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Terra Brasilis Revista da Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica 16 | 2021 Espaços balneários em questão Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Bernardino José de Souza André Nunes de Sousa Edição electrónica URL: https://journals.openedition.org/terrabrasilis/10337 DOI: 10.4000/terrabrasilis.10337 ISSN: 2316-7793 Editora Rede Brasileira de História da Geografia e Geografia Histórica Refêrencia eletrónica André Nunes de Sousa, «Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Bernardino José de Souza», Terra Brasilis [Online], 16 | 2021, posto online no dia 31 dezembro 2021, consultado o 05 dezembro 2022. URL: http://journals.openedition.org/terrabrasilis/10337 ; DOI: https://doi.org/10.4000/terrabrasilis.10337 Este documento foi criado de forma automática no dia 5 dezembro 2022. All rights reserved https://journals.openedition.org https://journals.openedition.org https://journals.openedition.org/terrabrasilis/10337 Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Bernardino José de Souza André Nunes de Sousa 1 No livro Por mares e terras (leituras geográficas), Bernardino de Souza (1913) 1reuniu alguns dos textos publicados por ele anteriormente em jornais de circulação local na Bahia, acrescido do artigo que apresentou ao I Congresso Brasileiro de Geografia, organizado pela Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro em 1909, na então capital da República. Dada a dificuldade de se encontrar essa coletânea em bibliotecas na Bahia e no Rio de Janeiro, tudo indica que a obra teve uma pequena tiragem se comparada a outros livros do autor, alguns publicados pela reputada coleção Brasiliana da Editora Nacional e amplamente difundidos no Brasil (Sousa, 2022). Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 1 Figura 1. Folha de rosto de Por Mares e Terras. Fonte: Hemeroteca do IHGB. 2 Corridos mais de cem anos desde sua publicação, a importância dos textos escritos e reunidos pelo ainda jovem Bernardino de Souza na coletânea deve-se, sobretudo, ao fato de o autor ter trazido à baila temas pouco discutidos à época na Geografia produzida no Brasil, mas que posteriormente se tornariam centrais no debate geográfico, figurando nas diferentes subáreas da disciplina. Nesse contexto, merecem ser citados, por exemplo, aquele que provavelmente é o primeiro texto de Geografia urbana publicado no Brasil – A Geografia das cidades –, aqui reproduzido, bem como o artigo A remodelação do ensino da Geografia é uma necessidade inadiável tendo como base a criação de uma cadeira de Geografia Física, que expõe as fragilidades da disciplina escolar à época, e enseja uma revisão profunda de seu ensino no país – revisão que deveria estar referenciada em autores como Friedrich Ratzel, Emmanuel De Martonne e, sobretudo, Willian Morris Davis (Pereira, 2019; Sousa, 2019, 2022). 3 O sumário das Leituras Geográficas, quando lido separadamente do restante do livro, pode sugerir ao leitor uma coletânea de textos composta por curiosidades ou interesses aleatórios do autor, dada a diversidade de assuntos que apresenta. Entretanto, a leitura atenta da obra aponta para algumas interseções temáticas e conceituais presentes ao longo de todo o livro, mas que, todavia, à primeira vista não se mostram explicitamente. Essa, aliás, é uma das observações feitas por Theodoro Sampaio (1913), prefaciador do livro, ao comentar o caráter “orgânico” da obra composta por textos que perpassam temas muito diversos, mas que dialogam fortemente entre si e demonstram as principais preocupações do jovem autor no tocante à estruturação da teoria geográfica no Brasil. 4 Seja como for, a leitura atenta e completa da coletânea aponta, precisamente, para o embrião de um projeto do professor do Ginásio da Bahia, que, já em 1913, postulava a Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 2 necessidade da atualização científica e pedagógica da Geografia produzida no Brasil (Pereira, 2019; Sousa, 2019). Entretanto, no rol das interseções temáticas e conceituais presentes nas Leituras Geográficas, encontra-se uma que ainda não foi discutida detalhadamente pelos pesquisadores que têm se dedicado à sua obra – a Geografia militante (Sousa, 2022). 