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® BuscaLegis.ccj.ufsc.Br O Direito Penal - Função, a Criminalizacão e a Descriminalização João Henrique Santana Falcão* 2 O DIREITO PENAL Antes de conceituar a criminalização, demonstrar a função do Direito Penal, bem como introduzir o estudo da descriminalização, é imperioso definir o que se entende por Direito Penal. O Direito Penal é um ramo do Direito Público Interno que atende ao interesse geral, regulando as condutas do indivíduo em sociedade, não havendo uma composição de vontades. O Estado faz uso do seu Jus Imperium, podendo ser dividido em objetivo e subjetivo. O objetivo define os crimes e determina as sanções, bem como é representado pelo ordenamento jurídico penal. Já o subjetivo, configura-se no direito de punir (Jus Puniendi), cuja titularidade é do Estado, já que este detém o monopólio da aplicação da lei penal, que é limitado pelo próprio Direito Penal objetivo. Dessa forma, tem-se a definição dada por José Frederico Marques : Direito Penal é o conjunto de normas que ligam ao crime, como fato, a pena como conseqüência, e disciplinam também outras relações jurídicas daí derivadas, para estabelecer a aplicabilidade de medidas de segurança e a tutela do direito de liberdade em face do poder de punir do Estado. Neste mesmo diapasão, a lição de Zaffaroni é bastante esclarecedora: Com a expressão “direito penal” se designam – conjunta ou separadamente – duas entidades diferentes: 1) o conjunto de leis penais, isto é, a legislação penal; e 2) o sistema de interpretação desta legislação, isto é, o saber do direito penal. Tendo em conta essa duplicidade, e sem pretensões de dar uma definição – e sim uma simples noção prévia -, podemos dizer provisoriamente que o direito penal (legislação penal) é o conjunto de leis que traduzem normas que pretendem tutelar bens jurídicos, e que determinem o alcance de sua tutela, cuja violação se chama “delito”, e aspira a que tenha como conseqüência uma coerção jurídica particularmente grave, que procura evitar o cometimento de novos delitos por parte do autor. No segundo sentido, o direito penal (saber do direito penal) é o sistema de compreensão (ou de interpretação) da legislação penal. Em análise crítica, entende-se que o Direito Penal, sob o aspecto formal, utiliza-se do Estado para formar um conjunto de normas baseadas na moral, cultura e nos bons costumes, tipificando determinadas condutas e impondo sanções a quem as desobedeça. Conforme Paulo de Souza Queiroz o Direito Penal pode ser definido da seguinte forma: Para uma definição inicial, pode-se dizer que o direito penal [...] é a parte do ramo do direito que define as infrações penais (crimes ou delitos e contravenções), cominando-lhes as sanções correspondentes (penas e medidas de segurança ou outra conseqüência legal), para a hipótese de descumprimento de seus preceitos. Deve-se esclarecer que o Direito Penal não se confunde com a Criminologia ou a Política Criminal. A criminologia é uma ciência interdisciplinar que trata do estudo do crime, do criminoso, da vítima e preocupa-se com reações sociais, relacionando-se com a sociologia, estudando as diversas variáveis do crime, formas de prevenção e controle social. Já a política criminal detém-se ao estudo que busca a redução da criminalidade, traçando táticas e meios de controle social, podendo ser estes, penais ou não. Em resumo, preocupa- se com a sistematização das estratégias para que se obtenha um melhor resultado na utilização do Direito Penal. Neste contexto, estando delineado o conceito de Direito Penal, se faz necessário tratar, de imediato, da criminalização, observando a justificativa pelas quais determinadas condutas precisam ser tipificadas, configurando-se como delitos. 