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132 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito MOROZOV, Evgeny. Big tech. São Paulo: Ubu, 2018. ROSENBERG, Matthew. How Trump Consultants Exploited the Facebook Data of Millions. 2018. e New York Times. Disponível em: https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge- analytica-trump-campaign.html. Acesso em: 18 dez. 2022. SEMER, Marcelo. Sentenciando Tráco: o papel dos juízes do encarceramento em massa. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019. SIBILIA, Paula. O show do eu: a intimidade como espetáculo. 2 ed. Rio de Janeiro: Contraponto, 2016. ZAFFARONI, Eugênio Raul. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. 5 ed. Rio de Janeiro: Revan, 2018. ZAFFARONI, Eugenio Raul; SANTOS, Ílison Dias dos. A Nova Crítica Criminológica: criminologia em tempos de totalitarismo nanceiro. São Paulo: Tirant, 2020. ZUBOFF, Shoshana. e Age of Surveillance Capitalism: the ght for a human future at the new frontier of Power. New York: PublicAair, 2019. Capítulo 7 A VULNERABILIDADE DOS TITULARES DE DADOS FRENTE À REVOLUÇÃO BIOTECNOLÓGICA Ana Julia Oliveira Alcantara1 Salete Oro Bo 2 Introdução O presente artigo pretende realizar um levantamento do estado da arte voltado às pesquisas biotecnológicas na área da genética humana, para vericar impactos que a biotecnologia causa à saúde humana, seja de maneira positiva ou negativa, analisando as controvérsias éticas que circundam o tema, a partir da crescente informatização do mundo e da comercialização de dados pessoais/genéticos; indicar os marcos regulatórios que permitem ou limitam o compartilhamento de dados, o desenvolvimento de pesquisas relacionadas a genética humana e seu uso para comercialização; para, na sequência, realizar um panorama internacional voltado a decisões relevantes a respeito da proteção de dados em diferentes países e os impactos das decisões em âmbito geral. Com esse propósito, a primeira parte se ocupará do estudo da revolução biológica, dos avanços tecnológicos e da forma como o desenvolvimento tem afetado diferentes aspectos da vida humana, notadamente a saúde, com a criação do Projeto Genoma Humano, o entendimento mais profundo do funcionamento do corpo humano e, consequente, desenvolvimento de técnicas que permitem a manipulaçãodo genoma. Bem como, a forma como os novos âmbitos do agir humano 1 Advogada. Mestre em Direito, Democracia e Tecnologia pela ATITUS. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Roraima – UFRR. Lattes: http://lattes.cnpq. br/8486526741625507. Email: ajuliaalcantara@gmail.com 2 Doutora em Direito-UNISINOS. Estágio Pós-Doutoral-UFSC. Coordenadora e Professora do Professor do Programa de Pós-Graduação em Direito da ATITUS, de Passo Fundo - Mestrado em Direito. Professora da UFFS. Linha de Pesquisa “Dimensões jurídico-políticas da tecnologia e da Inovação”. Grupo de Pesquisa CNPq “Direitos, Novas Tecnologias e Desenvolvimento’’. Grupo de estudo GEDIPI. https://orcid.org/ 0000-0002-7159-187. Lattes: http://lattes.cnpq.br/9964386845761903. Email: salete.oro.bo@ gmail.com 134 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito proporcionados pela tecnologia devem ser analisados, a partir de uma perspectiva de respeito à dignidade da pessoa humana e dos direitos fundamentais. A segunda parte, dedica-se à análise dos dados genéticos, suas denominações atuais, a importância da proteção dos seus titulares, assim como a evidência da crescente vulnerabilidade do titular de dados genéticos diante de tratamento e manejo inadequado. Propõe-se, assim, o exame da proteção legal sobre os dados pessoais em âmbito brasileiro e europeu. Por m, serão analisados diferentes e polêmicos casos de proteção de dados pessoais e dados genéticos, em países europeus, no Brasil e Estados Unidos, os quais se tornaram exemplo, tanto quanto à consolidação de direitos, quanto como base para decisões subsequentes, uma vez que, na sociedade da informação, desentendimentos relacionados ao tratamento de dados são cada vez mais frequentes. A pesquisa será qualitativa, utilizando o método dedutivo, uma vez que se partirá de argumentos que considerados verdadeiros para que sejam alcançadas conclusões lógicas e como método de procedimento será adotado o monográco. A técnica de pesquisa empregada é a bibliográca, em fontes primárias e secundárias. 