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Notas sobre um caso de neurose obsessiva (1909) Sigmund Freud ESB das Obras Completas de Sigmund Freud, Rio de Janeiro: Imago, 1996, vol. X. Introdução O assunto contido nas páginas a seguir será de duas categorias. Primeiramente, fornecerei alguns extratos fragmentários oriundos da história de um caso de neurose obsessiva. Esse caso, julgado por sua extensão, pelos danos de suas conseqüências e pelo próprio ponto de vista do paciente a seu respeito, merece ser classificado como um caso relativamente sério. O tratamento, que durou cerca de um ano, acarretou o restabelecimento completo da personalidade do paciente, bem com a extinção de suas inibições. Em segundo lugar, partindo-se desse caso e levando-se em consideração outros casos que analisei anteriormente, farei algumas assertivas de caráter aforístico, fora de conexão, sobre a gênese e o mecanismo mais estritamente psicológico dos processos obsessivos; assim, espero desenvolver as minhas primeiras observações sobre o assunto, publicadas em 1896. Um programa desse tipo parece exigir de mim alguma justificativa. Isso porque, de outro modo, se poderia pensar que encaro esse método de fazer um comunicado como perfeitamente correto, e como um método a ser imitado; ao passo que, na realidade, me estou ajustando a obstáculos, alguns externos e outros inerentes ao próprio assunto. Eu teria, com satisfação, comunicado mais coisas, caso me fosse certo, ou possível, fazê-lo. Não posso fornecer uma história completa do tratamento, porque isso implicaria entrar em pormenores das circunstâncias da vida de meu paciente. O premente interesse de uma grande cidade, voltada com uma especial atenção para minhas atividades médicas, proíbe-me de dar um quadro fiel do caso. Por outro lado, vim progressivamente a encarar as distorções de que comumente se lançam mão em tais circunstâncias, como inúteis e passíveis de objeção. Sendo insignificantes, essas distorções pecam em seu objetivo de proteger o paciente contra a indiscreta curiosidade; ao passo que, se vão mais além, requerem um sacrifício muitíssimo grande, de vez que destroem a inteligibilidade do material, a qual depende, por sua coerência, precisamente dos pequenos detalhes da vida real. E, a partir dessa última circunstância, provém a verdade paradoxal de que é muito mais fácil divulgar os segredos mais íntimos do paciente do que os fatos mais inocentes e triviais a respeito dele: enquanto os primeiros não esclareceriam sua identidade, os outros, pelos quais ele é geralmente reconhecido, torná-la-iam óbvia a qualquer um. Esta é a minha desculpa por haver reduzido tão drasticamente a história desse caso e seu tratamento. Ademais, posso oferecer razões ainda mais convincentes para o fato de haver-me limitado às afirmações de apenas alguns resultados desconexos da investigação psicanalítica das neuroses obsessivas. Devo confessar que ainda não logrei penetrar inteiramente na complicada textura de um sério caso de neurose obsessiva, e que, se fosse reproduzir a análise, me seria impossível tornar a estrutura (como, com o auxílio da análise, sabemos ou suspeitamos que ela exista) visível para os outros mediante o volume de trabalho terapêutico que se lhe superpõe. O que tão enormemente se acrescenta à dificuldade de fazê-lo são as resistências dos pacientes e as formas como elas se expressam. Contudo, mesmo não levando isso em consideração, é preciso admitir que uma neurose obsessiva não é, em si, algo fácil de compreender — é muito menos fácil do que um caso de histeria. Na realidade, o fato é que esperaríamos achar o contrário. A linguagem de uma neurose obsessiva, ou seja, os meios pelos quais ela expressa seus pensamentos secretos, presume-se ser apenas um dialeto da linguagem da histeria; é, porém, um dialeto no qual teríamos de poder orientar-nos a seu respeito com mais facilidade