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DOENÇAS IMUNOMEDIADAS TEXTO

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Introdução
Imagine o corpo humano como uma orquestra sinfônica complexa e 
maravilhosamente afinada. Cada seção de instrumentos, representando 
os diferentes sistemas e órgãos, trabalha em harmonia para criar a 
melodia da vida. E nesta sinfonia da vida, o sistema imunológico se 
apresenta como o maestro vigilante, incansável em sua função de 
garantir que a orquestra toque em perfeita sincronia, protegendo-a de 
quaisquer ruídos dissonantes ou intrusões externas – os vírus, bactérias 
e outros patógenos que constantemente ameaçam essa harmonia. No 
entanto, como em qualquer orquestra, momentos de desregulação 
podem surgir. O maestro, nesse caso, o sistema imunológico, pode, por 
vezes, começar a interpretar erroneamente as partituras, confundindo 
seções da própria orquestra com intrusos. É neste ponto crítico que 
emergem as doenças imunomediadas, um grupo heterogêneo de 
condições em que o sistema de defesa do corpo, paradoxalmente, em 
vez de proteger, volta-se contra os próprios tecidos e órgãos, 
transformando a harmonia em um "concerto" de disfunção e 
sofrimento.
As doenças imunomediadas, um termo abrangente que por vezes se 
sobrepõe a outras denominações como doenças autoimunes, 
inflamatórias imunomediadas ou reumáticas imunomediadas, 
representam um espectro vasto e continuamente crescente de 
patologias. A característica que as une é fundamental: um sistema 
imunológico, primorosamente desenhado para defender o organismo 
contra invasores externos, que inexplicavelmente perde a capacidade 
de discernir entre o "próprio" e o "não próprio". Essa falha naquilo que 
chamamos de tolerância imunológica se manifesta como uma resposta 
inflamatória crônica e um ataque autodirigido, implacável e, muitas 
vezes, debilitante, contra tecidos e órgãos saudáveis.
A jornada para a compreensão das doenças imunomediadas é uma 
narrativa relativamente recente na história da medicina. Embora ecos 
de condições que hoje identificamos como tais ressoem através dos 
séculos, foi apenas no século XX, com o florescimento da imunologia 
como ciência, que começamos a realmente desvendar os intrincados 
mecanismos que as impulsionam. Em eras passadas, muitas destas 
doenças eram envoltas em mistério, frequentemente atribuídas a 
causas obscuras ou até mesmo a explicações que hoje consideraríamos 
sobrenaturais. A "febre reumática", por exemplo, já era descrita na 
antiguidade, mas a sua íntima ligação com uma resposta imunológica 
desencadeada pelo Streptococcus permaneceu oculta por um longo 
tempo. Doenças como a artrite reumatoide e o lúpus eritematoso 
sistêmico eram reconhecidas em suas manifestações clínicas, mas a 
natureza autoimune que lhes subjazia permanecia um enigma 
indecifrado.
O século XX, contudo, foi palco de uma verdadeira revolução no campo 
da imunologia. Essa transformação foi catalisada por descobertas 
cruciais, como a teoria da seleção clonal de Burnet, que revolucionou 
nossa compreensão de como o sistema imune reconhece e responde a 
diferentes antígenos; a identificação dos linfócitos T e B, as células 
orquestradoras da resposta imune adaptativa; a elucidação do sistema 
MHC (Complexo Principal de Histocompatibilidade), o intrincado sistema 
de apresentação de antígenos; e a descoberta de citocinas e outras 
moléculas sinalizadoras, a linguagem molecular do sistema 
imunológico. Estes avanços, como peças de um quebra-cabeça 
complexo, finalmente começaram a se encaixar, proporcionando o 
arcabouço conceitual necessário para entender como o sistema 
imunológico, em circunstâncias anormais, pode se desviar de seu 
propósito original e, em vez de proteger, atacar o próprio corpo.
Um momento decisivo nessa jornada foi a identificação dos 
autoanticorpos, moléculas produzidas pelo sistema imune que, em vez 
de mirar em invasores externos, atacam componentes do próprio 
organismo. A descoberta do fator reumatoide na artrite reumatoide e 
dos anticorpos anti-DNA no lúpus exemplificou o papel crucial desses 
autoanticorpos em diversas doenças. Curiosamente, já em 1912, a 
tireoidite de Hashimoto havia sido descrita por Hashimoto como uma 
doença autoimune, um marco pioneiro, embora inicialmente pouco 
reconhecido, na identificação da autoimunidade como um mecanismo 
patológico fundamental. A partir daí, o campo da imunologia e da 
autoimunidade expandiu-se exponencialmente, com a identificação de 
mecanismos imunológicos intrincados em um número crescente de 
doenças, revelando a complexidade e a vasta abrangência do tema.
A própria linguagem para descrever estas condições também evoluiu. 
No início, o termo "doenças autoimunes" predominava, refletindo o 
foco inicial na autoimunidade clássica mediada por autoanticorpos. No 
entanto, com o tempo, tornou-se claro que nem todas as doenças 
imunomediadas se encaixam estritamente nessa definição. Condições 
como a doença inflamatória intestinal, por exemplo, envolvem uma 
resposta imune desregulada à microbiota intestinal, um conjunto 
complexo de microrganismos que habitam nosso intestino, e que não 
se configura necessariamente como um "autoantígeno" no sentido 
tradicional. Assim, o termo "doenças imunomediadas" emergiu como 
uma denominação mais abrangente e preferível, englobando um 
espectro mais amplo de condições onde o sistema imunológico 
desempenha um papel central na patogenia, mesmo quando o alvo 
primário da resposta imune não é, em sua essência, um componente 
"próprio".
Para realmente mergulharmos na essência das doenças 
imunomediadas, é imprescindível revisitar alguns conceitos 
fundamentais da imunologia, as pedras angulares sobre as quais se 
constrói o nosso entendimento. O sistema imunológico, em sua 
arquitetura complexa, é composto por duas grandes divisões 
interconectadas e complementares: a imunidade inata e a imunidade 
adaptativa. A imunidade inata, como a primeira sentinela, constitui a 
linha de frente de defesa, atuando de forma rápida e, em grande parte, 
inespecífica contra uma ampla gama de patógenos. Já a imunidade 
adaptativa, embora mais demorada para ser ativada, representa a força 
de elite, altamente específica e capaz de gerar memória imunológica 
duradoura, conferindo respostas mais rápidas e eficazes em encontros 
subsequentes com o mesmo invasor.
Em um estado de saúde, em condições ideais, o sistema imunológico 
opera em um delicado equilíbrio, mantendo um estado de tolerância 
imunológica, ou seja, a sábia capacidade de não reagir contra os 
próprios constituintes do organismo. Essa tolerância, fundamental para 
a autopreservação, é estabelecida e mantida por uma intrincada rede 
de mecanismos regulatórios, que incluem a deleção ou inativação de 
células autorreativas que escapam dos controles iniciais, a supressão 
ativa da resposta imune por células reguladoras especializadas, e a 
ignorância imunológica em certos tecidos, onde o acesso do sistema 
imune é naturalmente restrito.
Nas doenças imunomediadas, essa tolerância, esse pacto de não-
agressão interna, é rompido. Uma variedade de fatores pode contribuir 
para essa quebra, como se as paredes de um dique de repente se 
rachassem, permitindo que a corrente da autoimunidade flua 
livremente. Entre esses fatores, destacam-se: a predisposição genética, 
que em muitas DIM, desempenha um papel significativo, com genes do 
MHC e outros genes relacionados à função imunológica modulando a 
susceptibilidade individual; os fatores ambientais, que incluem 
infecções, a exposição a toxinas ambientais, a dieta, o estresse crônico e 
outros elementos do nosso entorno, que podem atuar como gatilhos ou 
moduladores da resposta imune, contribuindo para o desenvolvimento 
de DIM em indivíduos geneticamente vulneráveis; o mimetismo 
molecular, um fenômeno intrigante onde alguns patógenos, em uma 
astuta estratégia de sobrevivência, compartilham semelhanças 
estruturais notáveis com antígenos próprios, induzindo a uma resposta 
imune cruzada que, lamentavelmente, acaba atacando tanto o 
patógeno invasor quanto tecidos saudáveis do próprio organismo;visa controlar a atividade 
da doença, reduzir a inflamação, prevenir o dano a órgãos, aliviar os 
sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O tratamento é 
individualizado e adaptado às manifestações clínicas de cada paciente, à 
gravidade da doença e aos órgãos afetados. A abordagem terapêutica é 
multidisciplinar, envolvendo reumatologistas, nefrologistas, 
neurologistas, dermatologistas, cardiologistas, pneumologistas e outros 
especialistas, conforme necessário. O tratamento farmacológico é a 
base do manejo do lúpus, e inclui diversas classes de medicamentos. A 
hidroxicloroquina é um medicamento antimalárico que é amplamente 
utilizado no tratamento do lúpus, sendo eficaz para controlar as 
manifestações cutâneas, articulares e sistêmicas leves a moderadas, e 
para reduzir o risco de "flares" e trombose. Os corticosteroides, como a 
prednisona, são potentes anti-inflamatórios e imunossupressores, 
utilizados para controlar "flares" e manifestações graves do lúpus, como 
a nefrite lúpica, o neuro-lúpus e a vasculite lúpica. No entanto, o uso 
prolongado de corticosteroides é evitado devido aos seus potenciais 
efeitos colaterais. Os imunossupressores, como o metotrexato, a 
azatioprina, o micofenolato de mofetila e a ciclofosfamida, são 
utilizados para poupar corticosteroides e controlar manifestações 
graves do lúpus, como a nefrite lúpica e o neuro-lúpus. As terapias 
biológicas, como o belimumabe (anticorpo monoclonal anti-BLyS, um 
fator de crescimento de linfócitos B) e o anifrolumabe (anticorpo 
monoclonal anti-receptor de interferon tipo I), representam avanços 
recentes no tratamento do lúpus, proporcionando um controle mais 
eficaz da doença em alguns pacientes. O belimumabe é aprovado para 
o tratamento do lúpus ativo, autoanticorpos-positivo, e o anifrolumabe 
para o tratamento do lúpus moderado a grave. O rituximab (anticorpo 
monoclonal anti-CD20, depletor de linfócitos B) é utilizado "off-label" em 
casos refratários de lúpus, especialmente na nefrite lúpica e no neuro-
lúpus. Em pacientes com síndrome antifosfolípide associada ao lúpus, a 
anticoagulação com varfarina ou heparina é essencial para prevenir 
tromboses. Em casos de lúpus cutâneo, protetores solares e 
corticosteroides tópicos são importantes para controlar as lesões 
cutâneas.
Além do tratamento farmacológico, as terapias não farmacológicas são 
importantes no manejo do lúpus. A proteção solar rigorosa é 
fundamental para prevenir "flares" cutâneos e sistêmicos. O exercício 
físico regular, adaptado às limitações de cada paciente, é benéfico para 
a saúde geral e para a função articular. O suporte psicológico é 
importante para lidar com o impacto emocional da doença crônica. A 
educação do paciente sobre a doença, o tratamento e as estratégias de 
autocuidado são essenciais para o sucesso do manejo a longo prazo. O 
monitoramento regular da atividade da doença, da resposta ao 
tratamento e dos potenciais efeitos colaterais dos medicamentos é 
crucial. O objetivo do tratamento do lúpus é permitir que os pacientes 
vivam a vida da forma mais plena possível, apesar da presença dessa 
doença complexa e camaleônica, controlando os sintomas, prevenindo 
o dano a órgãos e melhorando a qualidade de vida. 
Esclerose Múltipla
A esclerose múltipla (EM) é uma doença inflamatória crônica e 
autoimune do sistema nervoso central (SNC), que afeta o cérebro, a 
medula espinhal e os nervos ópticos. A marca patológica da EM é a 
desmielinização, a destruição da mielina, a bainha gordurosa que isola 
as fibras nervosas (axônios) e facilita a condução rápida e eficiente dos 
impulsos nervosos. Essa desmielinização, juntamente com o dano aos 
próprios axônios e a inflamação no SNC, leva a uma ampla gama de 
sintomas neurológicos, que variam enormemente entre os indivíduos e 
ao longo do tempo, conferindo à EM uma natureza altamente 
heterogênea e imprevisível. A EM não é apenas uma doença da 
substância branca do SNC, onde a mielina é predominante, mas 
também afeta a substância cinzenta, contribuindo para a progressão da 
incapacidade a longo prazo.
A história da esclerose múltipla é uma narrativa de reconhecimento 
gradual, desde descrições clínicas iniciais até a compreensão moderna 
de sua natureza imunomediada. Embora relatos de casos retrospectivos 
sugiram que a EM pode ter existido por séculos, as primeiras descrições 
clínicas mais claras da doença surgiram no século XIX. O neurologista 
francês Jean-Martin Charcot, na segunda metade do século XIX, é 
amplamente considerado o "pai" da esclerose múltipla. Charcot 
descreveu detalhadamente as características clínicas e patológicas da 
doença, incluindo os tremores intencionais, a nistagmo (movimentos 
involuntários dos olhos), a fala escandida (lenta e arrastada), a paralisia 
espástica e as placas de desmielinização disseminadas no SNC, que ele 
observou em autópsias de pacientes com EM. Ele denominou a doença 
de sclérose en plaques, em francês, que se traduziu para esclerose 
múltipla, em referência às múltiplas áreas de esclerose (endurecimento) 
no SNC.
Ao longo do século XX, a compreensão da esclerose múltipla avançou de 
forma constante, impulsionada pelos avanços da neurologia e da 
imunologia. A ressonância magnética (RM), introduzida na década de 
1980, revolucionou o diagnóstico e o acompanhamento da EM, 
permitindo visualizar as placas de desmielinização no cérebro e na 
medula espinhal in vivo e monitorar a atividade da doença ao longo do 
tempo. Os estudos epidemiológicos revelaram padrões geográficos e 
demográficos da EM, sugerindo a influência de fatores ambientais e 
genéticos na suscetibilidade à doença. Os avanços na imunologia, a 
partir da segunda metade do século XX, foram cruciais para desvendar a 
natureza imunomediada da esclerose múltipla. A identificação de 
células inflamatórias, como os linfócitos T e B, e de citocinas pró-
inflamatórias nas lesões de EM, bem como a demonstração do papel 
dos autoanticorpos em algumas formas da doença, consolidaram o 
conceito de que a EM é uma doença autoimune do SNC. Essa 
compreensão aprofundada da imunopatogenia da EM abriu caminho 
para o desenvolvimento de terapias imunomoduladoras e 
imunossupressoras, que transformaram o tratamento da doença e 
melhoraram significativamente o prognóstico e a qualidade de vida dos 
pacientes.
Na esclerose múltipla, reside uma resposta autoimune direcionada 
contra a mielina e outros componentes do sistema nervoso central, 
uma tempestade inflamatória que perturba a delicada arquitetura do 
cérebro e da medula espinhal. Assim como em outras doenças 
imunomediadas, a patogenia da EM é complexa e multifatorial, 
envolvendo uma intrincada interação de predisposição genética, fatores 
ambientais e eventos imunológicos desregulados que culminam no 
ataque autoimune ao SNC.
O evento primário na patogenia da EM é a perda da tolerância 
imunológica aos antígenos da mielina. A mielina, essa capa protetora e 
isolante que envolve as fibras nervosas, é composta por diversas 
proteínas, como a proteína básica da mielina (MBP), a proteína 
proteolipídica (PLP) e a glicoproteína oligodendrócita da mielina (MOG). 
Em indivíduos suscetíveis, o sistema imunológico, por razões ainda não 
totalmente compreendidas, começa a reconhecer esses antígenos da 
mielina como "estranhos" e perigosos, desencadeando uma resposta 
autoimune. A predisposição genética desempenha um papel importante 
nessa quebra da tolerância. Genes do sistema HLA, em particular o HLA-
DRB1*1501, estão fortemente associados a um risco aumentado de EM 
em diversas populações. Outros genes relacionados à função 
imunológica, à resposta inflamatória e à mielinização também podem 
contribuir para a suscetibilidade genética à EM. Fatores ambientais, 
como a infecção pelo vírus Epstein-Barr (EBV), a deficiência de vitamina 
D, o tabagismo e a obesidade na adolescência, têm sido implicados 
como moduladores do risco de EM, possivelmente atuando como 
gatilhos ambientais em indivíduos geneticamente predispostos.Uma vez que a tolerância à mielina é quebrada, os linfócitos T 
autorreativos tornam-se os principais orquestradores da resposta 
autoimune na EM. Os linfócitos T auxiliares (Th), especialmente as 
subpopulações Th1 e Th17, desempenham um papel central na 
patogenia da doença. As células Th1, ao entrarem no SNC, liberam 
interferon-gama (IFN-γ), uma citocina pró-inflamatória que ativa 
macrófagos e microglia, as células imunes residentes do SNC, e 
promove a inflamação. As células Th17 produzem interleucina-17 (IL-
17), uma citocina que contribui para a quebra da barreira 
hematoencefálica (BHE), a barreira protetora que regula a entrada de 
substâncias e células no SNC, facilitando a infiltração de mais células 
imunes no cérebro e na medula espinhal. Curiosamente, as células T 
reguladoras (Tregs), que normalmente suprimem a autoimunidade, 
parecem ter sua função prejudicada na EM, contribuindo para a falta de 
controle da resposta autoimune.
Os linfócitos B também desempenham um papel cada vez mais 
reconhecido na patogenia da EM. Embora inicialmente se pensasse que 
a EM era predominantemente uma doença mediada por células T, 
evidências recentes demonstraram a importância dos linfócitos B na 
doença. Os linfócitos B podem contribuir para a patogenia da EM por 
diversos mecanismos, incluindo a produção de autoanticorpos contra 
componentes da mielina e dos oligodendrócitos (as células produtoras 
de mielina), a apresentação de antígenos aos linfócitos T, a produção de 
citocinas pró-inflamatórias e a formação de agregados linfoides nas 
meninges, as membranas que revestem o cérebro e a medula espinhal. 
O papel dos autoanticorpos na EM ainda está sendo investigado, mas 
alguns autoanticorpos, como os anticorpos anti-MOG, têm sido 
associados a formas específicas de doenças desmielinizantes do SNC.
Uma vez ativadas e infiltradas no SNC, as células imunes desencadeiam 
uma cascata inflamatória que leva à desmielinização. A inflamação no 
SNC é caracterizada pela ativação da micróglia e dos astrócitos, as 
células gliais residentes do SNC, e pela infiltração de células imunes do 
sangue, como linfócitos T, linfócitos B, macrófagos e monócitos, através 
da BHE. As citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, a IL-1, a IL-6 e o 
IFN-γ, liberadas pelas células imunes e pelas células gliais ativadas, 
contribuem para a inflamação, a quebra da BHE e a lesão dos 
oligodendrócitos e da mielina. O sistema complemento também é 
ativado no SNC na EM, contribuindo para a inflamação e a 
desmielinização. Os oligodendrócitos, as células responsáveis pela 
produção e manutenção da mielina, são um dos principais alvos do 
ataque autoimune na EM. Os oligodendrócitos podem ser danificados 
diretamente pelas células imunes e pelas citocinas inflamatórias, 
levando à sua morte e à perda da capacidade de produzir mielina. A 
desmielinização resultante compromete a condução dos impulsos 
nervosos ao longo dos axônios, causando os sintomas neurológicos da 
EM.
Além da desmielinização, o dano axonal é um processo importante na 
patogenia da EM, especialmente na progressão da incapacidade a longo 
prazo. Inicialmente, pensava-se que a EM era primariamente uma 
doença da mielina, com o dano axonal sendo secundário à 
desmielinização. No entanto, evidências recentes indicam que o dano 
axonal pode ocorrer desde as fases iniciais da doença e contribuir 
significativamente para a incapacidade neurológica progressiva. A 
inflamação crônica, o estresse oxidativo, a excitotoxicidade (dano 
neuronal causado pelo excesso de neurotransmissores excitatórios) e a 
falta de suporte trófico dos oligodendrócitos danificados podem 
contribuir para o dano axonal na EM. A atrofia cerebral, a perda 
progressiva de tecido cerebral, também é uma característica da EM, 
refletindo a combinação de desmielinização, dano axonal e perda 
neuronal.
A esclerose múltipla é clinicamente heterogênea, e diferentes formas 
clínicas da doença são reconhecidas. A forma mais comum é a esclerose 
múltipla remitente-recorrente (EMRR), caracterizada por surtos 
(recorrências ou exacerbações) de sintomas neurológicos, seguidos por 
períodos de remissão, com recuperação parcial ou completa. Com o 
tempo, muitos pacientes com EMRR progridem para a esclerose 
múltipla secundariamente progressiva (EMSP), na qual a doença evolui 
de forma progressiva e contínua, com poucas ou nenhuma remissão. A 
esclerose múltipla primariamente progressiva (EMPP) é uma forma 
menos comum, caracterizada por progressão neurológica gradual 
desde o início, sem surtos definidos. A esclerose múltipla progressiva 
remitente (EMPR) é uma forma rara, com progressão desde o início, mas 
com surtos sobrepostos. Embora os mecanismos imunopatogênicos 
gerais sejam semelhantes em todas as formas de EM, pode haver 
diferenças sutis nos mecanismos predominantes em cada forma clínica, 
o que pode ter implicações para o tratamento.
Quais são os sinais que nos alertam para a presença da esclerose 
múltipla, e como a medicina moderna intervém para proteger o cérebro 
e a medula espinhal e restaurar, tanto quanto possível, a função 
neurológica?
Os sintomas da esclerose múltipla são incrivelmente diversos, refletindo 
a disseminação das lesões desmielinizantes por todo o sistema nervoso 
central e a variedade de funções neurológicas que podem ser afetadas. 
Assim como a doença em si é heterogênea, a apresentação clínica da 
EM varia amplamente de pessoa para pessoa, e mesmo no mesmo 
indivíduo ao longo do tempo. Não existe um "sintoma típico" de EM, 
mas sim um conjunto de sinais e sintomas que, em combinação e no 
contexto clínico adequado, levantam a suspeita diagnóstica.
Um dos sintomas mais comuns e iniciais da EM é a neurite óptica, uma 
inflamação do nervo óptico que causa perda visual, geralmente em um 
olho, que pode variar de leve a grave. A perda visual na neurite óptica 
costuma ser acompanhada de dor ocular, especialmente ao 
movimentar o olho, e de alterações na percepção de cores. A neurite 
óptica geralmente melhora espontaneamente ao longo de semanas ou 
meses, mas pode deixar sequelas visuais.
Os distúrbios motores são outra manifestação frequente da EM, 
resultando da desmielinização das vias motoras no cérebro e na medula 
espinhal. A fraqueza muscular, a espasticidade (rigidez muscular), os 
espasmos musculares, a fadiga motora e a falta de coordenação motora 
(ataxia) são sintomas motores comuns na EM. Esses sintomas podem 
afetar os membros, o tronco, a face e a fala, causando dificuldades para 
caminhar, correr, escrever, falar e realizar outras atividades motoras.
Os distúrbios sensoriais também são muito comuns na EM, decorrentes 
da desmielinização das vias sensoriais. O formigamento, o dormência, a 
sensação de queimação, o prurido (coceira), a dor (que pode ser 
neuropática ou musculoesquelética) e as alterações na sensibilidade 
tátil, vibratória ou proprioceptiva são sintomas sensoriais frequentes na 
EM. Esses sintomas podem afetar qualquer parte do corpo e variar em 
intensidade e duração.
Os distúrbios do equilíbrio e da coordenação são sintomas importantes 
na EM, resultando da desmielinização do cerebelo e das vias 
vestibulares. A vertigem, o tontura, a instabilidade na marcha, a falta de 
coordenação dos movimentos e os tremores são sintomas de 
desequilíbrio e coordenação comuns na EM, que podem afetar a 
mobilidade e a qualidade de vida.
A fadiga é um dos sintomas mais prevalentes e debilitantes da EM, 
afetando a maioria dos pacientes em algum momento da doença. A 
fadiga na EM é uma fadiga central, diferente da fadiga muscular 
comum, e é caracterizada por uma sensação de exaustão física e 
mental, desproporcional ao nível de atividade física, e que não melhora 
com o repouso. A fadiga pode interferir significativamente nas 
atividades diárias, no trabalho e na vida social.
Os distúrbios da bexiga e do intestino são comuns na EM, resultando da 
desmielinização das vias nervosas que controlam essas funções. A 
bexiga hiperativa (urgência urinária,aumento da frequência urinária, 
incontinência urinária), a bexiga hipoativa (dificuldade para iniciar a 
micção, retenção urinária), a constipação e a incontinência fecal são 
sintomas comuns de disfunção vesical e intestinal na EM.
Os distúrbios cognitivos são cada vez mais reconhecidos como uma 
manifestação importante da EM, afetando até metade dos pacientes em 
algum momento da doença. Os distúrbios cognitivos na EM podem 
afetar a memória, a atenção, a velocidade de processamento de 
informações, as funções executivas (planejamento, organização, tomada 
de decisões) e a linguagem. Os distúrbios cognitivos podem ter um 
impacto significativo na vida pessoal, profissional e social dos pacientes.
Os distúrbios emocionais são também comuns na EM, incluindo 
depressão, ansiedade, irritabilidade e labilidade emocional (mudanças 
rápidas de humor). A depressão é particularmente prevalente na EM e 
pode ser causada tanto por fatores psicológicos (reação à doença 
crônica) quanto por fatores biológicos (lesões desmielinizantes em 
áreas do cérebro envolvidas na regulação do humor).
Outros sintomas que podem ocorrer na EM incluem disartria 
(dificuldade na fala), disfagia (dificuldade para engolir), disfunção sexual, 
dor crônica, tremores, espasmos tônicos (contrações musculares 
dolorosas e prolongadas) e sinal de Lhermitte (sensação de choque 
elétrico que percorre a coluna ao flexionar o pescoço).
O diagnóstico da esclerose múltipla é baseado na combinação da 
avaliação clínica, dos exames de ressonância magnética (RM) e, em 
alguns casos, do exame do líquor (líquido cefalorraquidiano). O histórico 
clínico detalhado, incluindo a descrição dos sintomas, o tempo de 
evolução, o padrão de surtos e remissões e o exame neurológico 
cuidadoso, são fundamentais para levantar a suspeita diagnóstica de 
EM. Os critérios diagnósticos de McDonald, revisados periodicamente, 
são amplamente utilizados para estabelecer o diagnóstico de esclerose 
múltipla, baseando-se na demonstração da disseminação das lesões no 
tempo e no espaço no sistema nervoso central. A disseminação no 
espaço é demonstrada pela presença de lesões desmielinizantes em 
diferentes áreas do SNC (cérebro, medula espinhal, nervos ópticos), 
evidenciadas pela RM. A disseminação no tempo é demonstrada pela 
ocorrência de surtos clínicos em momentos diferentes ou pela 
demonstração de novas lesões na RM em exames de seguimento. A 
ressonância magnética (RM) do cérebro e da medula espinhal é o exame 
de imagem mais importante para o diagnóstico e o acompanhamento 
da EM. A RM permite visualizar as placas de desmielinização 
características da EM, avaliar a carga lesional, a atividade inflamatória 
(lesões captantes de gadolínio) e a atrofia cerebral. O exame do líquor 
(líquido cefalorraquidiano), obtido por punção lombar, pode ser útil em 
alguns casos para auxiliar no diagnóstico da EM. A presença de bandas 
oligoclonais de IgG no líquor, que refletem a produção intratecal de 
anticorpos, é um achado sugestivo de EM. Outros exames, como os 
potenciais evocados visuais (PEV), podem ser utilizados para avaliar a 
condução nervosa ao longo das vias visuais e auxiliar no diagnóstico de 
neurite óptica subclínica. O diagnóstico diferencial da esclerose múltipla 
inclui uma variedade de outras doenças neurológicas inflamatórias, 
infecciosas, vasculares e neoplásicas, que podem mimetizar os sintomas 
da EM.
O tratamento da esclerose múltipla visa controlar a atividade da doença, 
reduzir a frequência e a gravidade dos surtos, retardar a progressão da 
incapacidade, aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos 
pacientes. O tratamento da EM é multidisciplinar, envolvendo 
neurologistas, enfermeiros especializados em EM, fisioterapeutas, 
terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, psicólogos, assistentes sociais 
e outros profissionais de saúde. O tratamento farmacológico da EM é 
dividido em tratamento dos surtos e tratamento modificador da doença 
(TMD). Os corticosteroides em altas doses, como a metilprednisolona 
intravenosa, são utilizados para tratar os surtos agudos de EM, 
acelerando a recuperação e reduzindo a inflamação no SNC. No 
entanto, os corticosteroides não alteram o curso a longo prazo da 
doença. Os tratamentos modificadores da doença (TMDs) são a pedra 
angular do tratamento da EM a longo prazo, visando reduzir a atividade 
inflamatória da doença, a frequência de surtos e a progressão da 
incapacidade. Existem diversas classes de TMDs disponíveis, com 
diferentes mecanismos de ação, vias de administração, eficácia e perfis 
de segurança. Os interferons beta (interferon beta-1a, interferon beta-
1b) foram os primeiros TMDs aprovados para a EM, e atuam modulando 
a resposta imune e reduzindo a inflamação no SNC. O acetato de 
glatirâmer é outro TMD injetável, com mecanismo de ação não 
totalmente elucidado, que também reduz a frequência de surtos. O 
natalizumabe é um anticorpo monoclonal que impede a entrada de 
linfócitos no SNC, sendo altamente eficaz em reduzir a frequência de 
surtos e a progressão da incapacidade, mas que aumenta o risco de 
leucoencefalopatia multifocal progressiva (LEMP), uma infecção cerebral 
rara e grave causada pelo vírus JC. O fingolimode, o siponimode e o 
ozanimode são moduladores do receptor da esfingosina-1-fosfato (S1P), 
que impedem a saída de linfócitos dos linfonodos, reduzindo a 
infiltração de células imunes no SNC. O dimetil fumarato é um 
medicamento oral que modula a resposta inflamatória e tem efeito 
neuroprotetor. O teriflunomide é outro medicamento oral que inibe a 
proliferação de linfócitos. O cladribine é um análogo da purina que 
depleta linfócitos T e B, sendo administrado em ciclos curtos de 
tratamento oral. O alemtuzumabe e o ocrelizumabe são anticorpos 
monoclonais depletores de linfócitos B, administrados por infusão 
intravenosa, e altamente eficazes em reduzir a atividade da doença, 
mas que também apresentam riscos de efeitos colaterais, incluindo 
reações infusionais e infecções. A escolha do TMD mais adequado para 
cada paciente deve ser individualizada, considerando a forma clínica da 
EM, a atividade da doença, os fatores prognósticos, as comorbidades, as 
preferências do paciente e o perfil de risco-benefício de cada 
medicamento. O tratamento sintomático é também fundamental no 
manejo da EM, visando aliviar os diversos sintomas da doença e 
melhorar a qualidade de vida. Medicamentos para tratar a fadiga, a 
espasticidade, a dor, os distúrbios da bexiga e do intestino, a depressão, 
a ansiedade e os distúrbios cognitivos são frequentemente utilizados. A 
reabilitação, incluindo fisioterapia, terapia ocupacional, fonoaudiologia e 
reabilitação cognitiva, desempenha um papel crucial no manejo da EM, 
visando melhorar a função física, a cognição, a comunicação e a 
qualidade de vida. O suporte psicológico e social também são 
importantes para ajudar os pacientes e suas famílias a lidar com os 
desafios da EM. O monitoramento regular da atividade da doença, da 
resposta ao tratamento e dos potenciais efeitos colaterais dos 
medicamentos é essencial para otimizar o manejo da esclerose múltipla 
ao longo da vida. O objetivo do tratamento da EM é permitir que os 
pacientes vivam a vida da forma mais plena possível, apesar da 
presença dessa doença neurológica imunomediada complexa, 
controlando a doença, aliviando os sintomas e melhorando a qualidade 
de vida.
Diabetes Mellitus tipo 1
O diabetes mellitus tipo 1 (DM1), também conhecido como diabetes 
juvenil ou diabetes insulino-dependente, é uma doença autoimune 
crônica caracterizada pela destruição seletiva das células beta 
pancreáticas, as células especializadas nas ilhotas de Langerhans que 
produzem insulina. A insulina é um hormônio crucial para regular os 
níveis de glicose no sangue, permitindo que a glicose entre nas células 
para ser utilizada como energia. Na ausência ou deficiência grave de 
insulina, como ocorre no DM1, a glicose se acumula no sangue 
(hiperglicemia), enquanto as célulasficam privadas de energia, 
desencadeando uma série de distúrbios metabólicos e complicações a 
longo prazo que podem afetar praticamente todos os órgãos e sistemas 
do corpo. O DM1 é uma das doenças autoimunes mais comuns na 
infância e adolescência, embora possa surgir em qualquer idade, e 
representa um desafio de saúde pública global, com incidência 
crescente em muitas partes do mundo.
A história do diabetes, em geral, remonta à antiguidade, com descrições 
da doença por médicos egípcios e gregos há milênios. O termo 
"diabetes mellitus", que significa "diabetes melado" ou "diabetes doce", 
foi cunhado pelos gregos, em referência à urina abundante e adocicada 
característica da doença. No entanto, a distinção entre os diferentes 
tipos de diabetes, e a compreensão da natureza autoimune do DM1, 
são desenvolvimentos mais recentes. No início do século XX, com a 
descoberta da insulina por Frederick Banting e Charles Best, em 1921, e 
a subsequente produção e disponibilidade da insulina para tratamento, 
o diabetes tipo 1 deixou de ser uma sentença de morte e se tornou uma 
condição manejável. A insulina exógena, administrada por injeções, 
tornou-se a terapia de reposição hormonal essencial para os pacientes 
com DM1, permitindo-lhes sobreviver e levar uma vida relativamente 
normal, embora com a necessidade de monitoramento constante da 
glicemia e administração diária de insulina.
