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26204 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 Contemporânea Contemporary Journal 3(12): 26204-26219, 2023 ISSN: 2447-0961 Artigo USO DA CLONIDINA NO TRATAMENTO DOS COMPORTAMENTOS DISRUPTIVOS NO DÉFICIT INTELECTUAL MODERADO OU GRAVE USE OF CLONIDINE IN THE TREATMENT OF DISRUPTIVE BEHAVIORS IN MODERATE OR SEVERE INTELLECTUAL DEFICIT DOI: 10.56083/RCV3N12-076 Recebimento do original: 03/11/2023 Aceitação para publicação: 06/12/2023 Marcone Nunes dos Santos Residente em Psiquiatria Instituição: Centro Universitário de Patos (UNIFIP) Endereço: R. Horácio Nóbrega, s/n, Boa Vista, Patos – PB, CEP: 58704-440 E-mail: marcone.nsp@gmail.com Aécio Geovanne Cavalcanti Alves Residente em Psiquiatria Instituição: Universidade Regional do Cariri (URCA) Endereço: R. Cel. Antônio Luíz, 1161, Pimenta, Crato - CE, CEP: 63105-010 E-mail: aeciocavalcanti@hotmail.com Milena Nunes Alves de Sousa Doutora em Promoção de Saúde Instituição: Centro Universitário de Patos (UNIFIP) Endereço: R. Horácio Nóbrega, s/n, Boa Vista, Patos – PB, CEP: 58704-440 E-mail: milenanunes@fiponline.edu.br RESUMO: Comportamentos disruptivos são recorrentes em diversos transtornos psiquiátricos. De forma destacada, são comuns em pessoas com deficiência intelectual. A abordagem terapêutica preferencial envolve intervenções comportamentais e psicossociais. Quando as abordagens iniciais falham, a farmacoterapia, especialmente com antipsicóticos de segunda geração, é considerada, embora associada a efeitos colaterais significativos. A clonidina, originalmente um medicamento anti-hipertensivo, mailto:aeciocavalcanti@hotmail.com mailto:milenanunes@fiponline.edu.br 26205 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 emerge como uma alternativa eficaz e de baixo custo para comportamentos disruptivos. Seus benefícios e efeitos colaterais são discutidos, principalmente em comparação com antipsicóticos. Este estudo propõe avaliar a resposta terapêutica e efeitos da clonidina em indivíduos com deficiência intelectual moderada ou grave. Foi conduzido no CAPS-II de Patos-PB. Utilizando a Escala de Impressões Clínicas Globais (CGI), realizou- se uma pesquisa documental retrospectiva, quantitativa, para avaliar a resposta desses pacientes à prescrição de clonidina. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de deficiência intelectual moderada ou grave e comportamentos disruptivos para os quais a clonidina foi prescrita. A resposta terapêutica foi documentada quantitativamente pela CGI após quatro semanas. O fármaco foi prescrito principalmente para casos graves e menos responsivos a outros medicamentos, resultando em melhora significativa na maioria. A interrupção foi rara, ocorrendo em um caso de hipotensão, sem outros relatos gerais de intolerabilidade dentre 18 pacientes incluídos no estudo. A clonidina mostrou-se benéfica como opção para comportamentos disruptivos, potencialmente prevenindo o uso de fármacos de maior risco metabólico e cardiovascular no longo prazo. Recomendações formais aguardam estudos mais abrangentes, especialmente ensaios clínicos controlados. PALAVRAS-CHAVE: Psiquiatria, Deficiência Intelectual, Comportamento Problema, Agressão, Clonidina. ABSTRACT: Disruptive behaviors are recurrent in diverses psychiatric disorders. They are particularly common in individuals with intellectual disabilities. The preferred therapeutic approach involves behavioral and psychosocial interventions. When initial approaches fail, pharmacotherapy, especially with second-generation antipsychotics, is considered, although associated with significant side effects. Clonidine, originally an antihypertensive medication, emerges as an effective and cost-effective alternative for disruptive behaviors. Its benefits and side effects are discussed, primarily in comparison to antipsychotics. This study aims to evaluate the therapeutic response and effects of clonidine in individuals with moderate to severe intellectual disabilities. It was conducted at CAPS-II in Patos-PB. Using the Clinical Global Impressions Scale (CGI), a retrospective quantitative documentary research was carried out to assess the response of these patients to clonidine prescription. Patients diagnosed with moderate to severe intellectual disability and disruptive behaviors for which