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p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 1 Direito Constitucional I – Trabalho – 2015 - 2º Instruções: As questões deverão ser resolvidas de forma individual e à caneta (azul ou preta). Somente o GABARITO deverá ser entregue quando da aula anterior à aplicação da prova concernente à avaliação II. O GABARITO não poderá conter rasura, sob pena de perda da (s) questão (ões). Valor: 9 pontos. Questões A B C D E 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 2 QUESTÕES 1 (OAB/MG – Dez./2006) A Constituição da República Federativa de 1988 pode ser considerada: a) super-rígida, pois não permite alteração em seu texto. b) rígida, pois prevê mecanismos de alteração do seu texto constitucional mais rigorosos que o processo legislativo ordinário. c) semirrígida, pois as cláusulas pétreas não podem sofrer nenhuma espécie de alteração. d) flexível, devido ao grande número de emendas constitucionais existentes. 2 (Promotor de Justiça – 2004 – MG) Assinale a alternativa correta. O poder Constituinte Originário distingue-se do poder instituído, porque o primeiro é a) essencialmente soberano; b) autônomo; c) poder político que antecede ao poder do Estado; d) incondicionado; e) todas as alternativas acima estão corretas. 3 (Juiz do Trabalho – 2006 – MS) A respeito do Poder Constituinte, assinale a alternativa incorreta: a) Segundo aponta a doutrina moderna e conforme o sistema jurídico brasileiro, o exercício do poder constituinte pertence ao povo. b) O poder constituinte originário é inicial e ilimitado juridicamente. Inicial porque instaura uma nova ordem jurídica, rompendo, por completo, com a ordem jurídica anterior. Ilimitado juridicamente porque não tem que respeitar os limites impostos pelo direito anterior. c) O poder constituinte derivado decorrente advém da capacidade de auto-organização assegurada pela Constituição Federal aos Estados-membros, estando ele, contudo, limitado às regras traçadas pelo constituinte originário. d) O poder constituinte originário não deve obediência às cláusulas pétreas e pode, em tese, estabelecer a pena de morte, pena de caráter perpétuo, pena de trabalhos forçados, pena de banimento e penas cruéis. e) Atualmente, a única forma de alterar a Constituição Federal vigente é através do poder constituinte derivado reformador, o qual se manifesta por meio de emendas constitucionais. 4 (CESPE – 2009 – DPE – PI – Defensor Público) Relativamente à mutação constitucional e aos princípios de interpretação constitucional, assinale a opção correta: a) A mutação constitucional não se pode dar por via de interpretação, mas apenas por via legislativa, quando, por ato normativo primário, procura-se modificar a interpretação que tenha sido dada a alguma norma constitucional. b) Em constituições rígidas como a CF, a mutação constitucional se manifesta por meio da reforma constitucional, procedimento previsto no próprio texto constitucional disciplinando o p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 3 modo pelo qual se deve dar a sua alteração. c) De acordo com o princípio da unidade da CF, as normas constitucionais devem ser vistas como normas isoladas, mas como preceitos integrados em um sistema unitário de regras e princípios que não comporta hierarquia, impondo ao intérprete o dever de harmonizar as tensões e contradições eventualmente inexistentes entre elas. d) O princípio da máxima efetividade significa que, entre interpretações possíveis das normas infraconstitucionais, os aplicadores da CF devem prestigiar aquela que consagre sua constitucionalidade e que tenha mais afinidade com os valores e fins constitucionais. e) O princípio da supremacia constitucional, mediante o qual nenhuma lei ou ato normativo poderá subsistir validamente se for incompatível com a CF, tem uma dimensão material, mas não forma. Nesse sentido, o descumprimento de preceitos constitucionais de natureza formal, não permite a fiscalização judicial da validade do ato, resolvendo-se pelos métodos de controle parlamentar ou administrativo. 5 Questões: Magistratura AL, Hermenêutica, 2.008, Cespe/UnB. PODER JUDICIÁRIO DE ALAGOAS. TRIBUNAL DE JUSTIÇA. PROVA OBJETIVA. CARGO: JUIZ DE DIREITO SUBSTITUTO. Aplicação: 2/11/2008. QUESTÃO 61. Considerando que teorias relativas aos princípios jurídicos sugerem que regras e princípios seriam espécies de normas jurídicas, assinale a opção congruente com essa idéia. a) As regras estabelecem o dever-ser mediante a imposição de deveres, proibições e permissões; diferentemente, os princípios atuam tão-somente com função hermenêutica, para possibilitar a escolha das regras que melhor se conformem ao caso concreto. b) O conteúdo das regras caracteriza-se por expressar determinações obrigatórias mais completas e precisas; diferentemente, o conteúdo dos princípios se apresenta com maior abstração e generalidade, afetando significativamente o modo de sua implementação. c) As regras restringem-se a regulamentar condutas em casos concretos; diferentemente, os princípios precipuamente estruturam o sistema jurídico, o que lhes confere caráter hierárquico superior às regras. d) As regras são fundamentadas pelos princípios, sendo destes deduzidas; diferentemente, os princípios só podem ser revelados pelas regras, extraindo-se indutivamente de suas aplicações particulares os princípios implícitos ou explícitos no ordenamento jurídico. e) As regras podem estar em oposição tanto a princípios quanto a outras regras, conflito este que causará ou sua validade, ou sua invalidade; diferentemente, os princípios só podem estar em oposição a outros princípios, conflito que só poderá se resolver pela técnica da ponderação. 6 (6º Concurso Público – Outorga de Delegações de Notas e de Registros – TJSP/2009) O poder constituinte atribuído aos Estados-membros para se auto-organizarem é denominado: a) Decorrente. b) Originário. c) Originário-derivado. d) Originário-federativo. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 4 7 (TCM/RJ FGV) Mutação constitucional é: (A) o mesmo que reforma da constituição. (B) o mesmo que emenda da constituição. (C) o processo não-formal de mudança de constituição flexível. (D) o processo não-formal de mudança de constituição rígida. (E) o processo formal de alteração do texto constitucional. 8 (Acadepol/2007/MG) Podemos entender por mutação constitucional: a) Que ela consiste na interpretação constitucional evolutiva. b) Que ela pressupõe alguma modificação significativa no texto formal da Constituição. c) Que pode ser mais limitada (emenda) ou mais extensa (revisão). d) Que ela depende, necessariamente, da identificação de um caso de repristinação constitucional. 9 (TCE-PR – Analista de Controle – Área Jurídica – FCC/2011) Quando a interpretação de uma Constituição escrita se altera em decorrência da mudança dos valores e do modo de compreensão da sociedade, mesmo sem qualquer alteração formalmente realizada, no texto constitucional, pelo Poder Constituinte Derivado Reformador, está-se diante de uma: a) interpretação histórica; b) integração normativa; c) desconstitucionalização; d) mutação constitucional; e) hermenêutica geracional. 10 (XXXII MP/RJ – 2011)No que se refere à interpretação constitucional, o processo informal de alteração da Constituição que possibilita modificar o sentido de norma constitucional originária, sem alterar o texto, é: a) interpretação constitucional elástica; b) interpretação constitucional flexível; c) interpretação conforme a Constituição; d) mutação constitucional; e) método da desconstitucionalização das normas constitucionais. 11 (PROC/MP/MG/2007) No entendimento de doutrinadores, NÃO é considerado, dentre outros, como princípio e regra interpretativa das normas constitucionais, a) a unidade da Constituição – interpretação de maneira a evitar contradições entre as normas constitucionais. b) o efeito integrador – primazia aos critérios favorecedores da integração política e social. c) a concordância prática ou harmonização – coordenação e combinação dos bens jurídicos em conflito. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 5 d) a força normativa da Constituição – adoção de interpretação que garanta maior efetividade e permanência das normas constitucionais. e) a adoção da contradição dos princípios – os preceitos exigem uma interpretação explícita, excluindo-se a implícita. CONTEÚDO A CONSTITUIÇÃO Conceito A tarefa de se encontrar um conceito para Constituição encontra variados desafios, pois a terminologia pode conter diversos sentidos como o sociológico (Ferdinand Lassale); o político (Carl Schmitt); o jurídico (Hans Kelsen); e o culturalista. Levando-se em consideração os sentidos que uma Constituição pode conter, fazendo uso das palavras de Marcelo Novelino 1 , pode-se definir a Constituição como um conjunto sistematizado de normas estruturantes do Estado, tendo por objeto nuclear os direitos fundamentais, a estruturação do Estado e a organização dos poderes. Em outras palavras, Constituição é ato de constituir, de estabelecer, de firmar. A Constituição de um país deve ser entendida como norma fundamental e suprema de um Estado. Logo, a Constituição, ainda que em tese, deve prever todas as necessidades de um povo, em dado momento histórico e em dado território. Ou seja, a Constituição é o diploma normativo máximo de um Estado, contendo normas que contemplam direitos, garantias e deveres da pessoa humana, de distribuição de competências e de estruturação do Estado, de formação dos poderes públicos, de forma de governo e de aquisição do poder. 1 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 84. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 6 Conforme Ayres Britto 2 a Constituição é a primeira e mais importante voz do Direito aos ouvidos do povo. Nela se encontra o caráter estruturante do Estado e da própria sociedade, a um só tempo. É a certidão de nascimento e a carteira de identidade do Estado. É, em suma, o projeto de vida global da sociedade. Nesse horizonte, lembramos que a Constituição (Constituição-fundamento) é o fundamento das atividades relacionadas ao Estado bem como de toda a vida social, cuja regulação dela decorre, sendo a atividade legislativa um mero instrumento de realização dos mandamentos constitucionais. A Constituição insurge como uma moldura (Constituição-moldura), dentro da qual os poderes públicos podem atuar 3 . Princípio da Supremacia da Constituição Por este princípio entende-se que a Constituição possui posição hierárquica superior às demais normas do sistema jurídico. As leis, atos normativos e atos jurídicos em geral não poderão existir validamente se incompatíveis com alguma norma constitucional. A Constituição regula o modo de produção das demais normas jurídicas e delimita o conteúdo que possam ter. Fazendo uso de uma metáfora, deve-se encarar o ordenamento jurídico como uma grande empresa, em que a Constituição é o presidente, donde emanam todas as ordens aos subalternos (empregados), que no ordenamento jurídico seriam as leis infraconstitucionais. Neste sentido, vale analisar: Significa que a Constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. É, enfim, a lei suprema do Estado, pois é nela que se encontram a própria 2 BRITTO, Ayres. Discurso de posse no cargo de presidente do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf>. Acesso em: 19 out. 2012. 3 Sobre as definições de Constituição-fundamento e Constituição-moldura, consultar NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 90-91. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 7 estruturação deste e a organização de seus órgãos; é nela que se acham as normas fundamentais de Estado, e só nisso se notará sua superioridade em relação às demais normas jurídicas 4 . O conflito de leis com a Constituição encontrará solução na prevalência desta, justamente por ser a Carta Magna produto do poder constituinte originário, ela própria elevando-se à condição de obra suprema, que inicia o ordenamento jurídico, impondo-se, por isso, ao diploma inferior com ela inconciliável. De acordo com a doutrina clássica, por isso mesmo, o ato contrário à Constituição sofre de nulidade absoluta 5 . A rigor, o princípio da supremacia não disponibiliza nenhum critério interpretativo específico, mas deve ser considerado como premissa para a interpretação quando o ordenamento for encabeçado por uma Constituição rígida. Neste caso, toda interpretação normativa vai ter como pressuposto a superioridade jurídica e axiológica da Constituição. Em razão da supremacia constitucional, nenhum ato jurídico incompatível com a Lei Maior pode ser considerado válido 6 . No plano dogmático e positivo, a superioridade constitucional se traduz no estabelecimento da forma (competência, procedimentos...) e do conteúdo dos atos normativos infraconstitucionais, que, na hipótese de inobservância dos critérios constitucionalmente estabelecidos, devem ser submetidos a um controle de constitucionalidade 7 . Fundamentos da Constituição Sociológico Conforme Ferdinand Lassale, uma Constituição só será legitima se representar o efetivo poder social, ou seja, se refletir as forças sociais que constituem o poder. Segundo o autor, caso isso não ocorra, a Constituição será ilegítima, caracterizando-se como uma simples folha de papel. Em suma, relativamente à classificação, a Constituição seria a soma dos fatores reais de poder de uma sociedade, constituídos pelo conjunto de forças politicamente atuantes na 4 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 45. 5 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 123. 6 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 183. 7 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 183. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 8 conservação das instituições vigentes como monarquia, aristocracia, burguesia, banqueiros, entre outros. Político Segundo esta acepção, o fundamento de uma Constituição não está contido noutras normasjurídicas ou em si mesma, mas na vontade política concreta que a antecede. Assim, a Constituição não pode apoiar-se noutra norma jurídica, mas apenas numa decisão política oriunda de um ser político capaz de impor uma existência política de acordo com determinadas normas. Esta definição é um produto de Carl Schimitt, segundo o qual, encontramos o sentido político, distinguindo a Constituição de lei constitucional. Para esse autor, Constituição só se refere à decisão política fundamental (estrutura e órgãos do Estado, direitos individuais, vida democrática, entre outros), enquanto as leis constitucionais seriam os demais dispositivos inseridos no texto do documento constitucional, os quais não conteriam matéria de decisão política fundamental. Pode-se afirmar que para Schimitt, como a Constituição é produto de uma certa decisão política, ela seria a decisão política do titular do poder constituinte. Jurídico Este sentido de Constituição foi desenvolvido por Hans Kelsen, segundo o qual a Constituição encontra-se no mundo do dever-ser e não no mundo ser, caracterizando-se como fruto da vontade racional do homem. Nesses moldes, a Constituição seria considerada uma norma pura, puro dever-ser, sem qualquer pretensão a fundamentação sociológica, política ou filosófica. A concepção Kelseniana toma a palavra Constituição em dois sentidos, ou seja, o lógico-jurídico e o jurídico-positivo. De acordo com o primeiro, Constituição seria uma norma fundamental hipotética, cuja p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 9 função é servir de fundamento lógico transcendental de validade da Constituição jurídico- positiva, que se traduz na norma positiva suprema, normas postas, positivadas. Com isso, deve-se ter em mente que se deva haver no direito um verdadeiro escalonamento de normas, donde uma constitui o fundamento de validade de outra, numa verticalidade hierárquica. Logo, uma norma inferior, busca o seu fundamento de validade na norma superior e esta, na seguinte, até chegar à Constituição, que é o fundamento de validade de todo o sistema infraconstitucional. Culturalista Este sentido nos leva a pensar que a Constituição seja um produto cultural, produzido pela sociedade e que sobre ela pode influir. Nesse diapasão, as Constituições positivadas seriam um conjunto de normas fundamentais, condicionadas pela cultura total, e, ao mesmo tempo, condicionantes desta, emanadas da vontade existencial da unidade política, reguladoras da existência, estrutura e fins do Estado. A Constituição abarcaria elementos históricos, sociais e racionais, abrangendo fatores relacionados à natureza humana, necessidades individuais e sociais, raça, geografia, costumes, tradições, economia, sentimentos, ideais morais, políticas, valores, técnicas jurídicas, formas políticas, instituições, entre outros. Poder constituinte O Poder Constituinte é a manifestação soberana da suprema vontade política de um povo, social e juridicamente organizado. Essa ideia resulta do surgimento das Constituições escritas, visando à limitação do poder estatal e à preservação dos direitos e garantias individuais. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 10 Titularidade do poder constituinte Modernamente, predomina que a titularidade do poder constituinte pertence ao povo, decorrendo o Estado da soberania popular. Em sendo assim, a vontade do constituinte é a vontade do povo, expressa por meio de seus representantes. Espécies de poder constituinte O Poder Constituinte pode ser classificado de dois modos, vale dizer, Poder Constituinte originário e Poder Constituinte derivado. Poder constituinte originário É aquele a quem incumbe a tarefa de criar a Constituição de um novo Estado, organizando-o e criando os poderes destinados a reger os interesses de uma comunidade. O poder constituinte originário manifesta-se por meio de uma Assembleia Nacional Constituinte e/ou por um Movimento Revolucionário (outorga). O poder constituinte originário cria a primeira Constituição de um novo país, consistindo na sua liberdade política, bem como dá ensejo a demais Constituições quando necessário. Este poder tem como características ser inicial, ilimitado, autônomo e incondicionado. Inicial – Tem esta característica por criar a Constituição e assim dar início a uma ordem jurídica; Ilimitado – É ilimitado por não sofrer limites pelo direito anterior. Incondicionado – O poder constituinte originário não está sujeito a qualquer forma prefixada para manifestar sua vontade. Relativamente à natureza do poder constituinte originário, há divergência, sustentando alguns o seu caráter de poder político e outros o seu status de poder jurídico. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 11 Sobre o tema, Marcelo Novelino discorre: A natureza do poder constituinte originário pode variar conforme a concepção de direito adotada. [...] Para a concepção jusnaturalista, trata-se de um poder jurídico (ou de direito). Os defensores da existência de um direito eterno, universal e imutável, preexistente e superior ao direito positivado, sustentam que o poder constituinte, apesar de não encontrar limites no direito positivado, estaria subordinado aos princípios de direito natural. Nesse sentido, Manoel Gonçalves FERREIRA FILHO, afirma que a liberdade de o homem estabelecer as instituições pelas quais há de ser revogado decorre do direito natural e que, sendo assim, “o poder que organiza o Estado, estabelecendo a Constituição, é um poder de direito”. [...] A concepção positivista, por não admitir a existência de qualquer outro direito além daquele posto pelo Estado, entende que o poder constituinte é anterior e se encontra acima de toda e qualquer norma jurídica, devendo ser considerado um poder político (extrajurídico ou de fato) resultante da força social responsável por sua criação. [...] Carl SCHMITT adota a tese de que, em razão de sua natureza essencialmente revolucionária, o poder constituinte estaria liberado de valores referentes à sua legitimidade. De acordo com o teórico alemão, por ter o sentido na existência política, o sujeito do poder constituinte pode fixar livremente o modo e a forma da existência estatal a ser consagrada na Constituição, sem ter que justificar uma norma ética ou jurídica. Ao contrário do que sustenta este autor, entendemos que a legitimidade do poder constituinte é questão fundamental a ser analisada no estudo de sua teoria, tanto em seu aspecto objetivo (valores consagrados) quanto o seu aspecto subjetivo (titularidade e exercício) [...] 8 . Poder constituinte derivado O poder constituinte derivado encontra-se previsto na Constituição, conhecendo limitações expressas e implícitas para o desempenho de suas funções, podendo sofrer, inclusive, controle de constitucionalidade. O poder constituinte derivado tem como características ser derivado; subordinado; condicionado. Derivado – Recebe este nome porque tira sua força do poder constituinte originário; Subordinado/limitado – Encontra-se limitado por normas expressas e implícitas da Constituição, às quais não pode contrariar, sob pena de inconstitucionalidade. 8 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 51-52. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 12 Condicionado – O exercício de suas atribuições encontra-se condicionado às regras previamenteestabelecidas na Constituição Federal. O poder constituinte derivado subdivide-se em poder constituinte reformador e poder constituinte decorrente. Poder constituinte reformador – Recebe esta denominação por ter a possibilidade de alterar a Constituição, desde que sejam respeitados os limites nela estipulados para tal, sendo exercido por determinados órgãos com caráter representativo (Congresso Nacional). Art. 44 da CF - O Poder Legislativo é exercido pelo Congresso Nacional, que se compõe da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Art. 60 da CF - A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Poder constituinte derivado decorrente – Consiste na possibilidade que os Estados- membros têm, em virtude de sua autonomia político-administrativa, de se auto-organizarem por meio de suas respectivas constituições estaduais (Municípios e Distrito Federal também, por meio de suas leis orgânicas), desde que respeitados os limites Constitucionais. Art. 25 da CF - Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição. Art. 29 da CF - O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 13 promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: Art. 32 da CF - O Distrito Federal, vedada sua divisão em Municípios, reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos com interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços da Câmara Legislativa, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição. Classificação das constituições As Constituições podem ser classificadas de diversos modos e segundo a visão de cada autor. Referidas classificações podem ser concentradas em: quanto ao modo de elaboração; quanto à origem; quanto à forma; quanto à estabilidade; quanto ao conteúdo, quanto à extensão, quanto à dogmática, quanto à origem da decretação. Quanto ao modo de elaboração: Constituições dogmáticas e históricas Dogmática – Apresenta-se como um produto escrito e sistematizado por um órgão constituinte, a partir de princípios e ideias fundamentais da teoria política e do direito dominante. PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembleia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Histórica – Resulta da lenta e contínua síntese da história e tradições de um determinado povo. Como exemplo, pode-se citar a Constituição inglesa. A respeito, necessário citar: Históricas são as Constituições elaboradas ao longo do tempo por meio da reunião e consolidação dos costumes e hábitos tradicionais de uma sociedade, aproximando-se, portanto do conceito de Constituição p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 14 costumeira. Um exemplo seria a Constituição da Inglaterra. [...] As Constituições dogmáticas, igualmente conhecidas como sistemáticas, consagram valores dominantes na época do seu advento, são necessariamente escritas e elaboradas de uma vez só pelo constituinte originário. Todas as Constituições brasileiras editadas até hoje foram dogmáticas 9 . Quanto à origem – Constituições promulgadas, outorgadas, cesaristas e pactuadas Promulgadas – As Constituição promulgadas, também denominadas democráticas ou populares, caracterizam-se por serem produto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte composta por representantes do povo, eleitos com a finalidade de sua elaboração. Como exemplo, as Constituições brasileiras de 1891, 1934, 1946 e 1988. PREÂMBULO DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988 Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Neste sentido, afirmara Pedro Lenza: Promulgada, também chamada de democrática, votada ou popular, é aquela Constituição Fruto do trabalho de uma Assembleia Nacional Constituinte, eleita diretamente pelo povo, para, em nome dele, atuar, nascendo, portanto, da deliberação da representação legítima popular. Os exemplos são a de 1891 (primeira da República), 1934 (inserindo a democracia social, inspirada na Constituição de Weimar), 1946 e, finalmente, a atual, de 1988, alterada por 6 emendas de revisão e 68 emendas, fruto do poder constituinte derivado reformador, podendo ainda, com a regra do art. 5º, § 3º, trazida pela EC n. 45/2004, ter os seus direitos e garantias fundamentais ampliados por tratados e convenções internacionais de direitos humanos, os quais, observadas as formalidades, terão equivalências às emendas constitucionais 10 . 