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Estrutura e Funcionamento da Célula Imagem a cores de uma célula em divisão, feita por microscopia electrónica de varredura (SEM). A célula é a unidade básica estrutu- ral e funcional de todos os organis- mos vivos. As funções características da célula incluem a replicação do ADN, a síntese de macromoléculas como proteínas e fosfolípidos, o consu- mo de energia e a reprodução. As células assemelham-se a fábricas muito complexas, embora diminutas, sempre em funcionamento, levando a cabo as funções essenciais à vida. Estas fábricas microscópicas são tão pequenas que uma célula de tamanho médio tem apenas um quinto do tamanho do menor ponto que é possível fazer numa folha de papel com um lápis afiado. Cada ser humano é constituído por triliões de células. Se cada uma tivesse as dimensões de um tijolo comum, a estátua colossal delas resultante teria dez quilómetros de altura! Todas as células têm origem a partir de uma única célula fertilizada. Duran- te o desenvolvimento de um ser humano, a divisão e a especialização celulares dão origem a uma grande variedade de tipos de células, tais como células nervo- sas, musculares, ósseas, adiposas e do sangue. Cada tipo tem características im- portantes, indispensáveis ao normal funcionamento do organismo como um todo. Apesar de as células poderem ter estruturas e funções bastante diferen- tes, partilham várias características (figura 3.1; quadro 3.1). A membrana plasmática, ou celular, constitui a fronteira externa da célula, através da qual esta interage com o ambiente exterior. O núcleo, normalmente central, dirige as actividades celulares, a maior parte das quais têm lugar no citoplasma, en- tre o núcleo e a membrana plasmática. Dentro das células existem estruturas especializadas, os organelos, que desempenham funções específicas. Este capítulo apresenta as funções da célula (62), como vemos as células (62) e a membrana plasmática (64). Seguidamente descreve o movimento atra- vés da membrana plasmática (69), assim como a endocitose e a exocitose (76). O capítulo também descreve o citoplasma (79), os organelos (80) e o núcleo (88); e apresenta um metabolismo celular (90), da síntese proteica (91), do ciclo celular (95) e da meiose (98), terminando com os aspectos celulares do envelhecimento (99). 3 C A P Í T U L O Pa rt e 1 O rg an iz aç ão d o Co rp o H um an o Parte 1 Organização do Corpo Humano62 Funções da Célula Objectivo ■ Descrever as principais funções da célula. Principais funções da célula 1. Unidade básica da vida. A célula constitui a menor porção a que o organismo pode ser reduzido mantendo as características da vida. 2. Protecção e suporte. As células produzem e segregam várias moléculas que conferem protecção e suporte ao organismo. As células ósseas, por exemplo, estão rodeadas por um material mineralizado que confere dureza ao tecido ósseo para que proteja o encéfalo e outros órgãos, e suporte o peso do corpo. 3. Movimento. Todos os movimentos do corpo ocorrem devido à existência de moléculas localizadas em células específicas (p. ex., células musculares). 4. Comunicação. As células produzem e recebem sinais quími- cos e eléctricos que lhes permitem comunicar umas com as outras. Por exemplo, as células nervosas comunicam entre si e com as células musculares, dando origem à sua contracção. 5. Metabolismo celular e libertação de energia. As reacções quí-micas que ocorrem dentro das células são designadas colectivamente por metabolismo celular. A energia libertada durante o metabolismo é utilizada em activida- des celulares, como a síntese de novas moléculas, a Microvilosidades Ribossoma livre Rede microtubular Lisossoma Lisossoma fundindo-se com uma vesícula endocítica Núcleo Vesícula endocítica Centríolos Centrossoma Invólucro nuclear Peroxissoma Nucléolo Ribossoma Retículo endoplasmático rugoso Retículo endoplasmático liso CitoplasmaMembrana plasmática Mitocôndria Complexo de Golgi Vesículas de secreção Cílios Figura 3.1 A Célula Generalização de uma célula humana, evidenciando a membrana plasmática, o núcleo e o citoplasma com os seus organelos. Apesar de nenhuma célula conter todos estes organelos, muitas contêm um grande número dos mesmos. 1 Scanning Electron Microscope (SEM) 2 Transmission Electron Microscope (TEM) contracção muscular e a produção de calor, que ajudam a manter a temperatura corporal. 6. Hereditariedade. Cada célula contém uma cópia do código genético do indivíduo. Existem células especializadas responsáveis pela transmissão desse código à geração seguinte. Como Vemos as Células Objectivo ■ Explicar as diferenças entre os dois tipos de microscópios. A maioria das células é demasiado pequena para ser vista a olho nu, sendo por isso necessário recorrer a microscópios para as estudar. O microscópio óptico permite-nos visualizar as características gerais das células. No entanto, é indispensável re- correr a microscópios electrónicos para estudar a sua estrutura fina. Um microscópio electrónico de varrimento1 permite ob- servar estruturas da superfície celular e a superfície das estrutu- ras internas. Um microscópio electrónico de transmissão2 per- mite-nos ver “através” de partes da célula e assim descobrir ou- tros aspectos da estrutura celular. Se não está familiarizado com estes tipos de microscópios, deverá consultar a caixa sobre ima- gens de microscopia no Capítulo 4. 1. Quais as principais funções das células? 2. Quais as diferenças entre um microscópio óptico e um electrónico? Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 63 Quadro 3.1 Sumário das Componentes Celulares Componente celular Estrutura Função Bicamada lipídica composta por fosfolípidos e colesterol com proteínas que a atravessam ou se encontram embebidas em qualquer das superfícies da bicamada lipídica Água com iões e moléculas dissolvidos; colóide com proteínas em suspensão Cilindros ocos compostos pela proteína tubulina; 25 nm de diâmetro Pequenas fibrilhas da proteína actina; 8 nm de diâmetro Fibras proteicas; 10 nm de diâmetro Agregados de moléculas produzidas ou ingeridas pelas células; podem ou não estar limitadas por membranas Par de organelos cilíndricos no centrossoma, constituídos por tripletos de microtúbulos paralelos Microtúbulos que se estendem do centrossoma até aos cromossomas e outras partes da célula (ex. fibra astral) Extensões da membrana plasmática contendo pares de microtúbulos paralelos; 10 µm de comprimento Extensão da membrana plasmática contendo pares de microtúbulos paralelos; 55 µm de comprimento Extensões da membrana plasmática contendo microfilamentos O ARN ribossómico e as proteínas formam grandes e pequenas subunidades; distribuí- dos livremente pelo citoplasma ou ligados ao retículo endoplasmático Túbulos membranosos e sáculos achatados com ribossomas Túbulos membranosos e sáculos achatados sem ribossomas Sáculos membranares achatados empilhados Sáculo membranoso que se destaca do complexo de Golgi Vesícula membranosa que se destaca do complexo de Golgi Vesícula membranosa Complexos proteicos tubulares no citoplasma Estruturas esféricas, em bastonete ou filamentares, limitadas por uma membrana dupla; a membrana interna forma projecções, denominadas cristas Membrana dupla que encerra o núcleo; a membrana externa é contínua com o retículo endoplasmático; é atravessado por poros nucleares Cadeias finas e dispersas de ADN, histonas e outras proteínas; condensa-se para formar os cromossomas durante a divisão celular Um a quatro corpos densos constituídos por ARN ribossómico e proteínas Delimitação externa das células que controla a entrada e saída de substâncias; as moléculas receptoras actuam na comunicação intercelular; as moléculas-marcadorespossibilitam o reconhecimento intercelular Contém enzimas que catalisam reacções de decomposição e síntese; é produzido ATP em reacções de glicólise Suportam o citoplasma e formam centríolos, fusos cromáti- cos, cílios e flagelos; responsáveis pelo movimento celular Suportam o citoplasma e formam microvilosidades, responsá- veis pelos movimentos celulares Suportam o citoplasma A sua função depende das moléculas: armazenamento de energia (lípidos, glicogénio), transporte de oxigénio (hemoglobina), cor da pele (melanina), etc. Centros de formação de microtúbulos; determinam a polaridade celular durante a divisão celular; formam os corpos basais de cílios e flagelos Colaboram na separação dos cromossomas durante a divisão celular Deslocam materiais através da superfície das células Nos seres humanos, são responsáveis pelo movimento dos espermatozóides Aumentam a área superficial da membrana plasmática para absorção e secreção; modificam-se para formar receptores sensoriais Local de síntese proteica Síntese proteica e transporte para o complexo de Golgi Produção de lípidos e glícidos; neutralização de produtos químicos nocivos; armazenamento de cálcio Modificação, acondicionamento e distribuição de proteínas e lípidos para secreção ou uso interno Transporta proteínas e lípidos até à superfície celular para secreção Contém enzimas digestivas Local de degradação de lípidos e aminoácidos, e de desdobra- mento do peróxido de hidrogénio Desdobramento de proteínas no citoplasma Principal local da síntese de ATP quando há oxigénio disponível Separa o núcleo do citoplasma e regula o movimento de materiais para dentro e fora do núcleo O ADN regula a síntese proteica (p. ex., enzima) e consequente- mente as reacções químicas da célula; o ADN é o material genético ou hereditário Local de agregação das pequenas e grandes subunidades ribossómicas Membrana Plasmática Citoplasma: Citosol Parte fluida Citosqueleto Microtúbulos