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A_Criminologia_do_Século_XXI

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1 
 
A CRIMINOLOGIA NO SÉCULO XXI 
 
Eduardo Luiz Santos Cabette, Delegado de Polícia, Especialista em Direito Penal e 
Criminologia, Mestre em Direito Social (enfoque em Processo Penal), Professor de Direito 
Penal, Processo Penal, Legislação Penal e Processual Penal Especial e Criminologia na 
graduação e pós graduação da Unisal. 
 
Fonte: http://atualidadesdodireito.com.br/eduardocabette/2012/08/01/a-criminologia-no-
seculo-xxi/ 
 
RESUMO: O texto apresenta a evolução do pensamento criminológico, passando pelos suas 
diversas fases até a moderna configuração crítica. Põe em destaque especialmente os momentos 
de alteração epistemológica no trato dos problemas criminais, desde o surgimento do interesse 
nos estudos criminológicos até o desenvolvimento desse pensamento de acordo com novos 
paradigmas de conhecimento. 
 
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Conceito e objeto da criminologia -3. A evolução do pensamento 
criminológico: 3.1 Preliminares; 3.2 A escola liberal Clássica do Direito Penal; 3.3 O Positivismo e 
o nascimento da criminologia: Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.1 O 
Positivismo; 3.3.2 Criminologia Clínica e Criminologia Sociológica; 3.3.3 Teorias Estrutural – 
Funcionalistas; 3.4 ANova Criminologia: Criminologia Crítica, Dialéticas, Radical, Interacionista ou 
da Reação Social; 3.4.1 Preliminares; 3.4.2 “Labeling Approach” ou Teoria da Reação Social; 
3.4.3 A Sociologia do Conflito e a Criminologia – 4. Conclusão – 5. Referências Bibliográficas. 
 
PALAVRAS – CHAVE: Criminologia – Criminologia Clínica – Criminologia Sociológica – 
Criminologia Crítica – Criminologia Integrada – Positivismo – Direito Penal – Estrutural 
Funcionalismo – “Labeling Approach” – Reação Social – Defesa Social – Sociologia Criminal – 
Sociologia do Conflito. 
 
1 – INTRODUÇÃO 
 O estudo do fenômeno criminoso sempre esteve em pauta e na atual fase do 
desenvolvimento social, marcada por uma forte heterogeneidade a acirrar os ensejos de conflito, 
torna-se tema obrigatório e de alta relevância. 
 A ciência em qualquer de seus ramos deve contextualizar-se e tomar consciência do seu 
papel social, pois que ela “está no âmago da sociedade e, embora bastante distinta dessa 
sociedade, é inseparável dela, isso significa que todas as ciências, incluindo as físicas e 
biológicas, são sociais.”[1] 
 É preciso ter em mente o enorme potencial transformador do conhecimento e do trato 
científico dado a um problema. Um modelo ou uma espécie de abordagem imprimidos a 
determinadas questões levará a conseqüências práticas positivas ou negativas. Morin adverte 
para essa realidade ao asseverar: 
 “E, no entanto, essa ciência elucidativa, enriquecedora, conquistadora e triunfante, 
apresenta- nos, cada vez mais, problemas graves que se referem ao conhecimento que produz, à 
ação que determina, à sociedade que transforma. Essa ciência libertadora traz, ao mesmo tempo, 
possibilidades terríveis de subjugação. Esse conhecimento vivo é o mesmo que produziu a 
ameaça do aniquilamento da humanidade. Para conceber e compreender esse problema, há que 
2 
 
acabar com a tola alternativa da ciência ‘boa’, que só traz benefícios, ou da ciência ‘má’, que só 
traz prejuízos. Pelo contrário, há que, desde a partida, dispor de pensamento capaz de conceber 
e de compreender a ambivalência, isto é, a complexidade intrínseca que se encontra no cerne da 
ciência.”[2] 
 Transportando estas observações para a questão do pensamento criminológico, constata-
se a necessidade de buscar a construção de um saber complexo, evitando reducionismos, 
preconceitos e idealizações que distorçam a realidade e produzam conclusões que orientem 
ações meramente simbólicas, incapazes de ensejarem transformações efetivas, mas, ao 
contrário, atuando como elementos reprodutores e perpetuadores de um quadro social marcado 
pela violência e desigualdade. 
 No decorrer deste trabalho procurar-se-á expor sumariamente o caminho percorrido pelo 
pensamento criminológico, desde o seu surgimento até a atualidade, propiciando a constatação 
dos frutos (positivos e negativos) produzidos em conformidade com o referencial teórico adotado 
para o estudo do fenômeno criminal. 
 
2 – CONCEITO E OBJETO DA CRIMINOLOGIA 
 A conceituação e a delimitação do campo de atuação da criminologia apresenta uma 
variação de acordo com o modelo de interpretação do surgimento do fenômeno criminal. 
 Etimologicamente, criminologia deriva do latim “crimino” (crime) e do grego “logos” 
(tratado ou estudo).[3] Trata-se, portanto, consensualmente, do estudo do crime. Entretanto, 
podem variar as naturezas das abordagens aplicadas a este estudo, de modo a implicarem em 
diversas concepções da ciência criminológica. 
 Pode-se falar de um verdadeiro divisor de águas entre uma concepção tradicional da 
criminologia e a revolução que emergiu com o florescimento da chamada “Nova Criminologia” ou 
“Criminologia Crítica”. 
 Essa guinada conceitual constitui, em verdade, o cerne da evolução criminológica e o 
principal tema desta exposição. 
 Tradicionalmente o crime era encarado como uma realidade em si mesmo, ou seja, 
ontologicamente considerado. O criminoso como um indivíduo diferente, anormal ou até mesmo 
patológico. Desse modo todos os esforços eram alocados para as pesquisas em torno dos 
fatores produtores da delinqüência e os mecanismos capazes de prevenir, reprimir e corrigir as 
condutas desviantes. Crime e criminoso vistos como entes naturais, embora deletérios. 
 A Criminologia Crítica abandona definitivamente tais concepções e desmistifica a crença 
no crime como realidade ontológica e natural, bem como a ideologia da figura do criminoso como 
um anormal. “A consideração do crime como um comportamento definido pelo direito, e o repúdio 
do determinismo e da consideração do delinqüente como um indivíduo diferente, são aspectos 
essenciais da nova criminologia.”[4] 
 Essa mudança de enfoque possibilita a conclusão crucial para um estudo mais realista, de 
que “o delito não é um ente de fato, mas um ente jurídico”. “O delito é um ente jurídico porque sua 
essência deve consistir, indeclinavelmente, na violação de um direito.”[5] 
 Durkheim assinala que o crime é um fato rotineiramente tomado como patológico pela 
maioria dos criminologistas, devido a uma atitude precipitada e irrefletida. Afinal de contas o crime 
não é encontrável somente em certas sociedades com estes ou aqueles caracteres. Trata-se de 
algo presente em toda e qualquer sociedade; um elemento constante. Nem mesmo a evolução 
social conduz, juntamente com o seu maior nível organizativo, a um decréscimo nos índices de 
criminalidade. Na verdade, opera-se justamente o oposto: nas sociedades mais complexas ocorre 
um avanço da criminalidade. “Não há, portanto, fenômeno que apresente de maneira mais 
irrefutável todos os sintomas de normalidade, dado que aparece como estreitamente ligado às 
3 
 
condições de qualquer vida coletiva. Transformar o crime numa doença social seria admitir que a 
doença não é uma coisa acidental mas que, pelo contrário, deriva, em certos casos, da 
constituição fundamental do ser vivo; seria eliminar qualquer distinção entre o fisiológico e o 
patológico”[6] 
 Tendo em vista essa alteração do enfoque epistemológico, observar-se-á uma grande 
diferença entre os conceitos tradicionais de criminologia e aquele hoje preconizados pelos 
autores críticos. 
 Em um primeiro plano pode-se destacar alguns conceitos que bem ilustram a concepção 
tradicional: 
 Edwin H. Sutherland define a criminologia como “um conjunto de conhecimentos que 
estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidadedo delinqüente, sua conduta 
delituosa e a maneira de ressocializá-lo.”[7] 
 Em sintonia com esse modelo também pode-se arrolar a definição de Newton Fernandes 
e Valter Fernandes: 
 “Criminologia é a ciência que estuda o fenômeno criminal, a vítima, as determinantes 
endógenas e exógenas, que isolada ou cumulativamente atuam sobre a pessoa e a conduta do 
delinqüente, e os meios labor – terapêuticos ou pedagógicos de reintegra-lo ao agrupamento 
social”.[8] 
 Ainda nesta mesma linha de pensamento apresenta-se a conceituação de Frederico 
Marques, para quem “a criminologia é a ciência que cuida das leis e fatores da criminalidade, 
consagrando-se ao estudo do crime e do delinqüente, do ponto de vista causal – explicativo”.[9] 
 Estes são apenas alguns exemplos de conceituação fulcradas na aceitação do crime 
como entidade natural e do criminoso como sujeito anormal. Verifica-se claramente um intento de 
obter uma determinação daquilo que causaria o fenômeno da criminalidade, seja como fator 
intrínseco no ser – humano, seja como algo proporcionado pelo ambiente. De qualquer forma, 
opera-se um corte epistemológico artificial entre o crime (pretensamente tomado como realidade 
ontológica) e as normas jurídicas produzidas pela vida social, afora a total ausência de 
preocupação com a atuação do sistema penal. Enfim, desconsidera-se a característica 
fundamental do fenômeno criminal, ou seja, sua realidade essencialmente normativa. 
 Considerando essa concepção tradicional, o objeto de estudo da criminologia cinge-se 
basicamente à etiologia e profilaxia do crime. 
 Por seu turno, a “Nova Criminologia” apresenta conceituações bastante diferenciadas, 
ensejando uma ingente reformulação na condução dos estudos do fenômeno criminal. 
 Zaffaroni e Pierangeli conceituam a criminologia como “a disciplina que estuda a questão 
criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta 
aplicadas às condutas criminais”.[10] 
 Para os criminologistas radicais ou críticos a criminologia é a ciência que estuda a 
geração do fenômeno delinqüencial pela ordem social, buscando uma prática social 
transformadora, com profundas e radicais alterações nas estruturas sociais como meio para o 
equacionamento do problema do crime e da criminalidade.[11] 
 Dessa forma, não só o conceito, mas também o objeto de estudo alteram-se 
significativamente. O enfoque principal desloca-se do ato e do agente criminosos para o Sistema 
Penal e os processos de criminalização, ensejando a revelação de uma função velada da antiga 
criminologia como uma “ideologia de justificação do sistema penal e do controle social de que 
este forma parte.”[12] 
 Este é o parecer de Baratta ao afirmar que “de fato, as teorias criminológicas da reação 
social e as compreendidas no movimento da ‘criminologia crítica’, deslocaram o foco de análise 
do fenômeno criminal, do sujeito criminalizado para o sistema penal e os processos de 
4 
 