9 PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 44. 10 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 85. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 15 Outorgadas – São aquelas Constituições estabelecidas sem a participação popular, por meio de imposição do poder. Exemplo a serem citados, as Constituições brasileiras de 1824, 1937, 1967 e EC nº 01/1969. Outorgadas são as Constituições impostas, de maneira unilateral, pelo agente revolucionário (grupo ou governante), que não recebeu do povo a legitimidadepara em nome dele atuar. No Brasil as Constituições outorgadas foram as de 1824 (Império), 1937 (inspirada no modelo fascista, extremamente autoritária – Getúlio Vargas), 1967 (ditadura militar), sendo que alguns chegam inclusive a mencionar como exemplo de outorga a EC n. 1/69 (apesar de tecnicamente impreciso). As Constituições outorgadas recebem, por alguns estudiosos, o apelido de Cartas Constitucionais 11 . Cesaristas – As Constituições cesaristas caracterizam-se por serem elaboradas por um ditador ou grupo, sendo submetida a posterior ratificação popular por meio de plebiscito. Note-se não inserir-se nem ao conceito de textos outorgados por passar por consultar popular, nem ao de Constituição promulgada, pela participação posterior do povo. Exemplos ao longo da história, a Constituição da França editada por Napoleão Bonaparte, e, a Constituição do Chile, criada por Augusto Pinochet. Cesarista, pouco cobrada nos concursos, segundo José Afonso da Silva “... não é propriamente outorgada, mas tampouco democrática, ainda que criada com participação popular”. E continua o mestre definindo-a como sendo aquela “... formada por plebiscito popular sobre um projeto elaborado por um Imperador (plebiscitos napoleônicos) ou um Ditador (plebiscito de Pinochet, no Chile). A participação popular, nesses casos, não é democrática, pois visa apenas retificar a vontade do detentor do poder. [...]”12. Pactuadas – As Constituição pactuadas têm a peculiaridade de decorrerem de um pacto entre grupos que disputam o poder político em dado momento histórico, concentrando o poder constituinte originário, por óbvio, em mais de um titular. Como exemplo, a Magna Carta de 1215. 11 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 84. 12 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 85. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 16 Pactuadas, também pouco cobradas nos concursos, segundo Uadi Lammêgo Bulos “... surgem através de um pacto, são aquelas em que o poder constituinte originário se concentra nas mãos de mais de um titular. Por isso mesmo, trata-se de modalidade anacrônica, dificilmente ajustando-se à noção moderna de Constituição, intimamente associada á ideia de unidade do poder constituinte. Tais Constituições pactuadas foram bastante difundidas no seio da monarquia estamental da Idade Média, quando o poder estatal aparecia cindido entre o monarca e as ordens privilegiadas. Exemplficam-nas a Magna Carta de 1215, que os barões ingleses obrigam João Sem Terra a jurar”13. Quanto à forma: Constituições escritas e não escritas (costumeiras) Escrita – Trata-se do conjunto de regras codificado e sistematizado num único documento, apto a fixar a organização fundamental de dado Estado. Não escrita – Pode-se classificar a Constituição não escrita como aquele conjunto de regras não aglutinado em texto solene, mas baseado em leis esparsas, costumes, jurisprudência e convenções. Como exemplo, a Constituição inglesa. Constituições costumeiras, também denominadas não escritas ou consuetudinárias, são aquelas que resultam da prática reiterada de certos costumes, hábitos e tradições, que por sua relevância são alçados ao patamar constitucional, assumindo máxima importância no meio local, com a consciência de serem juridicamente obrigatórios. As normas costumeiras nascem de modo informal, pois são produzidas difusamente pela coletividade e não por um órgão especialmente constituído para tal finalidade. [...] O exemplo clássico é a Constituição da Inglaterra. Cumpre anotar, contudo, a advertência de Paulo Bonavides de que hoje não mais existiriam Constituições totalmente costumeiras, pois até “mesmo a Inglaterra (por exemplo normalmente lembrando de país regido por uma Constituição não escrita) assenta em princípios constitucionais em textos escritos, em que pesem os costumes formarem relevantes valores constitucionais. [...] As Constituições escritas ou instrumentais são formadas por um conjunto de normas textuais e dispostas geralmente em um único documento, razão por que alguns autores insistem em chamá-las de Constituições codificadas, nomenclatura que preferimos não utilizar. [...] Isso porque em alguns países europeus e no Brasil, com a abertura conferida pelo art. 5º, § 3º, da CF/88, é possível trabalhar a ideia de bloco de 13 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 85. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 17 constitucionalidade e constituição legal, ou seja, de uma Constituição que, apesar de revestir de forma escrita, não está condensada num código ou documento único, mas se encontra dispersa em vários textos escritos, especialmente em tratados internacionais de direitos humanos, cuja reunião forma o chamado “bloco de constitucionalidade”, que pode ser traduzido como um conjunto normativo que detém supremacia hierárquica sobre todas as demais normas do ordenamento jurídico 14 . Quanto à estabilidade: imutáveis, rígidas, flexíveis e semirrígidas (semiflexível) Imutáveis – Dizem respeito àquelas Constituições onde se veda qualquer alteração, constituindo-se relíquias históricas. Algumas Constituições detém uma imutabilidade relativa, quando se preveem as chamadas limitações temporais, as quais impõem um prazo em que não se admitirá a atuação do legislador constituinte reformador. Marcelo Novelino 15 aponta as Leis Fundamentais antigas como o Código de Hamurabi e a Lei das XII Tábuas, as quais surgiram com a pretensa eternidade. Rígidas – São aquelas Constituições escritas que poderão ser alteradas por um processo legislativo mais solene e dificultoso do que o existente para a edição das demais espécies normativas. A Constituição brasileira de 1988 é um exemplo da hipótese. Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; II - do Presidente da República; III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. § 1º - A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio. § 2º - A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros. § 3º - A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo número de ordem. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: 14 PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 43-44. 15 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 95. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 18 I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais. § 5º - A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma sessão legislativa. Flexíveis – São aquelas Constituições suscetíveisde alteração pelo mesmo processo legislativo concernente às leis ordinárias. Como exemplo, a Constituição inglesa. Nesse quadrante, contudo, imprescindível aduzir: As Constituições flexíveis (ou plásticas) são aquelas que promanam da mesma autoridade responsável pela criação das leis ordinárias e que permitem a modificação de suas normas por um processo idêntico ao de qualquer outra lei. As normas de uma Constituição flexível reduzem-se as normas legais, não possuindo nenhuma supremacia sobre as demais. As leis criadas pelo parlamento passam a ter o mesmo valor das leis constitucionais, as quais podem ser distinguidas, não pela forma de elaboração, mas pelo conteúdo que consagram: a regulamentação do poder político (matéria constitucional). A flexibilidade é uma característica própria das constituições costumeiras, apesar da possibilidade de existência de constituições escritas flexíveis. Com a entrada em vigor do Human Rights Act (2000), o Parlamento inglês passou a se submeter aos dispositivos desta declaração de direitos, colocando a supremacia em xeque e fazendo ruir o modelo de Constituição flexível na Inglaterra 16 . Semi-flexível ou semi-rígida – Encontra-se entre as duas anteriores, na qual algumas regras poderão ser alteradas pelo processo legislativo ordinário, enquanto outras somente por um processo legislativo especial e mais dificultoso. A Constituição brasileira de 1824 detinha referida peculiaridade Art. 178 da Constituição de 1824 – É só Constitucional o que diz respeito aos limites, e atribuições respectivas dos Poderes Políticos, e aos Direitos Políticos, e individuais dos cidadãos. Tudo, o que não é Constitucional, pode ser alterado sem as formalidades referidas, pelas Legislaturas ordinárias. 