5 Segundo Felix Driver (1992, 2001), a Era dos Impérios – termo tomado por empréstimo a Eric Hobsbawm –, foi um momento fundamental e bastante particular no processo de construção da modernidade. Situando suas análises acerca da ciência geográfica no referido período e fortemente referenciado em um ensaio de Joseph Conrad (1924), intitulado Geography and Some Explorers, Driver (1992) reconstitui três diferentes fases que caracterizaram a Geografia nesse período: a) a Geografia fabulosa, ainda repleta de mitos e crenças imaginárias; b) a Geografia militante, que deslocou as atenções da navegação dos mares para a exploração de porções desconhecidas dos continentes; e c) a Geografia triunfante, correspondente ao próprio domínio da ciência positiva moderna sobre os antigos mistérios em torno do conhecimento da Terra. 6 Ao tratar do texto de Conrad e do mundo visto por ele – contemporâneos a Bernardino de Souza – Driver (1992, 2001) nos oferece importantes parâmetros para pensarmos as contribuições do professor do Ginásio da Bahia à Geografia desenvolvida no país à época, com todos os seus avanços e limites. Segundo Driver (1992: 24):2 7 O mundo sobre o qual Conrad escrevia estava mudando rapidamente; novas tecnologias, novas aspirações e novos relacionamentos estavam se imprimindo nas paisagens sociais, econômicas e culturais do globo. A ‘Era do Império’ foi marcada por diversas transformações; de fato, durante o fim do século, a transformação parecia ser a única coisa constante em um mundo obcecado pela mudança (...). 8 O mundo (o espaço-tempo) em transformação acelerada que caracteriza a Era dos Impérios é observado e descrito também por Bernardino de Souza – munido de leituras geográficas produzidas na Europa e nos Estados Unidos –, mas suas consequências não são problematizadas ou compreendidas com maior extensão ou profundidade, como já observamos (Sousa, 2022). Somente após a deflagração da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), é possível observar nos seus textos alguma crítica ou desconfiança com relação à expansão imperialista. 9 Driver (1992) busca interpretar Conrad à luz de um debate que tomou conta da Geografia na década de 1990 – o papel desempenhado pelo espaço (e a interpretação de suas dinâmicas) para o triunfo da modernidade e do modo de produção capitalista na transição entre os séculos XIX e XX. Nesses termos, ele problematiza a interpretação de autores que enxergam uma superposição do tempo sobre o espaço na teoria social produzida no período em que Conrad – e poderíamos dizer, também, Bernardino – escreve seus textos. Em vista disso, Driver (1992: 25)3 se contrapõe, por exemplo, à tão conhecida leitura de Soja sobre esse mesmo período: 10 A preocupação atual com as mudanças culturais do último final de século oferece uma oportunidade para os geógrafos reconsiderarem o papel de sua disciplina dentro dos vários projetos da modernidade. Enquanto Soja reivindica esse período como o momento decisivo da subordinação da geografia, eu sugeriria um enfoque alternativo sobre o lugar que o conhecimento geográfico teve na construção da modernidade. Essa perspectiva pode nos levar a Conrad e Le Corbusier, bem como a Mackinder e Ratzel; e Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 3 certamente se estenderá para além do mundo da academia,em direção aos vários pontos onde o discurso geográfico se cruza com as estratégias de poder. 11 Tal perspectiva nos incentivou a buscar traços análogos em Bernardino de Souza. Por mares e terras (leituras geográficas) reúne textos que podem ser agrupados, de modo genérico, em três eixos principais: a) um que trata da Geografia Física e sua importância como base de sustentação do “edifício geográfico”, em termos científicos e pedagógicos; b) outro que trata das cidades e infraestruturas como fenômenos que devem interessar ao geógrafo; e c) por fim, explorações e acontecimentos políticos da época que guardam relação com a teoria e o desenvolvimento da Geografia. A ideia de Geografia militante – compartilhada de forma casual com Conrad – encontra-se explicitamente presente em um desses eixos, embora as consequências das explorações e da expansão imperialistas não sejam problematizadas por Bernardino. 