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1Noções básicas de vitimologia NOÇÕES BÁSICAS DE VITIMOLOGIA PROFESSOR CONTEUDISTA Marcio Rodrigo Delfim MÓDULO 2 Conceito e classificação das vítimas UNIDADE 2 2Noções básicas de vitimologia A palavra vítima, derivada do latim victima, é defini- da no dicionário da seguinte forma: “criatura viva, imolada em holocausto a uma divindade; pes- soa sacrificada aos interesses ou paixões de ou- trem; pessoa assassinada ou ferida; pessoa que sucumbe a uma desgraça ou que sofre algum infortúnio; tudo o que sofre qualquer dano; sujeito passi- vo do ilícito penal; aquele con- tra quem se comete um crime ou contravenção” (FERREIRA, 1987, p. 1251). Todavia, na literatura especia- lizada, em especial em sede de Vitimologia, são muitas as definições de vítima que se tem en- contrado, sendo importante transcrever algumas delas, a título de ilustração. O famoso professor de Criminologia e advogado em Jerusa- lém, Benjamin Mendelsohn, considerado por muitos o Pai da Vitimologia Moderna, conceitua vítima nos seguintes termos: “é a personalidade do indivíduo ou da coletividade na medida em que está afetada pelas consequências sociais de seu sofrimen- to, determinado por fatores de origem muito diversificada: físico, psíquico, econômico, político ou social, assim como do ambien- te natural ou técnico” (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 88). A vitimóloga Ana Isabel Garita Vilchez, por sua vez, define ví- tima como “a pessoa que sofreu alguma perda, dano ou le- são, seja em sua pessoa propriamente dita, sua propriedade ou seus direitos humanos, como resultado de uma conduta que: a) constitua uma violação da legislação penal nacional; b) cons- titua um delito em virtude do Direito Internacional; c) constitua uma violação dos princípios sobre direitos humanos reconhecidos internacionalmen- te ou d) que de alguma forma implique um abuso de poder por parte das pessoas que ocupem posições de autoridade política ou econômica” (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 88). Para Paul Z. Separovic vítima é “qualquer pessoa física ou moral, que sofre com o resultado de um desapiedado desígnio, incidental ou acidentalmente” (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 89). Por fim, Luis Rodríguez Manzanera leciona que “vítima é o indivíduo ou grupo que sofre um dano, por ação ou por omis- são, própria ou alheia, ou por caso fortuito” (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 90). Nesse instante já é possível verificar a impossibilidade de se tentar elaborar um conceito único de vítima, uma vez que tal definição, conforme ensina Manzanera, vai depender do “pa- “ vítima é o indivíduo ou gru- po que sofre um dano, por ação ou por omissão, própria ou alheia, ou por caso fortuito ” 3Noções básicas de vitimologia radigma científico do modelo e da ideologia adotada e vice- -versa: cada teoria, tendência ou perspectiva elaborará sua de- finição de vítima” (apud PIEDADE JÚNIOR, 1993, p. 90). Se já é difícil expor, sob o ponto de vista técnico, uma defi- nição completa do que seja vítima, não menos conturbada se apresenta a questão relacionada à classificação das vítimas, uma vez que cada estudioso do assunto apresenta uma classi- ficação distinta, como se verá a seguir. Para Benjamin Mendelsohn, as vítimas podem ser classifi- cadas da seguinte forma a) Vítima completamente inocente ou vítima ideal: “é aque- la que não tem nenhuma participação no evento criminoso”, isto é, “o delinquente é o único culpado pela produção do resultado. Exemplos: sequestros, roubos qualificados, ter- rorismo, vítima de bala perdida, etc.” (apud MOREIRA FI- LHO, 2004, p. 47). b) Vítima menos culpada do que o delinquente ou vítima por ignorância: é aquela que “contribui, de alguma forma, para o resultado danoso, ora frequentando locais reconhe- cidamente perigosos, ora expondo seus objetos de valor sem a preocupação que deveria ter em cidades grandes e criminógenas” (apud MOREIRA FILHO, 2004, p. 47). c) Vítima tão culpada quanto o delinquente: é aquela cuja participação ativa é imprescindível para a caracterização do crime. Exemplo: estelionato caracterizado pela torpeza bilateral. d) Vítima mais culpada que o delinquente ou vítima pro- vocadora: os exemplos mais frequentes dessa modalidade encontram-se nas lesões corporais e nos homicídios privi- legiados cometidos após injusta provocação da vítima. e) Vítima como única culpada, cujos exemplos apontados pela doutrina são os seguintes: “indivíduo embriagado que atravessa avenida movimentada vindo a falecer atro- pelado, ou aquele que toma medicamento sem atender o prescrito na bula, as vítimas de roleta-russa, de suicídio, etc.” (apud MOREIRA FILHO, 2004, p. 48). Para o professor alemão Hans Von Hentig, as vítimas po- dem ser classificadas como a) Vítima resistente, cujo principal exemplo mencionado pela doutrina é aquela que, agindo em legítima defesa, repele uma injusta agressão atual ou iminente. b) Vítima coadjuvante e cooperadora: é aquela que concorre para a produção do resultado, seja devido à sua imprudên- cia, negligência ou imperícia, seja por ter agido com má-fé. De