16 LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 96. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 19 Quanto ao conteúdo – Materiais (substanciais) e formais Materiais (substanciais) – Trata-se daquele conjunto de normas materialmente constitucionais, estejam essas normas codificadas, ou não, em um único documento. Como exemplo, normas que regulam a estrutura do Estado, a organização de seus órgãos e os direitos fundamentais. Formais – Diz respeito às outras normas contidas numa Constituição além das materiais. Quanto à extensão – Constituições analíticas (dirigentes) e sintéticas Analíticas – São aquelas que examinam e regulamentam todos os assuntos que entendam relevantes à formação, destinação e funcionamento do Estado. Como exemplo, a Constituição brasileira de 1988. Sintéticas – Tratam-se daquelas Constituições que preveem somente os princípios e as normas gerais de regências do Estado, organizando-o e limitando seu poder, por meio da estipulação de direitos e garantias fundamentais. Exemplo da hipótese, a Constituição norte-americana. Sintéticas, concisas, sumárias, básicas, sucintas, curtas, breves ou enxutas são as Constituições que disciplinam matérias fundamentais em reduzido número de artigos. Limitando-se a enunciar princípios gerais sobre um domínio temático, sem descer a minúcias e pormenores, os textos enxutos ganham plasticidade para se adaptarem às transformações sociais e acabam se revelando mais duradouros, como testificam quase dois séculos e meio de vigência da Constituição norte-americana, nitidamente sintética. [...] As Constituições analíticas, de outro vértice, igualmente conhecidas como extensa, prolixas, amplas, inchadas, volumosas, largas, longas ou desenvolvidas, são as que tratam meticulosa e detalhadamente de variados assuntos, exibindo um vasto cipoal de artigos que, sem versar sobre temas de singular importância, poderiam muito bem figurar em leis infraconstitucionais. A inflação normativo-temática da Constituição analítica favorece a colisão com interesses de variados matizes, tornando-a, em regra, p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 20 menos duradoura. No Brasil, à exceção da Constituição de 1824, todas as demais foram analíticas 17 . Quanto à dogmática – Constituições ortodoxas e Constituições ecléticas Constituições ortodoxas – As Constituições ortodoxas peculiarizam-se pela adoção de uma única ideologia política de modo a rechaçar o pluralismo. Exemplos, as Constituições da extinta União Soviética (URSS) e chinesa de 1982. Constituições ecléticas – Primam pela busca da conciliação de ideologias opostas. Como exemplo, a Constituição brasileira de 1988. Constituições ecléticas (compromissórias, compósitas ou heterogêneas) são aquelas que procuram conciliar ideologias opostas. Nas sociedades pluralistas, em regra, a Constituição surge a partir de um pacto entre as diversas forças políticas e sociais. O procedimento constituinte é resultante de vários compromissos constitucionais estabelecidos por meio da barganha, da argumentação, de convergências e de diferenças. A ausência de um grupo hegemônico capaz de conferir uma identidade ideológica à Constituição acaba resultando em uma fragmentação de seu texto em “pequenos acordos tópicos”. Esta diversidade de pactos subjacentes à elaboração da Constituição faz com que suas normas se caracterizem pela textura aberta, a qual possibilita a consagração de valores e princípios contraditórios a serem harmonizados pelos aplicadores do direito. São exemplos desta espécie a Constituição portuguesa de 1976 e a Constituição brasileira de 1988 18 . Quanto à origem da decretação: autoconstituição e heteroconstituição Autoconstituição – Trata-se daquela Constituição desenvolvida por órgãos do próprio Estado. Como exemplo, a Constituição brasileira de 1988. Heteroconstituição – Este tipo de Constituição está presente quando elaborada por uma organização internacional ou outro Estado diverso do qual vigorará. 17 PUCCINELLI JUNIOR, André. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 48-49. 18 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 98-99. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 21 Quanto à heteroconstituição Marcelo Novelino alude: [...] Incluem-se nesta espécie algumas das Constituições dos países da Commonwealth aprovados por leis do Parlamento britânico (Canadá, Nova Zelândia, Austrália, Jamaica, Maurícia, etc.), a primeira Constituição da Albânia 9obra de uma conferência internacional, de 1973), a Constituição cipriota (precedente dos acordos de Zurique, de 1960, entre Grã-Bretanha, a Grécia e a Turquia) e a Constituição da Bósnia-Herzegovina (após os chamados acordos de Dayton, celebrados em 1995) 19 . As normas constitucionais A Constituição é um sistema normativo aberto de princípios e regras. Desse modo, as normas constitucionais se subdividem em princípios e regras, e, enquanto referência para o intérprete (aplicador do direito), não têm hierarquia. Princípios e regras A doutrina pretende diferenciar os princípios e as regras de diversas maneiras, podendo-se destacar as propostas dos Ronald Dworkin e Robert Alexy. Antes de enfrentarmos as teorias desses autores, necessário mencionar que o critério mais utilizado para se estabelecer distinções entre princípios e regras refere-se ao grau de abstração (ou generalidade) entre eles, como se vislumbra na obra de Norberto Bobbio. Nesse contexto, os princípios poderiamser definidos como mandamentos normativos mais abstratos, genéricos. Já as regras podem ser definidas como mandamentos normativos mais específicos. Ronald Dworkin, abandonando a ideia de grau de abstração (ou generalidade), afirma que as regras devem ser analisadas no plano da validade, sendo aplicáveis na forma de tudo ou nada. Nesse viés, em ocorrendo os fatos previstos por uma regra válida, a resposta por ela dada deve ser aceita (ela deve ser aplicada). Segundo o autor “[...] as regras são aplicáveis à 19 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 99. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 22 maneira de tudo-ou-nada. Dados os fatos que uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ele fornece deve ser aceita, ou não é válida [...]”20. Apesar do que afirmara, o autor admite que as regras podem conter exceções, sendo apropriado anunciar as regras e enumerar suas exceções, pois segundo este, em tese, todas as exceções podem ser arroladas, e, quanto mais o forem, mais completo será o enunciado da regra. Reforçando a ideia, Ronald Dworkin assevera que eventual conflito entre regras deverá ser resolvido segundo os critérios tradicionais de hierarquia (norma hierarquicamente superior prevalece sobre norma hierarquicamente inferior), cronologia (norma posterior prevalece sobre norma anterior) e especialidade (norma especial prevalece sobre norma geral), devendo uma delas, ser considerada inválida. Se duas regras entram em conflito, uma delas não pode ser válida. A decisão de saber qual delas é válida e qual deve ser abandonada ou reformulada, deve ser tomada recorrendo-se a considerações que estão além das próprias regras. Um sistema jurídico pode regular esses conflitos através de outras regras, que dão precedência à regra promulgada pela autoridade superior, à regra promulgada mais recentemente, à regra mais específica ou outra coisa desse gênero [...] 21 . As regras, para Dworkin, desse modo, não possuem uma dimensão de importância, de maneira que, se duas regras entram em conflito, apenas uma delas será aplicada ao caso concreto e a outra deve ser declarada inválida, a não ser que uma seja exceção à outra. Segundo Dworkin, os princípios possuem, diversamente das regras, uma dimensão de peso ou importância, e que isso, inevitavelmente, levará a uma controvérsia acerca do melhor caminho a se seguir, devendo o intérprete do direito, no caso concreto, observar qual deles terá uma precedência em relação ao outro, por meio de uma ponderação. Ou seja, os princípios são prima facie. [...] Os princípios possuem uma dimensão que as regras não têm – a dimensão de peso ou importância. Quando os princípios se intercruzam (por 20 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 39. 21 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 43. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 23 exemplo, a política de proteção aos compradores de automóveis se opõe aos princípios de liberdade de contrato), aquele que vai resolver o conflito tem de levar em conta a força relativa de cada um. Esta não pode ser, por certo, uma mensuração exata e o julgamento que determina que um princípio ou uma política particular é mais importante que a outra frequentemente será objeto de controvérsia. Não obstante, essa dimensão é uma parte integrante do conceito de um princípio, de modo que faz sentido perguntar que peso ele tem e o quão importante ele é 22 . Marcelo Novelino, desenvolvendo as distinções existentes entre os princípios e as regras em Ronald Dworkin, alude que: Segundo DWORKIN, enquanto as regras impõem resultados, os princípios atuam na orientação do sentido de uma decisão. Quando se chega a um resultado contrário ao apontado pela regra é porque ela foi mudada ou abandonada; já os princípios, ainda que não prevaleçam, sobrevivem intactos. Um determinado princípio pode prevalecer em alguns casos e ser preterido em outros, o que não significa sua exclusão. Assim como os aplicadores do Direito devem seguir uma regra considerada obrigatória, também devem decidir conforme os princípios considerados de maior peso, ainda que existam outros, de peso menor, apontado em sentido contrário 23 . Desse modo: DWORKIN estabelece que um paralelo entre as duas espécies normativas afirmando que os princípios possuem um caráter prima facie, ao passo que as regras possuem um caráter definitivo. Então, as regras são aplicáveis na forma de juízos disjuntivos: se os fatos estipulados por uma regra válida se dão, a resposta dada deve ser aceita. Por essa razão, distintamente do que ocorre com os princípios, um enunciado preciso de uma regra deve levar em conta todas as exceções que ela contém 24 . Já Robert Alexy estabelece que a diferença entre os princípios e as regras é qualitativa. Note-se o alerta do autor no sentido de que os princípios oferecem a possibilidade de o intérprete do direito buscar o melhor para a resolução do caso, ou seja, otimizar a decisão. Mas que essa busca deve levar em consideração todas as características do fato, além das possibilidades jurídicas (princípios e regras constitucionais e infraconstitucionais). 22 DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. Trad. de Nelson Boeira. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 42-43. 23 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 127. 24 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. São Paulo: Método, 2012, p. 127. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 24 [...] princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Princípios são, por conseguinte, mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes 25 . Sobre a colisão entre princípios, vale analisar as seguintes palavras do autor: [...] Se dois princípios colidem – o que ocorre, por exemplo, quando algo é proibido de acordo com um princípio e, de acordo com o outro, permitido -, um dos princípios terá que ceder. Isso não significa, contudo, nem que o princípio cedente deva ser declarado inválido, nem que nele deverá ser introduzida uma cláusula de exceção. Na verdade, o que ocorre é que um dos princípios tem precedência em face do outro sob determinadas condições. Sob outras condições a questão da precedência pode ser resolvida de forma oposta. Isso é o que se quer dizer quando se afirma que, nos caos concretos, os princípios têm pesos diferentes e que os princípios com o maior peso tem precedência. Conflitos entre regras ocorrem na dimensão da validade, enquanto as colisões entre princípios – visto que só princípios válidos podem colidir – ocorrem, para além da dimensão, na dimensão de peso26. A definição de regras, em Alexy, aproxima-se da definição de Dworkin, mas com algumas distinções. Para Alexy, “as regras são normas que são sempre ousatisfeitas ou não satisfeitas. Se uma regra vale, então, deve se fazer exatamente aquilo que ela exige; nem mais, nem menos”27. No que tange ao conflito de regras, Alexy determina que: Um conflito de regras somente pode ser solucionado se se introduz, em uma das regras, uma cláusula de exceção que elimine o conflito, ou se pelo menos uma das regras for declarada inválida. Um exemplo para um conflito entre regras que pode ser resolvido por meio da introdução de uma cláusula de exceção é aquele entre a proibição de sair de uma sala de aula antes que o sinal toque e o dever de deixar a sala se soar o alarme de incêndio. Se o sinal 25 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 90. 26 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 93-94. 27 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 91. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 25 ainda não tiver sido tocado, mas o alarme de incêndio tiver soado, essas regras conduzem a juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si. Esse conflito deve ser solucionado por meio da inclusão, na primeira regra, de uma cláusula de exceção para o caso de alarme de incêndio 28 . Ademais: Se esse tipo de solução não for possível, pelos menos uma das regras tem de ser declarada inválida e, com isso, extirpada do ordenamento jurídico. Ao contrário do que ocorre com o conceito de validade social ou de importância de uma norma, o conceito de validade jurídica não é graduável. Ou uma norma jurídica é válida, ou não é. Se uma regra é válida e aplicável a um caso concreto, isso significa que também sua consequência jurídica é válida. Não importa a forma como sejam fundamentados, não é possível que dois juízos concretos de dever-ser contraditórios entre si sejam válidos. Em um determinado caso, se se constata a aplicabilidade de duas regras com consequências jurídicas concretas contraditórias entre si, e essa contradição não pode ser eliminada por meio da introdução de uma cláusula de exceção, então, pelo menos uma das regras deve ser declarada inválida 29 . Por referidas passagens da obra de Alexy, constata-se que o autor, como Dworkin, concebe as regras no plano da validade, de maneira que, se houver um conflito de regras, uma delas deverá ser considerada válida e aplicável, e, a outra, inválida, a não ser que uma seja exceção à outra. Alexy, contudo, alerta que algumas regras também podem ter um caráter prima facie. Para explicar isso, afirma existirem regras completas e regras incompletas. As regras completas estão presentes quando a determinação contida no dispositivo é suficiente para a decisão. Ora, como essas regras não detêm qualquer exceção, seriam consideradas razões definitivas. Quanto às regras incompletas em Alexy, Marcelo Novelino assim adverte: As regras incompletas são aquelas que, apesar de extraídas de disposições de direitos fundamentais que fixam determinações em relação às exigências de princípios colidentes, não podem ser aplicadas independentemente de sopesamentos, por ser necessário “um recurso ao nível dos princípios, com todas as incertezas que estão a ele vinculadas” para se chegar à decisão. 28 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92. 29 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Trad. de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 92. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 26 Entretanto, ao mesmo tempo em que isso não significa que as determinações contidas em uma regra não devam ser levadas a sério na medida em que forem suficientes para a decisão, por outro lado, não se pode ignorar que a exigência de levar a sério as disposições de direitos fundamentais vale também para as determinações fixadas por meio de princípios, e não apenas para aquelas estabelecidas por meio de regras 30 . Enfim, Alexy, ao que parece, considera as normas completas como mandamentos definitivos e as normas incompletas como mandamentos prima facie. Ronald Dworkin e Robert Alexy, como dissemos, são dois ícones no que tange o estabelecimento da distinção entre os princípios e as regras. Passemos, a partir de agora, a analisar os fundamentos de tais autores para superar os chamados casos difíceis (hard cases). Ronald Dworkin, para comprovar sua tese, lançará mão das metáforas do juiz Hércules e do romance em cadeia. No primeiro caso, Dworkin imagina um magistrado com capacidades e paciência sobre-humanas, competente para, de maneira criteriosa e metódica, selecionar as hipóteses de interpretação dos casos concretos a partir do filtro da integridade. Assim, em diálogo com as partes daqueles processos, ele deverá interpretar a história institucional como um movimento constante e partindo de uma análise completa e criteriosa da Constituição, da legislação e dos precedentes, para identificar nestes a leitura feita pela própria sociedade dos princípios jurídicos aplicáveis aos casos. Como consequência, supera-se a chamada “vontade do legislador” como requisito assegurador da objetividade na interpretação do Direito, como defendido pela tradição positivista. O fundamento da tese dworkiana para tal postura está na compreensão da interpretação jurídica como uma forma de interpretação construtiva, capaz de tomar as práticas sociais da melhor forma possível. Já no romance em cadeia, o que se propõe consiste num exercício literário em que um grupo de romancistas seja contratado para um determinado projeto e que jogue dados para definir a ordem do jogo. 30 NOVELINO, Marcelo. Direito Constitucional. 6. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2012, p. 129. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 27 O número mais baixo escreve o capítulo de abertura de um romance, que ele depois manda para o número seguinte, o qual acrescenta um capítulo, com a compreensão de que está acrescendo um capítulo a esse romance, não começando outro, e manda os dois capítulos para o seguinte, e assim por diante. Cada romancista, a não ser o primeiro, tem a dupla responsabilidade de interpretar e criar, pois precisa ler tudo o que foi feito antes para estabelecer, no sentido interpretativista, o que é o romance criado até então. Nessa perspectiva, cada juiz será como um romancista na corrente, de modo que deverá interpretar tudo o que foi escrito no passado por outros juízes e partes nos respectivos processos, buscando descobrir o que disseram, bem como o seu estado de espírito quando o disseram, objetivando chegar a uma opinião do que eles fizeram coletivamente. A cada caso, o juiz incumbido de decidir deverá se considerar como parte de um complexo empreendimento em cadeia no qual as inúmeras decisões, convenções e práticas representam a história, que será o seu limite. O trabalho consistirá, portanto, na continuação dessa história, mas com olhos para o futuro, levando em consideração o que foi feito, por ele e pelos demais, no presente (com os olhos para o passado). Ele deverá interpretar o que aconteceu no passado e não partir numa nova direção, já que o dever do juiz consiste, para Dworkin, em interpretar a história jurídicaque encontra e não inventar uma história melhor. Dessa forma, não pode o magistrado romper com o passado, porque a escolha entre os vários sentidos que o texto legal apresenta não pode ser remetida à intenção de ninguém in concreto, mas sim deve ser feita à luz de uma teoria política e com base no melhor princípio ou política que possa justificar tal prática. Outro ponto importante é que Dworkin pressupõe a identificação de uma comunidade de princípios, ou seja, uma dada sociedade é compreendida por pessoas que consideram sua prática governada por princípios comuns e não somente por regras criadas em conformidade com um acordo político. Assim, o Direito não está restrito ao conjunto de decisões tomadas em âmbito institucional, mas o transborda, devendo ser encarado, em termos gerais, como um sistema de p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 28 princípios construídos a partir da interpretação da história das práticas sociais, ponto que se deve pressupor nas decisões institucionais. Dessa forma, tanto o juiz Hércules quanto os co- autores do romance em cadeia representam os membros dessa comunidade, tendo sua visão moldada por esse mesmo pano de fundo de silêncio compartilhado que rege as práticas sociais. Neste quadrante, tais atividades levarão não somente o magistrado, mas também a comunidade, compreendida pela totalidade de seus membros, ao melhor argumento possível do ponto de vista de uma moral política substantiva, bem como a um argumento com pretensões de ser o correto. Já Robert Alexy sustenta que a despeito das teorias positivistas separarem o direito e a moral, por meio de um conceito de Direito com validade puramente formal, corroborada pela legalidade em conformidade com o ordenamento e a eficácia social, teorias não positivistas tendem a vinculá-los (direito e moral), concebendo o conceito de direito carreado de um terceiro aspecto além dos dois primeiros, vale dizer, o da correção material: o direito é um sistema de normas que (1) formula uma pretensão de correção, (2) consistindo na totalidade das normas que pertencem a uma Constituição geralmente eficaz e que não são extremamente injustas, bem como à totalidade das normas promulgadas de acordo com esta Constituição, que possuem um mínimo de eficácia social ou de probabilidade de eficácia e não são extremamente injustas a qual (3) pertencem princípios e outros argumentos normativos nos quais se apoia o procedimento de aplicação do Direito e/ou tem que se apoiar a fim de satisfazer a pretensão da correção 31 . Com esses ditames Alexy enfatiza que um sistema desprovido de pretensão à correção não possa ser considerado sistema jurídico, e que na prática os sistemas jurídicos a formulam. Que os elementos outrora descritos (legalidade em conformidade com o ordenamento, eficácia social e a correção material) referem-se além da constituição, às normas postas em conformidade com essa constituição, existindo uma estrutura escalonada, excluindo-se normas extremamente injustas da seara do direito. E por fim, que incorpora-se ao direito o procedimento de sua aplicação, pois tudo aquilo em que se apoia ou que tem que se apoiar 31 ALEXY, Robert. El concepto y la validez Del derecho. Barcelona: Gedisa, p. 123. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 29 alguém que aplica o direito almejando sua correção o direito abarca. Ou seja, que princípios não identificados como jurídicos sobre as bases da validade de uma constituição bem como demais argumentos normativos fundamentadores de decisões pertenceriam ao direito. Em suma, Alexy considera direito e moral como “aliados”. Aliados estes que, por meio de princípios bem como de argumentação jurídica, buscam uma aplicação justa para o direito. Isso se dá porque segundo Alexy, os princípios equiparam-se a valores, apesar de não tratarem-se destes. Para o autor, princípios dizem respeito a um conceito deontológico (de dever ser), enquanto que os valores atinem a um conceito axiológico (de bom, de melhor), não obstante estarem intimamente ligados, possibilitando-se colisão, bem como sopesamento, tanto de princípios como de valores, vez que a realização gradual dos princípios corresponde à dos valores. Alexy delimita que a visão do nível dos princípios mostra que neles estão reunidas coisas extremamente diversas. Mas, mais importante que referir-se a essa diversidade é a constatação de sua indeterminação, pois no mundo dos princípios há lugar pra muita coisa, podendo-se chamá-lo de mundo do dever-ser ideal. Para Alexy, as colisões, tensões, conflitos, etc, surgem exatamente no momento em que se tem de passar do espaçoso mundo do dever-ser ideal para o estreito mundo do dever- ser definitivo ou real. A evolução normativa dos princípios O processo de reconhecimento normativo dos princípios percorre diversas etapas na história jurídica, podendo-se apontar o que se segue. No Jusnaturalismo (Direito Natural), os princípios são encarados como valores superiores, eternos, uniformes, permanentes e imutáveis. Neste período, os princípios são vistos de uma forma abstrata e metafísica, carecendo de normatividade, servindo, unicamente, como um norte valorativo a seguir-se. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 30 O Positivismo Jurídico (dominou a ciência jurídica no século XX) tem diversas etapas ao longo da trajetória mundana. De uma forma geral, a maioria dos juristas nega a normatividade dos princípios neste período, classificando-os como fontes subsidiárias, a serem observadas, por este caráter, unicamente, como uma válvula de segurança, caso haja eventual lacuna no ordenamento jurídico, após esgotadas as previsões legais, a analogia e os costumes. Diversos autores (com ênfase em Luis Roberto Barroso) 32 sustentam que somente com o advento do pós-positivismo jurídico (neoconstitucionalismo) (surgiu nas últimas décadas do século XX), reconheceu-se a normatividade dos princípios, tendo tal corrente filosófica, como principais características, a ascensão dos valores e o reconhecimento da normatividade dos princípios, fundamentando que a dogmática tradicional (positivismo jurídico) fomentou-se sob o mito da objetividade do Direito e da neutralidade do intérprete, tendo encoberto seu caráter ideológico bem como sua instrumentalidade à dominação econômica e social. Assim, no pós-positivismo jurídico os princípios e as regras são considerados subespécie de normas. HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL A constituição, como norma que é, deve ser interpretada de modo que o intérprete do direito busque sua melhor aplicação quando da resolução de casos concretos. Métodos de interpretação Dentre os diversos métodos de interpretação da Constituição, os quais são encontrados nas mais variadas obras atinentes a esta seara do Direito, desenvolveremos os seguintes. 