Ao longo do século XX e início do século XXI, a pesquisa sobre o diabetes 
tipo 1 avançou significativamente, impulsionada pelos progressos da 
endocrinologia, da imunologia e da genética. A compreensão de que o 
DM1 é uma doença autoimune, resultante da destruição imunomediada 
das células beta pancreáticas, emergiu gradualmente a partir de 
estudos clínicos, laboratoriais e epidemiológicos. A identificação de 
autoanticorpos específicos contra as células beta pancreáticas, como os 
anticorpos anti-ilhota (ICA), os anticorpos anti-insulina (IAA), os 
anticorpos anti-GAD65 (anti-ácido glutâmico descarboxilase 65 kDa) e os 
anticorpos anti-IA-2 (anti-proteína tirosina fosfatase IA-2), forneceu 
evidências diretas da natureza autoimune do DM1 e se tornou uma 
ferramenta diagnóstica importante. Os estudos genéticos revelaram a 
forte associação do DM1 com genes do sistema HLA, em particular os 
alelos HLA-DR3 e HLA-DR4, e identificaram outros genes de 
suscetibilidade relacionados à função imunológica e à resposta 
inflamatória. A pesquisa imunológica desvendou os intrincados 
mecanismos imunopatogênicos envolvidos na destruição das células 
beta pancreáticas, revelando o papel central dos linfócitos T 
autorreativos, das citocinas pró-inflamatórias e de outros componentes 
do sistema imune na patogenia do DM1. Esses avanços na 
compreensão da patogenia do DM1 abriram caminho para o 
desenvolvimento de estratégias terapêuticas mais direcionadas e 
potencialmente preventivas, visando modular a resposta autoimune e 
preservar a função das células beta pancreáticas.
O ponto de partida para o desenvolvimento do DM1 é a perda da 
tolerância imunológica aos autoantígenos das células beta pancreáticas. 
Normalmente, o sistema imunológico aprende a reconhecer as células 
beta e seus componentes como "próprios" e, portanto, inofensivos, 
abstendo-se de atacá-los. No DM1, essa tolerância se rompe, e o 
sistema imune começa a identificar erroneamente as células beta e seus 
antígenos como "estranhos" e perigosos, desencadeando uma resposta 
autoimune destrutiva. A predisposição genética desempenha um papel 
fundamental nessa quebra da tolerância. Genes do sistema HLA, em 
particular os alelos HLA-DR3 e HLA-DR4, conferem o maior risco 
genético para o DM1, explicando cerca de 50% da herdabilidade da 
doença. Esses genes HLA estão envolvidos na apresentação de 
antígenos às células T e na modulação da resposta imune. Outros genes 
não-HLA, relacionados à função imunológica, à resposta inflamatória, à 
apoptose (morte celular programada) e à função das células beta, 
também contribuem para a suscetibilidade genética ao DM1, embora 
em menor grau. No entanto, a genética por si só não é suficiente para 
desencadear o DM1. Fatores ambientais desempenham um papel 
crucial como gatilhos ou aceleradores do processo autoimune em 
indivíduos geneticamente predispostos. Infecções virais, em particular 
infecções por enterovírus (como o vírus Coxsackie B) e o rotavírus, têm 
sido implicadas como potenciais gatilhos ambientais do DM1. A 
hipótese do mimetismo molecular sugere que certos vírus podem 
compartilhar semelhanças estruturais com antígenos das células beta 
pancreáticas, induzindo uma resposta imune cruzada que ataca tanto o 
vírus quanto as células beta. Outros fatores ambientais que têm sido 
investigados como potenciais contribuintes para o DM1 incluem fatores 
dietéticos (como a exposição precoce a leite de vaca ou a glúten em 
lactentes), toxinas ambientais e fatores perinatais (como a idade 
materna avançada ou infecções maternas durante a gravidez). No 
entanto, a natureza exata e a importância relativa desses fatores 
ambientais no desencadeamento do DM1 ainda estão sendo 
elucidadas.
Uma vez que a tolerância às células beta pancreáticas é quebrada, os 
linfócitos T autorreativos emergem como os principais executores da 
destruição autoimune no DM1. Tanto os linfócitos T auxiliares (Th) 
quanto os linfócitos T citotóxicos (Tc) desempenham papéis cruciais na 
patogenia da doença. Os linfócitos T CD4+ auxiliares, especialmente as 
subpopulações Th1 e Th17, são ativados por antígenos das células beta 
pancreáticas, apresentados por células apresentadoras de antígenos 
(APCs) no pâncreas e nos linfonodos pancreáticos. As células Th1 
liberam interferon-gama (IFN-γ) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), 
citocinas pró-inflamatórias que ativam macrófagos e outras células 
imunes, e promovem a inflamação nas ilhotas pancreáticas (insulite). As 
células Th17 produzem interleucina-17 (IL-17), que também contribui 
para a inflamação e o recrutamento de células imunes para o pâncreas. 
Os linfócitos T CD8+ citotóxicos são os principais efetores da destruição 
das células beta pancreáticas. Eles reconhecem antígenos das células 
beta apresentados pelas moléculas HLA de classe I nas próprias células 
beta, e as destroem diretamente por mecanismos citotóxicos, como a 
liberação de perforina e granzimas, ou pela indução de apoptose 
mediada por Fas-FasL. As células T reguladoras (Tregs), que 
normalmente suprimem a autoimunidade, parecem ter sua função 
prejudicada ou estar em número reduzido no DM1, contribuindo para a 
falta de controle da resposta autoimune e a progressão da destruição 
das células beta.
Os linfócitos B também desempenham um papel na patogenia do DM1, 
principalmente através da produção de autoanticorpos dirigidos contra 
antígenos das células beta pancreáticas. Os principais autoanticorpos 
associados ao DM1 são os anticorpos anti-ilhota (ICA), os anticorpos 
anti-insulina (IAA), os anticorpos anti-GAD65 (anti-ácido glutâmico 
descarboxilase 65 kDa) e os anticorpos anti-IA-2 (anti-proteína tirosina 
fosfatase IA-2). Esses autoanticorpos podem ser detectados no sangue 
de indivíduos em risco de desenvolver DM1, anos antes do diagnóstico 
clínico da doença, e são importantes marcadores de autoimunidade 
pancreática e de risco de progressão para o DM1 clínico. Embora o 
papel patogênico direto desses autoanticorpos na destruição das 
células beta ainda não esteja totalmente esclarecido, eles podem 
contribuir para a patogenia por mecanismos como a ativação do 
sistema complemento, a citotoxicidade celular dependente de 
anticorpos (ADCC) e a modulação da função das células T. Além disso, 
os linfócitos B podem desempenhar um papel na apresentação de 
antígenos e na produção de citocinas no contexto do DM1.
O processo patológico no pâncreas no DM1 é caracterizado pela 
insulite, a infiltração inflamatória das ilhotas de Langerhans por células 
imunes, principalmente linfócitos T, macrófagos e células dendríticas.A 
insulite é considerada a lesão histopatológica característica do DM1, 
embora sua intensidade e composição celular possam variar ao longo 
do tempo e entre indivíduos. Nas fases iniciais do DM1, a insulite pode 
ser leve e predominantemente periductal (ao redor dos ductos 
pancreáticos), com infiltração de linfócitos T CD4+ e CD8+. À medida que 
a doença progride, a insulite se torna mais intensa e intrainsular (dentro 
das ilhotas), com maior infiltração de linfócitos T citotóxicos CD8+ e 
macrófagos, e com destruição progressiva das células beta 
pancreáticas. As citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, a IL-1, o IFN-
γ e a IL-6, produzidas pelas células imunes infiltradas e pelas células 
beta estressadas, desempenham um papel central na patogenia da 
insulite e na destruição das células beta. Essas citocinas podem induzir 
apoptose das células beta, prejudicar a função das células beta 
remanescentes e promover a inflamação local. As células da imunidade 
inata, como os macrófagos e as células dendríticas, também participam 
da patogenia do DM1. Os macrófagos podem ser ativados pelas 
citocinas pró-inflamatórias e contribuir para a destruição das células 
beta por mecanismos citotóxicos e pela liberação de mediadores 
inflamatórios. As células dendríticas atuam como APCs, apresentando 
antígenos das células beta aos linfócitos T e perpetuando a resposta 
autoimune.
A destruição das células beta pancreáticas no DM1 é um processo 
progressivo e gradual. Inicialmente, pode haver uma fase de 
autoimunidade subclínica, com presença de autoanticorpos e insulite 
leve, mas com função das células beta ainda preservada e glicemia 
normal. À medida que a destruição das células beta progride, a massa 
de células beta e a produção de insulina diminuem gradualmente, 
levando a uma fase de pré-diabetes, com intolerância à glicose ou 
glicemia de jejum alterada. Finalmente, quando a massa de células beta 
é reduzida a um nível crítico (geralmente cerca de 80-90% de 
destruição), a produção de insulina se torna insuficiente para manter a 
glicemia normal, e o diabetes clínico se manifesta, com hiperglicemia 
persistente e sintomas clássicos do DM1. No momento do diagnóstico 
clínico do DM1, a maioria dos pacientes já perdeu uma parte 
significativa da sua massa de células beta, e a necessidade de terapia de 
reposição de insulina exógena se torna inevitável para a sobrevida e o 
controle metabólico.
Os sintomas do diabetes mellitus tipo 1 classicamente se desenvolvem 
de forma relativamente rápida, ao longo de semanas ou meses, à 
medida que a deficiência de insulina se instala e a hiperglicemia se 
intensifica. A poliúria, o aumento da frequência urinária, especialmente 
durante a noite (nictúria), é um sintoma proeminente, resultante da 
tentativa do organismo de eliminar o excesso de glicose no sangue 
através da urina. A polidipsia, a sede excessiva e intensa, acompanha a 
poliúria, pois o corpo perde água junto com a glicose na urina, levando à 
desidratação e ao estímulo do centro da sede. A polifagia, o aumento do 
apetite, também é um sintoma característico, paradoxalmente presente 
apesar da hiperglicemia, pois as células, privadas de glicose como fonte 
de energia, enviam sinais de "fome" ao cérebro. A perda de peso 
inexplicada, apesar do aumento do apetite, é outro sintoma cardinal do 
DM1, resultante da quebra de proteínas e gorduras para gerar energia, 
em resposta à falta de glicose intracelular. A fadiga e a fraqueza, a 
sensação de cansaço extremo e falta de energia, são sintomas comuns, 
reflexo da privação de energia celular e dos desequilíbrios metabólicos. 
A visão turva pode ocorrer, devido às alterações na lente do olho 
causadas pela hiperglicemia. Em crianças, a enurese noturna (urinar na 
cama) pode ser um sintoma de apresentação do DM1, em crianças que 
já haviam adquirido o controle urinário noturno. A irritabilidade, as 
mudanças de humor e as infecções recorrentes, como infecções 
urinárias ou cutâneas, também podem ser sintomas associados ao 
DM1. Em casos mais graves, e especialmente no momento do 
diagnóstico em crianças, pode ocorrer a cetoacidose diabética (CAD), 
uma complicação aguda e potencialmente fatal do DM1, resultante da 
deficiência grave de insulina e da produção excessiva de corpos 
cetônicos, substâncias ácidas produzidas pela quebra de gorduras. A 
CAD se manifesta com sintomas como náuseas, vômitos, dor 
abdominal, respiração rápida e profunda (respiração de Kussmaul), 
hálito cetônico (com odor de acetona), desidratação grave, confusão 
mental e, se não tratada, pode levar ao coma e à morte. É crucial 
reconhecer os sintomas do DM1 precocemente, especialmente em 
crianças e adolescentes, para que o diagnóstico seja feito rapidamente e 
o tratamento com insulina seja iniciado prontamente, prevenindo a CAD 
e outras complicações agudas.
O diagnóstico do diabetes mellitus tipo 1 é baseado na avaliação clínica, 
nos exames de glicemia e na pesquisa de autoanticorpos relacionados 
ao DM1. A história clínica detalhada, incluindo a descrição dos sintomas, 
o tempo de evolução, o histórico familiar de diabetes e a avaliação dos 
fatores de risco, é o primeiro passo para o diagnóstico. A medida da 
glicemia, tanto a glicemia de jejum quanto a glicemia aleatória (em 
qualquer horário do dia), é essencial para confirmar a hiperglicemia. Os 
critérios diagnósticos da Associação Americana de Diabetes (ADA) para 
o diabetes incluem: glicemia de jejum ≥ 126 mg/dL, glicemia aleatória ≥ 
200 mg/dL em pacientes com sintomas clássicos de hiperglicemia, 
glicemia ≥ 200 mg/dL duas horas após um teste oral de tolerância à 
glicose (TOTG) com 75g de glicose, ou hemoglobina glicada (HbA1c) ≥ 
6,5%. Em pacientes com suspeita de DM1, a pesquisa de autoanticorpos 
relacionados ao DM1 no sangue é fundamental para confirmar a 
natureza autoimune da doença e distinguir o DM1 de outros tipos de 
diabetes, como o diabetes tipo 2. Os principais autoanticorpos 
pesquisados são os anticorpos anti-ilhota (ICA), os anticorpos anti-
insulina (IAA), os anticorpos anti-GAD65 (anti-ácido glutâmico 
descarboxilase 65 kDa) e os anticorpos anti-IA-2 (anti-proteína tirosina 
fosfatase IA-2). A presença de um ou mais desses autoanticorpos, em 
um paciente com hiperglicemia, confirma o diagnóstico de diabetes 
mellitus tipo 1 autoimune. Em alguns casos, a dosagem de peptídeo C 
no sangue pode ser útil para avaliar a produção endógena de insulina 
pelo pâncreas. O peptídeo C é um subproduto da produção de insulina, 
e seus níveis estão reduzidos no DM1 devido à destruição das células 
beta. O diagnóstico diferencial do diabetes mellitus tipo 1 inclui outros 
tipos de diabetes, como o diabetes tipo 2, o diabetes latente autoimune 
do adulto (LADA, uma forma de DM1 de progressão mais lenta em 
adultos), o diabetes secundário a outras condições (como pancreatite 
ou doenças endócrinas) e o diabetes gestacional. A avaliação clínica, os 
exames de glicemia, a pesquisa de autoanticorpos e a avaliação do 
contexto clínico geral permitem ao médico estabelecer o diagnóstico 
preciso de diabetes mellitus tipo 1 e iniciar o tratamento adequado.
O tratamento do diabetes mellitus tipo 1 é centrado na reposição de 
insulina exógena, uma vez que a doença é causada pela deficiência de 
insulina endógena devido à destruição das células beta pancreáticas. A 
terapia com insulina é vitalícia e essencial para a sobrevida e o controle 
metabólico dos pacientes com DM1. A insulina é administrada por 
injeções subcutâneas múltiplas ao dia ou por infusão contínua 
subcutânea de insulina (ICSI), através de uma bomba de insulina. 
Existem diferentes tipos de insulina disponíveis, com diferentes perfis 
de ação (insulina de ação rápida, insulina de ação regular, insulina de 
ação intermediária e insulina de ação prolongada), e o regime de 
insulinoterapia é individualizado para cada paciente, levando em 
consideração as necessidades individuais, os hábitos alimentares, o 
nível de atividade física e as metasde controle glicêmico. O 
monitoramento da glicemia é fundamental para o manejo do DM1, 
permitindo aos pacientes e à equipe de saúde ajustar as doses de 
insulina e as estratégias de tratamento para manter os níveis de glicose 
no sangue o mais próximo possível da normalidade, minimizando o 
risco de hiperglicemia e hipoglicemia. O automonitoramento da 
glicemia capilar (AMG), realizado pelos pacientes em casa com um 
glicosímetro, é a forma mais comum de monitoramento glicêmico. O 
monitoramento contínuo de glicose (MCG), que utiliza um sensor 
subcutâneo para medir a glicose intersticial continuamente, tem se 
tornado cada vez mais utilizado, fornecendo informações mais 
detalhadas sobre as flutuações glicêmicas e auxiliando no ajuste da 
insulinoterapia. A hemoglobina glicada (HbA1c) é um exame laboratorial 
que reflete o controle glicêmico médio nos últimos 2-3 meses, e é 
utilizada para avaliar o controle glicêmico a longo prazo e ajustar o 
tratamento.
Além da insulinoterapia e do monitoramento glicêmico, a terapia 
nutricional e o exercício físico regular são componentes essenciais do 
manejo do diabetes mellitus tipo 1. A dieta para DM1 deve ser 
equilibrada, individualizada e adaptada às necessidades de cada 
paciente, com foco em alimentos saudáveis, como frutas, vegetais, 
grãos integrais, proteínas magras e gorduras saudáveis, e com controle 
da ingestão de carboidratos, especialmente carboidratos de absorção 
rápida. O exercício físico regular é benéfico para o controle glicêmico, a 
saúde cardiovascular, o peso corporal e o bem-estar geral, e deve ser 
parte integrante do estilo de vida de pessoas com DM1. A educação em 
diabetes é fundamental para capacitar os pacientes e suas famílias a 
lidar com o DM1 no dia a dia, ensinando sobre a doença, o tratamento, 
o monitoramento glicêmico, a alimentação saudável, o exercício físico, o 
manejo de hipoglicemia e hiperglicemia, e a prevenção de complicações. 
O suporte psicológico e social também são importantes para ajudar os 
pacientes e suas famílias a lidar com os desafios emocionais e sociais do 
convívio com uma doença crônica como o DM1.
O tratamento do diabetes mellitus tipo 1 é um manejo contínuo e 
multidisciplinar, que requer acompanhamento médico regular, 
educação continuada e adesão ao tratamento por toda a vida. O 
objetivo do tratamento é alcançar e manter um bom controle glicêmico, 
prevenindo as complicações agudas (como a cetoacidose diabética e a 
hipoglicemia grave) e crônicas (como a retinopatia diabética, a 
nefropatia diabética, a neuropatia diabética, a doença cardiovascular e o 
pé diabético) do diabetes, e permitindo que os pacientes vivam a vida 
da forma mais plena possível, apesar da presença dessa doença 
autoimune crônica. E com o diabetes mellitus tipo 1 explorado em 
profundidade, podemos agora dar continuidade à nossa exploração das 
doenças imunomediadas, direcionando nosso olhar para um grupo de 
condições que afetam o trato gastrointestinal: as doenças inflamatórias 
intestinais.
Doenças Inflamatórias Intestinais
As doenças inflamatórias intestinais (DII) são um grupo de condições 
inflamatórias crônicas que afetam o trato gastrointestinal (TGI). As duas 
formas principais de DII são a doença de Crohn (DC) e a retocolite 
ulcerativa (RCU). Embora compartilhem algumas características em 
comum, como a inflamação crônica do TGI e a natureza imunomediada, 
a DC e a RCU também apresentam diferenças importantes em relação à 
localização da inflamação no TGI, o padrão da inflamação, as 
manifestações clínicas e as complicações. Na doença de Crohn, a 
inflamação pode afetar qualquer parte do TGI, desde a boca até o ânus, 
embora seja mais comum no íleo terminal (parte final do intestino 
delgado) e no cólon. A inflamação na DC é tipicamente transmural, ou 
seja, afeta todas as camadas da parede intestinal, e pode ser 
segmentar, com áreas de inflamação intercaladas com áreas de 
intestino saudável ("saltos"). Na retocolite ulcerativa, a inflamação se 
limita ao cólon e ao reto, e geralmente se inicia no reto e se estende de 
forma contínua e ascendente pelo cólon, podendo afetar todo o cólon 
(pancolite). A inflamação na RCU é tipicamente mucosa, ou seja, afeta 
principalmente a camada mais interna da parede intestinal (mucosa) e a 
submucosa, e é contínua, sem áreas de intestino saudável entre as 
áreas inflamadas. Tanto a DC quanto a RCU são doenças crônicas, com 
um curso clínico caracterizado por períodos de exacerbação (surtos ou 
crises), com aumento da atividade inflamatória e piora dos sintomas, 
alternados com períodos de remissão, com diminuição da inflamação e 
melhora dos sintomas. As DII são doenças complexas e multifatoriais, 
resultantes de uma interação complexa entre predisposição genética, 
fatores ambientais, microbiota intestinal e uma resposta imune 
desregulada no intestino.
A história das doenças inflamatórias intestinais, como entidades clínicas 
distintas, é relativamente recente na história da medicina. Embora 
descrições de condições que poderiam corresponder à DII remontem a 
séculos atrás, foi apenas no século XX que a doença de Crohn e a 
retocolite ulcerativa foram reconhecidas como entidades clínicas 
separadas. A doença de Crohn foi descrita pela primeira vez em 
detalhes em 1932, pelo gastroenterologista americano Burrill Bernard 
Crohn e seus colegas, que descreveram uma série de casos de "ileíte 
regional", uma inflamação segmentar e transmural do íleo terminal. 
Inicialmente, a DC era considerada uma doença rara, mas ao longo do 
século XX, sua incidência e prevalência aumentaram significativamente 
em muitas partes do mundo, tornando-se um problema de saúde 
pública importante. A retocolite ulcerativa já era reconhecida como uma 
condição clínica distinta antes da descrição da DC, com descrições 
detalhadas datando do século XIX. No entanto, a diferenciação precisa 
entre RCU e DC, e a compreensão da natureza imunomediada de ambas 
as doenças, foram desenvolvimentos do século XX.
Ao longo do século XX e início do século XXI, a pesquisa sobre as 
doenças inflamatórias intestinais avançou rapidamente, impulsionada 
pelos progressos da gastroenterologia, da imunologia, da genética e da 
microbiologia. A compreensão de que as DII são doenças 
imunomediadas, resultantes de uma resposta imune desregulada no 
intestino, emergiu gradualmente a partir de estudos clínicos, 
laboratoriais e epidemiológicos. A identificação de células inflamatórias, 
como os linfócitos T, os macrófagos e os neutrófilos, e de citocinas pró-
inflamatórias, como o TNF-α, a IL-12 e a IL-23, nas lesões intestinais de 
pacientes com DII, forneceu evidências diretas da natureza 
imunoinflamatória das doenças. Os estudos genéticos revelaram a forte 
associação das DII com genes de suscetibilidade, incluindo genes 
relacionados à função da barreira intestinal, à resposta imune inata e 
adaptativa, à autofagia e ao metabolismo bacteriano. A descoberta do 
papel crucial da microbiota intestinal na patogenia das DII revolucionou 
a compreensão dessas doenças. A microbiota intestinal, o complexo 
ecossistema de microrganismos que reside no intestino, desempenha 
um papel fundamental na maturação do sistema imunológico intestinal, 
na manutenção da barreira intestinal e na regulação da resposta 
inflamatória. Desequilíbrios na composição e na função da microbiota 
intestinal (disbiose) têm sido implicados como fatores importantes no 
desencadeamento e na perpetuação da inflamação nas DII. Esses 
avanços na compreensão da patogenia das DII abriram caminho para o 
desenvolvimento de terapias mais direcionadas e eficazes, visando 
modular a resposta imune desregulada no intestino e restaurar a 
homeostase intestinal.
O principal evento patogênico nas DII é a perda da tolerância 
imunológica à microbiota intestinal comensal. Em indivíduos saudáveis, 
o sistema imunológico intestinal mantém um estado de tolerância em 
relação à vasta comunidade de bactérias, vírus, fungos e outros 
microrganismosque habitam o intestino, a microbiota comensal. Essa 
tolerância é essencial para manter a homeostase intestinal e permitir 
que o sistema imunológico responda de forma eficaz a patógenos 
invasores, sem atacar a microbiota benéfica. Nas DII, essa tolerância se 
perde, e o sistema imunológico intestinal começa a reconhecer 
componentes da microbiota comensal como "estranhos" e perigosos, 
desencadeando uma resposta inflamatória crônica e inadequada. A 
predisposição genética desempenha um papel crucial nessa quebra da 
tolerância. Inúmeros genes de suscetibilidade às DII foram identificados 
através de estudos de associação genômica ampla (GWAS), muitos dos 
quais estão relacionados à função da barreira intestinal, à resposta 
imune inata e adaptativa, à autofagia, ao metabolismo bacteriano e à 
sinalização de citocinas. O gene NOD2, por exemplo, codifica um 
receptor de reconhecimento de padrões (PRR) da imunidade inata que 
reconhece o peptidoglicano bacteriano, e variantes nesse gene estão 
fortemente associadas à doença de Crohn. Outros genes de 
suscetibilidade às DII incluem genes do sistema HLA, genes relacionados 
à via da IL-23/Th17, genes relacionados à autofagia (como ATG16L1 e 
IRGM) e genes relacionados à barreira epitelial intestinal (como OCLN e 
CDH1). No entanto, a genética por si só não é suficiente para causar DII. 
Fatores ambientais desempenham um papel fundamental como 
gatilhos ou moduladores da resposta inflamatória intestinal em 
indivíduos geneticamente suscetíveis. Fatores dietéticos, como a dieta 
ocidental rica em gordura e pobre em fibras, aditivos alimentares, 
açúcares refinados e alimentos processados, têm sido associados a um 
risco aumentado de DII, possivelmente por alterar a composição e a 
função da microbiota intestinal e promover a inflamação. O tabagismo é 
um fator de risco bem estabelecido para a doença de Crohn, mas 
paradoxalmente parece ter um efeito protetor na retocolite ulcerativa 
(embora parar de fumar seja benéfico para a saúde geral). Infecções, 
tanto bacterianas quanto virais, podem desencadear surtos de DII em 
indivíduos suscetíveis, e podem desempenhar um papel na iniciação da 
doença em alguns casos. O uso de antibióticos, especialmente em idade 
precoce, pode alterar a microbiota intestinal e aumentar o risco de DII. 
O estresse, tanto físico quanto psicológico, pode modular a resposta 
inflamatória intestinal e influenciar o curso clínico das DII.
Uma vez que a tolerância à microbiota intestinal é quebrada, o sistema 
imunológico intestinal, em particular as células imunes da mucosa, 
desencadeia uma resposta inflamatória crônica e desregulada. Os 
linfócitos T, tanto os linfócitos T auxiliares (Th) quanto os linfócitos T 
citotóxicos (Tc), desempenham um papel central na patogenia das DII. 
Na doença de Crohn, a resposta imune predominante é do tipo Th1 e 
Th17. As células Th1 liberam interferon-gama (IFN-γ) e fator de necrose 
tumoral alfa (TNF-α), citocinas pró-inflamatórias que ativam macrófagos 
e outras células imunes, e promovem a inflamação transmural e a 
formação de granulomas, lesões características da DC. As células Th17 
produzem interleucina-17 (IL-17) e interleucina-22 (IL-22), citocinas que 
contribuem para a inflamação, a quebra da barreira epitelial intestinal e 
o recrutamento de neutrófilos para a mucosa. Na retocolite ulcerativa, a 
resposta imune predominante é do tipo Th2, embora também haja 
participação de outras vias inflamatórias. As células Th2 liberam 
interleucina-5 (IL-5) e interleucina-13 (IL-13), citocinas que promovem a 
inflamação mucosa, a produção de muco e a disfunção epitelial. O TNF-
α também desempenha um papel importante na RCU, assim como em 
outras DII. As células T reguladoras (Tregs), que normalmente suprimem 
a inflamação e mantêm a homeostase imunológica intestinal, parecem 
ter sua função prejudicada ou estar em número reduzido nas DII, 
contribuindo para a falta de controle da resposta inflamatória.
As células da imunidade inata, como os macrófagos, as células 
dendríticas, os neutrófilos e as células natural killer (NK), também 
participam da patogenia das DII. Os macrófagos da mucosa intestinal 
são ativados pela microbiota intestinal e pelas citocinas pró-
inflamatórias, e liberam mediadores inflamatórios, como o TNF-α, a IL-1, 
a IL-6, as quimiocinas e as enzimas proteolíticas, que contribuem para a 
inflamação e o dano tecidual. As células dendríticas da mucosa 
intestinal atuam como células apresentadoras de antígenos (APCs), 
capturando antígenos da microbiota intestinal e de outros estímulos 
ambientais, e apresentando-os aos linfócitos T, desencadeando e 
perpetuando a resposta imune adaptativa. Os neutrófilos são 
recrutados para a mucosa intestinal inflamada em grande número, e 
liberam enzimas proteolíticas e espécies reativas de oxigênio, 
contribuindo para o dano tecidual e a formação de úlceras, 
especialmente na RCU. As células NK podem estar disfuncionais nas DII 
e contribuir para a desregulação imune.
A barreira epitelial intestinal, a camada celular única que reveste a 
mucosa intestinal e separa o conteúdo luminal do intestino do sistema 
imunológico da mucosa, desempenha um papel crucial na patogenia 
das DII. Em indivíduos saudáveis, a barreira epitelial intestinal é uma 
barreira seletiva e funcional, que permite a absorção de nutrientes, mas 
impede a translocação excessiva de bactérias e antígenos luminais para 
a mucosa. Nas DII, a permeabilidade intestinal está aumentada 
("intestino permeável"), devido a defeitos na função da barreira epitelial, 
como a disfunção das junções apertadas intercelulares, a redução da 
produção de muco protetor e a diminuição da produção de peptídeos 
antimicrobianos. O aumento da permeabilidade intestinal permite a 
translocação excessiva de bactérias e antígenos luminais para a 
mucosa, expondo o sistema imunológico da mucosa a um estímulo 
antigênico excessivo e perpetuando a resposta inflamatória.
A inflamação crônica na mucosa intestinal nas DII leva ao dano tecidual 
e às manifestações clínicas características da doença de Crohn e da 
retocolite ulcerativa. Na doença de Crohn, a inflamação transmural 
pode levar à formação de estenoses (estreitamentos do intestino), 
fístulas (conexões anormais entre o intestino e outros órgãos ou 
superfícies do corpo) e abscessos (coleções de pus). Na retocolite 
ulcerativa, a inflamação mucosa pode levar à formação de úlceras 
superficiais na mucosa do cólon e do reto, e, em casos graves, à 
megacólon tóxico, uma dilatação aguda e grave do cólon com risco de 
perfuração. Tanto a DC quanto a RCU estão associadas a um risco 
aumentado de câncer colorretal a longo prazo, devido à inflamação 
crônica e à renovação celular aumentada na mucosa intestinal.
Os sintomas das doenças inflamatórias intestinais são variados e 
podem afetar diferentes partes do trato gastrointestinal, refletindo a 
complexidade e a diversidade da doença de Crohn e da retocolite 
ulcerativa. A dor abdominal é um sintoma central em ambas as 
condições, embora possa variar em localização, intensidade e 
características. Na doença de Crohn, a dor abdominal é frequentemente 
localizada no quadrante inferior direito do abdômen, na região 
ileocecal, e pode ser do tipo cólica, piorando após as refeições e 
aliviando após a evacuação. Na retocolite ulcerativa, a dor abdominal é 
mais frequentemente localizada no quadrante inferior esquerdo ou na 
região suprapúbica, e pode ser acompanhada de tenesmo, a sensação 
de necessidade urgente e incompleta de evacuar. A diarreia é outro 
sintoma proeminente nas DII, sendo mais frequente e intensa na 
retocolite ulcerativa, onde pode ser sanguinolenta (hematoquezia) e 
acompanhada de muco. Na doença de Crohn, a diarreia pode ser 
menos frequente e menos sanguinolenta, mas ainda assim persistente 
e debilitante. O sangramento retal é um sintoma marcante da retocolite 
ulcerativa, presente em quase todos os pacientes em algum momento 
da doença, e pode variar de pequenas quantidadesde sangue nas fezes 
a sangramento abundante e anemia. Na doença de Crohn, o 
sangramento retal é menos comum, a menos que o reto esteja 
envolvido. A fadiga é um sintoma sistêmico extremamente comum e 
debilitante nas DII, muitas vezes desproporcional à atividade 
inflamatória intestinal, e que pode afetar profundamente a qualidade 
de vida dos pacientes. A perda de peso não intencional é frequente nas 
DII, especialmente na doença de Crohn, devido à má absorção de 
nutrientes, à redução do apetite e ao aumento do gasto energético 
associado à inflamação crônica. A febre, geralmente baixa, pode ocorrer 
durante os surtos de atividade das DII. A falta de apetite, as náuseas e 
os vômitos também podem estar presentes, especialmente na doença 
de Crohn, quando o intestino delgado está envolvido. Em crianças e 
adolescentes, o atraso no crescimento e na puberdade pode ser uma 
manifestação importante das DII, devido à inflamação crônica e à má 
absorção de nutrientes.
Além das manifestações intestinais, as DII podem apresentar 
manifestações extra-intestinais, afetando outros órgãos e sistemas do 
corpo. As manifestações articulares são as mais comuns, incluindo 
artrite periférica (inflamação das articulações dos membros), espondilite 
anquilosante (inflamação das articulações da coluna vertebral e 
sacroilíacas) e sacroileíte (inflamação das articulações sacroilíacas). As 
manifestações cutâneas incluem o eritema nodoso (nódulos 
avermelhados e dolorosos nas pernas), o pioderma gangrenoso (úlceras 
dolorosas na pele), a estomatite aftosa (úlceras na boca) e as lesões 
perianais (fissuras, fístulas, abscessos). As manifestações oculares 
incluem a uveíte (inflamação da úvea, a camada média do olho), a 
episclerite (inflamação da episclera, a camada mais externa da esclera) e 
a conjuntivite (inflamação da conjuntiva, a membrana que reveste o 
olho e a pálpebra). As manifestações hepatobiliares incluem a colangite 
esclerosante primária (CEP), uma doença inflamatória crônica dos 
ductos biliares, mais associada à retocolite ulcerativa. Outras 
manifestações extra-intestinais menos comuns incluem anemia, 
trombose venosa, nefrolitíase (cálculos renais) e amiloidose. É 
importante ressaltar que a apresentação clínica das DII é altamente 
variável, e nem todos os pacientes apresentarão todos esses sintomas. 