Filamentos de actina Fibras intermediárias Inclusões citoplasmáticas Citoplasma: Organelos Centríolos Fusos cromáticos Cílios Flagelo Microvilosidades Ribossoma Retículo endoplasmático rugoso Retículo endoplasmático liso Complexo de Golgi Vesícula de secreção Lisossoma Peroxissoma Proteassomas Mitocôndrias Núcleo Invólucro nuclear Cromatina Nucléolo Parte 1 Organização do Corpo Humano64 A regulação do movimento de iões pelas células resulta numa diferença de cargas ao longo da membrana plasmática, o potencial de membrana. O exterior da membrana plasmática tem uma carga mais positiva que o seu interior porque fora da célula há uma elevada concentração de iões com carga positiva e dentro dela existem mais iões com carga negativa. O potencial de membrana permite à célula funcionar como uma pilha, com um pólo positivo e um negativo. Esta é uma importante caracte- rística do funcionamento normal de uma célula viva, que será analisada em maior pormenor nos Capítulos 9 e 11. A membrana plasmática é constituída por 45- 50% de lípidos, 45-50% de proteínas e 4-8% de glícidos (figura 3.2). Os glícidos combinam-se com os lípidos para formar glicolípidos e com as proteínas para formar glicoproteínas. O glicocálice corresponde ao conjunto de glicolípidos, glicoproteínas e glícidos na superfície externa da membrana plasmática. O glicocálice tam- bém contém moléculas absorvidas do meio extracelular, pelo que nem sempre existe uma fronteira precisa entre o término da mem- brana plasmática e o meio extracelular. Lípidos da Membrana Os lípidos predominantes da membrana plasmática são os fosfolípidos e o colesterol. Os fosfolípidos organizam-se rapi- Membrana Plasmática Objectivos ■ Definir os termos intracelular, extracelular, glicocálice, bicamada lipídica, hidrofílico e hidrofóbico. ■ Explicar a organização dos fosfolípidos na bicamada lipídica, assim como a função do colesterol e a sua localiza- ção na membrana plasmática. ■ Explicar a importância da natureza fluida da bicamada lipídica. ■ Referir a função das proteínas de membrana como marcadores, sítios de ligação, canais, receptores, enzimas e transportadores. A membrana plasmática é o componente mais externo da célula. As substâncias existentes no seu interior são intrace- lulares; as que lhe são exteriores denominam-se extracelulares (são por vezes denominadas intercelulares por se localizarem entre as células. A membrana plasmática envolve e suporta os conteúdos celulares, e fixa a célula ao ambiente extracelular ou a outras células. A capacidade das células para reconhecerem e comunicarem com as demais está dependente da membrana plasmática. Além disso, a membrana plasmática determina o que entra e sai da célula. Como resultado, o conteúdo intracelular é diferente do extracelular. Colesterol Citosqueleto Proteína receptora Proteína periférica Regiões polares das moléculas de fosfolípidos Regiões apolares das moléculas de fosfolípidos Canal proteico membranar Cadeias de glícidos Glicoproteína Glicolípido Glicocálice Superfície externa da membrana Bicamada de fosfolípidos Superfície interna da membrana TEM 100,000x (a) (b) Figura 3.2 Membrana Plasmática (a) Modelo de mosaico fluido da membrana plasmática. A membrana é composta por uma bicamada de fosfolípidos e colesterol com proteínas “flutuando” na membrana. A porção apolar hidrofóbica de cada molécula de fosfolípido dirige-se para o centro da membrana e a parte polar hidrofílica dirige-se para o meio aquoso dentro e fora da célula. (b) Microfotografia em microscópio electrónico de transmissão de uma membrana plasmática, com a membrana indicada pelas setas azuis. As proteínas em ambas as superfícies da bicamada lipídica coram mais facilmente do que a referida camada e conferem à membrana uma aparência tripartida: as duas partes escuras exteriores são as proteínas e as cabeças de fosfolípidos, enquanto que a parte central, mais clara, corresponde às caudas dos fosfolípidos e ao colesterol. Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 65 damente numa bicamada lipídica (uma dupla camada consti- tuída por moléculas lipídicas) porque têm uma cabeça polar (com carga) e uma cauda apolar (sem carga) (ver capítulo 2). As cabe- ças polares hidrofílicas (que procuram o contacto com a água) estão expostas à água existente dentro e fora da célula, enquanto que as caudas apolares hidrofóbicas (que evitam o contacto com a água) ficam voltadas umas para as outras no interior da mem- brana plasmática. O outro lípido importante da membrana plas- mática é o colesterol (ver capítulo 2), que se encontra disperso entre os fosfolípidos e constitui cerca de 1/3 dos lípidos totais da membrana plasmática. O grupo hidrofílico OH do colesterol si- tua-se entre as cabeças dos fosfolípidos e a superfície hidrofílica da membrana; a porção hidrofóbica da molécula de colesterol encontra-se dentro da região hidrofóbica dos fosfolípidos. A quan- tidade de colesterol numa dada membrana é um factor deter- minante da sua natureza fluida e, consequentemente, do seu fun- cionamento. Proteínas de Membrana Apesar de a estrutura básica da membrana plasmática e de algu- mas das suas funções serem determinadas pelos seus lípidos, muitas das funções da membrana plasmática são determinadas pelas suas proteínas. A concepção moderna da membrana plasmática, o modelo do mosaico fluido, sugere que a mem- brana plasmática não é uma estrutura estática nem rígida mas sim altamente flexível, podendo alterar a sua forma e composi- ção ao longo do tempo. A bicamada lipídica actua como um lí- quido no qual outras moléculas, como as proteínas, estão em suspensão. A natureza fluida da dupla camada lipídica tem vá- rias consequências importantes. Constitui um importante meio de distribuição de moléculas dentro da membranaplasmática. Para além disso, pequenos danos na membrana podem ser repa- rados, já que os fosfolípidos tendem a reagrupar-se em torno das zonas lesadas, selando-as. Adicionalmente, a natureza fluida da bicamada lipídica permite às membranas fundirem-se entre si. Algumas moléculas proteicas, as proteínas integrais ou in- trínsecas, penetram profundamente na bicamada lipídica, es- tendendo-se, em muitos casos, de uma superfície até à outra (fi- gura 3.3), enquanto outras, as proteínas periféricas ou ex- trínsecas, se encontram ligadas à superfície interna ou externa da dupla camada. As proteínas integrais consistem em regiões de aminoácidos com grupos R hidrofóbicos e de aminoácidos com grupos R hidrofílicos (ver capítulo 2). As regiões hidrofóbicas localizam-se dentro da parte hidrofóbica da membrana; as re- giões hidrofílicas localizam-se nas superfícies interna e externa da membrana ou revestem os canais que a atravessam. Geralmente, as proteínas periféricas encontram-se ligadas a proteínas integrais. As proteínas membranares são marcadores, sítios de ligação, ca- nais, receptoras, enzimas ou transportadoras. A sua capacidade de funcionamento depende da sua estrutura tridimensional e das suas características químicas. Moléculas-marcadores As moléculas-marcadores são moléculas existentes na superfí- cie celular que permitem às células identificar outras células e moléculas. A grande maioria são glicoproteínas (proteínas as- sociadas a lípidos) ou glicolípidos (glícidos associadas a lípidos). A porção proteica das glicoproteínas pode ser constituída por proteínas integrais ou periféricas (figura 3.4). Exemplos disto são o reconhecimento do oócito pelo espermatozóide e a capacidade do sistema imunitário para distinguir entre as próprias células e as células intrusas, tais como bactérias ou células de um dador num transplante. A comunicação e o reconhecimento inter- celulares são importantes, uma vez que as células não são enti- dades isoladas e têm de trabalhar em conjunto para assegurar o normal funcionamento do organismo. Sítios de Ligação Proteínas ligadas à membrana, como as integrinas, funcionam como sítios de ligação, onde as células se ligam umas às outras (a) (b) Figura 3.3 Proteínas Globulares na Membrana Plasmática (a) Habitualmente as proteínas são representadas como fitas (ver capítulo 2). O domínio ocupado pelas fitas proteicas pode ser limitado por uma região sombreada tridimensional. (b) A região sombreada pode ser representada como uma proteína tridimensional globular integral inserida na membrana plasmática. Glicoproteína (marcador de superfície celular) Figura 3.4 Marcador de Superfície Celular As glicoproteínas existentes na superfície celular permitem às células reconhecerem-se umas às outras ou a outras moléculas. Parte 1 Organização do Corpo Humano66 ou a moléculas extracelulares (figura 3.5). Estas proteínas de membrana também se ligam às moléculas intracelulares. As integrinas funcionam em pares de duas proteínas integrais, que interagem com as moléculas intracelulares e extracelulares. Canais Proteicos Os canais proteicos são constituídos por uma ou mais proteí- nas integrais dispostas de modo a formar um pequeno canal atra- vés da membrana plasmática (figura 3.6). As regiões hidrofóbicas das proteínas encontram-se viradas para fora em direcção à por- ção hidrofóbica da membrana plasmática e as regiões hidrofílicas estão viradas para dentro, revestindo o canal. Pequenas molé- culas ou iões com forma, tamanho e carga apropriados podem atravessar o canal. As cargas da porção hidrofílica do canal proteico determinam o tipo de iões que o podem atravessar. Alguns canais proteicos, os canais iónicos não controla- dos (nongated ionic channels), estão sempre abertos e são res- ponsáveis pela permeabilidade da membrana plasmática aos iões quando esta se encontra em repouso. Já outros canais podem estar abertos