acordo com o professor de Direito Penal da Universi- 4Noções básicas de vitimologia dade Central de Madrid (atual Universidade Complutense), Luis Jimenez de Asúa, as vítimas podem ser classificadas da seguinte maneira a) Vítima indiferente: é aquela que se pode chamar de vítima comum, ou seja, desconhecida pelos criminosos. b) Vítima indefinida ou indeterminada: “é a chamada vítima da sociedade moderna, do desenvolvimento e do progres- so científico. Exemplo: terrorismo, propaganda enganosa dos crimes contra o consumidor, etc., em que o crime atin- ge a coletividade em geral e o indivíduo em particular” (apud MOREIRA FILHO, 2004, p. 50). c) Vítima determinada: “é aquela conhecida do agente, como na extorsão mediante sequestro, nos furtos com abu- so de confiança, na apropriação indébita, no homicídio por vingança, etc.” (apud MOREIRA FILHO, 2004, p. 50). Para Guglielmo Gulotta, advogado, psicólogo e professor de Psicologia Forense da Universidade de Turim, as vítimas se classificam em a) Vítima falsa: simulada ou imaginária. A vítima falsa simulada é aquela que atua consciente- mente ao provocar o movimento da máquina judiciária, com o desejo de gerar um erro judiciário ou, ao menos, alcançar a impunidade por algum fato delitivo que tenha cometido. A vítima falsa imaginária, por sua vez, é aquela que erro- neamente crê, por razões psicopatológicas ou imaturidade psíquica, haver sido objeto de uma agressão criminal. b) Vítima real: fungível ou não fungível. As vítimas reais fungíveis podem também ser chamadas de inteiramente inocentes ou vítimas ideais, pois, caso ve- nha a ocorrer um delito, sua relação com o criminoso é ir- relevante e, justamente por isso, elas são substituíveis na dinâmica criminal. Em outras palavras, isso significa que o fato delitivo não se desencadeia com base em sua interven- ção, consciente ou inconsciente. É importante ressaltar que as vítimas reais fungíveis ain- da se subdividem em duas subespécies: acidentais e indis- criminadas. As acidentais são aquelas colocadas, por azar, no caminho dos delinquentes como, por exemplo, aquela que se encontra num banco no exato momento em que um grupo de assaltantes ali adentra para roubá-lo. Já as indis- criminadas representam uma categoria mais ampla que a anterior, pois não sustentam, em nenhum momento, víncu- lo algum com o infrator como, por exemplo, as vítimas de atentados terroristas. Por outro lado, as vítimas reais não fungíveis são aque-las que desempenham certo papel na gênese do delito. Daí serem consideradas insubstituíveis na dinâmica crimi- 5Noções básicas de vitimologia nal. As vítimas reais não fungíveis também se subdividem, porém, em quatro subespécies: imprudentes, alternativas, provocadoras e voluntárias. As imprudentes são aquelas que omitem as precauções mais elementares facilitando, dessa forma, a concretização de um crime. Exemplo: deixar à mostra um objeto valioso dentro de um veículo que esteja com os vidros abertos. As alternativas são aquelas que, deliberadamente, se colocam em posição de sê-lo, dependendo do azar sua condição de vítima ou de vitimário. Exemplo clássico mencionado pela doutrina é o duelo. As provocadoras são aquelas que fazem surgir o delito, precisamente, como represália ou vingança pela prévia intervenção da vítima. Exemplos são os homi- cídios privilegiados cometidos após injusta provocação da vítima. As voluntárias são aquelas que constituem o mais característico exemplo de participação. Nestes casos o de- lito é resultado da instigação da própria vítima ou de um pacto livremente assumido. Exemplo típico é a eutanásia. Por fim, de acordo com o professor de Vitimologia Elias Neuman, as vítimas podem ser classificadas em a) Vítimas individuais: são as vítimas clássicas, ou seja, aquelas resultantes das primeiras investigações vitimoló- gicas baseadas na chamada dupla penal. Em outras pa- lavras, são todas as pessoas físicas que figuram no polo passivo de um crime. b) Vítimas familiares: são aquelas decorrentes de maus- -tratos e de agressões sexuais produzidas no âmbito fami- liar ou doméstico, as quais recaem, geralmente, nos seus membros mais frágeis, como as mulheres e as crianças. c) Vítimas coletivas: certos delitos lesionam ou põem em pe- rigo bens jurídicos cujo titular não é a pessoa física. Desta- ca-se, assim, a despersonalização, a coletivização e o ano- nimato entre o delinquente e a vítima, que pode ser uma pessoa jurídica, a comunidade ou o próprio Estado. Exem- plo dessa modalidade ocorre nos chamados delitos finan- ceiros, nos crimes contra os consumidores, entre outros. d) Vítimas da sociedade e do sistema social: essa modali- dade vem se tornando cada vez mais corriqueira. Exemplos: mortes diárias nos corredores dos hospitais públicos devido à falta de leitos; homicídios cometidos por milícias, etc. Como se pode perceber, não obstante as classificações apre- sentadas sejam extremamente diversificadas, todas elas são dotadas de cientificidade e, como tal, devem ser respeitadas. Porém, vale ressaltar que a classificação de Benjamin Mendel- sohn é a mais difundida entre os estudiosos do assunto.
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