clonidine was prescribed were included. Therapeutic response was quantitatively documented by CGI after four weeks. The drug was mainly prescribed for severe cases and those less responsive to other medications, resulting in significant improvement in the majority of cases. Discontinuation was rare, 26206 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 occurring in one case of hypotension, with no other general reports of intolerability among the 18 patients included in the study. Clonidine has proven to be beneficial as an option for disruptive behaviors, potentially preventing the use of medications with greater long-term metabolic and cardiovascular risk. Formal recommendations await more comprehensive studies, especially controlled clinical trials. KEYWORDS: Psychiatry, Intellectual Disability, Problem Behavior, Aggression, Clonidine. 1. Introdução Comportamentos disruptivos ou problemáticos são um padrão persistente de uma conduta negativa, desafiadora ou até mesmo hostil, como a agressão, autolesão, destruição de objetos, recusa a atividades, restrição alimentar e comportamentos socialmente inadequados (JOBSKI et al., 2017). São manifestações transdiagnósticas comuns a vários transtornos psiquiátricos assim como em algumas condições neurológicas e clínicas, sendo muito frequentes, entre outros, nos portadores de deficiência intelectual moderada ou grave. A abordagem terapêutica de primeira escolha neste público deve abranger intervenções comportamentais e psicossociais, principalmente quando a irritabilidade é o principal componente clínico registrado. Todavia, é fundamental que se recorra a alternativas quando as intervenções de primeira linha não são eficazes ou os pacientes não respondem adequadamente a esse tipo de abordagem (PISANO; MASI, 2019). Nessa perspectiva, a farmacoterapia deve ser utilizada, já que os medicamentos desempenharão um papel adicional para os sintomas relacionados com a desregulação comportamental. 26207 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 O tratamento medicamentoso dos comportamentos disruptivos em indivíduos com deficiência intelectual é geralmente reservado para casos mais graves e refratários ao tratamento comportamental. Os medicamentos mais comumente prescritos incluem antipsicóticos de segunda geração, como risperidona, olanzapina e aripiprazol. Embora esses medicamentos possam ser eficazes na redução dos comportamentos disruptivos, eles também estão associados a efeitos colaterais significativos, como ganho de peso, síndrome metabólica, discinesia tardia e sedação (BANAS; SAWCHUK, 2020). É importante avaliar cuidadosamente os benefícios e riscos do uso de medicamentos, levando em consideração a gravidade e a cronicidade dos comportamentos disruptivos e a resposta ao tratamento comportamental. A clonidina é um medicamento que atua como agonista alfa-2 adrenérgico, inicialmente aprovado para o tratamento da hipertensão arterial. Além disso, tem sido utilizado off-label em outras condições, como transtorno de Tourette, transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH), transtorno do espectro autista (TEA) e comportamentos disruptivos. Seu mecanismo de ação envolve a ativação de receptores pré-sinápticos alfa- 2 adrenérgicos, resultando na redução da liberação de noradrenalina e diminuição da atividade simpática, atuando de modo central a reduzir a resposta de luta e fuga, tornando-se uma boa alternativapara pacientes que podem tolerá-lo (BARDOLOI, 2023). Em relação aos comportamentos disruptivos, a clonidina tem sido relatada como eficaz em alguns estudos não controlados em crianças com agressividade e raiva, bem como em crianças com transtorno de conduta exibindo agressividade, como exemplo temos o Prado-Lima (2009), Banas e Sawchuk (2020) e Gurnani, Ivanov e Newcorn (2016). Seu uso pode apresentar efeitos colaterais, mas é, em geral, bem tolerada. Em comparação com os antipsicóticos quando usados para o mesmo fim, não apresenta os efeitos metabólicos em longo prazo. 