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Centro Universitário Salesiano de São Paulo Rafael Edwin Bell Controle de Constitucionalidade Campinas 2015 Rafael Edwin Bell Controle de Constitucionalidade Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL. Orientador: Prof. Kléber Stefano Campinas 2015 Ficha Catalográfica Elaborada pela Bibliotecária Luzinete de Fátima Bichof Tarnoschi – CRB 8/8199 Centro UNISAL- Campinas Bell, Rafael Edwin. B435c Controle de constitucionalidade. / Rafael Edwin Bell. - Campinas: UNISAL, 2015. 52p. Orientador: Kleber Stefano. Monografia (conclusão de curso) - Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Graduação em Direito. Inclui bibliografia. 1. Direito Constitucional. 2. Controle de constitucionalidade. 3. Constituição Federal. 4. Controle abstrato. 5. Controle difuso. I. Stefano, Kleber. II. Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Graduação em Direito. III. Título. CDD – 341.2 Rafael Edwin Bell Controle de Constitucionalidade Trabalho de Conclusão de Curso apresentado como exigência parcial para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Centro Universitário Salesiano de São Paulo - UNISAL. Orientador: Prof. Kléber Stefano Trabalho de conclusão de curso aprovado em 25/06/2015, pela comissão julgadora: Kléber Stefano Prof. Mônica DefilippiHobeika Prof. Campinas 2015 Dedico aos meus pais e amigos o apoio na realização do presente trabalho. A minha namorada Camila Sanches por todo o suporte moral. Aos meus professores e “chefes” Caio Ravaglia e Marcelo Scudeler pelos ensinamentos e pela disposição de materiais para a consecução do trabalho. E por fim, aos ensinamentos do professor Kléber Stefano, no qual foi essencial para a concretização desse trabalho acadêmico. AGRADECIMENTOS Agradeço aos meus pais que conseguiram subsídios materiais para a minha formação universitária, sem esse auxílio não seria possível à conclusão do curso. Agradeço ao meu tio Hélcio e a minha tia Alda, pessoas essenciais que também suportaram os encargos financeiros da faculdade. Sou grato a minha namorada Camila Sanches e aos seus pais Dirceu e Cida, pessoas que contribuíram com incentivos morais, nos quais foram essenciais para a continuação e formação. Agradeço ao meu padrinho Oswaldo Buzzo, pessoa incrivelmente inteligente que me auxiliou e me aconselhou com seus ensinamentos e caminhos. A todos os professores do curso de direito da Universidade Salesiana de São Paulo, mestres que sempre estavam disponíveis para ensinamentos e conselhos. Por fim, agradeço ao docente e orientador do presente trabalho professor Kléber Stefano, acadêmicoque sempre me espelhei, tendo em vista a sua imensa sabedoria e humildade. RESUMO O controlede constitucionalidade visa garantir a supremacia da Constituição Federal de 1988 em face de leis ou atos normativos que a confrontem. Além disso, o controle de constitucionalidade é exercido por dois meios, quais sejam, o controle exercido pela via difusa - também denominada de controle elaborado no caso concreto – e o controle exercido pela viaconcentrada – também denominado por controle abstrato. O primeiro é apreciadopor qualquer juiz investido em jurisdição, ou seja, todos os juízes poderão, no controle de constitucionalidade pela via difusa, apreciar a constitucionalidade da lei que é postulada em um caso concreto, incidentalmente. Com relação ao controle concentrado é resguardada a apreciação da constitucionalidade a uma determinada Corte, que apreciará se a lei postulada é ou não constitucional em face da Constituição de 1988. Neste caso o pedido desta ação é principal, diferindo desta maneira do controle pela via difusa. O controle concentrado é exercido por algumas pessoas que a Constituição Federal atribuiu legitimidade, ou seja, só algumas pessoas elencadas no artigo 103, incisos I a IX, que poderão propor essa ação de inconstitucionalidade ou constitucionalidade. O tema controle de constitucionalidade é um dos temas mais importantes do direito, pois permite a garantia de uma Constituição suprema e rígida, bem como garante a observância dos preceitos constitucionais, vinculando os entes legiferantes em obedecer ao que esta exposto na carta magna de 1988, estabelecendo um parâmetro de obediência e respeito das normas infraconstitucionais para com a Constituição Federal de 1988. Palavras-chave:Controle de constitucionalidade. Constituição Federal de 1988. Controle difuso. Controle concentrado.Constitucionalidade. Inconstitucionalidade. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 9 1. RIGIDEZ E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL ..................................................... 11 1.1. DEFINIÇÃO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ........................ 12 1.2 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE ..................................................... 13 1.2.1 INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO E POR OMISSÃO .....................13 1.2.2 INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL ...............................13 1.2.3 INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA E INDIRETA ...................................14 1.2.4 INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL E PARCIAL .......................................15 1.2.4.1 INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO ................................16 1.2.5 INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA E SUPERVENIENTE ............16 2. HISTÓRIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO MUNDO ........... 18 2.1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS UNIDOS .......... 18 2.2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA ÁUSTRIA ............................. 20 2.3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL ............................... 21 2.3.1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS .............................................................................................................................21 2.3.1.1 CONSTITUIÇÃO DE 1988 .................................................................................23 3. SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE ................................. 24 3.1 CONTROLE PREVENTIVO ................................................................................. 24 3.2 CONTROLE REPRESSIVO .................................................................................. 26 3.2.1 PODER LEGISLATIVO – CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCINALIDADE .........................................................................................................27 3.2.2 PODER EXECUTIVO – CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCINALIDADE .........................................................................................................28 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADEPELA VIA DIFUSA .......................... 30 4.1 CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART.97 DA CF) ............................ 32 4.2 A SUSPENSÃO DA LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EXERCIDO PELO SENADO FEDERAL .................... 34 5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCENTRADO ............................. 36 5.1 AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) ................................. 37 5.1.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA E DA PERTINÊNCIA TEMÂTICA .................38 5.1.2 DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE ..................................................................................................40 5.2 AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE (ADC) ..................... 42 5.3 AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO (ADO) .... 43 5.4ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL (ADPF) ..................................................................................................................................... 44 6. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE ............................................................... 47 7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................ 50 8. REFERÊNCIAS ........................................................................................................... 