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1Noções básicas de vitimologia NOÇÕES BÁSICAS DE VITIMOLOGIA PROFESSOR CONTEUDISTA Marcio Rodrigo Delfim MÓDULO 5 Graus de vitimação, consequências e alternativas UNIDADE 5 2Noções básicas de vitimologia V ários estudos vêm sendo realizados, especialmen- te na Europa, acerca dos graus de vitimação possi- bilitando, dessa forma, uma análise variada a res- peito dos diferentes fatores relacionados à origem e às diversas consequências e soluções a respeito do primeiro, do segundo e do terceiro dano causado às vítimas, os quais são também conhecidos como vitimação primária, secundária e terciária, respectivamente. O primeiro dano, também chamado de vitimação primária, pode ser entendido como aquele que deriva diretamente do cri- me. Exemplo: a constatação de uma gravidez indesejada resul- tante de um estupro. O segundo dano, também conhecido como vitimação secun- dária, é aquele que, nas palavras de Antonio Beristain, “emana das respostas formais e informais que recebe a vítima” (2000, p. 103) ou, em outras palavras, é o sofrimento imposto à vítima pelas pessoas que deveriam estar encarregadas de fazer justi- ça. Exemplo: comentários desagradáveis com alusões sexuais e olhares mal intencionados dirigidos às vítimas de estupro por parte dos funcionários de uma Delegacia de Polícia. Por fim, o terceiro dano ou a vitimação terciária procede, prin- cipalmente, da conduta posterior da mesma vítima. A esse res- peito, muito esclarecedor o seguinte trecho trazido por Antonio Beristain: “Quando alguém, por exemplo, consciente de sua vitimação primária ou secundária, avoca um resultado, em cer- to sentido, paradoxalmente bem sucedido (fama nos meios de comunicação, aplauso de grupos extremistas, etc.), deduz que lhe convém aceitar essa nova imagem de si mesmo(a), e deci- de, por meio desse papel, vingar-se das injustiças sofridas e de seus vitimadores (legais, às vezes)” (2000, p. 109). Em outras palavras, pode-se dizer que a vitimação terciá- ria, em muitos casos, emerge como consequência, ou melhor, como valor acrescentado às vitimações primária e secundária precedentes como é o caso, por exemplo, daquele que para vingar-se, se auto-define e passa a atuar como delinquente. Tecidos esses comentários iniciais a respeito dos graus de vitimação, passa-se a analisar de forma mais detalhada alguns aspectos inerentes à vitimação secundária, salientando-se, desde já, que, dentre as principais queixas apresentadas pelas vítimas de crimes encontra-se a falta de informação por parte das autoridades públicas. Segundo Bernhard Villmow, citado por Antonio Beristain, “a história do sistema penal demonstra que a vítima nos últimos séculos se encontra desamparada, e também vitimada duran- te o processo penal; ela praticamente não é levada em conta; somente atuam o poder estatal, por uma parte, e o delinquen- te, por outra. Ambos abandonam e desconhecem a vítima” (2000, p. 105). 3Noções básicas de vitimologia Vários estudos realizados têm chegado a resultados seme- lhantes, concluindo que as vítimas de delitos, nos primeiros contatos com a polícia, se encontram satisfeitas com o com- portamento policial, mas essa sensação vai se deteriorando ao longo do tempo. Em outras palavras, verifica-se que, no começo, a polícia aco- de de imediato e dá mostras de apreciar a gravidade do delito. Entretanto, passado algum tempo, a vítima começa a encon- trar menos compreensão por parte dos agentes estatais, sendo que a falta de informação é uma das queixas mais frequentes, já que são raras as vezes em que a vítima é comunicada se o delinquente foi preso, julgado, condenado, etc. Uma das principais consequências dessa conjugação de fa- tores durante a apuração do delito (vitimação secundária) é o descrédito da vítima em relação à atividade policial. Esse tam- bém é um resultado reiteradamente constatado em diversos estudos já realizados, haja vista muitas vítimas manifestarem que a polícia não está à altura devida para prestar-lhes a ajuda necessária ou esperada; ou, ainda, declararem que jamais vol- tarão a recorrer à polícia. Elias Neuman, também citado por Beristain, corrobora tal as- sertiva dizendo que “ao longo do processo penal (já desde o começo da atividade policial), os agentes do controle social, com frequência, se despreocupam com (ou ignoram) a vítima; e, como se fosse pouco, muitas vezes a vitimam ainda mais. Especialmente em alguns delitos, como os sexuais. Não é raro que nessas infrações o sujeito passivo sofra repetidos vexa- mes, pois à agressão do delinquente se vincula a postergação e/ou estigmatização por parte da polícia, dos médicos foren- ses e do sistema