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Cartografia no Pensamento Geográfico

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A CARTOGRAFIA NO PENSAMENTO GEOGRÁFICO 
Profa. Dra. Rosely Sampaio Archela
Projeto: Bibliografia da Cartografia: bibliografias comentadas
http://www.uel.br/projeto/cartografia
Universidade Estadual de Londrina
roarchela@uel.br
Escrever sobre a participação da Cartografia no pensamento geográfico não é uma tarefa fácil, principalmente quando queremos nos referir à produção brasileira. Poucos autores têm se proposto a escrever sobre este assunto e as razões para isto talvez estejam na falta de iniciativa ou na polêmica que este assunto traz.
No entanto, se queremos falar sobre a Cartografia na Geografia, é importante que algumas questões sejam levantadas, como por exemplo: O que é a Cartografia da Geografia? Essa Cartografia é feita por geógrafos? Qual foi a participação da Cartografia ao longo do pensamento geográfico? A Cartografia da Geografia tem acompanhado o desenvolvimento tecnológico? Assim, neste capítulo, o propósito é responder a pelo menos algumas dessas indagações.
Sabemos que a Geografia possibilita uma reflexão sobre as relações e as idéias características de cada momento histórico, através da materialidade do espaço construído e utilizado pela sociedade. Historicamente, podemos considerar que antes da geografia ser um conhecimento institucionalizado, ela passou um longo período voltada para o conhecimento dos lugares. Até o século XIX, a maior parte das atividades realizadas eram de reconhecimento e registro espacial e pouco ou nada tinham em comum com o que posteriormente seria considerado Geografia. Porém, esta Geografia aparentemente, sem um compromisso político, foi um instrumento para o descobrimento de novas terras e os seus mapas foram sobretudo, um meio para a ação política dos espaços representados. Ela tratou da descrição da Terra e da representação de suas diferenças através de mapas, visando compreender as relações e as interações entre diversos aspectos. 
Para apresentar a participação da Cartografia no pensamento geográfico, adotamos uma classificação com base nas formas de trabalhar a Geografia, apoiadas nas tendências filosóficas características de cada momento histórico, considerando a conceituação sobre pensamento geográfico, apresentada por Moraes (1996). Para ele, o pensamento geográfico abrangeria os vários significados históricos do rótulo Geografia, suas fontes, concepções atuais e também as reflexões oriundas de outras disciplinas que tocassem nos temas do conteúdo. Segundo Moraes (1996), entende-se por pensamento geográfico um conjunto de discursos a respeito do espaço que substantivam as concepções que uma dada sociedade, num momento determinado, possui acerca de seu meio (desde o local ao planetário) e das relações com ele estabelecidas.
Para apresentar a participação da Cartografia na Geografia nos momentos históricos distintos, vamos nos reportar à Geografia Clássica, para discutir o possibilismo e o determinismo geográfico; à Nova Geografia para apresentar a geografia quantitativa apoiada na utilização de modelos e sistemas em geografia e, geografia da percepção; e à Geografia Crítica, apoiada no materialismo histórico e dialético, na tentativa de apontar discussões teóricas recentes.
 
1. 1. Cartografia e Geografia Clássica
Se os grandes descobrimentos deram origem a uma representação realista da Terra, básica para o surgimento da Geografia, o acúmulo de informações sobre os diferentes pontos, decorrentes da incorporação de novas áreas, constituiu outra condição material relevante para a reflexão geográfica e cartográfica. 
A descoberta de novas terras tornou possível a expansão das relações capitalistas fora da Europa. A incorporação desses territórios exigiu o conhecimento de realidades muito distintas do quadro europeu, que também se apresentavam diferenciadas entre si. Isto explica porque, com a exploração colonial, o levantamento de informações seria feito de forma criteriosa, dando origem a um grande acervo de dados. 
Até o século XIX, a Cartografia foi a própria expressão da Geografia e estava nas mãos de militares e viajantes ligados diretamente ao poder e financiados pelas coroas européias. O produto científico culminava em um tratado descritivo e cartográfico, sem uma demonstração de compromisso político no sentido de criticar o seu uso pelo Estado, ou as sociedades envolvidas nestas descobertas. As primeiras colocações sobre uma Geografia sistematizada como um saber específico só vão ocorrer na Alemanha, a partir de Kant, Humboldt, Ritter e Ratzel, no século XIX. 