51 9 INTRODUÇÃO O controle de constitucionalidade, sem dúvida nenhuma, é um dos temas mais importantes do direito, tendo em vista todos os princípios e todas as garantias fundamentais sacramentadas no texto de 1988. Além disso, vigora no Brasil a rigidez e a supremacia da Constituição, motivo pelo qual todos os atos legislativos expedidos pelo poder constituinte derivado deve observar a conformidade com a Constituição Federal, ou seja, a Constituição vincula a atividade legiferante, devendo o constituinte derivado observar todos os preceitos garantidos. Deste modo, qualquer lei que afronte a Constituição, tanto no aspecto formal quanto no aspecto material, será objeto de controle de constitucionalidade. Portanto, o tema controle de constitucionalidade demanda grande cautela dos juristas, reputando um estudo minucioso e detalhado acerca deste tema. O motivo deste trabalho é pesquisar os meios existentes no ordenamento jurídico para proteção da Constituição Federal, em face de leis que atentem contra a ordem constitucional. O método utilizado para elaboração deste estudo consubstanciou-se em livros doutrinários, bem como jurisprudências do Supremo Tribunal Federal e de alguns Tribunais de Justiça de Estados Membros. Como referenciais teóricos utilizou-se dos ensinamentos de autores consagrados no direito constitucional a exemplo de Gilmar Ferreira Mendes, Paulo Bonavides, José Afonso da Silva, Alexandre de Moraes, Pedro Lenza, Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo, Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. No capítulo inicial tratou-se das concepções iniciais acerca do tema controle de constitucionalidade. Tratou-se, igualmente, de conceitos e de espécies de controle de constitucionalidade, bem como a diferença e as peculiaridades de cada conceito. Portanto, o primeiro capítulo foi pautado numa concepção e numa ideia inicial. O segundo capítulo abordou as fases históricas de controle de constitucionalidade existente no mundo, bem como versou acerca da evolução do controle de constitucionalidade no Brasil, com a abordagem das Constituições 10 brasileiras, chegandoaté o ano de 1988, com a promulgação da Magna Carta e a disciplina atual do controle de constitucionalidade. Na sequência, o capítulo terceiro apontou as possibilidades e os momentos do controle de constitucionalidade, como o controle político, judicial, preventivo e repressivo. O quarto capítulo abordou o controle de constitucionalidade na via difusa, exercido num caso concreto, incidentalmente. Verificou-se que qualquer juiz ou Tribunal tem a possibilidade e a competência para declarar a inconstitucionalidade de uma lei. No mesmo capítulo foi apontado o efeito dessa decisão de inconstitucionalidade, bem como o âmbito de sua incidência. Na sequência, o capítulo cinco conceituou e esmiuçou o controle de constitucionalidade na via abstrata, mais conhecido como controle de constitucionalidade concentrado. Foram expostas todas as ações diretas de inconstitucionalidade previstas no Brasil, bem como os legitimados para a propositura e o Tribunal competente para decisão. O trabalho finaliza no capítulo seis em que é reportadoo controle de convencionalidade, que toma como parâmetro de compatibilidade os tratados internacionais incorporados no sistema jurídico. 11 1. RIGIDEZ E SUPREMACIA CONSTITUCIONAL Ao estudaro direito constitucional, verificam-se diversas classificações e os diversos princípios que norteiam a Constituição Federal de 1988. Dentre as classificações e dentre os princípios que se destacam no estudo deste trabalho, convém mencionar o critério da rigidez e o princípio da supremacia da Constituição em face de todo o ordenamento jurídico. Na classificação quanto a sua mutabilidade, ou quanto a sua alterabilidade, verifica-se que a Constituição de 1988 é rígida, tendo em vista a necessidade de quórum especial para realização de emendas constitucionais. Nesse sentido obtempera o advogado Pedro Lenza: Rígidas são aquelas Constituições que exigem, para a sua alteração (daí preferimos a terminologia alterabilidade), um processo legislativo mais árduo, mais solene, mais dificultoso do que o processo de alteração das normas não constitucionais. (LENZA,2013, p.92). Diante dessa classificação (constituição rígida), pode-se asseverar que qualquer alteração da Constituição Federal deverá obedecer ao que dispõe a própria Carta Magna, e se porventura, os parlamentares, ou até mesmo a presidente da República, requererem a edição de emenda constitucional, deverão verificar todos os trâmites que correspondem a essa atividade, sob pena de incidirem em inconstitucionalidade formal. A contrario sensu, se no Brasil vigorasse a flexibilização da constituição, certamente não existiria esse instituto, tendo em vista a horizontalidade das normas e a disposição de alteração nas mãos do legislador ordinário. Ainda sobre a classificação da Constituição Federal de 1988 como rígida, Alexandre de Moraes expõe um entendimento mais crítico e restritivo, conforme parecer abaixo: Ressalta-se que a Constituição Federal de 1988 pode ser considerada como super-rígida, uma vez que em regra poderá ser alterada por um processo legislativo diferenciado, mas, excepcionalmente, em alguns pontos é imutável (CF, art. 60 §4º - Cláusulas pétreas). (MORAES, 2012, p.10). 12 Com relação ao princípio da supremacia constitucional, principio ínsito e veicular do direito constitucional, vincula os poderes políticos a observarem o que está estabelecido na Constituição, ou seja, dever-se-á, na expedição de leis e atos normativos, obedecer, tanto formal quanto materialmenteo que disciplina a Carta Magna. Esse é o entendimento do professor titular aposentado da USP José Afonso da Silva: Significa que a constituição se coloca no vértice do sistema jurídico do país, a que confere validade, e que todos os poderes estatais são legítimos na medida em que ela os reconheça e na proporção por ela distribuídos. (SILVA, 2006, p.45). Antes de adentrar no tema do controle de constitucionalidade é imperioso trazer a baila esses conceitos, tendo em vista a sua grande importância e vinculação ao controle de constitucionalidade,que só se torna possível pela rigidez constitucional e pelo princípio norteador da supremacia em face de todo o ordenamento jurídico, ou seja, deve a Constituiçãoser observada, obedecida e cumprida pelos entes políticos, e necessita de um processo legislativo especial para a sua alteração (artigo 60 da Constituição Federal). 1.1.DEFINIÇÃO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Conforme relatadono tópico anterior, o controle de constitucionalidade deve ser entendido e estudado em conjunto com a classificação da rigidez e pelo princípio da supremacia constitucional. Com o intuito de garantir esse controle, imperioso que haja um órgão competente para averiguar a observância do processo legislativo formal, bem como a observância da norma em seu aspecto material. Desse modo, é assegurado que um órgão diverso daquele que expediu a norma fiscalize a compatibilidade desta com os parâmetros traçados pela Constituição. Analisado esses importantes aspectos iniciais é possívelconceituar, ou ter uma boa noção, do que significa controle de constitucionalidade, traçando um conceito geral deste importante mecanismo disponível aos magistrados, advogados e parlamentares na apreciação e na consecução das leis e dos atos normativos. Controle de constitucionalidade é a investigação da compatibilidade de uma lei ou um ato normativo, tomando-se como parâmetro a Constituição Federal de 1988. Esse conceito é parecido com o conceito adotado pelo professor Alexandre de 13 Moraes:“Controlar a constitucionalidade significa verificar a adequação (compatibilidade) de uma lei ou de um ato normativo, verificando seus requisitos formais e materiais”. (MORAES, 2012, p.735). É importante destacar que a Constituição Federal é o parâmetro de compatibilidade, ou seja, conforme já mencionado, as leis ou os atos normativos deverão ser compatíveis com o que dispõe a Carta Magna. Considerando os princípios que norteiam o presente estudo e o conceito geral de controle de constitucionalidade passa-se aseguir a analisar as espécies de inconstitucionalidade existentes. 1.2 ESPÉCIES DE INCONSTITUCIONALIDADE Há diversas espécies de inconstitucionalidade no ordenamento jurídico constitucional pátrio, a saber:inconstitucionalidade por ação ou omissão; por vícios materiais e formais; direta ou indireta; total ou parcial; originária e superveniente. Para melhor compreensão do tema, passa-se aanalisar cada espécie. 1.2.1 INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO E POR OMISSÃO A inconstitucionalidade por ação é aquela inconstitucionalidade derivada de uma ação estatal, isto é, de um fazer estatal.Pode-seclaramente diferenciar da inconstitucionalidade por omissão, tendo em vista que nesta última há um não fazer do ente Público, pois, incumbido a editar uma lei, não o faz, mantendo normas constitucionais com grau de eficácia limitado. Com relação à inconstitucionalidade por ação, o poder que instituiu a lei não observou os princípios e as normas constitucionais, ou seja, a lei editada contém um vício de inconstitucionalidade, não produzindo efeitos no ordenamento jurídico. Com relação à inconstitucionalidade por omissão, conforme dito anteriormente, o Estado não regulamentoupor lei, a situação descrita na Constituição Federal, que necessitava de regulamentação. O tema será melhor desenvolvidono capítulo 5.3 deste trabalho. 1.2.2 INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL 14 A inconstitucionalidade formal é aquela que afronta os preceitos mínimos para a expedição da lei, ou seja, as pessoas incumbidas para a expedição da lei não observaramos requisitos formais, isto é, afrontaram os requisitos essenciais de validade para concretização da lei, como quórum de deliberação ou uso inadequado da espécie normativa. Com relação à inconstitucionalidade material, existe uma inconstitucionalidade no mérito da lei, ou seja, há uma incompatibilidade da lei com a Constituição Federal. Estas espécies de inconstitucionalidade também podem ser denominadas como monodinâmica e monoestática. A primeira diz respeito à inconstitucionalidade formal e a segunda diz respeito à inconstitucionalidade material. 