Alguns podem ter predominantemente manifestações intestinais, 
enquanto outros podem ter manifestações extra-intestinais mais 
proeminentes. A gravidade da doença também varia amplamente, 
desde formas leves e controláveis até formas graves e refratárias ao 
tratamento.
O diagnóstico das doenças inflamatórias intestinais é baseado na 
combinação da avaliação clínica, dos exames laboratoriais, dos exames 
de imagem e da endoscopia com biópsias. A história clínica detalhada, 
incluindo a descrição dos sintomas, o tempo de evolução, o histórico 
familiar de DII e a avaliação dos fatores de risco, é o ponto de partida 
para o diagnóstico. O exame físico pode revelar sinais de inflamação 
abdominal, como dor à palpação, massa abdominal palpável (em casos 
de doença de Crohn com estenose ou abscesso), sinais de desnutrição e 
manifestações extra-intestinais. Os exames laboratoriais auxiliam no 
diagnóstico e na avaliação da atividade inflamatória e do estado 
nutricional. O hemograma completo pode revelar anemia (ferropriva ou 
da doença crônica), leucocitose (aumento dos leucócitos) e 
trombocitose (aumento das plaquetas). Os marcadores inflamatórios, 
como a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa 
(PCR), estão frequentemente elevados durante os surtos de atividade 
das DII, mas podem ser normais em períodos de remissão. A 
calprotectina fecal é um marcador inflamatório fecal, derivado dos 
neutrófilos, que se correlaciona bem com a inflamação intestinal e é útil 
para diagnosticar DII, monitorar a atividade da doença e avaliar a 
resposta ao tratamento. Os exames de imagem são importantes para 
avaliar a extensão e a gravidade da inflamação intestinal, detectar 
complicações e excluir outras condições. A ileocolonoscopia com 
biópsias é o exame endoscópico de escolha para o diagnóstico das DII, 
permitindo visualizar diretamente a mucosa do cólon e do íleo terminal, 
identificar as características endoscópicas da doença de Crohn e da 
retocolite ulcerativa (como úlceras, erosões, inflamação, pseudopólipos, 
estenoses) e coletar biópsias para análise histopatológica, que é 
essencial para confirmar o diagnóstico e diferenciar entre DC e RCU. A 
endoscopia digestiva alta (EDA) pode ser realizada para avaliar o 
esôfago, o estômago e o duodeno, especialmente em casos de suspeita 
de doença de Crohn do trato digestivo superior. A enterorressonância 
magnética e a enteroTC são exames de imagem radiológica que 
permitem avaliar o intestino delgado, identificar a extensão da 
inflamação, detectar estenoses, fístulas, abscessos e outras 
complicações da doença de Crohn. A cápsula endoscópica é um exame 
que utiliza uma pequena câmera engolível para visualizar o intestino 
delgado, útil em casos de suspeita de doença de Crohn do intestino 
delgado quando a ileocolonoscopia e a entero-RM/TC não são 
conclusivas. O diagnóstico diferencial das doenças inflamatórias 
intestinais inclui outras causas de diarreia crônica, dor abdominal e 
sangramento retal, como infecções intestinais (colite infecciosa, colite 
pseudomembranosa), síndrome do intestino irritável (SII), diverticulite, 
isquemia mesentérica, câncer colorretal e outras formas de colite (colite 
microscópica, colite medicamentosa). A combinação da avaliação clínica, 
dos exames laboratoriais, dos exames de imagem e da endoscopia com 
biópsias permite ao médico estabelecer o diagnóstico preciso de DII e 
diferenciar entre doença de Crohn e retocolite ulcerativa, orientando o 
tratamento adequado.
O tratamento das doenças inflamatórias intestinais visa controlar a 
inflamação intestinal, induzir e manter a remissão clínica, melhorar a 
qualidade de vida dos pacientes, prevenir complicações e, quando 
possível, evitar a cirurgia. O tratamento das DII é individualizado e 
adaptado à forma clínica da doença (doença de Crohn ou retocolite 
ulcerativa), à localização e extensão da inflamação, à gravidade da 
doença, à resposta ao tratamento e às preferências do paciente. A 
abordagem terapêutica é multidisciplinar, envolvendo 
gastroenterologistas, cirurgiões colorretais, nutricionistas, psicólogos e 
enfermeiros especializados em DII. O tratamento farmacológico das DII 
inclui diversas classes de medicamentos, com diferentes mecanismos 
de ação e indicações específicas para a doença de Crohn e a retocolite 
ulcerativa. Os aminossalicilatos (5-ASAs), como a sulfassalazina e a 
mesalazina, são medicamentos anti-inflamatórios leves a moderados, 
utilizados principalmente no tratamento da retocolite ulcerativa leve a 
moderada, e podem ser administrados por via oral ou retal (enemas, 
supositórios). Os corticosteroides, como a prednisona e a budesonida, 
são potentes anti-inflamatórios e imunossupressores, utilizados para 
induzir a remissão em surtos moderados a graves de DII, tanto doença 
de Crohn quanto retocolite ulcerativa. No entanto, o uso prolongado de 
corticosteroides é evitado devido aos seus potenciais efeitos colaterais. 
Os imunossupressores, como a azatioprina, a 6-mercaptopurina e o 
metotrexato, são utilizados para manter a remissão a longo prazo nas 
DII, poupar corticosteroides e reduzir a necessidade de cirurgia. Os 
imunossupressores atuam modulando a resposta imune e reduzindo a 
inflamação intestinal. As terapias biológicas revolucionaram o 
tratamento das DII, proporcionando um controle mais eficaz da doença 
em muitos pacientes que não respondem adequadamente aos 
medicamentos convencionais. Os inibidores do TNF-alfa (infliximabe, 
adalimumabe, certolizumabe pegol, golimumabe) são anticorpos 
monoclonais que bloqueiam a ação do TNF-α, uma citocina pró-
inflamatória chave na patogenia das DII, e são eficazespara induzir e 
manter a remissão na doença de Crohn e na retocolite ulcerativa 
moderada a grave. Os inibidores da integrina (vedolizumabe) são 
anticorpos monoclonais que impedem a migração de leucócitos para o 
intestino, e são eficazes no tratamento da doença de Crohn e da 
retocolite ulcerativa moderada a grave. Os inibidores da interleucina-
12/23 (ustequinumabe) são anticorpos monoclonais que bloqueiam a 
ação da IL-12 e da IL-23, citocinas pró-inflamatórias importantes na 
patogenia da doença de Crohn, e são eficazes no tratamento da doença 
de Crohn moderada a grave. Os inibidores de JAK (tofacitinibe) são 
pequenas moléculas que inibem as Janus quinases (JAKs), enzimas 
envolvidas na sinalização de citocinas inflamatórias, e são eficazes no 
tratamento da retocolite ulcerativa moderada a grave. Mais 
recentemente, novas terapias biológicas e pequenas moléculas têm sido 
desenvolvidas e aprovadas para o tratamento das DII, ampliando as 
opções terapêuticas disponíveis.
Além do tratamento farmacológico, a terapia nutricional desempenha 
um papel importante no manejo das DII. A nutrição enteral exclusiva 
(dieta líquida elementar ou polimérica) pode ser utilizada para induzir a 
remissão na doença de Crohn pediátrica e em alguns casos de doença 
de Crohn em adultos, proporcionando repouso intestinal e reduzindo a 
inflamação. A dieta de exclusão (remoção de certos alimentos da dieta) 
pode ser útil para alguns pacientes com DII, identificando e eliminando 
alimentos que possam exacerbar os sintomas. A suplementação 
nutricional pode ser necessária para corrigir deficiências nutricionais 
comuns nas DII, como deficiência de ferro, vitamina D, vitamina B12 e 
ácido fólico. A cirurgia pode ser necessária em casos de DII refratárias 
ao tratamento medicamentoso, complicações graves (estenoses, 
fístulas, abscessos, megacólon tóxico, perfuração) ou câncer colorretal. 
Na doença de Crohn, a cirurgia geralmente visa remover as áreas do 
intestino mais gravemente afetadas, mas não é curativa, pois a doença 
pode recorrer em outras partes do intestino. Na retocolite ulcerativa, a 
proctocolectomia total com ileostomia (remoção completa do cólon e 
do reto com criação de uma abertura no abdômen para a eliminação 
das fezes) é considerada a cirurgia curativa, eliminando o cólon e o reto, 
os órgãos afetados pela doença. Em alguns casos, a bolsa ileal 
(reservatório ileal) pode ser criada para permitir a eliminação das fezes 
pelo ânus, após a proctocolectomia.
O tratamento das doenças inflamatórias intestinais é um manejo 
contínuo e individualizado, que requer acompanhamento médico 
regular, monitoramento da atividade da doença, ajuste do tratamento 
conforme necessário e adesão ao tratamento por toda a vida. O 
objetivo do tratamento é alcançar e manter a remissão clínica e 
endoscópica, melhorar a qualidade de vida dos pacientes, prevenir 
complicações e, em última instância, permitir que vivam a vida da forma 
mais plena possível, apesar da presença dessas doenças intestinais 
imunomediadas crônicas e desafiadoras. 
Psoríase
A psoríase é uma doença inflamatória crônica, imunomediada e 
sistêmica, caracterizada principalmente por lesões cutâneas 
avermelhadas e escamosas, e em muitos casos, por inflamação articular 
(artrite psoriásica). A psoríase não é apenas uma doença de pele, mas 
sim uma condição sistêmica, com evidências crescentes de que a 
inflamação crônica associada à psoríase pode aumentar o risco de 
outras comorbidades, como doenças cardiovasculares, síndrome 
metabólica, doença inflamatória intestinal e depressão. A psoríase é 
uma doença comum, afetando milhões de pessoas em todo o mundo, e 
pode surgir em qualquer idade, embora seja mais frequente o início na 
idade adulta jovem. A psoríase não é contagiosa, e sua causa é 
multifatorial, envolvendo uma complexa interação de predisposição 
genética, fatores ambientais e uma resposta imune desregulada.
A história da psoríase remonta à antiguidade, com descrições de lesões 
cutâneas que poderiam corresponder à psoríase em textos médicos 
antigos. No entanto, a psoríase nem sempre foi reconhecida como uma 
entidade clínica distinta, e por muito tempo foi confundida com outras 
doenças de pele, como a lepra. O médico romano Cornélio Celso, no 
século I d.C., descreveu uma condição cutânea com escamas e fissuras, 
que alguns historiadores consideram ser uma das primeiras descrições 
da psoríase. No entanto, foi apenas no século XIX que o dermatologista 
britânico Robert Willan, no início do século XIX, descreveu a psoríase 
como uma doença de pele distinta, diferenciando-a de outras condições 
escamosas e eritematosas da pele. Willan cunhou o termo "psoríase", 
derivado da palavra grega "psora", que significa coceira.
Ao longo do século XIX e XX, a compreensão da psoríase avançou 
gradualmente, impulsionada pela observação clínica e pelos primórdios 
da pesquisa dermatológica. O reconhecimento da associação entre 
psoríase e artrite, com a descrição da artrite psoriásica, expandiu a 
visão da psoríase para além da pele. A identificação de alterações 
histopatológicas características nas lesões de psoríase, como a 
hiperproliferação de queratinócitos, a inflamação na derme e na 
epiderme, e a angiogênese (formação de novos vasos sanguíneos), 
forneceu pistas sobre os mecanismos patogênicos da doença. Os 
avanços na imunologia, a partir da segunda metade do século XX, foram 
cruciais para desvendar a natureza imunomediada da psoríase. A 
identificação de células imunes, como os linfócitos T, as células 
dendríticas e os neutrófilos, e de citocinas pró-inflamatórias, como o 
TNF-α, a IL-17 e a IL-23, nas lesões de psoríase, consolidou o conceito de 
que a psoríase é uma doença imunoinflamatória primariamente 
mediada pelo sistema imunológico. Esses avanços na compreensão da 
patogenia da psoríase abriram caminho para o desenvolvimento de 
terapias mais direcionadas e eficazes, visando modular a resposta 
imune desregulada na pele e nas articulações, e melhorando 
significativamente o tratamento e a qualidade de vida dos pacientes 
com psoríase.
O evento central na patogenia da psoríase é a ativação desregulada do 
sistema imunológico, particularmente da imunidade inata e adaptativa, 
na pele e nas articulações. Em indivíduos geneticamente suscetíveis, e 
sob a influência de gatilhos ambientais, o sistema imunológico, por 
razões ainda não completamente elucidadas, perde a tolerância a certos 
antígenos presentes na pele e nas articulações, desencadeando uma 
resposta inflamatória auto-dirigida. A predisposição genética 
desempenha um papel crucial na suscetibilidade à psoríase. Genes do 
sistema HLA, em particular o HLA-C*0602, são os principais genes de 
risco para a psoríase, explicando uma parte significativa da 
herdabilidade da doença. Outros genes não-HLA, relacionados à função 
imunológica, à resposta inflamatória, à diferenciação e proliferação de 
queratinócitos e à função da barreira cutânea, também contribuem 
para a suscetibilidade genética à psoríase. Fatores ambientais 
desempenham um papel importante como gatilhos ou exacerbações da 
psoríase em indivíduos geneticamente predispostos. Traumatismos 
cutâneos, como cortes, queimaduras solares, picadas de insetos ou 
fricção, podem desencadear o fenômeno de Koebner, o 
desenvolvimento de novas lesões de psoríase em áreas de pele 
previamente não afetadas, após um trauma local. Infecções, em 
particular infecções estreptocócicas da garganta, têm sido associadas ao 
desencadeamento ou à exacerbação da psoríase gutata, uma forma 
específica de psoríase caracterizada por pequenas lesões em forma de 
gota. O estresse, tanto físico quanto psicológico, pode influenciar o 
curso clínico da psoríase e desencadear surtos. Certos medicamentos, 
como o lítio, os betabloqueadores e os anti-inflamatórios não esteroides 
(AINEs), podem exacerbar a psoríase em alguns pacientes. O tabagismo 
e o consumo excessivo de álcool também têm sido associados a um 
risco aumentado de psoríasee a um curso clínico mais grave.
Uma vez que a resposta imune na psoríase é desencadeada, os 
linfócitos T emergem como os principais orquestradores da inflamação 
crônica na pele e nas articulações. Os linfócitos T auxiliares (Th), 
especialmente as subpopulações Th1, Th17 e Th22, desempenham um 
papel central na patogenia da psoríase. As células Th1 liberam 
interferon-gama (IFN-γ) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), citocinas 
pró-inflamatórias que ativam macrófagos e outras células imunes, e 
promovem a inflamação na pele e nas articulações. O TNF-α, em 
particular, é uma citocina chave na patogenia da psoríase, 
desempenhando um papel central na inflamação, na hiperproliferação 
de queratinócitos e na angiogênese nas lesões psoriásicas. As células 
Th17 produzem interleucina-17 (IL-17) e interleucina-22 (IL-22), citocinas 
que também contribuem para a inflamação, a hiperproliferação de 
queratinócitos e a disfunção da barreira cutânea na psoríase. A IL-17, 
em particular, tem sido reconhecida como uma citocina crucial na 
patogenia da psoríase, e é um alvo terapêutico importante para as 
terapias biológicas. As células Th22 liberam interleucina-22 (IL-22), que 
também promove a hiperproliferação de queratinócitos e a inflamação 
na psoríase. Curiosamente, as células T reguladoras (Tregs), que 
normalmente suprimem a inflamação e mantêm a homeostase 
imunológica, parecem ter sua função prejudicada ou estar em número 
reduzido na psoríase, contribuindo para a falta de controle da resposta 
inflamatória.
As células dendríticas desempenham um papel crucial na iniciação e na 
perpetuação da resposta imune na psoríase. As células dendríticas 
epidérmicas (células de Langerhans) e dérmicas capturam antígenos na 
pele, tornam-se ativadas e migram para os linfonodos regionais, onde 
apresentam os antígenos aos linfócitos T, desencadeando a ativação e a 
proliferação dos linfócitos T autorreativos. As células dendríticas 
também produzem citocinas pró-inflamatórias, como a interleucina-12 
(IL-12) e a interleucina-23 (IL-23), que desempenham papéis importantes 
na diferenciação e na ativação das células Th1 e Th17, respectivamente, 
e na perpetuação da resposta inflamatória na psoríase. A IL-23, em 
particular, tem sido reconhecida como uma citocina chave na patogenia 
da psoríase, e é um alvo terapêutico importante para as terapias 
biológicas.
Além dos linfócitos T e das células dendríticas, as células da imunidade 
inata, como os neutrófilos, os macrófagos, as células natural killer (NK) e 
as células linfoides inatas do tipo 3 (ILC3), também participam da 
patogenia da psoríase. Os neutrófilos são recrutados em grande 
número para as lesões de psoríase, e liberam mediadores inflamatórios, 
enzimas proteolíticas e espécies reativas de oxigênio, contribuindo para 
a inflamação e o dano tecidual na pele. Os macrófagos são ativados 
pelas citocinas pró-inflamatórias e contribuem para a inflamação e a 
angiogênese nas lesões psoriásicas. As células NK e as ILC3 também 
podem contribuir para a resposta inflamatória na psoríase, através da 
produção de citocinas e outros mediadores.
A inflamação crônica na pele na psoríase leva à hiperproliferação de 
queratinócitos, as células predominantes da epiderme, a camada mais 
externa da pele. As citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, a IL-17 e 
a IL-22, estimulam a proliferação excessiva de queratinócitos, a 
maturação incompleta dos queratinócitos e a diminuição da apoptose 
dos queratinócitos, resultando em um aumento da espessura da 
epiderme (acantose) e na formação das placas psoriásicas 
características. A angiogênese, a formação de novos vasos sanguíneos, 
também é um processo importante na patogenia da psoríase, 
contribuindo para o eritema (vermelhidão) e a inflamação nas lesões. As 
citocinas pró-angiogênicas, como o fator de crescimento endotelial 
vascular (VEGF), são produzidas em níveis elevados nas lesões 
psoriásicas e estimulam a proliferação e a migração de células 
endoteliais, levando à formação de novos vasos sanguíneos na derme 
papilar. As neuropeptídeos, como a substância P e o peptídeo 
relacionado ao gene da calcitonina (CGRP), liberados por terminações 
nervosas na pele inflamada, também podem contribuir para a 
inflamação, a coceira e a hiperproliferação de queratinócitos na 
psoríase.
Na artrite psoriásica, a inflamação crônica afeta as articulações, levando 
à sinovite (inflamação da membrana sinovial), à erosão da cartilagem e 
do osso e ao dano articular. Os mecanismos imunopatogênicos na 
artrite psoriásica são semelhantes aos da psoríase cutânea, com 
participação de linfócitos T Th1 e Th17, citocinas pró-inflamatórias (TNF-
α, IL-17, IL-23) e células da imunidade inata. No entanto, a artrite 
psoriásica também apresenta características patogênicas específicas, 
como o envolvimento da êntese (o local de inserção dos tendões e 
ligamentos nos ossos), a neoformação óssea e a inflamação 
periarticular.
Em resumo, a patogenia da psoríase é um processo imunoinflamatório 
complexo e multifatorial, caracterizado pela ativação desregulada do 
sistema imunológico na pele e nas articulações, pela participação de 
linfócitos T Th1, Th17 e Th22, células dendríticas, neutrófilos e outras 
células imunes, pela produção de citocinas pró-inflamatórias (TNF-α, IL-
17, IL-23, IFN-γ, IL-22), pela hiperproliferação de queratinócitos, pela 
angiogênese e pela inflamação crônica. 
Os sintomas da psoríase são predominantemente cutâneos e 
articulares, refletindo o principal alvo da inflamação imunomediada. A 
manifestação cutânea mais característica da psoríase são as placas 
psoriásicas, lesões elevadas, avermelhadas (eritematosas) e cobertas 
por escamas brancas prateadas, espessas e secas. Essas placas podem 
variar em tamanho, desde pequenas pápulas até grandes placas 
confluentes, e podem surgir em qualquer parte do corpo, embora sejam 
mais comuns em áreas de extensão, como cotovelos, joelhos, couro 
cabeludo e região lombossacra. A coceira (prurido) é um sintoma 
frequente e incômodo na psoríase, podendo variar de leve a intensa, e 
afetar significativamente a qualidade de vida e o sono dos pacientes. A 
dor também pode estar presente nas lesões psoriásicas, especialmente 
em áreas de fissuras ou inflamação mais intensa. O sangramento pode 
ocorrer quando as escamas são removidas ou quando as lesões são 
traumatizadas. A psoríase pode afetar as unhas em até 50% dos 
pacientes, causando alterações como espessamento ungueal, 
depressões puntiformes ("unhas em dedal"), descolamento da unha do 
leito ungueal (onicólise), manchas amareladas e hiperceratose 
subungueal (acúmulo de escamas sob a unha). O couro cabeludo é 
frequentemente afetado pela psoríase, com placas escamosas e 
avermelhadas que podem se estender além da linha do cabelo e causar 
coceira intensa e descamação. As palmas das mãos e as plantas dos pés 
também podem ser afetadas pela psoríase palmoplantar, com placas 
espessas, fissuradas e dolorosas, que podem dificultar as atividades 
cotidianas. As áreas genitais e intertriginosas (dobras da pele) podem 
ser afetadas pela psoríase invertida, uma forma de psoríase que se 
manifesta com placas avermelhadas, lisas e brilhantes, sem escamas 
típicas, devido à umidade e à fricção nessas áreas. A psoríase gutata é 
uma forma específica de psoríase, mais comum em crianças e 
adolescentes, que se manifesta com pequenas lesões em forma de 
gota, disseminadas pelo tronco e membros, frequentemente 
desencadeada por infecções estreptocócicas. A psoríase pustulosa é 
uma forma rara e grave de psoríase, caracterizada por pústulas (lesões 
com pus) estéreis na pele, que pode ser localizada (psoríase pustulosa 
palmoplantar) ou generalizada (psoríase pustulosa generalizada), e que 
pode estar associada a sintomas sistêmicos como febre e mal-estar 
geral. A psoríase eritrodérmica é outra forma rara e grave de psoríase, 
que afeta toda a superfície da pele, causando vermelhidão intensa, 
descamação generalizada, coceiraa 
disregulação da imunidade inata, onde a ativação excessiva ou 
inapropriada da primeira linha de defesa pode deflagrar cascatas 
inflamatórias crônicas e contribuir para a patogenia das DIM; e, 
finalmente, as falhas na imunidade regulatória, defeitos intrínsecos nas 
células T reguladoras ou em outros mecanismos supressores da 
resposta imune que podem comprometer a manutenção da tolerância e 
abrir caminho para o desenvolvimento da autoimunidade.
As doenças imunomediadas, dada a sua diversidade e complexidade, 
podem ser classificadas sob diferentes perspectivas. Uma classificação 
comum, que nos ajuda a organizar o pensamento, as divide em: 
doenças autoimunes sistêmicas, que afetam múltiplos órgãos e 
sistemas do corpo, como o lúpus eritematoso sistêmico, a artrite 
reumatoide, a esclerodermia e as vasculites sistêmicas, verdadeiros 
desafios diagnósticos e terapêuticos pela sua natureza multifacetada; 
doenças autoimunes órgão-específicas, que se concentram em um 
órgão ou sistema em particular, como a tireoidite de Hashimoto 
(tireoide), o diabetes mellitus tipo 1 (pâncreas), a esclerose múltipla 
(sistema nervoso central) e a doença inflamatória intestinal (intestino), 
cada uma com suas particularidades clínicas e imunopatológicas; 
doenças de hipersensibilidade, que representam respostas imunes 
exageradas ou inapropriadas a antígenos ambientais inofensivos, os 
alérgenos, ou, em alguns casos, a autoantígenos, e que podem ser 
categorizadas em quatro tipos distintos (Tipo I, II, III e IV), cada um 
orquestrado por mecanismos imunológicos singulares – embora nem 
todas as reações de hipersensibilidade sejam estritamente 
consideradas DIM, muitas doenças alérgicas e certas doenças 
autoimunes compartilham mecanismos de hipersensibilidade; doenças 
imunoproliferativas e linfoproliferativas, que, embora nem sempre 
primariamente "autoimunes", como a sarcoidose e algumas formas de 
linfoma, podem envolver respostas imunes desreguladas e inflamação 
crônica, sobrepondo-se em certos aspectos ao espectro das DIM; e, por 
fim, as doenças imunodeficientes com manifestações autoimunes, uma 
aparente paradoxo onde, em alguns casos, a imunodeficiência, ao invés 
de proteger contra a autoimunidade, pode, de forma surpreendente, 
aumentar o risco de seu desenvolvimento, possivelmente devido à 
intrincada desregulação da homeostase imunológica que acompanha 
certos estados de deficiência imune.
Este capítulo introdutório, como um mapa inicial, nos ofereceu um 
panorama geral das doenças imunomediadas, desde um olhar sobre 
sua trajetória histórica até a exploração dos conceitos imunológicos 
fundamentais que as definem. Nos próximos passos desta jornada, 
vamos nos aprofundar nos mecanismos imunológicos e patogênicos 
gerais que governam estas doenças, explorando as vias comuns e as 
particularidades de cada condição. Em seguida, iremos desvendar as 
abordagens diagnósticas e terapêuticas que moldam o manejo clínico 
das DIM. E, finalmente, embarcaremos em uma exploração detalhada 
de cada uma das principais doenças imunomediadas, dedicando 
capítulos individuais a cada uma delas. Nosso objetivo, ambicioso e 
essencial, é construir uma compreensão abrangente e atualizada destas 
condições complexas, transitando pelos fundamentos científicos mais 
profundos até as implicações clínicas mais relevantes e, acima de tudo, 
o impacto profundo que estas doenças exercem na vida dos pacientes.
Mecanismos Imunológicos Fundamentais nas Doenças 
Imunomediadas
O sistema imunológico, como já mencionado, não é uma entidade 
monolítica, mas sim um sistema dual, elegantemente dividido em duas 
grandes ramas: a imunidade inata e a imunidade adaptativa, 
trabalhando em concerto para garantir a defesa do organismo. A 
imunidade inata, imagine as primeiras tropas de choque a serem 
mobilizadas diante de uma invasão, representa a resposta imediata, 
rápida e, em grande medida, inespecífica a sinais de perigo. Ela é a 
primeira linha de defesa, sempre pronta a agir, reconhecendo padrões 
moleculares associados a patógenos (PAMPs) e padrões moleculares 
associados a danos (DAMPs), como se fossem "bandeiras vermelhas" 
que alertam para a presença de algo estranho ou perigoso. Essa 
resposta inata é mediada por células como os fagócitos (neutrófilos, 
macrófagos e células dendríticas), que englobam e destroem invasores, 
as células natural killer (NK), sentinelas que eliminam células infectadas 
ou cancerosas, e o sistema complemento, uma cascata de proteínas 
que, uma vez ativada, pode lisar patógenos diretamente, opsonizá-los 
para fagocitose ou desencadear inflamação. A inflamação, um processo 
complexo e multifacetado, é uma das principais armas da imunidade 
inata, um sinal de alarme e um chamado para reforços, caracterizada 
pelos clássicos sinais de rubor, calor, tumor e dor, orquestrados pela 
liberação de mediadores inflamatórios como citocinas e quimiocinas.
Em contraste com a rapidez e inespecificidade da imunidade inata, a 
imunidade adaptativa surge como uma resposta mais refinada, lenta 
para se desenvolver inicialmente, mas dotada de uma precisão notável 
e, crucialmente, da capacidade de gerar memória imunológica. Pense na 
imunidade adaptativa como as forças especiais, altamente treinadas e 
especializadas em lidar com ameaças específicas. Essa resposta 
adaptativa é orquestrada pelos linfócitos, as células T e B, cada um com 
um papel distinto, mas complementar. Os linfócitos B são os produtores 
de anticorpos, moléculas altamente específicas que se ligam a 
antígenos, os "alvos" reconhecidos pelo sistema imune, neutralizando 
patógenos, opsonizando-os para fagocitose ou ativando o sistema 
complemento. Existem diferentes classes de anticorpos (IgG, IgM, IgA, 
IgE, IgD), cada uma com funções e localizações distintas no organismo. 
Já os linfócitos T atuam de forma mais diversificada. Os linfócitos T 
auxiliares (Th), também conhecidos como células CD4+, coordenam a 
resposta imune, auxiliando tanto a imunidade inata quanto a 
adaptativa, liberando citocinas que modulam a atividade de outras 
células imunes. Dentro dos linfócitos Th, existem subpopulações 
especializadas, como Th1, Th2, Th17 e Tregs, cada uma com um perfil de 
citocinas e funções distintas, e que desempenham papéis importantes 
tanto na proteção quanto na patogenia das doenças imunomediadas. 
Os linfócitos T citotóxicos (Tc), também chamados de células CD8+, são 
os "assassinos" do sistema imune, capazes de reconhecer e destruir 
células infectadas por vírus, células tumorais ou, no contexto das 
doenças imunomediadas, células do próprio organismo que são 
erroneamente identificadas como alvo. A ativação dos linfócitos T e B é 
um processo complexo, que requer o reconhecimento de antígenos 
apresentados por células apresentadoras de antígenos (APCs), como as 
células dendríticas, no contexto das moléculas do MHC. É essa 
interação, como uma "chave" imunológica se encaixando em uma 
"fechadura", que desencadeia a resposta adaptativa.
Um dos pilares da imunologia, e um conceito crucial para entendermos 
as doenças imunomediadas, é a tolerância imunológica. Como o 
sistema imunológico, com sua capacidade de reconhecer e atacar o 
"não próprio", evita atacar o "próprio"? A resposta reside em uma série 
de mecanismos sofisticados que induzem e mantêm a tolerância aos 
autoantígenos, ou seja, aos componentes do próprio organismo. A 
tolerância central ocorre nos órgãos linfoides primários, o timo (para 
linfócitos T) e a medula óssea (para linfócitos B), onde linfócitos 
imaturos que reconhecem fortemente autoantígenos são eliminados 
por deleção clonal ou desviados para se tornarem células T reguladoras 
(Tregs). A tolerância periférica, por sua vez, atua nos tecidos periféricos, 
complementando a tolerância central e lidando com linfócitos 
autorreativos que escapam da seleção tímica. Mecanismos de tolerância 
periférica incluem a anergia (inativação funcional de linfócitos 
autorreativos), a supressão ativa por Tregs, a ignorânciaintensa e sintomas sistêmicos como 
calafrios, febre e desidratação, e que pode ser potencialmente fatal.
A artrite psoriásica ocorre em até 30% dos pacientes com psoríase 
cutânea, e se manifesta com dor, rigidez e inchaço nas articulações. A 
artrite psoriásica pode afetar qualquer articulação do corpo, mas é mais 
comum o envolvimento das pequenas articulações das mãos e dos pés, 
das articulações interfalangeanas distais (IFDs), das articulações axiais 
(coluna vertebral e sacroilíacas) e da êntese (entesite, inflamação dos 
locais de inserção dos tendões e ligamentos nos ossos). A artrite 
psoriásica pode apresentar diferentes padrões de envolvimento 
articular, incluindo oligoartrite (poucas articulações afetadas), poliartrite 
(muitas articulações afetadas), artrite interfalangeana distal 
predominante, espondilite psoriásica (envolvimento axial) e artrite 
mutilante (forma grave e destrutiva da artrite psoriásica). A rigidez 
matinal é um sintoma comum na artrite psoriásica, e a dor articular 
geralmente melhora com o movimento e piora com o repouso. A artrite 
psoriásica pode causar dano articular progressivo e incapacidade 
funcional se não for tratada adequadamente.
O diagnóstico da psoríase é baseado principalmente na avaliação 
clínica, na aparência característica das lesões cutâneas e, em alguns 
casos, na história familiar e nos fatores de risco. A anamnese detalhada, 
incluindo a descrição dos sintomas, o tempo de evolução, os fatores 
desencadeantes ou exacerbações, o histórico familiar de psoríase e a 
avaliação das comorbidades, é o ponto de partida para o diagnóstico. O 
exame físico da pele, das unhas e das articulações é fundamental para 
identificar as lesões características da psoríase e da artrite psoriásica. 
Na maioria dos casos, o diagnóstico da psoríase cutânea é clínico, 
baseado na aparência típica das placas psoriásicas. A biópsia de pele 
pode ser realizada em casos duvidosos ou para confirmar o diagnóstico 
em formas atípicas de psoríase. Não existem exames laboratoriais 
específicos para o diagnóstico da psoríase cutânea. No entanto, em 
pacientes com suspeita de artrite psoriásica, os exames de imagem, 
como radiografias, ultrassonografias e ressonância magnética das 
articulações, podem ser úteis para avaliar o dano articular e a 
inflamação sinovial. Os critérios de classificação CASPAR (Classification 
Criteria for Psoriatic Arthritis) são utilizados para auxiliar no diagnóstico 
da artrite psoriásica, combinando critérios clínicos, radiológicos e 
laboratoriais. O diagnóstico diferencial da psoríase cutânea inclui outras 
doenças de pele escamosas e eritematosas, como o eczema, a 
dermatite seborreica, a pitiríase rósea, a líquen plano e as micoses 
cutâneas. O diagnóstico diferencial da artrite psoriásica inclui outras 
formas de artrite inflamatória, como a artrite reumatoide, a espondilite 
anquilosante e a osteoartrite. A combinação da avaliação clínica, do 
exame físico e, em alguns casos, dos exames complementares, permite 
ao médico estabelecer o diagnóstico preciso de psoríase e artrite 
psoriásica, orientando o tratamento adequado.