Santos (1982) coloca que a utilização da Geografia como um instrumento de conquista colonial foi a orientação tomada por todos os países colonizadores. O ímpeto dado à colonização e o papel nela representado pela Geografia teria sido um fator de seu desenvolvimento. Ele ressalta o envolvimento de muitos geógrafos com o que ele chama de geografia colonial, por estar a serviço do imperialismo. 
Podemos compreender a Geografia Clássica em duas correntes principais: o determinismo geográfico e o possibilismo geográfico.
O determinismo geográfico, desenvolvido pela escola alemã e formulado inicialmente por Frederic Ratzel, ia ao encontro do pensamento filosófico e político alemão, num momento em que se buscava a unidade política como único império. Capel (1983) coloca que a base da visão geográfica de Ratzel se encontra na concepção orgânica da Terra. Por isso ele identifica a Geografia com a Ecologia, preocupando-se com as relações dos diferentes organismos vivos entre si e com as relações destes com o meio ambiente.
Já o possibilismo geográfico teve origem na França com Paul Vidal de la Blache. Enquadrado no pensamento político dominante, num momento em que a França tornou-se um grande império, ele realizou estudos regionais procurando demonstrar que a natureza exercia influências sobre o homem, mas que o homem tinha possibilidades de modificar e de melhorar o meio, dando origem ao possibilismo. 
Assim, Vidal de la Blache fundou a corrente que se tornou majoritária no pensamento geográfico. Foi ele quem estabeleceu o conceito de região como unidade de análise geográfica, dando origem a uma geografia regional que possibilitou o envolvimento de muitos geógrafos com a cartografia temática no momento em que buscavam a identidade da região utilizando para isto a sobreposição de mapas com temas específicos.
A herança do determinismo geográfico fez com que muitos geógrafos indicassem uma influência implícita do meio físico sobre as concentrações urbanas e também nas funções econômicas da sociedade, dando prioridade às determinações dos fatores naturais e se esquecendo das determinações sociais que atingem tanto o homem como a natureza. Sobre este aspecto, Santos (1978) ressalta que a noção de determinismo não suprime a idéia de possibilidade. Ele argumenta que a discussão entre possibilismo e determinismo serviu apenas para retardar o desenvolvimento da Geografia. 
Foi somente a partir da implantação do ensino de Geografia na França, no final do século XIX, que o pensamento geográfico passou a ter um desenvolvimento autônomo e a formular princípios gerais que lhe dariam uma certa independência frente a História e às ciências naturais, fornecendo as bases para o pensamento geográfico contemporâneo.
A partir da institucionalização da Geografia como um saber universitário, ela deixou de ter uma função eminentemente estratégica. Por outro lado, o acúmulo de informações e o aprimoramento das descrições com seus mapeamentos característicos da expansão do capitalismo em sua fase mercantil, propiciaram uma base significativa para os estudos comparativos entre as diversas regiões da Terra, e provocaram indagações que levaram a um avanço da Geografia. 
Os últimos anos do século XIX foram decisivos para a Geografia, pois ela se consolidou alcançando status acadêmico, além de tornar-se uma disciplina obrigatória nos programas de ensino primário e secundário neste período, em vários países, atingindo de maneira geral toda a população.
Por outro lado, a realização de mapas aos poucos foi se distanciando da Geografia e especializando-se cada vez mais. 
A separação entre Cartografia e Geografia envolveu vários aspectos. Entre os principais, podemos destacar a própria sistematização da Geografia e a sua implantação acadêmica. Segundo Capel (1983), a Geografia se converteu numa ciência a serviço dos interesses imperialistas de países europeus, preocupados com a aquisição de um corpo de conhecimentos sobre os países europeus e suas colônias. O século XIX foi também a época da Revolução Industrial e a tecnologia contribuiu para que a Cartografia se desenvolvesse. A construção das estradas de ferro, por exemplo, exigiram levantamento topográfico de precisão e, em muitos países, sobre esta base foi elaborado o mapa do território. Segundo Raisz (1965), o primeiro levantamento topográfico nacional de grande importância foi o da França. Também foram criadas no final do século XIX, as Sociedades Geográficas de Londres, Paris, Berlin entre outras, visando a troca de informações científicas voltadas para os interesses coloniais.