criminalização que dele fazem parte e, mais em geral, para todo o sistema da reação social ao 
desvio.”[13] 
 Ao invés de justificar, legitimar e perpetuar todo o aparato repressivo organizado em torno 
do fenômeno criminal, a nova criminologia presta-se a levar a efeito uma rigorosa crítica ao 
Sistema Penal e aos processos criminalizadores, abrindo os horizontes inclusive para maiores 
preocupações com campos importantes de proliferação do crime, normalmente relegados a um 
segundo plano, como os casos da criminalidade econômica, ambiental etc., afeitas às classes 
socialmente melhor posicionadas. 
 Como se vê, com a “Criminologia Crítica” emerge uma radical mudança de paradigma no 
trato da questão criminal. Este fenômeno, segundo o pensamento de Thomas Kuhn, constitui a 
natureza mesma de qualquer ciência, pois que esta encontra-se atrelada a determinados modelos 
ou paradigmas que mudam com o tempo e as revoluções científicas. Para o autor enfocado, a 
chamada “Ciência Normal” “é baseada no pressuposto de que a comunidade científica sabe 
como é o mundo. Grande parte do sucesso do empreendimento deriva da disposição da 
comunidade para defender esse pressuposto – com custos consideráveis se necessário. Por 
exemplo, a ciência normal freqüentemente suprime novidades fundamentais, porque estas 
subvertem necessariamente seus compromissos básicos.”[14] 
 As revoluções científicas desintegram a tradição ligada à chamada “Ciência Normal”, 
através do embate entre segmentos da comunidade científica. Este “é o único processo histórico 
que realmente resulta na rejeição de uma teoria ou na adoção de outra”.[15] 
 A crise da criminologia tradicional exsurge exatamente desse conflito entre um velho 
paradigma que não mais se sustenta em confronto com o novo modelo criminológico que 
desvela os seus pressupostos equivocados e a sua natureza ideológica no sentido de encobrir 
fatores deslegitimantes do Sistema Penal. 
 Bastante incisiva é a exposição de Baratta quanto a essa questão, razão pela qual torna-
se imperativo proceder à sua transcrição em arremate: 
 “Sobre a base do paradigma etiológico a criminologia se converteu em sinônimo de 
ciência das causas da criminalidade. Este paradigma, com o qual nasce a criminologia positivista 
perto do final do século passado, constitui a base de toda a criminologia ‘tradicional’, mesmo de 
suas correntes mais modernas, as quais, à pergunta sobre as causas da criminalidade, dão 
respostas diferentes daquelas de orem antropológica ou patológica do primeiro positivismo, e que 
nasceram, em parte, da polêmica com este (teorias funcionalistas, teorias ecológicas, teorias 
multifatoriais etc.). 
 O paradigma etiológico supõe uma noção ontológica da criminalidade, entendida como 
uma premissa preconstituída às definições e, portanto, também à reação social, institucional ou 
não institucional, que põe em marcha essas definições. Desta maneira, ficam fora do objeto de 
reflexão criminológica as normas jurídicas ou sociais, a ação das instâncias oficiais, a reação 
social respectiva e, mais em geral, os mecanismos institucionais e sociais através dos quais se 
realiza a definição de certos comportamentos qualificados como ‘criminosos’. 
 A pretensão da criminologia tradicional, de produzir uma teoria das condições (ou causas) 
da criminalidade, não é justificada do ponto de vista epistemológico. Uma investigação das 
causas não é procedente em relação a objetos definidos por normas, convenções ou valorações 
sociais e institucionais. Aplicar a objetos deste tipo um conhecimento causal – naturalista, produz 
uma ‘reificação’ dos resultados dessas definições normativas, considerando-os como ‘coisas’ 
existentes independentemente destas. A ‘criminalidade’, os ‘criminosos’ são, sem dúvida alguma, 
objetos deste tipo: resultam impensáveis sem intervenção de processos institucionais e sociais 
de definição, sem a aplicação da lei penal por parte das instâncias oficiais e, por último, sem as 
definições e as reações não institucionais.”[16] 
 
5 
 
3 – A EVOLUÇÃO DO PENSAMENTO CRIMINOLÓGICO 
 
3.1 – PRELIMINARES 
 
 Neste item pretende-se apresentar um breve esboço das diversas correntes do 
pensamento criminológico, desde seu surgimento e desenvolvimento “tradicional” até os dias 
atuais, com as suas formulações críticas ou radicais. 
 Duas observações devem ser feitas antes da exposição das diversas concepções: as 
linhas de pensamento criminológico não têm, em sua seqüência, uma divisão estanque, de 
maneira que convivem em algumas épocas orientações distintas e às vezes complementares. Por 
outro lado, a diversidade de orientações no estudo do fenômenocriminal, inclusive passando 
pelos métodos e instrumentos de diversas ciências, revela uma tendência de isolamento de cada 
linha de pesquisa, cada qual arrogando-se a descoberta da melhor explicação para o fenômeno 
criminal. É notável que isso ocorra num campo nitidamente complexo como o da criminologia, 
cujo caminho natural seria o de integração ou interdisciplinaridade, conforme bem destacam 
Newton e Valter Fernandes.[17] 
 
3.2 – A ESCOLA LIBERAL CLÁSSICA DO DIREITO PENAL 
 A figura do crime, da violência, acompanham a sociedade humana desde os primórdios. 
A infração às normas de conduta social e sua punição são temas constantes na história da 
humanidade. Desde a Antigüidade, passando pela Idade Média, o fenômeno criminal tem sido 
objeto de curiosidade. Entretanto, a abordagem inicial do tema detinha-se basicamente em 
concepções místicas no Direito Antigo[18] ou de afirmação dos poderes dos soberanos, na era 
absolutista.[19] Todo desvio somente apresentava duas explicações: uma ofensa a Deus ou ao 
Príncipe, não havendo qualquer preocupação explicativa do seu germe ou a consideração de 
fatores externos a essas relações (legitimidade da punição, utilidade da pena, legalidade etc.). 
 Com o advento do Iluminismo no século XVIII, inicia-se uma fase de estudos e 
preocupações com a face jurídica do crime e das penas. Surge o Princípio da Humanização das 
sanções e a busca de uma utilidade ou função para estas, sem a qual qualquer punição é tomada 
como simples crueldade gratuita e injustificável.[20] 
 A Escola Clássica Liberal desenvolve-se nesse contexto na Europa no século XVIII e 
primeira metade do século XIX. Entretanto, sua preocupação não se dirige ao estudo do 
fenômeno criminal ou ao criminoso. Seus postulados referem-se ao conteúdo jurídico – penal, 
procurando desenvolver uma formulação teórica do Direito Penal. 
 É apenas com o Positivismo e o surgimento da Antropologia Criminal que se opera um 
voltar de olhos ao crime para o criminoso e a atenção ao estudo do fenômeno criminal em si. 
 O interessante é notar que embora na Escola Clássica não se possa falar especificamente 
de uma criminologia, a qual nascerá com o Positivismo, como se verá posteriormente, existem 
alguns pontos de contato entre a visão clássica de delito e a teorização da Criminologia Crítica 
em oposição à tradicional. 
 Efetivamente a Escola Liberal Clássica não considera o delinqüente como um ser 
diferenciado dos demais, detendo-se basicamente sobre o crime entendido como um conceito 
jurídico. Para os clássicos a conduta criminosa deriva simplesmente do “livre arbítrio” do 
criminoso e não de causas patológicas ou influências ambientais. Desse modo a pena não visa 
intervir sobre o delinqüente para reforma-lo, mas apenas subsiste como uma “contramotivação 
em face do crime”. Essa concepção do crime como ente jurídico – normativo e não natural, bem 
como do criminoso como um ser – humano não diferenciado, é resgatada pela Criminologia 
Crítica ao rebater os pressupostos da Criminologia Tradicional. 
6 
 
 Além disso, ao destacar que o poder punitivo do Estado deveria ser assinalado pela 
“necessidade e utilidade” da pena e pelo “Princípio da Legalidade”, a Escola Liberal Clássica 
funcionava como uma “instância crítica em face da prática penal e penitenciária do antigo 
regime”. Aqui também apresenta um ponto de contato com a Criminologia Moderna que, 
“contestando o modelo da criminologia positivista, desloca sua atenção da criminalidade para o 
direito penal, fazendo de ambos o objeto de uma crítica radical do ponto de vista sociológico e 
político”.[21] 
 
