p><p>1. Introdução</p><p>Muitos são os acidentes industriais ocorridos nos últimos anos, devido ao</p><p>vazamento de substâncias perigosas (EEA, 2003; AMBRÓSIO e MOTHÉ,</p><p>2007). Mais recentemente, a explosão ocorrida na plataforma de petró-</p><p>leo Deepwater Horizon, da empresa Britsh Petroleum (BP), localizada no</p><p>Golfo do México, matou onze pessoas e causou o derramamento de 2,1 a</p><p>4,3 milhões de barris de petróleo no mar, sendo um dos maiores desastres</p><p>ambientais da história. Estima-se que 37 bilhões de dólares deverão ser</p><p>gastos pela BP, em despesas com limpeza, multas, reparos e indenizações.</p><p>Entretanto, este vazamento poderia ter sido evitado com a aquisição de</p><p>um equipamento de 500 mil dólares, capaz de vedar o poço, em caso de</p><p>acidente. As economias foram, portanto, mal calculadas, diante dos ris-</p><p>cos assumidos, resultando num prejuízo 74.000 vezes maior para BP, sem</p><p>contar a degradação da imagem da empresa e a perda de 67 bilhões de</p><p>dólares no valor de suas ações (BETTI e BARRUCHO, 2010).</p><p>Neste sentido, observa-se, atualmente, algumas dificuldades no que</p><p>diz respeito à quantidade necessária de recursos a serem investidos na</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>127</p><p>prevenção desses acidentes (CETESB, 2000). Surge, assim, a AQR, a qual</p><p>permite a quantificação dos riscos existentes em uma instalação, de forma</p><p>a fornecer base objetiva para a aceitação ou não dos riscos, bem como</p><p>para auxiliar na priorização e na decisão de escolha entre as diferentes</p><p>alternativas, para a redução dos riscos não aceitáveis (CALABRESE e</p><p>BALDWIN, 1993; HENLEY e KUMAMOTO, 1996; RIVM, 1999; AICHE,</p><p>2000; STAMATELATOS et al., 2002; CPR18E, 2005). Essas alternativas</p><p>podem ser avaliadas quantitativamente e comparadas entre si, de acordo</p><p>com os seus custos de implementação, através de uma análise custo-bene-</p><p>fício (AKÇAKAYA e SJÖGREN-GULVE, 2000). Entre outras vantagens da</p><p>realização de uma AQR, para acidentes industriais, estão (CAMACHO,</p><p>2004): permite identificar sistematicamente os riscos existentes, levando</p><p>a um melhor nível de preparação para emergências; é um processo ite-</p><p>rativo, de forma que novas informações podem ser incorporadas na aná-</p><p>lise, a fim de melhorar os resultados; pode ser usada para expressar as</p><p>mudanças nos impactos causados em função de mudanças em medidas</p><p>preventivas ou mudanças no projeto da instalação; fornece base numérica</p><p>para comunicar os riscos às partes interessadas.</p><p>Por sua vez, o crescimento da demanda por combustíveis influenciou no</p><p>aumento da quantidade e da capacidade de refinarias de petróleo, que</p><p>apresentam graves riscos em suas atividades. De acordo com Glickman et</p><p>al. (1992, apud SOUZA e FREITAS, 2002), as refinarias tiveram os maiores</p><p>índices de acidentes graves em indústrias de processo químico no mundo,</p><p>entre 1945 e 1989, com cinco ou mais óbitos. Os acidentes de refinaria cor-</p><p>respondem a 27% do total de eventos e 15% do total de vítimas (SOUZA</p><p>e FREITAS, 2002).</p><p>Em especial, uma das unidades fundamentais numa refinaria, a Unidade</p><p>de Recuperação de Enxofre (URE), concentra grandes quantidades de</p><p>uma substância altamente tóxica: o gás ácido (constituído em sua maioria</p><p>por H2S) (MEYERS, 2004; JONES e PUJADÓ, 2006). Vazamentos desta</p><p>substância podem resultar em mortes ou ocasionar lesões irreparáveis em</p><p>comunidades circunvizinhas à refinaria e comprometer a qualidade do</p><p>meio-ambiente em volta (EPA, 2003). A Análise Quantitativa de Riscos</p><p>(AQR) é, portanto, um elemento fundamental para quantificar os riscos</p><p>existentes na URE e, assim, fornecer base numérica e objetiva para as deci-</p><p>sões de gerenciamento de risco, a fim de tornar a unidade mais segura.</p><p>[...]</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais128</p><p>De acordo com a AICHE (2000), risco é uma combinação de evento, pro-</p><p>babilidade e consequências: uma medida de consequências a humanos e</p><p>meio ambiente e de perdas econômicas, em termos da probabilidade do</p><p>acidente e a magnitude das consequências. (AICHE, 2000).</p><p>Neste trabalho, estamos lidando com riscos tecnológicos, de forma que tal</p><p>“evento” citado por AICHE (2000), é entendido como um acidente tecnoló-</p><p>gico, i.e. eventos raros causados por falha de equipamentos e que podem levar</p><p>a consequências catastróficas (e.g., explosão, incêndio, vazamentos tóxicos).</p><p>O gestor de qualquer empresa deseja minimizar o risco, o que pode ser tra-</p><p>duzido em maximizar a probabilidade de sucesso, lucro ou qualquer tipo</p><p>de ganho. Neste sentido, quanto mais o gestor sabe sobre os potenciais</p><p>riscos, mais ele estará apto a lidar com eles (CAMPELLO, 2007). A análise</p><p>de riscos procura identificar os riscos em potencial e os seus impactos</p><p>(consequências). Assim, a AQR permite quantificar, através de modelos</p><p>matemáticos, os riscos identificados. Tem por objetivo principal servir</p><p>como base para a tomada de decisões relacionadas com a segurança tanto</p><p>da instalação, como de comunidades circunvizinhas e do meio-ambiente.</p><p>É um dos elementos fundamentais para um programa de gerenciamento</p><p>de riscos, permitindo que a alocação de recursos para a redução dos ris-</p><p>cos seja justificada (HENLEY e KUMAMOTO, 1996; RIVM, 1999; AICHE,</p><p>2000; CETESB, 2000; STAMATELATOS et al., 2002; CPR18E, 2005).</p><p>Além disso, há uma tendência de que estudos de análise de riscos sejam</p><p>incorporados nos processos de concessão ou renovação de licenciamento</p><p>ambiental no Brasil. Sugere-se que estes estudos passem a ser incorpora-</p><p>dos no EIA/RIMA, para licenciamento de atividades que lidam com gran-</p><p>des quantidades de substâncias perigosas, contemplando não só aspectos</p><p>relacionados com a poluição crônica, como também, a prevenção de aci-</p><p>dentes maiores (CETESB, 2000). [...]</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>129</p><p>Atividades</p><p>As imagens a seguir mostram a alteração no espaço causada pela construção do com-</p><p>plexo petroquímico da Petrobras (Comperj), no município de Itaboraí (RJ).</p><p>Figura 1 – Itaboraí (RJ) em 2004.</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor com satélite Landsat 7.</p><p>Figura 2 – Itaboraí (RJ) em 2016.</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor, com satélite Landsat 7.</p><p>Analisando criteriosamente as imagens, responda às questões a seguir:</p><p>1. Com base nas imagens, relacione algumas consequências do impacto causado pelo</p><p>Comperj e faça uma breve análise.</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais130</p><p>2. Considerando apenas essa análise visual da imagem, quais indicadores poderiam</p><p>ser adotados para previsão e acompanhamento dos impactos na região? Especifique.</p><p>3. Com base na interpretação das imagens e de informações pesquisadas sobre o pro-</p><p>jeto (para esse item, pode-se buscar notícias sobre o complexo na internet), avalie e</p><p>explique a dimensionalidade do impacto causado pelo Comperj.</p><p>Referências</p><p>BRASIL, Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,</p><p>seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União,</p><p>Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>.</p><p>Acesso em: 13 mar. 2017.</p><p>DUARTE, Heitor de Oliveira; DROGUETT, Enrique Andrés López. Análise Quantitativa de Risco de uma</p><p>unidade de recuperação de enxofre em uma refinaria de petróleo. Revista GEPROS, n. 2, p. 23, 2012.</p><p>FITZ, Paulo Roberto. Cartografia básica. São Paulo: Oficina de Textos, 2008.</p><p>LIU, William Tse Horng. Aplicações de sensoriamento remoto. São Paulo: Oficina de Textos, 2007.</p><p>MÜLLER-PLANTENBERG, Clarita; AB’SABER, Aziz Nacib (Org.). Previsão de impactos. São Paulo:</p><p>Edusp, 2006.</p><p>RAISZ, Erwin Josephus. Cartografia geral. Rio de janeiro: Científica, 1969.</p><p>SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2015.</p><p>SLOCUM, Terry A. et al. Thematic cartography and geovisualization. New York: Pearson, 2009.</p><p>Resolução</p><p>1. Algumas consequências são:</p><p>• Construção de rodovias</p><p>Este é um dos fatores mais evidentes, podendo ser observado nas imagens. Há</p><p>também a construção de uma malha viária para acesso de funcionários e para car-</p><p>ga e descarga de materiais. A malha viária construída tem destaque considerável,</p><p>mesmo sendo analisada nas imagens de satélite, pois são vias de grande porte</p><p>para que possam transitar caminhões carregando grandes estruturas.</p><p>Nesse ponto, cabe considerar o impacto no ambiente físico, não só na constru-</p><p>ção de rodovias, como também no aumento da perturbação sonora por causa do</p><p>trânsito, a qualquer hora do dia. Além disso, aumenta-se o risco de acidentes e</p><p>atropelamentos, não apenas para a população que vive na região, mas também</p><p>para a fauna local.</p><p>Avaliação do impacto ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>9</p><p>131</p><p>• Aumento da malha urbana</p><p>É o impacto mais previsível de todos, que se confirma ao analisar imagens de</p><p>datas distintas. A instalação de um empreendimento como o Comperj na região</p><p>de Itaboraí, que antes tinha um desenvolvimento discreto comparado aos muni-</p><p>cípios da região, causou um aumento considerável da malha urbana. Isso ocorre</p><p>porque um empreendimento desse tipo atrai comércios para atender os funcioná-</p><p>rios, além de outras indústrias que se instalam na região para atender a demanda</p><p>de materiais para construção e manutenção do complexo.</p><p>• Incremento demográfico</p><p>Está relacionado com o item anterior. Com a instalação de comércios e novas in-</p><p>dústrias na região, fica evidente o acréscimo demográfico. O aumento da malha</p><p>urbana implica, nesse caso, no aumento da população, que, consequentemente,</p><p>aumenta a demanda por serviços diversos, como escolas, hospitais, postos de saú-</p><p>de, restaurantes, cinema etc. A cada novo serviço/empreendimento instalado na</p><p>cidade, aumenta a demanda por funcionários, o que atrai pessoas de diversas</p><p>partes em busca de emprego e, gradativamente, cresce o número de pessoas que</p><p>se estabelecem na região.</p><p>Outros impactos derivam desse tópico, como a demanda geral por serviços de</p><p>necessidade básica, elevando os gastos da prefeitura e a infraestrutura para com-</p><p>portar um número maior de pessoas. Nesse caso, deve-se pensar nas condições de</p><p>transporte público, energia elétrica, saneamento básico etc.</p><p>• Impacto visual</p><p>O impacto visual também deve ser considerado, pois o Comperj muda a caracte-</p><p>rística da paisagem. O ambiente natural outrora existente ficará marcado para</p><p>sempre por uma estrutura de complexo químico, que vai desmatar e alterar o uso</p><p>do solo da região. A referência de Itaboraí se tornará o complexo, tendo em vista o</p><p>caráter de cidade pequena e a amplitude do projeto de uma grande empresa como</p><p>a Petrobras, que acaba por sobrepor a própria visão da cidade como referência es-</p><p>pacial. O impacto visual muda também as características da cidade, obrigando-a a</p><p>modificar sua estrutura física por conta das necessidades a serem atendidas pelos</p><p>funcionários e pelo próprio complexo.