O tratamento da psoríase visa controlar as lesões cutâneas, aliviar os 
sintomas, controlar a artrite psoriásica, melhorar a qualidade de vida 
dos pacientes e prevenir comorbidades. O tratamento da psoríase é 
individualizado e adaptado à gravidade da doença, à extensão das 
lesões cutâneas, ao envolvimento articular, às comorbidades, às 
preferências do paciente e à resposta ao tratamento. A abordagem 
terapêutica é escalonada, iniciando com terapias mais leves e tópicas 
para formas leves a moderadas da doença, e progredindo para terapias 
sistêmicas e biológicas para formas mais graves ou refratárias. O 
tratamento tópico é a primeira linha para a psoríase leve a moderada, e 
inclui corticosteroides tópicos, análogos da vitamina D tópicos (como o 
calcipotriol e o calcitriol), retinoides tópicos (como o tazaroteno), 
inibidores da calcineurina tópicos (como o tacrolimus e o pimecrolimus) 
e preparações de alcatrão. Os corticosteroides tópicos são potentes 
anti-inflamatórios e são eficazes para reduzir a inflamação e a 
descamação das lesões psoriásicas, mas o uso prolongado pode causar 
efeitos colaterais locais, como atrofia cutânea, estrias e telangiectasias. 
Os análogos da vitamina D tópicos atuam regulando a proliferação e a 
diferenciação dos queratinócitos, e são eficazes para reduzir a 
espessura das placas psoriásicas e a descamação, com menor risco de 
efeitos colaterais a longo prazo. Os retinoides tópicos atuam 
normalizando a diferenciação dos queratinócitos e reduzindo a 
inflamação, mas podem causar irritação cutânea e fotossensibilidade. 
Os inibidores da calcineurina tópicos são imunomoduladores que 
reduzem a inflamação, e são úteis para o tratamento da psoríase 
invertida e da psoríase facial, com menor risco de atrofia cutânea do 
que os corticosteroides tópicos. A fototerapia, utilizando radiação 
ultravioleta B (UVB) de banda estreita ou psoraleno associado à 
radiação ultravioleta A (PUVA), é uma opção de tratamento para a 
psoríase moderada a grave, e atua modulando a resposta imune na 
pele e reduzindo a proliferação de queratinócitos. O tratamento 
sistêmico é indicado para a psoríase moderada a grave, para a artrite 
psoriásica e para a psoríase que não responde adequadamente ao 
tratamento tópico e à fototerapia. Os medicamentos sistêmicos 
convencionais incluem o metotrexato, a ciclosporina, o acitretino 
(retinoide sistêmico) e a apremilaste (inibidor da fosfodiesterase-4). O 
metotrexato e a ciclosporina são imunossupressores que reduzem a 
inflamação na psoríase e na artrite psoriásica, mas podem ter efeitos 
colaterais significativos, exigindo monitoramento regular. O acitretino é 
um retinoide sistêmico que atua normalizando a diferenciação dos 
queratinócitos, mas não é eficaz para a artrite psoriásica e é 
teratogênico (contraindicado em mulheres grávidas ou que planejam 
engravidar). A apremilaste é um medicamento oral que inibe a 
fosfodiesterase-4, reduzindo a produção de citocinas inflamatórias, e é 
eficaz para a psoríase e a artrite psoriásica, com um perfil de segurança 
relativamente favorável. As terapias biológicas revolucionaram o 
tratamento da psoríase e da artrite psoriásica, proporcionando um 
controle mais eficaz da doença em muitos pacientes que não 
respondem adequadamente aos medicamentos convencionais. Os 
inibidores do TNF-alfa (adalimumabe, etanercepte, infliximabe, 
certolizumabe pegol, golimumabe) são anticorpos monoclonais que 
bloqueiam a ação do TNF-α, uma citocina chave na patogenia da 
psoríase e da artrite psoriásica, e são altamente eficazes para tratar 
ambas as manifestações da doença. Os inibidores da interleucina-17 
(secuquinumabe, ixequizumabe, brodalumabe) são anticorpos 
monoclonais que bloqueiam a ação da IL-17 ou do receptor da IL-17, 
citocinas cruciais na patogenia da psoríase, e são altamente eficazes 
para tratar a psoríase cutânea e a artrite psoriásica. Os inibidores da 
interleucina-12/23 (ustequinumabe) e inibidores da interleucina-23 
(guselcumabe, risanquizumabe, tildrakizumabe) são anticorpos 
monoclonais que bloqueiam a ação da IL-12 e/ou da IL-23, citocinas 
importantes na patogenia da psoríase, e são altamente eficazes para 
tratar a psoríase cutânea e a artrite psoriásica. Os inibidores de 
linfócitos T (abatacepte) e os inibidores de JAK (tofacitinibe) também são 
utilizados no tratamento da artrite psoriásica. A escolha da terapia 
biológica mais adequada para cada paciente deve ser individualizada, 
considerando a gravidade da doença, as comorbidades, as preferências 
do paciente e o perfil de risco-benefício de cada medicamento.
Além do tratamento farmacológico, as medidas de suporte e o cuidado 
com a pele são importantes no manejo da psoríase. A hidratação da 
pele com emolientes e hidratantes é fundamental para aliviar o 
ressecamento e a coceira, e para melhorar a função da barreira 
cutânea. A exposiçãosolar controlada pode ser benéfica para alguns 
pacientes com psoríase, mas a proteção solar é essencial para prevenir 
queimaduras solares e o risco de câncer de pele. O controle do estresse, 
a cessação do tabagismo e a redução do consumo de álcool podem 
ajudar a melhorar o curso clínico da psoríase. O suporte psicológico e 
social é importante para ajudar os pacientes a lidar com o impacto 
emocional e social da psoríase, que pode ser significativo, 
especialmente em casos de doença visível e debilitante. O tratamento 
da psoríase é um manejo contínuo e multidisciplinar, que requer 
acompanhamento médico regular, monitoramento da atividade da 
doença, ajuste do tratamento conforme necessário e adesão ao 
tratamento por toda a vida. O objetivo do tratamento é alcançar e 
manter o controle das lesões cutâneas e articulares, aliviar os sintomas, 
melhorar a qualidade de vida dos pacientes e minimizar o risco de 
comorbidades, permitindo que vivam a vida da forma mais plena 
possível, apesar da presença dessa doença inflamatória crônica 
imunomediada. 
Tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves
A tireoidite de Hashimoto e a doença de Graves são as duas formas 
mais comuns de doenças autoimunes da tireoide, e representam um 
espectro de desregulação imunológica que afeta a glândula tireoide, um 
órgão endócrino crucial para a produção de hormônios tireoidianos, 
que regulam o metabolismo, o crescimento, o desenvolvimento e 
diversas funções corporais. A tireoidite de Hashimoto (TH), também 
conhecida como tireoidite linfocítica crônica ou bócio de Hashimoto, é a 
causa mais comum de hipotireoidismo (deficiência de hormônios 
tireoidianos) em regiões com suficiência de iodo. Na TH, o sistema 
imunológico ataca e destrói gradualmente as células da tireoide, 
levando à redução da produção de hormônios tireoidianos e ao 
hipotireoidismo. A doença de Graves (DG), por outro lado, é a causa 
mais comum de hipertireoidismo (excesso de hormônios tireoidianos). 
Na DG, o sistema imunológico produz autoanticorpos que estimulam o 
receptor do hormônio tireoestimulante (TSH) nas células da tireoide, 
levando à superprodução de hormônios tireoidianos e ao 
hipertireoidismo. Embora a TH e a DG sejam doenças distintas, elas 
compartilham mecanismos autoimunes subjacentes e podem coexistir 
em alguns pacientes, ou mesmo evoluir de uma para a outra ao longo 
do tempo. Ambas as condições são mais comuns em mulheres do que 
em homens, e têm uma forte predisposição genética, embora fatores 
ambientais também desempenhem um papel no desencadeamento e 
na modulação da resposta autoimune tireoidiana.
A história das doenças autoimunes da tireoide é uma jornada de 
descobertas graduais, desde descrições clínicas iniciais até a 
compreensão moderna de sua natureza imunomediada. A tireoidite de 
Hashimoto foi descrita pela primeira vez em 1912 pelo médico japonês 
Hakaru Hashimoto, que publicou um artigo detalhando as 
características histopatológicas de um "bócio linfomatoso", 
caracterizado pela infiltração linfocítica da glândula tireoide. 
Inicialmente, a tireoidite de Hashimoto foi considerada uma condição 
rara, mas ao longo do século XX, com o desenvolvimento de testes para 
medir os hormônios tireoidianos e os autoanticorpos tireoidianos, 
tornou-se claro que a TH é uma doença comum e a principal causa de 
hipotireoidismo. A doença de Graves recebeu o nome do médico 
irlandês Robert Graves, que descreveu em 1835 uma síndrome 
caracterizada por bócio, exoftalmia (protrusão dos olhos), palpitações e 
tremor, que hoje reconhecemos como as manifestações clássicas do 
hipertireoidismo na DG. No entanto, a natureza autoimune da DG só foi 
elucidada muito mais tarde, com a descoberta dos anticorpos 
estimuladores da tireoide (TSH receptor antibodies, TRAb) na década de 
1950.
Ao longo do século XX e início do século XXI, a pesquisa sobre as 
doenças autoimunes da tireoide avançou significativamente, 
impulsionada pelos progressos da endocrinologia, da imunologia e da 
genética. A compreensão de que a TH e a DG são doenças autoimunes, 
resultantes de uma resposta imune desregulada contra a glândula 
tireoide, emergiu gradualmente a partir de estudos clínicos, 
laboratoriais e epidemiológicos. A identificação de autoanticorpos 
específicos contra antígenos tireoidianos, como os anticorpos anti-
tireoperoxidase (anti-TPO), os anticorpos anti-tireoglobulina (anti-Tg) e 
os anticorpos estimuladores do receptor de TSH (TRAb), forneceu 
evidências diretas da natureza autoimune dessas doenças e se tornou 
uma ferramenta diagnóstica fundamental. Os estudos genéticos 
revelaram a forte associação da TH e da DG com genes do sistema HLA, 
em particular os alelos HLA-DR3 e HLA-DR5, e identificaram outros 
genes de suscetibilidade relacionados à função imunológica, à resposta 
inflamatória e à função tireoidiana. A pesquisa imunológica desvendou 
os intrincados mecanismos imunopatogênicos envolvidos na tireoidite 
de Hashimoto e na doença de Graves, revelando o papel central dos 
linfócitos T e B autorreativos, das citocinas pró-inflamatórias e dos 
autoanticorpos na patogenia dessas doenças. Esses avanços na 
compreensão da patogenia das doenças autoimunes da tireoide 
abriram caminho para o desenvolvimento de terapias mais direcionadas 
e eficazes, visando modular a resposta imune desregulada na tireoide e 
restaurar a função tireoidiana normal.
Na tireoidite de Hashimoto, a patogenia é dominada por uma resposta 
autoimune destrutiva, que leva à destruição progressiva das células 
tireoidianas (tireócitos) e, consequentemente, ao hipotireoidismo. O 
evento central é a perda da tolerância imunológica aos autoantígenos 
tireoidianos, principalmente a tireoperoxidase (TPO), a tireoglobulina 
(Tg) e o receptor de TSH (TSHR), embora em menor grau em 
comparação com a doença de Graves. Em indivíduos geneticamente 
suscetíveis, e sob a influência de fatores ambientais, essa tolerância se 
rompe, e o sistema imunológico começa a reconhecer esses antígenos 
tireoidianos como "estranhos" e perigosos, desencadeando uma 
resposta autoimune citotóxica e inflamatória. A predisposição genética, 
como em outras doenças autoimunes, é um fator crucial, com genes 
HLA e não-HLA contribuindo para a suscetibilidade à TH. Fatores 
ambientais, como o excesso de iodo, infecções (particularmente virais), 
o selênio e o tabagismo, têm sido implicados como moduladores do 
risco de TH, embora seus papéis precisos ainda estejam sendo 
investigados.
Os linfócitos T autorreativos desempenham um papel fundamental na 
patogenia da tireoidite de Hashimoto. Tanto os linfócitos T auxiliares 
(Th) quanto os linfócitos T citotóxicos (Tc) estão envolvidos na resposta 
autoimune destrutiva. As células Th1 são proeminentes na TH, e liberam 
interferon-gama (IFN-γ) e fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), citocinas 
pró-inflamatórias que ativam macrófagos e outras células imunes, e 
promovem a inflamação na tireoide. As células Th17, embora menos 
proeminentes que na doença de Graves, também podem contribuir 
para a inflamação tireoidiana na TH. Os linfócitos T CD8+ citotóxicos são 
considerados os principais efetores da destruição das células 
tireoidianas na TH. Eles reconhecem antígenos tireoidianos 
apresentados pelas moléculas HLA de classe I nas próprias células 
tireoidianas, e as destroem diretamente por mecanismos citotóxicos, 
como a liberação de perforina e granzimas, ou pela indução de 
apoptose mediada por Fas-FasL. As células T reguladoras (Tregs), que 
normalmente suprimem a autoimunidade, parecem ter sua função 
prejudicada ou estar em número reduzido na TH, contribuindo para a 
falta de controle da resposta autoimune e a progressão da destruição 
tireoidiana.
Os linfócitos B também desempenham um papel na patogenia da 
tireoidite de Hashimoto, principalmente através da produção de 
autoanticorpos contra antígenos tireoidianos, como os anticorpos anti-
tireoperoxidase (anti-TPO) e os anticorpos anti-tireoglobulina (anti-Tg). 
Esses autoanticorpossão marcadores diagnósticos importantes da TH, e 
estão presentes na maioria dos pacientes com a doença. Embora o 
papel patogênico direto desses autoanticorpos na destruição das 
células tireoidianas ainda não esteja totalmente esclarecido, eles podem 
contribuir para a patogenia por mecanismos como a citotoxicidade 
celular dependente de anticorpos (ADCC), a ativação do sistema 
complemento e a opsonização das células tireoidianas para fagocitose. 
Além disso, os linfócitos B podem desempenhar um papel na 
apresentação de antígenos e na produção de citocinas no contexto da 
TH.
O processo patológico na tireoide na TH é caracterizado pela infiltração 
linfocítica difusa da glândula tireoide, com formação de centros 
germinativos (agregados de linfócitos B) e destruição progressiva dos 
folículos tireoidianos, as unidades funcionais da tireoide responsáveis 
pela produção de hormônios tireoidianos. As células tireoidianas 
remanescentes podem apresentar alterações morfológicas, como as 
células de Hürthle (células tireoidianas grandes e eosinofílicas). A 
inflamação crônica e a destruição das células tireoidianas levam à 
fibrose e à redução do tamanho da glândula tireoide ao longo do 
tempo, embora em algumas fases iniciais da doença, a tireoide possa 
estar aumentada (bócio). A destruição progressiva das células 
tireoidianas resulta em diminuição da produção de hormônios 
tireoidianos (T4 e T3), levando ao hipotireoidismo, com sintomas como 
fadiga, ganho de peso, intolerância ao frio, pele seca, constipação, 
bradicardia e outros.
Na doença de Graves, em contraste com a tireoidite de Hashimoto, a 
patogenia é dominada por uma resposta autoimune estimuladora, que 
leva à superestimulação das células tireoidianas e, consequentemente, 
ao hipertireoidismo. O autoanticorpo chave na DG é o anticorpo 
estimulador do receptor de TSH (TRAb), também conhecido como 
anticorpo anti-receptor de TSH (TSHR-Ab) ou imunoglobulina 
estimuladora da tireoide (TSI). O TRAb é um autoanticorpo da classe IgG 
que se liga ao receptor de TSH (TSHR) nas células tireoidianas e 
mimetiza a ação do TSH, o hormônio hipofisário que normalmente 
estimula a tireoide a produzir hormônios tireoidianos. Ao se ligar ao 
TSHR, o TRAb ativa o receptor e estimula a tireoide a produzir e liberar 
hormônios tireoidianos em excesso, levando ao hipertireoidismo, com 
sintomas como taquicardia, palpitações, ansiedade, insônia, perda de 
peso, intolerância ao calor, sudorese excessiva, tremor e outros. A 
produção de TRAb é o evento central na patogenia da doença de 
Graves, e a presença de TRAb é um marcador diagnóstico fundamental 
da DG.
Embora a produção de TRAb seja o principal mecanismo patogênico na 
doença de Graves, outros mecanismos imunológicos também 
contribuem para a patogenia da DG. Os linfócitos T auxiliares (Th), 
especialmente as subpopulações Th1 e Th2, desempenham um papel 
na regulação da produção de TRAb pelos linfócitos B e na inflamação 
tireoidiana na DG. As células Th2 podem auxiliar os linfócitos B na 
produção de TRAb, enquanto as células Th1 podem contribuir para a 
inflamação e a infiltração linfocítica da tireoide na DG. As células T 
reguladoras (Tregs) podem estar disfuncionais ou em número reduzido 
na DG, contribuindo para a falta de controle da resposta autoimune 
estimuladora.
O processo patológico na tireoide na DG é caracterizado pela 
hiperplasia e hipertrofia das células tireoidianas, com aumento do 
tamanho da glândula tireoide (bócio difuso) e aumento da 
vascularização da tireoide. A tireoide na DG é infiltrada por linfócitos T e 
B, mas em menor grau do que na tireoidite de Hashimoto, e a 
destruição dos folículos tireoidianos não é uma característica 
proeminente da DG, a menos que a doença evolua para uma fase de 
hipotireoidismo (tireoidite de Hashimoto coexistente ou "Graves' gone 
bad"). A superestimulação das células tireoidianas pelo TRAb leva ao 
aumento da produção e liberação de hormônios tireoidianos (T4 e T3), 
resultando no hipertireoidismo e suas manifestações clínicas. Além do 
hipertireoidismo, a doença de Graves pode apresentar outras 
manifestações extra-tireoidianas, como a oftalmopatia de Graves, uma 
condição inflamatória autoimune dos tecidos moles orbitários e dos 
músculos extraoculares, e a dermopatia de Graves (mixedema pré-
tibial), uma infiltração inflamatória da pele na região pré-tibial, embora 
menos comuns que o hipertireoidismo.
Os sintomas da tireoidite de Hashimoto e da doença de Graves refletem 
os dois extremos da disfunção tireoidiana: o hipotireoidismo na TH e o 
hipertireoidismo na DG. Na tireoidite de Hashimoto, os sintomas são 
predominantemente aqueles associados ao hipotireoidismo, resultantes 
da deficiência de hormônios tireoidianos. A fadiga é um sintoma 
extremamente comum e debilitante no hipotireoidismo, uma sensação 
de cansaço constante e falta de energia que permeia todas as atividades 
da vida diária. O ganho de peso inexplicado, apesar de não haver 
aumento na ingestão alimentar, é outro sintoma característico, devido à 
redução do metabolismo basal. A intolerância ao frio, a sensação de frio 
constante mesmo em ambientes quentes, e a pele seca e áspera são 
também queixas frequentes. A constipação intestinal, a lentidão do 
trânsito intestinal, e a bradicardia, a diminuição da frequência cardíaca, 
refletem a desaceleração das funções corporais no hipotireoidismo. O 
cabelo seco e quebradiço, a queda de cabelo, o inchaço facial e das 
extremidades (mixedema) e a rouquidão também podem ocorrer. A 
dificuldade de concentração, a lentidão mental, a depressão e a 
irritabilidade são sintomas neuropsiquiátricos comuns no 
hipotireoidismo. As mulheres com hipotireoidismo podem apresentar 
irregularidades menstruais, como menorragia (sangramento menstrual 
excessivo) ou amenorreia (ausência de menstruação), e dificuldade para 
engravidar. Em casos mais graves e não tratados, o hipotireoidismo 
pode levar ao coma mixedematoso, uma emergência médica com 
hipotermia, bradicardia grave, hipotensão, hipoventilação e 
rebaixamento do nível de consciência.
Na doença de Graves, os sintomas são predominantemente aqueles 
associados ao hipertireoidismo, resultantes do excesso de hormônios 
tireoidianos. A taquicardia, o aumento da frequência cardíaca, as 
palpitações, a sensação de coração acelerado ou batendo 
irregularmente, e a ansiedade são sintomas cardiovasculares e 
neuropsiquiátricos proeminentes no hipertireoidismo, refletindo a 
hiperestimulação do sistema nervoso simpático. A perda de peso não 
intencional, apesar do aumento do apetite, é outro sintoma 
característico, devido ao aumento do metabolismo basal e ao 
catabolismo. A intolerância ao calor, a sensação de calor excessivo e 
desconforto em ambientes quentes, e a sudorese excessiva são 
também queixas frequentes. O tremor, especialmente nas mãos, a 
nervosismo, a irritabilidade, a insônia e a dificuldade de concentração 
são sintomas neurológicos comuns no hipertireoidismo. A diarreia ou 
aumento da frequência de evacuações, a fraqueza muscular, 
especialmente proximal (dificuldade para levantar os braços acima da 
cabeça ou subir escadas), e a fadiga paradoxal, apesar da aceleração 
metabólica, também podem ocorrer. As mulheres com hipertireoidismo 
podem apresentar oligomenorreia (menstruações escassas) ou 
amenorreia. A oftalmopatia de Graves, o envolvimento ocular 
autoimune específico da DG, manifesta-se com sintomas como 
proptose (protrusão dos olhos), retração palpebral, olhos arregalados, 
visão dupla, dor ocular, sensação de areia nos olhos, lacrimejamento 
excessivo e, em casos graves, compressão do nervo óptico com risco de 
perda visual. A dermopatia de Graves (mixedema pré-tibial), uma 
infiltração inflamatória da pele na região pré-tibial, manifesta-se com 
placas espessas, avermelhadas e elevadas na pele da região anterior 
das pernas, embora seja menos comum que a oftalmopatia. Em casos 
graves e não tratados, o hipertireoidismo pode levar à tempestadetireotóxica, uma emergência médica com febre alta, taquicardia 
extrema, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca, agitação, confusão 
mental, convulsões e coma, com risco de morte.
O diagnóstico da tireoidite de Hashimoto e da doença de Graves é 
baseado na combinação da avaliação clínica, dos exames laboratoriais 
de função tireoidiana e dos testes de autoanticorpos tireoidianos. A 
história clínica detalhada, incluindo a descrição dos sintomas, o tempo 
de evolução, o histórico familiar de doenças tireoidianas e a avaliação 
dos fatores de risco, é o ponto de partida para o diagnóstico. O exame 
físico pode revelar sinais de hipotireoidismo ou hipertireoidismo, bócio 
(aumento do volume da tireoide), nódulos tireoidianos, oftalmopatia de 
Graves e dermopatia de Graves. Os exames laboratoriais de função 
tireoidiana são essenciais para confirmar o diagnóstico e avaliar a 
gravidade da disfunção tireoidiana. O hormônio tireoestimulante (TSH) 
é o exame inicial mais importante, sendo elevado no hipotireoidismo 
primário (TH) e suprimido ou indetectável no hipertireoidismo (DG). A 
tiroxina livre (T4 livre) e a triiodotironina livre (T3 livre) são os hormônios 
tireoidianos propriamente ditos, e seus níveis estão diminuídos no 
hipotireoidismo e elevados no hipertireoidismo. Os testes de 
autoanticorpos tireoidianos são fundamentais para confirmar a 
natureza autoimune da TH e da DG. A pesquisa de anticorpos anti-
tireoperoxidase (anti-TPO) e anticorpos anti-tireoglobulina (anti-Tg) é 
utilizada para diagnosticar a tireoidite de Hashimoto, sendo que a 
presença de um ou ambos esses autoanticorpos, em um paciente com 
hipotireoidismo ou mesmo eutireoidismo (função tireoidiana normal), 
sugere fortemente o diagnóstico de TH. A pesquisa de anticorpos 
estimuladores do receptor de TSH (TRAb) é utilizada para diagnosticar a 
doença de Graves, sendo que a presença de TRAb é altamente 
específica para a DG e confirma o diagnóstico de hipertireoidismo 
autoimune. A cintilografia da tireoide com iodo radioativo pode ser 
utilizada em alguns casos de hipertireoidismo para diferenciar a doença 
de Graves de outras causas de tireotoxicose (excesso de hormônios 
tireoidianos), como a tireoidite subaguda ou o bócio multinodular 
tóxico. Na doença de Graves, a cintilografia tipicamente mostra uma 
captação difusa e aumentada do radioiodo pela tireoide. A 
ultrassonografia da tireoide pode ser útil para avaliar o tamanho e a 
estrutura da tireoide, detectar nódulos tireoidianos e avaliar a 
vascularização da glândula, mas não é diagnóstica para TH ou DG. O 
diagnóstico diferencial da tireoidite de Hashimoto e da doença de 
Graves inclui outras causas de hipotireoidismo (hipotireoidismo 
primário não autoimune, hipotireoidismo secundário ou terciário) e 
hipertireoidismo (bócio multinodular tóxico, adenoma tóxico, tireoidite 
subaguda, tireotoxicose induzida por iodo ou amiodarona, tireotoxicose 
factícia). A combinação da avaliação clínica, dos exames laboratoriais de 
função tireoidiana e dos testes de autoanticorpos tireoidianos permite 
ao médico estabelecer o diagnóstico preciso de tireoidite de Hashimoto 
e doença de Graves, orientando o tratamento adequado.
O tratamento da tireoidite de Hashimoto e da doença de Graves visa 
restaurar a função tireoidiana normal, aliviar os sintomas e prevenir 
complicações. O tratamento da tireoidite de Hashimoto é centrado na 
reposição de hormônio tireoidiano, com a administração de levotiroxina 
(T4 sintético) por via oral, em dose individualizada para cada paciente, 
com o objetivo de normalizar os níveis de TSH e T4 livre e aliviar os 
sintomas do hipotireoidismo. A levotiroxina é um medicamento seguro 
e eficaz, e a terapia de reposição hormonal tireoidiano é vitalícia na 
maioria dos casos de TH. O monitoramento regular da função 
tireoidiana (TSH e T4 livre) é essencial para ajustar a dose de 
levotiroxina e garantir um controle adequado do hipotireoidismo. O 
tratamento da doença de Graves visa reduzir a produção excessiva de 
hormônios tireoidianos e controlar os sintomas do hipertireoidismo. 
Existem três modalidades principais de tratamento para a DG: 
medicamentos antitireoidianos, iodo radioativo e tireoidectomia. Os 
medicamentos antitireoidianos (tionamidas), como o metimazol e o 
propiltiouracil (PTU), são medicamentos orais que inibem a produção de 
hormônios tireoidianos pela tireoide, sendo a primeira linha de 
tratamento para a DG em muitos pacientes, especialmente em crianças, 
adolescentes, gestantes e em casos de hipertireoidismo leve a 
moderado. O tratamento com tionamidas geralmente é prolongado (12-
18 meses ou mais), e em alguns casos, pode levar à remissão da 
doença, embora a recidiva do hipertireoidismo seja comum após a 
suspensão do medicamento. O iodo radioativo (I-131) é uma terapia 
ablativa, em que o iodo radioativo é administrado por via oral e se 
concentra na tireoide, destruindo as células tireoidianas e reduzindo a 
produção de hormônios tireoidianos. O iodo radioativo é uma opção de 
tratamento eficaz para a DG, especialmente em adultos com 
hipertireoidismo persistente ou recidivante, e geralmente leva ao 
hipotireoidismo permanente, necessitando de reposição hormonal 
tireoidiano com levotiroxina. A tireoidectomia, a remoção cirúrgica da 
glândula tireoide, é uma opção de tratamento definitivo para a DG, 
indicada em casos de bócio volumoso, oftalmopatia grave, 
contraindicação ou intolerância aos medicamentos antitireoidianos ou 
iodo radioativo, ou preferência do paciente. A tireoidectomia 
geralmente leva ao hipotireoidismo permanente, necessitando de 
reposição hormonal tireoidiano com levotiroxina. O tratamento da 
oftalmopatia de Graves pode incluir corticosteroides, radioterapia 
orbitária, cirurgia descompressiva orbitária e teprotumumabe (um 
anticorpo monoclonal anti-receptor de IGF-1). O tratamento da 
dermopatia de Graves geralmente é conservador, com corticosteroides 
tópicos e meias de compressão. O tratamento das doenças autoimunes 
da tireoide é individualizado, adaptado à forma clínica da doença (TH ou 
DG), à gravidade da disfunção tireoidiana, às comorbidades, às 
preferências do paciente e à resposta ao tratamento. O monitoramento 
regular da função tireoidiana e dos sintomas é essencial para ajustar o 
tratamento e garantir um controle adequado da doença, permitindo 
que os pacientes vivam a vida da forma mais plena possível, apesar da 
presença dessas doenças tireoidianas autoimunes crônicas e 
desafiadoras. 
Miastenia gravis
A miastenia gravis (MG), que em latim significa "fraqueza muscular 
grave", é uma doença neuromuscular autoimune crônica caracterizada 
por fraqueza muscular flutuante e fatigabilidade fácil dos músculos 
esqueléticos voluntários. A fraqueza muscular na MG piora com a 
atividade repetida e melhora com o repouso, um padrão clínico 
característico da doença. A MG afeta a junção neuromuscular, a sinapse 
entre o nervo motor e o músculo, onde ocorre a transmissão do 
impulso nervoso para a contração muscular. Na MG, o sistema 
imunológico produz autoanticorpos que atacam os receptores de 
acetilcolina (AChR) na membrana pós-sináptica da junção 
neuromuscular, reduzindo o número de AChRs disponíveis e 
prejudicando a transmissão neuromuscular. Essa deficiência na 
transmissão neuromuscular leva à fraqueza muscular e à fatigabilidade, 
que podem afetar diversos grupos musculares, incluindo os músculos 
oculares (causando ptose palpebral e diplopia), os músculos bulbares 
(envolvidos na fala, mastigação e deglutição), os músculos faciais, os 
músculos cervicais, os músculos dos membros e os músculos 
respiratórios. A MG é uma doença rara, mas não incomum, afetando 
pessoas de todas as idades, embora seja mais frequente o início em 
mulheres jovens (antes dos 40 anos) e em homens idosos (após os 60 
anos). A MG não é contagiosa, e sua causa é multifatorial, envolvendo 
uma complexa interação de predisposição genética, fatores ambientais 
e uma resposta autoimune desregulada.A história da miastenia gravis é uma narrativa de reconhecimento 
gradual, desde descrições clínicas iniciais até a compreensão moderna 
de sua natureza autoimune e neuromuscular. Embora relatos de casos 
retrospectivos sugiram que a MG pode ter existido por séculos, as 
primeiras descrições clínicas mais claras da doença surgiram no século 
XVII e XIX. O médico inglês Thomas Willis, em 1672, descreveu um caso 
de uma mulher com fraqueza muscular flutuante e fatigabilidade, que 
hoje é considerado um dos primeiros relatos de MG na literatura 
médica. No século XIX, o médico alemão Wilhelm Heinrich Erb, em 1879, 
e o neurologista britânico Samuel Goldflam, em 1893, descreveram 
detalhadamente as características clínicas da MG, incluindo a fraqueza 
muscular flutuante, a fatigabilidade, o envolvimento dos músculos 
oculares e bulbares, e a ausência de atrofia muscular ou alterações 
sensoriais. Erb denominou a doença de Myasthenia gravis 
pseudoparalytica, em alemão, que se traduziu para miastenia gravis, em 
referência à fraqueza muscular grave e à semelhança com a paralisia, 
embora não houvesse paralisia verdadeira.
Ao longo do século XX, a compreensão da miastenia gravis avançou 
significativamente, impulsionada pelos progressos da neurofisiologia, 
da farmacologia e da imunologia. A descoberta de que a MG era 
causada por um defeito na transmissão neuromuscular, e não por uma 
doença primária dos músculos ou dos nervos, foi um marco crucial. A 
observação de que a fisostigmina, um inibidor da acetilcolinesterase (a 
enzima que degrada a acetilcolina), melhorava a força muscular em 
pacientes com MG, forneceu evidências farmacológicas de um defeito 
na neurotransmissão colinérgica na junção neuromuscular. Na década 
de 1970, a descoberta dos autoanticorpos contra o receptor de 
acetilcolina (AChR) no soro de pacientes com MG, por Patrick e 
Lindstrom, revolucionou a compreensão da patogenia da doença e 
consolidou o conceito de que a MG é uma doença autoimune 
prototípica, mediada por autoanticorpos. Os avanços na imunologia 
molecular e celular, a partir da segunda metade do século XX, 
permitiram desvendar os intrincados mecanismos imunológicos 
envolvidos na MG, revelando o papel central dos linfócitos B, dos 
linfócitos T, do timo e de outros componentes do sistema imune na 
patogenia da doença. Esses avanços também abriram caminho para o 
desenvolvimento de terapias mais direcionadas e eficazes para a MG, 
incluindo imunossupressores, imunoglobulina intravenosa (IVIg), 
plasmaférese e terapias biológicas, melhorando significativamente o 
prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes.