3.3 – O POSITIVISMO E O NASCIMENTO DA CRIMINOLOGIA: CRIMINOLOGIA CLÍNICA E 
CRIMINOLOGIA SOCIOLÓGICA 
 
 3.3.1 – O POSITIVISMO 
 
 A doutrina filosófica do positivismo floresceu no século XIX, generalizando na Filosófica 
Ocidental um espírito antimetafísico e antiteológico. Ou seja, pretende-se transplantar até mesmo 
para a Filosofia o rigor do método científico,[22] reduzindo o conhecimento humano àquele “claro 
e distinto”, obtido pela análise de fatos e coisas concretas no melhor estilo cartesiano.[23] 
 O principal expoente desse período foi Augusto Comte (1798 – 1857), cuja doutrina, 
divulgada a partir de 1826, costuma, em um sentido mais restrito e histórico, ser designada como 
o próprio positivismo. A doutrina de Comte abrange “uma teoria da ciência, uma reorganização da 
sociedade e uma religião”.[24] 
 Segundo Comte, “o caráter essencial do novo espírito filosófico consiste na sua tendência 
necessária a substituir por toda parte o absoluto pelo relativo”.[25] Assim sendo, o significado 
emprestado ao termo “positivo” é aquilo que “vigora de fato ou tem realidade efetiva”.[26] Neste 
sentido afirma Comte que “a palavra positivo designa o real em oposição ao quimérico”.[27] 
 Dessa maneira, o positivismo procura estender a todas as áreas o método científico (até 
mesmo à filosofia e à religião), destacando a importância do conhecimento puro e simples dos 
fatos e de suas relações. 
 Zilles expõe sumariamente as teses fundamentais do positivismo:[28] 
a) O único conhecimento verdadeiro possível é o científico e seu método é o único válido. 
Afastam-se quaisquer ingerências metafísicas, devido ao fato de que esta é incessível ao método 
da ciência. 
b) O método científico é exclusivamente descritivo, investigando somente os fatos e a relação 
entre eles. 
c) Sendo o método da ciência o único válido, deve ser estendido a todos os campos da pesquisa 
e da atividade humana. 
 Para Comte, “tudo obedece às leis imutáveis da natureza”, cabendo “ao homem descobrir 
essas leis e reduzi-las a uma unidade, restringindo-se aos fatos”.[29] O autor sob comento 
apresenta a chamada “Doutrina dos Três Estados” ou “Lei da Evolução Intelectual da 
Humanidade”. Por esta doutrina, todas as investigações humanas estão inevitavelmente sujeitas 
à passagem por “três estados teóricos diferentes e sucessivos”, denominados de “teológico, 
metafísico e positivo”. [30] Sobre o tema transcreve-se a narrativa do próprio Comte, bastante 
elucidativa: 
 “No estado teológico, o espírito humano, dirigindo essencialmente suas investigações 
para a natureza íntima dos seres, as causas primeiras e finais de todos os efeitos que o tocam 
numa palavra, para os conhecimentos absolutos, apresenta os fenômenos como produzidos pela 
7 
 
ação direta e contínua de agentes sobrenaturais mais ou menos numerosos, cuja intervenção 
arbitrária explica todas as anomalias aparentes do universo. 
 No estado metafísico, que no fundo nada mais é do que simples modificação geral do 
primeiro, os agentes sobrenaturais são substituídos por forças abstratas, verdadeiras entidades 
(abstrações personificadas) inerentes aos diversos seres do mundo, e concebidas como capazes 
de engendrar por elas próprias todos os fenômenos observado, cuja explicação consiste, então 
em determinar para cada um uma entidade correspondente. 
 Enfim, no estado positivo, o espírito humano, reconhecendo a impossibilidade de obter 
noções absolutas, renuncia a procurar a origem e o destino do universo, a conhecer as causas 
íntimas dos fenômenos, para preocupar-se unicamente em descobrir, graças ao uso bem 
combinado do raciocínio e da observação, suas leis efetivas, a saber, suas relações invariáveis 
de sucessão e similitude. A explicação dos fatos, reduzida então a seus termos reais, se resume 
de agora em diante na ligação estabelecida entre os diversos fenômenos particulares e alguns 
fatos gerais, cujo número o progresso da ciência tende cada vez mais a diminuir.”[31] 
 Todo esse clima de efervescência da supervalorizaçãodo método das ciências, teve seus 
reflexos no âmbito do Direito e, conseqüentemente, nas Ciências Criminais. 
 No âmbito do Direito o Positivismo Jurídico vem para contrapor-se ao Jusnaturalismo. O 
Positivismo Jurídico procura aproximar o Direito, ao máximo possível, do método das ciências 
naturais, reduzindo-o àquilo que possui de palpável, observável, passível de medida e descrição, 
ou seja, as normas legais. 
 Também nesta área faz-se presente a oposição entre o método cientifico como único 
norte válido e as concepções supostamente equivocadas, tomadas como elementos a serem 
alijados do conhecimento humano (misticismo, metafísica etc.). 
 Bobbio retrata sumariamente o antagonismo reinante entre as concepções Jusnaturalistas 
e Positivistas a respeito do conceito de “Justiça”: 
 “Enquanto para um jusnaturalista clássico tem, ou melhor dizendo, deveria ter, valor de 
comando só o que é justo, para a doutrina oposta é justo só o que é comandado e pelo fato de 
ser comandado. Para um jusnaturalista uma norma não é válida se não é justa; para a teoria 
oposta uma norma é justa somente se for válida. Para uns, a justiça é a confirmação da validade, 
para outros, a validade é a confirmação da justiça.”[32] 
 O objeto da ciência jurídica passa necessariamente a ser as normas jurídicas. Segundo 
Kelsen, “na afirmação evidente de que o objeto da ciência jurídica é o Direito, está contida a 
afirmação – menos evidente - de que são as normas jurídicas o objeto da ciência jurídica, e a 
conduta humana só o é na medida em que é determinada nas normas jurídicas como 
pressuposto ou conseqüência, ou – por outras palavras – na media em que constitui o conteúdo 
de normas jurídicas”.[33] 
 Por seu turno, a questão de uma conceituação abstrata de justiça é posta em xeque, 
como um objetivo quimérico, inalcançável através de um rigoroso procedimento científico, de 
modo que as definições obtidas pela cultura humana até então não passariam de fórmulas vazias, 
maleáveis e servíveis a quaisquer interpretações.[34] 
 Para Kelsen, “nenhuma outra questão foi tão passionalmente discutida; por nenhuma 
outra foram derramadas tantas lágrimas amargas, tanto sangue precioso; obre nenhuma outra, 
ainda, as mentes mais ilustres – de Platão a Kant – meditaram tão profundamente. E, no entanto, 
ela continua até hoje sem resposta. Talvez por se tratar de uma dessas questões para as quais 
vale o resignado saber de que o homem nunca encontrará uma resposta definitiva; deverá 
apenas tentar perguntar melhor”.[35] 
 Esse abandono das questões não submetíveis ao método experimental, conduziu, em 
sede de Ciências Criminais, ao surgimento de uma preocupação com a descoberta de relações e 
regras constantes capazes de explicar o fenômeno da criminalidade. Surge então a Criminologia, 
8 
 
proporcionando, pela primeira vez, uma mudança de enfoque no âmbito criminal, dando maior 
relevância ao estudo da figura do criminoso, que era praticamente deixada de lado no Direito 
Penal Clássico, afeito tão somente à teoria jurídica do crime. 
 
3.3.2 – CRIMINOLOGIA CLÍNICA E CRIMINOLOGIA SOCIOLÓGICA 
 
 Tendo em vista a concepção positivista quanto a um suposto “progresso histórico” do 
pensamento humano, que direciona-se de forma ascendente de explicações místicas, passando 
por uma fase metafísica, até chegar ao entendimento estritamente científico dos fenômenos; 
passa-se a tentar reduzir todo conhecimento à experimentação, considerando-se primitivas 
quaisquer outras especulações. 
 Neste clima, o fenômeno criminal somente poderia ser pesquisado com base em dados 
empíricos fornecidos pela realidade de leis naturais imutáveis e experimentáveis. 
 A primeira conseqüência seria necessariamente a individualização do criminoso como 
objeto de estudo. Isso operou-se através do afastamento absoluto do “livre arbítrio” pugnado pela 
Escola Clássica como elemento de legitimação da responsabilidade criminal. O resultado disso foi 
a consideração do delinqüente como um “anormal”. Segundo Ferri, “o homem que comente um 
delito, ou por seu preponderante impulso fisiopsíquico (causa endógena) ou por predomínio de 
condições de ambiente (causa exógena), pelo menos no momento em que realiza o fato, está em 
condições anormais”.[36] 
 Seria necessário dotar o pesquisador de instrumentos hábeis a selecionar, 
cientificamente, os criminosos (anormais), dentre a população humana aparentemente 
homogênea ou normal. 
 O primeiro esforço neste sentido parte da doutrina de Cesare Lombroso, especialmente 
com a publicação da famosa obra “O Homem Delinqüente”, no ano de 1876.[37] 
 Lombroso pensou haver detectado no criminoso uma espécie diferenciada de “homo 
sapiens”, que apresentaria certos sinais (“stigmata”) físicos e psíquicos. Esses estigmas físicos 
caracterizariam o “criminoso nato” (forma da calota craniana e da face, dimensões do crânio, 
maxilar inferior procidente, sobrancelhas fartas, molares muito salientes, orelhas grandes e 
deformadas, corpo assimétrico, grande envergadura dos braços, mãos e pés etc.), além daqueles 
psíquicos (pouca sensibilidade à dor, crueldade, leviandade, aversão ao trabalho, instabilidade, 
vaidade, tendência à superstição, precocidade sexual etc.). Todos esses sinais seriam 
conseqüência de um “regresso atávico”, dadas suas semelhanças com as formas primitivas dos 
seres humanos.[38] 
 Além disso Lombroso julgou encontrar uma relação entre a epilepsia e a “insanidade 
moral”. Entretanto, tendo em vista que durante suas próprias investigações constatou que nem 
todos os criminosos apresentam as características preconizadas[39], elaborou uma distinção 
entre “criminosos verdadeiros (natos)” e “pseudo – criminosos”, sendo estes últimos os 
“ocasionais” e os “passionais”. Portanto, Lombroso “nunca disse que todo criminoso é nato e, sim, 
que o verdadeiro criminoso é nato”.[40] 
 O determinismo lombrosiano levaria a conclusões e conseqüências relevantes na seara 
da Política Criminal. Por exemplo, sendo portador não deliberado do impulso criminoso 
praticamente irresistível,o infrator não poderia ser exposto a “expiações morais e punições 
infamantes”. A sociedade poderia, porém, defender-se aplicando-lhe desde a prisão perpétua até 
a pena de morte.[41] 
 Essa doutrina, contudo foi amplamente criticada e desmentida por pesquisas posteriores a 
indicarem não existir qualquer indício seguro a demonstrar alguma diferença fisiológica, física ou 
9 
 