</p><p>2. Os principais indicadores a serem adotados nesse contexto seriam:</p><p>• Uso e cobertura do solo: pode ser acompanhado constantemente por imagens</p><p>de satélites atualizadas. É um indicador importante que pode mostrar se o</p><p>Avaliação do impacto ambiental9</p><p>Biogeografia e impactos ambientais132</p><p>crescimento da região está ocorrendo de forma ordenada ou desordenada, além</p><p>de auxiliar no planejamento e na gestão.</p><p>• Dados da economia local: esses dados são importantes para avaliar se o impacto</p><p>econômico está sendo benéfico ou não para o município. Deve-se avaliar a arreca-</p><p>dação de impostos e o lucro obtido pelo comércio local.</p><p>• Índices de emprego e desemprego: são importantes para avaliar se o empreen-</p><p>dimento e os serviços instalados são suficientes para empregar toda a população</p><p>existente e os indivíduos que chegam em busca de novas oportunidades.</p><p>• Ordenamento territorial: está relacionado ao monitoramento da expansão urba-</p><p>na, que pode ser feito por meio de dados de sensoriamento remoto ou de aerofo-</p><p>togrametria. O objetivo é avaliar se a estrutura física da cidade está comportando</p><p>o aumento demográfico.</p><p>É comum nas cidades que sediam grandes empreendimentos não haver estrutura</p><p>adequada para absorver novos moradores. Isso faz com que existam ocupações</p><p>em áreas irregulares, que podem trazer riscos para as pessoas que as ocupam</p><p>ou ocasionar a invasão de áreas privadas. O desordenamento da malha urbana</p><p>é reflexo da falta de preparo para receber pessoas de fora da cidade em número</p><p>elevado e em curto período de tempo.</p><p>3. O complexo é um projeto de grandes dimensões. O Comperj influenciou toda a re-</p><p>gião metropolitana do Rio de Janeiro, causando forte impacto econômico no esta-</p><p>do. As obras ainda não foram concluídas, mas a dimensionalidade é evidente, tanto</p><p>visualmente (com a análise das imagens) quanto a partir de outros índices, como</p><p>investimentos do governo estadual em infraestrutura e a instalação de grandes em-</p><p>presas e universidades na região.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 133</p><p>10</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>A elaboração de um plano de gestão ambiental faz parte do processo de construção</p><p>de um Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA). Tão importante quanto prever os</p><p>impactos causados e fazer a análise de risco do projeto, é definir como gerir o ambiente</p><p>no período de instalação do empreendimento. A gestão envolve etapas que vão desde</p><p>o período de estudos iniciais até após a construção do plano, com o acompanhamento</p><p>do projeto em atividade. Este capítulo vai trabalhar os conceitos e as técnicas funda-</p><p>mentais para o desenvolvimento de um bom plano de gestão ambiental.</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais134</p><p>10.1 Prevenção de riscos e medidas</p><p>compensatórias</p><p>10.1.1 Prevenção de riscos</p><p>Alguns estudos de impacto ambiental acompanham uma análise deta-</p><p>lhada de risco, um estudo à parte que avalia os impactos previstos e os riscos</p><p>reais inerentes e auxilia na construção de medidas mitigadoras. Atualmente,</p><p>o EIA/RIMA é também um instrumento necessário para que se faça a gestão dos riscos de</p><p>um dado empreendimento, atividade considerada fundamental em um mundo cada vez</p><p>mais habituado e integrado ao discurso sustentável (SÁNCHEZ, 2013).</p><p>O estudo dos riscos deve ser entendido diferentemente da previsão dos impactos.</p><p>Quando tratamos de previsão de impactos, isso envolve um conjunto de ações que, ocorren-</p><p>do sob certas condições, dão origem ao que se chama impacto, enquanto o estudo dos riscos</p><p>se refere ao grau de incerteza, à possibilidade de um determinado impacto ocorrer ou não.</p><p>Por exemplo, após determinar os possíveis impactos de um empreendimento, alguns são</p><p>classificados como certos (existe uma certeza de ocorrência) e outros são incertos (dependem</p><p>de um conjunto de fatores). Essa certeza ou incerteza está relacionada ao risco, que pode</p><p>ser maior ou menor, assim como o impacto é certo ou incerto (e, nesse caso, ainda existem</p><p>aqueles que têm maior ou menor probabilidade de acontecer).</p><p>O estudo dos riscos em um projeto irá resultar em propostas para sua redução ou gestão,</p><p>compondo um plano de gestão ambiental que deve fazer parte do EIA/RIMA. Esse plano é</p><p>um conjunto de medidas mitigadoras que têm por objetivo minimizar o impacto das ativi-</p><p>dades humanas sobre o ambiente, preservando-o ao máximo (MÜLLER-PLANTENBERG;</p><p>AB’SABER, 2006).</p><p>As atividades voltadas para a gestão ambiental estão classificadas de duas formas: o</p><p>gerenciamento de riscos e as ações de emergência. O gerenciamento de riscos deve desen-</p><p>volver medidas para evitar qualquer acidente ambiental. Geralmente, quem faz esse tipo</p><p>de planejamento são as grandes empresas, com empreendimentos de grandes proporções,</p><p>como uma plataforma de petróleo ou uma usina nuclear; enquanto na primeira deve-se</p><p>gerenciar os riscos de vazamento de petróleo nas tubulações, na segunda é preciso se preo-</p><p>cupar com o armazenamento</p><p>e a proteção dos resíduos tóxicos. As ações de emergência são</p><p>atividades planejadas para serem colocadas em prática quando ocorre algo fora do controle,</p><p>um acidente, como o rompimento de um duto de petróleo ou o vazamento de resíduos tó-</p><p>xicos das usinas.</p><p>Um plano de emergência deve envolver a comunidade local, identificando comporta-</p><p>mentos, rotas de fuga, dificuldades de deslocamento de algum morador, entre outros. É de</p><p>responsabilidade da equipe de profissionais elaborar estudos que zelem pelo bem-estar da</p><p>população (SÁNCHEZ, 2013).</p><p>Vídeo</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>10</p><p>135</p><p>10.1.2 Medidas compensatórias</p><p>Na elaboração de um EIA, quando os impactos instantâneos e posteriores já estão defi-</p><p>nidos, o estudo deve apontar medidas compensatórias para a região. Entende-se por medidas</p><p>compensatórias ações que tentam diminuir o tamanho do impacto ambiental. Não é uma in-</p><p>denização (SÁNCHEZ, 2013), mas sim ações implementadas diretamente no ambiente para</p><p>a redução desse impacto.</p><p>Uma medida compensatória pode ser, por exemplo: a construção de um túnel para não</p><p>demolir um aclive; a preservação de uma parcela do terreno para conservar uma vegetação</p><p>específica; a construção de tanques para a criação de algumas espécies de peixes cujo habitat</p><p>inevitavelmente será eliminado etc. Diante de eventos inevitáveis de um empreendimento,</p><p>medidas devem ser aplicadas na mesma proporção que o impacto previsto.</p><p>Das medidas compensatórias, as mais proeminentes são aquelas que têm por objetivo</p><p>mitigar a perda de um habitat de uma espécie. Esse tipo de impacto é bastante nocivo, pois</p><p>algumas espécies de fauna e flora existem em um ambiente específico e por causa de con-</p><p>dições ambientais específicas. A compensação, nesse caso, deve encontrar ou reproduzir</p><p>outro habitat para que essa espécie seja reinserida no ambiente e não desapareça totalmente.</p><p>Instalação de hidrelétricas, por exemplo, inundam habitats inteiros, sendo necessária a cole-</p><p>ta de alguns espécimes para transporte e preservação em área com condições parecidas. A</p><p>compensação com a perda de habitats não é tão fácil, pois enfrenta resistência das espécies e</p><p>depende de sua adaptação, o que muitas vezes não ocorre.</p><p>Ainda no caso das hidrelétricas, o ser humano também tem de se adaptar, em alguns</p><p>casos, pois para elas serem construídas muitas vezes inundam-se aldeias e comunidades in-</p><p>teiras. A remoção de um grupo de pessoas de um lugar a outro envolve aspectos culturais e</p><p>de identidade local, questões abstratas importantes, mas que são indubitavelmente perdidas</p><p>com a instalação do empreendimento. Esse tipo de impacto é um dos mais difíceis de ser</p><p>compensado, considerando-se que, muitas vezes, ainda que pese na perda de uma cultura</p><p>local e identidade, a instalação da hidrelétrica é colocada como de interesse nacional e se</p><p>sobrepõe a essas questões, obrigando a população local a se mudar, ainda que a adaptação</p><p>a outros locais não ocorra.</p><p>Todavia, as medidas compensatórias, de um modo geral, referem-se a impactos de na-</p><p>tureza ecológica. No âmbito nacional, existe o consenso de que algumas medidas devem</p><p>servir como guia para a construção de compensação (SÁNCHEZ, 2013):</p><p>• Deve-se buscar uma equivalência entre o habitat impactado e a compensação.</p><p>• A proporcionalidade entre o dano causado e a compensação deve ser equivalente</p><p>ou superior, sendo preferível a última.</p><p>• As medidas devem preferencialmente repor ou substituir os componentes afetados.</p><p>• As medidas devem ser implementadas preferencialmente em áreas conectadas es-</p><p>pacialmente com a área afetada, ou na mesma bacia hidrográfica.</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais136</p><p>No Brasil, para o caso de áreas de preservação permanente (APP), existe a Lei Federal</p><p>n. 12.651, de 25 de maio de 2012 (BRASIL, 2012), que regula as atividades nesses ambientes.</p><p>Quando o impacto ocorre em área de Mata Atlântica, desmatando-a, devem ser observados</p><p>a Lei Federal n. 11.428, de 22 de dezembro de 2006 (BRASIL, 2006), e o Decreto n. 6.660, de</p><p>21 de novembro de 2008 (BRASIL, 2008), que dispõem sobre as atividades implementadas</p><p>nesse bioma e tratam dos mecanismos e do tipo de compensação adequados a essas áreas.</p><p>Entre outras questões, a legislação citada aborda o tipo de vegetação a ser utilizada para re-</p><p>posição de um ambiente impactado, quando a eliminação de espécies nativas for inevitável</p><p>e a reposição pelas mesmas espécies não for possível.</p><p>10.2 Impactos benéficos, monitoramento e gestão</p><p>ambiental</p><p>10.2.1 Impactos benéficos</p><p>A implantação de um empreendimento pode acarretar alterações consi-</p><p>deradas benéficas à comunidade, em geral associadas a questões econômicas</p><p>e de ordem social. O impacto benéfico é incerto, pois depende de diversos</p><p>aspectos, às vezes externos ao projeto, que melhoram a estrutura física e o acesso a serviços e</p><p>empregos para a população local. Mas é importante frisar que os benefícios são para a socie-</p><p>dade e não estão relacionados às questões ecológicas, pois o meio ambiente não se beneficia</p><p>do impacto causado, uma vez que a economia é indiferente ao seu ciclo de vida (MÜLLER-</p><p>PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006).</p><p>O impacto econômico é o maior benefício e, muitas vezes, a maior justificativa utilizada</p><p>para a implantação de um empreendimento. Alguns exemplos são notáveis em nosso coti-</p><p>diano. O complexo petroquímico da Petrobras, o Comperj, teve como principal justificativa</p><p>para sua implantação o impacto econômico na cadeia de produção de petróleo, além da</p><p>geração de empregos para a população local e a melhoria da infraestrutura da região.</p><p>O impacto benéfico da instalação de uma hidrelétrica é a geração de energia para os</p><p>grandes centros urbanos. Com uma demanda cada vez maior por energia elétrica, conse-</p><p>quência do desenvolvimento tecnológico e do aumento da população mundial, a geração</p><p>de mais energia é indispensável para que as atividades cotidianas que ditam a dinâmica</p><p>econômica de uma região estejam em pleno funcionamento. Apesar do enorme impacto</p><p>ambiental, a geração de energia é assumida como impacto benéfico e principal argumento</p><p>para realização desse tipo de projeto.</p><p>Os benefícios resultantes só serão possíveis se existir intervenção do poder público.