Outra razão que acabou reforçando a separação entre ambas, foi a existência das Escolas Nacionais de Cartografia, como a holandesa, iniciada no século XVI e só superada pelos ingleses, no século XVIII, além de outras como a francesa, italiana, espanhola, árabe e a portuguesa, a Escola de Sagres. Estas escolas foram responsáveis pela confecção de documentos de orientação das rotas comerciais e de conquista dos novos territórios. 
No momento em que já se conhecia a Terra em seus aspectos básicos de contorno e localização, e que se começava a produzir os atlas nacionais, foram criadas as condições para o aparecimento dos primeiros mapas temáticos e para as discussões em torno da Cartografia, a fim de torná-la uma ciência independente, desvinculada da Geografia.
Capel (1983) relata que no VI Congresso Internacional de Geografia, ocorrido em Londres no ano de 1895, foram tratadas questões relacionadas tanto à Geografia como a Cartografia. Neste congresso, A. Penck propôs pela primeira vez a realização de um mapa que representasse toda a Terra, na escala 1:1.000.000, e sua proposta foi concretizada nos primeiros anos do século XX. Elisée Reclus propôs a construção de um grande globo terrestre na escala 1:100.000, mas seu projeto não teve êxito. Capel ressalta que se tratava de um grande projeto pedagógico e de divulgação da disciplina de Geografia; no entanto, devido à especialização crescente da Cartografia os projetos pedagógicos não foram bem encaminhados, demonstrando uma clara tendência a um processo de separação entre ambas, iniciado anteriormente. 
Desta forma, a Cartografia se estabeleceu por um lado enquanto ciência e por outro, como instrumental técnico para as ciências que têm no espaço seu campo de estudo. Segundo Kanakubo(1995), um dos primeiros autores a definir a Cartografia desvinculada da Geografia no século XX, foi o alemão M. Eckert. Ele a considerou uma mistura de ciência e arte: ciência pela preocupação com a precisão, seguindo as leis da Matemática e da Geometria e Arte pelo aspecto visual do mapa. 
A primeira metade do século XX passou por profundas transformações políticas, sociais, culturais e científicas, que interferiram na atividade de produção de mapas marcando o início das preocupações que desembocariam na Cartografia contemporânea. Alguns eventos foram de extrema importância para o seu desenvolvimento, como as descobertas tecnológicas e as Guerras Mundiais, que provocaram a necessidade de melhor conhecimento dos territórios, transmitidos através de mapas. 
A Geografia brasileira iniciou-se como uma matéria do currículo do ensino médio. Como só foi institucionalizada em nível acadêmico em 1934, não dispunha de meios necessários ao desenvolvimento da pesquisa. Mesmo assim, surgiram trabalhos de grande interesse geográfico, influenciados profundamente pela escola francesa, que contribuíram significativamente para o desenvolvimento do pensamento geográfico no Brasil. 
Além de matéria do ensino médio, a Geografia foi também uma ocupação de engenheiros. Na verdade, quase todo o campo das ciências da Terra e da tecnologia estiveram, no período inicial da Geografia, a cargo dos engenheiros, como os engenheiros militares portugueses, preparados para realizar a construção de estradas, demarcações e levantamentos, além da elaboração de mapas. No século XIX, com a intensificação dos trabalhos de levantamento e mapeamento, ocorreu também o início das especializações da engenharia e o aparecimento do termo cartógrafo, para designar os profissionais que se ocupavam da área técnica e científica da Cartografia.