12 Com as limitações interpretativas impostas a qualquer um que estivesse no “olho do furacão” dos acontecimentos e mergulhado no espírito de época do seu tempo, Bernardino de Souza expressa nas Leituras Geográficas todo seu entusiasmo pela marcha do progresso, embora reveja algumas de suas posições em textos publicados mais tarde, precisamente após a deflagração da Primeira Grande Guerra (Sousa, 2022). Seu entusiasmo no contexto da publicação da obra pode ser observado na seguinte passagem: 13 Os geógrafos da França que se têm esforçado tanto por alcançar a palma da vitória no estudo da ciência geográfica, principalmente após a amarga e dolorosa lição da guerra franco-prussiana, lembraram o nome de GEOGRAFIA MILITANTE4 para aquela parte da ciência que se ocupa das explorações e jornadas cientificas pelas regiões para onde não se volveram ainda os olhos pesquisadores do homem civilizado. A expressão é moderníssima e se nos patenteia significativa e adequada. Aceitamo-la sem reserva nem restrição. Narrando, descrevendo e explicando as abrilhantadas e destemidas viagens nas seis partes do mundo, nos cinco oceanos e seus mares, no intuito de sondar os seus segredos, revelar os seus mistérios, arrancar do ignoto vastas regiões, a Geografia Militante constitui uma das páginas mais curiosas e instrutivas da complexa disciplina (...). (Souza, 1913: 35). 14 Os três textos de Bernardino de Souza que se seguem, vistos em paralelo com a periodização de Conrad, dão notícia de momentos bastante diferentes da Geografia e do próprio mundo, enxergados por Bernardino no mesmo diapasão do escritor britânico. Vejamos mais de perto o material selecionado. 15 O primeiro texto, intitulado O geógrafo nubiense (No campo da história da Geografia), precede à modernidade. Através da enumeração de fatos e nomes expoentes, esboça um resumo da longa história dos povos árabes, de sua expansão desde a Península Arábica até a Península Ibérica e os conhecimentos e registros geográficos por eles produzidos. Conforme George Kimble (2005) e Albert Hourani (2006), entre a conquista da Mesopotâmia/início da Era Islâmica e o início da conquista da atual Espanha, foram transcorridos menos de oitenta anos. Esse período, detalhado por Kimble em termos de produção geográfica, surge no texto de Bernardino como uma listagem resumida de feitos e nomes, conforme dito, ao que parece com a função de alinhavar o conhecimento geográfico em bases mais seguras e ampliadas territorialmente, como ocorreria em etapas posteriores da ciência. 16 O segundo texto, A Geografia Militante no Brasil, trata desse gênero do conhecimento geográfico produzido pari passu ao desvendamento de terras incógnitas no contexto de Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 4 expansão do mundo dito civilizado, realizado no horizonte temporal de vida do próprio Bernardino de Souza. Atualizado e acompanhando as novas conquistas, bem como a bibliografia geográfica produzida na Europa e na América do Norte, o professor do Ginásio da Bahia buscava reafirmar seus pressupostos otimistas sobre os avanços da Geografia e da conquista do mundo, vistos de forma interligada. Nesse sentido, seu texto se adequa aos termos como Driver (1992, 2001) trata a produção geográfica na Era dos Impérios e a própria obra de Conrad, mas com um diferencial importante: situa o Brasil nesse grande projeto civilizatório, enumerando diversas iniciativas de exploração do território e identificando os agentes responsáveis por esse processo. 17 O terceiro texto, por sua vez, já se inscreve em um momento de consolidação dos estudos geográficos no Brasil, mesmo antes da chamada institucionalização da disciplina na década de 1930. Em A Geografia das cidades, Bernardino de Souza propõe uma metodologia para os estudos das cidades brasileiras partindo das premissas científicas defendidas, sobretudo, por autores germânicos, conforme destaca Baumgartner (2019). Atualizado e referenciando em uma bibliografia que inclui Friedrich Ratzel, Alfred Hettner, Eugen Oberhummer, Albrecht Penck, Kurt Hassert e Hugo Hassinger – além de Alexander Ivanovich Woeikof (geógrafo russo que estudou na Alemanha) e Jean Brunhes (geógrafo francês que participou do Ciclo de Leipzig organizado por Ratzel) – Bernardino de Souza buscava elaborar uma classificação e uma cartografia das cidades a partir do porte e da fisionomia dos aglomerados urbanos, de modo a desvendar os segredos das cidades, bem na linha da Geografia militante. O aperfeiçoamento dessa metodologia viria três anos depois, quando o professor do Ginásio da Bahia propôs de forma pioneira e oficial a metodologia das monografias regionais descritivas no país, no âmbito do V Congresso Brasileiro de Geografia (Baumgartner, 2019; Sousa. 2019; Sousa, 2022). 