psíquica entre os homens encarcerados e aqueles que jamais foram submetidos a uma 
condenação criminal.[42] 
 Malgrado as características deterministas e até mesmo ensejadoras de atitudes 
preconceituosas, propiciadas por uma absoluta precipitação conclusiva de Lombroso; tem de ser 
a ele reconhecido o mérito de haver dado o primeiro impulso à Criminologia, sob a forma da 
“Antropologia Criminal”. A Lombroso cabem os louros pela inauguração do estudo do homem 
delinqüente, sendo considerado o “Pai da Criminologia”.[43] 
 Também foi a partir de Lombroso que se iniciaram os diversos estudos acerca da 
pesquisa de elementos endógenos capazes de eclodirem a face criminosa de um ser humano. 
 Diversas pesquisas em campos variados das ciências naturais e biológicas formaram um 
conjunto de teorias explicativas do fenômeno criminal, ao qual costuma-se denominar de 
“Criminologia Clínica”. Como já exposto anteriormente, essas teorias apresentam uma grave falha 
porque pretendem explicar isoladamente, dada uma com seus instrumentos, o crime e o 
criminoso. 
 Apenas a título exemplificativo e sumário, passa-se a mencionar alguns campos de 
pesquisa desta orientação:a) Biologia Criminal – São estudos voltados à caracteriologia e morfologia dos criminosos, 
visando sua classificação. São expoentes dessa linha de pesquisa Nicola Pende, Ernst 
Kretschmer e William Sheldon.[44] 
b) Criminologia Genética – Neste campo destacam-se os estudos acerca do cromossomo XYY, 
tomado como portador dos caracteres ensejadores da conduta violenta no ser humano. 
Entretanto, nenhum estudo conseguiu comprovar uma relação entre anomalias cromossômicas, 
como por exemplo a “Síndrome do Y extra”, e a tendência para o crime.[45] 
 A relação entre genética e criminologia torna-se, hoje, bastante atual, em face da grande 
potencialidade de manipulações genéticas propiciadas pelo avanço científico dessa área. 
 Embora seja inadequado no atual estágio da criminologia pensar-se em uma origem 
genética ou numa “Herança Patológica” da criminalidade, não é impossível que a descoberta de 
certos genes responsáveis por alguma característica considerada arbitrariamente negativa, torne-
se fator de tentação para a indevida ingerência na individualidade humana. A questão neste tema 
é, além de científica e jurídica, de índole ética, pois representa uma perigosa possibilidade de 
desrespeito à personalidade e à liberdade humanas. Neste sentido é a manifestação de Stella 
Maris Martinez: 
 “A tentação de modificar, conforme um plano preconcebido, o patrimônio genético de 
significativos grupos sociais, apresenta-se como um dos principais riscos derivados das novas 
técnicas de engenharia genética. Em tal sentido, Rothley salientava: ‘O benefício da análise do 
genoma coniste em seu uso na prevenção de enfermidades. Frente a este benefício se 
encontram graves riscos que as análises genéticas podem ocasionar. Os referidos perigos 
residem especialmente na possibilidade de que surjam imperativos eugênicos e preventivos de 
isolamento social de extratos inteiros da população’.”[46] 
c) Psiquiatria e Psicologia Criminais- Trata-se dos estudos do crime como conseqüência de 
distúrbios psíquicos, procurando neste campo indicar a anormalidade do criminoso em relação ao 
restante da população humana. 
 São estudos acerca da formação da personalidade (caracteriologia), do narcisismo, das 
personalidades, moléstias mentais (neuroses, psicoses e oligofrenias), desvios sexuais, parafilias 
etc.[47] 
 Especial destaque merece neste campo a “Teoria Freudiana do Delito por Sentimento de 
Culpa”. Ela tem origem na doutrina freudiana da neurose e em sua aplicação no intuito de explicar 
o comportamento criminoso. 
10 
 
 No que se refere ao crime e ao indivíduo que o perpetra, “a psicanálise cuida de 
demonstrar que o crime não é mera resultante de fatores exógenos; que o mundo externo não 
atua somente sobre a consciência, mas, também, sobre os extratos mais profundos da 
personalidade; que esta tem seu comportamento determinado por seus componentes psíquicos, 
sendo a conduta anti – social a forma de externalização de um conflito interno. Essas são as 
idéias centrais da psicanálise, das quais parte a criminologia psicanalítica”.[48] 
 Especificamente no caso da “Teoria do Delinqüente por sentimento de culpa”, cujo escrito 
data de 1916 e teve enorme importância, sendo texto fundamental como ponto de partida para 
todos os estudos criminológicos que se seguiram[49], é relevante salientar que representou “uma 
radical negação do tradicional conceito de culpabilidade e, portanto, também de todo o direito 
penal baseado no princípio de culpabilidade”.[50] 
 Segundo Freud, os instintos delituosos são reprimidos, mas não destruídos pelo 
superego, permanecendo sedimentados no inconsciente. Tais instintos são acompanhados, no 
inconsciente, por um sentimento de culpa e uma tendência a confessar. Então mediante o 
comportamento criminoso, o sujeito supera o sentimento de culpa e realiza sua tendência à 
confissão.[51] 
 Em seu trabalho (“I delinquenti per senso di colpa”) ele relata que várias pessoas 
respeitáveis, ao falarem sobre sua puberdade, narravam a perpetração de atos ilícitos (pequenos 
furtos, estelionatos, incêndios etc.). Inicialmente Freud apenas creditava tais ocorrências à 
debilidade moral natural nessa fase da vida humana. Entretanto, sentiu a necessidade de 
aprofundar-se porque alguns pacientes narravam fatos que tais praticados na idade adulta. 
 A constatação de Freud foi a de que a prática dessas ações estava associada ao fato de 
serem proibidas e sua execução propiciava um alívio psíquico àqueles que as cometiam. 
Observou ainda que tais pacientes sofriam de um “oprimente sentimento de culpa” de origem 
desconhecida e que, depois da prática delituosa, a opressão da culpa era abrandada, tendo em 
vista que tal sentimento podia ser creditado a algo real. 
 Havia, no caso, uma inversão, na qual o sentimento de culpa preexistia à ação ilegal, ao 
invés de surgir depois de seu cometimento. O crime “era a resultante do sentimento de culpa”, 
mais que isso, era a sua racionalização.[52] 
 Não somente pelo prestígio do autor, como também pela proposta etiológica aplicável a 
determinados casos de fatos criminosos, é interessante o destaque dessa teoria freudiana. 
Entretanto, agora tomando a Criminologia Psicanalítica em geral, pode-se dizer que seu maior 
destaque está na pioneira inclusão (já por volta dos anos 20 e 30) da sociedade, “sob um ângulo 
inteiramente diferente” na explicação do fenômeno criminal. Antecedendo a reflexão propriamente 
sociológica proporciona em Freud e seus seguidores uma meditação acerca da validade do 
Princípio da Culpabilidade, constituindo-se em elemento crítico frente ao Direito Penal tradicional. 
 Por outro lado, outro filão da Criminologia Psicanalítica, constituído pelas “Teorias 
Psicanalíticas da Sociedade Punitiva” (Theodor Reik, Franz Alexander, Hugo Staub, Paul 
Reiwald, Helmut Ostermeyer e Edward Naegeli), coloca “em dúvida também o princípio de 
legitimidade e, com isto, a legitimação mesma do direito penal. A função psicossocial que 
atribuem à reação punitiva permite interpretar como mistificação racionalizante as pretensas 
funções preventivas, defensivas e éticas sobre as quais se baseia a ideologia da defesa social 
(Princípio da Legitimidade) e em geral toda ideologia penal. Segundo as teorias psicanalíticas da 
sociedade punitiva, a reação penal ao comportamento delituoso não tem a função de eliminar ou 
circunscrever a criminalidade, mas corresponde a mecanismos psicológicos em face dos quais o 
desvio criminalizado aparece como necessário e ineliminável da sociedade”.[53] 
 Embasado na teoria freudiana do “delinqüente por sentimento de culpa”, Theodor Reik 
apresenta uma teoria psicanalítica do Direito Penal. Defende a existência de uma dupla função da 
pena: 
11 
 