</p><p>Cabe ao governo construir vias de acesso, permitir a integração de transportes e incentivar a</p><p>instalação de empresas no ambiente. A criação de atrativos na cidade para a manutenção do</p><p>fluxo econômico também é necessária, a fim de se evitar que a população se desloque para</p><p>outros municípios em busca de distração, promovendo um movimento pendular constante.</p><p>Vídeo</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>10</p><p>137</p><p>Dessa forma, entende-se que os impactos benéficos estão mais relacionados a agentes ex-</p><p>ternos ao projeto do que diretamente à instalação do empreendimento. Por tudo isso, são</p><p>resultados incertos, mas que devem ser considerados na elaboração do EIA/RIMA.</p><p>10.2.2 Monitoramento</p><p>Após estabelecidos os impactos oriundos do projeto, deve-se traçar um plano de mo-</p><p>nitoramento no caso de o projeto ser efetivamente implantado. A maior parte das regu-</p><p>lamentações exige que um plano de monitoramento faça parte do EIA, pois ele permitirá</p><p>uma análise contínua da proporção dos impactos, sendo um mecanismo de controle dos</p><p>órgãos governamentais para que o projeto mantenha o nível de controle previsto no estudo</p><p>(SÁNCHEZ, 2013).</p><p>O monitoramento deve estar presente em todas as etapas do projeto, podendo ser divi-</p><p>dido em pré-operacional, operacional e pós-operacional. A etapa pré-operacional engloba os</p><p>estudos de base, que dão origem ao EIA e acontecem antes da implantação do projeto; a eta-</p><p>pa operacional é feita durante a implementação do projeto, certificando-se de que todos os</p><p>mecanismos previstos no EIA sejam seguidos; e a etapa pós-operacional trata dos impactos</p><p>residuais após a implantação do projeto, os quais podem acontecer em um prazo maior</p><p>e dependem de um monitoramento contínuo das atividades (SÁNCHEZ,</p><p>2013; MÜLLER-</p><p>PLANTENBERG; AB’SÁBER, 2006).</p><p>O monitoramento deve envolver indicadores econômicos, sociais e os aspectos físicos</p><p>do ambiente. Não é uma forma de controle geral da atividade, mas um controle dos estudos</p><p>e uma análise comparativa constante entre os impactos causados e os previstos, além da</p><p>identificação de qualquer impacto que extrapole as medidas inicialmente previstas.</p><p>O plano de monitoramento deve ser sempre compatível ao projeto, nem maior, nem</p><p>menor. Deve-se atentar para que seja seguido um raciocínio lógico, investigando os mes-</p><p>mos aspectos nas diferentes etapas de monitoramento, ou seja, investiga-se no operacional o</p><p>avanço das características averiguadas no pré-operacional. Dessa forma, é correto dizer que</p><p>os parâmetros a serem monitorados se mantêm iguais durante todo o projeto, definindo-se</p><p>com cuidado os períodos de coleta de dados para análise e a metodologia implementada em</p><p>todas as etapas.</p><p>10.2.3 Gestão ambiental</p><p>Parte importante e fundamental de um EIA, o plano de gestão ambiental deve ser elabo-</p><p>rado com todo o rigor técnico-científico necessário, seguindo a estrutura tradicional de obje-</p><p>tivos, metodologia aplicada e, principalmente, um cronograma (MÜLLER-PLANTENBERG;</p><p>AB’SÁBER, 2006). A gestão ambiental trata de medidas fundamentais para aprovação do pro-</p><p>jeto e não deve permear o campo hipotético; assim, precisa envolver ações que não apenas</p><p>sejam factíveis, mas que tenham período certo de implementação durante a prática do projeto.</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais138</p><p>O plano de gestão ambiental deve ser construído com base em dois aspectos importan-</p><p>tes. O primeiro é resultante dos impactos até então previstos no EIA (SÁNCHEZ, 2013), isto</p><p>é, o conjunto de fatores que vai propor determinada ação com consequências identificadas,</p><p>com reação prevista e devidamente planejada – e isso é o que se espera do plano de gestão.</p><p>Outro aspecto importante é a experiência do profissional, integrante da equipe, que já es-</p><p>tudou situações semelhantes. Atualmente é difícil dizer que qualquer empreendimento seja</p><p>inédito; o ineditismo pode até existir em uma perspectiva geral, mas aspectos específicos</p><p>podem apresentar semelhanças com outros estudos anteriormente realizados. Essa compa-</p><p>ração deve ser feita e fortemente considerada no planejamento.</p><p>Os órgãos governamentais e, principalmente, a população interessada, por meio das</p><p>consultas públicas que fazem parte do projeto, podem incrementar o plano de gestão com</p><p>solicitações e questionamentos. Desse modo, o plano de gestão ambiental não é elaborado</p><p>apenas pelo corpo técnico que prepara o EIA/RIMA, pois conta com a participação de atores</p><p>externos ao projeto, mas que são afetados direta ou indiretamente por ele e devem ser ouvi-</p><p>dos e considerados para que o planejamento não deixe margem a questionamentos futuros.</p><p>A Figura 1, a seguir, sintetiza as etapas de construção de um EIA/RIMA, desde as informa-</p><p>ções gerais do projeto até a elaboração do plano de gestão ambiental.</p><p>Figura 1 – Etapas de um EIA/RIMA.</p><p>Informações</p><p>gerais</p><p>Características do</p><p>empreendimento</p><p>Área de</p><p>influência</p><p>Medidas com-</p><p>pensatórias</p><p>Análise dos</p><p>impactos Diagnóstico</p><p>Monitoramento Plano de</p><p>gestão ambiental RIMA</p><p>Fonte: Elaborada pelo autor.</p><p>O sucesso da gestão ambiental reside no planejamento bem-feito, considerando todos</p><p>os fatores envolvidos em todas as fases, além de ser bem fundamentado do ponto de vista</p><p>técnico. Além disso, é necessário haver uma garantia de recursos financeiros, a qual, ge-</p><p>ralmente, não segue a mesma proporção empregada para colocar o empreendimento em</p><p>prática. Esse é o maior obstáculo enfrentado pelos especialistas.</p><p>10.3 Componentes de um planejamento</p><p>Conforme dito anteriormente, a estrutura de um planejamento deve seguir</p><p>a elaboração de um projeto, tendo como base os objetivos, a metodologia e o cro-</p><p>nograma. De modo geral, a estrutura é sempre a mesma, independentemente</p><p>Vídeo</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>10</p><p>139</p><p>das características específicas do projeto em questão. A Figura 2 sintetiza os componentes de um</p><p>planejamento, na ordem em que devem ser apresentados:</p><p>Figura 2 – Componentes de um planejamento.</p><p>Título</p><p>Conteúdo resumido</p><p>Objetivo</p><p>Indicadores para análise</p><p>Resultados esperados</p><p>Cronograma</p><p>Responsáveis</p><p>Fonte: SÁNCHEZ, 2013.</p><p>Como se trata de um documento de ordem técnica, alguns padrões devem ser seguidos</p><p>em sua construção. A seguir, são apresentados cada um dos componentes detalhadamente,</p><p>buscando especificar o que é esperado em um documento técnico.</p><p>Título</p><p>O que se espera no título, e em todo o documento, é objetividade, não dando margem a</p><p>mais de uma interpretação. O título deve resumir os principais pontos abordados no texto,</p><p>como o objetivo, o impacto causado e a região de estudo.</p><p>Um planejamento que tem por objetivo controlar o desmate da Mata Atlântica no Rio de</p><p>Janeiro, por exemplo, deve conter em seu título exatamente essa informação: Programa de</p><p>controle do desmate da Mata Atlântica no Estado do Rio de Janeiro. O título, portanto, deve</p><p>expor de forma simplificada o conteúdo do documento a ser lido.</p><p>Objetivo</p><p>O objetivo do planejamento deve ser único e, diferentemente do que ocorre na estrutura</p><p>de um trabalho científico, não deve ser dividido em objetivos geral e específicos. O objetivo</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais140</p><p>deve ser escrito, preferencialmente, em uma única frase, referindo-se a uma ação e não a es-</p><p>tudos ou métodos. Assim, ele precisar ser muito bem definido e estar de acordo com o título,</p><p>porém com pouco mais de abrangência.</p><p>Resultados</p><p>Nesse tópico são abordados os resultados esperados com o planejamento. Faz-se uma</p><p>estimativa e uma predição dos resultados que podem ser obtidos a partir das ações imple-</p><p>mentadas em um contexto específico. Os resultados podem ser diversos, não existindo um</p><p>limite para sua elaboração; todavia, devem ser factíveis e não um quadro inatingível diante</p><p>dos impactos analisados.</p><p>A apresentação dos resultados pode ser feita em texto, distribuído em parágrafos, ou em</p><p>tópicos organizados como uma lista, contendo também uma breve explicação quando necessá-</p><p>rio. A apresentação em tópicos é a mais indicada quando o número de resultados for elevado.</p><p>Conteúdo resumido</p><p>Esse tópico equivale ao referencial teórico de trabalhos acadêmicos. Mas, diferentemen-</p><p>te do que comumente é visto em trabalhos científicos, nesse caso ele deve ser resumido, pois</p><p>em um documento de ordem técnica não existe a necessidade de discorrer teoricamente</p><p>sobre os assuntos abordados.</p><p>A ideia é contextualizar a situação, apresentando informações relevantes para a apre-</p><p>ciação do tema, como área de estudo, abrangência, ações impactantes, ações mitigadoras,</p><p>mecanismos de monitoramento etc. Todos os elementos que constroem a situação explicita-</p><p>da no texto devem aparecer nesse tópico, devidamente apresentados.</p><p>Indicadores para análise</p><p>Devem ser apresentados os indicadores ambientais que servirão para controlar o impacto</p><p>e as medidas compensatórias. Como mencionado anteriormente, é importante que os indi-</p><p>cadores permitam o monitoramento, pois assim serão identificadas suas características em</p><p>um dado momento, contrapondo-as às mudanças observáveis em determinado período de</p><p>tempo. Assim, é necessário apresentar os indicadores e a metodologia utilizados na análise.</p><p>Cronograma</p><p>Deve ser apresentado como uma tabela, em que as colunas indicam o passar dos meses,</p><p>dias ou anos do projeto, e as linhas apresentam as atividades implementadas. O cronograma</p><p>é de grande importância, pois informa o período de tempo do projeto e, consequentemente,</p><p>dá uma ideia sobre o investimento a ser feito.</p><p>Responsáveis</p><p>Devem ser relacionados nesse tópico os nomes da equipe técnica responsável pela ela-</p><p>boração do projeto e seus números de registro. É importante especificar os participantes</p><p>e suas atividades específicas ao longo da construção do projeto. Os respectivos</p><p>contatos</p><p>também devem aparecer no texto, para que essas pessoas possam ser contatadas sempre</p><p>que necessário.</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>10</p><p>141</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>As medidas compensatórias e os impactos</p><p>ambientais</p><p>(LOPES; RIBEIRO, 2016, p. 158-160)</p><p>Entende-se que as medidas compensatórias são aplicáveis aos impactos</p><p>identificáveis, quando não é possível realizar a mitigação ou quando a</p><p>mitigação proposta não é suficiente.</p><p>Dessa forma, Bechara elucida o real propósito da compensação ao afirmar</p><p>que “O objetivo da compensação ambiental é, a grosso modo, compen-</p><p>sar uma perda inevitável com um ganho ambiental desejável. Assim, a</p><p>atividade que afeta o equilíbrio ambiental em uma ponta, melhora a sua</p><p>condição em outra” (BECHARA, 2007, p. 190).</p><p>Empreendimentos como hidrelétricas, mineração, projetos agropecuários</p><p>ou de infraestrutura viária, entre outros, exigem geralmente para sua ins-</p><p>talação supressão de vegetação ou reassentamento de comunidades. São</p><p>impactos inerentes a essas atividades, cuja mitigação insuficiente sempre</p><p>estaria a exigir compensações.