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Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 3 Capítulo 1: Introdução à Irrigação Definição Muitos autores definiram irrigação ao longo da história da ciência. Para efeitos práticos e de fácil entendimento, a irrigação será definida aqui como as técnicas, ou as formas ou os meios utilizados para aplicar água artificialmente às plantas, procurando satisfazer suas necessidades e visando a produção ideal para o seu usuário. Esta definição engloba todas as técnicas de irrigação, desde aquela realizada com uma simples mangueira de jardim até o equipamento de irrigação mais sofisticado. É claro que, para os leitores mais exigentes, será preciso enfatizar que para satisfazer as necessidades das plantas e obter a sua produção ideal, é necessário enxergar a irrigação como uma ciência e não simplesmente como um equipamento. E, como ciência, a aplicação de água mediante o uso da irrigação deve ser realizada de maneira correta evitando-se desperdícios ou perdas e otimizando os possíveis impactos positivos e negativos do uso da técnica. Podemos citar como um exemplo de irrigação mal realizada aquela vez que, pela primeira vez, pegamos um copo de água e despejamos o seu conteúdo em um pequeno vaso de flores, quase seco, colocado em nossa janela. A água, assim aplicada, infiltra-se rapidamente, passando direto pelo vaso, e acaba transbordando o recipiente colocado embaixo do mesmo. Podemos ver este fato de duas formas. A primeira é que, a quantidade de água aplicada foi excessiva, ultrapassando a capacidade do vaso em armazenar água. Neste caso, poderíamos ter colocado uma menor quantidade de água mais vezes (com maior freqüência) ao invés de tentar colocar uma grande quantidade uma vez por semana. E, segundo é que a forma de aplicação foi incorreta. Se tivéssemos lido a orientação do vendedor/produtor saberíamos que a melhor forma de irrigar as flores seria colocando a água no recipiente, deixando o substrato lentamente absorve-la e não aplicando diretamente sobre o vaso. Estes são dois erros muito comuns na irrigação moderna: a escolha do método errado de aplicação de água e o manejo de água mal realizado. “A irrigação é toda forma de se aplicar água às plantas procurando satisfazer suas necessidades e visando o seu crescimento ideal”. Em todos os lugares que andamos, é possível ver um sistema de irrigação em funcionamento. Às vezes, de forma fácil de visualizar como no campo, ou, às vezes, ocultas, como a irrigação dentro de shoppings ou lojas. A irrigação faz parte de nossa vida, mais do que podemos imaginar. As flores que compramos para presentear alguém ou para decorar algum ambiente foram com certeza irrigadas dentro de estufas ou ambientes protegidos. O arroz, alimento nosso de cada dia, vem na sua maioria de lavouras irrigadas. As nossas saladas praticamente não existiriam se não houvesse irrigação. Portanto, mesmo sabendo pouco sobre as técnicas de irrigação, mais a nossa vida depende delas. O uso da irrigação Um fato comprovado sobre a irrigação é que, desde a pré-história, o homem vem desviando cursos d’água para irrigar suas plantações. Foi o uso desta técnica que possibilitou que ao homem se estabelecer em zonas áridas e semi-áridas, tornando esses locais permanentemente habitados. Parece que, desde cedo, o homem entendeu que não só Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 4 ele precisava de água para viver, mas, que as plantas ficavam mais verdes e produziam mais com a presença dela. As mais antigas civilizações se desenvolveram ao longo dos rios Nilo (Egito), Tigre e Eufrates (Mesopotâmia), Amarelo ou Huang (China) e Hindus (Índia), e fizeram uso intensivo das técnicas de irrigação para garantir as suas sobrevivências. Uma técnica assim tão antiga e tão importante deve ser estudada e avaliada como instrumento válido para viabilizar o desenvolvimento socioeconômico e cultural de regiões pobres, onde a produção agrícola é afetada pela escassez de chuvas e pela falta da disponibilidade hídrica, ou para incrementar a lucratividade de regiões agrícolas tradicionais. A irrigação deve ser vista como uma tecnologia imprescindível no processo de aumento da produção de bens agrícolas, sendo a sua adoção dependente da disponibilidade hídrica de cada região. Em áreas áridas (desérticas), onde a precipitação é muito baixa ou nenhuma, a irrigação é obrigatória, pois nenhum tipo de cultura pode se desenvolver sem receber água. É o caso de Israel, e de algumas regiões do México, Chile