A titulação dos profissionais de Geografia e de Cartografia no Brasil foi muito questionada. Desde o início, a formação do engenheiro geógrafo não foi a mesma do geógrafo ou do professor de geografia. O título não agradava nem aos geógrafos e nem aos engenheiros civis. Segundo Backheuser (1944), era considerado engenheiro-geógrafo o aluno aprovado no terceiro ano do curso de Engenharia da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Ele escreve que:
Muitos dos que venciam esse terceiro ano, principalmente quando maus alunos, se contentavam com o crachá. Ainda que crivados de reprovações, passavam a ser engenheiros. Cortavam apressados o qualificativo geógrafo e entravam a concorrer, ainda que sem qualquer direito, com engenheiros de verdade, nos trabalhos públicos e particulares... Isso prova que o título de engenheiro geógrafo precisava ser abolido... chamar estes profissionais de geógrafos, também não estaria correto, porque o geógrafo, é mais do que o simples levantador de plantas topográficas, ou do que o homem que sabe determinar latitudes, longitudes e altitudes, ou mesmo mais do que quem possa lançar uma rede de triangulação. Deve saber tantas coisas mais que só topografia, física e geodésia. 
Foi somente a partir da implantação dos cursos de Geografia em São Paulo e Rio de Janeiro em 1934, que ocorreu a formação acadêmica em Geografia no Brasil. Uma das principais características desse período inicial, com profunda repercussão na produção geográfica, foi a participação de geógrafos estrangeiros como Francis Ruellan, Delgado de Carvalho e Pierre Monbeig, entre outros, na formação lablacheana de muitos geógrafos brasileiros. Grande parte das teses de doutorado e de cátedra da Geografia da USP defendidas nos anos quarenta e cinqüenta apresentaram um único esquema, calcado no pensamento da escola francesa, que partia da análise do meio físico, sobrepunha os dados humanos e finalmente analisava as atividades econômicas.
Com a criação do Conselho Brasileiro de Geografia em 1937 (transformado em Conselho Nacional de Geografia em 1938 e IBGE em 1967), passou-se a considerar a leitura e interpretação de mapas como um recurso fundamental para o estudo e a pesquisa em Geografia. O IBGE realizou cursos de informações geográficas para o aperfeiçoamento de professores do ensino médio e superior, com o objetivo de prepará-los para a leitura e interpretação de mapas. 
Segundo Monteiro (1980), no período inicial o IBGE encaminhou geógrafos, formados no Rio de Janeiro para se aperfeiçoarem em universidades nos Estados Unidos como também, contratou outros geógrafos estrangeiros. Assim, estes fatos trouxeram uma profunda repercussão na produção geográfica, como também contribuíram para a formação do pensamento geográfico brasileiro. Monteiro (1980) lembra que a Geografia também recebeu contribuições significativas de engenheiros, geólogos, naturalistas, historiadores, entre outros, que se integraram na atividade geográfica, por adesão à AGB, criada em 1934, ou por atuação no IBGE.
Embora a orientação metodológica refletida nesse período da Geografia Clássica no Brasil fosse mais apoiada na chamada escola francesa, a influência norte-americana, menos clara, não foi desprezível. Esta escola baseava-se em Richard Hartshorne. Moraes (1984) escreve que a partir de Hartshorne propunha-se
uma Geografia com uma individualidade decorrente de uma forma própria de analisar a realidade. Com método próprio, especificamente geográfico, trabalharia com inter-relações entre os fenômenos heterogêneos. Monteiro (1980) ressalta que Hartshorne, em 1939, preocupava-se com a essência da Geografia. Os conceitos básicos eram os de área e de integração. 
Delgado de Carvalho (1941) também comentou alguns trabalhos de Richard Hartshorne e Preston James, geógrafos norte americanos. Segundo Monteiro (1980), a abordagem de Preston James sobre os gêneros de vida nas grandes paisagens vegetais do globo foi sobretudo muito mais aceita no Rio de Janeiro, e ressalta que no discurso de Fábio Guimarães, realizado no aniversário do IBGE, em 1948, a proposta de justapor o sistemático ao regional ficou muito clara.
No início dos anos cinqüenta, ocorreu o retorno de alguns orientadores básicos da Geografia no Brasil, aos seus países de origem. Entre estes, estavam Leo Waibel, Pierre Monbeig e Francis Ruellan. Monteiro(1980) escreve que a partir daí, se instalou no Rio de Janeiro um novo sistema de assistência externa, mais eventual do que permanente. Dos Estados Unidos vieram Clarence Jones, em 1948, para orientar uma expedição do IBGE ao Planalto Central; e Preston James, para atuar como consultor neste instituto durante o período de 1948/49.