judiciário” (2000, p. 106). É importante ressaltar que, em boa parte dos casos, tais pro- blemas poderiam ser minimizados, se os cursos oferecidos pe- las Academias de Polícia, Escolas Superiores da Magistratura, etc., priorizassem os aspectos científicos e humanitários, du- rante a formação dos futuros agentes públicos. Outra interessante característica, verificada nos estudos re- ferentes aos graus de vitimação, diz respeito à atitude da vítima quanto ao seu desejo de que ao delinquente se imponha a justa sanção punitiva. Ao contrário do que ocorre em relação à exigência, por parte da vítima, de receber sua devida compensação (característica que se mantém proeminente ao longo de todo o processo), o desejo de imposição de sanção ao delinquente vai mudando com o transcorrer do tempo, ou seja, aquele desejo inicial de se fazer justiça vai diminuindo ao longo do processo. Apontadas as principais consequências advindas da vitima- ção de segundo grau, já é possível dedicar algumas linhas à análise das alternativas sugeridas pelos estudiosos do assunto, 4Noções básicas de vitimologia para minimizar sua incidência. Um grande número de estudos realizados mostra a neces- sidade da criação de programas de acolhimento urgente, tam- bém denominados centros de assistência imediata às vítimas. Isso vem se mostrando imprescindível porque a polícia, que costuma ser a que primeiro entra em contato com a vítima, ge- ralmente não está preparada para desempenhar tal função as- sistencial. Não obstante a tarefa seja relativamente simples, consistin- do, basicamente, em escutar a vítima, buscar-lhe alojamento, fornecer assistência médica e, sobretudo, psicológica, a rea- lidade é que são poucas as vítimas que encontram atenção imediata com a urgência desejada. É importante registrar que, apesar de ser bastante reduzido o número de países que efetivamente proporcionam essa pri- meira assistência de forma adequada (Reino Unido, por exem- plo), vem se verificando um aumento significativo no número de países que já deram os primeiros passos nesse sentido, como ocorre, por exemplo, com a Espanha. Um segundo grupo de programas assistenciais é composto por centros que prestam assistência dentro do sistema de Direi- to Penal ou, em outras palavras, procuram auxiliar as vítimas de forma contínua, tanto em nível emotivo como em nível prático, antes, durante e depois do processo. Essa prestação de auxílio às vítimas, muito comum nos EUA e no Canadá, ocorre da seguinte forma: “Antes, facilitando-lhes as gestões da denúncia que em algumas situações de terro- rismo deveriam manter certo anonimato (...); durante, evitando- -lhes a segunda vitimação; e, depois, com os programas de compensação e os possíveis intentos restaurativos e reconci- liadores, etc.” (BERISTAIN, 2000, p. 113). As vítimas, de modo geral, têm considerado positiva essa for- ma de assistência, uma vez que lhes têm poupado muitotempo e muitos desgostos em suas relações com o aparato judicial. Um terceiro grupo de programas assistenciais tem por obje- tivo promover a indenização econômica às vítimas, sendo que existem vários estudos discutindo quais os fundamentos e as finalidades dessa compensação. Conforme ensinamento de A. Karmen “alguns baseiam-na no Estado social de direito, outros na estrita justiça, outros na com- pensação que deve o poder governamental, por não conseguir evitar a criminalidade, etc.” (apud BERISTAIN, 2000, p.115). Apesar disso, a realidade é que os programas de indeniza- ção econômica ainda não chegaram à meta desejada, uma vez que, em muitos casos, as vítimas desconhecem a existência de tais programas e, mesmo nos casos em que eles são conheci- dos, verifica-se que a maioria das vítimas necessitadas acaba não sendo compensada e, quando o são, não ficam satisfeitas. 5Noções básicas de vitimologia Dentre os países que já adotam o programa de indenização às vítimas podem ser citados a Nova Zelândia, a Inglaterra, a Argentina, a Espanha, o México, etc. DICA 3 Para maiores detalhes a respeito da vitimação secundária, ver texto nº 3 do tópico Material de Apoio. DICA 4 Um excelente exemplo de vitimação terciária ocorreu com a aluna do curso de Turismo da Universidade Bandeirante de São Paulo (UNIBAN), Geisy Arruda, que, após ter sido hostilizada pelos demais alunos e expulsa da instituição por usar um vestido curto e justo, passou a utilizar o episó- dio como forma de ganhar projeção nacional. Para maiores detalhes a respeito do caso, ver o tópico “Fatos Polêmicos” no site http://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_Bandeiran- te_de_S%C3%A3o_Paulo e assistir o vídeo no site http:// www.youtube.com/watch?v=u0jFvqAasBY