e Argentina, e outras zonas desérticas do globo terrestre. A irrigação também tem caráter obrigatório em regiões semi-áridas, com precipitações entre 400-500 mm anuais, onde algumas culturas podem se desenvolver sem a necessidade de irrigação, porém com baixas produtividades, aliado ao alto risco de quebra de safra. É o caso de grande parte do Nordeste brasileiro que se encontra nessas condições climáticas. Já, em áreas de clima sub-úmido e úmido, que recebem mais de 600 mm de chuvas anuais, a irrigação pode ser necessária para alguns períodos do ano, de forma a complementar o regime pluviométrico da região e atender as necessidades hídricas das culturas. Nessas regiões, a distribuição espacial e temporal das chuvas afeta a decisão de se usar a irrigação. Apesar dos altos índices pluviométricos, essas regiões apresentam épocas bem definidas onde a quantidade de chuva não é suficiente para atender as demandas das culturas. Este é o caso da maioria dos Estados do Centro-Oeste e Sudoeste do Brasil. A Figura 1, ilustra o contraste de vegetações típicas de clima semi-úmido e semi- árido existentes no Brasil, que permite visualizar a condição na qual o uso da irrigação é tecnologia obrigatória para garantir a produção agrícola. Figura 1: Comparação entre uma vegetação típica de Cerrado (Centro-Oeste) e de Caatinga (Nordeste). “A irrigação deve ser vista como uma tecnologia imprescindível no processo de aumento da produção de bens agrícolas”. Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 5 A importância da irrigação Vários são os benefícios gerados, quando os agricultores adotam a técnica da irrigação no sistema produtivo, sendo aqui analisados os principais benefícios que mostram claramente como essa tecnologia pode se tornar uma parceira fiel do crescimento do agronegócio brasileiro. · Garantia de produção com relação às necessidades hídricas e redução dos riscos de quebra de safra por seca. Quando se utilizam as técnicas de irrigação para suprir as demandas ou necessidades hídricas das plantas, mesmo que falte chuva, o risco de quebra de safra é minimizado, com maior garantia de produção. A redução dos riscos de quebra de safras é um fator atrativo importante para investimentos, tanto em áreas já ocupadas por unidades produtivas, como em áreas agrícolas com baixa taxa de ocupação de terras. Desta forma, a irrigação pode ser vista como um elemento ampliador da disponibilidade de produtos e facilitador de capitalização na agropecuária. A irrigação, quando utilizada de forma complementar à chuva, principalmente nas regiões onde o total de precipitação natural permite o desenvolvimento e a produção das culturas, proporciona melhor aproveitamento, aumentando a eficiência do uso da água aplicada pela chuva. A complementação da demanda hídrica da cultura pela irrigação, nos momentos corretos, proporciona o aproveitamento da água da chuva de modo a resultar em produção efetiva. Caso contrário, a presença da precipitação pluviométrica durante quase todo o ciclo da planta não seria uma garantia de ocorrência da produção final, da forma desejada, se faltasse água em momentos críticos do ciclo vegetativo. Um bom exemplo dessa visão é o que vem acontecendo nos últimos anos com o milho “safrinha”, modalidade distinta da safra normal que se desenvolve sob condições climáticasnão favoráveis, principalmente pela menor disponibilidade hídrica e térmica durante o ciclo produtivo. Essa prática vem se desenvolvendo como uma alternativa econômica importante nos estados do Sudoeste brasileiro, contribuindo de maneira expressiva na produção total de milho. No entanto, é considerada ainda uma cultura de risco, alternando-se safras com boas produções e outras de perdas quase totais, sendo bastante incerto o nível de produtividade a ser obtido pelo produtor. A Figura 2 apresenta as áreas plantadas e as respectivas produções para o milho “safrinha”, no período de 1998 a 2001, para o Estado de São Paulo. Observando os dados apresentados na Figura, fica evidente, que, apesar da variação da área plantada não ser muito acentuada em relação aos demais anos, a produção do ano 2000 foi significativamente afetada pela condições climáticas que caracterizaram o referido ano (estiagem e geada). Nesse sentido, fica evidenciada a importância da técnica de irrigação, diminuindo os riscos e prejuízos, podendo incrementar a produção nesta modalidade de cultura, que tem crescido muito nos últimos anos. Entretanto, não se pode esquecer que outras práticas de cultivo devem ser corretamente dimensionadas e utilizadas, porque não basta ter água se faltar fertilizantes, tratos fitossanitários, conservação do solo, etc. Por outro lado, quando ocorre grandes secas e a disponibilidade de água da propriedade atingi um nível crítico, a irrigação não deve ser usada em detrimento de usos mais nobres da água, como consumo humano e animal. Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 6 384,4 405,7 398,4 336,4 1.163,02 988,09 429,59 851,76 0,0 500,0 1000,0 1500,0 2000,0 1998 1999 2000 2001 Área (1000 ha) Produção (1000 t) Figura 2: Variação da produção do milho safrinha no Estado de São Paulo (Fonte: IEA/SP, 2002) “Sem a irrigação os dispêndios em energia, água, insumos e mão-de-obra podem se transformar em prejuízo e não em receita”. · Aumento de produtividade. A presença constante da água nas raízes da planta, fornecida pela irrigação, não permite que a mesma entre em estresse hídrico (pela falta de água), proporcionando o aumento de produtividade de forma significativa. A irrigação realizada no momento correto e com a aplicação da quantidade certa de água, permite a obtenção de índices de produtividade acima das médias das culturas, quando cultivadas sob condição de chuva somente (também chamados de cultivos de sequeiro). Exemplos de produtividades de algumas culturas brasileiras sob condições de cultivo irrigado, comparadas com a produtividade média brasileira (IBGE, 2002), estão mostrados na Figura 3, com os respectivos percentuais de aumento de produtividade. Figura 3: Produtividades médias brasileiras comparadas com culturas irrigadas (Fontes diversas) Como se pode avaliar através da Figura, o fornecimento de água pela irrigação no momento certo, aliado com técnicas de cultivo adequadas à cultura irrigada, sempre irá proporcionar um aumento da produtividade. Mas é importante salientar que o incremento de produtividade depende também de outras condições e que somente a utilização da irrigação não é garantia de se atingir aumentos significativos de produção. Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 7 · Melhoria na qualidade da produção Outra comprovação científica a favor da irrigação é que algumas espécies de plantas, sob o regime controlado de irrigação e de fertilizantes, apresentam melhoria de qualidade no produto final. É o caso, principalmente, de frutas e legumes, cujas qualidades desejáveis para o consumo, como tamanho e teor de açúcar, podem ser conduzidas pela irrigação. No caso do tomate consumido in natura, por exemplo, a aplicação correta de água pela irrigação é capaz de controlar o aparecimento de rachaduras e proporcionar um aumento do tamanho do fruto (PASCUAL et al., 2000 e PUIUPOL et al., 1996). Para a cultura do melão também apresenta resultados significativos na qualidade, com o aumento do teor de sólidos solúveis, responsável pelo teor de açúcar presente no produto, e por incrementar a quantidade de frutos comercializáveis dentro da lavoura, pela obtenção de frutos de maiores dimensões (SOUSA et al., 1990; FERNANDES e TESTEZLAF, 2002). “A irrigação, além de significar acréscimo de garantia de produção agrícola, também proporciona aumento de produtividade e de qualidade para várias culturas”. · Aumento no número de safras agrícolas e colheita na entresafra. A presença controlada de água na produção agrícola, mediante o uso da irrigação, permite ao agricultor, acostumado tradicionalmente a colher uma safra por ano (época das chuvas), ampliar o número de safras, passando a cultivar em diferentes épocas ou estações e tendo a possibilidade de colheitas na entresafra. Este tipo de cultivo pode melhorar a lucratividade da produção pela remuneração extra que se obtém colocando o produto no mercado no momento de falta do mesmo. Uma análise de mercado da cultura do milho verde no estado do Paraná (Figura 4), mostra claramente a relação entre a disponibilidade do produto para venda e o preço de mercado praticado. A possibilidade de se produzir na entresafra, ou seja, a partir do mês de maio, não só remunera melhor o produtor como também auxilia na distribuição da oferta ao mercado consumidor. Figura 4: Variação anual (2000) do volume de vendas e do preço vendido para a cultura do milho verde (Estado do Paraná). Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 8 · Criação e aumento na oferta de emprego Alguns estudos já foram desenvolvidos no país, comprovando o impacto positivo da irrigação na modernização da agricultura e a sua contribuição efetiva ao desenvolvimento regional. Um exemplo é a avaliação da contribuição socioeconômica decorrente da implantação de um projeto de irrigação financiado pelo Projeto São José, para as condições da comunidade Recreio, no município de Iguatu, no Ceará (KHAN, NEIVA E SILVA, 2001). Os resultados evidenciaram que o projeto de irrigação promoveu substancial contribuição para melhoria na qualidade de vida da população da comunidade cearense da região de Recreio, gerando novos empregos e melhoria da renda. Além dos empregos diretos que o uso da técnica possibilita, na condição de ser uma prática adicional a ser utilizada no processo produtivo, a irrigação tem o potencial de criar empregos indiretos, seja na indústria de processamento agropecuário ou nos setores de insumos agrícolas. A capacidade de geração de emprego da agricultura irrigada pode ser avaliada por diferentes estudos, cujos valores apresentam variações em função da cultura, período e local analisado. A Figura 5 apresenta os resultados de quatro estudos apresentados por FRANÇA (2001). 0,75 0,4 1,14 0,5 1,86 0,75 2 0,9 2 0 1 2 3 4 5 6 Estudo 1 Estudo 2 Estudo 3 Estudo 4 Empregos gerados Direto Indireto Total Figura 5: Empregos gerados pela agricultura irrigada, na região do semi-árido (autores diversos) Baseado nesses estudos estimou-se, para a região semi-árida, “em várias condições da agricultura irrigada, que um hectare irrigado gera de 0,8 a 1,2 emprego direto e 1,0 a 1,2 indireto, de forma consistente e estável, contra 0,22 emprego direto na agricultura de sequeiro” (Souza, 1989, citado por FRANÇA, 2001, p. 54). Assim, esta capacidade de gerar emprego por parte da agricultura irrigada contribuía e tende ainda a contribuir para a diminuição do êxodo rural desordenado do Nordeste. O potencial da irrigação em alavancar a economia da região onde ela está inserida é evidente em alguns casos conhecidos no Brasil, como a cidade de Guaíra (SP), Petrolina (PE) e Juazeiro (BA), Barreiras (BA), Chapada do Apodi (RN), Araguari (MG). “A adoçãoda agricultura irrigada pode significar o aumento sustentado da produção e produtividade agrícolas, a elevação dos níveis de renda e a conquista de melhoria das condições de vida da população rural, sendo fator importante para manutenção do homem no campo”. Irrigação: Técnicas, Usos e Impactos Faculdade de Engenharia Agrícola/UNCAMP 9 · Redução de mecanização Alguns sistemas de irrigação, como a irrigação por gotejamento e o pivô central permitem que outras práticas agrícolas sejam realizadas mediante o uso da água da irrigação. É o caso da aplicação de agroquímicos e fertilizantes. Este uso adicional do sistema pode oferecer tanto o impacto econômico, com a redução dos gastos de mão-de- obra e equipamentos, como o impacto ambiental, com a redução do tráfico de veículos e de pessoas dentro da cultura e a aplicação mais eficiente de agroquímicos, reduzindo perdas ou contaminação do solo e da água. · Outras oportunidades econômicas As barragens ou represas construídas para fornecer a infra-estrutura necessária para a implantação de projetos de irrigação podem ser exploradas para outras vocações econômicas e sociais. Essas obras podem, com um gerenciamento adequado, servir para usos múltiplos, como pesca, cultivo de peixes, turismo, recreação e lazer, e constituir, assim, em fonte adicional de renda para o agricultor. Condições para o sucesso da agricultura irrigada Para que a irrigação atinja todo o seu potencial, beneficiando a produção agrícola é necessário que as seguintes condições seja atendidas: · Os equipamentos sejam fabricados atendendo normas de qualidade e adaptados às condições agrícolas brasileiras; · Os sistemas de irrigação devem ser corretamente dimensionados e estarem adequados às necessidades da cultura e às condições da propriedade (solo, clima, topografia, etc.); · A irrigação deve ser corretamente manejada, ou seja, a água deve ser aplicada na quantidade certa e no momento requerido pela cultura; · Os equipamentos devem ser operados de acordo com as especificações de projeto e as técnicas de cultivo devem ser apropriadas à lavoura irrigada. Caso estas condições não sejam atendidas existe a possibilidade que a atividade agrícola irrigada não tenha o retorno financeiro esperado e que apareçam impactos negativos da atividade, os quais serão discutidos no último módulo deste livro. “O êxito da irrigação na agricultura não acontece somente com a aquisição do sistema, mas com a sua utilização de forma racional e correta”.
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