a) para o indivíduo desviante, a pena dirige-se à satisfação da necessidade inconsciente de 
punição que o impulsiona a uma ação proibida; 
b) para a sociedade, a pena satisfaz uma necessidade de punição, por meio de uma inconsciente 
identificação com o infrator. 
 Desse modo, as concepções retributiva e preventiva da pena, tradicionalmente 
defendidas nos meios jurídicos, não passam de “racionalizações de fenômenos que fundam suas 
raízes no inconsciente da psique humana.”[54] 
 Toda essa identificação da sociedade punitiva com o infrator, apresentada por Reik, 
Alexander e Staub, baseada ainda no mecanismo de “projeção” freudiano, levou Paul Reiwald a 
desenvolver sua teoria do criminoso como um “bode expiatório” da sociedade. Alguém sobre 
quem recai a descarga de culpas inconscientes numa tentativa de purificação.[55] 
 Efetivamente em Freud desde logo encontra-se a definição do tabu como sendo algo 
desejável mas proibido.“A base do tabu é uma ação proibida, para cuja realização existe forte 
inclinação do inconsciente”.[56] Assim sendo, as ações consideradas desviantes têm um 
característico de serem atrativas aos integrantes da sociedade em geral (afinal não seria 
necessário proibir algo que não fosse de modo algum desejado), gerando a conclusão de que a 
punição dos infratores das regras sociais proibitivas se dá por um mecanismo inconsciente de 
identificação de desejos reprimidos. Essa é a conclusão do próprio Freud ao asseverar que “é 
igualmente claro por que é que a violação de certas proibições tabus constitui um perigo social 
que deve ser punido ou expiado por todos os membros da comunidade se é que não desejam 
sofrer danos. Se substituirmos os desejos inconscientes por impulsos conscientes, veremos que o 
perigo é real. Reside no risco da imitação, que rapidamente levaria à dissolução da comunidade. 
Se a violação não fosse vingada pelos outros membros, eles se dariam conta de desejar agir da 
mesma maneira que o transgressor.”[57] 
 Verifica-se que a Criminologia Psicanalítica, muito embora não apartada da explicação 
etiológica para o crime, tem a qualidade de introduzir o elemento crítico do Sistema Penal na 
pauta de discussões, seja de um ponto de vista microssociológico (“Teoria do Delinqüente por 
sentimento de culpa”), seja de um ângulo macrossociológico (“Teorias Psicanalíticas da 
Sociedade Punitiva”). 
d) Endocrinologia – Estuda a atuação de secreções endócrinas (glandulares) para a produção do 
evento criminoso. Tratam-se de pesquisas voltadas para a “psicofisiologia criminal”. 
 Segundo Quintilhano Saldaña, as secreções internas ou endócrinas são de influência 
reconhecida nas funções psíquicas e sobre fenômenos psicofisiológicos complexos. As glândulas 
endócrinas lançam produtos diretamente no sangue, que é o elemento biológico mais 
determinante das funções cerebrais. De acordo com essas pesquisas, “as secreções endócrinas 
influenciariam os estados emocionais, podendo produzir modificações de condutas normais ou 
patológicas.” Podendo também “produzir psicoses e influenciar o cometimento de crime”.[58] 
e) Estudo das Toxicomanias - Trata da pesquisa da relação entre as toxicodependências ou 
mesmo do simples consumo de drogas (legais e ilegais) como elemento criminogenético. Estes 
estudos, diferentemente dos demais casos até agora expostos, não têm a pretensão de 
apresentarem uma explicação de caráter geral para o evento criminoso, mas somente procuram a 
eventual relação com a utilização de tóxicos em casos concretos e específicos. A conclusão a 
que se chega nesses casos é a de que as toxicomanias são “um razoável fator de criminalidade e 
fenômeno de patologia social que, dia após dia, perigosamente, ganha proporções alarmantes e 
dificilmente controláveis.”[59] 
 Apresentado um esboço dos principais aspectos da chamada “Criminologia Clínica”, 
passa-se agora a expor os fundamentos da “Criminologia Sociológica”. 
 A “Criminologia Sociológica” surge como um elemento crítico da “Criminologia Clínica”, 
expondo que sua insistência nas causas endógenas da criminalidade deixava a descoberto as 
12 
 
influências ambientais ou exógenas presentes na gênese delitiva, estas, segundo seus 
defensores, amplamente preponderantes. 
 Seu principal precursor no Positivismo foi Enrico Ferri, o qual no prefácio de sua obra 
“Princípios de Direito Criminal”, assim se manifesta: 
 “Esta ciência, a que eu chamo ‘sociologia criminal’ e que estuda a gênese natural do 
crime, como fato individual e social, e dele indica os meios de defesa preventiva e repressiva, 
compreende necessariamente também a organização jurídica da repressão, contida no Código 
Penal e no Processo Penal”.[60] 
 A “Criminologia Sociológica” continua na senda da pesquisa da etiologia do delito. Apenas 
altera a natureza dessa etiologia, transplantando-a para a influência do ambiente. 
 No Brasil Tobias Barreto lapidou a afirmação de que “a sociedade é co – ré na maioria dos 
crimes julgados pelos tribunais”.[61] 
 Os estudos sobre a influência do ambiente na criminalidade são bastante abundantes e 
variados. Podem ser mencionados exemplificativamente estudos de influências de diversas 
espécies:[62] 
a) Geografia Criminal e Meio Natural – Estudos referentes à repercussão do meio ambiente (em 
sentido amplo) na gênese criminal. 
b) Metereologia Criminal – Refere-se a estudos relativos à influência do clima na incidência 
criminal. 
c) Higiene e Nutrição – Destaca a atuação criminogênica da promiscuidade e da falta de meios 
básicos de subsistência, sublinhando também a pobreza e a miséria como fatores importantes, 
embora não necessariamente vinculados ao crime. 
 Ao tratar do problema do relacionamento eventual entre o crime e a condição social das 
pessoas é interessante lembrar uma questão que muitas vezes passa despercebida como uma 
face oculta dos discursos que pregam atuações assistenciais preventivas em bairros ou 
localidades pobres. Percebe-se, através de uma análise mais acurada, que os benefícios levados 
ou projetados para essas localidades não estão focando em um primeiro plano a satisfação dos 
direitos básicos dessas pessoas que vinham sendo desprezados, mas, na verdade, atuam como 
uma instância preventiva no âmbito criminal, visando atingir e neutralizar uma população 
considerada potencialmente perigosa no aspecto delitivo. 
 Essa constatação é que leva Theodomiro Dias Neto a questionar onde ficariam as 
fronteiras entre a atuação política e social, visando garantia de direitos às pessoas e a 
mentalidade meramente preventiva e até mesmo preconceituosa de uma prevenção voltada para 
os meios sociais menos favorecidos, rotulados como potenciais geradores de criminosos. 
Questiona o autor: “ações voltadas ao aprimoramento do ensino ou à criação de espaços de lazer 
para jovens em uma área de baixa renda e de alto risco criminal devem ser classificadas como 
medidas de prevenção criminal? Como seriam as mesmas medidas classificadas se dirigidas a 
um público de maior poder aquisitivo?”[63] 
 Baratta também alerta para o risco de confusão entre políticas públicas ou sociais e 
políticas criminais, mencionando o perigo da “criminalização das políticas sociais”. Passa a haver 
uma indevida promiscuidade entre a satisfação estatal de direitos fundamentais com o fim de 
prevenção social do crime. Essa mentalidade acaba dividindo a sociedade infratores potenciais e 
potenciais vítimas ou entre vigiados e protegidos. A assistência social não é trabalhada como um 
dever do Estado para com cidadãos marginalizados e solapados em seus direitos fundamentais, 
mas sim como um dever de proteção contra criminosos potenciais.[64] 
 Essa é uma visão crítica necessária para que a proposta de uma pesquisa etiológica entre 
criminalidade e condição social seja sempre recebida com certa cautela, em face de seu 
13 
 
conteúdo muitas vezes estigmatizante, produtor de estereótipos indevidos, em suma, geradora de 
preconceitos que, inclusive, ocultam-se até mesmo no bojo de discursos de caráter assistencial. 
d) Sistema Econômico – Põe em evidência a capacidade do Sistema Econômico em criar 
conflitos sociais, em especial devido à desigualdade e ao consumismo alimentados pelo 
Capitalismo. O modelo econômico pode ser a origem de outros fatores considerados 
criminogenéticos, tais como a pobreza, a miséria, a fone, a desnutrição, o analfabetismo, a 
educação precária, desemprego, subemprego, êxodo rural e industrialização, urbanização e 
densidade demográfica, dentre outros. Ainda ligada umbilicalmente ao Sistema Econômico, 
especialmente na realidade atual, está a Política, cuja atuação perpetuante das injustiças sociaissomente faz fomentar o arcabouço criminogenético existente. 
e) Mal vivência – Trata-se da constatação do potencial criminógeno da adoção deliberada ou 
desafortunada de um modo de vida marginal. São os casos dos andantes, vagabundos, 
mendigos, prostitutas etc. 
f) Ambiente Familiar – A desestruturação do lar e da família apresentada como uma das causas 
determinantes da criminalidade precoce ou mesmo adulta. Seriam fatores exemplificativos: a 
violência doméstica, abusos sexuais no lar, alcoolismo e toxicomanias dos pais, carências 
afetivas etc. 
g) Profissão – Indica-se, através de observações do dia a dia, a relação entre determinadas 
profissões e a espécie de crime favorecido por elas. Muitas vezes a atividade profissional do 
indivíduo pode incliná-lo à prática de certas infrações penais. Por exemplo: médicos e crimes 
culposos por imperícia ou abortos; funcionários públicos e atos de corrupção; advogados e 
contadores e crimes de fraudes processuais ou fiscais; investidores e crimes financeiros; 
engenheiros e crimes culposos (desabamentos) etc. 
 Newton Fernandes e Valter Fernandes fazem menção nesses casos aos chamados 
“Criminosos Situacionais”, afirmando que “é induvidoso que certas posições, ocupações ou 
profissões, ensejam ao indivíduo facilidades e benefícios, que confrontados com a situação em 
que vivem os demais, conferem-lhe privilégios, que a maioria das pessoas não consegue 
alcançar”.[65] 
h) Guerra – Constituem estudos sobre a influência do ambiente criado durante e após uma guerra 
como fator gerador de condutas criminosas. 
i) Migração e Imigração – Em especial autores norte – americanos apresentam trabalhos 
dedicados a este tema (v.g. Edwin Sutherland, Breckinridge, Abbot, Gillin, Healy, Ângelo Vacaro, 
Zorbaugh, Clayton etc.), certamente devido à grande incidência de imigrantes ilegais naquele país 
e seu relevante papel nas estatísticas criminais. Deixando de lado, por ora, a questão da 
“seletividade do Sistema Penal”, que será analisada no estudo da “Criminologia Radical”, 
constata-se como elemento criminogenético nos casos de migração e imigração, a 
heterogeneidade cultural que passa a avultar no ambiente social e as dificuldades de adaptação 
dos agregados, bem como seus sentimentos de frustração ante as expectativas alimentadas 
quando de sua partida e a realidade encontrada no destino escolhido. Na realidade brasileira isso 
pode ser muito bem retratado com os migrantes de Estados Nordestinos que se instalam em 
precárias condições nas favelas de São Paulo. 
j) Prisão e Contágio Moral – A influência deletéria da prisão sobre os encarcerados e sua atuação 
contrária aos objetivos comumente preconizados é tema já bastante comentado pela literatura 
criminológica. O fenômeno do contágio moral pode ocorrer nas prisões ou mesmo na vida em 
sociedade, devido à convivência com pessoas enfronhadas na marginalidade, no submundo do 
crime. Ocorre que nas prisões tal fenômeno encontra todo o ambiente especialmente propício 
para o seu desenvolvimento. 
 O que se opera no ambiente carcerário, ao contrário da recuperação do delinqüente, é a 
sua adequação completa a um submundo criminoso, fenômeno conhecido como “prisionização”. 
14 
 