18 Destacados do conteúdo completo de Por Mares e Terras, os três textos aqui reproduzidos refazem o mesmo percurso assinalado por Conrad quanto à evolução da Geografia, das fabulações originais a seu triunfo científico. Nessa sequência evolutiva, chama especial atenção o uso da expressão Geografia militante por parte de Bernardino, com antecedência de mais de uma década em relação a Conrad. Todas as evidências indicam uma personalização muito forte dessa expressão, pouco usual à época apesar das fontes francesas que lhes são atribuídas.5 Mas não há dúvidas de que o professor baiano tinha especial apreço por essa denominação e seu significado, além de vê-la como uma etapa não encerrada da longa saga geográfica em curso. Tanto é que encontramos no V Congresso Brasileiro de Geografia – outra iniciativa personalizada de Bernardino – uma seção intitulada Geografia Militante, fato provavelmente inédito na história dos congressos de Geografia realizados no mundo à época. Entre 1881 e 1908 encontramos seções similares com o nome “Explorações e viagens” ou simplesmente “Explorações” (Pumain, 1972: 56), mas Geografia Militante será uma espécie de marca registrada de nosso interessante personagem, situado na periferia do mundo. Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 5 BIBLIOGRAFIA Baumgartner, Wendel Henrique (2019). “A Geografia das cidades em Bernardino José de Souza: influência alemã e conhecimento local nas monografias descritivas do estado da Bahia”. In: Sousa, André Nunes de.; Vaz, Caroline Bulhões Nunes (orgs.). A Geografia no alvorecer da República: contribuições à história da ciência geográfica no Brasil. Salvador: EDUFBA, pp. 93-112. Bonnefont, Jean-Claude. « La Société de Géographie de l’Est. Une géographie militante et conviviale à la Belle Époque ». Revue Géographique de L’Est, 39 (1) 1999. Disponível em: https:// journals.openedition.org/rge/4551 CongressoBrasileiro de Geografia (1916). Salvador. Congresso Brasileiro de Geografia, 5., Anais [...]. Salvador: Imprensa Oficial do Estado, v.1. Conrad, Joseph (1926). “Geography and some explorers”. In: Curle, Richard (ed.). Last Essays. London: Dent, pp. 1-31. Driver, Felix (1992). “Geography's empire: histories of geographical knowledge”. 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In: UGI (Union Géographique Internationale)/ IGU (International Geographical Union). Commmission Histoire de la Pensée Géographique/ Commission on History of Geographical Tought. La Géographie a traves un siècle de Congrès Internationaux/Geography trough a century of International Congresses. Warsaw, pp. 56-60. Sampaio, Theodoro (1913). “Prefácio”. In: Souza, Bernardino José de. Por mares e terras (leituras geográficas). Bahia: Livraria Catilina, p. I-XXI. Sena, Consuelo Pondé de (org.) (2013). Bernardino de Souza, vida e obra. Salvador: Quarteto. Sousa, André Nunes de (2019). “Bernardino de Souza e o desenvolvimento da Geografia no Brasil: passagens do 5º Congresso Brasileiro de Geografia”. In: Sousa, André Nunes de; Vaz, Caroline Bulhões Nunes (orgs.). A Geografia no alvorecer da República: contribuições à história da ciência geográfica no Brasil. Salvador: EDUFBA, pp. 53-74. Sousa, André Nunes de (2022). “Bernardino de Souza (1884-1949)”. 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Entre suas inúmeras contribuições para a formação e institucionalização da Geografia no Brasil, cabem ser citados seu envolvimento nos Congressos Brasileiros de Geografia, como participante ativo do I (Rio de Janeiro, 1909), organizador principal do V (Salvador, 1916) e presidente do IX (Florianópolis, 1940); a proposição pioneira e oficial da metodologia das monografias regionais descritivas no país em 1916; a proposição de outras metodologias científicas e pedagógicas ao longo de sua carreira; além de uma extensa obra geográfica resultante de mais de quatro décadas de trabalho (Sena, 2013; Francisco, 2013; Pereira, 2019; Sousa, 2019; Sousa, Vaz e Santos, 2019; Sousa, 2022). 2. No original: “The world to which Conrad addressed his writing was a rapidly changing one; new technologies, new aspirations, and new relationships were impressing themselves upon the social, economic, and cultural landscapes of the globe. The 'age of empire' was marked by a number of transformations; indeed, during the fin de siecle, transformation seemed to be the only constant in a world obsessed by change [...]”. 3. No original: “The present concern with the cultural shifts of the last fin de siècle provides an opportunity for geographers to reconsider the role of their discipline within the various projects of modernity. Whereas Soja claims this period as the decisive moment of geography's subordination, I would suggest an alternative focus on the place that geographical knowledge has had in the construction of modernity. This perspective may lead us to Conrad and Le Corbusier, as well as to Mackinder and to Ratzel; and it will certainly extend beyond the world of the academy, towards the various points where geographical discourse intersects with strategies of power”. 