32 BARROSO, Luís Roberto. Fundamentos teóricos do novo direito constitucional brasileiro [pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo]. In: A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Luís Roberto Barroso (org). 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 47. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 31 Método jurídico ou hermenêutico Por meio deste método, deve-se encarar a Constituição como uma lei, voltando-se o intérprete a descobrir o verdadeiro significado da norma, valendo-sede elementos como genético; gramatical ou filológico; lógico; sistemático; histórico; teleológico ou sociológico; popular; doutrinário; evolutivo. Genético – Visa aferir as origens dos conceitos utilizados pelo legislador. Gramatical ou filológico – Também conhecido como literal ou semântico, pretende estabelecer uma análise textual, literal. Lógico – Procura uma harmonia lógica das normas constitucionais. Sistemático – Possibilita a análise de todas as normas constitucionais. Teleológico ou sociológico – Visa desvendar qual é a finalidade social da norma. Popular – Propugna pela participação interpretativa das mais diversas vertentes da sociedade como partidos políticos, sindicatos, valendo-se, igualmente, de instrumentos como plebiscito, referendo, entre outros. Método tópico-problemático Pelo método tópico-problemático, na busca pela solução dos problemas concretos, o intérprete parte do problema concreto para a norma. Método hermenêutico-concretizador Este método é contrário do anterior, ou seja, por meio dele parte-se da Constituição para o problema, levando-se em conta pressupostos interpretativos subjetivos; objetivos; e o círculo hermenêutico. Subjetivos – O intérprete utiliza-se de suas pré-compreensões sobre o tema para desvendar o sentido da norma. Objetivos – Por meio deste pressuposto, o intérprete atua como um verdadeiro mediador entre a norma e a situação concreta, tendo como norte a realidade social. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 32 Círculo Hermenêutico – O intérprete promove um movimento de troca entre o subjetivo e o objetivo, tendo como paradigma a compreensão da norma. Método científico-espiritual Levando-se em consideração que a análise da norma constitucional não deve se fixar na sua literalidade, partindo da realidade social e dos seus valores, por meio deste método, transmite-se a ideia de que a Constituição há que ser interpretada como algo dinâmico que se renova constantemente frente às mudanças apresentadas pela sociedade. Método normativo-estruturante Partindo do reconhecimento da inexistência de identidade entre a norma jurídica e o texto normativo, por meio deste método, transmite-se que a literalidade da norma deve ser considerada pelo intérprete à luz da sua concretização na realidade social. Essa concretização perpassa não só a atividade do legislador, mas, também, a atuação do judiciário e do executivo. Método da comparação Constitucional Por meio deste método de interpretação, propugna-se pela comparação dos mais diversos ordenamentos a fim de apontar a melhor interpretação dos institutos, fazendo-se uso, obviamente, de métodos como o gramatical, o lógico, o histórico e o sistemático. Princípios específicos de interpretação da Constituição A doutrina moderna define como princípios específicos de interpretação da Constituição. Princípio da unidade da Constituição p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 33 Este princípio nos transmite a ideia de que a Constituição deva ser interpretada como um todo único. Ou seja, suas normas devem ser encaradas como preceitos integrados, em um sistema unitário composto de princípios e regras. Princípio do efeito integrador Por este princípio, na resolução de problemas jurídico-constitucionais, deve-se dar primazia aos critérios ou pontos de vista que favoreçam a integração política e social. Princípio da máxima efetividade O princípio da máxima efetividade, também chamado de princípio da eficiência ou da interpretação efetiva, relaciona-se à ideia de que a norma constitucional deva ter a mais ampla efetividade social possível. Princípio da concordância prática ou harmonização Fazendo-se uso deste princípio, em referência à unidade da Constituição, os bens jurídicos constitucionalizados devem coexistir, de modo que quando de eventual conflito, o intérprete deve evitar, ao máximo, o sacrifício de um princípio frente ao outro que com ele colide, pois inexiste hierarquia entre princípios. Princípio da força normativa da Constituição O princípio da força normativa da Constituição impõe, quando da interpretação constitucional, dever-se dar primazia às soluções ou pontos de vista que, levando em conta os limites e pressupostos do texto constitucional, possibilitem a atualização de suas normas, garantindo-lhes eficácia e permanência. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 34 Princípio da interpretação conforme a Constituição A Supremacia das normas constitucionais no ordenamento jurídico e a presunção de constitucionalidade das leis e atos normativos editados pelo poder público competente exigem, na função hermenêutica de interpretação do ordenamento jurídico, seja sempre concedida preferência ao sentido da norma mais adequado à Constituição Federal. Assim sendo, no caso de normas com várias significações possíveis, deverá ser encontrada a significação que apresente conformidade com as normas constitucionais, evitando sua declaração de inconstitucionalidade e consequente retirada do ordenamento jurídico. Extremamente importante ressaltar que a interpretação conforme a Constituição somente será possível quando a norma apresentar vários significados, uns compatíveis com as normas constitucionais e outros não, ou, no dizer de Canotilho, “a interpretação conforme a constituição só é legítima quando existe um espaço de decisão (espaço de interpretação) aberto a várias propostas interpretativas, umas em conformidade com a constituição e que devem ser preferidas, e outras em desconformidade com ela”. Portanto, não terá cabimento a interpretação conforme a Constituição quando contrariar texto expresso da lei, que não permita qualquer interpretação em conformidade com a Constituição. Princípio da proporcionalidade ou razoabilidade Trata-se este princípio de uma “ferramenta” essencial para a proteção dos direitos fundamentais, porque estabelece critérios para a delimitação desses direitos. Ele nos transmite uma ideia de busca da justiça, equidade, bom senso, prudência, ponderação, justa medida, proibição de excesso, entre outros. O princípio desdobra-se nos seguintes aspectos. 1 Adequação - O intérprete deve identificar o meio adequado para a consecução dos objetivos pretendidos. p r o f h u g o g d u a r t e @ h o t m a i l . c o m 35 2 Necessidade (ou exigibilidade) - O meio escolhido não deve exceder os limites indispensáveis à conservação dos fins desejados. Em outras palavras, a medida só se justifica e legitima-se se indispensável para o caso concreto e se não se puder substituí-la por outra menos gravosa. 3 Proporcionalidade (sentido estrito) - Que o meio escolhido, no caso específico, deve se mostrar como o mais vantajoso para a promoção do conjunto de valores em “jogo”. Relaciona-se à ideia de que a medida escolhida realiza o objetivo pretendido com a máxima efetividade e a mínima restrição. Mutações e reformas constitucionais A Constituição como toda e qualquer norma, deve ser interpretada, devendo o hermeneuta, tendo como paradigma a história, as ideologias, as realidades sociais, políticas e econômicas do Estado, definir o significado do texto constitucional. Sabe-se que a Constituição de um país deve agregar, ainda que em tese, todas as necessidades de um povo, em dado território e momento histórico. O problema surge quando o texto Constitucional, em sua acepção literal, já não corresponde aos
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