1.2.3 INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA E INDIRETA A inconstitucionalidade poderá ser direta, quando uma lei afrontar diretamente a Constituição Federal de 1988, tanto formal quanto materialmente. O sentido da palavra lei deve ser entendido e compreendido como espécie normativa primária, de acordo com o artigo 59 da Constituição Federal1. A inconstitucionalidade indireta decorre de um ato administrativo, podendo ser um decreto regulamentar no qual dá executoriedade a uma lei específica, isto é, não há afronta a Constituição Federal, e sim afronta direta com a lei específica que serviu de parâmetro. Ocorre que esse vício não é inconstitucional, mas mero conflito de legalidade do decreto com a lei, ou seja, não caberá ao jurisdicionado postular a inconstitucionalidade do decreto, deverá postular a sua ilegalidade. Nesse sentido ensina o ex-ministro do Supremo Tribunal Federal CarlosVeloso: O decreto regulamentar não está sujeito ao controle de constitucionalidade, dado que, se o decreto vai além do conteúdo da lei, pratica ilegalidade e não inconstitucionalidade (1994, apud ALEXANDRINO E PAULO, 2014, p.786). A inconstitucionalidade indireta não se confunde com a inconstitucionalidade derivada. A inconstitucionalidade derivada decorre da inconstitucionalidade da lei principal, isto é, ocorrendo a expedição de uma espécie normativa do artigo 59 da Constituição Federal em desacordo com a própria Constituição Federal e ocorrendo 1 Artigo 59 da Constituição Federal: O processo legislativo compreende a elaboração de:I - emendas à Constituição;II - leis complementares; III leis ordinárias; IV - leis delegadas; V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. Parágrafo único. Lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. 15 cumulativamente a criação de um ato administrativo, ato secundário derivado da lei inconstitucional, esse ato administrativo será retirado do sistema jurídico, tendo em vista a declaração de inconstitucionalidade da lei principal. Essa inconstitucionalidade é semelhante ao princípio dos frutos da árvore proibida, pois tudo o que foi criado sob a dependência de uma lei viciada, será eivado do mesmo vício. Nesse sentido são os ensinamentos dos professores Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: A inconstitucionalidade indireta ou reflexa aqui estudada não pode ser confundida com a chamada inconstitucionalidade derivada, que diz respeito a outra relação existente entre a norma regulamentadora e lei regulamentada. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p.786). 1.2.4 INCONSTITUCIONALIDADE TOTAL E PARCIAL A inconstitucionalidade total de uma lei dá-se pela incompatibilidade total com o ordenamento jurídico, isto é, quando a lei impugnada é inconstitucional em sua totalidade. Com relação à inconstitucionalidade parcial, algumas considerações são necessárias. O Poder Judiciário poderá declarar o ato normativo parcialmente inconstitucional. A declaração de inconstitucionalidade poderá recair sobre as palavras, frações de artigos, alíneas, incisos e parágrafos. Entretanto, quando declarada parcialmente inconstitucional, é necessário que o Judiciário não retire e nem altera o sentido da lei em questão, tendo em vista o princípio constitucional da separação dos poderes. No mesmo sentido Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo: Assim, se a declaração da inconstitucionalidade parcial implicar mudança no sentido e alcance da normaimpugnada, o Poder Judiciário deverá declarar a inconstitucionalidade de toda a norma (inconstitucionalidade total), sob pena de atuar (indevidamente) como autêntico legislador positivo, criando norma não pretendida pelo legislador, em ofensa ao postulado da separação dos poderes. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p. 785). Quando declarada parcialmente inconstitucional a lei, o Judiciário não poderá alterar no conjunto, o sentido e a finalidade da lei. Se porventura a declaração parcial alterar o seu sentido, o órgão judicante deverá declarar a inconstitucionalidade total. 16 1.2.4.1 INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO A interpretação conforme a Constituição é um método utilizado pelo Supremo Tribunal Federal para manter a lei questionada no ordenamento jurídico. Esse método interpretativo analisa a lei no todo com os ditames e princípios constitucionais, excluindo quaisquer outras interpretações contrárias a Constituição. Portanto, verifica-se que esse tipo de controle é um método de não expurgar a lei, adotando-se uma interpretação (conjunto da lei) com a Constituição. Quando o Supremo Tribunal Federal adotar a tese da interpretação conforme a Constituição, a ação direta de inconstitucionalidade deverá ser julgada procedente, isto é, deverá declarar a inconstitucionalidade das diversas interpretações possíveis, mas contrárias à Constituição Federal. Por fim, questiona-se se a interpretação conforme a Constituição seria cabível no controle incidental. Marcelo Alexandrino e Vicente de Paulo prescrevem: A interpretação conforme a Constituição tem sido largamente utilizada pelos diversos tribunais do país também no âmbito do controle incidental, com a única diferença de que, nesses casos, a interpretação dada só vinculará as partes do processo, como é próprio dessa via de controle. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p. 785). 1.2.5 INCONSTITUCIONALIDADE ORIGINÁRIA E SUPERVENIENTE A inconstitucionalidade originária é a incompatibilidade da lei com a Constituição vigente. Imagina-se a expedição de uma lei por parlamentar, que discipline situações de competência exclusiva do Presidente da República (artigo 61,§1º da Constituição federal de 1988). Neste caso está-se diante de uma inconstitucionalidade formal originária, tendo em vista que a Carta Magna disciplinou matérias de competência legislativa exclusiva do Presidente da República. E no caso analisado verificou-se uma incompatibilidade formal, tendo em vista a não obediência da competência para a expedição da lei. Por sua vez a inconstitucionalidade superveniente, não acatada pela Suprema Corte, é a incompatibilidade de uma lei anterior a Constituição Federal de 1988. Na verdade está-se diante de conflito intertemporal, pois a nova Constituição 17 estabeleceunovas diretrizes de regramento. Portanto, não se trata de inconstitucionalidade, e sim de juízo de recepção. Se a lei anterior a Constituição é incompatível, ela não é recepcionada, logo é declarada a revogabilidade por incompatibilidade com os preceitos da nova Carta Magna. 18 2.HISTÓRIA DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO MUNDO O estudo do direito é demasiadamente proveitoso quando conjugado com as fases precedentes ou históricas. Nesse diapasão, verifica-se no estudo deste trabalho a importância de correlacionar as fases históricas do controle de constitucionalidade, tendo em vista que os modelos de controle de constitucionalidade utilizados no Brasil vieram dos Estados Unidos e da Áustria. Tendo em conta a importância histórica do tema, passa-sea estudar o controle de constitucionalidade nos Estados Unidos e na Áustria. 2.1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NOS ESTADOS UNIDOS Foi com a Constituição de18 de setembro de 1787 que os Estados Unidos, através do presidencialismo e com a instituição da forma federativa, criou uma Constituição escrita, rígida e suprema. Entretanto, ao observar as normas lá prescritas, verificou-se que a Constituição de 1787 não determinou e não criou um órgão que fiscalizasse a obediência das leis em face da Constituição. No mesmo sentido dispõe o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Adhemar Maciel: A Constituição da Filadélfia não se preocupou em estabelecer diretriz insofismável quanto ao órgão ou poder competente para dirimir confronto entre uma lei ordinária e a própria Constituição. 2 Conforme dito acima, não existia um órgão competente para analisar a obediência das leis em face da Constituição. Foi através do caso William Marbury vs. James Madison, com a participação do juiz John Marshall que ocorreu o primeiro casode controle de constitucionalidade analisado no caso concreto. A causa que abriu o precedente do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos ocorreu em 1803. A questão pautava-seacerca de nomeações de juízes federais realizadas pelo presidente John Adams. De forma clara e concisa, Pedro Lenza relata a causa do controle de constitucionalidade: 2 MACIEL, Adhemar. O ACASO: John Marshall e o Controle de Constitucionalidade. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/11451/Acaso_John_Marshall.pdf?sequence=1..>. Último acesso em 12 de maio de 2015. 