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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, CIÊNCIAS E LETRAS DE RIBEIRÃO PRETO CURSO DE PEDAGOGIA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO II – PROF. DR. MARCUS VINICIUS DA CUNHA – Roteiro de Aulas Este material não é uma apostila nem um resumo dos conteúdos da disciplina, mas apenas um esquema da matéria a ser ministrada. Sua leitura, portanto, não dispensa a frequência do aluno às aulas. Este roteiro pode ser obtido no endereço www.ffclrp.usp.br (portal). Primeira Parte – Filosofia Moderna I. Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) A filosofia de Rousseau tem um caráter marcadamente político, consistindo na proposição de bases para uma nova sociedade. Suas principais obras: – Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens (1755) – O contrato social (1762) – Emílio ou da educação (1762) O pensamento político de Rousseau O homem nasce bom, mas torna-se corrompido pelas desigualdades sociais. A ordem social não decorre da natureza, mas dos homens. Diferentemente dos outros animais, o homem é um ser perfectível. Para isso, é preciso que a sociedade garanta a sua liberdade natural e, ao mesmo tempo, a sua segurança. É preciso que um contrato social assegure a cada homem a expressão de sua vontade particular, que é o fundamento da vontade coletiva. A obra educacional mais importante de Rousseau é Emílio ou da educação, que integra o conjunto de suas reflexões políticas. – Emílio mostra como deve ser a educação para que se realize uma nova sociedade. 2 Rousseau é considerado um empirista, mas também é visto como precursor do Romantismo. Romantismo Movimento filosófico criado e desenvolvido entre o final do século XVII e meados do século XIX. Contrário ao racionalismo, o Romantismo enaltece a imaginação, a intuição, a espontaneidade e a paixão. Seus principais representantes foram os alemães Fichte e Schelling. Leitura: “Sociedade e natureza” – Emílio Crítica à sociedade existente: o homem “natural” e o homem “civil”. Não existe, atualmente, o cidadão. A sociedade corrompe o homem: “cidade” versus “campo”. Leitura: “Educação e liberdade” – Emílio A sociedade corrompe a criança. A solução é formar a criança com base na “dependência das coisas”, isto é, por meio da experiência, para que ela adquira autocontrole. Contra a indisciplina, a complacência e a liberdade das paixões: a liberdade deve ser bem regrada. Exercício 1: Rousseau apropriando-se dele mesmo. – Leitura: “A lição” – Emílio. 3 II. Immanuel Kant (1724-1804) Kant inaugurou a busca pela superação da dicotomia típica do pensamento moderno: racionalismo versus empirismo. Teoria do Conhecimento As formas a priori – Para que a experiência (impressões sensoriais) tenha significado, são necessárias formas a priori. – As formas a priori são preenchidas pela experiência. As formas a priori constituem a Razão, que é: – Universal: porque está em todos os seres humanos, constituindo um “molde” que acondiciona a experiência. – Transcendental: porque não depende da experiência individual, sendo a-histórica e atemporal. – Necessária: porque fornece regras para o pensamento (a causalidade, por exemplo). Razão (Adaptado de Convite à filosofia, de M. Chaui, 2002) A razão é uma estrutura vazia, uma forma pura sem conteúdos. Essa estrutura (e não os conteúdos) é que é universal, a mesma para todos os seres humanos, em todos os tempos e lugares. Essa estrutura é inata, isto é, não é adquirida pela experiência. (...) Ou, como escreve Kant, a estrutura da razão é a priori (vem antes da experiência e não depende dela). Porém, os conteúdos que a razão conhece e nos quais ela pensa, esses sim, dependem da experiência. Sem ela, a razão seria sempre vazia, inoperante, nada conhecendo. (...) A matéria do conhecimento, por ser fornecida pela experiência, vem depois desta e por isso é, no dizer de Kant, a posteriori. Teoria da Moral 4 A moral diz respeito à conduta motivada pelo Imperativo Categórico, não pelo Imperativo Hipotético. – A conduta moral é guiada pelo Dever. É só por meio da conduta moral que o homem alcança a Liberdade, a Autonomia. Imperativo Categórico Ordens ditadas pelo que deve ser. “Age de tal modo que a sua ação possa valer como norma universal”. Imperativo Hipotético Ordens ditadas por necessidades práticas, regras relativas