ou fechados. Alguns abrem em resposta aos li- gandos, pequenas moléculas que se ligam às proteínas ou às gli- coproteínas, e são denominados canais iónicos com portão de ligando. Outros canais proteicos abrem quando ocorre uma mu- dança da carga eléctrica ao longo da membrana plasmática; são os canais iónicos com portão de voltagem. Moléculas Receptoras As moléculas receptoras (figura 3.7) são proteínas da mem- brana plasmática com um sítio de ligação exposto na superfície externa da célula, que se pode ligar a moléculas ligantes específi- cas. Alguns receptores de membrana fazem parte dos canais com portão de ligando. Muitos receptores e seus ligandos fazem parte de um sistema intercelular de comunicação que facilita a coor- denação das actividades celulares. Uma célula nervosa, por exemplo, pode libertar um men- sageiro químico que se difunde até atingir uma célula muscular a cujo receptor se liga. A ligação funciona como um sinal que estimula uma resposta, como seja a contracção da célula muscu- lar. O mesmo mensageiro químico não teria qualquer efeito numa outra célula que não dispusesse da molécula receptora específica. Receptores Ligados a Canais Proteicos Algumas moléculas receptoras são proteínas que fazem parte dos canais iónicos com portão de ligando da membrana plasmática. Quando os ligandos se ligam às zonas receptoras deste tipo de receptor, a combinação altera a estrutura tridimensional das Proteínas de ligação (integrinas) Molécula intracelular Molécula extracelular Figura 3.5 Sítios de Ligação Proteínas (integrinas) existentes na membrana plasmática ligam-se às moléculas extracelulares. 1. Algumas regiões da proteína são helicoidais e podem ser representadas por um cilindro. 2. Nalgumas proteínas membranares as regiões helicoidais formam um círculo com um canal no centro. 4. O canal proteico pode ser representado em corte longitudinal para evidenciar o canal. 5. O canal proteico em corte é representado dentro da membrana plasmática. 3. O anel de cilindros pode ser representado como uma estrutura globular 3-D com um canal no centro a que se chama canal proteico. Proteína Figura 3.6 Canais Proteicos Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 67 proteínas dos canais iónicos, levando-os a abrir ou fechar. O re- sultado é uma mudança na permeabilidade da membrana plas- mática à passagem de iões específicos através dos canais iónicos (figura 3.8). Por exemplo, a acetilcolina libertada pelas células nervosas é um ligando que se combina com os receptores liga- dos à membrana das células do músculo esquelético. A combi- nação das moléculas de acetilcolina com as zonas receptoras dos receptores de membrana para a acetilcolina abre os canais de Na+ na membrana plasmática. Consequentemente, os iões di- fundem-se para as células do músculo esquelético e estimulam eventos que causam a sua contracção. Receptores Ligados a Proteínas G Algumas moléculas receptoras funcionam alterando a activida- de do complexo de uma proteína G localizado na superfície in- terna da membrana plasmática (figura 3.9). O complexo da pro- teína G consiste em três proteínas, as proteínas alfa, beta e gama. Uma proteína G ligada a um receptor sem ligando, está inactivada e tem guanosina difosfato (GDP) ligada a si (figura 3.9 1). Quando o ligando se liga ao receptor, o complexo da proteína G liga-se à guanosina trifosfato (GTP) e é activado (figura 3.9 2). A proteí- na G activada estimula uma resposta celular, muitas vezes por intermédio de sinais químicos intracelulares. Algumas proteínas G abrem canais na membrana plasmática e outros activam en- zimas associadas à membrana. Ligando Proteína receptora Zona receptora Figura 3.7 Proteína Receptora Uma proteína existente na membrana plasmática com uma zona receptora exposta, à qual se vão ligar ligandos específicos. Acetilcolina Receptores para a acetilcolinaCanal de Na+ fechado Na+ O Na+ pode difundir-se pelo canal aberto A acetilcolina liga-se aos receptores Canal de Na+ aberto Na+ (1) O canal de Na+ tem receptores para o ligando acetilcolina. Quando os receptores não estão ocupados pela acetilcolina, os canais de Na+ permanecem fechados. (2) Quando duas moléculas de acetilcolina se ligam aos seus receptores no canal de Na+, este abre para deixar que o Na+ se difunda pelo canal para dentro da célula. (Processo) Figura 3.8 Receptores Ligados a Canais Proteicos Fibrose Quística A fibrose quística é uma doença genética que afecta os canais iónicos do cloro. Existem três tipos de fibrose quística. Em cerca de 70% dos casos, é produzido um canal proteico deficiente que não consegue ligar o seu local de produção à membrana plasmática. Nos restantes casos, o canal proteico é incorporado na membrana plasmática mas não funciona normalmente. Nalguns casos, o canal proteico não consegue ligar-se ao ATP. Noutros, o ATP liga-se ao canal proteico mas este não abre. O não funcionamento destes canais iónicos faz com que as células afectadas produzam secreções espessas e viscosas. Embora a fibrose quística afecte muitos tipos de células, os seus efeitos mais extremos são sentidos a nível pancreático, causando a incapacidade de digestão de certos tipos de alimentos, e a nível pulmonar, provocando sérias dificuldades respiratórias. Fármacos e Receptores Os fármacos com estruturas semelhantes a ligandos específicos podem competir com estes pela ocupação do receptor. Dependendo das características exactas do fármaco, este, ao ligar-se à zona receptora, tanto pode activar como inibir o receptor. Por exemplo, existem fármacos que competem com o ligando adrenalina pelos seus recepto- res. Alguns destes fármacos activam os receptores da adrenalina, outros inibem-no. Enzimas na Membrana Plasmática Algumas proteínas membranares actuam como enzimas, capa- zes de catalizar reacções químicas na superfície interna ou exter- na da membrana plasmática. Por exemplo, algumas enzimas exis- tentes à superfície das células do intestino delgado fraccionam as ligações peptídicas dos dipeptídeos (moléculas constituídas por dois aminoácidos ligados por uma ligação peptídica) para Parte 1 Organização do Corpo Humano68 Enzima da membrana plasmática AminoácidosDipeptídeo Ligando Receptor de membrana Proteína G GDP GTP β αγ Ligando Receptor de membrana Estimula uma resposta celular GDP GTP β αγ (1) A proteína G ligada a um receptor sem um ligando tem guanosina difosfato (GDP) ligada a si e está inactiva. (2) Quando um ligando se liga ao receptor, a guanosina trifosfato (GTP) substitui a GDP na subunidade-α da proteína G que se separa das outras subunidades. A subunidade-α, com a GTP ligada, estimula uma resposta celular. (Processo) Figura 3.9 Receptor Ligado a uma Proteína G Figura 3.10 Enzima da Membrana Plasmática Esta enzima da membrana plasmática fracciona a ligação peptídea de um dipeptídeo para produzir dois aminoácidos. Proteína de transporte Molécula transportada 1. 2. A proteína de transporte liga-se a uma molécula num dos lados da membrana plasmática. A proteína de transporte modifica a sua forma e liberta a molécula do outro lado da membrana plasmática. (Processo) Figura 3.11 Proteína de Transporte formar dois aminoácidos simples (figura 3.10). Algumas enzimas associadas à membrana estão sempre activas. Outras são activadas por receptores de membrana ou proteínas G. Proteínas de Transporte As proteínas de transporte são proteínas integrais de membra- na que deslocam iões ou moléculas de um lado da membrana plasmática para o outro. As proteínas de transporte têm sítios de ligação específicos aos quais os iões ou moléculas se ligam num dos lados da membrana plasmática. As proteínas de transporte alteram a sua configuração para facilitarem a passagem de molé- culas ou iões para o lado oposto da membrana, onde são liberta- dos (figura 3.11). 3. Defina glicolípidos e glicoproteínas. Descreva a diferença entre as proteínas integrais e periféricas existentes na membrana plasmática. 4. Refira duas funções das moléculas-marcadores. 5. Descreva a função das integrinas. 6. Defina canal iónico não controlado, canal iónico com portão de ligando e canal iónico com portão de voltagem. O que determina a função de um canal proteico? 7. A que parte da molécula receptora se liga o ligando? Dê dois exemplos de como um ligando se pode ligar a um receptor na membrana plasmática e causar uma resposta celular. 8. Dê um exemplo da acção de uma enzima na membrana plasmática. Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 69 Movimento Através da Membrana Plasmática Objectivos ■ Descrever as quatro formas pelas quais as substâncias passam através da membrana plasmática. ■ Descrever os factores que afectam a velocidade e a direcção da difusão de um soluto num solvente. ■ Descrever difusão, osmose e filtração. ■ Descrever os processos de difusão facilitada, transporte activo e transporte activo secundário. A membrana plasmática separa o material extracelular do material intracelular e é selectivamente permeável, isto é, ape- nas permite a passagem de algumas substâncias. O material intracelular apresenta uma composição diferente do material extracelular e a sobrevivência da célula depende da manutenção dessas diferenças. Enzimas, outras proteínas, glicogénio e iões de potássio encontram-se em concentrações superiores no meio intracelular; os iões de sódio, cálcio e cloro apresentam-se em concentrações superiores no meio extracelular. Além disso, os nutrientes devem entrar, continuamente, na célula e os produ- tos de excreção devem ser continuamente eliminados, mas o vo- lume celular deve permanecer inalterado. Devido às caracterís- ticas de permeabilidade da membrana e à sua capacidade para transportar moléculas selectivamente, a célula consegue manter a homeostasia. A ruptura da membrana, a alteração das suas ca- racterísticas de permeabilidade ou a inibição dos mecanismos de transporte podem alterar as diferenças normais de concen- tração ao longo da membrana e conduzir à morte celular. As moléculas e iões deslocam-se através da membrana plasmática de quatro formas: 1. Directamente através da membrana de fosfolípidos. Molécu- las solúveis em lípidos, tais como o oxigénio, o dióxido de carbono e os esteróides, atravessam facilmente a membrana plasmática através da sua dissolução na bicamada lipídica. Esta funciona como uma barreira para a maior parte das substâncias não lipossolúveis. No entanto, algumas molécu- las pequenas não lipossolúveis, como a água, o dióxido de carbono e a ureia, podem difundir-se por entre as molécu- las de fosfolípidos da membrana plasmática. 