2 A ascensão dos dados genéticos A biotecnologia é vista como o grande marco na virada do século. As inovações biotecnológicas são divididas em distintas esferas e capazes de mudar radicalmente a forma como se vive e o curso da humanidade. Os avanços têm a capacidade de melhorar a qualidade de vida da população, de forma geral, ao criar técnicas e tratamentos de saúde gradativamente mais modernos e ecientes. Daí a importância de contextualizar os avanços e a necessidade de uma reexão cautelosa sobre o futuro. Com os avanços biotecnológicos e as consequentes possibilidades cada vez mais ambiciosas e inovadoras, no sentido de realizar mudanças denitivas na natureza da espécie humana, vê-se a necessidade crescente de tomada de decisões que limitem impulsos inconsequentes, ao mesmo tempo que não rejeitem os benefícios gerados pelas novas biotecnologias. Concomitantemente, observa-se o papel das tecnologias de informação e comunicação, que possibilita o compartilhamento em massa de dados pessoais que passaram a gerar grande interesse econômico, enquanto expõe seus titulares a diversas consequências, em caso de Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 135 tratamento inadequado. As novas possibilidades de apropriação de dados leva à necessidade de estabelecer uma relação de equilíbrio entre os benefícios gerados pela evolução biotecnológica e os potenciais malefícios ligados a mercantilização do material biológico humano, a discriminação e ameaça ao futuro das próximas gerações. A partir da criação de técnicas que tornavam a edição genética em alguma medida mais alcançáveis e, principalmente, com o nascimento dos primeiros humanos geneticamente modicados na China, o assunto ganhou destaque mundial passando a ser matéria comum não apenas no meio cientíco, mas também nos meios de comunicação social. É perceptível que os testes genéticos evoluíram e são mais sosticados e precisos e, por consequência, geram interesse de grandes laboratórios, que rapidamente os dominam, passando a oferecer as técnicas, predominantemente, à população com maior poder econômico. Os avanços tecnológicos na área genética despertam interesse da população em geral à medida que tornam possível o diagnóstico e eliminação de doenças genéticas de forma cada vez mais precoce, inclusive, ainda em fase embrionária. Porém, a proteção dos dados obtidos através dos testes é, igualmente, cada vez mais visada, e pode gerar consequências discriminatórias. Assim, procura-se analisar a extensão da vulnerabilidade dos titulares de dados genéticos na sociedade da informação, em um contexto no qual dados pessoais guram no centro das lutas de poder. Considera- se imprescindível que as crescentes inovações sejam alvo de estudos e discussões multidisciplinares para que as decisões levem em consideração os riscos decorrentes do uso da técnica em seus mais diversos graus, bem como, para que sejam discutidas maneiras de torná-las acessíveis a todos. Desse modo, pretende-se conseguir respostas quanto à forma de regular a exploração econômica dos dados genéticos, sem expor a vulnerabilidade e garantindo o respeito aos direitos fundamentais de seus titulares. 3 Proteção legal de dados genéticos A proteção legal dos dados genéticos segue declarações internacionais e é regulada, em âmbito nacional, por meio de resoluções do Conselho Nacional de Saúde. Sobre a proteção de dados pessoais, recentemente o Brasil aprovou a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), que trata a matéria de forma mais especíca e confere juridicidade a normas já 136Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito previstas nas resoluções. Algumas normas internacionais garantem aos pacientes submetidos à testes genéticos o direito de saber ou não saber dos resultados, é o caso da Declaração Internacional sobre os Dados Genéticos Humanos3, de 2003, que, levando em consideração a revolução genética e a crescente importância de dados genéticos no domínio econômico e comercial, visa “garantir o respeito da dignidade humana e a proteção dos direitos humanos e das liberdades fundamentais na recolha, tratamento, utilização e conservação dos dados genéticos humanos” (UNESCO, 2003, p. 4). A Declaração dene dados genéticos humanos como “(i) informações relativas às características hereditárias dos indivíduos, obtidas pela análise de ácidos nucleicos ou por outras análises cientícas” e condiciona o recolhimento, tratamento e utilização ao consentimento, entendido como “(iii) qualquer acordo especíco, expresso e informado dado livremente por um indivíduo para que os seus dados genéticos sejam recolhidos, tratados, utilizados e conservados” (UNESCO, 2003, p. 4). Dene, ainda, os ns pelos quais autoriza o recolhimento, tratamento e utilização; tendo em vista, em todas as hipóteses a saúde, a investigação médica e cientíca ou m compatível com os preceitos da Declaração e os Direitos Humanos, realizada de forma transparente e eticamente aceitável (UNESCO, 2003, p. 6). A declaração permite a utilização de dados genéticos como prova em procedimentos judiciais ou na medicina legal, entretanto, demanda a destruição deles assim que se tornarem desnecessários. Do mesmo modo, a Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos, de 1997, prevê a proteção dos dados genéticos ao proibir a discriminação fundada em características genéticas; vedar a pesquisa com dados associados com indivíduos identicáveis sem a devida condencialidade4; condicionar a pesquisa ao respeito aos direitos 3 Artigo 10º: Direito a decidir ser ou não informado dos resultados da investigação Quando são recolhidos dados genéticos humanos, dados proteómicos ou amostras biológicas para ns de investigação médica e cientíca, as informações fornecidas na altura do consentimento deverão indicar que a pessoa em causa tem direito a decidir ser ou não informada dos resultados. Esta cláusula não se aplica à investigação sobre dados irreversivelmente dissociados de pessoas identicáveis nem a dados que não conduzam a conclusões individuais relativas às pessoas que participaram na referida investigação. Se necessário, o direito a não ser informado deverá ser tornado extensivo aos familiares identicados dessas pessoas que possam ser afectados pelos resultados. (UNESCO, 2003, p. 4). 