</p><p>Embora possa haver a modificação do projeto inicial para restringir</p><p>a supressão da vegetação ou para reduzir o número de famílias a ser</p><p>reassentadas, essa mitigação será sempre parcial, pois algumas famílias,</p><p>inevitavelmente, seriam deslocadas e ocorreria também a supressão de</p><p>parcela da vegetação. Para esse impacto restante, não mitigável, seria</p><p>sempre necessário haver uma compensação.</p><p>Podemos compreender a implementação desses empreendimentos</p><p>notando que:</p><p>Se, por um lado, a necessidade desse empreendimento justifica</p><p>o seu desenvolvimento, não consegue, por outro, justificar que a</p><p>coletividade suporte integralmente os danos dele decorrentes. Por</p><p>isso, em casos como tais, algo precisa ser feito para reduzir o ônus</p><p>gerado ao meio ambiente e aos titulares do direito ao equilíbrio</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais142</p><p>ambiental- e aí, como bônus, apresenta-se a compensação ambien-</p><p>tal. (BECHARA, 2007, p. 190)</p><p>No que se refere às compensações, além das elencadas no art. 36 da Lei</p><p>9.985/2000, classificadas como genéricas, os órgãos ambientais têm como</p><p>prática instituir, como condicionantes do licenciamento, outras medidas</p><p>compensatórias.</p><p>Priscila Santos Artigas descreve a ocorrência desse fenômeno afirmando:</p><p>Os órgãos ambientais, no decorrer dos processos de licenciamento</p><p>se deparam com impactos negativos não mitigáveis. Quando isso</p><p>ocorre, costumam, além das medidas compensatórias já previstas</p><p>em lei, impor várias outras obrigações com essa finalidade, mas que</p><p>não tem base legal ou, quando muito, fundam-se em normas edita-</p><p>das pela própria Administração Pública. (ARTIGAS, 2011, p. 265)</p><p>Além da ausência de fundamentação legal para imposição e cobrança des-</p><p>sas medidas, muitas rompem, “quase que por completo”, o liame que deve-</p><p>riam traçar com a Avaliação de Impactos Ambientais. Erika Bechara ensina:</p><p>Com efeito, ambas partem do mesmo princípio: o de que certas ati-</p><p>vidades trazem consigo impactos ambientais negativos inevitáveis,</p><p>mas, a despeito disso, terão que ser realizadas em nome do inte-</p><p>resse público. Sendo assim, se a coletividade terá que suportar esse</p><p>ônus, merecerá ser recompensada com um bônus. (BECHARA,</p><p>2007, p. 278)</p><p>Esses bônus deveriam ser medidas positivas para o meio ambiente, como</p><p>uma forma de compensar o potencial impacto prognosticado. Entretanto,</p><p>especificamente, quanto a essas medidas compensatórias, a práxis tem</p><p>demonstrado distorções de finalidades, para além do interesse público.</p><p>Essas medidas muitas vezes têm sido utilizadas como instrumento de bar-</p><p>ganha para obtenção de “favores” e “vantagens”, patrimoniais e políticas.</p><p>Pertinente à adoção dessas práticas, sem base legal, Priscila Santos Artigas</p><p>demonstra que:</p><p>Pode-se constatar, de um lado, a criação de uma obrigação total-</p><p>mente dissociada de uma política ambiental e desviada do intuito</p><p>Plano de gestão ambiental</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>10</p><p>143</p><p>de proteção ambiental e, de outro lado, a exigibilidade da exação</p><p>sem critérios, padrões ou standards mínimos definidos em lei,</p><p>podendo tornar inoperacional a obrigação. (ARTIGAS, 2011, p. 277)</p><p>Deste modo, as medidas compensatórias podem não guardar, necessaria-</p><p>mente, relação com os impactos potenciais do empreendimento ou com a</p><p>atividade a ser realizada, não havendo benefícios para o meio ambiente</p><p>em proteção e resguardo, assim como nos casos mais abusivos, até desmo-</p><p>ralizante para o instrumento do licenciamento ambiental.</p><p>Atividades</p><p>Considere a situação hipotética de uma cidade que está para ampliar a sua malha me-</p><p>troviária. O trecho a ser construído será de um metrô de superfície, cujo trajeto passará por</p><p>uma pequena parte de um bairro residencial, e a estação será construída próxima a um</p><p>parque municipal onde vivem alguns animais silvestres. Sobre esse projeto, responda às</p><p>questões a seguir:</p><p>1. Relacione as medidas compensatórias que devem ser adotadas na instalação desse</p><p>empreendimento.</p><p>2. Identifique os impactos benéficos que o empreendimento pode trazer.</p><p>3. Quais indicadores ambientais podem ser usados para monitorar o empreendimento?</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Decreto n. 6.660, de 21 de novembro de 2008. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 24 nov.</p><p>2008. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6660.</p><p>htm>. Acesso em: 12 maio 2017.</p><p>______. Lei n. 11.428, de 22 de dezembro de 2006. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 26 dez. 2006.</p><p>Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11428.htm>. Acesso</p><p>em: 12 maio 2017.</p><p>______. Lei n. 12.651, de 25 de maio de 2012. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 maio 2012.</p><p>Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12651.htm>. Acesso</p><p>em: 12 maio 2017.</p><p>LOPES, Livia Cristina Pinheiro; RIBEIRO, José Claudio Junqueira. O papel da Avaliação de</p><p>Impacto Ambiental para adoção de medidas compensatórias. Revista de Direito Ambiental e</p><p>Socioambientalismo, v. 2, n. 1, p. 148-169, 2016.</p><p>MÜLLER-PLANTENBERG, Clarita; AB’SABER, Aziz Nacib. Previsão de impactos. São Paulo, 2006.</p><p>Plano de gestão ambiental10</p><p>Biogeografia e impactos ambientais144</p><p>OLIVEIRA FILHO, Jaime E. Gestão ambiental e sustentabilidade: um novo paradigma eco-econômico</p><p>para as organizações modernas. Revista de Teoria Política, Social e Cidadania, Salvador, v. 1, n. 1, 2004.</p><p>SÁNCHEZ, Luis Enrique. Avaliação de impacto ambiental. São Paulo: Oficina de Textos, 2013.</p><p>Resolução</p><p>1. Diversos aspectos podem ser destacados nesse contexto. No entanto, das principais</p><p>medidas compensatórias, podemos destacar:</p><p>• realocação das famílias desabrigadas em locais de qualidade igual ou similar;</p><p>• proximidade das famílias realocadas com a região da qual foram desabrigadas;</p><p>• instalação de cercas para impedir que os animais se acidentem na via;</p><p>• realocação dos animais que não suportam o ruído para outro habitat de igual</p><p>qualidade.</p><p>2. Dentre os benefícios que o empreendimento pode trazer, destacam-se:</p><p>• diminuição do tempo médio de deslocamento na cidade;</p><p>• fornecimento de mais uma alternativa de transporte público;</p><p>• criação de novos postos de trabalho, principalmente na estação;</p><p>• incentivo à criação de novos comércios na região.</p><p>3. Os principais indicadores ambientais que podem ser utilizados, ou seja, aqueles que</p><p>permitem um monitoramento, são:</p><p>• ocupação irregular e/ou desordenada;</p><p>• índices de poluentes na atmosfera;</p><p>• número de espécies residentes no parque;</p><p>• avanço ou supressão da mata.</p><p>BIO</p><p>G</p><p>EO</p><p>G</p><p>RAFIA E IM</p><p>PACTO</p><p>S AM</p><p>BIEN</p><p>TAIS</p><p>João Victor Pacheco G</p><p>om</p><p>es</p><p>Fundação Biblioteca Nacional</p><p>ISBN 978-85-387-6304-8</p><p>9 788538 763048</p><p>Página em branco</p><p>Página em branco</p><p>a dinâmica das placas tectônicas e sua aceitação; o desenvolvimento de novos</p><p>métodos filogenéticos; novas maneiras de conduzir pesquisas em Biogeografia ecológica; e</p><p>investigação de mecanismos que limitam a distribuição (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>Como vimos, as evidências geológicas e biológicas provaram ser impossível negar a</p><p>teoria da deriva continental. Posteriormente, as classificações filogenéticas (que traçam um</p><p>histórico das relações entre os táxons e auxiliam no desenvolvimento do conhecimento acer-</p><p>ca da relação entre as biotas) obtiveram um grande avanço. Esses conhecimentos serviram</p><p>de base para a estruturação de uma ciência mais sólida.</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>17</p><p>Ainda nesse período, ocorreu o surgimento de novos modelos matemáticos que au-</p><p>xiliaram nos estudos ecológicos, e o surgimento dos computadores que automatizaram os</p><p>cálculos e permitiram análises mais profundas. O desenvolvimento de satélites imageadores</p><p>e dos dados provenientes de sistemas computacionais permitiram uma nova perspectiva da</p><p>superfície. A Biogeografia, em constante desenvolvimento, foi se apropriando desses avan-</p><p>ços e incrementando o seu arcabouço técnico e analítico.</p><p>Foi somente no final do século XX, quando a Biogeografia começou a tomar uma forma</p><p>mais independente, que os profissionais dessa área começaram a se referir como biogeógrafos</p><p>(BROWN; LOMOLINO, 2006). A importância surgiu em concomitância à questão ambien-</p><p>tal, principalmente na década de 1970, quando se coloca em discussão que os recursos natu-</p><p>rais são finitos e os impactos ambientais tornam-se preocupantes. Nesse período, tem-se o</p><p>desenvolvimento mais intenso dos estudos de Ecologia e a questão dos impactos ambientais</p><p>viria a se tornar um ponto específico mais à frente.</p><p>Na década de 1980, as consequências dos impactos ambientais começaram a se tornar</p><p>visíveis (TAUK-TORNISIELO; GOBBI, FORESTI, 1995). O desenvolvimento social e indus-</p><p>trial avançava sobre os habitats da fauna e flora no planeta, exterminando espécies e isso</p><p>começava a preocupar, principalmente porque as projeções dos impactos para as gerações</p><p>futuras eram alarmantes. A Eco-92, que aconteceu no Brasil no ano de 1992, foi um marco</p><p>por ter sido um evento que contou com a participação de um grande número de países, in-</p><p>cluindo as principais potências, e no qual começaram a ser discutidas de forma mais ampla</p><p>e com compromissos firmados entre países questões como desenvolvimento sustentável e</p><p>impactos ambientais (TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995).</p><p>Ao longo dos anos, ocorreram outros eventos com a mesma perspectiva, sempre visando</p><p>firmar acordos para a diminuição dos impactos antrópicos sobre o ambiente natural (TAUK-</p><p>TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995). A sustentabilidade e o impacto ambiental viraram</p><p>temas importantes no processo de desenvolvimento social e econômico dos países, proporcio-</p><p>nando avanços nos estudos ambientais e na estruturação da Biogeografia como ciência.</p><p>1.3 Desafios atuais e perspectivas futuras da</p><p>Biogeografia</p><p>A Biogeografia e os estudos ambientais têm atuado de modo a com-</p><p>preender o impacto dos seres humanos na Terra. O crescimento das cidades e</p><p>o desenvolvimento industrial constante promovem o desafio de crescer sem</p><p>eliminar espécies e sem impactar os ambientes. Todavia, essa questão ainda</p><p>é um desafio, uma vez que algumas formas de desenvolvimento promovem</p><p>grandes impactos e sua alteração ainda não é economicamente viável.</p><p>As barragens feitas para a construção de hidrelétricas, por exemplo, alteram drastica-</p><p>mente a dinâmica ambiental e biogeográfica na região: cidades e/ou vilarejos são inundados,</p><p>patrimônios culturais desaparecem, biomas são destruídos e a fauna perde o seu espaço. As</p><p>barragens servem ainda como uma barreira para a dispersão da vida marinha e interfere na</p><p>Vídeo</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais18</p><p>vida das pessoas que buscam nos peixes a sua subsistência. Mas é inegável a sua necessida-</p><p>de, devido à demanda crescente de energia pelos grandes centros urbanos. Mas como com-</p><p>patibilizar a necessidade de gerar mais energia com a manutenção desses ambientes sem</p><p>interferir na distribuição dos organismos? É um desafio complexo e que demanda muitos</p><p>estudos, um campo fértil para aqueles que atuam nessas áreas.