26208 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 Estudar o uso da clonidina para o tratamento dos comportamentos disruptivos é importante por se tratar de um grupo de sintomas que causam impactos na vida dos pacientes e suas famílias, já que são potencialmente perturbadores em uma grande variedade de domínios funcionais, como o desempenho acadêmico e ocupacional, relacionamentos sociais e familiares e desenvolvimento psicológico (GURNANI; IVANOV; NEWCORN, 2016). De baixo custo e com perfil de efeitos colaterais, em longo prazo, menos danoso do que os antipsicóticos geralmente utilizados (BARDOLOI, 2023), já é usada em outros diagnósticos que também podem apresentar comportamentos disruptivos como o TEA, TDAH e distúrbios comportamentais agressivos (SAYLOR; AMANN, 2016). Ante as ponderações, este estudo avaliou o padrão de resposta terapêutica e efeitos colaterais do uso da clonidina para o tratamento dos comportamentos disruptivos que podem estar presentes em indivíduos diagnosticados com deficiência intelectual moderada ou grave, o que pode contribuir para consolidar uma ferramenta a mais disponível para o manejo clínico destes sintomas. 2. Metodologia No cadastro de pacientes do CAPS-II da cidade de Patos-PB foram identificados os pacientes diagnosticados com deficiência intelectual moderada ou grave. A pesquisa no prontuário destes pacientes buscou a presença de comportamentos disruptivos e a terapêutica instituída. Foi realizado um estudo quantitativo através de pesquisa documental, retrospectiva, de julho a outubro de 2023, com avaliação por meio da escala Escala de Impressões Clínicas Globais (CGI), do padrão de resposta dos pacientes à prescrição da clonidina no CAPS Adulto de Patos – PB. 26209 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 Foram incluídos no estudo os pacientes cadastrados diagnosticados com deficiência intelectual moderada ou grave, que apresentam, entre suas manifestações sintomáticas, os comportamentos disruptivos. Foram excluídos os pacientes para os quais a clonidina não foi prescrita ou que, tendo sido prescrita o paciente não fez uso ou, tendo feito uso, interrompeu antes de quatro semanas por qualquer motivo que não tenha sido intolerabilidade aos efeitos colaterais. A interrupção do uso por intolerabilidade mantém o paciente no estudo. Para os pacientes para os quais foi prescrita a clonidina o padrão de resposta terapêutica do paciente após 4 semanas de uso do fármaco foi documentado de forma quantitativa pela Escala de Impressões Clínicas Globais - CGI (figura 1). Entre outros, um estudo que valida sua versão em língua portuguesa foi publicado no Brazilian Journal of Psychiatry, por Lima et al. (2007). Figura 1. Escala de Impressão Clínica Global (CGI) Fonte: Lima et al. (2007). S – Gravidade da Doença Considerando a sua experiência com estes sintomas (comportamentos disruptivos), Quão mentalmente doente está o paciente neste momento? (marque apenas uma). 1 – Normal, não doente 2 – Límítrofe para a doença mental 3 – Levemente Doente 4 – Moderadamente doente 5 – Marcadamente doente 6 – Gravemente doente 7 – Doença Mental extremamente Grave I – Melhora Global Comparando à condição do paciente o início do tratamento, qual o grau de alteração que ocorreu? 1 – Muito melhor 2 – Melhor 3 – Ligeiramente melhor 4 – Sem alteração 5 – Ligeiramente pior 6 – Pior 7 – Muito pior 26210 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 Esta escala é amplamente empregada em estudos clínicos em psiquiatria devido a sua simplicidade e sua confiabilidade amplamente testada. Compõe-se de duas subescalas: gravidade da doença (CGI-S) e melhora global (CGI-I), avaliadas com escore de 1 a 7 (valores mais altos significam maior gravidade ou piora clínica). A pesquisa, de natureza quantitativa e retrospectiva, foi autorizada pelo comitê de ética do Centro Universitário de Patos – PB – CAEE 70039923.1.0000.5181 / Protocolo de número: 6.127.030 3. Resultados A clonidina foi prescrita para 18 pacientes (24%) de um conjunto de 75 usuários, do serviço de saúde abordado, diagnosticados com deficiência intelectual moderada ou grave. Da população inserida na pesquisa, apenas um paciente não usava outras medicações antes da clonidina. Todos os demais já utilizavam fármacos com o objetivo de controle dos comportamentos disruptivos, a maioria em polifarmácia de antipsicóticos e/ou anticonvulsivantes, principalmente, mas também antidepressivos e benzodiazepínicos. No universo pesquisado, dez pacientes (55%) tinham o diagnóstico de deficiência intelectual moderada e oito (45%) foram diagnosticados com deficiência intelectual grave, além disso a totalidade da amostra apresentava