A patogenia da miastenia gravis é primariamente mediada por 
autoanticorpos dirigidos contra componentes da junção neuromuscular, 
sendo o principal alvo o receptor de acetilcolina (AChR). Em mais de 85% 
dos pacientes com MG generalizada, autoanticorpos contra o AChR são 
detectáveis no soro, e esses autoanticorpos são considerados os 
principais agentes patogênicos da doença. A produção desses 
autoanticorpos é o resultado de uma perda da tolerância imunológica 
aos autoantígenos da junção neuromuscular, e envolve uma complexa 
interação de predisposição genética, fatores ambientais e eventos 
imunológicos desregulados. A predisposição genética, embora menos 
proeminente do que em outras doenças autoimunes sistêmicas, 
desempenha um papel na suscetibilidade à MG. Genes do sistema HLA, 
em particular os alelos HLA-DR3 e HLA-B8, têm sido associados a um 
risco aumentado de MG em algumas populações. Outros genes não-
HLA, relacionados à função imunológica e à função neuromuscular, 
também podem contribuir para a suscetibilidade genética à MG. Fatores 
ambientais, como infecções virais, o estresse, certos medicamentos 
(como a penicilamina e o interferon-alfa) e a timectomia (remoção 
cirúrgica do timo) em alguns casos, têm sido implicados como gatilhos 
ou moduladores da resposta autoimune na MG, embora seus papéis 
precisos ainda estejam sendo investigados.
Os autoanticorpos anti-AChR causam deficiência da transmissão 
neuromuscular por diversos mecanismos. O principal mecanismo é a 
redução do número de receptores de AChR disponíveis na membrana 
pós-sináptica da junção neuromuscular. Os autoanticorpos anti-AChR se 
ligam aos AChRs, causando internalização e degradação acelerada dos 
receptores, um processo conhecido como modulação antigênica. Essa 
redução do número de AChRs torna a membrana pós-sináptica menos 
sensível à acetilcolina (ACh), o neurotransmissor liberado pelo nervo 
motor, prejudicando a transmissão do impulso nervoso para o músculo. 
Além da modulação antigênica, os autoanticorpos anti-AChR também 
podem bloquear diretamente a ligação da acetilcolina ao AChR, 
impedindo a ativação do receptor e a despolarização da membrana pós-
sináptica. Adicionalmente, os autoanticorpos anti-AChR podem ativar o 
sistema complemento na junção neuromuscular, levando à destruição 
da membrana pós-sináptica e à simplificação da sua arquitetura, com 
redução das pregas juncionais e da densidade de AChRs. Esses 
mecanismos combinados resultam em uma deficiência na transmissão 
neuromuscular, caracterizada por uma diminuição da amplitude do 
potencial de placa motora (PPM), o sinal elétrico gerado na membrana 
pós-sináptica em resposta à liberação de acetilcolina. Em condições 
normais, a liberação de acetilcolina pelo nervo motor gera um PPM de 
amplitude suficiente para atingir o limiar de despolarização e 
desencadear um potencial de ação muscular, resultando na contração 
muscular. Na MG, devido à redução do número de AChRs e aos outros 
mecanismos patogênicos, o PPM pode não atingir o limiar de 
despolarização, especialmente após atividade muscular repetida, 
levando ao bloqueio da transmissão neuromuscular e à fraqueza 
muscular.
Embora os autoanticorpos anti-AChR sejam os principais mediadores da 
MG na maioria dos pacientes, em uma proporção menor de pacientes 
(cerca de 10-15% dos pacientes com MG generalizada, e até 50% dos 
pacientes com MG ocular), os autoanticorpos anti-AChR não são 
detectáveis no soro. Esses pacientes são classificados como miastenia 
gravis soronegativa (MGsn). Em alguns pacientes com MGsn, 
autoanticorpos contra outros componentes da junção neuromuscular 
podem ser encontrados, como os anticorpos anti-proteína quinase 
muscular específica (anti-MuSK) e os anticorpos anti-LRP4 (lipoprotein 
receptor-related protein 4). Os anticorpos anti-MuSK são encontrados 
em cerca de 40-70% dos pacientes com MGsn generalizada, e têm um 
mecanismo patogênico diferente dos anticorpos anti-AChR. Os 
anticorpos anti-MuSK interferem na sinalização da MuSK, uma proteína 
tirosina quinase essencial para a agregação dos AChRs na junção 
neuromuscular, levando à disfunção da junção neuromuscular e à 
fraqueza muscular. Os anticorpos anti-LRP4 são encontrados em uma 
pequena proporção de pacientes com MGsn, e seu papel patogênico 
ainda está sendo investigado. Em uma proporção de pacientes com 
MGsn, nenhum autoanticorpo contra componentes conhecidos da 
junção neuromuscular é detectado, sugerindo a possibilidade de outros 
autoanticorpos ou mecanismos imunopatogênicos ainda não 
identificados.
Os linfócitos T também desempenham um papel na patogenia da 
miastenia gravis, embora menos central do que os autoanticorpos. Os 
linfócitos T auxiliares (Th) podem auxiliar os linfócitos B na produção de 
autoanticorpos anti-AChR e anti-MuSK, e podem contribuir para a 
inflamação na junção neuromuscular e no timo. As células T 
reguladoras (Tregs), que normalmente suprimem a autoimunidade, 
parecem ter sua função prejudicada ou estar em número reduzido na 
MG, contribuindo para a falta de controle da resposta autoimune.
O timo, uma glândula linfoide localizada no mediastino anterior, 
desempenha um papel importante na patogenia da miastenia gravis, 
especialmente na MG associada a autoanticorpos anti-AChR. O timo é o 
local de maturação dos linfócitos T, e na MG, o timo pode apresentar 
anormalidades,como a hiperplasia tímica (aumento do tamanho do 
timo) ou o timoma (tumor do timo). A hiperplasia tímica é encontrada 
em cerca de 75% dos pacientes com MG de início precoce (antes dos 50 
anos), e é caracterizada pela presença de centros germinativos no timo, 
locais de produção de linfócitos B e autoanticorpos. O timoma é 
encontrado em cerca de 10-15% dos pacientes com MG, e é um tumor 
das células epiteliais do timo, que pode estar associado a um risco 
aumentado de MG e outras doenças autoimunes. O timo anormal na 
MG é considerado um local de autoimunização, onde linfócitos T e B 
autorreativos contra antígenos da junção neuromuscular são ativados e 
proliferam, contribuindo para a produção de autoanticorpos e a 
perpetuação da resposta autoimune. A timectomia, a remoção cirúrgica 
do timo, é uma opção de tratamento para a MG, especialmente em 
pacientes com timoma ou hiperplasia tímica, e pode levar à melhora 
clínica e à remissão da doença em alguns casos, possivelmente por 
remover o local de autoimunização e modular a resposta imune.
Os sintomas da miastenia gravis são caracterizados pela fraqueza 
muscular flutuante e fatigabilidade fácil, que pioram com a atividade 
repetida e melhoram com o repouso. Essa flutuação e fatigabilidade são 
as marcas registradas da MG, e ajudam a distinguir a doença de outras 
causas de fraqueza muscular. A fraqueza muscular na MG pode afetar 
qualquer músculo esquelético voluntário, mas tipicamente se manifesta 
em certos grupos musculares de forma mais proeminente, como os 
músculos oculares, buares, faciais, cervicais e dos membros.
O envolvimento ocular é a manifestação inicial mais comum da MG, 
presente em cerca de 50-60% dos pacientes no início da doença, e 
eventualmente em mais de 90% em algum momento do curso clínico. A 
ptose palpebral, a queda da pálpebra superior, unilateral ou bilateral, e 
a diplopia, a visão dupla, são os sintomas oculares clássicos da MG. A 
ptose palpebral e a diplopia tendem a piorar ao longo do dia, com o 
cansaço, e podem variar de intensidade ao longo do tempo. A fraqueza 
dos músculos oculares na MG pode causar desalinhamento dos olhos 
(estrabismo) e dificuldade para movimentar os olhos em todas as 
direções.
O envolvimento bulbar é também frequente na MG, afetando os 
músculos envolvidos na fala, mastigação e deglutição. A disartria, a 
dificuldade para articular as palavras e a fala arrastada ou anasalada, é 
um sintoma comum. A disfagia, a dificuldade para engolir alimentos 
sólidos ou líquidos, pode causar engasgos, tosse e aspiração de 
alimentos para as vias aéreas. A disfonia, a alteração da voz, que pode 
se tornar fraca, rouca ou bitonal, também pode ocorrer. A fraqueza dos 
músculos mastigatórios pode causar fadiga ao mastigar e dificuldade 
para mastigar alimentos duros ou fibrosos.
O envolvimento facial na MG pode causar fraqueza dos músculos 
faciais, resultando em expressão facial apagada, dificuldade para sorrir, 
fraqueza ao fechar os olhos e ptose labial (queda do lábio inferior). A 
fraqueza dos músculos cervicais pode causar fraqueza da musculatura 
do pescoço, com dificuldade para manter a cabeça erguida ou para 
levantar a cabeça do travesseiro.
O envolvimento dos membros na MG pode causar fraqueza nos braços 
e nas pernas, que tende a ser proximal (mais intensa nos ombros e 
quadris) e simétrica. A fraqueza dos membros piora com o esforço e 
melhora com o repouso, e pode dificultar atividades como levantar os 
braços, pentear o cabelo, subir escadas, caminhar longas distâncias ou 
levantar objetos pesados. A fadiga muscular é um sintoma proeminente 
no envolvimento dos membros na MG, e os pacientes podem relatar 
que os músculos "cansam" facilmente após o uso repetido.
O envolvimento dos músculos respiratórios é a manifestação mais 
grave da miastenia gravis, e pode levar à insuficiência respiratória e à 
crise miastênica, uma emergência médica que requer suporte 
ventilatório. A fraqueza dos músculos diafragma e intercostais pode 
causar dispneia (falta de ar), ortopneia (falta de ar ao deitar), respiração 
superficial e rápida, tosse fraca e dificuldade para respirar 
profundamente. A crise miastênica é caracterizada por um agravamento 
súbito e grave da fraqueza muscular respiratória, levando à insuficiência 
respiratória aguda e à necessidade de ventilação mecânica.
É importante ressaltar que a apresentação clínica da miastenia gravis é 
altamente variável, e nem todos os pacientes apresentarão todos esses 
sintomas. Alguns podem ter predominantemente envolvimento ocular 
(miastenia gravis ocular), enquanto outros podem ter envolvimento 
generalizado (miastenia gravis generalizada), afetando múltiplos grupos 
musculares. A gravidade da doença também varia amplamente, desde 
formas leves e controláveis até formas graves e progressivas que levam 
à incapacidade significativa e ao risco de crises miastênicas.
O diagnóstico da miastenia gravis é baseado na combinação da 
avaliação clínica, dos testes farmacológicos, dos testes eletrofisiológicos, 
dos testes de autoanticorpos e, em alguns casos, da avaliação 
radiológica do timo. A história clínica detalhada, incluindo a descrição 
dos sintomas, o padrão de fraqueza flutuante e fatigabilidade, o 
envolvimento dos grupos musculares e a avaliação dos fatores 
desencadeantes ou exacerbações, é o ponto de partida para o 
diagnóstico. O exame neurológico cuidadoso é fundamental para 
documentar a fraqueza muscular, avaliar a distribuição da fraqueza, 
testar a fatigabilidade muscular (por exemplo, pedindo ao paciente para 
olhar para cima por um tempo prolongado para avaliar a ptose 
palpebral fatigável, ou para contar em voz alta para avaliar a disartria 
fatigável) e excluir outras causas de fraqueza muscular.
O teste farmacológico com o cloreto de edrofônio (Tensilon) é um teste 
clássico e rápido para auxiliar no diagnóstico da MG. O edrofônio é um 
inibidor da acetilcolinesterase de ação curta, que aumenta a 
disponibilidade de acetilcolina na junção neuromuscular. Na MG, a 
administração intravenosa de edrofônio pode levar a uma melhora 
transitória e objetiva da força muscular, confirmando o diagnóstico. No 
entanto, o teste com edrofônio tem sensibilidade e especificidade 
limitadas, e pode ter resultados falso-positivos e falso-negativos, sendo 
menos utilizado na prática clínica atual em comparação com os testes 
eletrofisiológicos e os testes de autoanticorpos.
Os testes eletrofisiológicos, como a estimulação nervosa repetitiva (ENR) 
e a eletromiografia de fibra única (SFEMG), são exames mais sensíveis e 
específicos para o diagnóstico da miastenia gravis. A estimulação 
nervosa repetitiva (ENR) avalia a resposta muscular à estimulação 
elétrica repetitiva do nervo motor. Na MG, a ENR tipicamente revela um 
decremento característico na amplitude do potencial de ação muscular 
composto (PAMC) com estimulação repetitiva, refletindo o bloqueio da 
transmissão neuromuscular e a fatigabilidade. A eletromiografia de 
fibra única (SFEMG) é um exame mais sensível para detectar defeitos na 
transmissão neuromuscular, mesmo em casos leves ou soronegativos 
de MG. A SFEMG avalia o jitter, a variabilidade no tempo de ativação de 
fibras musculares individuais dentro de uma unidade motora, e o 
bloqueio, a falha na ativação de algumas fibras musculares com 
estimulação nervosa. O aumento do jitter e o bloqueio são achados 
característicos da MG na SFEMG.
A pesquisa de autoanticorpos no soro é um exame laboratorial 
fundamental para o diagnóstico da miastenia gravis. A pesquisa de 
anticorpos anti-receptor de acetilcolina (anti-AChR) é positiva em mais 
de 85% dos pacientes com MG generalizada, e confirma o diagnóstico 
de MG autoimune. Em pacientes soronegativos para anti-AChR, a 
pesquisa de anticorpos anti-proteína quinase muscular específica (anti-
MuSK) pode ser realizada, sendo positiva em cerca de 40-70% dos 
pacientes com MGsn generalizada. Em pacientes com MG ocular 
soronegativa para anti-AChR e anti-MuSK, a pesquisa deanticorpos anti-
LRP4 pode ser considerada, embora seja menos frequentemente 
positiva. A presença de autoanticorpos anti-AChR ou anti-MuSK, em um 
paciente com quadro clínico sugestivo de MG, confirma o diagnóstico de 
miastenia gravis.
A tomografia computadorizada (TC) do mediastino pode ser realizada 
para avaliar o timo e detectar a presença de timoma em pacientes com 
miastenia gravis. A presença de timoma é um achado importante na 
MG, e pode influenciar a escolha do tratamento (timectomia). O 
diagnóstico diferencial da miastenia gravis inclui outras causas de 
fraqueza muscular flutuante e fatigabilidade, como a síndrome 
miastênica de Lambert-Eaton (SMLE), a miastenia congênita, a síndrome 
de Guillain-Barré (SGB), a esclerose lateral amiotrófica (ELA), a 
polimiosite, a dermatomiosite e outras doenças neuromusculares e 
neurológicas. A combinação da avaliação clínica, dos testes 
farmacológicos, dos testes eletrofisiológicos, dos testes de 
autoanticorpos e da avaliação radiológica do timo permite ao médico 
estabelecer o diagnóstico preciso de miastenia gravis e iniciar o 
tratamento adequado.
O tratamento da miastenia gravis visa melhorar a força muscular, 
reduzir a fatigabilidade, controlar os sintomas, prevenir crises 
miastênicas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. O 
tratamento da MG é individualizado e adaptado à gravidade da doença, 
à distribuição da fraqueza muscular, à presença de timoma, às 
comorbidades, às preferências do paciente e à resposta ao tratamento. 
A abordagem terapêutica é multidisciplinar, envolvendo neurologistas, 
pneumologistas, cirurgiões torácicos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos e 
enfermeiros especializados em doenças neuromusculares. O 
tratamento farmacológico da MG é dividido em tratamento sintomático 
e tratamento imunomodulador. O tratamento sintomático visa 
melhorar a transmissão neuromuscular e aliviar a fraqueza muscular a 
curto prazo. Os inibidores da acetilcolinesterase (AChEIs), como a 
piridostigmina e a neostigmina, são os medicamentos sintomáticos mais 
utilizados na MG. Os AChEIs aumentam a disponibilidade de acetilcolina 
na junção neuromuscular, inibindo a enzima acetilcolinesterase, que 
degrada a acetilcolina, melhorando a transmissão neuromuscular e a 
força muscular. Os AChEIs são eficazes para aliviar os sintomas da MG 
em muitos pacientes, mas não alteram o curso da doença a longo prazo 
e podem ter efeitos colaterais colinérgicos, como cólicas abdominais, 
diarreia, salivação excessiva e bradicardia. O tratamento 
imunomodulador visa suprimir a resposta autoimune subjacente na MG 
e reduzir a produção de autoanticorpos, proporcionando melhora 
clínica a longo prazo e remissão da doença. Os corticosteroides, como a 
prednisona, são imunossupressores potentes e eficazes para induzir a 
remissão na MG, e são frequentemente utilizados em surtos agudos ou 
para controlar a doença a longo prazo. No entanto, o uso prolongado de 
corticosteroides pode causar efeitos colaterais significativos, como 
ganho de peso, osteoporose, diabetes, hipertensão e catarata. Os 
imunossupressores não esteroides, como a azatioprina, o micofenolato 
de mofetila, a ciclosporina e o tacrolimus, são utilizados para poupar 
corticosteroides, manter a remissão a longo prazo e controlar a doença 
em pacientes que não respondem adequadamente aos corticosteroides 
ou que apresentam efeitos colaterais intoleráveis. A imunoglobulina 
intravenosa (IVIg) e a plasmaférese (PF) são terapias imunomoduladoras 
de ação rápida, utilizadas para tratar exacerbações agudas da MG (crise 
miastênica) ou para proporcionar melhora rápida antes da cirurgia ou 
do início de imunossupressores de ação mais lenta. A IVIg consiste na 
administração intravenosa de imunoglobulinas polivalentes, que 
modulam a resposta imune por mecanismos complexos e multifatoriais. 
A plasmaférese consiste na remoção mecânica dos autoanticorpos do 
plasma sanguíneo, reduzindo temporariamente a carga de 
autoanticorpos e melhorando a transmissão neuromuscular. A 
timectomia, a remoção cirúrgica do timo, é uma opção de tratamento 
para a MG, especialmente em pacientes com timoma ou hiperplasia 
tímica, e pode levar à melhora clínica e à remissão da doença em alguns 
casos, especialmente em pacientes com MG generalizada anti-AChR-
positiva e início precoce da doença. As terapias biológicas, como o 
rituximab (anticorpo monoclonal anti-CD20, depletor de linfócitos B) e o 
eculizumab (anticorpo monoclonal anti-C5, inibidor do complemento), 
têm se mostrado promissoras no tratamento de casos refratários de 
MG, especialmente na MG anti-MuSK-positiva e na MG generalizada 
refratária às terapias convencionais. O tratamento da crise miastênica 
requer internação hospitalar em unidade de terapia intensiva (UTI), 
suporte ventilatório mecânico, plasmaférese ou IVIg em altas doses, e 
otimização da terapia imunossupressora.
O tratamento da miastenia gravis é um manejo contínuo e 
individualizado, que requer acompanhamento médico regular, 
monitoramento da força muscular e dos sintomas, ajuste do tratamento 
conforme necessário e adesão ao tratamento por toda a vida. O 
objetivo do tratamento é alcançar e manter o controle da fraqueza 
muscular e da fatigabilidade, prevenir crises miastênicas, melhorar a 
qualidade de vida dos pacientes e minimizar o risco de efeitos colaterais 
dos medicamentos, permitindo que vivam a vida da forma mais plena 
possível, apesar da presença dessa doença neuromuscular autoimune 
crônica e desafiadora. 
Esclerodermia
A esclerodermia, também conhecida como esclerose sistêmica, é uma 
doença autoimune crônica e multissistêmica, caracterizada por fibrose 
(cicatrização excessiva e endurecimento) da pele e de órgãos internos, 
alterações vasculares (vasculopatia) e desregulação imunológica. O 
termo "esclerodermia" deriva do grego "skleros" (duro) e "derma" (pele), 
refletindo a manifestação cutânea mais proeminente da doença, o 
endurecimento da pele. No entanto, a esclerodermia não é apenas uma 
doença de pele, mas sim uma condição sistêmica, que pode afetar 
múltiplos órgãos e sistemas do corpo, incluindo a pele, os vasos 
sanguíneos, o trato gastrointestinal, os pulmões, o coração, os rins e as 
articulações. A esclerodermia é uma doença rara, mas não ultrarrara, 
afetando pessoas de todas as idades, embora seja mais frequente o 
início na idade adulta, entre os 30 e 50 anos, e mais comum em 
mulheres do que em homens. A esclerodermia não é contagiosa, e sua 
causa é multifatorial, envolvendo uma complexa interação de 
predisposição genética, fatores ambientais e uma resposta autoimune 
desregulada que leva à fibrose e à vasculopatia.
A história da esclerodermia, como a de muitas doenças raras e 
complexas, é uma jornada de reconhecimento gradual, desde 
descrições clínicas fragmentadas até a compreensão moderna de sua 
natureza multissistêmica e imunomediada. Embora relatos de casos 
retrospectivos sugiram que a esclerodermia pode ter existido por 
séculos, as primeiras descrições clínicas mais claras da doença surgiram 
no século XVIII e XIX. O médico italiano Carlo Curzio, em 1753, descreveu 
um caso de uma mulher com endurecimento e espessamento da pele, 
que hoje é considerado um dos primeiros relatos de esclerodermia na 
literatura médica. No século XIX, o dermatologista francês Erasmus 
Wilson, em 1863, cunhou o termo "esclerodermia" para descrever o 
endurecimento da pele característico da doença. O médico francês 
Auguste-Théodore Desnos, em 1868, descreveu a forma sistêmica da 
doença, com envolvimento de órgãos internos, e introduziu o termo 
"esclerose sistêmica progressiva", que foi posteriormente substituído 
por esclerodermia.
Ao longo do século XX, a compreensão da esclerodermia avançou 
lentamente, impulsionada pela observação clínica, pelos estudos 
histopatológicos e pelos primórdios da pesquisa imunológica e vascular. 
O reconhecimento da diversidade clínica da esclerodermia, com a 
distinção entre as formas limitadas e difusas da doença,auxiliou na 
estratificação prognóstica e no manejo clínico. A identificação de 
alterações vasculares características na esclerodermia, como a 
vasculopatia obliterativa dos pequenos vasos e o fenômeno de 
Raynaud, revelou a importância do sistema vascular na patogenia da 
doença. Os avanços na imunologia, a partir da segunda metade do 
século XX, foram cruciais para desvendar a natureza autoimune da 
esclerodermia. A identificação de autoanticorpos específicos associados 
à esclerodermia, como os anticorpos anticentrômero (ACA), os 
anticorpos anti-topoisomerase I (anti-Scl-70) e os anticorpos anti-RNA 
polimerase III (anti-RNAP III), forneceu evidências diretas da natureza 
autoimune da doença e se tornou uma ferramenta diagnóstica 
importante. A pesquisa imunológica e vascular desvendou os 
intrincados mecanismos patogênicos envolvidos na esclerodermia, 
revelando o papel central das células imunes, das citocinas pró-
fibróticas, dos fatores de crescimento, das células endoteliais e dos 
fibroblastos na patogenia da doença. Esses avanços na compreensão da 
patogenia da esclerodermia abriram caminho para o desenvolvimento 
de terapias mais direcionadas e potencialmente modificadoras da 
doença, visando modular a resposta autoimune, a vasculopatia e a 
fibrose, e melhorando o prognóstico e a qualidade de vida dos 
pacientes.
Esses avanços na compreensão da patogenia da esclerodermia abriram 
caminho para o desenvolvimento de terapias mais direcionadas e 
potencialmente modificadoras da doença, visando modular a resposta 
autoimune, a vasculopatia e a fibrose, e melhorando o prognóstico e a 
qualidade de vida dos pacientes. E assim, com este panorama histórico 
e a compreensão do endurecimento da pele e órgãos internos na 
esclerodermia em mente, podemos agora nos aprofundar nos 
mecanismos imunológicos e patogênicos que orquestram essa doença 
do tecido conjuntivo, buscando desvendar como o sistema imunológico, 
em uma resposta desregulada, desencadeia a cascata de eventos que 
levam à vasculopatia, à ativação de fibroblastos, à produção excessiva 
de colágeno e à fibrose progressiva da pele e dos órgãos internos, 
características da esclerodermia. No intrincado labirinto da patogenia 
da esclerodermia, três pilares fundamentais se entrelaçam, 
impulsionando a doença em um ciclo vicioso de dano tecidual: a 
vasculopatia, a autoimunidade e a fibrose. Esses três processos, embora 
distintos, não atuam isoladamente, mas sim em uma complexa 
interação sinérgica, amplificando-se mutuamente e culminando nas 
manifestações clínicas características da esclerodermia.
A vasculopatia, o dano e a disfunção dos vasos sanguíneos, emerge 
como um evento precoce e central na patogenia da esclerodermia. As 
alterações vasculares na esclerodermia afetam principalmente os 
pequenos vasos sanguíneos, arteríolas e capilares, na pele e nos órgãos 
internos, e são caracterizadas por uma vasculopatia obliterativa, ou seja, 
um estreitamento progressivo e obstrução dos vasos sanguíneos. O 
processo vasculopático inicia-se com o dano endotelial, a lesão das 
células endoteliais que revestem a parede interna dos vasos 
sanguíneos. Diversos fatores podem contribuir para esse dano 
endotelial inicial, incluindo fatores genéticos, fatores ambientais (como 
a exposição à sílica ou ao cloreto de vinila), o estresse oxidativo e a 
ativação do sistema imunológico. As células endoteliais danificadas 
tornam-se ativadas e disfuncionais, expressando moléculas de adesão, 
liberando mediadores inflamatórios e pró-coagulantes, e perdendo suas 
propriedades anticoagulantes e vasodilatadoras normais. Essa 
disfunção endotelial desencadeia uma cascata de eventos que levam à 
inflamação vascular, à ativação da coagulação e à fibrose perivascular. A 
inflamação vascular é caracterizada pela infiltração da parede vascular 
por células imunes, como linfócitos T e macrófagos, e pela liberação de 
citocinas pró-inflamatórias, como o TNF-α, a IL-1 e o TGF-β. A ativação 
da coagulação leva à formação de microtrombos dentro dos vasos 
sanguíneos, obstruindo o fluxo sanguíneo e contribuindo para a 
isquemia tecidual. A fibrose perivascular, o acúmulo de colágeno e 
outras proteínas da matriz extracelular ao redor dos vasos sanguíneos, 
contribui para o espessamento da parede vascular e o estreitamento do 
lúmen vascular, agravando a isquemia. A vasculopatia obliterativa 
progressiva leva à redução da densidade capilar e à isquemia crônica 
nos tecidos afetados, contribuindo para o dano tecidual, a fibrose e as 
manifestações clínicas da esclerodermia, como o fenômeno de 
Raynaud, as úlceras digitais, a hipertensão arterial pulmonar e a crise 
renal esclerodérmica. O fenômeno de Raynaud, uma vasoconstrição 
episódica e exagerada dos vasos sanguíneos dos dedos das mãos e dos 
pés em resposta ao frio ou ao estresse emocional, é uma manifestação 
clínica precoce e quase universal da esclerodermia, refletindo a 
disfunção vascular subjacente.
A autoimunidade, a desregulação do sistema imunológico e a produção 
de autoanticorpos, é o segundo pilar fundamental na patogenia da 
esclerodermia. Embora o gatilho inicial da autoimunidade na 
esclerodermia ainda não seja totalmente conhecido, evidências 
sugerem que fatores genéticos e ambientais podem contribuir para a 
perda da tolerância imunológica e o desenvolvimento de uma resposta 
autoimune direcionada contra componentes do tecido conjuntivo e das 
células endoteliais. Na esclerodermia, tanto a imunidade inata quanto a 
imunidade adaptativa estão desreguladas e contribuem para a 
patogenia da doença. As células da imunidade inata, como os 
macrófagos, as células dendríticas e as células natural killer (NK), são 
ativadas na esclerodermia e liberam mediadores inflamatórios, como 
citocinas e quimiocinas, que promovem a inflamação vascular e a 
ativação dos fibroblastos. As células dendríticas atuam como células 
apresentadoras de antígenos (APCs), apresentando autoantígenos aos 
linfócitos T e desencadeando a resposta imune adaptativa. Os linfócitos 
T, tanto os linfócitos T auxiliares (Th) quanto os linfócitos T citotóxicos 
(Tc), desempenham um papel central na patogenia da esclerodermia. As 
células Th2 são particularmente importantes na esclerodermia, e 
liberam interleucina-4 (IL-4) e interleucina-13 (IL-13), citocinas pró-
fibróticas que estimulam a ativação dos fibroblastos e a produção de 
colágeno. O fator de crescimento transformador beta (TGF-β), embora 
produzido por diversas células, incluindo células imunes, fibroblastos e 
células endoteliais, é uma citocina chave na patogenia da esclerodermia, 
desempenhando um papel central na fibrogênese, na angiogênese e na 
imunomodulação. Outras citocinas pró-inflamatórias, como a 
interleucina-17 (IL-17) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), também 
podem contribuir para a inflamação e a fibrose na esclerodermia. Os 
linfócitos B são ativados na esclerodermia e produzem autoanticorpos 
que são marcadores diagnósticos importantes da doença e podem ter 
papéis patogênicos diretos. Os anticorpos anticentrômero (ACA) são 
encontrados principalmente na esclerodermia cutânea limitada (ESCL) e 
estão associados a um menor risco de envolvimento de órgãos internos 
graves, mas a um maior risco de hipertensão arterial pulmonar. Os 
anticorpos anti-topoisomerase I (anti-Scl-70) são encontrados 
principalmente na esclerodermia cutânea difusa (ESCD) e estão 
associados a um maior risco de envolvimento pulmonar intersticial e 
doença cutânea progressiva. Os anticorpos anti-RNA polimerase III (anti-
RNAP III) também são encontrados na ESCD e estão associados a um 
maior risco de crise renal esclerodérmica e envolvimento cutâneo 
rápido e progressivo. O papel patogênico direto desses autoanticorpos 
na esclerodermia ainda não está totalmente esclarecido, mas eles 
podem contribuir para a patogenia por mecanismos como a ativação do 
complemento, a citotoxicidade celular dependente de anticorpos (ADCC) 
e a modulação da função de células endoteliaise fibroblastos.
A fibrose, o acúmulo excessivo de colágeno e outras proteínas da matriz 
extracelular nos tecidos, é o terceiro pilar fundamental na patogenia da 
esclerodermia, e a principal causa das manifestações clínicas e da 
morbidade associadas à doença. Na esclerodermia, a fibrose afeta 
principalmente a pele e os órgãos internos, levando ao endurecimento e 
à disfunção desses tecidos. A fibrogênese na esclerodermia é 
impulsionada pela ativação desregulada dos fibroblastos, as células 
responsáveis pela produção de colágeno e outras proteínas da matriz 
extracelular. Os fibroblastos na esclerodermia tornam-se 
persistentemente ativados (miofibroblastos), e começam a produzir 
colágeno em excesso, de forma descontrolada, e a reduzir a produção 
de enzimas que degradam o colágeno (metaloproteinases de matriz, 
MMPs), resultando em um desequilíbrio entre a síntese e a degradação 
do colágeno, e no acúmulo progressivo de colágeno nos tecidos. 
Diversos fatores estimulam a ativação dos fibroblastos e a fibrogênese 
na esclerodermia, incluindo citocinas pró-fibróticas (como o TGF-β, o 
fator de crescimento do tecido conjuntivo - CTGF, e o fator de 
crescimento derivado de plaquetas - PDGF), fatores de crescimento, 
mediadores inflamatórios, espécies reativas de oxigênio e estresse 
mecânico. O TGF-β é considerado a citocina pró-fibrótica mais 
importante na esclerodermia, e desempenha um papel central na 
ativação dos fibroblastos, na produção de colágeno, na diferenciação de 
miofibroblastos e na inibição da degradação do colágeno. A fibrose 
progressiva na pele leva ao endurecimento cutâneo característico da 
esclerodermia, com perda da elasticidade e da mobilidade da pele, e 
pode causar contraturas articulares e limitações funcionais. A fibrose 
nos órgãos internos leva à disfunção orgânica e às complicações graves 
da esclerodermia, como a doença pulmonar intersticial (DPI), a 
hipertensão arterial pulmonar (HAP), a crise renal esclerodérmica, a 
dismotilidade gastrointestinal e a cardiomiopatia.