ao mundo fenomênico. Dever Forma moral que impele o indivíduo a seguir a Razão para que se torne um ser autônomo (livre). Liberdade É a condição do indivíduo que segue o Dever, tornando-se, assim, autônomo. Exemplo: a regra “não roubar” pode ser seguida com base no medo da punição ou com base no respeito a uma lei universal. Leituras: “A necessidade da educação” – Sobre a pedagogia A educação como necessidade e possibilidade do homem. A educação é o que torna o homem verdadeiramente homem (ser social). Educar consiste em disciplinar a conduta, em direção à Liberdade e ao Dever. Exercício 2: Kant apropriando-se dele mesmo. – Leitura: “A prática da educação” – Sobre a pedagogia. 5 III. Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831) Proposição central do Hegelianismo: A Razão é “histórica”. A historicidade da razão (Adaptado de Convite à filosofia, de M. Chaui, 2002) Ao afirmar que a razão é histórica, Hegel não está, de modo algum, dizendo que a razão é algo relativo, que vale hoje e não vale amanhã, que serve aqui e não serve ali, que cada época não alcança verdades universais. Não. O que Hegel está dizendo é que a mudança, a transformação da razão e de seus conteúdos é obra racional da própria razão. A razão não é uma vítima do tempo, que lhe roubaria a verdade, a universalidade, a necessidade. A razão não está na História; ela é a História. A razão não está no tempo; ela é o tempo. Ela dá sentido ao tempo. O movimento dialético da Razão A Razão (Espírito Absoluto, Deus) fez um percurso em busca de sua própria realização: tese, antítese e síntese. A Razão realizou esse movimento no campo do conhecimento, em busca de uma síntese entre racionalismo e empirismo. – Tese: Os racionalistas (Descartes) enfatizaram o sujeito intelectual, a razão pessoal, inata, universal, necessária e imutável. – Antítese: Os empiristas (Bacon, Locke, Hume e Rousseau) valorizaram a experiência sensorial e psicológica. – Síntese: Kant superou os racionalistas e os empiristas, fazendo a síntese de ambos, afirmando que tanto a razão quanto a experiência, isoladas, são insuficientes, pois constituem um mesmo processo. A Razão realizou esse mesmo percurso na história, em busca de um sentido para o homem. – Tese: O primeiro momento foi no Oriente, quando o Imperador Chinês era a única expressão da liberdade. – Antítese: O segundo momento foi no Ocidente, quando alguns homens (os cidadãos gregos) tornaram-se livres. 6 – Síntese: O terceiro momento foi também no Ocidente, quando o Cristianismo determinou que todos os homens são livres. Mais tarde, a Reforma Protestante completou esse movimento, estabelecendo que todos os homens podem escolher os seus destinos. Duas formas de Consciência Todas as pessoas possuem uma consciência em-si. – Certas pessoas superam essa forma de consciência, incorporando a Razão e passando à consciência para-si. Consciência em-si (ser em-si) Estado de natureza em que a consciência é igual a si mesma, singular, presa à imediaticidade, à subjetividade. Sua essência é o eu subjetivo, individual, excluindo o Outro (seu negativo). Consciência para-si (ser para-si) Estado de autonomia (liberdade) em que a consciência atinge um estado de abstração, eliminando a imediaticidade, a subjetividade. A consciência incorpora o Outro, renunciando à particularidade. Teoria Política Os indivíduosque possuem consciência para-si são chamados “heróis”. – Esses indivíduos realizam transformações sociais que resultam na criação dos Estados. – O Estado é a forma política que representa a realização máxima do Espírito Absoluto no âmbito da vida coletiva. Estado ou Estado Nacional ou Estado-Nação Diz respeito à organização social, política e jurídica de um povo sob o comando de uma estrutura administrativa, com governo próprio e soberania sobre determinado território. Os Estados Nacionais começaram a surgir no final da Idade Média, sendo a Alemanha praticamente o último Estado-Nação a se organizar na Europa. O Império Alemão foi criado em 1871, sob o comando do Imperador Guilherme I e de seu chanceler Otto von Bismarck. O movimento pela constituição do Estado Alemão envolveu diversos intelectuais, como Hegel e Fichte. 