um perfil crônico para comportamentos disruptivos; sendo 9 (50,0%) do sexo masculino e 9 (50,0%) do sexo feminino, com idades variando de 09 a 73 anos e média de idade de 40 anos. Inicialmente, a dose utilizada foi de 0,1 mg, duas vezes por dia, para todos os pacientes. Quinze deles permaneceram com essa dose no primeiro mês de uso e três pacientes tiveram a dose aumentada para 0,2 mg, duas vezes por dia, ainda no decorrer das primeiras quatro semanas de uso. Um 26211 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 paciente, também portador de hipertensão arterial sistêmica e em uso de losartana, teve hipotensão ao somar a prescrição da clonidina e interrompeu o uso da mesma por intolerabilidade poucos dias antes da reavaliação. Não houve nenhum outro caso de percepção de efeitos colaterais significativos. Dois pacientes não demonstraram benefício com o uso. Os demais quinze pacientes tiveram benefício com a introdução da clonidina e cursaram com a diminuição dos comportamentos disruptivos, como melhora de forma destacada da inquietação e da impulsividade, além de benefício adicional na qualidade do sono. Apesar da melhora, apenas um paciente referiu a cessação completa dos comportamentos problemáticos. Na escala CGI, a respeito da gravidade dos comportamentos antes da prescrição da clonidina os pacientes foram classificados, de acordo com a intensidade e frequência das disfunções, conforme a tabela 1. Tabela 1. CGI – S (Gravidade da doença) 1. Normal, não doente 0 pacientes 2. Limítrofe para a doença mental. 0 pacientes 3. Levemente doente. 0 pacientes 4. Moderadamente doente. 11 pacientes 5. Marcadamente doente. 2 pacientes 6. Gravemente doente. 2 pacientes 7. Doença extremamente grave. 3 pacientes Fonte: Dados de pesquisa, 2023. Na mesma escala, em relação a melhora global após quatro semanas da introdução do fármaco o padrão de resposta está demonstrado conforme a classificação anterior para a gravidade da doença na tabela 2. Tabela 2. Padrão de resposta após 4 semanas em uso de clonidine CGI-S 4 (Moderadamente doente) 01 paciente muito melhor (CGI-I – 1) 08 pacientes melhores (CGI-I – 2) 01 paciente ligeiramente melhor (CGI-I – 3) 01 paciente ligeiramente pior (CGI-I – 5) CGI-S – 5 (Marcadamente doente) 01 paciente sem alteração (CGI-I – 4) 01 paciente ligeiramente melhor (CGI-I – 3) CGI-S – 6 (Gravemente Doente) 01 pacientesem alteração (CGI-I – 4) 26212 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 01 paciente ligeiramente melhor (CGI-I – 3) CGI-S – 7 (Extremamente Grave) 02 pacientes sem alterações (CGI-I – 4) 01 paciente ligeiramente melhor (CGI-I – 3) Fonte: Dados de pesquisa, 2023. 4. Discussão Os comportamentos disruptivos são comuns em pessoas com deficiência intelectual e podem incluir agressão, autolesão, destruição de objetos, recusa alimentar e comportamentos sociais inadequados (BARDOLOI, 2023). Esses comportamentos podem afetar negativamente a qualidade de vida do paciente e causar angústia para a família. Muitas vezes, eles também levam a uma sobrecarga de cuidados, rejeição social e, em casos mais graves, à institucionalização do paciente (KE; LIU, 2015). Quando a abordagem farmacológica se torna necessária no tratamento da deficiência intelectual, é importante que ela seja realizada de forma cuidadosa e após uma avaliação abrangente do paciente. É fundamental que a medicação seja prescrita como parte de um plano de tratamento que inclua manejo comportamental e envolvimento da família (BANAS; SAWCHUK, 2020). A primeira ação natural é analisar o comportamento, verificar se há uma causa tratável, sempre mantendo uma consideração cuidadosa dos riscos potenciais e evitando a polifarmácia (GURNANI; IVANOV; NEWCORN. 