Os sintomas da esclerodermia são extremamente diversos e variáveis, 
refletindo a natureza multissistêmica da doença e a variedade de 
órgãos que podem ser afetados. A apresentação clínica da 
esclerodermia pode variar amplamente de paciente para paciente, e 
mesmo no mesmo indivíduo ao longo do tempo, tornando o 
diagnóstico e o manejo um desafio complexo. O fenômeno de Raynaud, 
como mencionado anteriormente, é frequentemente o primeiro 
sintoma da esclerodermia, precedendo outras manifestações da doença 
por meses ou anos. As crises de Raynaud manifestam-se como 
alterações da cor dos dedos das mãos e dos pés (branco, azul e 
vermelho) em resposta ao frio ou ao estresse emocional, 
acompanhadas de dormência, formigamento e dor. As alterações 
cutâneas são a marca registrada da esclerodermia, e a pele é 
invariavelmente afetada em algum momento da doença. O 
endurecimento cutâneo (escleroderma) classicamente evolui em três 
fases: a fase edematosa (inchaço e edema da pele), a fase esclerótica 
(endurecimento e espessamento da pele) e a fase atrófica (afinamento e 
atrofia da pele). Na fase edematosa, a pele torna-se inchada, tensa e 
brilhante, especialmente nos dedos das mãos e dos pés. Na fase 
esclerótica, a pele endurece, torna-se espessa, tensa, lisa e aderente aos 
planos profundos, perdendo suas pregas e anexos normais (pelos, 
glândulas sudoríparas e sebáceas). A coloração da pele pode mudar, 
tornando-se pálida, acinzentada ou hiperpigmentada. A mobilidade da 
pele diminui, e os movimentos dos dedos e das articulações podem 
ficar limitados. Na fase atrófica, a pele pode afinar, tornar-se frágil e 
atrófica, com telangiectasias (pequenos vasos sanguíneos dilatados 
visíveis na pele) e alterações pigmentares (hipo ou hiperpigmentação). A 
extensão do envolvimento cutâneo varia entre as diferentes formas de 
esclerodermia. Na esclerodermia cutânea limitada (ESCL), o 
endurecimento da pele se limita às mãos, aos antebraços, aos pés, às 
pernas e à face, distal aos cotovelos e joelhos, e abaixo do pescoço. A 
ESCL é também conhecida como síndrome de CREST, um acrônimo para 
Calcinose, Fenômeno de Raynaud, Dismotilidade esofágica, 
Esclerodactilia e Telangiectasias, as manifestações clínicas mais 
características da ESCL. Na esclerodermia cutânea difusa (ESCD), o 
endurecimento da pele é mais extenso e rápido, afetando o tronco, os 
braços e as pernas proximais, além das mãos, dos pés e da face. A ESCD 
está associada a um maior risco de envolvimento de órgãos internos 
graves e progressão mais rápida da doença.
O envolvimento gastrointestinal é muito comum na esclerodermia, 
afetando a maioria dos pacientes em algum momento da doença. A 
dismotilidade esofágica é a manifestação gastrointestinal mais 
frequente, causando disfagia (dificuldade para engolir), azia, refluxo 
gastroesofágico e esofagite. O envolvimento do estômago e do intestino 
delgado pode causar retardo do esvaziamento gástrico, saciedade 
precoce, náuseas, vômitos, má absorção intestinal, diarreia, constipação 
e supercrescimento bacteriano. O envolvimento do cólon pode causar 
constipação, incontinência fecal e pseudo-obstrução intestinal.
O envolvimento pulmonar é uma das complicações mais graves e 
frequentes da esclerodermia, e uma das principais causas de 
morbidade e mortalidade associadas à doença. A doença pulmonar 
intersticial (DPI) é a manifestação pulmonar mais comum, caracterizada 
por fibrose pulmonar progressiva, que causa dispneia (falta de ar), tosse 
seca e fadiga. A hipertensão arterial pulmonar (HAP) é outra 
complicação pulmonar grave da esclerodermia, caracterizada pelo 
aumento da pressão arterial nas artérias pulmonares, que causa 
dispneia, fadiga, dor no peito e síncope (desmaios).
O envolvimento renal na esclerodermia pode levar à crise renal 
esclerodérmica (CRE), uma emergência médica caracterizada por 
hipertensão arterial maligna, insuficiência renal aguda e anemia 
hemolítica microangiopática. A CRE é mais comum na esclerodermia 
cutânea difusa e requer tratamento imediato para prevenir o dano renal 
irreversível e a morte.
O envolvimento cardíaco na esclerodermia pode incluir a 
cardiomiopatia (doença do músculo cardíaco), a pericardite (inflamação 
do pericárdio, a membrana que envolve o coração), as arritmias 
cardíacas e a doença coronariana. O envolvimento cardíaco pode causar 
dispneia, fadiga, dor no peito, palpitações e insuficiência cardíaca.
O envolvimento articular na esclerodermia é comum, causando artralgia 
(dor nas articulações), rigidez matinal, tenossinovite (inflamação dos 
tendões e bainhas sinoviais) e contraturas articulares, especialmente 
nas mãos e nos punhos. A artrite erosiva, semelhante à artrite 
reumatoide, é menos comum na esclerodermia, mas pode ocorrer.
Outras manifestações da esclerodermia podem incluir mialgia (dor 
muscular), fraqueza muscular, neuropatia periférica (alterações da 
sensibilidade e força nos nervos), síndrome do túnel do carpo, síndrome 
seca (secura dos olhos e da boca, semelhante à síndrome de Sjögren), 
disfunção erétil e depressão.
O diagnóstico da esclerodermia é baseado na combinação da avaliação 
clínica, dos exames laboratoriais de autoanticorpos, da capilaroscopia 
periungueal e, em alguns casos, de biópsias de pele e de órgãos 
internos. A história clínica detalhada, incluindo a descrição dos 
sintomas, o tempo de evolução, o padrão de envolvimento cutâneo e de 
órgãos, e a avaliação dos fatores de risco, é o ponto de partida para o 
diagnóstico. O exame físico cuidadoso é fundamental para identificar as 
alterações cutâneas características da esclerodermia, o fenômeno de 
Raynaud, as telangiectasias, as úlceras digitais, as contraturas 
articulares e outros sinais de envolvimento de órgãos internos. Os 
critérios de classificação ACR/EULAR 2013 (American College of 
Rheumatology/European League Against Rheumatism) são utilizados 
para auxiliar no diagnóstico da esclerodermia, combinando critérios 
clínicos e imunológicos.Os exames laboratoriais de autoanticorpos 
desempenham um papel crucial no diagnóstico da esclerodermia e na 
estratificação prognóstica. A pesquisa de anticorpos anticentrômero 
(ACA), anticorpos anti-topoisomerase I (anti-Scl-70) e anticorpos anti-
RNA polimerase III (anti-RNAP III) é essencial para confirmar o 
diagnóstico e classificar a forma clínica da esclerodermia. A 
capilaroscopia periungueal é um exame não invasivo que avalia os 
capilares da prega ungueal sob microscopia, e revela alterações 
vasculares características da esclerodermia, como megacapilares, 
hemorragias e áreas avasculares, auxiliando no diagnóstico precoce e 
no prognóstico da doença. A biópsia de pele pode ser realizada em 
casos duvidosos ou para confirmar o diagnóstico em formas iniciais ou 
atípicas de esclerodermia, revelando alterações histopatológicas 
características, como o aumento do colágeno na derme e a fibrose 
perivascular. A avaliação do envolvimento de órgãos internos é 
fundamental para o diagnóstico e o manejo da esclerodermia. A 
tomografia computadorizada (TC) de tórax de alta resolução é utilizada 
para avaliar o envolvimento pulmonar intersticial. O ecocardiograma e o 
cateterismo cardíaco direito são utilizados para avaliar a hipertensão 
arterial pulmonar. A endoscopia digestiva alta e baixa e a manometria 
esofágica são utilizadas para avaliar o envolvimento gastrointestinal. A 
proteinúria de 24 horas e a biópsia renal podem ser realizadas em 
casos de suspeita de envolvimento renal. O diagnóstico diferencial da 
esclerodermia inclui outras doenças do tecido conjuntivo, como o lúpus 
eritematoso sistêmico, a artrite reumatoide, a polimiosite e a 
dermatomiosite, bem como outras causas de fibrose cutânea e 
vasculopatia. A combinação da avaliação clínica, dos exames 
laboratoriais, da capilaroscopia periungueal e da avaliação do 
envolvimento de órgãos internos permite ao médico estabelecer o 
diagnóstico preciso de esclerodermia, classificar a forma clínica da 
doença e orientar o tratamento adequado.
O tratamento da esclerodermia visa controlar os sintomas, retardar a 
progressão da doença, prevenir complicações, melhorar a qualidade de 
vida dos pacientes e, em alguns casos, prolongar a sobrevida. O 
tratamento da esclerodermia é individualizado e adaptado à forma 
clínica da doença (ESCL ou ESCD), ao padrão de envolvimento de órgãos 
internos, à gravidade da doença, às comorbidades, às preferências do 
paciente e à resposta ao tratamento. A abordagem terapêutica é 
multidisciplinar, envolvendo reumatologistas, dermatologistas, 
pneumologistas, cardiologistas, nefrologistas, gastroenterologistas, 
fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicólogos e enfermeiros 
especializados em doenças do tecido conjuntivo. Não existe um 
tratamento curativo para a esclerodermia, e o tratamento visa 
principalmente controlar as manifestações clínicas específicas da 
doença e prevenir o dano de órgãos. O tratamento do fenômeno de 
Raynaud inclui medidas não farmacológicas, como evitar o frio, usar 
luvas e meias quentes, parar de fumar e reduzir o estresse, e 
medicamentos vasodilatadores, como os bloqueadores dos canais de 
cálcio (nifedipino, anlodipino), os inibidores da fosfodiesterase-5 
(sildenafila, tadalafila) e os análogos da prostaciclina (iloprost, 
treprostinil). O tratamento da doença cutânea na esclerodermia é 
desafiador, e as terapias disponíveis têm eficácia limitada para reverter 
a fibrose cutânea estabelecida. Os corticosteroides podem ser utilizados 
em doses baixas em fases iniciais da ESCD com doença cutânea 
rapidamente progressiva, mas seu uso prolongado é evitado devido aos 
efeitos colaterais e à falta de eficácia na fibrose estabelecida. O 
metotrexato e o micofenolato de mofetila são imunossupressores que 
podem ser utilizados para retardar a progressão da doença cutânea e 
pulmonar em pacientes com ESCD. A ciclofosfamida é um 
imunossupressor mais potente, utilizado em casos de doença pulmonar 
intersticial grave e progressiva na esclerodermia, mas também com 
efeitos colaterais significativos. As terapias biológicas, como o rituximab 
(anticorpo monoclonal anti-CD20, depletor de linfócitos B) e o 
tocilizumabe (anticorpo monoclonal anti-receptor de IL-6), têm se 
mostrado promissoras no tratamento da esclerodermia, especialmente 
na DPI associada à esclerodermia e na doença cutânea progressiva, e 
estão sendo cada vez mais utilizadas na prática clínica. O transplante de 
células tronco hematopoéticas autólogo é uma opção de tratamento 
experimental para casos selecionados de ESCD grave e progressiva, com 
resultados promissores em alguns estudos, mas ainda com riscos e 
limitações. O tratamento da doença pulmonar intersticial (DPI) 
associada à esclerodermia inclui o micofenolato de mofetila, a 
ciclofosfamida, o rituximab e o nintedanibe (um inibidor da tirosina 
quinase que reduz a fibrogênese). O tratamento da hipertensão arterial 
pulmonar (HAP) associada à esclerodermia inclui os análogos da 
prostaciclina (treprostinil, epoprostenol), os antagonistas dos receptores 
da endotelina (bosentana, ambrisentana, macitentana) e os inibidores 
da fosfodiesterase-5 (sildenafila, tadalafila). O tratamento da crise renal 
esclerodérmica (CRE) requer inibidores da enzima conversora de 
angiotensina (IECA), como o captopril ou o enalapril, para controlar a 
hipertensão arterial e proteger a função renal, e pode necessitar de 
diálise em casos de insuficiência renal aguda grave. O tratamento do 
envolvimento gastrointestinal na esclerodermia é sintomático e visa 
aliviar os sintomas e prevenir complicações. Os inibidores da bomba de 
prótons (IBPs) são utilizados para tratar o refluxo gastroesofágico e a 
esofagite. Os procinéticos podem ser utilizados para melhorar o 
esvaziamento gástrico e a motilidade intestinal. Os antibióticos podem 
ser utilizados para tratar o supercrescimento bacteriano intestinal. A 
nutrição parenteral ou enteral pode ser necessária em casos de má 
absorção grave ou desnutrição. A fisioterapia e a terapia ocupacional 
são importantes para manter a mobilidade articular, fortalecer a 
musculatura e melhorar a função física em pacientes com 
esclerodermia. O suporte psicológico e social é fundamental para ajudar 
os pacientes e suas famílias a lidar com os desafios emocionais e sociais 
do convívio com uma doença crônica e multissistêmica como a 
esclerodermia. O tratamento da esclerodermia é um manejo contínuo e 
multidisciplinar, que requer acompanhamento médico regular, 
monitoramento da atividade da doença e do envolvimento de órgãos, 
ajuste do tratamento conforme necessário e adesão ao tratamento por 
toda a vida. O objetivo do tratamento é alcançar e manter o controle 
dos sintomas, retardar a progressão da doença, prevenir complicações 
e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
Doença Celíaca
A doença celíaca (DC), também conhecida como enteropatia sensível ao 
glúten ou espru celíaco, é uma doença autoimune sistêmica 
desencadeada pela ingestão de glúten em indivíduos geneticamente 
predispostos. O glúten é uma proteína complexa encontrada no trigo, 
no centeio, na cevada e em cereais relacionados. Na doença celíaca, a 
ingestão de glúten desencadeia uma resposta imune anormal no 
intestino delgado, que leva à inflamação da mucosa intestinal, à 
destruição das vilosidades intestinais (atrofia vilositária) e à má 
absorção de nutrientes. Embora a doença celíaca seja primariamente 
uma doença intestinal, suas manifestações clínicas podem ser 
extremamente diversas e afetar praticamente todos os órgãos e 
sistemas do corpo, incluindo o trato gastrointestinal, a pele, o sistema 
nervoso, o sistema endócrino, o sistema reprodutivo, os ossos e as 
articulações. A doença celíaca é uma condição comum, afetando cerca 
de 1% da população mundial, e pode surgir em qualquer idade, desde a 
infância até a idade adulta, embora muitas vezes o diagnóstico seja 
tardio ou subdiagnosticado. A doença celíaca não é uma alergia ao 
glúten, nem uma intolerânciaimunológica 
(falta de acesso de linfócitos a certos tecidos ou autoantígenos) e a 
deleção induzida por ativação (morte celular programada de linfócitos 
autorreativos após ativação excessiva).
Nas doenças imunomediadas, o que acontece é, em essência, uma 
quebra da tolerância imunológica. Os mecanismos que normalmente 
mantêm o sistema imune em equilíbrio e evitam o ataque ao próprio 
corpo falham, de forma parcial ou completa. Essa quebra pode ocorrer 
em diferentes níveis e envolver diversos mecanismos. Defeitos 
genéticos em genes relacionados à tolerância imunológica podem 
predispor indivíduos a doenças autoimunes. Fatores ambientais, como 
infecções, podem desencadear a autoimunidade através de 
mecanismos como o mimetismo molecular, onde antígenos 
microbianos compartilham semelhanças com autoantígenos, induzindo 
uma resposta imune cruzada. A disregulação da imunidade inata, com 
ativação excessiva e produção de citocinas inflamatórias, pode criar um 
ambiente propício para a quebra da tolerância e o desenvolvimento da 
autoimunidade. Deficiências ou disfunções nas células T reguladoras, 
que são cruciais para a supressão da autorreatividade, também podem 
contribuir para a perda da tolerância e o surgimento de doenças 
imunomediadas.
É importante ressaltar que a patogenia das doenças imunomediadas é 
multifatorial e complexa. Geralmente, envolve uma combinação de 
predisposição genética, fatores ambientais desencadeantes e múltiplos 
mecanismos imunológicos desregulados. Em algumas doenças, como o 
lúpus eritematoso sistêmico, a autoimunidade é sistêmica e afeta 
diversos órgãos e sistemas, enquanto em outras, como a tireoidite de 
Hashimoto, o ataque autoimune é mais órgão-específico. A natureza da 
resposta imune desregulada também varia entre as diferentes doenças 
imunomediadas. Em algumas, a patogenia é predominantemente 
mediada por autoanticorpos (doenças mediadas por anticorpos), 
enquanto em outras, as células T autorreativas desempenham um 
papel mais central (doenças mediadas por células T). Em muitas 
doenças, ambos os braços da imunidade adaptativa, anticorpos e 
células T, e também a imunidade inata, contribuem para a patogenia, 
em uma intrincada interação de mecanismos imunológicos.
A compreensão dos mecanismos imunológicos fundamentais 
envolvidos nas doenças imunomediadas é essencial para o 
desenvolvimento de estratégias diagnósticas e terapêuticas mais 
eficazes e direcionadas. Ao desvendarmos os detalhes moleculares e 
celulares da desregulação imune em cada doença específica, abrimos 
caminho para a criação de terapias mais precisas, que visem restaurar o 
equilíbrio do sistema imunológico e controlar a inflamação auto-
dirigida, aliviando o sofrimento dos pacientes e melhorando sua 
qualidade de vida. E é justamente essa busca por conhecimento e por 
terapias inovadoras que nos guiará nos próximos capítulos, à medida 
que exploramos em detalhe cada uma das principais doenças 
imunomediadas, desvendando seus mecanismos particulares e as 
abordagens terapêuticas mais promissoras.
E é justamente essa busca por conhecimento e por terapias inovadoras 
que nos guiará nos próximos capítulos, à medida que exploramos em 
detalhe cada uma das principais doenças imunomediadas, 
desvendando seus mecanismos particulares e as abordagens 
terapêuticas mais promissoras. Mas antes de nos aprofundarmos nas 
doenças específicas, é crucial compreendermos os princípios gerais da 
patogenia das doenças imunomediadas, os caminhos comuns que 
levam a essa desregulação do sistema imunológico e ao subsequente 
ataque ao próprio organismo. Afinal, o que desencadeia essa orquestra 
de autoagressão? Quais são os fatores que transformam o sistema de 
defesa em um agente de ataque interno?
A patogenia das doenças imunomediadas é, invariavelmente, 
multifacetada, um intrincado balé de fatores genéticos, ambientais e 
imunológicos que se entrelaçam de forma complexa. Não existe uma 
única causa para essas doenças, mas sim uma constelação de 
influências que, em conjunto, podem culminar no desenvolvimento de 
uma condição imunomediada em indivíduos suscetíveis. No centro 
dessa complexa interação, encontramos a predisposição genética. 
Herdamos dos nossos pais uma bagagem genética única, que inclui 
genes que influenciam a forma como o nosso sistema imunológico se 
desenvolve e funciona. Certos genes, em particular os genes do 
Complexo Principal de Histocompatibilidade (MHC), também conhecido 
como HLA em humanos, desempenham um papel crucial na 
apresentação de antígenos às células T e, consequentemente, na 
modulação da resposta imune. Variantes genéticas nesses genes HLA 
têm sido fortemente associadas a um risco aumentado de desenvolver 
diversas doenças imunomediadas. Outros genes, não menos 
importantes, relacionados à função das células imunes, à produção de 
citocinas, à regulação da inflamação e à tolerância imunológica, também 
podem contribuir para a suscetibilidade genética. É fundamental, no 
entanto, enfatizar que a genética não é um destino imutável. A 
predisposição genética representa apenas um dos fios na teia da 
patogenia, aumentando a probabilidade de desenvolver a doença, mas 
raramente sendo suficiente por si só para desencadeá-la. Muitas 
pessoas com genes de risco nunca desenvolvem uma doença 
imunomediada, enquanto outras, sem uma predisposição genética 
aparente, podem ser afetadas. Isso nos leva ao segundo pilar da 
patogenia: os fatores ambientais.
O ambiente em que vivemos, desde o ar que respiramos até os 
alimentos que consumimos, exerce uma influência profunda sobre o 
nosso sistema imunológico. Inúmeros fatores ambientais têm sido 
implicados como potenciais gatilhos ou moduladores das doenças 
imunomediadas. Infecções, em particular infecções virais e bacterianas, 
são apontadas como importantes desencadeadoras em diversas 
condições. A hipótese do mimetismo molecular, já mencionada, sugere 
que infecções por certos patógenos podem induzir uma resposta imune 
cruzada contra autoantígenos, iniciando ou exacerbando a 
autoimunidade. Além disso, infecções podem desencadear inflamação 
crônica e perturbar o equilíbrio imunológico, contribuindo para a perda 
da tolerância. Toxinas ambientais, como poluentes, metais pesados, 
produtos químicos industriais e tabaco, também têm sido associadas a 
um risco aumentado de doenças imunomediadas. Essas substâncias 
podem induzir estresse oxidativo, dano celular e inflamação, além de 
potencialmente alterar a função imunológica. A dieta, um fator 
ambiental omnipresente, também emerge como um modulador da 
resposta imune. Certos componentes dietéticos, como o glúten em 
indivíduos suscetíveis à doença celíaca, ou altos níveis de gordura 
saturada e açúcares refinados em dietas pró-inflamatórias, podem 
influenciar a inflamação sistêmica e a função imunológica. A microbiota 
intestinal, o vasto ecossistema de microrganismos que reside no nosso 
intestino, tem se revelado um ator crucial na modulação do sistema 
imunológico. Um desequilíbrio na composição da microbiota, conhecido 
como disbiose, tem sido implicado na patogenia de várias doenças 
imunomediadas, particularmente as doenças inflamatórias intestinais e 
algumas doenças autoimunes sistêmicas. A microbiota influencia o 
desenvolvimento e a maturação do sistema imunológico, a tolerância 
imunológica e a resposta inflamatória. O estresse crônico, um mal da 
modernidade, também pode afetar o sistema imunológico, alterando a 
produção de hormônios e citocinas, e potencialmente contribuindo para 
a desregulação imune. Fatores como o estilo de vida, incluindo o nível 
de atividade física, a qualidade do sono e a exposição à luz solar 
(importante para a síntese de vitamina D, um imunomodulador), 
também podem modular a função imunológica e influenciar o risco de 
doenças imunomediadas.
É importante compreender que os fatores ambientais raramente atuam 
de forma isolada. Na maioria das vezes, eles interagem de forma 
complexa entre si e com a predisposiçãoao glúten não celíaca, mas sim uma 
doença autoimune distinta, com mecanismos patogênicos e 
manifestações clínicas específicas.
A história da doença celíaca é uma jornada de reconhecimento gradual, 
desde descrições antigas de síndromes de má absorção até a 
compreensão moderna de sua natureza autoimune e de sua relação 
causal com o glúten. Descrições de síndromes clínicas que poderiam 
corresponder à doença celíaca podem ser encontradas na literatura 
médica desde a antiguidade, com relatos de médicos gregos e romanos 
que mencionavam condições caracterizadas por diarreia crônica, má 
absorção e emagrecimento. O médico grego Aretaeus de Cappadocia, 
no século II d.C., descreveu uma condição que ele chamou de 
"Koiliakos", que significa "abdominal" ou "sofrimento no abdômen", e 
que alguns historiadores consideram ser uma das primeiras descrições 
da doença celíaca. No século XIX, o médico britânico Samuel Gee, em 
1888, descreveu detalhadamente as características clínicas da doença 
celíaca em crianças, enfatizando a diarreia crônica, a má absorção e o 
atraso no crescimento, e sugerindo que a dieta poderia desempenhar 
um papel no tratamento da doença. No entanto, foi apenas no século 
XX que a relação causal entre o glúten e a doença celíaca foi 
estabelecida de forma definitiva. Durante a Segunda Guerra Mundial, o 
médico holandês Willem-Karel Dicke observou uma melhora 
significativa nos sintomas das crianças com doença celíaca durante a 
escassez de pão e farinha de trigo, e uma piora dos sintomas com a 
reintrodução do pão na dieta após a guerra. Essas observações 
epidemiológicas sugeriram fortemente que o trigo, ou algum 
componente do trigo, era o agente causador da doença celíaca. Nas 
décadas seguintes, pesquisas bioquímicas e imunológicas identificaram 
o glúten, a proteína do trigo, como o fator desencadeante da doença 
celíaca, e elucidaram os mecanismos imunopatogênicos envolvidos na 
resposta imune ao glúten no intestino delgado.
Ao longo do século XX e início do século XXI, a compreensão da doença 
celíaca avançou rapidamente, impulsionada pelos progressos da 
gastroenterologia, da imunologia, da genética e da biologia molecular. A 
identificação das alterações histopatológicas características da doença 
celíaca na biópsia do intestino delgado, como a atrofia vilositária, a 
hiperplasia de criptas e o aumento da infiltração linfocítica intraepitelial, 
tornou a biópsia intestinal o padrão ouro para o diagnóstico da doença. 
A descoberta dos autoanticorpos associados à doença celíaca, como os 
anticorpos anti-transglutaminase tecidual (anti-TG2), os anticorpos anti-
endomísio (EMA) e os anticorpos anti-desamidada gliadina peptídeo 
(anti-DGP), forneceu ferramentas diagnósticas não invasivas 
importantes e confirmou a natureza autoimune da doença. Os estudos 
genéticos revelaram a forte associação da doença celíaca com genes do 
sistema HLA, em particular os alelos HLA-DQ2 e HLA-DQ8, que são 
responsáveis por mais de 90% da suscetibilidade genética à doença. A 
pesquisa imunológica desvendou os intrincados mecanismos 
imunopatogênicos envolvidos na resposta imune ao glúten na doença 
celíaca, revelando o papel central dos linfócitos T CD4+ auxiliares, das 
citocinas pró-inflamatórias e da imunidade inata na patogenia da 
doença. Esses avanços na compreensão da patogenia da doença celíaca 
abriram caminho para o desenvolvimento de estratégias diagnósticas 
mais precisas e para o manejo terapêutico baseado na dieta isenta de 
glúten, que continua sendo o tratamento fundamental para a doença 
celíaca, e para a busca de novas terapias adjuvantes ou alternativas 
para pacientes com doença refratária ou complicações da doença 
celíaca.
O ponto de partida para a doença celíaca é a ingestão de glúten, a 
proteína complexa presente no trigo, centeio e cevada. O glúten é 
composto principalmente por duas frações proteicas, as gliadinas e as 
gluteninas. As gliadinas, em particular, são consideradas as principais 
frações imunogênicas do glúten na doença celíaca. Ao chegar ao 
intestino delgado, o glúten é parcialmente digerido por enzimas 
intestinais, mas algumas frações de gliadina, ricas em peptídeos 
resistentes à digestão, persistem e podem atravessar a barreira epitelial 
intestinal. Em indivíduos saudáveis, esses peptídeos de gliadina são 
geralmente tolerados pelo sistema imunológico intestinal, sem 
desencadear uma resposta inflamatória significativa. No entanto, em 
indivíduos geneticamente suscetíveis à doença celíaca, esses peptídeos 
de gliadina são reconhecidos como "estranhos" e perigosos pelo 
sistema imunológico, iniciando uma cascata de eventos imunológicos 
desregulados.
A predisposição genética é um fator essencial para o desenvolvimento 
da doença celíaca. Os genes do sistema HLA, em particular os alelos 
HLA-DQ2 e HLA-DQ8, conferem o maior risco genético para a doença 
celíaca, sendo encontrados em mais de 90% dos pacientes com DC. 
Esses genes HLA codificam moléculas de classe II do MHC (Complexo 
Principal de Histocompatibilidade), que desempenham um papel crucial 
na apresentação de antígenos aos linfócitos T CD4+ auxiliares. Os alelos 
HLA-DQ2 e HLA-DQ8 apresentam peptídeos de gliadina desamidada 
com alta afinidade, facilitando o reconhecimento desses peptídeos 
pelos linfócitos T CD4+ e desencadeando a resposta imune adaptativa 
ao glúten. É importante ressaltar que a presença dos genes HLA-DQ2 ou 
HLA-DQ8 não é suficiente por si só para causar a doença celíaca, pois 
cerca de 30-40% da população geral possui esses genes, mas apenas 
uma pequena proporção desenvolve a doença celíaca. Outros genes 
não-HLA, relacionados à função imunológica, à barreira intestinal e à 
resposta inflamatória, também contribuem para a suscetibilidade 
genética à doença celíaca, embora em menor grau. Fatores ambientais, 
além da ingestão de glúten, podem modular o risco de desenvolver 
doença celíaca em indivíduos geneticamente predispostos, incluindo 
infecções, disbiose intestinal, fatores dietéticos (como a introdução 
precoce ou tardia do glúten na dieta infantil, ou a quantidade de glúten 
consumida) e fatores perinatais (como o tipo de parto e o aleitamento 
materno).
Uma vez que os peptídeos de gliadina atravessam a barreira epitelial 
intestinal em indivíduos geneticamente suscetíveis, eles são 
desamidados pela enzima transglutaminase tecidual tipo 2 (TG2), uma 
enzima ubiquitária presente na mucosa intestinal e em outros tecidos. A 
desamidação da gliadina aumenta a sua imunogenicidade, tornando os 
peptídeos de gliadina mais propensos a se ligarem às moléculas HLA-
DQ2 ou HLA-DQ8 e a serem reconhecidos pelos linfócitos T CD4+. As 
células apresentadoras de antígenos (APCs) na mucosa intestinal, como 
as células dendríticas e os macrófagos, capturam os peptídeos de 
gliadina desamidada, processam-nos e apresentam-nos aos linfócitos T 
CD4+ auxiliares no contexto das moléculas HLA-DQ2 ou HLA-DQ8. Os 
linfócitos T CD4+ reconhecem os peptídeos de gliadina desamidada 
apresentados pelas APCs e tornam-se ativados e diferenciados em 
subpopulações de células Th, principalmente linfócitos T auxiliares do 
tipo 1 (Th1). As células Th1 ativadas liberam interferon-gama (IFN-γ), 
uma citocina pró-inflamatória chave na patogenia da doença celíaca. O 
IFN-γ ativa macrófagos e outras células imunes, induz a expressão de 
moléculas HLA de classe I e II nas células epiteliais intestinais 
(enterócitos), e contribui para o dano da mucosa intestinal. Além das 
células Th1, outras subpopulações de linfócitos T CD4+, como as células 
Th17 e as células Th21, também podem participar da patogenia da 
doença celíaca, produzindo outras citocinas pró-inflamatórias, como a 
interleucina-17 (IL-17) e a interleucina-21 (IL-21).
Além da resposta imune adaptativa mediada por linfócitos T CD4+, a 
imunidade inata também desempenha um papel importante na 
patogenia da doença celíaca. O contato do glúten com as células 
epiteliais intestinais pode ativar a imunidade inata, através do 
reconhecimentode padrões moleculares associados a patógenos 
(PAMPs) ou padrões moleculares associados a danos (DAMPs) presentes 
no glúten ou induzidos pela inflamação. A ativação da imunidade inata 
leva à liberação de citocinas pró-inflamatórias pelas células epiteliais 
intestinais e por células da imunidade inata, como as células epiteliais 
intestinais (enterócitos), os macrófagos e as células natural killer (NK). A 
interleucina-15 (IL-15) é uma citocina da imunidade inata 
particularmente importante na patogenia da doença celíaca, sendo 
produzida em excesso pelos enterócitos em resposta ao glúten. A IL-15 
estimula a proliferação e a atividade citotóxica dos linfócitos 
intraepiteliais (LIEs), um tipo especializado de linfócitos presentes na 
camada epitelial da mucosa intestinal. Na doença celíaca, os LIEs, 
principalmente os LIEs CD8+ citotóxicos, tornam-se ativados e começam 
a expressar marcadores de ativação e citotoxicidade, como o CD69 e a 
perforina. Os LIEs ativados liberam enzimas citotóxicas e induzem 
apoptose (morte celular programada) dos enterócitos, contribuindo 
para o dano da mucosa intestinal e a atrofia vilositária.
A inflamação crônica na mucosa intestinal na doença celíaca leva ao 
dano da mucosa e às alterações histopatológicas características da 
doença, como a atrofia vilositária, a hiperplasia de criptas e o aumento 
da infiltração linfocítica intraepitelial. A atrofia vilositária é a redução ou 
o desaparecimento das vilosidades intestinais, as projeções digitiformes 
da mucosa intestinal responsáveis por aumentar a superfície de 
absorção de nutrientes. A atrofia vilositária reduz drasticamente a área 
de superfície absortiva do intestino delgado, levando à má absorção de 
nutrientes, que é uma das principais consequências da doença celíaca e 
contribui para as manifestações clínicas da doença. A hiperplasia de 
criptas é o aumento do número e do tamanho das criptas de 
Lieberkühn, as invaginações da mucosa intestinal localizadas entre as 
vilosidades, como uma resposta compensatória à destruição das 
vilosidades. O aumento da infiltração linfocítica intraepitelial é o 
aumento do número de LIEs na camada epitelial da mucosa intestinal, 
refletindo a ativação da imunidade inata e adaptativa na mucosa 
intestinal. Essas alterações histopatológicas, em conjunto, caracterizam 
a enteropatia celíaca e são essenciais para o diagnóstico da doença.
Os sintomas da doença celíaca são notoriamente variáveis e 
inespecíficos, o que contribui para o subdiagnóstico e o atraso no 
diagnóstico da doença. A apresentação clínica da doença celíaca pode 
variar amplamente, desde formas clássicas, com sintomas 
gastrointestinais proeminentes, até formas não clássicas ou atípicas, 
com manifestações predominantemente extra-intestinais ou mesmo 
assintomáticas, tornando o reconhecimento clínico um verdadeiro 
desafio. A apresentação clássica da doença celíaca, mais comum em 
crianças pequenas, é caracterizada por sintomas gastrointestinais 
relacionados à má absorção de nutrientes e à inflamação intestinal. A 
diarreia crônica, frequentemente volumosa, pastosa, gordurosa 
(esteatorreia) e fétida, é um sintoma cardinal, resultante da má 
absorção de gorduras e outros nutrientes. A dor abdominal, o inchaço 
abdominal, a distensão abdominal, os gases (flatulência) e os vômitos 
também são sintomas gastrointestinais comuns. A perda de peso ou 
dificuldade para ganhar peso em crianças, e a fadiga e a fraqueza, são 
sintomas sistêmicos frequentes na doença celíaca clássica, refletindo a 
má absorção de nutrientes e a inflamação crônica. O atraso no 
crescimento e na puberdade em crianças e adolescentes, e a 
irritabilidade e as alterações de humor, podem ser outras 
manifestações da doença celíaca clássica em crianças.