19 Adams resolveu, antes de ser sucedido por Jeferson, nomear diversas pessoas ligadas ao seu governo como juízes federais, destacando-se William Marbury, cuja “comissão” para o cargo de “juiz de paz” do condado de Washington foi assinada por Adams, sem, contudo, ter-lhe sido entregue.Jefferson, por sua vez, ao assumir o governo, nomeou James Madison como seu Secretário de Estado e, ao mesmo tempo, por entender que a nomeação de Marbury era incompleta até o ato da “comissão”, já que ainda não lhe havia sido entregue, determinou que Madison não mais efetivasse a nomeação de Marbury. (LENZA, 2013, p.287) Incrédulo com a situação, Marbury impetrou o chamado writ ofmandamus, a fim de buscar uma tutela jurisdicional, tendo em vista a atuação de Thomas Jefferson que o retirou do futuro cargo. Entretanto, questionava-se se a Suprema Corte estadunidense teria competência para apreciar o remédio interposto por Marbury, tendo em vista que a permissão para a impetração do mandado de segurança era pautada na seção 13 do JudiciaryAct de 1789.Nos dizeres de Pedro Lenza: Ou seja, na prática, pela primeira vez teria a Suprema Corte de analisar se deveria prevalecer a lei (seção 13 do JudiciaryAct, de 1789, que determinava a apreciação da matéria pela Suprema Corte) ou a Constituição de 1787, que não fixou tal competência originária, em verdadeiro conflito de normas. (LENZA, 2013, p.287). O juiz John Marshall apreciou e afastouo ato legislativo expedido pelo Congresso (JudiciaryAct de 1789), tendo em vista a contrariedade com a Constituição de 1787(judicial review). Isto é, restouprejudicada a ação proposta por Marburry, haja vista a declaração de incompatibilidade do ato que permitia a impetração do mandado de segurança. O juiz John Marshall acreditava que a Constituição dos Estados Unidos era o documento de maior valia para o país, isto é, primava pelo respeito e pela obediência dos atos congressistas em face da Constituição. Nessas conclusões o juiz Marshall acreditava que era o Judiciário quem deveria fazer o controle e a vigília dos atos infraconstitucionais contrários a carta magna estadunidense. Assis leciona Pedro Lenza: Depois de muito meditar, inclusive sobre o papel da Constituição escrita, Marshall concluiu: “assim, a ‘fraseologia’ particular da Constituição dos Estados Unidos confirma e corrobora o princípio essencial a todasas constituições escritas, segundo o qual é nula qualquer lei incompatível com a Constituição; e que os tribunais, bem como os demais departamentos, são vinculados por esse instrumento”. (LENZA, 2013, p.287). 20 Desde então, havia certa obscuridade e falta de constitucionalismo sobre a questão, tendo em vista o preconceito da época e principalmente a interpretação da maioria dos juristas acerca da prevalência de um poder sobre o outro. Segundo os ensinamentos do ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça, Adhemar Maciel: Marshall, que era versado nos clássicos Greco-latinos, primava pela lógica. Foi estabelecendo dois postulados – a Constituição é a lei fundamental do país e a Constituição, como lei, tem de ser interpretada e aplicada – que chegou sorrateiramente à conclusão de que aos juízes tocava o controle dos atos do Congresso3 Conclui-se que o caso William Marbury vs. James Madisson foi de grande valia para o controle de constitucionalidade, pois abriu o precedente para a realização do controle de constitucionalidade postulado incidentalmente, isto é, no caso concreto. 2.2. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NA ÁUSTRIA O controle de constitucionalidade austríaco, conhecido como controle de constitucionalidade concentrado, tem a característica de atribuir a um órgão específico o julgamento da constitucionalidade das leis. No caso, o órgão responsável é a Corte Constitucional. Tal atribuição nasceu com a Constituição de 1920. O sistema austríaco, como regra geral, decreta a inconstitucionalidade da lei e determina os efeitos desta inconstitucionalidade para o futuro. Trata-se de decisão constitutiva, operando-se a partir desta decretação (ex nunc).As situações fáticas consolidadas antes desta decretação não eram alcançadas entre 1920 e1929. Foi com a emenda de 1929 que o controle austríaco possibilitou a eficácia retrooperante, tendo em vista as injustiças e a insegurança jurídica da eficácia somente para o futuro. Nesse sentido, expõem Gilmar Mendes: “Especialmente a Emenda Constitucional de 7-12- 1929 introduziu mudanças substanciais no modelo de controle de constitucionalidade formulado pela Constituição de 1920”.(MENDES, 2012, p.1099). Feitas essas considerações, passa-se a analisar como é realizado o controle de constitucionalidade no Brasil. É possível adiantar que no Brasil o controle de constitucionalidade das leis é realizado tanto na via difusa quanto na concentrada. 3 MACIEL, Adhemar. O ACASO: John Marshall e o Controle de Constitucionalidade. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/xmlui/bitstream/handle/2011/11451/Acaso_John_Marshall.pdf?sequence=1..>. Último acesso em 09 de maio de 2015. 21 2.3. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO BRASIL O controle de constitucionalidade no Brasil é exercido tanto na via difusa quanto na via concentrada. Todas as pessoas poderão pleitear a inconstitucionalidade de determinada lei, no caso em concreto, pela via incidental, perante qualquer órgão do Judiciário, com eficácia inter partes, pois assim permitiu a Constituição de 1988. Permitiu,igualmente, o controle concentrado que é exercido exclusivamente por determinadas pessoas para pleitear a inconstitucionalidade ou constitucionalidade das leis. Esse controle é realizado de forma abstrata, isto é, não se discute uma situação concreta, mas sim uma situação genérica, que atinge milhões de pessoas. Possui, portanto, eficácia erga omnes, ou seja, atinge a vida de todos que estão sob a jurisdiçãobrasileira. O controle de constitucionalidade é de grande valia para o sistema jurídico, pois trata de um método de controle dos atos legiferantes contrários a Constituição Federal. 2.3.1. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS A Constituição de 1824 não previa qualquer forma de controle judicial de constitucionalidade, tendo em vista que naquela época prevalecia o poder legislativo, exercido pela assembleia geral. Verifica-se essa prevalência na leiturados artigos 14, 15, VIII e IX, da referida Constituição.4 Portanto, não havia o controle de constitucionalidade exercido por órgão distinto daquele que expedisse a lei. Nesse sentido obtempera Carlos Alberto Lúcio Bittencout(1968, p.27-28, apud MENDES, 2012, p.1099)que não havia lugar, pois nesse sistema, para o mais incipiente modelo de controle judicial de constitucionalidade. A Constituição de 1891 passou a prever o controle de constitucionalidade judicial, exercido por qualquer juiz ou tribunal. Ou seja, instituiu-se o controle difuso de constitucionalidade, influenciado pelo modelo estadunidense.Esse controle deveria 4 Artigo 14. A Assembléa Geral compõe-se de duas Camaras: Camara de Deputados, e Camara de Senadores, ou Senado; Artigo. 15. E' da attribuição da Asseméa Geral: (...) VIII. Fazer Leis, interpretal-as, suspendel-as, e rovogal-as. IX. Velar na guarda da Constituição, e promover o bem geral da Nação. 22 ser exercido incidentalmente, isto é, antes de analisar o mérito da questão posta em juízo, tratando-se de questão incidente, prejudicial, que só depois de julgada a constitucionalidade éque o mérito postulado pela parte seria julgado. Já a Constituição de 1934 ampliou a matéria de controle de constitucionalidade, tendo em vista a previsão da cláusula de reserva de plenário, a ser mais bem estudada no tópico 4.1 deste trabalho, bem como previu a possibilidade do Senado Federal suspender, no todo ou em parte, a execução da lei declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário.Com essas inovações é possível concluir que a Constituição de 1934 foi muito importante para a evolução do controle de constitucionalidade. A Constituição de 1937 foi um retrocesso. O Judiciário perdeu força, pois suas decisões de inconstitucionalidade poderiam ser encaminhadas ao Senado Federal, por juízo de conveniência do Presidente da República, e os parlamentares poderiam derrubar a decisão do Judiciário, conforme dispunha o artigo 96, parágrafo único da Carta Magna Polaca5. A Constituição de 1937 deixou de prevera suspensão da lei declarada inconstitucional declarada pelo Supremo Tribunal Federal. A Constituição de 1946 trouxe de volta os preceitos da Constituição de 1934. As decisões de declaração de inconstitucionalidade voltaram a ser exercidas pelo Judiciário com a devida independência. A disciplina da suspensão pelo Senado de lei declarada inconstitucional voltou a ser expressa. A Emenda de n.