7 As instituições que formam o Estado são as expressões máximas da cultura de uma época e da vontade coletiva ditada pela Razão. Os demais indivíduos devem entrar em sintonia com a Razão, submetendo à vontade coletiva as suas vontades subjetivas individuais. – Assim, esses indivíduos cumprem o Dever, tornando-se livres. Exercício 3: Como podemos nos apropriar de Hegel, na educação? Produzir uma proposta pedagógica condizente com a filosofia de Hegel. 8 IV. Karl Marx (1818-1883) Crítica a Hegel A história não é a expressão do Espírito Absoluto, mas das relações sociais estabelecidas no âmbito da vida material. – As ideias, a consciência humana, a razão, a moral e o próprio homem são decorrentes das relações sociais de produção. Modo de Produção As relações sociais são determinadas pelo modo como os homens se organizam para produzir, o dia respeito à propriedade dos meios de produção. Havendo propriedade privada, as relações sociais são conflitantes, gerando a “luta de classes” e, consequente, a revolução que move a história. Leitura: “A ideologia” – A ideologia alemã Crítica aos “jovens hegelianos” alemães: desmascarar os cordeiros que se consideram lobos. Os homens deixam-se guiar por concepções falsas sobre a realidade: a base da consciência humana não são as ideias sobre o mundo, e sim as bases materiais da produção. As ideias da classe social dominante constituem os pensamentos socialmente dominantes, que não são leis eternas e imutáveis. Teoria Política Materialista No modo capitalista de produção, há duas classes em luta: a burguesia e o proletariado. A mudança da história ocorrerá quando ocorrer a revolução, ou seja, quando o conflito entre essas duas classes resultar em uma nova ordem social. O novo Modo de Produção assim gerado produzirá uma nova ordem de ideias. Exercício 4: Como podemos nos apropriar de Marx, na educação? Elaborar uma proposta pedagógica condizente com a filosofia de Marx. 9 V. Os manuais de ensino intuitivo do século XIX No século XIX surgiram manuais de ensino a serem utilizados pelos professores, com o intuito de realizar os ideais educacionais iluministas. Exercício 5: Métodos pedagógicos e ideais políticos. Leitura: “O método intuitivo: os sentidos como janelas e portas que se abrem para um mundo interpretado” – V. T. Valdemarin. 10 Segunda Parte – Filosofia Contemporânea Prólogo: Crenças Educacionais da Modernidade O Iluminismo Favorecida pelas condições sociais decorrentes da ascensão da burguesia e do desenvolvimento do capitalismo, a filosofia moderna instituiu a crença no poder total da razão. – Todos podem tornar-se membros da humanidade e da civilização, por meio do conhecimento. – Esse princípio de humanização do homem por meio do conhecimento recebeu o nome de Iluminismo (Aufklärung, Esclarecimento ou Ilustração). O Ideário Científico Iluminista A ciência é o que nos permite conhecer e controlar as forças da natureza, por meio da investigação objetiva da realidade, livre de dogmas e superstições. – O conhecimento assim obtido será colocado a serviço de todos os homens. O Ideário Educacional Iluminista A educação escolar é o único meio capaz de formar o novo homem e construir a nova sociedade. – Para isso, as velhas formas de educar devem ser substituídas por outras, baseadas na ciência. O problema central da filosofia moderna É preciso fundamentar a crença de que o conhecimento é possível. – É preciso afastar a dúvida cética. 11 Respostas oferecidas por filósofos e pedagogos A contribuição racionalista – Descartes: o conhecimento é possível porque o homem é dotado de faculdades mentais inatas que o habilitam a distinguir o que é real. – Kant: o conhecimento é possível porque o homem possui uma estrutura mental racional que organiza suas impressões sensoriais. – Hegel: o conhecimento é possível porque a consciência humana pode entrar em sintonia com o Espírito Absoluto. A contribuição empirista – O conhecimento é possível porque as impressões sensoriais formam na mente humana uma imagem correta da realidade. – Comênio na Didática Magna (século XVII): a mente do aluno deve ser formada pela escola, que deve selecionar e ordenar os conteúdos. – Rousseau (século XVIII): a mente do aluno deve ser formada por experiências sensoriais ricas e espontâneas, sob o comando (disfarçado) do professor. – O Método Intuito (século XIX): a mente do aluno deve ser formada pela escola, que deve ministrar atividades que estimulem os sentidos e levem à formação de conceitos. Exercício 6: Nossas crenças educacionais Leitura: “Educação: certezas ou apostas?” – H. Hannoun. 