2016). A família e cuidadores são participantes ativos no processo terapêutico, que envolve o acesso a informações psicológicas, estímulo de habilidades sociais e apoio educacional e no emprego, garantindo, assim, que as intervenções sejam consistentes em todos os ambientes em que a pessoa com deficiência intelectual vive e interage (TURNER, 2020). Nos pacientes avaliados neste estudo, foi identificado um déficit da abordagem comportamental. Por questões sociais múltiplas, distância do 26213 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 serviço, motivação familiar e dificuldade de acesso, os pacientes não realizam ou fazem em carga horária inferior à recomendada, a realização das terapias. Quando fármacos foram utilizados, a prescrição da clonidina se revela uma conduta de exceção. A maioria dos pacientes que receberam a prescrição da clonidina já faziam uso de vários outros fármacos e, em não obtendo bom controle dos comportamentos problemáticos, a clonidina foi prescrita em adição aos demais. Eram, tipicamente, os mais sintomáticos, cuja resposta não foi plenamente alcançada com as medidas comportamentais e uso de outros medicamentos. A concomitância de outras substâncias prescritas para o mesmo fim é um dos limitadores importantes deste estudo, assim como o fato de ter sido usada na maioria das situações, para pacientes já refratários e pouco responsivos. Para três pacientes cuja gravidade de doença foi inicialmente classificada como extremamente grave em relação aos comportamentos disruptivos (CGI S - 7), a adição da clonidina não teve reposta para dois deles (CGI I - 4) e um paciente teve ligeira melhora (CGI I - 3), sugerindo um baixo padrão de resposta global para pacientes com manifestações muito graves. Dois pacientes classificados inicialmente como gravemente doentes (CGI S – 6) e dois pacientes marcadamente doentes (CGI S – 5) tiveram, em cada grupo, um paciente com ligeira melhora (CGI I -3) e um paciente com melhora mais clara (CGI I – 2), sendo os dois subgrupos com padrão geral de resposta menos claro, ainda que tendo tido benefícios. Para onze pacientes classificados previamente com doença moderadamente grave (CGI S - 4), um paciente teve ligeira melhora (CGI I – 3), oito pacientes tiveram melhora mais clara (CGI I – 2), um paciente teve cessação dos comportamentos disfuncionais (CGI I – 1), um paciente interrompeu o uso por hipotensão - considerado uma piora no estudo (CGI I 26214 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 – 5). O paciente que teve hipotensão com o uso, era hipertenso e fazia uso de losartana, tendo somado o efeito hipotensor da clonidina. O paciente que teve cessação completa dos comportamentos disruptivos era o único paciente do estudo que não fazia uso de outros fármacos e a clonidina foi prescrita em monoterapia. A melhora foi mais clara para o subgrupo de pacientes com menor gravidade e em uso de menor quantidade de outros fármacos, o que sugere que este grupo pode ter maior benefício e que a prescrição da clonidina antes da inclusão de drogas com maior comprometimento do perfil metabólico e maior risco cardiovascular, o que pode prevenir a necessidade de inclusão destes fármacos ou reduzir suas doses necessárias. É relevante observar que a melhora foi mais consistentemente relatada em relação a inquietação, impulsividade e insônia, o que pode nortear estudos mais direcionados. A agressividade é a principal manifestação dos comportamentos problemáticos disruptivos e é apontada como uma das principais causas para o encaminhamento às clínicas psiquiátricas. Entretanto, é importante ressaltar que a agressão pode ser considerada adaptativa em determinados contextos sociais e, em algumas ocasiões apropriadas, até mesmo ter um impacto positivo para o agressor. Contudo, é essencial destacar que a agressão mal adaptativa traz malefícios significativos para o indivíduo envolvido e acarreta consequências negativas (ROBB et al., 2019). A clonidina pode ser usada no contexto dos comportamentos problemáticos em vários subgrupos diagnósticos. Já foi avaliada na redução da agressividade e raiva em crianças com desenvolvimento típico e em crianças com transtorno de conduta (PISANO; MASI, 2019). As doses diárias usuais para transtorno de Tourette e TDAH variam de 0,1 a 0,4 mg, divididas em três ou quatro doses diárias (PERSICO et al., 2021). 