O XVII Congresso Internacional de Geografia, realizado no Rio de Janeiro em 1956, marcou uma nova fase da Geografia. Monteiro (1980) lembra a vinda para o Brasil de vários professores universitários, entre eles Jean Tricart, Jean Dresh, Pierre Birot, K. Sekiguti, e Orlando Ribeiro, para oferecer cursos especiais aos professores universitários brasileiros e ao corpo técnico do IBGE. Após o congresso, houve uma ativa participação de geógrafos franceses junto a diferentes centros geográficos do país e uma retração da influência norte-americana, pelo menos nos cursos de graduação. 
É importante lembrar que, inicialmente, estes cursos não possuíam em seus currículos a disciplina de Cartografia. No Rio de Janeiro, devido a proximidade do IBGE, havia esta preocupação, pois alguns professores de Geografia, também eram pesquisadores naquela instituição. Em São Paulo a disciplina só foi implantada em 1947. Soukup (1966), professor de Cartografia, ressaltou que com a introdução da disciplina ocorria uma valorização do curso ao nível das universidades de países da Europa e da América do Norte. No entanto, podemos considerar que no período de implantação da Geografia acadêmica no Brasil, praticamente não se produziu cartografia temática. A Cartografia desenvolvida nos cursos era a sistemática.
1. 2. Cartografia e Nova Geografia 
 
Após a Segunda Guerra Mundial as ciências de maneira geral sofreram grandes transformações e, conseqüentemente, a Geografia e a Cartografia também passaram por mudanças. Santos (1978) aponta três razões essenciais que contribuíram para estas mudanças, as quais ele chama de revolução: em primeiro lugar, os próprios suportes do trabalho científico progrediram muito, os instrumentos de trabalho possibilitaram uma maior aproximação da realidade devido ao desenvolvimento tecnológico; em segundo, as necessidades dos usuários mudaram; e em terceiro lugar, o objeto da atividade científica também se modificou. Assim, um conjunto de circunstâncias levou a atividade científica - e entre elas a Geografia e a Cartografia - a buscar novas direções. 
A emergência de novas concepções, de novas reflexões oriundas de outras disciplinas e de novos discursos, deram origem a uma Nova Geografia. Esta tinha a preocupação de afirmar-se como nova, contra todos os modos de fazer Geografia, e se manifestou principalmente através da quantificação. Porém, segundo Santos (1978), ela utilizou igualmente como instrumentos os modelos, a teoria dos sistemas, a tese da difusão de inovações, as noções de percepção e de comportamento e da mesma maneira, as múltiplas formas de valorização do empírico e do ideológico. 
A Nova Geografia propunha um conhecimento voltado para o futuro, e tentava viabilizar uma geografia aplicada. Sua intenção maior era realizar uma renovação metodológica através da busca de novas técnicas e de uma nova linguagem que desse conta das tarefas apresentadas pelo planejamento. Buscava-se uma identidade através da possibilidade de se tornar útil. No entanto, como escreve Moraes (1984), passou-se de um conhecimento que levantava informações e legitimava a expansão das relações capitalistas, para um saber que orientaria esta expansão, fornecendo-lhe opções e orientando as estratégias de alocação do capital no espaço terrestre, ou seja, duas tarefas diferentes, em dois momentos históricos distintos, servindo a um mesmo fim. 
A irradiação da Nova Geografia no Brasil ocorreu nos anos setenta, a partir do IBGE, UFRJ e UNESP de Rio Claro. Em 1972, o IBGE publicou uma separata da Revista Brasileira de Geografia cujo propósito era apresentar contribuições em torno do desenvolvimento urbano no Brasil, enfatizando que neste enfoque, as hipóteses são formuladas, a estatística encontra em seu arsenal tecnológico métodos de testar a validade das hipóteses e o computador oferece meios de utilizar um conjunto de informações sobre os lugares em escala que antes não era possível. 