4 Artigo 7 Dados genéticos associados a indivíduo identicável, armazenados ou processados para uso em pesquisa ou para qualquer outro uso, devem ter sua condencialidade assegurada, nas Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 137 humanos e liberdades fundamentais5; e, ao exigir a disponibilização dos benefícios dos avanços a todos6 (UNESCO, 2001). A Declaração descreve o genoma humano por sua evolutividade, uma vez que sofre mutações e por sua extracomercialidade pois são vedadas transações nanceiras envolvendo-o; classica o genoma, ainda - enquanto base da unidade fundamental da espécie humana -, como patrimônio da humanidade7 (UNESCO 2001). Ao tratar da investigação, tratamento e diagnóstico envolvendo código genético humano, a declaração adota os princípios da benecência, ligado a ideia de que as pesquisas precisam sempre visar a maximização dos benefícios e minimização dos prejuízos; e da autonomia, que confere às pessoas o poder de decisão sobre suas próprias vidas e seus próprios dados. Mas renuncia ao consentimento e da condencialidade do autor em caso de interesse público. A Convenção sobre os Direitos do Homem e da Biomedicina, proposta pelo conselho da Europa em Oviedo, em 1997, regulamenta intervenções na área da saúde de forma geral, atribuindo especial atenção ao consentimento para as intervenções; veda a discriminação baseada em patrimônio genético e, dentre outros, a seleção do sexo do bebê na reprodução humana assistida (NAVES; NAVES, 2008, p. 338). Existem, ainda, a Declaração Inuyama sobre mapeamento genético, experimentação genética e terapia gênica, de 1990 no Japão, a Declaração de Bilbao sobre o Direito ante ao PGH de 1993 – intimidade como patrimônio pessoal e dados genéticos com ns discriminatórios condições estabelecidas pela legislação. (UNESCO, 2001) 5 Artigo 10 Nenhuma pesquisa ou suas aplicações relacionadas ao genoma humano, particularmente nos campos da biologia, da genética e da medicina, deve prevalecer sobre o respeito aos direitos humanos, às liberdades fundamentais e à dignidade humana dos indivíduos ou, quando for aplicável, de grupos humanos. (UNESCO, 2001) 6 Artigo 12 a) Os benefícios dos avanços na biologia, na genética e na medicina, relacionados ao genoma humano, devem ser disponibilizados a todos, com a devida consideração pela dignidade e pelos direitos humanos de cada indivíduo. b) A liberdade da pesquisa, necessária ao avanço do conhecimento, é parte da liberdade de pensamento. As aplicações da pesquisa, incluindo aquelas realizadas nos campos da biologia, da genética e da medicina, envolvendo o genoma humano, devem buscar o alívio do sofrimento e a melhoria da saúde de indivíduos e da humanidade como um todo. (UNESCO, 2001) 7 Artigo 1 O genoma humano constitui a base da unidade fundamental de todos os membros da família humana bem como de sua inerente dignidade e diversidade. Num sentido simbólico, é o patrimônio da humanidade. (UNESCO, 2001). 138 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito (NAVES; NAVES, 2008, 338), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, de 2000 que trata de dados pessoais, entre outros. Em âmbito nacional, existem Resoluções e Diretrizes propostas pelo Conselho Nacional de Saúde que tratam de regular as pesquisas cientícas desde 1996 e constituem importantes mecanismos reguladores, apesar de faltar a elas força jurídica. A Resolução do CNS nº 196 de 1996, aprovou uma série de diretrizes e normas regulamentadoras para a pesquisa que envolvesse seres humanos. Esta resolução já traz em seu texto a garantia de sigilo e privacidade dos participantes das pesquisas. Além de vedar o uso de dados obtidos dos participantes para quaisquer outros ns que não os previstos no protocolo da pesquisa (CNS, 1996). Em 2004 o CNS publicou a resolução nº 340 como complemento a Resolução nº 196/96, por força dos avanços técnico-cientícos que tornaram a resolução anterior insuciente para regular as pesquisas realizadas com seres humanos (CNS, 2004). A Resolução traz apreocupação com a estigmatização e discriminação dos indivíduos, sendo assim, confere a eles o direito ao acesso dos dados obtidos por meio da pesquisa, bem como a prerrogativa de bloquear o armazenamento e utilização deles, a qualquer momento (BERNASIUK, 2021). Ainda, o documento reitera, os ns a que deve se dirigir a realização de pesquisa em genética, qual seja, conhecimento cientíco que esteja apto e para a nalidade de amenizar o sofrimento e melhorar a saúde humana (CNS, 2004). A resolução nº 466/2011 veio, mais uma vez, complementar a nº 196/96, esta, especicamente quanto ao armazenamento e utilização