2. Canais de membrana. Existem vários tipos de canais proteicos na membrana plasmática e cada tipo permite a passagem a apenas algumas moléculas. O tamanho, configuração e carga eléctrica das moléculas determinam a sua passagem por um canal específico. Por exemplo, os iões de sódio passam pelos canais de sódio e os iões de potássio e cloro passam através dos canais de potássio e cloro, respectivamente. O movimento rápido da água através da membrana plasmática parece ocorrer através de canais de membrana. 3. Moléculas transportadoras. Grandes moléculas polares não lipossolúveis, tais como a glicose e os aminoácidos, não podem passar em quantidades significativas através da membrana a menos que sejam transportadas por outras moléculas. Estas substâncias são transportadas por processos mediados por transportadores. As moléculas transportadoras ligam-se a moléculas específicas e transportam-nas através da membrana plasmática. As moléculas transportadoras responsáveis pelo transporte da glicose não transportam aminoácidos e as que trans- portamaminoácidos não transportam glicose. 4. Vesículas. Grandes moléculas não lipossolúveis, pequenos pedaços de matéria e mesmo células inteiras podem ser transportadas através da membrana plasmática numa vesícula, um pequeno sáculo limitado por uma membra- na. Dada a natureza fluida das membranas, a vesícula e a membrana plasmática podem fundir-se, permitindo ao conteúdo da vesícula atravessar a membrana plasmática. Difusão Uma solução é constituída por uma ou mais substâncias deno- minadas solutos, dissolvidas no líquido ou gás predominante denominado solvente. A difusão é o movimento de solutos de uma área de maior concentração para uma área de menor con- centração na solução (figura 3.12). A difusão é resultado do cons- tante movimento aleatório de todos os átomos, moléculas ou iões numa solução. Uma vez que existe um maior número de partículas de soluto numa área de maior concentração do que numa área de menor concentração, e dado que as partículas se movem aleatoriamente, é maior a probabilidade de as partículas se moverem da maior para a menor concentração do que em sentido contrário. Desta forma, o movimento global dá-se no sentido da maior para a menor concentração. No ponto de equi- líbrio, o movimento global dos solutos cessa, embora o movi- mento molecular aleatório continue, e o movimento de solutos em qualquer direcção seja compensado por um movimento igual na direcção oposta. São exemplos de difusão o movimento e dis- tribuição de fumo ou de perfume numa sala sem correntes de ar, ou de um corante num recipiente com água parada. Existe uma diferença de concentração quando a concen- tração de um soluto é mais elevada num dado ponto do solvente do que noutro. A diferença de concentração entre dois pontos denomina-se gradiente de concentração ou de densidade. Os solutos difundem-se de acordo com os seus gradientes de con- centração (da maior concentração para a menor) até ser atingi- do um equilíbrio. Para uma dada diferença de concentração en- tre dois pontos de uma solução, o gradiente de concentração é maior quando a distância entre os dois pontos é pequena; e é menor quando a distância é grande. A velocidade de difusão é influenciada pela magnitude do gradiente de concentração, pela temperatura da solução, pelo tamanho das moléculas difundidas e pela viscosidade do solvente. Quanto mais elevado for o gradiente de concentração, maior é o número de partículas de soluto que se deslocam da maior con- centração para a menor. À medida que a temperatura de uma solução aumenta, aumenta também a velocidade a que as partí- culas de deslocam, originando uma velocidade de difusão mais elevada. As moléculas pequenas difundem-se mais facilmente numa solução do que moléculas grandes. A viscosidade mede a facilidade com que um líquido flui. Soluções espessas, como o xarope, são mais viscosas que a água. A difusão dá-se mais lenta- mente em solventes viscosos do que em solventes líquidos. Parte 1 Organização do Corpo Humano70 A difusão de moléculas é um importante meio para a troca de substâncias no organismo, entre os líquidos intracelular e extracelular. As substâncias que se podem difundir quer através da bicamada lipídica, quer através dos canais da membrana, podem atravessar a membrana plasmática. Alguns nutrientes e alguns produtos de excreção entram e saem da célula por difu- são, e a manutenção da concentração intracelular destas subs- tâncias depende em elevado grau da difusão. Se a concentração extracelular de oxigénio for reduzida, por exemplo, será difun- dida uma quantidade insuficiente de oxigénio para o interior da célula, impedindo o seu normal funcionamento. Alguns ligandos lipossolúveis conseguem difundir-se através da membrana plas- mática e ligar-se aos receptores intracelulares (figura 3.13). E X E R C Í C I O A ureia é um produto de excreção tóxico produzido nas células. Difunde-se das células para a corrente sanguínea e é eliminada do organismo através dos rins. O que aconteceria à concentração in- tracelular e extracelular de ureia se os rins deixassem de funcionar? Osmose Osmose é a difusão da água (solvente) através de uma membra- na semipermeável (p. ex., membrana plasmática). Uma mem- brana selectivamente permeável permite a difusão da água, mas não a de todo os solutos nela dissolvidos. A água difunde-se de uma solução que proporcionalmente contém mais água, através de uma membrana selectivamente permeável, para uma solução que proporcionalmente contém menos água. Uma vez que as concentrações das soluções são expressas em termos da concen- tração de soluto e não em termos de conteúdo de água (ver capítulo 2), a água difunde-se da solução menos concentrada (menos solutos, mais água) para a solução mais concentrada (mais solutos, menos água). O mecanismo de osmose é impor- tante para as células porque as grandes alterações de volume provocadas pelo movimento da água perturbam o normal fun- cionamento celular. Gradiente de concentração para as moléculas vermelhas Gradiente de concentração para as moléculas azuis 1. Deposita-se uma solução (as partículas vermelhas representam um tipo de moléculas) sobre outra solução (as partículas azuis representam outro tipo de moléculas). As moléculas vermelhas da solução vermelha apresentam um gradiente de concentração no sentido da solução azul, uma vez que não existem moléculas vermelhas na solução azul. Há também um gradiente de concentração para as moléculas azuis no sentido da solução vermelha, uma vez que não existem moléculas azuis na solução vermelha. 2. As moléculas vermelhas fazem descer o seu gradiente de concentração em direcção à solução azul (seta vermelha) e as moléculas azuis fazem descer o seu gradiente de concentração em direcção à solução vermelha (seta azul). 3. As moléculas vermelhas e azuis encontram-se uniformemente distribuídas na solução. Apesar de as moléculas vermelhas e azuis se continuarem a mover aleatoriamente, existe um equilíbrio e não se dá qualquer movimento do líquido, uma vez que não existe gradiente de concentração. (Processo) Figura 3.12 Difusão Ligando Ligando Zona receptora Receptor intracelular Figura 3.13 Receptor Intracelular Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 71 Uma vez que o recipiente interno* contém sal (esferas verdes e vermelhas) e moléculas de água (esferas azuis), contém proporcionalmente menos água do que o recipiente externo, que contém apenas água. As moléculas de água difundem-se, a favor do gradiente de concentração, para o interior do tubo interno (setas azuis). Uma vez que o sal não pode sair do tubo, o volume total de líquido no seu interior aumenta e sobe no tubo de vidro (seta a negro) em resultado da osmose. Água Solução de sal a 3% Membrana selectivamente permeável Solução salina a subir Água destilada 3. A água continua a deslocar- -se para o tubo até que o peso da coluna de água no tubo (pressão hidrostática) exerça uma força para baixo igual à força osmótica que desloca moléculas de água para dentro do tubo. A pressão hidrostática que evita o movimento real de água para o interior do tubo denomina-se pressão osmótica da solução no tubo. 2. O tubo encontra-se imerso em água destilada. A água entra no tubo por osmose (ver inserção acima*). A concentração de sal no tubo diminui quando a água sobe (a verde mais claro). 