Faissol (1972) comentou que este novo paradigma, essencialmente regional, era resultante dos conflitos metodológicos e filosóficos enfrentados pela Geografia, ressaltando que o paradigma sistêmico tornava-a mais individualizada como ciência e mais próxima das outras ciências. Os trabalhos apresentados naquela publicação foram: Teorização e quantificação na Geografia, no qual o autor faz uma revisão das idéias e dos problemas da Geografia em sua fase quantitativa. Aborda a idéia de sistemas espaciais, procedimento analítico e suas técnicas quantitativas, os modelos espaciais, métodos de simulação e a teoria sistêmica de integração espacial junção de modelos temporais e espaciais; Comentário bibliográfico e notas à margem no qual o autor comenta o livro Explanation in Geography de David Harvey (1969) referente à metodologia geográfica. Apresenta também Análise fatorial: problemas e aplicações na Geografia, especialmente nos estudos urbanos; e Estrutura urbana brasileira: uma visão ampliada no contexto do processo brasileiro de desenvolvimento econômico. Nestes trabalhos, a comunicação dos resultados é apresentada através de tabelas, gráficos e mapas um tanto complexos, que exigem uma leitura do texto além de conhecimento matemático e estatístico para a sua compreensão; Pólos de desenvolvimento no Brasil: uma metodologia quantitativa e uma exemplificação empírica; A Cadeia de Markov como método descritivo de distância funcional: delimitação de regiões funcionais e nodais, nos quais discute a introdução de uma técnica nova na delimitação de regiões funcionais. A técnica utilizada é a Cadeia de Markov na análise dos problemas relacionados a fluxos e regiões nodais.
O tratamento matemático e estatístico dos dados refletiram em novas modalidades de representação cartográfica. Como exemplo, podemos citar o trabalho de Silva (1981), que elaborou uma seqüência de mapas temáticos representados por isoietas considerando amplitudes, desvio-padrão, resíduos de amplitude e de desvio-padrão e coeficientes de variação. Por meio desses mapas, a autora buscava discutir técnicas para melhor explicação de um fenômeno com distribuição espacial. Todo este suporte teórico para o desenvolvimento das técnicas quantitativas subsidiaram também a proposta de planejamento regional desenvolvida pelo IBGE.
André Libault (1971), professor de Cartografia da USP neste momento do pensamento geográfico brasileiro, foi um dos autores que demonstrou uma grande preocupação com a apropriação, de instrumentos oriundos das ciências exatas e sua introdução nos cursos de Geografia. Libault ressaltou que na ânsia de apresentar resultados que possam fascinar os alunos de Geografia não preparados para entender as coisas matemáticas,
foram aplicados à ciência geográfica programas de computador preparados para outras ciências... não se trata de negar os benefícios enormes que a Geografia pode tirar dos métodos estatísticos, mas de também apreciar os perigos que resultam sem dúvida, da utilização errada ou incompleta deles. 
Libault criticou os departamentos que aplicavam os métodos empíricos sem uma análise crítica, chamando a atenção para a necessidade de um preparo adequado dos professores de Geografia nesta área. Ele propôs um embasamento metodológico para a pesquisa geográfica, muito utilizado também em pesquisas na área da Cartografia, sobretudo na linha da modelização. 
Outro campo da Nova Geografia é a que buscava, a partir da Psicologia, realizar uma geografia da percepção. Esta buscaria, segundo Moraes (1984), entender como os homens percebem o espaço por eles vivenciado, como se dá sua consciência em relação ao meio que os encerra, como percebem e como reagem frente às condições e aos elementos da natureza, e como este processo se reflete na ação sobre o espaço. 
Assim, os campos da Nova Geografia - seja pela via da geografia quantitativa, da geografia sistêmica ou dos modelos em geografia, que também foram chamados no Brasil de geografia teorética - e a progressiva especialização dos estudos, dada pela finalidade utilitária e pelas exigências do trabalho aplicado, representaram opções no desenvolvimento do pensamento geográfico. 
Este período também foi muito rico para a Cartografia e possibilitou uma renovação desta, através dos movimentos teóricos que resultaram no surgimento de várias correntes cartográficas como a Comunicação da Informação Cartográfica, a Modelização Cartográfica, a Semiologia Gráfica e a Cartografia da Cognição.
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