Por isso, vige na doutrina a assertiva consensual de que “a realidade, (…), revela que a 
ressocialização é impossível de ser alcançada, seja porque ela, em si mesma, é paradoxal, seja 
porque os meios oferecidos para a sua execução são imprestáveis. Por isso, hoje, não passa de 
um mito”.[66] 
 Na verdade o tradicional discurso da recuperação ou ressocialização vai perdendo terreno 
na nova realidade econômica mundial em que as populações marginalizadas tornam-se um 
entrave, um descarte necessário do sistema, inexistindo qualquer preocupação com sua inserção 
ou reinserção social. Ao contrário, o objetivo maior tende para a sua exclusão definitiva.[67] Não é 
outra a conclusão de Minhoto: 
 “Hoje, o enfraquecimento da ideologia de reabilitação e a guinada rumo à valorização da 
função meramente incapacitadora do cárcere, para além do debate estritamente acadêmico, 
parece ter mais a ver com a transformação da prisão em fábrica de exclusão social, na medida 
em que o confinamento tende a se configurar como uma alternativa ao emprego, uma estratégia 
de neutralização dos setores da população que se tornam descartáveis ao olhos do sistema 
produtivo, para os quais não há trabalho ao qual se reintegrarem.”[68] 
 Sobre este tema muito haveria a expor. Contudo, seu desenvolvimento excederia os 
objetivos do presente trabalho, razão pela qual remete-se o leitor à farta literatura disponível a 
respeito.[69] 
k) Meios de Comunicação – Os meios de comunicação podem ter uma atuação importante na 
prevenção criminal, cumprindo sua função educativa e cultural. Entretanto, o que se verifica é a 
incontrolada busca por índices de audiência, mediante a exploração de casos criminais reais, 
divulgando e banalizando a violência, bem como “ensinando” modalidades de atuação criminosa. 
Afora isso, os meios de comunicação atuam de maneira relevante para inculcarem nas mentes o 
furor consumista, consistindo em importante fator de frustração para as camadas mais baixas da 
sociedade. 
 Zaffaroni constata essa atuação deletéria dos “mass midia” e propõe um controle 
equilibrado a fim de minimizar seus efeitos: 
 “(…), as notícias podem ser submetidas a um controle técnico que evite sua difusão 
através da televisão de maneira a provocar ou implicar metamensagens reprodutoras ou 
instigadoras públicas de violência, de delito, de uso de armas, de condutas suicidas ou consumo 
de tóxicos. 
 Sem dúvida, este controle técnico seria atacado como lesivo à liberdade de expressão. No 
entanto, apesar de a liberdade de expressão consistir na livre circulação e no amplo direito à 
informação, as idéias podem circular com liberdade sem que isso seja incompatível com a 
proteção da produção nacional, a criação de fontes de trabalho e a economia de divisas. O amplo 
direito à informação não é limitado quando não se impede a circulação das notícias, mas quando 
se proíbe inventar fatos violentos não ocorridos, mostrar pela televisão cadáveres despedaçados, 
explorar a dor alheia surpreendendo declarações de vítimas desoladas e desconcertadas, violar a 
privacidade de vítimas humildes e outros recursos semelhantes, como a incitação de brigas entre 
vizinhos de bairros populares, invenção de pseudo – especialistas em matérias que desconhecem 
totalmente, apresentação de profissionais desconhecidos como catedráticos etc; isto é, a 
propagação de mensagens irresponsáveis que constituem uma deslealdade comercial com o 
simples objetivo de obter audiência, numa competição viciada (…).”[70] 
 Efetivamente é fato notório a capacidade reprodutora da violência pelos meios de 
comunicação com sua atuação gananciosa e irresponsável. Um exemplo histórico foram os casos 
de “vitriolagem” ocorridos em França em determinado período. Paul Aubry atribuiu a 
disseminação da prática (jogar ácido sulfúrico no rosto das pessoas), a um fenômeno de 
“mimetismo” ou “contágio moral” propiciado pela divulgação dos casos de forma irresponsável 
pela imprensa.[71] Imagine-se, hoje, o quanto esse problema se agigantou, considerando o grau 
de desenvolvimento das comunicações e o fenômeno da globalização. 
15 
 
 Findo este quadro sumário das pesquisas da “Criminologia Sociológica” e das diversas 
etiologias sociais indicadas para a origem do crime, no próximo tópico apresentar-se-á as 
chamadas “Teorias Estrutural – Funcionalistas”, também de matiz sociológico, mas que merecem 
ser estudadas separadamente, tendo em conta suas peculiaridades. 
 
3.3.3 – TEORIAS ESTRUTURAL – FUNCIONALISTAS 
 As Teorias Estrutural– Funcionalistas têm por ponto de partida a constatação de que o 
crime é produzido pela própria estrutura social, tendo a sua função dentro do sistema, razão pela 
qual não deve ser tomado como uma anomalia ou moléstia social. 
 O fundamento teórico básico e original é ofertado por Émile Durkheim ao apontar para a 
normalidade do crime em todas as sociedades. É dele a afirmação de que “o crime é normal 
porque uma sociedade isenta dele é completamente impossível”.[72] Mais que isso, para 
Durkheim, o crime é “necessário” para a coesão social e uma sociedade sem crimes é que daria 
indícios de deterioração. Para o autor o fenômeno criminal provoca uma reafirmação da ordem 
social e uma legitimação para a sua existência. Portanto, toda vez que ocorre um crime, a reação 
contra ele reafirma os laços sociais e confirma a vigência e validade das normas 
regulamentadoras do convívio. É isto que afirma textualmente: “O crime é necessário; está ligado 
às condições fundamentais de qualquer vida social mas, precisamente por isso, é útil; porque 
estas condições de que é solidário são elas mesmas indispensáveis à evolução normal da moral 
e do direito”.[73] 
 O desvio, sendo funcional, conforme demonstrado, somente será perigoso para a 
existência e o desenvolvimento da sociedade quando exceder certos limites. Nestes casos pode 
advir uma situação de absoluta desorganização e anarquia, em que todo o sistema normativo de 
conduta perde seu valor. Ao mesmo tempo, outro sistema não se firma em substituição, gerando 
um estado de absoluta falta de regras ou normas, uma ausência de qualquer orientação sobre a 
conduta humana. A este estado de coisas, Durkheim denomina “anomia” e esta sim pode ser um 
fator extremamente deteriorante da sociedade.[74] 
 Um exemplo sempre atual de uma situação de “anomia” é a sensação de impunidade e 
de ausência ou negligência dos órgãos oficiais, gerando um amplo descrédito no sistema 
normativo vigente, mas inoperante. Aliás essa constatação não é nova, encontrando-se 
intuída desde antanho na afirmação de Beccaria de que “não é o rigor do suplício que previne os 
crimes com mais segurança, mas a certeza do castigo (…)”.[75] 
 A noção de “anomia” e da funcionalidade do crime na sociedade conduz a uma revolução 
inclusive no que tange à finalidade e fundamento da pena, pois que não mais devem ser 
buscados na profilaxia de um mal. “Com efeito, se o crime é uma doença, a pena é o remédio e 
não pode ser concebida de modo diferente; assim todas as discussões que suscita incidem sobre 
a questão de saber em que deve consistir para desempenhar o seu papel de remédio. Mas se o 
crime não tem nada de mórbido, a pena não pode ter como objetivo cura-lo, e a sua verdadeira 
função deve ser procurada noutro lugar”.[76] Confirma-se assim a assertiva antecedente a este 
item, onde afirma-se que as teorias ora em exposição, embora de matiz sociológico e buscando 
as origens do crime, apresentam peculiaridades que as diferenciam das demais pesquisas 
sociológico – criminais praticamente acríticas quanto à visão maniqueísta do crime, do criminoso 
e das funções do Direito Penal. 
 Ainda sob a orientação estrutural – funcionalista há que mencionar a doutrina de Robert 
Merton. O autor sob comento se utiliza da noção de “anomia” para indicar como o desvio é um 
produto da própria estrutura social, absolutamente normal, na medida em que esta própria 
estrutura acaba compelindo o indivíduo à conduta desviante, apresentando-lhe metas, mas não 
lhe disponibilizando os meios necessários para a sua consecução, de maneira a “tirar-lhe o chão”, 
abandonando-o sem possibilidades “normais” de obter seus objetivos. Ausentes os meios legais, 
mas presente a pressão para a conquista dos objetivos impostos socialmente, esse vácuo 
16 
 