1. A extremidade de um tubo contendo uma solução salina a 3% (verde) é fechada com uma membrana selectivamente permeável, que permite a passagem das moléculas de água mas retém as moléculas de sal no tubo. A solução pára de subir quando o peso da coluna de água iguala a força osmótica. Peso da coluna de água Força osmótica (Processo) Figura 3.14 Osmose Pressão osmótica é a força necessáriapara evitar o movi- mento da água por osmose através de uma membrana selectiva- mente permeável. A pressão osmótica de uma solução pode ser determinada colocando a solução num tubo fechado numa das extremidades por uma membrana selectivamente permeável (fi- gura 3.14). Seguidamente, o tubo é imerso em água destilada e as moléculas de água passam, por osmose, através da membrana para dentro do tubo, obrigando a solução a subir no seu interior. À medida que a solução sobe, o seu peso produz pressão hidros- tática que desloca a água para fora do tubo, fazendo-a retornar à água destilada que o envolve. No ponto de equilíbrio, o movi- mento efectivo da água cessa, o que significa que a entrada da água no tubo por osmose é igual à saída de água do tubo devido à pressão hidrostática. A pressão osmótica da solução no tubo é igual à pressão hidrostática, que evita o movimento efectivo de água para dentro do tubo. Parte 1 Organização do Corpo Humano72 A pressão osmótica de uma solução fornece informação sobre a tendência da água para se deslocar por osmose através de uma membrana selectivamente permeável. Uma vez que a água se desloca de soluções menos concentradas (menos solutos, mais água) para soluções mais concentradas (mais solutos, menos água), quanto maior for a concentração de uma solução (quanto menos água tiver), maior será a tendência da água para se deslo- car para essa solução e maior terá de ser a pressão osmótica para evitar essa deslocação. Assim, quanto maior for a concentração de uma solução, maior é a pressão osmótica da solução e maior é a tendência da água para se deslocar para essa solução. E X E R C Í C I O Tendo em conta a demonstração na figura 3.14, o que aconteceria à pressão osmótica se a membrana não fosse selectivamente permeável e permitisse a passagem de todos os solutos e da água? A pressão osmótica de uma solução é descrita por três ter- mos. Soluções com igual concentração de partículas de soluto (ver capítulo 2) têm a mesma pressão osmótica: são isosmóticas. As soluções continuam a ser isosmóticas mesmo quando o tipo de partículas nas duas soluções difere um do outro. Se uma solu- ção apresentar uma concentração de solutos maior do que a da outra solução, diz-se hiperosmótica quando comparada com a solução mais diluída. A solução mais diluída, com pressão osmótica mais baixa, é hiposmótica, em comparação com a so- lução mais concentrada. Três termos adicionais descrevem a tendência da célula para reduzir ou aumentar de volume quando colocada numa solu- ção. Se uma célula for colocada numa solução na qual não reduz nem aumenta o volume, a solução diz-se isotónica. Se uma cé- lula for colocada numa solução e a água sair da célula por osmose, diminuindo o seu volume, a solução diz-se hipertónica. Se uma célula for colocada numa solução e a água entrar na célula por osmose, aumentando o seu volume, a solução diz-se hipotónica (figura 3.15a). Uma solução isotónica pode ser isosmótica para o cito- plasma. Uma vez que as soluções isosmóticas têm a mesma con- centração de solutos e água do que o citoplasma da célula, não se verificam movimentos efectivos da água e a célula nem aumenta nem diminui de volume (figura 3.15b). As soluções hipertónicas podem ser hiperosmóticas e ter uma concentração maior de solutos e menor de água do que o citoplasma da célula. Por isso, a água move-se por osmose da célula para a solução hipertónica, o que origina uma diminuição no volume da célula – processo em que a parede celular se enruga, chamado crenação (figura 3.15c). As soluções hipotónicas podem ser hiposmóticas e ter uma concentração menor de moléculas de soluto e maior de água do que o citoplasma da célula. Assim, a água move-se por osmose para o interior da célula, originando um aumento no seu volu- me. Se a célula aumentar excessivamente de volume pode sofrer ruptura, processo que é denominado lise celular (ver figura 3.15a). As soluções injectadas no sistema circulatório ou nos te- cidos devem ser isotónicas já que os aumentos ou diminuições de volume das células prejudicam o seu funcionamento normal e podem conduzir à morte celular. O sufixo -osmótico refere-se à concentração das soluções e o sufixo -tónico refere-se à tendência das células para aumentar ou diminuir de volume. Estes termos não devem ser usados de forma permutável visto que nem todas as soluções isosmóticas são isotónicas. Por exemplo, é possível preparar uma solução de glicerol e uma solução de manitol isosmóticas em relação ao citoplasma da célula. Dado serem isosmóticas, possuem a mes- ma concentração de solutos e de água que o citoplasma. No en- tanto, o glicerol pode difundir-se através da membrana plasmá- Glóbulo vermelho H2O Solução hipotónica Solução isotónica Solução hipertónica (a) A solução hipotónica com baixa concentração de solutos provoca o aumento de volume (setas pretas) e a lise (ruptura na porção inferior esquerda do glóbulo) do glóbulo vermelho colocado na solução. (b) Uma solução isotónica com uma concentração normal de iões mantém o glóbulo vermelho com a forma normal. As moléculas de água deslocam-se para dentro e para fora da célula em equilíbrio (setas pretas), mas não existe movimento do líquido. (c) Uma solução hipertónica, com uma concentração elevada de solutos, causa um enrugamento ou crenação (plasmólise) do glóbulo à medida que a água se desloca da célula para a solução (setas pretas). Figura 3.15 Efeitos de Soluções Hipotónicas, Isotónicas e Hipertónicas nos Glóbulos Vermelhos Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 73 Os mecanismos de transporte mediado apresentam três características: especificidade, competição e saturação. Espe- cificidade significa que cada proteína de transporte se liga e transporta apenas um único tipo de moléculas. Por exemplo, a proteína de transporte da glicose não se liga a aminoácidos ou iões. A estrutura química do sítio de ligação determina a espe- cificidade da proteína de transporte (figura 3.16a). A competi- ção é o resultado de moléculas semelhantes se ligarem à proteí- na de transporte. Apesar de os sítios de ligação das proteínas de transporte serem específicos, substâncias intimamente relacio- nadas podem ligar-se ao mesmo sítio de ligação. A substância com maior concentração, ou a substância que mais facilmente se liga ao sítio de ligação, será transportada através da membra- na plasmática a uma velocidade superior (figura 3.16b). Satu- ração significa que a velocidade de transporte de moléculas atra- vés da membrana é limitada pelo número de proteínas de trans- porte disponíveis. À medida que aumenta a concentração da substância transportada, mais proteínas de transporte têm os seus sítios de ligação ocupados. A velocidade a que a substância é transportada aumenta; contudo, uma vez que a concentração da substância aumente de forma a que todos os sítios de ligação fiquem ocupados, a velocidade de transporte mantém-se cons- tante, apesar de a concentração da substância continuar a au- mentar (figura 3.17). Existem três tipos de transporte mediado: difusão facili- tada, transporte activo e transporte activo secundário. tica e o manitol não. Quando o glicerol se difunde para o inte- rior da célula, a concentração de solutos do citoplasma aumenta e a concentração de água diminui. Assim, a água move-se por osmose para o interior da célula, provocando o aumento do seu volume, ou seja, o glicerol é simultaneamente isosmótico e hipotónico. Pelo contrário, o manitol não entra na célula e a so- lução isosmótica de manitol é igualmente isotónica. Filtração Ocorre filtração quando se coloca uma divisória porosa numa corrente de líquido em movimento. A divisória funciona como uma peneira muito fina. As partículas suficientemente pequenas atravessam os poros juntamente com o líquido mas as partículas maiores do que os porossão impedidas de a atravessar. Ao con- trário da difusão, a filtração depende da diferença de pressão entre ambos os lados da divisória. O líquido desloca-se do lado com maior pressão para o lado com menor pressão. A filtração ocorre no rim como um passo da formação da urina. A pressão arterial faz com que a parte líquida do sangue atravesse uma divisória ou membrana de filtração. A água, os iões e as pequenas moléculas atravessam a membrana, ao passo que a maior parte das proteínas e das células sanguíneas perma- necem no sangue. 9. Enuncie quatro formas pelas quais as substâncias atraves- sam a membrana plasmática. 10. Defina soluto, solvente e gradiente de concentração. Os solutos difundem-se contra ou a favor do gradiente de concentração? 11. Como é que a velocidade de difusão é afectada pelo aumento do gradiente de concentração? E pelo aumento da temperatu- ra da solução? E pelo aumento da viscosidade do solvente? 12. Defina osmose e pressão osmótica. Quando a concentra- ção de uma solução aumenta, o que acontece à sua pressão osmótica e à tendência da água para se deslocar para dentro da solução? 