º16de 1965 foi um marco importantíssimo para a matéria controle de constitucionalidade. Como foi dito anteriormente, o controle de constitucionalidade era exercido pela via difusa, isto é, no caso concreto, incidentalmente. Ocorre que em 1965, com a edição da dita emendafoi instituído um novo controle de constitucionalidade, o controle abstrato da lei, a ser exercido pelo Supremo Tribunal Federal. Paulo Bonavides obtempera nesse sentido: Versando matéria referente à competência originária do Supremo Tribunal Federal, o artigo 2º da Emenda deu nova redação à alínea k do artigo 101,I, da Constituição de 1946. Atribuiu-se desde então à nossa Suprema Corte competência para processar e julgar originariamente “a representação contra 5Artigo 96, parágrafo único. No caso de ser declarada a inconstitucionalidade de uma lei que, a juízo do Presidente da República, seja necessária ao bem-estar do povo, à promoção ou a defesa de interesse nacional de alta monta, poderá o Presidente da República submetê-la novamente ao exame do Parlamento: se este a conformar por dois terços de votos em cada umadas Câmaras, ficara sem efeito a decisão do Tribunal. 23 inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador- Geral da República”. (BONAVIDES, 2014, p.338). Entretanto, a legitimidade ativa para proposição da ação direta de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal era restrita ao Procurador- Geral da República. No entanto, foi a partir da emenda n.º 16de 1965 que o controle abstrato de constitucionalidade foi iniciado, evoluindo durante o século, conforme será observado adiante. Vale registrar que tanto a Constituição de 1967quanto a Emenda n.º1 de 1969 não trouxeram inovações acerca do tema, no entanto mantiveram todas as mudanças e inovações das Constituições pretéritas. 2.3.1.1CONSTITUIÇÃO DE 1988 O controle de constitucionalidade foi evoluindo durante as Constituições, exceto a Constituição de 1937 (Constrição retrógrada). Conforme mencionado alhures, primeiramente o Brasil adotou o controle difuso de constitucionalidade, respaldado na Constituição estadunidense. A partir de 1965 estabeleceu um controle misto, haja vista a criação do controle de constitucionalidade concentrado, de legitimidade exclusiva do Procurador-Geral da República. A Constituição de 1988 é marcada pelo fortalecimento do controle abstrato de constitucionalidade. Expandiu o rol de legitimados na ação direta de inconstitucionalidade perante Supremo Tribunal Federal, bem como criou diversas ações constitucionais que visam resguardar a própria Constituição, como a criação da ação direta de inconstitucionalidade por omissão, da ação direta de constitucionalidade e daarguição de descumprimento de preceito fundamental. Portanto, conclui-se que a Carta Magna de 1988 manteve todas as inovações e evoluções do tema controle constitucionalidade e fortaleceu o controle de constitucionalidade abstrato, como a expansão do rol de legitimados e a criação de novas ações constitucionais para a defesa de atos contrários a Constituição Federal 1988. Todas as inovações aqui mencionadas serão expostas no capítulo 5 destetrabalho. 24 3.SISTEMAS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Existem três sistemas de controle de constitucionalidade, a saber: o político; o judicial e o misto. O controle político de constitucionalidade é o controle exercido por órgão não judicial, com amplos poderes para deliberar acerca da compatibilidade da lei com a Constituição. Esse controle é conhecido na França, através do Conselho Constitucional.Nos dizeres de Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: “É o caso, por exemplo, da França, em que a fiscalização da constitucionalidade é de incumbência do Conselho Constitucional, órgão que se situa fora da estrutura orgânica dos demais poderes”. (PAULO, ALEXANDRINO, 2014, p.788). No Brasil, o controle político de constitucionalidade é exercido pelas Comissões de Constituição e Justiça, bem como através do veto jurídico do Presidente da República. O controle de constitucionalidade judicial é exercido pelo poder Judiciário. Isto é, órgão vinculado ao Estado que tem a permissão de controlar atoslegiferantesdo poder Legislativo e do poder Executivo. No entanto, sua função é declarar a compatibilidade ou incompatibilidade da lei com a Constituição, não podendo atuar como órgão judicante, sob pena de infringir o princípio da separação dos poderes. No Brasil, o controle de constitucionalidade é exercido pela via difusa (qualquer juiz/tribunal), ou pela via concentrada (único órgão). O controle misto de constitucionalidade é a junção dos sistemas mencionados acima. Nesse sentido, leciona Pedro Lenza: “Temos uma mistura dos outros dois sistemas acima mencionados. Assim, algumas normas são levadas perante um órgão distinto dos três poderes (controle político), enquanto outras são apreciadas pelo Poder Judiciário (controle jurisdicional)”. (LENZA, 2013, p.281). 3.1CONTROLE PREVENTIVO O controle preventivo de constitucionalidade é realizado antes da publicação da lei, isto é, não será o Judiciário que examinará a constitucionalidade da lei, mas sim 25 outros órgãos incumbidos para tal atividade. No entanto, existe uma situação de controle preventivo realizado pelo Judiciário, que será abordada no decorrer do presente capítulo. Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidierotêm-se que: As ideias de controle preventivo e controle repressivo costumam ser relacionadas ao momento do controle de constitucionalidade, se anterior ou posterior à publicação da lei ou do ato normativo. (SARLET, MARINONI, MITIDIERO, 2014, p.913). O controle preventivo busca dar efetividade ao ordenamento jurídico, prevendo métodos que garantam a compatibilidade das leis com as regras e com os princípios constitucionais. Esse controle é exercido pela Comissão de Constituição e Justiça, bem como pelo veto jurídico do Presidente da República. Na verdade não há tecnicamente uma inconstitucionalidade, pois não há necessariamente a expedição do ato normativo, o projeto de lei está em tramitação, em fase de construção. O controle preventivo poderá ser realizado pelo legislativo, através das Comissões de Constituição e Justiça (CCJ), que farão um juízo de compatibilidade do projeto de lei com a Constituição Federal. Alexandre de Moraes assim dispõe: O art. 32, III, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados criou a Comissão de constituição e justiça e de redação, estabelecendo seu campo temático e sua área de atividade em aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais e de técnicas legislativas de projetos, emendas ou substitutivos sujeitos à apreciação da Câmara ou de suas comissões, para efeito de admissibilidade tramitação. Por sua vez, o Regimento Interno do Senado Federal prevê, no art. 101, a existência da comissão de constituição, justiça e cidadania, com competência para opinar sobre a constitucionalidade, juridicidade e regimentalidade que lhe forem submetidas por deliberação do plenário, por despacho do Presidente, por consulta de qualquer comissão, ou quando em virtude desses aspectos houver recurso de decisão terminativa de comissão para o plenário (MORAES, 2012, p.742). O controle preventivo de constitucionalidade poderá ser realizado pelo Executivo, através do veto jurídico. O Presidente da República, quando receber o projeto de lei deliberado e aprovado pelas casas do Congresso Nacional, poderá vetá-lo, por entender inconstitucional. Trata-se do chamado “veto jurídico”. 26 No entanto, algumas considerações são pertinentes. Conforme analisado no capítulo 1, item 1.2.4, a inconstitucionalidade poderá ser parcial, recaindo em palavras, alíneas, incisos ou parágrafos, isoladamente. No veto jurídico, o Presidente da República deverá declarar a inconstitucionalidade da integralidade do dispositivo que achar inconstitucional. Tal observância é expressa no artigo 66 da Constituição Federal6. Portanto, a diferença do veto jurídico parcial para a inconstitucionalidade parcial é que o primeiro só admite a inconstitucionalidade parcial da integralidade do dispositivo, e o segundo, permite a inconstitucionalidade isolada de palavras, incisos, alíneas e parágrafos. Conforme exposto acima, o Judiciário poderá preventivamente deliberar sobre a constitucionalidade. Trata-se de uma situação isolada que é realizado por parlamentar, mediante a impetração de mandado de segurança, visando a não inclusão de projeto de emenda à Constituição Federal que afronte cláusulas pétreas. Na verdade, não se trata de inconstitucionalidade propriamente dita, mas sim de direito subjetivo do parlamentar de não participar de deliberações contráriasaos trâmites e regras estabelecidas na Constituição Federal. No mesmo sentido obtempera Pedro Lenza: Explicando, a única hipótese de controle preventivo a ser realizado pelo Judiciário sobre o projeto de lei em trâmite na Casa Legislativa é para garantir ao parlamentar o devido processo legislativo, vedando a sua participação em procedimento desconforme com as regras da Constituição. Trata-se, como visto, de controle exercido, no caso concreto, pela via de exceção ou defesa, ou seja, de modo incidental (LENZA, 2013, p.277). Registra-se que no ordenamento jurídico não há previsão expressa desse controle, muito embora o Supremo Tribunal Federal permita a impetração do mandamus, por parlamentar, a fim de não participar da tramitação de projeto de emenda à Constituição que afronte clausulas pétreas. 3.2 CONTROLE REPRESSIVO Depois da expedição da lei somente através do controle repressivo de constitucionalidade será possível a retirada da lei dita inconstitucional do ordenamento 6Artigo. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional oucontrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis,contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente doSenado Federal os motivos do veto.§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. 27 jurídico. A Constituição Federal de 1988 adotou como regra o controle repressivo. Como exposto no decorrer deste trabalho, o controle repressivo de constitucionalidade é exercido pelo poder Judiciário, através do controle difuso ou concentrado. Esses dois controles serão abordados respectivamente nos capítulos 4 e 5 deste trabalho. No entanto, a Constituição Federal prevê algumas exceções do controle repressivo exercido pelo Judiciário, permitindo que o controle repressivo seja realizadotambémpelo poder Legislativo e pelo poder Executivo. É o que se apresentará a seguir. 3.2.1 PODER LEGISLATIVO – CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCINALIDADE Inicialmente pode-se pensar que a função de fiscalizar e controlar a constitucionalidade pelo poder Legislativo seria incompatível com o sistema jurídico, tendo em vista a sua função típica de legislar. No entanto, o artigo 49, V, da Constituição Federal7, permite a sustação de atos normativos do Poder Executivo, bem como a rejeição de medidas provisórias expedidas pelo Presidente da República pela inexistência dos pressupostos formais e materiais. Além dessas duas hipóteses, tem-se a possibilidade do Senado Federal, através de resolução, suspender a execução de uma lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle difuso de constitucionalidade. O poder Executivo poderá expedir atos/decretos para dar efetividade e cumprimento a determinada lei. Todavia, se os atos emanados pelo poder Executivo extrapolar os limites legais, o Congresso Nacional poderá sustar esse decreto incompatível. Tecnicamente não se trata de inconstitucionalidade, mas de juízo de legalidade. Conforme dito acima, medidas provisórias poderão ser rejeitadas (veto legislativo) por inexistência dos pressupostos formais e materiais, como a falta de relevância e urgência. Trata-se de típico controle de constitucionalidade exercido pelo Legislativo. 7Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; 28 A última hipótese de controle de constitucionalidade exercido pelo Legislativo encontra-se no artigo 52, X, da Constituição Federal.8 Trata-se da suspensão da execução da lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal no controle incidental. Conforme será analisado no capítulo 4, essa medida realizada pelo Legislativo é típico meio político repressivo de constitucionalidade. Nesse mesmo diapasão Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: Uma última hipótese apontada pela doutrina como típica atuação do Poder Legislativo na efetivação de controle de constitucionalidade corresponde ao exercício da competência de que dispõe o Senado Federal para suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 52, X). Com efeito, essa atuação do Senado Federal – que será detalhadamente estudada adiante – configura típico controle político repressivo de constitucionalidade. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p.806). 3.2.2 PODER EXECUTIVO – CONTROLE REPRESSIVO DE CONSTITUCINALIDADE O Poder Executivo tem como função típica a execução e aplicação da lei. Ocorre que o Poder Executivo tem a premissa de não executá-la quando considerá-la inconstitucional. A competência para a não aplicação somente é atribuída aos chefes do Poder Executivo, isto é, ao presidente da república, aos governadores de Estado e aos prefeitos. No entanto, a não execução da lei pelo Poder Executivo somente é possível se não existir súmulas vinculantes. Caso o Supremo Tribunal Federal edite súmula vinculante acerca da matéria controvertida, determinando ou estipulando que determinada lei é constitucional, essa súmula vinculará todos os poderes estatais. E, se porventura o Poder Executivo descumprir os termos da súmula vinculante qualquer pessoa poderá propor reclamação constitucional contra o ato da Administração Pública. 8Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. 29 Portanto, verifica-se que esse poder é relativo, haja vista a possibilidade de expedição de súmulas vinculantes que obstem a prática da não aplicação da lei pelo Poder Executivo com o fundamento na sua inconstitucionalidade. Entretanto, uma observação importantíssima deve ser estudada acerca da súmula vinculante. Conforme exposto linhas acima, a súmula vinculante determina o cumprimento de determinado enunciado para os órgãos do Poder Judiciário e para a Administração Pública, não vinculando o Legislativo, tendo em vista a vedação do engessamento do próprio sistemalegislativo, bem como a vedação da separação dos poderes. 30 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE PELA VIA DIFUSA Conforme já destacado em algumas passagens deste trabalho o controle de constitucionalidade exercido no Brasil pode ser realizado pela via difusa ou pela via concentrada. Com relação à disciplina, conceitos e regras do controle concentrado de constitucionalidade remete-se o leitor ao capítulo 5, onde o tema será mais bem detalhado. O controle difuso, também conhecido como controle exercido no caso concreto, é o controle exercido por qualquer juiz ou tribunal, isto é, qualquer juiz ou tribunal é competente para apreciar a constitucionalidade de uma lei, no caso concreto, incidentalmente. No controle difuso há a possibilidade de qualquer pessoa, num determinado caso concreto, questionar a constitucionalidade de uma lei. A lei questionada incidentalmente necessariamente será uma questão prejudicial,impedindo o julgamento direto do mérito do pedido principal da causa. Dessa maneira, há a possibilidade de qualquer juiz ou tribunalapreciar a constitucionalidade das leis quando suscitada num determinado caso individual. Uma das principais diferenças do controle difuso para o controle concentrado são os efeitos que a decisão acarreta no mundo jurídico. Conforme dito linhas acima, o controle difuso é pleiteado num determinado caso concreto, isto é, numa relação individual do requerente com o requerido, seja, por exemplo,para postular a inaplicabilidade de um tributo por entender inconstitucional, seja para desconstituir uma relação jurídica que foi amparada por uma lei dita inconstitucional. Após a declaração de inconstitucionalidade pela via difusa cabe expor quais são os efeitos e a eficácia da decisão no mundo jurídico. Os efeitos da declaração de inconstitucionalidade no controle difuso será sempre inter partes, isto é, somente alcançará às partes que figuraram no processo. Vale dizer que a decisão declarada inconstitucional fará coisa julgada material somente entre as partes, não alcançando 31 terceiros estranhos a lide. Nesse mesmo sentido obtemperam Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: Assim, a pronúncia de inconstitucionalidade pelo Poder Judiciário na via incidental, proferida em qualquer nível, limita-se ao caso em litígio, no qual foi suscitado o incidente de constitucionalidade, fazendo coisa julgada apenas entre as partes do processo. Quer provenha a decisão dos juízes de primeira instância, quer emane do Supremo Tribunal Federal ou de qualquer outro tribunal do Poder Judiciário, sua eficácia será apenas inter partes.(PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p.822) A lei declarada inconstitucional pela via difusa não será anulada ou desconstituídado ordenamento jurídico, ou seja, vigorará e surtirá efeitos nas demais relações.Caso um terceiro deseje que a mesma decisão lhe seja aplicada deveráingressar como uma ação contendo o pedido incidental de inconstitucionalidade. A eficácia da declaração seráextunc,retroagindo desde a data da relação jurídica. Tendo em vista a inconstitucionalidade da lei declarada incidenter tantum, a relação constituída sob sua égide é considerada nula, motivo pelo qual há a retroatividade de seus efeitos. No entanto, por questões de segurança jurídica, nada obsta que o juiz ou o Tribunal que julgou a questão incidentalmente mitigue os efeitos retroativos da decisão. O controle de constitucionalidade pela via difusa poderá ser suscitado em quaisquer ações, isto é, em âmbito penal, civil, tributário, administrativo, trabalhista eleitoral. Questão importante refere-se à possibilidade ou impossibilidade de questionar incidentalmente a constitucionalidade de uma lei nas ações constitucionais como (mandado de segurança, habeas corpus, habeas data eação popular).Segundo Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino a postulação é totalmente possível: Desse modo, ações como mandado de segurança, habeas corpus, a ação popular, a ação ordinária etc. – todas são idôneas para a efetivação do controle de constitucionalidade concreto. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p.813). Portanto, é totalmente compatível com o sistema jurídico a suscitação incidentalmente da constitucionalidade de uma lei nas ações constitucionais. Outro ponto importante diz respeito a qual espécie normativa épassível de controle de constitucionalidade.O artigo 59 da Constituição Federal traz todas as 32 espécies que compõem o processo legislativo.9 Desse modo, todo o rol do artigo 59 da Constituição Federal (lei ordinária e complementar; decreto legislativo; medidas provisórias; resoluções; leis delegadas; emendas constitucionais) é passível de controle de constitucionalidade, isto é, todas as espécies constantes no referido artigo poderão sofrer a análise de compatibilidade com a Constituição Federal. O controle de constitucionalidade incidirá, ainda, sobre atos emanados da União, dos Estados, do Distrito Federal e, principalmente, dos Municípios. Conforme se verá no capítulo 5, no controle abstrato de constitucionalidade não é possível o controle de atos municipais, no entanto, no controle difuso é totalmente possível, tendo em vista que neste controle não há legitimação ad causam exclusiva, o que não ocorre no controle abstrato. Portanto, há a possibilidade de um particular questionar a compatibilidade de uma lei municipal com a Constituição Estadual, num determinado caso concreto. 4.1 CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO (ART.97 DA CF) O artigo 97 da Constituição Federal de 1988 elenca uma importante regra que deve ser obedecida quando suscitada a constitucionalidade de uma lide a ser apreciada pelos Tribunais. Quando se tratar de recursos das sentenças do juízo a quo, ou quando se tratar de ações cuja competência seja originária, a declaração de inconstitucionalidade deverá, necessariamente, obedecerao artigo 97 da Constituição Federal. Se, porventura, a declaração de inconstitucionalidade não obedecer ao artigo em questão tal decisão estará eivada de vício, passível de nulidade. Dispõe o artigo 97 da Carta Magna: Art. 97. Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público. A exigência estipulada pelo artigo 97 da Constituição Federal denomina-se cláusula de reserva de plenário, condição de validade das decisões de inconstitucionalidade exercida pelos Tribunais. 9Art. 59: O processo legislativo compreende a elaboração de:I - emendas à Constituição;II - leis complementares;III - leis ordinárias;IV - leis delegadas;V - medidas provisórias; VI - decretos legislativos; VII - resoluções. 33 Verifica-se pelo texto colacionado que o Tribunal deverá, pela maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo Órgão Especial, apreciar a questão da inconstitucionalidade, ou seja, não será possível que um órgão fracionário do Tribunal (turmas, seções, câmaras), declare a inconstitucionalidade de plano, tendo em vista a exigência constitucional para a validade da declaração da inconstitucionalidade. Ressalta-se que o quórum exigido é de maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo Órgão, ou seja, não bastaráamaioria dos presentes e sim, a maioria absoluta dos integrantes do Tribunal, ou do Órgão Especial. No entanto, a apreciação pelo Órgão Especial, ou pelo Pleno do Tribunal sofre algumas mitigações, ou melhor, algumas atenuações, tendo em vista a possibilidade de aplicação de precedentes, isto é, de decisões de inconstitucionalidade já apreciadas pelo Pleno ou peloÓrgão Especial. Assim, permite-se que o órgão fracionário julgue de plano a inconstitucionalidade quando já tiver ocorrido decisão do Pleno acerca da matéria. Verifica-se esse entendimento através do artigo 481, parágrafo único do Código de Processo Civil: Art. 481 (...)Parágrafo único. Os órgãos fracionários dos tribunais não submeterão ao plenário, ou ao órgão especial, a arguição de inconstitucionalidade, quando já houver pronunciamento destes ou do plenário do Supremo Tribunal Federal sobre a questão. Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino esquematizam a regra do artigo 97 da Constituição Federal: Em face dessas considerações, temos, em síntese, o seguinte: a) a exigência da reserva de plenário somente é aplicável à apreciação da primeira controvérsia envolvendo a inconstitucionalidade de determinada lei; b) a partir do momento que já houver decisão do plenário ou do órgão especial do respectivo tribunal, ou do plenário do Supremo Tribunal Federal, não há mais que se falar em cláusula de reserva de plenário, passando os órgãos fracionários a dispor de competência para proclamar,eles próprios, a inconstitucionalidade da lei, observado o precedente fixado por um daqueles órgãos (plenário ou órgão especial do próprio tribunal ou plenário do STF); c) se houver divergência entre a decisão do órgão do tribunal (plenário ou órgão especial) e a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, deverão os órgãos fracionários dar aplicação, nos casos futuros submetidos a sua apreciação, à decisão do Supremo Tribunal Federal. (PAULO e ALEXANDRINO, 2014, p. 817). 34 O controle de constitucionalidade exercido pela via difusa tem efeitos e aplicação somente entre as partes que figuraram na lide, conforme explicitado no capítulo 4 deste trabalho. Entretanto, há uma exceção da irradiação dos efeitos entre as partes, isto é, a uma hipótese estabelecida na Constituição Federal que permite a extensão desses efeitos, e que setrata do efeito abstrato da declaração de inconstitucionalidade exercida no caso concreto. Tal possibilidade deve respeitar alguns requisitos. A declaração de inconstitucionalidade deve ser exercida pelo Supremo Tribunal Federal, em decisão definitiva, no caso concreto, respeitando a cláusula de reserva de plenário. Assim, em sede de recurso extraordinário, poderá o Supremo Tribunal Federal apreciar incidentalmente a constitucionalidade de uma lei federal, estadual ou municipal, postulada por um particular, num determinado caso concreto. 4.2 A SUSPENSÃO DA LEI DECLARADA INCONSTITUCIONAL PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EXERCIDO PELO SENADO FEDERAL Assim dispõe o artigo 52, X, da Constituição Federal: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal:(...)X - suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. O artigo 52, X, da Constituição Federal é uma exceção aos efeitos da decisão do controle difusode constitucionalidade, poderá o Supremo Tribunal Federal, após decisão de pelo menos seisministros (Constituição Federal, artigo 97) declarar, incidentalmente, a inconstitucionalidade num caso concreto. Caberá, outrossim, ao Supremo Tribunal Federal oficiar o Senado Federal para que este, discricionariamente, proceda a suspensão da eficácia da lei declarada inconstitucional. Acerca da discricionariedade do Senado Federal, isto é, da não vinculação de atuação, expõe Alexandre de Moraes: Assim, ao Senado Federal não só cumpre examinar o aspecto formal da decisão declaratória da inconstitucionalidade, verificando se ela foi tomada por quorum suficiente e é definitiva, mas também indagar da conveniência dessa suspensão. (MORAES, 2012, p.750). Verifica-se que a atuação do Senado Federal é discricionária, isto é, por razões de conveniência e oportunidade, não estando vinculado a sempre suspenderlei 35 declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, respeitando o princípio constitucional da separação dos poderes. O Supremo Tribunal Federal, além da prerrogativa de oficiar o Senado Federal, poderá, num ato mais célere e eficaz, editar súmula vinculante, a fim de sedimentar a matéria analisada no caso concreto, dando eficácia erga omnesdo seu entendimento. Com esse procedimento o Supremo Tribunal Federal declara a inconstitucionalidade ou a constitucionalidade de determinada lei obstando ações e recursos repetitivos, vinculando os outros Poderes a respeitar o seu posicionamento. Assim prescreve o artigo 103-A da Constituição Federal: Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. § 1º A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica. § 2º Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade. § 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. Verifica-se que Supremo Tribunal Federal, através de um mecanismo mais simples e eficaz poderá pacificar a matéria controvertida através da edição de súmula vinculante, não necessitando do Senado Federal. No mesmo sentido Alexandre de Moraes: Não mais será necessária a aplicação do art. 52, X, da Constituição Federal – cuja efetividade, até hoje, sempre foi reduzidíssima -, pois, declarando incidentalmente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, o próprio Supremo Tribunal Federal poderá editar Súmula sobre a validade, a interpretação e a eficácia dessas normas, evitando que a questão controvertida continue a acarretar insegurança jurídica e multiplicidade de processos sobre questão idêntica. (MORAES, 2012, p. 751). 36 5. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE CONCENTRADO O controle de constitucionalidade abstrato, de origem europeia, é o controle de leis ou atos normativos com caráter geral de incidência. Trata-se de verdadeiro meio idônea para proteger a ordem constitucional. No controle de constitucionalidade concentrado, inexiste tutela específica, ou seja, inexiste pretensão resistida a um determinado direito, que ocorreno controle difuso. Desse modo tutela-se uma gama imensurável de situações tendo em vista a característicadaabstratizaçãodesta ação. A ação direta de inconstitucionalidade, bem como as suas espécies, tem em comum o caráter objetivo, isto é, não tutelam uma relação entre autor e réu, mas, sim, toda a coletividade. Trata-se do caráter objetivo das ações no controle concentrado de constitucionalidade. No mesmo entendimento, leciona André Puccinelli Júnior: A ação direta de inconstitucionalidade inaugura um processo objetivo no qual inexistem partes e lide. É dizer: não há verdadeiramente um processo subjetivo em que o autor e réu litigam por interesses opostos. Como no processo objetivo não se busca assegurar a sujeito nenhum a fruição concreta de bens ou direitos, não há falar em lide, i.e, em conflitos de interesses caracterizado por uma pretensão (do autor) resistida (pelo réu). Simplesmente não há litígio, contenda ou disputa judicial.