</p><p>A preocupação com o meio ambiente é um tema importante nas relações internacionais</p><p>(TAUK-TORNISIELO; GOBBI; FORESTI, 1995); assim, grandes empreendimentos devem</p><p>avaliar minuciosamente os impactos possíveis em todas as esferas. A tecnologia tem dado</p><p>suporte a essa necessidade, fornecendo técnicas avançadas de análise para minimizar os</p><p>impactos. Os sistemas de informações geográficas (SIG) permitem a realização de análi-</p><p>ses espaciais, simulações e prevenções de impactos. Ao se trabalhar com o cruzamento de</p><p>dados georreferenciados em sistemas computacionais, entre outros recursos, como mate-</p><p>rial humano, financeiro, jurídico etc., é possível realizar uma gestão eficiente do ambiente.</p><p>Desse modo, a manutenção da dinâmica ambiental e dos organismos, com diminuição dos</p><p>impactos antrópicos, é o principal desafio que os biogeógrafos e ambientalistas devem en-</p><p>frentar nos próximos anos.</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>O tratamento da biodiversidade na</p><p>perspectiva de um diálogo naturalista na</p><p>Biogeografia</p><p>(FIGUEIRÓ, 2012, p. 59-61)</p><p>A variedade e a variabilidade existente entre os organismos vivos e a</p><p>trama ecológica na qual estes organismos ocorrem representa o que cha-</p><p>mamos de biodiversidade (WILSON, 1997), constituindo-se em um dos</p><p>elementos chave para estruturar a compreensão biogeográfica acerca das</p><p>variações e potenciais paisagísticos na superfície da Terra.</p><p>Considerando a importância do conhecimento da variabilidade das con-</p><p>dições geográficas no processo de formação da biodiversidade ao longo</p><p>do tempo (TUOMISTO e RUOKOLAINEN, 1997) e, ainda, considerando</p><p>o protagonismo dos fatores socioeconômicos no processo crescente e ace-</p><p>lerado de perda de espécies em face da transformação das áreas naturais</p><p>(LUGO, 1997), o debate sobre a questão da biodiversidade já deveria ter se</p><p>tornado (embora não o tenha) uma questão central e estratégica para uma</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>19</p><p>redefinição teórica e metodológica da Biogeografia como uma disciplina</p><p>definitivamente geográfica.</p><p>Acreditamos que tal condição não avança pela dificuldade dos geógrafos</p><p>em lidar com conceitos biocêntricos, ligados a um olhar naturalista, onde a</p><p>ação humana é sempre vista como uma externalidade, na maior parte das</p><p>vezes negativa e predatória. Precisamos reconhecer que a Biogeografia não</p><p>tem conseguido dar uma resposta adequada a esta herança conceitual, pro-</p><p>pondo um novo olhar sobre essa complexidade do real, onde as sociedades</p><p>humanas (com sua diversidade social, econômica e cultural) e o conjunto</p><p>da teia ecológica que suporta o desenvolvimento da vida no planeta sejam</p><p>pensados e (re)ordenados segundo relações evolutivas de codependência.</p><p>Quando algumas proposições novas aparecem, especialmente ligando o</p><p>conhecimento biogeográfico às perspectivas de conservação, o fazem, na</p><p>maior parte das vezes, atreladas ainda aos marcos conceituais da Ecologia</p><p>e das ciências naturais, buscando enfatizar a “capacidade interdiscipli-</p><p>nar” da Biogeografia apenas para esconder a ausência de postulados efe-</p><p>tivamente geográficos, que deem conta de (re)situar o homem no contexto</p><p>da totalidade com a natureza.</p><p>O uso recorrente e quase exclusivo de conceitos biocêntricos nos textos de</p><p>Biogeografia tem contribuído para reproduzir o colonialismo intelectual</p><p>de nossa ciência e alimentar a separação entre a sociedade e a natureza,</p><p>ora denunciando a degradação de uma natureza servil, fonte de recur-</p><p>sos expropriados pelo homem, ora validando a necessidade de criação de</p><p>“reservas de natureza” como verdadeiros</p><p>santuários ecológicos intangí-</p><p>veis e protegidos da ação do homem. [...]</p><p>Tendo em vista todos os impactos em cadeia produzidos pela perda de</p><p>espécies no planeta, Hoekstra et al. (2005) ressaltam que, além de uma</p><p>“crise de extinção” das espécies vivas, existe uma crise mais ampla, a</p><p>“crise dos biomas”, considerada pelos autores como muito mais grave,</p><p>pois responde pela destruição de ambientes naturais que garantiram o</p><p>surgimento e sustentam até hoje a manutenção de um número de espécies</p><p>extremamente maior do que aquelas que estão se extinguindo. Portanto,</p><p>as projeções para o espectro de extinções tendem a se ampliar grande-</p><p>mente quando o foco da destruição passa da escala da espécie para a</p><p>escala do habitat.</p><p>Esta questão põe relevo a um dos conceitos mais fortemente utilizados den-</p><p>tro da Biogeografia, que é o conceito de Bioma. O termo Bioma (do grego</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais20</p><p>Bio = vida + Oma = grupo) foi proposto por Clements e Shelford em 1939,</p><p>para designar um certo tipo de formação vegetal em associação com a sua</p><p>fauna própria, e subordinado a uma determinada condição climática. A</p><p>amplitude do conceito nos permite compreender que o mesmo obedece</p><p>especialmente aos critérios fisionômicos de classificação dos seres vivos, já</p><p>que dentro de um mesmo Bioma se integram um mesmo tipo de vegetação</p><p>(formação vegetal) e uma mesma zoocenose, ainda que formados por um</p><p>conjunto bastante diversificado de espécies em cada local onde este Bioma</p><p>se revela. Para uma melhor compreensão do que se está chamando de “tipo</p><p>de vegetação”, Pereira (1984) nos lembra que “(...) por formação vegetal</p><p>entende-se um agrupamento de vegetais que apresenta uma fisionomia</p><p>própria, com as características bem definidas, com a dominância das mes-</p><p>mas formas biológicas e uma estratificação que lhe é peculiar” (p. 70).</p><p>O Bioma constitui, portanto, um conceito que incorpora o conjunto</p><p>característico de animais de uma dada zona climática ao conceito de for-</p><p>mação vegetal, embora este último continue a ser prevalente sobre àquele</p><p>no processo de delimitação dos Biomas, pois, como afirma Odum (1972),</p><p>“considerando que a forma de vida da vegetação reflete, por uma parte,</p><p>os traços principais do clima e determina, por outra parte, o caráter estru-</p><p>tural do habitat para animais, ela forma uma base segura para a classifica-</p><p>ção ecológica” (p. 418).</p><p>Clements (1949) chamava a atenção para a importância do fator climático</p><p>na definição dos limites espaciais de um Bioma, afirmando que o mesmo</p><p>se define como uma “comunidade clímax de uma área natural, na qual as</p><p>relações climáticas essenciais são similares ou idênticas; essas unidades</p><p>de vegetação são o produto de, estão sob o controle de, e são delimitadas</p><p>pelo clima” (p. 28).</p><p>Atividades</p><p>1. Com base no que você estudou neste capítulo, realize uma pesquisa (em jornais,</p><p>revistas e na internet) e cite pelo menos um caso em que a ação antrópica interferiu,</p><p>direta ou indiretamente, na distribuição geográfica de alguma espécie no Brasil. Ex-</p><p>plique como isso ocorreu.</p><p>2. Elabore uma tabela organizando de modo cronológico os principais eventos que</p><p>levaram ao desenvolvimento da Biogeografia e dos estudos ambientais, conforme</p><p>citados no texto.</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>1</p><p>21</p><p>3. Explique, com suas próprias palavras, como a Biogeografia tem se beneficiado das</p><p>novas tecnologias diante dos desafios da contemporaneidade.</p><p>Referências</p><p>BRASIL. Lei n. 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente,</p><p>seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União,</p><p>Brasília, DF, 2 set. 1981. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L6938.htm>.</p><p>Acesso em: 13 mar. 2017.</p><p>______. Ministério do Meio Ambiente. Atualização das listas de espécies ameaçadas. 2014. Disponível</p><p>em: <http://www.mma.gov.br/biodiversidade/especies-ameacadas-de-extincao/atualizacao-das-lis-</p><p>tas-de-especies-ameacadas>. Acesso em: 4 abr. 2017.</p><p>BROWN, J. H.; LOMOLINO, M. V. Biogeografia. 2. ed. Trad. Iulo Feliciano Afonso. São Paulo: Funpec,</p><p>2006.</p><p>FIGUEIRÓ, A. S. Diversidade geo-bio-sociocultural: a biogeografia em busca de seus conceitos.</p><p>Geonorte, ed. especial, v. 4, n. 4, p.57-77, 2012.</p><p>GUERRA, J. T.; CUNHA, S. B. A questão ambiental: diferentes abordagens. Rio de Janeiro: Bertrand</p><p>Brasil, 2003.</p><p>SÁNCHES, L. E. Avaliação de impactos ambientais: conceitos e métodos. São Paulo: Oficina de</p><p>Textos, 2013.</p><p>TAUK-TORNISIELO, S. M.; GOBBI, N.; FORESTI, C. Análise ambiental: estratégias e ações. São</p><p>Paulo: Ed. da Unesp, 1995.</p><p>TEIXEIRA, W. et al. (Org.). Decifrando a terra. São Paulo: Oficina Textos, 2001.</p><p>Resolução</p><p>1. Nessa questão, você deve apresentar casos que se passem no Brasil e abordar dire-</p><p>tamente a ação do homem interferindo na dinâmica de alguma espécie, como, por</p><p>exemplo, a construção de uma estrada em um ambiente rural, interferindo na dinâ-</p><p>mica dos animais, que, consequentemente, são atropelados.</p><p>2. Nessa atividade, você deve sistematizar os eventos relativos à segunda parte do</p><p>capítulo: “Relação da Biogeografia com outras ciências”, como forma de fixação</p><p>do conteúdo.</p><p>3. Sua resposta deve apresentar o que foi exposto na terceira parte: “Desafios atuais e</p><p>perspectivas futuras da Biogeografia”, no trecho que diz o seguinte:</p><p>A preocupação com o meio ambiente é um tema importante nas relações interna-</p><p>cionais (TAUK-TORNISIELO; GOBBI; TORESTI, 1995); assim, grandes empreen-</p><p>dimentos devem avaliar minuciosamente os impactos possíveis em todas as es-</p><p>feras. A tecnologia tem dado suporte a essa necessidade, fornecendo técnicas</p><p>avançadas de análise para minimizar os impactos. Os sistemas de informações</p><p>Definições de Biogeografia e ambiente – histórico e desafios1</p><p>Biogeografia e impactos ambientais22</p><p>geográficas (SIG) permitem que sejam feitas análises espaciais, simulações e pre-</p><p>venções de impactos. Ao se trabalhar com o cruzamento de dados georreferen-</p><p>ciados em sistemas computacionais, entre outros recursos, como material huma-</p><p>no, financeiro, jurídico etc., é possível realizar uma gestão eficiente do ambiente.</p><p>Desse modo, a manutenção da dinâmica ambiental e dos organismos, com di-</p><p>minuição dos impactos antrópicos, é o principal desafio que os biogeógrafos e</p><p>ambientalistas devem enfrentar nos próximos anos.</p><p>Biogeografia e impactos ambientais 23</p><p>2</p><p>Características ambientais</p><p>e distribuição das espécies</p><p>A distribuição da vida na Terra não é ocasional, ela respeita regras e padrões</p><p>determinados pelos diferentes fenômenos que ocorrem em sua superfície. Ao estudar</p><p>a distribuição das espécies, é importante compreender os elementos que interferem de</p><p>maneira sistemática na organização da vida no contexto atual e histórico.</p><p>Compreender a dinâmica entre os fatores condicionantes e os padrões distributi-</p><p>vos dos organismos pode contribuir para uma gestão equilibrada do ambiente. Neste</p><p>capítulo, vamos estudar os padrões de distribuição e compreender sua relação com os</p><p>agentes físicos e químicos que modelam a superfície terrestre, os mares e os oceanos.