4. Em maiúsculas no original. 5. Bernardino de Souza, como os autores de sua época, não fazia referências bibliográficas. Sua remissão a autores franceses, porém, não deve ser desacreditada. Entre esses, a expressão “Geografia militante” não é muito comum, mas tampouco inexistente. Jean-Claude Bonnefont, em sua investigação sobre a Société de Géographie de l’Est, nos dá algumas indicações interessantes: “A geografia militante, considerada mais nobre pelos sacrifícios que implica (...), dá lugar, basicamente, a histórias de exploradores e viajantes que percorreram regiões ainda pouco conhecidas. Os seus registros, muitas vezes escritos de forma viva e pitoresca, constituem um género literário muito apreciado pelo público” [No original: La géographie militante, considérée comme plus noble par les sacrifices qu’elle implique (...). Elle fait place essentiellement aux récits des explorateurs et des voyageurs qui ont parcouru des régions encore mal connues. Leurs carnets, souvent écrits de manière vivante et pittoresque, constituent un genre littéraire dont le public est très friand]. Assim, haveria uma diferença muito tênue entre geografia militante e geografia colonial. Nas palavras de Bonnefont: “em princípio, a segunda deveria interessar-se apenas pelos territórios já suficientemente conhecidos, tendo recebido um início de infraestrutura e uma primeira instalação de colonos. Na realidade, a distinção nem sempre é muito clara (...). Uma expedição de estilo militar à Tunísia (1883-1885) é classificada em geografia militante, enquanto, ao mesmo Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 7 tempo, relatos de estadias no Congo com Brazza ou notas sobre Madagascar são classificados em geografia colonial”. [No original: il n’existe qu’une différence très mince entre la géographie militante et la géographie coloniale. En principe, la seconde devrait ne s’intéresser qu’aux territoires déjà suffisamment connus, ayant reçu un début d’équipement et une première installation de colons. Dans la réalité, la distinction n’est pas toujours bien claire (…). On classe dans la géographie militante une expédition de style militaire en Tunisie (1883-1885), alors qu’à la même époque, des relations de séjour au Congo avec Brazza ou des notes sur Madagascar sont classées dans la géographie coloniale] (Bonnefont, 1999). RESUMOS O presente texto acompanha a publicação na revista Terra Brasilis de três textos do livro Por mares e terras (Leituras Geographicas) de Bernardino de Souza (1913), sendo esses: “O geógrafo nubiense (No campo da história da Geografia)”, “A Geografia militante no Brasil” e “A Geografia das cidades”. Procura-se situar esses textos no contextodo debate sobre o papel desempenado pelo espaço no triunfo da modernidade e do modo de produção capitalista na transição entre os séculos XIX e XX, e sua relação com a prática e a teorização acerca da Geografia Militante. Para tanto, traçamos uma argumentação paralela à que Felix Driver desenvolveu a partir da leitura dos escritos de Joseph Conrad produzidos no período que se convencionou denominar Era dos Impérios, observando as contribuições do professor do Ginásio da Bahia à Geografia desenvolvida no país à época, com todos os seus avanços e limites. Bernardino de Souza foi professor catedrático do Ginásio da Bahia (1915-1934) e ministro de Estado no Estado Novo. Entre suas inúmeras contribuições para a formação e institucionalização da Geografia no Brasil, cabem ser citados seu envolvimento nos Congressos Brasileiros de Geografia; a proposição pioneira e oficial da metodologia das monografias regionais descritivas no país em 1916; a proposição de outras metodologias científicas e pedagógicas ao longo de sua carreira; a participação na criação do Conselho Nacional de Geografia (CNG); além de uma extensa obra geográfica resultante de mais de quatro décadas de trabalho. ÍNDICE Palavras-chave: Bernardino de Souza, geografia militante, história da geografia AUTOR ANDRÉ NUNES DE SOUSA Professor do Departamento de Geografia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia – IFBA. E-mail: anunesds82@gmail.com Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Berna... Terra Brasilis, 16 | 2021 8 mailto:anunesds82@gmail.com Geografias Fabulosa, Militante e Triunfante nas Leituras Geográficas de Bernardino José de Souza