2.1 A CRIMINALIZAÇÃO Desde os primórdios da humanidade é sabido que o homem vivia em pequenos grupos, isto porque é da natureza humana a busca pelo convívio social. Em outras palavras, o homem, em sua essência, necessita se inter-relacionar com seus semelhantes para atingir os objetivos não só individuais como da micro-sociedade que o circunda. Neste sentido, após certo período de tempo formaram-se comunidades, que paulatinamente foram se desenvolvendo até os dias atuais. Todavia, essa situação traz consigo a necessidade de certas regras para melhor convivência. Atualmente, existem inúmeros Códigos que dispõem de condutas sociais, impondo sanções. Daí, em definição prática, pode-se afirmar que a partir do momento em que determinada conduta é tipificada, atribuindo-lhe uma sanção, pode-se afirmar que a criminalização encontra seu ápice. Em suma, a criminalização é o ato do Estado de tipificar determinadas condutas, tornando- as ilícitas, vez que o homem vive em sociedade, e para o bem estar desta, a criação de regras de condutas torna-se imprescindível para harmonia social. As sanções aplicadas pelo Estado recaem sobre indivíduo que praticou o delito. Assim, é através da tipificação de certas condutas que o Poder Público exercerá o controle social, em busca do bem estar comum, uma vez que a sanção atribuída às penas tem caráter preventivo, bem como repressivo. Neste sentido, se torna imperioso conceituar delito como sendo a conduta humana que o legislador atribui uma pena, mais especificamente, de acordo com a técnica jurídica, com a ação ou omissão típica, antijurídica e culpável, da qual a pena é a sua conseqüência. Nada obstante, esta simplória definição acaba por não atender a pretensão daquele que busca identificar as razões pela qual certa conduta é definida e sancionada, pois o legislador tenta fazer com que a aplicação da sanção não abra possibilidade para se argüir dúvidas. Em análise critica, Zaffaroni discorre o seguinte: Nestas condições, tem-se total impressão de que “o delito” é uma construção destinada a cumprir certa função sobre algumas e a cerca de outras, e não uma realidade social individualizável. Já que veremos se esta impressão é verdadeira, mas o certo é que, com esta constatação tão simples, ninguém mais pode contentar-se com meras respostas formais ao encarar a pretensão de saber “algo” a respeito do direito penal. O Direito Penal não deve tipificar condutas que não ferem os bens jurídicos fundamentais, muito menos aqueles de ordem exclusivamente moral ou nos casos de delitos sem vítima. É evidente que o legislador deve somente penalizar aquelas condutas que tenham relevância social, e que atingem de forma mais grave e danosa os bens jurídicos da sociedade. Neste sentido, tem-se o entendimento de Alice Bianchini : Diante desse quadro, não resta duvida de que, mesmo influenciando de forma reduzida na diminuição de violações, a pena deve ser mantida, porque permanece gerando algum efeito preventivo positivo. Vê-se que a norma continua a contribuir, embora de maneira debilitada, na manutenção e reforço da consciência da comunidade no que se refere ao caráter da dignidade penal da matéria criminalizada. Conforme visto, a criminalização consubstancia-se no intuito de tipificar determinadas condutas, aplicando sanções. Deste modo, cabe agora adentrar no tema referente à função do Direito Penal, ou seja, entender qual a finalidade deste. 2.2 A FUNÇÃO DO DIREITO PENAL Inicialmente, antes de promover o estudo da função do Direito Penal, vale ressaltar que não é objetivo deste trabalho a discussão exaustiva ou critica a respeito da função do Direito Penal. Em verdade, esta não será conceituada de forma aprofundada, bem como será abordada de forma célere as críticas de certa parte da doutrina que envolve esta questão. A função do Direito Penal se fundamentana justificativa da criminalização, ou seja, tem como finalidade a diminuição das condutas ilícitas, gerando assim um bem-estar social. Contudo, a função do Direito Penal é alvo contínuo de parte da doutrina , onde afirmam que esta função é meramente simbólica, dando aos indivíduos de classe econômica elevada a falsa sensação de proteção pelo Estado. Neste sentido tem-se o entendimento de Alice Bianchini : O que importa para a função simbólica, é manter um nível de tranqüilidade na opinião publica, fundado na impressão de que o legislador se encontra em sintonia com as preocupações que emanam da sociedade. Criam-se, assim, novos tipos penais, incrementam-se penas, restringem-se direitos sem que, substancialmente, tais opções representem perspectivas de mudança do quadro que determinou a alteração (ou criação) legislativa. Produz-se a ilusão de que algo foi feito. Observa-se a crítica da Autora no que tange à criação de novos tipos penais pelos legisladores, que deveriam procurar as causas que motivam os altos índices de criminalidade e combatê-las, não se limitando simplesmente à inclusão de novos tipos penais ou aumento da pena dos já existentes. Depreende-se daí que essa conduta do Estado existe para gerar uma falsa sensação de segurança perante a sociedade, que, em verdade, não diminuem os índices de criminalidade, exercendo, assim, função meramente simbólica. Dessa forma, tem-se a lição de Zaffaroni : A lógica interna dos abolicionistas parece-nos incontestável: se o sistema penal é simbólico, apenas tendo por função assegurar a hegemonia de um setor social, com efeitos, no geral, negativos, melhor é a sua eliminação, suprimindo a própria hegemonia social ou substituindo a forma de sustentação por outro sistema menos negativo (mais racional). Já os abolicionistas, como a própria denominação denuncia, buscam a extinção do Direito Penal. Tal corrente afirma que este não realiza a função que deveria, gerando apenas maiores índices de violência, seja formando criminosos nas penitenciárias, ou por que o caráter ressocializador das penas é inexistente, ensejando, desta forma, em uma pena meramente retributiva, que acaba por prejudicar ainda mais a sociedade. Contudo, indo de encontro às idéias abolicionistas, existem condutas que devem configurar como ilícitos penais, o que pode-se concluir que o Direito Penal deve ser utilizado somente como ultima ratio, não incidindo nos casos em que não houve prejuízo a bem jurídico fundamental. Da mesma forma, algumas condutas precisam ser tipificadas, enquanto outras não devem configurar como ilícitos penais. Diz-se isto, pois, a sociedade mostra-se em contínua transformação, e, se determinada conduta não é mais vista como um atentado a bem jurídico pela sociedade, o Direito Penal não deve exercer mais a sua função, penalizando-a, devendo então torná-la lícita. Assim, pode-se concluir, também, que o Direito Penal deve maximizar sua atuação, por óbvio, de forma coerente e de acordo com os preceitos constitucionais, não devendo ficar estático às mudanças sociais e aos avanços médico-científicos. Este é o posicionamento de Cervini , in verbis: É hora de o Direito Penal sair do plano das abstrações para atender as necessidades reais dos homens. Em atenção a essa questão, faz-se necessário entender o malefício de certas condutas que acompanham a mudança, mas, fundamentalmente, deve-se “dessacralizar” o Direito Penal e superar certos temores irracionais, motivo pelo qual alguns setores se fecham ante soluções alternativas à penal, caminhos que com maior efetividade e menor custo poderiam empregar-se para atacar muitos conflitos. Feita essas considerações, cabe, a seguir, abordar a questão referente à descriminalização, visto que a sociedade deve adaptar-se aos novos paradigmas jurídicos e sociais, enquadrando os tipos penais às realidades da sociedade contemporânea, tanto para criminalizar condutas que antes não era previstas, bem como, para tornar lícitas as que não demonstram mais justificativas para configurarem como ilegais, como ocorreu, por exemplo, no caso do adultério, que até pouco tempo era previsto pela legislação como crime. 2.3 A DESCRIMINALIZAÇÃO Já que o presente trabalho visa a possibilidade de se conceder o direito ao aborto em caso de anencefalia, deve-se explanar a respeito do processo de descriminalização no sistema jurídico pátrio. Afinal, uma das formas de se conceder tal possibilidade à mulher seria com a mudança de interpretação de determinados artigos do Código Penal ou através da ponderação de Princípios da Constituição Federal, bem como com a descriminalização propriamente dita, ou, ainda, podendo se dar através da inclusão de outro inciso ao artigo 128 do Código Penal que trata das excludentes de antijuridicidade do crime de aborto. Poderia se falar ainda na aplicação analógica de determinadas leis infraconstitucionais que acabariam por tratar aborto de anencéfalo como um crime impossível. Contudo, todas essas formas de se proporcionar a possibilidade da