(“anomia”) necessitará ser preenchido de alguma forma. Essa forma é a perseguição dos fins por 
meios ilegais, desviantes, já que os legítimos não estão disponíveis. 
 Segundo Merton, “a desproporção entre os fins culturalmente reconhecidos como válidos 
e os meios legítimos à disposição do indivíduo para alcança-los, está na origem dos 
comportamentos desviantes”.[77] E mais: “a cultura coloca, pois, aos membros dos estratos 
inferiores, exigências inconciliáveis entre si. Por um lado, aqueles são solicitados a orientar a sua 
conduta para a perspectiva de um alto bem estar; por outro, as possibilidades de faze-lo, com 
meios institucionais legítimos, lhes são, em ampla medida, negadas”.[78] 
 A maior crítica que se faz à doutrina de Merton é a de que ela somente explica a 
criminalidade das classes sociais mais baixas. Ela não serviria para desvelar a criminalidade de 
“Colarinho Branco” (v.g. econômica, fiscal, ambiental etc.). Isso porque tais sujeitos ativos 
ocupariam um “status” social elevado e teriam à sua disposição os meios legítimos para o alcance 
dos fins culturalmente impostos. Mesmo assim incidiriam na senda do crime. A essa questão a 
orientação mertoniana não apresentaria uma resposta satisfatória. 
 Na visão de Merton essa objeção não seria crucial. Para ele os “criminosos de colarinho 
branco” seriam exatamente a personificação do contraste entre os fins culturais socialmente 
impostos e os meios legítimos para o seu alcance. Os chamados “homens de negócios” que 
incidem em práticas criminosas seriam, então, aqueles que absorveram amplamente os fins 
culturais (sucesso econômico), mas, por outro lado, não interiorizaram as normas institucionais 
que determinam os meios legais para a consecução daqueles fins. 
 Não obstante, Baratta afirma que “a criminalidade de colarinho branco permanece, 
substancialmente, um corpo estranho na construção original de Merton. Esta é adequada 
somente para explicar, naquele nível superficial de análise ao qual chega, a criminalidade das 
camadas mais baixas”.[79] Aduz o autor que Merton, ao tentar adequar sua explicação à 
criminalidade de “colarinho branco”, se vê “constrangido a acentuar a consideração de um 
elemento subjetivo – individual (a falta de interiorização das normas institucionais) em relação a 
de um elementos estrutural – objetivo (a limitada possibilidade de acesso aos meios legítimos 
para a obtenção do fim cultural, o sucesso econômico).”[80] 
 Razão parcial assiste a essa crítica. Efetivamente a adaptação feita por Merton privilegia 
um aspecto subjetivo em detrimento de um elemento objetivo original, de maneira a desvirtuar a 
teoria enquanto fórmula explicativa geral. 
 No entanto, não parece inadaptável de forma absoluta a criminalidade de “colarinho 
branco” à teoria mertoniana de desequilíbrio entre fins culturais e meios institucionais, em sua 
formulação original. 
 Essa correlação conturbada entre fins e meios, na realidade da sociedade capitalista, 
atinge a todos indistintamente. Dependendo da posição ocupada socialmente pelo indivíduo, 
variará o grau de sofisticação dos fins almejados. No entanto, a pressão exercida para a 
conquista destes ou daqueles fins, mais ou menos sofisticados, necessários ou supérfluos, acaba 
não diferindo qualitativamente em face da interiorização pelo indivíduos em geral das 
concepções de obtenção sempre maior de bem estar e acúmulo de riquezas. Para uns, o fim 
cultural em face à sua condição social, pode ser somente um carro novo, uma casa ou até 
mesmo um simples tênis. Para outros, milhões em dinheiro, jatos particulares, jóias etc. Na 
sociedade capitalista não existem limites para o acúmulo e o consumo, estando invariavelmente 
submetidos a um afã de progresso econômico infinito, todos aqueles que são submetidos e 
dominados por tal pressão cultural. 
 Nesse quadro, em qualquer caso, os fins culturais nunca estarão suficientemente 
equilibrados com os meios legais disponíveisao seu alcance. Se um empresário já tem altos 
lucros e muitos bens materiais, estará sempre impelido a aumentar esse lucros e adquirir mais 
bens. Nem sempre essa operação é viável pelos meios institucionais, o que o levaria, igualmente 
àquele indivíduo das classes mais baixas, à senda da ilegalidade para a consecução de seus 
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objetivos, os quais só diferem dos deste pelo grau de sofisticação. A “necessidade” de alcance de 
certos fins na sociedade capitalista é muito mais psicológica do que material e então não há 
diferença substancial entre as expectativas de progresso econômico das classes baixas ou altas, 
a não ser, como já frisado, pelo grau de sofisticação. 
 Na verdade se os fins culturais preconizados por Merton fossem aqueles básicos, que 
constituem uma necessidade material mínima dos seres humanos, sua teoria não somente seria 
inválida para as classes superiores, mas também para qualquer uma que estivesse acima da 
linha da miséria. Como já destacado, esses fins culturais exercem uma atuação muito mais 
psicológica nos indivíduos, do que constituem verdadeiras necessidades básicas (v.g. roupas da 
moda, jóias, carros, bebidas, mobiliário luxuoso etc.). Mesmo estando em uma situação 
econômica privilegiada podem haver certos objetivos inalcançáveis pelos meios institucionais, 
mas almejados pelo indivíduo dominado pelo modelo capitalista. 
 Hobsbawn retrata essa realidade atual: “(…), é evidente que se as pessoas vivem em um 
nível de subsistência, isto é, sem garantia dos elementos básicos de vida, como alimento, roupa, 
abrigo, então é muito importante sair dessa situação. Elas ficam felizes simplesmente por viver 
em uma situação na qual não mais precisam temer a fome. (…). Mas, quando se vive acima do 
nível da miséria, as coisas são muito diferentes. Mesmo um aumento na renda ou uma ampliação 
da gama de divertimentos não assegura, de modo necessário ou automático, um sentimento de 
realização ou satisfação. Num mundo em que as pessoas podem viver de bolo, em vez de pão, 
não se pode evitar o estresse da inveja e da competição social. Para um indivíduo rico em uma 
sociedade dinâmica, é difícil não fazer comparações com a riqueza acumulada por outros 
membros do mesmo grupo social, mesmo tendo obtido já todo êxito que esperava. (…). E isto, 
obviamente, reduz a felicidade e aumenta a insegurança.”[81] 
 Do exposto conclui-se que, na verdade, o equívoco de Merton foi no sentido de pretender 
desvirtuar sua teoria original, inserindo um elemento subjetivo desnecessário no caso dos crimes 
de “colarinho branco”, ao invés de atentar para a natureza homogênea da pressão psiciológica 
dos fins culturais na sociedade capitalista. 
 Por outro lado, Baratta também critica a teoria mertoniana em virtude de sua negligência 
quanto à “relação funcional objetiva” entre a criminalidade de “colarinho branco” e a “estrutura do 
processo de produção e do processo de circulação do capital” legais. Segundo o autor, é fato 
evidente que “uma parte do sistema produtivo legal se alimenta de lucros de atividades delituosas 
em grande estilo”.[82] 
 Sem dúvida, essa é uma lacuna nos estudos de Merton, a qual, porém, não tem o condão 
de invalidar suas conclusões nos limites a que se propôs. 
 Uma teoria que surgiu como uma “alternativa à teoria funcionalista” foi aquela apregoada 
por Edwin H. Sutherland, denominada de “Teoria da Associação Diferencial”. Segundo ela, a 
criminalidade, à semelhança de qualquer modelo de comportamento, é aprendida, de acordo com 
os convívios específicos aos quais se submete o sujeito, em seu ambiente social e 
profissional.[83] 
 Tal pensamento serviu de base para a formulação da chamada “Teoria das Subculturas 
Criminais”. O indivíduo aprenderia o crime (técnicas e fins) de acordo com o seu convívio em 
determinados meios e assumiria as feições de certos grupos aos quais estaria ligado por 
aproximação voluntária (convívio opcional com certos grupos sociais); ocasional (classe social) ou 
coercitiva (prisão).[84] 
 Sutherland afirma que pelo processo de “associação diferencial” o indivíduo, de acordo 
com seu convívio, aprende e apreende as condutas desviantes. Por isso, tal teoria poderia 
explicar tanto a criminalidade das classes baixas como das altas. Os criminosos menos 
abastados cometeriam sempre os mesmos crimes, porque estariam ligados ao convívio de 
pessoas de seu nível social e somente poderiam aprender essas espécies de condutas delitivas, 
não tendo acesso a informações que os tornassem hábeis a outras práticas mais sofisticadas. Por 
18 
 