No entanto, em adultos e em crianças mais velhas, a apresentação da 
doença celíaca é frequentemente não clássica ou atípica, com sintomas 
gastrointestinais menos proeminentes ou ausentes, e manifestações 
extra-intestinais predominantes. As manifestações extra-intestinais da 
doença celíaca são extremamente diversas e podem afetar 
praticamente todos os órgãos e sistemas do corpo. A anemia ferropriva 
(deficiência de ferro) inexplicada, resistente à suplementação oral de 
ferro, é uma manifestação extra-intestinal comum da doença celíaca, 
resultante da má absorção de ferro no intestino delgado. A osteoporose 
ou osteopenia (diminuição da densidade óssea), o aumento do risco de 
fraturas ósseas, e a dor óssea ou muscular podem ocorrer devido à má 
absorção de cálcio e vitamina D. A fadiga crônica, mesmo na ausência 
de anemia ou outras deficiências nutricionais, é uma queixa frequente 
em adultos com doença celíaca. As manifestações neurológicas, como a 
neuropatia periférica (formigamento, dormência e dor nos pés e nas 
mãos), a ataxia (falta de coordenação motora), a epilepsia 
(principalmente com calcificações cerebrais occipitais), a enxaqueca e a 
depressão, podem ocorrer em associação com a doença celíaca. As 
manifestações dermatológicas, como a dermatite herpetiforme, uma 
erupção cutânea pruriginosa com vesículas e pápulas, localizada 
principalmente nos cotovelos, joelhos, nádegas e couro cabeludo, são 
altamente específicas para a doença celíaca, e representam a 
manifestação cutânea da doença. Outras manifestações cutâneas 
menos específicas incluem o eczema, a psoríase e a alopecia areata. As 
manifestações hepáticas, como a elevação das enzimas hepáticas 
(transaminases) inexplicada, a hepatite autoimune e a cirrose biliar 
primária, podem estar associadas à doença celíaca. As manifestações 
endócrinas, como o diabetes mellitus tipo 1, a tireoidite autoimune e a 
infertilidade ou abortos de repetição em mulheres, têm uma associação 
aumentada com a doença celíaca. A estomatite aftosa recorrente 
(úlceras na boca), o esmalte dentário hipoplásico (alterações no esmalte 
dos dentes) e a dor abdominal recorrente sem diarreia também podem 
ser manifestações da doença celíaca. Em alguns casos, a doença celíaca 
pode ser assintomática ou silenciosa, sem sintomas clínicos aparentes, 
mas com alterações histopatológicas na biópsia intestinal e positividade 
dos testes sorológicos. Essas formas assintomáticas ou silenciosas da 
doença celíaca também podem apresentar risco de complicações a 
longo prazo, como o aumento do risco de doenças autoimunes, 
osteoporose e linfoma intestinal. É importante ressaltar que a doença 
celíaca pode se apresentar de inúmeras maneiras, e a ausência de 
sintomas gastrointestinais clássicos não exclui o diagnóstico da doença. 
A suspeita clínica de doença celíaca deve ser considerada em uma 
ampla gama de pacientes com sintomas gastrointestinais ou extra-
intestinais sugestivos, especialmente em indivíduos com fatores de 
risco, como histórico familiar de doença celíaca ou outras doenças 
autoimunes, diabetes mellitus tipo 1, tireoidite autoimune, síndrome de 
Down, síndrome de Turner, síndrome de Williams e deficiência de IgA 
seletiva.
O diagnóstico da doença celíaca é baseado na combinação da avaliação 
clínica, dos exames sorológicos, dos testes genéticos HLA e da biópsia 
do intestino delgado. A história clínica detalhada, incluindo a descrição 
dos sintomas, o tempo de evolução, o histórico familiar de doença 
celíaca e a avaliação dos fatores de risco, é o ponto de partida para o 
diagnóstico. Os exames sorológicos são fundamentais para o 
rastreamento e o diagnóstico da doença celíaca. Os principais testes 
sorológicos utilizados são a pesquisa de anticorpos anti-
transglutaminase tecidual IgA (anti-TG2 IgA), a pesquisa de anticorpos 
anti-endomísio IgA (EMA IgA) e a pesquisa de anticorpos anti-
desamidada gliadina peptídeo IgG e IgA (anti-DGP IgG e IgA). O anti-TG2 
IgA é o teste sorológico de primeira linha para o rastreamento da 
doença celíaca, apresentando alta sensibilidade e especificidade em 
adultos e crianças acima de 2 anos de idade. O EMA IgA é um teste mais 
específico para a doença celíaca, mas menos sensível queo anti-TG2 
IgA, e geralmente é utilizado como teste confirmatório em casos de anti-
TG2 IgA positivo. Os anti-DGP IgG e IgA podem ser úteis em casos de 
deficiência de IgA seletiva (uma condição relativamente comum em 
pacientes com doença celíaca, que pode levar a resultados falso-
negativos do anti-TG2 IgA e EMA IgA), ou em crianças menores de 2 
anos de idade. É importante realizar os testes sorológicos enquanto o 
paciente ainda está consumindo glúten na dieta, pois a dieta isenta de 
glúten pode negativar os testes sorológicos ao longo do tempo. Os 
testes genéticos HLA para identificar a presença dos alelos HLA-DQ2 e 
HLA-DQ8 podem ser úteis em algumas situações clínicas, como para 
excluir o diagnóstico de doença celíaca em pacientes com baixa 
probabilidade pré-teste e testes sorológicos negativos, para auxiliar no 
diagnóstico em casos duvidosos ou soronegativos, ou para rastrear 
familiares de primeiro grau de pacientes com doença celíaca. No 
entanto, os testes genéticos HLA não são diagnósticos por si só, pois 
apenas indicam a predisposição genética à doença, e não a presença da 
doença celíaca ativa. A biópsia do intestino delgado, obtida por 
endoscopia digestiva alta (EDA) com coleta de biópsias do duodeno, é o 
padrão ouro para o diagnóstico da doença celíaca, e é essencial para 
confirmar o diagnóstico em pacientes com testes sorológicos positivos 
ou em casos de alta suspeita clínica com testes sorológicos 
inconclusivos. A biópsia intestinal permite avaliar as alterações 
histopatológicas características da doença celíaca, como a atrofia 
vilositária, a hiperplasia de criptas e o aumento da infiltração linfocítica 
intraepitelial, e classificar o grau de dano da mucosa intestinal de 
acordo com a classificação de Marsh. O teste terapêutico com dieta 
isenta de glúten (DIG) pode ser considerado em casos selecionados, 
como em pacientes com alta suspeita clínica de doença celíaca, testes 
sorológicos negativos ou inconclusivos e contraindicação à biópsia 
intestinal. O teste terapêutico consiste na adoção de uma DIG rigorosa 
por um período de tempo (geralmente 6-12 meses), e na avaliação da 
melhora clínica e laboratorial após a DIG. No entanto, o teste 
terapêutico não é recomendado como método diagnóstico primário da 
doença celíaca, e a biópsia intestinal continua sendo o padrão ouro para 
o diagnóstico. O diagnóstico diferencial da doença celíaca inclui outras 
causas de má absorção intestinal, diarreia crônica, dor abdominal e 
sintomas extra-intestinais, como a síndrome do intestino irritável (SII), a 
doença inflamatória intestinal (DII), a giardíase, a insuficiência 
pancreática exócrina, a intolerância à lactose e outras enteropatias. A 
combinação da avaliação clínica, dos exames sorológicos, dos testes 
genéticos HLA e da biópsia intestinal permite ao médico estabelecer o 
diagnóstico preciso de doença celíaca e orientar o tratamento 
adequado.
O tratamento da doença celíaca é baseado fundamentalmente na dieta 
isenta de glúten (DIG) rigorosa e por toda a vida. A DIG consiste na 
exclusão completa de todos os alimentos e produtos que contenham 
glúten, incluindo o trigo, o centeio, a cevada e seus derivados, e na 
substituição por alimentos naturalmente isentos de glúten, como o 
arroz, o milho, a batata, a mandioca, o feijão, as frutas, os vegetais, as 
carnes, os peixes e os ovos. A DIG é o único tratamento eficaz para a 
doença celíaca, e a adesão rigorosa à DIG é essencial para alcançar a 
remissão clínica, normalizar a mucosa intestinal, prevenir complicações 
a longo prazo e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. A DIG 
requer educação nutricional detalhada e acompanhamento nutricional 
regular por um nutricionista especializado em doença celíaca, para 
garantir a adesão à dieta, a adequação nutricional da dieta, e o manejo 
de possíveis dificuldades ou restrições alimentares. A leitura atenta dos 
rótulos dos alimentos é fundamental para identificar e evitar alimentos 
que contenham glúten "oculto", presente em muitos alimentos 
processados, industrializados e em medicamentos. A contaminação 
cruzada com glúten durante o preparo e o cozimento dos alimentos 
deve ser evitada, utilizando utensílios de cozinha, panelas, pratos e 
talheres limpos e separados para alimentos sem glúten, e evitando o 
contato com alimentos que contenham glúten. A melhora clínica com a 
DIG geralmente é observada em poucas semanas ou meses após o 
início da dieta, com alívio dos sintomas gastrointestinais e extra-
intestinais, melhora do estado nutricional e da qualidade de vida. A 
normalização da mucosa intestinal e a negativação dos testes 
sorológicos podem levar meses ou anos para serem alcançadas, mesmo 
com uma DIG rigorosa, e o acompanhamento regular com biópsias 
intestinais de controle pode ser recomendado para avaliar a resposta 
histopatológica à DIG, especialmente em casos de doença refratária ou 
persistência de sintomas. A suplementação vitamínica e mineral pode 
ser necessária em pacientes com doença celíaca, especialmente no 
momento do diagnóstico, para corrigir deficiências nutricionais comuns, 
como deficiência de ferro, cálcio, vitamina D, vitamina B12 e ácido fólico. 
O tratamento farmacológico na doença celíaca é geralmente reservado 
para casos específicos, como para tratar complicações da doença (como 
a anemia ferropriva grave, a osteoporose ou a dermatite herpetiforme), 
ou para pacientes com doença celíaca refratária, uma forma rara de 
doença celíaca que não responde à DIG rigorosa. Em pacientes com 
doença celíaca refratária, imunossupressores, como os corticosteroides, 
a azatioprina, a 6-mercaptopurina ou a budesonida podem ser 
utilizados para controlar a inflamação intestinal e aliviar os sintomas, 
mas o tratamento da doença celíaca refratária é desafiador e requer 
acompanhamento médico especializado. O acompanhamento médico 
regular é fundamental para pacientes com doença celíaca, incluindo 
consultas com gastroenterologista, nutricionista e outros especialistas, 
conforme necessário, para monitorar a adesão à DIG, avaliar a resposta 
clínica e laboratorial ao tratamento, detectar precocemente possíveis 
complicações ou recidivas da doença, e fornecer suporte e educação 
continuada aos pacientes. O objetivo do tratamento da doença celíaca é 
alcançar e manter a remissão clínica e histopatológica, prevenir 
complicações a longo prazo e melhorar a qualidade de vida dos 
pacientes, permitindo que vivam a vida da forma mais plena possível, 
apesar da presença dessa enteropatia autoimune crônica e desafiadora. 
Perspectivas Terapêuticas para Doenças Imunomediadas
As terapias biológicas, com sua capacidade de alvejar moléculas e 
células específicas do sistema imunológico, emergiram como um marco 
transformador, oferecendo um controle da doença mais preciso e eficaz 
para muitas condições. Os inibidores do TNF-alfa, pioneiros nessa 
revolução, abriram caminho para uma nova era no tratamento da 
artrite reumatoide, da doença inflamatória intestinal e da psoríase, 
demonstrando o poder das terapias direcionadas em modular a 
inflamação crônica. Seguindo seus passos, uma miríade de outras 
terapias biológicas surgiram, como os inibidores de interleucinas (IL-1, 
IL-6, IL-12/23, IL-17), os moduladores de linfócitos B (anti-CD20, anti-
BLyS), os moduladores de linfócitos T (CTLA-4 Ig, anti-integrinas) e os 
inibidores de vias de sinalização intracelular (inibidores de JAK), cada um 
com um alvo molecular específico e um papel crescente no tratamento 
de diversas doenças imunomediadas. Essas terapias biológicas, embora 
não sejam isentas de desafios, como o custo elevado e o potencial para 
efeitos colaterais, representam um avanço inegável, permitindo 
alcançar a remissão clínica ou a baixa atividade da doença em muitos 
pacientes, e modificar o curso natural de condições antes consideradas 
implacáveis.
Paralelamente ao avanço das terapias biológicas, o campo das terapias 
com pequenas moléculas também floresceu, oferecendo alternativasorais e, por vezes, mais acessíveis às terapias biológicas injetáveis. Os 
inibidores de JAK, por exemplo, representam uma classe promissora de 
pequenas moléculas que modulam vias de sinalização intracelular 
cruciais na inflamação, mostrando eficácia no tratamento da artrite 
reumatoide, da retocolite ulcerativa e de outras doenças 
imunomediadas. Outras pequenas moléculas em desenvolvimento 
visam modular vias de sinalização específicas, como as vias do NF-κB, do 
mTOR e do inflamatório, com o objetivo de oferecer terapias mais 
direcionadas e personalizadas.
Apesar desses avanços notáveis, o tratamento das doenças 
imunomediadas ainda enfrenta desafios persistentes. A 
heterogeneidade inerente a essas doenças, tanto em termos de 
mecanismos patogênicos subjacentes quanto de manifestações clínicas, 
torna o desenvolvimento de terapias universais um objetivo inatingível. 
Nem todos os pacientes respondem da mesma forma aos mesmos 
tratamentos, e a resistência terapêutica é uma realidade clínica que 
ainda precisa ser melhor compreendida e superada. Os efeitos 
colaterais das terapias imunossupressoras e imunomoduladoras, 
embora em muitos casos manejáveis, continuam sendo uma 
preocupação, especialmente com o uso a longo prazo, aumentando o 
risco de infecções, neoplasias e outras complicações. O diagnóstico 
precoce das doenças imunomediadas ainda é um desafio, muitas vezes 
devido à inespecificidade dos sintomas iniciais e à falta de 
biomarcadores diagnósticos robustos, o que pode atrasar o início do 
tratamento e permitir a progressão do dano orgânico irreversível. A 
qualidade de vida dos pacientes com doenças imunomediadas, mesmo 
com os avanços terapêuticos atuais, ainda pode ser significativamente 
impactada pela dor crônica, pela fadiga, pela incapacidade funcional e 
pelo impacto emocional e social da doença.
A pesquisa em doenças imunomediadas continua a ser um campo 
vibrante e em constante evolução, buscando superar esses desafios e 
abrir caminho para terapias mais eficazes, seguras e personalizadas. A 
busca por biomarcadores para o diagnóstico precoce, para a predição 
da resposta ao tratamento e para o monitoramento da atividade da 
doença é uma prioridade, com o objetivo de refinar o diagnóstico, 
estratificar os pacientes e guiar as decisões terapêuticas de forma mais 
precisa e individualizada. A compreensão mais profunda da patogenia 
das doenças imunomediadas, em nível molecular e celular, é essencial 
para identificar novos alvos terapêuticos e desenvolver terapias mais 
direcionadas e específicas, que atuem nos mecanismos causais da 
doença, em vez de apenas suprimir a resposta imune de forma 
genérica. A pesquisa em medicina personalizada ou medicina de 
precisão emerge como uma promessa para o futuro do tratamento das 
doenças imunomediadas. A medicina personalizada visa adaptar o 
tratamento a cada paciente individualmente, levando em consideração 
suas características genéticas, perfil imunológico, subtipo de doença, 
comorbidades, estilo de vida e preferências pessoais. A genômica, a 
proteômica, a metabolômica e outras abordagens "ômicas" estão sendo 
utilizadas para identificar biomarcadores genéticos, proteicos e 
metabólicos que possam predizer a resposta ao tratamento e guiar a 
seleção da terapia mais apropriada para cada paciente. A estratificação 
dos pacientes em subgrupos mais homogêneos, com base em 
características genéticas, imunológicas ou clínicas, pode permitir o 
desenvolvimento de terapias mais direcionadas e eficazes para cada 
subgrupo de pacientes. A pesquisa translacional, que busca traduzir os 
achados da pesquisa básica para a prática clínica, é fundamental para 
acelerar o desenvolvimento de novas terapias e a sua incorporação ao 
arsenal terapêutico disponível para os pacientes. A prevenção das 
doenças imunomediadas, embora ainda um objetivo distante para 
muitas condições, também começa a ser explorada, com o foco na 
identificação de fatores de risco ambientais modificáveis e no 
desenvolvimento de estratégias preventivas, como a modulação da 
microbiota intestinal, a suplementação de vitamina D e a identificação e 
intervenção em indivíduos de alto risco genético.
O futuro do tratamento das doenças imunomediadas aponta para a 
medicina personalizada, para a era da terapia sob medida, onde o 
tratamento não será mais uma abordagem "tamanho único", mas sim 
uma sinfonia terapêutica cuidadosamente orquestrada para cada 
indivíduo. Nesse futuro promissor, o diagnóstico precoce e preciso, a 
estratificação dos pacientes, a seleção de terapias direcionadas e a 
monitorização contínua da resposta ao tratamento, guiados por 
biomarcadores e pela compreensão profunda da patobiologia de cada 
doença, permitirão alcançar resultados terapêuticos superiores, 
minimizar os efeitos colaterais e melhorar significativamente a vida dos 
milhões de pessoas afetadas por essas condições complexas e 
desafiadoras. A jornada é longa e árdua, mas a esperança, impulsionada 
pela incessante busca por conhecimento e inovação, permanece acesa, 
iluminando o caminho para um futuro mais saudável e promissor para 
os pacientes com doenças imunomediadas.genética do indivíduo. Em 
pessoas geneticamente suscetíveis, um evento ambiental, como uma 
infecção viral, pode atuar como um gatilho, desencadeando o processo 
patológico que leva ao desenvolvimento da doença imunomediada. Este 
gatilho pode iniciar uma cascata de eventos imunológicos desregulados, 
levando à ativação de células autorreativas, à produção de 
autoanticorpos, à inflamação crônica e ao dano tecidual característico 
da doença. Em outros casos, múltiplos fatores ambientais, atuando de 
forma cumulativa ao longo do tempo, podem contribuir para a 
progressiva desregulação do sistema imunológico e o eventual 
surgimento da doença.
A patogenia das doenças imunomediadas é, portanto, um processo 
dinâmico e multifatorial, influenciado por uma intrincada interação 
entre genes e ambiente. A predisposição genética estabelece o terreno, 
tornando certos indivíduos mais vulneráveis a desenvolverem estas 
condições. Os fatores ambientais, por sua vez, atuam como 
moduladores e gatilhos, desencadeando ou exacerbando a resposta 
imune desregulada em indivíduos geneticamente suscetíveis. 
Compreender essa complexa interação é fundamental para o 
desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas mais 
eficazes. Se pudermos identificar os fatores de risco ambientais 
modificáveis e intervir neles, e se pudermos desenvolver terapias que 
visem restaurar a tolerância imunológica e modular a resposta imune 
desregulada, estaremos mais próximos de controlar e, quem sabe um 
dia, até mesmo prevenir as doenças imunomediadas.
Compreender essa complexa interação é fundamental para o 
desenvolvimento de estratégias preventivas e terapêuticas mais 
eficazes. Se pudermos identificar os fatores de risco ambientais 
modificáveis e intervir neles, e se pudermos desenvolver terapias que 
visem restaurar a tolerância imunológica e modular a resposta imune 
desregulada, estaremos mais próximos de controlar e, quem sabe um 
dia, até mesmo prevenir as doenças imunomediadas. E para 
avançarmos ainda mais nesta jornada de compreensão, o próximo 
passo natural é explorarmos as ferramentas que temos à nossa 
disposição para diagnosticar essas condições complexas e as 
estratégias terapêuticas que utilizamos para manejar e, sempre que 
possível, aliviar o sofrimento causado por essas doenças 
imunomediadas. Afinal, diante da suspeita de uma doença 
imunomediada, como trilhamos o caminho do diagnóstico preciso e, 
uma vez confirmado o diagnóstico, quais são as armas que a medicina 
moderna nos oferece para combater essas enfermidades?
O diagnóstico de uma doença imunomediada é, frequentemente, um 
processo desafiador, uma verdadeira arte de detetive clínico. Muitas 
dessas doenças compartilham sintomas inespecíficos, como fadiga, 
febre baixa, dores articulares e musculares, o que pode tornar o 
diagnóstico inicial um quebra-cabeça complexo. O processo diagnóstico 
invariavelmente se inicia com uma anamnese detalhada, a conversa 
minuciosa entre médico e paciente, onde se busca desvendar a história 
clínica, os sintomas, o tempo de evolução, os fatores de piora e 
melhora, o histórico familiar e os possíveis fatores de risco ambientais. 
O exame físico cuidadoso é o próximo passo, buscando sinais clínicos 
que possam direcionar o diagnóstico, como inflamação articular, lesões 
de pele, alterações neurológicas, ou outros achados específicos de cada 
doença. No entanto, em muitas doenças imunomediadas, os achados 
clínicos iniciais podem ser sutis e inespecíficos, tornando os exames 
complementares cruciais para confirmar a suspeita diagnóstica e excluir 
outras condições.
Os exames laboratoriais desempenham um papel central no 
diagnóstico das doenças imunomediadas. A pesquisa de marcadores 
imunológicos específicos, como os autoanticorpos, é fundamental em 
muitas condições autoimunes. A presença de autoanticorpos como o 
fator reumatoide (FR) na artrite reumatoide, o anticorpo anti-DNA no 
lúpus eritematoso sistêmico, ou os anticorpos anti-tireoidianos na 
tireoidite de Hashimoto, pode fornecer pistas valiosas para o 
diagnóstico. No entanto, é importante ressaltar que a presença de 
autoanticorpos nem sempre é sinônimo de doença, e a interpretação 
dos resultados laboratoriais deve sempre ser feita no contexto clínico. 
Outros exames laboratoriais úteis incluem a dosagem de marcadores 
inflamatórios, como a velocidade de hemossedimentação (VHS) e a 
proteína C-reativa (PCR), que, embora inespecíficos, podem indicar a 
presença de inflamação sistêmica. Em algumas doenças, a análise do 
líquido sinovial (em casos de artrite), a biópsia de pele ou de outros 
tecidos afetados, ou exames mais especializados como a 
imunofenotipagem de células sanguíneas, podem ser necessários para 
confirmar o diagnóstico e avaliar a extensão da doença. Os exames de 
imagem, como radiografias, ultrassonografias, tomografias 
computadorizadas (TC) e ressonâncias magnéticas (RM), também são 
frequentemente utilizados para avaliar o dano tecidual e monitorar a 
progressão da doença em órgãos específicos, como articulações, 
pulmões, cérebro ou intestino. Em conjunto, a análise cuidadosa dos 
dados clínicos, laboratoriais e de imagem permite ao médico construir 
um quadro diagnóstico preciso e individualizado para cada paciente. Em 
muitos casos, o diagnóstico de uma doença imunomediada é um 
processo contínuo, que pode exigir acompanhamento clínico e 
laboratorial ao longo do tempo para confirmar o diagnóstico inicial e 
monitorar a evolução da doença.
Uma vez confirmado o diagnóstico, o foco se volta para o tratamento. 
As abordagens terapêuticas para as doenças imunomediadas têm 
evoluído significativamente nas últimas décadas, impulsionadas pelos 
avanços na compreensão da imunopatogenia dessas condições. O 
objetivo principal do tratamento é controlar a atividade da doença, 
reduzir a inflamação, aliviar os sintomas, prevenir o dano tecidual 
irreversível e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Em termos 
gerais, as terapias para doenças imunomediadas podem ser divididas 
em terapias farmacológicas e terapias não farmacológicas.
As terapias farmacológicas constituem a espinha dorsal do tratamento 
da maioria das doenças imunomediadas. Os imunossupressores, 
medicamentos que diminuem a atividade do sistema imunológico, são 
amplamente utilizados. Os corticosteroides, como a prednisona, são 
potentes anti-inflamatórios e imunossupressores, frequentemente 
utilizados em fases agudas da doença ou para controlar exacerbações. 
No entanto, devido aos seus potenciais efeitos colaterais a longo prazo, 
o uso prolongado de corticosteroides é geralmente evitado. Outros 
imunossupressores clássicos incluem o metotrexato, a azatioprina, a 
ciclosporina e a ciclofosfamida, cada um com seus mecanismos de ação 
e perfis de efeitos colaterais específicos. Mais recentemente, as terapias 
biológicas revolucionaram o tratamento de muitas doenças 
imunomediadas. Essas terapias biológicas são medicamentos 
produzidos por biotecnologia, que têm como alvo moléculas específicas 
do sistema imunológico envolvidas na patogenia da doença. Exemplos 
de terapias biológicas incluem os inibidores do TNF-alfa (como o 
infliximabe e o adalimumabe), utilizados em artrite reumatoide, doença 
inflamatória intestinal e psoríase; os inibidores da interleucina-1 (como 
o anakinra e o canakinumabe), utilizados em algumas doenças auto 
inflamatórias; os inibidores da interleucina-6 (como o tocilizumabe), 
utilizados em artrite reumatoide e arterite de células gigantes; os 
inibidores de linfócitos B (como o rituximab), utilizados em artrite 
reumatoide, lúpus e vasculites; e os moduladores de células T (como o 
abatacepte), utilizados em artrite reumatoide. As terapias biológicas 
representam um avanço significativo no tratamento das doenças 
imunomediadas, permitindo um controle mais eficaz da doença e, em 
muitos casos, a remissão clínica. Entretanto, são medicamentos mais 
caros e podem aumentar o risco de infecções, exigindo monitoramento 
cuidadoso.Mais recentemente, novas classes de medicamentos, como 
os inibidores de JAK (Janus quinases), que modulam vias de sinalização 
intracelular envolvidas na inflamação, têm se mostrado promissores no 
tratamento de diversas doenças imunomediadas.
As terapias não farmacológicas complementam o tratamento 
farmacológico e são essenciais para o manejo global das doenças 
imunomediadas. A fisioterapia e a terapia ocupacional desempenham 
um papel crucial na reabilitação funcional, no alívio da dor e na 
manutenção da mobilidade, particularmente em doenças como a artrite 
reumatoide e a esclerose múltipla. O suporte psicológico é fundamental, 
pois viver com uma doença crônica imunomediada pode ter um 
impacto significativo na saúde mental e emocional dos pacientes. 
Mudanças no estilo de vida, como a prática regular de atividade física, 
uma dieta saudável e equilibrada, cessação do tabagismo e controle do 
estresse, podem contribuir para melhorar o bem-estar geral e modular 
a resposta imune. Em alguns casos, procedimentos cirúrgicos, como a 
substituição articular em casos de dano articular grave na artrite 
reumatoide, podem ser necessários.
O tratamento das doenças imunomediadas é, em geral, individualizado, 
adaptado às características de cada paciente, à gravidade da doença, 
aos órgãos afetados e à resposta ao tratamento. O acompanhamento 
médico regular é fundamental para monitorar a atividade da doença, 
ajustar o tratamento conforme necessário e detectar precocemente 
possíveis complicações ou efeitos colaterais dos medicamentos. O 
objetivo final do tratamento é permitir que os pacientes vivam a vida da 
forma mais plena possível, apesar da presença da doença, controlando 
os sintomas, prevenindo o dano a longo prazo e melhorando a 
qualidade de vida. E com essa visão abrangente sobre diagnóstico e 
tratamento, estamos agora prontos para mergulhar no universo 
particular de cada doença imunomediada, explorando em detalhes suas 
características clínicas, mecanismos patogênicos, desafios diagnósticos 
e abordagens terapêuticas específicas. E iniciaremos essa jornada com 
uma das doenças imunomediadas sistêmicas mais paradigmáticas e 
desafiadoras: a artrite reumatoide.
Imagine a dor que se instala sorrateiramente nas mãos, nos punhos, 
nos pés, como se pequenas brasas incandescentes queimassem 
silenciosamente dentro das articulações. Imagine o inchaço, a rigidez 
matinal que aprisiona o corpo, a fadiga implacável que acompanha cada 
passo. Essa é a realidade de milhões de pessoas em todo o mundo que 
vivem com artrite reumatoide, uma doença que vai muito além da dor 
articular, tecendo uma complexa teia de manifestações sistêmicas e 
desafiando a resiliência humana.
Artrite Reumatóide
A artrite reumatoide (AR) é uma doença inflamatória crônica, sistêmica e 
autoimune, que primariamente afeta as articulações, mas que pode 
também comprometer outros órgãos e sistemas do corpo. É uma 
doença multifacetada, marcada pela inflamação persistente da 
membrana sinovial, o revestimento interno das articulações, que leva à 
destruição progressiva da cartilagem e do osso, causando dor, 
deformidade e incapacidade funcional. Mas a AR não se limita às 
articulações. Sua natureza sistêmica significa que a inflamação pode se 
manifestar em diversos órgãos, como pele, olhos, pulmões, coração e 
vasos sanguíneos, conferindo à doença uma complexidade clínica e um 
impacto significativo na qualidade de vida.
A história da artrite reumatoide, como a de muitas doenças 
imunomediadas, é uma jornada de reconhecimento gradual, desde 
descrições antigas de condições semelhantes até a compreensão 
moderna de sua natureza autoimune. Evidências arqueológicas 
sugerem que condições compatíveis com artrite reumatoide podem ter 
afligido a humanidade por milênios. Esqueletos pré-históricos com 
sinais de erosão articular e deformidades que lembram a AR foram 
encontrados em diferentes partes do mundo. No entanto, as primeiras 
descrições clínicas mais claras da doença começaram a surgir na 
literatura médica a partir do século XVII e XVIII. O médico francês 
Augustin Jacob Landré-Beauvais, no início do século XIX, é 
frequentemente creditado como um dos primeiros a distinguir a artrite 
reumatoide como uma entidade clínica separada da osteoartrite e de 
outras formas de artrite. Ele descreveu detalhadamente as 
características clínicas da doença, incluindo o envolvimento simétrico 
das articulações pequenas das mãos e dos pés, a rigidez matinal e a 
natureza crônica e progressiva da condição.
Ao longo do século XIX e início do século XX, a compreensão da artrite 
reumatoide avançou lentamente, impulsionada pela observação clínica 
e pelos primórdios da pesquisa laboratorial. A descoberta do fator 
reumatoide (FR) no sangue de pacientes com AR, na década de 1940, foi 
um marco crucial. O FR, um autoanticorpo que se liga à porção Fc da 
imunoglobulina G (IgG), tornou-se um dos principais marcadores 
laboratoriais da doença e forneceu as primeiras pistas sobre a natureza 
autoimune da AR. Nas décadas seguintes, outros autoanticorpos 
associados à AR foram identificados, como os anticorpos anti-peptídeo 
citrulinado cíclico (anti-CCP), que se mostraram ainda mais específicos 
para a doença do que o FR. O desenvolvimento de técnicas de imagem, 
como radiografias e, mais tarde, a ressonância magnética e a 
ultrassonografia, permitiu visualizar o dano articular característico da 
AR e monitorar a progressão da doença. Os avanços na imunologia, a 
partir da segunda metade do século XX, revolucionaram a compreensão 
da patogenia da artrite reumatoide. A elucidação do papel das células T, 
das citocinas inflamatórias, como o TNF-alfa e a interleucina-1, e de 
outras moléculas do sistema imunológico, revelou a complexidade da 
resposta autoimune que impulsiona a AR. Essa compreensão 
aprofundada da imunopatogenia abriu caminho para o 
desenvolvimento de terapias biológicas direcionadas, que 
transformaram o tratamento da artrite reumatoide e melhoraram 
significativamente o prognóstico e a qualidade de vida dos pacientes.
E assim, munidos desse contexto histórico e da compreensão da 
complexidade da artrite reumatoide, podemos agora nos aprofundar 
nos intrincados mecanismos imunológicos e patogênicos que 
orquestram essa doença, desvendando como o sistema imunológico, 
em um desvio de sua função protetora, se volta contra as próprias 
articulações, desencadeando a cascata inflamatória que caracteriza a 
AR.
No cerne da artrite reumatoide, reside uma intrincada dança de células 
e moléculas do sistema imunológico, uma resposta autoimune 
complexa e multifacetada que, em vez de defender o organismo, o 
ataca impiedosamente. O ponto de partida, como em muitas doenças 
autoimunes, é uma falha nos mecanismos de tolerância imunológica, a 
incapacidade do sistema imune de reconhecer os componentes das 
próprias articulações como "próprios" e, portanto, inofensivos. Em 
indivíduos geneticamente predispostos, e sob a influência de gatilhos 
ambientais ainda não totalmente elucidados, essa tolerância se rompe, 
e o sistema imunológico se volta contra antígenos articulares, iniciando 
uma cascata de eventos inflamatórios.