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais24</p><p>2.1 Os biociclos: vida na Terra, em águas salgadas</p><p>e doces</p><p>2.1.1 Biociclos</p><p>A vida na Terra está compreendida na parte inferior da atmosfera, no</p><p>que chamamos de biosfera. A biosfera pode ser entendida como a união de</p><p>todos os espaços do planeta onde pode ocorrer vida, de qualquer tipo, em</p><p>ambientes terrestres ou aquáticos. É uma rede de interdependência complexa, envolvendo</p><p>processos interativos e necessários para a vida. São ecossistemas que seguem, como princí-</p><p>pio básico, que a vida só ocorre quando existem condições ecológicas as quais compõem os</p><p>chamados limites de tolerância, para os quais ela foi programada (CONTI; FURLAN, 2014).</p><p>Os limites de tolerância são condições ambientais</p><p>que permitem a uma espécie sobreviver</p><p>em determinado espaço. Dependendo da espécie, ela pode se adaptar a diferentes limites de to-</p><p>lerância, mas não é uma regra, a maior parte dos organismos vivos possuem limites bem deter-</p><p>minados e são pouco adaptáveis, a não ser que se crie artificialmente um ambiente adequado em</p><p>regiões além do seu limite (ROSS, 1996). Por exemplo, os ursos polares (Figura 1) são adaptados</p><p>para o clima frio, com a pele escura e espessa para absorver melhor os raios solares – apesar do</p><p>pelo branco, esses ursos não são adaptados para regiões com o clima mais quente.</p><p>Figura 1 – Ursos polares possuem biótipo adaptado para regiões de clima frio.</p><p>Fonte: SBTheGreenMan/iStockphoto.</p><p>Fazemos parte da biosfera, pois todas as formas de vida estão contidas nela, em seus es-</p><p>paços distintos, respeitando os limites de tolerância. O estudo da biosfera é importante para</p><p>que possamos entender a dinâmica de ocupação da vida na Terra e os fatores que a determi-</p><p>nam. Para melhor compreender a biosfera, os cientistas a subdividiram em três partes, chama-</p><p>das de biociclos, que compõem o conjunto de ambientes dos quais vamos tratar neste livro.</p><p>Vídeo</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>25</p><p>Os biociclos da Terra são: o epinociclo, o talassociclo e o limnociclo (GOCH, 2012). Cada</p><p>um deles abriga espécies com limites de tolerância diferenciados. Mas é bom frisar que essa</p><p>subdivisão é didática, pois abrange diferentes características ambientais que impactam na</p><p>dinâmica espacial, como veremos a seguir.</p><p>a) Epinociclo</p><p>Entre todos os biociclos, o que possui maior biodiversidade é o epinociclo, pois abrange</p><p>os ambientes terrestres superficiais e subterrâneos. O epinociclo está sujeito às variações cli-</p><p>matológicas e geomorfológicas, que desenvolvem biomas completamente distintos no pla-</p><p>neta, como a tundra (Figura 2), a taiga, as florestas temperadas e as tropicais, os campos e</p><p>os desertos. A grande variedade de biomas ocorre devido a fatores externos que configuram</p><p>um nível de desenvolvimento específico para cada região do planeta. Esses fatores podem</p><p>estar relacionados com o clima, os solos e o regime de chuvas da região.</p><p>Figura 2 – A tundra é um bioma presente em regiões próximas ao Polo Ártico.</p><p>Fonte: troutnut/ iStockphoto.</p><p>A incidência de luz atua como fonte de energia primária para os organismos, sendo que</p><p>o Sol é a principal fonte dessa energia. Como dito no capítulo anterior, a luz solar chega à</p><p>Terra de diferentes formas: a superfície curva contribui para uma incidência desigual, assim</p><p>como a geomorfologia, que vai delimitar áreas de sombra; regiões que apresentam um nível</p><p>de insolação regulado, ou seja, luz e sombra com igual intensidade ao longo do dia; e regiões</p><p>em que, ao longo do dia, os raios solares chegam de forma intermitente. Nas regiões tropi-</p><p>cais, onde os raios solares chegam mais perpendiculares à superfície, é comum ocorrer altas</p><p>temperaturas na maior parte do ano (AYOADE, 1986).</p><p>Esse fator contribui para a variação na pluviosidade, pois em regiões mais quentes é</p><p>comum haver maior incidência de chuvas, enquanto em regiões frias pode ocorrer gelo du-</p><p>rante uma parte do ano, por exemplo (AYOADE, 1986). Altas temperaturas e a incidência de</p><p>água são condições essenciais para a ocorrência de intemperismo químico, que é o principal</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais26</p><p>agente formador do solo e também o responsável pelo grau de desenvolvimento ao longo</p><p>do tempo geológico.</p><p>Os intemperismos físico e biológico também são agentes da pedogênese, o processo</p><p>de formação e desenvolvimento do solo. O intemperismo físico consiste na degradação</p><p>de material por meio de processos de quebra mecânica do material parental, mudanças</p><p>volumétricas, desagregando em partes menores os minerais que formam a rocha (LEPSCH,</p><p>2016). Diversos fatores podem causar o intemperismo físico, desde a variação de tempera-</p><p>tura que pode acarretar na dilatação ou contração do material, até o congelamento da água</p><p>que infiltra na rocha (LEPSCH, 2016).</p><p>O intemperismo biológico é controverso no campo científico. Está relacionado à de-</p><p>gradação do material rochoso por organismos vivos, seja de grande porte ou por micro-or-</p><p>ganismos (TEIXEIRA et al., 2001). Pode ter origem química, por meio de fezes e urina de</p><p>animais nas rochas, ou origem física, como o impacto das pisadas de um animal que pode</p><p>desagregar as partículas. Todavia, os processos, como visto, podem se enquadrar como in-</p><p>temperismo físico ou químico, o que justifica alguns autores não considerarem o intemperis-</p><p>mo biológico como relevante. Outros, porém, consideram-no como uma terceira categoria,</p><p>mas que não tem grande contribuição na pedogênese.</p><p>Além do intemperismo, os processos geológicos e geomorfológicos que atuam na região</p><p>são um fator importante do processo de formação do solo e, por consequência, de um ecos-</p><p>sistema (CUNHA; GUERRA, 1996). A degradação da rocha pelo intemperismo não constitui</p><p>o único fator determinante para os diferentes tipos de solos. A erosão, que transporta as par-</p><p>tículas pela ação do vento ou da água, é um agente de extrema importância nesse processo.</p><p>É pela erosão que ocorre o transporte das partículas de um lugar a outro, permitindo que</p><p>tenhamos solos variados. O processo de erosão só é interrompido quando as partículas se</p><p>deparam, durante o transporte, com alguma barreira geomorfológica, como uma montanha</p><p>ou um vale. Os sedimentos são depositados devido à formação geomorfológica, e lá perma-</p><p>necem para que ocorra a pedogênese e o processo de formação e desenvolvimento do solo.</p><p>Os fatores intempéricos, geológicos e geomorfológicos mencionados estão sujeitos às</p><p>variações climatológica e pluviométrica e, também, à presença de determinados organismos</p><p>na região. Considera-se, portanto, que o solo é um componente fundamental do ecossiste-</p><p>ma, variando o tipo, a estrutura química e física e até mesmo o seu desenvolvimento, de-</p><p>pendendo da região do planeta (LEPSCH, 2016). Não é em qualquer tipo de solo que pode</p><p>nascer qualquer tipo de vegetação. Isso depende de diversos fatores, como a presença de</p><p>matéria orgânica, água, ar, certos tipos de minerais, granulometria1, clima, pluviosidade</p><p>entre outros.</p><p>A presença de água também constitui um fator importante na formação de um ecos-</p><p>sistema. Regiões mais irrigadas costumam ter fauna e flora mais abundantes, enquanto em</p><p>regiões mais secas, a vida, apesar de existente, é mais escassa. Os diferentes organismos de-</p><p>vem se adaptar à abundância ou escassez de água; um camelo, por exemplo, pode aguentar</p><p>oito dias sem água até encontrar uma nova fonte, mas outros animais precisam de uma fonte</p><p>1 Granulometria é a especificação do tamanho e do diâmetro das partículas que compõem o solo.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>27</p><p>próxima e intermitente. Ainda há aqueles que migram de uma região a outra durante uma</p><p>época de escassez, enquanto algumas espécies não resistem e morrem.</p><p>A vida como a conhecemos só é possível pela existência de água, pois ela é parte fun-</p><p>damental de todos os organismos vivos. A água está presente em estado líquido e gasoso</p><p>na atmosfera, influenciando na dinâmica climática. A umidade regula, entre outras coisas,</p><p>a temperatura e o regime de precipitações, que é influenciado pela presença dos corpos</p><p>d’água e pela vegetação, enviando água para a atmosfera pela evapotranspiração. A água</p><p>está presente também em subsuperfície, ocupando os espaços entre as partículas de solo.</p><p>Regiões com pouca precipitação e altas temperaturas podem conter água em lençóis freáti-</p><p>cos, subsuperfíciais (TEIXEIRA et al., 2001).</p><p>O epinociclo, portanto, corresponde a um biociclo composto pelos fatores menciona-</p><p>dos, que atuam em conjunto, ocorrendo de maneira desigual e criando os diferentes ecos-</p><p>sistemas que compõem o ambiente terrestre. O epinociclo apresenta a maior</p><p>variedade de</p><p>espécies entre os biociclos, mas corresponde a apenas cerca de 28% do planeta.</p><p>b) Talassociclo</p><p>O talassociclo é o ambiente marinho, em que se incluem os mares e oceanos. Trata-</p><p>se do maior biociclo, correspondendo a 3/4 da superfície terrestre, abrigando organismos</p><p>como plâncton, nécton e bento. Plâncton são os organismos microscópicos que ocupam essa</p><p>região, como o zooplâncton e o fitoplâncton; nécton são os organismos macroscópicos, os</p><p>peixes de uma forma geral, de qualquer espécie; e bento são organismos que vivem fixos ou</p><p>se arrastam em superfícies, como, por exemplo, as ostras, os siris e as anêmonas (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006).</p><p>O ecossistema marítimo é diversificado; os níveis de tolerância estão relacionados à</p><p>presença ou ausência de luz, salinidade da água, temperatura, entre outros. Os recifes de</p><p>corais se enquadram nessa categoria, assim como as regiões costeiras e as zonas abissais dos</p><p>oceanos, no entanto, esta última ainda é pouco estudada, devido à dificuldade para aces-</p><p>sá-las (BAPTISTA NETO; PONZI; SICHEL, 2004). No fundo oceânico, além de não chegar</p><p>luz, existem desafios como a pressão que a água exerce e também com relação à geomorfo-</p><p>logia local, pouco conhecida e estudada. Levantamentos batimétricos e de satélite permitem</p><p>uma representação da variação altimétrica no fundo do oceano, todavia, essa é uma região</p><p>do planeta ainda pouco conhecida e que representa grandes desafios (BAPTISTA NETO;</p><p>PONZI; SICHEL, 2004).</p><p>Dependendo do nível de profundidade dos mares e oceanos, há uma subdivisão do ta-</p><p>lassociclo. As regiões com até 200 metros de profundidade são chamadas de zonas neríticas,</p><p>que são as mais estudadas, pois com elas temos mais contato. A zona batial fica entre 200</p><p>metros e 2.000 metros de profundidade, e estudos geológicos e de prospecção podem ocor-</p><p>rer nessa região. A região com profundidade entre 2.000 e 11.000 metros, chamada de zona</p><p>abissal, é pouco estudada, e os organismos que nela vivem estão submetidos a alta pressão,</p><p>baixas temperaturas e ausência de luz; por esse motivo, muitos deles desenvolvem uma</p><p>bioluminescência, isto é, emitem a sua própria luz para atrair presas ou como um estímulo</p><p>sexual (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais28</p><p>Quanto à iluminação, esse biociclo pode ser dividido em três grandes faixas: zona eu-</p><p>fótica, a camada superficial e, por isso, a mais iluminada; zona disfótica, uma área de tran-</p><p>sição, com pouca luminosidade; e zona afótica, que não possui iluminação devido à grande</p><p>profundidade. Além da pressão hidrostática exercida pela força da água, a luminosidade</p><p>também atua como limite de tolerância para os organismos que residem nesses ambientes.