de vez que se refere com mais proximidade às formas de expressão adotadas pelo nosso pensamento consciente do que a linguagem da histeria. Sobretudo, não implica o salto de um processo mental a uma inervação somática — conversão histérica — que jamais nos pode ser totalmente compreensível. Talvez seja apenas porque estejamos pouco familiarizados com as neuroses obsessivas que não vemos essas expectativas confirmadas pelos fatos. As pessoas que sofrem de um sério grau de neurose obsessiva se apresentam com muito menos freqüência a um tratamento analítico do que os pacientes histéricos. Dissimulam também sua condição na vida cotidiana, pelo tempo que puderem, e muitas vezes visitam um médico somente quando a sua queixa atingiu um estádio avançado tal que, se estivessem sofrendo, por exemplo, de tuberculose pulmonar, teria acarretado a recusa de sua admissão a um sanatório. Faço essa comparação porque, como acontece com a infecciosa doença crônica que acabo de mencionar, podemos apontar inúmeros êxitos terapêuticos notáveis em casos sérios, não menos do que em casos brandos, de neurose obsessiva, onde estes foram manipulados em um estádio precoce. Nessas circunstâncias, não há alternativa senão relatar os fatos de um modo imperfeito e incompleto, no qual eles são conhecidos e pelo qual é legítimo que se os comunique. Os fragmentos de conhecimento oferecidos nestas páginas, embora tenham sido reunidos com suficiente laboriosidade, não podem, em si, dar provas de satisfazerem a contento; podem, contudo, servir de ponto de partida para o trabalho de outros investigadores, e um esforço comum poderá trazer o êxito que talvez esteja além do alcance do esforço individual. I – EXTRATOS DO CASO CLÍNICO Um jovem senhor de formação universitária apresentou-se a mim com a asserção de que ele sempre havia sofrido de obsessões, desde a infância, mas com intensidade especial nos últimos quatro anos. Os aspectos principais de seu distúrbio eram medos de que algo pudesse acontecer a duas pessoas de quem ele gostava muito: seu pai e uma dama a quem admirava. Além disso, ele estava consciente de impulsos compulsivos, tais como, por exemplo, um impulso de cortar a garganta com uma lâmina; posteriormente, criou proibições, às vezes em conexão com coisas um tanto sem importância. Contou-me que gastou anos lutando contra essas suas idéias, e desse modo perdera muito terreno no transcorrer de sua vida. Havia experimentado vários tratamentos, mas nenhum lhe valeu, com exceção de uma temporada de tratamento por hidroterapia num sanatório próximo; e isso, pensava ele, provavelmente fora possível apenas porque lá travara conhecimentos com alguém, o que o levara a manter relações sexuais regulares. Aqui ele não tinha oportunidades dessa espécie, e raramente tivera relações, apenas em intervalos irregulares. Sentia repulsa por prostitutas. Ao mesmo tempo, disse ele, sua vida sexual havia sido obstruída; a masturbação desempenhara apenas um pequeno papel nela, quando tinha dezesseis ou dezessete anos de idade. Sua potência era normal; a primeira vez que teve relações sexuais tinha vinte e seis anos. Ele me deu a impressão de ser uma pessoa de mente clara e sagaz. Quando lhe perguntei sobre o que o fizera pôr ênfase em contar-me a respeito de sua vida sexual replicou ser isso o que ele sabia sobre as minhas teorias. Na realidade, porém, ele não lera nenhum de meus escritos, com exceção de pouco tempo antes ter folheado as páginas de um de meus livros, tendo encontrado a explicação de algumas curiosas associações verbais que lhe recordaram tanto alguns de seus próprios ‘esforços de pensamento’ em correlação com suas idéias, que decidira colocar-se sob meus cuidados. (A) O INÍCIO DO TRATAMENTO No dia seguinte, eu o fiz comprometer-se a submeter-se à única e exclusiva condição do tratamento, ou seja, dizer tudo que lhe viesse à cabeça, ainda que lhe fosse