de material biológico para ns de pesquisa. Sendo assim, conceitua os meios de armazenamento, quais sejam, biobancos e biorrepositório, bem como, material biológico humano e pesquisas envolvendo seres humanos (CNS, 2011). Em âmbito legal, a lei de biossegurança (Lei 11.105/05) já tratava de pesquisas com células tronco, alimentos transgênicos e embriões in vitr, e propunha limites éticos para as pesquisas, mas não era especíca quanto ao genoma humano e os dados genéticos, o que gerava em uma lacuna nalegislação brasileira (CARDOSO, 2018). Diante da necessidade de regulação e transparência no processo de coleta e tratamento dos dados e por não apresentar legislação especíca, as diretrizes estabelecidas nas Declarações internacionais eram aplicadas Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 139 de forma analógica pelos operadores do direito no Brasil (CARDOSO, 2018). Discute-se a aprovação de uma lei para proteção de dados no Brasil desde os anos 2000 (BERNASIUK, 2021), porém, apenas em agosto de 2018 foi publicada a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709) que entrou em vigor em 2020 e tem como escopo a proteção de dados pessoais, com atenção, inclusive, aos dados sensíveis. O que se tornou um marco no ordenamento jurídico brasileiro no avanço da proteção de dados pessoais, inclusive genéticos. A lei regula o tratamento dos dados pessoais, “inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural” (BRASIL, 2018). Levando como fundamento, entre outros, “IV - a inviolabilidade da intimidade, da honra e da imagem”; e, “VII - os direitos humanos, o livre desenvolvimento da personalidade, a dignidade e o exercício da cidadania pelas pessoas naturais” (BRASIL, 2018). A vigência da LGPD, tem como pedra angular o consentimento, que é imprescindível, para a concretização da autonomia e dignidade do titular (SARLET, 2017). A lei permite uma regulação uniforme das pesquisas, bem como, confere segurança jurídica aos titulares de dados (FORNASIER; KNEBEL, 2021, p. 1018). O patenteamento de genes, por sua vez, é incontestavelmente vedado no Brasil por força da Lei de Propriedade Industrial (Lei nº 9.279/1996), que prevê, além da desconsideração de qualquer parte de seres vivos ou material biológico como invenção, a expressa não patenteabilidade de seres vivos no todo ou parte.8 A vedação brasileira ao patenteamento do isolamento e sequenciamento de genes vai de encontro a uma tendência internacional 8 Lei nº 9.279/1996: Art. 10. Não se considera invenção nem modelo de utilidade: IX - o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos biológicos naturais. Art. 18. Não são patenteáveis: [...] III - o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade - novidade, atividade inventiva e aplicação industrial - previstos no art. 8º e que não sejam mera descoberta. (BRASIL, 1996). Como será visto detalhadamente no capítulo 4. 140 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito de concessão deste tipo de patente. Em uma tentativa de adequar o Brasil a esta tendência, o deputado Antonio Carlos Mendes ame propôs o PL 4.961 em 2005 para modicar os artigos 10 e 18 da lei de propriedade industrial (FREITAS, 2015). Percebe-se que a inspiração do projeto de lei proposto seria a Diretiva 98/44/CE da União Europeia que realiza uma classicação como invenção patenteável elementos isolados do corpo humano quando produzidos por meio de um processo técnico, incluindo, de forma expressa, o sequenciamento de gene (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 1998). Neste ínterim, antes da vigência da Lei Geral de Proteção de Dados no Brasil em 2020, o Código civil já garantia proteção à vida privada, o Código de Defesa do Consumidor (CDC) promovia regulação de bancos cadastrais, o Código Penal (CP) protegia o direito ao sigilo, e, sendo assim, por meio do direito a intimidade, os dados pessoais já estavam sob manto de proteção (COLUSSI; SANTOS, 2018). Entretanto, o desenvolvimento de avanços biotecnológicas aliado as novas ferramentas de comunicação, demandava proteção especíca no que tange o já consagrado direito fundamental à proteção de dados pessoais. Assim, fortemente inuenciada pela legislação europeia, em 2018 o Brasil aprovou a LGPD. Comentários a respeito da proteção de dados pessoais no âmbito do Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR) Em 2016 a União Europeia publicou o Regulamento Geral de Proteção de Dados (GDPR), que substituiu um regulamento de 1995 e entrou em vigor em maio de 2018, a GDPR chegou a ser considerada a lei mais avançada do mundo no tratamento de dados pessoais e proteção de seus titulares (FERREIRA; SILVA, 2020). O regulamento prevê diretrizes para empresas europeias ou estrangeiras que ofereçam serviços a residentes em países da União Europeia, abrangendo, inclusive, empresas brasileiras que atuam nos países da UE (DERBLI, 2019). Tem validade em todos os Estados-membros da União Europeia, mas concede a cada um a autonomia de interpretar o regulamento, criando legislações nacionais próprias de acordo com a necessidade especial local (PAULO, 2021). Dentre as considerações citadas na regulação que fazem parte do fundamento para criação dela, estão a globalização aliada a evolução tecnológica, que resultaram na utilização de dados pessoais numa escala sem Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 141 precedentes por empresas privadas e entidades públicas (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2016). Motivos pelos quais a proteção de dados passou a exigir maior atenção e aplicação de forma mais rígida. Assim, “(7) [...] deverá ser reforçada a segurança jurídica e a segurança prática para as pessoas singulares, os operadores econômicos e as autoridades públicas” (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2016). A EU busca, por meio do GDPR, respeitar a liberdade das empresas, com o objetivo de fortalecimento do mercado econômico, ao mesmo tempo em que incentiva pesquisas e assegura a proteção dos titulares de dados (PAULO, 2021). Diante do reconhecimento dos danos, sejam sociais, físicos ou econômicos, que o vazamento de dados pessoais pode causar aos titulares, a GDPR prevê um prazo de 72 horas para noticação de violação no tratamento de dados por parte do responsável pelo seu tratamento ao órgão de controle e titulares, com a exceção de que seja capaz de comprovar a ausência de riscos para os direitos e liberdades individuais (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2016). Entretanto, a proteção de dados pessoais, conceituados como informações relativas a uma pessoa identicada ou identicável, “direta ou indiretamente, especialmente no que diga respeito a localização geográca, identicação online, bem como dados físicos, psicológicos, genéticos, econômicos, culturais ou sociais do indivíduo” (COLUSSI; SANTOS, 2018, p. 16), não é absoluta. A GDPR regula a “coleta, armazenamento e utilização de informações que identiquem ou permitam a identicação de indivíduos europeus, tais como, [...] elementos especícos da identidade física, siológica, genética, mental, econômica, cultural ou social da pessoa singular” (DERBLI, 2019, p. 183). Determinando que eventual confronto entre direitos fundamentais deve ser pautado de acordo com o princípio da proporcionalidade (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2016). Prevê, ainda, que os dados pessoais deverão ser processados seguindo os princípios da licitude, lealdade e transparência. Para que seja lícito, deve seguir o disposto nas alíneas de “a” a “f ” do artigo 6; a lealdade se relaciona com o senso de justiça e a transparência a uma atuação clara e honesta no tocante às informações, a comunicação e das regras (PARLAMENTO EUROPEU E DO CONSELHO, 2016). 142 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito A legislação da União Europeia foi enfática ao proteger os dados sensíveis, considerando que pela natureza deles o tratamento é capaz de “implicar riscos signicativos para os direitos e liberdades fundamentais”. Sendo assim, vinculou o consentimento dos titulares a cinco requisitos,além de expresso, a manifestação consentida deve ser livre, explícita, inequívoca, informada e especíca. Apesar de estabelecer um regime restrito quanto ao processamento de dados pessoais sensíveis, abarca exceções a proibição de acordo com dez circunstâncias, “que passam desde a proteção de interesses vitais do indivíduo até razões de substancial interesse público, sem, contudo, exemplicar ou especicar quais seriam essas hipóteses concretamente consideradas.” (MULHOLLAND, 2018, p. 167). A GDPR assegura o direito dos titulares a ter as informações relativas aos seus dados genéticos protegidas, vedando o compartilhamento de dados pessoais por empresas, sem o devido consentimento de seus titulares (BERNASIUK, 2021). Assim, demonstra-se que a regulação se preocupou com os aspectos éticos ao se tratar da licitude do processamento de dados na pesquisa, ao mesmo tempo em que encoraja o desenvolvimento ao prever o compartilhamento de dados em pesquisa cientíca (CHASSANG, 2017). 4 Comentários a respeito da proteção de dados no âmbito da Lei Geral de Proteção de Dados brasileira (LGPD) A vigência da Legislação Geral de Proteção de Dados (LGPD) brasileira constitui um marco do direito interno, por, entre outros, se voltar pela primeira vez, de forma minuciosa ao tratamento de dados sensíveis. Os escândalos de vazamento de dados e espionagem, dos quais foi alvo, inclusive, a então presidenta do Brasil, Dilma Rousse, colocaram em evidência a lacuna quanto a proteção de dados na legislação nacional, trazendo ao foco os direitos de personalidade e o princípio da privacidade (PAULO, 2021). Além disso, o cenário internacional, especialmente com a regulamentação da União Europeia quanto à proteção de dados pessoais, acaba por exercer pressão para que os demais países também adotem regulações, sob risco de se tornarem alvo de barreiras econômicas pelas diculdades nas negociações (PINHEIROS, 2021). Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 143 A LGPD apresenta os princípios que devem servir de base para o tratamento de dados pessoais, regulamenta a proteção dos dados, incluindo os sensíveis e de crianças, autoriza seu tratamento pelo Poder Público para ns de políticas públicas e prevê sanções em casos de violação (BRASIL, 2018). Considera como tratamento, diferentes operações realizadas com dados, como a “coleta, produção, recepção, classicação, utilização, acesso, reprodução, transmissão, distribuição, processamento, arquivamento, armazenamento, eliminação, avaliação, controle, modicação, comunicação, transferência, difusão ou extração” (PINHEIRO, 2021, p. 76). Prevê, ainda, normas para que a transferência internacional de dados pessoais seja considerada legal, nos incisos do artigo 339, em preceito inspirado na GDPR, com o intuito de minimizar os riscos dos titulares (PAULO, 2021). De acordo com a lei os dados sensíveis são enquadrados dentre aqueles “concernentes aos dados genéticos ou biométricos, à origem racial ou étnica e as informações sobre a religião ou liação partidária10” 9 Art. 33. A transferência internacional de dados pessoais somente é permitida nos seguintes casos: I - para países ou organismos internacionais que proporcionem grau de proteção de dados pessoais adequado ao previsto nesta Lei; II - quando o controlador oferecer e comprovar garantias de cumprimento dos princípios, dos direitos do titular e do regime de proteção de dados previstos nesta Lei, na forma de: a) cláusulas contratuais especícas para determinada transferência; b) cláusulas-padrão contratuais; c) normas corporativas globais; d) selos, certicados e códigos de conduta regularmente emitidos; III - quando a transferência for necessária para a cooperação jurídica internacional entre órgãos públicos de inteligência, de investigação e de persecução, de acordo com os instrumentos de direito internacional; IV - quando a transferência for necessária para a proteção da vida ou da incolumidade física do titular ou de terceiro; V - quando a autoridade nacional autorizar a transferência; VI - quando a transferência resultar em compromisso assumido em acordo de cooperação internacional; VII - quando a transferência for necessária para a execução de política pública ou atribuição legal do serviço público, sendo dada publicidade nos termos do inciso I do caput do art. 23 desta Lei; VIII - quando o titular tiver fornecido o seu consentimento especíco e em destaque para a transferência, com informação prévia sobre o caráter internacional da operação, distinguindo claramente esta de outras nalidades; ou IX - quando necessário para atender as hipóteses previstas nos incisos II, V e VI do art. 7º desta Lei. (BRASIL, 2018). 10 Art. 5º Para os ns desta Lei, considera-se: II - dado pessoal sensível: dado pessoal sobre origem racial ou étnica, convicção religiosa, opinião política, liação a sindicato ou a organização de caráter religioso, losóco ou político, dado referente à saúde ou à vida sexual, dado genético ou biométrico, quando vinculado a uma 144 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito (COLUSSI; SANTOS, 2018, p. 15), os quais expõem o titular à discriminação. A condição de titular prevista no inciso V do artigo 5º, como: “pessoa natural a quem se referem os dados pessoais que são objeto de tratamento” é atribuída a pessoa apta a ceder as informações contidas nos dados genéticos, por meio de “manifestação livre, informada e inequívoca no qual o titular concorda com o tratamento de seus dados pessoais para uma nalidade determinada”, segundo o inciso XII do mesmo artigo (BRASIL, 2018). O objetivo da legislação não é o de condenar o uso de dados pessoais por empresas privadas, mas de encontrar mecanismos de equilíbrio para que os titulares não se vejam expostos quanto aos seus direitos individuais. Como arma Pinheiro, “a linha mestra é a garantia da liberdade, mas a base é a transparência” (2021, p. 82) A lei exige, no âmbito do consentimento do titular, que ele tenha sido informado pelo controlador a respeito do que será feito com seus dados, prevê, ainda, casos especícos nos quais existe a possibilidade de tratamento dos dados com a dispensa do consentimento do titular, como para ns de pesquisa. Neste caso, a lei recomenda a anonimização dos dados, de forma que não seja possível identicar a identidade do titular (CARDOSO, 2018). Entretanto, considera-se que “os dados genéticos dicilmente podem ser anonimizados, portanto a proteção concedida na lei, em relação aos dados genéticos, tem ecácia limitada quanto a garantia de privacidade” (CARDOSO, 2018, p. 12 e 13). Uma vez anonimizado, o dado não é considerado pessoal e deixa de ser protegido pela lei (PINHEIRO, 2021). Por força da LGPD, em 2018, foi criada a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), por meio da Medida Provisória nº 869, “um órgão vinculado à Administração Pública Federal, dotado exclusivamente de autonomia técnica” (DERBLI, 2019, p. 191), e, portanto, sem autonomia normativa, adjudicatória ou scalizatória. Entre as atribuições da ANPD está a promoção de ações que estimulem a cooperação entre autoridades internacionais e outros países quanto a proteção de dados pessoais (PAULO, 2021). A LGPD produz efeitos de cunho econômico, social e político ao buscar mecanismos de controle em um contexto de negócios digitais pessoa natural; Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 145 sem fronteiras. Constitui, também, resposta aos desaos que a tecnologia impõe a sociedade, devendo ser seguida por aprimoramentos e pela criação de outras leis para que sejam atendidas as novas demandas causadas pelo grande impacto dos avanços da tecnologia. 