13. Compare soluções isosmóticas, hiperosmóticas e hiposmóticas com soluções isotónicas, hipertónicas e hipotónicas. Que tipo de solução provoca a crenação da célula? E a sua lise? 14. Defina filtração e dê um exemplo de onde ocorre no corpo humano. Mecanismos de Transporte Mediado Muitas moléculas essenciais, tais como os aminoácidos e a glicose, não conseguem entrar na célula por difusão simples; muitos outros produtos, tais como as proteínas, não conseguem sair da célula por difusão. Os mecanismos de transporte mediado en- volvem proteínas de transporte, presentes na membrana plas- mática, que deslocam grandes moléculas hidrossolúveis ou mo- léculas carregadas electricamente através da membrana. Quando a molécula a transportar se liga à proteína de transpor- te num dos lados da membrana, a configuração tridimensional desta modifica-se e a molécula é transportada para o lado opos- to da membrana (ver figura 3.11). A proteína de transporte reto- ma, então, a sua configuração original e fica disponível para trans- portar outras moléculas. Competição. Moléculas com formas semelhantes podem competir pelo mesmo sítio de ligação. Especificidade. Apenas moléculas que apresentam a forma correcta para se ligarem ao sítio de ligação são transportadas. Sim Sim Sim (b) Sítio de ligaçãoNão (a) Figura 3.16 Transporte Mediado: Especificidade e Competição Parte 1 Organização do Corpo Humano74 Transporte Activo O transporte activo é um processo de transporte mediado que requer energia fornecida pelo ATP (figura 3.18). O movimento da substância transportada para o lado oposto da membrana, seguido da sua libertação pela proteína de transporte, é alimen- tado pela degradação de ATP. A velocidade máxima a que o trans- porte activo ocorre depende do número de proteínas de trans- porte na membrana plasmática e da disponibilidade de ATP ade- quado. Os processos de transporte activo são importantes uma vez que podem deslocar substâncias contra os seus gradientes de concentração, isto é, da menor para a maior concentração. Con- sequentemente, têm a capacidade para acumular substâncias num dos lados da membrana plasmática em concentrações muito su- periores às do outro lado. O transporte activo também pode transferir substâncias de concentrações maiores para menores. Alguns mecanismos de transporte activo trocam uma subs- tância por outra. Por exemplo, a bomba de sódio e potássio trans- porta o sódio para o exterior da célula e o potássio para o seu interior (figura 3.18). O resultado é uma concentração mais ele- vada de sódio no exterior da célula e uma concentração de po- tássio mais elevada no seu interior. A velocidade de transporte de moléculas para uma célula é efectuada contra a concentração das moléculas que estão fora da célula. Quando a concentração aumenta, a velocidade de transporte aumenta, estabilizando em seguida. 1. Quando a concentração de moléculas fora da célula é baixa, a velocidade de transporte é também baixa porque está limitada pelo número de moléculas disponíveis para transportar. 2. Quando há mais moléculas fora da célula, enquanto houver proteínas de transporte disponíveis podem ser transportadas mais moléculas, aumentando assim a velocidade com que cada proteína de transporte pode transportar solutos. Quando o número de moléculas fora da célula é tão grande que as proteínas de transporte se encontram todas ocupadas, o sistema está saturado e a velocidade de transporte já não pode aumentar. 3. A velocidade de transporte é limitada pelo número de proteínas de transporte e pela velocidade com que cada proteína pode transportar solutos. Quando o número de moléculas existentes fora da célula é tão elevado que as proteínas de transporte estão todas ocupadas, o sistema fica saturado e a velocidade de transporte já não pode aumentar. Líquido extracelular Citoplasma Concentração de moléculas fora da célula Velocidade de transporte de moléculas Proteína de transporte Molécula a transportar 1 3 2 (Processo) Figura 3.17 Saturação de uma Proteína de Transporte Difusão Facilitada A difusão facilitada é o processo de transporte mediado de subs- tâncias para dentro ou para fora das células, da região de con- centração mais elevada para a menos elevada. A difusão facili- tada não necessita de energia metabólica para transportar as subs- tâncias através da membrana plasmática. A velocidade com que as moléculas são transportadas é directamente proporcional ao seu gradiente de concentração até ao ponto de saturação, quan- do todas as proteínas de transporte estão a ser utilizadas. A par- tir de então a velocidade de transporte mantém-se constante na sua velocidade máxima. E X E R C Í C I O O transporte de glicose para dentro e para fora da maior parte das células, tais como as células musculares e adiposas, ocorre por difusão facilitada. Quando a glicose entra numa célula, é conver- tida rapidamente em moléculas como a glicose-6-fosfato ou o glicogénio. Que efeito tem esta conversão sobre a capacidade da célula para adquirir glicose? Explique. Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 75 15. O que é o transporte mediado? Que tipo de moléculas são transportadas através da membrana plasmática por transporte mediado? 16. Descreva especificidade, competição e saturação como características dos mecanismos de transporte mediado. 17. Compare difusão facilitada com transporte activo em relação ao dispêndio de energia e ao movimento de substâncias a favor ou contra o seu gradiente de concentração. 18. O que são transporte activo secundário, co-transporte e contra-transporte? Transporte Activo Secundário O transporte activo secundário envolve o transporte activo de um ião como o sódio para fora da célula, estabelecendo um gra- diente de concentração, com a concentração de iões mais eleva- da no exterior da célula. A tendência para o ião voltar para o interior da célula, a favor do seu gradiente de concentração, for- nece a energia necessária para transportar um ião diferente ou outra molécula para dentro da célula. Por exemplo, a glicose é transportada do lúmen do intestino para o interior das células epiteliais através de transporte activo secundário (figura 3.19). 1 2 3 4 5 6 7 Líquido extracelular Citoplasma Sítio de ligação do ATP Proteína de transporte 1. Três iões de sódio (Na+) e um ATP ligam-se à molécula transportadora. ADP Degradação do ATP (liberta energia) A proteína de transporte muda de forma 2. O ATP degrada-se em adenosina difosfato (ADP) e um fosfato (P) e liberta energia. 3. A proteína de transporte muda de forma e o Na+ étransportado através da membrana. 4. O Na+ difunde-se para fora da molécula transportadora. 5. Dois iões potássio (K+) ligam-se à molécula transportadora. 6. O fosfato é libertado. Na+ P K+ A proteína de transporte retoma a forma original 7. A proteína de transporte muda de forma, transportando K+ através da membrana e o K+ difunde-se para fora da proteína de transporte. A proteína de transporte pode ligar-se de novo ao Na+ e ATP. ATP Na+ Na+ K+ P K+ (Processo) Figura 3.18 Bomba de Sódio e Potássio Parte 1 Organização do Corpo Humano76 Este processo requer duas proteínas de transporte: (1) a bomba de sódio e potássio transporta activamente o Na+ para fora da célula e (2) a outra proteína de transporte facilita a entrada de Na+ e glicose na célula. Quer o Na+, quer a glicose são necessá- rios para que a proteína de transporte funcione. O movimento de Na+ a favor do seu gradiente de concen- tração fornece energia suficiente para deslocar as moléculas de glicose para o interior da célula contra o gradiente de concentra- ção desta. Por isso, a glicose pode acumular-se com uma con- centração mais elevada no interior do que no exterior da célula. Dado que o movimento das moléculas de glicose contra o seu gradiente de concentração resulta da formação do gradiente de concentração de Na+ por um mecanismo de transporte activo, o processo é denominado transporte activo secundário. Os iões ou moléculas movidos por transporte activo se- cundário podem deslocar-se através da membrana na mesma direcção, ou na direcção oposta, de um ião que entra na célula por difusão a favor do seu gradiente de concentração. O co-trans- porte, ou simporte, é um tipo de transporte activo secundário no qual o movimento se dá na mesma direcção. Por exemplo, a glicose, a frutose e os aminoácidos deslocam-se, juntamente com o Na+, para o interior das células do intestino e dos rins. O con- tra-transporte, ou antiporte, é um tipo de transporte activo secundário em que os iões ou moléculas se deslocam em direc- ções opostas. Por exemplo, o pH interno das células é mantido por contra-transporte, que desloca H+ para fora da célula à me- dida que o Na+ entra na célula. E X E R C Í C I O Nas células do músculo cardíaco, a concentração intracelular do Ca2+ afecta a força de contracção do coração. Quanto maior for a concentração intracelular de Ca2+, maior a força de contracção. O contra-transporte de Na+/Ca2+ ajuda a regular o nível intracelular de Ca2+ ao transportá-lo para fora das células do músculo cardíaco. Dado que o uso de digitálicos diminui o transporte de Na+, deveria o coração bater com mais ou menos força quando exposto a estes fármacos? Explique. Líquido extracelular Bomba de sódio- -potássio Glicose Na+ K+ Na+ Glicose Molécula transportadora Uma bomba de sódio-potássio mantém a concentração de Na+ mais elevada no exterior da célula do que no seu interior. O Na+ volta de novo para o interior da célula, auxiliado por uma proteína de transporte que também transporta glicose. O gradiente de concentração para o Na+ fornece energia que pode ser usada para deslocar a glicose contra o gradiente. Exemplo de co-transporte de Na+ e glicose. 2. 1. 