</p><p>A adaptação a condições mais severas, todavia, não significa que esses organismos possam</p><p>resistir a condições que poderíamos classificar como toleráveis. Os peixes das zonas abis-</p><p>sais têm sensibilidade alta nos olhos para captar focos de luz extremamente baixos; assim,</p><p>a zona eufótica, para esses organismos, seria um ambiente hostil e seu limite de tolerância</p><p>(BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>Os manguezais também fazem parte do talassociclo, presente praticamente em todo o li-</p><p>toral do Brasil. É um bioma de transição entre o terrestre e o marinho, abrigando vegetação do</p><p>tipo herbácea, com pouca diversidade de plantas e animais como caranguejos, peixes e aves.</p><p>Figura 3 – Manguezal: bioma presente no litoral brasileiro.</p><p>Fonte: kohlhoff/iStockphoto.</p><p>A maior parte dos manguezais atua como berçário de espécies, servindo também como</p><p>recurso para a comunidade de pescadores. A degradação desse bioma é recorrente, princi-</p><p>palmente no Brasil, e pode causar alterações na dinâmica de reprodução dos animais e na</p><p>vida dos pescadores que vivem dos recursos ali extraídos.</p><p>c) Limnociclo</p><p>O limnociclo abrange os ecossistemas de água doce. É o menor de todos os biociclos,</p><p>pois apenas 3% da água na Terra é doce, o que é preocupante, visto que os seres humanos,</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>29</p><p>assim como diversas outras formas de vida, necessitam de água doce para existir (TEIXEIRA</p><p>et al., 2001). Mesmo assim, esse ecossistema sofre degradação e é de difícil recuperação.</p><p>Esse biociclo é caracterizado por apresentar pequenas profundidades, que não chegam</p><p>a 500 metros, e grande variação de temperatura. Diferentemente dos mares e oceanos, que</p><p>não variam com facilidade de temperatura, devido ao volume d’água, no limnociclo a tem-</p><p>peratura varia bastante e, por isso, é considerado menos estável.</p><p>Dois tipos de ecossistemas podem ser encontrados nesse biociclo: o lêntico e o lótico. O</p><p>ecossistema lêntico são as águas paradas, como lagos e lagoas, e até, segundo alguns cien-</p><p>tistas, o acúmulo de água da chuva, como as poças d’água, por conter formas de vida como</p><p>bactérias. As formas de vidas microscópicas são os fitoplânctons (diatomáceas, cianofíceas</p><p>etc.); os vegetais superiores são as angiospermas, que ocupam o fundo dos lagos ou são</p><p>flutuantes; o zooplâncton é a categoria em que se enquadram os crustáceos e protozoários.</p><p>Dentre os animais, podemos destacar moluscos, peixes, aves e mamíferos; bactérias e fungos</p><p>também ocupam esse ecossistema com tolerância (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>O ambiente lótico é caracterizado pelas águas correntes, como os riachos, rios e córre-</p><p>gos. São os cursos perenes ou sazonais que compõem as bacias hidrográficas e dos quais a</p><p>população mais consome recursos. Divide-se em três regiões distintas: a nascente, o curso</p><p>médio e a foz.</p><p>A nascente pode ter origem mineral ou de um lençol freático. Geralmente as águas</p><p>surgem com violência nas nascentes, por estarem submetidas a pressões diversas. Por esse</p><p>motivo, a nascente apresenta poucas formas de vida, apenas algas ou larvas de insetos po-</p><p>dem ser verificadas nesse ambiente (TEIXEIRA et al., 2001).</p><p>O curso médio dos rios é o mais lento e, por esse motivo, apresenta mais diversidade,</p><p>sendo o mais importante para exploração. O fitoplâncton aparece na forma de algas e herbá-</p><p>ceas, plantas flutuantes e nas margens dos rios são características, assim como uma varieda-</p><p>de de insetos e pequenos animais, como os crustáceos. Há uma grande variedade de peixes</p><p>nessa região, sendo também uma área de interesse econômico.</p><p>A foz é a região de transição entre o rio e o mar. É a região mais baixa e a salinidade</p><p>é característica. Nela, existem poucas formas de vida, por causa da variação de salinidade,</p><p>baixa para os organismos de água salgada e alta para os organismos de água doce.</p><p>O limnociclo é caracterizado por despertar grande interesse econômico. No Brasil, a</p><p>construção de hidrelétricas ocorre nesse ambiente e causa uma série de impactos nesse ecos-</p><p>sistema e nas áreas circundantes. Além disso, as áreas urbanas poluem os cursos d’água,</p><p>despejando esgoto e resíduos industriais, inviabilizando, muitas vezes, a existência de vida e</p><p>o consumo humano, o que encarece o processo de tratamento das águas (CONTI; FURLAN,</p><p>2014). Por se tratar de um sistema de bacia hidrográfica, os cursos d’água se conectam e</p><p>carregam os poluentes para o mar, contaminando outros ecossistemas.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais30</p><p>2.2 Meios de expansão e barreiras para a vida na</p><p>Terra</p><p>Os organismos se distribuem na Terra respeitando os limites de tolerân-</p><p>cia, substituindo espécies extintas ou se extinguindo e tendo outras espécies</p><p>tomando o seu lugar. Acerca da expansão e barreira dos organismos, Conti e</p><p>Furlan (2014) apresentam as regras fundamentais da Biogeografia estabeleci-</p><p>das ao longo de um estudo histórico da distribuição das espécies:</p><p>- os organismos tendem a estabelecer comunidades e a expandir suas populações</p><p>para novas áreas, segundo seus limites de tolerância;</p><p>- os organismos podem ser extintos totalmente da biosfera (ou parcialmente em</p><p>algumas regiões), à medida que a vida e o ambiente seguem</p><p>sua trajetória de</p><p>transformação. (CONTI; FURLAN, 2014, p. 109)</p><p>Ao longo da história, foram estabelecidos diversos fatores ecológicos que determinam</p><p>o padrão de distribuição e a capacidade de uma espécie em se adaptar a determinado clima</p><p>ou característica. Essa capacidade de se adaptar a um ambiente está relacionada a um desen-</p><p>volvimento biológico, em uma perspectiva espaço-temporal. Ou seja, devido às mudanças</p><p>ocorridas no espaço ao longo do tempo, os organismos tiveram que se adaptar para poder</p><p>sobreviver, ou foram extintos ao se deparar com uma variação em que seriam incapazes de</p><p>se adaptar. Influenciam nesse processo os fatores bióticos e abióticos, ou seja, aqueles rela-</p><p>cionados a variáveis do meio físico e às características biológicas de cada organismo.</p><p>Udwardy (1969 apud CONTI; FURLAN, 2014) propôs um gráfico (Gráfico 1) relacio-</p><p>nando a hierarquia espaço-tempo de conhecimento e os processos naturais que ajudam a</p><p>compreender o desenvolvimento das espécies em uma escala de tempo geológica.</p><p>Gráfico 1 – Hierarquia espaço-tempo do conhecimento biogeográfico.</p><p>M</p><p>ilh</p><p>õe</p><p>s d</p><p>e</p><p>an</p><p>os</p><p>A</p><p>no</p><p>s</p><p>Tempo</p><p>500</p><p>100</p><p>10</p><p>100</p><p>0,1</p><p>12000</p><p>1000</p><p>100 Escala secular</p><p>Escola Milenar</p><p>Escola Filogenética</p><p>Biogeografia histórica</p><p>Su</p><p>ce</p><p>ss</p><p>ão</p><p>ec</p><p>ol</p><p>óg</p><p>ic</p><p>a</p><p>Te</p><p>or</p><p>ia</p><p>d</p><p>os</p><p>re</p><p>fú</p><p>gi</p><p>os</p><p>“P</p><p>ul</p><p>sa</p><p>çõ</p><p>es</p><p>d</p><p>a</p><p>bi</p><p>ot</p><p>a”</p><p>D</p><p>er</p><p>iv</p><p>a</p><p>do</p><p>s c</p><p>on</p><p>tin</p><p>en</p><p>te</p><p>s,</p><p>gl</p><p>ac</p><p>ia</p><p>çõ</p><p>es</p><p>, d</p><p>is</p><p>pe</p><p>rs</p><p>ão</p><p>/v</p><p>ic</p><p>ar</p><p>iâ</p><p>nc</p><p>ia</p><p>Biogeografia Ecológica</p><p>Local</p><p>(floresta)</p><p>Regional</p><p>(Serra do Mar)</p><p>Continental</p><p>(R. Neotropical)</p><p>100 1000 10 000 Global 40 000</p><p>Espaço km</p><p>Biogeografia pós-plistocênica</p><p>Fonte: CONTI; FURLAN, 2014. Adaptado.</p><p>Vídeo</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>31</p><p>O gráfico busca relacionar o tempo passado e o atual estabelecendo uma relação entre</p><p>o desenvolvimento histórico dos organismos e seu ambiente. É uma atividade do que se</p><p>chama de Biogeografia histórica, que busca compreender o impacto das mudanças ambientais</p><p>no comportamento das espécies.</p><p>Um conceito importante sobre o comportamento das espécies é o de nicho ecológico,</p><p>que é o relacionamento de determinada espécie com o ambiente, com as características do</p><p>seu habitat. Em Biogeografia, o nicho ecológico permite compreender a distribuição das es-</p><p>pécies. Um animal pode estar condicionado a uma região por conta da vegetação existente,</p><p>da temperatura ou da presença de outros animais dos quais ele é o predador (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006; CONTI; FURLAN, 2014). Esse tipo de relação é o que caracteriza o nicho</p><p>ecológico. Enquanto houver condições de adaptação, haverá distribuição dos organismos.</p><p>Alguns autores acrescentam a ideia de nicho fundamental, que seria um espaço n-di-</p><p>mensional, ou seja, aquele no qual as características biológicas de determinada espécie esta-</p><p>riam em concordância com os fatores físicos e químicos de uma região. Dessa forma, o nicho</p><p>fundamental representaria o ambiente com condições adequadas para a sobrevivência de</p><p>uma espécie.</p><p>O ambiente, no entanto, não é fixo e imutável: ao passar do tempo geológico, ocorrem</p><p>mudanças no espaço físico terrestre (FIGUEIRÓ, 2012). O nicho fundamental de uma espé-</p><p>cie estará sujeito, sempre, a alterações de ordem natural ou artificial, ocasionadas pelo pro-</p><p>cesso evolutivo terrestre ou social, respectivamente. A defesa dos organismos nesse aspecto</p><p>está na capacidade de resistir a certas alterações ambientais no que se chama de intervalo de</p><p>tolerância variável. Esse intervalo está relacionado a diversos fatores biológicos, como a capa-</p><p>cidade de resistir a certas temperaturas e a escassez de água por um período.</p><p>O intervalo de tolerância varia de acordo com as espécies; algumas apresentam um</p><p>intervalo maior do que outras. É possível observar isso quando verificamos espécies que se</p><p>adaptaram ao ambiente urbanizado, enquanto outras cujo habitat foi destruído não conse-</p><p>guem sobreviver muito tempo fora de suas condições naturais. Outras, ainda, conseguem se</p><p>adaptar temporariamente e podem reagir às mudanças em seu ambiente natural (CONTI;</p><p>FURLAN, 2014).</p><p>A espacialização das espécies, como vimos, depende de diversos fatores adaptativos</p><p>que podem variar de uma espécie para outra. A Biogeografia histórica estuda, com base em</p><p>evidências históricas, como os fósseis, como era a distribuição dos organismos no passado e</p><p>tenta compreender com os dados atuais as perspectivas futuras de distribuição.</p><p>Não podemos deixar de ressaltar o papel do homem e da sociedade no processo de</p><p>expansão e de construção de barreiras para a distribuição das espécies. Os limites de tole-</p><p>rância são constantemente testados, ao longo do tempo, por situações adversas que podem</p><p>ou não comprometer a disposição atual dos organismos.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais32</p><p>2.3 Padrões de distribuição das espécies:</p><p>cosmopolitas, disjuntivas e endêmicas</p><p>A distribuição das espécies de organismos na Terra segue alguns pa-</p><p>drões que os cientistas classificam em três tipos básicos: cosmopolitas, dis-</p><p>juntivas e endêmicas. Vejamos a seguir as características principais de cada</p><p>tipo.