seu turno, aqueles mais privilegiados aprenderiam outras modalidades de crimes afetos a seus 
meios e, por isso, também raramente incidiriam nas condutas das classes mais baixas. 
 Aqui residiria um ponto de contato ou síntese entre a teoria de Merton (fins culturais e 
meios institucionais) e a da “associação diferencial”. Isso porque a modalidade de conduta seria 
distribuída de acordo com os meios dispostos aos indivíduos para desenvolverem seus impulsos. 
 Segundo Baratta, coube a Cloward, em um artigo publicado em 1959, proceder à síntese 
entre as concepções de Merton e Sutherland, nos seguintes termos: 
 “Entre os diversos critérios que determinam o acesso aos meios ilegítimos, as diferenças 
de nível social são, certamente, as mais importantes (…). Também no caso em que membros de 
estratos intermediários e superiores estivessem interessados em empreender as carreiras 
criminosas do estrato social inferior, encontrariam dificuldades para realizar essa ambição, por 
causa de sua preparação insuficiente, enquanto os membros da classe inferior podem adquirir, 
mais facilmente, a atitude e a destreza necessárias. A maior parte dos pertencentes às classes 
média e superior não são capazes de abandonar facilmente sua cultura de classe, para adaptar-
se a uma nova cultura. Por outro lado, e pela mesma razão, os membros da classe inferior são 
excluídos do acesso aos papéis criminosos característicos do colarinho branco”.[85] 
 Mas, a concepção de Sutherland pretende ser mais abrangente e geral do que a de 
Merton, dispondo-se a fornecer uma fórmula geral capaz de explicar a criminalidade das classes 
inferiores e também aquela de “colarinho branco”. Referida fórmula residiria na afirmação de que 
qualquer conduta desviante é “aprendida em associação direta ou indireta com os que já 
praticaram um comportamento criminoso e aqueles que aprendem esse comportamento 
criminoso não têm contatos freqüentes ou estreitos com o comportamento conforme a lei”. Para 
Sutherland, uma pessoa torna-se ou não criminosa de acorco com o “grau relativo de freqüência 
e intensidade de suas relações com os dois tipos de comportamento” (legal e ilegal), ao que 
chama propriamente de “associação diferencial”.[86] 
 A “Teoria das Subculturas Criminais” demonstra uma coincidência entre os mecanismos 
de aprendizagem e interiorização das normas e paradigmas comportamentais ligados à 
delinqüência e aqueles mesmos mecanismos da socialização normal. Deixa clara a relatividade 
do livre arbítrio pessoal frente a esses mecanismos de socialização. Desse modo, “constitui não 
só uma negação de toda teoria normativa e ética da culpabilidade, mas uma negação do próprio 
princípio de culpabilidade ou responsabilidade ética individual, como base do sistema penal”.[87] 
 Finalmente releva tratar da chamada “Teoria das Técnicas de Neutralização”, trazida a 
lume por Gresham M. Sykes e David Matza, como uma “importante correção da teoria das 
subculturas criminais”. “A correção foi obtida pela análise das ‘técnicas de neutralização’, ou seja, 
daquelas formas de racionalização do comportamento desviante que são apreendidas e utilizadas 
ao ladodos modelos de comportamento e valores alternativos, de modo a neutralizar a eficácia 
dos valores e das normas sociais aos quais, apesar de tudo, em realidade, o delinqüente 
geralmente adere”.[88] 
 É verificável que o indivíduo, mesmo que submergido numa subcultura criminal, sempre 
tem algum contato com a cultura oficial e, de algum modo, influencia-se e reconhece algumas de 
suas regras. Se assim não fosse, sequer poderia ter consciência do caráter desviante de sua 
conduta. A partir dessa constatação Sykes e Matza procuram expor os mecanismos utilizados 
pelos indivíduos para justificarem para si mesmos e os outros, a prática da conduta desviante em 
detrimento daquela normalizada. Dessa forma, demonstram como as regras oficiais atuam 
perante a consciência dos desviantes, fato este não analisado pela “Teoria das Subculturas”. 
 Os autores descrevem alguns tipos fundamentais de “técnicas de neutralização”: [89] 
a) Exclusão da própria responsabilidade – o delinqüente se identifica como vítima das 
circunstâncias, muito mais passivamente do que ativamente encaminhado para a atuação 
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criminosa. Por exemplo: “Pratico roubos porque estou desempregado e preciso cuidar da minha 
família”. 
b) Negação da ilicitude – o infrator interpreta suas ações somente como proibidas, mas não 
criminosas, imorais ou danosas e procura redefini-las eufemisticamente. Por exemplo: “um ato de 
vandalismo é definido como simples ‘perturbação da ordem’; um furto de automóvel como ‘tomar 
por empréstimo’ etc “. Em nossa realidade é emblemática a frase reducionista em que a pessoa 
acusada de algum ilícito pergunta em tom de inconformismo: “O que é que tem isso? Não matei 
nem roubei!” 
c) Negação da vitimização – interpreta-se a vítima como merecedora do mal ou prejuízo que lhe 
foi infligido. 
d) Condenação dos que condenam – atribuição de qualidades negativas às instâncias oficiais. 
Por exemplo: Estado opressor; exploração fiscal; polícia corrupta etc. Também a qualificação de 
“hipócritas” às pessoas cumpridoras da lei. 
e) Apelo às instâncias superiores – valorização especial de pequenos grupos aos quais o 
desviado pertence, com suas normas e valores (v.g. “gangs”, família, amizades etc.), em 
detrimento do organismo social e seus regramentos. 
 Na realidade, a própria formação de uma subcultura é a maior e mais operante “técnica de 
neutralização”, pois nada enseja uma capacidade tão relevante de abrandar a consciência e 
defender-se dos remorsos, quanto o efetivo apoio e aprovação por parte de outras pessoas que 
são aderentes ao mesmo modelo comportamental.[90] 
 
3.4 – A NOVA CRIMINOLOGIA: CRIMINOLOGIA CRÍTICA, DIALÉTICA, RADICAL, 
INTERACIONISTA OU DA REAÇÃO SOCIAL 
 
 3.4.1 – PRELIMINARES 
 Como já visto, a Nova Criminologia constitui uma alteração radical do paradigma 
científico da pesquisa do fenômeno criminal. Implica no abandono da tese, tomada como 
premissa pela Criminologia Tradicional, do crime como uma realidade ontológica reificada. O 
crime passa a ser considerado semente dentro de seus limites de uma realidade meramente 
normativa, criada pelo Sistema Social de que fazem parte as normas penais. Conseqüentemente 
o criminoso deixa de ser rotulado como um “anormal” e o crime como “patológico” à semelhança 
do que já era adiantado por Durkheim. 
 A compreensão da criminalidade passa a ser buscada no desvendamento da “ação do 
sistema penal que a define e reage contra ela, começando pelas normas abstratas até a ação das 
instâncias oficiais (polícia, juízes, instituições penitenciárias) que as aplicam.” Portanto, a 
atribuição do papel de criminoso a determinada pessoa depende da atuação das “instâncias 
oficiais de controle social”, uma vez que, mesmo praticando atos anti – sociais, um indivíduo não 
é tratado como criminoso enquanto não é alcançado pela atuação dessas instâncias que exercem 
um forte papel seletivo. O fato de ser ou não criminoso não se liga à existência ou não de uma 
moléstia ou anormalidade individual, mas sim a haver ou não o sujeito sido apanhado pelas 
malhas das agências seletivas que atuam com base nas pautas normativa e socialmente 
estabelecidas. [91] 
 As teorias da Criminologia Radical que se passarão a expor significam, portanto, o 
abandono do antigo paradigma etiológico para a construção de uma abordagem crítica do 
Sistema Penal, inclusive com o questionamento sério de sua legitimidade. 
 Parte-se da idéia de que o sistema punitivo é organizado com base em uma ideologia da 
sociedade de classes (matiz marxista). Assim sendo, seu objetivo primordial não seria a defesa 
social ou a criação de condições para o convívio harmônico, mas sim a proteção de “conceitos e 
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interesses que são próprios da classe dominante”. O Sistema Penal e todos os demais 
instrumentos de controle social não passariam de dispositivos opressivos para a consecução do 
domínio de umas classes sobre as outras. “O Direito Penal é, assim, elitista e seletivo, fazendo 
cair fragorosamente seu peso sobre as classes sociais mais débeis, evitando, por outro lado, 
atuar sobre aqueles que detêm o poder de fazer as leis”. O sistema tem por escopo manter “a 
estrutura vertical de poder e dominação” existente na sociedade, conservando as desigualdades 
e até mesmo alimentando-as.[92] 
 Essa visão impõe a constatação da enorme diferença de intensidade do alcance do Direito 
Penal sobre os setores marginalizados e inferiores da sociedade. Ao mesmo tempo, verifica-se a 
sua fragilidade perante comportamentos de suma gravidade afetos às classes hegemônicas (v.g. 
delitos econômicos, ambientais etc.). 
 “A criminologia radical tenta demonstrar que o Direito Penal não é igualitário, nem protege 
o bem como e, também que sua aplicação, (…), não é isonômica”.[93] 
 
3.4.2 – “LABELING APPROACH” OU TEORIA DA REAÇÃO SOCIAL 
 A Criminologia Tradicional parte do pressuposto de que a qualidade criminal de um 
comportamento existe objetivamente e, aliás, preexiste às normas que o definem como crime, as 
quais seriam mero reconhecimento de sua característica negativa. E mais, entende que as 
normas sociais constituem um acordo universal, um consenso “válido a nível intersubjetivo”. 
 Para os teóricos do “labeling approach” ou “etiquetamento” , um fato só é considerado 
criminoso a partir do momento em que adquire esse “status” por meio de uma norma criada de 
forma a selecionar certos comportamentos como desviantes no interesse de um Sistema Social. 
Num segundo momento ainda, a atribuição da qualidade de criminoso a um sujeito dependerá do 
modelo de atuação (novamente seletivo) das instâncias de controle social (Polícia, Ministério 
Público, Juízes etc.). 
 Em suma, “os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo ‘quem é criminoso?’, 
‘como se torna desviante?’, ‘em quais condições um condenado se torna reincidente?’, ‘com que 
meios se pode exercer controle sobre o criminoso?’. Ao contrário, os interacionistas, como em 
geral os autores que se inspiram no ‘labeling approach’, se perguntam: ‘quem é definido como 
desviante?’, ‘que efeito decorre dessa definição sobre o indivíduo?’, ‘em que condições este 
indivíduo pode se tornar objeto de uma definição?’ e, enfim, ‘quem define quem?’.”[94] 
 A “Teoria do Etiquetamento” leva a uma derrocada do mito do Sistema Penal enquanto 
recuperador de indivíduos desviantes. Ao inverso, a conclusão é a de que a rotulação inicial de 
um indivíduo como desviante tende a exercer uma pressão para sua permanência nesse papel 
social, tendo em vista uma forte estigmatização. Por isso as instituições carcerárias ou 
penitenciárias, ao contrário de recuperar, somente produziriam um reforço da identidade 
desviante do detento, proporcionando

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