1 2 Citoplasma (Processo) Figura 3.19 Transporte Activo Secundário Endocitose e Exocitose Objectivo ■ Descrever os processos de endocitose e exocitose. A endocitose, ou internalização de substâncias, inclui os processos de fagocitose e de pinocitose e refere-se à entrada de material volu- moso na célula através da membrana plasmática por formação de uma vesícula. Uma vesícula é um sáculo limitado por uma mem- brana que se encontra no citoplasma celular. Uma porção da membrana plasmática invagina-se em torno de uma partícula ou gotícula, fundindo-se de forma a envolvê-la completamente. Se- guidamente, essa porção da membrana destaca-se de tal forma que a partícula ou gotícula envolvida pela membrana fica incluída no citoplasma e a membrana plasmática permanece intacta. Fagocitose significa, literalmente, alimentação da célula (fi- gura 3.20) e aplica-se à endocitose quando são ingeridas partículas sólidas, formando-se vesículas fagocíticas. Os glóbulos brancos e algumas outras células fagocitam bactérias, detritos celulares e par- tículas estranhas ao organismo. Por isso mesmo, a fagocitose é im- portante na eliminação de substâncias nocivas do organismo. Pinocitose significa ingestão de líquidos pela célula e distin- gue-se da fagocitose porque as vesículas formadas são menores e contêm moléculas dissolvidas em líquido e não partículas (figura 3.21). A pinocitose forma frequentemente vesículas perto dos ex- tremos de invaginações profundas da membrana plasmática. Cons- titui um mecanismo comum de transporte em muitos tipos de cé- lulas e ocorre em certas células dos rins, em células epiteliais do intestino, em células do fígado e em células das paredes capilares. A endocitose pode exibir especificidade. Por exemplo, as cé- lulas que fagocitam bactérias e tecidos necróticos não fagocitam células saudáveis. A membrana plasmática pode conter moléculas receptoras específicas que reconhecem determinadas substâncias e permitem o seu transporte para o interior da célula por fagocitose ou pinocitose. Este mecanismo denomina-se endocitose mediada por receptores e as zonas receptoras combinam-se apenas com certas moléculas (figura 3.22). Este mecanismo aumenta a veloci- Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 77 dade com que substâncias específicas são consumidas pelas células. O colesterol e os factores de crescimento são exemplos de molécu- las que podem entrar na célula por endocitose mediada por recep- tores. Tanto a fagocitose como a pinocitose requerem energia sob a forma de ATP, tratando-se, por isso, de processos activos. Contudo, uma vez que envolvem o movimento de material volumoso para o interior da célula, a fagocitose e a pinocitose não apresentam nem o grau de especificidade nem o de saturação do transporte activo. Em algumas células há acumulação de secreções dentro de vesículas. Estas vesículas de secreção deslocam-se posteriormente para a membrana plasmática, com a qual as vesículas se fundem, sendo o conteúdo da vesícula expelido para fora da célula. Este processo é denominado exocitose (figura 3.23). A secreção de enzimas digestivas pelo pâncreas, de muco pelas glândulas sali- vares e de leite pelas glândulas mamárias são exemplos de exo- citose. Em alguns aspectos, o processo é semelhante ao da fago- citose e pinocitose, mas dá-se na direcção oposta. O quadro 3.2 sumaria e compara os mecanismos pelos quais os diferentes tipos de moléculas são transportados através da membrana plasmática. 19. Defina endocitose e vesícula. Em que diferem a fagocitose e a pinocitose? 20. O que é a endocitose mediada por receptores? 21. Descreva e dê exemplos de exocitose. Vesículas pinocíticas Parede capilar Interior do capilar Exterior do capilar Exterior do capilar Célula endotelial do capilar Pinocitose Exocitose Interior do capilar Glóbulo vermelho TEM 72,000x Figura 3.21 Pinocitose (a) A pinocitose é muito semelhante à fagocitose, com excepção dos prolongamentos celulares. Tal leva as vesículas formadas a serem muito menores e o material dentro da vesícula a ser líquido e não sólido. As vesículas pinocíticas formam-se no lúmen de um capilar, são transportadas através da célula e abrem por exocitose fora do capilar. (b) Microfotografia em microscópio electrónico de transmissão da pinocitose. (a) (b) Figura 3.20 Endocitose (a) Fagocitose. (b) Microfotografia em microscópio electrónico de varrimento da fagocitose. Prolonga- -mentos celulares Partícula Vesícula fagocítica SEM 7,000x (a) (b) Hipercolesterolemia A hipercolesterolemia é uma doença genéticacomum que afecta 1/500 adultos nos Estados Unidos. Consiste numa redução ou ausência de receptores das lipoproteínas de baixa densidade (LDL, Low Density Lipoproteins) na superfície das células. Isto interfere com a endocitose mediada por receptores de LDL–colesterol. Como resultado do consumo inadequado de colesterol, a síntese de colesterol nestas células não é regulada, sendo produzido demasiado colesterol. Quando em excesso, o colesterol acumula-se nos vasos sanguíneos originando aterosclerose, que pode estar na origem de enfartes do miocárdio ou acidentes vasculares cerebrais. Parte 1 Organização do Corpo Humano78 Quadro 3.2 Comparação de Mecanismos de Transporte Através da Membrana Plasmática Mecanismo Substâncias de transporte Descrição transportadas Exemplo Movimento aleatório de moléculas que resulta na passagem de líquidos de áreas de maior para menor concentração. A água difunde-se através de uma membrana selectivamente permeável. O líquido desloca-se através de uma divisória que permite a passagem de algumas das substâncias do líquido; o movimento deve-se a uma diferença de pressão ao longo da divisória. Moléculas transportadoras combinam-se com substâncias e transportam-nas através da membrana plasmática; sem utilização de ATP; as substânci- as deslocam-se sempre de áreas de maior concentração para áreas de menor concentra- ção; exibe as características de especificidade, saturação e competição. As moléculas transportadoras combinam-se com substâncias e transportam-nas através da membrana plasmática; com utilização de ATP; as substânci- as podem deslocar-se de áreas de menor para maior concentra- ção; exibe as características de especificidade, saturação e competição. Há iões deslocados através da membrana plasmática por transporte activo, o que estabe- lece um gradiente de concentra- ção; com utilização de ATP; iões posteriormente deslocados a favor do gradiente de concen- tração por difusão facilitada e outra molécula, ou ião desloca- se com o ião difundido (co- transporte) ou na direcção oposta (contra-transporte). A membrana plasmática forma uma vesícula em torno das substâncias a serem transpor- tadas e a vesícula é levada para o interior da célula; com utilização de ATP; na endocitose mediada por receptores são ingeridas substâncias específicas. Materiais produzidos pela célula são incluídos em vesículas de secreção, que se fundem com a membrana plasmática e libertam os seus conteúdos para fora da célula; com utilização de ATP. Moléculas lipossolúveis dissolvem- se na bicamada lipídica e difundem-se através dela; iões e pequenas moléculas difundem-se através de canais de membrana. A água difunde-se através da bicamada lipídica. Líquido e substâncias atravessam os poros da divisória. São transportadas substâncias demasiado grandes para atravessarem canais de membrana e demasiado polares para se dissolverem na bicamada lipídica. São transportadas substâncias demasiado grandes para atravessarem canais de membrana e demasiado polares para se dissolverem na bicamada lipídica; são transportadas substâncias acumuladas em concentrações mais elevadas num dos lados da membrana do que no outro. Alguns açúcares, aminoácidos e iões. Na fagocitose captam-se células e partículas sólidas; na pinocitose captam-se molécu- las dissolvidas num líquido. São transportadas proteínas segregadas e lípidos. Difusão Osmose Filtração Difusão facilitada Transporte activo Transporte activo secundário Endocitose Exocitose Oxigénio, dióxido de carbono e lípidos (p. ex., hormonas esteróides) dissolvem-se na bicamada lipídica; iões de Cl- e ureia deslocam-se através de canais de membrana. A água passa do estômago para o sangue. A filtração nos rins permite a remoção de todas as substân- cias do sangue, excepto as proteínas e células sanguíneas. A glicose desloca-se por difusão facilitada para as células adiposas e musculares. Iões como o Na+, K+ e Ca2+ são transportados activamente. O gradiente de concentração é estabelecido pelo Na+ nas células epiteliais intestinais, fornecendo energia para o co- transporte de glicose com iões Na+. Em muitas células, iões H+ são contra-transportados (em direcção oposta a) com iões Na+. Células fagocíticas do sistema imunitário ingerem bactérias e detritos celulares; a maior parte das células ingere substâncias por pinocitose. São transportadas enzimas digestivas, hormonas, neurotransmissores e secre- ções glandulares; são elimina- dos produtos de excreção. Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 79 Citoplasma Objectivo ■ Descrever o citosol e o citosqueleto da célula. O citoplasma, material celular exterior ao núcleo mas con- tido pela membrana plasmática, é constituído pelo citosol e organelos em partes aproximadamente iguais. Citosol O citosol consiste numa parte fluida, num citosqueleto e em in- clusões citoplasmáticas. A porção fluida do citosol é uma solução com iões e moléculas dissolvidas e um colóide com moléculas em suspensão, particularmente proteínas. Muitas destas proteínas são enzimas que catalisam o desdobramento de moléculas para obtenção de energia ou para a síntese de glícidos, ácidos gordos, nucleótidos, aminoácidos e outras moléculas. Citosqueleto O citosqueleto confere suporte à célula e mantém o núcleo e os organelos nos seus lugares. É também responsável pelos movi- mentos celulares, tais como mudanças de configuração celular e movimento dos organelos. O citosqueleto é constituído por três grupos de proteínas: microtúbulos, filamentos de actina e fila- mentos intermédios (figura 3.24). Os microtúbulos são túbulos ocos compostos principalmente por unidades proteicas, denominadas tubulina. Os microtúbulos têm cerca de 25 nanómetros (nm) de diâmetro, com paredes de 5 nm de espessura. Embora o seu comprimento seja variável, têm normalmente vários micrómetros (mm). Os microtúbulos desem- penham vários papéis dentro das células. Contribuem para o su- porte e estrutura do citoplasma (funcionando como uma armação interna). Estão envolvidos no processo de divisão celular, no trans- porte de materiais intracelulares e na formação de componentes essenciais de certos organelos celulares, como os centríolos, o fuso cromático, os cílios e os flagelos. Os microfilamentos, ou filamentos de actina, são peque- nas fibrilhas com cerca de 8 nm de diâmetro que formam feixes, agregados ou redes no citoplasma celular, assemelhando-se a teias de aranha. Os filamentos de actina conferem estrutura ao citoplasma e suporte mecânico às microvilosidades. Também servem de su- porte à membrana plasmática e definem a configuração celular. As variações nesta implicam a fragmentação e reconstrução dos filamentos de actina. São estas mudanças de forma que permitem a movimentação de algumas células. As células musculares, por exem- plo, contêm um grande número de filamentos de actina altamente organizados, responsáveis pelas capacidades contrácteis do mús- culo (ver capítulo 9). 