5 Perspectivas diante da ascensão da importância e valor econômico dos dados genéticos A revolução biotecnológica e os novos parâmetros do direito à informação foram fatores cruciais para uma série de mudanças observadasno modo de viver da sociedade nos últimos anos. A pesquisa no âmbito da biotecnologia levanta controvérsias a cada avanço, de forma que o mundo e, como reexo, as legislações internacionais, se dividem quanto ao viés com os quais se identicam, seja numa tendência predominantemente materialista ou humanista. Neste sentido, à medida que as inovações permitem mudanças mais radicais na própria essência do ser humano e modicam as formas de vida, mais reponsabilidade é necessária para regular as pesquisas e a aplicação das novas técnicas, de forma que a ética do passado precisou se transformar em uma ética moderna para abranger todos os novos elementos que passou a atingir. O desenvolvimento das pesquisas e de novas técnicas nos mais diversos campos da tecnologia tornaram a natureza vulnerável ao homem e suas ações, assim, necessário que se pense a ética como limitadora das ações para que não se comprometa o futuro das próximas gerações em relação à suas próprias características genéticas ou ao meio no qual estarão inseridas. Na mesma esteira, os avanços tecnológicos na área informática levaram o armazenamento e compartilhamento de dados a um novo patamar, de forma que possibilitou a criação de massivos bancos de dados, sejam pessoais ou sensíveis. Abrindo-se um promissor caminho para a comercialização de dados. A compreensão dos seres humanos no âmbito da biologia é alterada a partir da possibilidade de coleta e armazenamento de dados biológicos. A informação digitalizada dos dados biológicos acompanha o crescimento explosivo da importância da informação na sociedade atual. Neste âmbito, a concessão de patentes no campo biotecnológico é alvo de grandes discussões, que levantam questões cujas respostas 146 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito continuam indeterminadas, de maneira que cada país se adapta à forma como acredita ser mais vantajosa, seja sob uma perspectiva individual, coletiva, econômica ou humanitária. O limite entre o direito, a pesquisa, os avanços, a criação de novas técnicas e o respeito à ética e a moral humanas, tem como base o direito fundamental à dignidade da pessoa humana, que serve de fundamento para todos os direitos fundamentais, mas aqui, especicamente, o direito à intimidade genética, à privacidade e a livre autodeterminação informativa. Ou seja, o desenvolvimento biotecnológico e informático deve respeitar a privacidade e a intimidade genética, de modo que não exponha os titulares de dados, deixando-os a mercê de um novo tipo de discriminação, a genética; não produza mudanças na herança genética das próximas gerações, uma vez que desconhecidas as consequências; não se colha, utilize, armazene ou exerça qualquer tipo de controle de dados sem o livre consentimento de seu titular, que deve ser informado a respeito de todos os processos a serem realizados. Neste âmbito, destaca-se a importância das legislações já existentes que preveem proteção, ainda que não absoluta, aos titulares de dados, garantindo o consentimento para coleta, pesquisa ou qualquer uso que se pretenda fazer dos dados, bem como, contra vazamentos que poderiam expor suas vulnerabilidades. A utilização de dados genéticos humanos para ns econômicos, seja enquanto testes de ancestralidade genética; testes diagnósticos voltados à prevenção ou terapia; ou por meio de patentes, deve ser analisada, regulada e realizada com especial cautela, uma vez que estão em jogo dados sensíveis e genéticos, capazes de ferir a esfera mais íntima de seus titulares, em caso de má gestão. Sendo assim, importante a análise dos entendimentos de cortes nacionais e internacionais que julgaram casos concretos em diversos países, bem como, as diferentes legislações em âmbito internacional a respeito da proteção de dados pessoais e genéticos, assim como, da possibilidade de obtenção de lucro por meio de dados genéticos humanos. O isolamento dos genes BRCA1 e BRCA2 possibilitou a criação de testes de diagnóstico precoce de câncer de ovário e mama. Solicitadas e concedidas patentes que envolviam os testes, eles se tornaram monopólio da empresa Myriad, o que, devido aos elevados custos de cada teste, virou impedimento para que diversas pessoas os realizassem. O caso levantou algumas questões, resolvidas de forma denitiva, Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 147 em âmbito estadunidense, pela Corte Norte Americana, em 2013, no sentido de não permitir o