(JUNIOR, 2013, p.161). O objeto do controle de constitucionalidade abstrato é a defesa da Constituição, em face de leis e atos normativos contrários aos seus preceitos. Assim, resguarda-se a compatibilidade dos atos legislativos para com a Constituição Federal. No Brasil, a defesa da Constituição Federal é reservada ao Supremo Tribunal Federal. As leis federais e estaduais que afrontarem diretamente a Carta Magna serão submetidas ao julgamento e ao processamento perante a Corte Suprema. Desse modo, dispõe o artigo 102, I, alínea a, da Constituição Federal de 1988: Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe: I - processar e julgar, originariamente: 37 a) a ação direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federalou estadual e a ação declaratória de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal; No entanto, a competência abstrata do controle de constitucionalidade é garantida aos Tribunais de Justiça dos Estados, realizando assim o controle de constitucionalidade de leis ou atos normativos estaduais ou municipais em face da respectiva Constituição Estadual. Cabe ressaltar que não caberá ação direta de inconstitucionalidade em face de lei municipal, postulada diretamente no Supremo Tribunal Federal, tendo em vista o silêncio do artigo 102, I, a, da Constituição Federal. Conforme mencionado no capítulo 2, item 2.3.1.1, quando foi tratada a origem histórica do controle de constitucionalidade no Brasil, verificou-se que a Constituição Federal de 1988 alargou as ações diretas de constitucionalidade. Na sequência serão abordadas as ações diretas de constitucionalidade elencadas na Carta Magna, a saber: Ação direta de inconstitucionalidade (ADI); Ação declaratória de constitucionalidade (ADC); Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (ADO) e Arguição de descumprimento de preceito fundamental(ADPF). 5.1AÇÃO DIREITA DE INCONSTITUCIONALIDADE (ADI) A ADI genérica, por excelência, é o meio idôneo e eficaz para expurgar atos normativos incompatíveis com a Constituição Federal de 1988.Conforme já adiantado no capítulo 5 é processada e julgada perante o Supremo Tribunal Federal. O objeto desta medida é o exameda compatibilidade de leis federais e estaduais em face da Constituição Federal de 1988. Alexandre de Moraes obtempera: O autor da ação pede ao STF que examine a lei ou o ato normativo federal ou estadual em tese (não existe caso solucionado). Visa-se, pois obter, a invalidação da lei, a fim de garantir-se a segurança das relações jurídicas, que não podem ser baseadas em normas inconstitucionais. (MORAES, 2012, p. 761). A Lei 9.868 de 1999 trouxe importantes regras processuais aplicáveis àADIgenérica, bem como regras para as demais ações do controle concentrado. As normas constitucionais originárias, bem como os atos normativos editados antes da entrada em vigor da Constituição Federal não poderão ser objeto do controle de constitucionalidade abstrato, por meio da ADI. Somente os atos normativos 38 expedidos após a entrada em vigor da Carta Magna poderão sofrer o controle de constitucionalidade concentrado. Questão interessante refere-se à revogação superveniente de uma norma parâmetro ou de uma norma constitucional derivada (emenda à Constituição) cuja ação de inconstitucionalidade esteja em andamento. Ocorrendo à revogação superveniente, a ação de inconstitucionalidade, necessariamente, perderá o objeto. Esse é o entendimento de Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: Assim, se entre o ajuizamento da ação direta de inconstitucionalidade e a data do seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal ocorrer a revogação da norma constitucional parâmetro, a ação direta restará prejudicada, ou seja, o processo será encerrado pelo Tribunal sem a apreciação do mérito. (PAULO e ALEXANDRINO, 2014, p. 850). A ADI possui fundamentação constitucional aberta, isto é, não haverá vinculação do Supremo Tribunal Federal em averiguar tão somente a causa de pedir do autor, na verdade, oPretório Excelso fará uma análise da constitucionalidade da lei com toda a Constituição Federal. Cogita-se se tal atitude da Corte Suprema é lícita e válida, haja vista o princípio da correlação da decisão com os pedidos formulados pelo autor. No entanto, é válida a atitude da Suprema Corte, tendo em vista que a ADI tutela a ordem constitucional. No mesmo sentido Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino: Neste passo, é extremamente relevante notar que, embora o Supremo Tribunal Federal esteja vinculado ao pedido, vale dizer, como regra somente possa apreciar a constitucionalidade dos dispositivos legais expressamente mencionados na inicial, não o está em relação aos fundamentos jurídicos do pedido, ou seja, à causa de pedir. Significa dizer que o Tribunal é livre para declarar a inconstitucionalidade da norma não apenas pelos motivos indicados pelo impetrante da ação direta, mas também poderá fazê-lo tendo como fundamento qualquer outro parâmetro constitucional. (PAULO E ALEXANDRINO, 2014, p. 853). Essa assertiva é de extrema importância tendo em vista que a decisão que julga a ADI não é passível de ação rescisória. 5.1.1 DA LEGITIMIDADE ATIVA E DA PERTINÊNCIA TEMÂTICA A legitimidade para a propositura da ADI é concebida somente para alguns agentes, conforme dispõe o artigo 103 da Constituição Federal, a seguir transcrito: 39 Art. 103. Podem propor a ação direta de inconstitucionalidade e a ação declaratória de constitucionalidade: I - o Presidente da República;II - a Mesa do Senado Federal;III - a Mesa da Câmara dos Deputados;IV - a Mesa de Assembleia Legislativa;IV - a Mesa de Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; V - o Governador de Estado;V - o Governador de Estado ou do Distrito Federal;VI - o Procurador-Geral da República;VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;VIII - partido político com representação no Congresso Nacional;IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional. A Constrição Federal delimitou a legitimidade ad causam a poucas pessoas, ou seja, somente os indicados no artigo 103 da Constituição Federal poderão propor a ADI genérica. Além da regra esposada, oSupremo Tribunal Federal exige que os legitimados dos incisos IV, V e IX comprovem a pertinência temática de seus interesses com o objeto da ação proposta. Alexandre de Moraespontua que: Para alguns legitimados do art.103 da Constituição Federal o Supremo Tribunal Federal exige a presença da chamada pertinência temática, definida como requisito objetivo da relação de pertinência entre a defesa d interesse específico do legitimado e o objeto da própria ação. (MORAES, 2012, p. 773). Portanto, há a legitimidade ativa universal dos indicadosdos incisos I, II, III, VI, VII e VIII, isto é, poderão propor ADI independentemente de demonstração de interesse, haja vista possuíreminteresse presumido em face do ordenamento jurídico. Vicente de Paulo e Marcelo Alexandrino elucidam a temática: Assim, o Presidente da República pode impugnar em ADI uma lei estadual oriunda de qualquer ente federado sem a necessidade de comprovar qualquer interesse na matéria tratada na referida lei. Entretanto, para que um Governador de Estado impugne em ADI lei oriunda de outro estado da Federação, deve ele comprovar que a lei tem reflexos sobre sua respectiva unidade federada, sob pena de não ser conhecida pelo Supremo Tribunal Federal.(PAULO e ALEXANDRINO, 2014, p.841) Há, contudo,situações específicas que necessitam de auxílio de entidades conhecedoras do assunto. Por tais razões, hoje, no controle de constitucionalidade concentrado, há a possibilidade de um terceiro, denominado amicuscuriae intervir no julgamento da ação direta, a fim de colaborar e incentivar o diálogo, bem como auxiliar os ministros do Supremo Tribunal Federal na decisão final da ADI. 40 5.1.2 DO PROCEDIMENTO DA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE A ADI nasce com uma petição inicial proposta por um dos legitimados do artigo 103, obedecendo as regras da Lei 9.868 de 1999. Sucintamente, a inicial deve ser distribuída em duas vias, contendo a causa de pedir, bem como as cópias do ato normativo questionado. Caberá indeferimento liminar pelo relator, passível de recurso de agravo. O artigo 5ºda Lei 9.868 de 1999 trouxe um importante princípio, qual seja, o da indisponibilidade da ADI, tendo em vista que após a propositura da ação, não caberá desistência10. Aliás, este princípio
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