</p><p>2.3.1 Cosmopolitas</p><p>Podemos chamar de espécies cosmopolitas aquelas que estão presentes em quase todas</p><p>as regiões do planeta, exceto onde o clima é severo, como as regiões geladas dos polos. A</p><p>presença nos cinco continentes pode estar relacionada com o processo de expansão e ocupa-</p><p>ção do homem, que transportou espécies de um ponto a outro do planeta, ou com o habitat</p><p>natural, como é o caso das espécies que vivem no oceano. Sendo os oceanos todos interliga-</p><p>dos, são comuns as espécies que vivem apenas se deslocando de um ponto a outro, em uma</p><p>ocorrência global (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>Uma característica do cosmopolitismo é que as espécies apresentam um limite de tole-</p><p>rância alto, podendo suportar variações físicas e químicas com facilidade. No ambiente ter-</p><p>restre, os ratos são exemplos de organismos cosmopolitas e com elevado limite de tolerância</p><p>(BROWN; LOMOLINO, 2006). A ocorrência de ratos em todos os cinco continentes é uma</p><p>realidade, e sua distribuição se deu, principalmente, por conta das navegações.</p><p>Na época das grandes navegações, os colonizadores carregavam insetos, vírus e bac-</p><p>térias, além de ratos nos navios. Quando eles entraram em contato com as comunidades</p><p>indígenas em um novo continente, passaram várias doenças aos nativos, como a gripe, que</p><p>era extremamente mortal para uma pessoa que não tivesse as defesas do organismo pre-</p><p>paradas. O colonizador, com sua capacidade adaptativa, conseguiu criar uma resistência</p><p>maior aos vírus, que foram espalhados pelos continentes. Para os ratos vale a mesma lógica,</p><p>eles saíam dos navios quando estes atracavam em diferentes localidades e se adaptavam às</p><p>novas condições ambientais.</p><p>O cosmopolitismo causado pelo homem, intencionalmente ou não, é responsável pela</p><p>distribuição de uma série de organismos de fauna e flora, conforme mencionado. Não se</p><p>deve desconsiderar esse fator de distribuição, principalmente no que se refere ao impacto</p><p>ambiental que ele acarreta. Em um habitat, as espécies encontram, entre os elementos neces-</p><p>sários à vida, também seus predadores. Na falta deles, pode ocorrer um aumento descontro-</p><p>lado de uma espécie com alta capacidade adaptativa e acarretar sérios problemas de impac-</p><p>to ambiental. O caramujo, por exemplo, apresenta alto limite de tolerância; no entanto, ao</p><p>espalhar essa espécie em regiões em que seu predador natural não se faz presente, ocorrem</p><p>problemas diversos, como superpopulação e até mesmo doenças para as pessoas que vivem</p><p>na região.</p><p>Vídeo</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>33</p><p>Não se deve desprezar, também, o caráter de dependência de algumas espécies em re-</p><p>lação a outras, o que pode influenciar diretamente o padrão de distribuição dos organismos</p><p>na superfície. O cachorro, por exemplo, depois de domesticado, precisa do</p><p>homem para ser</p><p>alimentado e abrigado, e é natural que seja levado a regiões em que naturalmente não ocupa-</p><p>ria. A relação de dependência faz com que o homem o auxilie no processo adaptativo, criando</p><p>condições para a presença do animal em situações adversas, implementando um caráter cos-</p><p>mopolita a uma espécie que naturalmente não o seria (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>As espécies cosmopolitas, então, são aquelas que, por diferentes motivos, ocupam os</p><p>cinco continentes, adquirindo um caráter global. Por vezes, o descontrole causado pela in-</p><p>serção de uma espécie em ambiente inadequado ocasiona um processo de cosmopolitismo</p><p>que não é natural. Esse problema se agrava à medida que avançamos para um “sistema-</p><p>-mundo” cada vez mais globalizado e com facilidades de deslocamento. A falta de controle</p><p>no transporte de fauna e flora desenvolve padrões de distribuição não naturais das espécies.</p><p>2.3.2 Disjuntivas</p><p>O padrão disjuntivo é aquele em que as espécies estão distribuídas na superfície da</p><p>Terra de forma desigual, em diversas regiões, mas sem continuidade, como as espécies que</p><p>ocupam regiões de dois continentes distintos separadas por um oceano. Esse padrão de</p><p>distribuição é também considerado uma evidência externa da deriva continental, pois se</p><p>acredita que, se espécies ocorrem em dois pontos distintos com um imenso vazio entre eles,</p><p>isso pode significar que em algum momento do tempo geológico essas espécies estiveram</p><p>juntas (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>A distribuição disjuntiva pode explicar, por exemplo, como alguns tipos de insetos se-</p><p>melhantes ocorrem em continentes tão distintos e distantes uns dos outros. Nesse ponto,</p><p>destacamos a importância do estudo da Biogeografia histórica, pois, ainda que tenham per-</p><p>tencido ao mesmo habitat em algum momento do tempo geológico, as espécies evoluíram</p><p>diferentemente umas das outras. Isso acontece pois, apesar de possuírem grandes seme-</p><p>lhanças, ao serem separadas elas ficam expostas a diferentes condições de luz, temperatura,</p><p>chuva etc. As mesmas espécies são encontradas em diferentes pontos do planeta, porém</p><p>com padrões de desenvolvimento desiguais, por conta dessas condições.</p><p>A disjunção ocasiona o que cientificamente é chamado de anomalias biogeográficas:</p><p>os organismos que evoluem de forma diferente do esperado para sua espécie (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006). Isso acontece por diversos motivos, por exemplo, a separação de uma</p><p>mesma espécie por conta de grandes extensões de terra ou oceanos e mares pode ocorrer por</p><p>questões naturais ou também pelo ser humano, ao carregar e distribuir de forma desigual</p><p>um organismo. As condições adversas encontradas em um dado ambiente podem acarretar</p><p>um processo evolutivo que difere do padrão esperado caso o organismo estivesse em seu</p><p>habitat natural. Isso configura uma anomalia biogeográfica, ou seja, o processo de evolução</p><p>teve interferência direta da distribuição espacial.</p><p>O reconhecimento dessas anomalias, como características do processo de distribuição</p><p>disjuntiva, está diretamente relacionado ao estudo dos fósseis. A Paleontologia, que estuda</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies2</p><p>Biogeografia e impactos ambientais34</p><p>os organismos fossilizados e sua história, teoriza acerca da origem e evolução das espécies.</p><p>É importante ressaltar que, por tratarmos de evidências de cunho histórico, como os fósseis</p><p>e a análise da paisagem em que estavam dispostos, não é possível afirmar com certeza ab-</p><p>soluta que a disjunção e as anomalias ocorreram de fato para uma determinada espécie. No</p><p>entanto, as teorias são desenvolvidas com base em evidências que, por enquanto, ainda não</p><p>foram refutadas.</p><p>2.3.3 Endêmicas</p><p>O endemismo pode ser entendido como a ocorrência isolada de um organismo em uma</p><p>porção do espaço, ou seja, quando não existe ocorrência em outro lugar (GOCH, 2012). Os</p><p>organismos que respeitam esse padrão de distribuição estão restritos a pequenos nichos,</p><p>regiões ou ilhas isoladas. Não existe um padrão aleatório em sua distribuição (a aleatorieda-</p><p>de está relacionada a um padrão disjuntivo): as espécies endêmicas estão concentradas em</p><p>regiões específicas do planeta, chamadas de hot spots.</p><p>Os organismos, ou táxons, ficam restritos a uma região devido a características do pro-</p><p>cesso evolutivo biológico e ambiental, os chamados processos ecológicos de desenvolvimento.</p><p>Existem também os processos históricos, que podem revelar os motivos que levaram uma</p><p>espécie a restringir o seu padrão de distribuição a uma pequena área. Esses processos cau-</p><p>sam alterações no mecanismo evolutivo das espécies, de modo que é difícil se adaptarem a</p><p>outros biomas que não àqueles para os quais elas evoluíram, dando um caráter de confina-</p><p>mento aos organismos (BROWN; LOMOLINO, 2006).</p><p>As espécies endêmicas podem se diferenciar, ainda, pelo caráter autóctone ou alóctone.</p><p>Os processos históricos que fazem com que a espécie tenha o seu aspecto evolutivo ao longo</p><p>do tempo e das eras em uma mesma região na qual ela ainda é encontrada hoje é o que se</p><p>chama de endemismo autóctone. Quando as espécies migram ao longo do tempo e se de-</p><p>senvolvem em um ambiente diferente do original, ocorre o endemismo alóctone (BROWN;</p><p>LOMOLINO, 2006).</p><p>Um exemplo de endemismo é a arara-azul. Essa espécie é específica das regiões de flo-</p><p>restas tropicais e não pode ser encontrada em nenhum outro lugar do mundo. O urso polar</p><p>é outro exemplo, restrito a um ambiente específico por características biológicas adaptadas</p><p>a dado ambiente.</p><p>Os padrões de distribuição exemplificados ajudam a entender o padrão evolutivo das es-</p><p>pécies, intrinsecamente relacionado com sua distribuição espacial. É importante ressaltar que</p><p>o mesmo padrão se aplica aos humanos: diferentes características físicas, como cor dos olhos,</p><p>cor da pele, altura etc., podem e devem ser relacionadas aos padrões de distribuição. Apesar</p><p>de hoje haver o que chamamos de miscigenação, quando humanos de características diferentes</p><p>se relacionam e têm filhos, devemos lembrar que isso só ocorre graças à evolução tecnológica,</p><p>um fenômeno recente, que encurta distâncias e interfere na distribuição humana pela superfí-</p><p>cie. Assim, os estudos históricos nos permitem relacionar os conceitos da Biogeografia com o</p><p>próprio desenvolvimento da raça humana em diversos pontos do planeta.</p><p>Características ambientais e distribuição das espécies</p><p>Biogeografia e impactos ambientais</p><p>2</p><p>35</p><p>Ampliando seus conhecimentos</p><p>Morcegos do Estado do Paraná, Brasil</p><p>(Mammalia, Chiroptera): riqueza de espécies,</p><p>distribuição e síntese do conhecimento atual</p><p>(MIRETZKI, 2003, p. 101-104)</p><p>Os morcegos apresentam uma condição ímpar para estudos bionômi-</p><p>cos, devido a sua diversidade elevada, distribuição ampla e por serem</p><p>os únicos mamíferos capazes de voar (Anderson & Jones, 1984; Brosset &</p><p>Charles-Dominique, 1990; Wilson & Reeder, 1993). Há de se destacar que,</p><p>por serem tão diversos, abundantes e biologicamente complexos, são cri-</p><p>ticamente importantes nas comunidades tropicais pelos inúmeros papéis</p><p>que desempenham (Nowak, 1991; Marinho-Filho & Sazima, 1998). Eles</p><p>compreendem significativa proporção (às vezes acima de 40%) da fauna</p><p>de mamíferos em regiões florestais (Mills et al., 1996), sendo o grupo</p><p>determinante na diferença entre os padrões de diversidade de mamíferos</p><p>em regiões tropicais e temperadas (Eisenberg, 1981).</p><p>Ainda assim eles receberam relativamente pouca atenção dos naturalis-</p><p>tas do passado (Kunz & Racey, 1998) e somente nas três últimas décadas</p><p>registrou-se um enorme avanço nos estudos biológicos, biogeográficos,</p><p>taxonômicos e filogenéticos (Hill & Smith, 1986; Nowak, 1991; Koopman,</p><p>1993; Simmons, 1994; Kalko et al., 1996; Kalko, 1997; Kunz & Racey, 1998;</p><p>Simmons & Geisler, 1998), implicando, em linhas gerais, em um amplo</p><p>entendimento sobre o grupo.</p><p>No Brasil, os quirópteros representam aproximadamente um terço dos</p><p>mamíferos terrestres e o segundo grupo em diversidade, com 144 espé-</p><p>cies, riqueza que pode chegar a 166 espécies (Taddei, 1996). Contudo, ape-</p><p>nas recentemente</p>