interrupção da gravidez à gestante, caso o feto seja portador de anencefalia, será visto posteriormente. Inicialmente, deve-se frisar que existem duas formas de controle social, o formal e o informal, sendo que o sistema penal enquadra-se como controle social formal. Como já fora dito, a sociedade mostra-se em transformação, o que impõe ao Direito Penal tipificar somente as condutas que necessitam se configurar como ilícitos penais, ou seja, aquelas que ferem bens jurídicos fundamentais. Neste sentido, tem-se o entendimento de Alice Bianchini : A legitimidade da tutela penal somente se completa quando se conclui pela sua eficácia, pois caso se verifique que ela não se realiza, deixa de existir justificativa para a intervenção penal, visto que é a própria capacidade de diminuir a violência informal (protegendo bens jurídicos fundamentais para o bem viver em comunidade) que a justifica. Posto isto, deve-se adentrar na conceituação da descriminalização diferenciando-a dos demais institutos afins, quais sejam: desinstitucionalização, despenalização e diversificação. A descriminalização pode se dar sob três formas: formal, substitutiva e de fato. A primeira ocorre quando existem normas que não correspondem mais como a realidade, visto que a sociedade evoluiu e antes a conduta que era vista como imoral ou ilegal se modificou, passando a ser normal. Já a descriminalização substitutiva, as penas são substituídas por sanções de outra natureza, tem-se como exemplo a transformação de delitos de pouca relevância em infrações administrativas ou fiscais que serão punidas com multas. Por fim, a descriminalização de fato, que vale frisar, se identifica mais com a despenalização do que com a descriminalização propriamente dita. Nesta, o sistema penal continua funcionando, todavia, não se aplica efetivamente a pena. Lecionando sobre descriminalização, Zaffaroni expõe o seguinte: A descriminalização é a renúncia formal (jurídica) de agir em um conflito pela via do sistema penal. Isto é o que propõe o Comitê Europeu para a descriminalização em relação a vários delitos: cheques, furtos em fábricas pelos empregados, furtos em grandes lojas etc. a descriminalização pode ser “de fato”, quando o sistema penal deixa de agir, sem que formalmente tenha perdido competência para isto, o que entre nós ocorre, por exemplo, com o adultério. Em alguns casos, com a descriminalização, propõe-se que o Estado se abstenha de intervir, como nos países que têm derrogado as cominações penais contra a conduta homossexual adulta, que haviam permanecido como um ranço em suas leis. Mas na maioria dos casos, oque se propõe é que o Estado intervenha apenas de modo não punitivo: sanções administrativas, civis, educação, acordo, etc.. levando às penitenciárias somente os casos extremos (ex.: grandes furtos, homicídios, roubos, estupros.). Para os crimes que não demonstram grave violência é atribuído a utilização de prisões abertas e prisões albergues onde os detentos não ficam somente atrás de celas, mas buscam trabalhar e continuar em contato com a sociedade, voltando para os presídios após o dia. Em outro sentido, a despenalização pode ser entendida como a diminuição da pena, continuando o tipo penal em vigor. Em outras palavras, o crime continuará sendo previsto, mas ocorrerá uma redução da pena deste. Neste sentido, tem-se Zaffaroni : [...] é o ato de “degradar” a pena de um delito sem descriminalizá-la, no qual entraria toda a possível aplicação das alternativas às penas privativas de liberdade (prisão de fim de semana, multa, prestação de serviços à comunidade, multa reparatória, semidetenção, sistemas de controle da conduta em liberdade, prisão domiciliar, inabilitações, etc.). Por fim, se entende que da diversificação é a possibilidade dos particulares resolverem o conflito. Contudo, é o Estado quem possui legitimidade para processar e julgar as condutas típicas, mas remete o problema para que as partes afetadas o resolvam. *Formando em Direito peas Faculdades Jorge Amado joaofeira@yahoo.com.br Disponível em: http://www.viajus.com.br/viajus.php?pagina=artigos&id=887&idAreaSel=4&seeArt=ye s ,. Acesso em: 01 nov. 2007.
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