Um dos principais alvos dessa resposta autoimune na AR são as 
proteínas citrulinadas. A citrulinação é um processo fisiológico normal, 
no qual o aminoácido arginina em uma proteína é convertido em 
citrulina. No entanto, em indivíduos com AR, parece haver uma resposta 
imune anormalmente direcionada contra proteínas citrulinadas 
presentes nas articulações. Não se sabe ao certo o que desencadeia 
essa resposta autoimune contra a citrulinação, mas fatores genéticos e 
ambientais, como o tabagismo e certas infecções, têm sido implicados. 
Uma vez que a tolerância à citrulinação é quebrada, células do sistema 
imunológico, em particular os linfócitos T, tornam-se autorreativos a 
esses antígenos citrulinados. Os linfócitos T auxiliares (Th), 
especialmente as subpopulações Th1 e Th17, desempenham um papelcentral na patogenia da AR. As células Th1 liberam citocinas como o 
interferon-gama (IFN-γ) e o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), que 
promovem a inflamação e a ativação de macrófagos. As células Th17, 
por sua vez, produzem interleucina-17 (IL-17), uma citocina pró-
inflamatória que contribui para a destruição articular e o recrutamento 
de neutrófilos para a sinóvia, o tecido que reveste as articulações. 
Curiosamente, as células T reguladoras (Tregs), que normalmente 
suprimem a autoimunidade, parecem estar disfuncionais ou em 
número reduzido na AR, o que contribui para a falta de controle da 
resposta autoimune.
Os linfócitos B também desempenham um papel importante na AR, 
principalmente através da produção de autoanticorpos, como o fator 
reumatoide (FR) e os anticorpos anti-peptídeo citrulinado cíclico (anti-
CCP). O FR, como já mencionado, é um autoanticorpo que se liga à 
porção Fc da IgG, formando imunocomplexos que podem se depositar 
nas articulações e ativar o sistema complemento, intensificando a 
inflamação. Os anticorpos anti-CCP, por sua vez, são altamente 
específicos para a AR e parecem estar mais diretamente envolvidos na 
patogenia da doença. Eles podem ativar o sistema complemento, 
induzir a liberação de citocinas inflamatórias e promover a ativação de 
outras células imunes na sinóvia. A presença de FR e anti-CCP no 
sangue de pacientes com AR não apenas auxilia no diagnóstico, mas 
também está associada a um curso mais agressivo da doença e a um 
maior risco de dano articular.
Na articulação, a resposta imune desregulada desencadeia uma cascata 
inflamatória na membrana sinovial. As células imunes infiltradas na 
sinóvia, incluindo linfócitos T, linfócitos B, macrófagos e células 
dendríticas, liberam uma variedade de citocinas pró-inflamatórias, como 
o TNF-α, a interleucina-1 (IL-1) e a interleucina-6 (IL-6). O TNF-α, em 
particular, é uma citocina chave na patogenia da AR, desempenhando 
um papel central na inflamação sinovial, na destruição da cartilagem e 
do osso e nas manifestações sistêmicas da doença. A IL-1 também 
contribui para a inflamação e a destruição articular, enquanto a IL-6 é 
importante para as manifestações sistêmicas da AR, como a febre e a 
fadiga, e também estimula a produção de proteínas de fase aguda pelo 
fígado. Além das citocinas, outras moléculas inflamatórias, como as 
quimiocinas, atraem mais células imunes para a sinóvia, perpetuando e 
amplificando a inflamação.
A inflamação crônica na sinóvia leva à formação do pannus sinovial, um 
tecido sinovial hiperplásico e invasivo, rico em células inflamatórias, 
fibroblastos sinoviais e vasos sanguíneos. O pannus sinovial invade a 
cartilagem articular e o osso subcondral, liberando enzimas destrutivas, 
como as metaloproteinases de matriz (MMPs), que degradam a matriz 
extracelular da cartilagem e do osso. Os condrócitos, as células da 
cartilagem, e os osteoclastos, as células responsáveis pela reabsorção 
óssea, também são ativados e contribuem para a destruição articular. 
Esse processo destrutivo progressivo leva à erosão da cartilagem e do 
osso, ao estreitamento do espaço articular, à formação de cistos ósseos 
e, eventualmente, à deformidade articular característica da artrite 
reumatoide.
Embora a artrite reumatoide seja primariamente uma doença articular, 
sua natureza sistêmica significa que a inflamação pode se manifestar 
em outros órgãos e sistemas. As manifestações extra-articulares da AR 
incluem nódulos reumatoides (lesões granulomatosas na pele e em 
outros tecidos), vasculite reumatoide (inflamação dos vasos 
sanguíneos), doença pulmonar intersticial, pericardite (inflamação do 
pericárdio, a membrana que envolve o coração), esclerite (inflamação 
da esclera, a parte branca do olho) e síndrome de Sjögren secundária 
(secura dos olhos e da boca). Essas manifestações extra-articulares 
contribuem para a morbidade e a mortalidade associadas à artrite 
reumatoide.
Em resumo, a patogenia da artrite reumatoide é um processo complexo 
e multifatorial, impulsionado por uma resposta autoimune desregulada 
contra antígenos articulares, em particular proteínas citrulinadas. 
Células T, células B, macrófagos e fibroblastos sinoviais, juntamente 
com citocinas inflamatórias, autoanticorpos e enzimas destrutivas, 
atuam em concerto para perpetuar a inflamação sinovial, destruir a 
cartilagem e o osso, e gerar as manifestações clínicas características da 
doença. A compreensão detalhada desses mecanismos patogênicos 
tem sido fundamental para o desenvolvimento de terapias direcionadas 
que revolucionaram o tratamento da artrite reumatoide, e continua a 
ser a base para a busca de novas e mais eficazes abordagens 
terapêuticas. E para compreendermos o impacto da AR na vida dos 
pacientes, e como reconhecemos essa doença complexa, o próximo 
passo é explorarmos os sintomas, o diagnóstico e as opções de 
tratamento disponíveis.
Afinal, como se manifesta essa orquestra de autoagressão no corpo 
humano? Quais são os sinais que nos alertam para a presença da artrite 
reumatoide, e como a medicina moderna intervém para restaurar a 
harmonia e aliviar o sofrimento?
Os sintomas da artrite reumatoide são tão variados quanto a própria 
doença, refletindo sua natureza sistêmica e a diversidade de órgãos que 
podem ser afetados. No entanto, a marca registrada da AR é, sem 
dúvida, o envolvimento das articulações. A doença tipicamente se 
manifesta com dor articular, que pode variar de leve a intensa, e que 
frequentemente piora com o movimento e melhora com o repouso 
inicial, mas que, com a progressão da doença, se torna persistente e 
constante. Essa dor articular é acompanhada de inchaço, calor e 
vermelhidão nas articulações afetadas, sinais clássicos de inflamação. A 
rigidez matinal é outro sintoma característico, uma sensação de 
articulações "presas" e difíceis de mover ao acordar, que pode durar 
mais de 30 minutos e, em alguns casos, persistir por horas. As 
articulações mais comumente afetadas na AR são as pequenas 
articulações das mãos e dos punhos, como as metacarpofalangeanas 
(MCPs) e interfalangeanas proximais (IFPs), e as articulações dos pés, 
como as metatarsofalangeanas (MTFs). O envolvimento é tipicamente 
simétrico, ou seja, afeta as mesmas articulações em ambos os lados do 
corpo, embora essa simetria nem sempre esteja presente no início da 
doença. Com o tempo, a inflamação crônica pode levar à deformidade 
articular, com desvio ulnar dos dedos, deformidade em botoeira ou em 
pescoço de cisne nos dedos das mãos, e outras alterações que refletem 
o dano progressivo à cartilagem e ao osso. A perda de função é uma 
consequência inevitável do dano articular, dificultando atividades 
cotidianas como vestir-se, cozinhar, escrever ou caminhar, impactando 
profundamente a qualidade de vida dos pacientes.
Além das manifestações articulares, a artrite reumatoide pode 
apresentar sintomas sistêmicos, reflexo da inflamação que se espalha 
para além das articulações. A fadiga é um sintoma extremamente 
comum e debilitante, muitas vezes desproporcional ao grau de 
inflamação articular, e que pode afetar a capacidade de realizar 
atividades diárias e profissionais. A febre baixa, a perda de apetite e o 
mal-estar geral também podem estar presentes, especialmente em 
fases mais ativas da doença. As manifestações extra-articulares, como já 
mencionado, podem afetar diversos órgãos. Os nódulos reumatoides, 
lesões firmes e indolores que se formam sob a pele, principalmente em 
áreas de pressão como cotovelos e dedos, são relativamente comuns. O 
envolvimento pulmonar, com doença pulmonar intersticial, pode causar 
falta de ar e tosse. A vasculite reumatoide, embora menos frequente, é 
uma complicação grave que pode afetar diversos órgãos, como pele, 
nervos e vasos sanguíneos, causando sintomas como púrpura palpável 
(lesões avermelhadas na pele), neuropatia periférica (alterações da 
sensibilidade e força nos nervos) e úlceras nas pernas. O envolvimento 
cardíaco, compericardite ou miocardite, pode causar dor no peito e 
falta de ar. O envolvimento ocular, com esclerite ou síndrome seca 
(secura dos olhos), pode causar dor ocular, vermelhidão e sensação de 
areia nos olhos. A anemia, a trombocitopenia (diminuição das 
plaquetas) e a síndrome de Felty (esplenomegalia e neutropenia) são 
outras manifestações sistêmicas que podem ocorrer na AR. É 
importante ressaltar que a apresentação clínica da artrite reumatoide é 
altamente variável, e nem todos os pacientes apresentarão todos esses 
sintomas. Alguns podem ter predominantemente envolvimento 
articular, enquanto outros podem ter manifestações extra-articulares 
mais proeminentes. A gravidade da doença também varia amplamente, 
desde formas leves e controláveis até formas graves e progressivas que 
levam a incapacidade significativa.
O diagnóstico da artrite reumatoide é baseado na combinação da 
avaliação clínica, dos exames laboratoriais e de imagem. Como já 
mencionado, a anamnese e o exame físico cuidadosos são 
fundamentais para identificar os sintomas característicos e os sinais de 
inflamação articular. Os exames laboratoriais desempenham um papel 
crucial. A pesquisa do fator reumatoide (FR) e dos anticorpos anti-
peptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP) no sangue é essencial. Embora o 
FR não seja específico para AR e possa estar presente em outras 
condições, sua presença, especialmente em títulos elevados, aumenta a 
probabilidade do diagnóstico. Os anticorpos anti-CCP, por sua vez, são 
mais específicos para AR e têm alta sensibilidade e especificidade para a 
doença. A presença de ambos, FR e anti-CCP, aumenta ainda mais a 
probabilidade de AR e está associada a um prognóstico pior. A dosagem 
de marcadores inflamatórios, como a velocidade de 
hemossedimentação (VHS) e a proteína C-reativa (PCR), também é útil 
para avaliar a atividade inflamatória da doença. Os exames de imagem, 
como radiografias das mãos e dos pés, são importantes para detectar o 
dano articular característico da AR, como erosões ósseas e pinçamento 
do espaço articular. A ultrassonografia e a ressonância magnética 
podem ser mais sensíveis para detectar inflamação sinovial precoce e 
erosões ósseas em fases iniciais da doença, e podem ser utilizadas para 
monitorar a resposta ao tratamento. Os critérios de classificação do 
American College of Rheumatology (ACR) e da European League Against 
Rheumatism (EULAR), revisados em 2010, são amplamente utilizados 
para auxiliar no diagnóstico da artrite reumatoide, combinando dados 
clínicos, laboratoriais e de duração dos sintomas para estratificar a 
probabilidade de AR. No entanto, é importante ressaltar que o 
diagnóstico da AR é, em última análise, clínico, baseado na avaliação 
global do paciente pelo médico reumatologista, que integra todas as 
informações disponíveis para chegar a um diagnóstico preciso e 
individualizado. O diagnóstico diferencial da artrite reumatoide inclui 
outras formas de artrite inflamatória, como a artrite psoriásica, a 
espondilite anquilosante, o lúpus eritematoso sistêmico e a osteoartrite, 
bem como outras condições que podem causar dor e inflamação 
articular.
O tratamento da artrite reumatoide evoluiu dramaticamente nas 
últimas décadas, transformando o prognóstico da doença. O objetivo 
principal do tratamento moderno é alcançar a remissão clínica ou, pelo 
menos, um estado de baixa atividade da doença, prevenindo o dano 
articular progressivo, controlando os sintomas, melhorando a função 
física e a qualidade de vida, e reduzindo o risco de complicações e 
mortalidade. A abordagem terapêutica é multidisciplinar e 
individualizada, adaptada às características de cada paciente, à 
gravidade da doença, aos fatores prognósticos e à resposta ao 
tratamento. O tratamento farmacológico é a base do manejo da AR, e 
inclui diversas classes de medicamentos. Os medicamentos 
modificadores do curso da doença (DMCDs) são a pedra angular do 
tratamento, visando suprimir a resposta autoimune e a inflamação 
crônica, e prevenir o dano articular a longo prazo. O metotrexato é o 
DMCD de primeira linha para a maioria dos pacientes com AR, sendo 
eficaz, relativamente seguro e de baixo custo. Outros DMCDs 
convencionais incluem a sulfassalazina, a hidroxicloroquina e a 
leflunomida, que podem ser utilizados em monoterapia ou em 
combinação com o metotrexato. As terapias biológicas, como os 
inibidores do TNF-alfa (infliximabe, adalimumabe, etanercepte, 
golimumabe, certolizumabe pegol), os inibidores da interleucina-1 
(anakinra), os inibidores da interleucina-6 (tocilizumabe, sarilumabe), os 
inibidores de linfócitos B (rituximab) e os moduladores de células T 
(abatacepte), revolucionaram o tratamento da AR, proporcionando um 
controle mais eficaz da doença em muitos pacientes que não 
respondem adequadamente aos DMCDs convencionais. As terapias 
biológicas podem ser utilizadas em monoterapia ou em combinação 
com o metotrexato ou outros DMCDs convencionais. Os inibidores de 
JAK (tofacitinibe, baricitinibe, upadacitinibe), uma classe mais recente de 
medicamentos, também se mostraram eficazes no tratamento da AR, 
atuando por via oral e modulando vias de sinalização intracelular 
envolvidas na inflamação. Os corticosteroides, como a prednisona, são 
potentes anti-inflamatórios e podem ser utilizados em doses baixas por 
curtos períodos para controlar exacerbações da doença ou como 
terapia de ponte no início do tratamento com DMCDs, enquanto estes 
começam a fazer efeito. No entanto, o uso prolongado de 
corticosteroides é geralmente evitado devido aos seus potenciais efeitos 
colaterais. Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), como o 
ibuprofeno e o naproxeno, podem ser utilizados para aliviar a dor e a 
inflamação, mas não modificam o curso da doença e devem ser 
utilizados com cautela, especialmente em pacientes com risco 
cardiovascular ou gastrointestinal.
Além do tratamento farmacológico, as terapias não farmacológicas são 
parte integrante do manejo da artrite reumatoide. A fisioterapia e a 
terapia ocupacional são fundamentais para manter a função articular, 
fortalecer a musculatura, aliviar a dor e melhorar a capacidade de 
realizar atividades da vida diária. O exercício físico regular, adaptado às 
limitações de cada paciente, é benéfico para a saúde geral e para a 
função articular. O suporte psicológico é importante para lidar com o 
impacto emocional da doença crônica e melhorar a adesão ao 
tratamento. A educação do paciente sobre a doença, o tratamento e as 
estratégias de autocuidado são essenciais para o sucesso do manejo a 
longo prazo. Em casos selecionados, a cirurgia pode ser necessária para 
corrigir deformidades articulares graves ou substituir articulações 
danificadas.
Lúpus Eritematoso Sistêmico
Imagine uma doença que se disfarça, que assume múltiplas formas, que 
ataca diferentes partes do corpo em momentos imprevisíveis. Imagine 
erupções cutâneas que lembram asas de borboleta, fadiga exaustiva, 
dores articulares erráticas, e um sistema imunológico que, confundido, 
ataca os próprios órgãos. Essa é a face multifacetada do lúpus 
eritematoso sistêmico, uma doença autoimune enigmática e 
desafiadora, muitas vezes referida como "o camaleão" das doenças 
reumáticas, pela sua capacidade de imitar uma vasta gama de outras 
condições.
O lúpus eritematoso sistêmico (LES), ou simplesmente lúpus, é uma 
doença autoimune crônica e sistêmica, caracterizada por inflamação 
generalizada e dano tecidual que pode afetar praticamente qualquer 
órgão ou sistema do corpo. Desde a pele e as articulações, até os rins, o 
cérebro, o coração e os pulmões, o lúpus pode se manifestar de 
inúmeras maneiras, tornando o diagnóstico um verdadeiro desafio e o 
manejo clínico uma jornada complexa e individualizada. A 
imprevisibilidade e a heterogeneidade do lúpus são marcas registradas 
da doença, com períodos de exacerbação, chamados de "flares", 
alternando-se com períodos de remissão relativa, em um ciclo contínuo 
de atividade e inatividade.A história do lúpus é uma tapeçaria rica e intrincada, tecida ao longo de 
séculos de observação clínica e investigação científica. As primeiras 
descrições de lesões cutâneas que lembram o lúpus remontam à 
antiguidade, com relatos de médicos gregos e romanos que 
mencionavam erupções avermelhadas no rosto, que poderiam 
corresponder ao que hoje conhecemos como lúpus cutâneo. O termo 
"lúpus", que em latim significa "lobo", começou a ser associado a essas 
lesões cutâneas na Idade Média, possivelmente devido à semelhança da 
erupção facial com as marcas de mordida de um lobo. No século XIX, o 
dermatologista austríaco Ferdinand von Hebra descreveu 
detalhadamente o lúpus eritematoso discoide, uma forma 
predominantemente cutânea da doença. Entretanto, foi apenas no final 
do século XIX, com os trabalhos do médico canadense Sir William Osler, 
que a natureza sistêmica do lúpus começou a ser reconhecida. Osler 
descreveu as manifestações viscerais do lúpus, como o envolvimento 
renal, neurológico e cardíaco, e enfatizou que a doença não se limitava à 
pele, mas sim afetava múltiplos órgãos e sistemas. Ele cunhou o termo 
"lúpus eritematoso sistêmico" para distinguir a forma sistêmica da 
doença da forma cutânea.
O século XX testemunhou avanços cruciais na compreensão do lúpus. A 
descoberta das células LE, em 1948, por Hargraves e colaboradores, foi 
um marco fundamental. As células LE, neutrófilos ou macrófagos que 
fagocitaram material nuclear de outras células, tornaram-se o primeiro 
marcador laboratorial do lúpus e forneceram a primeira evidência de 
que a doença envolvia uma anormalidade imunológica. Nas décadas 
seguintes, a identificação de diversos autoanticorpos no soro de 
pacientes com lúpus, como os anticorpos anti-DNA, anti-Sm e anti-
fosfolípides, revolucionou a compreensão da patogenia da doença e 
consolidou o conceito de que o lúpus é uma doença autoimune 
prototípica. Os avanços na imunologia molecular e celular, a partir da 
segunda metade do século XX, permitiram desvendar os intrincados 
mecanismos imunológicos envolvidos no lúpus, revelando o papel 
central das células B, das células T, das citocinas, do sistema 
complemento e de outros componentes do sistema imune na patogenia 
da doença. Esses avanços também abriram caminho para o 
desenvolvimento de terapias mais direcionadas e eficazes para o lúpus, 
melhorando significativamente o prognóstico e a qualidade de vida dos 
pacientes.
Um dos pilares da patogenia do lúpus é a perda da tolerância 
imunológica aos autoantígenos nucleares. Normalmente, o sistema 
imunológico aprende a ignorar os componentes do próprio núcleo 
celular, como o DNA, as histonas e outras proteínas nucleares. No lúpus, 
essa tolerância se rompe, e o sistema imune começa a reconhecer esses 
autoantígenos nucleares como "estranhos" e perigosos. Não se sabe ao 
certo o que desencadeia essa quebra da tolerância, mas fatores 
genéticos desempenham um papel crucial. Genes relacionados ao 
sistema HLA, ao sistema complemento, à função de células imunes e à 
resposta inflamatória têm sido associados a um risco aumentado de 
lúpus. Fatores ambientais, como a exposição à luz ultravioleta (UV), 
infecções virais, certos medicamentos e o tabagismo, também podem 
atuar como gatilhos ou moduladores da resposta autoimune no lúpus, 
particularmente em indivíduos geneticamente predispostos. Hormônios 
sexuais femininos, como o estrogênio, parecem desempenhar um papel 
na suscetibilidade ao lúpus, o que pode explicar a maior prevalência da 
doença em mulheres em idade fértil.
Uma vez que a tolerância aos autoantígenos nucleares é quebrada, os 
linfócitos B tornam-se hiperativos e começam a produzir uma vasta 
gama de autoanticorpos, direcionados contra diversos componentes do 
núcleo celular. Esses autoanticorpos são a marca registrada do lúpus e 
desempenham um papel central na patogenia da doença. Os anticorpos 
anti-DNA de dupla hélice (anti-dsDNA) são altamente específicos para o 
lúpus e estão frequentemente associados à atividade da doença, 
particularmente ao envolvimento renal. Os anticorpos anti-Sm também 
são bastante específicos para o lúpus e podem estar associados a 
diversas manifestações clínicas. Os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB 
são comuns no lúpus e estão relacionados ao lúpus cutâneo subagudo, 
ao lúpus neonatal e ao bloqueio cardíaco congênito em bebês de mães 
com lúpus. Os anticorpos anti-fosfolípides são outra classe importante 
de autoanticorpos no lúpus, associados à síndrome antifosfolípide, uma 
complicação trombótica do lúpus que pode causar tromboses venosas e 
arteriais, abortos de repetição e trombocitopenia. Outros 
autoanticorpos relevantes no lúpus incluem os anticorpos anti-histonas, 
anti-ribonucleoproteína (anti-RNP) e anti-C1q.
Esses autoanticorpos, uma vez produzidos, podem causar dano tecidual 
por diversos mecanismos. Um dos principais mecanismos é a formação 
de imunocomplexos. Os autoanticorpos se ligam aos autoantígenos 
nucleares liberados por células em apoptose (morte celular 
programada) ou necrose, formando complexos imunes que se 
depositam em diversos tecidos, como os rins, a pele, as articulações e 
os vasos sanguíneos. O depósito de imunocomplexos ativa o sistema 
complemento, uma cascata de proteínas plasmáticas que desencadeia 
inflamação, lesão celular e recrutamento de células inflamatórias. A 
ativação do complemento é um dos principais mecanismos de dano 
tecidual no lúpus, particularmente no envolvimento renal (nefrite lúpica) 
e na vasculite lúpica.
Além da formação de imunocomplexos, os autoanticorpos no lúpus 
também podem causar dano tecidual por mecanismos diretos. Por 
exemplo, os anticorpos anti-fosfolípides podem interferir na coagulação 
sanguínea e nas funções das células endoteliais, predispondo à 
trombose. Alguns autoanticorpos podem se ligar diretamente a células 
e tecidos, ativando vias de sinalização intracelular e induzindo lesão 
celular.
Os linfócitos T, tanto as células T auxiliares (Th) quanto as células T 
citotóxicas (Tc), também desempenham um papel importante na 
patogenia do lúpus. As células Th, especialmente as subpopulações Th1 
e Th17, liberam citocinas pró-inflamatórias, como o interferon-gama 
(IFN-γ), o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), a interleucina-6 (IL-6) e a 
interleucina-17 (IL-17), que amplificam a resposta inflamatória e 
contribuem para o dano tecidual. O IFN-γ, em particular, tem sido 
associado à ativação de macrófagos e à produção de autoanticorpos. As 
células Th17 contribuem para a inflamação e o recrutamento de 
neutrófilos para os tecidos afetados. As células T reguladoras (Tregs), 
que normalmente suprimem a autoimunidade, podem estar 
disfuncionais ou em número reduzido no lúpus, o que contribui para a 
falta de controle da resposta autoimune. As células Tc podem mediar 
dano celular direto, especialmente em órgãos como a pele e os rins.
As células da imunidade inata, como os macrófagos, as células 
dendríticas e as células natural killer (NK), também estão envolvidas na 
patogenia do lúpus. Os macrófagos fagocitam imunocomplexos e 
liberam citocinas inflamatórias. As células dendríticas apresentam 
autoantígenos aos linfócitos T, perpetuando a resposta autoimune. As 
células NK podem estar disfuncionais no lúpus e contribuir para a 
desregulação imune.
A inflamação crônica e o dano tecidual no lúpus podem afetar 
praticamente qualquer órgão ou sistema do corpo, resultando na 
diversidade de manifestações clínicas da doença. O envolvimento renal 
(nefrite lúpica) é uma das complicações mais graves e frequentes do 
lúpus, podendo levar à insuficiência renal e à necessidade de diálise ou 
transplante renal. O envolvimento cutâneo é muito comum, com 
erupções características como o rash malar (em asa de borboleta) e o 
lúpus discoide. O envolvimento articular (artrite lúpica) causa dor e 
inflamação nas articulações, semelhante à artrite reumatoide, mas 
geralmente menos erosiva. O envolvimento neurológico (neuro-lúpus) 
podeafetar o sistema nervoso central e periférico, causando 
convulsões, psicose, mielite transversa, neuropatia periférica e outras 
manifestações neurológicas e psiquiátricas. O envolvimento 
hematológico é comum, com anemia, leucopenia (diminuição dos 
leucócitos) e trombocitopenia. O envolvimento cardiovascular pode 
incluir pericardite, miocardite, endocardite de Libman-Sacks e aumento 
do risco de doença cardiovascular aterosclerótica. O envolvimento 
pulmonar pode causar pleurite, pneumonia lúpica e doença pulmonar 
intersticial. Outros órgãos e sistemas que podem ser afetados no lúpus 
incluem o trato gastrointestinal, o fígado, os olhos e os vasos 
sanguíneos (vasculite lúpica).
E para compreendermos como essa doença camaleônica se apresenta 
clinicamente e como a diagnosticamos e tratamos, o próximo passo é 
explorarmos os sintomas, o diagnóstico e as opções terapêuticas 
disponíveis para o lúpus. Afinal, como reconhecer as múltiplas faces do 
lúpus? Quais são os sinais que nos alertam para essa doença sistêmica, 
e como a medicina moderna busca domar essa tempestade autoimune 
e aliviar o sofrimento dos pacientes?
Os sintomas do lúpus eritematoso sistêmico são notoriamente variáveis 
e inespecíficos, o que contribui para a dificuldade diagnóstica e para a 
reputação da doença como "o grande imitador". A apresentação clínica 
do lúpus pode variar amplamente de paciente para paciente, e mesmo 
no mesmo paciente ao longo do tempo, com períodos de exacerbação e 
remissão. A fadiga é um sintoma extremamente comum e debilitante no 
lúpus, frequentemente desproporcional à atividade da doença em 
outros órgãos, e que pode afetar profundamente a qualidade de vida. A 
febre, geralmente baixa, também pode ser um sintoma presente, 
especialmente durante os "flares" da doença. A perda de peso e o mal-
estar geral são outros sintomas sistêmicos que podem ocorrer.
O envolvimento cutâneo é uma das manifestações mais características 
do lúpus. O rash malar, ou erupção em "asa de borboleta", é uma lesão 
avermelhada que surge nas maçãs do rosto e no dorso do nariz, 
poupando o sulco nasolabial, e que frequentemente piora com a 
exposição ao sol (fotossensibilidade). O lúpus discoide é outra forma de 
lesão cutânea, caracterizada por placas avermelhadas, elevadas e 
escamosas, que podem deixar cicatrizes e alterações pigmentares. A 
fotossensibilidade, a sensibilidade anormal à luz solar, é um sintoma 
comum no lúpus, e a exposição ao sol pode desencadear ou exacerbar 
as manifestações cutâneas e sistêmicas da doença. A alopecia (queda 
de cabelo) também pode ocorrer, especialmente durante os períodos 
de atividade da doença. As úlceras orais ou nasais, geralmente 
indolores, são outra manifestação cutânea frequente. O fenômeno de 
Raynaud, caracterizado por alterações da cor dos dedos das mãos e dos 
pés (branco, azul e vermelho) em resposta ao frio ou ao estresse, 
também pode estar presente no lúpus.
O envolvimento articular (artrite lúpica) é muito comum no lúpus, 
afetando a maioria dos pacientes em algum momento da doença. A 
artrite lúpica se manifesta com dor, inchaço e rigidez nas articulações, 
de forma semelhante à artrite reumatoide, mas geralmente é menos 
erosiva e deformante. As articulações mais comumente afetadas são as 
pequenas articulações das mãos, punhos, joelhos e pés. A artrite lúpica 
pode ser migratória, afetando diferentes articulações em momentos 
diferentes.
O envolvimento renal (nefrite lúpica) é uma das complicações mais 
graves e frequentes do lúpus, e um dos principais determinantes do 
prognóstico a longo prazo. A nefrite lúpica pode se manifestar de 
diversas formas, desde alterações urinárias leves (proteinúria, 
hematúria) até síndrome nefrótica (perda maciça de proteínas na urina) 
e insuficiência renal aguda ou crônica. O diagnóstico precoce e o 
tratamento agressivo da nefrite lúpica são cruciais para prevenir a 
progressão para insuficiência renal terminal.
O envolvimento neurológico (neuro-lúpus) é outra manifestação grave e 
complexa do lúpus, que pode afetar o sistema nervoso central e 
periférico. As manifestações neurológicas do lúpus são extremamente 
diversas e incluem cefaleia, convulsões, psicose, alterações cognitivas, 
depressão, ansiedade, mielite transversa, neuropatia periférica, 
mononeurite múltipla e outras síndromes neurológicas e psiquiátricas. 
O diagnóstico de neuro-lúpus pode ser desafiador, pois muitas 
manifestações neurológicas podem ser causadas por outras condições 
ou pelos próprios medicamentos utilizados no tratamento do lúpus.
O envolvimento hematológico é comum no lúpus, com anemia (anemia 
da doença crônica, anemia hemolítica autoimune), leucopenia 
(principalmente linfopenia) e trombocitopenia (plaquetopenia 
autoimune). A trombocitopenia pode ser grave e aumentar o risco de 
sangramentos.
O envolvimento seroso é também frequente, com pleurite (inflamação 
da pleura, membrana que reveste os pulmões) e pericardite (inflamação 
do pericárdio, membrana que envolve o coração), causando dor 
torácica, falta de ar e derrame pleural ou pericárdico.
Outras manifestações do lúpus podem incluir o envolvimento 
gastrointestinal (dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia, vasculite 
mesentérica), o envolvimento pulmonar (pneumonite lúpica, doença 
pulmonar intersticial, hipertensão pulmonar), o envolvimento cardíaco 
(miocardite, endocardite de Libman-Sacks, doença coronariana precoce) 
e o envolvimento ocular (síndrome seca, esclerite, neurite óptica).
O diagnóstico do lúpus eritematoso sistêmico é baseado na combinação 
da avaliação clínica, dos exames laboratoriais e, em alguns casos, de 
biópsias de órgãos afetados. Como em outras doenças imunomediadas, 
a anamnese e o exame físico detalhados são fundamentais para 
identificar os sintomas característicos e os sinais de envolvimento de 
órgãos. Os exames laboratoriais desempenham um papel crucial no 
diagnóstico do lúpus. A pesquisa de autoanticorpos no sangue é 
essencial. Os anticorpos anti-nucleares (ANA) são altamente sensíveis 
para o lúpus, estando presentes em mais de 95% dos pacientes com 
LES. No entanto, o ANA não é específico para o lúpus e pode ser positivo 
em outras doenças autoimunes e mesmo em pessoas saudáveis. Outros 
autoanticorpos mais específicos para o lúpus incluem os anticorpos 
anti-DNA de dupla hélice (anti-dsDNA) e os anticorpos anti-Sm. Os 
anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB também são pesquisados, 
especialmente em casos de lúpus cutâneo subagudo e lúpus neonatal. 
Os anticorpos anti-fosfolípides são importantes para identificar 
pacientes com síndrome antifosfolípide associada ao lúpus. A dosagem 
de complemento sérico (C3 e C4) é frequentemente reduzida no lúpus 
ativo, devido ao consumo do complemento na formação de 
imunocomplexos. Outros exames laboratoriais úteis incluem o 
hemograma completo (para avaliar anemia, leucopenia e 
trombocitopenia), a função renal (creatinina, ureia, exame de urina), a 
função hepática e os marcadores inflamatórios (VHS, PCR). Em casos de 
suspeita de envolvimento renal, a biópsia renal é fundamental para 
confirmar o diagnóstico de nefrite lúpica, classificar o tipo de nefrite e 
guiar o tratamento. Em casos de envolvimento cutâneo, a biópsia de 
pele pode ser útil para confirmar o diagnóstico de lúpus cutâneo. Os 
critérios de classificação do American College of Rheumatology (ACR) e 
da Systemic Lupus International Collaborating Clinics (SLICC) são 
utilizados para auxiliar no diagnóstico do lúpus, combinando critérios 
clínicos e imunológicos. No entanto, o diagnóstico do lúpus é, em última 
análise, clínico, baseado na avaliação global do paciente pelo médico 
reumatologista, que integra todas as informações disponíveis para 
chegar a um diagnóstico preciso e individualizado. O diagnóstico 
diferencial do lúpus inclui uma vasta gama de outras doenças 
autoimunes, infecciosas, hematológicas e neoplásicas, dada a 
diversidade de manifestações clínicas da doença.
O tratamento do lúpus eritematoso sistêmico

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