1. As moléculas receptoras à superfície da célula ligam-se às moléculas que vão ser transportadas para dentro dela. 2. Os receptores e as moléculas que lhe estão ligadas são introduzidos na célula quando a vesícula é formada. 3. A vesícula está formada. 1 2 3 Vesícula Moléculas a transportar (Processo) Figura 3.22 Endocitose Mediada por Receptores 1. O complexo de Golgi concentra e, nalguns casos, modifica as moléculas proteicas produzidas pelo retículo endoplasmático rugoso e envolve-as nas vesículas de secreção. 3. Na exocitose, a vesícula dirige-se para a membrana plasmática, funde-se com ela, e abre depois para o exterior, largando o seu conteúdo no espaço extracelular. 2. Uma vesícula de secreção destaca-se do complexo de Golgi. Membranaplasmática O conteúdo da vesícula de secreção é libertado Vesícula de secreção formada a partir do complexo de Golgi A vesícula de secreção funde-se com a membrana plasmática Complexo de Golgi 1 2 3 TEM 30,000x (Processo) Figura 3.23 Exocitose (a) Exemplo de exocitose (b) Microfotografia em microscópio electrónico de transmissão da exocitose. (a) (b) Parte 1 Organização do Corpo Humano80 Organelos Objectivos ■ Descrever centríolos, fuso cromático, cílios, flagelos e microvilosidades. ■ Explicar a estrutura e funções dos ribossomas, retículo endoplasmático rugoso, retículo endoplasmático liso, complexo de Golgi e vesículas de secreção. ■ Estabelecer as diferenças entre lisossomas, peroxissomas e proteassomas. ■ Descrever a estrutura e funções das mitocôndrias. Os organelos são pequenas estruturas existentes no in- terior das células especializadas em determinadas funções, tais como o fabrico de proteínas ou a produção de ATP. Os organelos podem ser considerados como unidades de produção indivi- duais da célula, cada uma responsável por uma tarefa especí- fica. A maior parte dos organelos (embora não todos) possui membranas semelhantes à membrana plasmática. As mem- branas separam o interior dos organelos do restante citoplas- ma, criando um compartimento subcelular com as suas pró- prias enzimas e capaz de levar a cabo as suas próprias reacções químicas. O núcleo é um exemplo de um organelo. O número e tipo de organelos citoplasmáticos de cada célula está relacionado com a estrutura e função específicas dessa célula. As células que segregam grandes quantidades de proteínas contêm organelos bem desenvolvidos que sintetizam e segregam proteínas, enquanto que as células que transportam activamente substâncias (p. ex., iões de sódio) através da membrana plasmática contêm organelos altamente desenvolvidos que produzem ATP. As secções Membrana plasmática Mitocôndria Os microtúbulos são compostos por subunidades proteicas de tubulina. São tubos com diâmetro de 25 nm e paredes de 5 nm de espessura. Os filamentos intermédios são fibras proteicas com 10 nm de diâmetro. Filamento intermédio Microtúbulo Os filamentos de actina (microfila- mentos) são compostos de subunidades de actina e têm cerca de 8 nm de diâmetro. Ribossomas Retículo endoplasmático Núcleo Subunidades proteicas Subunidades proteicas Subunidades proteicas 10 nm 8 nm 25 nm 5 nm SEM 60,000x Figura 3.24 Citosqueleto (a) Diagrama do citosqueleto (b) Microfotografia em microscópio electrónico de varrimento do citosqueleto. (a) (b) Os filamentos intermédios são fibras proteicas com cerca de 10 nm de diâmetro que conferem força mecânica às células. Por exemplo, os filamentos intermédios suportam as extensões das células nervosas, que possuem um diâmetro muito pequeno mas podem medir um metro de comprimento. Inclusões Citoplasmáticas O citosol contém igualmente inclusões citoplasmáticas, que constituem agregados de substâncias químicas produzidas pela célula ou provenientes do exterior. Por exemplo, gotículas lipí- dicas ou grânulos de glicogénio armazenam moléculas ricas em energia; a hemoglobina transporta oxigénio nos glóbulos ver- melhos; a melanina é um pigmento que confere cor à pele, cabe- los e olhos; e os lipocromos são pigmentos que aumentam em quantidade com o envelhecimento. No citoplasma podem ainda acumular-se poeiras, minerais e corantes. 22. Defina citoplasma e citosol. 23. Quais são as duas funções gerais do citosqueleto? 24. Enuncie e descreva as funções dos microtúbulos, filamentos de actina e filamentos intermédios. 25. Defina e dê exemplos de inclusões citoplasmáticas. O que são lipocromos? Capítulo 3 Estrutura e Funcionamento da Célula 81 seguintes descrevem a estrutura e funções gerais dos principais organelos existentes no citoplasma das células. Centríolos e Fuso Cromático O centrossoma é uma zona especializada do citoplasma localizada perto do núcleo, que é o centro da formação dos microtúbulos. Contém dois centríolos, pequenos organelos cilíndricos com cer- ca de 0,3-0,5 µm de comprimento e 0,15 µm de diâmetro, estando ambos orientados perpendicularmente em relação um ao outro, no interior do centrossoma (ver figura 3.1). A parede do centríolo é composta por nove unidades paralelas, orientadas longitudinal- mente e uniformemente espaçadas. Cada unidade consiste em três microtúbulos paralelos, ligados entre si e designados por tripletos (figura 3.25). Os microtúbulos parecem influenciar a distribuição dos filamentos de actina e dos filamentos intermédios. Por isso, atra- vés do controlo da formação de microtúbulos, o centrossoma está altamente envolvido na determinação da configuração e movimento da célula. Os microtúbulos, que se prolongam da partir do centrossoma, são muito dinâmicos – estão constante- mente a aumentar e a diminuir de tamanho. Antes da divisão celular, os dois centríolos duplicam em nú- mero, o centrossoma divide-se em dois, e um deles, contendo dois centríolos, desloca-se para cada uma das extremidades da célula. Tripleto de microtúbulos Centríolo Centríolo TEM 60,000x (a) (b) Figura 3.25 Centríolo (a) Estrutura de um centríolo, composto por nove tripletos de microtúbulos. Cada tripleto contém um microtúbulo completo fundido com dois microtúbulos incompletos. (b) Microfotografia em microscópio electrónico de transmissão de um par de centríolos que normalmente se encontram juntos, perto do núcleo. Um é mostrado em secção transversal e outro em secção longitudinal. Um conjunto de microtúbulos, denominado fuso cromático, pro- longa-se em todas as direcções a partir do centrossoma. Estes microtúbulos variam de tamanho ainda mais rapidamente do que aqueles em que as células não se encontram em divisão. Se uma extremidade distendida do fuso cromático entrar em contacto com um cinetocoro, uma região especializada de cada cromossoma, o fuso cromático liga-se ao cinetocoro, cessando o aumento ou a di- minuição do seu tamanho. A seu tempo, o fuso cromático de cada centrómero liga-se aos cinetocoros de todos os cromossomas. Du- rante a divisão celular, os microtúbulos facilitam o movimento dos cromossomas em direcção aos centrossomas (ver “Divisão Celu- lar” na página 96 deste capítulo). Cílios e Flagelos Os cílios são apêndices que se projectam da superfície das células, com capacidade de se movimentarem. Encontram-se geralmente limitados a uma superfície de uma determinada célula e variam em número, de um a vários milhares por célula. Os cílios apresentam forma cilíndrica, com cerca de 10 µm de comprimento e 0,2 µm de diâmetro, e o seu eixo é envolvido pela membrana plasmática. Dois microtúbulos centrais e nove pares periféricos de microtúbulos fun- didos, o denominado padrão 9+2, estendem-se da base até à extre- midade de cada cílio (figura 3.26). O movimento dos microtúbulos, um processo que requer energia do ATP, é responsável pelo movi- mento dos cílios. Os braços de dineína, proteínas que ligam entre si os pares adjacentes de microtúbulos, provocam o deslizamento dos microtúbulos uns sobre os outros. Um corpo basal (um centríolo modificado) encontra-se localizado no citoplasma, na base do cílio. Os cílios são numerosos à superfície das células que reves- tem as vias respiratórias e o aparelho reprodutor feminino. Nestas superfícies, os cílios movem-se de uma forma coordenada, com uma fase activa numa direcção e uma fase reversa na direcção oposta (figura 3.27). Este movimento desloca materiais à superfície das células. Os cílios localizados na traqueia, por exemplo, deslocam, no sentido das vias aéreas superiores, muco com partículas de pó embebidas, afastando-o dos pulmões. Este mecanismo ajuda a manter os pulmões livres de detritos. Os flagelos possuem uma estrutura semelhante à dos cílios mas são mais compridos
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