26215 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 Para os pacientes avaliados com deficiência intelectual moderada ou grave a dose variou de 0,2 a 0,4 mg divididos em duas doses diárias, nas primeiras quatro semanas. O benefício foi percebido desde a dose mais baixa para a maioria e apenas três (17%) dos dezoito que usaram o fármaco tiveram a dose aumentada durante o primeiro mês. No que tange aos efeitos colaterais desse tratamento farmacológico é importante observar cuidadosamente os efeitos da clonidina na frequência cardíaca e na pressão sanguínea durante a titulação gradual do medicamento, já que a hipotensão é o efeito adverso mais marcante para esse fármaco, que atua diminuindo o fluxo simpático para os neurônios cardiovasculares excitatórios. Assim, a hipotensão moderada ou grave pode afetar a tolerabilidade da clonidina, que apresenta forte correlação com a dose utilizada (SINGAL et al., 2023). Apenas um paciente teve hipotensão com o uso do fármaco e possivelmente pela concomitância de uso com a losartana. O medicamento foi bem tolerado, o que também reflete o cuidado quando da prescrição, feita exclusivamente a usuários com níveis pressóricos entre normais e elevados. Uma revisão sistemática da literatura, publicada em 2020, no Canadá, avaliou o benefício da clonidina para o tratamento de comportamentos disruptivos associados a pacientes com Transtorno do Espectro Autista e identificou efeitos benéficos no seu uso como uma opção farmacológica eficaz e de baixo custo para indivíduos com distúrbios comportamentais neste grupo. Participaram do estudo, jovens com TEA que lutam contra hiperatividade, hiperexcitação, impulsividade, dificuldades de sono e agressividade. Os resultados indicaram melhora no comportamento com o uso da clonidina em relação à linha de base. Sendo geralmente bem tolerada, tendo a sedação como efeito adverso mais consistentemente relatado e apesar de ser um medicamento anti-hipertensivo, poucos descontinuaram a clonidina por hipotensão oubradicardia. Embora ressaltem que mais 26216 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 pesquisas são necessárias antes que qualquer recomendação clara possa ser feita, esclarecem que os efeitos são promissores ao beneficiamento desse tipo de tratamento (BANAS; SAWCHUK, 2020). Um outro artigo, fazendo uma comparação de resultados de ensaios clínicos, observou-se que a clonidina teve influência benéfica principalmente para o adormecimento, a manutenção do sono e a ansiedade. Também foi observado o benefício sobre a irritabilidade, hiperatividade e estereotipia. Os efeitos colaterais observados, foram dose dependentes, e incluíram sonolência e fadiga (COLEMAN et al., 2019). De forma similar ao encontrado nestes estudos, nos pacientes portadores de deficiência intelectual moderada ou grave ora avaliados, apenas um paciente interrompeu o uso por hipotensão e não houve outros relatos de intolerabilidade ao medicamento. A prescrição típica foi feita para pacientes refratários nos comportamentos disruptivos a despeito do uso de vários outros medicamentos e, portanto, aqueles mais graves e menos responsivos. Ainda assim, a maioria destes teve uma resposta positiva, com evolução em relação à linha anterior de base. A pesquisa apresenta limitações. Como os demais dados, o diagnóstico de deficiência intelectual, assim como os especificadores moderado ou grave foram coletados em prontuário e admitidos como tal, sem novos testes de quociente de inteligência e habilidades. A maioria dos pacientes usavam outros fármacos em diferentes combinações, de forma que o efeito da clonidina foi avaliado a partir do seu acréscimo aos demais mas não de forma isolada. Os usuários aos quais foi prescrita eram os mais refratários e a possível resposta naqueles menos sintomáticos para os quais o uso de antipsicóticos foi considerado satisfatório não está aqui retratada. Os usuários estavam submetidos a diferentes padrões de estímulo comportamental, de acordo com cada composição familiar e suporte, tornando o grupo bastante heterogêneo. 26217 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. ISSN 2447-0961 5. Conclusão A melhora clínica mais claramente percebida nos pacientes menos graves e o fato de um paciente para o qual a substância foi prescrita em monoterapia ter obtido remissão do quadro, são sugestivos de que uso da clonidina pode ser benéfica como uma opção inicial no tratamento dos comportamentos disruptivos, em especial tendo como alvo a inquietação, impulsividade e prejuízos da qualidade do sono, prevenindo o uso ou a necessidade de doses altas de fármacos com maior risco metabólico e cardiovascular no longo prazo. São necessários mais estudos, com ênfase em ensaios clínicos controlados, para que uma avaliação mais clara dos riscos e benefícios possam embasar uma recomendação formal para o uso. 26218 Revista Contemporânea, v. 3, n. 12, 2023. 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