patenteamento requerido pela Myriad. Entretanto, à mesma empresa já haviam sido concedidas as patentes, que foram exploradas economicamente desde 1998. Enquanto alguns grupos defendiam o pertencimento do sequenciamento do gene a cada paciente, outros propunham que deveriam ser considerados bem público global, e, portanto, não deveriam ser usados para ns econômicos. Os tribunais, de forma geral, tendem a adotar entendimento no sentido de garantir a proteção dos dados e da esfera íntima de seus titulares acima do aspecto econômico. Mas asseguram o caráter não absoluto do direito fundamental à proteção de dados, que deve ser relativizado, em circunstâncias especícas, em nome, por exemplo, da utilidade pública. O estudo do caso Myriad Genetics, demonstrou uma exibilidade no quesito de patenteabilidade de tecnologias relacionadas ao gene humano maior no âmbito da União Europeia do que nos Estados Unidos. Mais precisamente, foi demonstrado, que, quanto mais abrangente o escopo da patente, maior a possibilidade de monopólio que, ao contrário da justicativa para a concessão de patentes, gera problemas de saúde pública ao restringir o acesso às inovações e obstaculizar o desenvolvimento de novas técnicas. Um outro importante exemplo, é o caso da criação de bancos de dados genéticos, com diferentes nalidades, como a de pesquisa, investigação criminal e o uso, por agencias de fertilização para geração de novas vidas, muitas vezes por meio da objeticação do ser humano, que passa a fazer parte de uma espécie de cardápio no qual os genitores escolhem características especícas do pai biológico. A criação de cada banco, bem como, a escolha de suas nalidades, geram diferentes discussões e colocam em confrontação diferentes direitos, que precisam ser cuidadosamente ponderados para que a continuidade do tratamento de dados seja feita da forma mais equilibrada possível e sempre levando em consideração os direitos fundamentais como pedra angular. 6 Considerações finais Da reexão realizada no presente trabalho, verica-se que o limite entre o a pesquisa, a criação de novas técnicas têm como base o direito 148 Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito fundamental à dignidade da pessoa humana, que serve de fundamento para todos os direitos fundamentais, mas aqui, especicamente, o direito à intimidade genética, à privacidade e a livre autodeterminação informativa. Ou seja, o desenvolvimento biotecnológico e informático deve respeitar a privacidade e a intimidade genética, de modo que não exponha os titulares de dados, deixando-os a mercê de um novo tipo de discriminação: a genética; não produza mudanças na herança genética das próximas gerações, uma vez que desconhecidas as consequências; não se colha, utilize, armazene ou exerça qualquer tipo de controle de dados sem o livre consentimento de seu titular, que deve ser informado a respeito de todos os processos a serem realizados. A utilização de dados genéticos humanos para ns econômicos, seja enquanto testes de ancestralidade genética; testes diagnósticos voltados à prevenção ou terapia; ou por meio de patentes, deve ser analisada, regulada e realizada com especial cautela, uma vez que estão em jogo dados sensíveis e genéticos, capazes de ferir a esfera mais íntima de seus titulares, em caso de má gestão. Percebe-se, desta forma, a crescente importância da defesa dos direitos fundamentais relacionados à proteção de dados pessoais esensíveis, frente à, também crescente, possibilidade de exploração destes dados em diferentes setores e para ns diversos, que expõem seus titulares à situação de vulnerabilidade e discriminação. As declarações internacionais e diretivas internas, bem como, os julgamentos realizados em âmbito interno e por tribunais internacionais, especialmente no tocante a casos complexos, que geram grandes debates entre cientistas, juristas e a sociedade como um todo, têm o condão de inuenciar as decisões futuras, inuenciando, também, o curso da aplicação das inovações existentes, assim como os novos caminhos a serem seguidos com as inovações que estão por vir em curto, médio e longo prazo. Assim, o crescimento do valor econômico da informação aliado a facilidade na obtenção, manutenção e armazenamento de dados, cada vez mais complexos, como os genéticos, torna imprescindível e urgente um debate a respeito da forma como os dados devem ser protegidos, das possibilidades de exploração econômica e da proteção de seus titulares. Anuário do Programa de Pós-Graduação Stricto SenSu em Direito 149 Referências BERNASIUK, Helen Lentz Ribeiro. Liberdade de pesquisa genética humana e a necessidade de proteção dos dados genéticos. Rio de Janeiro: Lumen juris, 2021 BRASIL. Palácio de Planalto. Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade industrial. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9279.htm. Acesso em 07 mar 2022. BRASIL. Palácio do Planalto. Lei n. 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Disponível em: https://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.html. 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