12 VI. A Pós-modernidade A Era Contemporânea é caracterizada pelo surgimento de concepções denominadas pós- modernas. – Assim, a filosofia contemporânea pode ser chamada de filosofia pós-moderna ou filosofia da pós-modernidade. Pós-modernidade A expressão “pós-modernidade” é oriunda do livro A condição pós-moderna, de 1979, do filósofo francês Jean-François Lyotard. Caracteriza-se a pós-modernidade pela negação das realizações da modernidade e também pela necessidade de superar essas mesmas realizações. Na contemporaneidade, há duas vertentes de pensamento pós-moderno: - Por um lado, nega-se a crença no poder inabalável da ciência e da razão. - Por outro, busca-se substituir essa crença por outras, algumas delas originárias de uma nova concepção de ciência. Leitura: “O fim do determinismo” – I. Prigogine Os cientistas contemporâneos abandonaram a noção moderna de certeza. Leitura: “A incerteza e os métodos científicos” – W. Heisenberg A física contemporânea não considera os conceitos científicos como expressões de verdades absolutas. Ainda assim, tais conceitos servem de fundamento para os métodos científicos de investigação. 13 VII. Friedrich Nietzsche (1844-1900) Crítica à Cultura Ocidental A cultura grega clássica grega continha um embate entre dois impulsos contraditórios. – O impulso dionisíaco – termo inspirado em Dionísio, deus do vinho, da dança e da música: representa a exarcebação dos sentidos, o extase mítico, a amoralidade dos instintos, as paixões (pathos). – O impulso apolíneo – termo inspirado em Apolo, deus da harmonia e da regularidade: representa a ordem, a perfeição, o sentido preciso da palavra e do pensamento (logos). O surgimento do “homem racional” na Grécia Clássica desviou a cultura ocidental, produzindo a vitória de Apolo sobre Dionísio. – Mais tarde, a filosofia tornou-se vítima do cristianismo. O retorno do ceticismo, na forma de niilismo Niilismo Do latim nihil (nada) – doutrina filosófica que nega a existência do absoluto, quer como verdade, quer como valor ético. Nietzsche empregou o termo niilismo para designar o resultado da decadência européia, a ruína dos valores tradicionais consagradosna civilização ocidental do século XIX. O niilismo opõe-se à ideia de progresso, expressando a descrença na possibilidade de um futuro glorioso para a civilização. Nietzsche usa a expressão “morte de Deus” para indicar o fim dos fundamentos metafísicos presentes nos valores éticos, estéticos e sociais da tradição filosófica ocidental. Leituras: “O intelecto como dissimulação” e “Linguagem e verdade”. Crítica à razão iluminista. Contra a pretensão de racionalidade do homem. Crítica à linguagem como expressão de valores e conceitos em correspondência com a realidade. Exercício 7: Nietzsche versus nossas crenças educacionais. Confrontar o Exercício 6 com as concepções filosóficas de Nietzsche. 14 IX. Sigmund Freud (1856-1939) O homem fragmentado A personalidade é dividida em id (pulsões inatas primitivas), ego (instância socializada) e superego (instância moral internalizada). A personalidade é dividida entre o inconsciente (pulsões primárias inacessíveis ao ego) e o consciente (pulsões aceitas pelo superego). O inconsciente determina e interfere no consciente, gerando conflitos e produzindo sofrimento psicológico. A solução parcial dos conflitos Os conflitos da personalidade não podem ser integralmente solucionados porque o inconsciente não é diretamente acessível. – O comportamento observável é apenas um indício do inconsciente, que permanece indecifrável. A psicoterapia psicanalítica permite acesso parcial ao inconsciente, amenizando os conflitos da personalidade, o que não significa “cura” – o sofrimento psicológico é persistente. A impossibilidade de solução total dos conflitos O conflito entre id e ego tem origem na natureza humana. As pulsões primárias contêm energias destrutivas, e por isso precisam ser reprimidas para que os homens vivam em sociedade. – Nenhuma sociedade pode prescindir da repressão ao id. – Nenhuma sociedade consegue solucionar totalmente os conflitos. – Portanto, o homem está fadado ao sofrimento psicológico. Exercício 8: Educação impossível e educação possível Leitura: “A criança sem liberdade” – A. S. Neill
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